Prévia do material em texto
Puericultura Saberes e Praticas Devani Ferreira Pires organizadora Puericultura Uma Relação Dialógica Reitor José Daniel Diniz Melo Vice-Reitor Henio Ferreira de Miranda Diretoria Administrativa da EDUFRN Maria das Graças Soares Rodrigues (Diretora) Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto) Bruno Francisco Xavier (Secretário) Conselho Editorial Maria da Penha Casado Alves (Presidente) Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária) Adriana Rosa Carvalho Alexandro Teixeira Gomes Elaine Cristina Gavioli Everton Rodrigues Barbosa Fabrício Germano Alves Francisco Wildson Confessor Gilberto Corso Gleydson Pinheiro Albano Gustavo Zampier dos Santos Lima Izabel Souza do Nascimento Josenildo Soares Bezerra Ligia Rejane Siqueira Garcia Lucélio Dantas de Aquino Marcelo de Sousa da Silva Márcia Maria de Cruz Castro Márcio Dias Pereira Martin Pablo Cammarota Nereida Soares Martins Roberval Edson Pinheiro de Lima Tatyana Mabel Nobre Barbosa Tercia Maria Souza de Moura Marques Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Secretária Adjunta de Educação a Distância Ione Rodrigues Diniz Morais Coordenadora de Produção de Materiais Didáticos Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Coordenadora de Revisão Aline Pinho Dias Coordenador Editorial José Correia Torres Neto Gestão do Fluxo de Revisão Edineide Marques Gestão do Fluxo de Editoração Mauricio Oliveira Jr. Conselho Técnico-Científico – SEDIS Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo – SEDIS (Presidente) Aline de Pinho Dias – SEDIS André Morais Gurgel – CCSA Antônio de Pádua dos Santos – CS Célia Maria de Araújo – SEDIS Eugênia Maria Dantas – CCHLA Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS Isabel Dillmann Nunes – IMD Ivan Max Freire de Lacerda – EAJ Jefferson Fernandes Alves – SEDIS José Querginaldo Bezerra – CCET Lilian Giotto Zaros – CB Marcos Aurélio Felipe – SEDIS Maria Cristina Leandro de Paiva – CE Maria da Penha Casado Alves – SEDIS Nedja Suely Fernandes – CCET Ricardo Alexsandro de Medeiros Valentim – SEDIS Sulemi Fabiano Campos – CCHLA Wicliffe de Andrade Costa – CCHLA Revisão de ABNT Edineide da Silva Marques Capa Juliana Gomes Atanazio Diagramação Juliana Gomes Atanazio Natal, 2023 Puericultura Uma Relação Dialógica Devani Ferreira Pires organizadora Catalogação da publicação na fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte Secretaria de Educação a Distância Puericultura uma Relação Dialógica [recurso eletrônico] / organizado por Devani Ferreira Pires. – 1. ed. – Natal: SEDIS-UFRN, 2023. 11900 KB; 1 PDF. ISBN 978-65-5569-366-9 1. Puericultura. 2. Saúde da Criança. 3. Educação em Saúde. 4. Educação Interprofissional. I. Pires, Devani Ferreira. CDU 61:378 P977 Elaborada por Edineide da Silva Marques CRB-15/488. Sumário Agradecimentos ............................................................. 10 Apresentação ................................................................. 11 Devani Ferreira Pires Prefácio ......................................................................... 12 Marcelo Viana da Costa Capítulo 01 ..................................................................... 20 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. Devani Ferreira Pires Capítulo 2 ...................................................................... 35 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho Capítulo 03 ..................................................................... 58 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar Capítulo 04 ..................................................................... 76 Primeira consulta do recém-nascido Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Capítulo 05 ..................................................................... 90 Testes de triagem neonatal Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Capítulo 6 .................................................................... 100 Rotina de cuidados Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Capítulo 7 .................................................................... 118 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza Capítulo 8 .................................................................... 129 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Capítulo 9 .................................................................... 151 Aleitamento Materno Devani Ferreira Pires Capítulo 10 ................................................................... 169 Alimentação Complementar Ana Suely de Andrade Capítulo 11 ....................................................................176 Competências para a alimentação oral no primeiro ano de vida Raquel Coube de Carvalho Yamamoto Capítulo 12 .................................................................. 184 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos Capítulo 13 ................................................................... 197 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Carla Ismirna Santos Alves Capítulo 14 ................................................................... 220 Desenvolvimento da linguagem e da fala nos primeiros anos de vida Amanda Rose Alves Jorge Vanessa Giacchini Capítulo 15 ................................................................... 228 Importância da saúde mental no ciclo gravídico-puerperal Ana Catarina Vieira de Menezes Capítulo 16 ................................................................... 237 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Capítulo 17 ................................................................... 266 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha Capítulo 18 ................................................................... 276 Vacinação Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Capítulo 19 ................................................................... 304 Prevenção de injúrias Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira Capítulo 20 ................................................................... 315 A saúde da criança com síndrome de Down Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires Capítulo 21 .................................................................. 328 Diagnóstico precoce do câncer na clínica pediátrica Karynne Maria Oliveira da Trindade Medeiros Capítulo 22 ................................................................... 345 Seguimento ambulatorial do recém-nascido prematuro Devani Ferreira Pires Capítulo 23 .................................................................. 369 Crianças e adolescentes vítimas de violência e maus tratos Amannda Melo de Oliveira Lima Capítulo 24 .................................................................. 382 Dificuldade alimentar no lactente Devani Ferreira Pires Monique Silveira Rosa Célia Regina Barbosa de Araújo Capítulo 25 .................................................................. 399 Choro do lactente e a sua (in)compreensão Devani Ferreira Pires Marcelo Viana da Costa Apêndice ...................................................................... 410 Anexo ........................................................................... 422 Índice ...........................................................................423 Autores colaboradores Devani Ferreira Pires (organizadora) 10 Agradecimentos Aos profissionais que tão generosamente colaboraram com a produção dos textos e acreditaram na pertinência deste trabalho. Aos residentes de Pediatria do Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN, pela colaboração textual e pelas refle- xões sobre a práxis. Aos professores, professoras, preceptoras dos depar- tamentos de Enfermagem, Fonoaudiologia, Nutrição e Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Fisioterapia do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), pelo trabalho de autoria e/ou supervisão de capítulos. À coordenação da Secretaria de Educação a Distância (SEDIS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela aprovação deste recurso instrucional. À equipe de revisão e editoração da SEDIS, pelo compro- misso com a qualidade durante todo o processo de produção, tornado possível sua conclusão. Ao professor Dr. Marcelo Viana da Costa, que prefacia este e-book, pela dedicação inspiradora à educação interprofissio- nal e pelo incentivo à produção acadêmica. 11 Apresentação O e-book Puericultura: Uma Relação Dialógica tem como objetivo apresentar temas sobre a saúde da criança, conduzidos por um fio invisível que reúne os diversos conhecimentos, pensamentos e práticas profissionais. Acreditamos em uma puericultura que reconheça e valorize o papel de cada profissional de saúde e de áreas afins, mãe, pai, familiar ou cuidador frente à promoção do bem-estar integral da criança. Essa não é uma tarefa simples de ser realizada, por isso mesmo, exige a lente da complexidade. Não se restringe à competência de um único saber ou fazer, mas, antes, demanda saber escutar, exercitar o diálogo, aprender continuamente (juntos) e refletir sobre como podemos fazer melhor. É incontestável a importância do desenvolvimento da criança e as suas repercussões para a vida individual, familiar e social. O cuidado respeitoso com a vida humana e com o planeta nunca foi tão urgente quanto no momento presente. Finalizando, convidamos a todos e todas para uma leitura crítica e reflexiva, cientes de que a educação em saúde é um processo dinâmico, sempre em construção. Devani Ferreira Pires Organizadora 12 Prefácio Marcelo Viana da Costa O mundo passa por grandes e importantes transformações. A população mundial está envelhecendo, surgem novos riscos infecciosos, ambientais e comportamentais, ainda é marcante a desigualdade social entre diferentes estratos da socieda- de, com implicações no acesso aos serviços de saúde, novos padrões de comunicação e interações sociais, entre outras mudanças (CRISP; CHEN, 2014; FRENK et al., 2010). Essas mu- danças impõem grandes desafios aos sistemas de saúde. Os problemas são provenientes de múltiplos e variados determinantes, que se articulam, tonando complexas as necessidades de saúde e, consequentemente, as ações para seu enfrentamento (BUSS, 2011; BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Considerando essa dimensão complexa e dinâmica das necessidades de saúde, é possível entender o título dessa obra: “Puericultura: Uma Relação Dialógica”. Não é coerente pensarmos uma atenção à saúde de qualidade, coerente com as necessidades de saúde, que não aconteça em intrínseca articulação e complementariedade entre diferentes saberes e práticas profissionais. O trabalho em saúde é, em essência, uma prática cole- tiva (MENDES-GONÇALVES, 2017), e a realidade atual de vida e saúde é um convite para a defesa intransigente dessa assertiva. É estranho fazer essa defesa, quando parece óbvio a necessidade de articulação entre diferentes sabe- res e práticas na produção dos serviços de saúde. Embora 13 Marcelo Viana da Costa aparentemente habitual, a realidade mostra que, em algum momento da história, a sociedade, a formação e o trabalho em saúde legitimaram a intensa fragmentação dos atos em saúde como modelo de efetividade e eficácia para a obtenção de melhores resultados em saúde. O discurso de eficácia, eficiência, agilidade, legitimado pelo intenso processo de globalização fez com que o setor saúde incorporasse a mesma lógica de uma linha de produção: cada pessoa fazendo uma parte, sem, muitas vezes, conhecer a totalidade do processo. Trata-se de uma típica tendência taylorista/fordista, colocando o usuário como objeto do trabalho em saúde, negando a este – na maioria das vezes – o papel de coprodutor/sujeito no processo de produção dos serviços de saúde (PIRES, 1998, 2008; SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009). Evidências científicas indicam que esse modelo, além de caro, demonstra pouca capacidade de resposta às complexas necessidades de saúde, com intenso distanciamento do processo histórico de lutas pelo fortalecimento dos sistemas de saúde nas diferentes realidades do mundo. A fragmentação dos atos em saúde, legitimada pela intensa especialização e a supervalorização da dimensão técnica como expressão do saber profissional gerou, na dinâmica da formação e do trabalho em saúde, muito mais um clima de competição e disputa, em detrimento da necessária e fundamental colaboração – pilar para o efetivo trabalho em equipe (PEDUZZI et al., 2020). A colaboração, por sua vez, requer uma mudança de paradigma e um movimento comprometido em (re)situar o usuário na centralidade do processo de produção dos serviços de saúde. Embora o trabalho em equipe seja reco- nhecido como importante e capaz de produzir melhores 14 Prefácio resultados em saúde, ainda é marcante a limitação dos pro- fissionais de saúde e estudantes para interação entre as diferentes áreas do conhecimento e práticas profissionais, que pode ser explicado, em grande medida, pela tendência de atuarem separadamente nas instituições de ensino e de saúde – o tribalismo das profissões (HALL, 2005). Umas das consequências desse fenômeno é a compreensão reduzida da dimensão complexa da colaboração como fundamento do trabalho em equipe (D’AMOUR et al., 2005; SAN MARTÍN- RODRÍGUEZ et al., 2005). Colaborar exige dos profissionais de saúde e estudante atitudes de abertura para compartilhar objetivos, decisões, sem que isso seja demérito para atuação profissional dos atores/atrizes envolvidos. Exige o fortalecimento de relações de interdependência, marcadas pela confiança, pelo respeito e pela valorização mútuos e, acima de tudo, equilíbrio de poderes entre estudantes e profissionais de diferentes categorias profissionais (D’AMOUR; OANDASAN, 2005). É com esse propósito que o debate sobre a educação interprofissional vem crescendo fortemente em todo o mundo (BARR, 2015). Aprender juntos, de forma interativa, com o propósito explícito de melhorar a colaboração e a qualidade da atenção à saúde (REEVES et al., 2016) repre- senta a intenção de resgatar a centralidade dos usuários na produção dos serviços de saúde, o que implica afirmar que são as complexas e dinâmicas necessidades de saúde das pessoas que ordenam o nível e a intensidade das interações interpro- fissionais e interdisciplinares (OANDASAN; REEVES, 2005). A educação interprofissional, por sua vez, fornece subsídios teórico-conceituais e metodológicos capazes de contribuir no 15 Marcelo Viana da Costa desenvolvimento de profissionais mais aptos para a colabo- ração e o trabalho em equipe (SCHMITT et al., 2013). Sem dúvidas, é essa intenção que permeia as contribuições dessa obra. São muitos saberes e práticas necessários para o atendimento das necessidades de saúde da infância, que é tão suscetível às intensas transformações mencionadas neste estudo. A criança sente com grande força as influências das intempéries de nosso tempo, o que exige um esforço para que a atenção à saúde a esse grupo experimente a transição de uma tendência fragmentada e competitiva para uma cultura da colaboração, em que a interprofissionalidade e a interdisciplinaridade se mostram complementares para a compreensão realista das necessidades de saúde e o enfrentamentoadequado, materializado em ações integradas, complementares e continuadas. Por fim, é necessário afirmar que a articulação de saberes e práticas é um compromisso com o Sistema Único de Saúde e a defesa intransigente de seus preceitos. Efetivar a integralidade requer análise ampliada e responsável das necessidades de saúde, bem como a integração entre diferentes áreas de conhecimento, das práticas e de diferentes setores da sociedade – interdisciplinaridade, interprofissionalidade e interprofissionalidade. A equidade, indispensável ao cuidado com o humano e a universidade, por sua vez, demandam sensibilidade e responsabilidade social para a construção de uma sociedade mais justa, comprometida com a melhoria de vida e saúde de todas as pessoas. É bem verdade que muitas políticas e ações foram adotadas para fortalecer o SUS e seus princípios. Igualmente verídico que a história traz momentos de descontinuidade e 16 Prefácio até mesmo de retrocessos. Mas, uma coisa é certa: integrar saberes e práticas é o melhor caminho para manter firme o propósito de qualificar e fortalecer um SUS, que desde sua idealização representa uma das lutas emblemáticas por uma sociedade melhor. É justo finalizar esse prefácio com Manoel de Barros: “Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. Certamente, este livro traz encantamentos, mantendo a chama acesa para que a articulação de saberes e práticas nos proporcione dias melhores e mais felizes. 17 Marcelo Viana da Costa Referências BARR, H. Interprofessional Education: the genesis of a global movement. United Kingdon: Center For The Advancement of Inteprofessional Care, 2015. BUSS, P. Brazil: structuring cooperation for health. Lancet, v. 377, n. 9779, p. 1722-1723, 2011. BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: revista de saúde coletiva, v. 17, p. 77-93, 2007. CRISP, N.; CHEN, L. Global Supply of Health Professionals. New England Journal of Medicine, v. 370, n. 10, p. 950-957, mar. 2014. D’AMOUR, D. et al., The conceptual basis for interprofessional collaboration: core concepts and theoretical frameworks. Journal of interprofessional care, v. 19 Suppl 1, p. 116-131, maio 2005. D’AMOUR, D.; OANDASAN, I. Interprofessionality as the field of interprofessional practice and interprofessional education: an emerging concept. J Interprof Care, v. 19 Suppl 1, p. 8-20, 2005. FRENK, J. et al., Health professionals for a new century: Ttransforming education to strengthen health systems in an interdependent world. The Lancet, v. 376, n. 9756, p. 1923- 1958, 2010. 18 Prefácio HALL, P. Interprofessional teamwork: Professional cultures as barriers. Journal of Interprofessional Care, v. 19, n. sup1, p. 188-196, maio 2005. MENDES-GONÇALVES, R. B. Saúde, sociedade e história. São Paulo: HUCITEC, 2017. OANDASAN, I.; REEVES, S. Key elements of interprofessional education. Part 2: Factors, processes and outcomes. Journal of Interprofessional Care, v. 19, p. 39-48, 2005. PEDUZZI, M. et al., Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. suppl 1, 2020. PIRES, D. Processo de trabalho em saúde, no Brasil no contexto das transformações atuais na esfera do trabalho. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 51, n. 3, p. 529-532, 1998. PIRES, D. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. In: PIRES, D. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. [S.l: s.n.], 2008. p. 253. REEVES, S. et al., A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teach, v. 38, n. 7, p. 656-668, 2016. 19 Marcelo Viana da Costa SAN MARTÍN-RODRÍGUEZ, L. et al., The determinants of successful collaboration: A review of theoretical and empirical studies. Journal of Interprofessional Care, v. 19, p. 132-147, 2005. SCHERER, M. D. D. A.; PIRES, D.; SCHWARTZ, Y. Collective work: A challenge for health management | Trabalho coletivo: Um desafio para a gestão em saúde. Revista de Saude Publica, v. 43, n. 4, p. 721-725, 2009. SCHMITT, M. H. et al., The coming of age for interprofessional education and practiceAmerican Journal of Medicine, 2013. Disponível em: https://pubmed. ncbi.nlm.nih.gov/23415053/. Acesso em: 5 ago. 2021. 20 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. Devani Ferreira Pires 1.1 Introdução O desenvolvimento na primeira infância refere-se às etapas evolutivas que ocorrem na área cognitiva, física, imunológica, motora, social, emocional e na linguagem de crianças, desde a sua concepção até os 06 - 08 anos de idade. Essas transformações, especialmente nos primeiros três anos de vida, ocorrem numa velocidade sem paralelo no curso da vida humana. É nesse período, segundo a neurociência, que são construídos os circuitos cerebrais fundamentais para a aprendizagem, a produtividade e o bem-estar social ao longo da vida (WALKER et al., 2011; BLACK et al., 2017; BRITTO et al., 2017; WHO, 2018, 2019). Os fatores de risco para o desenvolvimento infantil incluem a estimulação cognitiva inadequada, o atraso no crescimento, a restrição de crescimento intrauterino, as doenças secundárias às carências nutricionais, como a anemia ferropriva; as doenças infeciosas em etapas pré- -natal, neonatal e pós-neonatal; a exposição aos diversos contaminantes ambientais; a violência; o estresse tóxico; os sintomas depressivos maternos; e a pobreza, repercutindo 21 Devani Ferreira Pires negativamente para a aquisição do capital humano (WALKER et al., 2011). A iniciativa da Nurturing Care Framework, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aponta que todos os cuidadores precisam ser capacitados e apoiados para que proporcionem cuidados apropriados e responsivos às crianças. As recomendações contidas nesse documento incluem orientações adequadas à promoção da saúde, nutrição adequada, segurança, prote- ção, e oportunidades para aprendizagem na primeira infância (WHO, 2018, 2019). A estratégia global para a saúde das mulheres, das crian- ças e dos adolescentes (2016-2030), agenda elaborada pela Organização Mundial de Saúde e parceiros em 2015, propõe esforços para que mulheres, crianças e adolescentes usu- fruam de seu direito à saúde física e mental e ao bem-estar, tenham oportunidades sociais e econômicas e possam parti- cipar plenamente da construção de sociedades prósperas e sustentáveis (OMS, 2016). 1.2. Eventos adversos na infância e o risco de problemas de saúde futuros O número de eventos adversos na infância (Adverse Childhood Experiences – ACEs) pontua tipos de abuso, como o físico, emocional e sexual; negligência física e emocional; disfunção familiar, como doença mental materna, violência doméstica, uso de drogas ilícitas, parceiro apenado e/ou separação conjugal. Quanto maior o número de eventos adversos identificados, maior será o risco de problemas de saúde futuros. 22 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. O estresse tóxico determina modificações metabólicas, hormonais e na estrutura cerebral, com repercussão em longo prazo na saúde física, no aprendizado, no comportamento, no emprego e na renda. A questão do estresse tóxico pode também acarretar danos de caráter intergeracional (CDC, 2010; MIETZLER et al., 2017). Nessa perspectiva, interromper esse ciclo requer o compromisso de uma agenda com a família, a escola, as redes de atenção social, saúde e com políticas que protejam a criança (OMS, 2016). 1.3. A intervenção como proposta para a obtenção de melhores resultados A qualidade do cuidado com a saúde deve ter início antes da concepção, no pré-natal e no período pós-natalobjetivando a promoção de estilo de vida saudável, nutrição adequada, suplementação apropriada de vitaminas e ferro. Além dos aspectos relacionados à nutrição, a preocupação com a saúde mental materna ocupa um espaço de grande relevância. O engajamento do pai nas consultas de pré-natal deve integrar as políticas de cuidado centrado na família (OMS, 2016). Quanto aos cuidados no período neonatal, os profissio- nais que atuam em maternidades devem incentivar, apoiar e proteger o aleitamento materno, favorecendo o contato pele a pele na primeira hora após o nascimento, conforme as reco- mendações preconizadas pelos dez passos para o sucesso do aleitamento materno, uma proposta da OMS e UNICEF lançada em 1989. No Brasil, a Iniciativa Hospital Amigo da Criança foi implantada como política pública em 1992, pelo Ministério da Saúde (LAMOUNIER et al., 2019). 23 Devani Ferreira Pires A atenção à saúde da mãe e da criança deve ser organizada de forma integrada e continuada, incluindo o pré-natal, o parto, o alojamento conjunto na elaboração do plano de alta hospitalar. Esse trabalho deve ter uma proposta interprofissional, interdisciplinar e colaborativa, considerando a família na centralidade do cuidado e a valorização da rede de apoio e a articulação intersetorial (BRASIL, 2017). O Método Canguru, definido como um modelo de atenção perinatal voltado para a atenção qualificada e humanizada, reúne estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça o cuidado ao recém-nascido e à sua família (BRASIL, 2017). No Brasil, o Método Canguru é desenvolvido em três etapas. A 1ª etapa inicia no período de pré-natal, com o reconhecimento do risco do nasci- mento prematuro, a internação do neonato na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e Unidade de Cuidado Intermediário Convencional (UCINCo); 2ª etapa, internação na Unidade de Cuidado Intermediário Canguru (UCINCa); e 3ª etapa, o cuidado compartilhado com a Atenção Básica (BRASIL, 2017, 2018; OMS, 2018). O Ministério da Saúde recomenda a iniciativa na primeira semana de assistência integral, por meio das consultas nas unidades de saúde ou de visitas domiciliares nos primeiros sete dias após a alta da maternidade. Quando o recém-nascido é classificado como de alto risco, o acompanhamento deve ser realizado nos primeiros três dias após a alta da maternidade. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) instituída pela Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015, estabelece como pilares: 24 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. I - Atenção humanizada e qualificada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao recém-nascido. II - Aleitamento materno e alimentação complementar saudável. III - Promoção e acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento integral. IV - Atenção integral a crianças com agravos prevalentes na infância e com doenças crônicas. V - Atenção integral a crianças em situação de violências, prevenção de acidentes e promoção da cultura de paz. VI - Atenção à saúde de crianças com deficiência ou em situações específicas e de vulnerabilidade. VII - Vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno. As visitas domiciliares são da competência dos agentes comunitários de saúde, compartilhadas por todos os membros da estratégia saúde da família (SILVA et al., 2016). Estudos evidenciam os resultados protetores obtidos com base nessas iniciativas integradas, enfatizando a educação materna e a promoção da saúde da criança (KILBURN; CANNON, 2017; DUFFEE et al., 2017; DENMARK et al., 2018). Reconhecer as necessidades especiais de crianças com ou em risco de deficiências do desenvolvimento exige a elaboração e a realização de intervenções integradas e multidisciplinares em três níveis: a prevenção primária, destinada à redução da incidência de deficiências do desen- volvimento; a prevenção secundária por meio da detecção precoce de deficiências durante os períodos sensíveis 25 Devani Ferreira Pires da neuroplasticidade e a prevenção terciária a partir de programas abrangentes de reabilitação na comunidade (OLUSANYA; KRISHNAMURTHY; WERTLIEB, 2018). A caderneta de saúde da criança é um excelente ins- trumento para o registro de informações relevantes sobre o período gestacional, o nascimento, os testes de triagem neonatal, a vigilância do crescimento e o desenvolvimento e as notificações referentes ao calendário vacinal. Ela reúne conteúdo de promoção à saúde, como as orientações refe- rentes à amamentação e à alimentação complementar. A caderneta esclarece sobre os fatores de risco associados a problemas do desenvolvimento, inclui uma triagem para o desenvolvimento, fornece um guia básico para acompanha- mento do bebê com síndrome de Down e orienta quanto aos sinais de alerta sobre o transtorno do espectro autista. Na caderneta, também devem ser registrados os procedi- mentos de imunização; os testes de triagem neonatal; a saúde bucal, ocular, auditiva; e a suplementação de vita- mina A. Acompanhar o crescimento também é enfatizado a partir do preenchimento das curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde, referentes ao perímetro cefálico para idade, peso para a idade, comprimento/altura para a idade e o índice de massa corporal para a idade. A atenção integral à saúde da criança inclui o diagnóstico em tempo oportuno de morbidades que determinam doenças crônicas, como as detectadas pela triagem biológica neonatal (teste do pezinho), o seguimento do bebê prematuro, aqueles expostos às doenças infecciosas, os lactentes diagnosticados com cardiopatias e outras doenças de evolução crônica. 26 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. Essa realidade de condições cada vez mais desafiadoras exige dos profissionais o compromisso com a permanente capacitação e dos formuladores de políticas a organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS) que garantam a prestação da assistência em todos os níveis, de forma integrada, equânime e universal. A Organização Mundial da Saúde afirma que nenhuma mulher, nenhuma criança e adolescente sejam deixados para trás no curso da vida, para que possamos vislumbrar uma sociedade mais saudável, produtiva e com menos desigualdades (FIERMAN et al., 2016; PLAX et al., 2016; SEGE; BROWNE, 2017; KATKIN et al., 2017; DAVID; FORD, 2017; WHO, 2018, 2019; HELLLIWEL, 2019; MATTSON et al., 2019). Para concluir este capítulo introdutório podemos nos interrogar: o que pode a puericultura na perspectiva do desenvolvimento da primeira infância? Acredito que a puericultura contribua a partir da reflexão sobre os diversos saberes e práticas que acompanham a história da humanidade e que questiona esse fazer ao longo da sua evolução. Podemos também fazer mais se trabalharmos com o propósito de colaborar efetivamente uns com os outros e com a família, buscando o melhor interesse da criança. A pesquisa de evidências científicas importa, como também reduzir as desigualdades sociais, cuidar do planeta de forma responsável e ética, valorizando a vida como um bem primordial. 27 Devani Ferreira Pires Referências GARNER, A. S.; SHONKOFF, J. P.; SIEGEL, B. S.; DOBBINS, M. I.; EARLS, M. F.; MCGUINN. M.; PASCOE, J.; WOOD, D. L. Early Childhood Adversity, Toxic Stress, and the role of the Pediatrician: translating developmental science into lifelong. Pediatrics, [S. l.], v. 129, n. 1, Jan. 2012. DOI: 10.1542/ peds.2011-2662. BETHELL, C. D.; CARLE, A.; HUDZIAK, J.; GOMBOJAV, N.; POWERS, K.; WADE, R.; BRAVEMAN, P. Methods to Assess Adverse Childhood Experiences of Children and Families: Toward Approaches to Promote Child Well-being in Policy and Practice. Academic Pediatrics, [S. l.], v. 17, n. 7, p. 51- 69, 2017. BLACK, M. M. et al., Early childhood development coming of age: science through the life course. Lancet, [S. l.], v. 389, n. 10064, p. 77-90, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31389-7. BRASIL. Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, [2015]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/ prt1130_05_08_2015.html. Acesso em: 8 dez. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017. 340 p. 28 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido. Método Canguru: manual da terceira etapa do Método Canguru na Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/manual_terceira_etapa_metodo_canguru.pdf. Acesso em: 17 jul. 2019. BRITTO, P. et al., Nurturing care: promoting early childhood development. Lancet, [S. l.], v. 389, n. 10064, p. 91-102, 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31390-3. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/ article/PIIS0140-6736(16)31390-3/fulltext. Acesso em: 07 dez. 2021. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Adverse Childhood Experiences Reported by Adults. Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR), [S. l.], v. 59, n. 49, p. 1609-1613, Dec. 2010. Disponível em: https:// www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm5949a1.htm. Acesso em: 13 jul. 2019. DUFFEE, J. H. et al., Early Childhood Home Visiting. Pediatrics, [S. l.], v. 140, n. 3, 2017. Disponível em: https:// pediatrics.aappublications.org/content/140/3/e20172150. Acesso em: 07 dez. 2021. DENMARK, N. et al., Early Childhood Home Visiting. Introduction to the Special Issue on Taking Home Visiting to Scale: Findings from the Maternal, Infant, and Early Childhood Home Visiting Program State-Led Evaluations. Maternal and Child Health Journal, [S. l.], v. 22, supl. 1, p. 1-2, 2018. DOI: https://doi.org/10.1007/s10995-018-2539-5 29 Devani Ferreira Pires FIERMAN, A. H. et al., Redesigning Health Care Practices to Address Childhood Poverty. ACADEMIC PEDIATRICS, [S. l.], v. 16, n. 3, p. 136-146, 2016. Disponível em: https://www. academicpedsjnl.net/article/S1876-2859(16)00020-6/pdf. Acesso em: 21 jul. 2019. DAVID, E.; FORD, B. A. The Community and Public Well- being Model: a new framework and graduate curriculum for addressing adverse childhood experiences. ACADEMIC PEDIATRICS, [S. l.], v. 17, n. 7, p. 9-11, 2017. Suplemento. DOI: https://doi.org/10.1016/j.acap.2017.04.011. GARNER, A. S. Applying an Ecobiodevelopmental Framework to Food Insecurity: More Than Simply Food for Thought. 2012. Journal of Applied Research on Children: informing policy for children at risk, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 9-11, Sept. 2017. Disponível em: http://digitalcommons.library.tmc.edu/ childrenatrisk/vol3/iss1/12. Acesso em: 21 jul. 2019. HELLLIWELL, J. F. Determinants of Well-Being and Their Implications for Health Care. Ann Nutr Metab, [S. l.], v. 74, supl. 2, p. 8-14, 2019. DOI: 10.1159/000499141. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31234187. Acesso em: 14 jul. 2019. HUGHES, K. et al., The effect of multiple adverse childhood experiences on health: a systematic review and meta- analysis. The Lancet Public Health, [S. l.], v. 2, n. 8, p. 356-366, Aug. 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/S2468- 2667(17)30118-4. 30 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. LAMOUNIER, J. A.; CHAVES, R. G.; REGO, M. A. S.; BOUZADA, M. C. F. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: 25 anos de experiência no Brasil. Rev. paul. pediatr., São Paulo, v. 37, n. 4, p. 486-493, Dec. 2019 . KATKIN J. P. et al., Guiding Principles for Team-Based Pediatric Care. Pediatrics, [S. l.], v. 140, n. 2, Aug. 2017. KILBURN, M. R.; CANNON, J. S. Home Visiting and Use of Infant Health Care: A Randomized Clinical Trial. Pediatrics, [S. l.], v. 139, n. 1, p. 1-9, 2017. Disponível em: https:// pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/139/1/ e20161274.full.pdf. Acesso em: 07 dez. 2021. MATTSON, G; KUO, D. Z.; COMMITTEE ON PSYCHOSOCIAL ASPECTS OF CHILD AND FAMILY HEALTH; COUNCIL ON CHILDREN WITH DISABILITIES. Psychosocial Factors in Children and Youth With Special Health Care Needs and Their Families. Pediatrics, [S. l.], v. 143, n. 1, Jan. 2019. MIETZLER, M.; MERRICK, M.; KLEVENS, J.; PORTS, K.; FORD, D. Adverse childhood experiences and life opportunities: Shifting the narrative. Children and Youth Services Review, [S. l.], v. 72, n. 1, p. 1141-149, Jan. 2017. DOI: 10.1016/J.CHILDYOUTH.2016.10.021. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S0190740916303449. Acesso em: 07 dez. 2021. OLUSANYA, B. O.; KRISHNAMURTHY, V.; WERTLIEB, D. RE: Global Initiatives for Early Childhood Development Should be Disability inclusive. Pediatrics, [S. l.], v. 141, n. 3, Mar. 2018. DOI: 10.1542/peds.2017-4055. 31 Devani Ferreira Pires ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Estratégia global para a saúde das mulheres, das crianças e dos adolescentes (2016-2030). Genebra: OMS, 2016. PLAX, K.; DONNELLY, J.; FREDERICO, S. G.; BROCK, L. KACZOROWSKI, J. M. An Essential Role for Pediatricians: becoming child poverty change agents for a lifetime. Academic Pediatrics, [S. l.], v. 16, n. 3, p. 147-154, 2016. Disponível em: https://www.academicpedsjnl.net/article/ S1876-2859(16)00025-5/fulltext. Acesso em: 21 jul. 2019. SEGE, R. D.; BROWNE, C. H. Responding to ACEs With HOPE: health outcomes from positive experiences. Academic Pediatrics, [S. l.], v. 17, n. 7, p. 79-85, 2017. Suplemento. DOI: https://doi.org/10.1016/j.acap.2017.03.007. SILVA, L. L. B. et al., Cuidados prestados à mulher na visita domiciliar da “Primeira Semana de Saúde Integral”. Revista Gaúcha de Enfermagem, [S. l.], v. 37, n. 7, p. 1-9, set. 2016. STENBERG, K. et al., Returns on Investment in the Continuum of Care for Reproductive, Maternal, Newborn, and Child Health. In: BLACK, R. E.; LAXMINARAYAN, R.; TEMMERMAN, M.; WALKER, N. Reproductive, Maternal, Newborn, and Child Health - Disease Control Priorities. 3. ed. [S. l.]: International Bank for Reconstruction and Development : The World Bank, 2016. v. 2. STEPTOE, A.; MARTEAU, T.; FONAGY, P.; ABEL, K. ACEs: Evidence, Gaps, Evaluation and Future Priorities. Social Policy & Society, [S. l.], v. 18, n. 3, p. 415-424, 2019. DOI: 10.1017/S1474746419000149. 32 Capítulo 01 O desenvolvimento da primeira infância e a contribuição da puericultura. WALKER, S. P. et al., Inequality in early childhood: risk and protective factors for early child development. The Lancet, [S. l.], v. 378, n. 9799, p. 1325-1338, Sept. 2011. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60555-2. Disponível em: https:// www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140- 6736(11)60555-2/fulltext. Acesso em: 07 dez. 2021. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Nurturing care for early childhood development: a framework for helping children survive and thrive to transform health and human potential. Geneva: World Health Organization, 2018. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/hand le/10665/272603/9789241514064-eng.pdf?ua=1. Acesso em: 14 jul. 2019. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Operationalizing Nurturing Care for Early Childhood Development - The role of the health sector alongside other sectors and actors. Geneva: WHO, 2019. Disponível em: https:// nurturing-care.org/wp-content/uploads/2019/07/ Operationalizing-NC.pdf. Acesso em: 14 jul. 2019. 33 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho 2.1 Introdução A prevalência da obesidade aumentou em todo o mundo nos últimos 50 anos, atingindo níveis de pandemia. O aumento significativo da obesidade em mulheres trouxe implicações para todos os aspectos da saúdereprodutiva feminina, com obesidade materna fortemente associada a um risco aumentado de quase todas as complicações maternas e fetais (GLASTRAS et al., 2018). No Brasil, entre as mulheres, dados do Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2018 (VIGITEL), fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são preocupantes quando mostram presença de excesso de peso (IMC > 25 kg/m2) em 29,7%, 49% e 56,3% nas faixas etárias de 18-24, 25-34 e 35- 44 anos, respectivamente. Em um estudo de coorte de base populacional (n = 226.958), entre 2004-2012, realizado no Canadá, verificou- -se que uma variação de 10% no Índice de Massa Corpórea (IMC) pré-gestacional está associada a diferenças de risco clinicamente significativas para pré-eclâmpsia, diabetes 34 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança gestacional, indicação de parto prematuro, macrossomia e morte ao nascimento. Além disso, estudos revelam que mulheres com sobrepeso e obesas precisam de mais tempo para conceber, correm maior risco de infertilidade e, quando submetidas à fertilização in vitro, podem experimentar resul- tados negativos a uma taxa mais alta do que as mulheres com peso normal (SILVESTRIS et al., 2018). Na perspectiva da saúde fetal, fortes evidências corrobo- ram a ideia de que a composição corporal, a dieta e o estilo de vida durante a gravidez têm efeitos profundos e dura- douros na saúde em longo prazo do concepto, levando a um risco aumentado no surgimento de doenças não transmissí- veis, incluindo comorbidades cardiovasculares e metabólicas (como hipertensão, obesidade e diabetes tipo 2), condições atópicas, câncer e comprometimento neurológico. Assim, tem surgido o conceito “Origens do Desenvolvimento da Saúde e Doença” e evidências crescentes apontam para a importância do tempo em torno da concepção para promover uma gesta- ção mais saudável (FLEMING et al., 2018). Já no puerpério, o aporte nutricional adequado deve assegurar o fornecimento quantitativo e qualitativo do leite materno, sem comprometer as reservas nutricionais maternas (KOMINIAREK et al., 2016). Nesse contexto, o presente capítulo visa trazer, de forma resumida, as recomendações atuais que permeiam o estado nutricional da mulher nos períodos da concepção, da gestação e da lactação, de modo a assegurar seu estado de saúde e do seu filho em curto e longo prazo, no que se refere ao aporte nutricional adequado. 35 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho 2.2 Nutrição no período pré-concepcional O período de pré-concepção é definido como os 90 dias que antecedem a fecundação, ou ainda, o tempo que corresponde ao momento em que o casal suspende o método contraceptivo até a ocorrência da gravidez (STEPHENSON, 2019). Do ponto de vista biológico, é um período crítico para o desenvolvimento embrionário, visto que hábitos de vida dos pais influenciam a saúde do feto e das próximas gerações. Fatores ambientais, como alimentação inadequada, exposição ao fumo, álcool, drogas e xenobióticos*, podem comprometer o desenvolvimento da prole na fase embrionária, e isso causar repercussões negativas em alguma fase da vida com o aparecimento de morbidades cardiovasculares, metabólicas e neurológicas (FLEMING et al., 2018; STEPHENSON, 2019). Assim, o termo programação metabólica é utilizado para descrever as adaptações fisiológicas que ocorrem em momentos críticos do desenvolvimento embrionário, ocasionadas por estímulos externos. Alterações nutricionais ou hormonais no microambiente uterino podem alterar a expressão gênica fetal e causar danos permanentes em várias etapas dos processos fisiológicos da embriogênese (LANGLEY-EVANS, 2004). A gestação, por ser um momento de grande plasticidade celular, predispõe o organismo a alterações epigenéticas, ou seja, a modificações transmissíveis e reversíveis na expressão de um gene sem a ocorrência de alteração estrutural do DNA. As alterações epigenéticas mais comuns são a metilação do DNA e a modificação de histonas. A metilação é o principal fenômeno epigenético pelo qual o gene é silenciado. Ele ocorre 36 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança quando um grupo metil é transferido de um doador para uma base citosina presente no DNA. Esse fenômeno é essencial para o desenvolvimento fetal adequado, pois controla várias funções do genoma no momento da morfogênese (CHAVARRO et al., 2010). Alguns nutrientes, como os aminoácidos (glicina, histidina e metionina) e as vitaminas do complexo B (B6, B12 e ácido fólico), são conhecidos por participarem do mecanismo de metilação de DNA, sendo os responsáveis pela doação de grupamento metil. Portanto, a ingestão e/ou suplementação desses nutrientes durante o desenvolvimento embrionário pode prevenir o processo de programação transgeracional de doenças, como a obesidade (WATERLAND, 2008). Estudos recentes têm demonstrado a influência paterna no risco do desenvolvimento de doenças metabólicas dos filhos na idade adulta. Pais com IMC elevado podem gerar impacto negativo na qualidade e na integridade do DNA das células germinativas (CHAVARRO et al., 2010). Mudanças na alimentação da gestante podem influenciar de forma definitiva a vida do neonato. As situações de risco nutricional mais estudadas no período gestacional são: excesso de peso, consumo de dietas hipercalóricas, restrição do consumo de proteínas, restrição de calorias e a anemia ferropriva (COX, 2018). A hiperalimentação na gestação envolve o consumo de uma dieta obesogênica, com excesso no consumo de lipídios e/ou de carboidratos refinados. O consumo desse tipo de dieta pode ocasionar vários distúrbios na prole, na idade adulta como: hiperfagia, resistência à insulina, hipertensão, intolerância à glicose (INDRIO et al., 2017). 37 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho A desnutrição ou subnutrição materna, por sua vez, pode ocasionar retardo do crescimento intrauterino e o nascimento de crianças com baixo peso e pequenas para a idade gestacional; entretanto, essas crianças apresentam um aumento da expressão de genes do apetite, o que estimula o aumento da ingestão alimentar e a obesidade no futuro. Essa é uma adaptação metabólica observada na prole de mães que sofrem restrição calórico/proteica ou de disfunção placentária por síndromes hipertensivas na gravidez, em que há interrupção de nutrientes transplacentários e/ou hipóxia fetal (INDRIO et al., 2017). Os nutrientes mais pesquisados para a saúde fetal são os que regulam a síntese de DNA, a divisão celular e o crescimento (ácido fólico, vitaminas B12, A, D, ferro e zinco), os que ajudam no desenvolvimento cerebral (iodo, ácidos graxos, polinssaturados, ômega 3), os antioxidantes (vitaminas A, C e E) e aqueles que são doadores de radicais metil (ácido fólico, vitamina B12, metionina, colina e betaína) (KOLETZKO et al., 2019). O ácido fólico possui papel importante na síntese, na reparação e na metilação do DNA. A modificação no metabolismo do folato pode causar instabilidade epigenética e efeitos transgeracionais, atuando no ambiente uterino da prole na fase adulta, podendo causar déficit de crescimento na geração seguinte, se considerarmos as más formações congênitas que podem persistir até a quinta geração. Porém, a suplementação crônica em altas doses de ácido fólico podem causar efeitos adversos na prole (VITOLO, 2015). Após a sua ingestão, o folato é convertido em tetrahi- drofolato, pela enzima metileno-tetrahidrofolato redutase (MTHFR), que promove a remetilação da homocisteína à 38 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança metionina. A presença de polimorfismo no gene que codifica a MTHFRreduz a sua atividade enzimática e, como consequência, diminui a produção do ácido fólico ativo (tetrahidrofolato) levando ao aumento da homocisteína sérica e a suas reper- cussões negativas, como: danos vasculares, maiores chances para tromboses, infertilidade, pré-eclâmpsia, ruptura prema- tura de placenta, defeitos no tubo neural, abortamentos de repetição, autismo. Portanto, para pacientes que apresentam hiperhomocisteinemia, é recomendada a suplementação com ácido fólico na forma ativa metilada (L-5- metilfolato), além das vitaminas B6 e vitamina B12, com o objetivo de norma- lizarem essas dosagens séricas de homocisteína e reduzir os fatores de riscos e as repercussões negativas para a mãe e para o feto (KOLETZKO et al., 2019). A colina é reconhecida como uma molécula doadora de grupo metil. Ela é necessária para a integridade estrutural das membranas celulares, sinalização celular e transmissão de impulsos nervosos. Possui uma interrelação metabólica com o ácido fólico, no que concerne ao desenvolvimento adequado do cérebro fetal e à proteção do desenvolvimento de doenças do tubo neural e das fissuras orofaciais. É importante para o bom funcionamento placentário e possui um papel de proteção materno/fetal ao estresse. Suas necessidades aumentam ligeiramente durante a gestação, sendo necessária a sua suplementação caso a mulher não consiga consumir quantidades adequadas com base em dieta (MAHAN; RAYMOND, 2018). A betaína pode ser obtida pela alimentação ou derivada da oxidação da colina. Também participa da conversão da homocisteína em metionina, como doadora de metil, numa 39 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho reação catalisada pela betaína-homocisteína metiltransferase (BHMT) que é dependente da vitamina B12 e é fundamental para o desenvolvimento embrionário e fetal. Sua deficiência pode ocasionar uma série de distúrbios metabólicos e déficit de crescimento intrauterino (COX, 2018). Os disruptores endócrinos são substâncias químicas exógenas capazes de mimetizar a ação hormonal no organismo humano. Podem interferir na produção, na liberação, no transporte, no metabolismo, na ligação, na ação ou na eliminação de hormônios naturais. Os mais estudados são o bisfenol A (BPA), ftalatos, diclorodifeniltricloroetano (DDT), éteres difenílicos polibromados (PBDEs) e bifenis policlorados (PCBs) (NOGUEIRA et al., 2013). Evidências sugerem que exposições perinatais ao bisfe- nol podem afetar o crescimento fetal e induzir alterações comportamentais nas crianças em longo prazo (distúrbios de ansiedade, aprendizagem, memória, sociais e sexuais). Podem ainda comprometer o funcionamento mitocondrial das células hepáticas reduzindo a expressão de enzimas- -chave da beta-oxidação, provocando efeitos adversos como aumento de peso, de triglicerídeos hepáticos e esteatose hepática microvesicular no neonato (JEURINK et al., 2019). Já os ftalatos podem interferir na ação ou no metabolismo dos androgênios, hormônios tireoidianos e glicocorticoides (KOMINIAREK et al., 2016). De um modo geral, as mulheres grávidas ou os casais que desejam engravidar estão expostos a uma variedade de compostos químicos nocivos à saúde que estão pre- sentes no ambiente em que vivem de forma intencional, como os pesticidas; ou de forma involuntária, como em 40 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança embalagens de alimentos. Portanto, a recomendação é que sejam adotadas medi- das para minimizar a exposição a esses compostos químicos, especialmente no período da pré-concepção, gestação e pri- meira infância. Por exemplo: evitar o consumo de alimentos industrializados dando preferência alimentos naturais, orgâ- nicos e minimamente processados; evitar o uso de utensílios ou embalagens plásticas para consumir, acondicionar, aque- cer ou congelar alimentos ou bebidas, dando preferência a embalagens de vidro para esse fim; evitar manusear recibos em papel térmico (a composição do papel térmico sensível, o qual contém o bisfenol-A) e a utilização de papel filme PVC para uso culinário. 2.3 Nutrição na Gestação a) Oferta energética: A gestação é um período fisiológico complexo, dinâmico e anabólico. O Institute of Medicine (IOM) recomenda um aumento na oferta energética a partir do 2º trimestre de gestação de 340kcal/d e 452kcal/dia no 3º trimestre (NOGUEIRA et al., 2013). Os requisitos de energia podem variar significativamente, dependendo da idade, do IMC e do nível de atividade da mulher. A ingestão calórica deve, portanto, ser individualizada com base nesses fatores (KOMINIAREK et al., 2016). Ademais, recomendações atuais defendem que a ingestão energética não deveria aumentar mais do que 10% das necessidades normais pré-gestacionais, uma vez que, no último trimestre, apesar da alta demanda nutricional, o nível de atividade física tende a ser reduzido (KOLETZKO et al., 2019). 41 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho Fatores que poderiam indicar uma maior necessidade energética estariam relacionados à gestação na adolescência (crescimento materno), gravidez múltipla, infecções ou distúrbios que possam compremeter a absorção e utilização de nutrientes (KOLETZKO et al., 2019). O foco deve estar no aumento do consumo de alimentos ricos em nutrientes e na minimização de alimentos com calorias vazias que podem fornecer a energia extra necessária, mas não fornecem micronutrientes necessários em quantidades muito mais altas em comparação com as necessidades calóricas aumentadas. O ritmo do ganho de peso na gestação é o principal indicador da ingestão calórica. b) Oferta proteica: A Dietary Reference Intakes (DRI) da proteína para uma mulher não grávida é de 0,8 g /kg/dia; já para mulheres grávidas recomenda-se 1,1g/kg/dia de peso corporal ou 25g/dia adicionais para atender as necessidades da gravidez (NOGUEIRA et al., 2013). Quadro 1 - Quantidade de proteínas por porções de alimentos Alimento Medida caseira Proteina Leite de vaca 1 copo americano: 200ml 7g Iogurte 1 und: 200ml 8g Ovo 1 und 6,7g Queijo Mussarela 1 fatia 6,8g Frango 1 porção: 100g 31,5g Carne vermelha 1 porção: 100g 35,9g Fonte: TACO (2014). 42 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança Esse aporte proteico pode ser dificil de ser alcançado em populações especiais, como vegetarianos, veganos, mulheres de baixa renda que sofrem insegurança alimentar e mulheres com náuseas e vômitos graves. c) Lipídios Os lipídios são essenciais para a formação de membranas celulares e hormônios e são necessários para o desenvol- vimento adequado dos olhos e do cérebro, especialmente durante o período pré-natal e nos primeiros anos de vida da criança (INNIS; FRIESEN, 2008). Na DRI, não há reco- mendação diferenciada para a ingestão de lipídios durante a gravidez, assim, permanece a mesma quantidade de mulheres não gestantes, de 20% a 35% do total de calorias. A ingestão de lipidios durante a gravidez deve enfatizar fontes que forneçam os ácidos graxos essenciais e a colina, um componente dos fosfolipídios necessários para a função cerebral saudável (IOM, 2005). O I Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia sobre recomendações de Ácido-Doca-Hexaenóico (DHA) durante a gestação, lactação e infância recomenda que, independente da dieta, toda gestante deve receber suplemento diário de DHA, preferencialmente obtido industrialmente através de algas, evitando-se o risco de contaminação por metais pesados, sugerindo a suplementação de 200mg de DHA/dia (NOGUEIRA-DE- ALMEIDA et al., 2014, p. 45). d) Micronutrientes: 43 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho Comparado às necessidades dos macronutrientes, a necessidade dos micronutrientes pode ser bem mais acentuada nos períodos pré-concepcional, gestacionale durante a lactação. Além disso, riscos de deficiência nutricional aumentam à medida que se avalia, por meio de uma consulta de rotina, os hábitos alimentares das mulheres em questão. É preciso um olhar mais criterioso para a densidade dos nutrientes nos alimentos ingeridos. A obesidade ou o sobrepeso não são sinônimos de uma boa nutrição. Muitas vezes, a alimentação apresenta um alto teor calórico derivado de calorias vazias e uma escassez de micronutrientes essenciais. e) Controle do peso na gestação O excesso do peso na gestação pode alterar o crescimento fetal e, em longo prazo, o comportamento alimentar da criança. Além disso, pode predispor a criança à obesidade (WEFFORT, 2018). Tabela 1 - Metas de Ganho de Massa Corporal Pré-natal do Instituto de Medicina Americano (IOM) IMC Ganho de peso Magreza: <18,5 12,5 – 18kg Normal: 18,5 – 24,9 11,5 – 16kg Sobrepeso: 25 – 29,9 7 – 11,5 kg Obesa: ≥ 30 5 – 9kg Fonte: Mahan e Raymond (2018). A estatura e o peso pré gestacional devem ser medidos, não perguntados, para determinar o IMC pré-gestacional. É necessário orientar as gestantes em relação à meta de ganho 44 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança de peso durante a gestação, que deve ser monitorado para avaliar o progresso e permitir intervenção quando necessário. Em relação à obesidade pré-gestacional, a recomendação de ganho de peso da IOM não distingue a obesidade de grau 1 (IMC 30-34,9), grau 2 (IMC 35 – 39,9) e grau 3 (IMC ≥ 40). O ganho ideal de peso na gestação para esses grupos não é conhecido (MAHAN; RAYMOND, 2018). f) Utilização de adoçantes: A Academia de Nutrição e Dietética (AND) sinaliza que as pesquisas abordando a segurança de adoçantes não nutritivos em uma gravidez saudável ou na diabetes gestacional são limitadas (PROCTER; CAMPBELL, 2014). O consenso de diabetes recomenda que os adoçantes artificiais sejam consumidos apenas quando necessário e com moderação, sempre respeitando os limites diários determinados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os limites diários dos adoçantes, segundo OMS, também aceitos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), estão listados abaixo: • Sacarina: 2,5mg/kg de peso • Ciclamato: 11mg/kg de peso • Aspartame: 40mg/kg de peso • Acessulfame K: 15mg/kg de peso • Esteviosídeo: 5,5 mg/kg de peso • Sucralose: 15mg/kg de peso g) Cafeína: A meia-vida da cafeína aumenta na gravidez, de 3 horas no primeiro trimestre para 80 a 100 horas no final da gravidez. As mulheres que estão grávidas ou tentando engravidar são aconselhadas pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Gine- 45 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho cologia a consumir não mais que 200 mg de cafeína por dia, o que equivale a 2 xícaras de café (PROCTER; CAMPBELL, 2014). 2. 4 Nutrição na lactação No período da lactação, há pelo menos duas preocupações pertinentes em relação ao estado nutricional materno. Uma delas diz respeito à composição do leite humano e sua influência no desenvolvimento em curto e longo prazo da criança. A outra questão se relaciona tanto à recuperação de um peso saudável como à reposição de nutrientes necessários para restaurar um estado nutricional adequado antes que ocorra a próxima gravidez (ACADEMY OF NUTRITION AND DIETETICS, 2017). No período do pós-parto, o excesso de peso adquirido está associado ao diabetes mellitus gestacional e à hipertensão na gestação futura. Assim, os cuidados nutricionais devem continuar visando à recuperação do peso pré-gestacional de 6 a 12 meses, de modo a alcançar um IMC adequado antes da próxima gestação. Além disso, as reservas de nutrientes devem ser restauradas, e intervalos curtos, menores que 12 a 18 meses entre um parto e outro, estão relacionados ao parto prematuro, ao aumento de risco para aborto espontâneo, à Restrição de Crescimento Intrauterino (RCIU), à morte fetal e à morte neonatal precoce (MAHAN; RAYMOND, 2018). Em uma revisão considerando 12 estudos envolvendo 910 mulheres com excesso de peso no pós-parto, os autores suge- rem que a perda de peso a partir da combinação de exercício e dieta é preferível do que apenas a dieta, uma vez que o exer- cício melhora a aptidão cardiovascular e preserva a massa 46 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança magra. É possível que essas intervenções desempenhem um papel na prevenção da obesidade materna futura. As mulhe- res saudáveis na lactação podem perder até 450g por semana e ainda fornecer leite suficiente para manter o crescimento adequado da criança (MAHAN; RAYMOND, 2018). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, podendo ser continuado com a introdução dos alimentos complementares até os dois anos ou mais. A composição do leite materno é semelhante para todas as mulheres que amamentam, apesar da enorme variedade do consumo alimentar. Já o estado nutricional materno adequado em relação a micronutrientes é especialmente crítico durante a gestação e a lactação. Nesses períodos, as necessidades para a maior parte dos nutrientes estão elevadas, o que aumenta o risco de inadequação alimentar. A OMS recomenda uma atenção especial àquelas mulheres que não tiveram um ganho de peso adequado durante a gestação e que, possivelmente, não acumularam reservas suficientes, uma vez que elas correm o risco de terem uma lactação comprometida (VITOLO, 2015). Durante a lactação, as mulheres requerem aproximada- mente 500 kcal adicionais/dia além do recomendado para mulheres não grávidas. A estimativa é derivada do volume médio de leite materno produzido por dia (média de 780 mL, intervalo de 450-1200 mL) e do conteúdo energético de leite (67 kcal/100 mL). Durante a gravidez, a maioria das mulheres armazena de 2 a 5 kg extras, principalmente como gordura, no preparo fisiológico da lactação. Se as mulheres não consomem calorias extras, as reservas corporais são usadas para man- ter a lactação. Não é incomum as mulheres que amamentam 47 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho perderem 0,5-1,0 kg/mês após o primeiro mês pós-parto (KOMINIAREK et al., 2016). A concentração de diversos minerais e vitaminas, tanto no plasma quanto no leite materno, sofre influência da dieta e do estado nutricional da puérpera. Sabe-se que os nutrientes mais afetados seriam vitamina A, tiamina, riboflavina, vitami- na B6 e B12, iodo e selênio já que o consumo inadequado e as reservas maternas mais baixas levam a maiores prejuízos na saúde da criança. Nutrientes como ferro, ácido fólico, cobre, zinco e vitamina D parecem não influenciar na composição do leite materno, mas podem ajudar a corrigir as deficiências maternas (NETO CORINTIO, 2018). A ingestão de cafeína não é contraindicada pela Academia Americana de Pediatria (AAP), entretanto, devido à remoção da cafeína ser muito lenta, recomenda-se que a nutriz não ul- trapasse 300ml diariamente (2 xícaras). A ingestão excessiva pode provocar insônia e irritabilidade no bebê (VITOLO, 2015). Não há contraindicações de alimentos na lactação, a não ser que haja comprovações clínicas ou bioquímicas da necessidade de exclusão de determinados alimentos na dieta (VITOLO, 2015). A prática comum pelas lactantes de excluir certos alimentos com potencial alergênico da dieta materna não resultou em diminuição das manifestações alérgicas. Nesse sentido, as dietas de exclusão devem ser desencora- jadas, pois, além da depleção nutricional que podem causar as nutrizes, impactam negativamente na sua motivação para amamentar. Uma dieta de exclusão prolongada pode ser indi- cada apenas em casos de alergia alimentar diagnosticada pelo médico após exames médicos rígidos (JEURINK et al., 2019). 48 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacionale lactação: implicações na saúde da mulher e da criança Referências ACADEMY OF NUTRITION AND DIETETICS. Gestational Diabetes. [S. l.]: AND, 2017. Disponível em: https://www. andeal.org/vault/pq152.pdf. Acesso em: 9 dez. 2021. ADEGBOYE, A. R. A.; LINNE, Y. M. Diet or exercise, or both, for weight reduction in women after childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews, [S. l.], v. 23, n. 7, jul. 2013. ABMAN, S. H. et al., Interdisciplinary Care of Children with Severe Bronchopulmonary Dysplasia. Journal of Pediatrics, [S. l.], v. 181, p. 12- 28, 2017. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. VIGITEL BRASIL 2010 linear capital região UF Tend . linear UF. Brasília, DF: Ministério da Saúde, [201-]. CHAVARRO, J. E. et al., Body mass index in relation to semen quality, sperm DNA integrity, and serum reproductive hormone levels among men attending an infertility clinic. Fertility and Sterility, v. 93, n. 7, p. 2222-2231, 2010. COX, J. T. Nutrição para saúde reprodutiva e o aleitamento. In: MAHAN, L. K.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. 14. ed. [S. l.]: Elsevier, 2018. p. 911-1108. FAO JOIN. Protein and amino acid requirements in human nutrition: report of a ioint FAO/WHO/UNU expert consultation. Geneva : WHO, 2002. 265 p. (WHO Technical Report Series, v. 935). 49 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho FLEMING, T. P. et al., Origins of lifetime health around the time of conception: causes and consequences. The Lancet, [S. l.], v. 391, n. 10132, p. 1842–1852, 2018. GLASTRAS, S. J. et al., Maternal obesity increases the risk of metabolic disease and impacts renal health in offspring. Bioscience Reports, [S. l.], v. 38, n. 2, p. 1–15, 2018. GHOSH, S. Protein Quality in the First Thousand Days of Life. Food and nutrition bulletin, [S. l.], v. 37, Supl. 1, p. 14–21, 2016. GLINOER, D. Nutrition requirements during pregnancy. Thyroid, [S. l.], v. 16, n. 10, p. 947–948, 2006. INDRIO, F. et al., Epigenetic Matters: the link between early nutrition, microbiome, and long-term health development. Front Pediatr., [S. l.], v. 5, n. 178, p. 1–14, aug. 2017. INNIS, S. M.; FRIESEN, R. W. Essential n-3 fatty acids in pregnant women and early visual acuity maturation in term infants. American Journal of Clinical Nutrition, [S. l.], v. 87, n. 3, p. 548–557, 2008. INTERNATIONAL LIFE SCIENCES INSTITUTE DO BRASIL. Micronutrientes: da gestação aos seis primeiros anos de vida. São Paulo: ILSI Brasil, 2019. 96 p. (Série de publicações ILSI Brasil: força-tarefa de nutrição, da criança, v. 9). 50 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança JEURINK, P. V et al., Importance of maternal diet in the training of the infant ’ s immune system during gestation and lactation. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, [S. l.], v. 59, n. 8, p. 1311–1319, 2019. KOLETZKO, B. et al., Nutrition during pregnancy, lactation and early childhood and its implications for maternal and long-term child health: the early nutrition project recommendations. Annals of Nutrition and Metabolism, [S. l.], v. 74, n. 2, p. 93–106, 2019. KOMINIAREK, M. A. et al., Nutrition Recommendations in Pregnancy and Lactation. Med Clin North Am., [S. l.], v. 100, n. 6, p. 1199-1215, 2016. LANGLEY-EVANS, S. C. Prenatal exposure to a maternal low- protein diet programmes a preference for high-fat foods in the young adult rat. Br J Nutr, v. 92, p. 513–520, 2004. MACIEL, C. L. Z.; TERRAZZAN, A. C. Papel da colina na gestação humana: revisão da literatura. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 3, n. especial, p. 481–492, dez. 2017. MAHAN, L. K.; RAYMOND, J. L. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. 14. ed. [S. l.]: Elsevier, 2018. 51 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho NETO CORINTIO, M. Nutrição e amamentação: suplementação com micronutrientes. In: FEBRASGO. Amamentação. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2018. p. 80-84. (Série Orientações e Recomendações FEBRASGO, n. 6). NISHTAR, S.; GLUCKMAN, P.; ARMSTRONG, T. Ending childhood obesity: a time for action. The Lancet, [S. l.], v. 387, n. 10021, p. 825-827, 2016. NOGUEIRA-DE-ALMEIDA, C. A. et al., I Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia sobre recomendações de DHA durante gestação, lactação e infância. International Journal of Nutrology, [S. l.], ano 7, n. 3, p. 45-46, set. 2014. NOGUEIRA, N. N. et al., Alimentação na gestação e lactação. In: COZZOLINO, S. M. F.; COMINETTI, C. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição: nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 1. ed. Barueri, SP: Manole, 2013. p. 718-747. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Diretriz: suplementação diária de ferro e ácido fólico em gestantes. Genebra: OMS, 2013. PADOVANI, R. M. et al., Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais. Revista de Nutrição, Campinas, v. 19, n. 6, p. 741-760, nov./dez. 2006. 52 Capítulo 2 Nutrição no período pré-concepcional, gestacional e lactação: implicações na saúde da mulher e da criança PEIXOTO, S. Manual de Assistência Pré-natal 2014. 2. ed. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2014. PINHEIRO, A. B. B. et al., Tabela para avaliação de consumo alimentar em medidas caseiras. 5. ed. São Paulo: Atheneu, 2004. 131 p. PROCTER, S. B.; CAMPBELL, C. G. Position of the academy of nutrition and dietetics: nutrition and lifestyle for a healthy pregnancy outcome. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, [S. l.], v. 114, n. 7, p. 1099-1103, 2014. SENTERRE, J.; RIGO, J. Protein Requirements of Low Birth Weight Infants. Physiological And Biochemical Basis For Perinatal Medicine, p. 125-132, 2015. SILVESTRIS, E. et al., Obesity as disruptor of the female fertility. Reproductive Biology and Endocrinology, [S. l.], v. 16, n. 1, p. 1-13, 2018. STEPHENSON, R. Toward a New Definition of Unmet Need for Contraception. Studies in Family Planning, v. 50, n. 2, p. 195-198, 2019. VAN DEN BERG, A. et al., Glutamine-enriched enteral nutrition in very-low-birth-weight infants and effects on feeding tolerance and infectious morbidity: a randomized controlled trial. American Journal of Clinical Nutrition, [S. l.], v. 81, n. 6, p. 1397-1404, jun. 2005. 53 Janaína Cavalcanti Costa de Oliveira Ana Verônica Dantas de Carvalho VITOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2015. WATERLAND, R. A. Epigenetic epidemiology of obesity: application of epigenomic technology. Nutrition Reviews, v. 66, n. suppl. 1, p. S21-S23, 2008. WEFFORT, V. R. S. Manual de Alimentação: orientações para alimentação do lactente ao adolescente, na escola, na gestante, na prevenção de doenças e segurança alimentar. 4. ed. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria; Departamento Cientifico de Nutrologia, 2018. 172 p. 54 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar 3.1 Introdução A consulta de puericultura tem como premissa o diálogo e uma boa comunicação entre o profissional de saúde e o responsável pela criança. Habitualmente, é a mãe quem acompanha a criança. Entretanto, a presença do pai deve ser estimulada e/ ou outra pessoa da escolha da mãe. A compreensão de novos arranjos familiares auxilia nas relações com a família, favorecendo a tomada de decisão compartilhada em prol do melhor interesse da criança. Por isso, cada encontro requer habilidades de comunicação empática, buscando o entendimento de expectativas e dúvidas que afligem os pais/cuidadores e que potencialmente poderão dificultar a formação de vínculo e apego saudáveis entre os pais e a criança. A consulta de puericultura aborda os diversos tópicos pertinentes à saúde da criança, como avaliaçãonutricional; alimentação; prevenção de injúrias; orientações sobre higiene corporal, oral, sono; cuidados ambientais, posturais; estimu- lação psicomotora; e a promoção de um ambiente enriquecido para a aprendizagem. Alguns desses temas, como a rotina de cuidados, serão descritos no capítulo 6. O acompanhamento 55 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar do crescimento e o desenvolvimento da criança (conhecido também pela sigla CD) ou puericultura ocupa um papel rele- vante na formação de estudantes e profissionais que atuam na área da saúde materno-infantil. No Brasil, a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança do Ministério da Saúde contempla sete eixos temáticos relacionados à promoção e à proteção à saúde da criança, com especial atenção à primeira infância (crianças entre 0 e 5 anos de idade) e às populações de maior vulnerabilidade, visando à redução da morbimortalidade e à promoção de condições dignas de existência e ao desenvolvimento de todo seu potencial (BRASIL, 2015). A puericultura abrange não apenas um conjunto de técnicas a serem utilizadas durante as consultas de rotina da saúde da criança. Segundo a Organização Mundial da Saúde, é indispensável a firmação de um compromisso compartilhado entre famílias, profissionais de saúde, serviços de saúde, comunidade, instituições de ensino, tecnologias de comunicação e políticas promotoras de saúde, com o objetivo de uma melhor qualidade de vida e uma sociedade mais equânime (OMS, 2018). 3.2 Anamnese A anamnese é um recurso semiológico essencial para o reconhecimento de fatores de risco e para orientar a consulta com relação à construção de diagnósticos diferenciais e hipóteses diagnósticas, guiando a solicitação de exames complementares, os encaminhamentos às especialidades, as condutas terapêuticas e a reabilitação, quando necessário. A avaliação tem início com a identificação, a data de 56 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado nascimento, a idade, a naturalidade e a procedência, além da identificação dos genitores, incluindo idade, profissão, visto que a faixa etária dos familiares de primeiro grau pode se configurar como fator de risco para a saúde da criança. Os pais muito jovens podem suscitar mais chances de vulnerabilidade infantil por imaturidade emocional, além da dependência financeira de seus próprios pais; no caso do outro extremo, mães com idades mais avançadas, deve-se atentar para o risco maior de cromossomopatias. A anamnese deve investigar a presença de doenças familiares, hábitos de vida, condição socioeconômica, escolaridade dos pais, moradia, saneamento, situação de violência, droagadição, alcoolismo, tabagismo, redes de apoio familiares e na comunidade. É igualmente relevante identificar o acompanhante presente na consulta e o grau de parentesco com a criança. O uso de álcool na gestação pode acarretar a síndrome alcoólica fetal, com graves repercussões em curto e longo prazo. O consumo de drogas ilícitas também ocasiona danos imediatos, como a síndrome de abstinência neonatal e outros agravos neurológicos. É reconhecido também que o tabagismo durante a gestação aumenta o risco de nascimento prema- turo e/ou o baixo peso ao nascimento. Ademais, o tabagismo passivo está associado a um número maior de infecções respi- ratórias na criança e à dificuldade no ganho ponderal. É necessária a percepção sobre a estabilidade no relacio- namento entre os genitores e a vinculação afetiva dos pais com a criança. Deve-se realizar registro sobre o tipo sanguí- neo dos pais; a história sobre cirurgias e transfusões antes 57 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar da gestação; interrogar sobre consanguinidade dos pais, pela maior predisposição às doenças genéticas. Também são importantes os antecedentes obstétricos, como o número de gestações anteriores, sua evolução (nati- morto, abortamentos), via de parto e internações anteriores; interrogar número de consultas no pré-natal, conferir as sorologias maternas realizadas durante o pré-natal, pelo risco de infecções congênitas. Obter informações sobre o tipo de parto, o tempo de rotura de membranas, as características do líquido amniótico, o uso de medicações, a idade gesta- cional e a características da placenta também é importante. As condições do nascimento, como o teste de Apgar no 1º e 5º minutos de vida, a informação sobre eventuais manobras de reanimação realizadas na sala de parto e os dados antropo- métricos ao nascer (peso, comprimento, perímetro cefálico), registros de internamentos, diagnósticos e condutas são dados imprescindíveis ao seguimento pós-natal. A experiência pregressa da mãe em aleitamento materno (se amamentou outros filhos, duração, problemas durante a lactação) devem fazer parte da abordagem. A história materna de cirurgia realizada sobre a mama (drenagem de abscesso, mamoplastia redutora etc.) alertam ao profissional sobre possíveis riscos para o desmame precoce e determinam a necessidade de vigilância (UNICEF, 2009). O Quadro 1 sintetiza a classificação do recém-nascido (RN) quanto à idade gestacional ao nascimento e o Quadro 2 o peso ao nascer. Os Quadros 3 e 4 trazem as classificações que devem ser realizadas a partir de dados antropométricos do nascimento, como o peso ao nascimento e o conhecimento 58 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado da idade gestacional. Essas informações são fatores de risco importantes para o crescimento e desenvolvimento. Quadro 1 – Classificação do recém-nascido de acordo com a idade gestacional Classificação quanto à idade gestacional (IG) Recém-nascido pré-termo: IG inferior a 37 semanas Recém-nascido a termo: IG entre 37 semanas e 41 semanas e 06 dias Recém-nascido pós-termo: IG igual ou superior a 42 semanas Fonte: OMS (2012). No Quadro 02, encontra-se a classificação do neonato quanto ao peso de nascimento. Quadro 2 – Classificação do recém-nascido de acordo com o peso ao nascer Classificação quanto ao peso de nascimento Extremo baixo peso ao nascer < 1.000g Muito baixo peso ao nascer ≥1.000 e <1.500g Baixo peso ao nascer ≥1.500 e <2.500g Fonte: OMS (2012). A classificação do recém-nascido quanto ao seu peso de nascimento e à adequação para a idade gestacional encontra- se registrada no Quadro 3. Quadro 3 – Classificação do peso de nascimento para a idade gestacional Classificação peso de nascimento para a idade gestacional Pequeno para a idade gestacional (PIG): < percentil 10 Adequado para idade gestacional (AIG): entre os percentis 10 e 90 Grande para a idade gestacional (GIG): > percentil 90 Fonte: Battaglia e Lubchenco (1967). 59 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar No Quadro 4, encontra-se registrada a classificação segundo os grupos etários da criança. Quadro 4 – Classificação da criança de acordo com a faixa etária Recém-nascido Zero a 28 dias Infância Lactente: 29 dias a 1 ano e 11 meses Pré-escolar: 2 a 6 anos Escolar: 7 a 10 anos Primeira Infância Período compreendido entre 0 e 5 anos de idade* Adolescência Pré-puberal: 10 a 12 anos Puberal: 12 a 16 anos Pós-puberal: 16 a 18 anos Fonte: Brasil (2012). * Segundo definição da PNAISC, 2015 Após a observação dos diagnósticos do período neonatal, deve-se seguir a consulta abordando sobre a Queixa Principal (QP) e a História da Doença Atual (HDA), bem como realizar Interrogatório Sistemático dos Diversos Aparelhos (ISDA) para posteriormente obter as informações sobre os Antecedentes Pessoais (AP) e os Antecedentes Familiares (AF). Importante ressaltar as informações sobre os dados antropométricos; a história alimentar; se a criança recebeu aleitamento materno e a sua duração; a introdução de alimentos complementares; o recordatório alimentar; higiene; perfil psicossocial e 60 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado comportamental; estado vacinal; suplementação de vitaminas e minerais;hábitos de vida (sono, atividade recreativa, tempo de exposição a telas); funções eliminatórias; uso de medicamentos; prevenção de injúrias; desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM); e o exame físico. 3.2 O exame físico O exame físico deve ocorrer no sentido craniocaudal e levar em consideração a idade da criança que está sendo exa- minada. Observar a temperatura do ambiente, além do estado comportamental da criança: preferencialmente realizar o exame com a criança em estado alerta calmo. Sempre que pos- sível, evitar as situações que agravam o estresse como o choro, e condições associadas à sensação de desconforto que podem prejudicar o exame. O exame pode ser realizado no colo da mãe ou da cuidadora, quando necessário. O examinador deve procurar estabelecer uma comunicação compatível com a idade e o estágio de desenvolvimento da criança. Um fator que reforça a importância do exame físico completo é a predominância do valor dos sinais gerais sobre os regionais. A criança, especialmente os recém-nascidos e lactentes, tendem a responder de forma mais sistêmica, independentemente da região afetada. A inspeção é um dos principais passos no exame físico da criança, pois se pode observar a face, a presença de alterações no segmento cefálico, o pescoço, o tronco, os membros, a genitália e a região anal. O comportamento, tanto da criança como do cuidador, contribui para a avaliação global, complementando as informações obtidas pela entrevista. 61 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar Quanto à pele, é importante atentar para as alterações cutâneas habituais do recém-nascido (alterações na coloração, presença de hemangiomas, integridade da pele) a fim de orientar os familiares e realizar diagnósticos diferenciais. A presença de icterícia constitui um dado clínico relevante no período neonatal, com atenção especial dirigida à anamnese quanto ao início, à evolução, à intensidade, à progressão, e à avaliação de exames complementares. Sequencialmente, devem-se realizar exames neurológi- cos e dos aparelhos locomotor, cardiovascular, respiratório, do abdome e da genitália. O exame do quadril do recém- -nascido deve ser rotineiro e realizado na maternidade e no seguimento ambulatorial da criança, nos primeiros meses de vida. Para o rastreamento da displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ), devem-se realizar as manobras de Barlow (provocativa do deslocamento) e Ortolani (sua redução) nas primeiras consultas (5º dia, 30 dias e 2 meses), testando um membro de cada vez. A observação de limitação da abdução dos quadris e o encurtamento de um dos membros inferiores devem ser os exames de rastreamento nas consultas após os 3 meses de idade. Em recém-nascidos, é necessário ainda observar os refle- xos primitivos: a sucção, a preensão palmo-plantar, o cutâneo plantar em extensão, a marcha reflexa, a fuga à asfixia, a pas- sagem do braço, a reptação; bem como avaliar a postura e o tônus (semiflexão e discreta hipertonia no período neonatal), com lateralização da cabeça, mãos fechadas, movimentos normais e espontâneos de flexão e extensão dos membros. Além disso, é importante atentar aos sinais vitais, visto que, na criança, os valores são diferentes em seus diversos grupos 62 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado etários. O Quadro 5 apresenta os valores das frequências cardíacas e respiratórias. Quadro 5 – Parâmetros de frequências cardíaca e respiratória em crianças Frequência cardíaca (FC) Recém-nascido (RN): 120-160bpm (média: 120bpm) Até 12meses: 120-140bpm (média 120bpm) Até 24meses: 110-130bpm (média 110bpm) 04 anos: 100-120bpm (média 100bpm) 06 anos: 75-115bpm (média 100bpm) 08-10 anos: 70-110bpm (média 90bpm Frequência respiratória – incursões respiratórias por minuto (ipm) RN e lactentes até 02 meses de idade: 40-60ipm Entre 02-11 meses de idade: até 50 ipm Entre 12 meses a 05 anos de idade: até 40ipm Entre 06 a 08 anos: até 30ipm Acima de 08 anos: 16-20ipm Fonte: Adaptado de Brasil (2012). 3.3 Avaliação nutricional A vigilância nutricional visa promover e proteger a saúde da criança, identificando precocemente situações de risco nutricional em todas as etapas, como o período intrauterino, o neonatal, a primeira infância, a idade escolar, a pré-búbere e a adolescência, com o objetivo de evitar que desvios do cres- cimento possam comprometer a saúde atual e sua qualidade 63 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar de vida futura. Portanto, a avaliação nutricional deve ser realizada em todas os grupos etários, abordando a anamnese clínica, o exame físico detalhado e o monitoramento do cres- cimento. Os dados da anamnese clínica, da história alimentar detalahda e do exame físico sugerem a carência nutricional, que pode ser específica de determinado macro ou micronu- triente ou combinada. O peso é a medida antropométrica mais utilizada, de simples obtenção. Para a sua realização, é imprescindível que a balança esteja corretamente calibrada. Para a aferição do peso, o neonato ou o lactente deve ser posicionado deitado até a idade de 8 meses e sentado entre 8 meses e 2 anos de idade, preferencialmente despido. O comprimento é o melhor indicador de crescimento linear e reflete a massa corporal magra. O crescimento encon- tra-se alterado na deficiência nutricional de evolução crônica e se intensifica nos períodos de grande velocidade de cresci- mento. O crescimento é determinado pelo potencial genético e por fatores nutricionais e ambientais. O registro periódico do perímetro cefálico (nos primei- ros dois anos de idade), peso, comprimento/altura e do IMC na Caderneta de Saúde da Criança se constitui no melhor método para acompanhar o crescimento infantil. As crian- ças de até 2 anos de idade podem ter a aferição do peso em balanças pediátricas mecânicas ou eletrônicas, com preci- são de até 16 kg. Após essa idade, deve-se utilizar balança do tipo plataforma. O exame físico deve investigar os sinais clínicos de carência nutricional. Por isso, atentar aos seguintes aspectos durante a inspeção: (a) cabelos (fracos, quebradiços, sem 64 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado brilho, despigmentados, ressecados); (b) olhos (xeroftalmia, queratomalácia, manchas de Bitot); (c) pele (xerose, hiperqueratose folicular, petéquias, equimoses, xantomas); (c) unhas (coiloníquia, quebradiças); (d) lábios (queilite angular, queilose); (e) língua (escarlate, magenta, edematosa); (f) sistema muscular (hipotrofia); (g) sistema esquelético (craniotabes, rosário raquítico; alargamento epifisário). No segmento cefálico, o profissional avaliará: a fontanela anterior (bregmática) que tem o formato de losângulo, mede entre 3 e 5 cm, fecha-se clinicamente entre 6 e 18 meses. A fontanela posterior (lambdoidea), que mede, ao nascimento cerca, de 2 cm, fecha-se até os 2 meses de vida. A aferição do perímetro cefálico deverá ser realizada mensalmente no primeiro semestre de vida e a intervalos bimensais no segundo semestre de vida. Ao término do primeiro ano, o perímetro cefálico tem aumentado em média 12 cm, como especificado no Quadro 6. O recém-nascido costuma perder cerca de 10% do peso do nascimento até o 10º dia de vida, recuperando o peso inicial em até 14 dias. O manejo adequado do aleitamento materno, iniciado na sala de parto e continuado até o momento da alta, contribui para uma menor perda de peso nos primeiros dias (UNICEF, 2009). Além da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), estratégias como a consulta na primeira semana de vida e visita domiciliar são promotoras de boas práticas que auxiliam a consolidar a amamentação nas primeiras semanas de vida, período particularmente desafiador para a mãe, em que o apoio do profissional de saúde, da família e da sociedade torna-se essencial (UNICEF, 2009; OMS, 2018, 2019). 65 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar Em condições saudáveis, a criança duplicao peso do nascimento entre o 5º e 6º mês de vida e triplica aos 12 meses. A partir do 2º ano, o ganho ponderal é aproximadamente de 2 kg/ano até 8 anos. No primeiro ano de vida, a criança cresce em média 25 cm, sendo 15 cm no 1º semestre e 10 cm no 2º semestre. Portanto, ao término do primeiro ano de vida, o lactente deverá ter aumentado 50% do comprimento ao nascer. No segundo ano de vida, a criança cresce em média 12 cm. Entre o terceiro e o quarto ano de vida, o crescimento é 5 a 7 cm/ano. Altura-alvo, baseada na altura dos pais, é calculda utilizando-se da seguinte fórmula: • Altura-alvo para o sexo masculino: Altura do pai + (Altura da mãe +13) 2 • Altura-alvo para o sexo feminino: Altura da mãe + (Altura do pai -13) 2 O Índice de Massa Corporal (IMC) é o indicador que avalia a proporção entre o peso e altura. Esse indicador é calculado pela fórmula abaixo: • IMC = Peso (kg) / Estatura (m2). O Quadro 6 resume a média de ganhos esperados para o peso, o crescimento e o perímetro cefálico durante o primeiro ano de vida. 66 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado Quadro 6 – Ganho ponderal, crescimento e PC entre 0 e 12 meses. Idade Ganho Ponderal Crescimento Perímetro Cefálico(PC) 1º trimestre 25 a 30 g/dia (≅ 700 g/mês) ≅ 3,5 cm/mês ≅ 2 cm por mês 2º trimestre 20 g/dia (≅ 600 g/mês) ≅ 2 cm por mês ≅ 1 cm por mês 3º trimestre 15 g/dia (≅ 500 g/mês) ≅ 1,5 cm por mês 0,5cm por mês no segundo semestre 4º trimestre 10 g/dia (≅ 300 g/mês) ≅ 1,2 cm por mês Fonte: autoria própria. A avaliação da antropometria é realizada utilizando- -se as curvas de crescimento da OMS publicadas em 2006, disponibilizadas nas cadernetas de saúde da criança para meninos e meninas, distribuídas pelo Ministério da Saúde. As medidas devem ser plotadas nas respectivas curvas para idade e sexo, a saber: perímetro cefálico para a idade, peso para a idade, crescimento para a idade e índice de massa corporal para a idade. A avaliação nutricional a partir dos dados antropométricos correlacionados à idade e utilizando as curvas de crescimento da OMS (2006) como referência está resumida no Quadro 7. 67 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar Quadro 7 – PC, peso, comprimento e IMC para a idade entre 0 e 2 anos. Classificação do Perímetro cefálico (PC) Escore z PC abaixo do esperado para a idade < -2 PC adequado para a idade ≥ -2 e ≤ +2 PC acima do esperado para a idade > +2 Classificação do peso para a idade Escore z Peso muito baixo para a idade < -3 Peso baixo para a idade < -2 Peso adequado para a idade ≥ -2 e ≤ +2 Peso elevado para a idade > +2 Classificação do crescimento para a idade Escore z Comprimento muito baixo para a idade < -3 Comprimento baixo para a idade < -2 Comprimento adequado para a idade ≥ -2 e ≤ +2 Comprimento elevado para a idade > +2 Classificação - Índice de Massa Corporal (IMC) Escore z Magreza acentuada < -3 Magreza ≥ -3 e < -2 IMC Adequado para≥ a idade ≥ -2 e ≤ +2 Risco de sobrepeso > 1 e ≤ +2 Sobrepeso > 2 e ≤ +3 Obesidade > +3 Fonte: Adaptado de SBP (2018). 3.4 Conclusões A puericultura, como o Nurturing Care, necessita de um aprofundamento sobre as políticas de saúde existentes e como estão implantadas, as informações e os serviços essenciais para o desenvolvimento da primeira infância, bom como de identificar os serviços baseados na comunidade e todas as instituições que possam ser interlocutoras e parceiras no apoio aos cuidados voltados para o desenvolvimento, como 68 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado também o preenchimento de lacunas críticas. Ressalta-se a importância das instituições de ensino no sentido de atualizar os recursos educacionais sobre aconselhamento em saúde materno-infantil, padrões de atendimento, elaboração de currículos e material educacional (OMS, 2019). A integração entre o aleitamento materno, a alimentação complementar oportuna e saudável, a imunização e os cuidados responsivos compõem a arquitetura de conhecimentos capaz de transformar expectativas futuras mais promissoras para todas as crianças. 69 Devani Ferreira Pires Mariama Sousa Salazar Referências BATTAGLIA, F. C.; LUBCHENCO, L.,O. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr., [S. l.], v. 71, n. 2, p. 159-163, 1967. DOI:10.1016/s0022- 3476(67)80066-0 BRASIL. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, [2015]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/ prt1130_05_08_2015.html. Acesso em: 10 dez. 2021. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de Alimentação: orientações para alimentação do lactente ao adolescente, na escola, na gestante, na prevenção de doenças e segurança alimentar. 4. ed. São Paulo: SBP, 2018. 70 Capítulo 03 A consulta de puericultura – o desafio do cuidado integrado UNICEF. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 3: promovendo e incentivando a amamentação em um Hospital Amigo da Criança: curso de 20 horas para equipes de maternidade. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. Fundo das Nações Unidas para a Infância: Organização Mundial da Saúde. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Born Too Soon: The Global action report on preterm Birth. Geneva: World Health Organization, 2012. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Nurturing care for early childhood development: a framework for helping children survive and thrive to transform health and human potential. Geneva: World Health Organization, 2018. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Operationalizing nurturing care for early childhood development: the role of the health sector alongside other sectors and actors. Geneva: World Health Organization, 2019. 71 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires 4.1 Introdução A primeira consulta do recém-nascido (RN), também conhe- cida como consulta do 5º dia, surgiu a partir da necessidade de dar mais atenção e apoio ao binômio materno-infantil nos primeiros dias após o parto. Essa consulta deve acontecer na primeira semana de vida da criança, e tem seus objetivos ilus- trados no Quadro 1. Quadro 1 – Objetivos da primeira consulta do recém-nascido Objetivos da consulta do 5º dia 1. Realizar uma anamnese dirigida para a identificação de fatores de risco à saúde e ao crescimento e desenvolvimento normal da criança 2. Examinar a criança, orientando sobre achados fisiológicos ao exame físico e avaliando condutas aos achados patológicos 3. Identificar questões maternas sobre os cuidados com o recém-nascido e sua própria saúde 4. Ouvir as dúvidas referentes ao aleitamento materno, incentivando e apoiando a mãe e a família para a sua prática 4. Avaliar o padrão de diurese e evacuação da criança 5. Atentar para a presença de icterícia neonatal 6. Conferir a documentação da criança 7. Verificar a realização dos testes de triagem neonatal 8. Orientar e realizar imunizações e suplementações 72 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido 9. Fazer orientações gerais e recomendações sobre a prevenção de acidentes 11. Promover o vínculo afetivo da tríade mãe-pai-filho e família 12. Identificar os determinantes sociais de saúde 13. Planejar o calendário de consultas para o seguimento. Fonte: autoria própria. 4.2 Anamnese e exame físico Para iniciar a consulta, o profissional de saúde deve se apresentar à família, bem como identificar a criança e os pais (ou acompanhantes). É imprescindível a utilização da Caderneta de Saúde da Criança, conferindo e registrando as principais informações sobre a saúde da criança, conforme Quadro 2. Quadro 2 – Dados a ser conferidos eregistrados na Caderneta de Saúde da Criança Informações relevantes da caderneta de saúde da criança do Ministério da Saúde – 2019 Direitos e garantias sociais Página 04-13 Identificação da criança Página 04-05 Assistência Social Página 06-07 Educação e vida escolar Página 08-09 Direito da criança Página 10-11 Direitos dos responsáveis Página 12-13 Cuidando da saúde da criança Página 14-22 Amamentação Página 23-29 Registros do acompanhamento Página 64-73 Dados do nascimento e alta da maternidade Página 65 Exames de triagem neonatal Página 66 73 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Primeira consulta – consulta da primeira semana Página 66 Consulta do primeiro mês Página 67 Consulta do 2º mês Página 68 Vigilância no desenvolvimento Página 74-82 Acompanhamento do crescimento Página 83-95 Curvas de crescimento para crianças nascidas pré-termo Página 85 Gráfico: perímetro cefálico x idade - 0 a 2 anos Página 86 Gráfico: peso x idade - 0 a 2 anos Página 87 Gráfico: comprimento x idade - 0 a 2 anos Página 88 Gráfico: índice de massa corporal x idade - 0 a 2 anos Página 89 Vacinas do calendário básico Página 99-101 Suplementação de vitamina A e ferro Página 98 Fonte: autoria própria. Na anamnese, além de questionar sobre queixas e dúvidas dos pais, devem ser avaliados os antecedentes perinatais (rea- lização do pré-natal e número de consultas; intercorrências clínicas na gestação; idade gestacional; data, tipo e local de parto; intercorrências no parto e no período neonatal; peso, estatura e perímetro cefálico ao nascer; índice de Apgar) e os antecedentes familiares (número de gestações anteriores, número de irmãos, condições de saúde dos pais e dos irmãos); mais detalhes no Apêndice 1 - Roteiro de anamnese.Quanto ao exame físico, este deve ser realizado de forma completa e, preferencialmente, seguindo sequência craniocaudal (o Roteiro de Exame Físico do Recém-nascido pode ser encon- trado no Apêndice 2). Seus achados devem ser registrados e compartilhados com os pais, tranquilizando-os sobre os acha- dos fisiológicos com provável regressão espontânea ou sem 74 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido importância clínica, bem como os esclarecendo sobre achados patológicos (se presentes), avaliando a conduta e o segui- mento a ser compartilhados. 4.3 Amamentação Na primeira consulta do recém-nascido, deve ser reforçada a orientação do aleitamento materno exclusivo (AME) até os 6 meses de vida sob livre demanda, ou seja, sem restrição de horários e de tempo de permanência na mama. Em geral, o bebê irá mamar cerca de 8 a 12 vezes por dia e mães inseguras podem interpretar essa quantidade normal como sinal de fome, leite fraco ou pouco leite. Deve-se estar atento para esclarecimentos e evitar uso desnecessário de suplementos. Alguns pontos a ser abordados envolvem a técnica da amamentação e a alimentação da nutriz. Observar se existem contraindicações ao aleitamento ou situações especiais em que o aleitamento deva ser interrompido temporariamente. Para mais informações, ver Capítulo - Aleitamento materno neste manual e na caderneta de saúde da criança. 4.4 Funções excretórias O padrão de diurese do RN nos fornece informação sobre seu estado de hidratação. Então, deve ser observado se a criança molha a fralda, necessitando de seis ou mais trocas por dia. Já o padrão de evacuações é bastante variável e pode preocupar as mães primíparas e/ou as mais inseguras. O RN em AME pode evacuar cerca de 8 vezes ao dia (especialmente nas primeiras 06 semanas de vida), bem como pode passar cerca de 8 dias sem evacuar (pseudoconstipação); o que 75 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires deve ser avaliado com maior atenção é o aspecto das fezes, conforme Quadro 3. Quadro 3 – Aspecto das fezes do recém-nascido Fezes meconiais Coloração escura e esverdeada semelhante a piche ou óleo de carro; não tem odor. Fezes do bebê em aleitamento materno Coloração amarelada ou esverdeada, consistência pastosa ou semilíquida; odor, menos intenso do que aqueles que fazem uso de fórmulas ou leite de vaca. Fezes do bebê em uso de outros leites Coloração amarelada ou esverdeada tendendo ao marrom; consistência pastosa; tem odor mais forte do que aqueles em aleitamento materno exclusivo Fezes do bebê em uso de suplemento de ferro Coloração esverdeada em tons escuros. Fezes do bebê constipado Coloração variável, a consistência é endurecida, em cíbalos; a criança pode sentir dor e apresentar lesões perianais devido ao esforço evacuatório (ex.: fissuras, plicomas) Fezes do bebê com diarreia Coloração variável, tendendo a tons mais amarelados e consistência aquosa Fonte: autoria própria. 4.5 Icterícia neonatal Devido à sua elevada frequência, nos primeiros dias de vida, a presença de icterícia sempre deve ser avaliada na primeira consulta do RN de acordo com as zonas de Kramer, descritas no Quadro 4. 76 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido Quadro 4 – Progressão dérmica da icterícia. Zonas de Kramer Topografia Bilirrubina indireta (BI) estimada (mg/dL) I Cabeça e pescoço 4 a 7,5 (Média = 6) II Tronco até umbigo 5,6 a 12 (Média = 9) III Hipogastro, coxas (até joelhos) e braços (até cotovelos) 7 a 14,8 (Média = 12) IV Pernas (até tornozelos) e antebraços (até punhos) 9,3 a 18,4 (Média = 15) V Pés e mãos, incluindo palmas e plantas >10,5 (Média 18) Fonte: Adaptado de Kramer (1969); Rai et al (2015). No período neonatal, em geral, essa condição é fisiológica, com evolução benigna, de início é após 24 horas de vida, e com pico entre o 4º e o 5º dia de vida (no recém-nascido de termo). A icterícia fisiológica tem duração entre 10 a 14 dias, se ultrapassar esse período, é denominada de icterícia prolongada e deve ser investigada. Alguns neonatos podem apresentar icterícia patológica, aquela que surge nas primeiras 24 horas de vida, podendo alcançar níveis elevados de BI e apresentar como consequência a encefalopatia bilirrubínica ou “kernicterus”, caracterizada por sintomas neurológicos como: hipotonia, dificuldade de sucção, recusa alimentar e convulsões. Uma condição que requer encaminhamento urgente é a icterícia com predominância de bilirrubina direta, acompanhada de colúria e acolia fecal, para a pesquisa de atresia de vias biliares por especialista. 77 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Apenas a estimativa clínica não é suficiente para avaliar os recém-nascidos com valores de bilirrubina indireta sérica superior a 12 mg/dL (BRASIL, 2011; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). Para evitar a instalação de quadros graves, é mandatória uma rigorosa avaliação clínica e laboratorial. Os fatores de risco para o desenvolvimento de hiperbilirrubinemia significante estão sistematizados no Quadro 5 e os exames laboratoriais para solicitação inicial são apresentados no quadro 6. Quadro 5 – Fatores de risco para o desenvolvimento de hiperbilirrubinemia significante no recém- nascido ≥ 35 semanas de idade gestacional Fatores de risco 1. Icterícia com início nas primeiras 24 horas de vida 2. Incompatibilidade materno-fetal 2.1 Rh: antígeno D, mãe negativo e recém-nascido positivo 2.2 ABO: mãe O e recém-nascido A ou B 2.3 Antígenos irregulares: c, e, E, Kell, outros 2.4 Mãe com diagnóstico de isoimunização 3. Idade gestacional de 35 e 36 semanas, inde- pendentemente do peso ao nascer 4. Dificuldade no estabelecimento do aleitamento materno 5. Perda de peso > 7% em relação ao peso de nascimento 6. Irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia 7. Presença de cefaloematoma ou equimoses 8. Descendência asiática 9. Mãe diabética 10. Deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) 11. Bilirrubina total na zona de alto risco (> percentil 95) ou intermediária superior (percentis 75 a 95) antes da alta hospitalar Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria (2012). 78 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascidoQuadro 6 – Exames complementares para investigação diagnóstica de icterícia neonatal Solicitação de exames laboratoriais 1. Bilirrubina total e frações (direta e indireta) 2. Hemograma: hemoglobina, hematócrito; con- tagem de reticulócitos; esferócitos 3. Classificação sanguínea da mãe e recém-nascido – sistemas ABO e Rh 4. Coombs direto no recém-nascido 5. Coombs indireto na mãe, se mãe Rh negativo 6. Pesquisa de anticorpos maternos para antígenos irregulares, se mãe multípara ou com antecedente de transfusão sanguí- nea anterior e recém-nascido com Coombs direto positivo 7. Dosagem quantitativa de glicose-6-fosfato-desidrogenase 8. Dosagem quantitativa de hormônio tireoidiano e TSH, se indicado. Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria (2012). 4.6 Documentação O Registro Civil de Nascimento é um documento gratuito para todos os brasileiros, garantido pela Lei Nº 9.534/97 e é solicitado frequentemente em serviços públicos (escolas, centros de saúde e hospitais). A criança pode ser registrada na maternidade onde nasceu, caso essa instituição possua o serviço de Registro Civil; ou ainda no Cartório de Registro Civil, desde que os pais portem os documentos necessários, conforme Quadro 7. 79 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Quadro 7 – Documentos para Registro Civil da criança Situação conjugal Pais casados Pais não casados Apresentação Deve estar presente, pelo menos, um dos pais Devem estar presentes ambos os pais Documentos necessários Declaração de Nascido Vivo da criança Declaração de Nascido Vivo da criança Certidão de casamento dos pais Documento de identificação* do pai Documento de identificação* da mãe Legenda: *São ditos documentos de identificação: Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho e Carteira Nacional de Habilitação. Fonte: autoria própria. 4.7 Testes de triagem neonatal O Quadro 8 aborda os testes de triagem neonatal durante a primeira consulta do recém-nascido. Quadro 8 – Avaliação dos testes de triagem neonatal na primeira consulta do recém-nascido Triagem neonatal Teste do coraçãozinho Deve ter sido realizado antes da alta da maternidade, nas primeiras 48h de vida. Teste da linguinha (avaliação do frênulo lingual) Conferir se foi realizado antes da alta da maternidade; se não for o caso, realizar na primeira consulta do recém-nascido. Teste do olhinho (Teste do reflexo vermelho) Conferir se foi realizado antes da alta da maternidade; se não for o caso, realizar na primeira consulta do recém-nascido. 80 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido Teste do pezinho (triagem metabólica neonatal) Deve ser realizado idealmente entre 3 e 7 dias de vida, podendo ser coletado até 28 dias, caso não tenha sido providenciado anteriormente. Teste da orelhinha (emissões otoacústicas) Caso não tenha sido realizado na maternidade, orientar os pais para agendar a triagem o mais breve possível. Triagem do desenvolvimento displásico do quadril (DDQ) A manobra de Barlow e Ortolani deve ser realizada na maternidade, na primeira consulta do recém-nascido e repetida durante os primeiros 3 meses. Fonte: autoria própria. 4.8 Vacinação O recém-nascido deve receber alta da maternidade com as vacinas BCG e contra a hepatite B aplicadas e registradas na Caderneta de Saúde da Criança. Se não for o caso, investigar o motivo e atualizar o calendário vacinal. Os pais devem ser orientados que as próximas vacinas serão realizadas no segundo mês de vida, conforme orientações do Capítulo referente à Imunização. 4.9 Orientações gerais, conforme quadro 9: Quadro 9 – Orientações gerais e prevenção de acidentes Orientações gerais para a primeira consulta 1. Lavagem de mãos por todas as pessoas que têm contato com o bebê a fim de evitar a propagação de microrganismos causadores de doenças respiratórias 2. Orientar técnica de aleitamento materno em regime de livre demanda 3. Atentar para a temperatura do banho (ideal é de 37 ºC), e evitar deixar a criança sozinha na banheira, mesmo que com pouca água 81 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires 4. Cuidados com o coto umbilical, mantendo-o limpo e seco até queda nas primeiras duas semanas 5. Cuidados com a troca de fraldas, prevenção de assaduras e de dermatite das fraldas, evitando uso de talcos pelo risco de aspiração das partículas 6. Evitar o uso de chupetas pela possibilidade de interferir negativamente na duração do aleitamento materno 7. Orientar decúbito dorsal para dormir devido à proteção contra a morte súbita do lactente, evitando o decúbito ventral 8. Evitar colocar o bebê para dormir na cama com os pais devido ao maior risco de morte súbita, bem como de lesões não intencionais (queda, prensa ou sufocamento) 9. Manter as grades do berço em boa distância (<6cm), evitar o uso de travesseiros; 10. Não deixar objetos ou brinquedos dentro do berço devido ao risco de sufocação do bebê 11. Não permitir que pessoas fumem dentro da casa nem que aqueles que acabaram de fumar peguem o bebê no colo (evitar exposição ao fumo passivo) 12. Transportar o bebê em automóvel com cadeirinha especial (apropriada à idade do bebê) sempre no banco traseiro com cinto de segurança, e posicionada de costas para o motorista; 13. Não deixar o bebê perto de animais, mesmo animais domésticos, pois eles podem ter reações imprevisíveis. Fonte: autoria própria. 3.10 Calendário de consultas Segundo o Ministério da Saúde, são recomendadas 7 consultas de rotina no 1º ano de vida (1ª semana, 1º mês, 2º mês, 4º mês, 6º mês, 9º mês e 12º mês), e 2 consultas no 2º ano de vida (18º mês e 24º mês). A partir do 2º ano de vida, as consultas são anuais, próximas ao mês de aniversário. Quando houver necessidade de mais atenção, as crianças devem ser vistas com maior frequência. 82 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido Conclusão A primeira consulta estabelece o início de uma relação de confiança e responsabilidade compartilhada entre o/a profissional de saúde e a mãe, o pai e a família do recém- nascido, a promoção de vínculos e o planejamento na perspectiva de um acompanhamento longitudinal. 83 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Referências BRASIL. Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997. Dá nova redação ao art. 30 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos; [...]; e altera os arts. 30 e 45 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro. Brasília, DF: Ministério da Justiça, [1997]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9534.htm. Acesso em: 10 dez. 2021. BRASIL. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Imunizações. Calendário nacional de vacinação. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. (Cadernos de Atenção Básica, n. 23). BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Cadernos de Atenção Básica, n. 33). 84 Capítulo 04 Primeira consulta do recém-nascido BRASIL. Ministério da Saúde. Caderneta da Criança – Passaporte da cidadania. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. KRAMER, L. I. Advancement of Dermal Icterus in the Jaundiced Newborn. Am J Dis Child., [S. l.], v. 118, n. 3, p. 454-458, 1969. DOI: 10.1001/archpedi.1969.02100040456007 LIMA, E. J. F.; SOUZA, M. F. T.; BRITO, R. C. C. M. Pediatria ambulatorial. 2. ed. Recife: Instituto Materno Infantil de Pernambuco, 2016. RAI, S.; KAUR, S.; HAMID, A.; SHOBHA, P. Association of Dermal Icterus with Serum Bilirubin in Newborns Weighing <2000 Grams.International Journal of Scientifi c Study, [S. l.], v. 3, n. 7, p. 65-69, Oct. 2015. Disponível em: https:// www.ijss-sn.com/uploads/2/0/1/5/20153321/ijss_oct_ oa11_20151102_v1.pdf. Acesso em: 10 dez. 2021. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Documento científico: icterícia no recém-nascido com idade gestacional ≥ 35 semanas. [S. l.]: SBP, nov. 2012. 85 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires 5.1 Introdução Os testes de triagem apresentam papel relevante no rastreio de doenças cujo diagnóstico tardio possa acarretar elevada morbidade e/ou mortalidade. Este capítulo aborda os tes- tes de triagem realizados no Sistema Único de Saúde (SUS): testes do pezinho, da orelhinha, do olhinho, do coraçãozinho e da linguinha. 5.2 Teste de triagem neonatal biológica (teste do pezinho) O teste de triagem neonatal em papel filtro, em sua versão básica, que é ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é um método responsável por identificar precocemente indivíduos com doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas, para que eles possam ser tratados em tempo oportuno, evitando as sequelas e até mesmo a morte. As doenças rastreadas são o hipotireoidismo congênito, a fenilcetonúria, as hemoglobinopatias, a fibrose cística, a deficiência de biotinidase e a hiperplasia adrenal congênita. Em versões ampliadas, encontradas em serviços privados, são avaliadas também diversas condições clínicas, como a galactosemia e a deficiência de G6PD, entre outras. O diagnóstico definitivo ou de certeza ocorre por meio de testes confirmatórios e/ou avaliação clínica. 86 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal O teste deve ser realizado após 48 horas e a criança ter sido alimentada. O prazo para a realização é de, no máximo, até 28 dias de vida; idealmente, entre 3 e 7 dias de vida. O sangue é obtido por meio da punção da porção lateral do calcanhar, e a amostra é coletada em papel filtro. O papel é mantido em temperatura ambiente até a secagem completa, e o envio da amostra deve ser feito em até 5 dias após coleta. Algumas situações especiais são destacadas no Quadro 1. Quadro 1 – Situações especiais para coleta do teste do pezinho Situação especial Conduta Recém-nascido prematuro ≥ 32 semanas - Coletar até 7º dia de vida, realizar 2ª ou 3ª coleta aos 28 dias de vida Recém-nascido com indicação de transfusão sanguínea - Tentar programar a coleta para antes da transfusão - Caso o recém-nascido já tenha recebido a transfusão, realizar a coleta da primeira amostra 10 dias após a data da transfusão para realizar os exames de TSH, PKU e IRT. A segunda amostra acontecerá 120 dias após a data da última transfusão para realizar a triagem de hemoglobinas. Recém-nascido em uso de medicamentos - Não é fator restritivo para coleta, registrar medicamentos em uso Fonte: autoria própria. 4.3 Teste de emissões otoacústicas (teste da orelhinha) O teste de emissões otoacústicas evocadas é utilizado no rastreio de deficiência auditiva, já que seu diagnóstico tardio determina pior prognóstico pela perda dos períodos iniciais de 87 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires desenvolvimento da linguagem. Atualmente, o teste é realiza- do para todas as crianças, mas se deve atentar para os fatores de risco para deficiência auditiva, listados no Quadro 2. O teste é rápido, indolor, e consiste na emissão de ondas por aparelho digital e sondas para avaliação da resposta a esse estímulo. O ideal é que o teste seja realizado até os primeiros 28 dias de vida e durante o sono. A resposta e a conduta estão descritas no Quadro 3. Quadro 2 – Fatores de risco para deficiência auditiva em recém-nascidos Permanência em UTI neonatal por mais de 2 a 5 dias Malformações de cabeça e pescoço Síndromes associadas a deficiências auditivas História familiar de deficiência auditiva congênita Consanguinidade dos pais Infecções congênitas Peso ao nascer < 1.500g Hiperbilirrubinemia Uso de medicação ototóxica por > 5 dias Meningite bacteriana Índice de Apgar < 5 no 1º minuto Índice de Apgar < 7 no 5º minuto Uso de ventilação mecânica por > 5 dias Fonte: Lima, Souza e Brito (2016). 88 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal Quadro 3 – Respostas e condutas ao Teste da Orelhinha Resposta Conduta Resposta normal (passa) na triagem neonatal, RN sem fatores de risco. Orientar os pais sobre desenvolvimento normal da audição e da linguagem durante infância, não necessita realizar novos testes Resposta alterada (falha) na triagem, em um ou ambos os ouvidos. Reavaliar a criança com 30 a 50 dias após 1º exame: solicitar reteste nos dois ouvidos. Resposta normal (passa) no reteste. Orientar os pais sobre desenvolvimento normal da audição e da linguagem durante infância, não necessita de novos testes Falha no reteste. Encaminhar o paciente ao fonoaudiólogo e otorrinolaringologista para a realização do PEATE e orientar os pais que novos testes auditivos serão realizados. Fonte: autoria própria. A identificação de fatores de risco para a perda auditiva e/ou a defasagem dos marcos do desenvolvimento da audi- ção e da linguagem indica a necessidade de encaminhar o lactente ou a criança para o diagnóstico com otorrinolarin- gologista e fonoaudiólogo(a). 5.4 Teste do reflexo vermelho (teste do olhinho) O teste de triagem visual tem como objetivo identifi- car alterações na transparência das estruturas oculares, tais como córnea, cristalino, vítreo além de problemas na retina. O teste do reflexo vermelho (TRV) permite a detecção precoce 89 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires de problemas oculares congênitos, como a catarata congênita (alteração da transparência do cristalino), o glaucoma con- gênito (alteração da transparência da córnea), as opacidades congênitas da córnea, os tumores intraoculares (alteração da transparência do vítreo pelo tumor intraocular), as inflama- ções intraoculares importantes (alteração da transparência do vítreo pela inflamação, como na toxoplasmose ocular), e as hemorragias vítreas. O retinoblastoma se destaca em virtude de sua malignidade justificando a necessidade do diagnóstico em tempo oportuno. O TRV deve ser realizado pela primeira vez preferencialmente antes da alta da maternidade (primeiras 48 horas de vida) ou na primeira consulta do recém-nascido. A recomendação é de que seja repetido duas a três vezes ao ano nos primeiros três anos de vida. O TRV é realizado em sala sob penumbra, com o oftalmos- cópio direto (próximo ao examinador e a uma distância entre 30 e 50 cm da criança), cuja luz projetada nos olhos atravessa as estruturas transparentes, atinge a retina e se reflete, cau- sando o aparecimento do reflexo vermelho observado nas pupilas. A cor vermelha do reflexo ocorre devido à vasculatura da retina e coroide e do epitélio pigmentário. Dependendo da maior ou menor pigmentação, o reflexo pode se mostrar mais ou menos vermelho e até amarelo ou amarelo-alaranjado. Na presença de opacidade dos meios oculares no eixo visual, esse reflexo estará ausente ou diminuído. Resultados diferentes – como pontos pretos, assimetria ou presença de reflexo branco (leucocoria) – indicam enca- minhamento ao oftalmologista para realização de exame de fundo de olho. Atentar para o fato de que pequenos 90 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal tumores podem resultar em falso-negativo, o que reforça a recomendação de repetir o teste do reflexo vermelho, bem como realizar exame da órbita, estruturas externas do olho, motricidade ocular e pupila em consultas subsequentes nos primeiros três anos de vida. 5.5 Teste da oximetria de pulso (teste do coraçãozinho) O teste do coraçãozinho ou teste da oximetria de pulso rastreia as cardiopatias congênitas críticas, como atresia pulmonar, síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, coarctação de aorta crítica, e transposição dos grandes vasos. O teste deve ser realizado entre as primeiras24 a 48 horas de vida ou antes da alta da maternidade. Não deve ser realizado em prematuros com menos de 34 semanas de idade gestacional. A técnica consiste na aferição da oximetria de pulso no membro superior direito e um dos membros inferiores. O resultado é dito normal quando a saturação de O2 é igual ou maior que 95% nos dois membros e a diferença entre as medidas é menor que 3%; e é dito alterado quando a saturação é menor que 95% em algum dos membros ou se a diferença for maior que 3% entre as medidas. As condutas em cada caso são descritas no Quadro 4. Atentar que esse teste de triagem não descarta a realização de exame físico do aparelho cardiovascu- lar, incluindo ausculta cardíaca e palpação de pulsos femorais e periféricos já na sala de parto e em exames subsequentes. 91 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Quadro 4 – Resultado e condutas ao teste do coraçãozinho 1º teste: normal Paciente pode receber alta de maternidade e não necessita de seguimento especializado 1º teste: alterado Paciente deve ser reavaliado, sendo feito reteste após 01 hora 2º teste: normal Paciente pode receber alta de maternidade e não necessita de seguimento especializado 2º teste: alterado Paciente deve ser submetido a ecocardio- grama e não poderá receber alta da mater- nidade até esclarecimento diagnóstico Fonte: autoria própria. 5.6 Avaliação do frênulo lingual (teste da linguinha) O teste do frênulo da língua possibilita o diagnóstico precoce de anquiloglossia (língua presa), condição que pode limitar os movimentos da língua e interferir na sucção, mastigação, deglutição e fala. As alterações no padrão de sucção podem dificultar o esvaziamento da mama, ocasionar trauma mamilar e acarretar prejuízo à amamentação. O teste deve ser realizado preferencialmente nas primeiras 48 horas de vida por profissional de saúde habilitado, utilizando a técnica proposta no protocolo de avaliação do frênulo lingual para bebês. (MARTINELLI et al., 2013; FRAGA et al., 2020; CALDA et al., 2023). A anquiloglossia é definida como uma anomalia do desenvolvimento da língua, caracterizada por um frênulo lingual curto e espesso, resultando em limitação do movimento 92 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal da língua. O diagnóstico é baseado no exame clínico, por meio da avaliação morfológica e da mobilidade da língua, a inserção do frênulo lingual (na superfície ventral da língua e no assoalho da boca); a elasticidade e o comprimento do frênulo lingual. Caso o teste não tenha sido realizado na maternidade, pode ser efetuada a avaliação morfofuncional da língua e do frênulo lingual na primeira consulta do recém-nascido e/ou em consultas subsequentes de puericultura. 93 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Referências BRASIL. Nota técnica nº 35/2018. Anquiloglossia em recém-nascidos. Brasílias, DF: Ministério da Saúde, [2018]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/ biblioteca/nota-tecnica-n-o-35-2018-anquiloglossia-em- recem-nascidos/. Acesso em: 10 dez. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Triagem neonatal biológica: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à saúde ocular na infância: detecção e intervenção precoce para prevenção de deficiências visuais. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. CALDAS, T. T. S.; CARVALHO, W. C.; THOMES, C. R. Anquiloglossia sob a visão da odontologia: um panorama de evidências científicas. International Journal of Science Dentistry, Niterói/RJ, v. 3, n. 62, p. 9-17, set./dez. 2023. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ijosd/article/ view/57241/33945. Acesso em: 29 jun. 2023. 94 Capítulo 05 Testes de triagem neonatal FRAGA, M. R. B. A.; BARRETO, K. A.; LIRA, T. C. B.; , CELERINO, P. R. R. P.; TAVARES, I. T. S.; MENEZES, V. A. Anquiloglossia versus amamentação: qual a evidência de associação? Rev. CEFAC., v. 22, n. 3, p. e12219, 2020. DOI: 10.1590/1982- 0216/202022312219. LIMA, E. J. F.; SOUZA, M. F. T.; BRITO, R. C. C. M. Pediatria ambulatorial. 2. ed. Recife: Instituto Materno Infantil de Pernambuco, 2016. MARTINELLI, R. L. C; MARCHESAN, I. Q.; BERRETIN-FELIX, G. Protocolo de avaliação do frênulo da língua em bebês: relação entre aspectos anatômicos e funcionais. Rev. CEFAC, [S. l.], v. 15, n. 3, p. 599-610, mai./jun. 2013. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico. Grupo de trabalho em Oftalmologia Pediátrica. Teste do reflexo Vermelho. [S. l.]: SBP, 2018. (Documento Científico, n. 1). 95 Capítulo 6 Rotina de cuidados Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires 6.1 Introdução O capítulo rotina de cuidados abordará os cuidados referentes à higiene do sono, corporal, oral; à troca das fraldas; à lavagem da roupa e à exposição à tela, este último aspecto represen- tando um grande desafio e preocupação, em decorrência do impacto sobre o desenvolvimento, a socialização, o comporta- mento e a composição corporal. 6.2 Higiene do sono O recém-nascido (RN) desenvolve o ritmo circadiano no período pós-natal. Inicialmente, o seu ciclo é ultradiano (menor que 24 horas). No primeiro mês de vida, o neonato dorme cerca de 16 em 24 horas, a duração do sono é distribuída similarmente entre o dia e a noite. Após a sexta semana de vida, o sono diurno reduz e o sono noturno aumenta gradativamente. Por volta do 6o mês, os bebês já passam a apresentar seu próprio padrão de sono (YATES, 2018). A resistência à hora de dormir envolve um comportamento de oposição por parte da criança e, por sua vez, pode levar a uma duração mais curta do sono. Os problemas de despertar noturno ocorrem quando as crianças acordam à noite e não voltam a dormir de forma independe. Em crianças que 96 Capítulo 6 Rotina de cuidados despertam com frequência e/ou por um longo período de tempo e requerem assistência dos pais para voltar a dormir, o despertar noturno torna-se problemático (TURNBULL; REID; MORTON, 2013). Os despertares noturnos acontecem com frequência na infância. Nos primeiros seis meses de vida, eles se concentram em 1–2 picos de microdespertares noturnos, sendo mais frequentes no primeiro trimestre, podendo atingir até 6 episódios (MELTZER; MINDELL, 2006). A partir dos 3 meses de vida do bebê, a mãe deve ser orientada sobre rotinas favoráveis à organização do sono. Para as famílias que relatam suas preocupações referentes ao sono da criança, a recomendação para o preenchimento do registro diário do sono permite: (a) avaliar o comportamento do sono; (b) dimensionar o impacto da dificuldade para dormir na criança e nos cuidadores; (c) a duração do problema e; (d) os fatores associados com a melhora e a piora dos sintomas. Durante a investigação desse registro, também é útil avaliar as expectativas da família relacionadas ao sono, a história familiar de transtorno de sono e a descrição das práticas habituais de sono da família. No Quadro 1, encontra- se sumarizada a duração do sono e suas características, de acordo com o esperado para os diversos grupos etários. 97 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Quadro 1 - Duração e características do sono segundo à idade da criança. Idade Duração do sono Características do sono 0 a 28 dias (recém- nascido) 16 a 20 horas em 24 horas Ciclos do sono entre 1 e 4h de duração, intercalados por período de vigília, entre 1 e 2 horas, independentemente de ser noite ou dia. Inexiste ritmo circadiano. Os picos de despertares entre 2 e 6 episódios durante a noite. 1 a 4 meses 14 a 15 horas por dia: cerca de 10 delas à noite e as outrasdivididas em sonecas diurnas. Entre 6 semanas e 3 meses a diferenciação dos ciclos de sono se inicia: período diurno menos prolongado e o noturno que gradativamente ficará mais longo. 5 e 8 meses 14 horas de sono Algumas sonecas durante o dia. 9 aos 12 meses 10 e 12 horas por noite Apresentam sestas diurnas (cerca de duas por dia) que podem durar, em média, 2 horas. 12 – 24 meses 11 – 14 h/24h Sono noturno mais consolidado e uma sesta por dia (1,5 a 3,5 horas). 3 a 6 anos 10 a 13 horas de sono/24h As sestas diurnas são raras entre 4 e 5 anos de idade. 6 a 12 anos 10 a 11 horas Pode haver alterações na duração do sono nos finais de semana. Fonte: Adaptado de Paruthi et al (2016). 98 Capítulo 6 Rotina de cuidados A variabilidade individual da necessidade de sono é influenciada por fatores genéticos, comportamentais, orgânicos e ambientais. Dos 5 até os 12 anos de idade, é iniciada a transição para o padrão adulto de sono. Segundo a Academia Americana de Medicina do Sono, dormir o número de horas recomendadas está associado a melhores resultados de saúde, incluindo: melhor atenção, comportamento, aprendizagem, memória, regulação emocio- nal, qualidade de vida e saúde física e mental. A insônia, queixa frequente entre os distúrbios do sono, pode ser definida como a dificuldade de iniciar o sono (em crianças, considera-se a dificuldade que ocorre para iniciar o sono sem a intervenção de cuidadores); ou de manter o sono (despertares frequen- tes durante a noite e dificuldade de retornar ao sono sem a intervenção de cuidadores); ou despertar antes do horá- rio habitual com incapacidade de retornar ao sono (NUNES; BRUNI, 2015). A insônia pode causar sofrimento ou prejuízo no funcionamento social, profissional, educacional ou com- portamental, além de interferir na rotina dos pais e familiares. Portanto, faz-se necessário o reconhecimento e o manejo adequado desse problema na atenção primária à saúde (NUNES; BRUNI, 2015). As recomendações da Academia Americana de Pediatria sobre o sono seguro estão listadas abaixo: • O aleitamento materno confere proteção contra a sín- drome da morte súbita do lactente, além dos benefí- cios nutricionais e imunológicos. • O bebê deve dormir sobre uma superfície firme: evitar colocar o bebê sobre superfícies depressíveis pelo 99 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires risco de sufocação. Nunca colocar o bebê para dormir em um sofá ou poltrona. • O bebê pode dormir no mesmo quarto dos pais durante os primeiros 6 meses, porém, não deve compartilhar a mesma cama. Uma opção seria colocar o berço portátil próximo à cama dos pais. • O bebê deve dispor do seu próprio espaço para dormir. Evitar travesseiros, lençóis, cobertores ou qualquer outro item que possa cobrir o rosto, a cabeça e o pes- coço do bebê ou o superaquecer. • Evitar objetos macios, roupas de cama soltas ou quais- quer objetos que possam aumentar o risco de aprisio- namento, sufocamento ou estrangulamento, como tra- vesseiros, colchas, edredons, cobertores, brinquedos, protetores ou produtos semelhantes. • Evitar a exposição passiva ao fumo durante a gestação e posteriormente. A casa e o carro onde o bebê é trans- portado devem permanecer livres de fumo. • Não utilizar álcool ou drogas ilícitas durante a gravi- dez ou após o nascimento do bebê. • Colocar o bebê em decúbito ventral por alguns minutos durante os períodos de vigília. Um lembrete útil: decú- bito dorsal para dormir e decúbito ventral para brincar. A Sleep Fondation.org elenca um conjunto de rotinas que podem ser utilizadas pelos pais e/ou cuidadores direcionadas à higiene do sono como descrevemos a seguir: • Criar uma rotina para a hora de dormir que deve ser iniciada 20 a 30 minutos antes de colocar a criança para dormir. Entre as rotinas, os pais devem estabelecer o 100 Capítulo 6 Rotina de cuidados horário para dormir; dar o banho; escovar os dentes; colocar o pijama; ler uma história ou colocar uma mú- sica suave. • O horário definido para dormir deve ser seguido todas as noites, pois a rotina torna-se útil quando é realizada consistentemente. • Evitar exposição à tela. Os dispositivos eletrônicos de- vem ser mantidos fora do quarto e, de preferência, não devem ser utilizados 1 a 2 horas antes de dormir. • Evitar atividades físicas e brincadeiras mais vigorosas 2 horas antes de colocar a criança para dormir. Além disso, evitar filmes ou programas de televisão de con- teúdo violento ou assustador. • Evitar bebidas que contenham cafeína como chá, café, refrigerante e chocolate, antes do horário estabelecido para dormir. • Preparar o ambiente, com uma temperatura agradável, redução do barulho e da luminosidade (a penumbra ajuda na liberação da melatonina e no ajuste do reló- gio biológico). 6.3 Higiene oral O Quadro 2 resume as recomendações de higiene oral conforme o grupo etário. 101 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Quadro 2 - Higiene bucal para crianças na primeira infância. Grupo etário Recomendação 0 - 6 meses Higienização da cavidade oral com gaze ou fralda umedecida com água fervida fria ou filtrada, pelo menos 1xdia ou mais frequente, se necessário. 6 - 18 meses (erupção dos dentes incisivos) Realizar escovação dental, caso tenha ocorrido a erupção dos dentes, com uma escova com extre- midade pequena, arredondada e cerdas macias. 18 - 36 meses (erupção dos dentes molares) Escova dental macia, 3xdia. O uso do fio dental está indicado quando os dentes estão sem espaços entre eles, 1xdia ao dia, ou mais, se necessário. 3 - 6 anos Progressivamente, a criança deve ser estimulada a escovar seus dentes sob supervisão. A esco- vação noturna deve ser realizada pelos pais. Quantidade do creme dental Menor de 2 anos: quantidade correspondente a um grão de arroz; entre 2-5 anos, um grão de ervilha. Fonte: autoria própria. Quando encaminhar à equipe de saúde bucal: • A partir da erupção dentária • Dentes permanentes em erupção, sem a queda dos decíduos • Maloclusão dentária • Trauma dentário • Sangramento gengival • Cárie dentária • Avaliação de rotina 102 Capítulo 6 Rotina de cuidados 6.4 Higiene Corporal A higiene do recém-nascido (RN) e da criança é um tópico relevante no desenvolvimento da criança, que pode afetar a sua saúde. 6.4.1 Banho O primeiro banho para neonatos saudáveis pode ser postergado após as primeiras 24 horas de vida, segundo a Organização Mundial da Saúde, com a justificativa de aguardar a estabilização dos sinais vitais. O primeiro banho tem como objetivo a remoção de sangue, mecônio e outras possíveis secreções. Em casos específicos, ele deve ser realizado o mais breve possível, antes do contato pele a pele, como no caso de RN exposto ao HIV. Em filhos de mães com hepatite B ou C, o banho será efetuado após a primeira hora de contato pele a pele com a mãe. A recomendação consiste em não se remover de forma completa o vernix caseoso, permitindo seu desprendimento natural e gradual (em torno de 24h), desde que não haja risco de transmissão de doenças maternas. Isso porque o vernix tem como funções a hidratação, a termorregulação e a cicatrização de feridas devido a sua característica antimicrobiana. As recomendações gerais após a alta da maternidade incluem: • O banho no período neonatal pode ser diário, não obs- tante alguns autores argumentarem 1 a 2 vezes por semana como suficiente. Realizar a higiene da região das fraldas antes do banho. 103 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires • O banho de banheira é permitido, com atenção ao volume e à temperatura de água. • A temperatura ideal é entre 36º e 40o c; com duração entre 5 a 10 minutos. A verificação da temperatura da água antes de colocar o bebê evita queimadura. • Manter uma das mãos segurando o bebê (antebraço livre da cuidadora apoia a região cefálica, cervical e dorsal e a mão circunda o braço do bebê, fazendo uma alça de segurança), paraevitar acidentes como queda ou afogamento. • Iniciar a lavagem pelo rosto, couro cabeludo e depois lavar o resto do corpo, evitando molhar o coto umbili- cal. Se molhar, secar de forma apropriada. • Secar a pele suavemente (sem esfregar) com uma toa- lha macia e limpa. • Os sabonetes suaves podem se apresentar sob a forma em barra ou líquidos destinados às crianças (pH pró- ximo a 5). • A utilização de talcos não é recomendada nos bebês, pelo risco de inalação acidental, que pode causar irri- tação, pneumonite, com formação de granuloma e fibrose pulmonar. • Xampus: não existe uma fórmula pediátrica padroni- zada. Enquanto o cabelo é curto, fino e frágil, não é necessário; o mesmo produto pode ser utilizado para o corpo e o cabelo. Eles deverão ser suaves, apenas leve- mente detergentes, com pH próximo ao da lágrima, para não provocar ardência nem irritação nos olhos nem na pele, não devem alterar as raízes do cabelo nem agredir o couro cabeludo, que são frágeis, na infância. 104 Capítulo 6 Rotina de cuidados • Apesar de os lenços umedecidos de limpeza serem práticos, não são recomendados pela maioria dos autores pelo risco de remover o filme lipídico da pele e causar sensibilização. • Loções e sabões antissépticos também devem ser evitados. • Coto umbilical: é recomendada a limpeza regular do coto umbilical com clorexidina em concentrações de 0,5% a 4% (aplicar na extremidade e na base do coto umbilical, 01 vez ao dia), ou álcool 70%, nos primeiros dias de vida, até ocorrer a sua queda. • As unhas dos bebês devem ser mantidas limpas e cur- tas, para evitar que machuquem a pele. c) Higiene das roupas As roupas pessoais, de banho e cama podem conter substâncias tóxicas e irritantes à pele, que, por sua vez, podem desencadear processos alérgicos em pacientes que têm predisposição ou hipersensibilidade. Tecidos com mais estampas e cores são potencialmente mais danosos à saúde. A recomendação é para que todas as roupas sejam lavadas antes de serem usadas, utilizando detergente neutro e fazendo vários enxagues, o que permite remover ao máximo os produ- tos químicos presentes no tecido; lavar a roupa em separado por suas características próprias (tecido, cor, textura e finali- dade de uso); secar bem para evitar umidade entre as tramas do tecido, o que favorece o surgimento de fungos e ácaros. d) Importância da higiene da região das fraldas A dermatite de fraldas é a forma mais frequente de dermatite de contato por irritante primário na criança. Essa 105 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires afecção é um processo inflamatório na pele coberta pela fralda e resulta da interação de múltiplos fatores como: aumento da umidade, pH elevado, enzimas fecais e microrganismos que se desenvolvem pela condição ideal proporcionada pela oclusão (SBP, 2016a). As principais características das dermatites das fraldas estão sumarizadas no Quadro 3. Quadro 3 - Características das dermatites das fraldas Classificação Característica Dermatite das fraldas forma leve ou por fricção Eritema, descamação, aspecto brilhante da pele e, eventualmente, pápulas. As lesões estão tipicamente localizadas nas regiões convexas cobertas pelas fraldas, poupando as dobras, tipicamente em formato de W. A evolução é aguda. Fatores desencadeantes: contato com urina e fezes e pH alcalino. Forma moderada Lesões papuloerosivas ou maceradas que se tornam violáceas e liquenificadas. Forma grave ou ulcerativa (mais comum em menores de 2 anos) Conhecida como dermatite amoniacal. Caracteriza-se por pápulas com ulcerações apicais que variam de profundidade e são denominadas úlceras de Jacquet, localizadas nas regiões convexas da área das fraldas, dispostas em W, face interna das coxas, glúteos e glande ou vulva. Fonte: Adaptado de SBP (2016a). A prevenção é realizada por meio de uma higiene adequada, de trocas de fraldas frequentes (a cada 1 a 3 horas) de forma a reduzir a exposição da pele à urina e às fezes. Os lenços úmidos podem ser utilizados eventualmente, desde que sem álcool e sem fragrância. O manejo da dermatite de fraldas 106 Capítulo 6 Rotina de cuidados é direcionado à manutenção da área limpa e seca (expor a pele ao ar) e à limitação da irritação e maceração (SBP, 2016a). A higienização pode ser feita com algodão e água (fria ou morna), com uma limpeza suave. Os cremes de barreira geral- mente contêm óxido de zinco e/ou petrolato, além de óleo de fígado de bacalhau, aloe barbadensis, dimeticona e dexpante- nol. Deve-se evitar a retirada excessiva da pomada nas trocas subsequentes. O diagnóstico diferencial inclui intertrigo, dermatite seborreica, candidíase, dermatofitoses, sífilis con- gênita, histiocitose de células de langerhans e psoríase. 6.5 A criança na era digital Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o excesso e o uso precoce dos aplicativos on-line podem acarretar prejuízos no desenvolvimento das crianças e adolescentes, como problemas de socialização, dificuldades escolares, aumento da ansiedade, transtornos de sono e alimentação, sedentarismo, problemas auditivos, visuais, posturais e até mesmo envolvendo a sexualidade. Portanto, é de fundamental importância o bom senso e a informação adequada a fim de que se atinja o equilíbrio para um uso benéfico. A recomendação da SBP para o tempo de tela baseado no grupo etário está esquematizada no Quadro 4. 107 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires Quadro 4 – Recomendação do tempo de tela em conformidade com o grupo etário. Faixa etária Recomendação < 2 anos Desencorajar, evitar e até proibir a exposição passiva em frente às telas digitais, com exposição aos conteúdos inapropriados de filmes e vídeos, para crianças com menos de 2 anos, principalmente durante as horas das refeições ou 1-2 h antes de dormir. 2 a 5 anos Limitar o tempo de exposição às mídias a, no máximo, 1 hora por dia. < 10 anos Não devem fazer o uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos. Crianças de todas as idades Jogos on-line com cenas de tiroteios como mortes ou desastres que ganham pontos de recompensa como tema principal não são apropriados em idade alguma, pois banalizam a violência como sendo aceita na resolução dos conflitos, sem expor a dor ou o sofrimento causado às vítimas, e contribui para o aumento da cultura de ódio e intolerância. Portanto, devem ser proibidos. Fonte: SBP (2016b). O tempo de uso diário ou a duração total/dia do uso de tecnologia digital deve ser limitado e proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo- psicossocial de crianças e adolescentes. A família deve estar atenta ao conteúdo e ao tempo empregado no seu uso. Recomendações da SBP (2016b): (a) estabelecer limites de horários e mediar o uso com a presença dos pais para ajudar na compreensão de imagens. Equilibrar as horas de jogos on-line com atividades 108 Capítulo 6 Rotina de cuidados esportivas, brincadeiras, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza. (b) conversar sobre as regras de uso da internet, con- figurações para segurança e privacidade e sobre nunca compartilhar senhas, fotos ou informações pessoais ou se expor através da utilização da webcam com pessoas des- conhecidas, nem postar fotos íntimas, mesmo com ou para pessoas conhecidas em redes sociais. (c) monitorar os sites, programas, aplicativos, filmes e vídeos que as crianças estão acessando, visitando e em que estão trocando mensagens, sobretudo em redes sociais. Manter os computadores e os dispositivos móveis em locais seguros e ao alcance das res- ponsabilidades dos pais (na sala) ou das escolas (durante o período das aulas). (d) usar antivírus ou programas que ser- vem de filtros de segurança e monitoramento para palavras, categorias ou sites. Alguns restringem o tempo de uso de jogos on-line, aplicativos e redes sociais por faixa etária. Ainda assim, é importante explicar com calma esem amedrontar as crianças quais são os motivos e perigos que existem na internet, espaço vazio e virtual onde nem tudo é o que parece ser. (e) aprender/ensinar a bloquear mensagens ofensivas ou inapropriadas, redes de ódio, violência ou intolerância ou vídeos com conteúdo sexual e como denunciar cyberbullying. A SBP recomenda a inclusão, nos protocolos de atendimento, de rotinas que permitam tanto a prevenção como o diagnós- tico e o tratamento dos danos à saúde física, decorrentes do uso abusivo das tecnologias digitais, tais como: obesidade, distúrbios do sono, lesões articulares, problemas posturais, alterações da visão, perda auditiva, transtornos comporta- mentais e mentais entre outros já demonstrados por diversos 109 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires estudos da literatura científica. Considerar e avaliar com mais atenção crianças e adolescentes que apresentem com- portamentos agressivos, dissociativos entre o mundo real e o virtual, dependentes da tecnologia-Internet-videogames, que apresentem transtornos de sono, alimentação, higiene, uso de drogas ou queda do rendimento escolar ou pratiquem/ apresentam sinais de violência/bullying/cyberbullying, sinais corporais de automutilação (self-cutting) ou quando relatam “desafios” on-line com colegas da escola. Todos esses dados obtidos pelos pais, escolas ou relatados pela própria criança ou pelo adolescente devem ser valorizados e conduzidos de forma apropriada por uma equipe capacitada em saúde mental (SBP, 2016b). 110 Capítulo 6 Rotina de cuidados Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 272 p. (Cadernos de Atenção Básica, 33). FERNANDES, J. D.; MACCHADO, M. C. R.; OLIVEIRA, Z. N. P. Prevenção e cuidados com a pele da criança e do recém- nascido. An Bras Dermatol., [S. l.], v. 86, n. 1, p. 102-10, 2011. MELTZER, L. J.; MINDELL, J. A. Sleep and sleep disorders in children and adolescentes. Psychiatric Clinics of North America, [S. l.], v. 29, n. 4, p. 1059-1076, 2006. DOI: 10.1016/j. psc.2006.08.004. NUNES, M. L.; BRUNI, O. Insomnia in childhood and adolescence: clinical aspects, diagnosis, and therapeutic approach. J Pediatr., Rio de Janeiro, v. 91, n. 6, p. 26-35, 2015. Supl. 1. Disponível em: https://jped.elsevier.es/pt- pdf-S2255553615001330. Acesso em: 08 fev. 2022. PARUTHI, S.; BROOKS, L. J.; D’AMBROSIO, C.; HALL, W. A.; KOTAGAL, S.; LLOYD, R. M.; MALOW, B. A.; MASKI, K.; NICHOLS, C.; QUAN, S. F.; ROSEN, C. L.; TROESTER, M. M.; WISE, M. S. Recommended amount of sleep for pediatric populations: a consensus statement of the American Academy of Sleep Medicine. J Clin Sleep Med., [S. l.], v. 12, n. 6, p. 785-786, 2016. 111 Adriano dos Santos Cavalcanti Devani Ferreira Pires SBP. Consenso sobre cuidado com a pele. [S. l.]: SBP, 2015. Disponível em: http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_ upload/flipping-book/consenso-cuidados-pele/cuidados- com-a-pele/assets/downloads/publication.pdf. Acesso em: 08 fev. 2022. SBP. Dermatite da Área das Fraldas – Diagnóstico Diferencial. [S. l.]: SBP, 2016a. Documento Científico do Departamento Científico de Dermatologia da SBP. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/ publicacoes/Dermatologia-Dermatite-da-rea-das-fraldas.pdf. Acesso em: 08 fev. 2022. SBP. Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital. [S. l.]: SBP, 2016b. Documento Científico do Departamento Científico de adolescência da SBP. TURNBULL, K.; REID, G. J.; MORTON, J. B. Behavioral Sleep Problems and their Potential Impact on Developing Executive Function in Children. Sleep, [S. l.], v. 36, n. 7, p. 1077–1084, 2013. DOI: https://doi.org/10.5665/sleep.2814. YATES, J. Perspective: the long-term effects of light exposure on establishment of newborn circadian rhythm. J Clin Sleep Med., [S. l.], v. 14, n. 10, p. 1829-1830, 2018. DOI:10.5664/ jcsm.7426. 112 Capítulo 7 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza O nascimento é um momento marcado por intensa carga de estresse e de necessidades adaptativas para o recém-nascido, assim como para a mãe. Para o primeiro representa um processo que envolve a separação dos sistemas materno e fetal, bem como um novo processo de adaptação ao mundo exterior. Para a segunda representa um momento em que o organismo materno retorna às suas condições pré-gravídicas com regressões das modificações locais e sistêmicas, num período denominado de puerpério. É nessa fase que ocorre a maioria das mortes maternas e infantis relacionadas a uma assistência de baixa qualidade. Estima-se que a maioria das mortes maternas e infantis ocorre nos primeiros dias após o parto e até o primeiro mês de vida da criança, sendo 66% delas na primeira semana de vida. Nesse cenário, são previstos que todo ano mais de 3 milhões de recém-nascidos vão a óbito antes do primeiro mês de vida. Desses, três quartos morrem na primeira semana e um terço não sobrevive ao primeiro dia. São mortes, em geral, evitáveis, que podem estar relacionadas à qualidade da atenção à saúde recebida no período pré-natal e no pós-parto (LUCENA et al., 2018; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2015). 113 Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza É nesse contexto que se impõe a necessidade de mais articulação e qualificação da rede de atenção à saúde da mulher e da criança. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança do Ministério da Saúde, visando qualificar e orientar a rede de serviços de saúde para a garantia do direito à vida e à saúde, prevê que ações sejam efetivadas de forma integrada entre os serviços de atenção básica e as maternidades. Entre essas ações encontra-se a Primeira Semana de Saúde Integral (PSSI), que traz a visita domiciliária como principal estratégia para o desenvolvimento de ações de acompanhamento da criança e da mãe no estabelecimento saudável desse processo adaptativo (BRASIL, 2015). A visita domiciliária (VD) constitui-se como potente instrumento que possibilita conhecer os principais aspectos relativos ao modo de vida e cultura das famílias e comunidades. É adentrando nesse espaço domiciliar que os profissionais identificam fatores potencializadores do cuidado à saúde ou fatores que podem aumentar as situações de vulnerabilidade, possibilitando, assim, a viabilização de ações integradas de vigilância, reabilitação, prevenção e promoção de saúde (CRUZ; BOURGET, 2010). A PSSI, por sua vez, consiste num protocolo de atenção à saúde da mulher e da criança na primeira semana após o parto, visando identificar sinais de risco ou agravos que possam comprometer o crescimento e o desenvolvimento saudável do RN e a saúde materna. A visita domiciliária se configura nesse contexto como ação estratégica mais adequada para a promo- ção da saúde e a prevenção desses agravos, uma vez que tem demonstrado resultados importantes na redução mortalidade 114 Capítulo 7 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho neonatal (LUCENA et al., 2018; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2015). A realização da visita domiciliária pressupõe uma série de ações dos profissionais de saúde no que concerne ao seu planejamento e sua execução, a fim de possibilitar a melhor intervenção. Assim, é essencial que o profissional disponha de um roteiro com objetivos claros para nortear suas ações. Os objetivos dessa visita podem ser assim definidos: identificar sinais de risco ou vulnerabilidades ao processo adaptativo do recém-nascido e da mulher no período puerperal; instituir ações de promoção e prevenção da saúde da criança e da mulher no período puerperal; promover a continuidade do cuidado à criança e à mulher na atençãobásica (ANDRADE et al., 2015; BRESOLINI et al., 2017). As principais ações a ser realizadas pela equipe de saúde visando à promoção da saúde e prevenção de agravos na PSSI podem ser assim destacadas: avaliação da saúde da criança, avaliação de saúde da puérpera, promoção do aleitamento materno exclusivo (AME), identificação e reforço da rede de apoio à família, promoção de orientações sobre imunizações, triagem neonatal, cuidados com o recém-nascido, oferta de apoio emocional às mulheres e famílias, estímulo ao desen- volvimento da parentalidade e agendamento das próximas visitas à unidade de saúde (BRASIL, 2004). Na avaliação da saúde do recém-nascido, devem-se abordar as condições gerais da criança, e também as condições de parto e pós- -parto como potentes fatores intervenientes no processo de adaptação da criança. As principais causas de morte neonatal estão relacionadas a fatores como prematuridade, baixo peso ao nascer, presença de anomalias congênitas e baixo escore 115 Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza de Apgar nos 1º e 5º minutos de vida (DEMITTO et al., 2017; GAIVA; FUJIMORI; SATO, 2016). Nesse sentido, a identificação de crianças em situações de risco ou vulnerabilidades é ação essencial dessa primeira visita (BRASIL, 2004). A avaliação materna deverá se reportar às condições gerais da mãe, sua disponibilidade para amamentar e ainda os aspectos emocionais que envolvem esse processo adaptativo. As principais causas de morte materna estão relacionadas à baixa qualidade da assistência às gestantes e puérperas, além da presença de distúrbios hemorrágicos e infecções decorrentes do processo de parturição. Os partos por cesarianas representam um fator de risco para o desenvolvimento de infecções puerperais (MASCARELLO et al., 2018). No tocante aos aspectos emocionais, há de se consi- derar a grande prevalência de depressão pós-parto, que pode atingir 20% das puérperas, e sua repercussão sobre a saúde da mulher e da criança. Dentre os fatores associados à depressão destacam-se: ansiedade gestacional, não plane- jamento e desejo da gravidez, dificuldades financeiras, rede de apoio enfraquecida, conflito familiar/conjugal e história de aborto. Como fatores protetores ligados a essa condição podem-se citar o suporte profissional e o apoio da equipe de saúde durante e após o parto. Por isso, é importante os pro- fissionais de saúde oferecerem apoio emocional às mulheres e famílias, e identificar situações que podem culminar com quadros de depressão pós-parto durante a visita domiciliá- ria e no seu acompanhamento por parte de toda a equipe (ARRAIS; ARAUJO; SCHIAVO, 2018). A VD também representa importante estratégia para potencializar o aleitamento materno exclusivo e diminuir 116 Capítulo 7 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho os fatores que interferem no desmame precoce. Entre as causas de interrupção do AME podem ser citadas: falta de apoio de familiares durante o período de lactação; crenças errôneas acerca do leite materno, que por muitos é visto como insuficiente às necessidades do RN; pega incorreta da mama e as suas consequências, como fissuras nos mamilos; inserção de fórmulas à alimentação do RN; e o retorno da mulher às atividades, com o fim da licença maternidade. Assim, esse primeiro momento de acolhimento e assistên- cia pela equipe de saúde pode representar ação decisiva no estabelecimento efetivo e na manutenção do AME (FREITAS; WERNECK; BORIM, 2018; MANGRIO; PERSSON; BRAMHAGEN, 2018; MIKAMI et al., 2018). Esse momento também representa uma oportunidade para dialogar com a mãe sobre outras ações de saúde que devem ocorrer nos primeiros momentos após o nascimento, tais como: a imunização para BCG e Hepatite B assim como os testes de triagem neonatal, que incluem teste do pezinho, teste do olhinho, teste da orelhinha e teste do coraçãozinho e são importantes para diagnosticar distúrbios de origem metabólica, genética e/ou infecciosa antes que apareçam sintomas evidentes que possam prejudicar o desenvolvimento do recém-nascido (MARQUI, 2016; SILVA et al., 2017; BERTOLDI; MANFREDI; MITRE, 2017). O diálogo com a mães também deve ser conduzido para as orientações sobre os cuidados gerais com o recém-nascido, que envolve os cuidados de higiene física e bucal, considerando a fase de desenvolvimento em que a criança encontra-se e suas necessidades de estimulação. Há também a necessidade de 117 Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza estimular os demais membros da família para participar do cuidado com a criança (BRASIL, 2004). Ao final da visita, os profissionais de saúde devem agendar o retorno da criança à unidade básica de saúde para iniciar o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, bem como suas próximas vacinações, também deve ser agendado o retorno da mãe para consulta com trinta dias após o parto. Essas ações possibilitam a continuidade do cuidado e o acesso ao serviço de saúde. A visita domiciliária deve ser conduzida a partir de uma boa comunicação, do desenvolvimento de uma atitude empá- tica e respeitosa. É fundamental restringir a orientação ou a investigação ao objetivo da visita, da mesma forma que man- ter a postura profissional mesmo fora do espaço institucional. Diante dessas prerrogativas, a visita domiciliária é ação estratégica essencial para promover a saúde materna e infantil nos primeiros dias após o parto e num momento delicado no processo de vida de crianças e mulheres que necessitam dos serviços de saúde com atenção, comprometimento e corresponsabilização. 118 Capítulo 7 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho Referências ANDRADE, R. D; SANTOS, J. S.; MAIA, M. A. C.; SILVA, M. A. I.; VERÍSSIMO, M. L. O. R.; MELLO, D. F. Visita domiciliária: tecnologia de cuidado utilizada pelo enfermeiro na defesa da saúde da criança. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, v. 24, n. 4, p. 1130-1138, out./dez. 2015. ARRAIS, Alessandra da Rocha; ARAUJO, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de; SCHIAVO, Rafaela de Almeida. Fatores de Risco e Proteção Associados à Depressão Pós-Parto no Pré-Natal Psicológico. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 38, n. 4, p. 711-729, out. 2018. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414- 98932018000500711&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 8 ago. 2019. BERTOLDI, Patrícia Mendonça; MANFREDI, Alessandra Kerli Silva; MITRE, Edson Ibrahim. Análise dos resultados da triagem auditiva neonatal no município de Batatais. Medicina, Ribeirão Preto, v. 50, n. 3, p. 150-157, maio/jun. 2017. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rmrp/ article/view/139809. Acesso em: 8 ago. 2019. BRASIL. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 119 Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza BRASIL. Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde, [2015]. BRESOLINI, D. S. R.; GASPAR, G. R.; REIS, L. D.; MACHADO, L. S. J.; QUEIROZ, M. V. N. P.; ARAÚJO, A.; FALEIRO, R. C.; LARMAR, L. M. L. B. F. A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente. Rev Med Minas Gerais, [Minas Gerais], v. 27, Supl. 3, p. 25-32, 2017. CRUZ, M. M.; BOURGET, M. M. M. A Visita Domiciliária na Estratégia de Saúde da Família: conhecendo as percepções das famílias. Saúde Soc., São Paulo, v. 19, n. 3, p. 605-613, 2010. DEMITTO, M. O. et al., Gestação de alto risco e fatores associados ao óbito neonatal. Rev. Esc. Enferm. USP., Maringá, v. 51, p. 1-8, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342017000100409. Acesso em: 8 ago. 2019. FREITAS, M. G.; WERNECK, A. L.; BORIM, B. C. Aleitamento materno exclusivo: adesão e dificuldades. Rev enferm UFPE on line, [Pernambuco], v. 12, n. 9, p. 2301-2307, 2018. 120 Capítulo 7 A visita domiciliária como estratégia de promoção da saúde do binômio mãe e filho GAIVA, M. A. M.; FUJIMORI, E.; SATO, A. P. S. Fatores de risco maternos e infantis associados à mortalidade neonatal. Texto Contexto Enferm, Cuiabá, v. 25, n. 4, p. 1-9, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n4/pt_0104-0707- tce-25-04-2290015.pdf. Acesso em: 8 ago. 2019. LUCENA, D. B. A.; GUEDES, A. T. A.; CRUZ, T. M. A. V.; SANTOS, N. C. C. B.; COLLET, N.; REICHERT, A. P. S. Primeira semana saúde integral do recém-nascido: ações de enfermeiros da Estratégia Saúde da Família. Rev Gaúcha Enferm., [S. l.], v. 39, p. 1-8, 2018. MANGRIO, E.; PERSSON, K.; BRAMHAGEN, A. C. Sociodemographic, physical, mental and social factors in the cessation of breastfeeding before 6 months: a systematic review. Scand J Caring Sci, [S. l.], v. 32, n. 2, p. 451-465, 2018. MARQUI, A. B. T. Teste do pezinho e o papel da enfermagem: uma reflexão. Rev. Enferm. Atenção Saúde, Uberaba, v. 5, n. 2, p. 96-103, 2016. Disponível em: http://seer.uftm.edu. br/revistaeletronica/index.php/enfer/article/view/1605. Acesso em: 8 ago. 2019. MASCARELLO, K. C. et al., Complicações puerperais precoces e tardias associadas à via de parto em uma coorte no Brasil. Rev Bras Epidemiolv., São Mateus, v. 21, p. 1-13, 2018; Disponível: http://www.scielo.br/pdf/ rbepid/v21/1980-5497-rbepid-21-e180010.pdf. Acesso em 08 ago. 2019. 121 Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos Josilayne Medeiros da Silva Vinícius Alves de Souza MIKAMI, F. C. F. et al., Breastfeeding Twins: factors related to weaning. Journal of Human Lactation, [S. l.], v. 34, n. 4, p. 749–759, 2018. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cuidados pós-natais para mães e recém-nascidos. Genebra: OMS, 2015. SILVA, M. P. C. et al., Teste do pezinho: percepção das gestantes nas orientações no pré-natal. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, v. 17, n. 2, p. 291-298, jun. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1519-38292017000200291&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 8 ago. 2019. 122 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia 8.1 Introdução As desordens gastrointestinais funcionais (DGIFs) e os distúrbios da motilidade estão entre as queixas mais comuns na população em geral (RACHID et al., 2016; BELLAICHA et al., 2018). O termo “funcional” é geralmente aplicado a desordens nas quais há comprometimento das funções normais do corpo – e incluem uma combinação variável de sintomas frequentemente dependentes, crônicos ou recorrentes –, não explicadas por anormalidades estruturais ou bioquímicas (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017; DUARTE, 2017; RACHID et al., 2016; BENNINGA et al., 2016). As taxas de prevalência relatadas de DGIFs em neonatos e crianças pequenas variam entre 27,1% e 38,0%, sendo a regur- gitação do lactente e a constipação funcional consideradas as de maior frequência (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017). Os DGIFs na infância são comuns, correspondendo a aproximadamente 5% das queixas em ambulatórios de cuida- dos primários e até 40% das consultas de gastroenterologia pediátrica (DUARTE, 2017). https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Nassar-Sheikh%20Rashid%20A%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=26348686 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Nassar-Sheikh%20Rashid%20A%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=26348686 123 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Suspeita-se que a motilidade intestinal esteja alterada nos DGIFs. Nota-se resposta motora exacerbada a um estres- sor emocional ou fisiológico entre os pacientes. Alteração na imunomodulação ou na interação entre sistema nervoso central (SNC), sistema nervoso entérico e sistema imuno- lógico também são considerados fatores etiopatogênicos. A hipótese mais discutida é a presença de distúrbios no eixo cérebro-intestino, que liga o sistema nervoso entérico ao SNC. Portanto, é necessária uma visão holística do paciente, avaliando-se os aspectos ambientais, comportamentais, cog- nitivos, sociais, psicológicos, imunológicos e fisiológicos nos DGIFs (DUARTE, 2017). O diagnóstico das DGIFs baseia-se principalmente em relatórios dos pais e interpretações dos sintomas de seus filhos e das observações do médico, treinado para diferenciar saúde e doença (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017; BENNINGA et al., 2016). A abordagem diagnóstica pode ser facilitada pela utilização dos critérios de Roma, cuja última publicação se deu em 2016, o ROMA IV. Neles, tais desordens são divididas em dois grupos: 1º) Neonatos e crianças < 4 anos; e 2º) Crianças > 4 anos e adolescentes. No Quadro 1, estão descritas as desordens funcionais estabelecidas pelo Roma IV para a primeira faixa. 124 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes Quadro 1 - Desordens gastrointestinais funcionais estabelecidas pelo ROMA IV para neonatos e crianças menores de 4 anos. Regurgitação do lactente Síndrome da ruminação do lactente Síndrome dos vômitos cíclicos Cólica do lactente Diarreia funcional Disquezia do lactente Constipação funcional Fonte: Adaptado de Benninga et al (2016). Neste capítulo, serão abordadas as desordens funcionais mais frequentes em lactentes, especialmente, e em crianças menores de 4 anos, a saber: regurgitação, cólica e constipação funcional. Consideram-se as desordens funcionais como um diagnóstico de exclusão, pois fatores orgânicos devem ser sempre lembrados no diagnóstico diferencial. A história clínica detalhada pode ser suficiente para trazer confiança ao profissional na identificação, evitando investigações dispensáveis com exames complementares. Todavia, esses podem ser de auxílio na suspeita de enfermidades orgânicas. Para melhor discernimento entre os processos funcionais e orgânicos, o pediatra deve estar sempre atento à ocorrência de sinais de alarme para doenças orgânicas que justificariam abordagem mais específica, conforme serão descritos nas desordens a seguir. 125 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia 8.2 Regurgitação do Lactente O refluxo gastroesofágico (RGE) é caracterizado pelo retorno de conteúdo gástrico para o esôfago e “regurgitação” é usado quando esse conteúdo pode ser visualizado. No lactente, é muito frequente o RGE fisiológico acompanhar- se de regurgitações que não se associam à redução no ganho de peso ou outras manifestações clínicas. A regurgitação do lactente (RL) consiste em desordem funcional gastrintestinal transitória e dependente da imaturidade funcional do aparelho digestivo no primeiro ano de vida (DAVIES et al., 2015). Tem pico aos 4 meses de idade e tende a desaparecer com o tempo (LEUNG; HON, 2019). A RL ocorre em aproximadamente 50% dos lactentes com menos de dois meses de idade, 60-70% dos lactentes com 3-4 meses e 5% dos lactentes aos 12 meses de idade. Bebê prematuro tem mais risco de refluxo gastroesofágico, estimando-se incidência de refluxo gastroesofágico em lactentes nascidos com menos de 34 semanas de gestação em aproximadamente 22% (LEUNG; HON., 2019). Espera-se que a RL se resolva espontaneamente com a idade e não esteja associada a consequências negativas em longo prazo (AYERBE et al., 2019). A maioria dos episódios de refluxo gastroesofágico é causada pelo relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago, desencadeado pela distensão gástrica pós-prandial (LEUNG; HON, 2019). A história clínica completa e o exame físico minucioso per- manecem a pedra angular do diagnóstico. Os bebês com RL se alimentam e crescem bem e não apresentam outros sintomas; 126 Capítulo 8Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes eles são descritos como “regurgitadores felizes”. Bebês e crianças pequenas com doença do refluxo gastroesofágico, além da regurgitação, podem apresentar sinais de alarme como irritabilidade, choro excessivo, falta de apetite, recusa na ali- mentação, engasgos, dificuldade no crescimento, distúrbios do sono, tosse crônica, chiado no peito, estridor e até opistótono e torcicolo como tentativa de evitar o refluxo (AYERBE et al., 2019). Quando o diagnóstico é incerto ou quando há suspeita de complicações, novas investigações podem ser necessárias. Os critérios diagnósticos recomendados pelo Roma IV para regurgitação do lactente estão descritos no Quadro 2. Quadro 2 - Critérios diagnósticos para regurgitação do lactente Deve incluir todos os itens a seguir em lactentes saudáveis de 3 semanas a 12 meses de idade: Regurgitações duas ou mais vezes por dia por 3 ou mais semanas Sem vômito, hematêmese, aspiração, apneia, falha de crescimento, dificuldades de alimentação ou de deglutição, ou postura anormal Fonte: Adaptado de Benninga et al (2016). A parte mais importante do tratamento é a tranquilidade. A relação entre o cuidador e a criança pode ser melhorada resgatando os medos do cuidador sobre a condição de seu filho. Intervenções médicas não são necessárias no manejo da regurgitação (BENNINGA et al., 2016). Em relação à posição, manter a criança em posição vertical por 20 a 30 minutos após a alimentação ajuda a reduzir a regurgitação. A posição prona a 45 graus e o decúbito lateral esquerdo estão relacionados a menos frequência de relaxamento transitório do esfíncter 127 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia esofagiano inferior. Entretanto, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendam que as crianças durmam na posição supina para prevenção da síndrome da morte súbita (ROSEN et al., 2018; MOON, 2011). Assim, a recomendação de postura mais adequada seria a supina elevada. A orientação da diminuição do volume das mamadas e, para compensar, do intervalo entre as refeições, evitando maior distensão gástrica, pode ser considerada antes de outras intervenções. O uso de fórmulas AR (antiregurgitação) para aqueles lactentes não alimentados ao seio pode melhorar aparentemente a ocorrência da regurgitação evidente e trazer mais satisfação aos cuidadores e à família. No entanto, essa prescrição não se constitui medida dietética essencial para a condução. O uso de espessantes de adição nas mamadeiras ou alimentos está relacionado à sobrecarga calórica e ao risco de obesidade (MOUSA; HASSAN, 2017). 8.3 Cólica do lactente A cólica do lactente (CL) consiste em episódios de choro intenso e inconsolável, irritabilidade, inquietação que se ini- ciam e desaparecem repentinamente, sem causa aparente, principalmente ao final da tarde. A tendência é a resolução espontânea em torno de 3 a 4 meses de idade ou, para os pre- maturos, 3 a 4 meses após a idade gestacional corrigida para o termo (DUARTE, 2017). A prevalência geral de cólica nas pri- meiras 6 semanas de vida varia de 17 a 25%. Essas taxas caem para 11% e 0,6% em 8–9 semanas e 10–12 semanas de idade, 128 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes respectivamente (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017). Apesar da causa da cólica infantil permanecer incerta, dentre os fatores aventados, a imaturidade do sistema ner- voso entérico (SNE), que leva à motilidade intestinal anormal e funções sensoriais, seria importante (ZEEVENHOOVEN et al., 2018). Mais recentemente, as relações da microbiota intes- tinal com cólicas têm sido estudadas em lactentes. Esses estudos parecem indicar que um estado de disbiose intestinal pode desempenhar papel na expressão dos sintomas de cólica infantil (RHOADS et al., 2018), com repercussão no eixo da microbiota-intestino-cérebro (ZEEVENHOOVEN et al., 2018). Outro fator hipotético é a fisiologia da produção e regulação dos ácidos biliares durante os primeiros meses de vida pós- natal. A redução dos níveis intraluminais de ácidos biliares no intestino do lactente pode resultar em má absorção de gordura e nutrientes e em alterações na composição da microbiota intestinal, o que poderia contribuir para a manifestação da cólica infantil (ZEEVENHOOVEN et al., 2018). A CL é muitas vezes acompanhada de rubor facial, franzimento da testa, tensionamento do abdômen, aperto dos punhos e levantamento das pernas. As crises de choro são prolongadas, difíceis de acalmar e inexplicadas e sua duração está associada à ansiedade e à frustração dos pais. Nos primeiros 4 meses de vida, a dificuldade em acalmar a criança com cólica infantil é angustiante para os pais (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017). Os critérios diagnósticos recomendados pelo ROMA IV para cólica do lactente estão descritos no Quadro 3. 129 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Quadro 3 - Critérios diagnósticos para cólica do lactente Para fins clínicos, deve incluir todos os itens a seguir: Lactente < 5 meses de idade quando os sintomas começam e param. Períodos recorrentes e prolongados de choro, agitação ou irri- tabilidade relatados pelos cuidadores que ocorrem sem causa óbvia e não podem ser prevenidos ou resolvidos por eles. Nenhuma evidência de falha de crescimento, febre ou doença A “agitação” refere-se à vocalização angustiada e intermitente, sendo definida como “comportamento que não está chorando muito, mas também não está acordado nem contente”. Os lacten- tes costumam variar entre “chorar” e ficar “agitado”, de modo que os dois sintomas são difíceis de distinguir na prática. Fonte: Adaptado de Benninga et al (2016). O tratamento consiste na orientação dos pais quanto à benignidade e temporalidade do quadro. Nenhum artifício nutricional ou tratamento analgésico tem a capacidade de aliviar os sintomas (DUARTE, 2017). Embora diferentes terapias tenham sido testadas na prática (por exemplo, ervas medicinais, acupuntura, massagem, fórmulas especiais), quase nenhum deles mostrou ser mais eficaz que o placebo em ensaios clínicos. Sob o ponto de vista prático, algumas alternativas podem trazer conforto ao lactente e à família, como amamentar em ambiente calmo e tentativas de desviar o foco da cólica, com alternativas como música ambiente tranquila, contato pele a pele, banhar a criança em água ligeiramente morna e diminuir a sobrecarga materna através do auxílio do pai ou outro familiar nos cuidados da criança e divisão de tarefas. Em relação ao uso de probióticos, há relatos na literatura que demonstraram resultados favoráveis sob circunstâncias 130 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes específicas como o uso da linhagem Lactobacillus reuteri (LR) Deutsche Sammlung von Mikroorganismen (DSM) 17 938 (SUNG et al., 2018). No entanto, ainda se está longe de entender o microbioma e há necessidade de comprovação dos reais benefícios dessa intervenção e suas consequências em longo prazo. 8.4 Constipação Funcional Constipação intestinal é o distúrbio mais comum da defecação. Estima-se que cerca de 90 a 95% dos casos de constipação intestinal crônica sejam de natureza funcional. Na prática, pode ser definida como a eliminação de fezes endurecidas com ou sem dor, dificuldade ou esforço, ocorrência de comportamento de retenção, aumento no intervalo entre as evacuações e incontinência fecal secundária à retenção de fezes (MORAIS, 2017; MORAIS, 2018). A prevalência em todo o mundo é de cerca de 3%, sendo responsável por cerca de 3-5% de todas as visitas a pediatras (FLEMMING, 2019). No primeiro ano de vida, estima-se que a prevalência é de 2,9% e aumenta para 10,1% no segundo ano de vida. Estudo de coorte no Brasil relatou prevalência de constipação funcional (CF) em 27% aos 24 meses de idade (MOTA et al., 2012). A CF é frequentemente oresultado de repetidas tentativas de retenção voluntária de fezes por uma criança que tenta evitar a defecação desagradável por causa dos medos associados à evacuação. Em crianças pequenas, o início da constipação pode coincidir com o treinamento da toalete, quando há pressão excessiva do cuidador para manter o 131 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia controle intestinal e/ou técnicas inadequadas (BENNINGA et al., 2016). Considera-se que o comportamento de retenção é importante para a fisiopatologia da CF em crianças pequenas. O ciclo vicioso de retenção voluntária leva ao aumento da absorção de água e, portanto, as fezes ficam mais duras e a defecação torna-se mais difícil e dolorosa (MORAIS, 2018; ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017). CF é um diagnóstico clínico que pode ser feito com base em uma história clínica completa (BENNINGA et al., 2016). A anamnese deverá ser detalhada e as informações sobre o hábito evacuatório devem incluir: frequência de evacuações, formato e consistência das fezes, dor, dificuldade e esforço excessivo para evacuar, ocorrência de incontinência fecal, relação temporal entre as evacuações e períodos de piora da incontinência fecal, dor abdominal, assim como os tratamen- tos realizados e respostas clínicas (MORAIS, 2018). No lactente, em geral, observam-se com mais frequên- cia manifestações clínicas caracterizadas pela evacuação de fezes endurecidas, em cíbalos, eliminadas com dor, esforço e dificuldade. É comum a presença de fissura anal. Na criança maior, pode-se perceber a incontinência fecal por retenção. As crianças perdem o conteúdo fecaloide nas vestes íntimas esporadicamente, ao que se pode chamar de incontinência fecal retentiva, em virtude de a ampola retal estar impac- tada por fezes endurecidas. Assim, fezes recém-formadas não conseguem mais ser retidas na ampola retal e, portanto, são eliminadas involuntariamente ao longo do dia (MORAIS, 2017). O exame físico inclui a avaliação do tamanho da massa fecal retal. Quando a história é típica de constipação, o períneo deve ser obrigatoriamente inspecionado, mas o exame retal 132 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes digital pode não ser necessário até que uma tentativa de tratamento falhe, haja incerteza no diagnóstico ou suspeita de um problema anatômico (BENNINGA et al., 2016). Quando necessário, o toque retal traz informações importantes como a presença ou não de massa fecal na ampola, seu diâmetro, suas características e o tônus esfincteriano. Em geral, na CF, a ampola retal está preenchida por massa fecal endurecida e volumosa, o que não acontece nas suspeitas de aganglionose intestinal (Doença de Hirschsprung), quando se espera que esteja vazia. Nessa situação, a eliminação explosiva de fezes, ao se desfazer o toque digital, também pode ser encontrada. No Quadro 4, estão descritos os critérios de Roma IV para o diagnóstico de CF. Quadro 3 - Critérios diagnósticos para cólica do lactente Deve incluir 1 mês de pelo menos dois dos seguintes itens em crianças até 4 anos de idade: Duas ou menos evacuações por semana História de retenção excessiva de fezes História de evacuações dolorosas ou endurecidas História de fezes de grande diâmetro Presença de massa fecal calibrosa no reto Em crianças treinadas à toalete, os seguintes critérios adicionais podem ser usados: Pelo menos um episódio por semana de incontinên- cia fecal após a aquisição de habilidades na toalete História de fezes de grande diâmetro que podem obstruir o vaso sanitário Fonte: Adaptado de Benninga et al (2016). 133 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Deve-se estar atento para os sinais de alarme, descritos no Quadro 5 a seguir. Na presença deles, o profissional deve avaliar consideravelmente a necessidade de investigação complementar a depender da situação. Na sua ausência e história clínica compatível, recomenda-se iniciar a terapêutica para constipação funcional. Quadro 5 - Sinais de alarme em pacientes pediátricos com constipação Constipação com início no primeiro mês de vida Eliminação de mecônio após 48 horas de vida Antecedente familiar de Doença de Hirschsprung Fezes em fitas Sangue nas fezes na ausência de fissura anal Déficit de crescimento Febre Vômitos biliosos Anormalidade na tireoide Distensão abdominal grave Fístula perianal Posição anal anormal Ausência do reflexo cremastérico Anormalidades na motricidade de membros inferiores Tufo de pelo na região espinhal Depressão sacral Assimetria entre os glúteos Medo excessivo durante a inspeção anal Cicatrizes anais Fonte: Morais (2018); Benninga et al (2016). 134 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes O tratamento não farmacológico da CF consiste em educação e aconselhamento dietético regular (ingestão suficiente de fibras e líquidos). Para aquelas com desenvolvimento neuropsicomotor adequado e que já tenham controle esfincteriano, é recomendável estimular a criança a usar o vaso sanitário ou troninho, sem forçar, em posição confortável, com assento redutor e apoio para os pés nos sanitários, por curto período ao dia (5 a 10 minutos) após alguma principal refeição, depois que se atingiu a desimpactação do reto e a ocorrência de fezes mais macias. É importante reduzir o medo e, se possível, fazer com que a criança e os pais entendam os mecanismos fisiopatológicos subjacentes e a necessidade de aprender a reconhecê-los na vida cotidiana (ZEEVENHOOVEN; KOPPEN; BENNINGA, 2017). A maioria das crianças com CF necessitará de tratamento farmacológico. Aquelas com impactação fecal terão de desimpactar o reto antes de iniciar a terapia de manutenção. Atualmente, sugere-se que os medicamentos orais para a desimpactação sejam preferidos à terapia retal, porque esse método não é invasivo e pode ajudar a criança a se sentir no controle, embora as soluções via retal (clisteres ou fosfoenemas) ainda sejam utilizadas por sua eficácia, pelos custos e resultados imediatos (FLEMMING, 2019). A chave para uma terapia de manutenção eficaz é assegurar a defecação indolor até que a criança esteja confortável e a aquisição da aprendizagem da toalete esteja completa. Para a fase de manutenção do tratamento, os amaciadores de fezes continuam por meses a anos (BENNINGA et al., 2016). Os principais medicamentos utilizados na desimpactação e na manutenção estão descritos no Quadro 6. 135 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Quadro 6 - Súmula dos principais medicamentos para desimpactação e tratamento de manutenção da constipação funcional Medica- mento Dose Efeitos Colaterais Observações Desimpactação Polietilenogli- col 3350 e 4000 1,0 a 1,5g/kg/dia, via oral, de 3 a 6 dias, preferencial- mente em dose única Enema Fosfatado 2,5ml/kg/dia, dose máxima de 133ml/dose, via retal. Duração máxima da desim- pactação: 6 dias. Não usar antes dos dois anos de idade. Risco de trauma mecânico no reto, distensão abdominal e vômitos; raramente pode provocar quadro grave e letal de hiperfosfatemia e hipocalcemia com tetania. Parcela dos eletrólitos é absor- vida, mas se a função renal é normal, não ocorre toxicidade; a maior parte dos efeitos cola- terais é observada em pacien- tes com insuficiência renal ou Doença de Hirschsprung. Manutenção Polietilenoglicol 3350 e 4000 0,2 a 0,8g/kg/dia, via oral Os estudos divergem sobre a idade mínima de prescrição, apesar disso, admite-se após 6 meses de vida. Quando em farmácias de manipulação, a apresentação pode ser sem eletrólitos. Quando com eletrólitos (produtos comerciais em farmácias), tem menor aceitação e pode provocar náuseas e vômitos. Bem tolerado; não há evidências sobre a segurança em lactentes. 136 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes Lactulose 1 a 3ml/kg/dia, via oral – considerado seguro para todasas idades Flatulência e dor abdominal Bem tolerada em longo prazo Leite de Magnésia (Hidróxido de magnésio) 1 a 3ml/kg/dia, via oral, em crianças maiores de 2 anos Raro, mas pode causar intoxicação por magnésio em lactentes; sobredosagem pode ocasionar hipermagnesemia, hipofosfatemia e hipocalemia; não usar em pacientes com insuficiência renal. Efeito osmótico; libera colecistoquinina, que estimula a secreção e a motilidade intestinal. Óleo Mineral 1 a 3ml/kg/dia, via oral. Dose máxima: 60 a 90ml/ dia. Não prescrever para lactentes < de dois anos e portadores de neuropatias. Se aspirado, provoca pneumonia lipoídica; teoricamente pode diminuir a absorção de vitaminas lipossolúveis, com necessidade de suplementação, mas não existe comprovação em estudos clínicos; perda anal do óleo indica dose superior à necessária. Fonte: Flemming (2019); Morais (2018); Bekkali et al (2018); Tabbers et al (2014). 137 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia Conclusão Apesar da prevalência cada vez maior das desordens funcionais do sistema digestório e suas repercussões gradativas na qualidade e no estilo de vida daqueles comprometidos, elas não estão completamente esclarecidas sob o ponto de vista fisiopatogênico. Ainda serão necessários mais estudos para que informações mais fidedignas sejam elucidadas. O mais importante é reconhecer a existência de tais desordens, sendo estas relatadas frequentemente nos consultórios de pediatria e gastroenterologia pediátrica. Na sua maioria, recebem contribuição do estilo de vida moderno e os componentes envolvidos devem ter uma abordagem biopsicossocial. Partir da história clínica completa – com anamnese e exame físico detalhado, associados ao conhecimento da abordagem diagnóstica facilitada pelos critérios de Roma IV – é essencial para o bom desfecho clínico e, inclusive, para evitar exames desnecessários e estresses para a família e a criança. Os guidelines atuais podem favorecer, direcionar e facilitar a prática profissional, porém, a boa relação médico-paciente é insubstituível e imprescindível para a condução adequada dos casos, a fim de assegurar o seu acompanhamento para que não fuja de seu caráter de benignidade. 138 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes Referências AYERBE, J. I. G.; HAUSER, B.; SALVATORE, S.; VANDENPLAS, Y. Diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease in infants and children: from guidelines to clinical practice. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nut, [S. l.], v. 22, n. 2, p. 107-121, 2019. BAFETA, A.; KOH, M.; RIVEROS, C.; RAVAUD, P. Harms reporting in randomized controlled trials of interventions aimed at modifying microbiota: a systematic review. Ann Intern Med, [S. l.], v. 169, n. 4, p. 240-247, 2018. BEKKALI, N. L. H. et al., Polyethylene Glycol 3350 with electrolytes versus polyethylene glycol 4000 for constipation: a randomized, controlled trial. J Pediatr Gastroenterol Nutr, [S. l.], v. 66, n. 1, p. 10-15, 2018. BELLAICHA, M. et al., Multiple functional gastrointestinal disorders are frequent in formula-fed infants and decrease their quality of life. Acta Pediatría, [S. l.], v. 107, n. 7, p. 1276-1282, 2018. BENNINGA, M. A. et al., Childhood functional gastrointestinal disorders: neonate/toddler. Gastroenterology, [S. l.], v. 150, n. 16, p. 1443-1455, 2016. DAVIES, I.; BURMAN-ROY, S.; MURPHY, M. S.; GUIDELINE DEVELOPMENT GROUP. Gastro-oesophageal reflux disease in children: NICE guidance. BMJ, [S. l.], v. 350, p. 1-11, 2015. https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-management-and-outcome/abstract/52 https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-management-and-outcome/abstract/52 https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-management-and-outcome/abstract/52 https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-management-and-outcome/abstract/52 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/8 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/8 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/8 139 Hélcio de Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia DROSSMAN, D. A. Functional gastrointestinal disorders: history, pathophysiology, clinical features and Rome IV. Gastroenterology, [S. l.], v. 150, n. 16, p. 1262-1279, 2016. DUARTE, M. A. Distúrbios gastrointestinais funcionais. In: BURNS et al., Tratado de Pediatria. 4. ed. São Paulo: Manole, 2017. p. 751-755. FLEMMING, G. Chronic Functional Constipation in Infants and Children. In: BERDE, B.; SCHILD, H. O. (ed.). Handbook of Experimental Pharmacology. Berlin, Heidelberg: Springer, 2019. p. 1-20 KRAMER, E. A. et al., Defecation patterns in infants: a prospective cohort study. Arch Dis Child, [S. l.], v. 100, n. 6, p. 533-536, 2015. LEUNG, A. K. C.; HON, K. L. Gastroesophageal reflux in children: an updated review. Drugs in Context, [S. l.], v. 8, p. 1-12, 2019. MOON, R. Y. SIDS and other sleep-related infant deaths: expansion of recommendations for a safe infant sleeping environment. Pediatrics, [S. l.], v. 128, n. 5, p. 1341-1367, 2011. MORAIS, M. B. Constipação funcional. In: BURNS et al., Tratado de Pediatria. 4. ed. São Paulo: Manole, 2017. p. 764-769. MORAIS, M. B. Constipação intestinal. In: SILVA et al., Manual de Residência em Gastroenterologia Pediátrica. 1. ed. Barueri: Manole, 2018. p. 338-56. https://www.uptodate.com/contents/functional-constipation-in-infants-and-children-clinical-features-and-diagnosis/abstract/27 https://www.uptodate.com/contents/functional-constipation-in-infants-and-children-clinical-features-and-diagnosis/abstract/27 https://www.uptodate.com/contents/functional-constipation-in-infants-and-children-clinical-features-and-diagnosis/abstract/27 140 Capítulo 8 Desordens funcionais do sistema digestório em lactentes MOTA, D. M.; BARROS, A. J.; SANTOS, I.; MATIJASEVICH, A. Characteristics of intestinal habits in children younger than 4 years: detecting constipation. J Pediatr Gastroenterol Nutr, [S. l.], v. 55, n. 4, p. 451-456, 2012. MOUSA, H.; HASSAN, M. Gastroesophageal reflux disease. Pediatr Clin North Am, [S. l.], v. 64, n.3, p. 487-505, 2017. RACHID, A. N. S. et al., Definitions and outcome measures in pediatric functional upper gastrointestinal tract disorders: a systematic review. J Pediatr Gastroenterol Nutr, [S. l.], v. 62, n. 4, p. 581-587, 2016. RHOADS, J. M. et al., Infant colic represents gut inflammation and dysbiosis. J Pediatr, [S. l.], v. 203, p. 55-61, 2018. RIVAS-FERNÁNDEZ, M.; IZQUIERDO, A. D.; CASSANELLO, P. Do probiotics help babies with infantile colic?. Arch Dis Child Month, [S. l.], v. 104, n. 9, p. 919-923, 2019. ROBIN, S. G. et al., Prevalence of pediatric functional gastrointestinal disorders utilizing the Rome IV Criteria. J Pediatr, [S. l.], v. 195, p. 134-139, 2018. ROSEN, R. et al., Pediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines: joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (NASPGHAN) and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN). J Pediatr Gastroenterol Nutr, [S. l.], v. 66, n. 3, p. 516-554, 2018. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Nassar-Sheikh%20Rashid%20A%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=26348686 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 https://www.uptodate.com/contents/gastroesophageal-reflux-in-infants/abstract/1 141 Hélciode Sousa Maranhão Maria Katarine Almeida Alves Mayara Alves Maia SARASU, J. M.; NARANG, M.; SHAH, D. Infantile Colic: an update. Indian Pediatr, [S. l.], v. 55, n. 11, p. 979-987, 2018. STEUTEL, N. F. et al., Developing a core outcome set for infant colic for primary, secondary and tertiary care settings: a prospective study. BMJ Open, [S. l.], v. 7, n. 5, p. 1-11, 2017. SUNG, V. et al., Lactobacillus reuteri to treat infant colic: a meta-analysis. Pediatrics, [S. l.], v. 141, n. 1, 2018. TABBERS, M. M. et al., Evaluation and treatment of functional constipation in infants and children: evidence-based recommendations from ESPGHAN and NASPGHAN. J Pediatr Gastroenterol Nutr, [S. l.], v. 58, n. 2, p. 258-274, 2014. WOLKE, D.; BILGIN, A.; SAMARA, M. Systematic review and meta-analysis: fussing and crying durations and prevalence of colic in infants. J Pediatr, [S. l.], v. 185, p. 55-61, 2017. ZEEVENHOOVEN, J.; KOPPEN, I. J. N.; BENNINGGA, M. A. The new Rome IV Criteria for functional gastrointestinal disorders in infants and toddlers. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr, [S. l.], v. 20, n. 1, p. 1-13, 2017. ZEEVENHOOVEN, J. et al., Infant colic: mechanisms and management. Nature Rewiews Gastroenterology & Hepatology, [S. l.], v. 15, n. 8, p. 479-496, 2018. https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-clinical-features-and-diagnosis/abstract/56 https://www.uptodate.com/contents/infantile-colic-clinical-features-and-diagnosis/abstract/56 142 Capítulo 9 Aleitamento Materno Devani Ferreira Pires 9.1. Introdução Evidências disponíveis consolidam o fato de que a decisão de não amamentar uma criança tem efeitos importantes em curto, médio e longo prazo em relação à saúde, à nutrição e ao desenvolvimento da criança, e também à saúde da mãe. Para as crianças, em contextos de baixa, média e alta renda, o desmame precoce contribui para o aumento da mortalidade por doenças infecciosas; hospitalização por doenças evitáveis, como gastroenterites, doenças respiratórias e otite média (HORTA; VICTORA, 2013; SANKAR et al., 2015; VICTORA et al., 2016). Quanto aos benefícios em longo prazo, a amamentação diminui o risco de diabetes tipo 2 e reduz as chances de sobrepeso/obesidade (HORTA; MOLA; VICTORA, 2015). Aproximadamente metade de todos os episódios de diarreia e um terço das infecções respiratórias poderiam ser evitados pelo aleitamento materno. O aleitamento materno tem o potencial de prevenir 72% das internações por diarreia e 57% por infecções respiratórias. A amamentação também foi associada com maior desempenho em testes de inteligência em crianças e adolescentes, com um aumento combinado de 3,4 pontos no quociente de inteligência (VICTORA et al., 2016). 143 Devani Ferreira Pires No que se refere à saúde materna, há uma associação inversa entre amamentação e câncer de mama. Cada aumento de 12 meses na amamentação foi associado com uma diminuição de 4,3% na incidência de câncer de mama invasivo. Estudos indicam uma redução de 30% de câncer de ovário associada com períodos mais longos de amamentação (VICTORA et al., 2016). O aleitamento materno é essencial para a alimentação de recém-nascidos prematuros, devido à composição única de seus componentes bioativos, imunológicos, antinflamatórios e antioxidantes. A amamentação, no contexto do método canguru, demonstrou redução na incidência e gravidade de morbidades evitáveis, como a enterocolite necrosante, sepse tardia, além de diminuir o risco de reinternação após a alta hospitalar e melhorar o ganho ponderal (CONDE-AGUDELO; DÍAZ-ROSSELLO, 2016). 9.2 Fisiologia da lactação A fisiologia da lactação é regulada por um complexo hor- monal como estrogênio, progesterona, prolactina, ocitocina e hormônios metabólicos, representados pelos glicocorti- coides, insulina, fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I), hormônio do crescimento e hormônio tireoidiano. A fase da lactogênese I caracteriza-se pela diferenciação secre- tória, que possibilita às células alveolares a capacidade de sintetizar e secretar componentes-chave do leite humano (GRZESKOWIAK; WLODEK; GEDDES, 2019). A lactogênese II corresponde à ativação secretória. Essa etapa é desencadeada pela queda dos níveis sanguíneos de 144 Capítulo 9 Aleitamento Materno progesterona (após a saída da placenta), acompanhada pela elevação dos níveis de prolactina circulante. Nessa fase da lactação, ocorre o início da secreção copiosa de leite entre 24 e 102 horas (em média, 60 horas) após o nascimento. Esse fenômeno, descrito como “descida do leite” ou apojadura, constitui um marco importante no processo da lactação. Uma vez estabelecida a lactação, a produção de leite passa do controle endócrino para o autócrino, por meio do feedback local, cuja manutenção da oferta é baseada na remoção efetiva do leite da glândula mamária. O acúmulo de leite (sem o esvaziamento adequado) determina a estase do leite, que por sua vez aumenta a concentração de uma proteína que promove um feedback negativo, inibindo a ação da prolactina nos receptores das células secretoras alveolares. A remoção eficaz e regular de leite é um fator essencial para a manutenção da produção láctea, atuando como feedback positivo para a amamentação. 9.3 Práticas recomendadas As práticas ideais de alimentação constituem a base da sobrevivência, da nutrição e do desenvolvimento saudável nos primeiros anos de vida. A esse respeito, a Organização Mundial da Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância recomendam: a) início da amamentação na primeira hora de vida e o contato pele a pele; b) aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida; 145 Devani Ferreira Pires c) aleitamento materno complementado após 6 meses e até pelo menos 2 anos de idade ou mais, com a introdução de alimentos que sejam nutricionalmente adequados, seguros e de forma sustentável. 9.4 Intervenção: apoio, incentivo e promoção As melhorias nas taxas de início e manutenção do aleita- mento materno foram observadas quando o aconselhamento ou a educação foram fornecidos concomitantemente na atenção primária à saúde, atenção hospitalar (maternidade) e na visita domiciliar. O treinamento de equipes de saúde tam- bém está associado a uma maior prevalência do aleitamento materno (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009, 2018). No Quadro 1 são descritas atividades associadas a resultados satisfatórios para a amamentação. 146 Capítulo 9 Aleitamento Materno Quadro 1 - Intervenções promotoras de boas práticas em aleitamento materno. Etapa Atividade Pré-natal Fornecer orientações individuais ou em grupos educativos, por meio de rodas de conversa e individualmente, durante as consultas de rotina. Parto Apoiar o início do aleitamento materno na primeira hora de vida, promovendo o contato pele a pele entre o recém-nascido e a sua mãe. Alojamento conjunto Desenvolver atividades educativas; esclarecer dúvidas; incentivar aleitamento sob livre demanda; prevenir e ou identificar problemas precoces com mamas e mamilos; orientar técnica de aleitamento materno e ordenha manual; facilitar o reconhecimento pela mãe dos sinais de fome do recém-nascido. Alta hospitalar Elaborar um plano de alta em que a mãe, o recém-nascido e a família estejam na centralidade do cuidado. A alta deve ser qualificada, responsável e compartilhada com a Atenção Primária à Saúde. Cuidado pós-alta Programar uma agenda de visita domiciliar, sob a responsabilidade da Atenção Primária, ou a consulta do 5º ou 7º dia. Identificar as redes disponíveis e a existência de grupos de apoio à amamentação na comunidade. Durante todas as etapas do ciclo gravídico e puerperal, a equipe deve valorizar a presença da rede de apoio social da gestante/puérpera, e dar suporte à construção da parentalidade, incentivando a participação do pai. Mobilização social Toda a sociedade deve ser convidada a dialogar sobre a importância do aleitamento materno para a saúde da criança e da mulher,e discutir questões relevantes como amamentação e trabalho. Fonte: autoria própria. 147 Devani Ferreira Pires A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) é uma das estratégias reconhecidas pelo aumento da prevalência do aleitamento materno na população. OS DEZ PASSOS PARA O SUCESSO DA AMAMENTAÇÃO (Organização Mundial da Saúde e Fundo das Nações Unidas para a Infância, 1989): Os dois passos iniciais (passo 1 e passo 2) referem-se à gestão e os passos seguintes estão relacionados às práticas clínicas: Passo 1 - ter uma política de aleitamento materno escrita que seja rotineiramente transmitida a toda a equipe de cuidados de saúde; Passo 2 - capacitar toda a equipe de cuidados de saúde nas práticas necessárias para implementar essa política; Passo 3 - informar todas as gestantes sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno; Passo 4 - ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento, conforme nova interpretação: colocar os bebês em contato pele a pele com suas mães, imediatamente após o parto, por pelo menos uma hora e orientar a mãe a identificar se o bebê mostra sinais de que está querendo ser amamentado, oferecendo ajuda se necessário; Passo 5 - mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação mesmo se vierem a ser separadas dos filhos; Passo 6 - não oferecer a recém-nascidos bebida ou alimento que não seja o leite materno, a não ser que haja indicação médica e/ou de nutricionista; 148 Capítulo 9 Aleitamento Materno Passo 7 - praticar o alojamento conjunto – permitir que mães e recém-nascidos permaneçam juntos – 24 horas por dia; Passo 8 - incentivar o aleitamento materno sob livre demanda; Passo 9 - não oferecer bicos artificiais ou chupetas a recém-nascidos e lactentes; Passo 10 - promover a formação de grupos de apoio à amamentação e encaminhar as mães a esses grupos na alta da maternidade, conforme nova interpretação: encaminhar as mães a grupos ou outros serviços de apoio à amamentação, após a alta, e estimular a formação e a colaboração com esses grupos ou serviços. 9.5. Técnica correta de aleitamento materno Para que a mãe consiga amamentar de forma exitosa, é importante que, desde as consultas de pré-natal, o aleitamento materno seja esclarecido quanto à sua importância para a saúde da mãe e do bebê. Ademais, a gestante e a puérpera devem ser orientadas como amamentar de forma confortável. A família, especialmente o pai, deve participar desses momentos. O posicionamento e a pega correta são orientações relevantes para o início e a manutenção do aleitamento materno, integrando o treinamento da Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Posicionamento adequado da mãe e do bebê: - mãe confortavelmente posicionada, dorso e pés apoiados; 149 Devani Ferreira Pires - mãe traz o bebê à mama (e não a mama ao bebê); - corpo do bebê alinhado (cabeça, tronco e membros); - corpo do bebê apoiado pelo antebraço e pela mão da mãe; - corpo do bebê voltado para o corpo da mãe: tórax com tórax; - o pescoço do bebê deve estar apoiado na curva do braço da mãe; - o braço e o antebraço do bebê circunda o corpo da mãe. Pega correta: - boca do bebê deve realizar uma ampla abertura; - a boca apreende toda ou quase toda aréola; - lábio inferior deve estar evertido (virado para fora); - visualiza-se mais aréola acima do lábio superior do que abaixo do lábio inferior; - o queixo do bebê toca a mama; - ao aproximar o queixo da mama, o bebê libera as narinas, evitando a sufocação. Figura 1 – Pega correta. Fonte: Brasil (2015, p. 34). 150 Capítulo 9 Aleitamento Materno 9.6 Técnica de massagem das mamas e ordenha do leite materno A rede de Bancos de Leite Humano – Brasil orienta o procedimento da massagem realizada pela própria mãe, no sentido aréola-tórax, a partir de movimentos circulares, caso ela não consiga, o profissional pode ajudá-la. A mãe e o pro- fissional podem localizar nódulos mais firmes e dolorosos, provavelmente por acúmulo de leite, podendo demandar uma massagem mais demorada no local. O objetivo desse pro- cedimento é melhorar a mobilização do leite no interior da glândula mamária para facilitar a retirada do leite. Um alerta sobre a possibilidade de trauma na mama, caso a pressão seja exagerada. A mãe deve ser acolhida com respeito e comunica- ção empática e o procedimento não deve ser doloroso. A ordenha segue as orientações seguintes: a mãe deve prender os cabelos, utilizar máscara, retirar relógio, anel, pulseira; lavar mãos e antebraços com água e sabão; secar com papel toalha ou toalha limpa; realizar a massagem em toda a mama, iniciando pela região próxima à aréola; o profissional de saúde deve usar luvas. Na técnica de ordenha, a mãe ou o profissional posiciona o polegar a cerca de 2 cm da aréola, com os dedos indicador e médio em oposição ao polegar. Pressiona a mama contra o tórax, comprime a mama e depois relaxa; segue os três tempos: pressiona contra o tórax, comprime os seios lactíferos e depois solta. Observar a saída do leite (UNICEF, 2009). A ordenha é fundamental para as mães com bebês internados na unidade de terapia intensiva neonatal e 151 Devani Ferreira Pires impossibilitados de mamar temporariamente. A ordenha a intervalos regulares auxilia na manutenção da lactação até esses neonatos tornarem-se aptos à sucção do seio materno. Também é útil se a nutriz (a) possui uma produção excessiva de leite; (b) apresenta ingurgitamento mamário; (c) necessita deixar leite materno ordenhado para ser ofertado ao bebê no momento do retorno ao trabalho (UNICEF, 2009). Toda mãe que apresenta uma produção excessiva de leite deve ser orientada para entrar em contato com o Banco de Leite Humano mais próximo a sua residência para fazer sua doação. A doação de leite humano salva vidas. 9.7 Problemas com a amamentação O motivo principal alegado para a introdução da fórmula infantil em substituição ao aleitamento materno é a baixa produção láctea ou hipogalactia. Essa baixa produção pode ser uma percepção real ou apenas presumida pela mãe. A proporção de mulheres que não podem produzir leite adequado às necessidades nutricionais do recém-nascido é desconhecida. Alguns fatores de risco incluem estresse, obesidade, diabetes, resistência à insulina, fatores genéticos e epigenéticos, por meio de mecanismos ainda não elucidados. Outros fatores associam-se à introdução de fórmula infantil, como a falta de apoio familiar e social, a má técnica de aleitamento materno, a queixa de dor e as intercorrências clínicas da mãe e/ou do neonato. No Quadro 2, estão listados alguns dos problemas mais comuns relacionados à mama da lactante (PÉREZ-ESCAMILLA et al., 2019). 152 Capítulo 9 Aleitamento Materno Quadro 2 - Problemas comuns durante a amamentação Problema Causa Prevenção / tratamento Trauma mamilar (fissura) - Causa mais comum: pega incorreta – o bebê apreende apenas o mamilo; - Recém-nascido com anquiloglossia; - Investigar: uso de produtos irritantes sobre a mama. Orientação da técnica correta de aleitamento materno (AM). Avaliar o frênulo lingual para indicação de frenotomia s/n. Ingurgitamento mamário Esvaziamento inadequado da mama; demora no início do aleitamento materno; técnica incorreta, RN sonolento ou prematuro. Início oportuno, na 1ª hora, esvaziamento adequado e regular das mamas, técnica correta de AM, técnica de massagem e ordenha. Ducto bloqueado Ocorre quando o leite produzido numa determinada área da mama não é drenado adequadamente. Esvaziamento correto das mamas, técnica de aleitamento materno, uso de sutiãs adequados, evitar uso de cremes nos mamilos. Técnica de massagem; anti-inflamatório pode ser útil. Galactocele Formação cística de conteúdo lácteo nos ductos mamários. Aspiração ou conduta cirúrgica. 153 Devani Ferreira Pires Mastite puerperal ou lactacional Presença de sinais inflamatórios na mama, podendo ser uni ou bilateral, área endurecida,eritematosa, quente, dolorosa; sinais sistêmicos: febre, cefaleia, adinamia, hiporexia. Geralmente a mastite é precedida pelo ingurgitamento mamário e pela fissura mamilar. Numa fase inicial, pode apresentar um caráter inflamatório, evolui com frequência para um quadro infeccioso, necessitando de antibióticos, analgésico ou anti-inflamatório, esvaziamento adequado da mama, técnica correta de AM, descanso e apoio familiar. Formas clínicas de maior gravidade requerem hospitalização. Consulta de controle em 24 a 48 horas após o início do tratamento. Abscesso mamário Complicação da mastite ou galactocele ou ducto bloqueado. Caracteriza-se pela presença de material purulento em um segmento da mama, acompanhado de sinais inflamatórios localizados (calor, rubor e dor) e sistêmicos. O diagnóstico é clínico, eventualmente há necessidade de ultrassonografia da mama. Antibioticoterapia e drenagem cirúrgica. O apoio ao aleitamento materno com uma equipe interprofissional capacitada é imprescindível em todos os casos para que não ocorra o desmame precoce. Fonte: autoria própria. 154 Capítulo 9 Aleitamento Materno 9.8 Conclusões Além da elaboração de políticas promotoras de aleitamento materno, torna-se imprescindível somar esforços incluindo pesquisadores, educadores, profissionais da saúde, comunidade, a partir da articulação intersetorial para que possamos alcançar a agenda da nutrição ideal, integrada aos cuidados com a saúde da mulher e da criança. Os responsáveis pela formulação de políticas precisam compreender mais como os sistemas de saúde se interligam para integrar e expandir os serviços de nutrição de maneira eficaz (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018, KAVLE et al., 2019, PÉREZ-ESCAMILLA; ENGMANN, 2019). Importante destacar que melhorar a nutrição materna deve ser uma prioridade em saúde pública, não só para garantir a qualidade na composição do leite materno mas também para promover a nutrição e o bem-estar da própria mulher (PÉREZ-ESCAMILLA et al., 2019). 155 Devani Ferreira Pires Referências BOHREN, M. A.; HOFMEYR, G. J.; SAKALA, C.; FUKUZAWA, R. K.; CUTHBERT, A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews, [S. l.], v. 7, n. 7, p. 1-134, 2017. DOI: 10.1002/14651858. CD003766.pub6. BRASIL. Ministério da Saúde. Aleitamento materno e alimentação complementar. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015. CONDE-AGUDELO, A.; DÍAZ‐ROSSELLO, J. L. Kangaroo mother care to reduce morbidity and mortality in low birthweight infants. Cochrane Database of Systematic Reviews, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 1-77, 2016. DOI: https://doi. org//10.1002/14651858.CD002771.pub4 FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde, 2009. Módulo 3: promovendo e incentivando a amamentação em um Hospital Amigo da Criança. Curso de 20 horas para equipes de maternidade. GRZESKOWIAK, L. E.; WLODEK, M. E.; GEDDES, D. T. What Evidence Do We Have for Pharmaceutical Galactagogues in the Treatment of Lactation Insufficiency? A Narrative Review. Nutrients, [S. l.], v. 11, n. 5, p. 1-21, 2019. DOI: doi:10.3390/nu11050974. 156 Capítulo 9 Aleitamento Materno HALE, T. W. et al., Domperidone Versus Metoclopramide Self- Reported Side Effects in a Large Sample of Breastfeeding Mothers Who Used These Medications to Increase Milk Production. United States Lactation Consultant Association Clinical Lactation, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 10-17, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1891/2158-0782.9.1.10. HORTA, B. L.; VICTORA, C. G. Short-term effects of breastfeeding: a systematic review on the benefits of breastfeeding on diarrhoea and pneumonia mortality. Geneva: World Health Organization, 2013. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/95585. Acesso em: 10 fev. 2022. HORTA, B. L.; MOLA, C. L.; VICTORA, C. G. Long-term consequences of breastfeeding on cholesterol, obesity, systolicblood pressure and type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis. Acta Pædiatrica, [S. l.], v. 104, p. 30-37, 2015. DOI:10.1111/apa.13133. Disponível em: https:// onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/apa.13133. Acesso em: 10 fev. 2022. KAVLE, J. A. et al., Baby‐Friendly Community Initiative— From national guidelines to implementation: A multisectoral platform for improving infant and young child feeding practices and integrated health services. Matern Child Nutr., [S. l.], v. 15, Supl. 1, p. 1-19, 2019. DOI: https://doi. org/10.1111/mcn.12747. PÉREZ-ESCAMILLA, R.; ENGMANN, C. Integrating nutrition services into health care systems platforms:Where are we and where do we go from here. Matern ChildNutr., [S. l.], v. 15, Supl. 1, p. 1-5, 2019. 157 Devani Ferreira Pires PÉREZ-ESCAMILLA, R.; BUCCINI, G. S.; SEGURA-PÉREZ, S.; PIWOZ, E. Perspective: Should Exclusive Breastfeeding Still Be Recommended for 6 Months?. Advances in Nutrition, [S. l.], v. 10, n. 6, p. 931-943, 2019. Disponível em: https:// academic.oup.com/advances/advance-article/doi/10.1093/ advances/nmz039/5506821. Acesso em: 10 fev. 2022. ROLLINS, N. C. et al., Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices?. The Lancet, [S. l.], v. 387, n. 10017, p. 491-504, 2016. DOI: https://doi. org/10.1016/S0140-6736(15)01044-2. Disponível em: https:// www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140- 6736(15)01044-2/fulltext. Acesso em: 10 fev. 2022. SANKAR, M. J. et al., Optimal breastfeeding practices and infant and child mortality: a systematic review and meta‐ analysis. Acta Pædiatrica, [S. l.], v. 104, p. 3-13, 2015. VICTORA, C. G.; BAHL, R.; BARROS, A. J. D.; FRANC, A. G. V. A.; HORTON, S.; KRASEVEC, J. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. The Lancet, [S. l.], v. 387, n. 10017, p. 475–490, 2016. DOI: https://doi. org/10.1016/S0140-6736(15)01024-7. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Infant and Young Child feeding. Model Chapter fortextbooks for medical students and allied health professionals. Geneva: World Health Organization, 2009. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guideline: counselling of women to improve breastfeeding practices. Geneva: World Health Organization, 2018. 158 Capítulo 10 Alimentação Complementar Ana Suely de Andrade A nutrição e a alimentação são direitos essenciais para o crescimento e o desenvolvimento humano e a alimentação da criança desde o nascimento. Nos primeiros anos de vida, representa um pilar desse processo que tem repercussões ao longo de toda a vida do indivíduo. O aleitamento materno é uma importante ferramenta da alimentação infantil ótima, pois exclusivamente é capaz de suprir todas as necessidades nutricionais das crianças nos primeiros 6 meses de vida. Entretanto, a partir desse período, deve ser complementado para continuar assegurando um perfeito desenvolvimento. A alimentação complementar é definida como o conjunto de outros alimentos, oferecidos à criança em adição ao leite materno. Ela é influenciada por fatores econômicos, culturais e psicossociais e tem a família como um dos pilares decisivos para o aprendizado da alimentação saudável por parte da criança. De acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a introdução da alimentação complementar deve se iniciar a partir dos 6 meses, quando o uso do leite materno exclusivo já não supre todas as necessidades nutricionais da criança e ela atinge maturidade fisiológica e neurológica para receber outros alimentos além do leite materno. Aos seis meses de vida, a criança tem desenvolvidos os reflexos necessários para a deglutição, como o reflexo da 159 Ana Suely de Andrade extrusão lingual; já sustenta a cabeça, facilitando a alimen- tação oferecida por colher e se inicia a fase de erupção dos primeiros dentes, que facilitam a mastigação. Além disso, a criança já produz enzimas digestivas em quantidade suficientepara começar a digerir uma maior variedade de alimentos. A introdução de alimentos, em idade oportuna, além de comple- mentar as necessidades nutricionais, aproxima a criança da rotina alimentar da família e tem papel decisivo na formação dos hábitos alimentares que a acompanharão por toda a vida. A alimentação complementar deve ser variada, equili- brada e composta de alimentos com quantidade adequada de macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) e micro- nutrientes (especialmente, ferro, zinco, cálcio, vitamina A, vitamina C e ácido fólico). É imprescindível ainda que essa alimentação esteja livre de contaminação (biológica, química ou física), seja de fácil consumo e aceitação, economicamente acessível e preparada a partir dos alimentos habitualmente consumidos pela família. De forma geral, a dieta deve contem- plar pelo menos um alimento de cada grupo alimentar para suprir adequadamente as necessidades da criança, promo- vendo seu perfeito crescimento e desenvolvimento: y Cereais e tubérculos: arroz, batata, mandioca, man- dioquinha salsa, cará, batata-doce, macarrão, inhame, quinua. y Hortaliças e frutas: folhas verdes, laranja, abóbora, cebola, banana, beterraba, abacate, quiabo, mamão, cenoura, melancia, tomate e manga. y Leguminosas: feijões, ervilha, lentilha, grão de bico. É importante sempre variar, ou seja, não ofereça 160 Capítulo 10 Alimentação Complementar somente o feijão diariamente e sim cada dia uma leguminosa diferente. y Origem animal: carne magra de boi, peixe, frango, vísceras e ovos. É importante sempre variar os alimentos de um mesmo grupo, pois são fontes de diferentes nutrientes, bem como atentar para a forma de administração da alimentação, que deve ser sempre oferecida em colher ou copo, no caso da oferta de líquidos. De forma prática e em conformidade com o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 Anos proposto pelo Ministério da Saúde, seguem orientações para essa fase inicial da alimentação infantil: y No sexto mês, deve-se oferecer somente uma das refei- ções (almoço ou jantar) e complementar com o leite materno até que a criança se mostre saciada apenas com a papa. O primeiro alimento ofertado tanto pode ser uma fruta quanto um legume e a escolha pode partir da mãe. y No início da introdução alimentar, a alimentação da criança deve ser preparada especialmente para ela, caracterizando alimentação de transição. y A introdução de novos alimentos deve ser gradual (um de cada vez, a cada 3 a 7 dias). É comum a criança rejeitar os novos alimentos, não devendo esse fato de ser interpretado como uma aversão permanente da criança ao alimento. Em média, a criança precisa ser exposta a um novo alimento de 8 a 10 vezes para que o aceite bem. 161 Ana Suely de Andrade y Os alimentos complementares devem ser oferecidos à criança utilizando-se colher e copo que são bem aceitos por crianças pequenas. Mamadeiras devem ser evitadas porque, além de ser uma fonte de conta- minação para a criança, prejudicam a mastigação e o desenvolvimento da dentição. y A oferta da alimentação deverá ser feita com calma e em um ambiente tranquilo. É necessário respeitar o tempo da criança, que demora a se alimentar. y Duas refeições principais, o almoço e o jantar, devem ser iniciadas a partir do sétimo mês. Após o oitavo mês, aproximadamente, a criança pode receber os alimentos da família desde que amassados, desfiados ou em pequenos pedaços. y Após o primeiro ano de vida, a criança já começa a receber a alimentação preparada para toda a família. Porém, é necessário que a família tenha uma alimen- tação saudável. y É importante lembrar que não se deve oferecer à criança “alimentos inadequados” que são bebidas açucaradas, inclusive chás, refrigerantes, chocolates, iogurte, gelatina, queijinhos petit suisse, macarrão instantâneo, bebida alcoólicas, salgadinhos, doces, sorvetes, biscoitos recheados, entre outros. Não se deve utilizar mel antes de um ano de idade. y É fundamental o cuidado com a higiene durante o processo de preparo e armazenamento dos alimentos. 162 Capítulo 10 Alimentação Complementar O sucesso da alimentação complementar depende de paciência, afeto e suporte por parte da mãe e de todos os cuidadores da criança. Toda a família deve ser estimulada a contribuir positivamente nessa fase, na qual os profissionais de saúde têm papel relevante, informando e conscientizando a todos os envolvidos sobre a importância e a influência da alimentação saudável para a saúde atual e futura. 163 Ana Suely de Andrade Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002. (Série A. Normas e manuais técnicos, n. 107). CAETANO, M. C. et al., Complementary feeding: inappropriate practices in infants. J Pediatr, [S. l.], v. 86, n. 3, p. 196–201, 2010. MONTE, C. M. G.; GIUGLIANI, E. R. J. Recommendations for the complementary feeding of the breastfed child. J Pediatr., [S. l.], v. 80, n. 5, p. 131-141, 2004. SILVA, A. P.; COSTA, K. A. O.; GIUGLIANI, E. R. J. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr, [S. l.], v. 92, n. 3. Supl. 1, p. 2-7, 2016. VITOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Rubio, 2008. 628 p. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré- escolar, do escolar, do adolescente e na escola. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: SBP, 2012. 148 p. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de Alimentação: orientações para alimentação do lactente ao adolescente, na escola, na gestante, na prevenção de doenças e segurança alimentar. 4. ed. São Paulo: SBP, 2018. 164 Capítulo 10 Alimentação Complementar MCPHIE, S.; SKOUTERIS, H.; DANIELS, L.; JANSEN, E. Maternal correlates of maternal child feeding practices: a systematic review. Matern Child Nutr., [S. l.], v. 10, n. 1, p. 18-43, 2014. PRZYREMBEL, H. Timing of introduction of complementary food: short- and long-term health consequences. Ann Nutr Metab., [S. l.], v. 60, Supl. 2, p. 8-20, 2012. SALDAN, P. C.; DEMARIO, R. L.; BRECAILO, M. K.; FERRIANI, M. G. C.; MELLO, D. F. Interaction during feeding times between mothers and malnourished children under two years of age. Ciência Saúde Coletiva, [S. l.], v. 20, n. 1, p. 65-74, 2015. WHO; UNICEF. Complementary feeding of young children in developing countries: a review of current scientific knowledge. Geneva: World Health Organization, 1998 WORLD HEALTH ASSEMBLY RESOLUTION. Infant and young child nutrition. [S. l.: s. n.], 2001. 165 Capítulo 11 Competências para a alimentação oral no primeiro ano de vida Raquel Coube de Carvalho Yamamoto Para que a alimentação aconteça de maneira adequada, é necessário que se respeitem as habilidades orais que a criança apresenta nas diferentes idades durante seu desenvolvimento. Em cada etapa do desenvolvimento, a criança será capaz de realizar determinada competência motora oral, o que irá favorecer a decisão de iniciar a ingesta de diferentes consistências alimentares. As habilidades motoras orais, assim como a competência necessária para a alimentação, são definidas conforme as respostas orais apresentadas durante a alimentação com diferentes consistências e utensílios para realizar essa tarefa. A presença de disfunção motora oral pode acarretar dificul- dade no ganho de peso e no desmame precoce, tendo como consequência a desnutrição, trazendo prejuízos ao desenvol- vimento infantil (STEVENSON; ALLAIRE, 1991). As disfunções motoras orais, mesmo que discretas, po- dem gerar dificuldades no desenvolvimento da alimentação podendo ser notada dificuldade no ganho de peso, um tempo aumentado para alimentar-se, presença de vômitos e, por ve- zes, indícios de recusa alimentar (JONSSON; VAN DOORN; VAN DEN BERG, 2013). A alimentação é uma função extremamente vital em qualquer idade. Compreender sobre as competências 166 Capítulo11 Competências para a alimentação oral no primeiro ano de vida alimentares é de grande importância para o manejo e o cuidado precoce, evitando inadequações alimentares e dificuldades alimentares no futuro, pensando na significativa contribui- ção que a habilidade oral tem para uma nutrição eficiente (PRIDHAM et al., 2007). O recém-nascido, quando nasce saudável e a termo, apre- senta reflexos orais indispensáveis para conseguir sugar e, assim, suprir sua necessidade nutricional. A função de sucção é importante para que ocorra a adequação da mus- culatura orofacial (LOPES; MOURA; LIMA, 2017), bem como para que favoreça o crescimento equilibrado das estruturas do sistema estomatognático. Para que a habilidade de sucção aconteça de maneira apropriada, o neonato deve apresentar íntegras as estruturas do sistema estomatognático e estar em estado de alerta durante a alimentação (MEDEIROS et al., 2017; SARTORIO et al., 2017). Uma forma de favorecer a dinâmica da sucção é o posicionamento propício para realizar o aleitamento materno. A postura de cabeça do bebê está diretamente ligada à pega favorável, pois facilita o posicionamento de língua dentro da cavidade oral (BRASIL, 2015). O movimento de língua e de mandíbula, além dos aspectos quanto a pega, sucção e posicionamento do recém-nascido, deve estar adequado e sincronizado para que o desempenho da sucção no seio materno aconteça eficientemente (MEDEIROS et al., 2017; ALVES et al., 2019). Alterações na pega e dificuldades na movimentação de mandíbula podem proporcionar prejuízo no desempenho da mamada. Mediante as dificuldades com a sucção, o fonoaudiólogo pode auxiliar na identificação de possíveis dificuldades de sucção e ajudar no favorecimento de 167 Raquel Coube de Carvalho Yamamoto uma sucção efetiva influenciando diretamente o sucesso da amamentação (ALVES et al., 2019). A maturação das habilidades motoras orais ocorre conjuntamente ao desenvolvimento do sistema nervoso central e está associada à experiência de aprendizado da criança (STEVENSON; ALLAIRE, 1991). No primeiro ano de vida, o aprendizado está diretamente ligado à evolução do sistema nervoso central observada no surgimento e no desaparecimento de algumas funções orais, nos reflexos orais que se desenvolvem e se tornam mais complexas e voluntárias no decorrer do primeiro ano de vida (DIAMENT; CYPEL, 2005). O amadurecimento da função de sucção é um excelente exemplo quando falamos na maturação das habilidades motoras orais. Após o quarto ou quinto mês de vida, a função de sucção usada para alimentar-se, que até o momento acontecia de maneira reflexa, gradativamente vai sendo substituída pela movimentação oral voluntária (CARRUTH; SKINNER, 2002). Conforme a criança desenvolve-se nos aspectos motores globais, como conseguir a estabilidade na sustentação da cabeça, pode-se observar, concomitantemente, uma melhora no controle da mandíbula (REDSTONA; WEST, 2004). As habilidades orais que demanda a criança devem ser observadas para que apenas a partir do momento que a fun- ção de sucção passar a ser voluntária é que se inicie a inclusão de novos utensílios, como o uso da colher; e se introduzam outras consistências na alimentação, como o pastoso, sem que a criança apresente risco de complicação. A introdução de novas consistências alimentares, no momento de desen- volvimento motor oral adequado, favorece o surgimento de novas habilidades orais, com a presença de movimentos de 168 Capítulo 11 Competências para a alimentação oral no primeiro ano de vida lábios, língua e mandíbula que vão aprimorando-se conforme a evolução do desenvolvimento das habilidades e competên- cias motoras orais. Quando o lactente alcança a idade de cinco a seis meses, pode-se observar que, durante a oferta do alimento, ela apresenta movimentos verticais de mandíbula e amassa o alimento contra o palato com a língua. Nesse momento, deve- se iniciar oferta de alimento pastoso amassado na colher para que a criança tenha condições de iniciar a apreensão labial, vedando os lábios em contato com a colher para retirar o alimento (PROENÇA, 1994). Com a experiência e o aprendizado, no sétimo mês de vida da criança, já é possível observar movimentos de lateralização de mandíbula e de língua, com o objetivo de direcionar o alimento, proporcionando o aprendizado e a evolução da mastigação. Nessa etapa, é possível iniciar a introdução de alimentos semissólidos, devido à aquisição de habilidades para tal consistência. Quando chega à idade entre 12 e 18 meses, a criança consegue, gradualmente, adquirir a competência de mastigar com movimentos rotatórios de mandíbula. Nessa etapa, a refeição já deve conter pequenos pedaços de alimentos sólidos bem cozidos. Nesse período, a língua movimenta o bolo alimentar lateralmente e os lábios permanecem ocluídos durante a alimentação, possibilitando uma mastigação mais amadurecida, características observadas no desempenho de alimentação do indivíduo adulto (LEVY; RAINHO, 2004). A observação de dificuldades alimentares no decorrer do desenvolvimento das habilidades motoras orais é fundamental para que se inicie, o quanto antes, o acompanhamento 169 Raquel Coube de Carvalho Yamamoto fonoaudiológico oportunamente. Esse acompanhamento irá favorecer para que a alteração observada não gere condições compensatórias persistentes em longo prazo, sanando o quanto antes e propiciando uma adequação ao desenvolvimento das habilidades motoras orais em período apropriado. Dificuldades como presença de engasgos durante as refeições; recusa ou vômitos frequentes em determinada consistência alimentar; movimentos inadequados de língua, lábios e mandíbula; e alimentação com a boca aberta apresentando ou não escape de alimento; assim como produção de ruídos durante a alimentação são fatores que devem receber um olhar atento e realizar o encaminhamento para um profissional especializado o mais rápido possível. Essas dificuldades podem ser denominadas como disfunção motora oral e não devem estar presentes no período de desenvolvimento motor oral para a transição gradativa das diferentes consistências alimentares. As habilidades motoras orais e as competências necessá- rias para uma alimentação efetiva marcam o desenvolvimento de um lactente durante o primeiro ano de vida. A oferta dos alimentos, nas diversas consistências, é muito importante para favorecer o estímulo do meio para que ocorra um equilí- brio harmônico das estruturas estomatognáticas, assim como para gerar habilidade motora oral necessária para que se adquira a competência necessária para a alimentação. 170 Capítulo 11 Competências para a alimentação oral no primeiro ano de vida Referências ALVES, Y. V. T.; SANTOS, J. C. J.; BARRETO, I. D. C.; FUJINAGA, C. I.; MEDEIROS, A. M. C. Avaliação da sucção não nutritiva de recém-nascidos a termo e sua relação com o desempenho da mamada. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife, v. 19, n. 3, p. 621-630, jul./set. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015. (Cadernos de Atenção Básica n. 23). CARRUTH, B. R.; SKINNER, J. D. Feeding behaviors and other motor development in healthy children (2- 24 moths). J Am Coll Nutr., [S. l.], v. 21, n. 2, p. 88-96, 2002. DIAMENT, A.; CYPEL, S. Neurologia infantil. São Paulo: Atheneu; 2005. JONSSON, M., VAN DOORN, J., VAN DEN BERG, J. Parents’ perceptions of eating skills of pre-term vs full-term infants from birth to 3 years. Int J Speech Lang Pathol., [S. l.], v. 15, n. 6, p. 604-617, 2013. LEVY, D. S.; RAINHO, L. Abordagem em disfagia infantil – proposta fonoaudiológica e fisioterápica. In: JACOBI, J. S.; LEVY, D. S.; SILVA, L. M. C. Disfagia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. p. 37-65. 171 Raquel Coube de Carvalho Yamamoto LOPES,T. S.; MOURA, L. F.; LIMA, M. C. Breastfeeding and sucking habits in children enrolled in a mother-child health program. BMC Res Notes, [S. l.], v. 7, n. 362, p. 1-8, 2014. MEDEIROS, A. M. C.; SANTOS, J. C. J.; SANTOS, D. A. R.; BARRETO, I. D. C.; ALVES, Y. V. T. Speech-language therapy follow-up of breastfeeding in newborns in the first of life. Audiol Commun Res., [S. l.], v. 22, p. 1-8, 2017. PRIDHAM, K.; STEWARD, D.; THOYRE, S.; BROWN, R.; BROWN, L. Feeding skill performance in premature infants during the first year. Early Hum Dev., [S. l.], v. 83, n. 5, 5, p. 293-305, 2007. PROENÇA, M. G. Sistema Sensório-Motor Oral. In: KUDO, A. M.; MARCONDES, E.; LINS, L.; MORIYAMA, L. T.; GUIMARÃES, M. L. L. G.; JULIANI, R. C. T. T. P.; PIERRI, S. A. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em Pediatria. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 1994. p. 114-124. REDSTONE, F.; WEST, J. F. The importance postural control for feeding. Pediatric. Nursing Journal, [S. l.], v. 30, n. 2, p. 97-100, 2004. SARTORIO, B. T.; COCA, K. P.; MARCACINE, K. O.; ABUCHAIM, E. S.V.; ABRÃO, A. C. F. V. Breastfeeding assessment instruments and their use in clinical practice. Rev Gaúcha Enferm., [S. l.], v. 38, n. 1, p. 1-11, 2017. STEVENSON, R. D.; ALLAIRE, J. H. The development of normal feeding and swallowing. Pediatr Clin North Am., [S. l.], v. 38, n. 6, p. 1439-1453, 1991. 172 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos 12.1 Introdução O desenvolvimento infantil envolve, além do crescimento pondero-estatural, a maturação neurológica e a construção de habilidades nos domínios motores, cognitivo, social e psíquico da criança, sendo, portanto, um processo complexo, contínuo, dinâmico e progressivo. Nesse sentido, está associado não só à integridade biológica e física mas também ao contexto sociocultural no qual a criança está inserida (OPAS, 2005). A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020) afirma que permitir que as crianças possam atingir seu pleno potencial de desenvolvimento é um direito humano e requisito fundamental para o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento infantil tem início na vida intrauterina e até antes, já que o estado de saúde da mãe antes da concepção pode acarretar implicações futuras para o filho. É fundamental que os marcos sejam compreendidos nos domínios motor (habilidades motoras finas e grosseiras), cognitivo, linguagem e o socioemocional. 173 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos A esse respeito, a Teoria bioecológica do desenvolvimento humano de Urie Bronfenbrenner considera os quatro aspectos multidirecionais que se inter-relacionam: o modelo PPCT- pessoa, processo, contexto e tempo. De acordo com essa teoria, o ambiente tanto influencia o desenvolvimento da criança quanto é influenciado por ela. Devido à plasticidade neural, o período que compreende a primeiríssima infância (zero a três anos) representa uma janela de oportunidade essencial em que as melhores respostas às intervenções podem ser alcançadas. É fundamental que o profissional de saúde, em conjunto com a família e a comunidade, realize a vigilância e promova os estímulos necessários ao desenvolvimento das crianças (KOLB; HARKER; GIBB, 2017). 12.2 Vigilância do desenvolvimento A vigilância do desenvolvimento é o processo responsável pelo monitoramento do desenvolvimento infantil ao longo do tempo, além da sua promoção e identificação de possíveis problemas. A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda a utilização de um instrumento de triagem, mesmo na ausência de fatores de risco, para aumentar a capacidade de identificação de possíveis atrasos. A AAP também enfatiza a grande importância da continuidade do atendimento na supervisão integral da saúde e a necessidade de evitar a fragmentação de cuidado (HAGAN; SHAW; DUNCAN, 2017). Com esse propósito, muitos instrumentos de triagem podem ser utilizados, tais como: Ages and Stages Questionaires (ASQ), Bayley Scale of Infant Development, Alberta Infant 174 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade Motor Scale (AIMS), Teste de Denver II, Caregiver Reported Early Development Instruments (CREDI), Survey of Well Being of Young Children (SWYC), Harris Infant Neuromotor Test (HINT) e o modelo desenvolvido pelo Ministério da saúde contemplado na Caderneta de Saúde da Criança. As preocupações de pais e profissionais de saúde devem ser incluídas para a avaliação de fatores de risco ou alterações que sinalizem transtornos no desenvolvimento, indicando a necessidade de triagem e/ou diagnóstico acurados e condutas apropriadas (NORITZ; MURPHY, 2013; HARRIS, 2016). São fatores de risco para anormalidades no desenvolvimento: questões socioambientais; história de infecção materna no período gestacional (doenças sexualmente transmissíveis, toxoplasmose, citomegalovírus, rubéola, zika, herpes); história de uso de álcool ou drogas ilícitas; pré-natal não realizado ou incompleto; problemas de saúde na gestação ou no parto/nascimento; prematuridade; depressão materna; baixo peso ao nascer (peso de nascimento inferior a 2500g); hiperbilirrubinemia; hospitalização no período neonatal; doenças graves como meningite, malformações congênitas; asfixia perinatal; convulsões e doenças genéticas. Uma sugestão para o encaminhamento do paciente com suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) pode ser o algoritmo proposto pela Academia Americana de Pediatria em 2006, que avalia o desenvolvimento motor em idades-chave. Entretanto, qualquer teste de triagem alterado indica a necessidade de avaliação especializada. O manual para a vigilância do desenvolvimento infantil, no contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (OPAS, 2005), orienta que os profissionais de saúde 175 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos avaliem os marcos de desenvolvimento da criança, incluindo: aferição do perímetro cefálico, verificação de presença ou ausência de alterações fenotípicas, presença ou ausência de marcos de desenvolvimento em idades-chave. Os achados devem ser finalizados com classificação de acordo com Figura 1, a seguir. Figura 1 – Grupos de classificação do desenvolvimento infantil Fonte: Adaptado de OPAS (2005, p. 23). Os testes de triagem de desenvolvimento neuropsi- comotor (DNPM) geralmente avaliam quatro domínios principais, a saber: habilidades motoras grosseiras; habi- lidades motoras finas; linguagem e pessoal-social. O desenvolvimento da linguagem será tema de um outro capítulo neste manual. O Quadro 1, a seguir, mostra a ava- liação do desenvolvimento motor. 176 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade Quadro 1 – Avaliação do desenvolvimento motor grosseiro e fino entre 0-36 meses: Marcos do desenvolvimento Idade Desenvolvimento motor grosseiro Eleva a cabeça (> 45º) em decúbito prona 02 meses Rola da posição prona para supina e se apoia sobre os antebraços em posição prona 04 meses Rola da posição supina para prona 06 meses Inicia o sentar com apoio 06-07 meses Estando deitado, consegue sentar-se; engatinha 09 meses Fica de pé sem apoio; inicia a marcha (10m – 16m) 12 meses Anda para trás; corre 15 meses Sobe degraus com ajuda 18 meses Pula sobre dois pés 24 meses Inicia a subida de escada com pés alternados 30-36 meses Escala móveis (cuidado!); pedala tricíclico 36 meses Desenvolvimento motor fino Brinca com as mãos na linha média (jogo das mãos) 04 meses 177 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos Preensão cúbito palmar: inicia a preensão voluntária, sem utilizar o polegar 04 meses Preensão palmar simples ou aperto; transfere objetos de uma mão para a outra 05-06 meses Preensão radio-palmar; inicia preensão em pinça inferior; maior domí-nio do pegar, soltar, bater um objeto contra o outro 07-08 meses Preensão radio-digital: realiza pinça superior 09 meses Retira e coloca objetos em um recipiente (caneca) 10 meses Realiza pinça fina, solta os objetos quando solicitado, rea- liza encaixes amplos, lança a bola em uma direção 12 meses Inicia uso da colher 12-24 meses Empilha dois cubos 15 meses Empilha três cubos; come pegando com os próprios dedos 18 meses Empilha seis cubos; copia linha vertical 24 meses Empilha nove a dez cubos; desenha uma linha horizontal e um círculo; desenha uma pessoa com cabeça e outra parte do corpo; constrói uma ponte com 3 blocos; usa colher e garfo, bebe em copo sem tampa, retira meias, sapatos e a roupa 36 meses Fonte: Adaptado de Nuritz e Murphy (2013); BRASIL (2016). 178 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade A avaliação do tônus muscular, a amplitude articular e os movimentos oculares também são aspectos importantes na triagem do desenvolvimento infantil durante as consultas de puericultura (HARRIS, 2016). O tônus muscular é um estado de tensão constante a que estão submetidos os músculos em repouso. O primeiro mês de vida é caracterizado pelo padrão flexor nos quatro membros; posteriormente, por volta dos quatro meses, ocorre a inversão fisiológica dos tônus (DUARTE, 2018). A seguir, algumas manobras para avaliação do tônus são apresentadas: (1) Manobra da tração: consiste em segurar as mãos da criança, puxando-a para a posição sentada. A resposta é a elevação da cabeça com o corpo. Ao atingir a posição sentada, a cabeça se mantém na linha média. (2) Manobra de suspensão horizontal: a criança, ao ser suspensa horizontalmente, fica com a cabeça ereta, dorso reto e com flexão dos cotovelos, joelhos, tornozelos e quadris. (3) Manobra de suspensão vertical: consiste em segurar a criança pelas axilas sem agarrar o tórax, puxando-a para cima. A resposta esperada é a criança adotar uma posição de semi- flexão dos membros (DUARTE, 2018, p. 41-42). O Quadro 2, a seguir, mostra os marcos do desenvolvimento socioemocional. 179 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos Quadro 2 – Desenvolvimento socioemocional Marcos de desenvolvimento socioemocional Idade Sorriso social 01-02 meses Início da regulação fisiológica e aprende a se acalmar 02-03 meses Conversas por turno, vocalizações 04 meses As interações acontecem progressivamente; estranha rostos desconhecidos, brinca de esconde-achou; gosta de se ver no espelho 06 meses Participa de brincadeiras interativas como esconde-achou, acena tchau, bate palmas; demonstra medo; mostra o que quer, sem chorar 12 meses Imita atividades do cotidiano da casa 15 meses Ajuda em tarefas simples (guardar o brinquedo) 16-17 meses Pode ter acessos de raiva; demonstra afeto; entrega objetos aos outros; procura o colo da cuidadora em situações novas; brinca de dar comida à boneca 18 meses Usa colher/garfo 17-20 meses Retira peças de roupa 20-24 meses Demonstra independência e comportamento desafiador 24 meses Veste-se com supervisão 26-30 meses Demonstra preocupação se um amigo está chorando (empatia); compreende ideia de “meu” e “dele”; consegue vestir-se e se despir. Surgem as habilidades de brincar de fingir, demonstra evidências de brincadeira simbólica, usando um objeto como algo diferente 30-36 meses Fonte: Adaptado Malik e Marwaha (2020). 180 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade 12.3 Conclusão Concluindo, para assegurar a adequada vigilância do DNPM infantil, torna-se imprescindível a organização de sistemas integrados de atenção. A formação e o contínuo desenvolvimento profissional devem contemplar a educação interprofissional e o trabalho colaborativo, objetivando a prevenção, a identificação oportuna e o planejamento de projetos terapêuticos singulares para as crianças e suas famílias. A identificação do atraso do desenvolvimento exige uma rede que acolha a criança e sua família para que o seu potencial possa ser plenamente alcançado. 181 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos Referências ALTAFIM, Elisa Rachel Pisani et al., Measuring early childhood development in Brazil: validation of the Caregiver Reported Early Development Instruments (CREDI). J. Pediatr., [S. l.], v. 96, n.1, p. 66-75, Feb. 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jped.2018.07.008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0021-75572020000100066&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 28 ago. 2020. BARRETO, André de Carvalho. Paradigma sistêmico no desenvolvimento humano e familiar: a teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Psicol. rev., Belo Horizonte, v. 22, n. 2, p. 275-293, ago. 2016. DOI: http://dx.doi.org/DOI- 10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P275. Disponível em: http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677- 11682016000200003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 4 set. 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016. DUARTE, R. C. B. Hipotonia na infância. Resid Pediatr., [S. l.], v. 8, Supl.1, p. 40-44, 2018. DOI: 10.25060/residpediatr-2018. v8s1-07 182 Capítulo 12 Desenvolvimento nos primeiros três anos de idade HAGAN, J. F.; SHAW, J. S.; DUNCAN, P. M. (ed.). Bright Futures: Guidelines for Health Supervision of Infants, Children, and Adolescents. 4th ed. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics, 2017. HARRIS, S. R. Early identification of motor delay: family- centred screening tool. Can Fam Physician, [S. l.], v. 62, n. 8, p. 629-632, 2016. KOLB, B.; HARKER, A.; GIBB, R. Principles of plasticity in the developing brain. Dev Med Child Neurol., [S. l.], v. 59, n. 12, p. 1218-1223, 2017. DOI:10.1111/dmcn.13546. MALIK, F.; MARWAHA, R. Developmental Stages of Social Emotional Development In Children. [S. l.]: NCBI, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/ NBK534819/. Acesso em: 14 fev. 2022. NORITZ, G. H.; MURPHY, N. A. Neuromotor Screening Expert Panel. Motor delays: early identification and evaluation. Pediatrics, [S. l.], v. 131, n. 6, p. 2016-2027, 2013. DOI:10.1542/ peds.2013-1056. OPAS. Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, D. C., OPAS, 2005. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/ biblioteca/imagem/1711.pdf. Acesso em: 14 fev. 2022. 183 Devani Ferreira Pires Allana Clarice Figueroa Cortez Pedro Henrique Miranda Campos VENANCIO, S. I.; BORTOLI, M. C.; FRIAS, P. G.; GIUGLIANI, E. R.; ALVES C. R.; SANTOS, M. O. Development and validation of an instrument for monitoring child development indicators. J Pediatr, [S. l.], v. 96, n. 6, p. 778-789, 2020. DOI: https://doi. org/10.1016/j.jped.2019.10.008. OMS. Improving early childhood development: WHO guideline. Geneva: World Health Organization, 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/ improving-early-childhood-development-who-guideline. Acesso em: 14 fev. 2022. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Caderneta de Saúde da Criança e do Adolescente: um Instrumento de vigilância de promoção do desenvolvimento. [S. l.]: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017. Guia Prático de Atualização. 184 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Carla Ismirna Santos Alves 13.1 Introdução O avanço científico e tecnológico do último século impulsio- nou o desenvolvimento da neonatologia, aumentando, assim, as taxas de sobrevida de recém-nascidos (RN) mais imaturos e de muito baixo peso ao nascer. Esse aumento na sobrevida do RN de risco suscita questões relativas à assistência especia- lizada, à qualidade de vida, e ao seguimento ambulatorial em longo prazo dessas crianças (TRONCHIN; TSUNECHIRO, 2007).Sabe-se que o prognóstico e a qualidade de vida estão diretamente relacionados ao grau de imaturidade fisiológica e anatômica de seus sistemas, ao peso, às condições de nascimento e às intercorrências decorrentes de suas condições clínicas ou do tratamento intensivo a que são submetidos. Dessa forma, o pré-termo, aquele que nasce antes de completar 37 semanas de gestação e com peso inferior ou igual a 1.500g, também é susceptível a uma ampla variedade de problemas de neurodesenvolvimento (ALVES et al., 1997; BLACKBURN; VANDENBERG, 1998). Esses problemas de neurodesenvolvimento incluem: desorganização de comportamento, falta de atenção, dificuldades nas áreas de linguagem, aprendizagem, integração 185 Carla Ismirna Santos Alves visomotora, problemas sensoriais e perceptivos que podem se manifestar na primeira infância ou por ocasião do ingresso escolar (BENNETT, 1994; ALVES et al., 1997). Assim, o pré- termo de muito baixo peso precisa de um número maior de avaliações do estado de saúde e a alta hospitalar não expressa a resolução dos problemas dessa população, tornando-se indispensável o follow up ambulatorial especializado voltado à detecção e intervenção precoces das intercorrências, com atenção especial voltada para o seguimento de crescimento, nutrição, funções visuais, auditivas, neuromotoras, cognitivas, imunização e cuidados domiciliares (MELLO, 1998). Pode-se afirmar que os diferentes contextos de tra- tamento que se apresentam nos ambientes hospitalar, ambulatorial ou domiciliar podem causar alterações físicas, emocionais e comportamentais na criança. Em muitos casos, a criança é afastada do seu lar e colocada num ambiente estranho, sendo obrigada a conviver com pessoas desconhe- cidas e a seguir rotinas rígidas. Nesse contexto, ainda são submetidas a inúmeros procedimentos, muitas das vezes, dolorosos. A fisioterapia, como integrante de uma equipe multiprofissional, está inclusa nessa realidade, sendo, às vezes, percebida tanto pela criança como pelos pais como mais um manuseio invasivo e desagradável (CARICCHIO, 2017). Diante do exposto, torna-se imprescindível a esti- mulação precoce como suporte aos RN suspeitos de atraso do seu neurodesenvolvimento ainda na fase hospitalar e também no follow up após alta, uma vez que o Ministério da Saúde preconiza que qualquer programa de estimulação do desenvolvimento da criança deve ter seu início no período que engloba desde a concepção até os três anos de idade. 186 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. 13.2 Estimulação Precoce – definição A estimulação precoce (EP) pode ser definida como uma abordagem de caráter sistemática e sequencial que utiliza técnicas e recursos terapêuticos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico e social, evitando ou amenizando eventuais prejuízos (HALLAL; MARQUES; BRACHIALLI, 2008). Sabe-se que a plasticidade neural fundamenta e justifica a estimulação precoce para bebês que apresentem risco em potencial de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, pois é justamente no período de zero a três anos que o indivíduo é mais suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo (LIMA; FONSECA, 2004). Dessa forma, pode-se afirmar que a estimulação precoce tem como objetivo explorar esse período crítico para estimular a criança a ampliar suas competências, tendo como referência os marcos do desenvolvimento típico, diminuindo, assim, os efeitos negativos de uma história de riscos (PAINEIRAS, 2005). 13.3 Estimulação precoce no contexto neonatal Atualmente, observa-se uma melhora dos cuidados neonatais (administração de surfactante, suporte ventilatório, esteroide antenatal e procedimentos intrauterinos) por parte de uma equipe multiprofissional mais preparada para o tratamento intensivo neonatal aumentando a expectativa de sobrevivência dos recém-nascidos pré-termo (RNPT). Embora tenha se constatado a melhora do índice de 187 Carla Ismirna Santos Alves sobrevida, também se verifica que a morbidade pulmonar e o neurodesenvolvimento permanecem como duas grandes questões de interesse que precisam ser mais bem estudadas e acompanhadas com o intuito de minimizar as sequelas que possam vir a assolar esse RN de risco (TRONCHIN; TSUNECHIRO, 2007). A maioria dos pacientes internados em UTI pediátrica e neonatal apresenta morbidades respiratórias ou complica- ções pulmonares decorrentes de procedimentos cirúrgicos ou de longos períodos submetido à Ventilação Pulmonar Mecânica (VPM). Sabe-se que uma vez estabilizados os parâ- metros cardiopulmonares no paciente crítico, a atenção deve ser voltada ao Sistema Nervoso Central (SNC), pois sua estabilidade é essencial para garantir a recuperação e o de- senvolvimento infantil (CARVALHO; SOUZA; SOUZA, 2004; BERK; SAMPLINER, 1991). Diante dessa situação, programas de estimulação suplementar têm sido desenvolvidos com o objetivo de potencializar a interação do bebê com o ambiente por meio de estímulos sensório-motores buscando o reposicionamento do RN na direção da maturação fisiológica, fornecendo condições para que ele se auto-organize e obtenha respostas próximas ao padrão de normalidade, evitando a aprendizagem de posturas e movimentos inadequados. O desenvolvimento motor do primeiro ano de vida é uma fase extremamente delicada e rica de estímulos para o bebê, com mudanças complexas e interligadas, dependente tanto da maturação dos aparelhos e sistemas como do ambiente e das tarefas. Dessa forma, a intervenção motora precoce é de grande importância para a otimização desse processo, 188 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. proporcionando avanços nas aquisições motoras (FORMIGA; PEDRAZZANI; TUDELA, 2010; BRASIL, 2016). Nesse contexto, o Método Canguru tem um papel importante e indispensável como amparo à estimulação de RNPT defendido e preconizado pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério de Saúde do Brasil. A posição canguru está baseada na manutenção do RN, em contato pele a pele, apenas de fraldas, na posição vertical junto ao peito dos pais, respeitando o tempo mínimo necessário para manutenção da estabilização do RN e pelo tempo máximo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente. A adoção da postura deve ser realizada com orientação especializada, pautada pela segurança e auxiliada por uma equipe de saúde adequadamente capacitada. A equipe de assistência ao RNPT orienta e estimula a posição canguru desde a internação do neonato na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) a partir da estabilidade clínica do bebê e do desejo de seus genitores, devendo ter sequência em nível de enfermaria e após a alta hospitalar. O Método Canguru tem como alicerce 5 pilares que são: cuidado integral e qualificado ao recém- nascido, seus pais e sua família; respeito às individualidades; promoção do contato pele a pele precoce e prolongado; promoção do aleitamento materno e envolvimento da mãe e do pai nos cuidados com o recém-nascido (BRASIL, 2018). Mesmo sendo de extrema importância, a estimulação precoce encontra limitações no período neonatal, pois diante do paciente pré-termo extremo ou do RN de risco crítico, faz-se necessário cautela, uma vez que todo e qualquer procedimento pode levar à maior instabilidade. Dessa forma, preconiza-se, nesses casos, que a equipe da Unidade de Terapia 189 Carla Ismirna Santos Alves Intensiva neonatal (UTIN) adote o protocolo de manuseio mínimo que deve ser seguido nos primeiros 5 dias de vida, com o intuito de proteger a matriz germinativa de hemorragia, pois esse é o período de maior risco para a hemorragia peri- intraventricular. O Quadro 1 mostra os 5 pilares do protocolo de manuseio mínimo (CABRAL; BRAZ, 2014). Quadro 1 – Pilares do protocolo de manuseio mínimo 1. Manutenção da posturadorsal por 96 horas. 2. Manutenção da temperatura. 3. Não elevação dos membros inferiores na troca de fraldas. 4. Trocas de lençóis apenas se estiverem sujos. 5. Realização de procedimentos agrupados como: avaliação clínica; coleta de exames; fisioterapia; mudança de fraldas, entre outros. Fonte: autoria própria. Findado o período crítico e estando o RN estabilizado, deve-se iniciar a estimulação precoce. No período neonatal, o objetivo da estimulação precoce deve ser voltado para iden- tificar e intervir precoce e adequadamente nos problemas do desenvolvimento motor; eliminar as reações posturais indese- jadas e facilitar a motricidade normal; favorecer, por meio de manobras e técnicas realizadas de forma passiva, que o RN se desenvolva de forma adequada, sem complicações no sistema musculoesquelético; aumentar o limiar de sensibilidade tátil e cinestésica do RN; promover integração entre os familiares e o RN; favorecer a interação do bebê com estímulos visuais, auditivos e táteis. O Quadro 2 demonstra, de forma resumida, os pontos que devem ser priorizados na estimulação precoce durante o período neonatal (IZUMI; FUJISAWA; GARANHANI, 2011; FELTRIM, [201-]; LANZA et al., 2012). 190 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Quadro 2 – Pontos prioritários da estimulação precoce neonatal. Estimulação das Aquisições Motoras A estimulação neurosensoriomotora deve tomar como base as aquisições neuromoto- ras próprias à idade pós-natal e deve ocorrer de forma a favorecer o desenvolvimento neuropsicomotor normal que se dá no sentido céfalo-caudal. Se o RN for pré-termo, deve-se corrigir a idade para só então estimar o atraso que ele possa vir a apresentar. Estimulação Tátil A estimulação tátil tem como objetivo diminuir a aversão ao toque e os sinais de estresse do RN; favorecer a integração do RN com o meio e proporcionar matura- ção dos reflexos primitivos, além de facilitar o desenvolvimento da percepção. A estimulação tátil deve ser realizada pelo toque das mãos do terapeuta por meio de manuseios firmes, no entanto, suaves e lentos no sentido céfalo-caudal, no tronco e caudo-cefálico nos membros e na cabeça (sentido da contração dos principais múscu- los). A literatura recomenda que a estimulação tátil ocorra entre 5 a 15 minutos. Para a estimulação tátil, podem ser utilizadas texturas diferentes, como algodão e gaze. Estimulação Visual A visão deve ser estimulada promovendo a organização comportamental e a estabili- dade fisiológica do RN. Na execução da estimulação visual, devem-se utilizar figuras simples, com grandes contrastes (preto e branco); no RNPT, o tempo de fixação deve ser de 1,5 a 2,5 segundos com uma distância de 18 a 21 cm à frente da sua face; no RNT, o tempo de fixação deverá ser de 3 a 10 segundos a uma distância de 20 a 30 cm à frente de sua face; iniciar o deslocamento lentamente e variar progressivamente a velocidade, movimento e direção; orientar a mãe a mostrar sua face sem falar, por 10 a 15 segundos e, após esse tempo, emitir algum som e estabelecer contato efetivo. 191 Carla Ismirna Santos Alves Estimulação Auditiva Tem como objetivo promover o ganho de peso, diminuição do comportamento de estresse, diminuição do tempo de hospitalização e aumento dos níveis de saturação. A estimulação auditiva deve iniciar a partir da 28ª semana de idade gestacional corrigida; a música cantada tem demonstrado eficácia superior em relação à música gravada ou à inexistência de música; em caso da utilização de músicas gravadas, colocar apenas pequenas caixas de som na parte superior da incubadora do RN para que a distribuição do estímulo sonoro seja uniforme. Estimulação Vestibular Tem como objetivo facilitar o controle cervical; ajudar a consolar o RN; auxiliar o despertar e a manutenção do alerta, além de promover sensação de segurança e organização. A estimulação vestibular deve iniciar na posição canguru ou no colo seguido de balanço do RN nas direções ântero-posterior e latero-lateral, de forma suave; pode ser realizado também em rede, na bola, em colchões d’água ou cadeira de balanço seguindo as mesmas direções de movimento realizadas na postura canguru. Estimulação Proprioceptiva Tem como objetivo minimizar lesões iatrogênicas e favorecer a organização da postura flexora fisiológica e o equilíbrio das cadeias cinéticas, além de promover o alongamento da região cervical, cinturas escapular e pélvica. Para realizar a estimu- lação proprioceptiva, deve-se posicionar o RN em decúbito lateral apoiado em uma das mãos do terapeuta, inclinado a 30°; deslizar a cabeça e o pescoço para a lateral enquanto o ombro oposto é rebaixado suavemente, soltar vagarosamente o ombro e retornar a cabeça para a linha média. Repetir o movimento para o outro lado. Fonte: autoria própria. 192 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. A literatura relata que a estimulação neurosensorio- motora (ENSM) deve ser realizada em dias alternados, revezando com a fisioterapia motora. Não deve ultrapassar o tempo de 15 minutos. Devem-se respeitar os desequilí- brios hemodinâmicos, períodos de sono e vigília e não deve ser realizada em pacientes com risco de Hemorragia Peri-ventricular (HPV) e em pacientes com menos de 72 horas de vida (IZUMI; FUJISAWA; GARANHANI, 2011; FELTRIM, [201-]; LANZA et al., 2012). 13.4 Estimulação precoce no segmento ambulatorial Como relatado anteriormente, por ocasião da alta hospitalar, não se findam os riscos de desvios do neurodesenvolvimento da criança de risco. Dessa forma, a estimulação neurosensoriomotora deve ter continuidade no follow up ambulatorial especializado, sendo imprescindível que as atividades também tenham continuidade nos cuidados domiciliares. Em relação ao recém-nascido de risco, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda um Ambulatório de Atenção Integral ao Desenvolvimento de Recém-Nascidos de risco que deve ter como objetivo uma intervenção profilática, a identificação e a terapêutica precoce dos desvios de crescimento e das deficiências motoras, visuais, auditivas, de linguagem, mental e cognitiva, com visão global centrada na criança e em sua família. Quanto ao acompanhamento da criança egressa de UTI Neonatal, destacamos a importância do trabalho em rede, proporcionando à criança a promoção da saúde, inclusive 193 Carla Ismirna Santos Alves com o desenvolvimento de ações para prevenção de agravos, contribuindo, assim, para que ela possa desenvolver todo seu potencial (SILVA, 2005). A integralidade da assistência à saúde é percebida na articulação institucional, intencional e processual das múltiplas integralidades focalizadas, visto que cada serviço de saúde vitaliza fluxos a partir das necessidades das pessoas e da população, ou seja, pela escuta, compreende as necessidades do usuário aumentando, desse modo, a capacidade e a possibilidade de intervenção por parte dos profissionais de saúde, preocupados com os problemas que as pessoas e ou a comunidade demandam aos serviços de saúde (FURTADO et al., 2010). O acompanhamento regular na primeira infância e avaliações fisioterapêuticas programadas permitem detectar de forma precoce desvios ou atrasos, orientar os pais sobre as características da criança pré-termo, ensinar princípios básicos de estimulação sensório-motora, registrar e acompanhar dados sobre o crescimento e o desenvolvimento das crianças em seguimento na caderneta infantil. Por isso, quanto mais precoces as intervenções, maiores as chances de minimizar os riscos de desvios do desenvolvimento (DAVID et al., 2013). A estimulação neurosensoriomotora deve ter como base os marcos do desenvolvimento infantil típico no primeiro ano de vida e deve ser trabalhada de maneira a favorecer essas aquisições. O Quadro 3 sugere uma sequência de atividades que deve ser priorizada na estimulação neurosensoriomotora no primeiro ano de vida. 194 Capítulo 13Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Quadro 3 – Estimulação neurosensoriomotora no primeiro ano de vida. Inicie a estimulação observando bem o bebê: pos- tura, movimentos, comportamento e contato visual. Identifique se há sinais de estresse, choro, descon- forto, irritabilidade, cansaço, sono ou fome. Estabeleça uma boa comunicação. O que fazer: - Conversar com o bebê - Tocar/fazer massagem - Manter contato visual - Brincar/Cantar/Sorrir - Estimular posturas adequadas Durante os primeiros meses, o mais importante é fortalecer os músculos do pescoço, dos membros superiores e das costas. Isso ajudará o bebê a adquirir o controle da cabeça. • ATENÇÃO – para esse exercício, as mãos da mãe/pai ou do(a) cuidador(a) devem apoiar os braços e ombros do bebê. • Deitar o bebê de barriga para cima e o trazer para a posição sentada. Depois, deitá-lo novamente. Esse exercício pode ser realizado durante as trocas das fraldas. Repetir esse movimento 5 (cinco) vezes, lentamente. 195 Carla Ismirna Santos Alves Deitar o bebê de barriga para baixo e proporcionar apoio mantendo os antebraços do bebê sobre o colchonete, segu- rar a fronte (testa) para que ele consiga elevar a cabeça. Você pode colocar na frente do bebê brinque- dos coloridos ou que produzam som. Repetir esse movimento 5 vezes. A partir de 4 meses de idade. Deitar o bebê de barriga para cima, trazer o bebê para a posição sentada, segurando-o pelos antebraços. Realizar este movimento 5 vezes, lentamente. Repetir durante as trocas de fraldas. 196 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Deitar o bebê de barriga para baixo e estimular o olhar nos dois sentidos (direita e esquerda) com um brinquedo colorido. Colocar o brinquedo a uma distância de apro- ximadamente 20 a 30 centímetros do rosto do bebê. Estimular a visão utilizando um espelho e obje- tos ou brinquedos bem coloridos. O bebê irá apoiar-se, ora sobre um antebraço, ora sobre o outro, transferindo o peso do corpo de um lado para o outro, de acordo com o lado em que estiver voltado o olhar. Repetir o movimento 5 vezes para cada lado. Exercício com o rolo Esse exercício tem como objetivo facilitar o controle do tronco. O rolinho pode ser elaborado com len- çol, toalha ou travesseiro enrolado. Colocar o rolinho por baixo do tórax do bebê. 197 Carla Ismirna Santos Alves Exercício de alongamento dos membros superiores Iniciar com os braços do bebê ao longo do corpo, segurar as mãos do bebê e estender os braços no sentido horizontal (como asas de avião). Sustentar a posição de alongamento durante trinta segundos, aproximadamente, depois posicionar os braços próximos ao corpo novamente. Repetir este movimento 5 vezes. Exercício Aproximar braços e mãos do bebê na linha média, no campo de visão do bebê, estimular o toque das mãos e manter por trinta segundos, aproximadamente. Repetir este movimento 5 vezes. Realizar esse exercício a cada troca de fralda. 198 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Sustentação do bebê no colo (a partir de 4 meses de idade) Sentar o bebê sobre o seu antebraço, e com o outro antebraço e mão apoiar barriga e peito do bebê contra o seu corpo. Essa postura contribui para o controle da cabeça, do pescoço e o sentar com apoio, além de ajudar o bebê a explorar mais o ambiente e estimular a visão. Estimulação para o rolar (a partir de 4 meses de idade) Segurar o bebê e estimular o rolar para os lados. Para incentivar o deslocamento do bebê, colo- car brinquedos no campo de visão. 199 Carla Ismirna Santos Alves Exercícios de flexão dos membros inferiores Flexionar os joelhos e o quadril, e aproxi- mar as coxas sobre o abdome (barriga). Manter essa posição por, aproximadamente, trinta segundos. Repetir, lentamente, 5 vezes. Realizar flexão e extensão alternadas dos membros inferio- res, como o pedalar em bicicleta, de forma lenta e suave. Repetir esse movimento 5 vezes em cada membro. 200 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. Estimular a posição com quatro apoios (posição de gato) A partir do 3° trimestre Posicionar braços estendidos, joelhos dobrados e rolinho de apoio abaixo do abdome (barriga). Acrescentar, quando o bebê se encontrar na posi- ção de gato, o deslocamento para frente e para trás, incentivando o posterior engatinhar. Após o engatinhar sem dificuldade, podem-se ini- ciar os estímulos para ficar de pé com apoio, ficar de pé sem apoio, andar com apoio e andar sem apoio. Essa última é uma etapa com muita variação. Fonte: autoria própria. 201 Carla Ismirna Santos Alves Referências ALVES, P. P.; FERREIRA, M. F. R.; NUNES, L. R. O. P.; OLIVEIRA, M. C. B.; KAORU, J.; EPELBOIM, S. O desenvolvimento cognitivo de bebês prematuros e alguns aspectos neuromotores associados. Pediatria Moderna, [S. l.], v. 33, n. 7, p. 511-534, 1997. BENNETT, F. C. Developmental outcome. In: AVERY, G.; FLETCHER, M. A.; MACDONALD, M. G. L. Neonatology: pathophysiology and management of newborn. 4. ed. Philadelphia: JB Lippincott, 1994. p. 1367-1386. BERK, J. L.; SAMPLINER, J. E. Manual de Tratamento Intensivo. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Medsi, 1991. BLACKBURN, S. T.; VANDENBERG, K. A. Assessment and management of neonatal neurobehavioral development. In: KENNER, C.; LOTT, J. W.; FLANDERMEYER, A. A. Comprehensive neonatal nursing: a physiologic perspective. 2. ed. Philadelphia: WB Saunders, 1998. p. 939-967. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 123 p. 202 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. CABRAL, L. A.; BRAZ, M. V. Comparing the effects of minimal handling protocols on the physiological parameters of preterm infants receiving exogenous surfactant therapy. J Phys Ther., [S. l.], v. 18, n. 2, p. 152-164, mar./apr. 2014. CARICCHIO, M. B. M. Tratar brincando: o lúdico como recurso da fisioterapia pediátrica no Brasil. Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde, Salvador, v. 6, n. 6, p. 43-57, jul./dez. 2017. CARVALHO, W. B.; SOUZA, N.; SOUZA, R. L., Emergência e Terapia Intensiva Pediátrica. 2. ed. São Paulo, SP: Atheneu, 2004. DAVID, M. L. O.; RIBEIRO, M. A. G. O.; ZANOLLI, M. L.; MENDES, R. T.; ASSUMPÇÃO, M. S.; SCHIVINSKI, I. S. Proposta de atuação da fisioterapia na saúde da criança e do adolescente: uma necessidade na atenção básica. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 120-129, jan./ mar. 2013. FELTRIM, M. I. F. Atuação da fisioterapia em unidade de terapia intensiva. [S. l.]: ASSBRAFIR, [201-]. Disponível em: http://www.assobrafir.com.br. Acesso em: 15 fev. 2022. FORMIGA, C. K. M. R.; PEDRAZZANI, E. S.; TUDELA, E. Intervenção precoce com bebês de risco. Rio de Janeiro: Atheneu, 2010. 203 Carla Ismirna Santos Alves FURTADO, M. C. C. et al., Avaliação da atenção ao recém- nascido na articulação entre maternidade e rede básica de saúde. Revista Eletrônica de Enfermagem, [S. l.], v. 12, n. 4, p. 640-646, 2010. HALLAL, C. Z.; MARQUES, N. R.; BRACHIALLI, L. M. P. Aquisição de habilidades funcionais na área de mobilidade em crianças atendidas em um Programa de Estimulação Precoce. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, [S. l.], v. 18, n. 1, p. 27-34, 2008. IZUMI, A. Y.; FUJISAWA, D. S.; GARANHANI, M. R. Fisioterapia na Unidade de Terapia Intensiva: enfoque na Criança Crítica Neurológica. In: CASTILHO-WEINERT, L. V.; FORTI-BELLANI, C. D. (ed.). Fisioterapia em Neuropediatria. [S. l.: s. n.], 2011. LANZA, F. C. et al., Fisioterapia em Pediatria e Neonatologia da UTI ao ambulatório. SãoPaulo: Roca, 2012. LIMA, C. L. A.; FONSECA, L. F. Paralisia cerebral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. MELLO, D. F. O cuidado de enfermagem no seguimento de crianças prematuras e de baixo peso. 1998. 191 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1998. 204 Capítulo 13 Estimulação precoce no contexto neonatal e no seguimento ambulatorial. PAINEIRAS, L. L. Narrativas sobre a estimulação precoce evidenciando as particularidades da criança portadora de síndrome alcoólica fetal (SAF). 2005. 142 f. Dissertação (Mestrado em Saúde da Criança) – Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005. SILVA, Silvia A. M. da. Continuidade da Assistência na rede básica de referência ao recém-nascido egresso de unidade de terapia intensiva neonatal. Como funciona? Porto Alegre: FIOCRUZ, 2005. TRONCHIN, D. M. R.; TSUNECHIRO, M. A. Prematuros de muito baixo peso: do nascimento ao primeiro ano de vida. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 79-88, 2007. 205 Capítulo 14 Desenvolvimento da linguagem e da fala nos primeiros anos de vida Amanda Rose Alves Jorge Vanessa Giacchini A aquisição da linguagem inicia antes mesmo do nascimento, pois, ainda na gestação, há o desenvolvimento e a maturação de estruturas neurológicas que são responsáveis pelo proces- samento dos sons e, consequentemente, da linguagem. Isso faz com que, ao nascimento, as estruturas responsáveis pela linguagem já estejam em desenvolvimento. O choro, que inicialmente é considerado um ato reflexo, é o primeiro meio de comunicação das crianças até os 3 meses de idade. As características acústicas do choro variam de acordo com a demanda da criança e essa comunicação é inter- pretada pelo cuidador a partir do vínculo e interação com o bebê. O choro é considerado uma forma de se comunicar, sendo o único meio pelo qual a criança consegue interagir com o adulto que atribui diferentes significados e padrões de respostas para o choro do bebê. Dos 3 meses aos 5 meses de vida, é observada a produção de sons vocálicos como “a”, “o”, sendo estes repetitivos, com diferentes modulações. Além disso, pode ser vista a presença de murmúrio, ou seja, de sons que se assemelham às “reclamações”. Porém, esses sons produzidos ainda não possuem significados, tampouco há a presença de entonação da fala. 206 Capítulo 14 Desenvolvimento da linguagem e da fala nos primeiros anos de vida A partir dos 6 meses, a criança começa a brincar com os sons da fala. É nesse momento que surge a “produção de palavras” como “mamama” e “papapapa” que irão se ajustando de acordo com o feedback auditivo e a interação com as pessoas. É durante essa fase que é observada a imitação de algumas das sílabas feitas pelos adultos à sua volta. Às produções vocálicas nos bebês, nessa faixa etária, ainda não são atribuídos significados, quem imprime o significado às produções são os adultos que interagem com ele. Por volta dos 9 meses, os sons que as crianças produzem possuem a entonação da língua apesar de não terem sentido para quem o escuta. Com isso, já é capaz de utilizar gestos sociais como: dar tchau, movimentos de cabeça para represen- tar o sim e o não. Nesse período, o bebê utiliza a comunicação como um ato intencional, ou seja, ele passa a reconhecer o outro como uma possibilidade de atender os seus pedidos, pas- sando, assim, a chamar a atenção para si quando necessário. Todo esse processo é importante para possibilitar o sur- gimento das primeiras palavras, pois, apesar de não serem verbais ou não serem carregadas de significados na sua produ- ção, são considerados os precursores da linguagem oral. Entre os 10 e 12 meses, surgem as primeiras palavras atribuídas de significados com cerca de 3 palavras por semana. As primeiras palavras são, geralmente, as de maior frequência, ou seja, as que ela escuta mais vezes. Sendo consideradas como “palavras funcionais”, a criança produz aquelas palavras que têm uma função específica para o cotidiano dela. Porém, já é possível perceber que a criança compreende muito mais do que con- segue falar. A partir dos doze meses, a criança já reconhece o significado de ordem como “não”, “venha aqui”, “me dá”. 207 Amanda Rose Alves Jorge Vanessa Giacchini A partir da aquisição das primeiras palavras, a criança entra em uma fase de crescimento de aquisição de novas palavras. Por volta dos 24 meses, é esperado que a criança possua entre 50 a 200 palavras, sendo considerada a “explosão no vocabulário”. Nessa fase, a criança adquire em torno de 8 palavras novas por semana. As frases passam a ser construídas, apresentando inicial- mente 2 palavras, que geralmente são substantivos, seguidas de verbos e adjetivos. Com o aprimoramento das frases, pre- posições, conjunções, advérbios e pronomes são utilizados para complementar a fala da criança. Aos 3 anos de idade, a fala está totalmente fluente e, apesar de comumente não iniciarem uma conversa, conseguem manter o significado de cada frase no contexto do diálogo. São capazes de descrever pequenas situações, quando solicitadas, assim como narrar uma pequena história que geralmente são as mais presentes na realidade daquela criança. Apesar de a criança ter adquirido as palavras, estas não são produzidas corretamente, pois os fonemas, ou seja, os sons das letras nas palavras, apresentam-se em fase de aqui- sição até aproximadamente os 5 anos de idade. Entretanto, existem idades de domínio de cada som, com o avanço da idade, as crianças passam a produzir menos erros na fala. Por exemplo, uma criança que aos 3 anos em vez de “suco” falava “tuco”; aos 4 anos, ela já possui a capacidade de pro- duzir essa palavra corretamente. A aquisição dos fonemas da língua segue um padrão muito parecido entre as crianças, mas isso não significa que todas vão ter o mesmo desenvolvimento. As pesquisas mostram que inicialmente, até a idade de 2 anos, 2 anos e 6 meses, a 208 Capítulo 14 Desenvolvimento da linguagem e da fala nos primeiros anos de vida criança produz mais sons como “p”, “b”, “t”, “d”, “k”, “g”, “f”, “v”. Esses seriam os sons mais fáceis para ela nessa fase de crescimento e maturação cerebral. Mas os estudos mostram que até aproximadamente os 4 anos, a criança já é capaz de produzir todos os sons da sua língua corretamente, sendo que palavras que contenham encontros consonantais, palavras muito longas e aquelas não comuns ao cotidiano da criança podem permanecer com alguns erros. Assim, se uma criança aos 2 anos não fala, ou fala muito pouco, é importante fazer uma avaliação fonoaudiológica para analisar o que está acontecendo e interferir se algo está inadequado. Essa avaliação refere-se às questões tanto do desenvolvimento da linguagem como da audição da criança. Algo essencial que favorece o desenvolvimento da aqui- sição da linguagem é a brincadeira, pois é uma forma de comunicar-se e que mais se assemelha ao cotidiano, possi- bilitando o aprendizado de como reagir aos desafios que irá enfrentar no decorrer da vida. Além disso, é na brincadeira que a imaginação se desenvolve e, esta, por sua vez, rela- ciona-se diretamente com os aspectos físico, social, cultural, afetivo e cognitivo. Portanto, a aquisição da linguagem tem importantes marcos que devem ser observados: 209 Amanda Rose Alves Jorge Vanessa Giacchini Quadro 1- Marcos do desenvolvimento da linguagem Idade Marcos do desenvolvimento da linguagem 0-3 meses Choros com diferentes entonações para diferentes situações 3-5 meses Produção das vogais de forma repetitiva e sem significado 6 meses Produção de vogais mais consoantes Ex. “papapa”,”mamama” 9 meses Surge a intenção comunicativa, produção de sons com entonação da língua – jargões 10-12 meses Produção de primeiras palavras com significados 12-18 meses Compreende ordens simples 3 anos Fala fluente com manutenção de discurso 4 anos Todosos sons da língua são produzidos corretamente 5 anos Todos os encontros consonantais são produzidos corretamente Fonte: Elaboração das autoras. O cuidado no desenvolvimento da linguagem, a inte- ração entre a criança e outras crianças e com adultos irá auxiliar e aprimorar cada vez mais a capacidade de a criança se comunicar. Os jogos eletrônicos não são recomendados nessa fase inicial, pois eles não fornecem algo importantís- simo: a interação. A fala e a linguagem da criança se desenvolverão a partir da conversação com o outro, nas brincadeiras, percebendo as diferenças de entonação na voz das pessoas, suas expressões faciais, seus gestos, características muito particulares que não são possíveis nas interações com telas. O bom desenvolvimento da linguagem nos primeiros anos de vida é fundamental para 210 Capítulo 14 Desenvolvimento da linguagem e da fala nos primeiros anos de vida um melhor desempenho nas demandas que surgirão para a criança, como o processo de alfabetização. Cuidar desse início é primordial para um adequado desempenho da criança nos anos futuros. Em caso de dúvidas sobre como está o desenvolvimento da linguagem ou da fala da criança, é importante procurar um fonoaudiólogo para uma avaliação formal. Essa consulta deve ocorrer o quanto antes, uma vez que o trabalho de estimulação precoce auxilia muito para o adequado desen- volvimento da linguagem. Nos casos de atraso de linguagem ou de fala, a estimulação precoce irá ajudar muito a criança a superar essa dificuldade. O auxílio do profissional de fonoaudiologia irá minimizar ou até eliminar possíveis alterações que, se não tratadas de maneira precoce, podem ser um problema futuro para a criança. 211 Amanda Rose Alves Jorge Vanessa Giacchini Referências BEFI-LOPES, Debora Maria; CACERES, Ana Manhani; ARAUJO, Karina de. Aquisição de verbos em pré-escolares falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 9, n. 4, p. -444 2007 ,452. BRAGANÇA, L. C.; LEMOS, S. M. A.; ALVES, C. R.L. Caracterização da fala de crianças de 4 a 6 anos de creches públicas. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 13. n. 6, p. 986-992, 2011. HAGE, S. R. V.; PINHEIRO, L. A. C., Tratado de linguagem: perspectivas contemporâneas. Ribeirão Preto: Booktoy; 2017. p. 19-31. MUSZKAT, M.; MELLO, C. B. Neurodesenvolvimento e linguagem. São Paulo: Memnon, 2006. PADOVANI, C. M. C. A; TEIXEIRA, E. R. Do balbucio à fala - reflexões sobre a importância das atividades linguísticas iniciais e o desenvolvimento da linguagem oral em crianças com deficiência auditiva. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 45-54, 2005. TORETI, G.; RIBAS, L. P. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 42-47, 2010. TRISTÃO, R. M.; FEITOSA, M. A. G. Percepção da fala em bebês no primeiro ano de vida. Estudos de Psicologia, [S. l.], v. 8, n. 3, p. 459-467, 2003. WAJSKOP, G. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995. 212 Capítulo 15 Importância da saúde mental no ciclo gravídico-puerperal Ana Catarina Vieira de Menezes 15.1 Introdução A gestação é um período que acarreta diversas mudanças na vida da mulher, que abrange aspectos sociais, familiares, conjugais e, sobretudo, pessoais (ALMEIDA; ARRAIS, 2016). Tais transformações perpassam uma importante transição existencial e podem desencadear uma sobrecarga emocional à mulher durante a gravidez (SARMENTO; SETÚBAL, 2003). O progresso do conhecimento dos fenômenos em obste- trícia tem possibilitado o desenvolvimento de habilidades essenciais a médicos, enfermeiros e profissionais que pres- tam assistência à mulher durante o período gestacional. Todavia, as condutas baseadas somente nos processos fisio- lógicos não são suficientes (BRASIL, 2005). Na atualidade, as questões emocionais da gravidez, do parto e do puerpério são largamente reconhecidos, o que implica a adoção, pelos profissionais de saúde, de uma visão holística da mulher, levando em conta a sua história, o contexto de vida e seus sentimentos (BRASIL, 2005). Seguindo essa proposta de atenção integral e integrada, o pré-natal psicológico é um conceito novo e complementar ao pré-natal tradicional, com foco sobre os cuidados humanizados durante a gestação e o parto, buscando uma maior implicação 213 Ana Catarina Vieira de Menezes dos pais no exercício da parentalidade (ARRAIS; MOURÃO; FRAGALLE, 2014). Desse modo, os benefícios dos cuidados psicológicos no pré-natal não se limitam ao período gravídico. As interações com o outro e como o mundo são apresentadas a uma criança desde os períodos mais iniciais e têm repercussões em etapas posteriores da vida, como a formação de laços afetivos e o desenvolvimento do apego seguro. Nessa perspectiva, contribuir para que mães, pais e/ou cuidadores acreditem em si próprios e, assim, consigam proporcionar um lar no qual essas crianças possam crescer e desenvolver-se é uma das atribuições do profissional de saúde (WINNICOTT, 2015). 15.2 As principais demandas psicológicas no curso da gravidez e no pós-parto Conforme Sarmento e Setúbal (2003), no decorrer da gestação, é possível verificar a presença de ansiedades típicas, que podem ser dispostas de acordo com a divisão de trimestres, haja vista serem mais frequentes em determinados momentos, embora não restrito a eles, as quais serão sistematizadas no Quadro 1, a seguir. Quadro 1- Ansiedades típicas do período gestacional. Primeiro trimestre Segundo trimestre Terceiro trimestre Ambivalência entre querer e não querer a gravidez Introversão e passividade Ansiedades intensificadas pela proximidade do parto Medo de abortar Alteração do desejo e desempenho sexual Medo da dor do parto 214 Capítulo 15 Importância da saúde mental no ciclo gravídico-puerperal Oscilações do humor (aumento da irritabilidade) Alteração do esquema corporal Medo da morte Modificações corporais e desconfortos Percepção dos movimentos fetais e seu impacto (presença do filho é concretamente sentida) Aumento das queixas físicas Fonte: Adaptado de Sarmento e Setúbal (2003). Do mesmo modo que a gravidez, o puerpério é um período vulnerável a crises em decorrência das profundas mudanças advindas após o parto e com a chegada do bebê (MALDONADO, 2017). O baby blues costuma surgir nos primeiros dias após o nascimento do bebê, sendo o auge no quarto ou quinto dia após o parto. Os principais sintomas são: choro fácil, labili- dade do humor, irritabilidade e comportamento hostil para com familiares e acompanhantes. Os referidos sintomas desa- parecem de modo espontâneo, no máximo, em duas semanas (CAMACHO et al., 2006). A depressão pós-parto, enquadrada na depressão maior, caracteriza-se pela presença de humor deprimido ou perda de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias, durante um período de duas semanas (AMERICAN PSICHYATRIC ASSOCIATION, 2014). 15.3 Sinais de alerta e possibilidades de cuidados A despeito da frequência, da ocorrência e da importância dos transtornos mentais no ciclo grávido puerperal, o diagnóstico nesse período pode ser difícil em face da linha tênue 215 Ana Catarina Vieira de Menezes entre o patológico e o fisiológico, gerando, assim, dúvidas em obstetras, clínicos, pediatras e demais profissionais da saúde envolvidos nos cuidados da díade mãe-bebe (CAMACHO et al., 2006). Entre as particularidades clínicas, pode-se elencar como sinais de alerta: comportamento ansioso mais proeminente, relatos de sentimentos ambivalentes em relação ao bebê, pensamentos recorrentes de causar-lhe danos, pensamentos de agressividade contra seus filhos e relato de opressão pela responsabilidade de cuidar dos filhos (CAMACHO et al., 2006). A esse respeito, Sarmento e Setúbal (2003) frisam a importância de se ficar atento a sintomas que se caracterizem como mais desestruturantes e que fogem daadaptação “normal”, típica do puerpério. As autoras ressaltam que “normal” não se refere a dados puramente estatísticos em relação ao que ocorre com a faixa média. Nesse sentido, é importante correlacionar com o histórico dessa mulher antes do estado gravídico-puerperal e com a sua capacidade adaptativa ou a resiliência frente às diversas situações da vida (AUGRAS, 2013). Segundo Camacho e colaboradores (2006), trabalhos recentes demonstram os benefícios da utilização de esca- las de autoavaliação nos serviços de atendimento primá- rio para a triagem de mulheres com suspeita de depressão pós-parto. As escalas contribuem para a identificação de mães que necessitam de avaliação mais atenta e trata- mento. A Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) é um instrumento utilizado com essa finalidade. São reconhecidas como fatores de risco ou predisponentes as seguintes condições: ser primípara; ser mãe solteira; conflitos e falta de apoio conjugal; evento de vida estressante; 216 Capítulo 15 Importância da saúde mental no ciclo gravídico-puerperal falta de apoio familiar e social; histórico pessoal ou familiar de doença psiquiátrica; complicações obstétricas durante a gravidez ou imediatamente pós-parto; parto traumático; parto múltiplo e prematuro; abortos anteriores; partos de natimorto ou síndrome de morte súbita infantil; e a idealização da maternidade (ARRAIS; MOURÃO; FRAGALLE, 2014). No que tange às possibilidades de cuidado, Maldonado (2017) sugere a psicoterapia breve na gravidez e no pós-parto, tanto individualmente quanto em grupos; grupos de preparação para a maternidade e paternidade, ações em comunidades e outras frentes de trabalho, tais como programas de incentivo à participação do pai nos cuidados precoces com o bebê; e grupos de apoio presenciais e on-line quando os bebês nascem com problemas de saúde. 15.4 Considerações finais As mulheres durante o período gestacional e do puerpério, regularmente, são acompanhadas por seus obstetras, enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas, pediatras dos seus filhos (CAMACHO et al., 2006), o que faz da saúde mental da mulher – gestante, puérpera e mãe – um cuidado a ser compartilhado entre todos os que atuam na atenção primaria à saúde. Diante da realidade brasileira na qual os médicos são, com frequência, obrigados a fazer atendimentos de um grande número de pacientes em pouco tempo, as escalas de autoavaliação nos serviços de atendimento primário tornam-se instrumentos valorosos, sobretudo por serem práticos, podendo ser aplicados por profissional diverso do médico e por ser de baixo custo (CAMACHO et al., 2006). 217 Ana Catarina Vieira de Menezes Ressalta-se que o objetivo básico dos cuidados com a saúde mental das gestantes e puérperas não é a “cura” e, sim, facilitar a elaboração da nova situação, em uma tentativa de melhorar o funcionamento presente e futuro (MALDONADO, 2017), proporcionando o estabelecimento de um vínculo está- vel e consistente entre a mãe e o bebê. Por fim, enfatizamos que a gravidez, o parto e os primeiros anos de vida represen- tam um período de grande importância para a construção das bases para a saúde e o bem-estar futuros. Estudos demostram que vínculos estáveis e afetivamente significativos na ges- tação e nos primeiros anos de vida, aliados à boa nutrição, à estimulação apropriada e a experiências ricas de aprendiza- gem oferecem benefícios em longo prazo, contribuindo para a formação dos alicerces de uma sociedade sólida e sustentável (MALDONADO, 2017; OMS, 2020). 218 Capítulo 15 Importância da saúde mental no ciclo gravídico-puerperal Referências ALMEIDA, Natália Maria de Castro; ARRAIS, Alessandra da Rocha. O Pré-Natal Psicológico como Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto. Psicol. Cienc. prof., Brasília, v. 36, n. 4, p. 847-863, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982- 3703001382014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932016000400847&lng= en&nrm=iso. Acesso em: 19 set. 2019. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V: manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ARRAIS, Alessandra da Rocha; ARAUJO, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de. Pré-Natal Psicológico: perspectivas para atuação do psicólogo em Saúde Materna no Brasil. Rev. SBPH, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 103-116, jun. 2016. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582016000100007&lng =pt&nrm=iso. Acesso em: 19 set. 2019. ARRAIS, Alessandra da Rocha; MOURÃO, Mariana Alves; FRAGALLE, Bárbara. O pré-natal psicológico como programa de prevenção à depressão pós-parto. Saude soc., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 251-264, mar. 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000100020. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-12902014000100251&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 19 set. 2019. 219 Ana Catarina Vieira de Menezes AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Aca técnica de saúde da mulher. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada – manual técnico. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. CAMACHO, Renata Sciorilli et al., Transtornos psiquiátricos na gestação e no puerpério: classificação, diagnóstico e tratamento. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 33, n. 2, p. 92-102, 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/ S0101-60832006000200009. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 60832006000200009&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 19 set. 2019. MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez: gestando pessoas para uma sociedade melhor. São Paulo: Ideias & Letras, 2017. ISBN 978-85-5580-034-5. OMS. Improving early childhood development: WHO guideline. Geneva: World Health Organization, 2020. SARMENTO, Regina; SETÚBAL, Maria Silva Vellutini. Abordagem psicológica em obstetrícia: aspectos emocionais da gravidez, parto e puerpério. Rev.Ciênc.e Med., Campinas, v. 12, n. 3, p. 261-268, jul./set. 2003. WINNICOTT, D. W. A criança a o seu mundo. Tradução Álvaro Cabral. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015. 220 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite 16.1 Introdução A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) define Cardiopatia Congênita (CC) como qualquer anormalidade na estrutura ou função do coração que surge nas primeiras oito semanas de gestação quando se forma o coração do bebê (SBC, [201-]). Essa alteração ocorre por uma alteração no desenvolvimento embrionário da estrutura cardíaca, mesmo que os sintomas e diagnósticos sejam mais tardios (SBC, [201-]). Dentre as CCs mais frequente, destacam-se comunicação interventricular (CIV), comunicação interatrial (CIA), persistência do canal arterial (PCA) e estenose pulmonar (EP) (LINDE et al., 2011). As CCs afetam cerca de 10 a 12 indivíduos para cada 1.000 nascidos vivos, e responde por 40% das malformações congênitas (MC) (HOFFMAN; KAPLAN, 2002; LINDE et al., 2011; WREN, 2012; ROSA et al., 2013). No Brasil, estima-se que nasçam cerca de 29 mil crianças por ano com CC (BRASIL, 2017), porém, dados no DATASUS apontam para apenas 2.864 casos de MC do aparelho circulatório em 2017 (BRASIL, 2019). Supõe-se 221 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite que essa divergência seja fruto da ausência do diagnóstico6 ou subnotificação, uma vez que a mortalidade por CC na infância é muito maior do que o registro de nascidos vivos com CC, tornando-a a terceira causa de óbito no período neonatal. Nesse cenário de dificuldades de vigilância e assistência à saúde, outrodado se torna alarmante: cerca de 80% dos casos necessitam de cirurgia cardíaca como opção de tratamento (SOARES, 2018), porém, falta uma assistência adequada. Isso consolida as CC como uma das principais causas de morte de crianças em seu primeiro ano de vida (ROSA et al., 2013). Assim, o objetivo principal deste capítulo é sensibili- zar para o diagnóstico precoce da CC, abordando a triagem pré-natal e neonatal, bem como o período até os 05 anos de idade, colaborando na formação de estudantes e profissio- nais da saúde, impactando em melhorias na assistência à saúde das crianças. 16.2 Reconhecendo a Cardiopatia Congênita Período fetal A triagem das CCs pode ser dividida em dois momentos diferentes: pré-natal e pós-natal. As estratégias utilizadas em cada triagem são realizadas com base na relação entre beneficência e maleficência, e recursos tecnológicos disponíveis. Durante a fase pré-natal para o diagnóstico precoce de CC faz-se o ecocardiograma fetal, exame “padrão ouro” na investigação das alterações morfofuncionais e de ritmo do coração do feto. 222 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal O coração do feto já está com as suas quatro cavidades formadas a partir de 08 semanas de idade gestacional (IG). Porém, somente a partir da 18ª semana que é possível a visualização de todas as estruturas cardíacas pelo ecocardiograma fetal (ECOF) transabdominal. As melhores imagens, no entanto, são obtidas entre 24 e 28 semanas de IG, quando o coração já apresenta dimensões maiores, o feto se movimenta bem e os ossos não constituem barreira significativa ao ultrassom. Vale ressaltar que a avaliação precoce do coração pode ser feita após a 14ª semana de IG por via transvaginal. Em geral, esse exame é indicado à gestante com alto risco para cardiopatia fetal, particularmente quando a triagem ultrassonográfica obstétrica do primeiro trimestre é indicativa de malformações cardíacas ou anomalia cardíaca específica (LOPES et al., 2003; PEDRA et al., 2019). Na impossibilidade de se realizar ECOF como rastreio de cardiopatias em nível populacional, utilizam-se os fatores de riscos maternos (Quadro 1), fetais (Quadro 2) e familiares (Quadro 3) como triagem para indicação do exame. Entretanto, é fundamental ressaltar que mais de 90% das malformações cardíacas ocorrem em fetos sem qualquer fator de risco gestacional (PINTO; WESTPHAL; ABRAHÃO, 2018). No Quadro 1, encontramos os principais fatores de riscos associados ao histórico da genitora. Entre eles, está bem documentada a associação de CC com: diabetes mellitus; fenilcetonúria com concentrações de fenilalanina acima de 10mg/dl no sangue; lúpus eritematosos sistêmicos (LES), e sorologia positiva para anticorpos SSA e SSB – sendo necessária a realização do ECOF nessas situações. 223 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Quadro 1 - Fatores de risco materno para que o feto desenvolva cardiopatia congênita e sua indicação para o ecocardiograma fetal. Fator de Risco Materno para que o feto desenvolva cardiopatia congênita Indicação de ecocardiograma fetal? Observações Diabetes Mellitus (DM) Sim DM prévio à gestação tem maior associação com CC (principalmente as críticas) do que o DM gestacional (DMG). DMG: o feto pode evoluir com disfunção ventricular, hipertrofia septal assimétrica e outros, principalmente quando há o descontrole glicêmico. Fenilcetonúria Sim, se o nível de fenilalanina for maior que 10 mg/dl Somente para os casos do primeiro trimestre. Doenças autoimunes Lúpus eritematoso sistêmico (LES) Sorologia para anticorpo SSA e SSB positiva Sim No caso do LES, há forte associação com bloqueio atrioventricular ou serosites no feto. O ecocardiograma fetal deve ser realizado no início do segundo trimestre da gestação até a 28ª semana; se houver arritmia descompensada, pode haver necessidade de controle ecocardiográfico seriado, até com um intervalo de 1-2 semanas. 224 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Medicação Teratogênica: Anticonvulsivantes, lítio, Ácido Retinóico (Análogo à Vitamina A), paroxetine Considerar a prescrição Algumas medicações estão altamente relacionadas à CC, tais como lítio e forte associação com Anomalia de Ebstein. Anticonvulsivantes: Carbamazepine Valproato Difenilhidatoina Considerar a prescrição Os riscos dos fetos das genitoras com epilepsia desenvolverem malformações são similares quando tratadas para epilepsias ou sem tratamento. Inibidores da enzima conversora de angiotensina Considerar a prescrição A exposição no primeiro trimestre está associada ao aumento das CCs, contudo, as alterações apontadas nos estudos não são detectáveis no ecocardiograma fetal. Anti-inflamatórios não esteroidais Considerar a prescrição Em especial, nos casos de exposição no segundo e terceiro trimestre, principalmente quando mais próximo ao parto, pelo risco de constrição prematura do canal arterial. Rubéola Síndromes Febris Sim Devido aos aspectos éticos e metodológicos, é difícil diferenciar se as CCs são consequências diretas do agente infeccioso, da febre ou da medicação utilizada para tratar. Fonte: Adaptado de Donofrio et al., (2014). 225 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Os fatores de risco fetais também se constituem uma fonte de investigação para o risco da CC. Entre os dispostos no Quadro 2, a necessidade de identificar o perfil do feto está indicada pela literatura nos casos de suspeita de: malformação cardíaca em ultrassom obstétrico; suspeita de anormalidade do ritmo ou frequência cardíaca; malformação extracardíaca; anormalidade cromossômica; gêmeos monocoriônico; hidropisia fetal ou efusões não imunes; sendo que, para os demais fatores, é necessário um olhar mais criterioso. 226 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Quadro 2 - Fatores de risco do feto para o desenvolvimento de cardiopatia congênita e sua indicação para o ecocardiograma fetal. Fator de risco do feto para que este desenvolva cardiopatia congênita Indicação de ecocardiograma fetal? Observações Suspeita de malformação cardíaca em ultrassom obstétrico. Sim Deve ser realizado em todos os casos com suspeita de malformação cardíaca. Suspeita de anormalidade do ritmo ou frequência cardíaca Sim É relevante estudar o mecanismo da alteração rítmica. Bradicardia devido à má condução atrioventricular está associado às CCs em 50% dos casos. Malformação extracardíaca Sim Exceto em malformações que possuam baixo risco para CC e a ultrassonografia obstétrica não tenha apresentado alterações cardiovasculares. Anormalidade Cromossômica Sim Especial atenção nos casos de mutação genética, deleção, rearranjo ou aneuploidia. * Síndrome de Down: todos devem passar por avaliação cardiológica nos 3 primeiros meses de vida da criança de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, de preferência. 227 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Aumento da translucência nucal no primeiro trimestre Considerar a prescrição se translucência nucal 3mm Translucência nucal 3.5 mm possui uma correlação com CCs mais forte. Anormalidade no sistema venoso do cordão umbilical Considerar prescrição Os dados sugerem correlação, porém, metodologias com vieses prejudicam a avaliação da utilidade do exame Gêmeos Monocoriônico Sim - Hidropsia Fetal ou Efusões não imunes Sim - Fonte: Adaptado de Donofrio et al., (2014). 228 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal É importante enfatizar, também, a necessidade de identificar operfil dos familiares (Quadro 3) com os dados de anamnese e compreender o contexto da gestação já nas primeiras consultas pré-natais, pois a suspeita precoce de uma possível CC, bem como diagnóstico inicial, pode mudar o prognóstico do paciente e reduzir a morbimortalidade, haja vista a possibilidade de planejamento das condutas cabíveis. 229 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Quadro 3 - Fatores de risco familiares para que o feto desenvolva de cardiopatia congênita e sua indicação para o ecocardiograma fetal. Fator de Risco Familiar para que o feto desenvolva cardiopatia congênita Indicação de ecocardiograma fetal? Observações Genitores com CCs Sim As recorrências são maiores quando a genitora é portadora de CC, especialmente nos casos de heterotaxia, defeitos do septo atrioventricular e estenose aórtica. Irmãos com CCs Sim, caso seja mais de um irmão afetado com CCs - Doenças Cromossômicas ou mendelianas Sim, caso um irmão seja portador de uma síndrome, doença ou desordem Em especial nas síndromes de DiGeorge, Alagille e Williams. Fonte: Adaptado de Donofrio et al., (2014). 230 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Período neonatal Vencido o período fetal, os neonatos e os lactentes podem ser examinados fisicamente e nos apresentar algumas altera- ções clínicas sugestivas de CC como: desconforto respiratório, cianose, sopro cardíaco, arritmia, insuficiência cardíaca e baixo débito cardíaco (SBP, [200-]). A seguir, veremos como essas alterações podem se apresentar e quais os recursos que podemos utilizar para compreender mais a situação. Desconforto respiratório (DR): pode ser sinal de CC e insuficiência cardíaca. O raio-X de tórax na criança com DR irá auxiliar a diferenciar CC com hiperfluxo ou hipofluxo pul- monar; avaliar a posição do coração em dextro ou levocardia; bem como aumento da área cardíaca (BURNS et al., 2017). Cianose: a cianose é do tipo central, quase sempre generalizada; entretanto, em alguns casos, ela pode ser evidente nos membros inferiores e ausente nos membros superiores e mucosas, ou vice-versa – a qual é denominada cianose diferencial (SBP, [200-]). Quando a criança apresenta cianose, as causas podem ser hematológicas, neurológicas, pulmonares ou cardíacas. O teste de hiperóxia orienta o diagnóstico: se houver melhora da cianose com administração de oxigênio, provavelmente a causa não é cardíaca, e sim pulmonar. Há também o teste do coraçãozinho que pode orientar quanto à triagem para CC crítica no período neonatal, que logo mais será abordado (BURNS et al., 2017). Sopro cardíaco (SC): o SC é a maior causa de encami- nhamento para a investigação de CC. Aproximadamente metade dos pacientes apresenta SC inocente, caracterizado por: sopro sistólico, timbre musical, que aparece e desaparece 231 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite conforme a posição do paciente sentado/deitado. A criança com SC inocente não tem alteração no exame físico suges- tiva de doenças, nem alterações nos exames complementares (eletrocardiograma, raio-X de tórax, ecocardiograma). Se houver alguma dessas alterações descritas associadas ao SC, o caso é sempre patológico e merece investigação com exames. Quando o sopro cardíaco é detectado em consulta de rotina, sem outros sintomas cardíacos associados, a cardiopatia normalmente é classificada como leve e de bom prognóstico (SBP, [200-]; AZEKA et al., 2014; BURNS et al., 2017). Arritmia: a arritmia é uma manifestação menos frequente nas CCs. O bloqueio atrioventricular total é a arritmia congênita isolada ou associada mais frequente. Em outras doenças, como a transposição corrigida das grandes artérias e a doença de Ebstein, a arritmia pode ser a primeira manifestação clínica (SBP, [200-]). Insuficiência cardíaca (IC): uma variedade de CCs pode evoluir com IC. O quadro clínico, em geral, é de IC global, com taquipneia, cansaço e interrupções às mamadas, sudorese, taquicardia, cardiomegalia e hepatomegalia (SBP, [200-]). Importante saber a classificação de IC no feto e na criança para diferenciar do adulto (sugere-se leitura da Diretriz de Insuficiência Cardíaca (AZEKA et al., 2014)). Nesse contexto, o não ganho de peso pode ser um indicativo de IC grave e CC des- compensada, bem como fator preponderante para indicação de cirurgia em algumas cardiopatias (tais como as de hiper- fluxo pulmonar) (BURNS et al., 2017). Lembre-se: dificuldade de ganho de peso pode representar gravidade na criança cardiopata! Baixo débito cardíaco: sinal de gravidade máxima na criança cardiopata, evidenciando falência cardíaca. A criança 232 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal apresenta: palidez cutânea, sudorese fria, taquicardia e taquipneia, oligúria, pulsos finos, má perfusão periférica e redução nível consciência. Para o período neonatal, temos um exame com boa relação custo benefício, de baixo risco para o neonato, e que tem seu uso obrigatório na triagem neonatal do Sistema Único de Saúde (SUS) por portaria de lei do Ministério da Saúde: a oximetria de pulso ou Teste do Coraçãozinho (TC) (SBP, 2011; BRASIL, 2018). Trata-se de um exame que utiliza a saturação sanguínea periférica de O2 (SPO2) medida pelo oxímetro de pulso como parâmetro para rastreio das CCs, apresentando uma sensibili- dade 75% e uma especificidade de 95% (SBP, 2011). O TC deve ser realizado entre as primeiras 24h-48h do nascimento, e/ou antes da alta hospitalar, para rastreio das CCs críticas, que são aquelas que possuem canal arterial dependentes e que sem tratamento podem levar a óbito no período neonatal. As medidas de SPO2 devem ser tomadas no membro superior direito, e em um dos membros inferiores. É primordial que a aferição seja feita durante um minuto depois de observado traçado contínuo da curva de saturação pelo visor do oxímetro de pulso (SBP, 2011). O resultado para afastar um diagnóstico de CCs é uma SPO2 95% e uma diferença entre membro superior e inferior 3%. Com esse resultado, é possível seguir a rotina neonatal. Caso o resultado seja contrário, há de se repetir o TC após uma hora e considerar os possíveis erros de mensuração. Caso, a SPO2 passe nos pontos de cortes na segunda verificação, segue-se a rotina neonatal; se os resultados forem sugestivos de CCs, encaminhar o paciente para ecocardiograma com o intuito de investigar o caso (Figura 1) (SBP, 2011). 233 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Figura 1 - Algoritmo do Teste do Coraçãozinho. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2011). 234 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal Pode haver erros de mensuração na realização do TC. Durante a fixação do eletrodo no membro superior direito e em um dos membros inferiores, é importante estar atento para que os eletrodos estejam fixados adequadamente ao membro do neonato; e que as extremidades dos neonatos não estejam expostas ao frio/ar-condicionado, a fim de evitar a vasoconstrição periférica; também é importante evitar ambientes muito luminosos, pois podem interferir com a leitura do feixe de luz (SBP, 2011). Por fim, é importante destacar que a persistência do canal arterial pode ser responsável por um falso negativo durante o exame. Caso o canal tenha fechamento tardio, é possível que o neonato tenha alta hospitalar e venha a apre- sentar o sintoma de CC mais tardiamente, evoluindo com IC e baixo débito cardíaco, podendo progredir para óbito pre- coce. Se a criança apresentar TC negativo para CC na alta hospitalar, mas evoluir com sinais de CC no primeiro mês de vida (apresentando DR, cianose, SC, IC, arritmia,dificuldade de ganho ponderal ou de estatura), orienta-se exame de eco- cardiograma para afastar CC. Período lactente até os 05 anos de idade Saindo do período neonatal temos outros sinais e sintomas a incluir no reconhecimento de CC, tais como (KOBINGER, 2003): • Cansaço aos esforços; • Sudorese aos esforços ou em repouso; • Crises de cianose ou palidez; • Crises de taquicardia; 235 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite • Fadiga, palpitação, claudicação, fenômeno de Raynaud; • Dor torácica, dispneia, tosse, hemoptise; • Edemas; • Pré-síncope, síncope e mal-estar inexplicado; • Vômitos e regurgitações frequentes podem sugerir malformações vasculares compressivas; • Anemia: pode causar alterações transitórias da ausculta cardíaca (estado hipercinético); evoluir com acometimento do sistema cardiovascular (anemia falciforme); agravar os quadros de IC; dificultar a avaliação da cianose nos indivíduos normais e naqueles com cardiopatias cianogênicas; • Déficit no ganho ponderal, infecções respiratórias de repetição e/ou crises recorrentes ou persistentes de sibilância pulmonar: associado à CC com hiperfluxo pulmonar, hipertensão pulmonar; • Dificuldade no ganho pondero-estatural e no desenvolvimento: associado à CC com hipofluxo pulmonar, que levam à hipoxemia grave e/ou ao tromboembolismo; • Obesidade, hipertensão arterial (HA), dislipidemia, síndrome metabólica: aumentam o risco cardiovascular, incluindo evolução para doença arterial coronariana e infarto precoce. Atentar para a hipercolesterolemia familiar; • Crianças com amigdalites de repetição, artralgias, artrites: atentar para a evolução de febre reumática (FR) com cardite reumática; • Síndromes; 236 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal • Pacientes com doenças hereditárias como mucopolissacaridoses, distrofias musculares (tipo Duchenne), neurofibromatose, osteogênese imperfecta, esclerose tuberosa, anemia falciforme, arritmias congênitas e outras: devem ter avaliação cardiovascular não somente na ocasião da detecção da patologia, mas durante toda a vida, uma vez que alterações estruturais podem surgir no curso da doença; • História familiar de CC: antecedente de CC nos pais e irmãos eleva o risco de ocorrência de lesões iguais ou similares em 3, 4 ou até 10 vezes (especialmente se a mãe e/ou mais de um familiar for acometido); • História familiar de doenças com risco cardiovascular: FR, HA e doença coronariana também têm índices elevados de recorrência familiar. História familiar de morte súbita e arritmia sugerem as miocardiopatias como doenças estruturais e alterações do ritmo como Síndrome de Wolf-Parkinson-White. Em alguns casos, todos os parentes de primeiro grau do paciente deverão ser rastreados para as CCs, como a miocardiopatia hipertrófica e a não compactada (KOBINGER, 2003). 16.3 Reconhecendo a Cardiopatia Congênita: exame clínico Neonato e lactente Nesse período, temos maior dificuldade para encontrar os achados de CC, visto que se confundem com outras doenças, tais como a sepse. Por isso, é importante buscar na anamnese 237 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite e no exame físico indícios de CC. Dessa forma, é necessário sempre avaliar a criança nessa faixa etária em 03 situações: repouso, esforço e repouso para buscar situações em que as CCs possam apresentar seus sinais e sintomas. A mudança no exame clínico com o paciente sob esforço ocorre devido à dependência do fluxo sanguíneo pelo Canal Arterial para manter o débito cardíaco. A cianose ou o registro de queda da SPO2, na maioria das vezes, só irá se manifestar aos esforços nessa faixa etária a exemplo da amamentação, da evacuação, e principalmente do choro. Se a criança manifesta cianose central ao choro, ou registra redução na SPO2 durante o exame clínico, sugere CC grave. Para o paciente em UTI: com o paciente em repouso, veri- fique os parâmetros de frequência cardíaca (FC) e respiratória (FR), SPO2, o padrão respiratório e os indícios de síndrome. • Ao manusear o paciente para examinar, este tende a aumentar sua FC (reação espontânea); se não acontecer, teremos o 1º sinal de alteração cardíaca. Quando retornar o paciente para o repouso, espera- se que a FC retorne ao valor basal. Caso não ocorra, já temos outro sinal de alteração cardíaca. Tal situação também pode ser aplicada à FR e à pressão arterial do paciente observando a adequação das respostas em situação basal, no esforço ao chorar e no retorno ao basal. • Se ao manusear o paciente, este apresentar palidez, sudorese, taquicardia, taquidispneia, com pulsos reduzidos em membros inferiores ou ausentes globalmente (sinais de baixo débito cardíaco); e quando retornar ao repouso o paciente voltar a ficar 238 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal rosado, com FC e FR basais, bons pulsos; temos um indício forte de CC crítica! Temos então uma situação de urgência e é preciso descartar a patologia com ecocardiograma. Para o paciente em ambulatório: examinar em repouso. Colocar o paciente para esforço (amamentar, chorar). Após isso, examinar novamente o paciente em repouso. Verificar alterações de FC, FR, aparecimento de cianose e de sinais de baixo cardíaco. Se ocorrer, principalmente com o paciente no esforço, é mandatório afastar CC. Lembrar que, no período neonatal, as CC críticas são as maiores responsáveis pelo aparecimento de sinais de baixo débito cardíaco ao esforço da criança, por isso, é urgente o ecocardiograma para afastar essas patologias e garantir a sobrevida do infante. Sopro Cardíaco Para melhor avaliação ao exame físico desse achado, recomendamos a ausculta cardíaca do paciente em 3 posições: deitado; lateralizado à esquerda, com o estetoscópio no foco mitral para auscultarmos com maior intensidade os sopros leves de lesões na valva mitral; e sentado. Atentar para as variações da ausculta nessas 3 posições e correlacionar os achados com a clínica do paciente, para melhor esclarecimento do diagnóstico. Não esqueça de auscultar a fontanela anterior enquanto ela estiver aberta, pois o sopro nessa região sugere malformações arteriovenosas; também é igualmente importante realizar a ausculta do abdome para identificar patologias da aorta. 239 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Pulsos Com relação aos pulsos, buscar sempre no exame físico palpar os pulsos nos 4 membros (radiais, pediosos e tibial posterior), observando se estão finos ou cheios, assimétricos e outras alterações. Atenção para a diferença de pressão entre pulsos! Os membros superiores com diferença de pressão sistólica > 10 mmHg sugere vasculites; enquanto que a diferença entre os membros superiores e inferiores, estando mais amplos nos superiores em relação aos inferiores, com diferença de pressão sistólica > 20 mmHg fala a favor de Coarctação da Aorta. Achados de cardiopatia na criança maior • Dificuldade de ganho de peso é um sinal forte de CC grave! Lembrar do rastreio de CC quando houver essa queixa no seguimento do paciente; • Dificuldade de crescimento e atraso no desenvolvimento, principalmente nas CC hipoxêmicas, incluir no rol de diagnóstico diferencial; • Posição de cócoras: criança que brinca e assume essa posição para se sentir melhor, lembrar-se da Tetralogia de Fallot, que ocasiona o RX TX em forma de bota); • Palpitações, síncopes: pode traduzir sintomas de arritmia cardíaca, investigar; • Abaulamento precordial, ictus desviado, frêmito: sugerem CC. 240 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal 16.4 Quando encaminhar a criança ao especialista,cardiopediatra? O sopro inocente não necessita de acompanhamento com o especialista. Porém, há situações que evidenciam necessidade de encaminhamento ao especialista (KOBINGER, 2003): • Recém-nascido e lactente com cianose não responsiva ao oxigênio e/ou SC: avaliação com cardiopediatra o mais breve possível, afastar CC crítica; • Se houver insuficiência cardíaca e/ou baixo débito cardíaco, a criança deve ser encaminhada com urgência, mesmo que não haja alterações auscultatórias; • SC patológico; • Se um paciente inicialmente foi diagnosticado com SC inocente, mas na sua evolução clínica começa a apresentar sinais e sintomas sugestivos de CC, principalmente se evoluiu com IC; • Crianças com história familiar de CC e/ou arritmia, morte súbita (caracterizada pela idade < 45 anos); • Quando os exames complementares sugerirem alterações cardiovasculares. 16.5 Conclusão Cardiopatia Congênita é uma malformação prevalente na população mundial, responsável pela maior mortalidade no grupo das malformações congênitas. Como estratégia de enfrentamento às CCs é de extrema importância que os profissionais da saúde saibam buscar indícios de CCs precocemente para o seu diagnóstico e tratamento. 241 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite Referências AZEKA, E. et al., I Diretriz de insuficiência cardíaca (IC) e transplante cardíaco, no feto, na criança e em adultos com cardiopatia congênita, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 103, n. 6, p. 1-126, 2014. Disponível em: http://publicacoes. cardiol.br/2014/diretrizes/2014/I%20Diretriz%20de%20 Insufici%C3%AAncia%20Card%C3%ADaca.pdf. Acesso em: 25 fev. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.940 de 28 de julho de 2018. Inclui Procedimento Oximetria de pulso como ferramenta de triagem neonatal para o diagnóstico precoce de cardiopatia congênita crítica na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do Sistema Único de Saúde e estabelece recurso do Bloco de Custeio das Ações e Serviços Públicos de Saúde a ser incorporado ao Grupo de Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar - MAC dos Estados. Brasília, DF: Ministério da Saúde, [2018]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/ Kujrw0TZC2Mb/content/id/28315598/do1-2018-07-03- portaria-n-1-940-de-28-de-junho-de-2018-28315575. Acesso em: 25 fev. 2022. 242 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Síntese de evidências para políticas em saúde: diagnóstico precoce de cardiopatias congênitas. Brasília: Ministério da Saúde: EVIPNet Brasil, 2017. 44 p. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ sintese_evidencias_politicas_cardiopatias_congenitas.pdf. Acesso em: 25 fev. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: http://www2. datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6936. Acesso em: 12 ago. 2019. BURNS, D. A. R. et al., Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria: Barueri, SP, 2017. DONOFRIO, M. T. et al., Diagnosis and treatment of fetal cardiac disease: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation, [S. l.], v. 129, n. 21, p. 2183- 2242, 2014. HOFFMAN, J. I. E.; KAPLAN, S. The incidence of congenital heart disease. Journal of the American college of cardiology, [S. l.], v. 39, n. 12, p. 1890-1900, 2002. KOBINGER, M. E. B. A. Avaliação do sopro cardíaco na infância. Jornal de Pediatria, São Paulo, v. 1, n. 19, p.87- 96, 2003. 243 Thiago Chagas de Amorim Raimundo Gabriel do Nascimento Lira Gisele Correia Pacheco Leite LOPES, L. M.; BRIZOT, M. L.; LOPES, M. A.; AYELLO, V. D.; SCHULTZ, R.; ZUGAIB, M. Structural and functional cardiac abnormalities identified prior to 16 weeks’ gestation in fetuses with increased nuchal translucency. Ultrasound Obstet Gynecol., [S. l.], v. 22, n. 5, 470-478, 2003. PEDRA, S. R. F. F. et al., Diretriz Brasileira de Cardiologia Fetal - 2019. Arq Bras Cardiol., [S. l.], v. 112, n. 5, p. 600-648, 2019. PINTO, Camila Pereira; WESTPHAL, Flávia; ABRAHÃO, Anelise Riedel. Fatores de riscos materno associados à cardiopatia congênita. Journal Of The Health Sciences Institute, [S. l.], v. 1, n. 36, p.34-38, 2018. ROSA, R. C. M. et al., Cardiopatias congênitas e malformações extracardíacas. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 243-251, 2013. SOARES, Andressa Mussi. Mortalidade para Cardiopatias Congênitas e fatores de risco associados em recém-nascidos: um estudo de coorte. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo, v. 111, n. 5, p. 674-675, nov. 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/ abc.20180203. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2018001700674&lng= en&nrm=iso. Acesso em: 14 ago. 2019. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Doenças Cardíacas Congênitas. [S. l.]: SBC, [201-]. Disponível em: http://prevencao.cardiol.br/doencas/doenca-cardiaca- congenita.asp. Acesso em: 16 ago. 2019. 244 Capítulo 16 Cardiopatia congênita, quando suspeitar e como realizar a triagem: do período gestacional ao período neonatal SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Diagnóstico precoce de cardiopatia congênita crítica: oximetria de pulso como ferramenta de triagem neonatal. [S. l.: s. n.], 2011. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_ upload/2015/02/diagnostico-precoce-oximetria.pdf. Acesso em: 12 ago. 2019. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Avaliação da criança com sopro cardíaco. [S. l.]: SBP, [200-]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/departamentos-cientificos/ cardiologia/. Acesso em: 20 de ago. 2002. VAN DER LINDE, D. et al., Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. Journal of the American College of Cardiology, [S. l.], v. 58, n. 21, p. 2241-2247, 2011. WREN, C. The Epidemiology of Cardiovascular Malformations. Pediatric Cardiovascular Medicine, [S. l.], v. XX, n. XX, p. 268, 2012. 245 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha 17.1 Introdução O Brasil está comprometido com a eliminação da transmissão vertical do HIV. Para tanto, é necessário que toda o sistema de saúde funcione de forma integrada, contemplando a saúde reprodutiva, o pré-natal, a assistência ao parto e pós- -parto, o diagnóstico precoce, o tratamento e o seguimento ambulatorial. As crianças expostas ao HIV devem ser atendi- das em serviços especializados, em conjunto com o cuidado na unidade de atenção básica (UBS) até a definição de seu diagnóstico. A criança exposta ao HIV durante a gestação, o parto ou que tenha sido amamentada por uma mulher infec- tada pelo HIV deve ser notificada como “criança exposta” (BRASIL, 2018). É recomendado que as crianças expostas e não infectadas realizem acompanhamento com especialista até o fim da adolescência, por causa da exposição ao vírus e as terapêuticas antirretrovirais (TARV) utilizadas pela mãe. Em geral, essas crianças tendem a apresentar mais infecções bacterianas e quadros mais graves quando comparadas às crianças não expostas. Isso se deve à diminuição dos níveis de anticorpos 246 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) maternos transferidos por via placentária e ao não aleita- mento materno. Os cuidados na sala de parto de mães com o diagnóstico da infecção pelo HIV são (BRASIL, 2018): • Realizar, sempre que possível, a retirada do neonato mantendo as membranas corioamnióticas íntegras. • Clampear o cordão umbilical imediatamente após o nascimento. • Imediatamente após o nascimento,realizar banho com chuveirinho, torneira ou outra fonte de água corrente. Além disso, limpar todo o sangue e as secreções com compressas macias. • Aspirar delicadamente vias aéreas e conteúdo gástrico de líquido amniótico (se necessário), evitando trauma- tismos e, se houver presença de sangue, realizar lava- gem gástrica com soro fisiológico. • Colocar o RN junto à mãe o mais breve possível. • Iniciar a primeira dose do AZT solução oral (preferen- cialmente na sala de parto), logo após os cuidados ime- diatos ou nas primeiras 4 horas após o nascimento. • Em neonatos expostos ao HIV cujas mães não fizeram uso de ARV durante o pré-natal ou não possuem car- ga viral menor que 1000 cópias/ml documentada no último trimestre de gestação, acrescentar Nevirapina (NVP) ao esquema de profilaxia, com início precoce e nas primeiras 48 horas de vida. • Contraindicar o aleitamento materno exclusivo, misto e qualquer forma de aleitamento materno. 247 Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha São consideradas condições de alto rico no momento da admissão da gestante, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018): • Mulheres cujo diagnóstico ocorreu em até 72h do parto. • Mulheres com diagnóstico conhecido, porém, sem realizar o TARV. • Mulheres cuja terapêutica antirretroviral tenha iniciado < 04 semanas. • Carga viral (CV) superior a 1.000 cópias. A identificação precoce do recém-nascido (RN) e da criança infectada verticalmente é essencial para indicar o início da TARV e da profilaxia das infecções oportunistas (IO), além da realização do manejo das intercorrências infecciosas e dos distúrbios nutricionais (BRASIL, 2018). O diagnóstico por testes moleculares em neonatos que receberam profilaxia deve incluir 2 dois exames de CV-HIV. A primeira CV deverá ser coletada duas semanas após o término da profilaxia com ARV e a segunda CV deve ser coletada pelo menos seis semanas após o término da profilaxia. Se a primeira CV tiver um resultado acima de 5.000 cópias/mL, esta deve ser repetida imediatamente para confirmação. Caso o resultado da primeira CV fique abaixo de 5.000 cópias/mL, deve-se realizar nova coleta após quatro semanas da primeira coleta. Se os resultados entre a primeira e a segunda CV forem discordantes, uma terceira amostra deverá ser coletada imediatamente. A criança será considerada infectada pelo HIV caso haja dois resultados consecutivos de CV-HIV acima de 5.000 cópias/mL. 248 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) Em caso de criança que não recebeu a profilaxia, recomenda-se que a CV seja realizada imediatamente após a identificação do caso. Se o resultado for acima de 5.000 cópias/mL, repete-se o exame em seguida e, se o resultado do segundo exame se mantiver acima de 5.000 cópias/mL, considera-se a criança infectada. Em RN sintomáticos, a CV pode ser coletada a qualquer momento. Todos os RN expostos ao HIV devem receber profilaxia com ARV. A Zidovudina (AZT) deve ser administrada imediatamente após o nascimento (nas primeiras quatro horas de vida). A Nevirapina (NVP), quando indicada, deverá ser administrada o mais precocemente possível e em 48 horas de vida. Na impossibilidade de o RN realizar profilaxia por via oral, podem-se utilizar doses disponíveis endovenosas, de acordo com a idade gestacional ao nascimento: Idade gestacional ≥ 35 semanas: 3 mg/kg IV de 12/12 h por 4 semanas; entre 30 e 35 semanas: 1,5 mg/kg IV de 12/12 h nos primeiros 14 dias de vida e 2,3 mg/kg/dose de 12/12 h a partir do 15º dia por 4 semanas; Idade gestacional < 30 semanas 1,5 mg/kg IV de 12/12 h por 4 semanas. O Quadro 1 mostra a indicação de ARV de acordo com cada caso. 249 Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha Quadro - 1 Indicação de ARV para profilaxia da transmissão vertical do HIV USO DE ARV DURANTE PRÉ-NATAL MEDICAÇÃO INDICADA NO RN POSOLOGIA DE ARV NO RN DURAÇÃO DA PROFILAXIA NO RN Uso de ARV no pré-natal e periparto com CV < 1.000 cópias/ml em 3° trimestre. Zidovudina (AZT / VO) RN com 35 semanas ou mais de idade gestacional: 4 mg/kg/dose de 12/12 h. RN entre 30 e 35 semanas de idade gesta- cional: 2 mg/kg/dose 12/12 h até 14° dia e 3 mg/kg/dose 12/12 h a partir do 15° dia RN com menos de 30 semanas de idade gestacional: 2 mg/kg/dose de 12/12 h 4 semanas Sem utilização de ARV durante a gestação, independentemente do uso no periparto; ou Uso de ARV na gestação, mas CV des- conhecida ou acima de 1.000 cópias/ ml no 3° trimestre de gestação; ou Histórico de má adesão, com CV < 1.000 cópias/ml no 3° trimestre; ou Mãe com IST, especialmente sífilis; ou Parturiente com resultado rea- gente no momento do parto. AZT (VO) Associado com Nevira- pina (NVP / VO) RN com 35 semanas ou mais de idade gestacional: 4 mg/kg/dose de 12/12 h. RN entre 30 e 35 semanas de idade gesta- cional: 2 mg/kg/dose 12/12 h até 14° dia e 3 mg/kg/dose 12/12 h a partir do 15° dia RN < 30 semanas de idade gestacio- nal: 2 mg/kg/dose de 12/ 12h Peso de nascimento > 2 kg: 12 mg/dose (1,2 ml). Peso de nascimento 1,5 a 2 kg: 8 mg/dose (0,8 ml) Peso de nascimento < 1,5 kg: não usar NVP 4 semanas 1° dose: até 48 h de vida. 2° dose: 48 h após 1° dose. 3° dose: 96 h após 2° dose. Fonte: Brasil (2018). 250 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) Na elaboração da alta, registrar no resumo de alta do RN as informações do pré-natal, as condições do nascimento, o tempo de uso do AZT injetável na mãe, o momento do início do AZT xarope e da NVP no RN, a dose utilizada, a periodicidade e a data de término, as mensurações antropométricas, o tipo de alimento fornecido à criança e outras informações importantes relativas ao parto. A consulta deverá ser programada em uma semana após a alta da maternidade, com encaminhamento para o serviço especializado em seguimento de crianças expostas ao HIV. 17.2 Prevenção da infecção pelo Pneumocystis jiroveci A pneumonia por Pneumocystis jiroveci é a mais frequente infecção oportunista (IO) em crianças infectadas pelo HIV. A faixa de maior risco é a do primeiro ano de vida. Recomenda- se que todas as crianças expostas ao HIV recebam profilaxia com Sulfametoxazol + Trimetoprima (SMX-TMP) a partir de quatro semanas de vida até que tenham duas CV indetectáveis. Essa profilaxia é mantida somente para as crianças infectadas, até um ano de idade, independentemente da contagem de LT-CD4+. Após um ano de idade, a indicação desse medicamento será orientada pela contagem de LT-CD4+. O Quadro 2 sumariza as recomendações da profilaxia para a infecção por Pneumocystis jiroveci. 251 Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha Quadro 2 – Recomendações para profilaxia primária para Pneumocystis jirovecii em crianças nascidas de mães infectadas pelo HIV Idade Recomendação 0 a 4 semanas de vida Não há indicação de profilaxia com SMX-TMP 4 semanas a 4 meses Indicar profilaxia até definição do diagnóstico 4 meses a 12 meses: Criança não infectada Criança infectada pelo HIV ou infecção indeterminada Não indicar ou suspender profilaxia Manter profilaxia Após os 12 meses: Criança infectada Indicar profilaxia se a contagem de LT-CD4+ for menor que 200 céls/mm3 ou LT-CD4<25% Fonte: Brasil (2018). As recomendações das doses para a profilaxia primária para Pneumocystis jiroveci estão resumidas no Quadro 3. Quadro 3 – Recomendações das doses para profilaxia primária para Pneumocystis jiroveci em crianças nascidas de mães infectadas pelo HIV Idade Dose Frequência Menores de 6 meses 100 mg = 2,5 mL/dia 1x/dia ou dividir em 2 tomadas 3x/semana em dias alternados, ou às 2ªs, 4as e 6as feiras Entre 6–12 meses 200 mg = 05 mL/dia 1x/dia ou dividir em 2 tomadas 3x/semana em dias alternados, ou às 2as, 4as e 6as feiras Maiores de 12 meses 200 mg = 05 mL/dia 01x/dia ou dividir em 2 tomadas 3x/semana em dias alternados. Fonte: Brasil (2018). 252 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírusda imunodeficiência humana (HIV) 17.3 Exames laboratoriais Os exames laboratoriais a ser solicitados: • Hemograma: na primeira consulta ambulatorial; entre 1 a 2 meses; 4 meses; entre 6 a 12 meses e entre 12-18 meses. • AST, ALT, GGT, FA, bilirrubinas: entre 1 a 2 meses; e entre 12 a 18 meses. • Glicemia: entre 1 a 2 meses; 4 meses e entre 12 a 18 meses. • CV-HIV: entre 1 a 2 meses e com 4 meses. • Sorologia TORCH: primeira consulta ambulatorial. • Anti-HBs: entre 6-12 meses (30 a 60 dias após a 3ª dose da VHB). • Sorologia anti-HCV: entre 12 a 18 meses. • Sorologia para HTLV ½: entre 12-18 meses. • Sorologia para doença de Chagas (se área endêmica ou mãe portadora): entre 12 a 18 meses. O acompanhamento deve ser mensal nos primeiros 6 meses, com, no mínimo, uma consulta bimestral após o 1° de vida. Em todas as consultas, devem-se registrar o peso, o comprimento e o perímetro cefálico. A avaliação do crescimento e desenvolvimento é de grande importância, visto que as crianças infectadas podem, já nos primeiros meses de vida, desenvolver alterações. As crianças expostas têm maior risco de exposição a outros agentes infecciosos. Dentre eles, destacam-se Treponema pallidum, os vírus da hepatite B e C, o HTLV 1 e 2, o vírus herpes simples, o citomegalovírus, Toxoplasma gondii e Mycobacterium tuberculosis. 253 Talita Maia Rêgo Rodrigo Dantas Rocha Alguns agentes infecciosos de regiões endêmicos (malária, leishmaniose, doença de Chagas etc.) também devem ser considerados. O reconhecimento precoce e o tratamento de possíveis coinfecções devem ser considerados prioritários no atendimento dessas crianças. 254 Capítulo 17 Crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância. Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Crianças e Adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. OMS. HIV diagnosis and ARV use in HIV-exposed infants: a programmatic update. Geneva, Switzerland: World Health Organization, 2018. Disponível em: https://apps.who.int/ iris/bitstream/handle/10665/273155/WHO-CDS-HIV-18.17- eng.pdf. Acesso em: 3 mar. 2022. 255 Capítulo 18 Vacinação Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra 18.1 Introdução A vacinação representa uma das principais medidas na prevenção de doenças. Com segurança, estimula o sistema imunológico contra doenças transmissíveis. Quando adotada como estratégia de saúde pública, é considerada um dos melhores investimentos quanto a custo-benefício. O Programa Nacional de Imunizações do Brasil (PNI) é um dos maiores do mundo, ofertando 45 diferentes imunobiológicos para toda a população, definindo nosso Calendário Básico de Vacinação (Anexo 1). Atualmente, há 19 vacinas recomen- dadas à população, desde o nascimento até a terceira idade, que são distribuídas gratuitamente nos postos de vacinação da rede pública. As sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), cientes dos conhecimentos mais recentes e da dispo- nibilidade de novos produtos, têm elaborado calendários ampliados e para grupos específicos. Este capítulo se baseia nas recomendações do PNI na faixa etária pediátrica, consi- derando também as orientações das sociedades supracitadas (Anexo 2). 256 Capítulo 18 Vacinação 18.2 Vacinas BCG Prevenção: a vacina BCG previne formas graves de tuberculose como meningite tuberculosa e tuberculose miliar, principalmente nos primeiros cinco anos de vida. É composta pelo bacilo de Calmette-Guérin (BCG), obtido pela atenuação do Mycobacterium bovis. Esquema de doses: dose única, ao nascimento, podendo ser feita até os 5 anos de idade. Em 2019, o PNI incorporou a recomendação da OMS em não revacinar com BCG pacien- tes que não desenvolveram cicatriz após a vacina, diante da ausência de evidências que justifiquem manter a revacinação nessas situações. Comunicantes de hanseníase devem receber duas doses de BCG, com intervalo mínimo de seis meses (con- siderar a presença de cicatriz vacinal como primeira dose). Cicatrização: a evolução habitual da cicatriz após 2 semanas consiste em pequena elevação avermelhada e dolorosa de 5 a 15 mm; com 3 a 4 semanas, pequena bolha com pus, evoluindo à crosta; 4 a 5 semanas, úlcera de 4 a 10 mm de diâmetro; 6-12 semanas, cicatriz de 4 a 7 mm. Alguns casos evoluem mais lentamente e podem ser mais brandos, demorando até 6 meses para a formação da cicatriz vacinal. A vacina pode ser aplicada simultaneamente ou a qualquer intervalo de outras vacinas, sendo a via de administração intradérmica, no braço direito, na inserção inferior do músculo deltoide. Eventos adversos: úlceras com mais de 1 cm ou que demoram muito a cicatrizar; gânglios axilares ou 257 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra supraclaviculares podem ocorrer em até 10% dos casos e desaparecer espontaneamente após 1 a 3 meses; disseminação do bacilo da vacina pelo corpo causando lesões em diferentes órgãos. O surgimento de abscesso frio local, úlcera maior que 1 cm, linfonodo maior que 3 cm e/ou fistulizado, é considerado evento adverso local exacerbado e merece seguimento e tratamento. Qualquer que seja o evento, o serviço de vacinação deve notificá-lo. Contraindicação: • menor que 2.000 g; • lesão de pele no local de aplicação; • imunodepressão; • tratamento com quimioterapia ou radioterapia; • uso de corticoide oral ou parenteral por mais de duas semanas (> 2 mg/kg/dia ou 20 mg/dia de prednisona); • outros: febre, gravidez. Hepatite B Prevenção: vacina recombinante humana que previne contra o vírus da hepatite B Esquema de doses: primeira dose ao nascer, o mais precocemente possível, nas primeiras 24 horas, preferencialmente nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade. Essa dose pode ser administrada em até 30 dias após o nascimento. A continuidade do esquema vacinal será com a pentavalente (difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus) aos 2, 4 e 6 meses de idade. Em crianças que perderam a oportunidade de receber a vacina hepatite B 258 Capítulo 18 Vacinação em até 1 mês de idade, não se deverá administrar mais essa vacina. Em crianças com até 6 anos 11 meses e 29 dias, sem comprovação ou com esquema vacinal incompleto, iniciar ou complementar esquema com penta que está disponível na rotina dos serviços de saúde, com intervalo de 60 dias entre as doses, mínimo de 30 dias, conforme esquema. Em crianças a partir de 7 anos de idade: se estiver sem comprovação vacinal, administrar 3 doses da vacina hepatite B com intervalo de 30 dias entre a primeira e a segunda dose e de 6 meses entre a primeira e a terceira dose (0, 1 e 6 meses); com esquema vacinal incompleto, não reiniciar o esquema, apenas completá-lo conforme situação encontrada. Logo após o nascimento, os recém-nascidos de mulheres com HBV (HBsAg reagente) devem receber: imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHAHB); a primeira dose do esquema vacinal para vírus da hepatite B (HBV); e as demais doses conforme já citado. A avaliação da soroconversão deve ser realizada mediante anti-HBs entre 30 a 60 dias após a última dose da vacina para hepatite B. Eventos adversos: manifestações locais como dor e hiperemia, irritabilidade e desconforto gastrintestinal acometem de 1% a 20%. Contraindicação: não deve ser aplicada em pessoas que apresentaram anafilaxia com dose anterior, ou naquelas que desenvolveram púrpura trombocitopênica. Tríplice Bacteriana (difteria, tétano e pertussis) Prevenção: vacina inativada, que previne contra difteria, tétano e coqueluche (Bordetella pertussis). 259 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria MylenaTaise Azevedo Lima Bezerra Esquema de doses: 3 doses: 2, 4 e 6 meses; o primeiro reforço deve ser administrado entre 15 e 18 meses; e o segundo entre 4 e 5 anos, podendo este ser feito com dTpa, DTPa ou DTPw. No entanto, o uso da vacina DTPa é preferível ao da DTPw (vacina de células inteiras), pois os eventos adversos associados com sua administração são menos frequentes e intensos, embora, nas unidades básicas de saúde, seja ofertado apenas DTPw. Já o reforço dos 9 a 10 anos de idade deve ser feito com a vacina tríplice acelular do tipo adulto (dTpa). Eventos adversos: Podem ocorrer manifestações locais como vermelhidão, calor, endurecimento, dor e inchaço, como também manifestações sistêmicas, as quais se relacionam principalmente ao componente pertussis, que incluem: • febre baixa a moderada de 3 a 12 horas após a vacinação, com duração de cerca de 24 horas; • sonolência prolongada que acomete 32% dos vacinados, iniciando nas primeiras 24 horas e persistindo por até 72 horas; • perda de apetite de pouca intensidade e duração é comum em 21% dos vacinados, em geral, nas primeiras 24 horas; • vômitos, Irritabilidade, choro persistente; • episódio hipotônico-hiporresponsivo (EHH) pode acontecer nas primeiras 48 horas após a vacinação — cerca de um para cada 1.750 doses aplicadas. Costuma ser precedido por irritabilidade e febre, evoluindo para palidez, hipotonia e inconsciência, que melhoram sem deixar sequelas; 260 Capítulo 18 Vacinação • convulsão, também de caráter benigno. Em caso de convulsão nas primeiras 48 horas, as próximas doses devem ser feitas com a vacina acelular (DTPa ou dTpa). Contraindicação: Pessoas com mais de 7 anos de idade. Crianças que apresentaram, após a aplicação da DTPw ou combinada a ela: • episódio hipotônico-hiporresponsivo — EHH (palidez, perda de tônus muscular e consciência) nas primeiras 48 após a aplicação; nesse caso, administrar a vacina DTPa; • convulsões nas primeiras 72 horas; • reação anafilática nas primeiras duas horas; • encefalopatia aguda nos sete dias após a vacinação. Haemophilus Prevenção: previne doenças causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b, principalmente meningite. Esquema de doses: o Programa Nacional de Imunizações (PNI) recomenda e disponibiliza a vacina em três doses: aos 2, 4 e 6 meses de idade, associado à vacina tríplice bacteriana. A SBP e a SBIm recomendam uma quarta dose entre 12 e 18 meses, em especial, para crianças vacinadas com a vacina DTPa. Crianças com mais de 5 anos não vacinadas e com doenças que aumentem o risco da doença: duas doses com intervalo de dois meses. Eventos adversos: pode ocorrer dor no local da aplicação, inchaço, endurecimento e vermelhidão. Não é comum apresentar febre. 261 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Contraindicação: pessoas que apresentaram anafilaxia pro- vocada por qualquer componente da vacina ou por dose anterior. Poliomielite (VIP: vacina com o vírus da poliomielite 1, 2, e 3 inativados; VOP: Vacina poliomielite 1, 3 atenuada). Prevenção: previne a poliomielite (paralisia infantil). Esquema de doses: vacina inativada (VIP): 2, 4 e 6 meses. Vacina oral (VOP): reforço com 15 meses e 4 anos. A SBIm recomenda que todas as doses sejam com a VIP para evitar a paralisia que pode ser causada pelo vírus contido na vacina oral. A VOP não deve ser utilizada em crianças hospitalizadas e indivíduos imunodeficientes. Eventos adversos: VIP: com vírus inativos, a maioria dos efeitos se restringe a manifestações no local da aplicação, como endurecimento e dor. VOP: por conter vírus atenuados, porém, vivos, a vacina pode causar eventos como: • poliomielite associada à vacina (VAPP): ocorre quando o vírus da vacina consegue causar poliomielite na pessoa vacinada ou em contactantes, de 4 a 40 dias após a vacinação. Envolve sintomas como febre, dificuldade de movimentação, dor e fraqueza dos músculos, principalmente das pernas; • meningite asséptica e encefalite: é raro, porém, pode ocorrer principalmente em crianças imunodeficientes; • reações de alergia: são raras e se devem aos componentes da vacina. Pode acontecer urticária e 262 Capítulo 18 Vacinação erupções na pele, com coceira, mas não contraindicam doses subsequentes. Contraindicação: VIP: anafilaxia à dose anterior da vacina. VOP: • imunocomprometidos, gestantes e pessoas que convivem com esses grupos; • anafilaxia após o uso de componentes da fórmula da vacina (em especial, os antibióticos neomicina, polimixina e estreptomicina); • poliomielite vacinal após dose anterior. OBSERVAÇÃO Processo febril: em crianças com febre moderada a alta (acima de 38 ºC), a vacinação com a VOP deve ser adiada até que o quadro clínico melhore. Importante: diarreia e vômitos leves não contraindicam a vacinação, mas é aconselhável adiá-la ou repetir a dose após quatro semanas. Rotavírus (Rotavírus Humano Vivo Atenuado) Prevenção: doença diarreica causada pelo rotavírus. Esquema de doses: aos 2 e 4 meses, sendo que a primeira dose deve ser obrigatoriamente aplicada até a idade de 3 meses e 15 dias, e a última dose até os 7 meses e 29 dias. Eventos adversos: os mais comuns das vacinas rotavírus são irritabilidade, febre e vômitos, o que pode ser também atribuído às vacinas que são aplicadas simultaneamente no calendário vacinal, além de sintomas gastrintestinais como diarreia e sangue nas fezes. Também pode ocorrer invaginação intestinal, embora, entre 2006 e 2012, no Brasil, 6,1 milhões 263 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra de doses tenham sido aplicadas, com apenas oito registros de casos de invaginação. Contraindicação: • imunodeprimidos; • alergia grave (urticária disseminada, dificuldade res- piratória e choque anafilático) provocados por algum dos componentes da vacina ou por dose anterior dela; • doença gastrintestinal l ou história prévia de invaginação intestinal. Pneumocócica Conjugada Prevenção: a vacina pneumocócica conjugada 10-valente (VPC10) previne cerca de 70% das doenças graves (pneumonia, meningite, otite) em crianças, causadas por dez sorotipos de Streptococcus pneumoniae. Esquema de doses: duas doses com 2 e 4 meses e reforço aos 12 meses da VPC10, conforme recomendação do PNI. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) recomendam, a partir dos 2 meses de idade e sempre que possível, o uso preferencial da VPC13, com o intuito de ampliar a proteção para os três sorotipos adicionais em relação à VPC10, em 3 doses: aos 2, 4 e 6 meses de vida; com reforço entre 12 e 15 meses. No entanto, quando isso não for possível, crianças menores de 6 anos com esquema completo ou incompleto de VPC10 podem se beneficiar com dose(s) adicional(is) de VPC13, respeitando-se a recomendação de bula para cada idade de início e o intervalo mínimo de dois meses da dose anterior da VPC10. Para crianças entre 2 e 5 anos e portadoras de doenças crônicas que justifiquem, 264 Capítulo 18 Vacinação pode ser necessário complementar a vacinação com a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP23). Eventos adversos: reações locais como dor, inchaço e vermelhidão, podendo apresentar irritabilidade, sonolência e perda de apetite. Contraindicação: crianças que apresentaram anafilaxia após usar algum componente da vacina ou após dose anterior. Meningocócica Prevenção: vacina inativada que previne doenças causadas pelo meningococo C (incluindo meningite e meningococcemia). Esquema de doses: o PNI disponibiliza três doses da vacina meningocócica C: aos 3 e 5 meses e reforço aos 12 meses (podendo ser aplicado até os 4 anos). A SBP e a SBIm recomendam que, além dessas doses, sejam feitos reforços entre 5 e 6 anos e aos 11 anos, tendo em vista a perda rápida de proteção. Orientam também que a vacina meningocócica conjugada quadrivalente (ACWY) deveser a vacina de escolha por conferir proteção para três outros tipos de meningococos, além do C, mas alertam que, em todas as faixas etárias supracitadas, na impossibilidade de usar a ACWY, deve-se utilizar a meningocócica C, sem atrasos. No Brasil, quatro vacinas estão licenciadas para crianças: • MenC e MenACWY-TT: esquema do PNI, supracitado; • MenACWY-CRM: três doses (3, 5 e 7 meses) e reforço entre 12 e 15 meses; • MenACWY-D: duas doses, com intervalo mínimo de 3 meses, para crianças de 9 a 23 meses de idade. 265 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Eventos adversos: quando acontecem reações, estas se limitam às primeiras horas após a vacinação e melhoram em cerca de 72 horas. Em mais de 10% dos vacinados ocorrem vermelhidão, inchaço, dor ou sensibilidade no local da aplicação. Contraindicação: pessoas que tiveram anafilaxia após uso de algum componente da vacina ou na dose anterior. Tríplice Viral Prevenção: vacina de vírus vivos atenuados que previne contra sarampo, caxumba e rubéola. Esquema de doses: duas doses, sendo a primeira aos 12 meses de idade e a segunda aos 15 meses com a tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela). Para ser considerado protegido, todo indivíduo deve ter tomado duas doses na vida, com intervalo mínimo de 1 mês. Para crianças com esquema completo, não há evidências que justifiquem uma terceira dose como rotina, podendo ser considerada em situações de surto de caxumba e risco para a doença. Em situação de risco para o sarampo (surto ou exposição domiciliar), a primeira dose pode ser aplicada a partir de 6 meses de idade. Nesses casos, a aplicação de mais duas doses após a idade de 1 ano ainda será necessária. Eventos adversos: a vacina não costuma causar efeitos adversos. As reações locais acometem menos de 0,1% dos vacinados e incluem: ardência, vermelhidão, dor e formação de nódulo. Compressas frias aliviam a reação no local da aplicação. Febre alta (maior que 39,5 °C), que surge de cinco 266 Capítulo 18 Vacinação a 12 dias após a vacinação, com um a cinco dias de duração, pode ocorrer em 5% a 15% dos vacinados. Contraindicações: • imunodeprimidos e gestantes; • uso atual de imunossupressores ou suspensão há me- nos de 1 mês; • uso atual de quimioterápicos ou suspensão há menos de 3 meses; • pessoas transplantadas há menos de 12 a 24 meses. Hepatite A Prevenção: vacina inativada que previne hepatite A Esquema de doses: o PNI recomenda dose única da vacina aos 15 meses de idade ou para crianças que não completaram 2 anos. A SBP e a SBIm orientam aplicação rotineira aos 12 e 18 meses de idade e destacam que, para crianças a partir de 12 meses de idade não vacinadas para hepatite B, no primeiro ano de vida, a vacina combinada hepatite A e B na formulação adulto pode ser considerada para substituir a vacinação isolada (A ou B), em 2 doses (0-6 meses). Eventos adversos: em 10% dos vacinados ocorrem irritabilidade, dor de cabeça, cansaço, dor e vermelhidão no local da aplicação. Contraindicação: pessoas que tiveram reação anafilática a algum componente da vacina ou a dose anterior. Varicela (vírus vivo atenuado) Prevenção: vacina que previne contra varicela (catapora) 267 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Esquema de doses: 2 doses, sendo uma com a tetra viral (tríplice viral + varicela) aos 15 meses de idade e a segunda aos 4 anos. Em situação de surto na região de moradia ou na creche/escola, ou ainda quando há um caso de varicela dentro de casa, a vacina pode ser aplicada em bebês a partir de 9 meses — essa dose aplicada antes de 12 meses será desconsiderada no futuro e a criança deverá tomar as duas doses de rotina. Eventos adversos: dor e vermelhidão local. Em raros casos (3% a 5% dos indivíduos), pode haver exantema pelo corpo, semelhante às lesões causadas pela varicela, com duas a cinco lesões aparecendo entre 5 e 26 dias após a vacinação. Já as lesões que surgem duas ou mais semanas após a aplicação da vacina são indicativas da doença provocada pelo vírus varicela zoster que foi adquirido antes da vacinação e ficou incubado. Contraindicação: • Anafilaxia causada por qualquer dos componentes da vacina ou após dose anterior, e gestantes. • Imunodeprimidos. Influenza (Vírus inativado) Prevenção: previne infecção pelo vírus influenza Esquema de doses: para crianças de 6 meses a 9 anos de idade: duas doses na primeira vez em que forem vacinadas (primovacinação), com intervalo de um mês e revacinação anual. Para crianças maiores de 9 anos, adolescentes, adultos e idosos: dose única anual. Eventos adversos: manifestações locais como dor, vermelhidão que desaparecem em até 48 horas. Todos os estudos que buscaram relação de causa entre vacina influenza 268 Capítulo 18 Vacinação e Síndrome de Guillain-Barré (SGB) obtiveram resultados contraditórios. Até hoje, não se sabe se a vacina influenza pode, de fato, aumentar o risco de recorrência da SGB em indivíduos que já a tiveram. Contraindicação: pessoas com alergia grave (anafilaxia) ao ovo de galinha, a algum componente da vacina ou identificada na dose anterior. Febre Amarela (Vírus vivo atenuado da Febre Amarela) Prevenção: previne contra a febre amarela Esquema de doses: recomendada em dose única, a partir de 9 meses de vida, para residentes ou viajantes para áreas de vacinação (de acordo com classificação do MS). Pode ser recomendada também para atender exigências sanitárias de determinadas viagens internacionais, devendo a vacinação ser feita em até dez dias antes de viagens. A indicação de uma segunda dose da vacina, especialmente para crianças vacinadas antes de 2 anos de idade, não é consensual, mas deve ser considerada de acordo com o risco epidemiológico e pela possibilidade de falha vacinal na primeira dose. Recomenda- se que crianças menores de 2 anos de idade não recebam as vacinas febre amarela e tríplice viral no mesmo dia. Nesses casos, e sempre que possível, respeitar intervalo de 30 dias entre as doses. Eventos adversos: manifestações gerais, como febre, dor de cabeça e muscular são os eventos mais frequentes e acontecem em cerca de 4% dos que são vacinados na primeira 269 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra vez e menos de 2% nas segundas doses. Manifestações graves são raras. Contraindicação: se o risco de adquirir a doença superar os riscos potenciais da vacinação, o médico deverá avaliar sua utilização. São contraindicações consensuais: • crianças abaixo de 6 meses de idade; • imunossuprimidos; • pacientes que tenham apresentado doença neurológica desmielinizante no período de seis semanas após a aplicação de dose anterior da vacina; • mulheres amamentando crianças abaixo de 6 meses de idade; • pacientes com câncer; • pessoas com história de reação anafilática relacionada a substâncias presentes na vacina (ovo de galinha e seus derivados, gelatina bovina ou outras); • pacientes com história pregressa de doenças do timo (miastenia gravis, timoma, casos de ausência de timo ou remoção cirúrgica). HPV Prevenção: previne contrainfecções persistentes e lesões pré-cancerosas causadas pelos tipos de HPV 6,11,16,18. Também previne o câncer de colo do útero, da vulva, da vagina, do ânus e verrugas genitais (condiloma). Esquema de doses: o PNI disponibiliza a vacina para meninas de 9 a 14 anos de idade, meninas de 15 anos que já tenham tomado uma dose, meninos de 11 a 14 anos, pessoas que convivem com HIV/Aids entre 9 e 26 anos, transplantados 270 Capítulo 18 Vacinação entre 9 e 26 anos e pacientes oncológicos em tratamento com quimioterapia e radioterapia entre 9 e 26 anos. A SBP e a SBIm estendem a faixa etária feminina até os 45 anos e masculina até os 26 anos. Eventos adversos: raros. Quando apresenta, são manifestações no local da administração (dor, hiperemiae inchaço). Contraindicação: gestantes e pessoas que apresentaram anafilaxia após receber uma dose da vacina ou a algum de seus componentes. 18.3 Falsas contraindicações das vacinas • doenças agudas leves como resfriados, alergias e diar- reia; • uso de antibióticos; • reação local a uma dose prévia da tríplice bacteriana; • história ou diagnóstico prévio da doença contra a qual se pretende vacinar; • desnutrição; • doença neurológica estável; • uso de corticoide em doses não imunodepressoras; • internação hospitalar; • prematuridade ou baixo peso (exceto BCG) 271 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Situações Especiais Imunodeficiências A utilização de vacinas vivas na vigência de imunodepres- são só deve ser realizada na forma de protocolos de pesquisa em situações específicas. Vacinas à base de agentes vivos ate- nuados não devem ser administradas em pessoas com defi- ciência da imunidade celular. Os pacientes com deficiência de complemento devem receber vacinas que protegem contra germes capsulados por representarem alto risco para esses pacientes, como a meningocócica. Pacientes com deficiência de fagocitose não devem receber vacinas bacterianas vivas como a BCG, mas podem receber todas as demais. O esquema vacinal de pacientes em terapia imunodepressora deve ser atualizado em até 14 dias antes do início da terapia. Três meses após cessada a condição de imunodepressão, podem-se utilizar vacinas vivas, bacterianas ou virais na dependência da situação clínica. Doses maiores de 2 mg/kg/dia de prednisona ou equiva- lente, por um período maior que 14 dias, deve ser considerada imunodepressora, logo, esses indivíduos não devem receber vacinas vivas antes de pelo menos 1 mês após o término. A imu- nogenicidade e a eficácia da vacina hepatite B recombinante (HB) em pacientes imunodeprimidos, assim como ocorre nos renais crônicos, são menores que nos indivíduos saudáveis. Doses maiores e/ou número aumentado de doses são necessá- rios para indução de anticorpos em níveis protetores. Por esse motivo, são recomendadas quatro doses de vacina hepatite B recombinante (HB), com o dobro da dose habitual. 272 Capítulo 18 Vacinação Transplante de órgãos sólidos Os candidatos a receber transplantes de órgãos sólidos devem ter seus esquemas vacinais avaliados e atualizados. A necessidade de imunização para os candidatos a receptores de transplantes de órgãos sólidos é justificada pela atividade imunodepressora da doença de base (como é o caso, por exemplo, de pacientes com insuficiência renal crônica, pacientes com neoplasias) e porque vão ser submetidos à terapia imunodepressora após o transplante, para evitar a rejeição do órgão transplantado. No caso dos candidatos a transplante de órgãos sólidos, devido à possibilidade de o transplante ocorrer a qualquer momento, propõe-se um esquema acelerado de vacinação contra hepatite B: zero, 1, 2 e 6 meses e avaliação da necessidade de uso de dose dobrada de acordo com a situação clínica de base. Transplante de medula óssea Independentemente do tipo de transplante, a célula- tronco hematopoiética é a responsável pela reconstituição do sistema imune do receptor pós-transplante. A atualização do esquema de vacinação do doador deve ser feita com antecedência suficiente para que haja resposta imune efetiva antes do transplante. De maneira geral, o esquema vacinal deverá ser completado em até 14 dias antes do transplante, para que o doador tenha o seu sistema imune reconstituído após o transplante. A imunidade do doador transferida para o receptor é de curta duração. Estudos têm demonstrado que os transplantados de células-tronco hematopoiéticas 273 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra (medula óssea), tanto alogênicos quanto autólogos, perdem a imunidade protetora no pós-transplante. Por isso, esses indivíduos devem ter seu esquema vacinal refeito. Asplenia anatômica ou funcional, hemoglobinopatias, doenças de depósito e outras condições associadas à disfunção esplênica A anemia falciforme é a hemoglobinopatia mais prevalente no Brasil, sendo as complicações infecciosas bastante frequentes, principalmente por germes capsulados como Haemophilus influenzae tipo b, pneumococo e meningococo. Maior consumo de zinco, comum nas anemias hemolíticas, pode ser responsável por deficiência de resposta do linfócito T. Além das vacinas de rotina, esses pacientes necessitam de vacinas varicela, hepatite B recombinante, hepatite A, influenza inativada e contra os germes capsulados já citados, incluindo Meningo B, ACWY e Pneumo 23. Nos pacientes que serão submetidos à esplenectomia eletiva, a vacinação deverá preceder o procedimento cirúrgico pelo período mínimo de 14 dias. Prematuros Os prematuros apresentam concentrações de anticorpos mais baixas que os RN a termo. Sua imunização deve seguir a idade pós-natal em vez de a idade gestacional ou o peso do nascimento, portanto, devem ser vacinados na mesma idade cronológica pós-natal que os lactentes a termo de acordo com 274 Capítulo 18 Vacinação o calendário rotineiro (Anexo 3). A vacinação de contactantes é especialmente indicada para quem convive ou cuida de RNPT e inclui as vacinas: coqueluche, influenza, varicela, sarampo, caxumba e rubéola. Vale lembrar que o uso simultâneo de múltiplas doses injetáveis em RNPT pode associar-se à apneia, devendo-se dar preferência à administração de menor número de injeções em cada imunização. Qualquer dose não administrada na idade recomendada deve ser aplicada na visita subsequente. 275 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Anexo 1 - Calendário Nacional de Vacinação da Criança Adotado pelo Ministério da Saúde- Ano 2022 Vacina Quando aplicar Número de doses Reforço BCG1 Ao nascer Dose única Sem reforço Hepatite B Ao nascer 1ª dose na maternidade + 03 doses posteriormente. As doses 02, 04 e 06m incluídas na v. Penta. Poliomielite 1,2,3 (VIP-inativada) 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 3ª dose: 6 meses 03 doses. Intervalo entre doses: 60 dias. Intervalo mínimo de 30 dias. Reforços entre 15 e 18 meses e aos 5 anos de idade (VOP). Rotavírus2 humano G1P1 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4 meses 02 doses. Intervalo: 60 dias. Ler comentário. Sem reforço. Penta (DTP+Hib+HB) 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 3ª dose: 6 meses 03 doses. Intervalo: 60 dias. Intervalo mínimo: 30 dias. 2 reforços: 1º com a vacina DTP aos 15 meses e 2º c/4 anos. Pneumocócica 10 valente3 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 02 doses. Intervalo: 60 dias. Intervalo mínimo: 30 dias da 1ª para a 2ª dose. Reforço: 12 meses. Meningocócica C 3 1ª dose: 3 meses 2ª dose: 5 meses 02 doses. Intervalo: 60 dias Reforço: 12 meses. Influenza A partir de 6 meses. 1º esquema < 8a: 02 doses. Intervalo: 30 dias. Reforço: administrar 01 dose a cada ano. Febre Amarela4 1ª dose: 09 meses 01 dose 04 anos de idade. 276 Capítulo 18 Vacinação Sarampo, Caxumba e Rubéola (SCR) 1ª dose: 12 meses 2ª dose: 15 meses com SRC/Varicela 02 doses. Intervalo: 03meses e mínimo de 30 dias. Sarampo, Caxumba, Rubéola Varicela (SCRV)5 1ª dose: 15 meses 2ª dose da varicela: 04 anos de idade, com a vacina varicela isolada. Hepatite A (HA) 1 dose na idade de 15 meses. Dose única - Difteria, Tétano e Pertussis (DTP) Considerar doses anteriores com penta e DTP. 1º reforço: 9 meses após 3ª dose; 2º reforço: 3 anos após o 1º reforço. 1º reforço: 15 meses; 2º reforço: 4 anos de idade. Difteria e Tétano (dT) A partir de 07anos de idade, caso não tenha recebido Penta ou DTP. 03 doses com intervalo de 60 dias. Intervalo mínimo entre as doses: 30 dias. Reforço a cada 10 anos. Em casos de ferimentos graves, a cada 5 anos. Papilomavírus humano (HPV) 9 a 14 anos para meninas; 11 a 14 anos para meninos. 02 doses com intervalo de 06 meses. - Varicela (isolada) 01dose: 04 anos. 01 dose. Corresponde a 2ª dose da vacina SCR-V. Fonte: Adaptado do calendário nacional de vacinação do Ministério da Saúde, disponível em https://www.gov.br/saude/ pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/calendario-nacional-de-vacinacao. Acessado em: 20/09/2022. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/calendario-nacional-de-vacinacao https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/calendario-nacional-de-vacinacao 277 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Caso a criança não tenha recebido a vacina BCG na maternidade, deve ser administrada quando do primeiro atendimento realizado na Unidade Básica de Saúde. 1. A idade mínima para a administração da primeira dose é de 1 mês e 15 dias e a idade máxima é de 3 meses e 15 dias. A idade mínima para a administração da segunda dose é de 3 meses e 15 dias e a idade máxima é de 7 meses e 29 dias. Se a criança regurgitar, cuspir ou vomitar após a vacinação, não repetir a dose. 2. Administrar 1 (uma) dose da vacina Pneumocócica 10V (conjugada), da v. Meningocócica C (conjugada), v. da hepatite A e da v. tetra viral em crianças até 4 anos (4 anos 11 meses e 29 dias) de idade, que tenham perdido a oportunidade de se vacinar. 3. Para as crianças a partir de 5 (cinco) anos de idade, admi- nistrar 1 (uma) dose única. 4. A vacina SCR-V está recomendada para crianças e ado- lescentes com menos de 12 anos em substituição às vaci- nas tríplice viral (SCR) e varicela, quando a aplicação destas duas for coincidente. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) adotou a vacina SCR-V aos 15 meses, como segunda dose da SCR e primeira da varicela. O intervalo mínimo preconizado é de 30 dias entre a dose de tríplice viral (SCR) e a dose de tetra viral (SCR-V). 278 Capítulo 18 Vacinação Anexo 2 - Calendário: Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (2022) Vacina Quando aplicar Número de Doses Reforço BCG1 Ao nascer Dose única Sem reforço Hepatite B2 Ao nascer 1ª dose na maternidade + 02 doses (2 e 6 meses) Poliomielite 1, 2, 3-Vacina Inativada (VIP)3 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 3ª dose: 6 meses 03 doses. Intervalo: 60 dias. Intervalo mínimo: 30 dias. Reforços: 15 meses e entre 4 e 5 anos de idade (VIP ou VOP). Rotavírus humano 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4 meses 02 doses. Intervalo: 60 dias. Sem reforço. Penta (DTP+Hib+HB) Ou Hexa (DTP + Hib +HB + VIP) 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 3ª dose: 6 meses 03 doses. Intervalo: 60 dias. Intervalo mínimo: 30 dias. 2 reforços: 1º com a vacina DTP aos 15 meses e 2º c/4 anos. Pneumocócica con- jugada 13-valente4 1ª dose: 2 meses 2ª dose: 4meses 3ª doce: 6 meses 03 doses. Intervalo: 60 dias. Reforço: 01 dose entre 12 e 15meses. Meningocócica B 1ª dose: 3 meses 2ª dose: 5 meses 02 doses. Intervalo: 60 dias. Reforço: 12 meses. Meningocócica C e ACWY 1ª dose: 3 meses 2ª dose: 5 meses 02 doses. Intervalo: 60 dias. Reforço: 12 meses e entre 4 e 6 anos. Influenza A partir de 6 meses. 1º esquema < 8a: 02 doses. Intervalo: 30 dias. Reforço: administrar 01 dose a cada ano. Febre Amarela5 1ª dose: 09 meses 01 dose 04 anos de idade. 279 Capítulo 18 Vacinação Sarampo, Caxumba e Rubéola (SCR) 1ª dose: 12 meses 2ª dose: 15 meses com SRC/Varicela 02 doses. Intervalo: 03meses e mínimo de 30 dias. Reforço: 15 meses. Sarampo, Caxumba, Rubéola Varicela (SCRV) 1ª dose: 15 meses 2ª dose: 04 anos 02 doses 2ª dose da varicela: 04 anos de idade, com a vacina varicela isolada. Hepatite A (HA) 1ª dose: 12 meses; 2ª dose: 18 meses. 02 doses - Difteria, Tétano e Pertussis (DTP) Considerar doses anterio- res com penta e DTP. 1º reforço: 9 meses após 3ª dose; 2º reforço: 3 anos após o 1º reforço. 1º reforço: 15 meses; 2º reforço: 4 anos de idade. Difteria e Tétano (dT)/DTPa6 A partir de 07anos de idade, caso não tenha recebido Penta ou DTP. 03 doses com intervalo de 60 dias. Intervalo mínimo entre as doses: 30 dias. Reforço a cada 10 anos. Em casos de ferimentos graves, a cada 5 anos. Covid-197 A partir de 03 anos. 02 doses Seguir recomendação do fabricante. Papilomavírus humano (HPV)8 9 a 14 anos para meninas; 11 a 14 anos para meninos. 02 doses com intervalo: 06 meses p/ < 14 a anos. 03 doses p/ > 15 anos. - Varicela (isolada) 01 dose: 04 anos. 01 dose. Corresponde a 2ª dose da vacina SCR-V. Dengue9 A partir de 09 anos até 45 anos. três doses: 0, 6 e 12 meses de intervalo. - Fonte: Adaptado da Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Imunizações e Departamento de Infectologia. Calendário de Vacinação da SBP- Atualização 2022. 280 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra • Comunicantes domiciliares de hanseníase, independente da forma clínica, podem receber uma segunda dose da vacina BCG. Em recém-nascidos filhos de mãe que utili- zaram imunossupressores na gestação, ou com história familiar de imunossupressão, a vacinação deverá ser adiada, pelo menos até os 6 meses de idade, ou contrain- dicada, dependendo da situação. • Os lactentes que são vacinados em clínicas privadas podem manter o esquema de três doses, a primeira ao nascimento e a segunda e terceira dose aos 2 e 6 meses de idade, respectivamente. Nestas duas doses, podem ser utilizadas vacinas combinadas acelulares – DTPa/IPV/ Hib/HB (Hexa). Importante enfatizar que recém-nascido com idade gestacional inferior a 33 semanas ou peso de nascimento inferior a 2Kg, deverão receber 04 doses da VHB: 0, 2, 4 e 6 meses, como preconizado rotineiramente pelo Ministério da Saúde. • ATENÇÃO: Contraindicar VOP para crianças imunocom- prometidas e para seus contatos domiciliares. Nestas circunstâncias utilizar a VIP. • Está indicada para todas as crianças até 5 anos de idade. O PNI utiliza a vacina pneumocócica conjugada 10-valente no esquema de duas doses, administradas aos 2 e 4 meses, seguidas de um reforço aos 12 meses, podendo ser aplicada 281 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra até os 4 anos e 11 meses de idade. A SBP recomenda, sem- pre que possível, o uso da vacina conjugada 13-valente, no esquema de três doses no primeiro ano (2, 4, e 6 meses) e uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de vida. Crianças saudáveis com esquema completo com a vacina 10-valente podem receber dose(s) adicional(is) da vacina 13-valente, até os cinco anos de idade. • Crianças acima de 5 anos o esquema preconizado da vacina contra febre amarela é de dose única. ATENÇÃO: Lactantes de bebês menores de 6 meses de idade, quando vacinadas, devem ser orientadas para a suspensão do aleitamento materno por 10 dias após a vacinação. • Adolescentes com esquema primário de DTP ou DTPa completo devem receber um reforço com dT ou dTpa, preferencialmente com a formulação tríplice acelular, aos 14 anos de idade. Alguns calendários preconizam este reforço aos 10 anos. No caso de esquema primário para tétano incompleto, este deverá ser completado com uma ou duas doses da vacina contendo o componente tetânico, sendo uma delas preferencialmente com a vacina tríplice acelular. Crianças com 7 anos ou mais, nunca imunizadas ou com histórico vacinal desconhecido, devem receber três doses da vacina contendo o componente tetânico, sendo uma delas preferencialmente com a vacina tríplice 282 Capítulo 18 Vacinação acelular com intervalo de dois meses entre elas (0, 2 e 4 meses - intervalo mínimo de quatro semanas). • Vacina licenciada para crianças a partir de 03 anos e adolescentes, segundo recomendações vigentes no período pandêmico, no esquema primário de duas doses, com orientações de dose de reforço quatro meses após a segunda dose, dependendo da idade e do tipo de vacina utilizada. • A vacina HPV4, disponível no PNI é recomendada em duas doses com intervalo de 6 meses entre elas para indivíduos entre 9 e 14 anos, e em trêsdoses (0, 1 a 2 e 6 meses) para maiores de 15 anos. Imunocomprometidos por doença ou tratamento devem receber o esquema de três doses. • A vacina dengue foi licenciada no Brasil no esquema de três doses (0, 6 e 12 meses) e está recomendada para crian- ças e adolescentes a partir de 9 anos até no máximo 45 anos de idade que já tiveram infecção prévia confirmada pelo vírus da dengue (soropositivos). Está contraindicada para gestantes, mulheres que amamentam e portadores de imunodeficiências. A vacina não deve ser administrada simultaneamente com outras vacinas do calendário. 283 Bárbara Monitchelly Fernandes Chaves de Faria Mylena Taise Azevedo Lima Bezerra Referências BALLALAI, Isabella; BRAVO, Flavia (org.). Imunização: tudo o que você sempre quis saber. Rio de Janeiro: RMCOM, 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais. 4. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. BRASIL. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Secretaria de Vigilância em Saúde. Instrução Normativa referente ao Calendário Nacional de Vacinação. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019a. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota informativa nº 10/2019-CGPNI/DEVIT/SVS/MS. Atualização da recomendação sobre revacinação com BCG em crianças vacinadas que não desenvolveram cicatriz vacinal. Brasília, DF: Ministério da Saúde, [2019b]. BRASIL. Ministério da Saúde. Febre Amarela - Guia para Profissionais de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2018. LIMA, E. J. F. et al., Pediatria ambulatorial: Prevenção de doenças infecciosas: Imunização. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: MedBook, 2017. 284 Capítulo 19 Prevenção de injúrias Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira 19.1 Introdução Quando falamos sobre mortalidade e incapacidade em criança, o trauma se torna a causa mais importante, ficando atrelado a mais mortes do que todas as doenças combinadas (WAKSMAN; BLANK, 2014). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as cinco causas mais comuns de lesões não intencionais são lesões no trânsito, quedas, queimaduras, afogamento e envenenamento. Tais acidentes trazem impacto para as crianças, suas famílias e a sociedade. A questão da idade é fundamental, pois mesmo que o pediatra não seja capaz de modificar a idade de seus pacientes, pode sempre tentar, por meio da orientação, reduzir a exposição aos riscos. A faixa etária em que os acidentes são mais frequentes é entre os três e cinco anos de vida. Podemos justificar essa estatística pela ótica de que as crianças de até um ano de idade têm uma maior supervisão dos responsáveis, visto que após o primeiro ano a criança começa a adquirir alguma independência. Os riscos das divergentes lesões estão associados a diferentes idades e fases de desenvolvimento da criança e requerem diversas práticas preventivas e de fiscalização. Generalizando, lactentes e pré-escolares sofrem mais quei- maduras, afogamentos, quedas e intoxicações; escolares 285 Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira sofrem mais atropelamentos e quedas de bicicletas; ado- lescentes estão mais sujeitos a afogamentos e traumas no trânsito por armas de fogo (BLANK, 2002). Considerando esses riscos, o pediatra deve focar na segurança no ambiente doméstico, no trânsito, nas atividades de lazer e no uso dos brinquedos. O domicílio requer atenção, pois cerca de metade das mortes em menores de 15 anos se dão em casa (WAKSMAN; BLANK, 2014). As áreas de maior risco são a cozinha, o banheiro e as escadas. O Quadro 1 resume as medidas preventivas de quedas conforme o grupo etário. Quadro 1 – Prevenção de quedas nas diversas faixas etárias Prevenção de quedas 0 – 1 ano - Não deixar a criança sozinha em cima de qualquer móvel. - Baixar o estrado do berço quando o bebê sentar sem apoio. - Não deixar objetos soltos no berço. - O espaço entre as grades do berço não deve ultrapassar 0,9 cm. - Não utilizar andadores. 1 – 4 anos - Colocar proteção em janelas e varandas. - Impedir acesso a escadas usando por- tas ou grades de proteção. - Não deixar fios soltos. - Não deixar toalhas pendentes na mesa. Maior de 5 anos - Pisos devem permanecer limpos e secos. - Evitar brincar em locais próximos a buracos ou bueiros. - Utilizar equipamento de segurança nas atividades de esporte e lazer. - Desencorajar brincadeiras em lajes, telhados e varandas. Fonte: autoria própria. As injúrias decorrentes do contato com fogo podem acar- retar longos períodos de tratamento e deixar sequelas físicas e psicológicas por toda a vida, além do perigo de óbito. Dessa forma, a consulta de puericultura tem sua grande importância para orientar a prevenção dos acidentes que ocorrem no am- 286 Capítulo 19 Prevenção de injúrias biente predominantemente doméstico. O Quadro 2 resume os principais cuidados para a prevenção de queimaduras. Quadro 2 – Prevenção de queimaduras Prevenção de Queimaduras Avaliar a temperatura do banho de crianças pequenas (temperatura da água até 37,5ºC). Impedir acesso à cozinha. Não comer ou beber alimentos quentes com criança no colo. Usar os acendedores de trás do fogão e colocar os cabos das panelas para trás. Colocar protetores adequados em interruptores e substituir os fios desencapados. Impedir manipulação de fogos de artifícios. Evitar soltar pipa perto de fios elétricos. Evitar contato com ferro de passar roupa, cigarro aceso, velas, fósforos, isqueiros etc. Álcool líquido e outros combustíveis não devem ser armazenados em casa. Fonte: autoria própria. No Quadro 3, as orientações de prevenção para acidentes com arma de fogo estão elencadas. Quadro 3 - Prevenção de agressões por armas Agressões por Armas Guardar objetos pontiagudos e armas de fogo longe do alcance de crianças e adolescentes. Não estimular brincadeiras com armas de brin- quedo ou jogos digitais violentos. Guardar munições em lugar trancado, separado da arma. Guardar armas de fogo descarregadas e travadas. Fonte: autoria própria. 287 Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira Os afogamentos são outros exemplos de injúrias que re- querem nossa atenção no atendimento às crianças pequenas. O cuidado se estende tanto a espaços abertos (mar, lagoas, re- presas e rios) como a piscinas, banheiras e até balde com água. O Quadro 4 resume as medidas de prevenção de afogamentos. Quadro 4- Prevenção de afogamento Acidentes por Submersão Nunca deixar a criança sozinha na banheira, em tanques, piscinas e praias. Baldes e bacias devem permanecer vazios, em locais mais altos e com a boca voltada para baixo. A criança deve usar sempre um colete salva-vidas quando estiver em embarcações próximo a rios, represas, mares, lagos, piscinas e estar acompanhadas por adultos. Portas de acesso ao banheiro devem estar sempre fechadas. Fonte: autoria própria. O Quadro 5 sumariza a prevenção de intoxicações. Quadro 5- Prevenção de intoxicações Prevenção de Intoxicações Os produtos devem ser guardados nas embalagens originais e fora do alcance da criança. Limpar a casa com produtos de odor reduzido ou sem cheiro. Adquirir brinquedos que tenham obrigatoriamente o certificado do Inmetro. Atentar para a validade dos medicamentos e a dosagem receitada pelo médico. Não permitir que a criança toque ou ingira plantas sabidamente tóxicas ou desconhecidas. Evitar o consumo de alimentos industrializados, consultando rotineiramente prazo de validade, composição, condições de armazenamento (temperatura), aspecto da embalagem e alertas do fabricante. Fonte: autoria própria. 288 Capítulo 19 Prevenção de injúrias No âmbito da segurança do trânsito, o profissional de saúde tem a responsabilidade de orientar quanto o cuidado como pedestre; o uso correto dos assentos de segurança e capacetes. É necessário falar com clareza as indicaçõesdos vários assentos de segurança em cada faixa de idade, conforme resumido na Tabela seguinte. 289 Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira Quadro 6 – Transporte no automóvel. TRANSPORTE NO CARRO LACTENTE – BEBÊ CONFORTO - Os recém-nascidos e lactentes devem ser transpor- tados de costas para o movimento do veículo até pelo menos 2 anos de idade ou até alcançar 10Kg. - As tiras da cadeirinha devem ficar abaixo do ombro. - Nunca colocar nada entre a criança e a cadeira. A partir dos 2 anos de idade até os 5 anos (de 20 a 22 kg): cadeirinha - Assento de segurança voltado para frente. 290 Capítulo 19 Prevenção de injúrias A partir de 20-22 kg até alcançar 1,45 m: assento de elevação (BOOSTER) - Usar assento de segurança para que o cinto de três pontos do carro passe confortavelmente pelo meio do ombro, o centro do peito e sobre os quadris da criança (nunca sobre o abdome). Para criança com mais de 1,45 m: cinto de 3 pontos do próprio carro - A porção subabdominal deve passar pela pelve, a por- ção do ombro passar pelo meio do ombro e do tórax e os pés devem estar encostados no assoalho. Fonte: autoria própria. 291 Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira Na consulta de puericultura, também deve ser indagado sobre os hábitos de deslocamento da família, pois a segurança do pedestre deve ter uma visibilidade equivalente ao uso de dispositivos restritivos, como assentos infantis e cintos de segurança. A orientação para a prevenção de atropelamento está contemplada no Quadro 7. Quadro 7- Prevenção de atropelamento. Prevenção de Atropelamento Não atravessar a rua por trás de carros, ônibus, árvores e postes. Utilizar sempre a faixa de pedestres. Entender e obedecer sinais de trânsito. Esperar que o veículo pare totalmente para poder descer e aguardar que ele se afaste para atravessar a rua. Fonte: autoria própria. Um ponto relevante na consulta de rotina da criança é instruir os pais sobre o cuidado com os brinquedos, suas normas e respectivas instruções. A aspiração e a consequente asfixia constituem causas de complicações graves, inclusive a morte. A prevenção de acidentes causados por brinquedos consta do Quadro 8. Quadro 8- Prevenção de acidentes causados por brinquedos. Prevenção de Acidentes Causados por Uso Inapropriado de Brinquedos Ao escolher um brinquedo, levar em consideração a idade da criança. Evitar brinquedos com cordas, alças ou fitas maiores que 15 cm. Brinquedos de locomoção não devem ser utilizados próximos a escadas, tráfego e piscina. 292 Capítulo 19 Prevenção de injúrias Todas as partes do brinquedo devem ser maiores que o pulso da criança. Evitar brinquedos que desprendam partes pequenas, especialmente para crianças menores de três anos de idade. Crianças menores não devem ter acesso aos brinquedos de crianças maiores. Os brinquedos, como as brincadeiras, devem corresponder à idade e à etapa de desenvolvimento da criança. Evitar utilizar balões coloridos de látex, pilhas esféricas. Fonte: autoria própria. Conclusões Medidas educativas isoladas são insuficientes para o controle de injúrias, sendo essencial a participação ativa dos pediatras e de todos os profissionais que supervisionam a saúde da criança, a partir de um trabalho interdisciplinar e interprofissional, de forma integrada e colaborativa, em todas as consultas de puericultura, e em ações programadas de educação na comunidade. 293 Isadora Correia Lopes Illane Mayara de Oliveira Referências BLANK, D. Prevenção e controle de injúrias físicas: saímos ou não do século 20? J. Pediatr., [S. l.], v. 78, n. 2, p. 84-86, 2002. DOI: https://doi.org/10.1590/S0021-75572002000200003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0021-75572002000200003&lng=en. Acesso em: 23 nov. 2020. GONÇALVES, Anderson César et al., Acidentes na infância: casuística de um serviço terciário em uma cidade de médio porte do Brasil. Rev Col Bras Cir, [S. l.], v. 46, n. 2, p. 1-7, abr. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912019000200150. Acesso em: 9 jul. 2019. RODRIGUEZ, Hugo et al., Peligro de asfixia: conocimiento de los padres sobre la aspiración de cuerpos extraños en niños. FASO, [Argentina], v. 24, n. 1, p. 51-54, dez. 2017. Disponível em: http://faso.org.ar/revistas/2017/1/9.pdf. Acesso em: 9 jul. 2019. SILVA, M. F. D. et al., Fatores determinantes para a ocorrência de acidentes domésticos na primeira infância. Journal of Human Growth and Development, [S. l.], v. 27, n. 1, p. 10- 18, abr. 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ rbcdh/v27n1/pt_02.pdf. Acesso em: 3 jul. 2019. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912019000200150 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912019000200150 http://faso.org.ar/revistas/2017/1/9.pdf 294 Capítulo 19 Prevenção de injúrias WAKSMAN, Renata Dejtiar; BLANK, Danilo. Prevenção de acidentes: um componente essencial da consulta pediátrica. Residência Pediátrica, [Rio de Janeiro], v. 3, n. 4, p. 36-44, jun. 2014. Disponível em: http:// residenciapediatrica.com.br/detalhes/117/prevencao- de-acidentes--um-componente-essencial-da-consulta- pediatrica. Acesso em: 9 jul. 2019. 295 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires 20.1 Introdução A Síndrome de Down (SD) caracteriza-se por ser a cromosso- mopatia mais comum entre os recém-nascidos (RN) vivos. A SD tem sua apresentação clínica explicada por um desequilíbrio da constituição cromossômica, a trissomia do cromossomo 21, que pode ocorrer principalmente por trissomia livre, translo- cação ou mosaicismo. A incidência de nascidos vivos com SD é estimada em 1 para cada 700 nascidos vivos, independente- mente de etnia, gênero ou classe social. Etiologia: • Origem citogenética: - Trissomia 21 livre: - Cromossomo extra provavelmente de origem materna (não disjunção durante a meiose cromossômica materna), mais frequente em mulheres de idade avançada, que corresponde a maioria dos casos. • Mosaicismo: - Presença de duas ou mais constituições cromos- sômicas (pelo menos uma normal e outra com T21) num mesmo indivíduo e as manifestações 296 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down dependem de como ocorre essa distribuição; 2 a 4% dos casos. Nas crianças com mosaicismo (46,XY/47,XY + 21 ou 46,XX/47,XX + 21), o fenó- tipo pode ser atenuado, dificultando o diagnós- tico ao nascimento. • Translocação Robertsoniana: - Podem ser de origem familiar ou casual, sem ligação com a idade materna; - 2 a 4% dos casos; • Outros rearranjos estruturais: - O fenótipo dependerá das características de cada paciente, desde muito leve a muito comprometidos; - Menos de 1% dos casos. A suspeita diagnóstica pode ocorrer durante o pré-natal. A detecção de alteração da translucência nucal, detectada em ultrassonografia fetal entre a 11ª e a 14ª semana de gestação pode contribuir com o diagnóstico de SD em até 70% dos casos, com taxas de falso-positivo de apenas 5%. No período pós-natal, a identificação de alterações fenotípicas características da SD, em geral, direcionam ao diagnóstico clínico. A realização do cariótipo identifica o mecanismo genético da Síndrome de Down: trissomia livre, mosaicismo ou translocação. Contudo, a identificação do mecanismo genético não determina as características físicas ou o desenvolvimento das pessoas com SD. 20.2 A comunicação com a família A comunicação do diagnóstico deve ser realizada quando os sinais característicos forem identificados por mais de um membro da equipe. O diálogo deve ocorrer preferencialmente 297 Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires na presença da mãe e do pai, ou, em condições excepcionais (ausência de um deles ou impedimento de ambos), outro membro da família, com um relacionamento significativo paraos pais e a criança, será esclarecido sobre o diagnóstico. Antes da notícia, é importante que a mãe e o pai tenham tido a oportunidade de ver, acariciar e amamentar o recém- nascido, estabelecendo o vínculo com a criança e evitando ideias fantasiosas após o diagnóstico. O profissional deve estar atento aos sinais de sofrimento dos pais e à necessidade de apoio psicológico. Portanto, as habilidades de comunicação empática são indispensáveis no momento do diagnóstico e durante o acompanhamento da saúde do bebê. 20.3 Características fenotípicas e dados do exame físico da criança com Síndrome de Down • Cabeça: braquicefalia; • Cabelos: fino, liso e de baixa implantação; • Olhos: epicanto, fenda palpebral oblíqua; • Orelhas: alterações no tamanho (pequenas), na rota- ção e implantação; • Nariz: pequeno e com ponte nasal plana; • Cavidade oral: boca pequena; macroglossia; glossoptose • Pescoço: excesso de tecido adiposo e pele; • Abdome: diástase do músculo reto abdominal; • Mãos: prega palmar única, clinodactilia do 5º dedo da mão; braquidactilia; • Tônus: hipotonia e frouxidão ligamentar; 298 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down • Pés: espaço aumentado entre o 1º e 2º pododáctilos; prega na área halucal. Alterações clínicas mais comuns no paciente com SD: 1) Instabilidade atlanto-axial: - Presente de modo assintomático em 13% das crianças com SD; - Sintomas: podem apresentar um quadro de síndrome medular por compressão da medula; dor no pescoço, torcicolo, anormalidades na marcha, perda de controle intestinal ou de bexiga ou sinais de para ou tetraparesia. 2) Problemas oftalmológicos: - Erros de refração (50%); - Estrabismo - Nistagmo. - Catarata (15% dos RN); - Glaucoma; 3) Problema auditivo: - Deficiência auditiva (38-78%); - Otite 4) Cognição: - Déficit cognitivo (quase 100%) dos pacientes, variando de leve a grave; - Demência: a doença de Alzheimer ocorre em idade mais precoce. 5) Distúrbios comportamentais e psiquiátricos: - O autismo: presente em 7% dos casos; - Transtornos de comportamento opositor; - TDAH; - Depressão: comum em adolescentes. 299 Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires 6) Malformações cardíacas: - Cardiopatias congênitas estão presentes em aproximadamente 50% dos pacientes, como a Persistência do Canal Arterial (PCA); Tetralogia de Fallot; defeito do septo AV total ou parcial; defeito do septo atrial (CIA); defeito do septo ventricular (CIV). 7) Problemas respiratórios: - Pneumonia é a principal causa de morte; - Broncoaspiração crônica; - Apneia do sono: as principais causas são a obesidade e a hipertrofia de amígdala faríngea (adenoide) e amígdala palatina; - Asma; - Doenças pulmonares parenquimatosas. 8) Malformações e doenças do trato gastrointestinal: - Atresia de esôfago com fístula traqueo-esofágica; - Estenose ou atresia duodenal; - Pâncreas anular; - Ânus imperfurado; - Doença de Hirschsprung (risco <1%); - Doença Celíaca (5-16%). 9) Anormalidades urológicas: - Hipospádia; - Câncer testicular; - Malformações renais. 10) Problemas de pele: - Dermatite seborreica; - Alopecia areata; - Xerose e hiperceratose palmo-plantar; 300 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down - Cutis marmorata; - Foliculite. 11) Artropatias: - Artrite Idiopática Juvenil (6 vezes mais comum na SD). 12) Problemas reprodutivos: - Homens: a maioria infértil (problemas na espermatogênese); - Mulheres: são férteis e podem engravidar. 13) Problemas hematológicos: - Leucemia: (risco 30 vezes maior do que a população geral); - Transtorno Mieloproliferativo Transitório - TMT (incidência cerca de 10%); - Anemia e a deficiência de ferro (10%). 16) Problemas endocrinológicos e metabólicos: - Distúrbios da tireoide (risco de 1,4% de hipotireoidismo congênito e 14% a 66% de hipotireoidismo ao longo da vida); - Diabetes Mellitus; - Obesidade. 18) Distúrbios do crescimento: - Baixa estatura 19) Aspectos relacionados à imunidade: - Desregulação imune generalizada e crônica; - Doenças autoimunes; risco maior de infecções virais respiratórias e maior mortalidade por pneumonia bacteriana e sepse. 301 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down 20.4 Seguimento clínico da criança com Síndrome de Down A criança com SD necessita de um seguimento e cuidados direcionados, com uma equipe multidisciplinar e interpro- fissional para promover o estímulo precoce e proporcionar o desenvolvimento do potencial de cada paciente, objetivando a autonomia, a integração social e o reconhecimento precoce de patologias que possam afetar sua saúde. O Quadro 1 sumariza os cuidados com a saúde de criança com SD. 302 Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires Quadro 1 – Cuidados com a saúde da criança com Síndrome de Down: Triagem do período neonatal Cariótipo; triagem biológica neonatal (T. Pezinho); hemograma; emissões otoacústicas; teste da oximetria de pulso e ecocardio- grama. A ultrassonografia abdominal deve ser realiza para afastar malformações associadas ao sistema urológico ou digestório. Encaminhamento a especialidades médicas Geneticista, Cardiologista (quando indicado), Endocrinologista (quando indicado), Gastroenterologista (quando indicado), Hematologista (quando indicado), Oftalmologista (avaliação inicial e seguimento anual), Reu- matologista (quando indicado) e Psiquiatra (quando indicado). Acompanhamento Interprofissional de rotina. Assistente Social, Pediatra, Enfermeiro, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Terapeuta ocupacional, Nutricionista, Odontólogo, Pedagogo e Psicólogo. Consultas de rotina, atenção aos cuidados apropriados à idade Aconselhamento genético; avaliação nutricional, alimentação, vín- culo afetivo, dinâmica familiar. Para a avaliação antropométrica, uti- liza-se a curva de crescimento específica para criança com SD. Avaliação de desenvolvimento neuropsicomotor, sensorial, lin- guagem, comportamento e Transtorno de Espectro Autista. Imunização (vacinas do calendário básico, vacina contra influenza e antipneumocócia 10 ou 13, no primeiro ano de vida e aos 2 anos fazer uma dose da Pneumo 23 e repetir após 5 anos; cuidados posturais, higiene, prevenção de injúrias, estimulação precoce e reabilitação. As consultas devem ser mensais até 12 meses, bimensais entre 12-36 meses; semestrais a partir dos 3 anos e anuais no período da adolescência. Atenção quanto à prevenção de abusos físicos e sexuais e cuidados reprodutivos. 303 Talita Maia Rêgo Maria Edinilma Felinto de Brito Devani Ferreira Pires Curvas de crescimento SD Curvas do CDC / 2015. Disponível em: https://www.cdc.gov/ncb- ddd/birthdefects/downsyndrome/growthcharts.html Atenção às doenças prevalentes Infecções respiratórias de repetição, refluxo gastroesofágico, otite média, apneia do sono, obstipação intestinal, obesidade, problema de pele, problemas visuais. Benefício de Prestação Continuada (BPC) É um benefício individual, não vitalício e intransferível que assegura o valor mensal de 1 salário mínimo à pessoa com deficiência de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir sua participação plena e efe- tiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Inclusão escolar Crianças com SD devem ser colocadas nas escolas desde os pri- meiros anos de vida, assim como qualquer outra, assegurado pela Lei Nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão). Legislação: Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) Trata de inclusão social, condições de acesso às áreas de educação, saúde, trabalho, cultura, esporte e infraestrutura urbana, além de estabelecer punições para atitudes discriminatórias contra a dignidade humana. Fonte: autoria própria. 304 Capítulo 20 A saúde da criança com síndrome de Down A idade esperada para a aquisição de marcos motores grosseiros estão listados no quadro 2. Quadro 2- Desenvolvimento