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������� ��� ���� �� ����� �������� �� ������� ���� � F855a Freeman, Scott. Análise evolutiva [recurso eletrônico] / Scott Freeman, Jon C. Herron ; tradução Maria Regina Borges-Osório, Rivo Fischer. – 4. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2009. Editado também como livro impresso em 2009. ISBN 978-85-363-1957-5 1. Evolução – Biologia. 2. Herron, Jon C. I. Título. CDU 575.89 Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges – CRB-10/Prov-021/08 2009 Tradução: Maria Regina Borges-Osório Licenciada em História Natural. Mestre em Genética. Doutora em Ciências. Professora adjunta aposentada do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bacharela em Tradução pelo Instituto de Letras da UFRGS. Rivo Fischer Licenciado em História Natural. Mestre em Genética. Doutor em Ciências. Professor adjunto aposentado do Instituto de Biociências da UFRGS. Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Aldo Mellender de Araújo Professor titular do Departamento de Genética da UFRGS. Doutor em Genética. Análise Evolu iva 4ª Edição Scott Freeman University of Washington Jon C. Herron University of Washington Versão impressa desta obra: 2009 Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 – Porto – Alegre – RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Angélica, 1.091 – Higienópolis 01227-100 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Obra originalmente publicada sob o título Evolutionary analysis, 4th Edition ISBN 0-13-227584-8 Authorized translation from the English language edition, entitled EVOLUTIONARY ANALYSIS, 4th Edition by FREEMAN, SCOTT; HERRON, JON C., published by Pearson Education, Inc., publishing as Benjamin Cummings, Copyright © 2007. All rights reserved. No part of this book may be reproduced or transmitted in any form or by any means, electronic or mechanical, including photocopying, recording or by any information storage retrieval system, without permission from Pearson Education,Inc. Portuguese language edition published by Artmed Editora SA, Copyright © 2009. Tradução autorizada a partir do original em língua inglesa da obra intitulada EVOLUTIONARY ANALYSIS, 4ª Edição por FREEMAN, SCOTT; HERRON, JON C., publicado por Pearson Education, Inc., sob o selo de Benjamin Cummings, Copyright © 2007. Todos os direitos reservados. Este livro não poderá ser reproduzido nem em parte nem na íntegra, nem ter partes ou sua íntegra armazenado em qualquer meio, seja mecânico ou eletrônico, inclusive reprografi a, sem permissão da Pearson Education, Inc. A edição em língua portuguesa desta obra é publicada por Artmed Editora SA, Copyright © 2009. Capa: Mário Röhnelt Leitura fi nal: Joana Silva Supervisão editorial: Letícia Bispo de Lima Editoração eletrônica: Techbooks Prefácio Análise evolutiva destina-se aos estudantes universitários de biologia ou ciências afins. Pres- supomos que os leitores tenham completado todos ou grande parte dos estudos iniciais e estejam começando a pesquisar mais detalhadamente as áreas específicas da biologia que sejam relevantes à sua vida pessoal e profissional. Esperamos que nossos leitores sigam sua carreira em uma diversidade de campos, in- cluindo medicina, educação, manejo e conservação ambientais, jornalismo, biotecnologia e pesquisa acadêmica. Portanto, ao longo deste livro, tentamos mostrar a importância da evolução para toda a biologia e para os problemas do mundo real. Nosso primeiro objetivo é incentivar os leitores a pensarem como cientistas. Apresenta- mos a biologia evolutiva não como uma coleção de fatos, mas como um esforço contínuo de pesquisa. Ao investigar um assunto, começamos com perguntas. De onde se origina o HIV? Por que as populações de galinhas das pradarias continuam a diminuir, apesar dos esforços bem-sucedidos para restaurar seu hábitat? Quão próxima é a relação entre os humanos e os chimpanzés? Utilizamos essas questões para motivar as discussões sobre as informações contextuais e a teoria. Esses debates nos habilitam a estruturar hipóteses alter- nativas, considerar como elas podem ser testadas e fazer predições. A seguir, apresentamos e analisamos os dados, consideramos suas implicações e focalizamos novas perguntas para pesquisas futuras. As habilidades analíticas e técnicas que os leitores aprendem, a partir dessa abordagem, têm aplicação ampla e permanecerão com eles durante muito tempo depois que os detalhes dos exemplos específicos desaparecerem gradualmente. Em harmonia com nossa apresentação da biologia evolutiva como um empreendimen- to dinâmico de pesquisa, tentamos manter nossa abrangência a mais atualizada possível. Isso tornou a 4a edição tão estimulante – e tão assustadora – de elaborar quanto as três primeiras. Muitas áreas que abrangemos estão progredindo a uma velocidade que não sonharíamos possível há apenas alguns anos. Mais de uma vez, nossos editores tiveram de praticamente arrancar de nossas mãos os manuscritos dos capítulos, embora ainda quisésse- mos fazer mais modificações nos textos. Em cada capítulo, existe um aspecto novo, e, entre os exemplos que nos parecem mais provocativos, estão os seguintes: Evidência de que a progressão da doença nos pacientes com HIV resulta, em parte, da • evolução da população viral para uma aptidão competitiva maior (Capítulo 1). Dados da genética de populações indicando que os heterozigotos sobreviveram a • uma epidemia de encefalopatia esponjosa em humanos, em uma taxa mais alta do que os homozigotos (Capítulo 6). Demonstração de que a substituição de um alelo por outro em um único loco pode • alterar extraordinariamente a atração de uma flor para os diferentes polinizadores (Capítulo 9). Dados sugerindo que a freqüência da síndrome de Apert, em populações humanas, • reflete a seleção em nível de células-tronco nos tecidos, atuando contrariamente à seleção em nível de indivíduos nas populações (Capítulo 10). Resultados mostrando que as fêmeas dos grilos marcam aromaticamente seus ma- • chos, para evitar copular duas vezes com o mesmo macho (Capítulo 11). Experimentos de campo revelando que uma planta invasiva desenvolveu maior capa- • cidade de colonização e invasão de um hábitat e competição com espécies cultivadas, quando liberada de conflitos de histórias de vida (Capítulo 13). vi Prefácio Documentação de que uma modificação fenotípica de uma planta resultou de uma • mudança na regulação gênica (Capítulo 15). Evidência filogenética de que os vírus desempenharam um papel essencial na transi- • ção do mundo do RNA para o mundo do DNA e na origem dos três domínios da vida (Capítulo 17). Novas percepções da evolução do membro tetrápode a partir da genética do desen- • volvimento e de um fóssil de transição recentemente descoberto (Capítulo 19). Incentivamos os leitores a verificar a literatura sobre novas descobertas que tenham sido descritas desde que este livro foi para o prelo; certamente serão muitas. As duas tendências que percebemos desde a 1a edição estão refletidas nas mudanças do sumário. Primeiro, as filogenias tornaram-se tão fundamentais para as pesquisas sobre evolução que tivemos de introduzir o raciocínio genealógico muito mais cedo neste livro. Portanto, antecipamos a avaliação de árvores evolutivas para a Parte I, sendo agora o Ca- pítulo 4. Em segundo lugar, o Projeto Genoma Humano e as tecnologias que ele fomen- tou provocaram uma explosão de dados genômicos. As análises genômicas comparativas produziram insights surpreendentes do processo evolutivo. A fim de transmitir um pouco da emoção dessa nova fronteira, acrescentamosum capítulo sobre Filogenômica e a Base Molecular da Adaptação, constituindo o Capítulo 15, que conclui a Parte III. Ao todo, há quatro partes: Parte I, Introdução • – mostra que a evolução é relevante fora dos livros e das salas de aula, estabelece o fato da evolução com uma mistura de evidências clássicas e recentes, apresenta a seleção natural como um processo observável e desenvolve mé- todos modernos para reconstruir as árvores evolutivas. Parte II, Mecanismos de Mudança Evolutiva • – desenvolve as sustentações teó- ricas da moderna biologia evolutiva, explorando como mutação, seleção, migração e deriva produzem mudanças evolutivas. Parte III, Adaptação • – apresenta uma amplitude de métodos para estudar a adapta- ção e oferece relatos detalhados das pesquisas em seleção sexual, seleção de parentes- co, evolução das histórias de vida e medicina darwiniana. Parte IV, A História da Vida • − começa com uma análise da especiação. A seguir, considera a origem da vida, a filogenia universal e os principais eventos na história de organismos pluricelulares. Devido à sua importância para a compreensão da macroe- volução, nosso capítulo sobre Desenvolvimento e Evolução faz parte desta parte, que termina, assim como o livro, com a evolução humana. A maioria dos capítulos inclui quadros que abrangem tópicos ou métodos especiais, fornecem análises mais minuciosas ou oferecem derivações de equações. Todos os capítulos terminam com uma série de questões que estimulam os leitores a revisar o material, aplicar os conceitos a novos temas e explorar a literatura básica. Recursos adicionais para professores e alunos* O Companion Website** associado ao livro Análise evolutiva foi novamente revisado e atu- alizado. Esse website (em inglês) é acessível por meio da homepage do livro: www.prenhall.com/freeman * Todas as fotografias deste livro, tanto aquelas cujo original é colorido como aquelas cujo original é em preto e branco, estão disponíveis para visualização em www.artmed.com.br, como conteúdo online. ** A manutenção e a disponibilização do site www.prenhall.com/freeman (em inglês) são de total responsabilidade da Pearson Education, Inc. Prefácio vii Ele apresenta testes de aprendizagem sobre os capítulos, cuidadosamente elaborados, que oferecem feedback instrutivo minucioso. Esses testes destinam-se a aumentar a com- preensão dos conceitos subjacentes de cada capítulo, bem como preparar os estudantes para se submeterem às provas. Atividades como simulações e estudos de casos desafiam os alunos a fazer perguntas, formular hipóteses, delinear experimentos, analisar dados e tirar conclu- sões. Muitas dessas atividades acompanham programas de softwares que podem ser baixados em seus computadores, possibilitando que os estudantes realizem as próprias investigações virtuais. O Companion Website contém, ainda, as respostas das questões finais dos capítu- los e weblinks com outros sites relacionados à evolução. Agradecimentos Devemos a eficiência e o sucesso de Análise evolutiva à generosidade, à criatividade, à ener- gia e ao apoio de muitos colegas e alunos que nos ajudaram a escrever um livro melhor. Essas pessoas revisaram os capítulos, compartilharam seus dados e suas fotografias, respon- deram às nossas perguntas, escreveram mensagens com sugestões, enviaram-nos cópias e conversaram conosco em diversos encontros. É um privilégio passar algum tempo com essa notável comunidade, à qual agradecemos por suas colaborações. Durante o preparo da 4a edição, fomos orientados por críticas diligentes, detalhadas e construtivas de: Butch Brodie, Indiana University George W. Gilchrist, College of William & Mary David Gray, California State University, Northridge Andy Jarosz, Michigan State University Nicole Kime, Edgewood College Martin Morgan, Washington State University Leslee A. Parr, University of Wisconsin Andy Peters, University of Wisconsin Thomas Ray, University of Oklahoma David Ribble, Trinity University Peter Tiffin, University of Minnesota Robert S. Wallace, Iowa State University Yufeng Wang, University of Texas, San Antonio Paul Wilson, California State University Caso restem deficiências, a falta é nossa por não seguirmos com mais fidelidade suas excelentes recomendações. Os seguintes colegas leram as provas dos capítulos. Seu olhar aguçado e feedback ponde- rado proporcionaram considerável aprimoramento ao manuscrito: Lynda Delph, Indiana University Stephen Freeland, University of Maryland, Baltimore County Tamra Mendelson, Lehigh University Sara Via, University of Maryland Helen Young, Middlebury College A empresa RMBlue Studios ajudou a desenvolver o projeto gráfico, preparou novas e belas ilustrações e revisou a arte já existente. Kathleen Hunt reexaminou o caráter insti- gante dos itens Questões e Explorando a Literatura, ao fim dos capítulos. Brooks Miner auxiliou nas pesquisas em bibliotecas, ajudou a planejar as versões corrigidas dos capítulos e ofereceu sugestões inestimáveis quanto ao manuscrito. viii Prefácio A equipe editorial e de produção da Pearson Prentice Hall foi, como sempre, extraor- dinária. Somos-lhe gratos por sua orientação, seu apoio, sua colaboração e sua amizade. O ESM presidente Paul Corey comprometeu-se firmemente com este projeto desde o início. A assistente editorial Lisa Tarabokjia organizou as revisões. O editor sênior de mídia Patrick Shriner e a editora assistente Jessica Berta desenvolveram os componentes de mí- dia. O diretor de arte Kenny Beck projetou o livro. Jacqueline Ambrosius supervisionou a editoração do texto. A admirável equipe de representantes comerciais da Prentice Hall já está divulgando este livro aos professores de toda parte, desde quando ainda colocávamos os últimos retoques nesta edição. A editora de produção Debra Wechsler destaca-se em suas funções, e é um prazer tra- balhar com ela. Não entendemos como consegue nos agüentar, em meio à supervisão de um milhão de detalhes de última hora. O nosso maior agradecimento para ela ainda será insuficiente. Finalmente, somos gratos a dois extraordinários editores com quem temos a grande ventura de colaborar. A primeira editora, Sheri Snavely, decidiu fazer este projeto e dedi- cou-se verdadeiramente ao seu sucesso em suas três edições anteriores. Este será sempre o seu livro. Após conseguir que iniciássemos a 4a edição, transferiu o projeto para as mãos notavelmente capazes do editor de aquisições Andrew Gilfillan, que é um pilar de sabedo- ria e sustentação. Agora este livro também é dele. Jon C. Herron Scott Freeman Seattle, Washington Sumário PARTE I INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO 1 Um caso para o pensamento evolucionista: a compreensão do HIV 3 CAPÍTULO 2 O padrão da evolução 37 CAPÍTULO 3 Seleção natural darwiniana 73 CAPÍTULO 4 Estimando árvores evolutivas 111 PARTE II MECANISMOS DE MUDANÇA EVOLUTIVA 141 CAPÍTULO 5 Mutação e variação genética 143 CAPÍTULO 6 Genética mendeliana em populações I: seleção e mutação como mecanismos de evolução 169 CAPÍTULO 7 Genética mendeliana em populações II: migração, deriva genética e cruzamentos não-aleatórios 223 CAPÍTULO 8 Evolução em locos múltiplos: ligação e sexo 281 CAPÍTULO 9 Evolução em locos múltiplos: genética quantitativa 319 PARTE III ADAPTAÇÃO 361 CAPÍTULO 10 Estudando a adaptação: análise evolutiva de forma e função 363 CAPÍTULO 11 Seleção sexual 401 CAPÍTULO 12 Seleção de parentesco e comportamento social 447 CAPÍTULO 13 Envelhecimento e outras características das histórias de vida 483 CAPÍTULO 14 Evolução e saúde humana 529 CAPÍTULO 15 A filogenômica e a base molecular da adaptação 575 PARTE IV A HISTÓRIA DA VIDA 603 CAPÍTULO 16 Mecanismos de especiação 605 CAPÍTULO 17 As origens da vida e a evolução pré-cambriana 639 CAPÍTULO 18 A explosão do Cambriano e além 689 CAPÍTULO 19 Desenvolvimento e evolução 725 CAPÍTULO 20 A evolução humana 753 Sumário Detalhado PARTE I INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO 1 Um caso para o pensamento evolucionista: a compreensãodo HIV 3 1.1 A história natural da epidemia de HIV/AIDS 4 1.2 Por que a AZT funciona em curto prazo, mas falha em longo prazo? 11 Quadro 1.1 A compreensão de como a resistência evolui pode ajudar os pesquisadores a planejarem melhores tratamentos? 16 1.3 Por que o HIV é fatal? 16 1.4 Por que algumas pessoas são resistentes ao HIV? 22 1.5 De onde se originou o HIV? 25 Quadro 1.2 Quando o HIV se transferiu dos chimpanzés para os humanos? 28 Resumo 30 • Questões 30 Explorando a literatura 31 • Referências 32 CAPÍTULO 2 O padrão da evolução 37 Quadro 2.1 Uma breve história de idéias sobre evolução 39 2.1 Evidências de mudança ao longo do tempo 40 2.2 Evidências de ancestralidade comum 50 Quadro 2.2 Homologia e organismos-modelo 59 2.3 A idade da Terra 60 Quadro 2.3 Um olhar mais acurado sobre a datação radiométrica 64 2.4 Existe, necessariamente, um conflito entre a biologia evolutiva e a religião? 65 Resumo 68 • Questões 68 Explorando a literatura 69 • Referências 70 CAPÍTULO 3 Seleção natural darwiniana 73 3.1 Seleção artificial: animais domésticos e plantas 74 3.2 Evolução por seleção natural 76 3.3 A evolução da cor da flor em uma população experimental de bocas-de-leão 78 3.4 A evolução da forma do bico nos tentilhões de Galápagos 80 Quadro 3.1 Aspectos que dificultam as estimativas de herdabilidades 84 3.5 A natureza da seleção natural 90 3.6 A evolução do darwinismo 94 3.7 O debate sobre o “criacionismo científico” e o criacionismo do planejamento inteligente 97 Resumo 105 • Questões 106 Explorando a literatura 107 • Referências 107 CAPÍTULO 4 Estimando árvores evolutivas 111 4.1 A lógica da inferência de filogenias 112 4.2 A filogenia das baleias 119 Quadro 4.1 Uma nota sobre métodos de distância 126 4.3 Usando as filogenias para responder a questões 130 Resumo 136 • Questões 137 Explorando a literatura 139 • Referências 139 xii Sumário Detalhado PARTE II MECANISMOS DE MUDANÇA EVOLUTIVA 141 CAPÍTULO 5 Mutação e variação genética 143 5.1 De onde surgem os novos alelos 144 5.2 De onde surgem os novos genes 152 5.3 Mutações cromossômicas 156 5.4 Medindo a variação genética nas populações naturais 160 Resumo 166 • Questões 166 Explorando a literatura 167 • Referências 168 CAPÍTULO 6 Genética mendeliana em populações I: seleção e mutação como mecanismos de evolução 169 6.1 Genética mendeliana em populações: o princípio do equilíbrio de Hardy-Weinberg 170 Quadro 6.1 Combinando probabilidades 175 Quadro 6.2 O princípio do equilíbrio de Hardy-Weinberg com mais de dois alelos 180 6.2 Seleção 182 Quadro 6.3 Um tratamento geral da seleção 186 Quadro 6.4 Doenças cerebrais esponjosas 189 Quadro 6.5 Análise estatística das freqüências alélicas e genotípicas por meio do teste de χ2 (qui-quadrado) 192 Quadro 6.6 Predição da freqüência do alelo CCR5-Δ32 nas futuras gerações 194 6.3 Padrões de seleção: testando as predições da teoria da genética de populações 194 Quadro 6.7 Um tratamento algébrico da seleção de alelos recessivos e dominantes 198 Quadro 6.8 Equilíbrios estáveis com superioridade dos heterozigotos e equilíbrios instáveis com inferioridade dos heterozigotos 202 6.4 Mutação 210 Quadro 6.9 Um tratamento matemático da mutação como um mecanismo evolutivo 212 Quadro 6.10 Freqüências alélicas em equilíbrio mutação-seleção 215 Quadro 6.11 Estimando as taxas de mutação para alelos recessivos 216 Resumo 218 • Questões 219 Explorando a literatura 220 • Referências 221 CAPÍTULO 7 Genética mendeliana em populações II: migração, deriva genética e cruzamentos não-aleatórios 223 7.1 Migração 225 Quadro 7.1 Um tratamento algébrico da migração como um processo evolutivo 227 Quadro 7.2 Seleção e migração nas cobras d’água do lago Erie 229 7.2 Deriva genética 232 Quadro 7.3 A probabilidade de um determinado alelo ser fixado por deriva 241 Quadro 7.4 O tamanho efetivo da população 245 Quadro 7.5 A taxa de substituição evolutiva sob deriva genética 250 7.3 Deriva genética e evolução molecular 251 7.4 Cruzamentos não-aleatórios 264 Quadro 7.6 As freqüências genotípicas em uma população endocruzada 269 7.5 A genética da conservação da grande galinha da pradaria do Illinois 273 Resumo 276 • Questões 276 Explorando a literatura 278 • Referências 279 CAPÍTULO 8 Evolução em locos múltiplos: ligação e sexo 281 8.1 Evolução em dois locos: equilíbrio de ligação e desequilíbrio de ligação 282 Quadro 8.1 O coeficiente de desequilíbrio de ligação 285 Quadro 8.2 Análise de Hardy-Weinberg para dois locos 286 Quadro 8.3 A reprodução sexuada reduz o desequilíbrio de ligação 290 8.2 Razões práticas para estudar-se o desequilíbrio de ligação 295 Quadro 8.4 Estimando a idade da mutação GBA-84GG 297 8.3 O significado adaptativo do sexo 302 Resumo 313 • Questões 313 Explorando a literatura 315 • Referências 316 Sumário Detalhado xiii CAPÍTULO 9 Evolução em locos múltiplos: genética quantitativa 319 9.1 A natureza das características quantitativas 319 9.2 Identificando os locos que contribuem para as características quantitativas 324 Quadro 9.1 Mapeamento de QTLs 328 9.3 Medindo a variação hereditária 333 Quadro 9.2 Variação genética aditiva versus variação genética da dominância 336 9.4 Medindo as diferenças no sucesso reprodutivo e na sobrevivência 338 Quadro 9.3 O gradiente de seleção e o diferencial de seleção 340 9.5 Predizendo a resposta evolutiva à seleção 341 Quadro 9.4 Seleção em múltiplas características e em caracteres correlacionados 344 9.6 Modos de seleção e a manutenção da variação genética 346 9.7 A falácia da curva em sino e outros equívocos da herdabilidade 350 Resumo 355 • Questões 355 Explorando a literatura 357 • Referências 358 PARTE III ADAPTAÇÃO 361 CAPÍTULO 10 Estudando a adaptação: análise evolutiva de forma e função 363 10.1 Todas as hipóteses devem ser testadas: os búfagos reconsiderados 364 10.2 Experimentos 367 Quadro 10.1 Uma introdução sobre testes estatísticos 371 10.3 Estudos de observação 372 10.4 O método comparativo 376 Quadro 10.2 Calculando os contrastes filogeneticamente independentes 380 10.5 Plasticidade fenotípica 380 10.6 Trade-offs e constraints 383 10.7 A seleção atua em diferentes níveis 392 10.8 Estratégias para formular questões interessantes 395 Resumo 396 • Questões 397 Explorando a literatura 398 • Referências 399 CAPÍTULO 11 Seleção sexual 401 11.1 Dimorfismo sexual e sexo 402 11.2 Seleção sexual nos machos: competição 408 Quadro 11.1 Estratégias alternativas dos machos para o cruzamento 412 11.3 Seleção sexual nos machos: a escolha pela fêmea 415 Quadro 11.2 Seleção sexual fugitiva em moscas de olhos pedunculados? 426 11.4 Seleção sexual nas fêmeas 429 Quadro 11.3 Cópulas extrapar e cruzamentos múltiplos 430 11.5 Seleção sexual nas plantas 434 11.6 Dimorfismo sexual no tamanho corporal nos humanos 438 Resumo 440 • Questões 441 Explorando a literatura 443 • Referências 444 CAPÍTULO 12 Seleção de parentesco e comportamento social 447 12.1 A seleção de parentesco e a evolução do altruísmo 448 Quadro 12.1 Cálculos dos coeficientes de parentesco 449 Quadro 12.2 O reconhecimento de parentes 454 12.2 Evolução da eussocialidade 459 Quadro 12.3 A evolução da proporção sexual 462 12.3 O conflito genitores-prole 467 12.4 Altruísmo recíproco 471 Quadro 12.4 O dilema do prisioneiro: análise da cooperação e do conflito usando a teoria de jogos 473 Resumo 477 • Questões 478 Explorando a literatura 479 • Referências 480 xiv Sumário Detalhado CAPÍTULO 13 Envelhecimento e outras características das histórias de vida 483 13.1 Aspectos básicos da análise das histórias de vida 485 13.2 Por que os organismos envelhecem e morrem? 487 Quadro 13.1 Um trade-off entre o risco de câncer e o envelhecimento 490 13.3 Quantos descendentes um indivíduo deve produzir por ano? 502 Quadro 13.2 Existe uma explicação evolutiva para a menopausa? 503 13.4 Quão grande deveria ser o tamanho de cada descendente? 509 13.5 Conflitos de interesse entre histórias de vida 514 13.6 As histórias de vida em um contexto evolutivo maisamplo 517 Resumo 524 • Questões 524 Explorando a literatura 526 • Referências 527 CAPÍTULO 14 Evolução e saúde humana 529 14.1 Patógenos em evolução: o escape da resposta imune do hospedeiro 531 14.2 Patógenos em evolução: a resistência a antibióticos 538 14.3 Patógenos em evolução: a virulência 541 14.4 Os tecidos como populações de células em evolução 546 Quadro 14.1 Investigação genética resolve um mistério médico 547 14.5 O programa adaptacionista aplicado aos humanos 550 14.6 Adaptação e fisiologia médica: a febre 556 14.7 Adaptação e comportamento humano: a criação da prole 561 Quadro 14.2 A evolução cultural é darwiniana? 562 Resumo 569 • Questões 569 Explorando a literatura 571 • Referências 571 CAPÍTULO 15 A filogenômica e a base molecular da adaptação 575 15.1 Os elementos transponíveis e os níveis de seleção 576 Quadro 15.1 Categorias de elementos transponíveis 578 15.2 A transferência lateral de genes 584 15.3 A base molecular da adaptação 591 15.4 Fronteiras em filogenômica 596 Resumo 600 • Questões 600 Explorando a literatura 601 • Referências 601 PARTE IV A HISTÓRIA DA VIDA 603 CAPÍTULO 16 Mecanismos de especiação 605 16.1 Os conceitos de espécie 605 Quadro 16.1 E quanto às bactérias e arqués? 607 16.2 Mecanismos de isolamento genético 611 16.3 Mecanismos de divergência 616 16.4 Contato secundário 623 16.5 A genética da especiação 629 Resumo 633 • Questões 634 Explorando a literatura 635 • Referências 635 CAPÍTULO 17 As origens da vida e a evolução pré-cambriana 639 17.1 Qual foi o primeiro ser vivo? 640 17.2 De onde surgiu o primeiro ser vivo? 651 Quadro 17.1 A hipótese da Panspermia 652 17.3 Qual foi o último ancestral comum a todos os organismos atuais e qual é a forma da árvore da vida? 660 17.4 Como os descendentes do último ancestral comum evoluíram para os organismos atuais? 675 Resumo 680 • Questões 681 Explorando a literatura 683 • Referências 684 CAPÍTULO 18 A explosão de Cambriano e além 689 18.1 A natureza do registro fóssil 690 18.2 A explosão do Cambriano 694 Sumário Detalhado xv 18.3 Padrões macroevolutivos 702 18.4 Extinções em massa 709 Resumo 720 • Questões 721 Explorando a literatura 722 • Referências 722 CAPÍTULO 19 Desenvolvimento e evolução 725 19.1 Os fundamentos da pesquisa em evo-devo 726 19.2 Os genes homeóticos e a diversificação nos planos corporais dos animais 728 19.3 A homologia profunda e a diversificação nos membros dos animais 735 19.4 Os genes homeóticos e a evolução da flor 742 19.5 Fronteiras na pesquisa em evo-devo 747 Resumo 749 • Questões 749 Explorando a literatura 750 • Referências 750 CAPÍTULO 20 A evolução humana 753 20.1 As relações entre os humanos e os macacos antropóides atuais 754 Quadro 20.1 Diferenças genéticas entre humanos, chimpanzés e gorilas 762 20.2 A ancestralidade recente dos humanos 764 20.3 A origem da espécie Homo sapiens 773 Quadro 20.2 A diversidade genética entre os humanos atuais 776 Quadro 20.3 Utilizando o desequilíbrio de ligação para datar a divergência entre populações africanas e não-africanas 784 20.4 A evolução de características exclusivamente humanas 786 Resumo 791 • Questões 792 Explorando a literatura 793 • Referências 795 Glossário 799 Créditos das ilustrações 806 Índice 813 Os bonobos são, juntamente com os chimpanzés comuns, nossos parentes existentes mais próximos. Aqui, uma fêmea faz alongamento. PARTE I INTRODUÇÃO De onde vieram os organismos que habitam a Terra? Por que existem tantos tipos diferentes? Como vieram a ser aparentemente tão bem planejados? Essas são as indagações fundamentais da biologia evolutiva. As respostas são encontradas no padrão e no mecanismo da evolução. O padrão é a descendência com modificações dos ancestrais comuns. O mecanismo primário é a seleção natural. Nosso primeiro objetivo na Parte I (Capítulos 1-4) é apresentar o padrão e o processo da evolução. No Capítulo 1, exploramos um exemplo, a evolução do HIV. No Capítulo 2, examinamos o padrão da evolução e a evidência de ancestralidade comum. No Capítulo 3, focalizamos o mecanismo da evolução. A seleção natural é o princípio organizador da biologia evolutiva; sua simplicidade insere-se entre os encantos do assunto. No entanto, a seleção natural é amplamente mal interpretada. Sua compreensão exige que nos afastemos de expressões como “sobrevivência do mais apto”. No Capítulo 4, abrangemos os métodos para reconstrução da história evolutiva. Nosso segundo objetivo é expor os métodos experimentais e analíticos usados pelos biólogos que estudam a evolução. Esses métodos constituem um tema destacado do prin- cípio ao fim do texto. São enfatizados para ajudar os leitores a fazer perguntas, planejar experimentos, analisar dados e revisar criticamente os artigos científicos. Os exemplos de- talhados que apresentamos esclarecem os conceitos gerais da biologia evolutiva e também fornecem insight do modo como entendemos o que conhecemos. ■ Prostitutas na zona do meretrício de Songachi, em Calcutá, Índia, aprendem com uma profissional da área da saúde os benefícios de usar preservativos. Em Songachi, uma campanha agressiva para educar as profissionais do sexo, cafetinas e proxenetas a distribuir preservativos e estimular seu uso manteve a prevalência de HIV, entre as prostitutas, abaixo de 12%. Em outras regiões de meretrício, a prevalência do HIV elevou-se a mais de 50% (Cohen, 2004). 1 Um caso para o pensamento evolucionista: a compreensão do HIV Por que estudar evolução? Apesar de quase não o mencionar em sua obra Sobre a Ori- gem das Espécies (1859), um dos motivos de Charles Darwin era que a compreensão da evolução pode ajudar nosso autoconhecimento. Darwin escreveu: “A luz será lançada sobre a origem do homem e sua história”. Para Theodosius Dobzhansky (1973), um ar- quiteto da visão moderna da evolução que apresentamos neste texto, a recompensa era que a biologia evolutiva é a base conceitual que sustenta todas as ciências biológicas. “Na biologia, nada faz sentido”, declarava ele, “exceto à luz da evolução”. Para alguns leitores, no entanto, talvez o incentivo seja o de que uma disciplina de evolução é requisito para a integralização do seu curso. Neste ponto, sugerimos ainda outra razão para estudar evolução: os instrumentos e as técnicas de biologia evolutiva oferecem compreensão crucial das questões de vida e morte. Para justificar essa afirmativa, analisamos a evolução do vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a síndrome da imunodeficiência humana adquirida (AIDS). Um olhar minucioso sobre esse importante problema contemporâneo apresentará o objetivo da análise evolutiva. Irá exemplificar os tipos de indagações que os biólogos da evolução fazem, mostrar como uma perspectiva evolucionista pode informar as pesquisas de todas as ciências biológicas e introduzir conceitos que exploraremos detalhadamente em outra parte deste livro. 4 Scott Freeman & Jon C. Herron O HIV constitui um estudo de caso obrigatório, porque origina questões capazes de influenciar a vida pessoal e profissional de todos os leitores. Esse vírus exemplifica aspectos urgentes de saúde pública: é um vírus emergente, que rapidamente desenvolve resistência a drogas e é mortal. A AIDS já se qualifica como uma das epidemias mais devastadoras que a nossa espécie sofreu. As questões com que nos defrontamos são as seguintes: Por que o tratamento precoce da AIDS, como o que utiliza a droga azidotimidina • (AZT), parece promissor quando é usado pela primeira vez, mas se mostra ineficaz com o decorrer do tempo? Por que o HIV mata as pessoas? • Por que algumas pessoas são resistentes à infecção, ou, tão logo infectadas, progridem • para a doença? De onde se origina o HIV? • Algumas dessas perguntas aparentemente não teriam relação com a biologia evolutiva. No entanto, essa é a ciência dedicada a compreender dois aspectos: (1) como as populações mudam, ao longo do tempo, segundo as modificações do seu ambiente,e (2) como as novas espécies vêm a existir. Mais formalmente, os biólogos evolucionistas estudam a adaptação e a diversidade. São esses, exatamente, os assuntos focalizados pelas nossas perguntas sobre o HIV e a AIDS. Antes de considerá-las, entretanto, precisamos aprofundar um pouco os conhecimentos de biologia básica. 1.1 A história natural da epidemia de HIV/AIDS A pior epidemia da história humana, a julgar pelo número de mortes, foi, provavelmente, a de influenza, em 1918, que assolou o mundo em questão de meses, matando 50 a 100 milhões de pessoas (Johnson e Mueller, 2002). A segunda pior foi, provavelmente, a Peste Negra, causada por um patógeno extremamente virulento, cuja identidade permanece controversa (ver Raoult et al., 2000; Gilbert et al., 2004; Christakos e Olea, 2005; Duncan e Scott, 2005). Devastou a Europa de 1347 a 1352, eliminando 30 a 50% da população – aproximadamente 25 milhões de vidas (Derr, 2001). Surtos mais localizados, ao longo dos 300 anos seguintes, mataram mais alguns milhões. Também merece menção a epidemia de varíola do Novo Mundo, desencadeada em torno de 1520 pelos conquistadores europeus. Sua mortalidade é mais difícil de calcular, mas durante as décadas subseqüentes dizimou as populações americanas nativas ao longo dos dois continentes (Roberts, 1989; Snow, 1995; Patterson e Runge, 2002). A epidemia de AIDS, reconhecida em primeiro lugar pelos médicos em 1981, ganhou rapidamente um lugar entre essa companhia implacável (UNAIDS, 2005). Até o momento, o HIV infectou mais de 65 milhões de pessoas. Dessas, 25 milhões já morreram das in- fecções oportunistas que caracterizam a AIDS. Entre as restantes, muitas estão gravemente doentes, e numerosas, ainda, estão disseminando a doença. O Programa Conjunto das Na- ções Unidas sobre HIV/AIDS estimou que, em 2020, a epidemia da AIDS terá dizimado um total de aproximadamente 90 milhões de vidas (UNAIDS, 2002a). A Figura 1.1 apresenta um resumo do padrão mundial da epidemia da AIDS. No mapa da Figura 1.1a, as regiões são coloridas diferentemente para mostrar a prevalência da infec- ção do HIV entre os adultos, indicando-se também o número total de adultos e crianças infectados pelo HIV e a proporção sexual entre os adultos infectados. Os histogramas da Figura 1.1b documentam o crescimento da epidemia ao longo do tempo, em diferentes partes do mundo. Diariamente, cerca de 13.400 pessoas são infectadas, pela primeira vez, pelo HIV, e 8.500 morrem de AIDS (UNAIDS, 2005). De acordo com a Organização Mundial Como um estudo de caso, o HIV demonstrará como os biólogos evolucionistas estudam a adaptação e a diversidade. A AIDS está entre as piores epidemias da história humana. Análise Evolutiva 5 da Saúde, a AIDS agora é responsável por cerca de 4,9% de todas as mortes mundiais (WHO, 2004). A AIDS causa uma fração menor de mortes do que o câncer (12,5%), infartos do miocárdio (12,6%), derrames (9,7%) e infecções das vias respiratórias infe- riores (6,8%) – causas comuns de óbito entre os idosos, mas provoca mais mortes do que a tuberculose (2,7%), malária (2,2%), acidentes automobilísticos (2,1%), homicídios (1%) e guerras (0,3%). Essa epidemia causou sua maior devastação, sem dúvida, na região Subsaariana da África (ver Piot et al., 2001), onde a prevalência média do HIV entre adultos é de 7,2% (UNAI- DS, 2005). O foco pior é a Suazilândia, com uma prevalência de 38,8% em adultos, se- guindo-se Botsuana (37,3%), Lesoto (28,9%) e Zimbábue (24,6%) (UNAIDS, 2004). No Lesoto, um indivíduo que completou 15 anos em 2000 tem a probabilidade de 74% de contrair HIV aos 50 anos (UNAIDS, 2002a). Na Botsuana, a epidemia da AIDS diminuiu a expectativa média de vida dos 65 anos para os 40, sendo esperado que se reduza ainda mais (Figura 1.2). Nos países industrializados da América do Norte e da Europa Ocidental, as estimativas totais de infecção são muito inferiores às da África Subsaariana (UNAIDS, 2004, 2005). Na Europa Ocidental, a prevalência da infecção por HIV em adultos é de apenas 0,3%. No Canadá, a prevalência em adultos é também de 0,3%, sendo de 0,6% nos Estados Unidos. Para certos grupos de risco, no entanto, as taxas de infecção rivalizam com as das regiões africanas mais devastadas. Entre os homens homossexuais, a taxa de infecção é de 18% na cidade de Nova York, 19% em Los Angeles, 24% em San Francisco e 40% em Baltimore (CDC, 2005). Entre os usuários de drogas injetáveis, a taxa de infecção é de 18% em Chi- cago e em torno de 25% na cidade de Nova York (Piot et al., 2001). O HIV estabelece uma nova infecção quando um líquido corporal abrigando o vírus, geralmente sangue ou sêmen, transporta-o de uma pessoa infectada diretamente para uma membrana mucosa ou para a corrente sangüínea de uma pessoa não-infectada. O vírus pode ser transmitido durante a relação heterossexual, homossexual ou oral, bem como por agulhas contaminadas, transfusão com produtos sangüíneos contaminados, parto e lacta- ção. O vírus dissemina-se por diferentes rotas em diversas regiões. Na África Subsaariana 30 40 50 60 70 A no s Período 1980- 1985 1985- 1990 1990- 1995 1995- 2000 2000- 2005 2005- 2010 Figura 1.2 Expectativa de vida na Botsuana. Esse gráfico mostra a expectativa de vida estimada ao nascimento, para indivíduos nasci- dos entre 1980 e 2000, e a expec- tativa de vida projetada para indiví- duos nascidos entre 2000 e 2010. O declínio após 1990 é devido à epidemia da AIDS. Redesenhado da Figura 12, em UNAIDS (2004). Figura 1.1 A pandemia de HIV/AIDS. (a) Esse mapa mos- tra a distribuição geográfica das infecções do HIV. Cada região é colorida diferentemente, indicando a prevalência da infecção entre os adultos. Além disso, as regiões estão assinaladas pelo número total de indivíduos existentes com o HIV e a proporção sexual entre os adultos infectados. Mais de três quintos da população infectada pelo HIV vivem na África Subsaariana; outro quinto vive no sul e no sudeste da Ásia. Dados de UNAIDS (2005). (b) Esses histogramas ilustram o crescimento no número de adultos existentes com HIV, desde que a pandemia começou, no início da década de 1980. Redesenhado de WHO (2004). F = sexo feminino; M = sexo masculino. 1,8 milhão 32% F; 68% M 1,2 milhão 25% F; 75% M 25,8 milhões 57% F; 43% M 510,000 47% F; 53% M 74.000 720.000 27% F; 73% M 870.000 18% F; 82% M 7,4 milhões 26% F; 74% M 300.000 50% F; 50% M (a) 7,2 % 1,6 % 0,26 a 0,50% 0 a 0,25% 0,76 a 1% 0,51 a 0,75% N úm er o de a du lto s in fe ct ad os ( em m ilh õe s) EuropaAméricas Ásia (Sul e Sudeste)África 0 10 20 30 1982 1986 1990 1994 1998 2002 Prevalência em adultos (% de infectados) Número de adultos e crianças existentes com HIV Porcentagens de mulheres e homens adultos infectados (b) 1982 1986 1990 1994 1998 2002 1982 1986 1990 1994 1998 2002 1982 1986 1990 1994 1998 2002 1,6 milhão 28% F; 72% M 6 Scott Freeman & Jon C. Herron e na Índia, a relação heterossexual foi o primeiro modo de transmissão (Piot et al., 2001; Schmid et al., 2004; Lopman et al., 2005 – mas veja também Gisselquist et al., 2002, 2004; Brody e Potterat, 2005). Na China, o vírus disseminou-se inicialmente entre os usuários de drogas injetáveis, depois entre os doadores de sangue cujo plasma era coletado de maneira insegura e finalmente entre os parceiros de sexo heterossexual (Kaufman e Jing, 2002). Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, a relação homossexual e a contaminação de agulhas entre os usuários de drogas injetáveis foram as vias de transmissão mais comuns, embora a relação heterossexual venha desempenhando um papel crescente nessa transmis- são (UNAIDS, 2005). Os programas para deter a disseminação do HIV alcançaram sucesso (Figura 1.3). De- pois que a epidemia de AIDS chegou à Tailândia, no fim da década de 1980, e começou a acelerar no início da década seguinte, o Ministério da Saúde lançou uma campanha para incentivar os jovens a reduziras práticas sexuais de risco e usar preservativos (Nelson et al., 2002). Em menos de 10 anos, a incidência da infecção do HIV entre os recrutas militares caiu de mais de 11% a menos de 3%, concomitantemente com um aumento no uso de preservativos durante as visitas às prostitutas (e uma diminuição na freqüência dessas visitas). Um programa de educação para o sexo saudável, específico para as pros- titutas, na Costa do Marfim, contribuiu para uma queda dramática semelhante nas taxas de infecção do HIV, mais uma vez coincidente com o aumento no uso de preservativos (Ghys et al., 2002). 91 92 93 94 95 96 97 98 0 3 6 9 12 15 60 70 80 90 100 H IV-positivo (% ) U so d e pr es er va tiv os ( % ) (a) Recrutas da Tailândia 92 93 94 95 96 97 98 H IV-positivo (% ) U so d e pr es er va tiv os ( % ) (b) Prostitutas da Costa do Marfim Ano 20 40 60 80 30 50 70 90 Ano No entanto, não há espaço para a complacência. O gráfico da Figura 1.4 mostra que, em torno do ano 2000, a taxa de novas infecções do HIV começou a aumentar, paralela- mente às taxas de infecção de outras doenças transmissíveis sexualmente, entre os homens que mantinham relações sexuais com outros homens, em Londres. O mesmo fato está acontecendo em San Francisco e outros locais (Kellogg, McFarland e Katz, 1999; Hamers e Downs, 2004; Giuliani et al., 2005). Parece que a introdução de terapias com drogas de efi- cácia de longo prazo, que para alguns indivíduos transformou o HIV em uma doença crô- nica manejável, pelo menos temporariamente, também pode ter estimulado um aumento do comportamento sexual de risco (Kats et al., 2002; Chen et al., 2002; Crepaz, Hart e Marks, 2004). Uma causa adicional para preocupação é o abuso cada vez mais disseminado de metanfetamina, que está associado ao comportamento de risco e à maior probabilidade de contrair o HIV (Buchacz et al., 2005). 2.500 2.000 1.000 1.500 500 0 200220001999 Ano 19981997 2001 Gonorréia Novo diagnóstico de HIV Sífilis Taxa por 100.000 homens que têm relações sexuais com homens Uma infecção do HIV pode ser adquirida somente de alguém que já a tenha. Figura 1.3 Prevenção de HIV/ AIDS bem-sucedida. Estes grá- ficos registram o sucesso dos pro- gramas de prevenção do HIV na (a) Tailândia e (b) Costa do Marfim. À medida que o uso de preservativos aumentou, a incidência da infecção do HIV diminuiu. Desenhado a par- tir de dados de Nelson et al. (2002) e Ghys et al. (2002). Figura 1.4 Taxas de novo diag- nóstico de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, entre homens que têm relações sexuais com outros homens, em Londres. Este gráfico documenta os recentes aumentos na incidência de gonor- réia e sífilis, bem como um aumento na taxa de novos diagnósticos de HIV, entre homens que têm rela- ções sexuais com outros homens, em Londres. Fonte: Macdonald et al. (2004). Análise Evolutiva 7 O que é o HIV? Como todos os vírus, o HIV é um parasita intracelular que não consegue se reproduzir por sua própria conta. O HIV invade tipos específicos de células do sistema imune humano e utiliza a energia e o maquinário enzimático dessas células para se autoduplicar, matando, nesse processo, as células hospedeiras. A Figura 1.5 resume, com algum detalhe, o ciclo vital do HIV, que compreende uma fase extracelular e uma intracelular. Durante a fase extracelular, ou infecciosa, o vírus passa de uma célula hospedeira para outra, podendo ser transmitido de um organismo hospe- deiro para outro. A forma extracelular de um vírus é chamada vírion ou partícula viral. Durante a fase intracelular, ou parasítica, o vírus se duplica. O HIV inicia sua fase de duplicação prendendo-se a duas proteínas da superfície de uma célula hospedeira. Após aderir primeiramente à CD4, encontrada na superfície de certas células do sistema imune, o HIV fixa-se à segunda proteína, denominada co-receptora, que fusiona o envelope do vírion com a membrana celular da hospedeira e extravasa o con- teúdo do vírion no interior da célula. Esse conteúdo inclui o genoma viral diplóide (duas cópias de uma molécula de RNA de fita simples) e três proteínas: transcriptase reversa, que transcreve o genoma de RNA do vírus em DNA; a integrase, que encadeia o genoma de DNA no genoma da célula hospedeira, e a protease, que desempenha um papel na produ- ção de novas proteínas virais. O HIV é um parasita que devasta as células do sistema imune humano. Os vírions do HIV penetram nas células hospedeiras por meio de ligação às proteínas de sua superfície e, a seguir, usam o próprio maquinário dessas células para produzir novos vírions. Integrase Protease 1 2 3 4 5 8 7 Genoma de RNA (duas cópias)Transcriptase reversa gp120 (proteína de superfície) CD4 Co-receptora Vírion do HIV RNA do HIV DNA do HIV Núcleo da célula hospedeira DNA da célula hospedeira DNA do HIV Proteína do HIV Célula hospedeira mRNA do HIV6 gp 41 (proteína de ancoragem para gp120) 9 10 1) Forma extracelular do HIV, conhecida como vírion, encontra uma célula hospedeira 2) Proteína gp120 do HIV liga-se à CD4 e à co-receptora da célula hospedeira 3) Genoma de RNA do HIV, transcriptase reversa, integrase e protease entram na célula hospedeira 4) Transcriptase reversa sintetiza o DNA do HIV, a partir do molde de RNA do HIV 5) Integrase encadeia o DNA do HIV com o genoma do hospedeiro 6) DNA do HIV é transcrito em mRNA (RNA mensageiro) do HIV, pela RNA-polimerase da célula hospedeira 7) mRNA do HIV é traduzido em proteínas precursoras do HIV, pelos ribossomos da célula hospedeira 8) Protease cliva as precursoras em proteínas virais maduras 9) Nova geração de vírions se agrupa no interior da célula hospedeira 10) Novos vírions brotam da membrana da célula hospedeira Figura 1.5 O ciclo vital do HIV. Um vírion de HIV (1) invade uma célula hospedeira mediante ligação a duas proteínas da superfície celular (2), possibilitando que o vírion extravase seu conteúdo no interior da célula (3). No interior da célula hospedeira, a transcriptase reversa do HIV faz uma cópia de DNA do genoma viral (4). A integrase do HIV insere essa cópia de DNA no genoma da célula hospedeira (5). A RNA-polime- rase da célula hospedeira transcreve o genoma viral em mRNA (6), e os ribossomos da célula hospedeira traduzem o mRNA viral em proteínas precursoras (7). A protease do HIV cliva as precursoras, produzindo proteínas virais maduras (8). Novos vírions agrupam-se no citoplasma da célula hospedeira (9) e depois brotam da membrana da célula hospedeira (10). 8 Scott Freeman & Jon C. Herron Observe que no HIV, assim como em outros retrovírus, o fluxo da informação gené- tica é diferente do que ocorre em células e vírus com genomas de DNA. Nos retrovírus, a informação genética não segue a direção conhecida do DNA para o mRNA e desse para as proteínas. Ao contrário, a informação origina-se do RNA para o DNA, depois para o mRNA e desse para as proteínas. Foi essa primeira etapa, caracterizando um fluxo invertido da informação, que inspirou o prefixo retro, no retrovírus, e o termo reversa, na transcriptase reversa. Depois que o genoma do HIV foi inserido nos cromossomos da célula hospedeira, a RNA-polimerase dessa célula transcreve o genoma viral em mRNA, e os seus ribosso- mos sintetizam as proteínas virais. Os novos vírions agrupam-se no citoplasma da célula hospedeira, brotam da membrana celular e ingressam na corrente sangüínea, onde podem encontrar outra célula do mesmo hospedeiro para infectar ou ser transmitidos a um novo hospedeiro. Um aspecto notável do ciclo vital do HIV é que o vírus usa o maquinário enzimático da célula hospedeira – as polimerases, os ribossomos e os RNAs transportadores (tRNAs) – em quase todas as etapas. Por isso, o HIV e as doenças virais em geral são tão difíceis de tratar. É praticamente certo que as drogas que interrompem o ciclo vital do vírus também interferem nas funções enzimáticas da célula hospedeira, causando,portanto, efeitos cola- terais debilitantes. Como o HIV causa a AIDS? Apesar de um quarto de século de pesquisas intensas, o mecanismo pelo qual a infec- ção do HIV conduz à deficiência imune ainda não está completamente compreendido (Brenchley et al., 2006; Grossman et al., 2006). A versão resumida é esta: o HIV parasita as células do sistema imune, especificamente as células T auxiliares. Após uma longa batalha contra o vírus, o suprimento de células T auxiliares do sistema imune é fortemente redu- zido. Uma vez que as células T auxiliares desempenham um papel crítico na resposta aos patógenos invasores (Figura 1.6), o hospedeiro torna-se vulnerável a diferentes infecções secundárias. Figura 1.6 Como o sistema imune luta contra uma infec- ção viral. As células dendríticas (em preto) captam o vírus e apresentam fragmentos de suas proteínas às células T auxiliares virgens*. Tão logo ativada por um fragmento da proteína viral que se adapta ao seu receptor de célula T, essa célula T auxiliar divide-se, produzindo células de memória (em laranja) e células efetoras (em branco). As células T auxiliares de memória não participam da presente batalha, mas permanecem prontas a desencadear uma reação rápida quando o mesmo vírus invadir novamente o organismo. As células T auxiliares efetoras juntam- se à luta presente. Em parte, pela liberação de moléculas de sinalização denominadas quimocinas, estimulam as células B a amadurecerem em plasmócitos, que produzem os anticorpos que se ligam ao vírus. De outra parte, também estimulam os ma- crófagos a ingerir as células infectadas e ajudar a ativar as células T citotóxicas virgens. Essas células, quando ativadas, dividem-se e produzem células de memória e células efetoras. As células T ci- totóxicas efetoras identificam e matam as células infectadas pelo vírus invasor. A resposta imune é mantida sob o controle de cé- lulas T reguladoras. Os dísticos em laranja identificam proteínas de superfície celular, das quais algumas são utilizadas pelo HIV para ingressar nas células. Modificado de NIAID (2003). Célula B Plasmócitos Anticorpos Célula infectada Célula dendrítica Células T auxiliares efetoras Células T citotóxicas efetoras Célula T auxiliar virgem Linfocinas Vírus CD8 CD4 CXCR4 Célula T citotóxica virgem CD8 Células T auxiliares de memória Macrófago(-) Célula T reguladora (-) (+) (+) (+) CD8 Células T citotóxicas de memória CD4 CCR5 CD4 CCR5 CD4 CCR5 CD4 CCR5 CD4 CCR5 CD4 CCR5 CD4 CCR5 Receptor de célula T * N. de T. As células T auxiliares virgens são células T auxiliares maduras que saíram do timo, mas ainda não en- contraram seu antígeno específico (em inglês, naive helper T cells). Fonte: Parham, P. O sistema imune. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. G:4. Análise Evolutiva 9 As evidências da complexidade secreta que se oculta atrás dessa versão resumida provêm de um estudo de Guido Silvestri e colaboradores (2005). Esses pesquisadores usaram o SIVsm como um modelo para o HIV. O SIVsm (de simian immunodeficiency virus in sooty mangabey) é um vírus da imunodeficiência simiana, relacionado ao HIV, mas infecta maca- cos. O hospedeiro natural do SIVsm, o mangabei fuliginoso*, tolera a infecção do SIVsm sem ficar doente. Os macacos resos** infectados com SIVsm, entretanto, desenvolvem ti- picamente a AIDS. Silvestri e colaboradores infectaram três mangabeis fuliginosos e três macacos resos com SIVsm de mesma origem e depois monitoraram a luta entre o vírus e os sistemas imunes dos hospedeiros. O vírus experimentou altos níveis de replicação nos seis hospedeiros. Dois macacos re- sos mostraram ativação imune cronicamente alta, evidenciada pela proliferação abundante de células T, mas nenhum dos mangabeis fuliginosos apresentou tal ativação. Paradoxal- mente, foram esses macacos resos – os únicos cujos sistemas imunes responderam mais agressivamente à infecção – que desenvolveram AIDS. Parece que a própria resposta imune do hospedeiro contribui para o desenvolvimento da imunodeficiência. Em harmonia com essa conclusão, Paolo Rizzardi e colaboradores (2002) descobriram, em um pequeno acompanhamento clínico, que pacientes humanos com HIV, tratados com drogas anti-retrovirais e ciclosporina imunossupressora, mantinham contagens de células T auxiliares superiores às de pacientes-controle tratados apenas com drogas anti-retrovirais. A fim de decifrar esses resultados, precisamos examinar o ciclo vital das células T. Essas células originam-se de células-tronco da medula óssea (Figura 1.7a), que geram precurso- ras que maturam em células T virgens, no timo. As células T virgens são ativadas nos lin- fonodos. Uma célula T ativada sofre um surto proliferativo, produzindo células T efetoras e de memória, que circulam no sangue e penetram nos tecidos. Grande parte das células de memória do organismo reside no tecido linfóide associado às membranas mucosas que revestem o nariz, a boca, os pulmões e especialmente o intestino. As células T virgens e as células T de memória têm vida longa (Figura 1.7b), enquanto as células T efetoras, que participam ativamente da luta contra os invasores, são de vida curta (Moulton e Farber, 2006). Além disso, qualquer linhagem dada de células T tem uma capa- cidade finita de replicação – capacidade que é reduzida a cada divisão celular. Isso significa que cada surto de replicação dentro de uma linhagem de células T aproxima-a da exaus- * N. de T. Também denominado mangabey fuliginoso. ** N. de T. Também denominados macacos rhesus. Figura 1.7 O ciclo vital das células T. (a) As células T origi- nam-se de células-tronco da medula óssea, maturam no timo e são ativadas nos linfonodos. (b) As células T virgens e de memória têm vida longa; as células T efetoras, vida curta. Uma dada linhagem de células T tem capacidade finita de replicação. Modificada de Gross- man et al. (2002). Células T de memória Resposta imune secundária Resposta imune primária Timo Células T virgens Células T efetoras (b) As células-tronco hematopoiéticas da medula óssea geram precursoras... ... que se deslocam para o timo, onde são maturadas em células T virgens As células T virgens são ativadas nos linfonodos. As células T efetoras e de memória circulam no sangue e em vários tecidos corporais, especialmente nos tecidos linfóides associados ao intestino e outras mucosas. As células T de memória podem ser ativadas em qualquer local onde encontrem seus antígenos. (a) 10 Scott Freeman & Jon C. Herron tão. Como veremos em breve, esses padrões ajudam a explicar como a manutenção da ativação imune durante a infecção do HIV pode, em última análise, diminuir o suprimento de células T auxiliares do organismo e acarretar o colapso das defesas do hospedeiro. Uma infecção de HIV não-tratada mostra várias fases, nas quais a perda das células T auxiliares acontece em diferentes velocidades e parece ser dirigida por mecanismos diversos (Douek et al., 2003; Derdeyn e Silvestri, 2005; Brenchley et al., 2006; Grossman et al., 2006). Os gráficos da Figura 1.8 ras- treiam a produção viral (superior), as contagens de células T auxiliares (ao centro) e o nível de ativação imune (inferior) em um hospedeiro típico, enquanto sua infecção progride ao longo das fases aguda, crônica e de AIDS terminal. Na fase aguda ou inicial, os vírions de HIV penetram no organismo do hospedeiro e começam a se replicar. Como foi mostrado na Figura 1.5 (página 7), o HIV ganha acesso a uma célula hospedeira primeiramente prendendo-se à proteína de superfície celular CD4, depois ligando-se a uma co-receptora. Voltando à Figura 1.6, observe que a presença de CD4 e ou- tras proteínas de superfície celular, em várias células do sistema imune, está indicada em cor laranja. A co-receptora usada pela maioria das linhagens de HIV responsáveis por novas infec- ções é a CCR5. Assim, essas linhagens virais infectam células dendríticas, macrófagos,células T reguladoras e, especialmente, células T auxiliares efetoras e de memória. O HIV reproduz-se explosivamente, levando a concentra- ção sangüínea de vírions a se elevar abruptamente. Ao mesmo tempo, as concentrações de células T CD4 caem rapidamente, em grande parte porque o HIV as mata, enquanto se replica. O golpe mais implacável incide sobre as células T auxiliares de memória, nos tecidos linfóides do intestino (Guadalupe et al., 2003; Brenchley et al., 2004; Mehandru et al., 2004). Uma vez que o intestino é extenso e vulnerável à penetração de patógenos, a perda dessas células T é um grave golpe às defesas corporais. A fase aguda termina quando a replicação viral se torna mais lenta e a concentração sangüínea de vírions diminui. Uma ra- zão para isso talvez seja a de que o vírus simplesmente esgota a totalidade das células do hospedeiro que ele pode invadir facilmente. Entretanto, além disso, o sistema imune mobiliza- se contra a infecção, e as células T citotóxicas começam a se direcionar para as células do hospedeiro infectadas pelo HIV. Assim, as contagens de células T CD4 do hospedeiro recupe- ram-se um pouco. O HIV foi desacelerado, mas não suprimido. Quando co- meça a fase crônica, o sistema imune esforça-se para recuperar- se de suas perdas iniciais, ao mesmo tempo em que continua a lutar contra o vírus. Do princípio ao fim da fase crônica, o sistema imune permanece muito ativo, por razões que ain- da não são totalmente compreendidas. Em parte, essa ativação crônica é devida ao esforço contínuo para controlar a infecção do HIV. As causas adicionais podem incluir a estimulação pelas 106 105 104 103 102 Pr od uç ão v ira l (c óp ia s de R N A d o H IV p or m l d e pl as m a) Aguda Crônica AIDSFase: 0 20 100 80 60 40 C on ta ge m d e cé lu la s T C D 4 (p or ce nt ag em d o va lo r pr é- in fe cç ão ) Circulantes no sangue Em tecidos linfóides do intestino e de outras mucosas Limiar para o início da AIDS ~ 200 células por mm3 0 20 100 80 60 40 0 6 12 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Tempo desde a infecção Semanas Anos A tiv aç ão im un e (p or ce nt ag em d o va lo r m áx im o) +++ ++++ ++++ +++ ++ + Seletividade celular marcante ++++ +++ +++ +++ ++ + Capacidade regenerativa do sistema imune Figura 1.8 Padrão geral da progressão de uma infecção de HIV não-tratada. Uma infecção de HIV não-tratada tem, tipicamente, três fases: uma fase aguda, em que o hospedeiro mostra os sintomas gerais de uma infecção viral; uma fase crônica, em que o hospedeiro é amplamente assintomático, e uma fase de AIDS, em que o sistema imune do hospedeiro entra em colapso, deixando-o vulnerável a infecções oportunistas. A produção viral (gráfico superior) projeta- se durante a fase aguda, depois cai, quando o hospedeiro mobiliza uma resposta imune. No entanto, essa resposta não consegue deter a replicação viral e, durante o fim da fase crônica e na fase de AIDS, a produção viral eleva-se novamente. Na fase adiantada da infecção, freqüentemente a população viral desenvolve a capacidade de in- fectar uma maior variedade de células hospedeiras. As contagens de células T CD4 do paciente (gráfico central) diminuem durante a fase aguda, recuperando-se um pouco, posteriormente. Durante as fases crônica e de AIDS, essas contagens caem de novo. O sistema imune do hospedeiro permanece extremamente ativo (gráfico inferior) do princípio ao fim. Isso ajuda a combater o vírus, mas também fornece células em que o vírus se reproduz e, ao final, exaure a capacidade do sistema imune para se regenerar. Segundo Bartlett e Moore (1998), Brenchley et al. (2006), Grossman et al. (2006). Análise Evolutiva 11 proteínas codificadas pelo vírus, a destruição de células T reguladoras pelo vírus (Oswald- Richter et al., 2004) e a necessidade de combater outros patógenos que se introduzem furtivamente, após o enfraquecimento das defesas do intestino. O estado cronicamente ativado do sistema imune reforça alguns aspectos da resposta do hospedeiro ao HIV. Todavia, produz também um suprimento constante de células T CD4 ativadas em que o vírus pode se reproduzir, bem como consome o suprimento de células T auxiliares virgens e de memória do hospedeiro, mediante estimulação para sua divisão e diferenciação em células efetoras de vida curta (Deeks e Walker, 2004; Garber et al., 2004). A substituição de células T auxiliares perdidas depende, em última análise, da produção de novas células T virgens pelo timo. No entanto, a produção tímica diminui com a idade e é prejudicada pela infecção do HIV, que, aliás, também danifica a medula óssea e os linfono- dos. À medida que a luta antiviral avança, a capacidade do sistema imune para se regenerar constantemente se desgasta. A produção viral aumenta novamente, e as contagens de célu- las T CD4 caem. A fase crônica termina quando a concentração de células T auxiliares no sangue reduz-se a cerca de 200 células por milímetro cúbico. Com tão poucas células T auxiliares, o sistema imune não consegue mais funcionar. O paciente desenvolve a AIDS, síndrome caracterizada por infecções oportunistas de bacté- rias e fungos que raramente causam problemas às pessoas com sistemas imunes fortes. Na ausência de drogas terapêuticas anti-HIV eficazes, espera-se normalmente que um indiví- duo infectado pelo HIV que começou a mostrar sintomas de AIDS possa viver mais dois ou três anos. Tendo abrangido a biologia básica viral, estamos aptos a examinar as questões relativas à evolução do HIV. A primeira questão frustrou, por muito tempo, todos os que se envolve- ram na luta contra a epidemia: por que era tão difícil produzir drogas capazes de combater o HIV? Certamente não era por falta de tentativas; as empresas governamentais e privadas investiram centenas de milhões de dólares nas pesquisas da AIDS e no desenvolvimento de drogas. A trajetória da AZT, uma das primeiras drogas anti-AIDS, veio a se tornar caracte- rística. No início, a AZT pareceu promissora, mas finalmente mostrou-se decepcionante. Para explicar a razão disso, precisamos apresentar a evolução por seleção natural. 1.2 Por que a AZT funciona em curto prazo, mas falha em longo prazo? A fim de combater as infecções virais, os pesquisadores procuram drogas capazes de inibir as enzimas essenciais aos vírus. Por exemplo, uma droga que bloqueia a transcrição reversa deve matar os retrovírus, com efeitos colaterais mínimos. Essa é a base racional da azidoti- midina, ou AZT. A Figura 1.9 mostra como funciona a transcrição reversa. A transcriptase reversa do HIV usa o RNA viral como molde para construir uma fita de DNA complementar. A A AIDS começa quando a infecção do HIV progrediu a tal ponto que o sistema imune do hospedeiro não funciona adequadamente. Figura 1.9 Como a AZT blo- queia a transcriptase reversa. A enzima transcriptase reversa do HIV usa os nucleotídeos da célula hospedeira para construir uma fita de DNA complementar à fita de RNA do vírus. A AZT mimetiza su- ficientemente bem um nucleotídeo normal para iludir a transcriptase re- versa, mas carece do sítio de ligação para o próximo nucleotídeo da fita. U U GACUG ACU A A OH C A T OH OH OH C OH G OH A T A A OH T N3 RNA DNA Trifosfato de AZT OH Nucleotídeos Transcriptase Reversa 12 Scott Freeman & Jon C. Herron transcriptase reversa produz o DNA mediante uso de elementos construtores – os nucleo- tídeos – roubados da célula hospedeira. A mesma figura também mostra como a AZT faz cessar a transcrição reversa. Observe a timidina no nome da AZT (azidotimidina): em sua estrutura química, a AZT é similar ao nucleotídeo normal timidina – tão semelhante que ilude a transcriptase reversa, sendo por essa captada e incorporada na crescente fita de DNA. No entanto, note também que existe uma diferença crucial entre a timidina normal e a AZT (Figura 1.10). No local em que a timidina tem um grupo hidroxila (−OH), a AZTtem um grupo azida (−N3). O grupo hidroxila que falta na AZT é precisamente onde a transcriptase reversa deveria ligar o pró- ximo nucleotídeo à molécula de DNA em formação. Desse modo, a transcriptase reversa está agora impedida de prosseguir. Incapaz de adicionar mais nucleotídeos, não consegue terminar sua tarefa. A AZT interrompe dessa maneira a trajetória de novas proteínas virais e novos vírions. Nos testes iniciais, a AZT funcionou. Efetivamente, sustou a perda de macrófagos e de células T em pacientes aidéticos. Por outro lado, causou graves efeitos colaterais, porque às vezes enganava a DNA-polimerase e interrompia a síntese de DNA nas célu- las hospedeiras. Entretanto, prometia inibir, ou no mínimo desacelerar, a progressão da doença. Em torno de 1989, no entanto, após somente alguns anos de uso, os pacientes pararam de responder ao tratamento. Suas contagens de células CD4 novamente come- çaram a declinar. Por quê? Teoricamente, a AZT poderia perder sua eficácia de duas maneiras. Uma delas é que a própria fisiologia celular do paciente poderia mudar. Depois de entrar na célula, a AZT deve ser fosforilada pela enzima timidinaquinase da própria célula, para se tornar biologi- camente ativa. Talvez a exposição de longa duração à AZT leve a célula a produzir menos timidinaquinase. Se acontecesse isso, a AZT se tornaria menos eficaz ao longo do tempo. Patrick Hoggard e colaboradores (2001) testaram essa hipótese verificando periodicamente as concentrações intracelulares de AZT fosforilada, em um grupo de pacientes que inge- riram a mesma dosagem de AZT durante um ano. Os dados refutam essa hipótese, pois as concentrações de AZT fosforilada não se modificaram ao longo do tempo. A outra maneira em que a AZT poderia perder sua eficácia é que a população de vírions existente no interior do paciente poderia mudar, de modo que os próprios ví- rions seriam resistentes à destruição pela AZT. Para descobrir se as populações de vírions se tornam resistentes à AZT, com o passar do tempo, Brendan Larder e colaboradores (1989) obtiveram amostras do HIV de pacientes e fizeram os vírus crescerem em células cultivadas em placas de Petri. A Figura 1.11 apresenta os dados de dois pacientes que os pesquisadores monitoraram durante muitos meses. No gráfico, cada curva declina, mos- trando como a capacidade de replicação do HIV é rapidamente reprimida pelo aumento das concentrações de AZT. Examinemos as três curvas relativas ao Paciente 1. As amostras de vírions desse paciente, após estar usando AZT por dois meses, ainda eram suscetíveis a essa droga. Nesse período, os vírions perderam quase completamente sua capacidade de replicação, em concentrações moderadas de AZT. As amostras de vírions do mesmo paciente, após 11 meses com AZT, já eram parcialmente resistentes; os vírions podiam ser detidos, mas com doses 10 vezes mais altas de AZT. Os vírions obtidos depois de 20 meses de tratamento com AZT eram extremamente resistentes. Eram inteiramente resistentes às concentrações de AZT que sustaram a primeira amostra e ainda podiam replicar-se razoavelmente bem nas concentrações que sustaram a segunda amostra. Os dados relativos ao Paciente 2 contam a mesma história. As populações de vírions no in- terior de cada paciente mudam, tornando-se resistentes à AZT. Em outras palavras, essas populações evoluem. Na maioria dos pacientes, a evolução do HIV resistente à AZT ocorre em apenas seis meses (Figura 1.12). Qual é a diferença entre um vírion resistente e um suscetível? Para responder a essa per- gunta, façamos um exercício de reflexão. Se quiséssemos construir, por meio de engenharia genética, um vírion de HIV capaz de se replicar em presença de AZT, o que faríamos? A 0 50 100 Meses de tratamento 2 11 20 Concentração de AZT ( M) Paciente 1 1 11 16 0,001 0,01 0,1 1 10 Meses de tratamento Paciente 2 Re sis tê nc ia d os v íri on s (% d e vi ab ilid ad e re la tiv a em p re se nç a de A Z T) 0 50 100 Figura 1.11 As populações de HIV desenvolvem resistência à AZT nos pacientes individuais. À medida que o tratamento conti- nuava, nesses dois pacientes, eram necessárias concentração mais altas de AZT para restringir a replicação dos vírus amostrados a partir do sangue dos pacientes. Redesenhado de Larder et al. (1989). T OH T N3 Trifosfato de AZT Timidina Figura 1.10 Timidina versus AZT. Análise Evolutiva 13 resposta mais simples poderia ser mudar o sítio ativo da enzima transcriptase reversa, dimi- nuindo sua probabilidade de confundir a AZT com o nucleotídeo normal. O desenho da Figura 1.13a representa como isso poderia funcionar, em princípio. Na prática, poderíamos usar uma substância química mutagênica ou uma radiação ionizante para produzir linhagens de HIV com seqüências nucleotídicas alteradas em seus genomas e, conseqüentemente, seqüências alteradas de aminoácidos em suas pro- teínas. Se fossem gerados muitos mutantes, no mínimo alguns conteriam mutações na parte da molécula de transcriptase reversa que reconhece e se liga à timidina normal. Na Figura 1.13b, é apresentado um modelo da estrutura verdadeira do sítio de ligação da transcriptase reversa. Caso uma das transcriptases reversas com sítio de ligação alterado fosse menos provável de confundir a AZT com o nucleotídeo normal, então a varian- te mutante de HIV seria capaz de continuar a se replicar, em presença da droga. Nas populações de vírions de HIV tratados com AZT, as linhagens incapazes de se replicar em presença de AZT diminuiriam numericamente, e a nova forma viria a dominar as populações de HIV. As etapas envolvidas nesse exercício de reflexão correspondem justamente ao que acontece no interior dos pacientes com HIV, como os que foram acompanhados por Larder e colaboradores. Como sabemos disso? Em estudos similares a esse, os pesquisa- dores obtiveram amostras repetidas de vírions de HIV de pacientes que recebiam AZT. Em cada amostra, os pesquisadores seqüenciaram o gene da transcriptase reversa, desco- brindo que as linhagens virais presentes tardiamente no tratamento eram geneticamente diferentes das linhas virais que estavam presentes antes do tratamento, nos mesmos indi- víduos hospedeiros. As mutações associadas à resistência à AZT eram freqüentemente as mesmas, de um paciente para outro (St.Clair et al., 1991; Mohri et al., 1993; Shirazaka et al., 1993), e localizavam-se no sítio ativo da transcriptase reversa (Figura 1.13c). Esses pes- quisadores observaram diretamente a evolução da resistência à AZT em muitos pacientes com AIDS. Em cada indivíduo, as mutações no genoma do HIV causaram substituições específicas de aminoácidos no sítio ativo da transcriptase reversa. Tais mudanças genéticas permitiram que as linhagens mutantes do vírus se replicassem em presença de AZT. Ao contrário da situação de nosso exercício de reflexão, no entanto, não ocorreu qualquer manipulação consciente. Então, como ocorreu a mudança nas linhagens virais? A resposta é que a transcriptase reversa é propensa a erro, e o genoma do HIV não tem instruções para produzir enzimas de correção de erros. Conseqüentemente, mais de 50% dos transcritos de DNA produzidos pela transcriptase reversa contêm pelo menos um erro em sua seqüência nucleotídica, também conhecido como uma mutação (Hübner et al., Algumas mutações no sítio ativo da transcriptase reversa reduzem sua probabilidade de adicionar AZT, em vez de timidina. >10 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0,1 0 R es ist ên ci a à A Z T ( 95 % d a do se in ib id or a [m M ]) 0 5 10 15 20 25 Meses de tratamento Figura 1.12 Na maioria dos pacientes, a resistência à AZT desenvolve-se em seis meses. Nesse gráfico está plotada a resis- tência em 39 pacientes examinados em diferentes épocas. Redesenhado de Larder et al. (1989). Figura 1.13 Diferença entre as transcriptases reversas sensíveis à AZT e as resistentes à AZT. (a) Esse desenho mostra como uma mudança no sítioativo da transcrip- tase reversa poderia capacitar essa enzima a reconhecer a AZT como uma impostora. (b) Essa reprodu- ção mostra o grande sulco na enzi- ma transcriptase reversa, em que o substrato (RNA) se liga. (c) Nessa reprodução, as esferas laranjas indi- cam os locais das substituições de aminoácidos correlacionadas com a resistência à AZT. Observe que es- sas substituições situam-se no sulco, ou sítio ativo, da enzima. Segundo Cohen (1993). (b) (c) (a) T N3 T N3 Suscetível Resistente Transcriptase Reversa Transcriptase Reversa 14 Scott Freeman & Jon C. Herron 1992; Wain-Hobson, 1993). De fato, o HIV tem a taxa de mutação mais alta de todos os vírus ou organismos observados até o presente. Devido às milhares de replicações de HIV que ocorrem em cada paciente durante o curso de uma infecção, uma única linhagem de HIV produz centenas de diferentes variantes de transcriptase reversa ao longo do tempo. Simplesmente em virtude de sua quantidade, é praticamente certo que uma ou mais dessas variantes contenham uma substituição de aminoácido que reduzem a afinidade da transcriptase reversa pela AZT. Se o paciente tomar essa droga, a replicação de variantes inalteradas de HIV será suprimida, mas os mutantes resistentes ainda serão capazes de sintetizar algum DNA e produzir novos vírions. À medida que os vírions resistentes se reproduzem e os suscetíveis não se propagam, com o passar do tempo, a fração de vírions Resultado: a composição da população mudou ao longo do tempo. Tempo Os erros na transcrição reversa produzem uma população variável. Algumas variantes diferem na resistência à AZT. Os erros na transcrição reversa produzem uma população variável. Algumas variantes diferem na resistência à AZT. A resistência (ou suscetibilidade) é transmitida dos genitores à prole. Durante o tratamento com AZT, muitos vírions não conseguem se reproduzir. As variantes que persistem são as que conseguem se reproduzir na presença de AZT. AZT Vírion suscetível à AZT Vírion parcialmente resistente à AZT Vírion muito resistente à AZT Mutação Figura 1.14 Como as populações de HIV desenvolvem resistência à AZT. As variações causadas por mutações, hereditariedade e diferen- ças de sobrevivência devidas à AZT resultam em uma mudança na composição da população, ao longo do tempo. Análise Evolutiva 15 resistentes à AZT no organismo do paciente aumentará. Além disso, é provável que cada nova geração, na população viral, contenha vírions com novas mutações. Algumas dessas mutações adicionais podem, subseqüentemente, reforçar a capacidade da transcriptase re- versa para funcionar em presença de AZT. Uma vez que se reproduzem com maior ra- pidez, os vírions que contêm essas novas mutações também aumentarão sua freqüência, à custa de seus contemporâneos menos resistentes. Esse processo de mudança da composição da população viral ao longo do tempo é de- nominado evolução por seleção natural. Ocorreu com tanta freqüência nos pacientes que tomavam AZT que o uso isolado dessa droga como tratamento da AIDS foi abandonado. (Discutimos terapias mais avançadas no Quadro 1.1.) Agora vamos considerar uma questão um pouco diferente. Já acompanhamos o que acontece aos vírions que contêm diferentes versões do gene da transcriptase reversa, quan- do a AZT está presente. O que ocorre quando a AZT está ausente? As linhagens mutantes de HIV também são mais eficientes reprodutivamente, quando as células hospedeiras não contêm AZT? Não. Quando o tratamento com AZT foi sustado, a proporção de vírions resistentes à AZT, na população viral, retornou à existente antes de o tratamento com AZT iniciar. As mutações reversas, que restabeleciam a configuração original da seqüência de aminoácidos da transcriptase reversa, tornaram-se comuns, porque os vírions que as con- tinham não reproduziam formas resistentes à AZT (St. Clair et al., 1991). A linhagem viral que aumenta em freqüência é a que se replica mais rapidamente no ambiente atual. Sem a presença de AZT, a seleção natural favorece os vírions não-mutantes; com a presença de AZT, favorece os vírions mutantes. A evolução por seleção natural é unidirecional e irre- versível? Não. Note-se que o processo que descrevemos envolve quatro etapas (Figura 1.14): Os erros de transcrição produzem mutações no gene da transcriptase reversa. Os 1. vírions que contêm os genes mutantes produzem versões da enzima transcriptase reversa que variam em sua resistência à AZT. Os vírions mutantes transmitem à prole seus genes da transcriptase reversa e, desse 2. modo, sua resistência ou suscetibilidade à AZT. Em outras palavras, a resistência à AZT é hereditária. Durante o tratamento com AZT, alguns vírions têm maior capacidade de sobrevi-3. vência e reprodução do que outros. Os vírions que sobrevivem em presença de AZT são os que têm mutações em seus 4. genes da transcriptase reversa, mutações essas que lhes conferem resistência. O resultado disso é que a composição da população viral, no interior do hospedeiro, muda com o passar do tempo. Os vírions resistentes à AZT abrangem uma fração cada vez maior da população; os vírions suscetíveis à AZT tornam-se raros. Não há nada de misterioso ou intencional quanto à evolução por seleção natural; a evolução simplesmente acontece. É uma conseqüência automática de simples e fria aritmética. Sendo uma conseqüência automática de fria aritmética, a evolução por seleção natural pode acontecer em qualquer população que apresente essas quatro etapas. Isto é, pode ocorrer em qualquer população em que existam variações hereditárias no sucesso repro- dutivo. Veremos muitos exemplos nos próximos capítulos. Uma medida de nossa compreensão verdadeira sobre um processo é a nossa capacidade de controlá-lo. Se entendemos realmente o mecanismo da evolução por seleção natural, como age no organismo dos pacientes com HIV, devemos encontrar um meio de fazê-lo cessar – ou, pelo menos, reduzi-lo. Para uma discussão de como os pesquisadores usaram sua compreensão do mecanismo de evolução da resistência, para planejar terapias mais eficazes, ver o Quadro 1.1. No decorrer do tempo, as mudanças na composição genética das populações de HIV levaram- nas a uma resistência aumentada à droga. Esse é um exemplo de evolução por seleção natural. As características hereditárias que conduzem à sobrevivência e à exuberância reprodutiva propagam-se nas populações; as que levam à deficiência reprodutiva desaparecem. Essa é a evolução por seleção natural. 16 Scott Freeman & Jon C. Herron 1.3 Por que o HIV é fatal? Um dos aspectos fundamentais para se tornar biólogo evolucionista é aprender o “pensa- mento selecionista”. A idéia é a de que a evolução por seleção natural, como está esboçada na Seção 1.2, é um processo automático que simplesmente acontece sempre que uma população mostra a necessária variação hereditária em sobrevivência e sucesso reprodutivo. Os pesquisadores desenvolveram diversas drogas anti- retrovirais que, como a AZT, direcionam os processos exclusivamente para as enzimas e proteínas virais (ver Fi- gura 1.5, página 7; Pomerantz e Horn, 2003; Pommier et al., 2005). As drogas já em uso ou em desenvolvimento incluem: Inibidoras da transcriptase reversa. • Algumas, como a AZT, inibem a transcriptase reversa mime- tizando os elementos construtores do DNA. Ou- tras a inibem bloqueando diretamente o sítio ativo da enzima. Inibidoras da protease. • Essas drogas impedem a protease do HIV de clivar as proteínas precursoras virais para produzir os componentes maduros dos novos vírions. Inibidoras de fusão. • Essas drogas barram a entrada do HIV nas células hospedeiras, inicialmente inter- ferindo nas proteínas gp120 ou gp41 desse vírus ou bloqueando as proteínas localizadas na superfície da célula hospedeira, às quais o HIV se prende. Inibidoras da integrase. • Essas drogas bloqueiam a integrase do HIV, impedindo-a de inserir o DNA do HIV no genoma do hospedeiro e, desse modo,evitando a transcrição de novos RNAs virais. Até o momento, a experiência indica que, quando qualquer droga anti-retroviral é usada isoladamente, o re- sultado será semelhante ao que vimos com a AZT. A po- pulação viral desenvolve resistência rapidamente no hos- pedeiro (ver, por exemplo, St. Clair et al., 1991; Condra et al., 1996; Ala et al., 1997; Deeks et al., 1997; Doukhan e Delwart, 2001). Com qualquer droga única, conforme vimos em rela- ção à AZT, apenas uma ou poucas mutações no gene para a proteína visada já podem tornar o vírus resistente. Com sua alta taxa de mutação, tempo curto de gerações e gran- de tamanho populacional, o HIV gera tantos genomas mutantes, que é provável surgir um genoma com a com- binação crítica de mutações, em um tempo razoavelmente curto. Quando existe variação genética para a replicação em presença da droga, e essa está presente, então é inevitá- vel que a população viral evolua. É necessário, então, um modo de aumentar o número de mutações que devem estar presentes no genoma de um vírion para torná-lo resistente. Quanto mais muta- ções forem necessárias para a resistência, menor será a probabilidade de que essas mutações ocorram conjun- tamente em um único vírion. Em outras palavras, é ne- cessária uma estratégia para reduzir a variação genética da resistência a zero. Sem essa variação, a população viral não evolui. O meio mais simples de aumentar o número de mu- tações necessárias para desenvolver a resistência é usando duas ou mais drogas simultaneamente. A resistência a dro- gas deve ser atribuída por diferentes mutações. Teorica- mente, as mutações que tornam o HIV resistente a uma das drogas também irão torná-lo suscetível a alguma das outras drogas (ver St. Clair et al., 1991). Há boas notícias de que os coquetéis de tratamento que usam combinações de drogas têm-se revelado efi- cazes. Por exemplo, Roy Gulick e colaboradores (1997) descobriram que, em muitos pacientes, um coquetel de duas inibidoras da transcriptase reversa (AZT e didesóxi- 3’-tiacitidina, ou 3TC), além de uma inibidora da pro- tease (indinavir), pode reduzir o número de vírions de HIV no plasma sangüíneo a níveis imperceptíveis, duran- te um ano, no mínimo. Resultados como esses renderam aos tratamentos com múltiplas drogas a denominação coletiva de Terapia Anti-Retroviral Altamente Ativa, ou HAART (de Highly Active Anti-Retroviral Therapy; Cohen, 2002a; para mais combinações de fármacos usadas na HAART, ver Kalkut, 2005). Frank Palella e colaboradores (2002) acompanharam aproximadamente 1.800 pacientes submetidos a vários re- gimes de prescrições de HAART durante seis anos. Com o advento da HAART, em 1996, as taxas de mortalida- de entre os pacientes caíram extraordinariamente (Figura 1.15a), assim como a incidência de infecções oportunistas típicas da AIDS (Figura 1.15b). O conhecimento de como a resistência evolui ajudou os pesquisadores a salvar vidas. Quadro 1.1 A compreensão de como a resistência evolui pode ajudar os pesquisadores a planejarem melhores tratamentos? Análise Evolutiva 17 Traços que levam à sobrevivência e à reprodução disseminam-se por toda a população; traços que levam à morte sem saída desaparecem. Se quisermos compreender por que uma característica particular é comum em uma determinada população, um bom início é ten- tarmos entender como ela poderia influir na sobrevivência e no sucesso reprodutivo dos indivíduos. Nesta seção, aplicamos o pensamento selecionista a um aspecto desconcertante das infecções de HIV: se não-tratadas, são quase sempre fatais. Entretanto, também há más notícias: os coquetéis de múltiplas drogas não curam a infecção do HIV. Permanece no corpo do paciente um estoque de genomas viáveis de HIV, oculto nos cromossomos dos linfócitos em repou- so e, possivelmente, em outros tecidos (Chun et al., 1997; Finzi et al., 1997; Wong et al., 1997b). Em conseqüência, quando os pacientes saem da HAART, suas cargas virais elevam-se rapidamente (Chun et al., 1999; Davey et al., 1999; Oxenius et al., 2002; Kaufmann et al., 2004). O esto- que oculto de HIV pode persistir durante décadas (Finzi et al., 1999). Os pesquisadores estão experimentando te- rapias que possam diminuí-lo, mas não está claro se al- gum dia será possível esgotar completamente esse estoque (Lehrman et al., 2005; Smith, 2005). Uma questão crucial é se, no estoque oculto, os vírions estão latentes (ou inativos) ou em replicação. Aparente- mente, em alguns pacientes, a HAART suprime toda a replicação, persistindo apenas os vírions latentes (ver, por exemplo, Finzi et al., 1997; Wong et al., 1997b; Zhang et al., 1999). Enquanto todos os vírions estiverem latentes, a população viral não evoluirá. No entanto, em outros pacientes, alguns vírions con- tinuam a se replicar (ver, por exemplo, Günthard et al., 2000; Ramratnam et al., 2000; Sharkey et al., 2000; Frost et al., 2001). A replicação contínua sugere que a popu- lação viral abrigou pelo menos alguma variação em sua resistência, antes que a terapia se iniciasse. Uma vez que os vírions parcialmente resistentes estão continuando a se reproduzir, existe uma oportunidade para o surgimento de mutações que concedam resistência adicional e, sob a seleção imposta pelas drogas, se acumulem nas linha- gens virais (Kristiansen et al., 2005). Diversas equipes de pesquisadores documentaram a evolução de linhagens de HIV que eram simultaneamente resistentes a múltiplas drogas, incluindo tanto os inibidores da transcriptase re- versa quanto os inibidores da protease (Wong et al., 1997a; Gallago et al., 2001; Grant et al., 2002; Evans et al., 2005; Markowitz et al., 2005). Um desapontamento a mais é que muitos pacientes que tomam coquetéis de múltiplas drogas sofrem efei- tos colaterais difíceis ou impossíveis de tolerar (Cohen, 2002a). Náuseas, anemia e uma variedade de transtornos metabólicos dificultam sua adesão ao tratamento prescrito (Sabundayo et al., 2006). Esses pacientes mantêm concen- trações mais baixas das drogas anti-retrovirais, aumentando a probabilidade de que os vírions parcialmente resistentes sejam capazes de se reproduzir e, por conseguinte, essas populações virais evoluam. O mais importante é que a alta atividade da HAART tem um prazo de término para a maioria dos pacientes (Chen et al., 2003; Mocroft et al., 2004). No estudo de Pa- lella e colaboradores – que produziu os dados dramáticos apresentados na Figura 1.15 – poucos regimes de HA- ART permaneceram eficazes por mais de três anos. Os tratamentos anti-HIV que sejam facilmente tolera- dos e suprimam permanentemente a replicação e a evolu- ção virais continuam alvo de pesquisas contínuas. (a) 40 30 20 10 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 20 40 60 80 100 M ortes por 100 pessoas por anoPo rc en ta ge m d e di as e m r eg im e de H A A RT d os p ac ie nt es 0 Doença do citomegalovírus Pneumonia por Pneumocystis carinii Complexo de Mycobacterium avium (b) 16 12 8 4 0 N úm er o de in fe cç õe s op or tu ni st as p or 1 00 pe ss oa s po r an o 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Figura 1.15 Sucessos da terapia anti-retroviral altamente ativa. Em uma amostra de 1.800 pacientes, a introdução de coquetéis de múltiplas drogas levou a uma redução extraordinária (a) nas taxas de mortalidade pela AIDS e (b) na incidência de infecções secundárias características da AIDS. Segundo Palella et al. (2002). 18 Scott Freeman & Jon C. Herron Evolução míope* É evidente que morrer de AIDS é ruim para o hospedeiro. Se houver variação heredi- tária na resistência ao HIV e à AIDS entre os humanos, então podemos esperar que a resistência irá propagar-se para todas as populações humanas à medida que passarem as gerações. Examinaremos esse aspecto na Seção 1.4. O organismo que queremos focalizar aqui, entretanto, não é o hospedeiro; é o vírus. Matar o hospedeiro não é ruim também para o vírus? Afinal, quando o hospedeiro morre, os vírionsque vivem no seu interior também morrem. A fim de aplicar o pensamento selecionista ao problema da letalidade do HIV, imagi- nemos que um ou poucos vírions invadiram um novo hospedeiro e estabeleceram uma infecção. Nesse nova população, os vírions estão se replicando rapidamente (ver parte su- perior da Figura 1.8 na página 10). Quando usam a transcriptase reversa para copiar seus genomas, geram muitas mutações. Assim, a população crescente está desenvolvendo varia- ção genética. Agora, o corpo do hospedeiro mobiliza sua resposta imune. O sistema imune ataca os vírions de HIV com anticorpos e células T citotóxicas (ver Figura 1.6 na página 8). Essas células eliminam grande parte dos vírions da população de HIV, mas nem todos. O motivo é que a população de HIV é geneticamente variável, e algumas de suas variantes são menos suscetíveis ao ataque do sistema imune. Os anticorpos e as células T citotóxicas reconhecem o HIV e as células por ele infecta- das ligando-se aos epítopos – pequenos fragmentos da proteína viral dispostos na super- fície do vírion ou da célula infectada. Os epítopos (também denominados determinantes antigênicos) são codificados pelos genes do HIV, portanto mutações nesses genes podem alterá-los e capacitar o vírion mutante a escapar à detecção pelo arsenal de anticorpos e células T citotóxicas existente no hospedeiro. Quando a infecção progride da fase aguda para a crônica, a população de HIV já evoluiu. As variantes facilmente reconhecidas pela primeira onda do ataque imune desapareceram, persistindo as que são de difícil reconheci- mento (Price et al., 1997; Allen et al., 2000). A Figura 1.16 fornece um exemplo de uma mutação que ajuda os vírions de HIV a escapar da resposta imune de alguns pacientes. Tal mutação afeta o epítopo da proteína p24, que é um componente da cápsula que envolve o centro (core) do vírion de HIV. As células hospedeiras infectadas exibem esse epítopo em sua superfície juntamente com uma proteína do hospedeiro, denominada antígeno leucocitário humano, ou HLA (de human leucocyte antigen). Quando uma célula T citotóxica reconhece o epítopo estranho ao lado da própria proteína HLA, destrói a célula infectada. Em um estudo de vírions de mais de 300 pacientes, A. J. Leslie e colaboradores (2004) descobriram que, na maioria das linhagens de HIV, o terceiro aminoácido do epitopo é a treonina. No entanto, na maioria das linhagens de HIV de pacientes que contêm qualquer um de dois alelos específicos do loco HLA-B – B5801 ou B57 –, o terceiro aminoácido é a asparagina. Experimentos realizados em tubos de ensaio mostraram a causa disso. Leslie e colabo- radores coletaram linfócitos de um paciente possuidor do alelo B5801 e os expuseram a diferentes versões do epítopo da p24 (Figura 1.16a). As células do paciente reagiram muito mais fortemente com a versão que possuía treonina do que com a que tinha asparagina. Os linfócitos de pacientes que continham o alelo B57 mostraram um padrão semelhante. Leslie e colaboradores descobriram vários casos em que um indivíduo com o alelo B5801 ou com o B57 foi infectado pelo HIV de um hospedeiro que não possuía am- bos os alelos. Mediante amostragem periódica da população viral no novo hospedeiro, foi possível a esses pesquisadores documentar a evolução dessa população viral. No início da infecção, todos os vírions tinham treonina na terceira posição do epítopo da 400 800 1.200 1.600 0 10-9 10-7 10-5 TSTLQEQIAW TSNLQEQIAW Concentração do epitopo (M) R es po st a im un e Epitopo: Hospedeiro com B57 ou B5801 Mutação Eliminação pelas células T citotóxicas Mutação Transmissão Hospedeiro sem B57 e B5801 Tempo Tempo Eliminação pelas células T citotóxicas Transmissão Hospedeiro com o alelo HLA-B5801 (a) (b) Figura 1.16 Uma mutação de escape do HIV. (a) Esse gráfico mostra a força da resposta imune dos linfócitos de um paciente com HIV como uma função da concen- tração dos fragmentos protéicos (epítopos) em teste. Os dois fragmentos são variantes de uma pequena porção da proteína p24. Cada letra representa um amino- ácido: T = treonina, S = serina, N = asparagina, etc. As unidades da resposta imune correspondem ao número de células, por milhão, pro- duzindo interleucina gama. Segundo Leslie e colaboradores (2004). (b) Em hospedeiros que possuem o alelo HLA-B57 ou o HLA-B5801, a população de HIV evolui na direção de altas freqüências da variante N; em hospedeiros com outros ge- nótipos, evolui na direção de altas freqüências da variante T. * N. de R. T. No original, short-sighted evolution, no sentido de que a evolução por seleção natural, tal como no exem- plo aqui discutido, não antevê resultados futuros, mas apenas ajusta a população para as condições presentes. Análise Evolutiva 19 p24 (Figura 1.16b). Logo, contudo, os vírions mutantes apa- receram com asparagina nessa posição. Finalmente, os vírions com treonina foram extintos, permanecendo apenas os ví- rions com asparagina. Os pesquisadores também encontraram casos em que os indivíduos que não tinham os alelos B5801 e B57 se tornaram infectados pelo HIV de um hospedeiro com um desses alelos. A amostragem periódica desses pacien- tes mostrou que suas populações virais evoluíram em direção oposta. Uma vez que o sistema imune jamais reduz completamente a replicação do HIV, a população desse vírus, no interior de um hospedeiro, desenvolve-se durante toda a fase crônica da infec- ção. A população de HIV produz de 10 a 100 milhões de novos vírions por dia (Ho et al., 1995; Wei et al., 1995). Quando se re- plicam, esses vírions geram acidentalmente mutações que modi- ficam seus epítopos. Alguns dos vírions mutantes se reproduzem livremente, até que o sistema imune produza anticorpos e células T citotóxicas que reconheçam suas proteínas alteradas. Posterior- mente, esses mutantes desaparecem, e uma nova geração de ví- rions, com novos epítopos, ocupa automaticamente o seu lugar. Raj Shankarappa e colaboradores (1999), trabalhando no laboratório de James Mullins, registraram a evolução contínua da população de HIV durante a fase crônica da infecção em vários pacientes. Os dados de um desses pacientes aparecem na Figura 1.17. Inicialmente, olhe para a Figura 1.17a. Os re- feridos cientistas coletavam periodicamente os vírions de HIV do sangue do paciente e liam a seqüência de nucleotídeos de um segmento do gene da gp120. Essa proteína localiza-se no envelope externo do HIV, onde se inicia a fusão com as célu- las hospedeiras, mediante ligação à CD4 e à co-receptora (ver Figura 1.5 na página 7). O segmento gênico que os pesquisa- dores estudaram determina a co-receptora que o vírion usa e contém um epítopo marcado pelo sistema imune do hospe- deiro. A equipe anotou a seqüência nucleotídica da primeira amostra que obteve do paciente e comparou todas as amostras subseqüentes com essa. Durante os primeiros sete anos em que os pesquisadores acompanharam esse paciente, as seqüências foram de quase idênticas à seqüência de referência a diferentes em cerca de 8% de seus nucleotídeos. Agora, observe o que aconteceu entre o sexto e o oitavo ano. A diagonal parou de subir e se horizontalizou, ou seja, a taxa de evolução tornou-se extraordinariamente lenta. Por quê? A po- pulação viral parou de produzir a variação genética que abaste- ce a evolução por seleção natural? Provavelmente, não. A Figura 1.17b mostra que a concentração de vírions era alta nessa época. Com tantos vírions replicando-se, a população certamente con- tinuava a produzir genomas mutantes em uma taxa exacerbada. Então, mudou a maneira em que o genótipo viral influencia a sobrevivência e a reprodução? Provavelmente, sim. Até o séti- mo ano, era mais provável que os vírions cujos genótipos lhes proporcionavam novos epítopos sobrevivessem e proliferassem (ver Ross e Rodrigo, 2002); após o sétimo ano, essa vantagem aparentemente desapareceu. 0,025 0,050 0,075 0,100 0,000 D ist ân ci a ge né tic a 24 6 5 3 Anos decorridos desde que o paciente se tornou HIV-positivo 3TC d4T AZT 0 (a) Divergência da população fundadora (b) Carga viral (c) Contagens de células T Lo g do R N A v ira l p or m l 0 800 400 1.200 C él ul as T C D 4+ p or m m 3 Período de tempo durante o qual o paciente tomou drogas anti-retrovirais 2 4 6 8 10 12 Figura 1.17 Evolução da população de HIV no interior de um paciente. (a) Cada barra laranja representa um vírion amostrado do paciente durante o curso infeccioso; sua posição horizontal indica o momento da amostragem, e sua posição vertical, o quan- to é diferente geneticamente da primeira amostra. A linha preta mostra a tendência: os vírions amostrados posteriormente divergi- ram mais. (b) A carga viral do paciente aumentou no decorrer do tempo. (c) A contagem de células T CD4 do paciente continuou razoavelmente alta durante vários anos, depois caiu rapidamente. Segundo Shankarappa et al. (1999). 20 Scott Freeman & Jon C. Herron A Figura 1.17c mostra que, aproximadamente na época em que a taxa de evolução viral se tornou mais lenta, a contagem de células T CD4 do paciente diminuiu enorme- mente. No sexto ano, essa contagem era de 1.200 células por milímetro cúbico; em torno do oitavo ano, era menor do que 200. O sistema imune do paciente estava em colapso, significando que o corpo do paciente não mais produzia novos tipos de anticorpos e de células T citotóxicas. Isso libertava a população de HIV do agente seletivo que a forçava a evoluir. Não existia mais qualquer benefício em possuir novos epítopos. Em lugar disso, as linhagens mais capazes de replicação rápida simplesmente se propagavam, e as menos capazes tornavam-se raras (ver Williamson et al., 2005). A evolução da população de HIV parece contribuir para o colapso do sistema imune, no mínimo, de três modos. Primeiro, é a evolução contínua em direção a novos epítopos que possibilita à população viral manter-se bastante à frente da resposta imune, para continuar replicando-se em grande quantidade. Finalmente, conforme está descrito na Seção 1.1, a replicação contínua da população viral consome o suprimento de células T virgens e de memória, bem como destrói a capacidade do organismo para substituí-las. Segundo, a população viral, no interior da maioria dos hospedeiros, evolui em direção à replicação cada vez mais agressiva. Ryan Troyer e colaboradores (2005) obtiveram amostras seqüenciais de HIV de diversos pacientes não-tratados. Esses pesquisadores colocaram os vírions de cada amostra a crescer em linfócitos de um doador não-infectado. Adicionaram a cada placa de cultura uma das quatro linhagens-controle de HIV, contra a qual os vírions coletados do paciente teriam de competir. Nas placas, a linhagem viral que conseguiu re- plicar-se com maior eficiência tornou-se numericamente predominante. Os mencionados pesquisadores avaliaram a aptidão competitiva dos vírions das amostras dos pacientes com base em seu desempenho total contra as quatro linhagens-controle, mostrando os resultados na Figura 1.18. Cada cor representa as amostras seqüenciais de um determinado paciente. Dos oito casos, em sete a aptidão competitiva dos vírions do paciente aumentou constante- mente ao longo do tempo. Em relação a dois de seus pacientes, Troyer e colaboradores tam- bém testaram a competição de linhagens de amostras iniciais contra linhagens de amostras tardias. Essas últimas linhagens venceram sempre. Quanto mais tempo um paciente abrigar uma população de HIV, mais prejudiciais se tornam os vírions dessa população. Terceiro, em pelo menos 50% de todos os hospedeiros – e possivelmente muitos mais – evoluem linhagens de HIV que podem infectar células T virgens (Shankarappa et al., 1999; Moore et al., 2004). A capacidade de um vírion de HIV infectar um dado tipo de célula é determinada pela co-receptora que o vírion usa. Essa co-receptora, mostrada na Figura 1.5 na página 7, é a segunda das duas proteínas às quais o HIV se prende para se infiltrar em uma célula hospedeira. No início da maioria das infecções de HIV, a maior parte dos vírions da população de HIV usa como sua co-receptora a proteína CCR5, que é encontrada em células dendríticas, macrófagos e em células T citotóxicas, em repouso e reguladoras (ver Figura 1.6 na página 8). À medida que a infecção progride e a população de HIV evolui, freqüentemente surgem vírions que exploram uma co-receptora diferen- te, a proteína CXCR4, encontrada em células T virgens. Esses vírions, denominados X4, podem tornar-se mesmo numericamente predominantes. É o que aconteceu no paciente cuja infecção é detalhada na Figura 1.17. Os vírions X4 não existiam no início da infecção, tornaram-se fortemente predominantes entre o quinto e o oitavo ano e depois voltaram a rarear em torno do 11º ano. Uma vez que as células T virgens são as progenitoras das células T citotóxicas e de memó- ria, o surgimento de vírions que possam infectar e matar as células T virgens é uma má notícia para o hospedeiro. Hetty Blaak e colaboradores (2000) amostraram as populações virais de 16 pacientes com HIV para determinar se tais populações continham vírions X4. A seguir, durante o período decorrido entre um ano antes e um ano depois da data de amostragem, os pesquisadores calcularam a contagem média de células T auxiliares no sangue de pacientes com vírions X4, comparando-a com a dos pacientes sem esses vírions. Os respectivos resulta- dos são mostrados na Figura 1.19. As populações patogênicas evoluem no interior de hospedeiros individuais em resposta à seleção imposta pelo sistema imune desses hospedeiros. 0 40 80 120 0 2 4 6 Número de meses a partir do primeiro teste HIV-positivo A da pt ab ili da de c om pe tit iv a do s ví rio ns d o pa ci en te Figura 1.18 Na maioria dos hospedeiros, as populações de HIV evoluem em direção à repli- cação mais agressiva. Cada cor representa os vírions amostrados em série de um determinado hospedeiro. A aptidão competitiva reflete a capacidade de replicação dos vírions nos linfócitos de um doador não-infectado em presença de linhagens-controle. Dos oito pacientes, em sete a capacidade das populações de HIV para conti- nuarem competindo aumentou ao longo do tempo. Reproduzido de Troyer et al. (2005). A rápida evolução da população de HIV no interior de um hospedeiro acelera o colapso do seu sistema imune. Essa evolução é míope, porque também apressa a extinção da população de HIV. Análise Evolutiva 21 As contagens médias de células T nos pacientes sem linhagens virais X4 permaneceram razoavelmente constantes ao longo do tempo, ao passo que nos pacientes com linhagens X4 essas contagens diminuíram. Quando surgem vírions que debilitam gradualmente a capacidade do sistema imune para reabastecer seu estoque de células T, aparentemente esses vírions aceleram a falência do sistema imune. A evolução da população de HIV em um hospedeiro é míope (Levin e Bull, 1994; Le- vin, 1996). Os vírions não visam ao futuro, nem prevêem que, à medida que sua população evoluir, acabarão basicamente matando seu hospedeiro e desse modo causarão a própria extinção. Os vírions não podem visar ao futuro, pois são apenas diminutas máquinas mo- leculares imprevidentes. A evolução por seleção natural também não pode mirar o futuro, pois é somente um processo matemático que ocorre automaticamente. Em conseqüência, a população de HIV, em qualquer hospedeiro, evolui, em última análise, na direção de sua auto-extinção. A natureza efêmera da evolução do HIV é especialmente clara no caso dos vírions X4. As comparações dos vírions presentes nos hospedeiros infectados consecutivamente mostram que as linhagens de HIV que usam a co-receptora CXCR4 não são transmitidas a novos hospedeiros (Zhu et al., 1993; Clevestig et al., 2005). Os patógenos que não con- seguem contagiar novos hospedeiros não sobrevivem por muito tempo. Mesmo que não tomassem parte na destruiçãodos sistemas imunes de seus hospedeiros, as linhagens X4 estariam destinadas com certeza à extinção. Resumindo, o pensamento selecionista leva-nos à conclusão de que a infecção do HIV é fatal, pelo menos parcialmente, devido à evolução de curto prazo da população viral no interior do hospedeiro. As linhagens letais de HIV tornam-se aí predominantes, porque gozam de uma vantagem efêmera em sobrevivência e reprodução. Uma correlação entre letalidade e transmissão? A evolução de curto prazo talvez não seja a única razão da fatalidade das infecções do HIV. A evidência para essa afirmativa é a existência de linhagens raras de HIV que matam seus hospedeiros mais lentamente do que as linhagens comuns, se é que os matam (Geffin et al., 2000; Rhodes et al., 2000; Tobiume et al., 2002). A linhagem atenuada mais conheci- da de HIV disseminou-se de um doador de sangue para oito receptores de transfusão na Austrália, no início da década de 1980 (Deacon et al., 1995; Learmont et al., 1999; Birch et al., 2001; Churchill et al., 2006). Esse grupo de pacientes é conhecido como a Coorte do Banco de Sangue de Sydney. O doador e quatro receptores foram acompanhados durante 25 anos, desde que se tornaram infectados. Alcançaram idade suficiente para que dois deles tenham falecido em decorrência de condições associadas à idade, não ao HIV. Finalmente, dois membros da coorte desenvolveram AIDS, respectivamente 17 e 18 anos após a infec- ção, mas ambos responderam bem ao tratamento anti-retroviral. Outro membro apresen- tou níveis detectáveis de HIV em seu sangue, mas continuou assintomático. Os dois restan- tes mostraram contagens normais de células T e cargas virais praticamente não-detectáveis. No conjunto, a coorte progrediu muito melhor do que um grupo comparativo, infectado por linhagens normais de HIV. O que explica a progressão mais lenta da AIDS na Coorte do Banco de Sangue de Sydney? N. J. Deacon e colaboradores (1995) examinaram o genoma da linhagem de HIV que infectou a coorte, descobrindo que nessa linhagem está faltando parte do gene que codifica uma proteína viral chamada Nef. Os mecanismos de funcionamento dessa pro- teína ainda não são inteiramente conhecidos (Fackler e Baur, 2002), mas alguns pesquisa- dores mostraram que a Nef auxilia os vírions de HIV a penetrarem nas células hospedeiras (Schaeffer et al., 2001; Papkalla et al., 2002), impulsiona a replicação viral (Aiken e Trono, 1995; Linnemann et al., 2002) e ajuda as células infectadas pelo HIV a escapar do sistema imune do hospedeiro (Swann et al., 2001). A perda ou a redução dessas funções limita aparentemente o dano que o HIV causa ao sistema imune do hospedeiro, talvez em parte porque resultam em cargas virais menores. Sabe-se que existem linhagens relativamente benignas de HIV. 0 6 12 18 24 200 400 600 C on ta ge m d e cé lu la s T C D 4+ Tempo (meses) Hospedeiros sem vírions X4 Hospedeiros com vírus X4 Figura 1.19 Linhagens de HIV que usam a co-receptora CXCR4 aceleram o colapso dos sistemas imunes de seus hospedeiros. As contagens de células T auxiliares diminuem mais rapidamente em pacientes que abrigam linhagens X4, aparentemente porque essas linha- gens infectam e matam as células T virgens e, desse modo, debilitam gradualmente a capacidade de seus hospedeiros para produzir novas células T citotóxicas e de memória. Reproduzido de Blaak et al. (2000). 22 Scott Freeman & Jon C. Herron O ponto importante é que as alterações do genoma do HIV podem tornar o vírus menos lesivo ao hospedeiro, mas ainda capaz de sobreviver no seu organismo. Caso o hos- pedeiro viva mais tempo, a população de HIV também perdurará mais. Isso aparentemente é bom para o vírus. Então, por que são tão raras as linhagens de HIV que contêm tais alterações genéticas? Se reconhecermos que mesmo para um patógeno completamente benigno todos os seus hospedeiros finalmente morrerão, o pensamento selecionista sugerirá uma resposta. Para persistir além do tempo de vida do hospedeiro, uma população viral deve, em al- gum momento, colonizar novos hospedeiros. Isso significa que há um segundo nível de seleção natural agindo sobre o HIV. O primeiro nível é o que já examinamos: existem diferenças entre os vírions em sua capacidade de sobreviver e se reproduzir no interior de um determinado hospedeiro. O segundo nível de seleção ocorre quando existem diferenças entre as linhagens virais em sua capacidade de se deslocar de um hospedeiro para outro. Ao longo do tempo, as linhagens que são facilmente transmitidas para novos hospedeiros irão tornar-se mais comuns, ao contrário das de difícil transmissão, que ter- minam desaparecendo. Uma hipótese razoável é a de que as linhagens de HIV com genes mutantes nef são ra- ras porque dificilmente são transmitidas de um hospedeiro para outro. A fraca transmissão poderia ser devida à capacidade reduzida dos vírions sem a proteína Nef para invadir novas células, mas também seria explicada parcialmente pelas cargas virais mais baixas mantidas pelas populações virais sem Nef nos hospedeiros. Com menos vírions presentes nos líqui- dos corporais, é reduzida a probabilidade de uma transferência bem-sucedida durante um dado surto de relações sexuais ou compartilhamento de agulha. Um cenário similar explica por que o HIV-2 é menos comum mundialmente do que o HIV-1, que discutimos até o momento. O HIV-2 é um vírus aparentado, que os hu- manos adquiriram de uma espécie diferente de primata (ver Seção 1.5, adiante), sendo menos prejudicial aos seus hospedeiros do que o HIV-1. Os indivíduos infectados pelo HIV-2 progridem para a AIDS, mas muito mais lentamente do que os infectados pelo HIV-1 (Marlink et al., 1994). O curso mais lento dessa infecção parece relacionar-se ao fato de que as cargas virais de HIV-2 são inferiores às de HIV-1, nos respectivos hospedei- ros (Popper et al., 1999). Entre os motivos para essas cargas virais mais baixas, pode estar o fato de que a proteína Nef do HIV-2 tem uma função que foi perdida nos ancestrais de HIV-1, antes de começarem a infectar os humanos: a de impedir a ativação imune crônica (Schindler et al., 2006). No entanto, além de ser menos prejudicial aos seus hospedeiros, o HIV-2 também é transmitido em taxas inferiores às da transmissão do HIV-1 (Kanki et al., 1994). Essas diferenças nas taxas de transmissão podem explicar por que o HIV-2 permaneceu confinado à África Ocidental (Bock e Markovitz, 2001), enquanto o HIV-1 espalhou-se por todo o globo terrestre. Em síntese, um segundo motivo da letalidade da infecção do HIV é que as característi- cas que predispõem as populações de HIV a, finalmente, matarem seus hospedeiros – como a capacidade de replicação rápida, o escape do sistema imune e a manutenção de grandes populações – também fortalecem sua capacidade de colonizar novos hospedeiros. A seleção no nível de transmissão de hospedeiro para hospedeiro favorece tais características, mesmo à custa de matar os hospedeiros mais rapidamente. Na próxima seção, continuaremos a praticar o pensamento selecionista, mas desviare- mos nosso foco do vírus para o hospedeiro. Ao fazermos isso, será sugerido um terceiro motivo para que a infecção do HIV seja fatal: talvez a população humana não tenha tido tempo para desenvolver uma defesa adequada. 1.4 Por que algumas pessoas são resistentes ao HIV? Já mencionamos, na Seção 1.1, que o HIV tem parentes, denominados vírus da imuno- deficiência simiana (SIVs), que infectam várias espécies de primatas. Os hospedeiros na- Linhagens relativamente benignas de HIV podem ser transmitidas de hospedeiro para hospedeiro, em baixas taxas. Um segundo motivo da letalidade das infecções de HIV é que as características que predispõem o HIV a matar também fortalecem sua capacidade de infectar novos hospedeiros. Análise Evolutiva 23 turais desses SIVs toleram normalmente a infecção sem ficarem doentes. Em populações selvagens de macacos verdes africanos*, por exemplo, mais dametade de todos os adultos estão infectados pelo SIVagm**, mas não há evidência de que sofram a conseqüente doença (Kuhmann et al., 2001). No entanto, quando os macacos resos são infectados com o SI- Vagm, muitas vezes desenvolvem a AIDS. Esses resultados sugerem que os hospedeiros naturais dos SIVs desenvolveram defesas eficazes que faltam aos novos hospedeiros. Poderiam os humanos evoluir defesas similares contra o HIV? Sendo assim, por que não as possuímos? Lembremos que, para uma população evoluir, os indivíduos devem variar, e essa variação tem de ser transmitida geneticamente dos genitores à prole. Existe variação hereditária na suscetibilidade ao HIV entre os humanos? No início da década de 1990, pesquisas de diversos laboratórios demonstraram que al- gumas pessoas permanecem sem infecção, mesmo após exposição repetida ao HIV, e que outras que são infectadas com o vírus sobrevivem muitos anos além do esperado (ver Cao et al., 1995). Em meados dos anos 1990, uma equipe liderada por Edward Berger identi- ficou as moléculas co-receptoras que permitem a entrada do HIV nas células hospedeiras (ver Feng et al., 1996; Alkhatib et al., 1996). Pouco depois, Rong Liu e colaboradores (1996) e Michel Samson e colaboradores (1998) sugeriram que os indivíduos resistentes poderiam ter formas incomuns das moléculas co-receptoras, e essas proteínas mutantes poderiam frustrar a entrada do HIV nas células hospedeiras. A fim de testar essa hipótese, Samson e colaboradores seqüenciaram o gene que codifica a co-receptora CCR5 de três indivíduos infectados pelo HIV que eram sobreviventes de longo prazo. Como era esperado, um dos indivíduos tinha um alelo mutante do gene. Uma vez que esse alelo é distinguido por uma deleção de 32 pares de bases da seqüência normal do DNA, Samson e colaboradores o denominaram alelo �32 (� é a letra grega delta). Pos- teriormente, mostraram que o HIV não consegue entrar nas células que contêm a forma �32 do gene CCR5. Esse experimento confirmou que o alelo �32 protege os indivíduos contra a infecção. Modificações na expressão ou na estrutura do gene CCR5 constituem uma defesa co- mum entre os hospedeiros dos SIVs também (Chen et al., 1998; Palácios et al., 1998; Kuhmann et al., 2001; Veazey et al., 2003). Muitos macacos verdes africanos, por exemplo, contêm um gene CCR5 codificando uma substituição de aminoácido que dificulta mais a entrada do SIV em suas células. A maioria dos mangabeis de barrete vermelho contém um gene CCR5 com uma deleção de 24 pares de bases, cujo efeito é o mesmo. Alguns mangabeis fuliginosos possuem um gene CCR5 com uma deleção diferente, que produz uma proteína não-funcional. Podemos concluir que, de fato, as populações humanas apresentam variação genética para resistência à infecção pelo HIV e progressão da doença. Além disso, esse material bruto para a evolução envolve mecanismos fisiológicos semelhantes aos que atribuem re- sistência nos macacos. A variação genética encontrada entre os humanos foi moldada pela seleção natural imposta pela pandemia da AIDS? Para descobrirem se o alelo �32 é comum em várias populações humanas, Samson e co- laboradores (1998) coletaram amostras de DNA de um grande número de indivíduos de ori- gem norte-européia, japonesa e africana, examinaram o gene para a proteína CCR5 em cada indivíduo e calcularam a freqüência dos alelos normal e �32 em cada população. Surgiu um forte padrão: o alelo mutante estava presente em uma freqüência relativamente alta de 9% nos europeus, mas completamente ausente em indivíduos de descendência asiática ou africana, re- sultado confirmado por pesquisa posterior. O alelo CCR5-�32 é comum no norte da Europa e diminui notavelmente sua freqüência tanto ao sul como ao leste (Figura 1.20). A comparação do mapa de freqüência do alelo �32, na Figura 1.20, com o mapa de prevalência do HIV, na Figura 1.1, na página 5, revela uma surpreendente dissociação. Para uma população evoluir, deve abrigar diferenças genéticas entre os indivíduos. Nas populações humanas, alguns indivíduos contêm alelos que os tornam resistentes à infecção pelo HIV. * N. de R.T. No original, African green monkeys. Correspondem a um conjunto de espécies de macacos africanos do gênero Chlorocebus, cujos pelos dorsais podem ser de coloração esverdeada. ** N. de T. SIVagm corresponde, em inglês, ao vírus de imunodeficiência simiano dos macacos verdes africanos. 24 Scott Freeman & Jon C. Herron O alelo �32 é comum em uma região do mundo em que a infecção do HIV é relativa- mente rara, enquanto essa infecção é abundante em regiões onde o alelo �32 é raro ou ausente. Talvez não devêssemos esperar que a distribuição geográfica do alelo �32 refle- tisse a distribuição do HIV. Como veremos na seção seguinte, não é apenas a pandemia de HIV que é recente, mas o próprio HIV é um causador novo de doença humana. São necessárias algumas gerações para que uma população se modifique em conseqüência à seleção natural, e não houve tempo suficiente para que o HIV altere as populações humanas – ainda. Ao comparar indivíduos expostos ao HIV não-infectados e sobreviventes de longo prazo com indivíduos que desenvolvem a AIDS, os pesquisadores descobriram, recen- temente, muitos outros genes cujos diversos alelos atribuem diferente suscetibilidade ou resistência ao HIV (ver O’Brien e Nelson, 2004; Gao et al., 2005; Gonzáles et al., 2005; Modi et al., 2006). Biólogos evolucionistas estão avaliando as freqüências desses alelos protetores em várias populações e predizendo como tais freqüências podem mu- dar à medida que a epidemia continua (Schliekelman et al., 2001; Sullivan et al., 2001; Ramaley et al., 2002). Iremos considerar detalhadamente algumas dessas predições no Capítulo 6. Se a pandemia de AIDS não explica o padrão geográfico exibido na Figura 1.20, o que o explica, então? Samson e colaboradores ofereceram duas explicações: (1) o alelo CCR5-�32 talvez tenha sido favorecido recentemente pela seleção natural nas popula- ções européias, ou (2) esse alelo poderia ter alcançado sua alta freqüência por acaso em um processo denominado deriva genética. Em concordância com a hipótese da seleção natural, os pesquisadores sugeriram que o alelo �32 confere proteção contra outro pa- tógeno diferente do HIV, tal como o da peste bubônica (Stephens et al., 1998) ou o da varíola (Lalani et al., 1999). Nesses cenários, o alelo �32 teria aumentado sua freqüência devido à vantagem de sobrevivência que propiciou durante a epidemia devastadora que assolou a Europa durante o milênio passado. Em um esquema relacionado com a hipótese da deriva genética, outro biólogo propôs que o alelo �32 surgiu inicialmente entre os viquingues, alcançando freqüência alta, e depois se disseminou por toda a Europa durante Curiosamente, a freqüência do alelo protetor mais conhecido é mais elevada em regiões com baixas taxas de infecção de HIV. Aparentemente, a infecção de HIV é uma doença humana recente demais para ter desencadeado uma modificação evolutiva substancial nas populações humanas. O padrão do mapa acima apresentado continua sem explicação. 80 60 40 20 0 W.L.0 E.L. 60 90 120 150 180 Freqüência do alelo CCR5- 32 0,141 0,115 a 0,140 0,089 a 0,114 0,064 a 0,088 0,037 a 0,063 0,011 a 0,036 0,010 Figura 1.20 Freqüência do alelo CCR5-�32 no Velho Mundo. O alelo �32 tem sua freqüência mais alta no norte da Europa, diminuindo-a para o sul e para o leste. Segundo Limborskaa et al. (2002). Análise Evolutiva 25 as invasões dessa população escandinava nos séculos VIII, IX e X (Lucotte, 2001). Alguns pesquisadores recentemente também começaram a descobrir os custos associados ao alelo �32. Por exemplo, os homozigotos são mais suscetíveis ao vírus do Nilo Ocidental (West Nile virus; Glass et al., 2006), sugerindo que a seleção natural contra esse alelo também deve ser considerada. Reexaminaremos o enigma da distribuição histórico-geográfica do alelo CCR5-�32 nos Capítulos4, 6 e 8. 1.5 De onde se originou o HIV? Na Seção 1.1, assinalamos que a AIDS foi detectada, pela primeira vez, em 1981. Essa doença é recente para os humanos. Sua causa, o HIV, é um patógeno novo. Os vírus, como outros organismos, surgem apenas por reprodução de sua espécie. De onde vieram os pri- meiros vírions do HIV? O primeiro indício é que, como já mencionamos, o genoma e o ciclo vital do HIV são semelhantes aos dos SIVs, uma família de vírus que infectam diferentes primatas. Da mes- ma forma que o HIV, os vírus da imunodeficiência simiana infectam os sistemas imunes de seus hospedeiros. Contudo, ao contrário do HIV, parecem não causar doença grave. Uma hipótese lógica é a de que o HIV se originou de um dos SIVs e que a epidemia global de AIDS começou quando esse SIV passou de seus hospedeiros primatas para os humanos. Qual é o SIV ancestral do HIV? A fim de descobri-lo, os biólogos evolucionistas reconstruíram a história evolutiva dos vírus da família SIV/HIV. Como os pesquisadores reconstroem a história evolutiva? Assim como as relações históricas (ou passadas) entre os indivíduos são descritas por sua genealogia, as relações passadas entre as populações ou as espécies são descritas por sua filogenia. A representação dessas relações evolutivas mostra a árvore genealógica de um grupo de espécies ou populações, sendo denominada cladograma ou árvore filogené- tica. A metodologia para reconstruir as filogenias é complexa em seus detalhes (todo o Capítulo 4 é dedicado a esse tópico), mas sua base lógica é simples. Em geral, as espécies com parentesco mais próximo devem ser mais semelhantes do que as formas com paren- tesco mais distante. No caso do HIV, os pesquisadores inferem as relações passadas entre as linhagens, comparando as seqüências nucleotídicas de seus genes. A premissa é que as linhagens com seqüências nucleotídicas similares compartilharam um ancestral comum mais recentemente do que as linhagens com seqüências diferentes. A origem do HIV Beatrice Hahn e colaboradores seqüenciaram o gene que codifica a transcriptase reversa em vários SIVs e compararam suas seqüências com as encontradas em diversas linhagens de HIV (Gao et al., 1999; Hahn et al., 2000). Usando seus dados para estimar as relações entre esses vírus, os pesquisadores produziram a filogenia mostrada na Figura 1.21a. Nessa árvore, os comprimentos das linhas horizontais indicam a porcentagem de nucleotídeos diferentes entre os genes das linhagens virais. Ramos curtos entre as espécies significam que suas seqüências são semelhantes; ramos mais longos significam que suas seqüências são mais divergentes. Como a divergência das seqüências é resultante do acúmulo de mutações ao longo dos anos, nessa árvore a extensão dos ramos horizontais correlaciona-se aproxi- madamente com o tempo. (Em compensação, os comprimentos das linhas verticais são arbitrários, ajustados simplesmente para tornar a árvore mais compreensível.) Para interpretar essa árvore e entender suas implicações quanto à história do HIV, inicie na seta de cor laranja, na margem inferior esquerda. O ponto de ramificação, ou nó, nessa seta representa o ancestral comum de todos os vírus inclusos na árvore. Ob- serve que cada um dos diferentes grupos, ou linhagens, que se ramificam da população A árvore filogenética mostra as relações passadas entre um grupo de vírus ou organismos. 26 Scott Freeman & Jon C. Herron ancestral conduzem a vírus que infectam macacos ou chimpanzés. Os ramos cinzas diversificaram-se em vírus que infectam muitos primatas não-humanos, ao passo que os laranjas e pretos originaram vírus que parasitam hospedeiros tanto humanos quanto não-humanos. De onde se originam os vírus da imunodeficiência humana? Descubra os vírus deno- minados HIV-2, próximos ao ramo inferior da árvore, e observe que compartilham um ramo da árvore com um vírus que infecta uma espécie de macaco denominada mangabei fuliginoso. O HIV-2 é prevalente na África Ocidental, sendo menos virulento do que o HIV-1, o vírus que está causando a epidemia global de AIDS. Uma vez que os mangabeis HIV-1/U455: Humano HIV-1/LAI: Humano HIV-1/ELI: Humano HIV-1/YBF30: Humano SIVcpzUS: Chimpanzé SIVcpzCAM3: Chimpanzé SIVcpzGAB1: Chimpanzé HIV-1/MVP5180: Humano HIV-1/ANT70: Humano SIVcpzANT: Chimpanzé SIVlhoest : Macaco de l'Hoest SIVsun : Macaco da cauda dourada SIVmnd : Mandril SIVagm VerTYO: Macaco verde africano SIVagm Ver3: Macaco verde africano SIVagm Ver155: Macaco verde africano SIVagm Gri677: Macaco verde africano SIVagm Tan1: Macaco verde africano HIV-2/ROD: Humano HIV-2/D205: Humano SIVsmH4: Mangabei fuliginoso HIV-2/FO784: Humano SIVstm : Macaco-urso SIVsyk : Macaco de Sykes HIV-1, diversas linhagens do grupo M SIVcpzUS YBF30 SIVcpzCAM5 SIVcpzCAM4 SIVcpzCAM3 SIVcpzGAB1 HIV-1 grupo N HIV-1 grupo O Chimpanzé Chimpanzé ChimpanzéSIVcpzANT MVP5180 VAU ANT70 276Ha Tempo (a) (b) * * HIV-1 e parentes Principais linhagens de SIV HIV-2 e parentes Figura 1.21 A árvore filogenética do HIV e vírus aparentados. (a) Esta árvore mostra as relações evolutivas entre as duas formas prin- cipais de HIV, denominadas HIV-1 e HIV-2, bem como os vírus de imunodeficiência que infectam primatas não-humanos. Observe que os vírus que se ramificam próximo à seta laranja, na base da árvore, parasitam os macacos. Com base nessa observação, os pesquisadores concluem que as linhagens passaram dos macacos para os humanos. (b) Esta árvore mostra uma análise mais detalhada, realizada por Hahn et al. (2000). (O asterisco marca o mesmo ponto de ramificação em ambas as árvores.) As setas indicam os locais, na árvore, em que os vírus de imunodeficiência foram transmitidos dos chimpanzés para os humanos. De acordo com essa árvore, cada linhagem principal do HIV-1 se originou em eventos di- ferentes de transmissão de um chimpanzé hospedeiro, representados pelas setas de cor cinza. Redesenhado de Hahn et al. (2000). Análise Evolutiva 27 fuliginosos são caçados para sustento e mantidos como animais de estimação na África Ocidental, e as seqüências gênicas dos vírus que os infectam são muito semelhantes às do HIV-2, os pesquisadores concordam quanto à hipótese de que provavelmente esse vírus foi transmitido dos mangabeis fuliginosos para os humanos no passado recente. Assim que o vírus passou aos humanos, a evolução por seleção natural levou-o à linhagem conhecida como HIV-2. (O leitor pode observar que um vírus denominado SIVstm é também um pa- rente próximo do HIV-2. Essa linhagem foi obtida de um macaco-urso* em cativeiro, que foi infectado a partir de um mangabei fuliginoso.) Agora observe a linhagem laranja na parte superior da árvore. Essa linhagem diver- sificou-se em linhagens que infectam humanos e chimpanzés. Tais populações incluem o HIV-1, o vírus que está causando a epidemia de AIDS. Dado que os chimpanzés são caçados para sustento na África e que as seqüências gênicas dos vírus que os infectam são muito semelhantes ao HIV-1, Hahn e colaboradores inferiram que o SIV que infecta os chimpanzés (SIVcpz) foi transmitido desses animais para os humanos, nos quais evoluiu para o HIV-1. A fim de examinar mais de perto esse evento de transmissão, Hahn e colaboradores compararam as seqüências do gene que codifica as proteínas encontradas na superfície dos vírions de HIV-1 e de SIVcpz. A árvore fundamentada nesses dados fornece uma visão mais detalhada das relações de parentesco entre esses vírus, que é reproduzida na Figura 1.21b. Note que as linhagens de HIV formam três grupamentos distintos, denominados subgrupos M, N e O, pelos pesquisadores do HIV. Cada subgrupo do HIV é intimamente relacionado a uma linhagem diferente de SIVcpz, o que constitui evidência de que esse vírus saltou dos chimpanzés para os humanos em pelo menos três ocasiões diferentes. Nesse caso, o HIV-1 foi transmitido pelos chimpanzés aos humanos não só uma vez, mas múltiplas vezes. Reconstruções mais recentes, usando vírusamostrados de populações de chimpanzés selvagens, estabeleceram que o reservatório natural do qual se derivam os três subgrupos de HIV-1 é uma subespécie de chimpanzés, conhecida como Pan troglodytes troglodytes (Keele et al., 2006). Quando o SIV passou dos chimpanzés para os humanos? As pesquisas sobre esse aspec- to concentraram-se no ramo do grupo M do HIV, na parte superior da árvore, na Figura 1.21b. O grupo M é responsável pela maior parte da epidemia mundial de AIDS. Vários grupos de pesquisadores usaram os dados de seqüência de várias linhagens do grupo M para estimar a idade do último ancestral comum (ver Quadro 1.2). Há uma incerteza considerável, mas a melhor estimativa é a de que o último ancestral comum dos vírus do grupo M do HIV-1 ainda existia na década de 1930. Em princípio, esse ancestral comum podia ter vivido em um chimpanzé ou em um humano. No entanto, a evidência dispo- nível é mais compatível com um hospedeiro humano (Hillis, 2000; Rambaut et al., 2001; Sharp et al., 2001). A conseqüência é que as linhagens do grupo M do HIV-1 originaram- se em uma transferência do SIV, dos chimpanzés para os humanos, que ocorreu há mais de 60 anos. Uma lição médica do fato de que o HIV-1 é derivado do SIVcpz é a de que os chimpan- zés constituem um importante grupo animal para estudo. As perguntas fundamentais que ainda devem ser respondidas são as seguintes: Quão comum é o SIVcpz na vida selvagem? Como é transmitido? E, talvez a mais importante, por que esse vírus não faz os chimpanzés adoecerem? A diversidade do HIV e a dificuldade de desenvolver uma vacina Outra lição médica das árvores evolutivas do HIV é uma pista quanto à razão de ser tão difícil, aos pesquisadores da AIDS, desenvolver uma vacina eficaz. As vacinas foram res- ponsáveis pelas histórias de grande sucesso no controle de doenças virais, da poliomielite Os dois tipos principais de HIV, o HIV-2 e o HIV-1, foram transmitidos aos humanos por diferentes fontes. O HIV- 2 originou-se dos mangabeis fuliginosos, enquanto o HIV-1 foi transmitido originalmente pelos chimpanzés. Cada subgrupo principal do HIV-1 originou-se em eventos independentes de transmissão dos chimpanzés para os humanos. * N. de T. Nome vulgar dos macacos da espécie Macaca arctoides. Fonte: Recomendação da Comissão das Comuni- dades Européias, de 18/06/2007, publicada no Jornal Oficial da União Européia de 30/07/2007; site acessado em 20/08/2007. 28 Scott Freeman & Jon C. Herron à varíola. A dificuldade de projetar drogas antivirais, aliada à velocidade em que o HIV desenvolveu resistência às drogas, tornou o desenvolvimento de vacinas uma prioridade urgente para a comunidade científica que pesquisa a AIDS. É possível projetar uma vacina que torne as pessoas imunes ao HIV? As vacinas funcionam aparelhando o sistema imune para responder imediatamente a uma infecção. Para reagir às infecções bacterianas e virais, as células T devem identificar uma proteína do patógeno como estranha, ou não-própria. Como vimos na Seção 1.3, um fragmento dessa proteína estranha que é reconhecido como não-próprio e desencadeia uma resposta das células T é denominado epítopo. As vacinas constituem-se de epítopos de vírions mortos ou enfraquecidos. Ainda que nenhuma infecção real ocorra após a vacina- ção, o sistema imune responde ativando as células que reconhecem os epítopos apresenta- dos. Caso uma autêntica infecção se inicie posteriormente, o sistema imune está preparado para reagir mais rapidamente do que, de outro modo, poderia reagir. Em geral, o invasor é eliminado antes que a infecção cause uma doença. No caso do HIV, a maioria dos epítopos apresentados ao sistema imune é derivada da proteína gp120 que recobre a superfície do vírion (ver Figura 1.5 na página 7). Então, para ser eficaz, a vacina deveria conter epítopos da proteína gp120 encontrada em muitas linhagens diferentes de HIV. As árvores evolutivas que examinamos revelam a existência de muitos subgrupos diferentes de HIV-1 em conseqüência à sua transmissão independente dos chimpanzés para os humanos. A diversidade resultante das linhagens de HIV desafia Neste quadro, descrevemos, em linhas gerais, o método usado por Bette Korber e colaboradores (2000) para esti- mar a época do ancestral comum das linhagens do grupo M do HIV-1. Esses pesquisadores analisaram as seqüências nucleotídicas de 159 amostras diferentes de HIV-1. Inicialmente, Korber e colaboradores reconstruíram uma árvore evolutiva a partir dos seus dados de seqüên- cias. Essa árvore, mostrada na Figura 1.22a, não apresenta raiz, parecendo um pouco diferente das árvores que vimos anteriormente, na Figura 1.21. Cada ramo representa uma determinada seqüência. Ao longo da árvore, a distância da ponta de um ramo à ponta de outro indica a diferença genética entre duas seqüências. Essa árvore é dividida em vários ramos diferentes, cujas linhagens de HIV são refe- ridas como subtipos, sendo designadas por letras. O pon- to de ramificação, no centro da árvore, ressaltado em cor laranja, representa o ancestral comum das 159 seqüências das pontas dos ramos. A seguir, os mesmos pesquisadores prepararam um grá- fico que mostra a diferença genética entre cada vírion da árvore e o ancestral comum, em função do ano em que o vírion foi coletado (Figura 1.22b). Os vírions individuais são representados no gráfico por letras coloridas corres- pondentes ao seu subtipo. Como vimos na Figura 1.17a (página 19), em relação aos vírions que evoluem no inte- rior de um único paciente, os vírions analisados na Figura 1.22b apresentam divergência crescente com o passar do tempo. Isto é, quanto mais tarde a amostra foi coletada, maior é a sua diferença genética com o ancestral comum. A linha laranja é a de melhor ajuste estatístico ao longo dos dados plotados. Finalmente, Korber e colaboradores extrapolaram essa linha retrocedendo no tempo, a fim de estimarem o ano em que uma amostra deveria ter sido coletada para ter uma diferença genética nula com o ancestral comum (Figura 1.22c). Em outras palavras, retrocede- ram à data de existência do próprio ancestral comum. A linha de melhor ajuste alcança zero em 1931. A extra- polação é um pouco arriscada, podendo haver também distorções nos dados, devido a erros de amostragem. A verdadeira relação entre a divergência de seqüências e o tempo poderia estar em qualquer lugar entre as linhas cinzentas da figura. Com 95% de confiança, esses pes- quisadores estimam que o ancestral comum dos vírions de seu grupo M viveu durante o período entre 1915 e 1941, o que está indicado pela barra preta, no eixo ho- rizontal da Figura 1.22c. Análises adicionais realizadas pela mesma equipe e por outras produziram estimativas semelhantes (Salemi et al., 2001; Sharp et al., 2001; Yu- sim et al., 2001). Quadro 1.2 Quando o HIV se transferiu dos chimpanzés para os humanos? Análise Evolutiva 29 o desenvolvimento de vacinas. Além disso, visto que a transmissão dos SIVs aos humanos ocorreu repetidamente no passado, é provável que continue no futuro, também. Os comprimentos dos ramos nas Figuras 1.21b e 1.22a sugerem que a divergência das seqüências é alta, mesmo nos subgrupos de HIV-1. Na verdade, as proteínas do en- velope das linhagens de HIV do mesmo subgrupo podem diferir em cerca de 20%, e em linhagens de subtipos diferentes essa diferença pode chegar a 35% (Gaschen et al., 2002). Pesquisa de Tuofo Zhu e colaboradores (1998) também repisa esse aspecto. Os referidos pesquisadores seqüenciaram os genes de HIV-1 encontrados em uma amostra de sangue obtida de um homem procedente do Congo, em 1959. Essa é a amostra mais remota de HIV descoberta até o momento. A análise dos pesquisadores mostra que a amostra de 1959 é notavelmente diferente das linhagens contemporâneas. Nas próprias palavras dos referidos autores (p. 596), “a diversificação do HIV-1, há 40-50 anos passados, sinaliza ainda para uma maior heterogeneidade viral nas décadas vindouras”. A rápidaevolução do HIV, como a rápida alteração genética observada geralmente nos vírus da gripe e do resfriado, dificulta a produção de vacinas. Os resultados do primeiro estudo amplo de uma vacina contra a AIDS foram publi- cados no início de 2003 (Cohen, 2003a, b). A vacina AIDSVAX, produzida pela VaxGen, não conseguiu proteger os indivíduos que a tomaram mais do que um placebo. Muitos pesquisadores estão pessimistas quanto às perspectivas de se descobrir, enfim, uma vacina eficaz contra a AIDS (Korber et al., 1998; Letvin, 1998; Baltimore e Heilman, 1998). Ou- tros não desistiram (ver Baltimore, 2000; Cohen, 2002b). No entanto, aqueles que conti- Figura 1.22 Época do ancestral comum de linha- gens do grupo M do HIV-1. (a) Árvore evolutiva sem raiz para 159 amostras de HIV do grupo M. A ponta de cada ramo representa um vírion; a distância da ponta de um vírion à ponta de outro representa a diferença genética entre esses dois vírions. O ponto de cor laran- ja assinala o ancestral comum de todas as linhagens do grupo M. (b) Este gráfico mostra a diferença genética entre cada amostra de HIV em (a) e o ancestral co- mum, como uma função da época em que a amostra foi coletada. A linha de melhor ajuste estatístico é a de cor laranja. (c) A extrapolação da linha de melhor ajuste estatístico em (b) para a diferença genética nula fornece uma estimativa da época em que o ancestral comum existia. Segundo Korber et al. (2000). A B C D F HJ 0,10 Ancestral comum (a) Ano de coleta da amostra D iv er gê nc ia d o an ce st ra l c om um 1900 20001920 1940 1960 1980 0 0,2 0,1 0,05 0,15 (c) Ano de coleta da amostra D iv er gê nc ia d o an ce st ra l c om um 1980 1985 1990 1995 2000 0,10 0,20 0,12 0,14 0,16 0,18 (b) 30 Scott Freeman & Jon C. Herron nuam a pesquisar por vacinas estão sofisticando suas estratégias de pesquisa (Gashen et al., 2002; Nickle et al., 2003). Alguns, por exemplo, estão pesquisando vacinas regionais, com epítopos similares aos do subtipo de HIV predominante localmente, em vez de vacinas globais. A vacina regional possivelmente inclui epítopos semelhantes aos do ancestral co- mum inferido na reconstrução de uma árvore evolutiva de linhagens locais, maximizando sua similaridade à diversidade de linhagens existentes atualmente. As vacinas regionais fornecem outro exemplo de como os métodos analíticos da biologia evolutiva servem como instrumentos valiosos nas tentativas de melhorar a saúde pública. Discutiremos ou- tra aplicação da análise evolutiva no planejamento de vacinas no Capítulo 14. Resumo Toda vez que invade uma célula hospedeira, um vírion de HIV transcreve reversamente seu genoma de RNA em uma cópia de DNA que funciona como molde para a próxima geração de partículas virais. Uma vez que a transcrição re- versa é propensa a erros, uma população de HIV desenvol- ve rapidamente substancial diversidade genética. Algumas variantes genéticas replicam-se depressa, enquanto outras morrem. Conseqüentemente, a composição da população irá modificar-se no decorrer do tempo, ou seja, a população evoluirá. Do mesmo modo que as populações de HIV evoluem em resposta à seleção imposta pelos seus hospedeiros, também as populações hospedeiras podem evoluir em resposta à seleção imposta pelos vírus. Algumas populações humanas possuem variação genética para a suscetibilidade à infecção do HIV. Se, durante uma epidemia de AIDS, os indivíduos suscetíveis morrerem em taxas mais altas do que os resistentes, ao lon- go do tempo a composição genética dessas populações irá modificar-se. O potencial de evolução rápida do HIV tem conseqüên- cias profundas para os indivíduos e para a saúde pública. No interior dos indivíduos infectados, as populações de HIV de- senvolvem, com rapidez, a resistência a qualquer droga anti- retroviral isolada e podem até mostrar resistência aos coque- téis de múltiplas drogas. Sem um tratamento anti-retroviral eficaz, as populações de HIV também evoluem continuamente para escapar da resposta imune do hospedeiro, um processo que, em últi- ma análise, contribui para o colapso do sistema imune e o início da AIDS. Entre os indivíduos infectados, o HIV di- versifica-se tão velozmente e a tal ponto que será difícil ou impossível desenvolver uma vacina eficaz de amplo espectro. Nossa maior esperança para reduzir a epidemia mundial de AIDS continua sendo a educação individual voltada para o incentivo da prática de sexo seguro e do uso de agulhas não- contaminadas. O HIV pertence a uma família de vírus que infectam di- versos primatas. As árvores evolutivas com base em compara- ções genéticas revelam que o HIV-2 foi transmitido para os humanos pelos mangabeis fuliginosos, enquanto o HIV-1 o foi pelos chimpanzés, em mais de uma ocasião. Focalizando, neste capítulo, a adaptação e a diversificação do HIV, introduzimos tópicos que repercutirão ao longo do texto: mutação e variação, competição, seleção natural, recons- trução filogenética, diversificação de linhagem e aplicações da teoria evolucionista aos problemas científicos e humanos. Questões Quando o HIV se introduziu na população humana e de que 1. fonte partiu? Como sabemos disso? Reexamine o processo pelo qual a população de HIV de-2. senvolve resistência à droga AZT no interior do hospedeiro humano. Como um cenário semelhante explicaria a evo- lução da resistência a antibióticos em uma população de bactérias? No início da década de 1990, os pesquisadores começaram a 3. encontrar linhagens de HIV-1 resistentes à AZT em pacientes com infecção recente, que jamais haviam recebido essa droga. Como isso pode acontecer? Que características do HIV contribuem para sua evolução 4. rápida? Conhecido o risco de evolução de resistência, você sabe por 5. que não foram dadas altas doses de AZT imediatamente aos dois pacientes mostrados na Figura 1.11, em vez de iniciar seu tratamento com baixas doses? A idéia subjacente ao tratamento com múltiplas drogas para 6. o HIV é aumentar o número de mutações necessárias para desenvolver resistência e, portanto, reduzir a quantidade de variação genética da população viral para sobreviver em pre- sença das drogas. Poderíamos obter o mesmo efeito usando drogas anti-retrovirais em seqüência, em vez de simultanea- mente? Por que sim, ou por que não? Alguns médicos defendem os “feriados sem drogas” como 7. uma maneira de auxiliar os pacientes com HIV a agüentar os efeitos colaterais do tratamento com múltiplas drogas. Se- Análise Evolutiva 31 gundo essa prescrição, com muita freqüência os pacientes pa- rariam de tomar as drogas durante algum tempo. Sob o ponto de vista evolucionista, essa parece uma boa idéia ou uma má idéia? Justifique sua resposta. Lembre-se de que discutimos dois tipos diferentes de seleção 8. neste capítulo: a seleção de diferentes linhagens virais no in- terior de um hospedeiro e a seleção das linhagens virais que são capazes de se transmitirem de um hospedeiro para outro. Agora, considere a hipótese, defendida tradicionalmente pelos pesquisadores da área biomédica, de que os agentes que cau- sam doenças evoluem naturalmente em formas mais benignas, quando os sistemas imunes de seus hospedeiros desenvolvem respostas mais eficientes contra eles. A evidência que exami- namos, sobre a evolução do HIV intra e inter-hospedeiros, é compatível com essa hipótese? Por que sim, ou por que não? Os autores de ficção científica freqüentemente fazem declara-9. ções interessantes sobre a evolução: Responda à seguinte citação do Dr. Spock, personagem do a. seriado Jornada nas Estrelas: “Um parasita realmente bem- sucedido é o comensal, vivendo amistosamente com seu hospedeiro ou até oferecendo-lhe vantagens, como, por exemplo, os protozoários que vivem no sistema digestório dos térmites e digerem a madeira que eles comem. Um parasita que regular e inevitavelmente mata seu hospedeiro não consegue sobreviver por muito tempo, no sentido evo- lutivo, a menos quese multiplique com enorme rapidez; ele não é um pró-sobrevivente.” O HIV é uma máquina molecular robótica diminuta. b. Muitos livros de ficção científica descrevem robôs que evoluem, tornando-se inteligentes e conscientes (e, ge- ralmente, buscam a liberdade, desenvolvem emoções e iniciam guerras com os humanos). Em que condições os robôs realmente poderiam evoluir? É necessário que os robôs se reproduzam, por exemplo? Como o HIV-2 ilustra a transação entre virulência (dano ao 10. hospedeiro atual) e transmissão (transferência para novos hos- pedeiros)? Alguns pesquisadores esperam que as populações humanas 11. evoluam em resposta à epidemia de AIDS, pois os alelos que conferem resistência à infecção do HIV devem aumentar sua freqüência na população ao longo do tempo. Você concorda com essa predição? Caso afirmativo, quando e onde você acha que isso acontecerá primeiro? Como você planejaria um es- tudo para testar suas predições? Suponha que o HIV fosse o ancestral dos SIVs, não o con-12. trário. Se os vírus de imunodeficiência fossem transmitidos, originalmente, dos humanos para os macacos e chimpanzés, faça um esboço de como seria, então, a Figura 1.21a. Nem todos os vírus são perigosos (o do resfriado comum é 13. um exemplo). No entanto, o HIV é quase 100% letal. Des- creva as três hipóteses principais segundo as quais o HIV é tão letal. Explorando a literatura A resistência a drogas evoluiu em uma ampla variedade de 14. vírus, bactérias e outros parasitas. Os seguintes artigos descre- vem a evolução da resistência a drogas no vírus da hepatite B (HBV) e na bactéria que causa a tuberculose: Blower, S. M., and T. Chou. 2004. Modeling the emergence of “hot zo- nes”: tuberculosis and the amplification dynamics of drug resistance. Nature Medicine 10: 1111–1116. Shaw, T. A., A. Bartholomeusz, and S. Locarnini. 2006. HBV drug resis- tance: mechanisms, detection and interpretation. Journal of Hepatology 44: 593–606. Para documentação da natureza contingente da seleção natu-15. ral no contexto da resistência a drogas no HIV, veja: Devereux, H. L., V. C. Emery, M. A. Johnson, and C. Loveday. 2001. Re- lative fitness in vivo of HIV-1 variants with multiple drug resistance- associated mutations. Journal of Medical Virology 65: 218–224. Este artigo mostra que a mutação que torna o HIV resistente 16. à droga anti-retroviral 3TC também torna a transcriptase re- versa menos propensa a erros: Wainberg, M. A., W. C. Drosopoulos, H. Salomon, et al. 1996. Enhanced fidelity of 3TC-selected mutant HIV-1 reverse transcriptase. Science 271: 1282–1285. Stanley Trask e colaboradores (2002) formularam a hipótese 17. de que a maioria das transmissões do HIV-1 na África Subsa- ariana ocorre entre casais. Ou seja, o marido adquire o HIV e depois o transmite à sua esposa, ou vice-versa. Esses pesquisa- dores utilizam, então, uma árvore evolutiva reconstruída para testar sua hipótese. Pense em como esse teste poderia funcio- nar. Se tal hipótese for verdadeira, como será essa árvore? E se for falsa? Depois, consulte o artigo de Trask et al.: Trask, S. A., C. A. Derdeyn, U. Fideli, et al. 2002. Molecular epidemiology of human immunodeficiency virus type 1 transmission in a hetero- sexual cohort of discordant couples in Zambia. Journal of Virology 76: 397–405. Também veja uma interessante atualização desse tópico, que descobriu que o risco de adquirir o HIV de um parceiro in- fectado é mais alto quando ambos compartilham certos alelos do sistema imune: Dorak, M., J. Tang, J. Penman-Aguilar, et al. 2004. Transmission of HIV-1 and HLA-B allele-sharing within serodiscordant heterosexual Zam- bian couples. Lancet 363: 2137–2139. No Quadro 1.1, discutimos várias classes novas de drogas 18. anti-HIV, incluindo os inibidores de fusão. Algumas drogas desse tipo agem mediante ligação com a CCR5, impedindo o HIV de se ligar a essa proteína e usá-la como co-receptora. Imagine o tratamento de uma infecção de HIV apenas com um desses antagonistas da CCR5. Como a população de HIV evoluiria em resposta? Isto é, faça a predição dos tipos de mutações que poderiam atingir alta freqüência, porque conferem ao HIV a capacidade de se replicar em presença da droga. Depois leia: 32 Scott Freeman & Jon C. Herron Mosier, D. E., G. R. Picchio, R. J. Gulizia, et al. 1999. Highly potent RANTES analogues either prevent CCR5-using human immu- nodeficiency virus type 1 infection in vivo or … [remainder of ti- tle truncated to avoid giving away an answer]. Journal of Virology 73: 3544–3550. Trkola, A., S. E. Kuhmann, J. M. Strizki, et al. 2002. HIV-1 escape from a small molecule, CCR5-specific entry inhibitor does not involve … [remainder of title truncated to avoid giving away an answer]. Procee- dings of the National Academy of Sciences USA 99: 395–400. Para mais informações sobre essa classe de drogas, veja: Krambovitis, E., F. Porichis, and D. A. Spandidos. 2005. HIV entry inhibi- tors: a new generation of antiretroviral drugs. Acta Pharmacologica Sinica 26: 1165–1173. Veja o seguinte artigo para uma revisão dos recentes esforços 19. para desenvolver uma vacina contra o HIV: Girard, Marc P., S. K. Osmanov, and M. P. Kieny. 2006. A review of vac- cine research and development:The human immunodeficiency virus (HIV). Vaccine 24: 4062–4081. A AIDS gerou numerosas teorias marginais controversas. Al-20. gumas negam a relação entre o HIV e a AIDS, afirmando que o HIV é um vírus oportunista inofensivo e que a própria AIDS é causada por outros fatores, como o abuso de dro- gas. Essas hipóteses foram progressivamente desacreditadas nas duas últimas décadas, mas ainda merecem crédito de muitas pessoas, inclusive de homens homossexuais e alguns funcioná- rios de saúde pública (principalmente na África do Sul). Ou- tra hipótese marginal afirma que o HIV não se originou de chimpanzés selvagens, mas de uma vacina oral experimental contra a poliomielite, derivada de culturas de células de chim- panzé e administrada a muitos africanos durante os últimos anos da década de 1950. Leia mais sobre a história e o estado atual dessas hipóteses nos artigos “AIDS reappraisal” e “OPV AIDS hypothesis” na enciclopédia Wikipédia (www.wikipedia.org), editada publicamen- te. Em sua opinião, essas hipóteses foram testadas adequada- mente? A hipótese OPV foi o tema de recente pesquisa. Há pou- co, os pesquisadores conseguiram obter amostras da vacina contra a pólio que foi usada na África na década de 1950. Mediante seqüenciamento dos RNAs ribossômicos presen- tes nas vacinas, conseguiram testar se a espécie usada no pre- paro da vacina era realmente de chimpanzé, como haviam proposto. Além disso, existem novas informações sobre se e onde havia populações de chimpanzés selvagens que conti- nham o tipo de SIV que tem relação mais próxima com o HIV. Veja: Berry, N., A. Jenkins, J. Martin, et al. 2005. Mitochondrial DNA and re- troviral RNA analyses of archival oral polio vaccine (OPV CHAT) materials: evidence of [rest of title deleted to avoid giving away the answer]. Vaccine 23: 1639–1648. Keele, B. F., F.. van Heuverswyn,Y. Li, et al. 2006. Chimpanzee reservoirs of pandemic and nonpandemic HIV-1. Science Express Reports (www. sciencemag.org),10.1126/science.1126531. Veja os seguintes artigos e 21. websites para informações recentes sobre a pandemia de HIV: Stover, J., S. Bertozzi, J-P Gutierrez, et al. 2006. The global impact of sca- ling up HIV/AIDS prevention programs in low- and middle-income countries. Science 311: 1474–1476. Guia e revisão de literatura recente sobre o HIV da revista New Scientist: http://www.newscientist.com/channel/health/hiv Manual médico completo sobre o HIV, disponível para baixar em PDF gratuitamente: http://www.hivmedicine.com/ Website da AIDS do National Institute of Health: http://www.niaid.nih. gov/daids/ Artigo detalhado sobre o HIV da enciclopédia Wikipédia, editada pu- blicamente, com referências, links e notícias recentes: www.wikipedia.org/wiki/hiv Referências Aiken, C., and D. Trono. 1995. Nef stimulates human immunodeficiency virus type 1 proviral DNA synthesis. Journal of Virology 69: 5048–5056. Ala, P. J. et al. 1997. 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Em uma recente pesquisa, quando se soli- citou a 2.000 norte-americanos adultos que escolhessem uma expressão para completar a declaração “A vida na Terra...”, 42% selecionaram: “...existiu em sua forma atual desde o início do tempo”, 48% escolheram: “...evoluiu ao longo do tempo”, e 10% disseram que não sabiam (PEW Research Center, 2005). A primeira opção origina-se de uma leitura literal do Livro do Gênese, da Bíblia (1:1- 2:4). Nessa versão da história da vida, todos os organismos foram criados por Deus durante os seis dias da criação. Os tipos ideais formados por esse processo especial, incluindo Adão e Eva, foram os progenitores, ou antepassados, de todos os organismos. As espécies estão inalteradas desde a sua criação, ou imutáveis, e a variação dentro de cada tipo é limitada. 38 Scott Freeman & Jon C. Herron Conforme foi expresso por John Ray (1686), o primeiro cientista a fornecer uma defini- ção biológica de espécie, “...uma espécie nunca surge da semente de outra”. Entre os intérpretes mais literais do Livro do Gênese, encontra-se James Ussher, o Ar- cebispo de Armagh. Em 1650, traçando ciclos astronômicos, genealogias do Antigo Testa- mento e outras referências, Ussher fixou o início do tempo “no começo da noite prece- dente do vigésimo terceiro dia de outubro”, em 4004 a.C. (reproduzido em língua inglesa em Ussher, 1658, p. 1). Partindo de 1701, a data desse Arcebispo para o ano da criação apa- receu, sem autoria, em uma nota à margem, nas Bíblias inglesas publicadas pela Clarendon Press, Oxford. Essa nota foi considerada autorizada, por muitos leitores, durante muitos séculos a partir de então (ver Brice, 1982). Observe que a Teoria da Criação Especial tem dois componentes. O primeiro é um conjunto de afirmações – reivindicações sobre o padrão da história da vida. Essas reivindi- cações são: (1) as espécies não mudam ao longo do tempo; (2) foram criadas independen- temente de outras, e (3) foram criadas recentemente. O segundo componente identifica o processo responsável pela produção do padrão: atos separados e independentes de criação por um projetista. Quando o naturalista britânico Charles Darwin começou a estudar biologia com serie- dade, como estudante universitário, no início da década de 1820, a Teoria da Criação Espe- cial havia sido desafiada em alguns detalhes por pessoas eruditas, mas ainda era a principal explicação, na Europa, para a origem das espécies. Entretanto, na época em que Darwin começou a trabalhar nesse problema, na década de 1830, a insatisfação com a mencionada teoria começou decididamente a crescer. As pesquisas em ciências geológicas e biológicas avançavam com rapidez, e seus dados conflitavam com as reivindicações centrais da criação especial. Já havia boatos sobre a nova teoria que deveria substituí-la (para uma breve his- tória, veja Quadro 2.1). O cientista que lançou essa nova teoria foi, naturalmente, Darwin. Recorrendo ao seu próprio trabalho e ao de outros, dispôs de evidências de que o padrão da história da vida é diferente do proposto pela Criação Especial (Figura 2.1). A primeira evidência é a de que as espécies não são imutáveis, modificando-se ao longo do tempo. A segunda é a de que as espécies não se originam independentemente, mas de ancestrais comuns – isto é, com- partilhados. “Devo inferir...,” disse Darwin em On the Origin of Species (1859, p. 484)*, “... que provavelmente todos os seres orgânicos que vivem nesta terra descenderam de alguma forma primordial, em que a vida foi emanada pela primeira vez”. A terceira é a de que a Terra e a vida têm consideravelmente mais de 6.000 anos. As teorias científicas têm, freqüentemente, dois componentes. O primeiro é uma declaração sobre um padrão que existe no mundo natural; o segundo é um processo que explica esse padrão. A Teoria da Criação Especial e a Teoria da Descendência com Modificações formulam diferentes afirmações quanto a se as espécies podem mudar e de onde se originaram, e sobre a idade da Terra e da vida. * N. de T. Obra publicada no Brasil, por várias editoras, sob o título de A origem das espécies, de Charles Darwin. Figura 2.1 Duas visões sobre a história da vida. Estes dois dese- nhos ilustram as afirmações opostas das Teorias da Criação Especial e da Descendência com Modificações. Tempo Criação Especial Análise Evolutiva 39 Em seu livro mais famoso, A origem das espécies, publica- do pela primeira vez em 1859, Charles Darwin propôs-se dois objetivos: obter evidências sobre o fato da evolução e identificar a seleção natural como o mecanismo por ela responsável. Nenhuma das idéias era exclusiva de Darwin, mas ele compreendeu-as com mais clareza e tratou-as com maior abrangência do que seus precursores. Além disso, previu o alcance de suas idéias, com uma precisão que continua a surpreender os biólogos atuais. Conseqüente- mente, é o nome de Darwin que hoje em dia está mais intimamente ligado à Teoria da Evolução. O fato da evolução O fato da evolução foi proposto por vários pesquisado- res, no final do século XVIII e início do século XIX, incluindo o Conde de Buffon, Erasmus Darwin (avô de Charles) e o eminente biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck (Eiseley, 1958; Desmond e Moore, 1991). O próprio Darwin (1872) citou Lamarck como o primeiro escritor “cujas conclusões sobre o assunto despertaram muita atenção”. Em trabalhos publicados em 1809 e 1815, Lamarck expôs a noção de que todas as espécies, inclusive a humana, são derivadas, por evolução gradual, de outras espécies. Esse processo foi impulsionado, se- gundo Lamarck, pela herança de características adquiri- das e por uma tendência inerente a todos os organismos de progredir das formas simples para as complexas. A fim de explicar a existência continuada das formas simples de vida, Lamarck sugeriu que essas formas são continua- mente reabastecidas pela geração espontânea da matéria não-viva. Entre 1844 e 1853, Robert Chambers publicou 10 edições de um livro popular, intitulado The Vestiges of the Natural History of Creation (Vestígios da história natural da criação). Darwin considerou confuso o raciocínio cientí- fico de Chambers e inadequadas suas evidências, porém reconheceu o mérito de Chambers em promover a idéia da evolução e “eliminar o preconceito” contra ela. Embora a idéia da evolução tenha estado em discussão durante décadas, foi Darwin que convenceu a comuni- dade científica de sua veracidade – que as espécies da Terra são produtos de descendência com modificações,a partir de um ancestral comum (Mayr, 1964). Darwin pesquisou sobre o material relatado em A origem das espé- cies por mais de 20 anos antes de publicá-lo e reuniu uma coleção irrefutável de evidências detalhadas de diversos campos da biologia. Sua apresentação magistral dessas evidências foi persuasiva. Em uma década da publicação inicial do A origem das espécies, o fato da evolução já havia alcançado aceitação geral. Por outro lado, o mecanismo da evolução sustentado por Darwin a princípio não foi tão bem assim. O mecanismo da evolução Pelo menos dois autores descobriram a seleção natural bem antes de Darwin (Darwin, 1872). Em 1813, W, C. Wells usou-a para explicar como as populações humanas de continentes diferentes vieram a diferir em sua aparên- cia física e na resistência a doenças. Em 1831, Patrick Mat- thew examinou-a em um tratado sobre árvores cultiva- das para corte de madeira usada na construção de navios. Esse trabalho não teve grande repercussão, nem chamou a atenção de Darwin até após a publicação da primeira edição de A origem. Alfred Russel Wallace, independentemente, descobriu a seleção natural, enquanto Darwin incubava suas idéias. Na verdade, foi o recebimento de um manuscrito envia- do por Wallace que, afinal, estimulou Darwin a comu- nicar publicamente suas idéias. O artigo de Wallace e o de Darwin foram lidos diante da Sociedade Lineana de Londres, em 1858, e no ano seguinte Darwin publicou seu livro. Ao contrário da aceitação imediata do fato da descen- dência com modificações, a seleção natural não foi ampla- mente aceita como o mecanismo da evolução adaptativa até a década de 1930. Em seu lugar, o lamarckismo e ou- tros mecanismos evolutivos mantinham sua popularida- de. Havia muitas razões para o prolongado debate (veja Mayr e Provine, 1980; Gould, 1982; Bowler, 2002). Entre elas, estava a de que a seleção natural depende de variação genética, e ninguém entendia de genética, salvo Gregor Mendel, cujo trabalho sobre ervilhas de jardim e o me- canismo da hereditariedade foi ignorado praticamente por todos. Finalmente, em 1900, o trabalho de Mendel foi redescoberto, levando ao desenvolvimento da genética de populações ao longo dos 30 anos seguintes. Posterior- mente, a genética de populações uniu-se à seleção natural, e sua combinação foi usada para explicar a evolução gra- dual, a especiação e a macroevolução. Dos pesquisadores que participaram dessa “síntese moderna”, muitos consi- deraram a obra de T. G. Dobzhansky, Genetics and the Ori- gin of Species (Genética e a origem das espécies), publicada em 1937, como o livro que marcou o estabelecimento da biologia evolutiva moderna. Quadro 2.1 Uma breve história de idéias sobre evolução 40 Scott Freeman & Jon C. Herron Este capítulo reexamina as evidências que sustentam a visão de Darwin sobre a histó- ria da vida. Essas evidências – algumas delas apresentadas pelo próprio pesquisador, mui- tas acumuladas desde então – convenceram praticamente todos os cientistas dedicados ao estudo da vida de que Darwin estava certo. Darwin denominou o padrão observado de “descendência com modificações”. Posteriormente, esse padrão veio a ser conhecido como evolução. Para explicar tal padrão, Darwin também identificou um processo, a seleção natural, que é o tema do Capítulo 3. As três seções iniciais deste capítulo exploram dados que contestam cada uma das afir- mações feitas pela Teoria da Criação Especial – que as espécies são imutáveis, independen- tes e recentes – e, ao contrário, apóiam a Teoria da Descendência com Modificações. A seção final discute brevemente se a refutação de Darwin quanto à criação especial coloca, necessariamente, a biologia evolutiva em conflito com a religião. 2.1 Evidências de mudança ao longo do tempo A Teoria da Criação Especial afirma que as espécies, uma vez criadas, são imutáveis. Essa asserção é contestada por várias linhas de evidência, que sustentam a hipótese alternativa de que as populações de organismos mudam ao longo do tempo. Os dados que aqui exa- minamos são provenientes tanto de espécies vivas quanto de formas extintas preservadas no registro fóssil. Evidências provenientes de espécies vivas As evidências existentes da descendência com modificações provêm de duas formas. Pri- meiramente, mediante monitoração de populações naturais, podemos observar diretamen- te as modificações em pequena escala, ou microevolução. Depois, se examinarmos os corpos de organismos vivos, encontramos evidências de mudança dramática, ou macro- evolução. Observação direta de mudanças ao longo do tempo Durante muitas décadas, os biólogos registraram as mudanças evolutivas em centenas de espécies diferentes. Como exemplo, vamos considerar o trabalho de Scott Carroll e cola- boradores sobre o percevejo do saboeiro, Jadera haematoloma, um inseto hemíptero nativo do sul dos Estados Unidos. Os percevejos do saboeiro alimentam-se usando seus longos aparelhos bucais seme- lhantes a bicos para atacar as cápsulas dos frutos, similares a balões inflados, de suas plantas hospedeiras (Carroll et al., 2005). Os percevejos sondam as suturas entre as concavidades da cápsula, tentando alcançar as sementes, que são mantidas no centro da cápsula, longe das paredes (Figura 2.2). Quando um percevejo consegue alcançar uma semente, perfura seu envoltório, liquefaz o conteúdo e o suga. Antes de 1925, os percevejos do saboeiro da Flórida viviam exclusivamente em sua hospedeira nativa, a trepadeira-balão de cápsula glo- bosa. Essa planta ocorre principalmente na extremidade sul e nas ilhas Florida Keys, com alguns representantes dispersos na área central da Flórida. A partir de 1926, e ganhando impulso nos anos 1950, os jardineiros da Flórida central começaram a plantar a espécie ornamental chuva-de-ouro, uma parenta asiática da trepadeira-balão, dotada de vagem pla- na. Como seu nome sugere, essa árvore ornamental tem frutos com cápsulas planas. Os percevejos do saboeiro da Flórida central começaram a explorar a nova importação, e suas populações cresceram. Carroll e Christian Boys (1992) coletaram percevejos do saboeiro que viviam nas tre- padeiras-balão de Key Largo e nas plantas ornamentais chuvas-de-ouro de vagem plana de Lake Wales. Esses pesquisadores mediram os tamanhos dos bicos dos percevejos, des- cobrindo que, em média, a população de percevejos que vivia na hospedeira de cápsula Fruto da trepadeira-balão Fruto da chuva-de- ouro de vagem plana Figura 2.2 Percevejos do sabo- eiro. Segundo Figura 1 de Carroll e Boyd (1992). Análise Evolutiva 41 plana tinha essa estrutura bucal muito menor do que a população que vivia na hospedeira de cápsula globosa (Figura 2.3a). Os percevejos de bico curto que vivem na hospedeira de cápsula plana descendem dos percevejos de bico longo que viviam na hospedeira de cápsula globosa (Carroll e Boys, 1992; Carroll et al., 2001). Assim, os dados sugerem que a população de percevejos do saboeiro de Lake Wales evoluiu em conseqüência à sua mu- dança para uma nova hospedeira. Há, no entanto, uma interpretação alternativa. Talvez os percevejos do saboeiro, à me- dida que crescem, desenvolvam um bico suficientemente longo para alcançar as sementes dos frutos dos quais se alimentam. A fim de excluir essa possibilidade, Carroll e colabo- radores (1997) criaram percevejos do saboeiro de Lake Wales e Key Largo em frutos de ambas as plantas hospedeiras. Os tamanhos médios dos bicos dos percevejos criados em laboratório estão indicados abaixo dos eixos horizontais dos histogramas da Figura 2.3a. Os exemplares da população de Key Largo desenvolveram bicos longos, independente- mente de terem crescido sobre frutos planos ou globosos. Igualmente, os percevejos da população de Lake Wales desenvolveram bicos curtos, em qualquer situação. Esses resul- tados mostram que os percevejos das duas populações são geneticamente diferentes. Os percevejos de bico curto de Lake Wales descendiam, com modificações, dos ancestrais de bico longo.Carroll e Boyd (1992) mediram os bicos dos percevejos do saboeiro que haviam sido coletados na Flórida e preservados em coleções de museus. Os dados dos espécimes dessas coleções registram a redução do tamanho do bico que se seguiu à introdução da planta ornamental chuva-de-ouro de vagem plana (Figura 2.3b). Carroll e colaboradores (2005) relataram um episódio adicional à história dos perceve- jos do saboeiro. A trepadeira-balão, hospedeira nativa desses percevejos no sul da Flórida, espalhou-se como erva daninha na Austrália, durante cerca de 80 anos, onde foi colonizada pelo percevejo do saboeiro australiano, Leptocoris tagalicus. A hospedeira nativa do perceve- jo australiano é uma árvore de vagem pequena, chamada rambuteira, que produz o fruto comestível rambutã; em conseqüência, esse percevejo tem um bico relativamente curto. Entretanto, as populações dos percevejos australianos, que viveram durante muitas gerações nas trepadeiras-balão, desenvolveram bicos significativamente mais longos do que os de seus ancestrais. As características dos percevejos do saboeiro não são imutáveis. Ao contrário, mudaram substancialmente ao longo do tempo. Em todo este livro, aparecem mais exemplos de mu- dança ao longo do tempo, observados em populações de organismos existentes. As observações dos organismos vivos fornecem evidências diretas da microevolução, mostrando que as populações e as espécies mudam ao longo do tempo. Figura 2.3 Mudança evolutiva nos percevejos do saboeiro. (a) Os histogramas mostram que os percevejos do saboeiro encon- trados na natureza, nas plantas chuva-de-ouro de vagem plana, têm, em média, aparelhos bucais mais curtos do que os percevejos encontrados nas trepadeiras-balão. Esse tipo de trepadeira é nativo do sul da Flórida, enquanto a árvore chuva-de-ouro de vagem plana foi introduzida no fim da década de 1920, proveniente da Ásia. Os pon- tos dos dados abaixo dos eixos ho- rizontais mostram o comprimento médio do bico (± erro-padrão) dos percevejos criados em labora- tório, sobre frutos da trepadeira- balão (bv), comparados aos criados sobre a vagem plana da chuva-de- ouro (fpgrt). (b) O diagrama de dispersão mostra os comprimentos dos bicos de fêmeas de perce- vejos do saboeiro da Flórida, em coleções de museu (cada ponto representa um indivíduo). Veja o texto para explicação. Extraído das Figuras 3, 4 e 6 de Carroll e Boyd (1992) e da Figura 3 de Carroll et al. (1997). 0 4 8 12 0 4 8 6 7 8 9 10 11 Comprimento do bico (mm) N úm er o de p er ce ve jo s (b) 9,0 8,5 8,0 7,5 7,0 6,5 6,0 5,5 1880 1920 1960 C om pr im en to d o bi co ( m m ) Data N úm er o de p er ce ve jo s Lake Wales Key Largo Flórida (a) Percevejos capturados em campo Percevejos criados em laboratório Percevejos capturados em campo Percevejos criados em laboratório sobre bv sobre fpgrt sobre bv sobre fpgrt Introdução da chuva-de- ouro de vagem plana na Flórida central durante este período Fruto da trepadeira-balão Fruto da chuva-de- ouro de vagem plana 42 Scott Freeman & Jon C. Herron Órgãos vestigiais Na época em que Darwin começou a pesquisar “a questão das espécies”, os anatomistas comparativos descreveram muitas características curiosas denominadas estruturas vesti- giais. Uma estrutura vestigial é uma versão rudimentar ou inútil de uma parte do corpo, que tem uma função importante em outra espécie muito relacionada. Darwin argumen- tava que as características vestigiais são inexplicáveis pela Teoria da Criação Especial, mas claramente interpretáveis à luz da Teoria da Evolução. A Figura 2.4 mostra exemplos de características estruturais vestigiais. O quivi marrom da Nova Zelândia, Apteryx mantelli, uma ave não-voadora, tem asas diminutas e eriçadas. A cobra Charina bottae (“rubber boa”)* tem membros posteriores remanescentes, repre- sentados internamente por ossos dos quadris e das pernas, e externamente por diminutos esporões. A interpretação evolutiva dessas estruturas vestigiais é a de que os quivis e as co- bras Charina bottae são descendentes, com modificações, de ancestrais cujas asas ou pernas posteriores eram completamente formadas e funcionais. Também os humanos têm estruturas vestigiais. Por exemplo, temos o cóccix, um mi- núsculo osso remanescente da cauda (Figura 2.5a). Além disso, temos músculos ligados aos nossos folículos pilosos que se contraem, fazendo nossos pêlos corporais arrepiar-se quan- do estamos com frio ou com medo (Figura 2.5b). Por isso, se fôssemos peludos, como os chimpanzés, a contração dos músculos eretores dos pêlos aumentaria a superfície de nossa pelagem, mantendo-nos aquecidos ou tornando-nos aparentemente maiores e mais ame- açadores aos inimigos (Figura 2.5c). Todavia, não somos peludos, portanto ficamos apenas com a pele arrepiada, o que implica que somos descendentes de ancestrais que eram mais peludos do que nós. Do mesmo modo, nossos pequenos ossos remanescentes da cauda indicam que nos originamos de ancestrais dotados de caudas. A Figura 2.6 ilustra uma característica vestigial do desenvolvimento. As galinhas têm três dedos nas “mãos” de suas asas e quatro dedos em seus pés. Contudo, quando seus embriões são tratados com um corante para marcar os tecidos que iniciam o desenvolvimento ósseo, aparece um dedo adicional – assinalado pelas setas, na figura – em cada membro. Poste- riormente, esses dedos extras desaparecem, não deixando vestígio nos adultos. Por que isso acontece? A explicação evolutiva é a de que as aves descendem de ancestrais que, como a maioria dos tetrápodes, tinham cinco dedos em todos os membros. As modificações, no desenvolvimento, que transformaram esses membros ancestrais nas asas e nos pés dos gali- náceos ocorreram depois que o quarto e o quinto dedos começaram a se formar, mas antes que a estrutura dos membros estivesse totalmente definida. O dedo extra transitório é um vestígio do programa de desenvolvimento ancestral. As características vestigiais também surgem em nível molecular, existindo uma no cro- mossomo 6 dos humanos. É uma seqüência de DNA que se assemelha ao gene codificador da enzima CMAH (hidroxilase do ácido CMP-N-acetilneuramínico), exceto que é inabi- litada por uma deleção de 92 pares de bases (Chou et al., 1998). A maioria dos mamíferos, Figura 2.4 Características es- truturais vestigiais. Acima, o quivi marrom, uma ave não-voadora, que tem asas diminutas e sem utilidade. Abaixo, a cobra Charina bottae (jibóia), que tem um diminuto membro traseiro remanescente, denominado esporão, em cada lado da sua cloaca. * N. de T. Conhecida popularmente como jibóia, no Brasil. Fonte: Dicionário Houaiss eletrônico. Figura 2.5 Características huma- nas vestigiais. (a) Os humanos têm um osso rudimentar da cauda, cha- mado cóccix. (b) Também têm um músculo eretor dos pêlos, na base de cada folículo piloso; quando se contrai, esse músculo faz os pêlos le- vantarem, deixando a pele arrepiada. (c) Se fôssemos peludos, como este chimpanzé, a contração dos nossos músculos eretores dos pêlos aumen- taria a superfície de nossa pelagem, para nos mantermos aquecidos ou parecermos mais ameaçadores. Pele Pêlo Músculo eretor dos pêlos Glândula sebácea (a) (b) (c) Análise Evolutiva 43 inclusive os chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, produz a CMAH em abun- dância, mas os humanos não (Chou et al., 2002). Essa enzima converte um açúcar ácido, destinado a ser exibido na superfície das células que o produzem, de uma forma para outra. Em conseqüência de nossa incapacidade de produzir CMAH, temos uma assinatura bio- química diferente em nossas membranas celulares. Isso parece explicar por que os humanos e os chimpanzés são ampla e reciprocamente imunes aos parasitas da malária (Martin et al., 2005). Nossa posse de um gene não-funcional é difícil de conciliar com a noção de que os humanos foram criados em sua forma atual. Todavia, é claramente explicável se os huma- nos forem descendentescom modificações de ancestrais que produziam a CMAH. Interpretamos as características vestigiais mencionadas como evidências da evolução. Em alguns casos, essa interpretação pode ser testada. O esgana-gatas marinho, Gasterosteus aculeatus, é um pequeno peixe que vive em águas litorâneas de todo o hemisfério Norte e facilmente invade a água doce (Bell e Foster, 1994). Os esgana-gatas marinhos contêm pesada carapa- ça corporal, com o aspecto de placas ósseas que protegem suas nadadeiras pélvica e laterais, modificadas em espinhos (Figura 2.7a). No entanto, os esgana-gatas de água doce carregam, freqüentemente, uma carapaça leve, com menor número de placas ósseas, e suas estruturas pél- vicas são vestigiais ou totalmente ausentes [Figura 2.7b e (c)]. William Cresko e colaboradores (2004) estudaram os esgana-gatas de água doce com carapaça leve no Alasca. Esses pesquisa- dores suspeitavam de que esses peixes fossem descendentes de ancestrais marinhos que tinham invadido os lagos formados pelo derretimento das geleiras no fim da última era glacial. Em laboratório, Cresko cruzou peixes marinhos de carapaça pesada com peixes de água doce de carapaça leve (geração P, Figura 2.7d). Sua prole era sadia, fértil e de carapaça pe- sada (geração F1, Figura 2.7d). Cruzados entre si, esses peixes produziram quatro tipos de prole: com carapaça pesada; com placas completas e estrutura pélvica vestigial; com poucas placas e estrutura pélvica completa e com carapaça leve (geração F2, Figura 2.7d). A conta- gem desses fenótipos aproximou-se da proporção de 9:3:3:1, esperada para um cruzamento diíbrido. Esses resultados sugerem que os peixes esgana-gatas marinhos e de água doce são muito relacionados, e que as diferenças em suas carapaças corporais são amplamente (em- bora não inteiramente) controladas pelos alelos de dois genes mendelianos. Se existirem alelos recessivos para placas leves e pelve reduzida nas populações de es- gana-gatas marinhos – ocultos nos heterozigotos –, então as populações marinhas que invadiram a água doce poderiam evoluir para a forma de água doce com rapidez suficiente para se observar sua ocorrência. Michael Bell e colaboradores (2004) documentaram exa- tamente essa rápida transição. O Lago Loberg, no Alasca, fora envenenado em 1982, por isso posteriormente precisou ser reabastecido com trutas e salmões para pesca recreativa. Aproximadamente em 1988, o lago foi invadido por esgana-gatas marinhos da vizinha Enseada de Cook. Bell monitorou a população do Lago Loberg de 1990 a 2001. Em ape- nas 12 anos, a composição populacional mudou de mais de 95% de peixes com carapaça pesada para mais de 75% com carapaça leve. No Lago Loberg, e provavelmente em outros locais, os esgana-gatas de água doce com carapaça vestigial são, na verdade, os descendentes modificados dos peixes marinhos de carapaça pesada. Partes do corpo reduzidas ou inúteis constituem evidências tanto de microevolução quanto de macroevolução. (a) Com carapaça pesada (b) Carapaça reduzida, com estrutura pélvica vestigial (c) Carapaça reduzida, sem estrutura pélvica F1: F2: P: x x (d) Cruzamentos em laboratório: 8,9 2,5 3,4 1,2 1 cm 1 cm 1 cm Estrutura pélvica Placas laterais Figura 2.6 Características vesti- giais do comportamento. As gali- nhas têm três dedos em suas asas e quatro, em seus pés. Contudo, duran- te um curto período do desenvolvi- mento, aparece um dedo adicional na “mão” (acima) e no pé (abaixo). Em Burke e Feduccia (1997). Figura 2.7 Carapaça reduzida nos esgana-gatas de água doce. (a) Um peixe marinho com uma pesada carapaça de placas ósseas e espinhos pélvicos. (b) Um peixe de água doce com placas leves e estruturas pélvicas vestigiais. (c) Um peixe de água doce desprovi- do de qualquer estrutura pélvica. (d) Cruzamentos mostrando que essas diferenças são determinadas geneticamente. Fotos da Figura 1 e desenhos com base na Figura 4, em Cresko et al. (2004). 44 Scott Freeman & Jon C. Herron Evidências dos registros fósseis Um fóssil é um vestígio de qualquer organismo que viveu no passado. A coleção total mundial de fósseis, dispersa entre milhares de instituições e indivíduos diferentes, é deno- minada registro fóssil. O simples fato de que os fósseis existem e que a vasta maioria de formas fósseis é dife- rente das espécies ora existentes é um argumento de que a vida mudou ao longo do tempo. Três observações específicas sobre o registro fóssil ajudaram Darwin e outros cientistas do século XIX a justificar que os fósseis são evidências da evolução. O fato da extinção Em 1801, o anatomista comparativo Barão Georges Cuvier publicou uma lista de 23 espécies que haviam deixado de existir. Essa lista era um desafio direto à hipótese am- plamente aceita de que as formas raras no registro fóssil deveriam ser encontradas fi- nalmente como espécies vivas, quando os cientistas europeus tivessem visitado todas as partes do mundo. Cuvier apontou os mastodontes e outras criaturas enormes que haviam sido escavadas das rochas da bacia de Paris. Essas espécies eram tão grandes, ar- gumentou ele, que era improvável que ainda estivessem vivas e tivessem simplesmente escapado à detecção. A controvérsia sobre o fato da extinção terminou depois de 1812, quando Cuvier pu- blicou um exame cuidadoso de fósseis do alce irlandês – o enorme cervo da era glacial, mostrado na Figura 2.8. Os fósseis desse cervo haviam sido encontrados em todo o norte europeu e nas ilhas britânicas. Outros cientistas sugeriram que o alce irlandês pertencia a uma espécie viva, como a do alce americano ou a da rena européia. Essas sugestões eram mais razoáveis do que podem parecer atualmente. Para espécies como a do alce americano, era difícil a obtenção de seus espécimes, ou mesmo de suas descrições confiáveis. A análise anatômica feita por Cuvier provou que o alce irlandês não era o alce americano ou a rena européia, nem pertencia a qualquer outra espécie viva (Gould, 1977). Era uma espécie independente e estava extinta. O fato de que muitas espécies foram extintas sugere que a flora e a fauna da Terra mudaram ao longo do tempo. Figura 2.8 O alce irlandês confirma o fato da extinção. Cuvier confirmou que os fósseis do enorme cervo da era glacial, chamado alce irlandês, representavam uma espécie extinta. Análise Evolutiva 45 Na época em que Darwin escreveu A Origem das Espécies, estavam sendo descobertos plantas e animais extintos em camadas rochosas formadas em muitos lugares e ocasiões diferentes. Os criacionistas sustentavam que essas espécies haviam perecido em uma série de dilúvios semelhantes ao evento bíblico da época de Noé. Darwin e outros biólogos, ao contrário, interpretavam as espécies extintas como aparentadas com os organismos vivos, apontando o fato da extinção como evidência de que a flora e a fauna terrestres haviam mudado ao longo do tempo. A lei de sucessão No início do século XVIII, o paleontólogo William Clift foi o primeiro a publicar uma observação posteriormente confirmada e expandida por Darwin (Darwin, 1859; Dugan, 1980; Eiseley, 1958). Os fósseis e os organismos vivos existentes na mesma região geográfica são aparentados entre si e nitidamente diferentes de organismos encontrados em outras re- giões (Figura 2.9). Clift pesquisou os mamíferos extintos da Austrália e observou que eram marsupiais, cuja relação próxima às formas vivas atuais daquele país foi posteriormente confirmada por Richard Owen. Darwin estudou os tatus da Argentina e suas relações com os gliptodontes, fósseis por ele descobertos naquele país. As faunas de mamíferos de ambos os continentes são obviamente diferentes; contudo, a fauna existente em cada continente mostra notável semelhança com as formas fósseis recentes encontradas no respectivo local. O padrão geral de correspondência entre as formas fósseis e as formas vivas de um mesmo lugar veio a ser conhecido como a lei de sucessão. Essa lei é sustentada pelas análises de ampla variedade de locaise grupos taxonômicos, sendo facilmente explicada pela teoria da evolução de Darwin. As espécies atuais descendem, com modificações, de ancestrais que viveram na mesma região; portanto, deve-se esperar que guardem maior semelhança com suas ancestrais recentes do que com as espécies de parentesco mais distante, localizadas em outras partes do mundo. A semelhança entre as formas vivas e as fósseis da mesma região sugere que os organismos existentes se originaram, com modificações, de espécies anteriores. Figura 2.9 A lei de sucessão. Os primeiros pesquisadores observaram com tanta freqüência as relações próximas entre as espécies fósseis e as espécies vivas, na mesma região geográfica, bem como entre as formas fósseis de estratos rochosos adjacentes, que esse padrão se tornou conhecido como a lei de sucessão. Darwin observou as semelhanças entre o tatu-pigmeu contemporâneo (Zaedyus pichiy) (superior, à esquerda) e o gliptodonte fóssil da Argentina (inferior, à esquerda). Richard Owen confirmou o padrão reconhecido inicialmente por William Clift, quando identificou o mamífero australiano extinto Diprotodon (inferior, à direita) como um marsupial similar aos vombates (superior, à direita) que vivem na Austrália atualmente (Dugan, 1980). 46 Scott Freeman & Jon C. Herron Formas de transição Darwin afirmava que as espécies são descendentes, com modificações, de formas anteriores e que os fósseis representam populações antigas, das quais algumas eram ancestrais dos seres que existem hoje em dia. Se Darwin estivesse certo, então o registro fóssil deveria captar evidências da progressão dessas modificações: espécies de transição que mostrassem uma mistura de características, com traços típicos da população ancestral e novos traços obser- vados posteriormente nas descendentes. Na época de Darwin, haviam sido descobertas poucas formas de transição, por isso esse pesquisador teve de se esforçar para explicar por que seriam raras no registro fóssil. Desde aquela época, no entanto, têm sido encontrados muitos fósseis de transição. A forma de transição mais famosa, o Archaeopteryx, foi descoberta pouco depois de Da- rwin publicar A Origem das Espécies (Figura 2.10a; ver Christiansen e Bonde, 2004). Esse animal do tamanho de um corvo viveu há 145-150 milhões de anos, na região da atual Alemanha. O fato de que ele era dotado de penas e, aparentemente, tinha alguma capaci- dade para voar classifica-o entre as aves (Padian e Chiappe, 1998; Alonso et al., 2004). Seu esqueleto, no entanto, era tão reptiliano − com dentes, mãos com três garras e uma longa cauda óssea – que os exemplares de Archaeopteryx foram confundidos com restos do dinos- sauro Compsognathus (ver Wellnhofer, 1988). Amigo e defensor de Darwin, Thomas Henry Huxley (1868) estava entre os primeiros a reconhecerem as similaridades esqueléticas entre os dinossauros e as aves, sugerindo que o Archaeopteryx corresponde a uma transição evo- lutiva de répteis para aves. Quando denominamos o Archaeopteryx de fóssil de transição, não estamos afirmando que esse fóssil estava na linha de descendência direta dos dinossauros às aves modernas. Ao contrário, é provável que o Archaeopteryx represente um ramo lateral extinto, na árvore evolutiva que conecta os dinossauros às aves. Esse animal é considerado um fóssil de tran- (a) Archaeopteryx (b) Sinosauropteryx Figura 2.10 Uma ave com esqueleto de dinossauro e um dinossauro com penas. (a) Archaeopteryx, uma ave com penas modernas e es- queleto como o do dinossauro. (b) Sinosauropteryx prima, um dinossauro com estruturas eriçadas no pescoço, dorso, flancos e cauda, que muitos paleontólogos acreditam que sejam penas em forma de penugem. Em Chen et al. (1998). Análise Evolutiva 47 sição porque demonstra a existência prévia de espécies de formas intermediárias entre os dinossauros e as aves. Com suas penas inteiramente recentes e esqueleto de dinossauro, o Archaeopteryx indica que as aves evoluíram suas características próprias aos poucos. As penas vieram primeiro, antes das modificações esqueléticas e musculares associadas aos vôo mo- dernamente equipado (Garner et al., 1999). Se as penas se incluíam entre as primeiras etapas evolutivas na trajetória dos dinossauros às aves, então o registro fóssil deveria conter outro tipo de forma de transição: dinossauros com penas em vários estágios de evolução (Unwin, 1998). É mais provável que esses dinos- sauros com penas se ocultassem entre os terópodes – os carnívoros bípedes, que incluem o Compsognathus e o Tyrannosaurus rex, com os quais as aves compartilham o maior número de inovações evolutivas (Gauthier, 1986; Prum, 2002). Recentemente, ao escavar bacias sedimentares de fósseis na província de Liaoning, na China, alguns paleontólogos desenterraram vários terópodes com penas (ver Norell e Xu, 2005). O exemplar de Sinosauropteryx prima, mostrado na Figura 2.10b, com o tamanho aproximado de uma galinha, está primorosamente preservado (Chen et al., 1998). Muitos paleontólogos acreditam que as estruturas eriçadas em seu pescoço, dorso, flancos e cauda sejam simplesmente penas (Chen et al., 1998; Unwin, 1998; Currie e Chen, 2001; mas ver Geist e Feduccia, 2000). Os fósseis da Figura 2.11 são mais convincentes. Na Figura 2.11a, o terópode Caudipteryx zoui, de tamanho semelhante ao de um peru, tinha enfeites de longas penas nas mãos e na cauda (Ji et al., 1998). Quase todo o corpo de 60 cm de comprimento do dromeossauro da Figura 2.11b está coberto de estruturas filamentosas (Ji et al., 2001). O penacho mostrado na foto em detalhe é de um espécime de parentes- co próximo (Xu et al., 2001). Os paleontólogos interpretam essas estruturas como penas, uma vez que elas contêm aspectos essenciais que atualmente são encontrados somente nas penas e correspondem a estágios intermediários preditos por um modelo de evolução das (a) Caudipteryx (b) Dromeossauro Figura 2.11 Mais dinossauros emplumados. (a) Caudipteryx zoui, um dinossauro com penas alongadas nos braços e na cauda. Em Ji et al. (1998). (b) Um dromeossauro jovem, provavelmente Sinornithosaurus millenii, com penas simples; as setas pretas assinalam as impressões mais visíveis. Em Ji et al. (2001). A imagem menor mostra uma pena de outro S. millenii; a seta branca assinala a base do penacho de filamentos ou barbas. Em Xu et al. (2001). 48 Scott Freeman & Jon C. Herron penas, com base no seu modo de desenvolvimento (Ji et al., 2001; Sues, 2001; Xu et al., 2001; Prum e Brush, 2002). Finalmente, a Figura 2.12a exibe as penas atuais e completas, com ramificação de filamentos ou barbas (rama) a partir de um eixo central (raque), que adornam outro dromeossauro fóssil (Norell et al.,2002). Penas modernas também enfeitam os quatro membros do Microraptor gui, o dinossauro de 80 cm de comprimento e dotado de quatro asas, mostrado na Figura 2.12b (Xu et al., 2003). Além desses, outros dinossauros dotados de penas corroboram a asserção de Huxley de que as aves evoluíram dos dinossauros. Na verdade, esses animais de transição dificultaram a definição do que seja exatamente uma ave e do que a distingue de um terópode comum. Costumava ser fácil: se tivesse penas, era uma ave. Sob essa definição, no entanto, os Sinosau- ropteryx, Cudipteryx e até alguns Tyrannosaurus seriam aves (Xu et al., 2004). Uma definição mais restritiva, porém mais razoável, é a de que se o animal tem penas e consegue voar, ou se é descendente de um que apresentava tais características, então é uma ave. Mesmo sob esse critério, poderia acontecer que dromeossauros, como o Velociraptor, um predador muito apreciado pelos cineastas, viessem a ser considerados aves (ver Makovicky, 2005; Perkins, 2005). Outro exemplo de formas de transição é o das baleias ilustradas na Figura 2.13. Uma vez que os fósseis mais antigos de mamíferos representam espécies terrestres, os biólogos inferem que os ancestrais das baleias também viviam em terra. Mostrando que essa idéia é plausível, algumas baleiasmodernas ainda têm ossos vestigiais da pelve e das pernas (Figura 2.13a). Então, entre os ancestrais terrestres e as baleias modernas, existiriam for- mas intermediárias que apresentavam membros funcionais, além de características que as identificavam como espécies de ambiente oceânico. Dois desses fósseis de transição são mostrados aqui. O Basilosaurus isis, analisado por Philip Gingerich e colaboradores (1990), viveu há aproximadamente 38 milhões de anos. Era um animal exclusivamente aquático, mas tinha membros posteriores completos, embora diminutos. Gingerich afir- ma que esses membros eram demasiadamente reduzidos para funcionarem na natação, mas serviriam como garras durante a cópula. O Ambulocetus natans, descoberto e descri- Os fósseis de transição documentam a existência prévia de espécies que mostravam misturas de características típicas das espécies que hoje constituem grupos de organismos diferentes. Esses fósseis constituem evidências de macroevolução. (a) Penas de Dromaeosaur (b) Microraptor gui Figura 2.12 Penas de dinossauros. (a) Penas modernas, com ramificação de filamentos ou barbas a partir de um eixo central (raque), de um dromeossauro. Em Norell et al. (2002). (b) Micro- raptor gui. Um dromeossauro com penas adaptadas ao vôo nos quatro membros – isto é, um dinos- sauro dotado de quatro asas. Em Xu et al. (2003). Análise Evolutiva 49 to por J. G. M. Thewissen e colaboradores (1994), viveu há cerca de 50 milhões de anos. Tinha membros posteriores enormes que o tornavam desajeitado em terra. Todavia, a partir de uma análise da articulação de seus membros com o corpo, Thewissen sugere que esse animal seria um excelente nadador que usava seus membros do mesmo modo que as lontras atuais. Esses fósseis assinalam uma importante transição evolutiva. Con- forme se predisse, sua forma é intermediária a dos ancestrais providos de membros e a de seus descendentes sem eles. Um exemplo adicional de um fóssil de transição aparece na página 37. Evidências de descendência com modificações Acabamos de examinar as evidências dos organismos vivos e fósseis. Tais evidências mos- tram que as espécies mudam ao longo do tempo em pequena escala, ou escala microevo- lutiva – como quando os percevejos do saboeiro desenvolveram aparelhos bucais menores. Além disso, demonstram que as espécies mudam ao longo do tempo em grande escala, ou escala macroevolutiva – como quando as aves evoluíram a partir dos dinossauros. Até aqui completamos metade do caminho da Teoria da Criação Especial à visão de Darwin sobre a história da vida. A seguir, iremos considerar as evidências de ancestralidade comum. ~40 cm 50 cm (a) Baleia contemporânea (baleia da Groenlândia, Balaena mysticetus) (c) Ambulocetus natans (50 milhões de anos) Fêmur Pelve (b) Basilosaurus isis (38 milhões de anos) 1 m 1 m Figura 2.13 Fósseis de transi- ção que documentam a evolução das baleias a partir de ancestrais dotados de pernas. (a) Algumas baleias contemporâneas têm fêmur e pelve vestigiais. (b) Os fósseis de Basilosaurus isis têm cerca de 38 milhões de anos. Apresentam membros posteriores reduzidos que, provavelmente, não funciona- vam na natação, mas talvez fossem usados como garras durante a cópula. Em Gingerich et al. (1990). (c) Os fósseis de Ambulocetus na- tans (em tradução literal, significa baleia nadadora que caminha) têm aproximadamente 50 milhões de anos. Têm membros posteriores funcionais que provavelmente eram usados como remos na natação. Em Thewissen et al. (1994). 50 Scott Freeman & Jon C. Herron 2.2 Evidências de ancestralidade comum Diferentemente da Teoria da Criação Especial, a teoria de Darwin sobre a história da vida sustenta que as espécies não são independentes, mas relacionadas por descendência a partir de um ancestral compartilhado. Isso significa que as espécies têm relações genealógicas análogas às árvores genealógicas familiares dos humanos. Antes de apresentarmos as evi- dências que apóiam a visão de Darwin, valerá a pena usar alguns parágrafos para introduzir os recursos gráficos que os evolucionistas utilizam para refletir sobre as relações entre as espécies. Uma introdução à idéia da árvore Comecemos com uma experiência de reflexão relativa a um tipo de evento que, se a teo- ria de Darwin estiver correta, terá acontecido freqüentemente durante a história da vida. Imagine uma população de caracóis que vive em uma ilha (Figura 2.14a, à esquerda). De tempos em tempos, surgem novas características nessa população e, caso confiram maior capacidade de sobrevivência e reprodução, se tornam prevalentes (Figura 2.14b, à esquer- da). Além disso, os caracóis de vez em quando atravessam a água – talvez transportados pela vegetação flutuante – para estabelecer novas populações em ilhas inabitadas (Figura 2.14c-g, à esquerda). Após uma série de colonizações, mudanças evolutivas e uma extinção, temos três populações diferentes, todas descendentes da população ancestral comum que originalmente habitava a Ilha 1 (Figura 2.14g, à esquerda). As ilustrações da coluna à direita da Figura 2.14 mostram como podemos traçar um diagrama – denominado árvore evolutiva ou filogenética, cladograma, ou fi- logenia – para registrar a história de nossos caracóis. A população original da Ilha 1 é representada pelo segmento linear que será a raiz de nossa árvore (Figura 2.14a, à direita). Colocamos na raiz a imagem de um caracol típico da população ancestral. À medida que o tempo passa, nossa árvore cresce da esquerda para a direita. Registramos a evolução das conchas espiraladas na população da Ilha 1 com uma barra perpendicular à árvore, marcada com a nova característica que, então, se tornou prevalente (Figura 2.14b, à direita). Também acrescentamos uma nova imagem à árvore, mostrando que o caracol típico agora tem uma concha espiralada. Quando os caracóis da Ilha 1 invadem a Ilha 2, o efeito é que nossa população ancestral se dividiu. Mostramos isso em nossa árvore, dividindo a raiz em dois ramos (Figura 2.14c, à direita). Adicionamos as demais transições evolutivas e subdivisões populacionais à nossa árvore da mesma maneira (Fi- gura 2.14d-g, à direita). Quando a população da Ilha 2 sofre extinção, seu ramo pára de crescer (Figura 2.14f, à direita). A filogenia completa, na parte inferior da segunda coluna, resume ordenadamente toda a seqüência de eventos mostrada nos sete itens da primeira coluna. Para ler a história dos nossos caracóis, partimos da raiz, no lado esquerdo, continuando em direção à direita. (Aparentemente, deveríamos partir da população da Ilha 1, no lado direito da árvore, mas essa população de caracóis listrados [com bandas] não é a ancestral dos caracóis das Ilhas 3 e 4. Ao contrário, as três populações são descendentes dos caracóis de concha simples que viviam inicialmente na Ilha 1.) Analisada da esquerda para a direita, a árvore mostra que as conchas espiraladas evoluíram antes das conchas rosadas, que, por sua vez, precederam as cônicas com espiras altas e espículas. Também indica que, no fim da história dos nossos caracóis, as populações das Ilhas 3 e 4 são mais aparentadas reciprocamente do que com a população da Ilha 1, pois compartilham um ancestral comum mais recente: a população de caracóis rosados com espiras altas que vivia anteriormente na Ilha 3. As árvores filogenéticas são a representação visual da descendência com modificações de um ancestral comum. Figura 2.14 (página seguinte) As árvores evolutivas ou filogenéticas descrevem as histórias da descendência com modificações. Na coluna, à esquerda, é descrita a história de uma população de ca- racóis imaginários que evoluiu e se espalhou em um arquipélago de quatro ilhas. Na coluna à direita, essa história é codificada em uma árvore evolutiva crescente. Análise Evolutiva 51 espículas concha alongada concha alongada concha alongada concha rosada espira alta listras 1 1 1 1 2 2 3 (a) Uma população de caracóis na Ilha1. (g) Caracóis da Ilha 3 desenvolvem conchas espiculadas. (f) A população da Ilha 2 é extinta; caracóis da Ilha 3 colonizam a Ilha 4. (c) Caracóis da Ilha 1 colonizam a Ilha 2. (b) Surgem conchas alongadas, que se tornam comuns, substituindo as conchas simples. (e) Caracóis da Ilha 1 desenvolvem conchas listradas; caracóis da Ilha 3 evoluem espiras altas. (d) A população da Ilha 2 desenvolve conchas alaranjadas. Posteriormente, caracóis da Ilha 2 colonizam a Ilha 3. concha alongada concha rosada 1 2 3 espira alta listras concha alongada concha rosada 1 2 3 4 espira alta listras concha alongada concha rosada 1 2 3 4 52 Scott Freeman & Jon C. Herron O inventor das árvores filogenéticas foi o próprio Charles Darwin. A única ilustração existente em sua Origem das Espécies, com 490 páginas, era um diagrama que apresentava sua visão de como as espécies mudam ao longo do tempo (Figura 2.15). Darwin orientou sua árvore em direção diferente da nossa, na Figura 2.14, colocando a raiz na parte inferior. Para lermos a árvore de Darwin, partimos da raiz e nos deslocamos para cima. Ambas as orientações são comuns na literatura científica. Entretanto, todas as árvores mostram popu- lações ou espécies que se diversificam com o passar do tempo, significando que todas são lidas da parte mais estreita, a raiz, para a parte mais larga, as extremidades. Darwin também representou a divisão das populações com ângulos mais agudos do que os de 90° que usa- mos na nossa árvore. Novamente, ambos os estilos são comuns na literatura. O que importa é a ordem das ramificações, não o estilo em que são desenhadas. Quando os comprimentos dos ramos de uma determinada árvore são proporcionais à época ou à quantidade de mu- danças genéticas que ocorreram desde que os táxons divergiram, está sendo fornecida uma escala, ou um eixo marcado. De outro modo, os comprimentos dos ramos são arbitrários e dispostos de maneira a propiciar sua melhor leitura. A Figura 2.16 apresenta uma filogenia para um grupo de organismos reais: várias espécies de felinos de grande tamanho. Essa filogenia é extraída de uma árvore muito maior, recons- truída por Lars Werdelin e Lennart Olsson (1997) para um artigo por eles denominado “Como o leopardo obteve suas manchas”. Segundo a hipótese desses pesquisadores, o an- cestral comum mais recente de todos os felinos, próximo à parte inferior da filogenia, tinha uma pelagem pintada. Pela leitura do ramo direito, observamos que, após a divergência da linhagem que leva ao jaguarundi, mas antes da diversificação dos leopardos-das-neves, tigres, jaguares, leões e leopardos, as pintas foram modificadas para rosetas. Uma roseta consiste em uma pinta central circundada por pintas menores. Continuando a subir no ramo mais à direita da filogenia, finalmente alcançamos o leopardo, cujas manchas também são dispostas em rosetas. Assim, de acordo com Werdelin e Olsson, o leopardo obteve suas manchas por descendência com modificações, mais recentemente de ancestrais com pelagem como a do próprio leopardo e mais remotamente de ancestrais com pintas. Como exercício, o leitor talvez queira usar essa árvore para acompanhar como o tigre obteve suas listras (bandas). Táxons-irmãos Extremidades dos ramos ou nodos terminais Nodos Ramos Raiz M ai s re m ot o Te m po M ai s re ce nt e Leão (filhote) Jaguar Leopardo TigreLeopardo- das-nevesjaguarundiLince norte- americano Lince canadense Transições Ancestral comum mais recente de todos os felinos Ancestral comum mais recente dos linces canadense e norte-americano pelagem uniforme rosetas listras cauda curta Figura 2.16 Uma árvore evolu- tiva para oito espécies de felinos. De acordo com esta árvore, o an- cestral comum de todos os felinos existentes tinha um padrão de pelagem pintada. A árvore mostra as transições evolutivas que levaram aos padrões divergentes dos feli- nos atuais. Na legenda, constam os nomes dos componentes de uma árvore evolutiva. As extremidades dos ramos, ou nodos terminais, re- presentam as espécies mais recen- tes – as formas existentes típicas. A raiz representa o ancestral comum de todas as espécies da árvore, en- quanto os ramos traçam a história de sua descendência. As transições assinalam as modificações. Os no- dos representam os pontos em que uma espécie dividiu-se em duas ou mais espécies descendentes. Os táxons-irmãos são os parentes reciprocamente mais próximos. Se- gundo Figuras 3 e 4 de Werdelin e Olsson (1997). Te m po Figura 2.15 A árvore evolutiva de Darwin. A raiz desta árvore está na parte inferior, por isso lemos de baixo para cima a história que ela registra. Análise Evolutiva 53 O leitor talvez tenha observado que nos referimos à filogenia da Figura 2.16 como uma hipótese, pois ninguém conhece a verdadeira história evolutiva do leopardo e de seus parentes. Não só não conhecemos a história real dos padrões de pelagem, como também não sabemos o verdadeiro padrão de ramificação da árvore do ancestral comum aos fe- linos atuais. O melhor que podemos fazer é usar os dados disponíveis para identificar os cenários mais plausíveis sobre a história evolutiva. Discutiremos as técnicas para fazer isso no Capítulo 4. Todavia, sempre é útil ter em mente a distinção entre nossas hipóteses e a verdade (quase sempre) desconhecida. Essa distinção ajuda a explicar por que pesquisa- dores que usam conjuntos de dados diferentes inferiram filogenias um pouco diferentes para os felinos. Warren Johnson e Stephen O’Brien (1997), por exemplo, reconstruíram uma filogenia em que os leões e os tigres são os parentes mais próximos reciprocamente, enquanto Michelle Mattern e Deborah McLennan (2000) reconstruíram uma árvore em que os tigres e os jaguares são os parentes mutuamente mais próximos. Além disso, Warren Johnson e colaboradores (2006) reconstruíram uma árvore em que os jaguares e os leões são os parentes de maior proximidade entre eles. Uma vez introduzida a idéia da árvore, estamos prontos para explorar as evidências que retratam o padrão da história da vida – isto é, as evidências de que todas as diferentes for- mas de vida da Terra são aparentadas. Espécies-anel O primeiro tipo de evidência de ancestralidade comum que se poderia buscar é a docu- mentação de que uma espécie pode dividir-se em duas. As espécies-anel, exemplificadas pelo gorjeador esverdeado siberiano (Phylloscopus trochiloides), fornecem essa evidência (Figura 2.17). A distribuição geográfica do gorjeador esverdeado forma um anel que circunda o Platô Tibetano. Embora a complexidade dos cantos desse pássaro aumente do sul para o norte, em torno de ambos os lados do anel, os indivíduos se reconhecem como membros da mesma espécie por meio do entrecruzamento em qualquer lugar em que se encontrem (Irwin et al., 2001a; Wake, 2001). A exceção está na Sibéria Central, onde a forma do nordeste encontra a forma do noroeste, e essas duas variedades recusam-se a cruzar-se. Algumas espécies parecem estar no processo de dividir-se em duas. As populações de livre entrecruzamento conectam-se à espécie inteira, mas os membros de algumas populações não se entrecruzam. Platô Tibetano Lacuna resultante do desflorestamento Figura 2.17 Evidência de que uma espécie pode dividir-se em duas. À esquerda, um gorjeador esverdeado siberiano (Phyllos- copus trochiloides). À direita, um mapa que mostra a amplitude das variantes geográficas do gor- jeador esverdeado. Os pássaros entrecruzam-se em qualquer local em que estiverem, em torno do Platô Tibetano, exceto onde a for- ma do noroeste encontra a forma do nordeste, na região hachurada com contorno em laranja. Nessa área, os pássaros comportam-se como espécies diferentes. Foto ob- tida por D. Irwin, em Wake (2001); mapa em Irwin et al. (2005). 54 Scott Freeman & Jon C. Herron Darren Irwin e colaboradores (2005) apresentaram evidências genéticas de que não existem outras fronteiras biológicas, alémda Sibéria Central, entre uma forma de gorjeador esverdeado e outra. A saber, todos os gorjeadores esverdeados são membros de uma única e grande população que faz uma volta em torno de si própria. Irwin argumenta que essa população originou-se no sul, expandindo-se para o norte e dali em duas direções. Na época em que as duas frentes se reconectaram, muitas gerações depois, os pássaros estavam suficientemente modificados para mostrarem desinteresse mútuo no romance. Os gorjeadores esverdeados mostram que, com espaço e tempo, uma espécie gra- dualmente pode dividir-se em duas. Para uma revisão de exemplos adicionais sobre as espécies-anel, ver Irwin (2001b). Com essa evidência de ancestralidade comum em pe- quena escala, agora nos dedicaremos às evidências de ancestralidade comum em escalas maiores. Homologia Quando as áreas da anatomia comparada e da embriologia comparada se desenvolveram, no início do século XIX, um dos resultados mais notáveis a emergir foi o de que as si- milaridades fundamentais são subjacentes às diferenças físicas óbvias entre as espécies. Os primeiros pesquisadores denominaram esse fenômeno de homologia – literalmente, o estudo das semelhanças. Richard Owen, um dos principais anatomistas britânicos, definiu a homologia como “o mesmo órgão, em diferentes animais, sob todas as variedades de forma e função.” Homologias estruturais e do desenvolvimento Um exemplo famoso de homologia provém dos trabalhos de Owen e do Barão Georges Cuvier de Paris, o fundador da anatomia comparada. Ambos descreveram extensas seme- lhanças entre os esqueletos e os órgãos de vertebrados. Algumas dessas similaridades estão ilustradas na Figura 2.18. Referindo-se aos trabalhos de Owen e Cuvier, Darwin (1859, p. 434) escreveu: “O que poderia ser mais curioso do que a mão de um homem, modelada para agar- rar, do que a garra de uma toupeira para escavar, a perna do cavalo, a nadadeira em forma de remo da toninha e a asa do morcego, sendo todas construídas no mesmo padrão e incluindo os mesmos ossos, nas mesmas posições relativas?” O ponto principal era que os projetos subjacentes dos membros anteriores desses verte- brados são semelhantes, embora sua função e sua aparência sejam diferentes. Isso distingue Os organismos mostram curiosas semelhanças em estrutura e desenvolvimento, não-relacionadas à função. Essas semelhanças são difíceis de explicar pela Teoria da Criação Especial, mas fáceis, à luz da Teoria da Evolução. Humano Úmero Rádio Ulna Ossos do carpo Ossos do metacarpo Falanges Toninha Cavalo Morcego Toupeira Ulna Figura 2.18 Homologias estru- turais. Estes membros anteriores de vertebrados são usados para diferentes funções, mas têm a mes- ma seqüência e o mesmo arranjo de ossos. Nesta ilustração, os ossos homólogos apresentam cores idên- ticas e estão assinalados no braço humano. Análise Evolutiva 55 a similaridade nos projetos entre os membros anteriores dos vertebrados da similaridade, por exemplo, nos projetos entre um tubarão e uma baleia (Figura 2.19). Tanto o tubarão quanto a baleia têm forma aerodinâmica, nadadeiras ou barbatanas curtas para orientação, e uma possante cauda para propulsão. Tais semelhanças morfológicas têm sentido se levar- mos em consideração sua função: movimentação rápida na água. Os engenheiros humanos incorporam os mesmos aspectos na competência náutica. Por outro lado, a semelhança interna entre os membros anteriores com funções radicalmente diferentes parece arbitrária. Um engenheiro projetaria instrumentos para agarrar, cavar, correr, nadar e voar usando o mesmo conjunto de elementos estruturais na mesma posição anatômica? Com base nessa observação, Darwin concluiu que a semelhança entre os membros anteriores dos verte- brados é difícil de explicar à luz da Teoria da Criação Especial. Todavia, essa semelhança é compreensível se todos os vertebrados forem descendentes de um ancestral comum, do qual herdaram o projeto fundamental de seus membros. De acordo com Darwin, a homo- logia sustenta a Teoria da Evolução. Os exemplos de homologia conhecidos na época de Darwin extrapolavam as formas adultas e os vertebrados. O naturalista Louis Agassiz estava entre os que observaram que os embriões de uma grande variedade de vertebrados contêm algumas similaridades notáveis, especialmente no início do desenvolvimento (Figura 2.20). O próprio Darwin (1862) ana- lisou a anatomia das flores de orquidáceas e mostrou que, embora tenham formas variáveis e atraiam polinizadores diversos, são construídas, realmente, com o mesmo conjunto de componentes. Como os membros anteriores dos vertebrados, as flores da Figura 2.21 têm as mesmas partes, nas mesmas posições relativas. Qual a causa dessas semelhanças? Darwin argumentou que a descendência a partir de um ancestral comum é a explicação mais lógica. Sustentava que os embriões da Figura 2.20 são semelhantes porque todos os vertebrados evoluíram do mesmo ancestral, e alguns estágios do desenvolvimento permaneceram similares, quando os répteis, as aves e os ma- míferos se diversificaram ao longo do tempo. Igualmente, argumentou que as orquídeas da Figura 2.21 são similares porque compartilham um ancestral comum. Cobra Galinha Gambá Gato Morcego Humano Estágio inicial (embrião caudado) Estágio médio (embrião avançado) Estágio tardio (forma adulta visível) Bolsas faríngeas Cauda Figura 2.20 Homologias do desenvolvimento. Os embriões de diferentes vertebrados exibem notáveis semelhanças no início do seu de- senvolvimento. Observe que todos os embriões iniciais aqui mostrados têm bolsas faríngeas e cauda. Em Richardson et al. (1998). Figura 2.19 Similaridades não- homólogas. Esse tubarão e essa orca têm formas aerodinâmicas, cau- das possantes e nadadeiras ou bar- batanas curtas, ainda que o primeiro seja um peixe, e a última, um mamí- fero. Todas essas similaridades são compreensíveis, considerando-se suas funções, e não são homólogas. 56 Scott Freeman & Jon C. Herron Homologias moleculares Os avanços da genética molecular revelaram outras similitudes fundamentais entre os or- ganismos, com destaque, entre essas, para o código genético. Com poucas exceções, todos os organismos estudados até o presente usam as mesmas trincas de nucleotídeos, ou có- dons, para especificar os mesmos aminoácidos a serem incorporados em proteínas (Figura 2.22). A atribuição específica de códons aos aminoácidos, no código genético, reduz os efeitos prejudiciais das mutações pontuais e dos erros de tradução (Freeland et al., 2000). No entanto, teoricamente é possível uma enorme quantidade de códigos alternativos, al- guns dos quais funcionariam tão bem ou melhor do que o código genético real (Judson e Haydon, 1999). Além disso, a presença de um código genético exclusivo poderia oferecer diferentes vantagens. Por exemplo, se os humanos usassem um código genético diferente do dos chimpanzés, não teriam sido suscetíveis aos vírus transmitidos pelos chimpanzés, que os invadiram e se transformaram no HIV (ver Capítulo 1). Quando esse vírus tentou replicar-se no interior das células humanas, suas proteínas teriam sido truncadas durante a tradução. Se é possível a existência de códigos genéticos alternativos, cujo uso seria vanta- joso, por que praticamente todos os organismos utilizam o mesmo código? O darwinismo fornece uma resposta lógica: a totalidade dos organismos herdou seu código genético de um ancestral comum. Nosso segundo exemplo de homologia molecular envolve um defeito genético en- contrado no cromossomo 17 do genoma humano. Os defeitos compartilhados são espe- cialmente úteis para distinguir entre a criação especial e a descendência a partir de um ancestral comum. A razão disso é conhecida de qualquer professor que tenha flagrado um aluno colando em um exame. Se A se sentasse próximo a B e escrevesse respostas corretas idênticas, isso pouco nos diria. Todavia, se A se sentasse perto de B e escrevesse respostas erradas idênticas,nossas suspeitas de cola aumentariam. Da mesma forma, defeitos compar- tilhados entre os organismos sugerem ancestralidade comum. No cromossomo 17, o gene para a chamada proteína da mielina periférica 22, ou PMP- 22, é flanqueado, em ambos os lados, por seqüências idênticas de DNA, denominadas repetições CMT1A (Figura 2.23a). Essa situação surgiu quando a repetição distal, que contém parte do gene para a proteína denominada COX10, foi duplicada e inserida na outra extremidade do gene PMP-22 (Reiter et al., 1997). A presença da repetição proximal Figura 2.21 Outras homolo- gias estruturais. As flores das orquídeas variam em tamanho e forma, mas se compõem de ele- mentos que são semelhantes em estrutura e orientação. Em Darwin (1862). Phalaenopsis Oncidium antera antera estigma estigma labelo labelo UGU UGC UGA UGG Primeira base U Segunda base G Terceira base U C A G C CGU CGC CGA CGG U C A G A AGU AGC AGA AGG U C A G G GGU GGC GGA GGG U C A G Códon de RNA Aminoácido Abreviatura Cisteína Cisteína Fim Triptofano C C W Arginina Arginina Arginina Arginina R R R R Serina Serina Arginina Arginina S S R R Glicina Glicina Glicina Glicina G G G G Figura 2.22 Uma homologia genética: o código genético. Em quase todos os organismos, as mesmas trincas de nucleotídeos, ou códons, especificam os mesmos aminoácidos que formarão as pro- teínas. Essa tabela mostra uma parte do código que aparece integral- mente na Figura 5.3 (Capítulo 5). Análise Evolutiva 57 CMT1A deve ser considerada um defeito genético, porque ocasionalmente essa repetição emparelha-se com a repetição distal, durante a meiose, resultando em crossing-over (permuta ou sobrecruzamento) desigual (Figura 2.23b; Lopes et al., 1998). Entre seus produtos, en- contra-se um cromossomo com duas cópias do gene PMP-22 e um cromossomo em que falta inteiramente esse gene. Se qualquer um desses cromossomos anormais participar da fecundação, o zigoto resultante será predisposto a uma doença neurológica (Figura 2.23c). Os indivíduos com três cópias do gene PMP-22 terão a doença de Charcot-Marie-Tooth tipo 1A, enquanto os que têm apenas uma cópia do gene PMP-22 terão uma neuropatia hereditária com risco de paralisias compressoras. Motivados pela hipótese de que os humanos compartilham um ancestral comum mais recente com os chimpanzés do que ambos compartilham com qualquer outra espécie, Marcel Keller e colaboradores (1999) examinaram os cromossomos de chimpanzés co- muns, bonobos (também conhecidos como chimpanzés-pigmeus), gorilas, orangotangos e outros primatas. Tanto os chimpanzés comuns quanto os bonobos compartilham conosco as repetições emparelhadas CMT1A, que podem induzir crossing-over desigual. Todavia, a repetição proximal está ausente em gorilas, orangotangos e em todas as outras espécies que os pesquisadores analisaram. Esse resultado é difícil de explicar segundo o ponto de vista de que os humanos e os chimpanzés foram criados separadamente, mas faz sentido sob a hipótese de que a espécie humana é irmã de ambas as espécies de chimpanzés. As três espé- cies herdaram a repetição proximal de um ancestral comum recente, exatamente como os caracóis das Ilhas 3 e 4, da Figura 2.14, herdaram as conchas alaranjadas. Nosso terceiro exemplo de homologia molecular corresponde a outro tipo de peculia- ridade genética que poderia ser considerada um defeito: os pseudogenes processados. Antes de explicarmos o que são pseudogenes processados, assinalemos que a maioria dos genes do genoma humano constitui-se de pequenas partículas codificadoras, ou éxons, separadas por seqüências intercalares não-codificadoras, ou íntrons. Depois que um gene é transcrito para o RNA mensageiro, os íntrons devem ser eliminados antes que a mensa- gem seja traduzida em proteína. Mencionemos também que o genoma humano é repleto de retrotranspósons, elementos genéticos transponíveis, semelhantes aos retrovírus, que pulam de um lugar para outro, no genoma, por meio de transcrição para RNA, transcri- As curiosas similaridades entre os organismos também ocorrem em nível molecular. Doença de Charcot-Marie-Tooth tipo 1A Proximal Distal Gene PMP-22Repetição CMT1A Repetição CMT1A(a) Mapa do lócus PMP-22 e das repetições flanqueadoras, no cromossomo humano 17 (b) Pode ocorrer crossing-over desigual em conseqüência ao mau emparelhamento durante a meiose (c) Genótipos resultantes de fecundações que envolvem produtos de crossing-over desigual Neuropatia hereditária com risco de paralisias compressoras Figura 2.23 Um defeito genéti- co que os humanos compartilham com os chimpanzés. (a) A repeti- ção CMT1A proximal, junto ao gene que codifica a proteína PMP-22, é uma duplicação da repetição distal, inserida na outra extremidade do gene. (b) A repetição proximal pode emparelhar-se com a repetição dis- tal, durante a meiose, resultando em crossing-over desigual. (c) Os genó- tipos que resultam do crossing-over desigual estão associados a transtor- nos neurológicos. 58 Scott Freeman & Jon C. Herron ção reversa para DNA e inserção em um novo local (ver Luning Prak e Kazazian, 2000). Alguns dos retrotranspósons presentes em nosso genoma são ativos e codificam uma trans- criptase reversa funcional. Agora podemos explicar que os pseudogenes processados são cópias não-funcionais de genes normais que se originam quando os mRNAs processados são acidentalmente transcritos para DNA, pela transcriptase reversa e são reinseridos no genoma em uma nova localização (Figura 2.24a). Os pseudogenes processados são facilmente distinguíveis dos genes que os originaram, porque não contêm íntrons, nem promotores. Para os nossos objetivos, o principal aspecto dos pseudogenes processados é que pos- sibilitam uma estimativa de sua idade. Uma vez que não têm função alguma, tendem a acumular mutações; portanto, quanto mais mutações tiverem acumulado, mais antigos serão. Comparando a seqüência de um pseudogene processado com seu gene originário, podemos estimar o número de mutações que esse pseudogene acumulou e, a partir desse número, estimamos a sua idade. Mediante combinação do que sabemos sobre os pseudogenes processados com a idéia da árvore apresentada no início desta seção, podemos planejar um teste da visão de Darwin sobre a história da vida. Se Darwin estiver correto − se as espécies forem relacionadas por descendência de um ancestral comum −, os pseudogenes processados mais antigos devem Éxon Íntron Éxon Transcrição Éxon Íntron Éxon Processamento DNA mRNA Éxon Éxon mRNA AAAA Transcrição reversa Éxon Éxon DNA TTTT Inserção em outro lócus O pseudogene processado não tem promotor, nem íntrons Gene materno (a) De onde se originam os pseudogenes (b) Predizendo a distribuição dos pseudogenes processados Humano Pseudogene novo Pseudogene antigo Pseudogene intermediário Pseudogene Idade estimada (milhões de anos) Humano Chimpanzé Gorila Orangotango Macaco reso Macaco-prego de cabeça preta Hamster 1 -enolase 7 AS 2 CALM II 1 AS 3 AS 3 CALM II 11 16 19 21 25 36 (c) Distribuição de seis pseudogenes humanos de várias idades CA B A B A B C B C C C Figura 2.24 Pseudogenes processados usados para testar a hipótese da ancestralidade comum, de Darwin. (a) Os pseudogenes proces- sados surgem quando os RNAs mensageiros processados são transcritos reversamente e inseridos no genoma; os biólogos estimam sua idade pelo número de mutações que acumularam. (b) Se a hipótese da ancestralidade comum, de Darwin, estiver correta, os pseudogenes processados mais antigos ocorrerão em uma variedade mais ampla de espécies. (c) As distribuições taxonômicas desses seis pseudogenes processados são compatíveis com tal predição. Análise Evolutiva 59 ser compartilhados por uma maior diversidade de espécies. A lógica por trás dessa afirmati- va está ilustrada na Figura 2.24b. Quanto mais antigo for o ancestral em que um determi- nado pseudogene surgiu, maior número de espéciesdescendentes irá tê-lo herdado. Algu- mas dessas descendentes podem tê-lo perdido por deleção da seqüência inteira, todavia, se examinarmos numerosas espécies, o padrão geral deve ser evidente. Felix Friedberg e Allen Rhoads (2000) estimaram as idades de seis pseudogenes pro- cessados do genoma humano, as quais variaram de 11 milhões a 36 milhões de anos. Posteriormente, esses pesquisadores procuraram os mesmos pseudogenes processados nos genomas de chimpanzé, gorila, orangotango, macaco reso, macaco-prego de cabeça preta e hamster. Os resultados, apresentados na Figura 2.24c, são compatíveis com nossa predição. Os humanos compartilham o mais recente dos seis pseudogenes apenas com os grandes macacos africanos (chimpanzé e gorila) repartem os quatro pseudogenes de idade interme- diária com uma diversidade crescente de primatas (embora o pseudogene de 16 milhões de anos aparentemente tenha sido perdido nos gorilas) e compartilham o pseudogene mais antigo com os grandes macacos africanos, o grande macaco asiático (orangotango), o macaco do Velho Mundo (reso) e o macaco do Novo Mundo (macaco-prego). Os pseudo- genes processados são homologias moleculares cuja distribuição entre os primatas constitui evidência da ancestralidade comum. O conceito moderno de homologia A interpretação de Darwin sobre a homologia enraizou-se profundamente no pensamento biológico. Tão profundamente, de fato, que essa interpretação se tornou sua definição. Na definição de Owen, a homologia correspondia à curiosa similaridade estrutural, apesar das diferenças funcionais. Atualmente, muitos biólogos definem homologia como a semelhan- ça devida à herança de características provenientes de um ancestral comum (Abouheif, 1997; Mindell e Meyer, 2001). O Quadro 2.2 salienta que a homologia fundamenta o uso de organismos-modelo nas pesquisas biomédicas e na testagem de drogas. Em outras palavras, grande parte das pesquisas biomédicas atuais baseia-se na pressuposição de que os humanos se relacionam com os demais organismos da Terra por descendência de um ancestral comum. Os enormes sucessos desses esforços investigativos podem ser tomados, portanto, como fortes evidências da evolução. A interpretação de Darwin sobre a homologia tornou-se sua definição: semelhança devida à ancestralidade comum. A homologia pode parecer uma concepção abstrata, mas é realmente o princípio orientador da maioria das pesquisas biomédicas. A homologia é a razão pela qual os pesqui- sadores em medicina conseguem obter resultados válidos quando testam a segurança de novas drogas em camun- dongos ou estudam a base molecular das doenças em ra- tos. Esses resultados podem ser extrapolados aos humanos se a base molecular ou celular do fenômeno do fenômeno testado é homóloga. Os investigadores escolhem um organismo de estudo – também chamado organismo-modelo –, fundamentados no grau de homologia exigido para estudar um processo específico ou uma doença. Em psiquiatria e nas ciências comportamentais, por exemplo, freqüentemente os ma- cacos e os grandes macacos (ou macacos antropóides) são os sujeitos experimentais preferidos, porque alguns as- pectos de seu comportamento e das estruturas cerebrais são homólogos aos dos humanos. Uma vez que alguns genes envolvidos em processos mais básicos, como o do ciclo celular, são homólogos até entre parentes distantes, os pesquisadores usam o fermento de pão (Saccharomyces cerevisiae) para estudar por que certos genes com mau fun- cionamento causam câncer em humanos. Mesmo em um nível mais básico, os genes envolvidos no reparo do DNA são homólogos entre os humanos e a bactéria Escherichia coli. Primatas, leveduras e bactérias compartilham essas ca- racterísticas com os humanos, porque todos as herdaram de um ancestral comum. Quadro 2.2 Homologia e organismos-modelo 60 Scott Freeman & Jon C. Herron Relações entre as espécies O reconhecimento de Darwin sobre as relações de parentesco observadas por meio da des- cendência compartilhada estendeu-se a fenômenos diferentes da homologia. Sua viagem às ilhas Galápagos exerceu uma forte influência em suas idéias sobre as relações entre as espé- cies. Enquanto esteve a bordo do HMS Beagle, durante cinco anos de missão exploratória e mapeamento, Darwin coletou e catalogou a flora e a fauna encontradas durante essa via- gem. Ficou especialmente impressionado pelos tordos-dos-remédios observados durante seu trabalho nas Galápagos, pois várias ilhas tinham populações diferentes. Embora as aves fossem todas similares em cor, tamanho e forma – e, desse modo, claramente relacionadas entre si –, cada população de tordos-dos-remédios parecia suficientemente diferente para ser classificada como espécie separada. Isso foi confirmado, mais tarde, por um taxonomista, colega de Darwin, quando esse retornou à Inglaterra. Darwin e outros acompanharam es- ses resultados com estudos que mostravam o mesmo padrão nas tartarugas e nos tentilhões das Galápagos: as diversas ilhas abrigavam espécies diferentes, mas altamente aparentadas (ver Desmond e Moore, 1991). Para explicar esse padrão, Darwin formulou a hipótese de que uma pequena população de tordos-dos-remédios, proveniente da América do Sul, colonizara as Galápagos há muito tempo. Sua tese era de que essa população se expandiu, no novo hábitat, e suas subpopu- lações colonizaram subseqüentemente diferentes ilhas do arquipélago. Uma vez que as subpopulações dessas aves se tornaram fisicamente isoladas, dessa maneira divergiram o suficiente para constituírem espécies diferentes. Como as homologias estruturais, a existência de formas fortemente aparentadas nos grupos de ilhotas foi uma conseqüência lógica da descendência com modificações. Por outro lado, ambos os padrões mostraram-se incompatíveis com a criação especial, que preconizava que os organismos haviam sido criados independentemente. Sob a hipótese da criação especial, nenhum padrão específico é esperado na formação ou nas relações geográficas dos organismos. Evidências da ancestralidade comum Os organismos que povoam a Terra mostram um alto grau de semelhança em seus genes, desenvolvimento e estruturas. Algumas dessas semelhanças têm sentido funcional, como as similaridades de forma entre um tubarão e uma baleia, podendo ser explicadas à luz da cria- ção especial ou da evolução. No entanto, outras semelhanças, como a dos ossos dos mem- bros anteriores de vários vertebrados ou os pseudogenes processados nos humanos e em primatas, têm pouco ou nenhum sentido funcional, sendo explicadas com mais facilidade à luz da visão de Darwin, de que os organismos são descendentes de um ancestral comum. 2.3 A idade da Terra Na época em que Darwin começou a pesquisar sobre a origem das espécies, os dados geológicos haviam contestado um aspecto essencial da Teoria da Criação Especial: o de que a Terra tinha apenas aproximadamente 6.000 anos. Avolumavam-se, então, as evi- dências de que a Terra era antiga. Grande parte dessas evidências fundamentava-se em um princípio denominado uni- formitarianismo, articulado primeiramente por James Hutton, no fim do século XVIII. O uniformitarianismo afirma que os processos geológicos que ocorrem atualmente já aconteceram, de modo similar, no passado. Esse princípio foi proposto em oposição direta à hipótese denominada de catastrofismo, segundo a qual as formações geológicas atuais re- sultaram de eventos catastróficos, como o dilúvio bíblico, que ocorreram antigamente, em escala jamais observada no presente. A suposição do uniformitarianismo e a rejeição do catastrofismo levaram Hutton, e posteriormente Charles Lyell, a inferir que a Terra era inimaginavelmente antiga, em As espécies que são muito semelhantes tendem a agrupar- se geograficamente. Isso sugere que não foram criadas independentemente, mas que descendem de uma espécie ancestral comum que viveu na mesma região. A jovem ciência da geologia confirmou que a Terra já existia há vastos períodos de tempo. A evoluçãoé um processo dependente do tempo, mas a criação especial não. Análise Evolutiva 61 termos humanos, conclusão essa orientada pelas evidências dos dados. Esses primeiros geólogos mediram a taxa de continuidade dos processos de formação de rochas, como os depósitos de argila, areia e cascalho nas praias e nos deltas dos rios, e o acúmulo de conchas marinhas (os precursores do calcário). Com base nessas observações, ficou claro que haviam sido necessários vastos períodos de tempo para produzir as imensas forma- ções rochosas que estavam sendo mapeadas nas ilhas britânicas e na Europa por esses pesquisadores. A escala geológica de tempo Quando Darwin iniciou seu trabalho, Hutton e seus seguidores já estavam em meio a um esforço de 50 anos para colocar as principais formações rochosas e estratos fossilíferos da Europa em seqüência, dos mais recentes aos mais antigos. Sua técnica denominava-se data- ção relativa, pois seu objetivo era determinar a idade de cada formação rochosa em relação a outros estratos. A datação relativa era um exercício de lógica, com base nas seguintes suposições: As rochas mais recentes são depositadas sobre as rochas mais antigas (esse é o princí- • pio da superposição). A lava e as rochas sedimentares, como os arenitos, calcários e xistos limosos, deposi- • tavam-se originalmente em posição horizontal. Em conseqüência, qualquer elevação ou inclinação nesses tipos de rochas deve ter ocorrido após sua deposição (princípio da horizontalidade original). As rochas que se intrometem entre as camadas de outras rochas ou formam filões • ou diques são mais recentes do que suas rochas hospedeiras (princípio das relações transversais). Pedregulhos, cascalhos ou outros fragmentos encontrados no corpo de uma rocha são • mais antigos do que sua rocha hospedeira (princípio das inclusões). As formas de vida de fósseis mais antigas são mais simples do que as formas mais • recentes, e essas últimas são mais semelhantes às formas existentes (princípio da su- cessão faunística). Usando essas regras, os geólogos estabeleceram a cronologia das datas relativas, conhe- cida como escala geológica do tempo (Figura 2.25). Também formularam o conceito de coluna geológica, que é a história geológica da Terra fundamentada em uma seqüência complexa de estratos rochosos, partindo dos mais antigos para os mais recentes. (Não há lugar algum da Terra em que todos os estratos rochosos que se formaram ao longo do tempo ainda estejam presentes. Ao contrário, ocorrem sempre lacunas onde alguns estratos sofreram erosão completa. Todavia, combinando os dados de diferentes locais, os geólogos conseguem reunir um registro completo da história geológica.) O princípio do uniformitarianismo, a escala geológica de tempo e a coluna geológica forneceram evidências notáveis de uma Terra antiga. Os geólogos começaram a trabalhar em escalas de tempo de dezenas de milhões de anos, em vez de escalas de alguns milhares de anos, muito antes que Darwin publicasse suas idéias sobre as mudanças ao longo do tempo e a descendência com modificações. Esses dados geológicos foram importantes para a teoria da evolução. A criação especial é um processo instantâneo, mas as mudanças evo- lutivas necessitaram de longos períodos de tempo para produzirem a diversidade de formas de vida observada hoje em dia. Juntamente com a escala geológica de tempo, na Figura 2.25, encontram-se as idades, conhecidas atualmente a partir da datação radiométrica (a escala do tempo não é linear), e uma árvore evolutiva mostrando as relações aceitas hoje em dia entre alguns organis- mos atuais conhecidos e alguns fósseis importantes. As ocasiões de divergências observadas na filogenia são estimativas fundamentadas em dados genéticos (Hedges e Kumar, 2003), salientando-se que as mais antigas, em particular, são objeto de controvérsia (ver Graur e Martin, 2004; Hedges e Kumar, 2004; Reisz e Muller, 2004a,b; Glazko et al., 2005). 62 Scott Freeman & Jon C. Herron Éo n Er a Período Época Holoceno 1,8 5,2 23,8 33,5 55,6 65 98,9 144 160 180 206 228 251 290 353,7 408,5 439 495 543 2.500 3.600 4.600 Pleistoceno Plioceno Mioceno Oligoceno Eoceno Paleoceno Superior Inferior Superior Médio Inferior Superior Médio Cítico Permiano Paleogeno Neogeno Quaternário Pensilvaniano Mississipiano Idade (Ma) Triássico Jurássico Cretáceo C en oz ói ca Te rc iá rio M es oz ói ca Pa le oz ói ca C ar bo - ní fe ro H ad ea no Devoniano Siluriano Ordoviciano Cambriano H u m an o s C h im p an zé s Pr im ei ro s m ac ac os B al ei as C av al o s Pr im ei ra s ba le ia s Pr im ei ro s ca va lo s Pr im ei ro s hu m an os ( gê ne ro H om o) Pr im ei ro s m am ífe ro s pl ac en tá rio s Pr im ei ro s m am ífe ro s A ve s Pr im ei ra s av es ( Ar ch ae op te ry x) Ú lti m os d in os sa ur os n ão -a la do s Pr im ei ro s di no ss au ro s C ro co d ilo s Pr im ei ro s am ni ot as A n fí b io s Pr im ei ro s te tr áp od es P ei xe s co m m an d íb u la s Pr im ei ro s pe ix es c om m an dí bu la s P ei xe s se m m an d íb u la s Pr im ei ro s pe ix es s em m an dí bu la s In se to s Pr im ei ro s in se to s M ar ga ri d as Pr im ei ra s pl an ta s da fa m ília d as m ar ga rid as Pr im ei ra s pl an ta s flo ríf er as Pr im ei ra s pl an ta s va sc ul ar es M u sg o s Pr im ei ra s pl an ta s te rr es tr es Chimpanzés vs. humanos 5,4 Ma Aves vs. crocodilos 228 Ma Répteis existentes vs. mamíferos 310 Ma Anfíbios vs. amniotas 360 Ma Peixes sem mandíbulas vs. peixes com mandíbulas 564 Ma Insetos vs. vertebrados 993 Ma Musgos vs. plantas vascu- lares 703 Ma A lg as v er d es Plantas vs. fungos vs. animais 1.576 Ma Pr im ei ro s eu ca rio to s Pr im ei ro s or ga ni sm os p lu ric el ul ar es Pr im ei ra s ba ct ér ia s B ac té ri as Rochas terrestres mais antigas 4.404 Rochas terrestres mais antigas 4.600 A rq ue an o Pr ot er oz ói co Fa ne ro zó ic o F u n go s Análise Evolutiva 63 Datação radiométrica Em meados do século XIX, Hutton, Lyell e seus seguidores já haviam estabelecido, longe de qualquer dúvida, que a Terra era antiga. Entretanto, quão antiga? Quanto tempo se pas- sara desde o início da vida na Terra? A descoberta da radioatividade por Marie Curie, no início do século XX, forneceu aos cientistas um meio de responder a essas perguntas. Usando uma técnica denominada data- ção radiométrica, os físicos e os geólogos começaram a atribuir idades absolutas às idades relativas estabelecidas pela escala geológica de tempo. A técnica de datação radiométrica utiliza isótopos instáveis de elementos de ocor- rência natural. Esses isótopos decaem, significando que se transformam em diferentes elementos ou em diferentes isótopos do mesmo elemento. Cada isótopo apresenta de- caimento em uma taxa específica e constante, medida em uma unidade denominada meia-vida. Uma meia-vida é a quantidade de tempo despendida para que 50% do isóto- po parental presente decaiam em seu isótopo-filho (Figura 2.26). O número de eventos de decaimento observados em uma amostra rochosa, ao longo do tempo, depende ape- nas do número de átomos radioativos presentes nessa amostra As taxas de decaimento não são afetadas por temperatura, umidade ou qualquer outro fator ambiental. Con- seqüentemente, os isótopos radioativos funcionam como relógios naturais. Para mais detalhes, veja Quadro 2.3. Em razão de suas longas meias-vidas, os sistemas do potássio-argônio e do urânio-chum- bo são os isótopos de escolha para se determinar a idade da Terra. Usando tais sistemas, que rochas podem ser testadas para se determinar quando a Terra se formou? Os modelos atuais sobre a formação da Terra predizem que o planeta era liquefeito durante grande parte de sua história inicial,o que dificulta a resposta a essa pergunta. No entanto, se considerarmos que todos os componentes de nosso sistema solar se formaram ao mesmo tempo, existem duas classes de rochas candidatas disponíveis para se datar a origem da Terra: rochas lunares Figura 2.25 A escala de tempo geológica. A seqüência de éons, eras, períodos e épocas mostrada à esquerda, no diagrama, foi estabelecida por meio de técnicas de datação relativa. Cada denominação de intervalo de tempo está associada a flora e fauna fósseis diferentes. As idades absolutas foram acrescentadas muito mais tarde, quando os sistemas de datação radiométrica se tornaram disponíveis. A abreviatura Ma repre- senta milhões de anos. A árvore evolutiva mostrada à direita inclui alguns fósseis importantes (denominações em preto) e organismos atuais conhecidos (em cinza). Ver Hedges (2002) para um panorama detalhado da árvore da vida. As ocasiões de divergência, marcadas por pontos laranjas, são estimativas fundamentadas em dados genéticos (Hedges e Kumar, 2003). 0 1 2 3 Meias-vidas decorridas N úm er o de á to m os Número de átomos do isótopo parental Número de átomos do isótopo-filho 100% do isótopo parental 75% do isótopo parental 25% do isótopo-filho 50% do isótopo parental 50% do isótopo-filho 25% do isótopo parental 75% do isótopo-filho 12,5% do isótopo parental 87,5% do isótopo-filho Figura 2.26 O decaimento radioativo. Mui- tos isótopos radioativos decaem através de uma série de intermediários até que um isótopo-filho estável seja produzido. Os pesquisadores avaliam a proporção do isótopo parental em relação ao isó- topo-filho em uma amostra rochosa, depois usam um gráfico como esse para converter a proporção avaliada no número de meias-vidas decorridas. A multiplicação do número de meias-vidas que se passaram pelo número de anos que uma meia- vida leva para decorrer fornece uma estimativa da idade absoluta da rocha. 64 Scott Freeman & Jon C. Herron A datação radiométrica possibilitou que os geólogos atribuíssem idades absolutas às rochas. É assim que essa técnica funciona. Inicialmente, é determinada a meia- vida de um isótopo radioativo, mediante colocação de uma amostra em um instrumento que registra o número de eventos de decaimento ao longo do tempo. Natural- mente, para os isótopos de vida longa, os pesquisadores devem fazer extrapolações de dados coletados durante um curto intervalo de tempo. A seguir, é medida a taxa de decaimento de isótopos parentais para isótopos-filhos, em uma amostra da rocha, freqüentemente com um ins- trumento denominado espectrômetro de massa. Uma vez conhecidas a meia-vida do isótopo parental e a taxa atual de isótopos parentais decaídos para isótopos-filhos, pode ser calculado o número de anos que se passaram desde que a rocha foi formada. Uma pressuposição crucial aqui é que a taxa de isóto- pos parentais para isótopos-filhos quando a rocha se for- mou seja conhecida. A datação de potássio-argônio, por exemplo, é um sistema importante para datar rochas de origem vulcânica. Podemos predizer que, inicialmente, a presença do isótopo-filho, argônio-40, será nula, pois esse é um gás que emana da rocha líquida e só começa a se acumular após sua solidificação. As observações de fluxos recentes de lava confirmam que isso é verdadeiro. Expressa em porcentagem, a taxa de potássio-40 para argônio-40 em basaltos, lavas e cinzas recém-formados é 100:0, como foi predito (ver Damon, 1968; Faure, 1986). Dos inúmeros átomos radioativos presentes na cros- ta terrestre, os isótopos listados na Tabela 2.1 são os mais úteis. Além de serem suficientemente comuns para estar presentes em quantidades mensuráveis, também são está- veis quanto a não migrar rapidamente para dentro ou para fora das rochas, após sua formação inicial. Se as moléculas se movessem, escapariam de nossa estimativa da idade da rocha circundante. Na escolha de um isótopo adequado para a datação de rochas e fósseis de uma determinada idade, os geocro- nologistas e os paleontólogos procuram uma meia-vida suficientemente curta que possibilite o acúmulo de uma quantidade mensurável do isótopo-filho, mas bastante longa para garantir que ainda seja deixada certa quanti- dade mensurável do isótopo parental. Em muitas ocasiões, podem ser usados mais de um sistema de isótopos nas mesmas rochas ou fósseis, propiciando verificação inde- pendentemente da idade. Quadro 2.3 Um olhar mais acurado sobre a datação radiométrica Tabela 2.1 Isótopos parentais e isótopos-filhos usados na datação radiométrica Método Isótopo parental Isótopo- filho Meia-vida parental (anos) Amplitude efetiva da datação (anos) Materiais geralmente datados Rubídio- estrôncio Rb-87 Sr-87 47 bilhões 10 milhões–4,6 bilhões Minerais ricos em potássio, como biotita, potássio, muscovita, feldspato e hornblenda; rochas vulcânicas e metamórficas Urânio-chumbo U-238 Pb-206 4,5 bilhões 10 milhões–4,6 bilhões Zirconita, uraninita e minério de urânio, como pechblenda; rochas ígneas e metamórficas Urânio-chumbo U-235 Pb-207 71,3 milhões 10 milhões–4,6 bilhões Idem aos anteriores Tório-chumbo Th-232 Pb-208 14,1 bilhões 10 milhões–4,6 bilhões Zirconita, uraninita Potássio-argônio K-40 Ar-40 1,3 bilhão 100 mil–4,6 bilhões Minerais ricos em potássio, como biotita, muscovita e feldspato potássico; rochas vulcânicas Carbono-14 C-14 N-14 5.730 100-100 mil Qualquer material que contenha carbono, tal como ossos, madeira, conchas, carvão vegetal, tecidos, papéis e excrementos de animais Análise Evolutiva 65 e meteoritos. Ambos os sistemas de datação (urânio-chumbo e potássio-argônio) conferem a idade de 4,53 bilhões de anos às rochas lunares trazidas pelos astronautas da Apolo. Além disso, praticamente todos os meteoritos encontrados na Terra, que tenham sido datados, fornecem uma idade de 4,6 bilhões de anos. Portanto, os cientistas podem inferir que nos- so planeta tem aproximadamente 4,6 bilhões de anos. Há quanto tempo a vida na Terra está evoluindo? Os paleontólogos descobriram fósseis de organismos que aparentemente são cianobactérias e algas eucarióticas com cerca de 2 bilhões de anos (Golubic e Hofmann, 1976; Han e Runnegar, 1992). Também relataram fósseis aparentes com 3,4 a 3,5 bilhões de anos (Knoll e Barghoorn, 1997; Schopf, 1993); contudo, alguns desses relatos são controversos (Brasier, 2002; Dalton, 2002; Schopf et al., 2002). Os geoquímicos encontraram moléculas biológicas preservadas em rochas que têm 2,7 bilhões de anos de idade (Brocks et al., 1999), além de evidência química sugestiva de vida com mais de 3,7 bilhões de anos (Mojzsis et al., 1996; Rosing, 1999). Novamente, entretanto, alguns dos relatos da vida primitiva são controversos (Fedo e Whitehouse, 2002; Kerr, 2002; van Zullen et al., 2002). Em conjunto, esses dados indicam que a vida está evo- luindo na Terra há pelo menos 2,7 bilhões de anos e possivelmente há mais de 3,7 bilhões de anos. A idade da Terra No século XIX, a datação relativa sugeriu que a Terra era muito mais antiga do que os 6.000 anos preditos pelo Arcebispo Ussher. No século XX, a datação absoluta confirmou que a vida existe há no mínimo 450.000 vezes mais tempo do que o sugerido pela Teoria da Criação Especial. 2.4 Existe, necessariamente, um conflito entre a biologia evolutiva e a religião? Examinamos as evidências que entram em conflito com a Teoria da Criação Especial, uma visão da história da vida originada pela interpretação literal do Livro do Gênese, da Bí- blia. Além disso, argumentamos que essas evidências são compatíveis com a alternativa de Darwin, a teoria da descendência com modificações a partir de um ancestral comum. Isso significa que a biologia evolutiva está, necessariamente, em conflito com o cristianismo ou com as religiões em geral? Da mesma forma em que tratamos de outras questões, em todo este livro, trataremos desse tema como uma questão empírica. Inicialmente, considerare- mos brevemente um pouco de teoria – nesse caso,obtida da filosofia da ciência. A seguir, observaremos algumas evidências. Naturalismo metodológico e naturalismo ontológico Os cientistas procuram entender o mundo natural: o que ele contém, como chegou a seu estado atual e as leis que regulam seu comportamento. Como uma regra fundamental que governa o modo como conduzem suas indagações, os cientistas modernos adotaram uma posição que os filósofos da ciência chamam de Naturalismo Metodológico (Pennock, 1996). Nessa posição, as únicas hipóteses que os pesquisadores propõem para explicar os fenômenos naturais, e as únicas explicações que eles aceitam, são as que envolvem estrita- mente causas naturais. A adoção do naturalismo metodológico pelos cientistas pode ser justificada em bases puramente práticas: é o único meio de fazer algum progresso. Se nos permitirmos a opção de recorrer a explicações sobrenaturais, então não teremos meios de saber quando deve- mos continuar lutando com um problema difícil e quando devemos simplesmente parar e declarar que o fenômeno em questão é um milagre. Por meio da disciplina de jamais A datação radiométrica confirma que a Terra e a vida têm bilhões de anos de existência. 66 Scott Freeman & Jon C. Herron desistir, os cientistas fizeram enorme progresso na resolução de mistérios que as gerações anteriores julgavam além do alcance do pensamento racional. O triunfo de Darwin em explicar a origem das espécies é apenas um exemplo entre muitos. Ao mesmo tempo em que o naturalismo metodológico provou ser um princípio orientador inestimável para o conhecimento do mundo, esse princípio deve ser distin- guido do Naturalismo Ontológico. O naturalismo ontológico é a posição de que o mundo natural é tudo o que existe. Como dissemos, um naturalista metodológico assume, no interesse da pesquisa e da argumentação, que nada mais existe. Um natu- ralista ontológico vai além e realmente acredita que nada mais existe. Se o leitor julgar que fazer essa distinção é discutir minúcias ou meramente declarar o óbvio, isso pro- vavelmente dependerá de sua postura filosófica. A questão, para nossos objetivos, é que o comprometimento com o naturalismo metodológico não significa, necessariamente, nem lógica ou emocionalmente, que também envolva o comprometimento com o na- turalismo ontológico. Em linguagem menos precisa, mas mais simples, o fato de um indivíduo se abster de discutir Deus no trabalho não significa, necessariamente, que esse indivíduo é ateísta em casa. Existem biólogos evolucionistas religiosos? Essa é a teoria; o que dizer sobre os dados? O que faz os biólogos evolucionistas acredita- rem realmente na existência do sobrenatural? Certamente muitos biólogos evolucionistas são naturalistas ontológicos. Eis aqui alguns exemplos das respostas de dois deles, quando solicitados a explicar por escrito por que são humanistas leigos (Bonner et al., 1997). O primeiro é de Richard Dawkins: “Estamos sozinhos no universo. A humanidade não espera auxílio algum do exterior, por isso nossa ajuda, tal como ela existe, deve vir de nossos próprios recursos. Como indi- víduos, devemos aproveitar ao máximo o pequeno período de tempo que temos, pois é um privilégio estarmos aqui. Devemos aproveitar a oportunidade apresentada pela nossa boa sorte e suprir nossas breves memórias, antes de morrermos, com o conhecimento de por que, e onde, existimos.” O segundo é de Edward O. Wilson: “...o materialismo científico explica imensamente mais do mundo físico e biológi- co tangível, em detalhes precisos e úteis, do que a teologia e o misticismo da Idade do Ferro, que nos foram legados pelas grandes religiões modernas, jamais sonharam explicar. O materialismo científico oferece uma visão épica da origem e do signi- ficado da humanidade, muito maior e, creio, mais nobre do que a concebida por todos os profetas da antiga associação. Suas descobertas sugerem que, gostemos ou não, estamos sozinhos. Devemos nos avaliar e julgar, e decidiremos nosso próprio destino.” Outros biólogos evolucionistas, no entanto, rejeitam o naturalismo ontológico, e alguns deles são profundamente religiosos. Mais uma vez, oferecemos dois depoimentos por es- crito. O primeiro é de Kenneth Miller (1999, p. 267): “Um descrente, naturalmente, deposita sua confiança na ciência e não encontra valor algum na fé. E eu certamente concordo que a ciência permite ao crente e ao des- crente investigar igualmente o mundo natural, por meio de uma lente comum de observação, experimentos e teoria. A capacidade da ciência para transcender as dife- renças culturais, políticas e até religiosas faz parte de seu talento e de seu valor como Os cientistas rejeitam as explicações sobrenaturais para os fenômenos naturais. Isso não significa que todos os cientistas rejeitem a existência do sobrenatural. Análise Evolutiva 67 meio de conhecimento. O que a ciência não pode fazer é atribuir significado ou propósito ao mundo que ela explora. Isso conduz alguns a concluírem que o mundo, do modo como é percebido pela ciência, é desprovido de significado e carente de propósito. Não é assim. Eu sugeriria que isso quer dizer que nossa tendência humana para atribuir significado e valor deve transcender a ciência e, essencialmente, deve originar-se de fora dela.” O segundo depoimento é de Loren Eiseley (1946, p. 210): “Eu diria que, se a matéria ‘morta’ construiu essa curiosa paisagem de grilos impor- tunos, pardais canoros e homens perplexos, deve ser compreensível até ao materialista mais dedicado que a matéria do qual fala contém poderes surpreendentes, se não espantosos, e possivelmente talvez seja, como Hardy sugeriu, ‘apenas uma máscara de muitos usos da Grande Face que lhe está por trás’.” A fim de determinar a freqüência da crença religiosa entre os cientistas norte-america- nos, Edward Larson e Larry Witham (1997, 1998, 1999) abordaram várias centenas de ma- temáticos, astrônomos, físicos e biólogos, perguntando-lhes se acreditam em: (1) um Deus particular a quem se reza e de quem se espera receber uma resposta, e (2) imortalidade pes- soal que transcende a morte. Larson e Witham tentavam replicar, com a maior semelhança possível, um levantamento realizado em 1914, por James Leuba. Esse pesquisador formulou suas perguntas de modo a refletirem o que ele próprio observava como doutrinas centrais das igrejas cristãs tradicionais. Em 1996, como em 1914, alguns dos indivíduos abordados objetaram que as definições do levantamento sobre Deus e a vida após a morte eram restritivas demais. Não obstante, aproximadamente 40% de todos os cientistas que Leuba entrevistou, incluindo cerca de 30% dos biólogos, referiram sua crença em Deus. Quase a mesma porcentagem afirmou sua crença na imortalidade pessoal. Leuba havia predito que a freqüência de fé religiosa entre os cientistas diminuiria com o passar do tempo. Na reali- dade, contudo, Larson e Witham descobriram que a freqüência da crença mudara pouco ao longo dos 80 anos de intervalo entre as pesquisas. Um manual sobre evolução não é o local para uma discussão de teologia, entretanto, antes de abandonar esse tema, também mencionaremos que a maioria dos teólogos não vê conflito algum entre evolução e religião. Assim a Assembléia Geral da Igreja Presbi- teriana Unida, nos Estados Unidos, manifestou-se em uma resolução adotada em 1982 (ver National Center for Science Education, 2000; ver também Alters e Alters, 2001; Pennock, 2001): “... a imposição de um ponto de vista fundamentalista a respeito da interpretação da literatura bíblica – no qual a totalidade das palavras é assimilada com uniforme literalidade e se torna uma autoridade absoluta em todas as matérias, sejam morais, religiosas, políticas, históricas ou científicas – está em conflito com a perspectiva da interpretação bíblica mantida, caracteristicamente, pelos doutos da Bíblia e pelas escolas teológicas no âmbito representativo do Protestantismo, do Catolicismo Ro- mano e do Judaísmo. Tais eruditos consideram que a teoriacientífica da evolução não entra em conflito com sua interpretação das origens da vida encontradas na literatura bíblica.” A crença religiosa é menos comum entre os cientistas do que entre os não-cientistas (Bishop, 1998), mas para muitas pessoas, inclusive muitos biólogos evolucionistas, não há contradição entre aceitar a evolução e acreditar em Deus. Para muitos cientistas e teólogos, não há conflito necessário entre ciência e religião. 68 Scott Freeman & Jon C. Herron O elemento-padrão da Teoria da Evolução afirma que as espécies mudaram ao longo do tempo e se relacionam por descendência de um ancestral comum. Darwin argumentou vigorosamente por essa teoria, em sua obra A Origem das Es- pécies, publicada em 1859. Naquela época, a única explicação dominante para a história da vida era a Teoria da Criação Especial, sustentando que as espécies foram criadas indepen- dente e recentemente, e não mudam com o passar do tempo. Os conjuntos de dados sobre as espécies vivas e fósseis refutam a hipótese de que as espécies não se modificam ao longo do tempo. A presença de estruturas rudimentares, de estágios transitórios de desenvolvimento e de seqüências ves- tigiais de DNA em organismos contemporâneos é facilmente compreendida como conseqüência de mudanças ao longo do tempo. A modificação de características importantes, como o comprimento do aparelho bucal dos percevejos do saboei- ro, também tem sido observada diretamente em centenas de espécies diferentes. A hipótese da modificação ao longo do tempo é, além disso, sustentada pelas amplas extinções, pela lei de sucessão e pelas formas de transição documentadas no registro fóssil. Várias linhas de evidências argumentam que as espé- cies não foram criadas independentemente. Por exemplo, existem vastas homologias estruturais, genéticas e de de- senvolvimento entre os organismos. Essas similaridades são explicadas mais logicamente como o produto da descen- dência a partir de um ancestral comum. Do mesmo modo, os grupos de espécies muito relacionadas que vivem na mesma região geográfica, como os tordos-dos-remédios, os tentilhões das Galápagos e as tartarugas que Darwin observou nas ilhas Galápagos, são facilmente interpretados como descendentes de populações que colonizaram essa região no passado. Em meados do século XIX, o princípio do uniformitaria- nismo e a conclusão da escala geológica do tempo persuadi- ram a maioria dos cientistas de que a Terra é muito mais anti- ga do que os poucos milhares de anos postulados pela Teoria da Criação Especial. Esse resultado foi comprovado no início do século XX, mediante datação radiométrica. Os melhores dados disponíveis sugerem que a Terra se formou há cerca de 4,6 bilhões de anos, e sua primeira evidência fóssil de vida tem 3,7 bilhões de anos. A Teoria da Evolução é bem-sucedida porque fornece uma explicação lógica para uma ampla variedade de ob- servações e faz predições que podem ser testadas e com- provadas. Resumo Questões Revise as evidências da evolução analisadas nas Seções 2.1-1. 2.3. Faça uma lista das fontes de evidência que eram disponí- veis a Darwin e das que apareceram posteriormente. Indique a evidência que você considera mais forte e a que considera mais fraca. Explique por quê. Suponha que você era um típico cidadão inglês de 1859, que 2. leu o novo livro de Darwin, A Origem das Espécies. Forne- cidos os dados de que Darwin dispunha (veja sua resposta à questão 1), você estaria convencido de seus argumentos fa- voráveis à ancestralidade comum? E para a seleção natural? Caso sua resposta seja negativa, você pensa que as evidências finalmente penderam em favor da referida proposta quando: o Archaeopteryx foi descoberto (1861); as leis de Mendel sobre a hereditariedade tornaram-se amplamente conhecidas (1900); Dobzhansky e outros mostraram como a genética está rela- cionada com a seleção natural (a partir de 1937); a estrutu- ra molecular do DNA foi determinada (1959); os fósseis de hominídeos muito semelhantes a macacos foram descobertos (dos anos 1970 ao período presente); as informações da se- qüência de DNA tornaram-se disponíveis (dos anos1990 ao presente); os fósseis de dinossauros com penas e baleias com pernas foram descobertos (dos anos 1990 ao presente), ou por nada disso, absolutamente? Como evidências de mudança com o passar do tempo, a Fi-3. gura 2.3a apresenta duas populações de percevejos do sabo- eiro que diferem quanto ao comprimento de seus aparelhos bucais e são descendentes de um ancestral comum. Como as diferentes linhagens de cães ou de gatos poderiam ser usadas para a construção de um argumento semelhante? Como você poderia testar se todas as linhagens de cães ou de gatos são descendentes de um ancestral comum? As Figuras 2.10 e 2.13 mostram exemplos de fósseis de tran-4. sição. Se a teoria da evolução, de Darwin, estiver correta e todos os organismos forem descendentes, com modificações, de um ancestral comum, sugira outros exemplos de formas de transição que devem ter existido e produzido fósseis. Se esses fósseis forem encontrados, algum dia, reforçarão a hipótese de que tais espécies de transição existiram antigamente? De modo contrário, se esses fósseis não tivessem sido encontrados, isso enfraqueceria a hipótese de que as espécies de transição existiram antigamente? Os fósseis de transição das Figura 2.10 a 2.12 demonstram 5. que os dinossauros desenvolveram penas muito antes de terem desenvolvido a capacidade de voar. Evidentemente, as penas não evoluíram por suas vantagens aerodinâmicas. Além dessas vantagens aerodinâmicas, o que mais fazem as penas pelas aves, hoje em dia? Que vantagens as penas poderiam ter oferecido aos dinossauros? Você pode pensar em um meio de testar sua hipótese? A Seção 2.2 apresentou duas definições de homologia: a defi-6. nição clássica, formulada por Richard Owen (página. 54) e a definição moderna, favorecida por muitos biólogos contem- Análise Evolutiva 69 porâneos (página. 59). Observe os órgãos vestigiais mostrados na Figura 2.4. A diminuta asa de um quivi marrom é homólo- ga à asa de uma águia? Os esporões de uma cobra Charina bot- tae são homólogos aos membros posteriores de um canguru? Por qual definição de homologia? Os importantes conceitos de analogia e homologia são usados 7. na comparação de espécies. As características são homólogas se são derivadas, evolutiva e desenvolvimentalmente, da mesma estrutura-fonte. As características são análogas se têm funções semelhantes, mas são derivadas, evolutiva e desenvolvimental- mente, de diferentes estruturas-fonte. Um exemplo clássico de estruturas análogas é o das asas dos insetos e das asas dos mor- cegos. Quais dos seguintes pares de estruturas são análogos e quais são homólogos? As nadadeiras dorsais de uma toninha e as de um salmãoa. As barbatanas de uma toninha e as nadadeiras peitorais b. (nadadeiras anteriores) de um salmão As pernas articuladas de um coleóptero joaninha e as de c. um tordo A cauda de um macaco reso e o cóccix de um humanod. As brácteas (folhas modificadas) vermelho-claras de uma e. eufórbia e as folhas verdes de uma rosa As brácteas vermelho-claras de uma eufórbia e as pétalas f. vermelhas de uma rosa Desenhe uma árvore filogenética simples, mostrando como 8. poderiam ser as relações entre cinco espécies vivas. Depois, desenhe a genealogia de sua família ou da família de um ami- go, iniciando na geração mais antiga e continuando até a mais recente. Marque as partes de cada diagrama. Quais são as si- milaridades entre as árvores filogenéticas e os heredogramas humanos? Quais são suas diferenças? De acordo com a árvore evolutiva mostrada na Figura 2.16, 9. os jaguarundis são mais relacionados com os tigres ou com os linces? Por quê? No início do século XX, a datação radiométrica possibili-10. tou que os geólogos atribuíssem idades absolutas à maioria dos estratos fossilíferos. As datas absolutas vieram a ser in- teiramente compatíveiscom a datação relativa efetuada no início do século XIX. O que esse resultado nos diz sobre as suposições que estavam por trás da datação relativa, listadas na página 61? Com base na suposição de que as extinções foram causadas 11. por dilúvios catastróficos mundiais, do tipo descrito na Bí- blia, quais as predições da Teoria da Criação Especial sobre a natureza do registro fóssil? Quais as predições da Teoria da Evolução sobre a natureza do registro fóssil? Que evidência existe para confirmar ou refutar suas predições? Explorando a literatura O livro clássico de Darwin ainda se mantém como uma das 12. mais influentes obras escritas nos últimos dois séculos, que de- veria ser lida por todos os estudantes autênticos de biologia. O texto completo de On the Origin of Species (título completo: On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or, the Pres- ervation of Favoured Races in the Struggle for Life) está disponível on-line gratuitamente em: http://www.talkorigins.org/faqs/origin.html A Figura 2.3 documenta a rápida evolução dos percevejos do 13. saboeiro depois de sua mudança para uma nova planta hospe- deira. Para um exemplo semelhante de evolução por mudança – dessa vez em uma ave – veja: Smith,T. B., L.A. Freed, et al. 1995. Evolutionary consequences of extinc- tions in populations of a Hawaiian honeycreeper. Conservation Biology 9: 107-113. Existe uma explicação alternativa, além da evolução genéti- ca, que poderia explicar a mudança no tamanho do aparelho bucal que Smith documentou? (Sugestão: Reler a análise dos percevejos do saboeiro, nas páginas 40-41). Que experimento deveria ser feito para excluir essa alternativa, e por que foi impossível a Smith fazê-lo? Como os autores dos seguintes artigos, que também registram a evolução rápida, excluíram a explicação alternativa? Karban, R. 1989. Fine-scale adaptation of herbivorous thrips to indi vidual host plants. Nature 340: 60-61. Magurran,A. E., B. H. Seghers, et al. 1992. Behavioral consequences of an artificial introduction of guppies (Poecilia reticulata) in N. Tri- nidad: Evidence for the evolution of anti-predator behavior in the wild. Proceedings of the Royal Society of London, Biological Sciences 248: 117-122. A Figura 2.7 apresenta a evidência de que, nos esgana-gatas ma-14. rinhos, a presença ou a ausência de carapaça óssea é determinada principalmente pelos alelos de um único gene, e que o mesmo é verdadeiro para as espinhas pélvicas. Para um relato sobre a identificação do gene que controla essa carapaça óssea, veja: Colosimo, P. F., K. E. Hosemann, et al. 2005.Widespread parallel evolution in sticklebacks by repeated fixation of ectodysplasin alleles. Science 307: 1928-1933. Para a descoberta do gene que controla as espinhas pélvicas, veja: Cole, N. J, M.Tanaka, et al. 2003. Expression of limb initiation genes and clues to the morphological diversification of threespine stickle back. Current Biology 13: R951-R952. Shapiro, M. D., M. E. Marks, et al. 2004. Genetic and developmental basis of evolutionary pelvic reduction in threespine sticklebacks. Nature 428: 717-723. Para duas hipóteses diferentes sobre como os dinossauros po-15. deriam ter usado suas asas durante a evolução da capacidade de voar, veja: Xu, X., and F. Zhang. 2005. A new maniraptoran dinosaur from China with long feathers on the metatarsus. Naturwissenschaften 92 (4): 173–177. Dial, K. P. 2003. Wing-assisted incline running and the evolution of flight. Science 299: 402–404. Para evidência fóssil adicional recente sobre o parentesco en-16. tre as aves e os dinossauros, inclusive um novo espécime de Archaeopteryx, veja: Mayr, G., B. Pohl, and D.S. Peters. 2005. A well-preserved Archaeopteryx specimen with theropod features. Science 310: 1483–1486. 70 Scott Freeman & Jon C. Herron Schweitzer, M. H., J. L.Wittmeyer, and J. R. Horner. 2005. Gender specific reproductive tissue in ratites and Tyrannosaurus rex. Science 308: 1456– 1460. Xu, X., and Mark A. Norell. 2004. A new troodontid dinosaur from Chi- na with avian-like sleeping posture. Nature 431: 838–841. Zhou, Z. 2004. The origin and early evolution of birds: discoveries, dis- putes, and perspectives from fossil evidence. Naturwissenschaften. 91(10): 455–471. Para mais um exemplo de defeito de causa genética que os 17. humanos compartilham com os chimpanzés, veja: Kawaguchi, H., C. O’hUigin, and J. Klein. 1992. Evolutionary origin of mutations in the primate cytochrome p450c21 gene. American Journal of Human Genetics 50: 766–780. Mencionamos, na Seção 2.2, que as diferentes ilhas Galápagos 18. têm espécies distintas, mas muito relacionadas, de tartarugas gigantes; Para uma análise filogenética da origem e das rela- ções entre as tartarugas das Galápagos, veja: Caccone, A., J. P. Gibbs, V. Ketmaier, et al. 1999. Origin and evolutiona- ry relationships of giant Galápagos tortoises. Proceedings of the National Academy of Sciences USA 96: 13223–13228. Este item apresenta uma série conjunta de dados independen-19. tes que se combinam para corroborar uma visão evolucionista da história da vida: filogenias estimadas a partir de dados mor- fológicos, filogenias estimadas a partir de dados moleculares, datação radiométrica e registro fóssil. A pesquisa sobre a evo- lução dos tetrápodes apresenta um bom exemplo da combi- nação de conjuntos de dados. As seguintes referências o auxi- liarão a avançar nessa literatura: Daeschler, E.B., N.H. Shubin, and F.A. Jenkins, Jr. 2006. A Devonian te- trapod-like fish and the evolution of the tetrapod body plan. Nature 440 (7085): 757–763. Ahlberg, P. E., and Z. Johanson. 1998. Osteolepiforms and the ances try of tetrapods. Nature 395: 792–794. Hedges, S. B., and L. L. Poling. 1999. A molecular phylogeny of rep-tiles. Science 283: 998–1001. Shubin, N. 1998. Evolutionary cut and paste. Nature 394: 12–13. Shubin, N., E. B. Daeschler, and F.A. Jenkins, Jr. 2006.The pectoral fin of Tiktaalik roseae and the origin of the tetrapod limb. Nature 440: 764–771. Zardoya, R., and A. Meyer. 1996. Evolutionary relationships of the co- elacanth, lungfishes, and tetrapods based on the 28S ribosomal RNA gene. Proceedings of the National Academy of Sciences USA 93: 5449– 5454. Na Seção 2.4, relatamos que a maioria dos teólogos e muitos 20. biólogos evolucionistas não vêem conflito algum necessário entre a religião e a biologia evolutiva. Para discussões mais amplas de um teólogo e um biólogo, veja: Clouser, Roy. 2001. Is theism compatible with evolution? Chapter 21 (pages 513–536) in Pennock, R.T., ed. 2001. Intelligent Design Creatio- nism and its Critics. Cambridge, MA:The MIT Press. Miller, Kenneth R. 1999. Finding Darwin’s God: A Scientist’s Search for Common Ground between God and Evolution. New York: Cliff Street Books. Para uma discussão ampliada de um biólogo evolucionista que sente que existe esse conflito, veja: Dawkins, R. 2006. The God Delusion. Boston: Houghton Mifflin. Com base principalmente no poder das evidências que Da-21. rwin compilou, tem havido pouco ou nenhum debate cien- tífico sobre o fato da evolução desde a década de 1870. No entanto, os biólogos continuam a debater as evidências da evolução com pessoas leigas. Para participar dessas discussões, explore o site: http://www.talkorigins.org. Referências Abouheif, E. 1997. Developmental genetics and homology: A hierarchical ap- proach. Trends in Ecology and Evolution 12: 405–408. Alonso, P. D.,A. C. Milner., R. A. Ketcham, et al. 2004.The avian nature of the brain and inner ear of Archaeopteryx. Nature 430: 666-669. Alters, B. J., and S. M. Alters. 2001. Defending Evolution: A Guide to the Creation/ Evolution Controversy. Sudburry, MA: Jones and Bartlett. Beddall, B. G. 1957. Historical notes on avian classification. 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O gráfico mostra, para diferentes períodos do ano, a quantidade média de gordura armazenada na medula óssea do impala apanhado pelos cães selvagens, comparado com uma amostra aleatória de impalas. 100 80 60 40 20 0 Ín di ce d e m ed ul a ós se a Jan Mar Mai Jul Set Nov Mês aleatório presas 3 Seleção natural darwiniana “É bastante concebível”, escreveu Darwin em sua introdução de A origem das espécies (1859, p. 3), “que um naturalista, refletindo sobre as afinidades mú- tuas dos seres orgânicos, suas relações embriológicas, sua distribuição geográfica, sucessão geológica e outros fatos similares, chegasse à conclusão de que cada espécie não fora criada independentemente, mas se originara... de outra espécie.” Essa afirmativa diz respeito ao padrão da história da vida. Um crescente corpo de evidências, acumulado por Darwin e os primeiros evolucionistas que foram seus ante- passados intelectuais, indicou que tanto os organismos vivos quanto os fossilizados eram originados, com modificações, de um único ancestral comum, ou de poucos ancestrais. As evidências eram indiretas, e sua interpretação, surpreendente; contudo, o argumento de Darwin era tão irrefutável que o debate científico sobre a descendência com modi- ficações terminou praticamente na metade da década de 1870. A evolução era, e é, um fato estabelecido. “Todavia,” continuou ele, “essa conclusão, mesmo se bem fundamentada, seria insatis- fatória até que se mostrasse como as espécies incontáveis que habitam este mundo foram modificadas...”. Darwin sabia, tanto quanto qualquer pessoa, que o mero reconhecimento de um padrão não significa uma teoria científica completa. Se estamos reivindicando algum conheci- mento da história da vida,devemos explicar não somente o que aconteceu, mas também como isso ocorreu. Qual é o mecanismo que produz o padrão que denominamos evolu- ção? O Capítulo 2 focalizou as evidências da descendência com modificações; este capítulo apresenta a seleção natural, o processo que Darwin afirmou produzir esse padrão. 74 Scott Freeman & Jon C. Herron 3.1 Seleção artificial: animais domésticos e plantas Para entender o mecanismo da evolução na natureza, Darwin estudou o mecanismo da evolução na domesticação, isto é, estudou o método que os criadores de plantas e ani- mais usam para modificar suas colheitas e criações. O organismo doméstico preferido de Darwin era o pombo, tendo-se tornado ele próprio um criador de pombos para aprender as técnicas dos especialistas. A fim de aprimorar uma determinada linhagem de pombos, de maneira que, por exemplo, as penas caudais das aves se abram com maior grandiosida- de, ou as penas corporais ondulem com maior elegância, os criadores utilizam a seleção artificial. Examinam minuciosamente seus bandos de aves e selecionam os indivíduos com as características mais desejáveis. São essas aves que os criadores cruzam entre si para produzir a próxima geração. Se as características desejáveis forem transmitidas pelos geni- tores à sua prole, a próxima geração, constituída apenas da progênie das aves selecionadas, mostrará essas características em uma freqüência superior à que existia na ninhada do ano anterior. Nosso organismo doméstico preferido é o tomate. O tomate doméstico, Solanum lycoper- sicum, ocorre mundialmente, tanto em cultivo quanto como erva daninha efêmera, sendo intimamente relacionado e podendo cruzar-se com várias espécies de tomates selvagens, todas encontradas no oeste sul-americano (Spooner et al., 2005). O tomate doméstico foi cultivado, primeiramente, pelos americanos nativos, antes que os europeus chegassem ao Novo Mundo (Tanksley, 2004), propagando-se, com os primeiros exploradores, para a Eu- ropa, de onde se espalhou por todo o mundo (Albala, 2002). O poder da seleção artificial é evidente na Figura 3.1. Todas as espécies de tomate sel- vagem têm frutos pequenos, como o tomate-cereja, à esquerda, tipicamente com diâmetro menor do que 1 cm e peso de alguns gramas (Frary et al., 2000). O ancestral do tomate doméstico provavelmente também tinha frutos diminutos. As variedades modernas desse tomate, como o Red Giant (Gigante Vermelho), à direita, têm frutos de no mínimo 15 cm de diâmetro, podendo pesar mais de 1 kg. Esse tomate é, verdadeiramente, um descendente com modificações. Tomate selvagem (Solanum pimpinellifolium) Tomate doméstico (Solanum lycopersicum) As pesquisas dos biólogos moleculares permitem-nos compreender, em parte, o que aconteceu durante a domesticação dos tomates, no nível de genes individuais. Os toma- tes contêm, no cromossomo 2, um gene chamado fw2.2 (Tanksley, 2004), que codifica uma proteína produzida durante o desenvolvimento inicial do fruto (Frary et al., 2000). A função dessa proteína é reprimir a divisão celular; quanto mais a planta produzi-la, menores serão seus frutos (Liu et al., 2003). Alterações na seqüência nucleotídica do pro- motor do gene fw2.2 – o interruptor que liga e desliga esse gene – modificam o controle da produção e da quantidade total de proteína produzida (Cong et al., 2002; Nesbitt e Tanksley, 2002). Todos os tomates selvagens testados contêm alelos de fw2.2 associados à alta produção da proteína repressora e a frutos pequenos (Tanksley, 2004). Todos os tomates cultivados contêm alelos associados à baixa produção dessa proteína e a frutos grandes. Anne Frary e colabo- radores (2000), trabalhando no laboratório de Steven Tanksley, usaram engenharia genética A fim de aumentarem a freqüência de características desejáveis em seus estoques, os criadores de animais e plantas utilizam a seleção artificial. Figura 3.1 Tomates selvagens e domésticos. Os tomates selva- gens têm frutos pequeninos, como o tomate-cereja, à esquerda. Os tomates domésticos são descen- dentes de ancestrais com frutos diminutos, mas, em conseqüência da seleção artificial, têm frutos grandes, como o do Gigante Vermelho, à di- reita. Em Frary et al. (2000). Análise Evolutiva 75 para inserir cópias de um alelo para fruto pequeno em tomates domésticos. Na Figura 3.2, o fruto à esquerda é de uma planta não-manipulada; o fruto à direita é de uma irmã da planta não-manipulada que foi modificada geneticamente para conter o alelo selvagem do gene fw2.2 para fruto pequeno. Os frutos diferem cerca de 30% em seu tamanho. Tomate doméstico não-manipulado geneticamente Tomate doméstico da mesma variedade, com adição do alelo selvagem do gene fw2.2 Tanksley imagina um cenário em que os cultivadores dos primeiros tomates percebe- ram a variação de tamanho do fruto entre suas plantas (Nesbitt e Tanksley, 2002; Tanksley, 2004). Um pouco dessa variação resultava da presença de diferentes alelos do gene fw2.2 na planta. Os alelos para fruto grande estariam presentes como variantes raras, antes da domesticação, ou talvez surgissem como mutações novas nas populações cultivadas. Uma vez que os plantadores preferiam tomates grandes, ano após ano semeavam suas terras com sementes dos maiores frutos da safra anterior. Por meio dessa conduta, os cultivadores final- mente eliminavam os alelos para frutos pequenos de suas linhagens. Os cultivadores que praticam a seleção artificial podem mudar mais do que o tamanho. Os vegetais domesticados apresentados na Figura 3.3 – brócolis, couve-de-bruxelas, couve- flor, couve e couve-rábano – mostram diferenças notáveis em sua arquitetura. Entretanto, todos se cruzam facilmente e são classificados, pelos botânicos, como variedades da couve selvagem, Brassica oleracea, da qual todos são derivados. Figura 3.2 Diferença determi- nada geneticamente no tamanho dos frutos. Esses tomates são de plantas-irmãs. O da esquerda contém somente alelos domésticos do gene fw2.2. O da direita contém, além disso, cópias do alelo selvagem. O gene fw2.2 codifica uma proteína que reprime o crescimento do fru- to. Em Frary et al. (2000). Couve-rábano (caules e bases foliares intumescidos) Brócolis (grupamento floral) Couve (broto condensado) Couve-de-bruxelas (brotos laterais)Couve selvagem Figura 3.3 Variedades selvagem e domésticas de Brassica oleracea. A couve-flor (Brassica oleracea botrytis), o brócolis (Brassica ole- racea italica), a couve-de-bruxelas (Brassica oleracea gemmifera), a couve (Brassica oleracea acephala) e a couve-rábano (Brassica oleracea gongylodes) são, todos, derivados da couve selvagem (Brassica oleracea oleracea). Segundo Niklaus (1997). 76 Scott Freeman & Jon C. Herron 3.2 Evolução por seleção natural Darwin percebeu que, na natureza, ocorre um processo muito semelhante à seleção artifi- cial. Sua Teoria da Evolução por Seleção Natural sustenta que a descendência com modifi- cações é a conseqüência lógica de quatro postulados, que ele expôs em sua introdução a On the Origin of Species by Means of Natural Selection (A Origem das Espécies). Darwin (1859, p. 459) considerou a parte restante do livro como um longo argumento em favor de sua teo- ria. Os postulados de Darwin, asserções sobre a natureza das populações, são os seguintes: 1. Nas populações, os indivíduos são variáveis. As variações entre os indivíduos são transmitidas, pelo menos parcialmente, dos ge-2. nitores à prole. Em cada geração, alguns indivíduos são mais bem-sucedidos do que outros na sobre-3. vivência e na reprodução. A sobrevivência e a reprodução dos indivíduos não são aleatórias; ao contrário, estão 4. ligadas às variações individuais. Os indivíduos com variações mais favoráveis, aqueles que são melhores em sobreviver e reproduzir-se, são selecionados naturalmente. Se esses postulados forem verdadeiros, a composição de uma população muda de uma geração para outra. A Figura 3.4 mostra como a teoria de Darwin poderia atuar em umapopulação de chilis* que são comidas pelos ratos-larápios.** Darwin e Wallace perceberam que um processo similar à seleção artificial ocorre automaticamente na natureza. * N. de T. Chili, ou chile, é a denominação dada ao fruto fresco ou seco da pimenta-longa, de sabor picante. Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0. ** N. de T. No original, packrats. Suaves Picantes (1) Existe variação entre os indivíduos. X X (4) Algumas variantes sobrevivem e se reproduzem em taxas mais altas do que outras. Conseqüência: A composição da população muda de uma geração para outra. (2) Essa variação é hereditária. (3) Nascem mais indivíduos do que os que sobreviverão para reproduzir-se. Figura 3.4 A Teoria da Evo- lução por Seleção Natural, de Darwin. A teoria de Darwin con- siste em quatro asserções sobre as populações dos organismos e uma conseqüência lógica subseqüente, como uma questão de matemática simples, se os quatro postulados forem verdadeiros. Estes desenhos mostram como a teoria poderia funcionar em uma população de plantas de chilis, cujos frutos são atacados por ratos-larápios. Se esses chilis variarem quanto ao sa- bor picante de seus frutos, e se os ratos-larápios preferirem chilis de sabor mais suave, e, depois, se os chilis de sabor picante transmitirem essa qualidade à sua prole, a cada geração a população mostrará uma proporção maior de chilis de frutos picantes. Inspirado por Tewksbury e Nabhan (2001). Análise Evolutiva 77 Sua lógica é fácil de compreender. Se entre os indivíduos de uma população existirem diferenças que possam ser transmitidas à prole, e se houver sucesso diferencial na sobrevi- vência e/ou na reprodução entre esses indivíduos, então algumas características serão trans- mitidas à prole com maior freqüência do que outras. Em conseqüência, as características da população irão modificar-se notavelmente, em cada geração subseqüente. Essa é a evolução darwiniana: modificação gradual nas populações ao longo do tempo. Observe-se que essa lógica, apesar de sua fácil compreensão, contém uma sutileza que pode causar confusão. Para entendermos como a seleção natural funciona, temos de racio- cinar estatisticamente. A seleção em si própria – a sobrevivência e a reprodução – ocorre nos indivíduos, porém o que muda é a população. Lembremos dos vírions de HIV, discu- tidos no Capítulo 1. Devido a diferenças nas seqüências de aminoácidos do sítio ativo da transcriptase reversa, no interior do mesmo hospedeiro, os vírions individuais variavam em sua capacidade de sintetizar DNA, na presença de AZT. Os vírions dotados de formas mutantes de transcriptase reversa, que eram menos capazes de se ligar à AZT, reproduziam- se com maior sucesso. Quando isso acontecia, transmitiam suas mutações da transcriptase reversa à sua prole. Na próxima geração, então, a porcentagem de vírions que continham a forma modificada da transcriptase reversa era maior do que a da geração anterior. Essa modificação na população é a evolução por seleção natural. Darwin referiu-se aos indivíduos que são melhores em sobreviver e reproduzir-se, e cuja prole compõe a maior porcentagem da população na geração subseqüente, como mais adaptados. Ao fazer isso, introduziu um novo significado aos termos comuns da língua inglesa fit (adaptar) e fitness (aptidão, ou valor adaptativo). A aptidão darwiniana é a capa- cidade de um indivíduo para sobreviver e reproduzir-se em seu ambiente. Um aspecto importante da aptidão é sua natureza relativa. A aptidão refere-se a quão bem um indivíduo sobrevive e quantos filhos ele produz, em comparação a outros indiví- duos de sua espécie. Os biólogos usam o termo adaptação para referir-se a um traço ou uma característica de um organismo, como uma forma modificada da transcriptase reversa, que aumenta sua aptidão em relação aos indivíduos sem esse traço. O mecanismo da evolução relatado por Darwin foi descoberto, incidentalmente, de forma independente, por um colega dele, chamado Alfred Russel Wallace. Embora for- mado na Inglaterra, Wallace estivera ganhando a vida na Malásia, por meio da venda de espécimes de história natural para colecionadores particulares. Enquanto se recuperava de uma crise de malária, em 1858, escreveu um manuscrito que explicava a seleção natural e o enviou a Darwin. Esse último, que redigiu seu primeiro rascunho sobre o assunto em 1842, porém jamais o publicara, imediatamente deu-se conta de que ele e Wallace haviam formulado a mesma teoria. Os resumos dos trabalhos de Darwin e Wallace foram lidos em conjunto, diante da Linnean Society of London (Sociedade Lineana de Lon- dres), e Darwin, então, apressou-se a publicar A origem das espécies (17 anos depois de ter escrito o primeiro rascunho). Atualmente, seu nome é associado com maior destaque à Teoria da Evolução por Seleção Natural, por duas razões: Darwin pensou nela antes de Wallace, e seu livro forneceu uma explicação completa da idéia, juntamente com uma densa documentação. Um dos aspectos mais interessantes da teoria de Darwin-Wallace é que cada um dos quatro postulados e sua conseqüência lógica podem ser verificados independentemente, ou seja, a teoria é testável. Não há pressuposições ocultas, nem algo que tenha de ser aceito com condescendência. Nas duas seções seguintes, examinamos cada uma das quatro asserções e o resultado predito por Darwin por meio de revisão de dois estudos: um experimento recente com bocas-de-leão e um estudo contínuo dos tentilhões de Darwin, nas ilhas Galápagos próximas à costa do Equador. Esses estudos mostram que a Teoria da Evolução por Seleção Natural pode ser testada rigorosamente, pela observa- ção direta. A seleção natural é um processo que produz descendência com modificações, ou seja, evolução. Uma adaptação é uma característica que aumenta a aptidão de um indivíduo, comparado a indivíduos sem essa característica. A Teoria da Evolução por Seleção Natural é testável. 78 Scott Freeman & Jon C. Herron 3.3 A evolução da cor da flor em uma população experimental de bocas-de-leão Kristina Niovi Jones e Jennifer Reithel (2001) desejavam saber se a seleção natural por ma- mangavas poderia influir na evolução de uma característica floral controlada pelos alelos de um único gene. Para descobrir isso, criaram uma população experimental de 48 bocas-de- leão, certificando-se de que os postulados 1 e 2 eram observados nessa população. A seguir, monitoraram as plantas e sua prole para ver se os postulados 3 e 4 e suas conseqüências preditas também eram verdadeiros. Postulado 1: Existe variação entre os indivíduos Na população de Jones e Reithel, as bocas-de-leão variavam na coloração da flor. Três quartos das plantas tinham flores que eram quase brancas puras, com somente duas man- chas amarelas no lábio inferior; as plantas restantes tinham flores completamente amarelas. Postulado 2: Algumas variações são hereditárias. A variação na cor das plantas de Jones e Reithel era devida a diferenças nos seus genótipos quanto a um único gene com dois alelos, que denominaremos S e s. Os indivíduos com genótipo SS ou Ss têm flores brancas com duas manchas amarelas apenas; os indivíduos com genótipo ss têm flores completamente amarelas. Entre as 48 plantas da população ex- perimental, 12 eram SS, 24, Ss, e 12, ss. A Figura 3.5a mostra a variação fenotípica entre as bocas-de-leão de Jones e Reithel e a variação genotípica por ela responsável. Testando o postulado 3: Os indivíduos variam em seu sucesso na sobrevivência ou na reprodução? Embora Jones e Reithel tenham realizado seu experimento em uma campina do Colo- rado, mantiveram suas bocas-de-leão em potes e certificaram-se de que todas as plantas sobreviveram. Entretanto, essas pesquisadoras não auxiliaram as bocas-de-leão a se reproduzir. Ao con- trário, deixaram as mamangavas da natureza polinizar as plantas. A fim de estimar o sucesso reprodutivo das plantas por meio da exportação de pólen, Jones e Reithelobservaram o número de vezes que essas abelhas visitaram cada flor. Para avaliarem o sucesso reprodutivo das plantas por intermédio da produção de sementes, as pesquisadoras contaram as semen- tes que cada fruto produziu. Compatíveis com o terceiro postulado de Darwin, as plantas mostraram considerável variação em seu sucesso reprodutivo, tanto como doadoras de pólen quanto como mães de sementes. Testando o postulado 4: A reprodução é não-aleatória? Jones e Reithel esperavam que uma das cores atraísse mais abelhas do que a outra, mas não sabiam que cor seria. Considera-se que as manchas amarelas nas bocas-de-leão brancas sirvam como indicadoras do néctar, ajudando as mamangavas a encontrar a recompen- sa que essas flores oferecem. As flores completamente amarelas não têm indicadores do néctar, por isso poderiam ser menos atrativas aos insetos, ou seriam mais visíveis contra a vegetação ambiental e, desse modo, mais atrativas. Jones e Reithel descobriram que as flores brancas atraíam duas vezes mais visitas das abelhas do que as amarelas (Figura 3.5b, à esquerda). O sucesso reprodutivo por meio da produção de sementes mostrou associação mais fraca à cor do que o sucesso por meio de doação de pólen. No entanto, as plantas brancas eram um pouco mais robustas do que as amarelas, por isso produziam, em média, algumas sementes a mais por fruto (Figura 3.5b, à direita). Quando as pesquisadoras criaram uma população de plantas em que os postulados 1 e 2 eram verdadeiros, descobriram que o postulado 3 também era verdadeiro ... ...assim como o postulado 4... Análise Evolutiva 79 Coerentemente com o quarto postulado de Darwin, o sucesso reprodutivo era não- aleatório. Por intermédio da doação de pólen e da produção de sementes, as plantas bran- cas tinham sucesso reprodutivo mais elevado do que as plantas amarelas. Testando a predição de Darwin: A população evoluiu? As mamangavas que participaram, voluntariamente, do experimento de Jones e Reithel desempenharam o mesmo papel de Darwin no cruzamento dos pombos: selecionaram determinados indivíduos e possibilitaram-lhes alto sucesso reprodutivo. Uma vez que as plantas brancas tinham maior sucesso reprodutivo do que as plantas amarelas, e dado que a cor das flores é determinada por genes, a próxima geração de bocas-de-leão deveria ter uma proporção mais elevada de flores brancas. Realmente, a geração subseqüente teve uma proporção maior de flores brancas (Figura 3.5c). Entre as plantas da população inicial, 75% tinham flores brancas; na sua prole, 77%. A população de bocas-de-leão evoluiu como era previsto. Um acréscimo de dois pontos per- centuais na proporção de flores brancas poderia não significar muito, mas as modificações modestas podem acumular-se ao longo de muitas gerações. Com a população de Jones e Reithel evoluindo nessa velocidade, não levaria muitos anos para que as flores brancas predominassem. ...e a predição de Darwin de que a população, conseqüentemente, evoluiria. SS Ss ss 0 0,25 0,50 Fração de plantas 77% 23% (c) Composição da população filial SS Ss ss 0 1 2 Número de visitas da abelha por flor (b) Diferenças no sucesso reprodutivo por meio da função masculina (à esquerda) e feminina (à direita) SS Ss ss 0 1,0Produção relativa de sementes SS Ss ss 0 12 24 Número de plantas 75% 25% (a) Composição da população parental Figura 3.5 A Teoria da Evolução por Seleção Natural, de Darwin, demonstrada em uma população experimental de bocas-de-leão. (a) As plantas da população pa- rental variam quanto à cor de suas flores. Essa variação no fenótipo é devida a variação no genótipo. O gráfico mostra o número de plantas da população com cada um dos três genótipos possíveis. (b) As plantas brancas têm maior sucesso reprodutivo; são visitadas duas vezes mais pelas mamangavas (à es- querda) e produzem mais semen- tes (à direita). (c) Uma vez que as plantas com flores brancas são mais bem-sucedidas ao transmitirem seus genes, na geração subseqüente abrangem uma fração maior da população. Preparado a partir de dados de Jones e Reithel (2001). [Em (b) à esquerda, as linhas verti- cais mostram o tamanho do erro- padrão, indicando a precisão da estimativa do número médio de vi- sitas das abelhas, feita pelas pesqui- sadoras. Em (b) à direita, os valores para a produção relativa de semen- tes foram calculados como a fração de sementes realmente produzidas pelas plantas com um determinado genótipo, dividida pela fração de sementes esperadas com base nas freqüências dos genótipos.] 80 Scott Freeman & Jon C. Herron O experimento de Jones e Reithel mostra que a teoria de Darwin funciona, no míni- mo em populações experimentais, quando as pesquisadoras asseguraram-se de que os dois primeiros postulados de Darwin nelas se mantêm. No entanto, essa teoria funciona em populações completamente naturais, nas quais as pesquisadoras nada manipularam? Para descobrir isso, voltemos à pesquisa sobre os tentilhões das Ilhas Galápagos. 3.4 A evolução da forma do bico nos tentilhões das Galápagos Peter Grant e Rosemary Grant, bem como seus colaboradores, têm estudado os tentilhões do Arquipélago das Galápagos desde 1973 (veja P. R. Grant, 1999; B. R. Grant e P. R. Grant, 1989, 2003; P. R. Grant e B. R. Grant, 2002a, 2002b, 2005, 2006; B. R. Grant, 2003). Denominados coletivamente de tentilhões de Darwin, esses pássaros são originados de um pequeno bando de sanhaços que invadiu o arquipélago há cerca de 2,3 milhões de anos, partindo da América Central ou do Sul (Sato et al., 2001). Os descendentes desse bando compreendem, atualmente, 13 espécies que vivem nas Galápagos, mais uma 14ª que vive na Ilha dos Côcos (Cocos Island). Um exame minucioso de sua árvore evolutiva, na Figura 3.6, revela que todas essas espécies são muito relacionadas. A divisão mais profunda, na ár- vore, separa duas linhagens de tentilhões gorjeadores que ainda se reconhecem mutuamen- te como parceiros potenciais e, portanto, são classificadas como pertencentes a uma única Geospiza difficilis Tentilhão rasteiro de bico pontiagudo Tentilhões rasteiros Geospiza fuliginosa Geospiza fortis Geospiza magnirostris Geospiza scandens Geospiza conirostris Geospiza difficilis Tentilhão rasteiro [de bico] pequeno Tentilhão rasteiro [de bico] médio Tentilhão rasteiro [de bico] grande Tentilhão rasteiro do cacto Tentilhão rasteiro do cacto [de bico] grande Tentilhão rasteiro de bico pontiagudo Tentilhões arborícolas Camarhynchus parvulus Camarhynchus psittacula Camarhynchus pauper Cactospiza pallida Tentilhão arborícola insetívoro [de bico] pequeno Tentilhão arborícola insetívoro [de bico] grande Tentilhão arborícola insetívoro [de bico] grande Tentilhão pica-pau Pinarolaxes inornata Tentilhão do coqueiro Platyspiza crassirostris Tentilhão arborícola vegetariano fusca Tentilhão gorjeador cinzento Certhidea olivacea (Os comprimentos dos ramos são arbitrários) Tentilhões gorjeadores Cactospiza heliobates Tentilhão do mangue Tentilhão gorjeador da oliveira Certhidea Figura 3.6 A diversidade dos tentilhões de Darwin. Todos esses tentilhões são descendentes de uma população ancestral comum (veja a seta laranja) que migrou da América Central ou da América do Sul para o Arquipélago das Galápagos. Sua árvore evolutiva, estimada a partir de seme- lhanças e diferenças nas seqüências de DNA, por Kenneth Petren e colaboradores (2005), mostra as relações por vezes complexas entre os grupos principais. As fotos, de Petren et al. (1999) e de Grant e Grant (1997), mostram a extensa variação no tamanho e na forma do bico entre as espécies. Análise Evolutiva 81 espécie (apesar de cada uma possuir seu próprio nome). A próxima divisão mais profunda separa duas linhagens de tentilhões rasteiros de bico pontiagudo, que também são consi- deradas como uma só espécie. Em compatibilidade com seu parentesco próximo, todas as espécies dos tentilhões de Darwin são semelhantes em tamanho e coloração,variando de 10 a 21 cm no comprimento e do marrom ao preto na cor. No entanto, mostram notável variação no tamanho e na forma de seus bicos. O bico é o principal instrumento usado pelas aves na alimentação, e a enorme variação morfológica dos bicos entre os tentilhões das Galápagos reflete a diversidade de alimentos que esses pássaros comem. Os tentilhões gorjeadores (Certhidea olivacea e Certhidea fusca) alimentam-se de insetos, aranhas e néctar; os tentilhões pica-pau e do mangue (C. pallida e C. heliobates) usam galhos ou espinhos de cactos como ferramentas para arrancar larvas de insetos ou térmites da madeira morta; vários tentilhões rasteiros do gênero Geospiza arrancam carrapatos de iguanas e tartarugas, além de comerem sementes; o tentilhão vege- tariano (Platyspiza crassirostris) alimenta-se de folhas e frutos. Para um teste da teoria da evolução por seleção natural, focalizamos os dados que Grant e Grant e colaboradores coletaram sobre o tentilhão rasteiro [de bico] médio, Geospiza fortis, da ilha Dafne Maior (Daphne Major) (Figura 3.7). O tamanho e a localização da ilha Dafne Maior fazem dela um laboratório natural es- plêndido. Como todas as ilhas Galápagos, é o topo de um vulcão (Figura 3.8). Essa ilha é pequenina, emerge do mar a uma elevação máxima de apenas 120 metros e possui uma Figura 3.7 Tentilhão rasteiro [de bico] médio, Geospiza fortis. Acima, um macho adulto; abaixo, uma fêmea adulta. (b) Platô Declive externo Decliv e interno Atracadouro Tr ilh a de p ed es tr es 100 metros N(c) Cratera Cr Acampamento América do Sul Galápagos Côcos Genovesa Equador Marchena Pinta Wolf Darwin 2 1 N 0 1 S 0 1 S 92 W 91 92 W 91 90 Santa Fe Española Santiago Santa Cruz Isabela Fernandina Floreana Tortuga 50 km Dafne San CristóbalPinzón Champion Gardner (a) Cr = cratera secundária Figura 3.8 O Arquipélago das Galápagos e a Ilha Dafne Maior. (a) Ilha dos Côcos e Arquipélago das Galápagos, lar dos tentilhões de Darwin. A ilha Dafne Maior é uma ilha diminuta, situada entre Santa Cruz e Santiago. (b) Ilha Dafne Maior, vista de um barco que dela se aproxi- ma. Visível como uma tênue linha branca ascendente, da esquerda para a direita, encontra-se a trilha de pedestres que se estende do atracadou- ro (no nível do mar) ao acampamento (na borda da cratera). (c) Mapa da ilha Dafne Maior. Observe o tamanho diminuto da ilha. Gentilmente cedidos por Boag e Grant (1984a). 82 Scott Freeman & Jon C. Herron cratera principal, com uma pequena cratera secundária adjacente. Na ilha, existe somente uma área que é suficientemente plana e extensa para a instalação de um acampamento. A partir desse local, levam-se apenas 20 minutos para caminhar por toda a borda da cratera principal e retornar ao acampamento. Seu clima é sazonal, ainda que sua localização seja equatorial. Uma estação mais quente e chuvosa, de janeiro a maio, alterna-se com uma es- tação mais fria e seca, de junho a dezembro. A vegetação consiste em floresta seca e cerrado, com diversas espécies de cactos. Os tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior constituem um população ideal para estudo. Poucos tentilhões chegam à ilha ou dali saem, e a população é bastante pequena, facilitando seu estudo exaustivo. Em um ano normal, há cerca de 1.200 tentilhões na ilha. Em 1977, a equipe de Grant e Grant capturou e marcou mais de 50% deles; desde 1980, praticamente toda a população tem sido marcada. A duração da vida desse tipo de tentilhões é de 16 anos (Grant e Grant, 2000), e seu tempo de geração é de 4,5 anos (Grant e Grant, 2002). Os tentilhões rasteiros [de bico] médio alimentam-se principalmente de sementes, que- brando-as com a base de seu bico e depois forçando-as para abrirem. Grant e Grant e co- laboradores mostraram que, tanto dentro da mesma espécie como entre espécies diferentes, o tamanho do bico está correlacionado com o tamanho das sementes colhidas. Em geral, os pássaros com bicos maiores comem sementes maiores, enquanto os que têm bicos menores comem sementes menores. Isso se deve ao fato de que os pássaros com diferentes tamanhos de bicos são capazes de manipular sementes de diferentes tamanhos com maior eficiência (Bowman, 1961; Grant et al., 1976; Abbott et al., 1977; Grant, 1981b). Testando o postulado 1: A população de tentilhões é variável? Os pesquisadores marcam cada tentilhão capturado colocando uma anilha de alumínio numerada e três anilhas plásticas coloridas, o que lhes possibilita identificar os pássaros individualmente no campo. Esses investigadores também pesam cada tentilhão e obtêm algumas medidas: comprimento da asa e da cauda; largura, profundidade e comprimento do bico. Todas as características investigadas são variáveis. Por exemplo, quando Grant e Grant fizeram o gráfico das medidas de profundidade do bico na população de tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior, os dados indicaram que a profundida- de do bico varia consideravelmente (Figura 3.9). Todas as características dos tentilhões que Grant e Grant mensuraram estão de acordo com o primeiro postulado de Darwin. Como veremos no Capítulo 4, a variação entre os indivíduos, nas populações, é pratica- mente universal. Alguns membros da espécie Geospiza fortis têm bicos cuja profundidade corresponde apenas à metade da dos bicos de outros indivíduos. Número de tentilhões Profundidade do bico (mm) 6 7 8 9 10 11 12 13 14 30 60 90 N = 751 Figura 3.9 Variação na pro- fundidade do bico dos tentilhões rasteiros [de bico] médio. Este histograma mostra a distribuição da profundidade do bico dos tentilhões rasteiros [de bico] médio, na ilha Dafne Maior, em 1976. Alguns pássa- ros têm bicos rasos; outros, profun- dos; a maioria tem bicos médios. (N significa o tamanho amostral; a seta preta abaixo do eixo x – horizontal – indica a média). Gentilmente cedi- da por Boag e Grant (1984b). Análise Evolutiva 83 Testando o postulado 2: Parte da variação entre os indivíduos é hereditária? Na população da Dafne Maior, os tentilhões poderiam variar quanto à profundidade dos seus bicos porque os ambientes que experimentaram são diferentes ou porque seus genótipos são diferentes, ou ainda devido a ambas as razões. De diversas maneiras, as va- riações ambientais poderiam causar a variação na profundidade do bico documentada na Figura 3.9. A variação na quantidade de alimento que os pássaros casualmente receberam quando filhotes pode acarretar variação na profundidade do bico entre os adultos. As lesões ou a abrasão contra sementes duras ou pedras também podem afetar o tamanho e a forma do bico. A fim de determinar se pelo menos parte da variação entre os bicos dos tentilhões tem base genética, e, desse modo, é transmitida dos pais para a prole, Peter Boag, um colaborador de Peter Grant e Rosemary Grant, estimou a herdabilidade da profundidade do bico. A herdabilidade de uma característica é definida como a proporção da variação ob- servada em uma população que é devida à variação nos genes. Por ser uma proporção, a herdabilidade varia entre 0 e 1. A teoria subjacente ao modo de se estimar a herdabilidade será desenvolvida mais detalhadamente no Capítulo 9. Por enquanto, destacamos que, se as diferenças entre os indivíduos forem devidas a diferenças nos alelos que esses indivíduos herdaram, então a prole será semelhante aos seus genitores. Boag comparou a profundidade média do bico de famílias de G. fortis jovens, depois que atingiram o tamanho adulto, com a profundidade média dos bicos de sua mãe e de seu pai. Os dados desse autor revelam uma forte correspondência entre os parentes. Como o gráfico da Figura 3.10 mostra, genitores com bicos rasos tendem a ter filhotes com bicos rasos, enquanto genitores com bicos profundos tendem a ter filhotes com bicos profundos. É uma evidência de que grande proporção da variação observada na profundidade do bico tem base genética e pode ser transmitida à prole (Boag e Grant,1978; Boag, 1983). O próprio Boag seria o primeiro a dizer que a cautela, na interpretação dos seus dados, está garantida. Os ambientes compartilhados pelos familiares, os efeitos maternos, o parasi- tismo co-específico de ninho e a paternidade mal identificada podem levar gráficos como o da Figura 3.10 a exagerar ou subestimar a herdabilidade das características (ver Quadro 3.1). No entanto, Lukas Keller e colaboradores (2001) usaram análises genéticas modernas, para eliminar a maioria desses fatores perturbadores (Quadro 3.1). Está claro que o segun- do postulado de Darwin é verdadeiro para os tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior: uma fração substancial da variação no tamanho dos seus bicos é devida à variação genotípica. Nos tentilhões, a profundidade dos bicos dos pais e dos filhos é semelhante. Essa observação sugere que alguns alelos tendem a produzir bicos rasos, enquanto outros tendem a produzir bicos mais profundos. Figura 3.10 Herdabilidade da profundidade do bico em Geospiza fortis. Esse gráfico mostra a relação entre a profundidade dos bicos dos genitores e a dos bicos de sua prole. O valor médio dos genitores é a média das medidas materna e pater- na; o valor médio da prole é a média das medidas individuais da prole. No gráfico, as linhas correspondem ao melhor ajuste estatístico. A linha e os círculos em laranja referem-se aos dados de 1978, enquanto a linha e os círculos em cinza, aos dados de 1976. Ambos os anos mostram uma forte relação entre a profundidade dos bicos dos genitores e a dos bicos de sua prole. Gentilmente ce- dida por Boag (1983). 8,0 9,0 10,0 11,0 8,0 9,0 10,0 11,0 Profundidade média dos bicos dos genitores (mm) Profundidade média dos bicos da prole (mm) 1978 1976 84 Scott Freeman & Jon C. Herron As herdabilidades são estimadas medindo-se a semelhança de características entre indivíduos intimamente relaciona- dos. A idéia é a de que os genes ocorrem em famílias; se a variação fenotípica entre os indivíduos é devida, em parte, à variação genotípica, então os parentes tenderão a assemelhar-se entre si. No entanto, numerosos aspectos perturbadores podem dificultar essa abordagem. Consi- deraremos aqui quatro desses aspectos: a paternidade mal identificada, o parasitismo co-específico de ninho, os am- bientes compartilhados e os efeitos maternos. Paternidade mal identificada – Em muitas espécies de pássaros, mesmo os que são socialmente monogâmicos, como os tentilhões rasteiros [de bico] médio, às vezes as fêmeas têm cópulas extrapar. Isso significa que o pai so- cial de um filhote nem sempre é seu pai biológico. Se os pesquisadores presumirem simplesmente que o pai social no ninho é o pai biológico de todos os filhotes, podem subestimar a herdabilidade. A paternidade mal identificada pode ser evitada usando-se testes genéticos de paternida- de, ainda que sejam dispendiosos e consumam tempo. Parasitismo co-específico de ninho – Em algumas es- pécies de pássaros, as fêmeas se introduzem sorrateiramen- te nos ninhos de outras e põem ovos extras. Isso significa que mesmo a mãe social, no ninho, talvez não seja a geni- tora biológica de todos os filhotes. Mais uma vez, os pes- quisadores podem subestimar a herdabilidade. Da mesma forma que a paternidade mal identificada, esse problema pode ser evitado mediante realização de testes genéticos. Ambientes compartilhados – Os parentes compar- tilham tanto seu ambiente quanto seus genes, portanto qualquer correlação que seja devida a esse compartilha- mento inflaciona a estimativa da herdabilidade. Por exem- plo, sabe-se que as aves tendem a crescer mais quando têm alimento abundante no período em que são filhotes. No entanto, os territórios de criação mais ricos em alimento são, muitas vezes, reivindicados e defendidos pelos adultos maiores da população. Os jovens desses territórios tende- rão a tornar-se os adultos maiores, na próxima geração. Conseqüentemente, o pesquisador poderia estimar uma forte relação entre o tamanho do bico e o tamanho do corpo nos genitores e na prole, sustentando uma alta her- dabilidade para essas características, quando, na realidade, ela não existe. Nesse caso, o que existe realmente é uma relação entre os ambientes que os genitores e suas proles compartilharam, quando filhotes. Em muitas espécies, esse problema pode ser evitado me- diante experimentos de criação adotiva, de campo ou de transplantes recíprocos. Nas aves, esses experimentos envol- vem a retirada de ovos do ninho original e sua colocação em ninhos de genitores adotivos atribuídos aleatoriamente. As medidas dos jovens, tomadas quando estão completa- mente desenvolvidos, são, então, comparadas com os dados de seus genitores biológicos. Esse tratamento experimental elimina qualquer viés na análise, criado pelo fato de que os genitores e as proles compartilham seus ambientes. Efeitos maternos – Nem mesmo os experimentos de criação adotiva conseguem eliminar os efeitos ambientais devidos a diferenças no armazenamento de nutrientes ou no conteúdo hormonal dos ovos. Esses efeitos, denomina- dos efeitos maternos, podem ser evitados, na maioria dos casos, mediante estimativas da herdabilidade da semelhan- ça entre a prole e seus pais, exclusivamente. Lukas Keller e colaboradores (2001) efetuaram as esti- mativas mais cuidadosas, até o momento, da herdabilida- de de características morfológicas dos tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior. Esses pesquisadores realizaram análises genéticas para confirmar a ascendência parental de todos os filhotes de sua amostra. Não encon- traram evidências de parasitismo co-específico de ninho, porém descobriram que 20% dos filhotes haviam sido pro- criados por machos extrapar. Excluindo esses filhotes de seu conjunto de dados, Keller e colaboradores estimaram que a herdabilidade da profundidade do bico é de 0,65 (com um erro-padrão de 0,15). Em outras palavras, cerca de 65% da variação na profundidade dos bicos, entre os tentilhões, aparentemente são devidos a diferenças nos ge- nes. Essa estimativa não está contaminada por paternidade extrapar, nem por parasitismo co-específico de ninho ou efeitos maternos. Entretanto, poderia conter algum erro devido aos ambientes compartilhados. Os pesquisadores das Galápagos não tiveram a possibili- dade de realizar um experimento de criação adotiva com os tentilhões de Darwin. Uma vez que o Arquipélago das Galápagos é um parque nacional, estão proibidos os expe- rimentos que manipulam os indivíduos além da captura e marcação. Todavia, os próprios tentilhões conduziram um tipo de experimento de criação adotiva: como menciona- mos anteriormente, em torno de 20% dos filhotes haviam sido criados por machos que não eram seus pais biológicos. Se alguma semelhança entre genitores e prole é devida aos ambientes compartilhados, então esses filhotes devem asse- melhar-se aos seus pais sociais. Utilizando dados sobre os pais sociais e sua prole adotiva, Keller e colaboradores cal- cularam a “herdabilidade” da profundidade do bico, que era inferior a 0,2 e não era estatisticamente diferente de zero. Isso sugere que os ambientes compartilhados têm pouca influência sobre a semelhança entre os bicos de parentes. Quadro 3.1 Aspectos que dificultam as estimativas de herdabilidades Análise Evolutiva 85 Não conhecemos a identidade dos genes específicos responsáveis pela variação no ta- manho do bico de tentilhões rasteiros [de bico] médio. No entanto, Arhat Abzhanov e co- laboradores (2004), trabalhando no laboratório de Clifford Tabin, descobriram um indício admirável. Esses pesquisadores concentraram-se nos fatores de crescimento que são ativos durante o desenvolvimento embrionário. Entre eles, estava a proteína óssea morfogené- tica 4 (ou proteína osteomorfogenética 4), ou BMP4 (de bone morphogenic protein 4), uma molécula de sinalização que ajuda a esculpir a forma dos bicos das aves (Wu et al., 2004). Para todas as seis espéciesde tentilhões rasteiros, Abzhanov e colaboradores trataram em- briões de diferentes idades com uma sonda que cora o RNA mensageiro produzido pelo gene que codifica a BMP4. Como as fotos da Figura 3.11 mostram, as espécies de tenti- lhões rasteiros com bicos maiores produziram o mRNA da BMP4 (e presumivelmente a BMP4) mais cedo e em maiores quantidades do que as espécies com bicos menores. Por exemplo, o tentilhão rasteiro [de bico] grande, Geospiza magnirostris, tem, indubitavelmen- te, o bico maior e é também a única espécie que inicia a produção do mRNA da BMP4 no estágio 26 do desenvolvimento. Abzhanov e colaboradores sugerem que as diferentes espécies de tentilhões rasteiros contêm versões alternativas de um ou mais genes que determinam quando, onde e com que força é ativado o gene da proteína BMP4. Uma hipótese razoável seria a de que um mecanismo genético semelhante seja responsável por uma parte da variação entre os indivíduos, na população de tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior. Geospiza fuliginosa Geospiza fortis Geospiza magnirostris Geospiza scandens Geospiza conirostris Geospiza difficilis Tentilhão rasteiro [de bico] pequeno Tentilhão rasteiro [de bico] médio Tentilhão rasteiro [de bico] grande Tentilhão rasteiro do cacto Tentilhão rasteiro do cacto [de bico] grande Tentilhão rasteiro de bico pontiagudo mRNA do gene BMP4 No estágio 26 No estágio 29 Figura 3.11 A proteína óssea morfogenética 4 e o desen- volvimento do bico nos tentilhões rasteiros de Darwin. A primeira coluna ilustra as diferenças no tamanho e na forma do bico entre as seis espécies de tentilhões rasteiros. As segun- da e terceira colunas mostram cortes transversais do broto da parte superior do bico em embriões de cada espécie, em dois estágios do desenvolvimento. Os cortes transversais foram tratados com uma sonda que cora o mRNA transcrito do gene da proteína óssea morfogenética 4, ou BMP4. O mRNA corado aparece como áreas escuras, indicadas pelas pontas de setas (em laranja). As fotos do tentilhão adulto são de Petren et al. (1999); as dos embriões, de Abzhanov et al. (2004). 86 Scott Freeman & Jon C. Herron Testando o postulado 3: Os indivíduos variam em seu sucesso na sobrevivência ou na reprodução? Uma vez que Grant e Grant e seus colaboradores têm moni- torado os tentilhões de Dafne Maior, anualmente, desde 1973, dois membros da equipe de pesquisa, Peter Boag e Laurene Ratcliffe, estiveram nessa ilha em 1977 e testemunharam uma terrível estiagem (Boag e Grant, 1981; Grant, 1999). Em vez dos normais 130 mm de índice pluviométrico durante a es- tação chuvosa, a ilha alcançou somente 24 mm. As plantas produziram poucas flores e sementes. Os tentilhões rasteiros [de bico] médio nem mesmo tentaram cruzar-se. Durante 20 meses, 84% dos Geospiza fortis da ilha Dafne Maior desapare- ceram (Figura 3.12a). Os pesquisadores inferiram que a maio- ria dessas aves morreu de inanição. O declínio no tamanho populacional foi simultâneo ao declínio na disponibilidade de sementes das quais os pássaros necessitam para alimentar-se (Figura 3.12b); realmente, 38 pássaros emaciados foram en- contrados mortos, e nenhum dos que faltavam reapareceu no ano seguinte. É evidente que apenas uma parte da população sobreviveu para reproduzir-se. Esse tipo de mortalidade não é raro. Por exemplo, Rosemary Grant mostrou que 89% dos exemplares de Geospiza conirostris morrem antes de cruzarem (Grant, 1985). Trevor Price e colaboradores (1984) calcularam que um adicional de 19 e 25% de G. fortis morreu, na ilha Dafne Maior, durante as estiagens subseqüentes de 1980 e 1982, respectivamente. De fato, em todas as populações naturais estudadas, a cada geração são produzidos mais filhos do que os que sobrevivem para procriar. Se uma população não estiver crescendo em ta- manho, cada genitor, durante sua existência, deixará, em média, um filho que sobrevive para procriar. Todavia, a capacidade re- produtiva (ou o potencial biótico) dos organismos é espantosa. Darwin (1859) tomou o elefante para ilustrar esse aspecto, em razão de ser o reprodutor mais lento, então conhecido, entre os animais. Darwin calculou que, se todos os descendentes de um único casal sobrevivessem e se reproduzissem, então após exatos 750 anos existiriam 19 milhões desses animais. Os nú- meros são ainda mais alarmantes para os reprodutores rápidos. Dodson (1960) calculou que, se todos os descendentes de um par de estrelas-do-mar sobrevivessem e se reproduzissem, en- tão depois de apenas 16 anos esses animais ultrapassariam 1079, o número estimado de elétrons no universo visível. De modo semelhante, os dados mostram que, na maioria das populações, alguns indivíduos que sobrevivem para pro- Figura 3.12 Declínio da população de tentilhões rasteiros e da disponibilidade de sementes durante a estiagem de 1977. (a) Esse gráfico mostra o número de tentilhões rasteiros encontrados na ilha Dafne Maior antes, durante e depois da estiagem. As linhas verticais, ao longo de cada ponto de dados, representam um número, denominado erro-padrão, que indica a quantidade de variação nas estimativas censuais. Nesse gráfico, as linhas são simplesmente traçadas ponto-a-ponto, para facilitar a visualização da tendência. (b) Esse gráfico mostra a abundância de sementes em Dafne Maior antes, durante e depois da estiagem. (c) Esse gráfico mostra as características da semente média disponível como alimento para os tentilhões rasteiros [de bico] médio, antes, durante e depois da estiagem. O índice de dureza plotado no eixo y (vertical) é uma medida especial criada por Boag e Grant (1981). Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out JanJul Out 200 600 1.000 1.400 1975 1976 1977 1978 N úm er o de t en til hõ es (a) Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out JanJul Out 4,0 8,0 12,0 1975 1976 1977 1978 A bu nd ân ci a de s em en te s (g /m 2 ) (b) Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out JanJul Out 1975 1976 1977 1978 C ar ac te rís tic as d a se m en te m éd ia 4,0 5,0 6,0 Pequena e macia Grande e dura (c) Análise Evolutiva 87 criar são mais bem-sucedidos em seu cruzamento e na produção de prole do que outros. Assim como a variação na sobrevivência faz, a variação no sucesso reprodutivo representa a seleção. O terceiro postulado de Darwin é universalmente verdadeiro. Testando o postulado 4: A sobrevivência e a reprodução são não-aleatórias? A quarta asserção de Darwin era que os indivíduos que sobrevivem e chegam a reprodu- zir-se, ou que se reproduzem mais, são os que apresentam certas variações favoráveis. Um subgrupo não-aleatório, ou selecionado, da população de tentilhões rasteiros [de bico] médio sobreviveu à estiagem de 1977? A resposta é afirmativa. À medida que a estiagem passava, o número e o tipo de sementes disponíveis também mudavam dramaticamente (Figura 3.12c). Os tentilhões de Dafne Maior comem semen- tes de diversas plantas, cujas sementes variam de pequenas e macias a grandes e duras. As sementes pequenas e macias, fáceis de quebrar, são as favoritas dos pássaros. Durante a estiagem, como em outras épocas, os tentilhões comiam, primeiramente, essas sementes. Quando a maioria delas acabou, os frutos grandes e duros de uma planta anual chamada Tribulus cistoides tornaram-se seu alimento essencial. Somente pássaros grandes com bicos estreitos e profundos conseguem quebrar e comer os frutos de Tribulus com sucesso. Os tentilhões restantes ficavam a revolver as pedras e ciscar o solo, em busca de algumas se- mentes menores remanescentes. O gráfico superior da Figura 3.13, extraído da Figura 3.9, na página 82, mostra os tama- nhos dos bicos de uma grande amostra aleatória dos pássaros que viviam em Dafne Maior, no ano anterior ao da estiagem. O gráfico inferior da Figura 3.13 mostra os tamanhos dos bicos de uma amostra aleatória de 90 pássaros que sobreviveram à seca. O sobrevivente médio tinha bico mais profundo do queo não-sobrevivente médio. Uma vez que bicos profundos e tamanhos corporais grandes apresentam correlação positiva, e como os pássa- ros grandes tendem a vencer as lutas pelo alimento, o sobrevivente médio também tinha um tamanho corporal grande. Durante a estiagem, os tentilhões com bicos maiores e mais profundos tiveram vantagem na alimentação e, por conseguinte, na sobrevivência. Figura 3.13 Profundidade do bico antes e depois da seleção na- tural. Esses histogramas mostram a distribuição da profundidade do bico nos tentilhões rasteiros [de bico] médio, em Dafne Maior, antes e depois da estiagem de 1977. Os triângulos pretos indicam as médias populacionais. Gentilmente cedidos por Boag e Grant (1984b). Número de tentilhões 6 7 8 9 10 11 12 13 14 30 60 90 Número de tentilhões Profundidade do bico (mm) 6 7 8 9 10 11 12 13 14 N = 90 4 8 12 1976 todos os pássaros de Dafne Maior N = 751 1978 sobreviventes 88 Scott Freeman & Jon C. Herron O evento seletivo de 1977, por mais dramático que tenha sido, não foi uma ocorrência isolada. Em 1980 e 1982, houve estiagens semelhantes, e novamente a seleção favoreceu os indivíduos com tamanho corporal grande e bicos profundos (Price et al., 1984). Pos- teriormente, em 1983, um influxo de águas oceânicas superficiais aquecidas da costa sul- americana, evento esse denominado El Niño, criou uma estação chuvosa com 1.359 mm de chuva em Dafne Maior. Essa notável alteração ambiental (com aproximadamente 57 vezes mais chuva do que em 1977) acarretou uma superabundância de sementes pequenas e macias, e, subseqüentemente, uma forte seleção para tamanho corporal menor (Gibbs e Grant, 1987). Depois de anos chuvosos, os pássaros pequenos com bicos rasos sobrevivem melhor e se reproduzem mais, pois coletam sementes pequenas com muito mais eficiência do que os pássaros grandes com bicos profundos. Esses últimos foram favorecidos em con- dições de estiagem, mas os pássaros pequenos, em anos chuvosos. A seleção natural – como foi salientado em nossa análise da evolução do HIV, no Capítulo 1 – é dinâmica. Testando a predição de Darwin: A população evoluiu? Os quatro postulados de Darwin são verdadeiros para a população de tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior. A teoria darwiniana, portanto, prediz uma modifi- cação na composição da população de uma geração para a seguinte. Quando os pássaros de bico profundo que sobreviveram à estiagem de 1977 cruzaram para produzir uma nova geração, devem ter transmitido seus genes para bicos profundos às suas proles, o que é con- firmado pela Figura 3.14. Os filhotes nascidos em 1978, ano posterior à estiagem, tinham bicos mais profundos, em média, do que os pássaros nascidos em 1976, ano anterior à es- tiagem, mostrando que a população evoluiu. Peter Grant e Rosemary Grant e colaboradores continuam a monitorar a população de tentilhões de Dafne Maior desde a década de 1970. Como resultado de alterações imprevisíveis no clima e na comunidade de pássaros, bem como das conseqüentes mu- danças na comunidade vegetal dessa ilha, os referidos pesquisadores perceberam eventos seletivos em que os pássaros de bicos profundos tinham maior probabilidade de sobrevi- Em conseqüência à estiagem, a população de tentilhões evoluiu. A seleção ocorre dentro de gerações; a evolução, entre gerações. Tamanho do bico (profundidade em mm) Número de tentilhões Número de tentilhões Tentilhões nascidos em 1976, ano anterior à estiagem Tentilhões nascidos em 1978, ano posterior à estiagem 0 5 10 15 20 25 30 0 5 10 15 20 25 30 35 40 7,3 7,8 8,3 8,8 9,3 9,8 10,3 10,8 11,3 Figura 3.14 Profundidade do bico nos tentilhões nascidos no ano anterior à estiagem versus no ano posterior à estiagem. As setas em preto representam as mé- dias populacionais. Redesenhado de Grant e Grant (2003). Análise Evolutiva 89 vência, e eventos seletivos em que os pássaros de bicos rasos eram os que tinham maior probabilidade de sobrevivência. A Figura 3.15 mostra o padrão de modificação nas médias populacionais para três ca- racterísticas, ao longo de três décadas. Cada uma dessas características é um composto es- tatístico de características mensuráveis, como a profundidade do bico. Por exemplo, “PC1 tamanho do bico” (Figura 3.15a) agrupa profundidade, comprimento e largura do bico. As modificações evolutivas que ocorreram em conseqüência da estiagem de 1977 estão evidenciadas em laranja. Primeiramente, a Figura 3.15a mostra o que já vimos: durante a estiagem de 1977, a população de tentilhões desenvolveu um tamanho médio de bico significativamente maior. Além disso, essa figura mostra que a população permaneceu com esse grande tamanho mé- dio de bico até meados da década de 1980, retornando depois ao tamanho médio de bico inicial. A população assim permaneceu durante muitos anos, até ocorrer outra estiagem. A estiagem de 2003 e 2004 foi tão prejudicial quanto a de 1977 (Grant e Grant, 2006). Mais uma vez os tentilhões rasteiros [de bico] médio não tiveram alimento suficiente, e muitos pereceram. Dessa vez, entretanto, esses pássaros enfrentaram um desafio adicional: a competição com uma população considerável de tentilhões rasteiros [de bico] grande (Geospiza magnirostris) que havia se estabelecido na ilha. Esses tentilhões dominaram o acesso aos frutos de Tribulus – com os quais os tentilhões rasteiros [de bico] médio maior haviam sobrevivido em 1977 –, e os consumiram. Conseqüentemente, os tentilhões rastei- ros [de bico] médio de tamanho maior morreram em maiores taxas do que os dotados de bicos pequenos, e a população evoluiu para um tamanho de bico menor. Em sua forma média do bico e em seu tamanho corporal médio, a população de ten- tilhões rasteiros [de bico] médio também mostrou evolução considerável (Figura 3.15b e c). Em 2001, o pássaro médio tinha um bico significativamente mais pontiagudo e era significativamente menor do que o pássaro médio da metade da década de 1970 (Grant e Grant, 2002). O estudo de longo prazo realizado por Grant e Grant demonstra que o mecanismo de evolução de Darwin pode ser registrado em populações naturais. Quando os quatro postu- Figura 3.15 Trinta anos de evo- lução na população de tentilhões rasteiros [de bico] médio da ilha Dafne Maior. Esses gráficos ras- treiam os valores adultos médios de tamanho e forma do bico e de tamanho corporal entre os Geos- piza fortis da ilha de Dafne Maior, do início da década de 1970 aos anos 2000. As linhas verticais re- presentam o intervalo de confiança de 95% para a média estimada. Se não tivesse ocorrido evolução, os intervalos de confiança para todos os pontos teriam recoberto a faixa cinza, correspondente ao intervalo de confiança de 95% para 1973, o primeiro ano com dados completos. As mudanças que ocorreram duran- te a estiagem de 1977 são indicadas em laranja. Em (a), a mudança ocor- rida durante a estiagem de 2004 é indicada em preto. A população mostrou evolução significativa nas três características. (a) Gentilmente cedido por Grant e Grant (2006). (b e c) Gentilmente cedidos por Grant e Grant (2002). 1 0,5 0 -0,5 Grande Pequeno 1970 1980 1990 2000 Ano PC 1 ta m an ho c or po ra lPontiagudo 0,5 0 -0,5 Rombudo PC 2 fo rm a do b ic o Grande Pequeno 0,5 0 -0,5 PC 1 ta m an ho d o bi co (a) (b) (c) 1970 1980 1990 2000 Ano -1,0 1970 1980 1990 2000 Ano 90 Scott Freeman & Jon C. Herron lados de Darwin são verdadeiros em uma população, essa população evolui. O estudo tam- bém mostra que pequenas mudanças evolutivas durante curtos períodos de tempo podem acumular-se em grandes modificações durante períodos de tempo mais longos. 3.5 A natureza da seleção natural Embora a Teoria da Evolução por Seleção Natural possa ser formulada concisamente, testa- da com rigor em populações naturais e validada, pode ser difícil de ser inteiramente com- preendida. Uma razão disso é que, na teoria de Darwin, a descendênciacom modificações é um processo essencialmente estatístico: uma mudança nas distribuições das características das populações. O raciocínio estatístico não ocorre naturalmente para a maioria das pes- soas, e existem numerosas idéias amplamente compartilhadas sobre a seleção natural que são incorretas. Nosso objetivo nesta seção é abordar alguns pontos-chave sobre como a seleção produz efeito ou não. A seleção natural age sobre os indivíduos, mas suas conseqüências ocorrem nas populações Quando as linhagens de HIV foram selecionadas pela exposição à AZT, ou quando as po- pulações de tentilhões foram selecionadas por mudanças na disponibilidade de sementes, nenhum dos indivíduos selecionados (vírions ou tentilhões) mudou, de maneira alguma. Simplesmente viveram ao longo do evento seletivo, enquanto outros morriam ou se repro- duziam mais do que os vírions ou os pássaros competidores. O que mudou após o processo de seleção foram as características das populações de vírions e tentilhões, não os próprios indivíduos afetados. Especificamente, na população, uma freqüência mais alta de vírions de HIV era capaz de replicar-se na presença de AZT, e uma proporção mais alta de tentilhões tinha bicos profundos. Formulando esse aspecto de outra maneira, o esforço de quebrar as sementes de Tribulus não fez com que os bicos dos tentilhões se tornassem mais profundos e que seus corpos se tornassem maiores; igualmente, o esforço de transcrever o RNA na presença de AZT não mudou a composição de aminoácidos do sítio ativo da transcriptase reversa. Em vez disso, a profundidade média do bico e o tamanho corporal da população de tentilhões aumenta- ram, porque morriam mais tentilhões menores do que grandes (Figura 3.16), e a seqüência média do sítio ativo da transcriptase reversa mudou, porque certos mutantes eram mais eficientes na produção de novos vírions. A seleção natural age sobre os fenótipos, mas a evolução consiste em modificações nas freqüências dos alelos Os tentilhões com corpos grandes e bicos profundos teriam sobrevivido em taxas mais altas durante a estiagem, ainda se toda a variação, na população, fosse de origem ambiental (isto é, se as herdabilidades fossem igual a zero). No entanto, não teria ocorrido evolução alguma. A seleção teria alterado as freqüências dos fenótipos na população, mas na pró- xima geração a distribuição fenotípica voltaria ao que era antes da ocorrência de seleção (Figura 3.17). Somente quando os sobreviventes da seleção transmitem seus fenótipos bem-sucedidos às suas proles, por intermédio dos genótipos que ajudam a determinar os fenótipos, é que a seleção natural leva as populações a mudarem, de uma geração para a seguinte. Na ilha de Dafne Maior, a variação nos fenótipos dos tentilhões em que a seleção agiu tinha uma base genética. Em conseqüência, a nova distribuição fenotípica percebida entre os sobreviventes persistiu na próxima geração. Bico médio Bico médio Antes da seleção Após seleção Figura 3.16 A seleção natural acontece aos indivíduos, mas são as populações que mudam. Durante a estiagem em Dafne Maior, os indi- víduos não mudaram as profundida- des de seus bicos; simplesmente vi- veram ou morreram. O que mudou foi a profundidade média do bico, uma característica da população. Se a profundidade do bico é hereditária Se a profundidade do bico não é hereditária x x Figura 3.17 As populações evo- luem somente se as características são hereditárias. Se a variação é devida a diferenças no genótipo, os sobreviventes da seleção transmi- tem seus fenótipos bem-sucedidos à sua prole. Análise Evolutiva 91 A seleção natural não prevê o futuro Cada geração descende dos sobreviventes à seleção exercida pelas condições ambientais que predominavam na geração anterior. As proles dos vírions de HIV e dos tentilhões que sofreram a seleção são mais bem adaptadas a ambientes dominados pela AZT e pelas condições de estiagem, respectivamente, do que a geração de seus genitores. No entanto, se o ambiente se modificar outra vez, durante a existência dessas proles, talvez essas não se adaptem às novas condições. Há uma concepção errônea comum de que os organismos podem ser adaptados a con- dições futuras, ou que a seleção pode adiantar-se no sentido de prever mudanças ambien- tais que poderão ocorrer durante as gerações futuras. Isso é impossível. A evolução está sempre uma geração atrás de quaisquer mudanças ambientais. Novas características podem evoluir, embora a seleção natural atue sobre características existentes As diferenças na sobrevivência e na reprodução – isto é, a seleção natural – somente podem ocorrer entre variantes que já existem. Por exemplo, a morte por inanição dos tentilhões de bico pequeno não cria instantaneamente pássaros com bicos grandes, ótimos para que- brar os frutos de Tribulus; ela meramente filtra a população procriadora entre os pássaros de maiores bicos já existentes. Isso talvez pareça implicar que novas características não possam evoluir por seleção natural. Todavia, a evolução desses novos traços é possível, realmente, por duas razões. Pri- meira, durante a reprodução, em todas as espécies, as mutações produzem novos alelos. Se- gunda, durante a reprodução em espécies sexuadas, a meiose e a fecundação recombinam os alelos existentes, produzindo novos genótipos. A mutação e a recombinação produzem novos conjuntos de características para a seleção atuar. Consideremos, por exemplo, um estudo de seleção artificial realizado na Universidade de Illinois (Moose et al., 2004). Desde que o iniciaram, em 1896, com 163 espigas de milho, os pesquisadores têm semeado apenas sementes das plantas com o mais alto teor de óleo em seus grãos, para colheita no ano seguinte. Na população de partida, o conteúdo de óleo variava de 4-6% por peso. Após 100 gerações de seleção, o conteúdo médio de óleo na população era de 20% (Figura 3.18). Isso significa que uma planta típica da população atual tem mais de três vezes o teor de óleo da planta mais rica desse componente na população fundadora. Em conjunto, mutação, recombinação e seleção produziram um novo fenótipo. A seleção natural adapta as populações a condições que predominavam no passado, não a condições que possam ocorrer no futuro. Figura 3.18 A seleção persisten- te de longo prazo pode resultar em modificações dramáticas nas carac- terísticas. Esses dados, do Experi- mento de Seleção de Longo Prazo de Illinois, documentam o aumento no conteúdo de óleo dos grãos de milho durante 100 gerações de se- leção artificial. A média para a 100ª geração situa-se muito além dos limites da geração fundadora. Modi- ficado de Moose et al. (2004). 100 0 5 10 15 20 0 20 40 60 80 Geração Limites da população original Média do conteúdo de óleo dos grãos de milho (%) 92 Scott Freeman & Jon C. Herron A seleção natural persistente pode levar à evolução de funções inteiramente novas para comportamentos, estruturas ou genes já existentes. O polegar do panda gigante fornece um exemplo disso (Gould, 1980; Endo et al., 1999a, 1999b, 2001). Os pandas usam essa estrutu- ra para obter uma preensão firme dos colmos de seu alimento preferido, o bambu (Figura 3.19a). Anatomicamente, seu “polegar” é, na realidade, um osso sesamóide radial modifica- do e aumentado, que em espécies muito próximas constitui parte do punho (Figura 3.19b). Sabendo como a seleção natural funciona em populações contemporâneas, presumimos que, quando os pandas começaram a comer bambus, existia variação no comprimento do sesamóide radial entre os indivíduos. Pandas com esses ossos maiores exerciam preensão mais firme, alimentavam-se com maior eficiência e, conseqüentemente, tinham mais proles. Como um efeito da seleção continuada ao longo de muitas gerações, o tamanho médio do osso considerado aumentou na população, até alcançar suas dimensões atuais. Uma característica que é usada de maneira insólita e, finalmente, é desenvolvida, pela seleção, em uma estruturacompletamente nova, como o osso sesamóide radial do panda an- cestral, é conhecida como pré-adaptação. Um aspecto importante é que as pré-adaptações representam uma casualidade. Uma pré-adaptação melhora a aptidão individual de maneira fortuita – não porque a seleção natural seja consciente ou antecipe o futuro. A seleção natural não leva à perfeição Os parágrafos anteriores mostram que as populações que evoluem por seleção natural tornam-se mais bem adaptadas, ao longo do tempo. No entanto, é igualmente importante perceber que a evolução não resulta em organismos que sejam perfeitos. Consideremos o peixe-mosquito macho (Gambusia affinis), cuja nadadeira anal é modi- ficada para funcionar como órgão copulador, ou gonopódio. Brian Langerhans e colabo- radores (2005) descobriram que as fêmeas preferem os machos com gonopódios maiores. Todavia, quando os predadores atacam, um gonopódio grande é literalmente um estorvo, tornando mais lenta a fuga do macho. Um macho perfeito seria tanto irresistível às fêmeas quanto suficientemente rápido para escapar de qualquer predador. Oh, nenhum macho consegue ser assim. Ao contrário, cada população desenvolve um fenótipo que descobre um meio-termo entre agentes seletivos opostos (Figura 3.20). (a) (b) Colmo de bambu Cinco dedos “Polegar” “Polegar” Sesamóide radial Figura 3.19 O polegar do panda. (a) Os pandas gigantes conseguem agarrar e manipular os colmos de bambu com suas patas dianteiras. (b) Esses desenhos mostram como o polegar do panda, na realidade um osso do punho modificado, ajuda a prender um colmo nos dedos en- curvados do animal. Segundo Endo et al. (1999a, b; 2001). 5 mm Figura 3.20 Ninguém é per- feito. Esses machos exibem gonopódios que atraem parceiras, mas atrapalham sua fuga. O macho inferior pertence a uma população de alta predação. Análise Evolutiva 93 A seleção natural não consegue otimizar simultaneamente todas as características. Ela leva à adaptação, não à perfeição. A seleção natural é não-aleatória, mas não é progressiva A evolução por seleção natural é, às vezes, caracterizada como um processo aleatório ou probabilístico, mas nada poderia estar mais longe da verdade. A mutação e a recombinação, os processos que geram a variação genética, são aleatórios com relação às modificações que produzem nos fenótipos. Todavia, a seleção natural, o mecanismo que escolhe entre fenóti- pos e genótipos variantes, é o oposto da aleatoriedade. Ela é, por definição, a superioridade não-aleatória, em sobrevivência e reprodução, de algumas variantes sobre outras. É por isso que a evolução por meio da seleção natural é não-aleatória, pois, ao contrário, ela aumenta a adaptação ao ambiente. Como os exemplos do HIV, dos tentilhões e do panda mostram, no entanto, a seleção não-aleatória como ocorre na natureza é completamente isenta da intenção consciente de qualquer entidade. Darwin chegou a lamentar o uso da expressão “selecionado natu- ralmente”, pois as pessoas pensavam que essa expressão implicava um ato ou uma escolha consciente por alguma entidade. Nada desse tipo acontece. Além disso, embora tendesse a aumentar a complexidade, o grau de organização e a especialização dos organismos ao longo do tempo, a evolução não é progressiva no sentido de conduzir a algum objetivo predeterminado. A evolução torna “melhores” as populações somente no sentido de aumentar a própria adaptação média ao seu ambiente. Inexiste uma tendência inexorável para formas mais avançadas de vida. Por exemplo, as tênias contem- porâneas não têm sistema digestório e evoluíram, realmente, tornando-se mais simples do que seus ancestrais. As cobras evoluíram de ancestrais que tinham membros. No registro fóssil, as aves mais antigas tinham dentes. Lamentavelmente, a visão progressista da evolução teima em não morrer. Até Darwin tinha de se lembrar de “jamais usar os termos superior ou inferior”, quando discutia as relações evolutivas. É verdadeiro que alguns organismos são descendentes de linhagens antigas, outros descendem de linhagens mais recentes, mas todos os organismos, tanto os do registro fóssil quanto os que vivem atualmente, foram adaptados aos seus ambientes. São todos capazes de sobreviver e reproduzir-se. Nenhum é “superior” ou “inferior” a outro. A aptidão não é circular A Teoria da Evolução por Seleção Natural é freqüentemente criticada por não-biólogos por ser tautológica ou circular em seu raciocínio. Isto é, depois de revisar os quatro pos- tulados de Darwin, alguém poderia afirmar: “Naturalmente, os indivíduos com variações favoráveis são os que sobrevivem e se reproduzem, pois a teoria define favorabilidade como a capacidade de sobreviver e reproduzir-se”. A chave para resolver essa questão é perceber que a palavra “favorável”, embora um termo disponível conveniente, é enganadora. O único requisito para a seleção natural atuar é que certas variantes hereditárias funcionem melhor do que outras, quando com- paradas às aleatórias. Contanto que um subgrupo não-aleatório da população sobreviva melhor e deixe mais prole, resultará evolução. Nos exemplos que analisamos, as pesqui- sas não somente determinaram que os grupos não-aleatórios sobreviveram a um evento seletivo, mas também revelaram por que esses grupos foram mais bem-sucedidos do que outros. Também deve ser compreensível, atualmente, que a aptidão darwiniana não é uma quantidade abstrata; ela pode ser medida na natureza. Isso é feito mediante contagem das proles que os indivíduos produzem, ou pela observação de sua capacidade de sobreviver a um evento seletivo e pela comparação do desempenho de cada indivíduo com o de outros membros da população. Esses critérios para avaliar a aptidão são objetivos e inde- pendentes. Não existe tal coisa de uma planta ou um animal superior ou inferior. 94 Scott Freeman & Jon C. Herron A seleção atua sobre os indivíduos, não pelo bem da espécie Uma das concepções errôneas mais difundidas sobre a seleção natural, especialmente so- bre a seleção do comportamento animal, é que os organismos desempenharão ações indi- viduais para o bem da espécie. Atos de auto-sacrifício, ou altruísmo, ocorrem na natureza. Os cães da pradaria emitem avisos de alarme quando os predadores se aproximam, atrain- do sua atenção para eles próprios. As leoas que são mães, às vezes, amamentam filhotes que não são seus. No entanto, essas características não evoluem por seleção natural, a menos que aumentem a aptidão relativa de seu portador em relação aos indivíduos competidores. Se existisse um alelo que produzisse um comportamento verdadeiramente altruísta – isto é, um comportamento que reduzisse a aptidão de seu portador e aumentasse a aptidão de outros –, esse alelo desapareceria rapidamente da população. Como veremos no Capítulo 12, descobriu-se que todo comportamento altruísta que tenha sido estudado em detalhe aumenta a aptidão do altruísta, seja porque os beneficiários desse comportamento são pa- rentes geneticamente próximos (como nos cães da pradaria), seja porque os beneficiários o retribuem (como nas leoas lactantes), ou por ambas as razões. A idéia de que os animais fazem coisas pelo bem da espécie está tão arraigada, entre- tanto, que vamos repetir de uma segunda maneira o que queríamos dizer. Consideremos novamente os leões. Esses animais vivem em grupos sociais denominados prides, [na língua inglesa]. Alguns machos se associam e lutam para assumir o comando dos prides. Se um novo grupo de machos vencer, em combate, os machos existentes em um pride, os recém- chegados matam rapidamente todos os filhotes lactentes desse pride, que não lhes são apa- rentados. A eliminação dos filhotes aumenta a aptidão dos novos machos, uma vez que as fêmeas do pride irão tornar-se novamente férteis mais cedo e conceberão proles com os novos machos (Packer e Pusey, 1983, 1984). O infanticídio é disseminado entre os animais. Evidentemente, um comportamento como esse não existe para o benefício da espécie. Ao contrário,o infanticídio existe porque, sob certas condições, aumenta a aptidão dos indiví- duos que adotam essa conduta em relação aos que não a adotam. 3.6 A evolução do darwinismo Uma vez que a evolução por seleção natural é um aspecto da organização geral dos siste- mas vivos, a teoria de Darwin classifica-se como uma das grandes idéias da história intelec- tual. Seu impacto na biologia é análogo ao das leis de Newton na física, da Teoria Solar do Universo, de Copérnico, na astronomia, e da Teoria das Placas Tectônicas na geologia. Nos termos do geneticista evolucionista Theodosius Dobzhansky (1973), “na biologia, nada faz sentido exceto à luz da evolução”. No entanto, apesar de todo o seu poder, a Teoria da Evolução por Seleção Natural só foi aceita universalmente pelos biólogos cerca de 70 anos depois de ter sido proposta pela primeira vez. Havia três problemas graves com essa teoria, em sua formulação original por Darwin, que deveriam ser resolvidos. 1. Em razão de nada saber sobre as mutações, Darwin não tinha idéia alguma a respeito de como a variabilidade era produzida nas populações. Em conseqüên- cia, não podia responder aos críticos que sustentavam que a quantidade de variabilidade nas populações era estritamente limitada e que a seleção natural cessaria gradualmente, quando a variabilidade terminasse. Somente no início dos anos 1900, quando geneticistas como Thomas Hunt Morgam começaram a fazer experimentos com as moscas-das-frutas, que o biólogos começaram a avaliar a natureza contínua e universal da mutação. Morgan e colaboradores mostraram que as mutações ocorrem em todas as gerações e em todas as características. 2. Em razão de nada saber sobre genética, Darwin não tinha idéia alguma de como as variações são transmitidas para a prole. Foi somente quando os ex- perimentos de Mendel, com ervilhas, foram redescobertos e comprovados, 35 anos após Os indivíduos não fazem coisas pelo bem da espécie; comportam-se de maneira a maximizar a própria aptidão individual. Análise Evolutiva 95 sua publicação original, que os biólogos compreenderam como as características parentais são transmitidas aos filhos. As leis de segregação e distribuição independente, de Mendel, confirmaram o mecanismo implícito no postulado 2, que afirma que parte da variação observada nas populações é hereditária. Até então, muitos biólogos sugeriam que os genes atuavam como os pigmentos em uma pintura. Os defensores dessa hipótese, chamada herança por mistura, argumen- tavam que mutações favoráveis simplesmente se incorporariam às características exis- tentes e seriam perdidas. Em 1867, um engenheiro escocês, chamado Fleeming Jenkin, publicou um estudo matemático da herança por mistura, juntamente com um famoso exercício de reflexão referente à prole de pessoas de pele clara e escura. Por exemplo, se um marinheiro de pele escura encalhasse em uma ilha equatorial habitada por pessoas de pele clara, o modelo de Jenkin predizia que, independentemente de quão vantajosa pudesse ser a pele escura (em reduzir o câncer, por exemplo), a população jamais viria a ter pele escura, porque traços como a cor da pele se misturavam. Se o marinheiro de cor escura tivesse filhos com uma mulher de pele clara, seus filhos teriam pele de cor parda. Se esses, por sua vez, tivessem filhos com pessoas de pele clara, essas crianças teriam pele de cor pardo-clara, e assim sucessivamente. De modo contrário, se um marinheiro de pele clara encalhasse em uma ilha setentrional habitada por pessoas de pele escura, a herança por mistura argumentava que, independentemente de quão vantajosa pudesse ser a pele clara (em facilitar a síntese de vitamina D com energia da luz UV, por exemplo), a população jamais se tornaria clara. Na herança por mistura, as novas variantes são mis- turadas, e as novas mutações, diluídas, até que cessem de ter um efeito mensurável. Para a seleção natural agir, as novas variações favoráveis têm de ser transmitidas intactas à prole e permanecer separadas. Agora entendemos, naturalmente, que os fenótipos se misturam em algumas caracterís- ticas como a cor da pele, mas os genótipos nunca o fazem. Na realidade, a cor da pele da população hipotética de Jenkin iria tornar-se crescentemente mais escura ou mais clara, se a seleção fosse forte e a mutação adicionasse continuamente variantes de pele mais escura ou mais clara à população, por meio de alterações nos genes envolvidos na regulação da produção de melanina (Figura 3.21). O próprio Darwin lutava com o problema da hereditariedade e, afinal, adotou uma visão completamente incorreta, fundamentada no trabalho de Jean-Baptiste Lamarck. La- marck era um grande biólogo francês do início do século XIX, que propôs que as espécies evoluem por intermédio da herança de mudanças forjadas nos indivíduos. A idéia de La- marck foi uma ruptura: reconhecia que as espécies mudam ao longo do tempo e sugeria um mecanismo para explicar como isso ocorre. No entanto, sua teoria era errônea, pois a prole não herda as modificações fenotípicas adquiridas por seus genitores. Mesmo que as pessoas desenvolvam músculos levantando pesos, sua prole não será mais vigorosa; ainda que as girafas alonguem seus pescoços para alcançar as folhas das copas das árvores, isso não terá conseqüências para o comprimento do pescoço de sua prole. Figura 3.21 Por que não ocorre a herança por mistura. (a) A cor da pele (e do pêlo), em mamí- feros, é grandemente determinada pela produção de pigmentos em células denominadas melanócitos. (b) Quando o hormônio alfa-estimulante do melanócito (�-MSH) se liga ao receptor da melanocortina I (MCI-R), estimula os melanócitos a produzirem eumelanina, que tem cor castanho-escura (em preto na figura). (c) Quando o MCI-R é disfuncional, ou quando está bloqueado pela proteína de sinalização agou- ti (ASP), os melanócitos produzem feomelanina, que tem cor amarelo-avermelhada (em laranja). A variação na coloração humana está associada à variação alélica tanto no gene para MCI-R quanto no gene para ASP (Harding et al., 2000; Schaffer e Bolognia, 2001; Kanetsky et al., 2002). Por exemplo, os homozigotos para o alelo ArgI5ICys, do gene MCI-R, quase sempre têm cabelo vermelho e pele clara (Smith et al., 1998). Os efeitos dos alelos podem misturar-se na determinação do fenótipo. Um indivíduo com apenas uma cópia do alelo ArgI5ICys, por exemplo, pode ter coloração intermediária. Todavia, os próprios alelos são transmitidos de maneira intacta à prole; portanto, dois heterozigotos para ArgI5ICys podem ter um filho homozigoto de cabelo vermelho. Assim, a herança é particulada, não misturada. Se- gundo Schaffer e Bolognia, 2001. Melanócito Melanossomos contendo pigmentos MCI-R disfuncional Receptor de MSH (MCI-R) Proteína de sinalização agouti (ASP) -MSH Eumelanina Feomelanina (a) (b) (c) 96 Scott Freeman & Jon C. Herron 3. Lord Kelvin, o físico mais importante do século XIX, publicou uma notá- vel série de artigos no início da década de 1860, estimando a idade da Terra em 15-20 milhões de anos. As análises de Kelvin baseavam-se em medidas do calor solar e da temperatura da Terra. Como o fogo era a única fonte de calor conhecida, naquela época, Kelvin presumiu que o Sol estava queimando como um enorme bloco de carvão. Isso de- via significar que o Sol estava consumindo-se gradualmente, fornecendo progressivamente menos calor, à medida que os milênios se passavam. Da mesma forma, os geólogos e os físicos acreditavam que a superfície terrestre estava esfriando gradualmente. Isso se baseava na suposição de que a Terra estava mudando do estado de fusão para o estado sólido, por irradiação de calor para a atmosfera, uma visão aparentemente apoiada por medidas de temperaturas cada vez mais altas nas sondagens mais profundas. Esses dados possibilitaram que Kelvin calculasse a velocidade do resfriamento irradiante. O aspecto mais importante dos cálculos de Kelvin era que a transição do Sol e da Terra de quentes para