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Direito Societário e Recuperação Judicial I SST Sinflório, Débora; Becker, Josiane; Lemos, Wilson Direito Societário e Recuperação Judicial I / Débora Sinflório; Josiane Becker; Wilson Lemos Ano: 2020 nº de p.: 13 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Direito Societário e Recuperação Judicial I APRESENTAÇÃO Nesta unidade, veremos que, apesar de um dos objetivos da empresa ser auferir lucros, nem sempre isso ocorre e que diante de situações de crises, elas podem registrar prejuízos que as conduzam a uma situação de insolvência, em que um grave desequilíbrio financeiro, faça com que busquem recuperação judicial. Assim, verificaremos que esse instituto objetiva conferir condições para uma organização em situação de instabilidade econômica e promover condições para que supere seus problemas e tenha condições de voltar a desempenhar suas atividades, obter lucros e deixar a qualidade de insolvente. Da recuperação judicial A recuperação judicial, a extrajudicial e a falência são, na realidade, medidas excepcionadas do ordenamento jurídico, utilizadas a fim de tentar impedir a morte de um negócio empresarial. A Lei nº 11.101/05, composta por 201 artigos, responsável pela supressão da antiga Lei de Falências, é que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária (BRASIL, 2005). Em tempos de crise, diversos empresários e sociedades empresariais tiveram que recorrer a determinados mecanismos para seguir o curso empresarial e garantir o lucro, além da finalidade social da empresa. Reflita A recuperação empresarial é a situação na qual uma empresa se encontra em dificuldade econômico-financeira, mas tal dificuldade é temporária, ou seja, a crise é administrativa, não sendo o suficiente para considerá-la inviável. Assim, incansavelmente, ela irá se valer de uma estrutura de livre mercado, primando pela superação da crise, a partir do contato com os credores, de maneira que, caso a 4 crise atinja grandes patamares, mas o negócio ainda seja viável e a falência evitável, possa-se optar pela recuperação da empresa. Nesse sentido, a Lei nº 11.101 (BRASIL, 2005), vem regulamentar as situações de recuperação judicial, conforme demonstra a figura a seguir: Análise da estrutura da Lei nº 11.101/05 Lei 11.101/15 Aplicação Extrajudicial Recuperação Empresário Sociedade empresarial Objetivos Falência Judicial Plano especial Recuperação Judicial Fonte: Elaborada pela autora (2020). Para que um empresário ou uma sociedade empresária inicie um pedido de recuperação judicial, deverá comprovar que: • exerce regularmente suas atividades há mais de dois anos; • não faliu e, caso tenha, declarar como extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; • não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; • não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Lei nº 11.101/05; • não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio-controlador, pessoa condenada por quaisquer dos crimes previstos na Lei nº 11.101/05 (BRASIL, 2005). As obrigações acordadas antes da recuperação judicial deverão observar as condições previamente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz 5 respeito aos encargos, salvo se, de modo diverso, ficar estabelecido no plano de recuperação judicial para que elas sejam sujeitas à recuperação. Quando se trata da competência, o pedido de recuperação judicial não é exclusivo do devedor, pois o seu cônjuge sobrevivente, os herdeiros, o inventariante ou o sócio remanescente também são legitimados a requerer a recuperação judicial. Saiba mais Um dos principais pontos para a recuperação judicial é saber que existem outros meios constitutivos para que se dê início ao processo. Segundo a Lei nº 11.101/05, art. 50, incisos I ao XVI, entre esses estão: • concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; • cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; • alteração do controle societário; • substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; • concessão aos credores de direito de eleição em separado de administrado- res e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; • aumento de capital social; • trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade consti- tuída pelos próprios empregados; • redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; • dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem consti- tuição de garantia própria ou de terceiros; • constituição de sociedade de credores; • venda parcial dos bens; • usufruto da empresa; • administração compartilhada; • emissão de valores mobiliários. 6 Usufruto é um instituto de origem civilista, ou seja, recebe disciplinamento nos dispositivos do Código Civil de 2002 (CC/02). Saiba mais Dessa forma, o devedor, ao constatar que a melhor estratégia para salvar o seu negócio é a recuperação judicial, dará sequência ao trâmite judicial por meio de uma petição inicial ao juiz competente. Elementos processuais da recuperação judicial O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) disciplina os elementos essenciais para a petição inicial. Entre os dispositivos que tratam da matéria, destaca-se o art. 319. Saiba mais Assim, vejamos como se dá o fluxo processual em caso de uma recuperação judicial, em que a parte devedora a ser recuperada deverá, por meio de uma petição inicial, expor tais pontos: • as causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; • apresentar as demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios sociais e as levantadas, especialmente, para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obriga- toriamente de: balanço patrimonial; demonstração de resultados acumulados; demonstração do resultado desde o último exercício social; relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção. Ressalta-se aqui que as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica; 7 • a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a clas- sificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; • a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspon- dente mês de competência e a discriminação dos valores pendentes de pa- gamento; • a certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; • a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administrado- res do devedor; • os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de in- vestimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; • as certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; • a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figura como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. É importante ressaltar que, segundoa Lei nº 11.101/05, art. 51, § 1º: “os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado” (BRASIL, 2005). Saiba mais Verificando o magistrado que a petição inicial está conforme o preceito legal, deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, de acordo com a previsão do art. 52 e incisos da Lei de Recuperação Judicial: • nomeará o administrador judicial; 8 • determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Públi- co ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; • ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam ressalvadas as ações previstas na lei e as relativas a créditos e a exceções da lei; • determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais, enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; • ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fa- zendas Pública Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembleia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros [...] (BRASIL, 2005). Saiba mais Importante salientar ainda que, caso o negócio esteja sob procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores não serão afastados de seus cargos – serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, mas, conforme prevê a Lei nº 11.101/05, ressalvadas algumas exceções, entre elas, se: • tiver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometi- do em recuperação judicial ou falência anterior ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica prevista na legislação vigente; • houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta lei; • tiver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; • tiver efetuado gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; • houver realizado despesas injustificáveis, por sua natureza ou vulto, em rela- ção ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; 9 • tiver descapitalizado, injustificadamente, a empresa ou realizado operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; • negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê. Em tais casos, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial. Saiba mais Seguindo a linha processual, uma vez aceitos os motivos alegados na petição inicial, será tal ato publicado para ciência do devedor que, a contar da publicação, terá o prazo improrrogável de 60 dias para apresentar o plano de recuperação, o qual deverá conter: • a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem emprega- dos, conforme o art. 50 da Lei de Recuperação e seu resumo; • a demonstração de sua viabilidade econômica; • um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Assim como ao devedor é dado conhecer a situação do processo, o juiz competente do caso, segundo a Lei nº 11.101/05, art. 53, parágrafo único: “ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções [...]” (BRASIL, 2005). Saiba mais DOS ATOS E PRAZOS PROCESSUAIS Com relação aos prazos, segundo a Lei nº 11.101/05, art. 54: 10 O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. (BRASIL, 2005) Como em qualquer ação processual, é permitido que a outra parte manifeste contrariedade ao alegado pela parte que deu início à ação. De igual maneira, na ação de recuperação inicial, o art. 55 dispõe que qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 dias contados da publicação da relação de credores (BRASIL, 2005). Dessa forma, em caso de objeção ao plano de recuperação judicial, competirá ao juiz convocar assembleia-geral de credores para que esta delibere sobre o plano de recuperação. Destaca-se que “a data designada para a realização da assembleia- geral não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial” (BRASIL, 2005). É preciso lembrar, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes que “[...] o plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembleia-geral” (BRASIL, 2005). Saiba mais Segundo o § 4º, art. 54, da Lei nº 11.101/05, caso seja rejeitado o plano de recuperação pela assembleia-geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor (BRASIL, 2005). Todavia, não será o magistrado quem decidirá aceitar o plano de recuperação proposto pelo devedor, mas, sim, os credores, atuando o juiz como um mediador. Se os credores aceitarem o plano de recuperação judicial e cumpridas as obrigações vencidas no prazo de até dois anos depois da concessão da recuperação judicial, o juiz então decretará, por sentença, o encerramento da recuperação judicial e determinará, nos termos do art. 63 da Lei 11.101/05: 11 • o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente po- dendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 dias, e aprovação do relatório; • a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; • a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no pra- zo máximo de 15 dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; • a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; • a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabí- veis. Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público. Saiba mais Se, ao final dos dois anos, for constatado o descumprimento das obrigações estabelecidas pelo juiz e pelo plano, a recuperação judicial será convolada em falência. Contudo, diante do fiel cumprimento das obrigações estabelecidas, o juiz dará por encerrada a recuperação. Cabe destacar que, na prática, há planos que prevêem o parcelamento das obrigações em 10, 14 e até 20 anos e, ainda que todas não tenham sido cumpridas, o juiz verificará aquelas obrigações prometidas para os anos iniciais do plano de recuperação, pois, do contrário, ficaria impossibilitada a recuperação judicial de qualquer negócio. Fechamento Nesta unidade, compreendemos que o instituto da recuperação judicial busca criar condições para que a organização possa superar uma crise, voltando a adimplir com suas obrigações. Trata-se de um procedimento que tem regras específicas e pode ser solicitado por outros sujeitos que não sejam sócios da atividadeempresarial. Vimos que o plano de recuperação judicial deverá ser apresentado em juízo, em um prazo de 60 dias a contar da publicação que deferiu o seu processamento, 12 percebemos que o plano deve conter alguns elementos, entre eles: a discriminação dos meios de recuperação que serão adotados; a demonstração de viabilidade econômica; o laudo econômico-financeiro dos bens e ativos do devedor. Por fim, estudamos alguns dos atos e prazos processuais que devem ser observados pelo administrador do plano da recuperação judicial e entendemos que as obrigações assumidas nos planos serão vencidas em um prazo de dois anos. 13 Referências BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/ lei/l11101.htm. Acesso em: 30 set. 2020.