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TRIBUTAÇÃO ADUANEIRA E COMPETITIVIDADE W B A 04 37 _v 1. 1 2 João Alfredo Lopes Nyegray Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 TRIBUTAÇÃO ADUANEIRA E COMPETITIVIDADE 1ª edição 3 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Henrique Salustiano Silva Juliana Caramigo Gennarini Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Tayra Carolina Nascimento Aleixo Revisor Fernanda da Silva Ferreira Oliveira Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Gilvânia Honório dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Nyegray, João Alfredo Lopes N994t Tributação aduaneira e competitividade/ João Alfredo Lopes Nyegray, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020. 42 p. ISBN 978-65-86461-98-5 1.Valor aduaneiro. 2. Comércio internacional I. Nyegray, João Alfredo Lopes. II. Título. CDD 380 ____________________________________________________________________________________________ Jorge Eduardo de Almeida CRB: 8/8753 © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Noções Introdutórias à Legislação Aduaneira _______________________ 05 Classificação fiscal de mercadorias e as normas tributárias ________ 20 Regimes Aduaneiros Especiais ______________________________________ 37 Controle, crimes e competitividade _________________________________ 51 TRIBUTAÇÃO ADUANEIRA E COMPETITIVIDADE 5 Noções Introdutórias à Legislação Aduaneira Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Fernanda da Silva Ferreira Oliveira Objetivos • Entender a Legislação Aduaneira e sua inserção entre os demais ramos do Direito. • Compreender aspectos básicos do Direito Aduaneiro, como território e jurisdição aduaneiros. • Entender o que é, como se define e para que serve uma política de comércio exterior. 6 1. Introdução à Legislação Aduaneira Existem alguns fenômenos tão recorrentes e tão cotidianos para nós que se tornou difícil perceber a sua existência. É o caso da globalização. Estamos cercados de eletrônicos chineses e sul-coreanos; automóveis franceses, alemães e italianos; medicamentos estadunidenses e ingleses; frutos do mar de salvadorenhos; ares-condicionados japoneses; e dezenas de outros gêneros de produtos de dezenas de outros países. Assim, a globalização faz parte de nossa vida sem que muitas vezes nos demos conta disso. No entanto, não é assim tão simples do ponto de vista operacional que tais produtos cheguem até nós. É necessário passar por todo um trâmite burocrático de entrada no Brasil, o que é tema da área de Legislação Aduaneira. Pelas próximas páginas, iremos nos familiarizar com os aspectos iniciais da área, entendendo o que é, do que se trata e como se divide. Aprenderemos sobre legislar sobre aduana e comércio exterior, sobre onde ocorre a fiscalização aduaneira e a respeito das políticas de comércio exterior. 1.1 Comércio internacional e aduana: antecedentes Existem algumas áreas do saber sobre as quais é muito difícil – senão impossível – traçar um histórico de sua ocorrência. O comércio internacional é uma dessas áreas. Desde que o ser humano deixou de ser nômade e estabeleceu-se nas primeiras cidades, o impulso de conhecer o que estava além de suas fronteiras levou-o ou a guerras e conflitos ou a trocas comerciais. Frequentemente, atribui-se à Suméria antiga as primeiras grandes cidades. Assim, desde que tais cidades surgiram, o comércio também brotou. A troca daquilo que tenho pelo o que não tenho ou não consigo produzir permitiu que muitos povos se aproximassem. Desde sempre, o comércio 7 conectou pessoas. No entanto, por mais que sempre tenha existido, foi somente no século XX que o mercado internacional prosperou. Ao mesmo tempo em que surgiu o termo Internacional, surgiu, como sua causa e consequência, a globalização. Como colocam Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010): Em termos práticos, a globalização de mercados evidencia-se em várias tendências correlatas. Em primeiro lugar, há o crescimento sem precedentes do comércio internacional. Em 1960, o comércio internacional foi modesto–de cerca de US$ 100 bilhões ao ano [em 2010, 50 anos depois, o comércio internacional havia chego] a quase US$ 10 trilhões anuais–ou seja, US$ 10.000.000.000.000! Em segundo, o comércio entre as nações é acompanhado por fluxos substanciais de capital, tecnologia e conhecimento. Em terceiro, é o desenvolvimento de sistemas financeiros globais altamente sofisticados e de mecanismos que facilita o fluxo de bens, moeda, tecnologia e conhecimento através das fronteiras. Em quarto lugar, a globalização possibilitou um maior grau de colaboração entre as nações por meio de órgãos multilaterais de regulamentação, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 4) Como mostram os autores, a globalização de mercados é um dos fatores que nos ajudam a entender e explicar a grande evolução do comércio internacional, em especial a partir da segunda metade do século XX. Além de mercadorias, passaram a circular de forma quase livre pelo mundo serviços, capital e conhecimento, mudando de mãos de forma mais fácil. E o que é mesmo o comércio internacional? Novamente, Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010) nos explicam que [...] comércio internacional refere-se à troca de bens e serviços através de fronteiras nacionais, a qual envolve tanto os bens (mercadorias) quanto os serviços (intangíveis). Essa troca pode ocorrer por meio da exportação, uma estratégia de entrada que consiste na venda de bens e serviços a clientes localizados no exterior, a partir de uma base no país de origem ou 8 em um terceiro. Pode também assumir a forma de importação ou global sourcing–a aquisição de bens ou serviços de fornecedores localizados no exterior para consumo no país de origem ou em um terceiro. (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 4) Temos, assim, que tudo o que é trocado, comercializado e transacionado no mundo é fruto da expansão do comércio internacional, proporcionada pela globalização. Assim, é com o comércio que “bens e serviços cruzam as fronteiras nacionais. Por outro lado, no caso do investimento, a própria empresa atravessa fronteiras para assegurar a propriedade de ativos localizados no exterior” (CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p. 4). E como isso nos afeta? Em primeiro lugar, temos acesso a um número maior de produtos e serviços que, se não fosse pelo comércio internacional, dificilmente chegariam ao nosso país. As empresas daqui, por sua vez, passam a ter novos concorrentes: justamente os produtos importados. Essas mesmas empresas, então, podem também buscar outros mercados no exterior. Quem ganha com isso? Nós, consumidores, que acabamos tendo mais opções a nosso dispor. É justamente o crescimento da atividade internacional de comércio que faz com que as atividades aduaneiras se tornemmais e mais necessárias. Tal qual o comércio, a atividade aduaneira de controle de entrada e saída de mercadorias de um país é bastante antiga. 1.2 A Legislação Aduaneira e o Direito Brasileiro Qual a diferença entre os termos aduana e alfândega? Carluci (2001, p. 31) explica que a palavra alfândega “vem do árabe, ‘al-funduq’, que hoje significa hotel. Antigamente as caravanas eram obrigadas, ao chegar, pernoitar no albergue oficial, onde, além de repouso e alimento, recebiam a visita do coletor de impostos”. O autor ainda explica que o termo aduana: 9 [...] tem sentido mais abrangente que Alfândega. Aduana denota mais do que uma repartição, órgão administrativo ou estação arrecadadora: designa a instituição jurídica, a organização ou entidade na totalidade dos seus aspectos e funções e seus múltiplos fins. (CARLUCCI, 2001, p. 33) É justamente por isso que estudamos a Legislação Aduaneira ou o Direito Aduaneiro, e não a “Legislação Alfandegária”. Podemos entender o Direito Aduaneiro, de acordo com Carlucci (2001, p. 14), como “o conjunto de normas e princípios que disciplinam juridicamente a política aduaneira, entendida esta como a intervenção pública no intercâmbio internacional de mercadorias”; ou, de acordo com Contreras (2004, p. 8), como o “conjunto de normas jurídicas que regulam, por meio de um ente administrativo, as atividades ou funções de um Estado em relação ao comércio exterior de mercadorias que entram ou saem dos diferentes regimes do território aduaneiro”. Seja qual for a definição adotada, é importante ressaltar que o Direito Aduaneiro não existe de forma isolada dos demais ramos jurídicos. Deve-se ressaltar que o Direito e a Legislação Aduaneira dialogam de forma muito próxima com o Direito Constitucional, com o Direito Administrativo e com o Direito Tributário. A norma mais importante do Direito brasileiro é a Constituição Federal de 1988 (CF/88), conhecida como a espinha dorsal de todo o nosso sistema de leis, e afirma que apenas a União pode criar normas sobre o comércio exterior. Já o Direito Constitucional é o ramo do Direito que busca entender e interpretar tudo o que se relacione à Constituição, a qual, por sua vez, está no topo do que chamamos de “pirâmide normativa”, que é uma espécie de hierarquia das leis, ou seja, é nossa lei mais importante, mais fundamental. Os demais ramos do direito derivam dela: 10 Figura 1 – Os ramos do Direito Figura 1 – Os ramos do Direito Fonte: elaborada pelo autor. As demais leis brasileiras, em especial o Regulamento Aduaneiro, apontam que o órgão responsável pelo controle das atividades aduaneiras é a Receita Federal, um órgão público ligado ao Ministério da Economia. O ramo do Direito que entende, estuda e normatiza o funcionamento dos órgãos e servidores públicos é o Direito Administrativo. Por fim, uma das finalidades da fiscalização aduaneira é arrecadar tributos a partir das operações de importação e exportação e quem disciplina os procedimentos de arrecadação tributária é justamente o Direito Tributário. Dessa maneira, torna-se claro como o Direito Aduaneiro emerge da convergência entre essas três áreas, como mostra a imagem a seguir: 11 Figura 2 – O Direito Aduaneiro e sua interação com os demais ramos jurídicos Fonte: elaborada pelo autor. O Direito Aduaneiro guarda uma relação bastante ampla com o Comércio Exterior e, portanto, não se pode pensar na aduana e em suas funções sem as operações de comércio exterior que lhe deem sentido. Durante bastante tempo, o Brasil foi um país fechado ao comércio – até 1992 tínhamos cotas de importação anuais e não podíamos importar livremente –, mas hoje já somos um pouco mais abertos, e as cotas deixaram de existir. Por ordem expressa da Constituição Federal, apenas a União (por meio dos deputados e senadores) pode dispor e normatizar a respeito do comércio exterior: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: VIII–comércio exterior e interestadual; (...) 12 Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda. (BRASIL, 1988) Atualmente, não temos mais o Ministério da Fazenda, cujas funções foram incorporadas pelo Ministério da Economia. Ainda assim, a estrutura de nosso Direito Aduaneiro vem da União e deve ser uniformemente aplicada em todo o território nacional. 1.3 O território, a jurisdição e as principais normas aduaneiras É possível ver em filmes o detetive dizer ao outro algo como “isso não é sua jurisdição” ou “você está fora da sua jurisdição”. Mas o que significa isso? Jurisdição é um termo de amplo significado e vem do latim juris dictio, o que significa “dizer o direito”. Trocando em miúdos, significa o poder que o Estado, por meio de seus órgãos, possui para aplicar as leis aos casos concretos. Para os temas aduaneiros, devemos consultar o Decreto n. 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, conhecido como Regulamento Aduaneiro (RA): Art. 3º A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo o território aduaneiro e abrange: I– a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarcadas pela autoridade aduaneira local: (...) II– a zona secundária, que compreende a parte restante do território aduaneiro, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo. (BRASIL, 2009) Pelo artigo anterior, conseguimos entender que o órgão responsável pelo controle aduaneiro possui como área de atuação todo o território nacional, ou seja, possui o controle de todo o território aduaneiro, 13 inclusive o mar e o espaço aéreo territorial. A grande diferença entre as zonas citadas está no fato de a zona primária abranger ambientes com algum laço com o exterior, como portos, aeroportos e zonas fronteiriças, por onde entram e saem pessoas e mercadorias do país; enquanto a zona secundária, como visto, abrange a parte restante do território aduaneiro, incluindo as águas territoriais e o espaço aéreo. O órgão responsável pelo controle aduaneiro é a Receita Federal, que efetua a verificação de pessoas, bagagens e mercadorias nos chamados “recintos alfandegados”, como manda o art. 5º do Regulamento Aduaneiro: Art. 5º Os portos, aeroportos e pontos de fronteira serão alfandegados por ato declaratório da autoridade aduaneira competente, para que neles possam, sob controle aduaneiro: I–estacionar ou transitar veículos procedentes do exterior ou a ele destinados; II–ser efetuadas operações de carga, descarga, armazenagem ou passagem de mercadorias procedentes do exterior ou a ele destinadas; e III–embarcar, desembarcar ou transitar viajantes procedentes do exterior ou a ele destinados. (BRASIL, 2009) Assim, podemos entender que é apenas nos recintos alfandegados que ocorre o controle aduaneiro, o quais estão presentes, preponderantemente, em zonas primárias. O aeroporto internacional de São Paulo, a Ponte da Amizade entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este e o Porto do Rio de Janeiro são exemplos de zonas primárias onde ocorre o controle aduaneiro. Como manda o artigo 8º do RA “Art. 8º Somente nos portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados poderá efetuar- se a entrada ou a saída de mercadorias procedentes do exterior ou a ele destinadas” (BRASIL, 2009). 14 Sendo assim, é nos recintos alfandegados em zonas primárias que ocorre a conferência aduaneira: Figura 3 – Linha da atuação aduaneira Fonte: elaborada pelo autor. Já resto do país é zona secundária, mas ainda assim podem ocorrer fiscalizações aduaneiras com vistas ao envio ou recebimento de mercadorias do exterior. É o que ocorre nos chamados Portos Secos, conforme o Regulamento Aduaneiro: Art. 11. Portos secos são recintos alfandegados de uso público nos quais são executadas operações de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de bagagem, sob controle aduaneiro. (...) § 2º Os portos secos poderão ser autorizados a operar com carga de importação,de exportação ou ambas, tendo em vista as necessidades e condições locais. (BRASIL, 2009) A razão da existência desses estabelecimentos é o fato de muitos estados do nosso país não serem banhados pelo mar, de forma que não possuem portos para escoar ao exterior suas produções, ou de lá receber seus produtos e insumos. Como nem tudo pode ser 15 transportado de avião, os portos secos servem para que neles ocorra a conferência aduaneira, de forma a evitar que tudo o que o país produz precise esperar sua chegada aos portos ou aeroportos para ser fiscalizado. Não fosse pelos portos secos, teríamos os chamados “gargalos logísticos”. Como explica Luz (2012, p. 73), entre os objetivos dos portos secos, está “desafogar essas unidades de zona primária e interiorizar o despacho aduaneiro, levando-o para locais mais próximos aos estabelecimentos dos importadores e exportadores”. Por exemplo, o Mato Grosso produz uma enorme quantidade de soja; então, para facilitar o escoamento dessa produção para o exterior, a conferência aduaneira é feita nos portos secos, de modo que, quando os caminhões carregados chegam ao porto, o trâmite de embarque é mais fácil. 1.4 Política de Comércio Exterior Toda nação determina políticas específicas para áreas específicas. Por exemplo, é comum ouvirmos falar em políticas industriais, que são aquelas por meio das quais um dado governo elege prioridades de desenvolvimento em um determinado setor. Na área de comércio internacional, não é diferente. É justamente aí que entram as chamadas políticas de comércio exterior, ou políticas comerciais. Elas tratam da maneira pela qual um determinado país vai se nortear no seu relacionamento comercial com os demais. As políticas podem ser protecionistas ou de livre comércio: 16 Figura 4 – Políticas Comerciais Fonte: elaborada pelo autor. De um lado, as políticas comerciais podem ser protecionistas ou de fechamento e o Brasil foi assim de 1930 até 1992. Nesse período, houve a tentativa de criação de uma indústria nacional, fechando o país aos produtos importados. Havia cotas de importação que limitavam o acesso do mercado interno a produtos vindos do exterior, já que a ideia era proteger a indústria nacional para que crescesse e florescesse. Outro instrumento comum de políticas protecionistas é a concessão de subsídios. Como ensinam Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p. 53), “a ideia de subsídio envolve uma transferência de renda real da sociedade a um setor selecionado”. Um governo concede um subsídio quando financia uma área específica. O problema dessa lógica é que os produtos subsidiados tendem a ficar mais baratos, não porque foram produzidos de forma inovadora ou tecnológica, mas pelo custeio governamental. 17 Quando um subsídio deixa de existir, os setores anteriormente custeados dificilmente conseguem sobreviver. No caso brasileiro, a política protecionista mostrou-se um retrocesso. Havia no país uma grande demanda e uma pequena oferta. Consequentemente, os consumidores acabavam obrigados a adquirir os itens então ofertados, que nem sempre eram os melhores. Uma política protecionista torna-se maléfica ao consumidor, uma vez que reduz a concorrência. Assim, ao fazer isso, as poucas empresas protegidas em um dado mercado não são estimuladas a inovar ou oferecer produtos de melhor qualidade, pois a oferta é pequena e o consumidor não tem opções. No lado contrário da política protecionista, encontra-se a política de livre mercado ou de abertura, ou seja, aquela na qual não há restrições ao fluxo de comércio ou bens, havendo apenas a regulação do que pode ou não pode ser feito. Nesse cenário, os empresários passam a competir pela qualidade daquilo que ofertam ao consumidor, sendo pressionados pela concorrência interna e externa. Como ensinam Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010): [...] a ausência de restrições ao fluxo de bens e serviços entre as nações é preferível porque: os consumidores e as empresas podem facilmente adquirir os produtos que desejam; (...) as importações podem ajudar a reduzir os custos das empresas, elevando dessa forma seus lucros (que podem ser repassados aos trabalhadores sobre a forma de aumento de salário); as importações podem ajudar a reduzir os gastos dos consumidores, aumentando dessa forma seus padrões de vida; de modo geral, o comércio internacional sem restrições aumenta a prosperidade dos países mais pobres (CAVUSGIL, KNIGHT, RIESENBERGER, 2010, p. 132). O Brasil, que foi protecionista até 1992, teve, nesse ano, sua abertura comercial. A partir de então, as cotas de importação foram retiradas e os produtos importados puderam entrar no país. Houve, como consequência, um choque: a indústria nacional, que estava obsoleta, 18 devido ao protecionismo que desestimulava a inovação e a concorrência, defrontou-se com produtos importados que muitas vezes eram melhores e mais baratos. Nesse momento, muitas empresas fecharam as portas, mas os consumidores tiveram um ganho em opções de escolha. Foi a partir de então que muitas áreas precisaram se reinventar, como a área de eletrodomésticos, vestuário e telefonia. Como ensinam Magnoli e Serapião Jr. (2012, p. 179), o livre comércio estimula “empresários a buscar sempre novas formas de exportar ou de competir com os importados, gerando mais incentivo ao aprendizado e à inovação do que em um sistema de comércio ‘administrado’”. Obviamente que hoje não existe nenhum país que adote plenamente o livre comércio, sem nenhum tipo de regulação. A solução é utilizar órgãos que fiscalizem as operações de comércio exterior das nações. Neste tema da Leitura Digital, aprendemos que o comércio internacional sempre existiu, mas que foi apenas no século XX que ganhou grande força. Hoje, movimenta-se globalmente muito mais do que há 60 ou 70 anos, sendo a globalização, ao mesmo tempo, a causa e a consequência do aumento das atividades de negócios internacionais. No Brasil, o comércio é regulado pelo Ministério da Economia, por meio da Receita Federal, e, como manda a Constituição, é prerrogativa da União legislar sobre o comércio exterior. Também vimos que todo o território nacional é o chamado de “território aduaneiro”, que se divide em zona primária – portos, aeroportos e pontos de fronteira com entrada e saída de pessoas do e para o exterior – e zona secundária. A conferência aduaneira ocorre em recintos alfandegados nas zonas primárias, efetuada pela Receita Federal, ou nos portos secos, os recintos alfandegados da zona secundária, criados para facilitar o escoamento de mercadorias. 19 Por fim, vimos que os países contam com políticas comerciais, ou políticas de comércio exterior, que podem ser burocráticas e restritivas (chamadas de protecionistas) ou livres e abertas (chamadas de políticas de livre comércio). Referências Bibliográficas BAUMANN, Renato; CANUTO, Otaviano; GONÇALVES, Reinaldo. Economia Internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 jun. 2020. BRASIL. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Brasília, DF: Presidência da República, [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 19 mar. 2020. CARLUCCI, José Lence. Uma Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2001. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais: estratégia, gestão e novas realidades. São Paulo: Pearson, 2010. CONTRERAS, Máximo Carvajal. Derecho Aduanero. Mexico: Editorial Porruá, 2004. LUZ, Rodrigo. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira: Série Provas e Concursos. 5. ed. São Paulo: Elsevier-Campus,2012. MAGNOLI, Demétrio; SERAPIÃO JR., Carlos. Comércio Exterior e Negociações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2012. MAIA, Jayme de Mariz. Economia Internacional e Comércio Exterior. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 20 Classificação fiscal de mercadorias e as normas tributárias Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Fernanda da Silva Ferreira Oliveira Objetivos • Entender o funcionamento da classificação fiscal de mercadorias. • Compreender aspectos básicos do Direito Tributário brasileiro. • Entender o funcionamento das normas tributárias para exportação e importação. 21 1. A classificação fiscal de mercadorias e as normas tributárias A segunda metade do século XX presenciou um aumento sem precedentes no comércio internacional. Uma das razões para isso foi, sem dúvidas, a difusão de novas tecnologias em telecomunicações e transportes. Outra importante razão foram os tratados e acordos internacionais de comércio, entre os quais, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) de 1944, que entrou em vigor em 1947 e marcou o início de uma normatização global em termos comerciais.Com o surgimento do GATT, outros acordos foram surgindo, como o acordo que criou as normas de classificação fiscal de mercadorias e as normas de valoração aduaneira, que serão vistas logo adiante. 1.1 Mereologia – a classificação fiscal de mercadorias Pensemos por um momento na quantidade de itens produzidos por todo o mundo. Cada país possuía, até algum tempo atrás, um método de classificar suas mercadorias, uns listavam sua produção por ordem alfabética, enquanto outros iam por ordem de gênero: animal, vegetal ou mineral. Agora, imaginemos se um país que listasse seus produtos em ordem alfabética estivesse exportando o produto 2.305 (“aves congeladas”, por exemplo) para um país que classificasse seus itens em ordem de gênero. Nesse caso, o produto 2.305 poderia ser algo totalmente diferente no segundo país, como pneu para tratores. Seria uma grande confusão se cada país classificasse suas mercadorias de forma distinta. Então, para evitar esse tipo de confusão, a Organização Mundial das Alfândegas (OMA) dedicou-se, durante mais de dez anos, a estudar a classificação fiscal de mercadorias de países diferentes, culminando no chamado Código de Mercadorias do Sistema Harmonizado (ou código 22 SH). O Brasil passou a utilizar esse código em 1988. Como explica Nyegray (2016): Atualmente, existem mais de 200 países utilizando o SH, e 98% do comércio mundial utiliza seus códigos. Para mantê-lo atualizado, a cada cinco anos revisa-se o sistema, retirando e incluindo códigos. Em regra, “as mercadorias foram classificadas no SH em ordem crescente da participação humana na criação do bem. Por esse motivo, o primeiro capítulo é o de animais vivos e o último, obras de arte” (LUZ, 2013 apud NYEGRAY, 2016, p. 261). Em outras palavras, enquanto alguns países classificavam seus itens de maneira alfabética e outros por gênero ou tipo, o código SH instituiu a classificação por ordem de participação humana na criação do item. Isso significa que aqueles itens que não necessitam da atuação do homem para existir vêm primeiro, como os animais vivos, enquanto, por último, vêm aqueles itens de intensa participação humana, como as obras de arte. A tabela do SH possui 99 capítulos divididos em distintas seções. Dos 99 capítulos, existem dois que estão em branco e servem para utilização futura, caso sejam inventadas coisas que não se encaixem nas outras posições. Cada item já comercializado possui um lugar na tabela do SH e corresponde a um código de 6 a 8 dígitos, como explica Nyegray (2016): Toda a mercadoria deve ser expressa em 6 dígitos, dos quais os dois primeiros correspondem ao número do capítulo no qual a mercadoria está inserida. Perceba que, no capítulo colocado como exemplo, tudo começa com 01. O 3º e o 4º dígito correspondem à posição na qual a mercadoria se encontra dentro do capítulo. Por exemplo: 01. 01 Cavalos, asininos e muares, vivos; 01.02 Animais vivos da espécie bovina; 01.03 Animais vivos da espécie suína; 01.04 Animais vivos das espécies ovina e caprina; 23 01.05 Galos, falinhas, patos, gansos, perus (...); 01.06 Outros animais vivos (NYEGRAY, 2016, p. 266). O Brasil usou o SH de 1988 até 1995. Desde 1995, entrou em vigor a tabela da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que tem por base a tabela do SH acrescida de mais dois dígitos ao final. O NCM passou a ser usado com a criação do bloco econômico Mercosul e teve como objetivo a integração das economias dos países participantes do bloco. E para que serve essa classificação? Quando importadores ou exportadores iniciam suas declarações de importação ou exportação, isso é feito no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) da Receita Federal do Brasil. Ao relatar o que entrará ou sairá do país, é feito o preenchimento do código, e não do item. Outro ponto bastante importante a esse respeito é que a tabela se divide em três grandes colunas, como pode ser visto a seguir: Figura 1 – Tabela do NCM Fonte: http://www5.sefaz.mt.gov.br/-/tabela-de-precos-minimos-ncm-atualizada. Acesso em: 15 jun. 2020. 24 A primeira coluna é o código NCM, que são códigos de 8 dígitos que devem ser usados no preenchimento do Siscomex. A segunda coluna traz a descrição do item, nesse caso cavalos, asnos e outros. A terceira coluna traz o valor da Tarifa Externa Comum (TEC), que é o ponto de partida para o cálculo do imposto de importação. Isso significa que, caso alguém importe cavalos reprodutores de raça pura, por exemplo, não pagará esse imposto. Por outro lado, se a pessoa estiver importando asininos, o início da tributação é os 4% expresso na coluna da TEC. A linha do tempo a seguir vai ajudar a entender a ordem exata do surgimento das classificações fiscais de mercadoria. Figura 2 – Linha do tempo das classificações de mercadorias Fonte: elaborada pelo autor. 1.2 As regras de interpretação e uso do SH Não basta, no entanto, que exista um código internacional e harmonizado de mercadorias. Algumas regras devem ser esclarecidas para que não surjam dúvidas em sua utilização. Por exemplo, um veículo sem bancos e sem rodas seria classificado como? Será que existe uma classificação específica para cada item produzido no mundo de forma parcial? É exatamente aí que entram as regras de interpretação do SH. A primeira dessas regras explica que os títulos das seções, dos capítulos e dos subcapítulos têm valor indicativo, ou seja, é pelo título de cada parte que sabemos o que está ali. Isso ajuda aquela pessoa que está 25 procurando algo; assim, em vez de olhar todos os 99 capítulos, ela analisa os títulos. A segunda regra, como explica Nyegray (2016, p. 271), afirma que “qualquer referência a um artigo em determinada posição abrange esse artigo mesmo incompleto ou inacabado, desde que apresente (...) as características essenciais do artigo completo”. Isso significa que, no caso do exemplo do automóvel sem os bancos e rodas, esse item permanece classificado como automóvel, ainda que não esteja inteiro. Essa regra existe devido ao fato de ser uma lista longa, a qual, se tivesse que prever todos os itens existentes de forma inacabada, seria muitas vezes maior. A terceira regra trata de itens que podem se encaixar em mais de uma posição. Nesse caso, prevalece a posição mais específica. Antigamente havia grandes televisores de laterais de madeira que se assemelhavam a móveis. Se fosse hoje, esse item seria classificado como um televisor ou como um móvel? Como um televisor, pois sua função específica é a de transmitir imagens, e não apenas de servir como item de decoração. A quarta regra afirma que, como explica Nyegray (2016, p. 275), “as mercadorias que não possam ser classificadas por aplicação das regras (...) classificam-se na posição correspondente aos itens mais semelhantes”. Na prática, essa regra não é muito utilizada, pois há uma classificaçãopara cada coisa que já foi produzida. No entanto, se surgir algo sem lugar no SH, pode-se buscar o que lhe for mais semelhante. A quinta regra trata dos estojos para câmeras fotográficas ou das malas para instrumentos musicais ou armas. Como classificá-los? Será que toda vez que alguém comprar uma câmera precisará classificar a câmera e sua embalagem de forma separada? Não, pois, quando a embalagem ou o estojo acompanha um item principal, classifica-se apenas o item que está dentro da embalagem ou do estojo. 26 Por fim, a sexta regra explica que os itens devem ser classificados conforme suas subposições, o quinto e sexto dígitos, de forma que sempre deve-se utilizar a numeração mais completa em detrimento da mais enxuta. É importante lembrar que essas regras valem não apenas para o SH, mas também para o NCM, utilizado pelo Brasil. 1.3 O Direito Tributário Brasileiro Uma das várias atribuições da Receita Federal Brasileira é o chamado controle aduaneiro, que ocorre em recintos alfandegados na zona primária, ou nos portos secos nas zonas secundárias, e abrange a verificação das mercadorias, das pessoas, das bagagens e dos veículos que vêm do exterior ou estão para lá destinados. Como aponta o artigo 15 do RA: “O exercício da administração aduaneira compreende a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, em todo o território aduaneiro” (BRASIL, 2009, art. 15). Uma das razões para esse controle é a tributação, área de interesse e atuação do Direito Tributário. E o que é tributo? Será que tributo e imposto são a mesma coisa? Não. Conforme o Código Tributário Nacional (CTN), “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que uma “prestação pecuniária compulsória” é uma prestação em dinheiro obrigatória. Afinal, se tributos não fossem obrigatórios, nem todos os pagariam. O trecho que diz “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” reitera o fato de que tributos são prestações expressas em dinheiro, em moeda corrente. Na sequência, diz o trecho do artigo “que não constitua sanção de 27 ato ilícito”, explicando que um tributo não é algo que alguém tem que pagar por ter feito algo errado (ato ilícito). Ao dizer que os tributos são cobrados “mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, o artigo explica que há uma autoridade tributária encarregada da fiscalização, do lançamento e da cobrança dos valores tributários. Assim, um tributo é um valor em dinheiro, pago ao governo, que foi criado mediante alguma lei que o instituiu. O CTN explica ainda: “Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria” (BRASIL, 1966). Em outras palavras, o imposto e o tributo não são a mesma coisa, sendo três os tipos de tributos existentes: Figura 3 – Tipos de tributo Fonte: elaborada pelo autor. Outro ponto relevante do Direito Tributário são os chamados polos da obrigação. Isso significa que toda obrigação tributária possui dois lados, um sujeito ativo – o fisco, seja ele federal, estadual ou municipal – e um sujeito passivo – o contribuinte. 28 Nas operações de comércio exterior é muito comum que incidam impostos, que podem ser definidos, conforme o CTN, como “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” Para entendermos esse ponto, precisamos entender o que é fato gerador. Como ensina Amaro (2007, p. 261), o fato gerador é o “momento do nascimento da obrigação tributária (em face da prévia qualificação legal daquele fato)”. Ou seja, se a lei diz que quem aufere renda paga imposto, auferir renda é um fato gerador. Da mesma maneira, se a lei diz que aquele que importa paga tributo, o ato de importar é o fato gerador. Quando o CTN diz que o imposto é um tipo de tributo que “tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”, isso quer dizer que nasce a necessidade de pagar imposto quando o contribuinte faz alguma coisa, algo que independe de qualquer atividade do estado ou do governo. Para entendermos a tributação aduaneira e seus impactos sobre a competitividade, devemos ter em mente que a situação que o contribuinte pratica ou é exportação ou importação, conforme detalhes a seguir. 1.4 A tributação das exportações e importações Agora que já aprendemos o que são tributos e impostos, é necessário debruçar-nos sobre a tributação das exportações. A esse respeito, o Regulamento Aduaneiro (RA) informa: “Art. 212. O imposto de exportação incide sobre mercadoria nacional ou nacionalizada destinada ao exterior” (BRASIL, 2009). Ao considerarmos o que diz apenas esse mandamento legal, podemos entender que o Imposto de Exportação (IE) incide sobre aquelas mercadorias destinadas para outras nações. No entanto, há que se perguntar se faz algum sentido tributar mercadorias 29 que estão saindo do país e que trarão recursos para cá. E a resposta é não. É justamente por isso que poucos produtos têm suas exportações tributadas, como é o caso dos couros e das peles, tributados em 9%; dos concentrados de açúcar, leite e creme de leite, tributados em 100%; e dos cigarros contendo tabaco e fumo, tributados em 150%. Além do IE, podem incidir sobre as exportações os tributos Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Da mesma forma que ocorre com o IE, os demais tributos raramente oneram as exportações. Isso ocorre, pois tributar as exportações poderia encarecer os produtos nacionais, o que afetaria diretamente a competitividade brasileira. Na importação, por outro lado, os tributos são mais presentes. No entanto, antes de nos atentarmos aos tributos, devemos saber que eles incidem sobre o valor aduaneiro da mercadoria, que é o valor que o importador efetivamente pagou sobre a mercadoria. As técnicas de valoração aduaneira são as mesmas internacionalmente e derivam dos acordos do GATT. A necessidade de uma norma internacional a respeito desse tema deriva da possibilidade de que duas empresas, pertencentes ao mesmo grupo e efetuando operações internacionais, pudessem omitir o real valor da mercadoria para que esse item pagasse menos tributos quando chegasse ao seu destino. Por exemplo, se uma empresa francesa enviasse a sua filial no Brasil um item de 50 mil euros, mas declarasse valor de 1.000 euros. A esse respeito, diz o RA: Art. 76. Toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro. Parágrafo único. O controle a que se refere o caput consiste na verificação da conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador com as regras estabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira. (BRASIL, 2009) 30 O acordo de valoração aduaneira, do qual fala o artigo, é um entre vários acordos celebrados no âmbito do GATT. Além disso, toda mercadoria que chega aqui no Brasil pode passar pelo controle de valor. O RA continua e afirma: Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado: I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II. (BRASIL, 2009) Isso significa que ovalor que servirá de base para as tributações deve considerar o que consta na figura a seguir. 31 Figura 4 – Componentes do valor aduaneiro Fonte: elaborada pelo autor. É sobre o valor aduaneiro que incide a percentagem da tabela TEC. Pode, então, ficar a pergunta: como proceder na hipótese de que um item que chegou ao Brasil tenha sido enviado da matriz no exterior para a filial daqui, se não posso considerar o valor declarado da mercadoria? Nesse momento, devemos buscar os métodos de valoração aduaneira, que são: • 1º Método: valor da transação. • 2º Método: valor de mercadoria idêntica. • 3º Método: valor de mercadoria semelhante. • 4º Método: valor de revenda. • 5º Método: valor computado. • 6º Método: valor baseado em critério razoável. 32 Assim, quando não há vínculo entre exportador e importador, devemos usar o método do valor da transação. Quando há, devemos buscar o valor de uma mercadoria idêntica. Quando não há mercadoria idêntica, buscamos aquela de valor semelhante. Se não encontramos, procuramos o valor de revenda do item no mercado interno. Se ainda assim não acharmos o valor, buscamos computar todos os componentes do item para tentar chegar ao valor. Se isso também não for possível, vamos para o sexto método e buscamos valorar a mercadoria com base no preço de venda do item no país do qual foi importado. Dificilmente, no entanto, chega-se ao sexto método. O primeiro desses tributos é o Imposto de Importação (II). Como manda o RA, “Art. 69. O imposto de importação incide sobre mercadoria estrangeira” (BRASIL, 2009). O CTN, por sua vez, afirma que “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional” (BRASIL, 1966). E onde está no valor do imposto de importação? Quem nos responde é, mais uma vez, o RA: Art. 94. A alíquota aplicável para o cálculo do imposto é a correspondente ao posicionamento da mercadoria na Tarifa Externa Comum, na data da ocorrência do fato gerador, uma vez identificada sua classificação fiscal segundo a Nomenclatura Comum do Mercosul. (BRASIL, 2009) Em outras palavras, o valor de partida para o II é calculado pela aplicação das alíquotas fixadas na terceira coluna da tabela da NCM, ou seja, o valor da TEC. Uma vez calculado esse tributo, passa-se ao segundo: o IPI. Ao contrário do que deveria ocorrer, o cálculo do IPI não parte do valor da mercadoria, mas do valor aduaneiro da mercadoria somada ao valor do II. O valor do IPI é encontrado na Tabela de Incidência do IPI (TIPI), disponível no site da Receita Federal. Há um simulador para esse cálculo, disponível no site da Receita Federal, cujo link está nas referências bibliográficas. 33 Uma vez calculados os valores do II e IPI, procede-se a outro imposto que incide nas importações: o PIS/PASEP. Em geral, a alíquota aplicável ao PIS/PASEP–Importação é de 1,65%, enquanto a alíquota aplicável à COFINS–Importação é de 7,6%. De acordo com o art. 26 da Lei n. 12.865 (BRASIL, 2013), publicada em 10 de outubro de 2013 no Diário Oficial da União, o cálculo do PIS/COFINS toma por base diretamente o valor aduaneiro da mercadoria importada. Depois, é a vez do ICMS, cujo cálculo do valor é o mais complicado, uma vez que, para se chegar a ele, deve-se somar o valor da mercadoria ao frete, ao seguro, ao II, ao IPI, ao PIS, à COFINS, ao AFRMM, à Taxa de Utilização do Siscomex e ao valor do próprio imposto. O Adicional sobre o Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) é de 25% do valor sobre o frete internacional. A Taxa de Utilização do Siscomex (TUS) é o valor pago para que importadores ou exportadores acessem o Siscomex para cadastrar a operação. As informações sobre o TUS estão no Decreto n. 6.759, de 5 de fevereiro de 2009: Art. 13. A Taxa de Utilização do Siscomex será devida no ato do registro da DI à razão de: I – R$ 185,00 por D.I. II- R$ 29,50 para cada adição de mercadoria à DI, observados os seguintes limites: a) até a 2ª adição R$ 29,50 (...). (BRASIL, 2009) Na sequência, quanto mais itens são adicionados, menor fica o valor da adição. Para calcular o ICMS, soma-se tudo isso. Uma vez nesse valor, deve-se acrescentar o valor do ICMS e então retirar sua percentagem desse valor, uma vez que o cálculo do ICMS considera o valor dele mesmo. É o chamado cálculo “por dentro” ou “em cascata”. Por exemplo, se temos o valor de ICMS de 12% sobre R$ 315 mil, divide-se R$ 315.372,44 por 0,88 e multiplica-se por 12%. 34 Para ajudar no cálculo dos impostos de importação, é possível consultar o simulador do tratamento tributário e administrativo das importações, disponível no site oficial da Receita Federal. Os tributos incidentes nas operações de importação são, portanto: Figura 5 – Tributos incidentes na importação Fonte: elaborada pelo autor. Neste tema da Leitura Digital, aprendemos que, para simplificar e facilitar as trocas comerciais, foi criada uma nomenclatura universal de mercadorias, um código que significa a mesma coisa em todo o mundo: o Sistema Harmonizado (SH). O código do SH possui algumas regras de interpretação, que auxiliam as pessoas que precisam realizar operações internacionais a classificar corretamente um item. Esse código tem 35 o mesmo significado em todo o mundo; assim, independentemente de qual idioma seja falado em um dado país, aquele número sempre corresponderá a um mesmo produto. Na sequência, aprendemos que o Direito Tributário é o ramo das normas jurídicas que se interessa pelos tributos de forma geral. Tributos são prestações em dinheiro pagas ao Estado e podem ser impostos, taxas ou contribuições de melhoria. Nós, as pessoas físicas e jurídicas, estamos sempre no polo passivo da obrigação tributária, o que significa que somos devedores. Nas operações internacionais, em especial nas exportações e importações, a tributação possui regras específicas. Por exemplo: enquanto boa parte das exportações não é tributada, o cálculo dos tributos sobre as importações é um pouco mais complexo justamente por ser feito “em cascata”. Aprendemos também que o ponto de partida para a tributação é o valor aduaneiro da mercadoria, que é o preço efetivamente pago pelo importador. Referências Bibliográficas AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Brasília, DF: Presidência da República, [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 19 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 12.865, de 9 de outubro de 2013. Autoriza o pagamento de subvenção econômica aos produtores (...). Brasília, DF: Presidência da 36 República, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2011-2014/2013/Lei/L12865.htm. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Presidência da República, [1966]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l5172.htm. Acesso em: 15 jun. 2020. BRASIL. Ministério da Economia. Simulador do Tratamento Tributário e Administrativo das Importações. 2020. Disponível em: http://www4. receita.fazenda.gov.br/simulador/glossario.html. Acesso em: 19 maio 2020. CARLUCCI, José Lence. Uma Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2001. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais: estratégia, gestão e novas realidades. São Paulo: Pearson, 2010. CONTRERAS, Máximo Carvajal. Derecho Aduanero. Mexico: Editorial Porruá, 2004. LUZ, Rodrigo. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira: Série Provas e Concursos. 5. ed. São Paulo: Elsevier-Campus, 2012. NYEGRAY, João Alfredo Lopes. LegislaçãoAduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: Intersaberes, 2016. 37 Regimes Aduaneiros Especiais Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Fernanda da Silva Ferreira Oliveira Objetivos • Entender o que são e para que servem os regimes aduaneiros especiais. • Compreender as distinções e os objetivos dos principais regimes especiais. • Analisar as vantagens de cada regime. 38 1. Os Regimes Aduaneiros Da mesma forma que ocorre com vários produtos, serviços e situações, a área de comércio exterior também é fortemente afetada pela tributação. No entanto, as exportações são as menos afetadas. Dificilmente se tributam os produtos que saem do país, uma vez que produtos saem e recursos entram na forma de pagamentos. O que ocorre, nesses casos, é a tributação da renda das empresas. Poucos produtos, como itens de tabaco ou peles animais, possuem sua exportação tributada, pois tributar todos os produtos com destino ao exterior os tornaria menos competitivos. As importações, por outro lado, são bastante tributadas. Incidem sobre produtos vindos do exterior o Imposto de Importação (II), o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), entre outros. No caso das importações, a tributação é a regra. Aqui, vamos aprender quais são as exceções. 1.1 Os Regimes Aduaneiros Especiais – regras gerais Quando alguma empresa importa algo, uma matéria-prima, um produto que será revendido ou um insumo produtivo qualquer, ela deve pagar os tributos que incidem sobre o que está entrando no país. O desembaraço aduaneiro e a efetiva saída dos itens do porto ou aeroporto só são possíveis quando, em regra, todos os tributos relativos à operação tiverem sido quitados. Nesses casos, quando o Brasil é o destino dos produtos, chama-se o despacho aduaneiro de “despacho para consumo”, uma vez que o item ficará aqui. Mas será que todos os produtos importados ficam no Brasil definitivamente? Pensemos nos incríveis carros de Fórmula 1 que vêm ao Brasil para o Grande Prêmio de São Paulo, ou nas diversas máquinas 39 que vêm para cá para serem exibidas em feiras e eventos comerciais. Todos esses itens vêm para o país, ficam aqui durante um tempo e retornam ao exterior. Não faz sentido, portanto, que paguem todos os tributos relativos à importação. Nesses casos, aplicam-se os chamados regimes aduaneiros especiais. A regra é que, na importação, incidam os tributos: • Imposto de Importação (II). • Imposto sobre Produto Industrializado (IPI). • Programa de Integração Social (PIS). • Contribuição para financiamento da Seguridade Social (COFINS). • Imposto sobre Circulação de Mercadorias ou Serviços (ICMS). • Adicional Sobre o Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). • Taxa de Utilização do Siscomex (TUS). O Regulamento Aduaneiro (RA) é quem disciplina o prazo para suspensão ou inexigibilidade no pagamento dos tributos: Art. 307. O prazo de suspensão do pagamento das obrigações fiscais pela aplicação dos regimes aduaneiros especiais, na importação, será de até um ano, prorrogável, a juízo da autoridade aduaneira, por período não superior, no total, a cinco anos. (BRASIL, 2009) Caso o item que teve a suspensão do pagamento de suas obrigações fiscais acabe por ficar em definitivo no país, o responsável por sua importação deverá arcar com os respectivos tributos, como manda o RA. Outros itens podem acabar destruídos ou estragados, ainda que por 40 equívoco. É o caso de um automóvel que veio para uma exibição e acaba batido. Nesse caso, aplica-se o seguinte: Art. 312. Nos regimes aduaneiros especiais em que a destruição do bem configurar extinção da aplicação do regime, o resíduo da destruição, se economicamente utilizável, deverá ser despachado para consumo, como se tivesse sido importado no estado em que se encontra, sujeitando-se ao pagamento dos tributos correspondentes, ou reexportado. (BRASIL, 2009) Continuando o exemplo anterior, imaginemos o caso de um veículo importado para uma exibição que acabou batido. Se suas rodas, seus pneus e seus bancos ainda forem úteis, a empresa responsável pela importação registra o “despacho para consumo”, ou seja, informa a Receita Federal que esses itens ficarão aqui em definitivo. Consequentemente, é feito o pagamento dos tributos relativos a eles. Nesse momento, pode surgir a dúvida: e se um veículo que veio para cá – novamente para o caso do salão de automóveis – acaba sendo vendido, como proceder? Da mesma forma: altera-se o regime aduaneiro para despacho para consumo, uma vez que o item ficará aqui em definitivo. Além dessas situações, os equipamentos para os shows de bandas internacionais, que ficarão em nosso país durante um tempo e posteriormente retornarão ao exterior, também podem enquadrar-se em um regime aduaneiro especial. São vários os tipos de regimes especiais, até para atender às várias possíveis necessidades, como será visto adiante. 1.2 Os regimes aduaneiros especiais em espécie Agora que já compreendemos as regras gerais, quais regimes aduaneiros especiais existem e são possíveis? Imaginemos por um 41 instante aquelas mercadorias que são fiscalizadas pela Receita Federal no interior do país, mas que percorrerão longos trechos de estrada até os Portos. Se esses itens fossem fiscalizados apenas nas repartições portuárias, as filas seriam imensas, e teríamos gargalos logísticos ainda maiores do que os que já temos. É por isso que muitos produtos oriundos de áreas não banhadas pelo mar são fiscalizados nos portos secos. O mesmo vale para uma máquina que chegou ao porto de Vitória, Santos ou Paranaguá, mas que se destina a outros estados do país. Muitas vezes esse produto será fiscalizado em um porto seco, próximo a seu destino. Para que isso aconteça, essas mercadorias circulam pelo país no regime aduaneiro especial de trânsito aduaneiro. A esse respeito, o RA aponta: “Art. 315. O regime especial de trânsito aduaneiro é o que permite o transporte de mercadoria, sob controle aduaneiro, de um ponto a outro do território aduaneiro, com suspensão do pagamento de tributos” (BRASIL, 2009). Esse regime pode ser solicitado por importador ou exportador. Um outro regime aduaneiro especial é aquele dos itens que virão temporariamente ao Brasil, como os carros de Fórmula 1 ou os equipamentos para shows de grandes bandas. Nesses casos, aplica-se o regime aduaneiro de admissão temporária, que, segundo o RA: “Art. 354. O regime aduaneiro especial de admissão temporária com suspensão total do pagamento de tributos, permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado (...)” (BRASIL, 2009). É possível, também, que algum bem fabricado no Brasil – como os aviões da Embraer – voltem para cá depois de terem sido exportados para passar por manutenção. Nesse caso, pode-se solicitar o regime aduaneiro especial de aperfeiçoamento ativo. Conforme o RA: 42 Art. 380. O regime aduaneiro especial de admissão temporária para aperfeiçoamento ativo é o que permite o ingresso, para permanência temporária no País, com suspensão do pagamento de tributos, de mercadorias estrangeiras ou desnacionalizadas, destinadas a operações de aperfeiçoamento ativo e posterior reexportação. (BRASIL, 2009) Chama-se de reexportação a segunda saída do país do produto que já havia sido exportado, mas que, por alguma razão, voltou para cá. Uma outra possibilidade de regime aduaneiro especial é aquela na qual uma determinada empresa importa um insumo para fabricar um item que, posteriormente, será exportado. Por exemplo: uma empresa fabrica projetores para exportação, mas as lentes vêm de uma empresa japonesa. Como o produto será exportado, essas lentes não serão tributadas. Esse regime chama-se drawback e possui três modalidades que constam nos artigos 383 a 403 do RA. A primeira dessas modalidades chama-se drawback suspensão. De acordocom o inciso I do art. 383 do RA: Permite a suspensão do pagamento do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados, da Contribuição para o PIS/ PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, na importação, de forma combinada ou não com a aquisição no mercado interno, de mercadoria para emprego ou consumo na industrialização de produto a ser exportado. (BRASIL, 2009) Outra modalidade é o drawback isenção, disposto no inciso II do art. 383 do RA: Permite a isenção do Imposto de Importação e a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados, da Contribuição para o PIS/ PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, na importação, de forma combinada ou não com a aquisição no mercado interno, de mercadoria equivalente à empregada ou consumida na industrialização de produto exportado. (BRASIL, 2009) 43 Os mais atentos talvez tenham percebido que tanto a modalidade suspensão quanto a modalidade isenção são mais indicadas para aquelas empresas que já sabiam que exportariam o item que estavam produzindo. E quando a empresa exporta o produto manufaturado com o item importado posteriormente? Caso isso ocorra, existe o drawback restituição, disposto no inciso III do art. 383 do RA: Restituição–permite a restituição, total ou parcial, dos tributos pagos na importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada. (BRASIL, 2009) Vejamos como essas três modalidades distintas podem servir a diferentes interesses: desde empresas que já sabiam que exportariam o produto manufaturado com item importado, até aquelas que exportam posteriormente esse mesmo item. Trata-se, portanto, de um incentivo à exportação. Infelizmente, o drawback é ainda pouco conhecido pela maior parte das empresas. Certamente que se mais organizações o conhecessem, mais empresas brasileiras estariam engajadas em atividades de negócios internacionais. Semelhante ao drawback, temos o regime de entreposto industrial sob controle aduaneiro informatizado (RECOF), que também suspende o pagamento de tributos de mercadoria que será utilizada na fabricação de algo futuramente exportado. A diferença é que o drawback é solicitado mediante Siscomex e o RECOF mediante formulários entregues à Receita Federal. Além dessa diferença, o benefício do drawback é de um ano e o do RECOF recebe fiscalização mensal. Mais uma possibilidade de regime aduaneiro especial atende àquelas empresas que, ao importarem grandes quantidades de um determinado produto, deixam seus contêineres em recinto alfandegado no porto. Nesses casos, essas empresas nacionalizam aos poucos os itens importados, conforme são vendidos. Tem-se aqui o regime aduaneiro 44 especial de entreposto aduaneiro. Diz o RA: “Art. 404. O regime especial de entreposto aduaneiro na importação é o que permite a armazenagem de mercadoria estrangeira em recinto alfandegado de uso público, com suspensão do pagamento dos impostos federais (...)” (BRASIL, 2009). Por fim, da mesma forma que existe a admissão temporária e a admissão temporária para aperfeiçoamento, existe a exportação temporária e a exportação temporária para aperfeiçoamento. No caso da exportação temporária, trata-se de maquinário, produtos ou itens brasileiros que vão ao exterior para retornar ao Brasil. Assim, não faz sentido que, quando retornem, precisem pagar os tributos de importação. No caso da exportação para aperfeiçoamento, quando o item retorna ao Brasil, só há a tributação naquilo que foi trocado ou melhorado, como manda o RA: Art. 449. O regime de exportação temporária para aperfeiçoamento passivo é o que permite a saída, do País, por tempo determinado, de mercadoria nacional ou nacionalizada, para ser submetida a operação de transformação, elaboração, beneficiamento ou montagem, no exterior, e a posterior reimportação, sob a forma do produto resultante, com pagamento dos tributos sobre o valor agregado. (BRASIL, 2009) Caso, por exemplo, um avião saia daqui para manutenção no exterior e volte com novas turbinas e trem de pouso, esse avião se valorizou. Consequentemente, os tributos incidirão sobre o valor agregado, não sobre o valor total do bem. Por fim, há o regime aduaneiro especial de loja franca, frequentemente visualizado por pessoas em viagens internacionais. São lojas em aeroportos ou pontos de fronteira onde os viajantes podem adquirir bens sem o pagamento de tributos. Nessas lojas, são vendidos 45 perfumes, roupas, bebidas, brinquedos, eletrônicos e chocolates sem tributos. A esse respeito, o RA dispõe: Art. 476. O regime aduaneiro especial de loja franca é o que permite a estabelecimento instalado em zona primária de porto ou de aeroporto alfandegado vender mercadoria nacional ou estrangeira a passageiro em viagem internacional, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira. (BRASIL, 2009) Obviamente que os únicos aeroportos que terão lojas francas são aqueles onde existem voos internacionais. 1.3 Regimes Aduaneiros aplicados a áreas especiais Da mesma maneira que os regimes aduaneiros especiais tentam facilitar os trâmites internacionais de mercadorias que chegam, saem ou circulam pelo país em um regime diferenciado, os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais buscam desenvolver regiões específicas do país. Esses regimes, como a Zona Franca de Manaus (ZFM), buscam simplificar a tributação e as exigências feitas às empresas que se instalem em lugares específicos. O objetivo desse tratamento diferenciado é estimular e desenvolver tais lugares. O Regulamento Aduaneiro dispõe: Art. 504. A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e de exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário, dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância a que se encontram os centros consumidores de seus produtos. (BRASIL, 2009) O artigo 504, citado anteriormente, deixa clara a intenção da criação da ZFM: criar um centro industrial, comercial e agropecuário no 46 interior da Amazônia. Quem efetua a administração dessa área é a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), que aponta: A ZFM compreende três pólos econômicos: comercial, industrial e agropecuário. O primeiro teve maior ascensão até o final da década de 80, quando o Brasil adotava o regime de economia fechada. O industrial é considerado a base de sustentação da ZFM. O pólo Industrial de Manaus possui aproximadamente 600 indústrias de alta tecnologia gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos, principalmente nos segmentos de eletroeletrônicos, duas rodas e químico. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares e de áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes, entre outros. O pólo Agropecuário abriga projetos voltados a atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo, beneficiamento de madeira, entre outras (SUFRAMA, 2020). Tem-se, dessa forma, que o regime aduaneiro de Zona Franca busca o desenvolvimento de polos específicos, para gerar empregos e fabricar produtos dos setores mais diversos. Sobre os benefícios de instalar-se ali, o RA traz: Art. 505. A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca de Manaus, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza, bem como a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação e sobre produtos industrializados. (BRASIL, 2009) Em outras palavras, o benefício de instalar-se na ZFM é o tratamento tributário diferenciado. A ZFM não é o único regime aduaneiro aplicado em área especialexistente. Há também as Áreas de Livre Comércio: Art. 524. Constituem áreas de livre comércio de importação e de exportação as que, sob regime fiscal especial, são estabelecidas com a finalidade de promover o desenvolvimento de áreas fronteiriças 47 específicas da Região Norte do País e de incrementar as relações bilaterais com os países vizinhos, segundo a política de integração latino-americana Parágrafo único. As áreas de livre comércio são configuradas por limites que envolvem, inclusive, os perímetros urbanos dos municípios de Tabatinga (AM), Guajará-Mirim (RO), Boa Vista e Bonfim (RR), Macapá e Santana (AP) e Brasiléia, com extensão para o município de Epitaciolândia, e Cruzeiro do Sul (AC). (BRASIL, 2009) Novamente, tem-se uma clara intenção de desenvolver essas regiões, facilitando os trâmites internacionais de mercadorias e aprimorando a integração regional. As áreas de livre comércio são tratadas também no artigo 525 e seguintes do RA (BRASIL, 2009). Por fim, existe o regime aduaneiro especial de Zona de Processamento de Exportações, abordado no art. 534 do RA (BRASIL, 2009), também pensado com a finalidade de aumentar o intercâmbio de mercadorias e a instalação de empresas em áreas específicas. 1.4 Vantagens e desvantagens Os regimes aduaneiros especiais são aqueles que permitem a entrada, a saída, o trânsito ou a permanência de mercadoria estrangeira em território nacional com a suspensão da regra do pagamento de tributos. Os regimes aplicados em áreas especiais, por sua vez, buscam desenvolver locais específicos do território nacional ao facilitarem os trâmites burocráticos de importação e exportação para empresas instaladas ali. Se uma mercadoria não se encaixar nesses regimes, certamente será despachada para consumo, o que significa que terá o Brasil como seu destino, conforme a figura a seguir: 48 Figura 1 – Regimes aduaneiros Fonte: elaborada pelo autor. E quais as vantagens de tais regimes? De um lado, permitem que empresas não precisem desembolsar grandes quantidades de valores para o pagamento de tributos, o que pode ser especificamente vantajoso naqueles casos em que o real esteja desvalorizado. Além disso, podem estimular o desenvolvimento, incentivar as operações internacionais e aumentar a presença de produtos brasileiros no comércio internacional. Se mais profissionais e empresas soubessem da existência de tais regimes, certamente o país teria uma presença mais marcante no comércio global. No caso específico dos regimes aduaneiros para áreas especiais, pode-se ver como uma vantagem o fato de que, ao atrair empresas exportadoras, importadoras ou produtoras de itens de diferentes polos, como a ZFM, a qualidade da mão de obra da região precisa aumentar. Como consequência, as operações internacionais forçam a instalação de centros de ensino, de faculdades e universidades. Além disso, a entrada 49 e a saída de veículos de transporte – sejam caminhões, trens ou aviões – requerem a construção de uma boa infraestrutura para o deslocamento das cargas, o que certamente favorece o desenvolvimento. E quais são as desvantagens? Há alguma? A burocracia certamente consiste no grande entrave a ser superado para que tais regimes conquistem mais adeptos e sejam mais utilizados. Outra desvantagem que pode ser elencada não se liga diretamente aos regimes, mas ao estado geral do país: a deficiência em infraestrutura. O Brasil utiliza amplamente o modal de transporte rodoviário, um dos mais caros. Ainda assim, menos de 15% das estradas do país estão devidamente pavimentadas. Essa situação aumenta os custos de transporte, o que encarecem as mercadorias brasileiras. A lei é cheia de possibilidades, de hipóteses que poderiam fazer muito bem às empresas e regiões. No entanto, o que falta é a disseminação dessas previsões legais. Neste tema da Leitura Digital, aprendemos que nem todas as mercadorias que vêm para o Brasil ficarão aqui em definitivo. Da mesma maneira, nem toda mercadoria brasileira que saiu do país ficará para sempre no exterior. Por fim, nem todas as mercadorias que circulam pelo país já foram fiscalizadas pela Receita Federal. Por isso, chama- se de despacho para consumo a entrada de mercadoria que ficará em definitivo no Brasil. Agora aquelas que não terão nosso país como seu destino poderão utilizar os regimes aduaneiros especiais. Os regimes aduaneiros especiais são aqueles nos quais a regra geral de tributação é suspensa em prol de alguma situação momentânea: admissões temporárias, trânsito aduaneiro, lojas francas, drawback, entre outros. Existem também os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais, que são aqueles nos quais as regras de tributação são diferentes em regiões específicas. É o caso da Zona Franca de Manaus. 50 Um regime aduaneiro aplicado a essa área especial foi criado tendo em vista o desenvolvimento daquele local. Esses regimes possuem várias vantagens, pois simplificam a entrada e a saída de algumas mercadorias do país e podem tornar as operações de comércio exterior mais acessíveis a várias empresas. A desvantagem é a burocracia, que acaba por se tornar um obstáculo entre a existência desses regimes e sua efetiva utilização pelas organizações. Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Brasília, DF: Presidência da República, [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 19 mar. 2020. BRASIL. SUFRAMA – Superintendência da Zona franca de Manaus. O que é o Projeto ZFM? 2020. Disponível em: http://www.suframa.gov.br/zfm_o_que_e_o_ projeto_zfm.cfm. Acesso em: 19 maio 2020. CARLUCCI, José Lence. Uma Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2001. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais: estratégia, gestão e novas realidades. São Paulo: Pearson, 2010. CONTRERAS, Máximo Carvajal. Derecho Aduanero. Mexico: Editorial Porruá, 2004. LUZ, Rodrigo. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira: Série Provas e Concursos. 5. ed. São Paulo: Elsevier-Campus, 2012. NYEGRAY, João Alfredo Lopes. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: Intersaberes, 2016. 51 Controle, crimes e competitividade Autoria: João Alfredo Lopes Nyegray Leitura crítica: Fernanda da Silva Ferreira Oliveira Objetivos • Entender o que é e como funciona o controle aduaneiro. • Compreender e diferenciar quais são os crimes aduaneiros. • Analisar os impactos do controle aduaneiro sobre sua competitividade. 52 1. O controle e os crimes aduaneiros Nos mais diversos noticiários, é bem frequente vermos grandes apreensões de drogas, armas e munições. A cada dia, dezenas de produtos ilícitos tentam entrar no país pelos milhares de quilômetros de fronteira terrestre que temos, enquanto outros tantos produtos proibidos tentam a sorte pelos portos ou aeroportos. O controle aduaneiro rigoroso ocorre, entre vários motivos, para evitar a entrada ou a saída de produtos proibidos. No entanto, ainda que as razões por trás de todos os procedimentos sejam plenamente justificáveis, deve-se notar que a demora e a burocracia que rondam o comércio exterior possuem graves efeitos sobre a competitividade do país. O desafio dos profissionais da área é entender os aspectos aduaneiros e agilizar os trâmites de importação e exportação, o que nem sempre é fácil. De outro lado, o desafio dos funcionários públicos é manter o rigor da fiscalização sem afetar as transações comerciais do país. É possível conciliar esses interesses? Esses são alguns dos assuntos que veremos agora. 1.1 Controle aduaneiro Entre as várias razões para as conferências aduaneiras desempenhadas pela Receita Federal, está o controle aduaneiro. Como sabemos, é importante proteger as fronteiras contra a entradade produtos proibidos e de produtos nocivos à saúde da população; assim como impedir a entrada de itens falsificados e que não pagaram corretamente os tributos exigidos. Como sabemos, a conferência aduaneira é feita preponderantemente em zona primária de portos, aeroportos ou pontos alfandegados de fronteira. É justamente nos recintos alfandegados que se realizam as operações de controle. 53 Além de controlar as mercadorias, analisando o que são e do que se tratam, existe dentro do controle aduaneiro uma série de documentos, que são bastante importantes para os processos de importação e exportação. Toda vez que uma empresa efetua uma venda internacional, há a contratação do frete que levará o produto de sua origem até seu destino no exterior. Os transportadores internacionais emitem um documento chamado de conhecimento de carga ou conhecimento de transporte, que não apenas define a contratação da operação de frete, mas também comprova onde a mercadoria foi recebida e onde será entregue e descreve toda a operação de transporte. Como se pode imaginar, dificilmente um navio ou um avião levará apenas uma carga. Por isso, vários conhecimentos de carga são colocados juntos para relacionar o que o transportador está levando. Esse conjunto de conhecimentos de carga chama-se de manifesto de carga, que é tratado no Regulamento Aduaneiro (RA): Art. 41. A mercadoria procedente do exterior, transportada por qualquer via, será registrada em manifesto de carga ou em outras declarações de efeito equivalente (...) Art. 44. O manifesto de carga conterá: I - a identificação do veículo e sua nacionalidade; II - o local de embarque e o de destino das cargas; III - o número de cada conhecimento; IV - a quantidade, a espécie, as marcas, o número e o peso dos volumes; V - a natureza das mercadorias; VI - o consignatário de cada partida; VII - a data do seu encerramento; e 54 VIII - o nome e a assinatura do responsável pelo veículo. (BRASIL, 2009) Os veículos que efetuam operações internacionais de transporte também podem ser fiscalizados pelas autoridades aduaneiras, que buscam vestígios ou indícios de operações proibidas ou analisam as questões sanitárias do transporte. No entanto, ainda que um navio, por exemplo, chegue ao Brasil com um manifesto de cargas correto, não basta ancorar nos portos e iniciar o carregamento ou descarregamento. É necessária a emissão do termo de entrada, por meio do qual o transportador informa à Receita quais cargas transporta. Uma vez que as cargas importadas estão em solo brasileiro e o despacho aduaneiro de importação iniciou-se, o Siscomex direciona a carga para um dos chamados canais de parametrização, a qual consiste no envio da carga para um dos três canais de conferência. A conferência mais rigorosa se dá no canal vermelho, quando a Receita confere as mercadorias importadas fisicamente e os documentos que amparam a transação. O envio da carga para o canal amarelo significa que haverá a conferência dos documentos que amparam a transação. A carga pode ser enviada, ainda, ao canal verde, no qual não haverá fiscalização. Esse direcionamento é feito de forma aleatória pelo Siscomex. Na exportação também há a parametrização das cargas e os canais de conferência. São quase os mesmos, mudando apenas as cores para verde, laranja e vermelho, mas permanece a mesma lógica de fiscalização. Existem ainda outros dois canais de parametrização: a linha azul, conhecida também como despacho aduaneiro expresso, utilizada por empresas constituídas formalmente há mais de dois anos, com patrimônio superior a R$ 20 milhões, e que, no último ano, tenham movimentado mais de 10 milhões de dólares em transações internacionais; e o temido canal cinza, no qual não apenas a mercadoria e seus documentos são minuciosamente conferidos, mas também os dados da empresa. 55 Entre os documentos que devem acompanhar as transações internacionais de mercadoria, estão o proforma invoice e o commercial invoice. O primeiro é o starter do negócio, uma espécie de esboço de nota fiscal trocada por exportador e importador antes da formalização do acordo de compra e venda. Já o segundo é muito mais detalhado e formaliza a transferência de propriedade da mercadoria, contendo as condições de pagamento, o Incoterm utilizado, os pesos, volumes, valores e, ainda, outras informações. 1.2 Crimes e infrações aduaneiras Da mesma forma que ocorre em dezenas de áreas distintas, a área do comércio exterior e dos negócios internacionais também sofre com a criminalidade. Antes de aprendermos quais são os crimes e as infrações aduaneiras, resta a dúvida do é entendido como crime. Ao se defrontar com essa pergunta, muitos podem responder: “homicídio”, “roubo”, “furto”, mas essas condutas, embora criminosas, não são a definição de crime. O Direito Penal, área jurídica que aborda as infrações e suas sanções, utiliza várias definições de crime, e uma das mais aceitas preconiza crime como um ato típico (descrito na lei penal), antijurídico (contraria os mandamentos da lei, um comportamento que a lei liga a uma pena) e culpável (reprovável e passível de punição). Os crimes podem ser cometidos de forma individual, quando apenas uma pessoa pratica a conduta criminosa, ou cometidos em grupos de pessoas, o que o Direito Penal chama de “concurso de pessoas”. Quando um crime é efetivamente cometido, chama-se de “crime consumado”. Quando, por alguma razão, o crime “não termina”, chama-se de “crime tentado”. Outro ponto que precisa ser observado é que crime e infração não são sinônimos. Infração é um gênero, dentro do qual estão as ideias 56 de crime e de contravenção. Alguns penalistas entendem que as contravenções são delitos menores, de gravidade inferior. Outro ponto bastante relevante do Direito Penal é que a cada crime cabe um tipo de pena, a qual pode ser restritiva de liberdade, quando a pessoa é encarcerada, ou pena restritiva de direitos, quando a pessoa perde algo. Nesse ponto, o Código Penal coloca: Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I - prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - limitação de fim de semana; IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; (...) (BRASIL, 1940) Pode-se entender, assim, como pena restritiva de direito o pagamento de uma multa, a perda de bens ou a prestação de serviços comunitários. Além desses fatores, é importante que entendermos que, no Direito Penal, é comum que a pessoa pratique mais de um crime ao mesmo tempo. Trata-se do concurso de crimes, em que duas ou mais condutas consideradas criminosas são levadas a cabo pela mesma pessoa. E quais são os crimes que existem no comércio exterior? No comércio exterior, há principalmente dois crimes cometidos. O primeiro deles é o chamado descaminho, que, de acordo com o Código Penal, em seu artigo 334, significa “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria” (BRASIL, 1940). Trata-se, portanto, de entrar com produtos importados sem o devido recolhimento de 57 impostos. O descaminho possui pena de reclusão que varia entre 1 e 4 anos. Ainda de acordo com o artigo 334 do CP, incorre na mesma pena do descaminho (de 1 a 4 anos) quem pratica algumas outras condutas: § 1 o Incorre na mesma pena quem: I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio,no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (...) (BRASIL, 1940) Vejamos que aqueles comerciantes que vendem mercadorias que entraram no país pela mão de “sacoleiros” podem responder também pelo descaminho. Além do descaminho, existe também o chamado contrabando, que, de acordo com o artigo 334-A do CP, consiste em “importar ou exportar mercadoria proibida”, variando sua pena de 2 a 5 anos. Incorre nessa mesma pena quem: I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; 58 III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação; IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (BRASIL, 1940) Percebamos que, para o contrabando existir, deverá ter ocorrido o trânsito de mercadoria proibida. Mas qual é essa mercadoria? A princípio, pensamos em drogas e armas, motivo pelo qual se pode ligar o crime de contrabando ao tráfico. No entanto, aqueles que importam ou exportam mercadorias que são permitidas, mas que precisam de autorização (como remédios, agrotóxicos, cosméticos ou afins), também praticam contrabando. Também pratica contrabando a pessoa que reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação, pelo fato de que as mercadorias destinadas à exportação não são tributadas. Como consequência, ficarão mais baratas do que as mercadorias nacionais cujo destino sempre foi nosso mercado doméstico. Infelizmente, da mesma forma que a globalização permitiu que novos negócios fossem feitos, essa integração também aumentou a prática de crimes como o contrabando e o descaminho. 1.3 Integração regional e comércio exterior Quando a crise econômica de 1929 eclodiu, cada país tomou atitudes isoladas para tentar reaquecer suas economias. Algumas políticas foram criadas na tentativa de melhorar o nível de vida das populações e uma delas chama-se beggar thy neighbour, que significa em tradução 59 livre “empobrece teu vizinho”. A ideia central era apenas exportar, e não importar. Porém, se todos querem apenas exportar e ninguém quer importar, será que é possível fazer negócio? Obviamente que não. Tais políticas, como era de se esperar, fracassaram, e menos de dez anos depois da eclosão da crise de 1929, a Segunda Guerra Mundial se iniciava. Com o fim da guerra em 1945, alguns países perceberam que, para evitar conflitos futuros e caminhar de forma coletiva para uma paz duradoura, era necessário comercializar. O pensamento é que, ao haver mercadorias cruzando fronteiras, os soldados não o farão. Foi mais ou menos nesse cenário que se iniciou o que hoje conhecemos como União Europeia (UE). A UE iniciou-se como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço na década de 1950, e o processo de integração foi evoluindo cada vez mais. Hoje, mesmo com a saída do Reino Unido do bloco, o chamado Brexit, a UE permanece sendo o maior caso de sucesso de integração regional. Isso tudo tem a ver com comércio exterior, porque, em primeiro lugar, os processos de integração regional, que costumeiramente ocorrem entre países vizinhos, culminam na criação de blocos comerciais, os quais, como o Mercosul ou a União Europeia, possuem como característica a facilitação do comércio para os países-membros do bloco. Isso significa que, para nós, brasileiros, é mais barato importar um produto da Argentina do que da Itália. Para os italianos, por sua vez, é mais barato importar um produto da Hungria do que do Uruguai. A integração regional ocorre de forma gradual, e são vários os níveis de integração a serem considerados. Cada nível agrega novas características ao anterior, como mostra a figura a seguir: 60 Figura 1 – Os níveis de integração regional Fonte: elaborada pelo autor. As áreas de preferência comercial são um nível de integração bastante simples, tão simples que às vezes podem ocorrer entre países que não possuem proximidade geográfica. Ocorre quando dois países selecionam um pequeno grupo de produtos que terá benefícios tarifários quando da sua entrada nos membros do acordo. Por exemplo, o país A reduz os tributos dos produtos têxteis vindos do país B, enquanto o país B reduz os tributos dos vinhos vindos do país A. O segundo nível de integração é a área de livre comércio, que consiste na liberalização comercial e redução de barreiras tarifárias à totalidade dos itens produzidos nos países-membros do bloco. Isso significa que tudo o que o Brasil produz entrará no Paraguai com tarifas menores do que os itens vindo de outros países fora do bloco, por exemplo. O terceiro nível é a união aduaneira e consiste em uma área de livre comércio, somada da adoção de uma política externa comercial comum para os países-membros do acordo. É isso o que ocorre na UE, na qual as tarifas externas são as mesmas em todos os países-membros do acordo. Se uma empresa espanhola ou uma empresa francesa 61 importarem um determinado item, o tributo será o mesmo em ambos os países, por exemplo. O quarto nível é o mercado comum, que possui as mesmas características de uma união aduaneira, acrescidas da livre circulação dos fatores de produção. Assim, itens produzidos no país A entram no país B sem trâmites burocráticos de importação ou exportação. É como se os produtos circulassem em uma mesma nação. O quinto nível é a união monetária, em que, além das características anteriores, adota-se uma mesma moeda. É obviamente o caso da UE, na qual a maior parte dos países-membros do bloco usa o Euro. Para isso, é necessário um único banco central e a coordenação de políticas econômicas de todo o bloco. Alguns autores da área defendem que haveria um sexto nível, que seria a integração política, em que os países-membros do acordo abririam mão de suas fronteiras e se tornariam uma única nação. Esse ponto, no entanto, é controverso, pois confunde-se com outros temas das Relações Internacionais, como o federalismo ou a formação dos estados. 1.4 Aduana e competitividade O comércio talvez seja a atividade humana mais antiga. Ainda assim, foi apenas a partir da Revolução Industrial que ganhou maior relevância em termos internacionais. E foi apenas na segunda metade do século XX, que se alavancou para nunca mais cair. Nós, consumidores dos mais variados países, usamos calças jeans das mesmas marcas e bebemos cervejas e refrigerantes produzidos pelos mesmos conglomerados. Usamos cosméticos das mesmas grifes, as mesmas camisas, camisetas, shorts e tênis. Dirigimos carros japoneses fabricados no Brasil, ou carros franceses fabricados na Argentina. Bebemos vinhos chilenos e italianos, comemos doce de leite argentino e em nossas geladeiras é frequente a carne uruguaia. 62 Isso tudo acontece, pois as fronteiras, por conta do comércio, foram perdendo a relevância. A facilitação das tecnologias da informação permite que façamos negócio com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. A concorrência aumentou, os preços caíram e a vida, de forma geral, melhorou. Porém, nesse cenário, o Brasil ficou para trás. Enquanto, em 1950, o país era responsável por aproximadamente 2% de todas as mercadorias comercializadas no planeta, atualmente sofremos para chegar a apenas 1% (NYEGRAY, 2016). Ainda que tenhamos muito potencial, a burocracia nos atrasa, mesmo que ela não seja a única culpada pela baixa participação brasileira no comércio internacional. Nossos produtos são caros por conta da alta carga tributária e dos encargostrabalhistas, e o modal de transporte mais frequentemente utilizado é o rodoviário, um dos mais caros. Ainda que uma boa parte das cargas do país circulem em caminhões, apenas 11% de nossas estradas são pavimentadas, o que encarece o preço do frete, atrasa as entregas e estraga os caminhões (NYEGRAY, 2016). Isso tudo faz com que o valor dos produtos brasileiros aumente, o que leva à menor competitividade do país. E o que significa ser competitivo? Ser competitivo é conseguir ofertar itens de alta qualidade no menor preço possível. O Brasil conseguiria isso, se não fosse pela infraestrutura precária e pelos tributos abusivos. Isso nos ajuda a entender as razões pelas quais não estamos nem entre os 20 maiores exportadores do mundo. Na América do Sul, perdemos em competitividade para o Chile, o Panamá e a Costa Rica, e, enquanto a aduana de Cingapura, Arábia Saudita, Chile e Finlândia possui eficiência próxima dos 100%, a eficiência aduaneira brasileira está na casa dos 12% (NYEGRAY, 2016). Isso ocorre por conta dos inúmeros procedimentos desnecessários e onerosos aos quais os importadores e exportadores estão sujeitos. 63 Assim, como podemos perceber, a aduana é um elemento essencial para alavancar a competitividade do país. Ao saber disso, nossa voz deve somar-se a de tantos brasileiros que clamam por menores tributos, melhor infraestrutura e maior facilidade para fazer negócios. Um país melhor e mais competitivo, de oportunidades para todos, depende de todos nós. Neste tema da Leitura Digital, aprendemos que o comércio exterior também é alvo de crimes, como o crime de contrabando – que consiste em entrar no país ou tentar sair daqui com mercadoria proibida – e o crime de descaminho – que consiste em entrar no país com itens variados sem o devido pagamento dos tributos. Em ambos os casos, incorre a mesma pena que vende ou expõe a venda produtos oriundos tanto do contrabando quanto do descaminho. Essas duas condutas criminosas estão entre os objetos de estudo do Direito Penal, o ramo jurídico dedicado à análise dos crimes e das respectivas penas. Os crimes (entendidos como fatos típicos, antijurídicos e culpáveis) podem ser praticados por uma só pessoa ou por várias, caso em que existe o chamado concurso de pessoas. Aprendemos também que hoje existem vários blocos econômicos pelo mundo, tais como o Mercosul ou a União Europeia, os quais são resultado de processos de integração regional. A integração regional possui vários níveis, que iniciam na área de preferências comerciais e vão até a união monetária. Por fim, aprendemos que o Brasil possui uma baixa participação no comércio internacional, e que isso se deve aos altos tributos e encargos pagos pelas pessoas e empresas, à infraestrutura precária e à baixa eficiência aduaneira. Somados, esses fatores atrapalham importadores e exportadores e, como consequência, atrapalham a todo o país. 64 Referências Bibliográficas BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 jun. 2020. BRASIL. Decreto n. 6759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Brasília, DF: Presidência da República, [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6759.htm. Acesso em: 19 mar. 2020. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, [1940]. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 15 jun. 2020. CARLUCCI, José Lence. Uma Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2001. CAVUSGIL, S. Tamer; KNIGHT, Gary; RIESENBERGER, John. Negócios Internacionais: estratégia, gestão e novas realidades. São Paulo: Pearson, 2010. CONTRERAS, Máximo Carvajal. Derecho Aduanero. Mexico: Editorial Porruá, 2004. LUZ, Rodrigo. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira: Série Provas e Concursos. 5. ed. São Paulo: Elsevier-Campus, 2012. NYEGRAY, João Alfredo Lopes. Legislação Aduaneira, Comércio Exterior e Negócios Internacionais. Curitiba: Intersaberes, 2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm 65 Sumário Noções Introdutórias à Legislação Aduaneira Objetivos 1. Introdução à Legislação Aduaneira Referências Bibliográficas Classificação fiscal de mercadorias e as normas tributárias Objetivos 1. A classificação fiscal de mercadorias e as normas tributárias Referências Bibliográficas Regimes Aduaneiros Especiais Objetivos 1. Os Regimes Aduaneiros Referências Bibliográficas Controle, crimes e competitividade Objetivos 1. O controle e os crimes aduaneiros Referências Bibliográficas