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Cuidados Paliativos: Fundamento da Assistência Gerontogeriátrica Introdução A Covid-19 mostrou em muitos casos em idosos necessidade de cuidados agudos de longa duração, estratégias de reabilitação e de adaptação de domicílios, com demanda constante de ações paliativas Um legado do século XX foi o envelhecimento populacional mundial, consequência de melhorias sanitárias e do acesso à saúde primária e a vacinação, bem como do avanço da tecnologia médica. A epidemiologia atual mostra que a maioria das pessoas que envelhecem sofre de doenças crônico-degenerativas, incapacitantes, percorrendo um longo processo de adoecimento e mal-estar, expresso em uma condição crescente de fragilidade e dependência, até a morte. Reconhecer o processo de morrer é tão importante como elaborar um diagnóstico. Cabe à equipe multidisciplinar permanecer junto ao paciente, no trabalho de cuidar, protegê-lo e assegurar sua higiene, seu conforto e o controle da dor e de qualquer outro sintoma de incômodo. Existe um limite para o tratamento e a cura, mas não há limite para os cuidados. Conceito Cuidados paliativos são conceituados pela International Association for Hospice & Palliative Care (IAHPC), com o endosso da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO, 2002) como: Cuidados holísticos ativos oferecidos a pessoas de todas as idades com sofrimento relacionado à saúde em virtude de doença grave, em especial àquelas próximas ao fim de sua vida. Os cuidados paliativos visam melhorar a qualidade de vida dos pacientes, seus familiares e cuidadores. Os cuidados paliativos apresentam ampla dimensão, iniciada a partir do diagnóstico de uma doença incurável e estendendo-se até depois da morte do paciente, no suporte ao luto da família. Trata-se de uma abordagem terapêutica multifacetada, integrada e holística que busca o alívio do sofrimento e a melhora da qualidade de vida e de morte. Deve-se ter em mente que os sintomas precisam ser priorizados e as intervenções somente devem ser realizadas quando eles causam desconforto ou angústia. É importante ressaltar também que os cuidados paliativos não rejeitam a biotecnologia atual, pois são tratamentos intervencionistas que se valem, por exemplo, das propostas da farmacologia para a efetividade do controle dos sintomas. “Cuidados paliativos” e “cuidados ao fim da vida” não são sinônimos. Cuidados paliativos devem ser aplicados ao paciente em um continuum, pari passu com outros tratamentos pertinentes ao seu caso, desde a definição de uma doença incurável e progressiva. Os cuidados ao fim da vida são uma parte importante dos cuidados paliativos e se referem à assistência que um paciente deve receber durante a última etapa de sua vida a partir do momento em que se torna evidente o seu estado de declínio progressivo e inexorável, aproximando-se da morte. Cuidados paliativos: · Promovem o alívio da dor e de outros sintomas que causam sofrimento · Reafirmam a vida e veem a morte como um processo natural · Não pretendem antecipar ou postergar a morte · Integram aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado · Oferecem um sistema de suporte que auxilia o paciente a viver tão ativamente quanto possível até a morte. · Oferecem um sistema de suporte que auxilia a família e entes queridos a sentirem-se amparados durante todo o processo da doença e no luto. · Melhoram a qualidade de vida e influenciam positivamente o curso da doença. · Devem ser iniciados o mais cedo possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida, como a quimioterapia e a radioterapia, devendo incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e abordagem dos sintomas. O estado de fragilidade leva à redução da capacidade para realizar as atividades práticas e importantes da vida diária, com queda drástica das reservas orgânicas. O declínio funcional faz com que haja uma perda total da capacidade de realizar as tarefas habituais do dia a dia, conduzindo à falência orgânica e resultando na perda progressiva e irreversível das funções, com caquexia extrema seguida da morte. Os “3 Fs” (fragilidade, declínio funcional e falência orgânica) caracterizam os pacientes que necessitam de uma postura paliativista dos profissionais da saúde que os acompanham. A paliação é indicada para qualquer pessoa que tenha ou esteja em risco de desenvolver uma doença que ameace a vida, seja qual for o diagnóstico, o prognóstico ou a idade. A abordagem paliativa pode complementar e até melhorar o tratamento modificador da doença ou, em algumas situações, ser o tratamento em si. A cada intercorrência, o paciente perde capacidade funcional, e a recuperação não o restitui ao patamar funcional anterior. Apesar da indicação inquestionável de paliação para todas as doenças crônico-degenerativas que acometem os idosos, uma parcela considerável das pessoas com essas doenças continua negligenciada, não recebendo os cuidados paliativos adequados (Worldwide Palliative Care Alliance [WPCA]. Declinio Funcional Câncer Declínio Funcional Doenças Crômicas Declinio Funcional nas Demências Os cuidados paliativos precisam ser parte integral da assistência básica e ser praticados em quaisquer ambientes, tanto hospitalares quanto domiciliares, bem como nas instituições de longa permanência. Equipe Equipe multiprofissional com dinâmica de atuação interdisciplinar. Os cuidados paliativos devem ser prestados por uma equipe articulada, que tenha conhecimento sobre o controle de sintomas e que disponha dos medicamentos necessários. A equipe médica para os cuidados paliativos pode ser integrada por: médico, enfermeiro, fisioterapeutas, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, musicoterapeuta, assistente espiritual, farmacêutico e odontólogo. Encontrar um discurso harmônico para a equipe, construir uma rede de respeito e acolhimento mútuos e abdicar de vaidades pessoais é um processo gradual e trabalhoso, mas que gera os melhores resultados. Principais sintomas Os sintomas mais comuns nos pacientes com doença em fase terminal são: Fadiga, Dor de forte intensidade, Anorexia, Dispneia, Constipação intestinal, Náuseas e vômito, Tosse, Confusão mental, Tristeza e depressão, Ansiedade, Agitação e insônia, Disfagia, Hemorragia, Emagrecimento, Diarreia, Feridas. A hipodermóclise é o método mais indicado, depois da VO, para a reposição de fluidos e de medicamentos para pacientes com doença avançada, devendo ser utilizada pelo baixo risco de complicações, por ser indolor e eficaz. O uso da SC é simples e seguro, desde que obedecidas as normas de administração, volume e qualidade dos fluidos e medicamentos infundidos. O sítio de punção deve ser trocado a cada 72 horas ou em caso de irritação da pele. O novo local deve estar a uma distância mínima de 5 cm do anterior. Quando for necessária hidratação, pode-se fazer um volume de 1.000 a 1.500 mℓ nas 24 horas com um fluxo de infusão de 40 a 60 mℓ/hora, se possível por intermédio de bomba infusora. Exemplos de medicamentos para uso subcutâneo. O paciente geriátrico na última etapa da vida Desenvolvimento de um plano de cuidados individualizados que contemple as demandas particulares da pessoa como um ser biográfico e único e atenda aos limites impostos pela doença. Os cuidados paliativos devem se basear nas necessidades dos pacientes e dos seus familiares, e não no prognóstico. Demência e câncer ilustram esse ponto, por serem situações clínicas relacionadas com o envelhecimento que, desde o momento do diagnóstico e ao longo de todo o curso da doença, exigem do profissional uma abordagem paliativa. Demência A doença de Alzheimer é a principal causa de demência e tem progressão lenta, declinante e involutiva. O período mediano de sobrevida do diagnóstico até a morte é de 8 anos. Cada fase (inicial, moderada, avançada e final) é marcada por sinais e sintomas específicos, sendo comuns: confusão mental, incontinência urinária, dor, humor deprimido, constipação intestinal e perda de apetite. Considerações sobre a última etapa da vida: Os problemasresultam em um maior grau de incapacidade, exigindo maiores cuidados com o paciente; Existe um risco maior de reações adversas a substâncias e ao desenvolvimento de doenças iatrogênicas; Mesmo problemas pequenos podem provocar um enorme impacto; Problemas agudos podem se sobrepor a deficiências físicas ou mentais, dificuldades econômicas e isolamento social. Cuidados paliativos na evolução da doença de Alzheimer. É imperativo suspender tratamentos considerados fúteis, como controle fino de glicemia e de instabilidade da pressão arterial. Cada nova proposta terapêutica deve ter como base o controle impecável de sintomas, evitando os tratamentos inadequados. Critérios de elegibilidade para cuidados ao fim da vida na demência: Avaliar a Escala FAST e a presença de complicações clinicas (Pneumonia por aspiração, Pielonefrite ou outras infecções do trato urinário superior, Sepse, Múltiplas úlceras por pressão; Febre recorrente após antibioticoterapia; Incapacidade de manter ingestão líquida e calórica suficiente; Perda de 10% do peso nos 6 meses anteriores;Nível de albumina sérica inferior a 2,5 g/dℓ Câncer Em pacientes com câncer metastático de pulmão, por exemplo, a introdução precoce de uma abordagem paliativa possibilita envolvimento dos pacientes na tomada de decisões, melhor ajuste psicossocial e, inclusive, sobrevida mais longa. Avaliação prognóstica e controle dos sintomas A Escala de Performance Paliativa [Palliative Performance Scale] auxilia na conversa com o paciente e os familiares dele sobre o prognóstico. Uma pontuação percentual abaixo de 50% sinaliza a necessidade de estratégias direcionadas para cuidados de final de vida. Outra possibilidade é o profissional que conduz os cuidados se questionar se ficaria surpreso caso o paciente não estivesse vivo daqui a 1 ano - Trata-se da “pergunta surpresa”, que também denota a aproximação da fase final da vida, e tem melhor aplicabilidade quando a doença de base é um câncer do que em situações de demência ou fragilidade. Para facilitar a avaliação sistemática dos sintomas em cuidados paliativos, foi desenvolvida a Escala de Avaliação de Sintomas de Edmonton, validada no Brasil. Trata-se de um questionário com nove itens objetivos e subjetivos, para os quais o paciente deve atribuir uma nota, de acordo com sua intensidade. Idosos com comprometimento cognitivo o cuidador preenche. Controle da dor - Há evidências para intervenções breves, com estímulo ao registro de um diário sobre as características evolutivas dor, úteis para ajuste da dose dos fármacos. Opta-se pela via de administração menos invasiva, ou seja, a oral, seguida da subcutânea e, por fim, a via venosa. O importante é a administração regular dos analgésicos pelo relógio, e não em caráter de necessidade. O risco de morte prematura pelo uso da morfina não tem qualquer base científica, pois se sabe que a morfina pode ser usada com sucesso por anos e que o risco de dependência não é relevante na população geriátrica ou nos pacientes com câncer metastático em fase avançada. A dispneia é um dos sintomas mais presentes no fim da vida e causa angústia ao paciente, à família e à equipe médica. utilização de oxigênio suplementar tem um papel mais psicológico do que efetivo; o uso de um ventilador ou a abertura da janela pode propiciar conforto. Uso de opioides (p. ex., a morfina parenteral, preferencialmente pela via subcutânea, se a VO não for viável) reduz a frequência respiratória e confere uma sensação de alívio ao paciente. A anorexia é muito frequente no fim da vida, causando inquietação na família do paciente. Um dos sintomas é a falta de apetite. fracionar a dieta em pequenas quantidades a cada 2 horas e preparar refeições com aroma e aspecto convidativos. Não há necessidade de atingir os níveis ideais de hidratação, pois o objetivo é o conforto do paciente. Um estudo robusto se tornou referência para apoiar o argumento de que sondas de alimentação não devem ser indicadas para reverter a progressão natural da desnutrição na demência. Enfatiza a importância da alimentação de conforto, ou seja, estimula ospacientes a comer alimentos de sua preferência, na consistência mais segura para a deglutição, quando e na quantidade que aceitarem, sob supervisão de fonoaudiólogo. Sobre o suporte nutricional, não existe mais controvérsia sobre o assunto: as referências são categóricas no sentido de não recomendar o uso de alimentação artificial. Portanto, as vias artificiais de alimentação devem ser reservadas para pacientes com demência avançada e que demandam uso contínuo de medicações enterais para o controle de suas doenças de base ou dos sintomas. A constipação intestinal costuma ser ignorada na fase final, contudo, a impactação fecal deve ser prevenida e tratada. Deve-se considerar a prescrição de laxativos e lembrar que o uso de fibras pode agravar a distensão colônica em pacientes acamados. O delirium é frequente nos idosos em fase final, também sendo mais uma causa de angústia à família. As etiologias mais comuns são: iatrogenia, hipoxia, distúrbio hidreletrolítico ou metabólico, infecção e doença primária do sistema nervoso central (SNC). Depressão - Tanto os antidepressivos tricíclicos como os Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e da norepinefrina são opções indicadas. O uso de psicoestimulante, como metilfenidato, pode ser uma opção mais interessante em virtude do seu rápido início de ação. Respiração ruidosa, que pode preceder o momento da morte, é causada por congestão dos brônquios ou relaxamento do palato. Medicação anticolinérgica do tipo hioscina pela via subcutânea, colírio de atropina VO e inalação com ipratrópio podem ajudar a reduzir a secreção das vias respiratórias, assim como o reposicionamento do paciente no leito. O processo de morrer Nos idosos, a morte pode estar associada a várias doenças que comprometem a independência e a autonomia, conceito referencial da bioética contemporânea, que se relaciona ao exercício máximo da liberdade de escolhas pessoais. Nos idosos, a trajetória para a morte costuma ser lenta e com sofrimento físico, emocional, social e espiritual, configurando a “dor total” descrita por Saunders. Em casos refratários e selecionados com critério, recomenda-se sedação paliativa, com o uso de antipsicóticos sedativos ou hipnóticos. O reconhecimento da morte iminente é feito por meio da observação da mudança do sensório, da ocorrência recente de confusão mental, de fadiga intensa, da flutuação dos sinais vitais sem uma causa aparente, da descompensação hemodinâmica e da não aceitação de alimentos VO. Ao início do processo de morrer, didaticamente podem ser apontadas duas possibilidades de percurso: O “caminho usual”, com delirium hipoativo, é o da redução progressiva do nível de consciência com desinteresse crescente pelo ambiente, seguido de coma e, então, da morte que se aproxima como “um sono cada vez mais profundo”. No “caminho difícil”, a pessoa fica cada vez mais inquieta, com agitação psicomotora e alucinações, com indicação de contenção química. Comunicação ao fim da vida O protocolo SPIKES, elaborado por Robert Buckman, já se tornou um clássico na recomendação de estratégias para apresentar más notícias. O protocolo SPIKES orienta o profissional a um aprendizado para criar o seu próprio modo de comunicar uma notícia ruim com sensibilidade, respeitando os limites do paciente e dos seus familiares. Antes de qualquer informação, impõe-se uma observação atenta do paciente, perscrutando o que ele pode querer ouvir, o quanto ele já sabe e o que mais quer saber, assim como se aquele é o momento mais adequado para a conversa. Protocolo SPIKES: como dar as más notícias: Ambiente adequado e postura do profissional (Set up) Avaliação do conhecimento do paciente (Perception) Percepção do desejo do paciente pela informação (Invitation) Comunicação clara e respeito ao ritmo do paciente (Knowledge) Acolhimento do silêncio e das emoções (Emotions) Estratégia e síntese (Strategy and Summary) A capacidade dos profissionais da saúde ao se comunicaremcom as famílias e envolvê-las nas tomadas de decisão desponta como um importante fator para sua satisfação com os cuidados prestados ao fim da vida da pessoa doente. image6.png image7.emf image8.png image9.emf image1.png image2.emf image3.emf image4.emf image5.png