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W BA 05 33 _V 2. 0 COMÉRCIO EXTERIOR 2 João Alfredo Lopes Nyegray São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 COMÉRCIO EXTERIOR 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Tayra Carolina Nascimento Aleixo Revisor Isamaura Krauss Franco Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________________ Nyegray, João Alfredo Lopes N994c Comércio exterior / João Alfredo Lopes Nyegray. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 41 p. ISBN 978-65-5356-058-1 1. Comércio exterior. 2. Negócios internacionais. 3. General Agreement on Tarifs and Trade (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). I. Título. CDD 372.86 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB-8 SP-010289/O © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO Noções introdutórias ao Comércio Internacional e Exterior __ 05 Internacionalização de empresas e os órgãos do comércio internacional _________________________________________________ 20 A regulamentação brasileira sobre o Comércio Exterior _____ 36 O ambiente internacional de negócios _______________________ 53 COMÉRCIO EXTERIOR 5 Noções introdutórias ao Comércio Internacional e Exterior Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Isamaura Krauss Franco Objetivos • Entender o Comércio Internacional e o Comércio Exterior como consequências e causas do processo de globalização. • Compreender aspectos básicos Comércio Internacional e do Comércio Exterior em suas distinções. • Entender a posição do comércio exterior brasileiro no mundo. 6 1. Noções introdutórias ao Comércio Internacional e Exterior É tão cotidiano acessar as redes sociais pelo smartphone, conectar-se a sites de notícias pelo computador ou ouvir músicas por serviços de streaming, que muitas vezes não dos damos conta do caminho que esses serviços percorreram até chegar a nós. Além desses serviços é possível pensar em muitos produtos que fazem parte de nosso dia a dia, como eletrônicos de marcas estadunidenses fabricados em Taiwan, automóveis japoneses ou sul-coreanos fabricados no Brasil ou café brasileiro aquecendo xícaras e corações na Alemanha. São produtos, serviços e marcas que atravessam fronteiras e movimentam o PIB global. Por tudo isso, pode-se afirmar: a globalização faz parte de nossa vida sem que muitas vezes percebamos a dimensão que o fenômeno tem em nosso cotidiano. Embora hoje tenhamos acesso a informações, produtos e serviços vindos de diferentes países, nem sempre foi assim. Até pouco tempo atrás, o Brasil era um país ainda mais fechado ao comércio internacional do que é hoje. Como consequência, os consumidores nacionais tinham acesso apenas aos produtos fabricados aqui, em um cenário em que a demanda ultrapassava largamente a oferta. Em ambientes assim, a inovação e o aprimoramento de produtos e serviços deixa de ocorrer, uma vez que os consumidores têm poucas opções de compra. A partir da abertura comercial, ocorrida em 1992, tudo muda: produtos importados passam a entrar pelos portos, aeroportos e pontos de fronteira do país. Isso não apenas aumentou a concorrência no mercado doméstico como nos aproximou da realidade da globalização. É isso o que você aprenderá nas próximas páginas. Você verá que a internacionalização é, ao mesmo tempo, causa e consequência do processo de globalização, e entenderá as diferenças entre comércio exterior e comércio internacional. Bons estudos! 7 1.1 Comércio internacional: para quê? Olhe ao seu redor. Veja quantas das coisas que você tem ou que está usando neste momento são nacionais e quantas são estrangeiras. Certamente muitos dos itens de sua vida cotidiana são de marcas globais, ainda que tenham sido fabricados no Brasil. Nesse ponto, muitas pessoas questionam as razões pelas quais os chineses são os grandes produtores globais de smartphones e eletrônicos. A resposta simples seria afirmar que o país asiático conta com mão de obra barata. A realidade, no entanto, é muito mais complexa do que isso: trata-se de uma nação com câmbio artificialmente desvalorizado, zonas especiais de exportação, incentivos governamentais e infraestrutura de ponta. Esses fatos, somados, deram aos chineses uma intensa vantagem competitiva na manufatura de modo geral. E o Brasil, poderia fabricar esses mesmos eletrônicos que trazemos de lá? Sem dúvida, mas esses produtos – se feitos aqui – seriam muito mais caros. Para enfrentarmos os chineses nesse quesito, necessitamos de reformas tributárias e administrativas estruturais. Por hora, enquanto essas reformas não são feitas, seguimos comprando dos chineses. Como somos um imenso país, com clima favorável durante boa parte do ano, o Brasil despontou no cenário do comércio internacional pelo agronegócio. Da mesma forma que o Brasil poderia investir recursos na manufatura de eletrônicos, os russos poderiam – pela sua grande extensão territorial – produzir itens agrícolas. A grande dificuldade é que, por mais que os russos tentem, não conseguem competir com o agronegócio brasileiro. Ainda que seja um país imenso, boa parte de seu território está congelada. Caso investissem na área, seria muito mais caro produzir lá do que comprar do Brasil. Você está percebendo que, ainda que as nações até consigam produzir alguns itens por conta própria, vale a pena comprá-los do exterior. Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010) afirmam que: 8 O comércio permite aos países usar seus recursos nacionais de modo mais eficiente por meio da especialização. O comércio permite a indústrias e operários serem mais produtivos. O comércio também permite às nações atingirem padrões de vida mais elevados e manterem baixo o custo de muitos produtos de uso cotidiano. Sem o comércio internacional, a maioria delas ficaria impossibilitada de alimentar, vestir e abrigar seus cidadãos nos níveis atuais. Até as economias ricas em recursos como os Estados Unidos sofreriam sem comércio. Alguns tipos de alimento ficariam indisponíveis ou só poderiam ser obtidos a preços exorbitantes. Café e açúcar passariam a ser artigos de luxo. As fontes de energia derivadas de petróleo escasseariam. Os veículos parariam de rodar, as cargas deixariam de ser entregues, e as pessoas não poderiam aquecer seus lares no inverno. Em suma, não se trata somente de nações, empresas e cidadãos beneficiarem-se do comércio internacional; a vida moderna é praticamente impossível sem ele. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 68-69) Em outras palavras: o comércio permite que utilizemos nossos recursos de maneira mais vantajosa à nossa nação. Há, então, outra vantagem das trocas globais: a concorrência. Até a década de 1990 havia cotas de importação no Brasil. Ou seja, se a cota era, porexemplo, de mil automóveis e, no segundo dia de um dado ano, uma empresa registrasse a importação desses veículos, outras operações para a importação deste item somente poderiam ocorrer no ano seguinte. Àquela época, a demanda dos brasileiros era maior do que a oferta dos itens de uso geral. Como consequência, acabávamos comprando produtos não tão bons, pois era o que estava disponível para nós. Uma grande montadora de veículos vendia seus carros populares com espelho retrovisor de um só lado. Caso o cliente quisesse o retrovisor em ambos os lados do veículo, teria que pagar mais por isso, como um adicional. A partir de 1992, quando as cotas de importação deixaram de existir, uma avalanche de produtos importados invade nosso mercado. Esses produtos eram, em sua maioria, melhores e mais baratos do que aqueles vendidos aqui. Por isso, os brasileiros durante muito tempo 9 acreditaram que os produtos importados eram sempre melhores do que os nacionais. À época, eram. Quando os importados passaram a entrar livremente no Brasil, as empresas nacionais depararam-se com uma concorrência até então inédita, e foram forçadas a escolher entre melhorar aquilo que faziam ou o serviço que prestavam, ou sair do mercado. A maior parte das organizações acabou efetuando a primeira escolha, e a qualidade geral dos produtos e serviços no mercado brasileiro aumentou. Hoje sequer cogitamos a hipótese de que uma montadora venda seus automóveis com apenas um espelho retrovisor. Assim, se a qualidade geral dos produtos e serviços a que temos acesso melhorou, devemos isso à concorrência proporcionada pelo comércio internacional. Como ensinam Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010): Onde a concorrência é acirrada, uma empresa não pode forçar os consumidores a comprar seus produtos nem os fornecedores a supri- los com matérias-primas e insumos. […] Com efeito, a gradual integração da economia global e a crescente concorrência global, combinadas com a privatização de setores em várias nações, estão tornando algumas empresas menos poderosas no âmbito de seu próprio mercado. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 33) É exatamente isso o que ocorreu no Brasil e em tantos outros lugares do mundo. Mas, qual é, afinal, a diferença entre comércio internacional e comércio exterior? Embora muitas pessoas utilizem ambos os termos como sinônimos, o comércio internacional refere-se a todas as trocas entre todos os países do mundo. O comércio exterior, por sua vez, toma um país por referência. Por isso falamos do “comércio exterior brasileiro” ou “comércio exterior alemão”. Seja como for, ambos são duas faces de uma mesma moeda, e o comércio não é apenas o motor da nossa vida moderna, mas também nos proporciona produtos e serviços de maior qualidade em um preço menor. 10 1.2 As teorias do comércio internacional e exterior Há alguns séculos o comércio internacional era visto como algo negativo. Ao contrário do que ocorre hoje, as nações tentavam por conta própria produzir tudo aquilo de que necessitavam. Como é de se esperar, os padrões econômicos de vida, em geral, eram baixos. Países com clima pouco propício despendiam infindáveis recursos na tentativa de prosperar suas lavouras. O gasto era sempre elevado e o retorno, muito baixo. Essa visão justifica-se pela ideia do chamado metalismo. O metalismo consiste no acúmulo de metais nos cofres de um determinado Estado, em uma época em que se corroborava que a riqueza de um país estava ligada à quantidade de metais preciosos que esse país detinha. Uma vez que o moderno sistema de câmbio só surgiria após muito tempo, nessa época as importações eram pagas em ouro ou prata. Como consequência, toda vez que entravam produtos, saiam metais. Na visão de então, as importações tornavam o local menos rico e menos poderoso. Essa perspectiva foi chamada de “mercantilismo” que, no ensinamento de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010), surgiu no século XVI como: Uma visão dominante do comércio internacional. Em termos simples, ele sugere que as exportações são boas e as importações, ruins. Os mercantilistas acreditavam que a prosperidade nacional resulta de uma balança comercial positiva, obtida pela maximização das exportações e a minimização das importações. Eles argumentavam que o poder e a força de uma nação aumentam na proporção em que sua riqueza aumenta. Em um período no qual os metais preciosos constituíam o principal meio de troca, o ouro era particularmente valioso porque podia ser usado para proteger e ampliar os interesses nacionais. As exportações eram pagas em ouro e, portanto, aumentavam o estoque desse metal. Por outro lado, as importações reduziam o acúmulo de ouro porque eram pagas com 11 ele. Dessa forma, as nações desejavam e promoviam as exportações, mas desaprovavam e restringiam as importações. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 69) Essa visão estendeu-se até que um economista escocês chamado Adam Smith desafiou essa lógica. Smith escreveu um livro chamado A Riqueza das Nações, no qual afirmava que os países poderiam se beneficiar ao trocar produtos em que cada um teria vantagens produtivas. A ideia central é que o estado não interferisse no mercado, permitindo que pessoas pudessem buscar seus lucros de maneira livre. Como ensina Caparroz (2018), o pensamento de Adam Smith: […] inaugurou os conceitos de mercado livre e laissez-faire, bem como influenciou a economia britânica na prática de tal modo, que a Inglaterra, na segunda metade do século XIX, já havia banido todos os resquícios da era mercantilista, o que em muito colaborou para o seu posicionamento como potência econômica e financeira da época. (CAPARROZ, 2018, p. 64) Adam Smith, ao inaugurar a visão liberal, percebeu que os países podem focar seus esforços em produzir aquilo que lhes é mais vantajoso e que despende menos recursos. De outro lado, em vez de tentar produzir tudo o que necessita por conta, pode-se importar o que não se sabe ou não se consegue produzir no mercado doméstico. É o que se chama de princípio das “vantagens absolutas”. Na explicação de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 70), cada “país aumenta sua riqueza ao se especializar em determinados bens e importar outros, uma vez que isso leva ao aumento de consumo.” A visão de Smith foi alterada por outro economista poucos anos após sua publicação original. David Ricardo publicou, em 1817, sua obra Princípios de Economia Política, na qual defendia o comércio e as importações mesmo quando um só país possuísse vantagem na produção de dois ou mais itens. Para entendermos melhor, analise a tabela a seguir: 12 Tabela 1 – Vantagens comparativas Vinhos/hora Tecidos/hora França 100 120 Alemanha 90 80 Fonte: elaborada pelo autor. À primeira vista, parece que os alemães não precisam comercializar com a França, uma vez que conseguem produzir tanto vinhos como tecidos em menos tempo (considere os números como a quantidade de horas necessárias para se produzir um quilo/litro do item). No entanto, a vantagem alemã é maior nos tecidos (80 horas) e menor nos vinhos (90 horas). Por isso, a Alemanha poderia, na visão de David Ricardo, importar os vinhos franceses (em que sua vantagem comparativa é menor) e seguir focando-se e especializando-se na produção de tecidos, uma vez que sua vantagem na produção desse item é maior. Essa é a chamada teoria das “vantagens comparativas”. Tanto o trabalho de Adam Smith quanto o trabalho de David Ricardo são avanços nas visões econômicas em relação ao comércio, que suplantam a antiga visão mercantilista. Como afirma Caparroz (2018, p. 73) as “obras de Adam Smith e David Ricardo estabeleceram as fundações da chamada economia clássica, cuja aplicação no comércio internacional repercute até os dias de hoje”. Essas teorias não são as únicas. Em 1919, os economistas Eli Heckscher e Bertil Ohlin perceberam que o comércio internacional se baseia principalmente nos fatores produtivos de cada país.De acordo com os autores, que criaram o chamado “Teorema de Heckscher-Ohlin”, cada país exportará itens que utilizam o que esses países possuem de mais abundante. No caso brasileiro, por exemplo, o que temos de mais abundante é terra agriculturável, e por isso exportamos tantos produtos agrícolas. No caso chinês, o que há de mais abundante são pessoas, e por isso a China exporta produtos intensivos em manufatura. 13 Desde então outras teorias a respeito do comércio foram criadas, mas não há dúvida que os trabalhos de Adam Smith, David Ricardo e Heckscher-Ohlin são os mais importantes. 1.3 O comércio e a riqueza das nações Considere por um instante as duas Coreias. Por mais que saibamos pouco da realidade da Coreia do Norte, podemos afirmar que é um país certamente menos próspero que seu vizinho do sul. Diferenças semelhantes são encontradas por todo o mundo, como na fronteira entre EUA e México. Durante séculos, teóricos e economistas buscaram entender as razões pelas quais as nações diferem tanto entre si – ainda que algumas delas estejam tão próximas. Uma das hipóteses levantadas para responder esse questionamento foi a colonização. Aqueles que teriam sido colonizados por Portugal ou Espanha teriam sido apenas explorados pelos seus recursos naturais. De outro lado, países colonizados pelos ingleses teriam prosperado e se tornado nações de alto desenvolvimento humano como Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Mas, se essa hipótese fosse verdadeira, a economia brasileira não seria tão distinta das economias argentina, peruana e boliviana. Se a colonização inglesa fosse a resposta, o que explicaria os 40% dos indianos na extrema miséria ou 30% dos sul- africanos desempregados? Descartada a hipótese da colonização, muitos voltam-se ao clima. Países mais frios e de clima temperado tenderiam a ser mais desenvolvidos, enquanto países de clima tropical estariam fadados ao fracasso. Como explicar então o sucesso de Austrália e da Nova Zelândia? Como explicar a competitividade da tropical Singapura? Como explicar a riqueza dos Emirados Árabes Unidos? A resposta climática e geográfica, portanto, também está descartada. 14 Se o clima, a geografia e a colonização/cultura não são suficientes para que possamos compreender as diferenças entre os países, como podemos explicar a riqueza das nações? Veja as listas a seguir: Quadro 1 – Maiores e menores exportadores do mundo 1. China 91. Turcomenistão 2. Estados Unidos 92. Bahrein 3. Alemanha 93. Bolívia 4. Japão 94. Uruguai 5. Holanda 95. Trinidad e Tobago 6. Hong Kong 96. Macedônia do Norte 7. Coreia do Sul 97. Brunei 8. Itália 98. Jordânia 9. França 99. Laos 10. Bélgica 100. Bósnia e Herzegovina Fonte: adaptado de Workman (2020). No Quadro 1 podemos ver os 10 maiores exportadores do mundo, assim como os 10 últimos dessa lista. O Barhein, mesmo rico em petróleo, apresenta um desempenho inferior ao de seus vizinhos. Hong Kong, assim como Trinidad e Tobago, é uma ilha. O Uruguai é maior em termos de território do que a Bélgica – embora no caso uruguaio possamos compreender que sua pequena população explica seu desempenho menor nas exportações. O que, então, diferencia essas 20 nações entre si? De forma geral, a grande diferença entre essas e outras nações está na liberdade econômica. Os países mais ricos são, não por acaso, grandes exportadores. Essas nações são também caracterizadas por liberdade econômica e pouca burocracia. Como consequência, sua competitividade é maior, uma vez que empresas gastam menos tempo de trabalho para pagar tributos e mais tempo para gerar inovação. Como explicam Acemoglu e Robinson (2012): As instituições econômicas inclusivas preparam o terreno também para dois outros motores da prosperidade: tecnologia e educação. O 15 crescimento econômico sustentado é quase sempre acompanhado de melhorias tecnológicas que permitem às pessoas (mão de obra), à terra e ao capital existente (prédios, maquinário e assim por diante) aumentar a sua produtividade. […] Esse processo de inovação é viabilizado por instituições econômicas que estimulem a propriedade privada, assegurem contratos, criem condições igualitárias para todos, e incentivem e possibilitem o surgimento de novas empresas, capazes de trazer as novas tecnologias à vida. Não deveria, portanto, ser surpresa para ninguém o fato de ter sido a sociedade norte-americana, e não o México ou o Peru que gerou Thomas Edison, e que é a Coreia do Sul, e não a do Norte, que hoje produz empresas inovadoras em termos tecnológicos, como Samsung e Hyundai. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 33) Uma vez que uma boa parte da riqueza das nações vem do comércio, fechar-se para tentar proteger a própria indústria tende a não funcionar. É nesse sentido o ensinamento de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010): Os negócios internacionais são tanto a causa quanto o resultado de uma crescente riqueza nacional. Eles contribuem para a disseminação do progresso e a abundância das economias avançadas para aquelas em desenvolvimento. As nações que já sofreram de estagnação econômica agora se tornam cada vez mais prósperas. Por exemplo, China, Índia e os países do Leste Europeu são ativos no comércio internacional. A parcela de cidadãos abastados nessas localidades cresce em ritmo acelerado. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 16) A partir disso tudo, vale questionarmos: quando essa crescente riqueza nacional alcançará o Brasil? 1.4 O comércio exterior brasileiro e sua posição no mundo A história brasileira caminha de forma muito próxima com o comércio exterior. Inicialmente aqueles que chegaram aqui estavam em busca 16 de novas rotas comerciais. Logo depois, produtos começaram a ser retirados daqui e levados para a Europa. Com o desenvolvimento da colonização portuguesa, o Brasil tornou-se não apenas um posto de comércio, mas uma fonte de produtos exportáveis. Por isso tudo, era de se esperar que o Brasil tivesse uma participação bastante significativa no comércio global. Infelizmente, não é o caso. Oscilamos entre a 24ª e 27ª posição entre os maiores exportadores do mundo. Bélgica, Hong Kong, Singapura, Emirados Árabes e Holanda – países territorialmente muito menores do que nós – estão muito à nossa frente no quesito exportações. E quais as razões para isso? Inicialmente, a falta de liberdade econômica. Nosso país é burocrático, cobra juros altos, tem infraestrutura defasada. Esse e outros fatores compõem o chamado “custo Brasil”: Figura 1 – Componentes do custo Brasil Fonte: elaborada pelo autor. 17 Enquanto abrir uma empresa nos EUA leva cerca de 48 horas, e em Singapura, 12 horas, no Brasil o mesmo processo pode durar cerca de 110 dias. Em termos aduaneiros, temos mais de 3.600 regras diferentes, 22 órgãos anuentes e outros tantos procedimentos complexos e desconexos. Como afirma Nyegray (2016, p. 502): Os impostos que pagamos e que deveriam ser destinados à melhoria de nossa situação em infraestrutura, serviços públicos e na melhoria da vida dos mais necessitados não estão atendendo a este fim. Cada vez mais filas formam-se no embarque dos portos. Cada vez mais caminhões de transporte quebram nas rodovias mal-cuidadas. Cada vez mais perdemos nosso espaço no comércio internacional para nações que estão melhor preparadas do que nós. Triste, não é mesmo? Não é à toa que nosso crescimento econômico deixa a desejar tanto quanto nossa competitividade. (NYEGRAY, 2016, p. 502) Os impostos no Brasil superam os 40% do PIB. A carga tributária média no Brasil está na casa dos 50%. No momento, não é possível reduzir os tributos, pois os gastos do Estado são imensos. Supersalários, ministérios, secretarias e mais de 400 empresas estatais dificultam uma reforma tributária que facilite a vida daqueles que querem inovar e gerar empregos. Ao considerarmos todos esses fatores em conjunto, perceberemos que a posição brasileira no comércio internacional reflete o cenário interno. Embora possamos produziritens de alta qualidade – como o exemplo do agronegócio nos permite aferir – dos centros produtivos até os portos e aeroportos tem-se uma grande complicação. Cerca de 90% das cargas brasileiras são transportadas pelas rodovias, embora apenas 11% dessas rodovias sejam pavimentadas. Como consequência, os fretes possuem valores elevados. A China, que na década de 1970 possuía PIB menor do que o brasileiro, investiu pesadamente em infraestrutura, desburocratização e simplificação das regras empresariais e tributárias. Como consequência, 18 os produtos chineses tomaram o mundo, e embora no passado o país fosse visto como um fornecedor de itens de baixa qualidade, esse certamente não é mais o caso. Nesta leitura digital você aprendeu que o comércio internacional é o motor da vida moderna, e que sem ele nosso acesso a produtos e serviços que hoje nos são comuns e cotidianos seria quase impossível. O Brasil foi um país fechado ao comércio internacional até a abertura comercial da década de 1990. A ideia inicial era favorecer a indústria nacional, o que acabou não ocorrendo. O comércio internacional tem gerado concorrência, o que estimula a inovação e permite o acesso de um maior número de pessoas a bens e serviços variados. Você aprendeu também que houve várias formas e teorias que tentaram entender o comércio. O mercantilismo foi seguido pelas vantagens absolutas de Adam Smith, pelas vantagens comparativas de David Ricardo e pelo teorema de Heckscher-Ohlin. Essas teorias não conseguiram, no entanto, explicar as diferenças em prosperidade e sucesso econômico entre as nações. No passado, acreditava-se que tais distinções poderiam ser explicadas por razões culturais ou geográficas, mas hoje sabe-se que o que define a prosperidade e a riqueza é a existência de instituições econômicas inclusivas e um ambiente econômico livre. Você aprendeu também que o Brasil ainda está caminhando nesse sentido. Após décadas de políticas protecionistas, hoje estamos entre a 24ª e 27ª posição no ranking de maiores exportadores. Essa posição contrasta com o tamanho e potencial do país, mas reflete o elevado custo Brasil que onera a população. Referências ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam – as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional e legislação aduaneira esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 19 CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais – estratégia, gestão e novas realidades. Pearson: São Paulo, 2010. NYEGRAY, João A. L. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. WORKMAN, Daniel. World’s Top Export Countries. World’s Top Export, c2021. Disponível em: https://www.worldstopexports.com/worlds-top-export-countries/. Acesso em: 26 ago. 2021. 20 Internacionalização de empresas e os órgãos do comércio internacional Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Isamaura Krauss Franco Objetivos • Entender o que é a internacionalização de empresas e quais as suas formas principais. • Compreender a normatização do comércio internacional a partir do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. • Entender o papel da Organização Mundial do Comércio. 21 1. A internacionalização e os órgãos do comércio internacional Atualmente o ambiente internacional de negócios tem uma composição bastante heterogênea. São duas centenas de países, cada qual com seu sistema legal e sua cultura. Cada uma das diferentes nações que compõem o mundo tem suas várias empresas. Ao se internacionalizarem, essas empresas tendem a levar consigo suas culturas de origem. Ao encontrar outros hábitos, alguns desentendimentos podem ocorrer. É justamente por isso que é tão necessário estar atento ao tema da internacionalização. Nesse ponto surge o questionamento: mas qual a relação entre internacionalização e comércio exterior? Essa resposta é bastante simples: é por meio da internacionalização que o comércio exterior acontece. Para harmonizar práticas e simplificar operações, o comércio internacional de hoje é regulamentado por uma série de regras e acordos surgidos a partir de 1944. Justamente por isso é que, nas próximas páginas, você aprenderá não apenas o que é a internacionalização, mas as maneiras pelas quais esse processo ocorre e quais as principais normas do comércio global. Embora em alguns setores específicos algumas formas de internacionalizar sejam mais usuais, isso não significa que a internacionalização tem regras rígidas e sempre vai se desdobrar da mesma forma. Pronto para aprender a respeito? Bons estudos! 1.1 Internacionalização de empresas Todos os produtos brasileiros enviados ao exterior são resultado de uma atividade de internacionalização. Isso também vale para os produtos e marcas estrangeiras que estão no Brasil e que fazem parte de nossa vida cotidiana. Em algum momento, essas empresas alemãs, italianas, 22 japonesas ou estadunidenses decidiram se internacionalizarem para o Brasil. Por isso temos automóveis de marcas alemãs, roupas de grifes italianas, tecnologias japonesas e eletrônicos de marcas estadunidenses acessíveis a todos nós. Mas o que é a internacionalização? Para Welch e Loustarinen (1988), a internacionalização refere-se ao movimento de empresas para operações internacionais. Leonidou e Katsikeas (1996) explicam a internacionalização como a transferência de bens e serviços através de fronteiras. Essas explicações relativamente simples de 1988 e de 1996 acabaram sagrando-se como as mais aceitas para descrever o fenômeno da internacionalização. Obviamente que existem outros conceitos mais recentes, mas esses autores citados conseguiram expressar em breves palavras uma operação internacional que acaba sendo bastante complexa. Inicialmente podemos perceber a internacionalização como um processo. Isso significa aceitar que ela ocorre em etapas diferentes. Na sequência podemos percebê-la como algo que necessariamente envolve movimentos internacionais. Isso significa não apenas enviar itens ao exterior, mas também trazê-los de lá. Atualmente existem ao menos três tipos diferentes de empresas que atuam dessa forma. O primeiro tipo de empresa é a chamada “empresa internacionalizada”. Trata-se de empresas de pequeno e médio porte que exportam ou importam. Pode, ainda, ser o caso de uma empresa que tem uma licença para produzir brinquedos de uma grande marca ou personagem internacionalmente conhecido. É o caso de fabricantes paulistas de bonecos e pelúcias licenciados pela Disney, por exemplo. O segundo tipo de empresa é a chamada empresa multinacional. As multinacionais são grandes empresas que têm sua matriz em uma nação, e subsidiárias próprias espalhadas pelo resto do mundo. Enquanto as empresas internacionalizadas apenas desempenham 23 atividades de comércio exterior e negócios internacionais, a empresa multinacional tem presença física em outros países. Como explicam Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 11), uma empresa multinacional: caracteriza-se por ter recursos substanciais, realizando negócios por meio de uma rede de subsidiárias e afiliadas localizadas em diversos países. Uma de suas marcas registradas consiste em conduzir atividades de P&D, compras, manufatura e marketing em qualquer parte do mundo onde isso seja economicamente viável. Além de um escritório ou sede central, a multinacional típica possui uma rede mundial de subsidiárias e colabora com inúmeros fornecedores e parceiros independentes no exterior (por vezes, denominados afiliados). Dentre as multinacionais típicas, podemos citar Caterpillar, Kodak, Nokia, Samsung, Unilever, Citibank, Vodafone, Carrefour, Bechtel, Four Seasons Hoteis, Disney, DHL e Nippon Life Insurance. As mais conhecidas são classificadas, com base na receita de vendas internacionais, em listas anuais como a Global 500 da revista Forbes.(CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 11) As empresas multinacionais – como essas elencadas – movimentam não apenas recursos, mas também pessoas e tecnologias. São funcionários que atuam em diferentes países, projetos desenhados em um lugar e executados em outro e várias outras atividades transfronteiriças. Em alguns casos as multinacionais adaptam produtos para os mercados de destino ou mesmo lançam no exterior produtos não comercializados em seu país sede. É o caso da Coca-Cola, que comercializa refrigerantes de guaraná no Brasil e uma ampla gama de chás e cafés no Japão. Nenhum desses itens pode ser encontrado nos Estados Unidos, seu país de origem. O terceiro tipo de empresa que faz a internacionalização ocorrer é um tanto mais recente, e chama-se de empresa born global ou empresa nascida global. Trata-se de uma startup ou organização de histórico operacional ainda recente que, nos primeiros anos de atividade, 24 consegue obter pelo menos um terço de seu faturamento vindo de pelo menos três continentes distintos. O atual estágio de interconectividade global proporcionado pelas tecnologias da informação e comunicação tem feito essas organizações cada vez mais comum. Facebook, Google, Spotify e Netflix se encaixam nessa categoria. Por mais que as empresas – seja qual for seu tipo e tamanho – procurem a internacionalização pelas mais variadas razões, alguns riscos são inerentes a esse processo. Na figura a seguir, resumimos aqueles mais comuns: Figura 1 – Riscos da internacionalização Fonte: adaptada de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 97). Descrição audiovisual: há um círculo central no qual se lê “Riscos”, cercado por outros quatro círculos onde se lê: comercial, monetário, intercultural e país. 25 Inicialmente, o risco comercial refere-se a uma estratégia mal pensada ou mal implementada. É preponderantemente presente quando a operação de internacionalização não teve o planejamento necessário, e foi feita de forma apressada. O risco monetário refere-se a chances de perdas financeiras. Aqui está, por exemplo, o risco cambial. Em algumas situações, a oscilação no valor das moedas pode reduzir os ganhos de um processo de internacionalização. Entram nesse risco as potenciais dificuldades de se remeter lucros para os países de origem das empresas, quando o país de destino restringe a saída de divisas. Na sequência tem-se o risco intercultural, que decorre da má interpretação de diferenças em hábitos e estilos de vida. Palavras, símbolos, gestos e até mesmo cores podem ter significados diferentes em culturas diferentes. Por fim, há o risco país. Esse risco envolve a intervenção do estado na economia, a burocracia os desdobramentos do ambiente político e jurídico. Mudanças bruscas de legislação, estatizações e movimentos afins são elencados aqui. Esses riscos estão presentes em todas as operações de negócios internacionais e comércio exterior, mas um bom planejamento e uma boa pesquisa podem, certamente, reduzi-los bastante. É correto afirmar que esses riscos caminham lado a lado com a internacionalização. 1.2 Formas de internacionalizar Ainda que duas empresas no mesmo setor em um país de origem internacionalizem-se da mesma forma para um mesmo país de destino, a internacionalização ocorrerá de maneiras diferentes em cada uma dessas organizações. Isso ocorre por duas razões. A primeira delas é o preparo organizacional. É necessário que as empresas se preparem para se internacionalizar, tanto com recursos financeiros para custear eventuais adaptações em produtos ou serviços quanto com recursos 26 humanos para novas contratações de profissionais capazes de levar a internacionalização adiante. A segunda razão é pelo uso de diferentes formas de se internacionalizar, expressa na Figura 2. Figura 2–Formas de internacionalizar-se em risco crescente Fonte: elaborada pelo autor. Tradicionalmente, empresas que nunca se internacionalizaram tendem a iniciar sua expansão internacional pelas exportações ou importações. São formas um pouco menos arriscadas, pois envolvem menor exposição financeira, e com a existência de formas de pagamento e seguros internacionais de baixo risco, tendem a ser a porta de entrada para as operações globais das empresas. O aspecto negativo da internacionalização via exportação ou importação é a lenta aquisição de conhecimentos do mercado externo, a vulnerabilidade a tarifas 27 e as distâncias, que podem tornar a entrega de produtos um tanto demorada. Uma outra forma de se internacionalizar, comumente utilizada no setor de serviços, é a internacionalização via franquias. Trata- se de um contrato no qual o franqueador transfere ao franqueado o conhecimento e os meios necessários para desempenhar uma determinada atividade. Fast-food, redes de lavanderia e hotéis podem se internacionalizar dessa forma. Também uma forma de se internacionalizar que envolve uma relação contratual, os licenciamentos envolvem licenciador e licenciado. Nesse caso, o licenciado pode produzir itens cuja marca, personagem ou imagem pertençam ao licenciador. Acerca do licenciamento, Ferreira, Reis e Serra (2012, p. 54) explicam que se trata de: Um método de entrada nos mercados externos, especialmente relevante para empresas que têm propriedade intelectual (que pode estar patenteada) ou algum ativo que é legalmente protegido e que adiciona valor à sua oferta no mercado. Este ativo pode ser um nome de marca, uma tecnologia, um design de um produto ou um processo operativo. (FERREIRA; REIS; SERRA, 2012, p. 54) É o caso dos personagens da famosa saga Harry Potter – o caso de licenciamento mais bem sucedido da história – que se tornaram personagens de Lego, de bonecos, roupas e até mesmo de produtos comestíveis. A respeito das franquias e licenciamentos, Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 50) explicam que “são comuns na transferência internacional de intangíveis. Um franqueador faz um contrato com um franqueado estrangeiro; um provedor de experiência faz um contrato com um cliente estrangeiro e assim por diante.” Além de exportações e importações, franquias e licenciamentos, pode- se internacionalizar uma empresa por meio de uma joint-venture. Em tradução literal direta, trata-se de um empreendimento conjunto entre empresas. No caso da internacionalização, duas empresas de um 28 mesmo país ou localizadas em países distintos unem-se para alguma operação conjunta. Pode ser o caso, por exemplo, de uma empresa brasileira que traz uma marca estrangeira para o Brasil, ou de duas empresas brasileiras que criam uma marca, produto ou serviço e internacionalizam-se juntas para outro país. Para as franquias, licenciamentos e joint-ventures há algumas vantagens comuns, como a divisão dos custos da operação. Da mesma forma, há também pontos negativos semelhantes, como a disseminação de conhecimentos críticos entre os envolvidos e eventuais conflitos entre os parceiros comerciais. Por fim, a forma mais arriscada de se internacionalizar é o Investimento Estrangeiro Direto (IED). Esse é o caso de empresas que fisicamente fazem-se presentes noutra nação. É o que ocorre quando uma montadora sul-coreana ou francesa inicia sua produção em nosso país: essa montadora envia uma quantidade substancial de recursos de seu país de origem para comprar ou construir uma fábrica aqui. É uma forma de internacionalização que permite que a organização esteja mais próxima de seus consumidores e, como consequência, consiga aprender mais rapidamente suas preferências e hábitos. Toda empresa estrangeira com sede própria no Brasil fez, em algum momento de sua trajetória, um IED. O risco do IED envolve retirar-se do país: em algumas situações é necessário encerrar as operações de forma ágil, o que nem sempre é possível. Vimos isso ocorrer na Venezuela e Argentina quando os governos desses países decidiram estatizar algumas companhias. Para o IED ocorrer – que é a forma mais arriscada de internacionalização– é necessário que o retorno do potencial empreendimento seja superior ao risco inerente no processo. 29 1.3 GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio Quando duas empresas têm algum tipo de desentendimento, elas tendem a procurar o Poder Judiciário para que se resolva a controvérsia. Pode ser um produto entregue em desacordo, uma cobrança abusiva ou qualquer situação que a justiça facilmente soluciona com seus procedimentos. De outro lado, quando países têm algum tipo de desentendimento, as coisas ficam um pouco mais complexas. Foram as dificuldades na solução de controvérsias entre as nações que acabaram motivando um incontável número de conflitos armados. Embora hoje exista uma Corte Internacional de Justiça (CIJ) e uma série de organizações internacionais que auxiliam nas variadas soluções de controvérsias, na esfera comercial a coisa nem sempre foi assim. Entre 1914 e 1918 o mundo viveu a Primeira Guerra Mundial. Com o final da guerra em 1918, o então presidente dos EUA, Woodrow Wilson, instou o mundo a criar uma organização de nações para debater temas de interesse coletivo. Essa organização foi criada, a Liga das Nações, mas não contou com a presença dos EUA – justamente o país que havia dado a ideia de criá-la. Com a eclosão da crise econômica de 1929, a Liga das Nações mostra-se insuficiente para lidar com temas de natureza econômico-financeira. A consequência é que cada uma das nações envolvidas na crise acabou, por conta própria, adotando medidas que acreditavam poder solucionar os problemas econômicos de então. Dentre essas medidas, uma das mais comuns chamava-se beggar thy neighbor, ou “empobreça teu vizinho”. Tratava-se de criar altas barreiras ao comércio internacional para apenas exportar, e não importar. Obviamente que em um cenário em que todos querem exportar e ninguém quer importar, fazer negócios é uma tarefa praticamente impossível. Uma das consequências dessa crise foi a ascensão de discursos extremos e nacionalistas. Em 1939 inicia-se a Segunda Guerra Mundial, 30 que se encerra apenas em 1945 com um saldo de mais de 60 milhões de mortos. Quando a guerra caminhava para o fim, em 1944, aliados de diversas nações reuniram-se na cidade estadunidense de Bretton Woods para discutir o sistema financeiro do pós-guerra. A ideia inicial era reconstruir os países afetados pela guerra e impedir que uma crise como a de 1929 se repetisse. Assim, a reunião de Bretton Woods criou o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e havia a intenção de criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC), que acabou não saindo do papel. Na impossibilidade da criação da OIC, os países de então ficaram com o preâmbulo do que seria o estatuto dessa organização. Esse preâmbulo era justamente o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, em inglês). Criado em 1944, o GATT entrou em vigor em 1947 quando atingiu as 23 ratificações necessárias para tanto. Naquele mesmo ano de 1947, iniciaram-se rodadas de negociação para debater questões tarifárias. Como ensina Nyegray (2016, p. 393), durante vinte anos, entre 1947 e 1967, o tema predominante das discussões foram as reduções tarifárias. Depois, entraram na pauta as medidas antidumping, as medidas não tarifárias e os acordos jurídicos. Apenas na Rodada Uruguai, que foi de 1986 até 1994 – quando foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC) – que a solução de controvérsias passou a ser debatida. Por isso, pode-se afirmar que o GATT é a base para a OMC. Até hoje alguns dos princípios basilares do GATT seguem aplicáveis à legislação do comércio internacional. O primeiro desses princípios é o da nação mais favorecida que afirma que, quando um país signatário do acordo, concede um benefício tarifário para qualquer outro país, esse benefício será estendido a todos os demais membros do GATT. 31 O princípio da concorrência leal, por sua vez, define a proibição aos subsídios e às sobretaxas. Ainda assim, hoje muitas nações são acusadas de utilizar subvenções para tentar estimular certos setores de suas economias. Outro princípio de grande importância é o da liberdade de trânsito. De acordo com essa regra não se pode tributar um produto que não tenha seu país como destino. Por essa razão, todas as importações paraguaias que desembarcam inicialmente no Brasil podem atravessar nosso território livremente. O GATT e a OMC também proíbem e condenam a prática do dumping. Como comenta Nyegray (2016, p. 404): Existem casos nos quais empresas de um segmento específico, como o de papel ou cimento, vão a outros países para vender seus produtos. Como essas empresas são realmente muito grandes, conseguem vender um item X a um preço abaixo da média de mercado, mesmo com todas as taxas aduaneiras. A venda abaixo da média de mercado tem uma intenção: levar os concorrentes à falência. A partir do momento em que os concorrentes estão falidos, esses grandes competidores compram seus antigos rivais e sobem os preços do produto final. Essa operação chama-se dumping. (NYEGRAY, 2016, p. 404) Essa prática tornou-se proibida a partir da rodada Kennedy, ocorrida na cidade de Genebra entre 1964 e 1967. Embora seja realizada por empresas, os países onde essas organizações estão sediadas podem ser penalizados. Por isso, o Brasil aprovou a Lei n. 12.529/2011 que aponta o dumping como uma infração à ordem econômica. Da mesma forma que eventualmente algumas nações concedem subsídios ou aplicam sobretaxas, o dumping eventualmente é praticado. Atualmente, quando isso ocorre, as nações afetadas podem buscar o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC. 32 1.4 A OMC – Organização Mundial do Comércio A reunião de Bretton Woods, ocorrida em 1944, criou o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e havia a intenção de criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC), o que acabou não ocorrendo. O GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, em inglês) acabou fazendo as vezes de uma organização internacional de caráter comercial mesmo sem sê-lo. É apenas em primeiro de janeiro de 1995 que a Organização Mundial do Comércio (OMC) passou a operar. Até então, os países podiam escolher livremente quais cláusulas do acordo do GATT seriam obedecidas. Isso deu origem ao termo “GATT à lá carte”, e essa prática reduzia a eficácia pretendida para o acordo. Com a criação da OMC na Rodada do Uruguai (1986-1994), toda nação que quisesse ser membro fundador da OMC precisaria ratificar todas as cláusulas do GATT. Explica o professor Casella (2020, p. 359) que: O antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, 1947) não era organização internacional, propriamente dita, mas acordo “temporário”, cuja vigência se estendeu de 1948 até 1994, quando veio a ser “absorvido” pelo conjunto institucional mais amplo e mais estruturado da Organização Mundial do Comércio. Assim, pôs-se fim à lacuna institucional remanescente desde o fracasso da pretendida instauração da Organização Internacional do Comércio, que, nunca tendo entrado em vigor, dera lugar ao “acordo” de “vigência provisória”, sobre o qual se estrutura e desenvolve, em considerável extensão, o sistema mundial de livre comércio. (CASELLA, 2020, p. 359) A abertura comercial brasileira ocorreu nesse período, não por beneplácito do então presidente Fernando Collor de Melo, mas pela proibição das restrições quantitativas que constava no GATT e que até então o Brasil não respeitava. Foi apenas em 1992 que o Brasil retirou suas cotas de importação para tornar-se membro fundador do GATT. 33 Desde então, os princípios e normas do GATT foram absorvidas pela OMC. Para Casella (2020, p. 360): A transição do GATT para a OMC representou extensão considerável não somente quanto ao número de participantes, como ao aumento da abrangência dos temas regulados pelos diferentes acordossetoriais, inseridos no conjunto da Ata final de Marraqueche, de 1994, cuja adoção conduz à entrada em vigor da OMC, com a implantação da rede de acordos multilaterais setoriais, até mesmo em matéria de proteção da propriedade intelectual (TRIPs), como também pela implementação de sistema institucionalmente aperfeiçoado de solução de controvérsias, com mecanismo de revisão. (CASELLA, 2020, p. 360) Pode-se perceber, portanto, que a OMC traz uma série de extensões quando comparada com o GATT. A mais óbvia é tratar-se atualmente de uma Organização Internacional. Outras referem-se aos demais acordos assinados em seu âmbito e, por fim, a existência de um Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Toda vez que um país se sentir lesado por uma prática comercial de outra nação que viole os termos do GATT, esse país pode acionar o OSC. O OSC citará o reclamado para que apresente defesa. Havendo indícios de práticas comerciais em desacordo com o Direito do Comércio Internacional, instaura-se um painel. O painel ouvirá os lados, especialistas no assunto, fará perícias das provas apresentadas pelas partes e dará uma sentença. Essa sentença é irrecorrível em seu teor, e tende a ser respeitada de forma ampla pelas nações. Todos esses acordos e avanços são uma inegável evolução nas normas do comércio internacional. Com o GATT e a OMC sabemos que um comércio internacional livre não é uma tarefa fácil, mas que certamente estamos em uma posição muito melhor do que estávamos na década de 1940. Paulatinamente novos temas são incluídos nessa agenda, como condições mínimas de trabalho que devam ser asseguradas aos 34 trabalhadores. Nesse tópico, a ideia central é que países que explorem sua mão de obra não consigam colher os frutos dessa exploração. Outro ponto relevante é que muitas das regras e princípios do GATT e da OMC foram recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro. O princípio do GATT de liberdade de trânsito, por exemplo, tornou-se o regime aduaneiro especial de trânsito aduaneiro. As modernas técnicas de valoração aduaneira, usadas em quase a totalidade do comércio global, também são um benefício oriundo da evolução do Direito do Comércio Internacional. Nesta leitura digital você aprendeu que a internacionalização de empresas é a maneira pela qual o comércio exterior acontece. Normalmente, empresas que nunca internacionalizaram tendem a iniciar suas operações globais pelas operações de exportação ou importação. A baixa exposição financeira e as formas seguras de pagamento internacional acabam justificando essa opção. Além de importação e exportação, pode-se internacionalizar via franquias. As franquias são um contrato em que uma empresa cede o direito de uso de sua marca e know-how a alguém. Os licenciamentos, por outro lado, consistem no uso de uma imagem ou personagem em um determinado produto. É o caso das maçãs da turma da Mônica ou dos bonecos dos Vingadores. Seja para as franquias seja para os licenciamentos, o grande risco reside em potenciais conflitos com parceiros comerciais. Você aprendeu também que algumas empresas internacionalizam via joint ventures, que são acordos conjuntos pelo qual uma nova empresa é criada ou uma atividade desempenhada por duas organizações distintas. A forma mais arriscada de internacionalizar é o Investimento Estrangeiro Direto, pelo qual uma empresa passa a ter presença física no exterior. Por fim, você conheceu as normas do comércio internacional. Essas normas evoluíram a partir do GATT, criado na reunião de Bretton Woods 35 em 1944, que entrou em vigor em 1947. Os princípios do GATT, tal qual a Nação Mais Favorecida, a Liberdade de Trânsito e a proibição ao dumping, fazem parte da base do que é hoje a Organização Mundial do Comércio (OMC). Referências CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional e legislação aduaneira esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. CASELLA, Paulo. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2020. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais – estratégia, gestão e novas realidades. Pearson: São Paulo, 2010. FERREIRA, Manuel P.; REIS, Nuno R.; SERRA, Fernando R. Negócios Internacionais – e internacionalização para as economias emergentes. Lisboa: Lidel, 2011. NYEGRAY, João A. L. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. LEONIDOU, L. C.; KATSIKEAS, C. S. The export development process: an integrative review of empirical models. Journal of International Business Studies, v. 28, n. 3, p. 517-551, 1996. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/155437. Acesso em: 3 dez. 2021. WELCH, L. S.; LUOSTARINEN, R. Internationalization: evolution of a concept. Journal of General Management, v. 14, n. 2, p. 34-55, 1988. Disponível em: https://www. researchgate.net/publication/285844787_Internationalization_Evolution_of_a_ Concept. Acesso em: 3 dez. 2021. 36 A regulamentação brasileira sobre o Comércio Exterior Daniele João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Isamaura Krauss Franco Objetivos • Entender como a atuação da OMC se materializa por meio da defesa comercial. • Compreender a regulamentação brasileira sobre o Comércio Exterior. • Entender a classificação fiscal de mercadorias e as infrações aduaneiras. 37 1. A internacionalização e os órgãos do comércio internacional A segunda metade do século XX foi marcada pela Guerra Fria. Mas, para além do confronto indireto entre EUA de um lado e União Soviética do outro, o comércio internacional atingiu níveis inéditos para a época. Certamente que muito desse crescimento pode ser creditado à criação de acordos globais de comércio como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Com a previsibilidade proporcionada pelos acordos, comercializar ficou mais fácil. Na década de 1990, as evoluções do GATT foram recepcionadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Até então o GATT não era uma organização, mas um acordo. A partir de primeiro de janeiro de 1995, a OMC passou a existir, sendo uma organização de fato incumbida de tratar de temas comerciais. Se, desde a entrada em vigor do GATT em 1947, os países poderiam escolher quais cláusulas iriam ou não respeitar, a partir da entrada em vigor da OMC, todas as cláusulas deveriam ser aceitas pelas nações participantes. O Brasil, que até 1995 respeitava apenas algumas das previsões do GATT, precisou adaptar sua legislação aduaneira interna ao novo patamar normativo global. Com isso, a regulamentação interna sobre o Comércio Exterior mudou. Esses são alguns dos vários aspectos que discutiremos nas próximas páginas. Pronto para aprender a respeito? Bons estudos! 1.1 OMC e defesa comercial A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) responde um longo anseio da comunidade internacional. Quando, ainda em meio à Segunda Guerra, os países aliados reuniram-se no Hotel Mount 38 Washington em Bretton Woods para discutir o sistema monetário e financeiro global, houve a tentativa de criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC). Essa organização, infelizmente, não saiu do papel. Temas como tarifas e protecionismo acabaram dificultando um acordo em definitivo. Ainda assim, a reunião de Bretton Woods foi responsável por criar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O GATT era, originalmente, o preâmbulo do que seria a carta constitutiva da OIC. Por isso ocorreram tantas rodadas de negociação no decorrer do século XX, para harmonizar interesses comerciais que eram, desde o princípio, conflitantes. A OMC acaba sendo criada na rodada do Uruguai do GATT, que se estendeu entre 1986 e 1994. Os princípios do GATT recepcionados pela OMC foram: • Nação Mais Favorecida. • Tratamento Nacional. • Liberdade de Trânsito. • Antidumping. • Valoração Aduaneira. • Proibição às restrições quantitativas (cotas de importação). • Proibição aos subsídios. Percebacomo muitos desses princípios tornaram-se regras do Direito brasileiro. Aqui, realizar dumping – que consiste em vender um produto abaixo do seu preço de custo para prejudicar os concorrentes – é um crime contra a ordem econômica. Além disso, as técnicas e formas de valoração aduaneira que são parte importante do cálculo dos tributos de importação, são uma norma que veio do GATT, segue valendo pela 39 OMC e faz parte do Direito Aduaneiro brasileiro. Mas, mais do que contar com princípios e regras, é necessário que a OMC tenha formas de implementar suas decisões e de penalizar aqueles que não as cumprem. É exatamente aqui que entra uma “inovação” da OMC: seu Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Estados que se sintam ofendidos por práticas comerciais desempenhadas por outras nações podem efetuar uma consulta ao OSC. Apenas Estados-membro, não empresas, podem postular. Como explica o Ministério das Relações Exteriores (BRASIL, 2020): (i) Consultas: fase inicial do contencioso, momento em que a parte demandante solicita à parte demandada informações sobre sua legislação e suas práticas comerciais, e requer modificações das medidas questionadas, conforme os acordos da OMC. A parte demandada tem o prazo de 10 dias para responder à parte demandante, e as consultas devem ser realizadas em 30 dias. Se as consultas não solucionarem a disputa em 60 dias do recebimento do pedido, a parte demandante pode requerer o estabelecimento de painel. (ii) Painel: os painéis são constituídos por três membros, que deverão ser escolhidos de comum acordo pelas partes. As partes apresentam ao painel petições escritas e participam de audiências, oportunidade em que podem apresentar e defender oralmente seus argumentos. Ao final de seus trabalhos, o painel emite um relatório sobre a compatibilidade das medidas questionadas em relação aos acordos da OMC. Em teoria, o prazo para a apresentação deste relatório é de até 6 meses, prorrogáveis por mais três. Na prática, a fase de painel tem durado cerca de 12 meses, a não ser em casos de maior complexidade, como, por exemplo, o caso do algodão (DS267), que chegou a durar quase dois anos, e o caso Boeing- Airbus (DS353), que superou os cinco anos. (BRASIL, 2020, [s.p.]) Uma vez que o Painel percebe que uma parte envolvida na disputa está em desacordo com as regras do Direito Internacional do Comércio, o painel dará uma sentença. Nesse caso, conforme o Ministério das Relações Exteriores (BRASIL, 2020), “a parte demandada deve 40 modificar aquela medida, a fim de recompor o equilíbrio entre direitos e obrigações no âmbito do sistema multilateral de comércio.” Ou seja: uma decisão do OSC deve suscitar a mudança na legislação interna do país acusado de uma prática ilegal. Além da possibilidade de acionar no OSC uma nação cujas práticas estejam em desacordo com as regras comerciais globais, há outro ponto importante realizado por cada país: sua defesa comercial. Uma vez que apenas Estados podem postular no OSC, os setores que se sentem afetados por práticas alheias podem requerer o apoio de seus países. No Brasil, esse apoio fica a cargo da Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (SDCOM), ligada ao Ministério da Economia. Além de acionar o OSC, a SDCOM pode iniciar as chamadas medidas de salvaguarda. Essas medidas servem para impedir um “surto de importações” de um item em específico. É o que ocorre quando uma nação consegue produzir um item de forma tão barata que esse item toma o mercado de outro país de forma abrupta. Nesse caso, as medidas de salvaguarda servem para proteger o setor nacional afetado e tomam forma de uma sobretaxa acrescentada aos tributos de importação do produto que está entrando em demasia no país. De outro lado, existem as medidas compensatórias. Enquanto as medidas de salvaguarda aplicam-se quando há um surto de importações, as medidas compensatórias servem para aplicar uma sobretaxa ao produto importado que recebeu subsídio em seu país de origem. A ideia, como o próprio nome permite vislumbrar, é compensar um subsídio dado irregularmente. 41 Figura 1 – Medidas de defesa comercial Fonte: elaborada pelo autor. Ambas as medidas – compensatórias ou de salvaguarda – são medidas de defesa comercial, como se pode perceber na Figura 1. 1.2 Regulamentação Brasileira de Comércio Exterior A história brasileira está intimamente ligada ao comércio exterior. Logo quando portugueses chegaram aqui, nossos produtos começam a ser levados para outros países. Isso ocorreu sem nos trazer grandes benefícios por cerca de três séculos. Hoje nosso comércio exterior, ainda que tímido quando comparado com o comércio de outras nações, é fonte de renda e riquezas para nosso país. O órgão brasileiro encarregado de supervisionar a entrada e saída de mercadorias e a Secretaria da Receita Federal (SRF ou RF). É o que afirma o Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009, conhecido como Regulamento Aduaneiro – RA (BRASIL, 2009) em seu art. 15: 42 Art. 15. O exercício da administração aduaneira compreende a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, em todo o território aduaneiro. Parágrafo único. As atividades de fiscalização de tributos incidentes sobre as operações de comércio exterior serão supervisionadas e executadas por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Ou seja: toda fiscalização sobre o Comércio Exterior é realizada pela Receita Federal. O Regulamento Aduaneiro afirma, também, que a Receita pode editar atos normativos que regulamentem aspectos do Comex. Primordialmente, a fiscalização sobre o Comércio Exterior ocorre na zona primária do território aduaneiro. De acordo com o Regulamento Aduaneiro (BRASIL, 2009): Art. 2º O território aduaneiro compreende todo o território nacional. Art. 3º A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo o território aduaneiro e abrange (Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, art. 33, caput): I–a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarcadas pela autoridade aduaneira local: a) a área terrestre ou aquática, contínua ou descontínua, nos portos alfandegados; b) a área terrestre, nos aeroportos alfandegados; e c) a área terrestre, que compreende os pontos de fronteira alfandegados; e II–a zona secundária, que compreende a parte restante do território aduaneiro, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Isso significa que todo o Brasil compõe o chamado território aduaneiro. A zona primária, nesse sentido, é todo aquele local do território nacional 43 em que existe entrada e saída de pessoas e mercadorias do exterior e para lá destinados. Nessa definição encaixam-se portos, aeroportos e zonas terrestres de fronteira. Nesse momento muitos perguntam: isso significa que na zona secundária não há controle aduaneiro? Pelo contrário. Uma vez que a maior parte do território nacional não é contemplada com aeroportos internacionais, portos ou zonas de fronteira, existem as chamadas Estações Aduaneiras de Interior (EADI), conhecidas popularmente como os Portos Secos. O RA (BRASIL, 2009) também menciona esses recintos: Art. 11. Portos secos são recintos alfandegados de uso público nos quais são executadas operações de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de bagagem, sob controle aduaneiro. § 1º Os portos secos não poderão ser instalados na zona primária de portos e aeroportos alfandegados. § 2º Os portos secos poderão ser autorizados a operar com carga de importação, de exportação ou ambas, tendo em vista as necessidades e condições locais. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Com os portos secos, todas as partes do território nacional que não possuem interface direta com o exterior podem ter portos secos. Esses ambientes são bastante úteis para exportadores e importadores, uma vez que se podem realizar operações de carga ou descarga de mercadoriasem caminhões e contêineres. Um produto em trâmite de exportação pode ser fiscalizado no porto seco e, quando chega ao lugar onde embarcará ao exterior, embarcar diretamente sem fiscalizações adicionais. Um produto em trâmite de importação não precisa necessariamente ser fiscalizado no porto ou aeroporto de chegada, e pode ser averiguado em um porto seco mais próximo ao importador. Se não fosse pelos portos secos, certamente as filas para portos, aeroportos e pontos de fronteira seriam ainda maiores do que já são. 44 Até este momento você deve ter percebido que uma palavra apareceu algumas vezes: “alfandegado”. Mas o que significa isso? É nos ambientes alfandegados que a Receita Federal realiza seu mister. Diz o Regulamento Aduaneiro (BRASIL, 2009): Art. 5º Os portos, aeroportos e pontos de fronteira serão alfandegados por ato declaratório da autoridade aduaneira competente, para que neles possam, sob controle aduaneiro: I–estacionar ou transitar veículos procedentes do exterior ou a ele destinados; II–ser efetuadas operações de carga, descarga, armazenagem ou passagem de mercadorias procedentes do exterior ou a ele destinadas; e III–embarcar, desembarcar ou transitar viajantes procedentes do exterior ou a ele destinados. Art. 6º O alfandegamento de portos, aeroportos ou pontos de fronteira será precedido da respectiva habilitação ao tráfego internacional pelas autoridades competentes em matéria de transporte. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Isso significa que somente nos ambientes alfandegados é que pode ocorrer a chegada ou saída de pessoas ou mercadorias do exterior ou para lá destinados. É nesses ambientes que toda a fiscalização aduaneira ocorrerá. 1.3 O SISCOMEX e a classificação fiscal de mercadorias: SH e NCM No passado, toda a operação de importação ou exportação era feita da forma mais analógica. Exportadores ou importadores preenchiam ou datilografavam formulários e os entregavam na sede da Receita Federal. Isso mudou, felizmente, em meados da década de 1990 com a criação 45 do Sistema Integrado de Comércio Exterior, hoje administrado pela Receita Federal. De acordo com a própria Receita (BRASIL, 2020): O Sistema Integrado de Comércio Exterior–Siscomex é um instrumento administrativo que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior. Foi instituído pelo Decreto nº 660, de 25 de setembro de 1992, e constituiu extraordinário avanço, ao informatizar os controles existentes, que eram realizados por meio de declarações em papel, carimbos e assinaturas. Inovou também ao criar um fluxo único de informações, em que todos os intervenientes, públicos e privados, registram informações, declarações em sucessivas etapas, conforme fluxograma estabelecido, uniformizando assim os procedimentos. Não é possível, por exemplo, prestar uma informação a um órgão, e prestar outra, diferente, a outro. (BRASIL, 2020, [s.p.]) O Siscomex Exportação entrou em vigor entre 1992 e 1993. O Siscomex Importação entrou em vigor um pouco depois, em 1997. Atualmente, os órgãos anuentes – aqueles que precisam dar seu aval para a importação ou exportação de determinados itens –, os órgãos intervenientes – aqueles que de alguma forma atuam no comércio exterior, sejam despachantes aduaneiros ou as autarquias especializadas do governo – e ainda outros têm uma interface com o Siscomex, e todas as operações de exportação ou importação estão centralizadas ali. O Siscomex tem, também, seus órgãos gestores, que são a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), órgão ligado à Presidência da República. De acordo com a Receita Federal (2020), podem acessar o Siscomex: Aduana: AFRFB, ATRFB e outros servidores aduaneiros; Secex, Bacen e anuentes: atuam no controle administrativo e cambial; Importador [ou exportador]; 46 Depositário: responsável pelo Recinto Alfandegado (RA), fiel depositário das cargas sob controle aduaneiro; Transportador: transportador de cargas do percurso internacional e/ou transportador de trânsito aduaneiro. (BRASIL, 2020, [s.p.]) No Siscomex, os importadores ou exportadores efetuam todo o cadastro da operação de comércio exterior que estão realizando. No caso dos importadores, é apontado o valor aduaneiro da mercadoria, seu fabricante, porto de origem, transportador e porto de destino. No caso dos exportadores, declaram-se no Siscomex o valor aduaneiro da mercadoria, seu destinatário, porto de origem, porto de destino e transportador. Em ambos os casos, o INCOTERM da operação deve também ser informado. E, também, em ambos os casos, informa-se a NCM da mercadoria. NCM significa Nomenclatura Comum do Mercosul. Trata-se de um código de ao menos oito dígitos utilizado nas operações comerciais dos países membros do Mercosul desde 1995. A NCM tem como base um outro sistema de classificação fiscal de mercadorias, chamado Sistema Harmonizado (SH). O SH foi criado pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA) após décadas de estudo de formas distintas de classificar mercadorias. Como ensina Nyegray (2016, p. 263), “atualmente, mais de 200 países utilizam o SH, e 98% do comércio mundial adota seus códigos”. A ordem dos itens não é alfabética ou por gênero (animal, vegetal, mineral) mas por “ordem crescente da participação humana na criação do bem. Por esse motivo, o primeiro capítulo é o de animais vivos e o último, obras de arte” (LUZ, 2010, p. 299 apud NYEGRAY, 2016, p. 263). A Nomenclatura Comum do Mercosul que entrou em vigor em 1995 baseia-se na lista do Sistema Harmonizado e acrescenta-lhe dois dígitos, como mostra a Figura 2 a seguir. 47 Figura 2 – A especificação da Nomenclatura Comum do Mercosul Fonte: Nyegray (2016, p. 282). A tabela da NCM consiste em 99 capítulos, dos quais dois estão em branco para utilização futura. Um dos grandes avanços que a lista do SH – e, consequentemente, da NCM – trouxe foi a possibilidade de atualização e uso contínuo, pela sua estrutura ramificada, sem a necessidade de reclassificar tudo o que já está ali. Além dos dois dígitos a mais que o código do NCM acrescenta à lista do SH, há mais uma diferença. Enquanto a tabela do Sistema Harmonizado consiste em duas colunas (código e descrição da mercadoria), a tabela da NCM possui três colunas distintas: código, descrição da mercadoria e TEC. TEC significa Tarifa Externa Comum. Uma vez que Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina compõem o bloco do Mercosul, a ideia inicial era que os países cobrassem os mesmos impostos dos produtos oriundos de países de fora do bloco, o que não ocorre. 48 Ainda assim, para a Legislação Aduaneira e para o Direito Tributário brasileiro a TEC é a base para o cálculo do imposto de importação e dos demais tributos que incidem sobre as operações de comércio exterior. 1.4 Delitos e infrações aduaneiras Da mesma forma que a integração econômica global proporcionada pela globalização facilitou os negócios e a vida das pessoas, aproximando compradores de vendedores e clientes de fornecedores, algumas coisas ruins também se tornaram mais fáceis. É o caso da criminalidade em escala global. O comércio exterior não escapa dessa triste realidade, e muitas vezes é utilizado para o cometimento de crimes. Inicialmente, os crimes, delitos e infrações são objeto do Direito Penal. De acordo com o Código Penal, um crime é toda aquela conduta à qual a lei atribui uma pena, seja qual for essa penalidade (reclusão, detenção ou pagamento de multa, por exemplo). Nesse sentido, um delito seria uma conduta à qual a lei também atribui uma pena, embora seja uma conduta de menor potencial ofensivo. Seja nos crimes ou nos delitos, muitas das condutas são praticadas não apenas por uma, mas por várias pessoas. No caso do Comércio Exterior é comum que os jornais noticiem quadrilhas especializadas em traficar drogas ou armas através de fronteiras. Tem-se aqui um crime cometido, ao mesmo tempo, por várias pessoas. Mas afinal, quaissão os crimes que podem ocorrer no Comércio Exterior? Vejamos o Código Penal (BRASIL, 1940): Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena–reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (BRASIL, 1940, [s.p.]) 49 Trata-se, portanto, de trazer um produto permitido do exterior para o Brasil, mas sem o devido pagamento dos tributos. Muitas vezes a pessoa que trouxe os produtos sem pagar impostos já os vendeu. É por isso que o Código Penal (BRASIL, 1940) vai além no artigo 334: § 1º Incorre na mesma pena quem: I–pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; II–pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho III–vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; IV–adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. § 2o Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (BRASIL, 1940, [s.p.]) Ou seja: o descaminho não é apenas trazer mercadoria permitida do exterior sem o devido pagamento dos tributos, mas armazenar, vender, ocultar ou beneficiar-se do descaminho de forma geral. Muitas pessoas confundem o descaminho e o contrabando. E o que é contrabando? Vejamos mais uma vez o que diz o Código Penal (BRASIL, 1940): Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena–reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (BRASIL, 1940, [s.p.]) 50 Eis aqui a diferença entre ambas as condutas: o contrabando envolve mercadoria proibida. Da mesma forma que fez em relação ao descaminho, no contrabando o Código Penal (BRASIL, 1940) também vai além: § 1º Incorre na mesma pena quem: I–pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; II–importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; III–reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação; IV–vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; V–adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) § 2º–Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. § 2º–Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (BRASIL, 1940, [s.p.]) Neste caso estão as drogas, armas, munições e até mesmo a importação de certos tipos de medicamentos e de agrotóxicos. Ainda que medicamentos e agrotóxicos sejam permitidos pela lei brasileira, trazer ou enviar esses produtos requer autorizações e procedimentos especiais, não cumpridos pelos contrabandistas. Ou seja: o descaminho envolve mercadorias permitidas. O contrabando envolve mercadorias 51 proibidas ou mercadorias permitidas, mas sem o devido processo de importação ou exportação. Nesta leitura digital você aprendeu que a Organização Mundial do Comércio não apenas conta com princípios norteadores da atuação dos Estados em termos de Comércio Internacional, mas há também mecanismos de implementar essas regras. O Órgão de Solução de Controvérsias é a grande inovação da OMC em relação ao comércio global, uma vez que ali os países podem demandar as nações que adotam práticas prejudiciais ao comércio como um todo. Quando uma nação concede um subsídio, ilegal por conta do princípio da concorrência leal e proibição às subvenções, a nação afetada pode aplicar uma medida compensatória. De outro lado, quando há um surto de importações que não é fruto de uma prática ilegal, o país afetado pode aplicar uma medida de salvaguarda. Em ambos os casos, aplica- se uma sobretaxa ao produto importado. Nesta leitura digital você aprendeu também que o órgão responsável pelo Comércio Exterior brasileiro é a Receita Federal. A Receita realiza sua fiscalização em todo o território aduaneiro, em especial nos recintos alfandegados em zona primária. Os importadores e exportadores iniciam suas operações internacionais por meio do Sistema Integrado de Comércio Exterior, o SISCOMEX. Ali são colocados os detalhes do que está sendo importado e exportado, como valores, origem, destino e NCM, que é o código da Nomenclatura Comum do Mercosul. O NCM tem por base outra classificação fiscal de mercadorias que é o Sistema Harmonizado, originalmente elaborado pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA). Por fim, você aprendeu que entre os crimes e delitos aduaneiros estão, principalmente, o descaminho – que consiste em trazer do exterior mercadoria permitida, mas sem o devido pagamento de tributos – e o contrabando, que consiste em trazer do exterior mercadoria permitida sem o devido procedimento ou trazer mercadoria proibida. 52 Referências BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Regulamento Aduaneiro. Brasília: D.O.U., 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 29 nov. 2021. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro: D.O.U., 1940. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 29 nov. 2021. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/ assuntos/politica-externa-comercial-e-economica/comercio-internacional/o-sistema- de-solucao-de-controversias-da-omc. Acesso em: 3 set. 2021. BRASIL. Receita Federal. Sistema Integrado de Comércio Exterior. Receita Federal, 18 set. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/ aduana-e-comercio-exterior/importacao-e-exportacao/sistema-integrado-de- comercio-exterior-siscomex. Acesso em: 3 set. 2021. NYEGRAY, João A. L. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. 53 O ambiente internacional de negócios Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Isamaura Krauss Franco Objetivos • Entender como é realizado o controle aduaneiro. • Compreender os termos internacionais de comércio. • Entender o balanço de pagamentos e os riscos e desafios da atuação empresarial global. 54 1. O ambiente internacional de negócios A globalização certamente aproximou pessoas e países. No entanto, ainda que possamos ter acesso a bens fabricados pelas mesmas empresas – os mesmos perfumes, automóveis e até assistimos aos mesmos filmes – isso não significa que o mundo hoje é plenamente padronizado. Pessoas e países ainda têm diferenças culturais significativas. Toda vez que uma empresa se internacionaliza, essa organização carrega ao exterior características de sua cultura original. Mesmo com potenciais diferenças culturais, grande parte da riqueza dos países vem das trocas comerciais. Alguns produtos como as commoditiessão padronizados, o que facilita sua comercialização. Outros como vestuário e alimentação, necessitam de maior adaptação. Seja como for, pode-se analisar as trocas internacionais de um país por sua balança de pagamentos. Foi para facilitar essas trocas que a Câmara de Comércio Internacional criou os Termos Internacionais de Comércio. Todos esses fatores, portanto, estão interrelacionados e falaremos deles pelas próximas páginas. Pronto para aprender a respeito? Bons estudos! 1.1 O controle aduaneiro Buscando proteger a saúde da população de produtos nocivos ou não devidamente importados, e tentando proteger aqueles que agem em conformidade com a lei e pagam seus tributos da forma correta, a Receita Federal realiza o chamado controle aduaneiro no caso do Brasil. Inicialmente, importadores e exportadores colocam as informações de suas transações internacionais no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Ainda assim, a Receita Federal efetua a conferência do que chega e do que sai de nosso país. 55 O Regulamento Aduaneiro, o Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009 (BRASIL, 2009) afirma que: Art. 15. O exercício da administração aduaneira compreende a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, em todo o território aduaneiro Parágrafo único. As atividades de fiscalização de tributos incidentes sobre as operações de comércio exterior serão supervisionadas e executadas por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Sobre o que é realizado o controle aduaneiro? Pessoas, mercadorias e veículos. O art. 26 do Regulamento Aduaneiro diz, em seu primeiro parágrafo: “§ 1º O controle aduaneiro do veículo será exercido desde o seu ingresso no território aduaneiro até a sua efetiva saída, e será estendido a mercadorias e a outros bens existentes a bordo, inclusive a bagagens de viajantes.” Isso significa que, em áreas de trânsito internacional de veículos, a aduana pode fiscalizar não apenas o veículo em si, mas as bagagens e as pessoas que ali estão (BRASIL, 2009). No caso das mercadorias, o controle aduaneiro é feito pelos documentos que amparam a transação comercial. Ensina Nyegray (2016, p. 87) que quando: se celebra uma venda internacional, contrata-se um serviço de frete que transportará a mercadoria até o país de destino. Quando transportadores internacionais contratam um frete, emite-se o que se chama de conhecimento de carga. De acordo com a Receita Federal, O conhecimento de carga, também conhecido como conhecimento de transporte emitido pelo transportador, define a contratação da operação de transporte internacional, comprova o recebimento da mercadoria na origem e a obrigação de entregá-la no lugar de destino. (NYEGRAY, 2016, p. 87) O próprio Regulamento Aduaneiro comenta a respeito do conhecimento e dos manifestos de carga, em especial a partir do art. 44. Em seu artigo 56 42, o RA explica um pouco mais do controle aduaneiro realizado pela Receita Federal (BRASIL, 2009): O responsável pelo veículo apresentará à autoridade aduaneira, na forma e no momento estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o manifesto de carga, com cópia dos conhecimentos correspondentes, e a lista de sobressalentes e provisões de bordo. (BRASIL, 2009, [s.p.]) Essas documentações todas são analisadas pelos auditores-fiscais da Receita quando as embarcações e mercadorias chegam ao Brasil, e também quando estão saindo daqui para o exterior. Aqui muitos questionam: mas e o que ocorre quando há um indício de fraude? É o RA (BRASIL, 2009) que responde esse questionamento: “Art. 36. Havendo indícios de falsa declaração de conteúdo, a autoridade aduaneira poderá determinar a descarga de volume ou de unidade de carga, para a devida verificação, lavrando-se termo.” Todo esse procedimento destinado a verificar a veracidade daquilo que chega, dos documentos e do que os importadores e exportadores declaram é o que se chama de despacho aduaneiro. No ensinamento de Nyegray (2016, p. 90) o “despacho aduaneiro tem por finalidade verificar a exatidão dos dados declarados pelo exportador ou importador em relação à mercadoria exportada ou importada, aos documentos apresentados e à legislação vigente”. O Regulamento Aduaneiro aborda esse tema a partir do artigo 542. Rigorosamente toda a mercadoria procedente do exterior, até mesmo aquela que não ficará em definitivo no Brasil, deve ser submetida ao procedimento de despacho aduaneiro. E quando se inicia o procedimento de despacho, quando a mercadoria chega ao Brasil, no caso das importações? Ainda antes disso: quando as operações – sejam de exportação sejam de importação – são cadastradas no Siscomex? 57 Uma vez registrada a importação ou exportação, efetuam-se os procedimentos de conferência aduaneira, dentre os quais destaca-se a parametrização. Os canais de parametrização podem ser vistos na Figura 1. Figura 1 – Canais de Parametrização Fonte: elaborada pelo autor. É o próprio Siscomex quem direciona as cargas que chegam ou saem do país para um dos canais de parametrização. A Instrução Normativa RFB n. 680, de 2 de outubro de 2006, afirma que: Art. 21. Após o registro, a DI será submetida a análise fiscal e selecionada para um dos seguintes canais de conferência aduaneira: 58 I–verde, pelo qual o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados o exame documental e a verificação da mercadoria; II–amarelo, pelo qual será realizado o exame documental, e, não sendo constatada irregularidade, efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria; III–vermelho, pelo qual a mercadoria somente será desembaraçada após a realização do exame documental e da verificação da mercadoria; e IV–cinza, pelo qual será realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a apuração de elementos indiciários de fraude. (BRASIL, 2006, [s.p.]) Como se pode perceber, são níveis distintos de conferência, com características também distintas. Entre a parametrização na importação e exportação muda a cor do canal intermediário (amarelo na importação e laranja na exportação), mas o caráter da conferência documental permanece o mesmo. 1.2 Os Termos Internacionais de Comércio Cada país caracteriza-se por um tipo de sistema jurídico e forma de organização de suas leis. O Brasil, por exemplo, tem na Constituição Federal sua lei máxima. Aqui, a aplicação da lei baseia-se nas normas escritas como o Código Civil, o Código Penal ou mesmo o Regulamento Aduaneiro. Em outros países, por outro lado, a aplicação da lei tem por base os costumes de determinada região, assim como julgamentos anteriores de temas semelhantes. Há também aqueles países onde toda a lei baseia-se em preceitos religiosos. Como você pode perceber, são muito diferentes esses sistemas legais entre si. Por conta de tais diferenças, durante muito tempo, importadores e exportadores não conseguiam chegar a um consenso a respeito de 59 quem deveria pagar o frete e o seguro da mercadoria transacionada. Quem paga o frete e seguro da fábrica até o porto do país de origem? E do porto de origem até o porto de destino? E do porto de destino até a fábrica ou armazém de destino? No ensinamento de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 330): Para eliminar essas contendas, um sistema universal e padronizado de termos de venda e entrega, conhecido como Incoterms (abreviatura de International Commercial Terms) foi desenvolvido pela Câmara Internacional do Comércio (http://www.iccwbo.org). Comumente usados em contratos de vendas internacionais, os Incoterms especificam como compradores e vendedores rateiam o custo de frete e seguro, além do ponto a partir do qual o comprador assume a responsabilidade pelos bens. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 330) Para manter os Incoterms atualizados, a Câmara Internacional do Comércio os atualiza de 10 em 10anos, retirando aqueles que estão em desuso e acrescentando modificações. Os Termos Internacionais de Comércio estão divididos em quatro grupos distintos: E, F, C e D. Do primeiro Incoterm, o Ex-Works (EXW) até o último Delivered Duty Paid (DDP), a responsabilidade pelo pagamento do frete e do seguro internacional vai, aos poucos, saindo do comprador e migrando para o vendedor. No quadro a seguir, você pode consultar quatro Incoterms: o primeiro, o último e os dois mais usados. Quadro 1 – Incoterms Incoterm Sigla Significado Ex-Works EXW O comprador retira a mercadoria na fábrica do vendedor, e todo o transporte dali até o destino ficam por sua conta. 60 Free on Boad FOB O vendedor entrega a mercadoria pronta para exportação no navio no porto de origem. Dali em diante a responsabilidade por frete e seguro é do comprador. Cost, Insurance and Freight CIF O vendedor entrega a mercadoria pronta para exportação no navio no porto de origem, com frete e seguro pagos até o porto de destino. Do porto de destino até sua fábrica ou armazém, a responsabilidade pela mercadoria é do comprador. Delivered Duty Paid DDP O vendedor entrega a mercadoria com tributos, frete e seguro pagos no país do comprador. Fonte: elaborado pelo autor. Como você pode perceber nesse quadro, a obrigação vai mudando de mãos: enquanto o Incoterm EXW representa obrigação máxima para o comprador e mínima para o vendedor, o Incoterm DDP é exatamente o oposto: obrigação máxima para o vendedor e obrigação mínima para o comprador. A partir do surgimento dos Incoterms, seja qual for o regime jurídico do importador ou exportador, independentemente do seu sistema legal; há uma harmonização das práticas comerciais. Os Incoterms certamente facilitaram muito as transações comerciais globais. Os dois mais utilizados hoje são o FOB e o CIF. 1.3 O Balanço de Pagamentos O registro de tudo aquilo que entra e sai dos países é normalmente realizado pelos seus respectivos ministérios da economia. Isso ajuda os países a monitorar seu comércio, criar estatísticas e saber quais áreas 61 precisam ou não ser estimuladas para que a nação prospere. É aqui que entra a importância do chamado Balanço de Pagamentos. No ensinamento de Lima, Silber e Vasconcellos (2011): O Balanço de Pagamentos de um país nada mais é que o registro contábil de todas as operações de um país com o resto do mundo. Em termos gerais, o Balanço de Pagamentos é composto de cinco grandes itens: Balança Comercial, Conta de Serviços e Rendas, Transferências Unilaterais Correntes, Balanço de Transações Correntes (que é a soma das anteriores) e a Conta de Capitais (Capital e Financeira). (LIMA; SILBER; VASCONCELLOS, 2011, p. 114) Trata-se de uma área bastante importante para economistas, como fica fácil de perceber pela composição do Balanço de Pagamentos apontada na citação apresentada. O balanço de pagamentos é, inicialmente, um mecanismo de contabilidade nacional que ajuda um país e seus governantes a entender de onde vieram e para onde foram suas principais riquezas. No ensinamento de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010), em um nível mais amplo, os governos devem administrar seu balanço de pagamentos, o cômputo anual de todas das transações de um país com todos os demais. Isso representa o balanço geral de comércio, investimentos e transferências de pagamento de um país com o restante do mundo. Representa a diferença entre o total de entrada e saída de moeda de um país. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 213) Para o comércio exterior há uma parte de especial interesse: a balança comercial. A balança comercial representa a diferença entre as exportações e as importações de uma determinada nação. Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010) comentam que a balança comercial: é a diferença entre o valor monetário das exportações de um país e suas importações no decorrer de um ano. Por exemplo, se a Alemanha exporta carros para o Quênia, a moeda deixa o Quênia para entrar na Alemanha, 62 porque o importador queniano paga o exportador alemão. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 215) Entram aqui duas palavras: déficit e superávit. Há um déficit toda vez que um país importa mais do que exporta. Há um superávit toda vez que um país exporta mais do que importa. Figura 2 – Balança comercial pressionada por importações e exportações Fonte: elaborada pelo autor. Um país deficitário, que importa mais do que exporta, perceberá uma saída maior de moeda estrangeira. Em um cenário assim, a moeda interna se desvaloriza e as moedas externas tornam-se escassas. De outro lado, um país que mais exporta do que importa terá uma entrada maior de moedas estrangeiras. Como consequência, a moeda local se valorizará. Com isso podemos perceber, como ensinam Cavusgil, Knight 63 e Riesenberger (2010, p. 216), que a balança comercial de cada país tem muita relação com o câmbio: A balança comercial de cada país está intimamente associada à taxa de câmbio de sua moeda. Se um país possui superávit comercial, há relativamente mais demanda por sua moeda, que pode se fortalecer, ou valorizar, com o tempo. Por outro lado, se ele apresenta uma posição crônica de déficit, sua moeda pode enfraquecer ou desvalorizar com o tempo. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 216) Ou seja: se você ouvir a notícia de que o dólar está “em alta” ou “subindo”, significa que há muitos dólares deixando o Brasil, e essa moeda está ficando mais escassa. Como consequência, seu valor em relação ao real sobe e nossa moeda se desvaloriza. De outro lado, se você ouvir que o dólar está “em queda” isso significa que há mais dólares entrando no Brasil, e que está havendo um aumento na oferta dessa moeda. Esse é o caso do real valorizado. Dólares caros podem favorecer a exportação, uma vez que os produtos nacionais ficam mais baratos para o mercado externo. Por exemplo, se US$ 1 está a R$ 5 então tudo o que o Brasil produzir por R$ 500 acabará custando US$ 100 para os importadores externos. Nesse cenário, os importadores é que são prejudicados, pois gastarão mais reais para pagar suas compras em dólares. Ao contrário do que se pensa, importações não são ruins. Pode-se importar tecnologias e maquinário que vão modernizar o país. Por isso o câmbio deve, ao mesmo tempo, conseguir a árdua tarefa de agradar importadores e exportadores. 1.4 Riscos e desafios da atuação empresarial global O mundo de hoje é composto por pelo menos duas centenas de países. O país mais novo do mundo é o Sudão do Sul, que surgiu em 2011 após um triste genocídio ocorrer na parte sul do Sudão. Além dos países, o ambiente internacional possui diversas Organizações Internacionais 64 (O.I.’s). São órgãos internacionais criados por Estados, cada qual com personalidade própria. Podem ser globais, como a Organização Mundial do Comércio ou como a Organização das Nações Unidas, ou regionais como a Organização dos Estados Americanos. Além disso, cada um dos cerca de 206 países tem suas culturas próprias. Sim, culturas, no plural. Mais de uma. Veja só o caso brasileiro. O Sul tem expressões idiomáticas que o Nordeste não conhece. O Sudeste tem hábitos que o centro-oeste não sabe quais são. A Região Norte tem uma rica gastronomia que muitas vezes não atinge outras regiões do país. O mesmo ocorre em várias outras nações. A África do Sul, por exemplo, possui 13 idiomas oficiais mesmo sendo um país territorialmente muito menor do que o Brasil. Cada um dos mais de 200 países, com suas dezenas de culturas distintas, tem suas centenas de empresas. Essas centenas de empresas podem tanto atuar domesticamente quando de forma internacional. Ao internacionalizarem-se, as empresas carregam sua cultura de origem e entram em contato com a cultura do mercado de destino. Surge um risco ao qual devemos estar sempre atentos: o risco intercultural. Como ensinam Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 9), Risco intercultural refere-se a uma situação ouevento em que a má interpretação cultural coloca em jogo alguns valores humanos. Decorre de diferenças em idioma, estilo de vida, modo de pensar, costumes e religião. Os valores singulares de uma cultura tendem a ser duradouros e transmitidos de uma geração a outra. Esses valores influenciam a mentalidade e o modo de trabalhar de funcionários e os padrões de compra de consumidores. As características dos clientes estrangeiros diferem de forma significativa das dos locais. O idioma constitui uma dimensão crucial da cultura, pois, além de facilitar a comunicação, é uma janela para os sistemas de valores e condições de vida de um povo. Por exemplo, na língua dos esquimós há várias palavras para ‘neve’ enquanto para os astecas na América do Sul a mesma raiz linguística denota neve, gelo e frio. Na tradução de uma língua para outra, com frequência é difícil encontrar palavras que transmitam o mesmo 65 significado. […] Tais desafios impedem a comunicação efetiva e causam mal- entendidos. A falha de comunicação causada por diferenças culturais dá origem a estratégias inadequadas de negócios e relações ineficazes com os clientes. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 9) Ou seja: a cultura representa um grande risco e um grande desafio para a internacionalização. Mas a cultura não é algo herdado geneticamente que está no sangue das pessoas. É algo que pode ser aprendido e compreendido. Por isso, as empresas acabam adaptando seus produtos para que estejam de acordo com as culturas dos mercados de destino. Isso envolve, inclusive, as cores. Para nós, brasileiros, o preto é a cor do luto; mas os japoneses expressam seu luto usando branco. Os sul-africanos expressam seu luto usando vermelho. O McDonald’s dos Emirados Árabes, sabendo que boa parte da população local vem da Índia e Paquistão, oferece suas refeições com opções de carne de frango e carneiro. Índia e Paquistão são países de maioria hindu e estes não consomem carne bovina. A Brasil Foods especializou-se em realizar o chamado “abate Halal”, que segue a lei religiosa dos muçulmanos e, como consequência, passou a vender frango em grandes quantidades para Egito e Arábia Saudita. Além do desafio de passar a barreira cultural para internacionalizar, empresários brasileiros precisam saber lidar com a burocracia que caracteriza nosso comércio exterior, em suas mais de 3.600 regras. Essa burocracia, aliada à infraestrutura ruim, é uma das responsáveis pela posição 26ª do Brasil no ranking dos maiores exportadores do mundo. Outro desafio importante está na criação de estratégias internacionais adequadas. Buscar clientes internacionais é uma tarefa que acaba levando bastante tempo, e por isso paciência é fundamental. As estratégias de internacionalizam devem, então, ser sempre de longo prazo. Empresas devem estar atentas a situações que possam gerar oportunidades para sua inserção global. Por exemplo: mudanças demográficas. Quando um 66 número maior de clientes sai da classe C e vai para a classe B, esses clientes buscarão produtos e serviços diferentes daqueles que consumiam antes. Outra mudança demográfica relevante está na idade média das pessoas. O Brasil, por exemplo, é um país em que as pessoas estão tendo menos filhos e vivendo mais. Como consequência, teremos em breve um número maior de pessoas na 3ª idade. Uma vez que as modernas tecnologias médicas e farmacêuticas permitem uma vida mais longa – e melhor –, a 3ª idade está cada vez mais ativa. Tem-se nessa nova característica desse público uma oportunidade para oferecer produtos e serviços que atendam às novas demandas dessas pessoas. Outra fonte importante de oportunidades está nos hábitos dos consumidores. Enquanto o fast-food perde adeptos, a alimentação saudável ganha clientes. Além da alimentação saudável, a prática de atividades físicas e a busca por estilos de vida que façam bem também registraram um aumento em seus adeptos. Para internacionalizar-se, a empresa e os profissionais devem considerar se essas mudanças estão sendo percebidas também em outros países, e de que forma. Em um mundo tão dinâmico e integrado, estar atento a esses fatores todos pode, certamente, representar melhor inserção da organização em mercados globais. Nesta leitura digital você aprendeu a respeito do controle aduaneiro realizado pela Receita Federal. Esse controle é feito sobre pessoas, veículos e mercadorias destinadas ao exterior ou de lá provenientes. A Receita fiscaliza os transportadores internacionais, assim como as cargas que chegam a portos, aeroportos ou pontos de fronteira. O Sistema Integrado de Comércio Exterior, onde são registradas as operações de importação e exportação, direcionam as cargas para um dos canais de parametrização: verde, amarelo ou laranja e vermelho. Em casos em que há indícios de fraude, o Siscomex direciona as cargas ao chamado “canal cinza”. 67 Você aprendeu também que existem termos internacionais de comércio – os Incoterms – que facilitaram a vida de importadores e exportadores ao padronizar as opções para pagamento do frete e do seguro internacional. Os Incoterms estão divididos em quatro grandes grupos, e os mais utilizados são o Incoterm FOB e o Incoterm CIF. Para sistematizar as informações das transações comerciais, existe o chamado balanço de pagamentos. Em termos de comércio exterior, um dos itens mais importantes do balanço de pagamentos é a balança comercial. Países que exportam mais do que importam possuem uma balança comercial superavitária. De outro lado, países que importam mais do que exportam têm uma balança comercial deficitária. Por fim, você aprendeu que a atuação internacional das organizações tem vários riscos – como os riscos culturais e burocráticos –, mas que empresas comprometidas com sua atuação internacional conseguem superar esses riscos adotando boas estratégias e conhecendo os potenciais mercados de destino para seus produtos ou serviços. Referências BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Regulamento Aduaneiro. Brasília: D.O.U., 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 29 nov. 2021. BRASIL. Receita Federal. Secretaria da Receita Federal. Instrução Normativa SRF n. 680, de 2 de outubro de 2006. Disciplina o despacho aduaneiro de importação. Disciplina o despacho aduaneiro de importação. 2006. Disponível em: http:// normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15618. Acesso em: 4 set. 2021. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais – estratégia, gestão e novas realidades. Pearson: São Paulo, 2010. LIMA, Miguel; SILBER, Simão; VASCONCELLOS, Marco A. Manual de Economia e Negócios Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011. NYEGRAY, João A. L. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. 68 BONS ESTUDOS! Sumário Noções introdutórias ao Comércio Internacional e Exterior Objetivos 1. Noções introdutórias ao Comércio Internacional e Exterior Referências Internacionalização de empresas e os órgãos do comércio internacional Objetivos 1. A internacionalização e os órgãos do comércio internacional Referências A regulamentação brasileira sobre o Comércio Exterior Objetivos 1. A internacionalização e os órgãos do comércio internacional Referências O ambiente internacional de negócios Objetivos 1. O ambiente internacional de negócios Referências