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JUAN ROBERTO DE OLIVEIRA SUMÁRIO 1 O NASCIMENTO DA IGREJA ROMANA E SUAS TRADIÇÕES .......................... 05 2 JESUS FUNDOU A CATÓLICA ROMANA? PEDRO FOI O PRIMEIRO PAPA? 10 2.1 PAPADO ........................................................................................................... 14 3 REFUTANDO A INTERCESSÃO DOS SANTOS ................................................... 41 4 A IDOLATRIA NA IGREJA CATÓLICA ROMANA ................................................ 48 4.1 IDOLATRIA....................................................................................................... 49 4.1.1 OS QUERUBINS DE OURO E SERPENTE DE BRONZE ...................... 55 5 REFUTANDO O PURGATÓRIO .............................................................................. 58 6 O CANÔN BÍBLICO.................................................................................................. 72 6.1 A IGREJA ROMANA PRESERVOU E NOS DEU A BÍBLIA? ........................ 74 6.2 AS HERESIAS DOS 7 LIVROS A MAIS DA BÍBLIA ROMANA ..................... 80 7 SOLA SCRIPTURA .................................................................................................. 82 7.1 SOLA SCRIPTURA NA PATRÍSTICA ............................................................. 91 8 CATÓLICOS NÃO SABEM O QUE É O VERDADEIRO SOLA FIDE ................. 138 8.1 SOLA FIDE NA PATRÍSTICA ........................................................................ 138 09 O SACERDOTE TEM PODER PARA PERDOAR PECADOS? ....................... 147 10 A SANGRENTA INQUISIÇÃO CATÓLICA ........................................................ 151 11 MARIA, MÃE DE JESUS .................................................................................... 183 11.1 REFUTANDO A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA.............................. 183 11.2 O PECADO DE MARIA .................................................................................. 189 11.3 PATRÍSTICA CONTRA O DOGMA DA IMACULADA .................................. 192 11.4 MARIA É A MULHER DE APOCALIPSE 12? ............................................... 211 11.5 REFUTANDO A ASSUNÇÃO DE MARIA ..................................................... 219 5 CAPÍTULO 1 – O NASCIMENTO DA IGREJA ROMANA E SUAS TRADIÇÕES Antes mesmo do cristianismo chegar em Roma, existiam diversas igrejas espalhadas pelo mundo, sendo as primeiras igrejas consolidadas em Israel. Mas até hoje a Igreja Católica Apostólica Romana teima em dizer que é a única igreja de Cristo, e que ela foi fundada por Cristo, tendo o apóstolo Pedro como o primeiro Papa. Só que isso é uma grande mentira que facilmente pode ser refutada. Não existe a menor possibilidade de a igreja Romana ser a primeira, visto que já havia muitas outras antes dela. Somente depois dos anos 300 d.C, sob o comando do Imperador Constantino, é que o Império Romano, que era o mais poderoso da terra, se tornou aberto para receber o cristianismo. No início do século IV, o Império Romano era ainda predominantemente pagão, com o Cristianismo sendo apenas uma das muitas religiões praticadas dentro do Império. No entanto, Constantino tomou uma série de medidas que tiveram um impacto significativo na adoção e ascensão do Cristianismo no Império Romano. Um dos momentos mais conhecidos foi o Édito de Milão, emitido em 313 d.C., que estabeleceu a tolerância religiosa no Império, permitindo que os cristãos praticassem sua fé sem perseguição. Embora o Édito de Milão tenha sido um passo importante para a liberdade religiosa dos cristãos, o Império Romano ainda não se tornou oficialmente cristão. Foi apenas no final do século IV que o Império Romano adotou oficialmente o Cristianismo como religião estatal. O Imperador Teodósio I, conhecido como Teodósio, o Grande, emitiu o Édito de Tessalônica em 380 d.C., tornando o Cristianismo a religião oficial do Império Romano. A partir desse momento, o Cristianismo começou a se tornar cada vez mais influente e dominante dentro do Império. Assim, embora Constantino tenha desempenhado um papel importante ao promover a tolerância religiosa e criar um ambiente favorável para o Cristianismo, foi somente com Teodósio que o Império Romano se tornou oficialmente cristão. 6 Após isso, a Igreja de Roma passou a ter muito mais poder político, militar e religioso acima das demais igrejas que existiam antes dela. Desta feita, o Imperador Teodósio emitiu um decreto ditatorial: Ordenamos aqueles que seguem essa regra que adotem o nome de cristãos católicos. Sobre o restante, porém, os que julgamos dementes e loucos, pesará a infâmia de dogma heréticos. Seus locais de reunião não receberão o nome de igreja, sofrendo primeiro a vingança divina e, depois, a retribuição de nossa própria iniciativa, a qual adotaremos em conformidade com o juízo divino.1 O decreto de Teodósio foi uma ameaça de morte! Quem não se tornasse parte da Igreja Romana, seria morto. Desta forma, a Igreja Romana acoplou para si mesma quase todas as igrejas cristãs que existam antes dela. Com isto, finalmente nasce de forma oficial a Igreja Católica Apostólica Romana. Porém, nem todas as igrejas Roma conseguiu acoplar, é o exemplo das igrejas ortodoxas católicas, que não fazem parte de Roma. As igrejas ortodoxas católicas são um grupo de igrejas cristãs que se consideram parte da Igreja Católica, mas que não estão em comunhão com a Igreja Católica Romana, liderada pelo Papa. Elas têm suas próprias estruturas de governo e liturgias, preservando a sucessão apostólica e a tradição sacramental, mas possuem algumas diferenças doutrinárias e práticas em relação à Igreja Católica Romana. Existem várias igrejas ortodoxas católicas ao redor do mundo, algumas das mais conhecidas são: Igreja Católica Ortodoxa Ucraniana, que é uma igreja das maiores igrejas ortodoxas católicas, com maior peso na Ucrânia, com comunidades em vários outros países também; Temos também a Igreja Católica Ortodoxa Polonesa, tem seu peso total na Polônia e tem uma história rica e uma presença substancial na diáspora polonesa; Temos a Igreja Católica Ortodoxa Bizantina. Que é uma igreja com fundamentos nas tradições bizantinas e é composta principalmente 1 SHELLEY, Bruce. História do Cristianismo. Pag 116-117. 7 por comunidades de origem grega, ucraniana, romena e outras; temos também a Igreja Católica Ortodoxa Antioquina. Essa é a segunda igreja criada da história, depois da igreja de Jerusalém, foi lá que os apóstolos receberam o título de “cristãos” pela primeira vez (Atos 11.26). É uma igreja com sede em Antioquia, na Síria, mas também com comunidades espalhadas por todo o mundo. É importante observar que o termo "católico" nessas igrejas não se refere à comunhão com a Igreja Católica Romana, mas ao uso do termo em seu sentido original, que significa "universal". Essas igrejas afirmam ser parte da Igreja Universal, descendentes das primeiras comunidades cristãs fundadas pelos apóstolos. A Igreja Católica Apostólica Romana diz estar fundamentada em três pilares: Bíblia; Tradição e Magistério. Isso significa que eles acreditam em muitas coisas que não estão na bíblia, mas que faz parte da tradição. Já o magistério da igreja é o órgão que tem o poder de dar a revelação “correta” das escrituras e de difundir os ensinamentos da tradição. O problema é que a grande maioria das tradições católicas e dos entendimentos do magistério conflitam diretamente com as escrituras. Os judeus cometiam o mesmo erro, pois eles tinham as escrituras e também suas tradições milenares. Porém, Jesus os repreendeu dizendo: ˜Assim, conseguis anular a eficácia daPalavra de Deus, por intermédio da tradição que vós próprias tendes transmitido. E, dessa mesma maneira, procedeis em relação a vários outros assuntos”.2 Veja que os judeus decidiam muitos assuntos por meio da tradição, assuntos que muitas vezes conflitavam com as escrituras. Jesus nunca fez uso da tradição, mas sempre respondia de acordo com as escrituras. Quando Jesus foi tentado pelo Diabo, no deserto, Satanás usou as escrituras para tentar enganar Jesus, mas Jesus respondeu de volta também usando as escrituras. Jesus fez referência das escrituras em todas as perguntas de Satanás, e assim, Jesus o venceu. Existe um famoso versículo que os católicos adoram usar para apoiar as suas tradições, que é no livro de 2 Tessalonicenses 2.15: “Então, irmãos, estai firmes e 2 Biblia Sagrada. Marcos 7.13. 8 retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa. Só que essa tradição falada era a leitura da própria carta dos apóstolos para todas as igrejas, e quando não, os apóstolos não inovavam em novos ensinamentos ou em algo muito discrepante do que eles já ensinaram por meio de suas epistolas. O próprio Apóstolo Paulo, em Colossenses 4.16, reafirma que suas cartas devem ser lidas para as igrejas para que o ensinamento se perpetuasse: “E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja dos laodicenses, e a que veio de Laodicéia lede-a vós também”. O que não pode acontecer, é uma suposta tradição conflitar diretamente com as escrituras. O livro de Atos 17.11 diz que os Bereanos eram mais nobres do que a igreja de Tessalonica, pois os Bereanos examinavam a mensagem pregada se estava de acordo com as escrituras: “Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo”. Os Bereanos eram habitantes de Bereia, uma cidade da antiga Macedônia (atualmente parte da Grécia). Paulo e Silas, durante uma de suas viagens missionárias, chegaram a Bereia e começaram a pregar o evangelho aos judeus na sinagoga local. Os bereanos são elogiados por sua atitude em relação ao ensino de Paulo e Silas. Diz-se que eles "eram mais nobres do que os de Tessalônica, pois receberam a palavra com toda avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se tudo era assim" (Atos 17:11). Os Bereanos são conhecidos por sua atitude diligente e crítica em relação ao ensinamento recebido. Em vez de aceitar cegamente o que lhes foi dito, eles examinavam as Escrituras diariamente para verificar se o que Paulo e Silas ensinavam estava de acordo com as escrituras judaicas. Essa postura é vista como um exemplo positivo de como os cristãos devem abordar o ensino e a pregação, sendo diligentes e examinando as Escrituras para garantir que a mensagem esteja em consonância com a verdade divina. O termo "bereano" ainda é usado atualmente para descrever pessoas que estudam e investigam cuidadosamente as Escrituras ou qualquer ensinamento 9 religioso, buscando uma compreensão sólida e fundamentada. A atitude dos bereanos é considerada um modelo de discernimento e busca pela verdade. Quando os apóstolos estavam vivos, eles mesmo combatiam inúmeras heresias que nasciam no meio da igreja como mencionado em 1 Corintios 11 e 1 Corintios 11.19, imagine depois que os apóstolos morreram? Será que depois que os apóstolos morreram, não surgiu nenhuma doutrina falsa na igreja que tenha até virado uma tradição? É por isso que o que é confiável, é somente as escrituras. 10 CAPÍTULO 2 – JESUS FUNDOU A CATÓLICA ROMANA? PEDRO FOI O PRIMEIRO PAPA? Não, Jesus nunca fundou a Igreja Católica Romana. No livro de João 2.19, Jesus diz “Destrua este templo, e, em três dias, Eu o reconstruirei”. Entretanto, os judeus não entenderam o que Jesus estava querendo dizer, e no versículo 20 replicaram: “Em quarenta e seis anos foi construído este templo, e tu afirmas que em três dias o levantarás? E no versículo 21, João reafirma que Jesus estava se referindo ao templo do seu corpo. No momento em que Jesus fosse morto e depois ressuscitado, Ele o faria de seu próprio corpo o templo do Espírito Santo. Está era a igreja que Cristo iria construir, o nosso próprio corpo. Mais tarde, o apostolo Paulo reafirma isso dizendo no livro de 1 Corintios 3.16: “Não sabeis vós que sois templo de Deus e que o Espiríto Santo habita em vós?” Paulo estava se referindo ao nosso corpo. Todas as vezes que os cristãos se reúnem como uma congregação, ali existe uma igreja. Está é a igreja de Cristo e não uma instituição feita por homens, como a Igreja Católica Romana. Para endossar isso, no livro de Mateus 18.20, Jesus diz: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou EU no meio deles”. No livro de Hebreus 10.25 também diz: “Não deixemos de nos reunir COMO igreja...” Para enfatizar mais ainda, no livro de Atos 7.48, diz: “Todavia, o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos humanas”. Desta feita, como pode a instituição Católica Romana ser a única igreja de Cristo? Como é possível ela ser fundada por Cristo? Não faz sentido. Os católicos romanos, para enfatizar que Pedro foi o primeiro papa, usam como base o livro de Mateus 16.18-19, que diz: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. Entretanto, se formos fazer uma análise melhor do contexto bíblico deste capítulo, veremos que isso não favorece a crença dos católicos romanos. 11 Primeiro temos que analisar uns versículos antes, em Mateus 16.13-17, que diz: “E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem?; E eles disseram: Uns, João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas; Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou?; E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo; E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus”. Perceba que Jesus se tratou de uma revelação, que não partiu de Pedro, mas do Deus Pai. E logo em seguida Jesus afirma: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A pedra é o próprio Cristo, Jesus estava se referindo a revelação que Pedro recebeu, de que Jesus era o Cristo e filho do Deus vivo. É sobre essa pedra (Cristo) que a igreja seria edificada. No livro do próprio apostolo Pedro, em 1 Pedro 2.4, Pedro chama Jesus de pedra viva e eleita por Deus: “E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa”. Mais adiante, no versículo 6, Pedro reafirma que Jesus é a pedra em que devemos crer, é a pedra que a igreja deve crer: “Por isso também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido”. A igreja jamais seria alicerçada em cima de um homem pecador, que é Pedro, mas em cima do Messias, que é Jesus, o eleito de Deus. A pedra preciosa. Mas muitos católicos romanos poderão dizer: “Por qual motivo então Jesus entregou as chaves dos céus para Pedro em Mateus 16.19?” A resposta é muito simples, Jesus não entregou somente para Pedro, mas para todos os cristãosque o recebem como o Cristo, filho de Deus vivo, assim como descrito em Mateus 18.18. 12 Vale lembrar que Pedro atuou pouquíssimo em Roma, a maior parte do seu ministério foi em outras regiões. Após a ascensão de Jesus, Pedro foi uma figura central na formação da comunidade cristã em Jerusalém. Ele pregou o primeiro sermão após o Pentecostes, que é descrito no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2. Pedro desempenhou um papel de liderança na igreja primitiva em Jerusalém. Pedro também foi envolvido na evangelização da região da Samaria, conforme registrado no livro de Atos. Ele e João foram enviados pelos apóstolos em Jerusalém para orar pelos samaritanos e impor as mãos sobre eles para que recebessem o Espírito Santo. Pedro visitou várias partes da Ásia Menor durante suas atividades missionárias. Estando presente em lugares como Antioquia, Bizâncio (atual Istambul) e outras cidades da região. Históricamente, quem atuou mais em Roma foi o apóstolo Paulo. Paulo, ao escrever para os cristãos de Roma na década de 50 do século 1, em nenhum momento menciona a presença de Pedro na cidade. Mas para não ser injusto, autores como Irineu de Lyon ressalta o trabalho de ambos os apóstolos em Roma, não só de Pedro. Em sua obra "Contra as Heresias", Irineu menciona que a comunidade cristã em Roma foi fundada e organizada pelos apóstolos Pedro e Paulo, atribuindo a ambos um papel significativo na formação e estabelecimento da igreja em Roma. Irineu enfatiza que a competência e autoridade da igreja de Roma derivavam dessa fundação conjunta pelos dois apóstolos. Ele destaca a importância de Pedro e Paulo como pilares da fé cristã e ressalta sua presença e influência na comunidade romana. Essa afirmação de Irineu reflete a visão e a tradição da igreja primitiva de que Pedro e Paulo desempenharam papéis cruciais na disseminação do cristianismo e no estabelecimento de comunidades cristãs em várias regiões, incluindo Roma. Eles eram considerados figuras proeminentes e autoridades apostólicas, e sua associação com a fundação da igreja em Roma concedia grande prestígio e autoridade à comunidade cristã romana. 13 Mas como Pedro se tornou papa da igreja católica romana? Nos primeiros séculos do cristianismo, não havia um único líder supremo sobre toda a Igreja Cristã. Em vez disso, houve uma diversidade de líderes, como bispos e presbíteros, que compartilhavam a responsabilidade pela liderança e governança das comunidades cristãs. No entanto, a Igreja de Roma, por sua posição como capital do Império Romano e pelo prestígio associado a Pedro e Paulo, gradualmente ganhou destaque e influência. Os bispos de Roma, passaram a exercer uma autoridade crescente e a ser reconhecidos como líderes proeminentes na Igreja. No século IV, a Igreja de Roma começou a assumir um papel de primazia, sendo considerada a "Sede de Pedro" e tendo um papel central na tomada de decisões importantes dentro da Igreja. O Concílio de Niceia, em 325 d.C., reconheceu a primazia de algumas igrejas, incluindo Roma, Alexandria e Antioquia, com base em razões históricas e práticas. Foi apenas no final do século V e início do século VI que o título de "papa" (do termo grego "pappas", que significa "pai") começou a ser usado exclusivamente para o bispo de Roma. O papa Leão I, conhecido como Leão Magno, exerceu uma influência significativa e desempenhou um papel crucial na defesa da autoridade e primazia do bispo de Roma. Ao longo dos séculos seguintes, a autoridade e o poder do papado foram se consolidando e se fortalecendo. O papado passou a ser reconhecido como a mais alta autoridade na Igreja Católica Romana, com o papa sendo considerado o sucessor de Pedro e o líder supremo da Igreja. A estrutura e as prerrogativas do papado foram mais formalizadas e definidas ao longo da história, culminando no estabelecimento das doutrinas e práticas associadas ao papado durante o primeiro milênio do cristianismo. O que a igreja católica romana fez para tornar Pedro um papa? Como dito anteriormente, por muito tempo a igreja não tinha um líder máximo, mas sim vários bispos e presbíteros. Com a chegada do título papal, concedido a uma pessoa, que seria a autoridade máxima da igreja, a católica romana traçou uma linha cronológica para trás, nomeando diversos líderes como “papa”, até chegar em Pedro. Pedro nunca foi papa, e papa não existia naquela época, mas por conta disso, por meio dessa 14 nomeação feita com a linha cronológica para o passado, Pedro e muitos outros líderes se “tornaram” papas. Se para os católicos, Roma é a principal igreja por conta de Pedro ter morrido lá, o que dizer de Jerusalém? Além de Jerusalém ser o lugar da PRIMEIRA IGREJA da história, foi lá que o SALVADOR morreu. Efésios 2.20: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal PEDRA do alicerce”. O texto não diz “edificados sobre o fundamento de Pedro”, o texto diz que o fundamento são TODOS os apóstolos e ainda inclui os profetas do antigo testamento, sendo Cristo a principal pedra desse fundamento. Por qual motivo até mesmo os profetas do antigo testamento foram incluídos nesse fundamento? Porque todos deram testemunho de Cristo: Lucas 24.44 “Em seguida, Jesus lhes explicou: “São estas as palavras que Eu vos ensinei quando ainda estava entre vós: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos!” 2.1 PAPADO Uma doutrina que, se cair, derruba a igreja de Roma é com toda a certeza o papado. Segundo a Lumen Gentium (em latim, Luz dos Povos), Cristo, após sua ressurreição, entregou a missão para Pedro de apascentar a Igreja.3 Esta missão de Pedro de apascentar a Igreja é de forma erroneamente interpretada pelos católicos. Por qual motivo? Pois a missão de Pedro apascentar a Igreja não significa que ele é o cabeça de todos cristãos do mundo, ou que ele manda sobre os demais apóstolos. Portanto, dedico este capítulo inteiro para responder os argumentos dos papistas sobre o papado nas Escrituras, nos pais da igreja e nos concílios ecumênicos que são aceitos pelos católicos romanos, católicos ortodoxos e protestantes. Em Mateus 16:18-19, após Pedro fazer sua confissão de fé, Jesus entrega para ele as chaves do Reino dos Céus e diz que tudo o que ele ligar será ligado, e tudo 3 Lumen Gentium, cap.1, o mistério da Igreja; A Igreja, sociedade visível e espiritual 15 que ele desligar será desligado. Como já abordei no segundo o capítulo, aqui não se prova nada pois os demais apóstolos também receberam as chaves (Mt 18:18). A visão dos pais da igreja sobre quem é a pedra, em João Crisóstomo, por exemplo, era que a pedra era a fé de Pedro, e não o próprio! Veja: “O que então diz Cristo? "Tu és Simão, filho de Jonas; serás chamado Cefas." "Assim, desde que proclamaste meu Pai, eu também nomeio aquele que te gerou;" quase dizendo: "Assim como você é filho de Jonas, eu também sou de meu Pai". Caso contrário, seria supérfluo dizer: "Tu és Filho de Jonas"; mas como ele disse: “Filho de Deus”, para salientar que Ele é tão Filho de Deus, como o outro filho de Jonas, da mesma substância daquele que O gerou, portanto, Ele acrescentou isto: “E eu digo a tu, Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja;" isto é, na fé da sua confissão. Nisto Ele significa que muitos estavam agora a ponto de acreditar, e eleva seu espírito e faz dele um pastor. “E as portas do inferno” não prevalecerão contra ela.” “E se não forem contra ela, muito mais não contra mim. Portanto, não se preocupe porque em breve você ouvirá que serei traído e crucificado”.4 Constantinopla entre os anos de 398-404 d.C, não defendia que Pedroera a pedra, mas que A CONFISSÃO DE FÉ de Pedro que era a pedra sobre a qual Cristo iria construir a igreja. Embora eu defenda que a pedra seja o próprio Cristo, eu gostaria de questionar: o que teria de mais se a pedra fosse Pedro? Esses saltos lógicos dos papistas não fazem sentido algum. Pedro ter sido o primeiro dentre os apóstolos naquele momento não faz com que ele tenha uma supremacia sobre os demais, ou que ele seja um “segundo Cristo”, não, pelo contrário. 4 Saint John Chrysostom, homily 54 on Matthew, New Advent translation 16 Pedro ser o primeiro em afirmar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, naquele contexto não o faz ter supremacia. Pois em João 1:41;49 mostra que André, o irmão de Pedro, e Natanael já afirmavam que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus. A real razão, ao meu ver, para que Jesus tenha falado “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” após a fala de Pedro, foi para demonstrar aos demais apóstolos que Ele, Jesus, é quem os apóstolos afirmaram Ele ser desde o início de seu ministério, não por si mesmos, mas pela graça de Deus Pai que revelou quem é o Filho por intermédio do Espírito Santo, assim então demonstrando que Ele que é a Pedra que sustenta a sua Igreja. Não são os homens que sustentam, mas a própria Trindade em sua economia salvífica: o Pai envia o Filho, o Espírito gera o Filho no seio da virgem Maria, o Filho então realiza sua missão segundo a vontade do Pai e, após sua ascensão aos céus, o Espírito Santo guia a Igreja a mantendo em unidade e em santidade. Outro texto que os romanos costumam usar é o de Lucas 22:31-32 onde diz: “Disse também o Senhor: Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos”. O argumento deles se baseia em dizer: “Olha isso! Jesus disse que Pedro iria confirmar sua fé aos seus irmãos! Portanto, infabilidade papal está nas Escrituras. Veja que Pedro é o único a receber essa promessa de Cristo!”. Não, meu caro católico. Ao analisarmos o contexto de Lucas 22, vemos que alii está sendo narrado a traição de Judas pelo dinheiro dos principais sacerdotes judeus e dos escribas (versos 1 ao 6), a preparação para a páscoa judaica (versos 7 ao 13), a realização da ceia do Senhor (versos 14 ao 20), revelação de Jesus sobre a traição de Judas (versos 21 ao 23), discussão acerca de quem era o maior dentre eles (versos 24 ao 27), a promessa aos apóstolos sobre sua salvação e o poder de julgar as doze tribos de Israel (versos 28 ao 30; perceba que Jesus deu para eles a mesma honra e graça, não uma maior que a outra) e, por fim, Jesus revela que Pedro havia de O negar três vezes antes do galo cantar. Até aqui temos todo o contexto perfeito sobre os versos que os católicos usam. Jesus, ao dizer que rogou para que a fé de Pedro não desfaleça (ἐκλείπω, em grego) quis dizer que Pedro não iria apostatar da fé igual Judas! Pois está escrito que a apostasia não tem perdão (Hebreus 6:4-6). Judas se tornou um apóstata e acabou tirando a própria vida, ao contrário de Pedro, que ao contrário de Judas, se 17 arrependeu, pois, ele era um eleito, não por si mesmo, mas porque Cristo rogou por ele. A respeito de confirmar a fé aos seus irmãos, Cristo quis dizer que os irmãos na fé de Pedro, ou seja, os demais apóstolos e todos os outros homens que iriam vir aceitar ao Salvador teriam certeza de que Pedro é um dos eleitos de Deus, e não como Judas que não o era, mas ele foi como a semente que caiu entre os espinhos (Lucas 8:14). Portanto, nada se prova da infabilidade papal ou supremacia de Pedro sobre os demais cristãos. É puramente contexto. Saindo um pouco dos evangelhos e indo para o livro de Atos, temos o episódio do primeiro concílio da igreja, o de Jerusalém. O concílio de Jerusalém, em Atos 15, registra a discussão que os apóstolos abordaram se era ou não necessário os novos convertidos serem circuncidados e seguirem a lei de Moisés. A argumentação papista se baseia nas falas de Pedro (versos 7 ao 11), onde ele diz que Deus elegeu ele para pregar aos gentios. No entanto, devemos prestar atenção no verso 12, que diz: “Então toda a multidão se calou e escutava a Barnabé e a Paulo, que contavam quão grandes sinais e prodígios Deus havia feito por meio deles entre os gentios”. Ora, todos se calaram para ouvir o testemunho de Barnabé e Paulo, onde eles dizem que Deus operou milagres no meio dos gentios. E entre os versos 13 até o 21, é mostrado que o apóstolo Tiago, bispo de Jerusalém, disse que o testemunho de Pedro era verdadeiro pois concordava com os profetas, ou melhor dizendo, com a fé de todos. E após isso, Lucas também relata nos versos 15 ao 29, que foi um consenso de todos os participantes na decisão daquela reunião, não só por causa da pessoa de Pedro. Pedro falou de acordo com os profetas não por causa de sua pessoa, mas porque o discurso dele é aquilo que é consenso de fé desde os profetas e até nos apóstolos, pois foi Tiago que deu a palavra final e confirmou as falas de Simão Pedro. Antes de voltarmos para os Evangelhos, temos a carta de Paulo aos romanos que também é utilizada pelos católicos para defender suas heresias, vejamos os versículos utilizados: “Primeiramente, dou graças a meu Deus, por meio de Jesus Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é preconizada a vossa fé. Pois Deus, a quem sirvo em meu espírito, anunciando 18 o Evangelho de seu Filho, me é testemunha de como vos menciono incessantemente em minhas orações. A ele suplico, se for de sua vontade, conceder-me finalmente ocasião favorável de vos visitar” (Romanos 1:8-10) Também se é usado Romanos 16:20, que diz: “O Deus da paz em breve não tardará a esmagar Satanás debaixo dos vossos pés. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco!”. Para começarmos, quando Paulo diz que a fé da comunidade em Roma é anunciada em todo mundo. Ok, mas qual o problema? É um anacronismo falarmos que que fé da atual igreja de Roma é a mesma que a dos primeiros séculos, principalmente se for a do primeiro. Como irei mostrar nos pais da igreja (veja a página **), a fé da igreja de Roma é a mesma que a de todos pois todas as igrejas que preservaram os ensinos dos apóstolos eram igrejas apostólicas. Não é o local que fará com que a fé seja verdadeira, mas sim o que esse local professa, ou melhor dizendo, a fé que aquela comunidade professa que irá julgá-la ser ou não verdadeira. Paulo louvou os cristãos de Roma não por causa de sua localidade, mas sim por sua perseverança na fé. E como veremos neste livro, a fé da igreja de Roma dos primeiros séculos não é a mesma que a de hoje. Portanto, é anacrônico usar este texto. Sobre Romanos 16:20, o que isso se prova que a igreja em Roma tem uma supremacia? Esta promessa não é somente para a igreja de Roma, mas também para TODOS OS CRISTÃOS! O próprio Jesus, em Lucas 10:19, vai dizer: “Eu dei a vocês autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; nada lhes fará dano”. Em Cristo é dado a autoridade para os cristãos poderem vencer e ter o poder de pisar em Satanás. Alguém tomar esse título unicamente para si é um completo orgulho. Portanto, este versículo também nada prova sobre o papado ou autoridade da igreja de Roma sobre as demais igrejas nem no período apostólico, e muito menos nos dias atuais. Por fim, o último texto que conheço que os papistas usam para provar o papado é o texto de João 21:15-17, onde Pedro recebe a ordem de Jesus de apascentar as ovelhas de Cristo. Sendo bem sincero com você leitor, esse é o pior texto que um 19 romano pode usar para provar o papado. Cristo não estava falando que Pedro seria o único a ter autoridade sobreos seus sucessores e que ele iria comandar todos. O próprio apóstolo Pedro em sua primeira epístola se coloca na mesma posição dos demais presbíteros e chama Cristo de Sumo Pastor, veja: “Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (I Pedro 5:1-4). Aqui vemos que o próprio Pedro não se coloca como superior aos presbíteros, mas se iguala a eles, e que também exorta os presbíteros para quem está sendo dirigida a carta que eles cuidem do rebanho de Cristo. Portanto, a missão de pastorear o rebanho de Deus não cabe somente ao apóstolo Pedro, mas para todos os ministros ordenados pelos apóstolos. Também quero demonstrar que, novamente, é um salto lógico usar este texto para tentar se comprovar que somente Pedro e seus sucessores têm tal autoridade: Cristo pediu isto para Pedro, logo só Pedro tem tal. Não faz sentido. Por último, falarei o argumento clássico que todos já usaram: É uma questão de contexto. Cristo apenas está redimindo Pedro após ele O negar três vezes diante dos homens. Vemos isso pois Cristo pergunta para Pedro se ele O ama, e Pedro diz “sim” três vezes. Isto mostra que as palavras de nosso Senhor em Lucas 22:31-32 -no qual já expliquei- se cumpriram diante dos apóstolos. Pedro confirmou sua fé no Messias diante dos seus irmãos, assim os confirmando que ele é um dos eleitos que não teve e nem teria a fé apagada. Partindo agora para as fontes extras bíblicas que os católicos romanos usam, temos os pais da igreja. Quem eles são? Os pais da igreja são um grupo de cristãos que viveram entre o primeiro e sétimo século que durante sua vida foram exemplos de cristãos que podemos nos inspirar. Os pais são divididos em quatro grupos: os apostólicos, os gregos, os capadócios e os latinos. Entre os pais pais apostólicos, temos registro de Clemente de Roma, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna; dos capadócios temos o exemplo de Basílio Magno e Gregório de Nissa; entre os 20 gregos temos Atanásio de Alexandria, João Crisóstomo, Eusébio de Cesaréia e etc; e entre os latinos temos o famoso Agostinho de Hipona, Jerônimo, Cipriano e muitos outros. Embora os pais terem nos proporcionado uma grande série de escritos sobre as Sagradas Escrituras, interpretação de textos bíblicos, menções históricas dos apóstolos e dos cristãos da época de cada um deles, o que eles acreditavam e praticavam, até isso os papistas distorcem para tentar provar os dogmas a respeito do bispo de Roma. Portanto, adiante citarei um por um dos pais que normalmente são usados pelos católicos a favor dos dogmas do Papa. Clemente de Roma: Clemente de Roma (35-100 d.C), mais conhecido como São Clemente I ou Clemente Romano, foi o terceiro ou quarto bispo da Igreja de Roma que durante a década de 90 d.C escreveu uma carta direcionada para a igreja de Corinto, na Grécia, devido esta igreja estar tendo confusões dentro de si mesma. Clemente nos conta a situação que ela se encontrava, dizendo: “Toda honra e abundância vos tinham sido concedidas, e cumpriu-se aquilo que está escrito: “O amado comeu e bebeu, se alargou, engordou e recalcitrou.” Daí surgiram ciúme e inveja, rixa e revolta, perseguição e desordem, guerra e cativeiro. Dessa forma, os sem honra se rebelaram contra os honrados, os obscuros contra os ilustres, os insensatos contra os sensatos, os jovens contra os anciãos. Por isso, a justiça e a paz se afastaram para longe, porque cada um abandonou o temor de Deus e deixou que se obscurecesse sua fé nele. Porque não se anda mais segundo as diretrizes dos seus preceitos, nem se comporta mais de maneira digna de Cristo. Ao contrário, cada um anda segundo as paixões do seu mau coração, tomado pela 21 inveja injusta e ímpia, através da qual, também agora, “a morte entrou no mundo”.5 Para resumir, a carta de Clemente para os coríntios é uma exortação que usa exemplos bíblicos ao ponto de suplicar para a comunidade da cidade grega voltar a ser unida e irrepreensível em Cristo Jesus. Até aqui não vemos problema algum, mas os católicos romanos pegam este trecho para dizer que “o bispo de Roma que mandou. Portanto, supremacia papal”: “Convém que nós, com tantos e tantos exemplos, curvemos a fronte e ocupemos o lugar que nos cabe pela obediência. Desistamos da vã revolta, para alcançarmos irrepreensivelmente o escopo que nos é proposto na verdade. Vós nos dareis alegria e contentamento, se obedecerdes ao que escrevemos por meio do Espírito Santo, se acabardes com a cólera injusta da vossa inveja, segundo o pedido, que vos dirigimos nesta carta, tendo em vista a paz e a concórdia”.6 Diante desta fala de Clemente, os católicos irão pensar que Clemente estava atuando em seu serviço papal, assim exortando e pedindo unidade na comunidade de Corinto. No entanto, isso não significa nada. Como assim? Digo isso pois não foi somente Clemente que exortou uma comunidade para ela manter-se em unidade, mas Inácio de Antioquia -contemporâneo seu- também fez isso em suas epístolas às igrejas de Éfeso, Magnésia, Trália, Roma, Filadélfia, Esmirna e em sua carta para Policarpo. Pegando um trecho da carta à igreja dos efésios, ele, Inácio, exorta dizendo: 5 Primeira carta de Clemente aos Coríntios, Conseqüências funestas da discórdia, Cap.3 6 Primeira carta de Clemente aos Coríntios, Últimos conselhos, Cap.63 22 “Não vos dou ordens como se fosse uma pessoa qualquer. Embora eu esteja acorrentado por causa do Nome, ainda não atingi a perfeição em Jesus Cristo. Com efeito, agora estou começando a aprender, e vos dirijo a palavra como a condiscípulos meus. Sou eu quem teria necessidade de ser ungido por vós com a fé, a exortação, a perseverança e a paciência. Todavia, o amor não me permite calar a respeito de vós. É por isso que desejo exortar-vos a caminhar de acordo com o pensamento de Deus. De fato, Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é o pensamento do Pai, assim como os bispos, estabelecidos até os confins da terra, estão no pensamento de Jesus Cristo”.7 O ato de Clemente pedir unidade para os coríntios simplesmente não prova o papado devido este motivo. Não é porque o apóstolo Paulo escreveu mais de 14 epístolas para as igrejas às exortando que então ele seja o “Papa sucessor de São Pedro”. Podemos falar também do padre católico Simon Tugwell OP, membro do Instituto Histórico Dominicano, que em seu livro sobre os pais apostólicos, diz: “Seria anacrônico interpretar esta autoridade em termos de qualquer noção desenvolvida da primazia da Igreja Romana, e muito menos da primazia do Papa, uma vez que é provavelmente apenas em retrospectiva que Clemente pode ser chamado de “Papa”, mas parece como se a igreja romana já estivesse consciente de ter, e fosse aceita como tendo, algum tipo de responsabilidade pelo bem-estar das igrejas que não a sua própria congregação local”.8 7 Inácio aos efésios, Exortação à unidade, cap.3 8 Simon Tugwell OP, The Apostolic Fathers, Clemente of Rome, p.90 23 Como podemos ver, embora Simon tenha a visão de que a igreja de Roma parecia saber sobre sua responsabilidade de cuidar das demais igrejas -algo que já respondi e mostrei que não era somente o bispo de Roma que se preocupava-, ele admite que seria anacrônico interpretar tal autoridadecomo conhecemos hoje a respeito da igreja de Roma. Inácio de Antioquia Inácio de Antioquia (ca. 30-98 ou 107 d.C) foi o terceiro bispo da cidade de Antioquia no primeiro século. A tradição nos conta que após ser preso pelo imperador Trajano, Inácio escreveu mais de sete cartas, sendo elas seis destinadas às igrejas de Éfeso, Magnésia, Trália, Roma, Filadélfia, Esmirna, e uma para seu colega e irmão em Cristo, Policarpo. Após ele escrever estas cartas, ele foi martirizado no Coliseu de Roma sendo devorado por leões junto a outros cristãos que estavam consigo. O conteúdo dessas cartas pode se resumir em conselhos, pedido para a igreja ficar em unidade, a pessoa de Jesus Cristo, a celebração do culto cristão e o pedido de submissão ao bispo daquela igreja. Em sua carta à igreja que reside em Roma, ele faz a seguinte saudação: “Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu a misericórdia, por meio da magnificência do Pai Altíssimo e de Jesus Cristo, seu Filho único; à Igreja amada e iluminada pela bondade daquele que quis todas as coisas que existem, segundo fé e amor dela por Jesus Cristo, nosso Deus; à Igreja que preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai; eu a saúdo em nome de Jesus Cristo, o Filho do Pai. Àqueles que física e 24 espiritualmente estão unidos a todos os seus mandamentos, inabalavelmente repletos da graça de Deus, purificados de toda coloração estranha, eu lhes desejo alegria pura em Jesus Cristo, nosso Deus.9” Diante de honrosa saudação, o católico romano pressupõe que Inácio faz esta longa saudação devido a primazia ou maior importância da igreja de Roma sobre as demais. No entanto, Inácio apenas fez uma saudação honrosa devido a ela estar seguindo fielmente os mandamentos de Cristo. Ele faz o mesmo com a Igreja de Éfeso: “Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que foi grandemente abençoada com a plenitude de Deus Pai, predestinada antes dos séculos para existir sempre, para uma glória que não passa, inabalavelmente unida, escolhida na paixão verdadeira, pela vontade do Pai e de Jesus Cristo, nosso Deus. À Igreja digna de ser chamada feliz, que está em Éfeso, na Ásia, as melhores saudações em Jesus Cristo e numa alegria irrepreensível. Amor dos efésios. Acolhi em Deus vosso amadíssimo nome, que adquiristes por justo título natural, segundo a fé e o amor em Cristo Jesus, nosso Salvador. Imitadores que sois de Deus, reanimados pelo sangue de Deus, realizastes até o fim a obra que convém à vossa natureza. Ao saber que eu vinha da Síria, acorrentado por causa do Nome e da esperança, que são comuns a nós, confiante na vossa oração para sustentar em Roma a luta com as feras, para poder desse modo ser discípulo, vós vos apressastes a vir ao meu encontro. Em nome de Deus, recebi a vossa comunidade na 9 Inácio aos romanos, saudação 25 pessoa de Onésimo, homem de indizível amor, vosso bispo segundo a carne. Eu vos peço que o ameis em Jesus Cristo, e que vos torneis semelhantes a ele. Seja bendito aquele que vos concedeu a graça e vos considerou dignos de merecer tal bispo”.10 Diante de tal saudação à igreja de Éfeso, Inácio diz que ela foi predestinada para existir para sempre, abençoada na PLENITUDE de Deus Pai e de Jesus Cristo e assim por diante. A realidade é que Inácio sempre saudou bem as igrejas que cumprem os mandamentos de Cristo. Ainda em Inácio, ele saúda a igreja de Esmirna da seguinte forma: “Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja de Deus Pai e de seu Filho amado Jesus Cristo, que obteve por misericórdia todos os dons, repleta de fé e amor, à qual não falta nenhum dom, caríssima a Deus, portadora dos objetos sagrados, que está em Esmirna, na Ásia, as melhores saudações, no espírito irrepreensível e na palavra de Deus.11 Novamente nos é mostrado que Inácio deu uma grande honra não somente para a igreja de Roma, mas para todas as igrejas que ele direcionou alguma carta. 10 Inácio aos efésios, saudação; Amor aos efésios, cap.1 11 Inácio aos esmirniotas, saudação 26 Irineu de Lyon Irineu de Lyon (ca. 130 d.C-202 d.C) foi o bispo da cidade de Lugduno na Gália (atual cidade de Lyon, na França). Ficou conhecido por seus escritos contra a heresia gnóstica12 ensinada por Valentino no segundo século. No seu livro “Contra Heresias” (Adversus haereses, em latim) possui um texto que, caso você tenha debatido com um católico sobre a supremacia de Roma, você já deve ter escutado ou lido a seguinte fala de Irineu: “Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos”.13 Agora irei abordar esta fala de Irineu em partes e argumentar sobre cada uma delas: “Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos”. Para começarmos, a igreja de Roma realmente era bem conhecida por todos devido a pregação 12 Heresia gnóstica: o gnosticismo foi uma heresia combatida pelos pais da igreja e especialmente por Irineu. 13 Irineu de Lião, Contra Heresias: Denúncia e refutação da falsa gnose; Vol.3, cap.3,2 27 do evangelho ter sido bem difundida pelos apóstolos em toda a região que eles conheciam. Paulo, enquanto estava em Corinto, escreveu sua carta para a comunidade de Roma na qual ele elogia ela dizendo que a fé dela era conhecida por todos devido sua obediência aos mandamentos de Cristo (Romanos 1:8; 16:17-19). No entanto, como eu já abordei em Inácio, as igrejas que eram verdadeiramente seguidoras da doutrina apostólica eram benditas e conhecidas por todos os cristãos, ou ao menos sua grande maioria. A igreja de Corinto, por exemplo, era conhecida e bendita até na região do Ocidente, como registra Clemente.14 Portanto, não há problema Irineu dizer ter dito que a comunidade de Roma era a mais conhecida por todos. No entanto, a fala de Irineu sobre a igreja de Roma ser a mais antiga pode ter uma interpretação equivocada dependendo do leitor. Pelo que temos registrado até mesmo nas Sagradas Escrituras, a igreja de Jerusalém e Antioquia são as mais antigas. Após o discurso de Pedro na festa de pentecostes na vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos, a Escritura diz: “De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram- se quase três mil almas, e perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (Atos 2:41-42). Aqui vemos que a primeira comunidade a ser fundada e constituída pelos apóstolos foi a de Jerusalém, não a de Roma. A interpretação mais clara para essa afirmação deve se referir enquanto como igreja mais antiga na região do Ocidente, e não quanto como igreja mais antiga dentretodas. “à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade”. Aqui Irineu faz nada mais do que um apelo para a autoridade de uma igreja fundada pelos dois apóstolos Pedro e Paulo. Como sabemos, a igreja de Roma preservou a doutrina apostólica por um longo tempo, mas depois tornou-se apóstata da fé dos apóstolos e dos seus discípulos. A autoridade para que Irineu recorre era a mais próxima 14 Primeira carta de Clemente aos Coríntios, cap.1, §2 28 -e talvez que tinha domínio jurídico- da sua comunidade na qual era bispo, pois ele sabia que a igreja de Roma estava e ensinava o ensino dos apóstolos não por sua própria autoridade, mas porque as outras igrejas davam testemunho da fé de Roma. Veja que Irineu antes destaca que “seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos”, ele coloca um limite e dá apenas um exemplo, mas sabia que as demais igrejas fundadas pelos apóstolos tinham esta mesma fé de Roma. É importante lembrar que não é uma igreja que faz a fé ser verdadeira, mas sim a fé que a igreja professa mostra se ela é ou não verdadeira. Ditas “igrejas” como os mórmons, testemunhas de Jeová, adventistas, universal e dentre outras são afirmadas como seita não por si mesmas, mas a fé que eles professam. Para sustentar isto que defendo, Irineu diz: “Ora, se surgisse alguma controvérsia sobre questões de mínima importância, não se deveria recorrer a Igrejas mais antigas, onde viveram os apóstolos, para saber delas, sobre a questão em causa, o que é líquido e certo? E se os apóstolos não nos tivessem deixado as Escrituras, não se deveria seguir a ordem da tradição que transmitiram àqueles aos quais confiavam as Igrejas?”.15 Irineu acreditava que as igrejas mais antigas fundadas pelos apóstolos eram as que protegiam a reta fé apostólica, mas deu uma ênfase também nas Escrituras dizendo que caso os apóstolos não a tivessem deixado, então se era necessário recorrer para estas igrejas. Portanto, posso concluir que Irineu queria dizer que Roma guarda a pura fé pois estava de acordo com a fé das demais igrejas de origem apostólica. Creio eu que o bispo Irineu, discípulo de Policarpo, não iria apelar para uma autoridade que não tivesse a mesma fé dos demais cristãos espalhados por todo o mundo cristão. 15 Irineu de Lião, Contra Heresias: Onde está a verdadeira tradição; Vol.3, cap.4,1 29 “Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos”. Por fim, não muito menos importante, aqui teremos a mesma resposta que a anterior. A fé que mostra a apostolicidade da igreja, não ela por si só. Veja que Irineu diz que toda igreja deveria estar de acordo com ela por causa da sua origem excelente e por ela conservar a tradição (ensino) apostólico. Sobre a origem da igreja de Roma, Irineu dirá que Pedro e Paulo a fundaram. Ok, mas o que isso importa? A igreja de Antioquia também foi fundada por Pedro e Paulo16, isso faz com que Antioquia tenha autoridade igual a de Roma? Devemos estar de acordo com ela por isso? Ou pela fé que ela professa? Novamente, como já falei, a fé que a igreja professa dirá se ela é ou não apostólica, e não ela por si mesma. Agostinho de Hipona Aurélio Agostinho (354-430 d.C) nasceu na cidade de Tagaste (atual Souk Ahras), na Argélia. Foi bispo da cidade de Hipona (atual Annaba), filósofo e teólogo do quarto e quinto século, no qual suas obras influenciaram a doutrina e filosofia ocidental. Algumas de suas maiores obras são “A cidade de Deus”, “Confissões” e “A Trindade”. Também ficou famoso por combater a algumas heresias como o arianismo e principalmente o pelagianismo17, debatendo contra o próprio Pelágio, criador da heresia. Existe uma frase que você com toda a certeza você já ouviu que é atribuída à pessoa de Agostinho, que supostamente ele diz: “Roma falou, causa encerrada” (Roma locuta est, causa finita). No entanto, a verdade é que Agostinho nunca falou isso! Essa fala é um resumo do que Agostinho quis dizer em um certo contexto. A fala original de Agostinho está no seu Sermão contra os pelagianos, que é: 16 Church of Antioch - OrthodoxWiki 17 Pelagianismo: a heresia pelagiana foi criada por Pelágio, onde ensinava que o homem por si só conseguiria ser salvo, assim desprezando a graça de Deus, e também vê a vida de Jesus apenas como um exemplo. 30 “Meus irmãos, compartilhem comigo minha tristeza. Quando você encontrar tais coisas, não as esconda; não haja tal misericórdia mal direcionada em você; sem dúvida, quando você os encontrar, não os esconda. Convença os oponentes, e aqueles que resistem, traga até nós. Pois já foram enviados dois concílios sobre esta questão à Sé Apostólica; e rescritos também vieram de lá. A questão foi levada a um problema; gostaria que o erro deles também pudesse algum dia ser levado a um problema!”18 Para entendermos agora esta fala no seu devido contexto, devemos ler o Sermão todo, onde, como eu já disse, Agostinho estava falando contra os pelagianos. Durante o seu Sermão, Agostinho aborda sobre o capítulo 6 do Evangelho de João para demonstrar que ninguém vai até Cristo sem o Pai chamar. No final do Sermão, Agostinho ele diz para convencer os que negam este ensino, pois já tinham feitos dois concílios sobre isso (o pelagianismo). E após isso, Agostinho apela dizendo que a Sé Apostólica (a Sé de Roma, que na época estava com outras quatro) já condenou Pelágio e seus ensinos, e que, portanto, não se deve deixar estes ensinos se espalharem mais e mais. Eu poderia passar mais tempo respondendo os argumentos que os católicos usam com base nos pais da Igreja, mas meu objetivo é ser rápido e direto e, portanto, já derrubei essas citações dos pais que são mais usadas. Agora usando um pai latino ao meu favor, temos Vicente de Lérins, que em seu único escrito sobrevivente ele diz que o próprio apóstolo Pedro poderia ensinar de forma errada a doutrina de Cristo! Veja: A autoridade do Apóstolo se manifestou então com maior severidade: "Mas, ainda que alguém - nós ou um anjo baixado do céu - vos anunciasse um evangelho diferente do que vos 18 Saint Augustine, Sermon 81 on The New Testament; New Advent 31 temos anunciado, que ele seja anátema". (Gl 1,8) E por que disse São Paulo ainda que alguém nós e não ainda que eu mesmo? Porque quis dizer que se INCLUSIVE PEDRO, André, João, OU O COLÉGIO INTEIRO DOS APÓSTOLOS anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Tremendo rigor, com ele que, para afirmar a fidelidade para com a fé primitiva, não se exclui nem a si mesmo nem aos outros apóstolos”.19 Ora, vemos que, para alguém que mesmo usando o Papa Estevão como exemplo para nós uns 2 capítulos atrás na sua obra, não acreditava que Pedro não poderia ensinar erros. Aqui vemos em Vicente mostrando que se deve haver consenso nos ensinos dos apóstolos com aquilo que eles já haviam ensinado desde o princípio. Portanto, vemos que Vicente não acreditava numa infalibilidade de Pedro. Portanto, após vermos o que as Sagradas Escriturase alguns pais dizem sobre o papado, iremos agora para os Sete Concílios Ecumênicos. Para resumirmos, os sete concílios ecumênicos são os concílios universais de bispos de todas as partes do mundo cristão, onde foi discutido cada tema específico neles. Os sete concílios foram estes: Primeiro Concílio de Nicéia (325 d.C), Primeiro Concílio de Constantinopla (381 d.C), Concílio de Éfeso (431 d.C), Concílio de Calcedônia (451 d.C), Segundo Concílio de Constantinopla (553), Terceiro Concílio de Constantinopla (680 d.C), e por fim, o Segundo Concílio de Nicéia (787). O Primeiro Concílio de Nicéia O concílio de Nicéia é considerado como o primeiro concílio entre os bispos de todas as partes do mundo cristão, no qual teve como objetivo discutir a respeito da divindade de Jesus Cristo, assim proclamando e reafirmando que Jesus é Deus junto com o Pai. Neste 19 São Vicente de Lérins, Commonitorium, Advertência de São Paulo aos Gálatas 32 concílio também foi colocado um limite de jurisdição para as igrejas de Alexandria, Antioquia e até mesmo Roma, veja abaixo: “Que prevaleçam os antigos costumes do Egito, da Líbia e de Pentápolis, que o Bispo de Alexandria tenha jurisdição em todos estes, visto que o mesmo é costumeiro também para o Bispo de Roma. Da mesma forma em Antioquia e nas outras províncias, que as Igrejas mantenham os seus privilégios. E isto deve ser universalmente entendido: se alguém for nomeado bispo sem o consentimento do Metropolita, o grande Sínodo declarou que tal homem não deveria ser bispo. Se, porém, dois ou três bispos, por amor natural à contradição, se opuserem ao sufrágio comum dos demais, sendo razoável e de acordo com a lei eclesiástica, então deixe a escolha da maioria prevalecer”.20 Vemos que o concílio definiu que a jurisdição de Roma deve ficar limitada assim como a de Alexandria. Leo Donald Davis, diz: “…acima de tudo estavam os superbispos de Roma, Alexandria e Antioquia, cujo território e poderes de supervisão eram até então especificados apenas pelo costume”.21 Portanto vemos que, desde o primeiro concílio da história da Igreja, a igreja de Roma já tinha um limite de jurisdição tanto para ambas igrejas de Alexandria, Roma e Antioquia. Ou melhor ainda, podemos afirmar que essa jurisdição era até mesmo anterior, como diz Donald. 20 New Advent; CHURCH FATHERS: First Council of Nicaea (A.D. 325); Canon 6 21 Leo Donald Davis, The First Seven Ecumenical Councils(325-787): History and Theology; cap.2. Council of Nicaea I, 325; 3. The Events of the Council of Nicaea 33 O Primeiro Concílio de Constantinopla O primeiro concílio de Constantinopla é o segundo concílio ecumênico no qual se foi discutido, defendido e reafirmado a crença na divindade do Espírito Santo, como tema principal. No segundo cânone é afirmado a mesma jurisdição do sexto cânon de Nicéia, mas agora de forma mais explicada, veja: “Os bispos não devem ir além das suas dioceses para igrejas situadas fora dos seus limites, nem trazer confusão às igrejas; mas deixe o bispo de Alexandria, de acordo com os cânones, administrar sozinho os assuntos do Egito; e deixar que os bispos do Oriente administrem o Oriente sozinhos, sendo preservados os privilégios da Igreja em Antioquia, que são mencionados nos cânones de Nicéia; e deixe que os bispos da Diocese Asiática administrem apenas os assuntos asiáticos; e os bispos pônticos apenas assuntos pônticos; e os bispos trácios apenas assuntos trácios. E não deixem os bispos irem além das suas dioceses para ordenação ou quaisquer outros ministérios eclesiásticos, a menos que sejam convidados. E sendo observado o referido cânone relativo às dioceses, é evidente que o sínodo de cada província administrará os assuntos daquela província em particular, conforme foi decretado em Nicéia. Mas as Igrejas de Deus nas nações pagãs devem ser governadas de acordo com o costume que prevaleceu desde os tempos dos Padres”.22 É incrível ver como os católicos romanos negam os cânones dos concílios que eles mesmos aceitam, ou melhor, que todo cristão sério deve aceitar. Vimos, agora de forma 22 New Advent; CHURCH FATHERS: First Council of Constantinople (A.D. 381); Canon 2 34 mais específica, que o bispo da sua Sé deve administrar os problemas dentro dela, não o bispo de Roma interferir nos assuntos que acontecem fora de sua jurisdição. Enfim, algo dogmático para os papistas sendo quebrado. Também é importante dizer que, embora o concílio de Constantinopla não tendo sido realizado com intuito ecumênico, mas regional, o concílio de Calcedônia, em seu cânon 28, afirmou a decisão deste concílio de Constantinopla.23 Também foi em Calcedônia que a reunião de bispos em Constantinopla foi aceito como ecumênico, embora não tenha tido a presença do bispo de Roma. Isso só comprova que o bispo da Igreja de Roma não precisa estar presente para afirmar algo dogmático e nem mesmo precisa ter participação para tal. Os pais reunidos em Constantinopla provam que o Espírito Santo não está sujeito e muito menos limitado para a igreja de Roma. O Concílio de Éfeso O concílio de Éfeso, ocorrido em 431 d.C, se deu devido a heresia nestoriana, na qual prega que Jesus tinha duas pessoas em si, a humana e a divina. Também envolvendo isso, a heresia nestoriana nega o termo dado para Maria, a mãe de Jesus, que é “Theotokos”, ou em outras palavras, “Mãe de Deus”. A seguir farei um comentário ao concílio e o que eu posso afirmar sobre tal, visto que quero ser rápido e direto com isto. Portanto, as minhas fontes para meu comentário estão com base no que li no New Advent23 e no livro do Leo Donald Davis.24 Para começarmos, devemos saber o motivo de eu estar citando este concílio, e sim, há motivo. Os católicos romanos amam usar este concílio para dizer que todas as igrejas se submeteram a igreja de Roma, e que o Papa Celestino I teve o papel de julgamento e liderança universal, ou pior ainda, que o papel eclesiástico dele foi o mesmo que o que ensina o papismo atual. No entanto, a realidade tende a ser decepcionante para os 23 New Advent; CHURCH FATHERS: Council of Chalcedon (A.D. 451); Session XV, Canon 28 24 Leo Donald Davis; The First Seven Ecumenical Councils (325-787): History and Theology; cap.4. Council of Ephesus, 431 35 católicos. Celestino I foi usado por Deus para dar um fim na decisão do concílio a respeito das duas naturezas e da pessoa de Jesus, isso eu não nego. No entanto, quantas vezes outros bispos tiveram o papel de manter a unidade da Santa Igreja? Não foram milhares? A realidade é que Celestino I foi um homem de Deus com fé, sabedoria e juízo, isso nenhum conscientemente negará. Seu papel foi importante pois mostrou que, mesmo em regiões tão distantes no Ocidente, a fé prevalece a mesma na união das duas naturezas de Cristo em uma só pessoa. Celestino mostrou que concorda com as decisões do concílio pois o mesmo permaneceu na reta fé apostólica, e não nos erros de Nestório. Como eu disse bem anteriormente, a fé que julga a igreja, e não o contrário. Se Celestino tivesse saído da fé pura e imaculada que foi pregada pelos apóstolos, então sua carta teria sido repudiada, e não motivo de alegria para os bispos reunidos em Éfeso. Também se é falado que Pedro é o cabeça dos Apóstolos, pilar da fé e etc. Ok, o que tem? As Escrituras dizem que os profetas e os apóstolos (todos os treze) são o fundamento da igreja (Efésios 2:20), eu não nego tal. Pedro é o cabeça dos Apóstolos no que que em si? Isso também não negarei. No entanto, se estivermos falando de Pedro comocabeça tendo supremacia sobre os demais, isso não se encontra nas Escrituras. Creio em Pedro como cabeça dos Apóstolos no sentido dele receber alguns privilégios de Cristo, uma honra por talvez ser o mais velho dos apóstolos, mas não em jurisdição e em decisão de toda a igreja. Se Pedro tivesse se tornado um apóstata, então ele estaria fora do corpo de Cristo. A fé que julga a pessoa, não a pessoa que julga a fé. Portanto, admito que não há nada no concílio de Éfeso que prove o papado, a não ser que levemos como pressuposto que é o bispo de roma da mesma forma que temos hoje em dia. Vários cristãos mantiveram o papel de unidade e exortação na igreja durante sua vida e escritos, mas é importante lembrar que, claramente, dependendo da posição eclesiástica a força da exortação será maior, e essa força é maior para a antiga pentarquia: Antioquia, Roma, Constantinopla, Alexandria e Jerusalém. Enfim, a carta de Celestino I apenas é válida pois ele aceitou as decisões do concílio, no qual foi uma posição que defendeu a fé pura, santa e imaculada vinda dos apóstolos. 36 O Concílio de Calcedônia O concílio de Calcedônia ocorreu em 451 d.C., teve como objetivo seu em falar sobre as duas naturezas distintas na pessoa de Jesus. Este concílio foi motivo de igrejas como a copta e a etíope acabarem cismando, assim saindo da verdadeira fé. Tomado como infalível, a reunião dos bispos em Calcedônia afirma dogmaticamente no seu cânon XXVIII, dizendo: “Seguindo em todas as coisas as decisões dos santos Padres, e reconhecendo o cânon, que acaba de ser lido, dos Cento e Cinquenta Bispos amados de Deus (que se reuniram na cidade imperial de Constantinopla, que é Nova Roma, em a época do Imperador Teodósio de feliz memória), também promulgamos e decretamos as mesmas coisas relativas aos privilégios da santíssima Igreja de Constantinopla, que é a Nova Roma. Pois os Padres concederam com razão privilégios ao trono da antiga Roma, porque era a cidade real. E os Cento e Cinquenta Bispos mais religiosos, movidos pela mesma consideração, deram privilégios iguais (ἴσα πρεσβεῖα) ao trono santíssimo da Nova Roma, julgando justamente que a cidade que é honrada com a Soberania e o Senado, e goza de igualdade privilégios com a antiga Roma imperial, deveriam também ser ampliados em assuntos eclesiásticos como ela é, e ocupar a posição seguinte a ela; de modo que, nas dioceses pônticas, asiáticas e trácias, apenas os metropolitas e também os bispos das dioceses acima mencionadas, como estão entre os bárbaros, sejam ordenados pelo mencionado trono santíssimo da santíssima Igreja de Constantinopla; cada metropolita das referidas dioceses, juntamente com os bispos da sua província, ordenando os seus próprios bispos provinciais, como foi declarado pelos cânones divinos; mas que, como foi dito acima, 37 os metropolitas das referidas Dioceses sejam ordenados pelo Arcebispo de Constantinopla, depois que as eleições apropriadas tenham sido realizadas de acordo com o costume e lhe tenham sido comunicadas”.25 É visto então que a igreja de Constantinopla recebe o mesmo privilégio que a igreja de Roma não por possuir o corpo de um apóstolo, mas por ser capital do império. Engraçado que Constantinopla, mesmo com estes privilégios, não gozou de se dizer a Sé mãe de todas as outras Sés existentes naquela época. Portanto, a igreja de Roma tomou para si mais um peso, que foi o de quebrar mais um cânone dos concílios que eles falam que são infalíveis. Como presente extra para vocês, meus caros leitores, venho trazer duas fontes de dois bispos que tiveram um papel importante sobre o título “bispo universal”, que são eles: Cipriano de Cartago e o Papa Gregório I. Cipriano de Cartago Cipriano de Cartago viveu no terceiro século e foi bispo da cidade de Cartago (atual Túnis). Embora não sabermos sobre sua infância e vida antes de sua conversão, ele deixou mais de oitenta e duas epístolas que estão disponíveis gratuitamente em inglês no site “New advent”. Na vida de Cipriano houve um momento que ele participou do sínodo de Cartago (257 d.C), na qual ele disse: “Vocês ouviram, meus queridos colegas, o que nosso colega bispo Jubaiano me escreveu, aconselhando-me sobre minha pequenez a respeito dos batismos ilícitos e profanos de hereges, e a resposta que eu lhe dei; sendo da mesma opinião 25 New Advent; CHURCH FATHERS: Council of Chalcedon (A.D. 451), Session XV, Canon 28 38 que temos em ocasiões anteriores, que os hereges que vêm para a Igreja devem ser batizados e santificados com o batismo da Igreja. Além disso, foi lida para você também a outra carta de Jubaiano, na qual, respondendo por sua devoção sincera e piedosa à nossa carta, ele não apenas concorda com ela, mas também agradece por ter sido assim instruído por ela. Resta, portanto, que nós, cada um de nós, um por um, digamos o que pensamos sobre este assunto, sem condenar ninguém ou retirar do direito de comunhão quem não concorda conosco. Pois ninguém [de nós] se propôs [ser] bispo [dos bispos], ou tentou com temor tirânico forçar seus colegas a obedecer-lhe, uma vez que cada bispo tem, para licença de liberdade e poder, o seu próprio vontade, e como ele não pode ser julgado por outro, também não pode julgar outro. Mas aguardamos o julgamento de nosso Senhor universal, nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único que tem o poder, tanto de nos fazer avançar no governo de sua Igreja, quanto de julgar nossas ações [nessa posição]”.26 Vemos que Cipriano diz que não existe um “bispo dos bispos”, uma vez que isso faz com que anule a autoridade dos demais bispos. Mas por qual motivo diz isso? Imagine o seguinte cenário: Todos os bispos de todas as igrejas condenam uma heresia, mas não por si mesmas, mas pela autoridade das Escrituras e pelo consenso das demais igrejas, só que então aparece um único homem e diz ser o bispo que manda em todos, e, portanto, anula esta condenação de todas as outras igrejas só por causa que ele quis. É simplesmente um absurdo falar que um só homem tem o poder de comandar todos os outros. Todos os apóstolos tiveram a mesma autoridade. Mas caso você discorde, então me prove que houve um só apóstolo com autoridade maior que os demais. Como diria nosso Senhor: “Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as 26 New Advent; CHURCH FATHERS: Council of Carthage (A.D. 257) 39 governam com autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, se faça vosso escravo” (Mateus 20:25-27). Por fim, o segundo bispo, que não é somente um bispo comum para os católicos, mas um Papa, é Gregório I. O Papa Gregório I, ou também conhecido como Gregório, o Grande, é conhecido por seu incrível papel como bispo de Roma, que viveu no sexto século. Em sua carta dirigia ao imperador Maurício Augusto, Gregório diz que João IV de Constantinopla foi orgulhoso ao assumir para si mesmo o título de bispo universal, dizendo: “Pois para todos os que conhecem o Evangelho é evidente que pela voz do Senhor o cuidado de toda a Igreja foi confiado ao santo Apóstolo e Príncipe de todos os Apóstolos, Pedro. Pois a ele se diz: Pedro, você me ama? Alimente minhas ovelhas João 21:17. Para ele é dito: Eis que Satanás desejou peneirar-vos como trigo; e eu orei por você, Pedro, para que sua fé não desfaleça. E tu, quando te converteres, fortalece teus irmãos Lucas 22:31. A ele foi dito: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus e tudo o que ligares na terraserá ligado também nos céus; e tudo o que desligares na terra será desligado também no céu Mateus 16:18. Eis que ele recebeu as chaves do reino celestial, e foi-lhe dado o poder de ligar e desligar, o cuidado e o principado de toda a Igreja foram confiados a ele, e ainda assim ele não é chamado de apóstolo universal; enquanto o homem santíssimo, meu colega sacerdote João, tenta ser chamado de bispo universal, sou compelido a gritar e dizer: ó tempos, ó costumes! 40 Eis que todas as coisas nas regiões da Europa são entregues ao poder dos bárbaros, as cidades são destruídas, os campos derrubados, as províncias despovoadas, nenhum cultivador habita a terra, os adoradores de ídolos enfurecem-se e dominam diariamente para o massacre dos fiéis, e ainda assim os sacerdotes, que deveriam chorar no chão e nas cinzas, procuram para si nomes de vaidade e gloriam-se em títulos novos e profanos”.27 Como podemos ver, até mesmo um bispo de Roma exortou outro bispo que tentou tomar para si um título inovador que nunca tinha sido usado para algum outro bispo. É até cômico ver que um bispo de Roma tem a mesma visão minha sobre esse título de puro orgulho provindo do mais amargo vômito de Satanás. E, embora Gregório I vendo Pedro numa posição até que elevada -que já respondi também-, ele mesmo discorda de um título que nem Pedro, que é o primeiro Papa segundo os católicos, recebeu. Como conclusão, venho então afirmar com total certeza que após responder os clássicos argumentos dos papistas, vejo que, mesmo que não quebre de vez, o papado está com as pernas rachadas ao ponto de não conseguir quase nem se sustentar mais. E caso eu não tenha colocado todos os argumentos que os romanos usam, então me perdoem por isto. Todavia, as principais argumentações eu trouxe para este capítulo e as abordei de forma rápida e simples, não por falta de conhecimento sobre tal, mas sim porque a mentira não dura e pode ser derrubada facilmente. Os erros do papismo não fazem com que seja apenas uma questão de erro teológico, mas faz com que ele, o bispo de Roma, e todos os que acreditam e defendem isto sejam levados ao inferno devido seu imenso pecado do orgulho, vaidade, mentira e querer ser “o cabeça substituta” do próprio Deus. Por isso, como diria Inácio, eu desejo ter assim como Policarpo teve e tem como seu bispo supremo o próprio Deus.28 27 New Advent; CHURCH FATHERS: Gregory the Great, Pope (c. 540-604), Epistles of St. Gregory the Great, Book V, Letter 20 28 New Advent; CHURCH FATHERS: Ignatius of Antioch, Epistle to Polycarp, Greeting 41 CAPÍTULO 3 – REFUTANDO A INTERCESSÃO DOS SANTOS Ao acreditar que o “santos” ou Maria possuem a capacidade de interceder lá do céu, automaticamente você está afirmando que eles são oniscientes e onipresentes. Pois, só é possível ouvir as orações de milhões de pessoas se esses tais santos forem oniscientes e onipresentes. Sabemos que só Deus/Jesus possui tais atributos, nem mesmo os anjos têm esse poder. Se um católico argumentar que Deus permite que tais santos tenham essa capacidade, é a mesma coisa que dizer que Deus está delegando o seu poder único, é a mesma coisa de pedir para Deus deixar de ser Deus. É como se Deus não pudesse fazer sozinho e precisasse de ajuda. É por isso que em 1 Timóteo 2.5 diz: “Só há um Deus e um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo”. Jesus Cristo é o único que pode fazer qualquer tipo de mediação do mundo físico até o mundo espiritual, até o reino celestial, onde habita o Deus Todo-Poderoso. O Apóstolo João ainda complementa em sua carta, no livro de 1 João 2.1” Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo”. O nosso único advogado que pode nos defender diante do Pai Celestial, é Jesus Cristo. O Apóstolo Paulo, em Romanos 8.34, deixa claro que Jesus é o nosso único intercessor lá no mundo espiritual: “Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Jesus Cristo é o nosso único mediador e único intercessor lá no reino de Deus. No livro de Filipenses 1.23, o apóstolo Paulo afirma que ele desejava partir e estar com Cristo, pois isso era muito melhor. Todavia, no versículo 24 do mesmo texto, Paulo ressalta a importância de ele ficar vivo no corpo, por causa dos cristãos, pois assim Paulo seria mais útil. Fazendo conexão com o referido texto, temos também 2 Timóteo 4.7, onde Paulo fala a famosa frase “combati o bom combate, encerrei a carreira, guardei a fé”. Ora, se Paulo encerrou a carreira com a sua morte, que sentido faz a intercessão dos santos lá no céu? Mesmo depois da morte, eles continuam 42 trabalhando arduamente? Paulo ressalta que a morte seria um descanso eterno com Cristo. Paulo só teria utilidade para a igreja enquanto estivesse vivo aqui na terra, como ele bem ressalta em Filipenses 1.23. Para a igreja católica romana, os santos estão no tempo Chronos, no Céu. Se admitirmos por um instante que eles estejam conscientes e cientes do que está acontecendo na Terra, isso não altera o fato de que somente Deus trabalha no tempo Kairos, sem limites de tempo e espaço. Kairos é o “tempo de Deus”, enquanto o Chronos é o “tempo dos homens”. Só Deus trabalha no Kairos porque só Ele tem o atributo da Onisciência, um atributo que pertence unicamente aquele que não tem início e nem fim, àquele que existe de eternidade em eternidade. Mesmo no Paraíso, os mortos (incluindo os tais “santos”) continuariam “presos” no tempo Chronos. Isto significa que eles não têm tempo para ficar rezando por todo mundo que pede a intercessão deles. Enquanto milhares, talvez milhões de pessoas, pedem ajuda divina, eles não podem obter todas as bênçãos de cada um, já que seu tempo é limitado, e não ilimitado como o de Deus. É por isso que a Bíblia diz que, no Céu, Jesus Cristo e o Espírito Santo são nossos intercessores diante de Deus (Rm.8:36; Jo.17:9; 1Co.14:14,15; Rm.8:34). Mas por que a Bíblia diz que o Filho e o Espírito Santo são intercessores nossos, mas nunca mostra a intercessão dos tais “santos”? Porque, “coincidentemente”, Jesus Cristo e o Espírito Santo, como Deus, trabalham no tempo Kairos. Jesus e o Espírito Santo sim podem interceder por todos, ao contrário dos “santos” que, mesmo se soubessem o que se passa na Terra (o que não sabem), mesmo se pudessem ouvir a oração de todos simultaneamente (o que não podem), mesmo se pudessem estar em vários lugares diferentes para interceder por diferentes pessoais em locais opostos no globo (o que também não podem), mesmo se a Bíblia desse um único exemplo disso (o que não dá), mesmo se a Bíblia permitisse a comunicação com os mortos (o que não permite), mas mesmo se eles conseguissem tudo isso ainda assim esbarraria no fato de que eles trabalham no tempo Chronos e, por isso, não tem a mínima condição de rogar por todos (na verdade não tem a mínima condição de rogar nem sequer por 1% deles...). Não é coincidência que, no Céu, a Bíblia relata apenas dois intercessores nossos, e ambos trabalham no tempo Kairos. 43 Tal mediador, sozinho, é o cabeça da igreja e o Sumo Sacerdote perante Deus como nosso advogado. Seu nome é Cristo Jesus, e Ele é o nosso Senhor, Salvador e irmão. Efésios 2:18 diz que “por ele [Jesus] ambos temos acesso ao Pai por um Espírito”. Apenas mediante Jesus nós temos o acesso ao Pai. João 14:6 é bem claro em dizer que Jesus é “o caminho, a verdade e a vida; e ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. Perceba que Jesus disse que ele é O caminho, e não “um” caminho, e para reforçar ainda mais a frase ele conclui dizendo que “ninguém vem ao Pai senãopor mim”. Absolutamente não há outro caminho! Não existem outros mediadores! Ora, para um "santo" morto atender às orações de alguém, muitas vezes até mesmo em seu inconsciente, ele deve ter a onisciência. Contudo, esta característica é um atributo exclusivo do Todo-Poderoso. Só Deus pode atender várias orações ao mesmo tempo, pois isto é intrínseco à sua divindade. A menos que os católicos não queiram considerar seus santos como semi- deuses como faziam os pagãos, eles precisam negar tal atributo aos seus santos. Se pudessem ouvir as orações que lhes são dirigidas em todas as partes do do mundo, às vezes até em pensamento e no mesmo instante, teriam de ser oniscientes (ter ciência de tudo). Mas, como vimos, eles não têm esse poder. Onipresença. Ora, para um “santo” morto ouvir as orações de pessoas que rezam a eles simultaneamente no Brasil, na Arábia, no Cazaquistão, no Triangulo das Bermudas e na casa do papa eles devem estar cientes do que acontece em todos os lugares, tendo assim o atributo da onipresença. Contudo, esse é novamente outro atributo exclusivo do Todo-Poderoso. Todavia, recorrer a “santos” é lhes atribuir poderes de Deus, considerando-os deuses. De novo, a idolatria. Tentar se comunicar com os mortos é abominação para o Senhor (Is 8.19; Dt 18.10-12). Na história do rico e Lázaro, Jesus informa que os mortos nada podem fazer pelos vivos (Lc 16.19-11). Os católicos alegam que Deus proíbe apenas a consulta de mortos como os espíritas fazem. Entretanto, quando você reza a algum morto ou pede a ajuda dele, ou pede a intercessão dele com você, isto não é uma forma de comunicação? E já não estão mortos os santos e Maria? O texto das escrituras é claro, Deus proíbe qualquer tipo de tentativa de invocação ou comunicação com os mortos. 44 A doutrina da “intercessão dos santos” mortos é tão demoníaca que não é citada em lugar nenhum dos mais de 1100 capítulos das Escrituras. O que temos é o incentivo de oração (intercessão) de um vivo em favor de outro vivo. A bíblia diz o seguinte: “E rogo-vos, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito, que combatais comigo nas vossas orações por mim a Deus.” (Rm.15:30) Paulo pede que os irmãos da terra “combatam” em oração por ele. E não é só nesta passagem que ele pede isso. Em inúmeras partes de suas epístolas Paulo pede que os irmãos da terra orassem por ele. Veja o que ele escreve em 1 Timóteo 2:1: “Em primeiro lugar peço que sejam feitas orações, pedidos, súplicas e ações de graças a Deus em favor de todas as pessoas. Na bíblia temos milhares de exemplos de intercessão de vivos em favor de vivos. De irmãos pedindo oração para irmãos vivos na terra. Por que então não existe nenhuma situação na bíblia de alguém pedindo a intercessão dos santos que já morreram? Paulo nunca pediu a oração para um morto, mas sempre pedia somente para as pessoas que estavam vivas que orassem com ele ou por ele. Ora, se o que o catolicismo prega é verdade, então porque Paulo não “dispensava” as ajudas dos vivos, já que ele tem tanta ajuda assim dos mortos, podendo escolher o morto que ele quiser para interceder por ele? Mas diferente do que o catolicismo propaga, Paulo sempre pedia para que os vivos orassem entre os vivos. Paulo nunca pediu ajuda de um morto A Bíblia em nenhum lugar descreve qualquer pessoa no Céu orando por quem quer que seja na terra. Todas as vezes que a Bíblia menciona orar ou falar com os mortos, é em um contexto de magia, bruxaria, necromancia e ocultismo – atividades que a Bíblia fortemente condena (Levítico 20:27; Deuteronômio 18:10-13). Orar aos santos não tem qualquer base bíblica. Nunca encontraremos uma pessoa piedosa nas Escrituras orando a ninguém a não ser a Deus, ou pedindo para que alguém interceda, a não ser aqueles ainda vivos nesta terra. As escrituras sempre nos ensinam que nossas orações estejam direcionadas para Deus (Lucas 11:1-2; Mateus 6:6-9; Filipenses 4:6; Atos 8:22; Lucas 10:2, etc.). Não há absolutamente qualquer base ou necessidade de orar a qualquer um que não seja somente Deus. Não há qualquer base para que se peça àqueles que estão nos 45 Céus para que orem por nós. Somente Deus pode ouvir nossas orações. Somente Deus pode responder nossas orações. A oração é feita somente a Deus (I Coríntios 11:5; Romanos 10:1; Romanos 15:30; Atos 12:5; Atos 10:2; Atos 8:24; Atos 1:24; Zacarias 8:21-22; Jonas 2:7; 4:2, etc.) e os pedidos de oração são feitos somente aos vivos (I Tessalonicenses 5:25; II Tessalonicenses 3:1; Hebreus 13:18, etc.). “A ELE orará, e ELE o ouvirá” (Jó 22:27). Por que precisamos ir através de um santo, anjo ou Maria, se é contra o que as escrituras ensinam? Jesus disse que Ele é o único caminho, mas os católicos colocaram Maria como pedágio e os demais santos como barricadas. A bíblia nos ensina que temos livre acesso ao Pai, na pessoa de Jesus Cristo: “De acordo com o seu eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor, por intermédio de quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele.” (Efésios 3:11,12) A intercessão de Cristo, descrita na Bíblia, não se trata de uma oração que ele faz, mas de uma OBRA de mediação que ele fez para com a humanidade (ver 1Timóteo 2:5). É por meio dele que podemos chegar ao Pai, sem tem que passar por outros. O “LIVRE acesso ao PAI” exclui qualquer mediação de santo. Jesus nos deixou o livre acesso ao Pai por meio de sua morte na cruz, é por isso e nesse sentido que ele é o nosso único e definitivo mediador (1Tm.2:5). A “MEDIAÇÃO” dos “santos” é uma doutrina totalmente desconhecida à luz das Escrituras Sagradas. De acordo com o catolicismo, os santos mortos da ICAR são intercessores nossos. Nós pedimos pra eles, que de toda boa vontade vem pedir pra Jesus (que não deve saber nada da sua vida) e este por sua vez pede ao Pai. Os católicos oram aos santos. Vamos ver o que a Bíblia tem a dizer sobre isso? "O que pedires em MEU nome, EU o farei" (Jo.14:13). Cristo não pediu para pedir que o santo tal intercedesse por você, mas que você mesmo peça diretamente para Cristo. Veremos outras passagens: "Eu farei qualquer coisa que vocês pedirem em MEU nome" (Jo.14:14). Veja que Jesus disse que faria QUALQUER coisa por nós se tão-somente pedíssemos para ele! Mas os católicos seguem na cega ignorância de rezar aos mortos! 46 Veja mais estes: "Isso a fim de que o Pai lhes dê tudo o que pedirem em MEU nome" (Jo.15:16); "Até agora vocês não pediram nada em meu nome, peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa" (Jo.16:24); "Eu afirmo a vocês que isso é verdade: se vocês pedirem ao Pai alguma coisa em MEU NOME, ele lhes dará" (Jo.16:23) Observe que Cristo disse que faria qualquer coisa que pedíssemos para Ele. Ora, se Deus nos dará qualquer coisa se pedirmos para Cristo, então para que precisamos da “ajudinha” dos santos que já morreram? Logo, a não ser que o Senhor Jesus estivesse mentindo, cai a farsa da intercessão dos “santos”, pois Deus não faria algo sem utilidade nenhuma que ainda por cima confronta com suas sagradas escrituras. Aí pergunto: Se Cristo intercede por nós, então a intercessão SOMENTE DELE é insuficiente? Se sim, então porque Cristo diz para pedir em nome DELE, e não de algum santo para chegar a Ele? (Jo.14:13; 14:14; 15:16; 16:23; 16:24) Estaria Cristo mentindo? Se não necessitamos pedir necessariamente aos santos, então em qual situação só a intercessão de Cristo não ajudaria? Em que situação se você pedisse direto a Jesus não daria certo, mas se você pedisse aos santos aí sim daria certo? Em qual situação que a "simples" intercessão do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é insuficiente? Para encerrarmos o assunto com maestria, vale ressaltar o que o apóstolo Paulo disse em Filipenses 1:23,24: “23, Mas de ambos os lados estouem aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. 24 Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na carne. Ora, o apóstolo Paulo sabia que fora da carne, ou seja, morto, ele não teria nenhuma utilidade para os cristãos que ficariam na terra, pois Paulo estaria em eterno descanso com Cristo. Outro versículo chave para complementar o anterior, está em 2 Timóteo 4.7: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”. Ora, se Paulo encerrou a carreira, significa que seu trabalho está concluído, e ele não pode fazer mais nada pelos cristãos na terra. Agora é partir e estar em eterno descanso com Cristo. 47 Católicos também gostam de usar Apocalipse 5.8 para tentar provar a intercessão dos santos. Todavia, ali nada diz sobre algum santo intercedendo. O que vemos são vinte e quatro anciãos, que nem sequer sabemos quem são e certamente não é nenhum dos apóstolos de Cristo, pois o próprio João, sendo apóstolo, não reconheceu nenhum deles. Esses anciãos estavam com salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos que chegam da terra. Ora, nenhum ancião tem ciência de cada caso específico em cada oração, eles apenas as tinham diante de Deus. Esses anciãos se assentam em tronos em volta do trono de Deus, mostrando que são seres importantes, porém, nada sabemos sobre eles, não sabemos nem se são personagens do antigo testamento. Um texto interessante para acabar de vez com a crença da intercessão dos santos na concepção católica, é o texto de Apocalipse 6.9-11. Ali narra os mártires que morreram na grande tribulação e estavam guardados debaixo do altar de Deus. Esses mártires clamavam em favor de si mesmos, pedindo justiça a Deus contra os seus assassinos. Perceba que os mártires não clamavam em favor de ninguém, mas apenas em favor deles mesmos. Nota-se também que eles só tinham ciência das coisas da terra só até o momento da morte deles, após isso, eles nada sabem sobre as coisas da terra. No momento de suas mortes, eles sabiam que a terra estava passando pela tribulação e que eles morreram por causa de Cristo, por isso, clamavam em favor deles mesmo, pedindo justiça para Deus. 48 CAPÍTULO 4 - A IDOLATRIA NA IGREJA CATÓLICA No século IV, com o estabelecimento do cristianismo como religião oficial do Império Romano, houve um aumento na veneração dos santos. A construção de basílicas sobre os túmulos dos mártires e a celebração das festas litúrgicas em sua honra se tornaram comuns. Os cristãos acreditavam que os mártires eram intercessores poderosos diante de Deus e buscavam sua ajuda e proteção. Com o tempo, a veneração dos santos se estendeu além dos mártires e passou a incluir outros cristãos considerados modelos de santidade. A prática de venerar e invocar os santos como intercessores e protetores tornou-se uma parte integral da devoção popular na Igreja Católica. Foi no Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, que a Igreja Católica oficialmente definiu e reafirmou a prática da veneração dos santos, esclarecendo que a veneração era devida somente a Deus, mas que os santos poderiam ser honrados e invocados como modelos e intercessores. Os católicos romanos dizem “venerar” os santos e usam como argumento que é apenas uma honra prestada ou admiração, mas na prática, as coisas são totalmente diferentes. Primeiramente que a palavra “venerar” é sinônimo de “adorar” ou “prestar culto”. Os católicos se ajoelham perante as estátuas dos seus santos, fazem procissão para seus santos, oram para os seus santos. Quando o assunto é Maria, a coisa fica ainda pior. Em 1 Timóteo 2.5, afirma que: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. Só isso deveria ser suficiente para acreditar que somente Jesus pode ser o mediador entre Deus e os homens. Para que fosse possível que Maria ou outros “santos” ouvissem milhões de orações e intercedessem por todos, obrigatoriamente eles teriam que ser oniscientes e onipresentes. Mas sabemos que só Deus/Jesus tem esse poder. Logo, a intercessão dos santos é uma heresia e é anti bíblico. O apóstolo Paulo, em Romanos 8.34, vai dizer que só Jesus que intercede por todos: “Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. 49 A bíblia incentiva que os cristãos que estão vivos na terram orem uns pelos outros, ou intercedam uns pelos outros. Isto é válido! Agora, pessoas que já se foram da terra e estão no mundo espiritual, jamais pode interceder por alguém, pois nem sequer ela é onisciente e nem onipresente. A idolatria aos santos, principalmente á Maria extrapola os limites dentro da igreja católica romana, podemos citar alguns exemplos a seguir. 4.1 IDOLATRIA Afonso de Ligório, conhecido como Santo Afonso de Ligório, foi um bispo católico italiano, teólogo e fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, também conhecida como Redentoristas. Ele nasceu em 27 de setembro de 1696, em Marianella, perto de Nápoles, na Itália, e faleceu em 1º de agosto de 1787, em Pagani, também na Itália. Ligório foi um escritor prolífico e é mais conhecido por suas obras morais e devocionais. Seu livro mais famoso, "As Glórias de Maria", reflete sua profunda idolatria por Maria e seu papel na fé católica. Afonso de Ligório chama Maria de onipotente, um atributo que é somente de Deus. Ele diz também que somente por intercessão de Maria é que obtemos perdão, contrariando todo o evangelho de Jesus Cristo. Para finalizar, ele comete a heresia de dizer que Maria é a esperança da nossa salvação, sendo que, Jesus Cristo é que a nossa verdadeira esperança de salvação. Afonso continua: “Sois onipotente, ó mãe de Deus, para salvar os pecadores; não precisais de recomendação alguma junto de Deus, pois sois a mãe da verdadeira vida”. (...) ao império de Maria todos estão sujeitos, até o próprio Deus. Isto é, Deus lhe atende os rogos como se fossem ordens”.29 29 Ibid, p 152 50 “Corram, pois, a Maria os pecadores que perderam a graça, porque em seu poder a acharão certamente...”30 “Pobres pecadores! Que seria de nós, se não tivéramos esta grande advogada.”31 “E por isso o meu salvador me fez medianeira da paz entre os pecadores e Deus. Realmente é Maria a pacificadora que obtém de Deus a paz para os pecadores, a misericórdia para os desesperados...”32 “A principal missão de Maria quando veio para a terra era de levantar as almas caídas da divina graça e reconciliá-las com Deus.”33 “Os pecadores só por intercessão de Maria recebem o perdão”.34 “Ó mãe de Deus, vossa proteção traz a imortalidade, vossa intercessão, a vida”.35 “Sem maria não alcançamos a graça da perseverança”.36 “Maria não sava todos os pecadores, mas tão somente aqueles que a servem e a invocam”. 37 30 Ibid, p. 75 31 Ibid, p. 162 32 Ibid, p. 168 33 Ibid, p. 169 34 Ibid, p. 76 35 Ibid, p. 77 36 Ibid, p. 80. 37 Ibid, p. 153 51 “As preces de Maria, como rogos de mãe, têm efeito de uma ordem, sendo impossível que fiquem desatendidas”.38 “Senhora, basta-vos querer a nossa salvação e nós não podemos perecer”.39 Afonso de Ligório foi canonizado como santo em 1839 e é amplamente venerado como patrono de teólogos morais e confessores. As citações de seu livro mariano é só a pontinha do iceberg de heresias, pois o livro é idolatria de capa a capa. Vale lembrar que Afonso, sempre faz essa citações em cima de outros santo, concordando com eles. Darei mais alguns exemplos: Santo Anselmo diz que “é impossívelsalvar-se quem não é devoto de Maria e não vive sob sua proteção, […] e também é impossível que se condene quem se encomenda à Virgem, e por ela é olhado com amor.40 Olha que absurdo o comentário de Afonso e a citação que ele faz de outro santo canonizado: “...tremam aqueles que fazem pouco caso da devoção a mãe de Deus, ou que a abandonam por negligência. Estes santos afirmam que não há possibilidade de salvação para quem não é amparado por Maria. A mesma coisa assevera outros, como Santo Alberto Magno: Todos os que não são vossos servos hão de se perder-se, ó Maria. ES. Boaventura afirma: Aquele que se descuida de servir a santíssima virgem 38 Ibid, p. 156. 39 Ibid, p. 153. 40 Ibid, p. 183. 52 morrerá em pecado. Em outro lugar: Quem a vós não recorre, Senhora, não entrará no paraíso.41 Vale destacar a obra de um outro santo canonizado pela igreja católica, que é o São Luis de Montfort. Em uma de suas obras, ele destaca, também citando dezenas de outros santos, assim como Afonso de Ligório faz: “...de forma irrefutável, provaram que a devoção a santíssima virgem é necessária para a salvação...”42 Veja que durante os séculos, foi esse tipo de “salvação” que os santos canonizados pela igreja romana ensinaram para os católicos. Guiando-os para uma idolatria sem freio, que está enraizado na igreja até hoje. Está tão enraizando, que muitos católicos leem isso e ainda acham normal. Ora, sabemos muito bem que o único que é capaz de livrar alguém do inferno é o próprio Jesus Cristo. Como o próprio Apóstolo Paulo afirma em Romanos 4.25: “Ele foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação.” Novamente Paulo reafirma em Romanos 8.1: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.” Um grande padre famoso brasileiro, também demonstra sua idolatria por Maria, é o Padre Marcelo Rossi. Padre Marcelo Rossi, cujo nome de batismo é Marcelo Mendonça Rossi, é um sacerdote católico brasileiro conhecido por seu trabalho como evangelizador, cantor e escritor. Ele nasceu em São Paulo, Brasil, em 20 de maio de 1967. O padre, em sua obra “Aprendendo a dizer sim com Maria”, chega a dizer o seguinte: 41 Ibid, p. 183. 42 São Luis de Montfort - Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, p. 34 53 “Em sua humildade, fidelidade e capacidade de amar, Maria tornou-se divina”. 43 Padre Marcelo Rossi comete a heresia de chamar Maria de “divina”. Essa atitude confronta com toda a escritura bíblica, pois divino é somente Deus. Diversos autores e até mesmo “santos” canonizados pela igreja católica demonstra um grande grau de idolatria pelos santos, principalmente por Maria. Entretanto, eles teimam em dizer que tudo isso é apenas uma “veneração” e não uma adoração. Se acaso alguém questionar algum católico sobre qual a diferença entre veneração e idolatria, de certo ele falará sobre os termos: dulia, hiperdul ia e latria. A seguir, irei explicar de forma teórica como funciona esses termos. Dulia, hiperdulia e latria são termos utilizados dentro do contexto da veneração religiosa, principalmente no catolicismo, para descrever diferentes formas de adoração e honra prestadas aos santos, anjos e a Deus. Dulia: É uma forma de veneração ou honra que é atribuída aos santos e anjos. No catolicismo, a dulia é uma devoção e respeito especiais direcionados aos santos, reconhecendo sua santidade e pedindo sua intercessão junto a Deus. Acredita-se que os santos estão próximos de Deus e, portanto, podem interceder em favor dos fiéis. A dulia envolve orações, invocações e a celebração de festas em honra aos santos. Hiperdulia: É um termo específico usado para a veneração especial que é dirigida à Virgem Maria, mãe de Jesus. No catolicismo, a hiperdulia reconhece o papel singular de Maria como a mãe de Deus e a mais exaltada entre todos os santos e anjos. Ela recebe uma honra especial e é considerada a intercessora por excelência junto a seu filho Jesus. A hiperdulia envolve orações específicas, como a Ave-Maria, e a celebração de festas marianas. Latria: É a forma de adoração mais alta e exclusiva que é devida somente a Deus. No catolicismo, a latria é a adoração absoluta, reservada somente a Deus em sua natureza divina. É a veneração e culto prestados unicamente a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, reconhecendo sua soberania, poder e divindade. A latria envolve a oração direta a Deus, a celebração da Eucaristia e outros ritos sagrados. 43 Pd Marcelo Rossi. Aprendendo a dizer sim com Maria, p. 07. 54 Esses termos ajudam a distinguir as diferentes formas de veneração e honra dentro da tradição católica, estabelecendo uma hierarquia de culto, onde a latria é reservada exclusivamente a Deus, enquanto a dulia e a hiperdulia são direcionadas aos santos, anjos e a Virgem Maria. Entretanto, isso é na teoria, mas na prática não existe diferença nenhuma. Tudo que os católicos fazem para os santos, fazem também para Deus. Oram para os santos e para Deus, fazem imagens de santos e de Deus, se ajoelham diante das imagens dos santos e de Deus, fazem procissão para os santos e para Deus, pagam promessas para os santos e para Deus. Aí eu pergunto, onde está a diferença da dulia, hiperdulia e latria na prática? Não existe! Até imagem de DEUS PAI eles tem a audácia de fazer! Uma vez fiz pedi para um católico me responder qual a diferença entre veneração e adoração na prática e não na teoria. Entre muitos gaguejos, ele usou como referência 1 Crônicas 29.20, onde diz: “Então disse Davi a toda a congregação: Agora louvai ao Senhor vosso Deus. Então toda a congregação louvou ao Senhor Deus de seus pais, e inclinaram-se, e prostraram-se perante o Senhor, e o rei”. O católico respondeu que esse texto era um claro exemplo de veneração a Davi e adoração a Deus. Entretanto, naquela época, era muito comum o povo fazer isso com o rei em forma de respeito. Até mesmo quando o rei pecava ou quando o rei fazia coisas absurdas, o povo continuava fazendo isso, pois era assim que o rei tinha que ser tratado. Podemos lembrar do episódio narrado em 1 Samuel 22.19, onde Saul matou todos os sacerdotes levitas de Nobe. Uma atitude totalmente afrontosa contra Deus, porém, ninguém desafiou Saul pela atitude reprovável. Todo mundo continuava o reverenciando. Quando Salomão adorou outros deuses, trazendo idolatria para Israel, ninguém o confrontou. Todo mundo continuava o reverenciando. Pois como Salomão mesmo diz em Eclesiastes 8.3-4: “O rei faz tudo o que quer. Porque a palavra do rei tem poder e ninguém poderá dizer: que fazes?”. Só que quando os reis morriam, tanto Davi quanto Salomão, ninguém prestou veneração para eles. Não tinha estátua, não tinha altares, não faziam procissão para eles, não oravam para Davi e nem para Salomão. 55 Até a pouco tempo, a arqueologia duvidava da existência do rei Davi, porque não tinha nenhum rastro dele. Até que recentemente acharam uma pedra moabita onde estava escrito “casa de Davi”, comprovando a existência de Davi e sua descendência. Se o povo venerasse Davi assim como os católicos “veneram” os santos, com certeza a arqueologia já teria achado vestígios da existência de Davi á muito tempo. Se alguém perguntar para o povo de Israel: qual o judeu mais importante da história de Israel? Certamente responderão que é Moisés! Nem por isso os judeus prestam veneração para Moisés, não fazem estatuas para ele, não oram para ele, não fazem procissão da imagem dele. Logo, a resposta do católico de usar como referência 1 Crônicas29.20 para tentar provar a diferença entre veneração e adoração, é totalmente equivocada. 4.1.1 QUERUBINS DE OURO E SERPENTE DE BRONZE Muitos católicos, para tentar maquiar sua idolatria, usam o argumento de que Deus mandou fazer querubins na arca da aliança e uma serpente de bronze. Vamos aos detalhes. O problema não é nem fabricar imagens e sim o que fazem com essas imagens. Na arca da aliança tinha dois querubins, mas isso não era objeto de adoração/veneração, o povo nem sequer tinha contato com a arca. A arca de Deus passava a maior parte do tempo coberta, até mesmo durante os transportes. Somente o sumo sacerdote, uma vez por ano, entrava no Santos dos Santos e tinha contato com a arca para poder realizar a expiação em favor do povo. Já no caso da serpente de bronze, os israelitas tinham pecado contra Deus, por isso sobreveio uma grande praga sobre o povo, então Deus pediu para Moisés construir uma serpente de bronze e todo aqueles que olhasse para ela, seria curado. Só que existem dois detalhes que passam despercebidos. A serpente de bronze era uma representação do Messias Jesus que iria de vir e todo aquele que olhasse para Ele e se arrependesse, seria salvo: 56 João 3: 14 Da mesma forma como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do homem seja levantado, 15 para que todo o que nele crer tenha a vida eterna. O segundo detalhe a gente encontra no livro de 2 Reis capítulo 18, onde Ezequias se torna rei de Judá. Sendo rei, ele tomou uma atitude que agradou muito a Deus: 2 Reis 18.4 “Foi ele que retirou os altares idólatras das colinas, pôs a baixo as colunas sagradas e destruiu os postes de adoração pagã. Despedaçou a serpente de bronze que Moisés havia construído, pois até aquele tempo os israelitas lhe prestavam veneração queimando incenso. Era conhecida como Neustã.” Perceba que os israelitas começam a venerar e acender incenso para a serpente de bronze que Moisés tinha feito e isso acabou se tornando uma maldição. Então Ezequias destruiu a idolatria mandando despedaçar a serpente de bronze. Deus se agradou tanto, que exaltou o rei Ezequias: 2 Reis 18.5 “Ezequias confiava no Senhor, o Deus de Israel. Nunca houve ninguém como ele entre todos os reis de Judá, nem antes nem depois dele.” 2 Reis 18.7 “E o Senhor estava com ele; era bem-sucedido em tudo o que fazia...” Veja que usar os querubins da arca e a serpente de bronze de Moisés não é justificativa para criar imagens de “santos”, se ajoelhar diante de imagens, acender 57 incenso diante de imagens, fazer procissão para imagens e tampouco orar para imagens. 58 CAPÍTULO 5 – REFUTANDO O PURGATÓRIO O purgatório é um conceito religioso presente no catolicismo. É descrito como um estado intermediário de purificação das almas após a morte, para aquelas que morreram em estado de graça, mas ainda possuem imperfeições e pecados não expiados. De acordo com a crença católica, quando uma pessoa morre, ela pode ir para o céu, se estiver livre de pecado mortal, ou para o inferno, se estiver em estado de pecado mortal. No entanto, se a pessoa morre em estado de graça, mas com pecados veniais (pecados menos graves), ela pode ir para o purgatório. O purgatório é considerado como um lugar ou estado de purificação, no qual as almas passam por um processo de expiação para se livrar das manchas de pecados veniais. A duração e a natureza dessa purificação não são especificadas e são consideradas como um mistério. Acredita-se que as orações, as boas obras e as indulgências realizadas pelos vivos possam ajudar na liberação das almas que estão no purgatório. A existência do purgatório é baseada em suposições e crenças teológicas específicas, em vez de evidências concretas. Não há nenhuma prova objetiva ou científica de sua existência, e a ideia foi desenvolvida e sustentada principalmente por doutrinas e tradições religiosas específicas. Sem qualquer embasamento factual, torna-se difícil justificar a existência de um lugar intermediário onde as almas são purificadas. Além disso, a ideia do purgatório entra em conflito com a noção de salvação por meio da graça divina. Muitas religiões ensinam que a salvação é alcançada por meio da fé e da graça de Deus, e não pelas ações humanas. O purgatório, por sua vez, sugere que as almas devem ser purificadas através de sofrimento e penitência para alcançar a salvação completa. Essa perspectiva coloca um fardo adicional sobre os indivíduos, desviando o foco da misericórdia e do amor divinos. Outra crítica ao purgatório é que ele parece contradizer a ideia de um Deus todo-poderoso e compassivo. Se Deus é infinitamente misericordioso, por que ele permitiria que as almas dos eleitos passassem por um processo de sofrimento adicional após a morte? Se a morte é o fim da vida terrena e o início de uma nova 59 jornada espiritual, é razoável esperar que um Deus amoroso acolha as almas dos eleitos diretamente em sua presença, sem a necessidade de uma purificação adicional. Além disso, a noção de tempo no purgatório é ambígua. A duração do tempo que as almas supostamente passam no purgatório varia nas diferentes tradições religiosas que acreditam nele. Isso levanta questões sobre a justiça divina e a coerência lógica. Se o propósito do purgatório é a purificação, como podemos medir ou determinar quando uma alma está "pronta" para entrar no céu? Essa indefinição cria mais incertezas em torno do conceito. A existência do purgatório é uma questão de fé e crença pessoal. Sem evidências concretas e com argumentos teológicos inconsistentes, é difícil sustentar sua existência. A compreensão do pós-vida e o destino das almas após a morte são conceitos complexos e abertos a interpretações diversas, mas a ideia do purgatório, como concebida pela igreja católica romana, carece de base sólida. O ponto mais grave vem logo em seguida: a ideia de purgatório anula totalmente o sacrifício de Jesus na cruz. A seguir, iremos analisar o que diz as escrituras sagradas. Em Romanos 8.1, Paulo afirma: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito”. Ora, se não há condenação e nem sofrimento para aqueles que estão em Cristo, qual a razão do purgatório? A bíblia é bem clara, ou você está em Cristo ou não está, não existe meio termo. Se você não está em Cristo, o que te aguarda no pós morte é o inferno. Em Mateus 19.25, os discípulos, ao verem a complexidade da salvação, questionam: “Neste caso quem pode ser salvo?”. No versículo 26, Jesus responde: “Para o homem é impossível, mas para Deus todas as coisas são possíveis". Jesus mostra claramente que é impossível o homem alcançar o céu por méritos próprios ou até mesmo pagar pelos seus pecados. O único que é capaz e digno de pagar pelos pecados humanos é o próprio Senhor Jesus Cristo, é por isso que ele diz “Para Deus todas as coisas são possíveis”, Mostrando que somente Deus era capaz de fazer o homem adentrar na salvação eterna. 60 Em 1 João 2.2 diz: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Jesus é o único que pode fazer propiciação pelos pecados humanos, e isso é feito através do seu sacrifício na cruz. Logo, a ideia de purgatório se torna inútil, visto que somente Cristo pode sofrer e pagar pelos pecados humanos, sendo impossível dos seres humanos sofrerem para pagarem pelos seus próprios pecados no purgatório. Isto anula totalmente o sacrifício de Cristo na cruz. Em Hebreus 9.28, afirma que Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecadosdas pessoas. Ora, se o sacrífico de Cristo nos justifica de toda e qualquer mácula do pecado, qual a razão do purgatório? Em Hebreus 6.4-6, afirma que aqueles que foram participantes do Espírito Santo, foram iluminados, experimentaram toda a bondade e palavra de Deus, mas caíram, é impossível que sejam renovados ao arrependimento. Pois assim, de novo crucificam Jesus Cristo e o expõem ao vitupério. Dito isso, qual a razão do purgatório? Mais uma vez eu repito, ou você está com Cristo ou não está, não existe meio termo. Se você morrer em Cristo, logo você é justificado por meio do sacrifício de Cristo na cruz, podendo assim adentrar direto ao céu. Se você morre sem Cristo, manchado pelo pecado pela falta de arrependimento, a cruz de Cristo não lhe serviu em nada, logo sua expectativa no pós morte é o inferno e não o purgatório. A doutrina do purgatório, por outro lado, sugere que as almas devem passar por um processo de purificação e expiação antes de entrarem no céu. Isso implica que a salvação não é alcançada somente pela graça divina, mas também requer uma ação humana ou uma forma de pagamento pelos pecados cometidos durante a vida. Essa visão do purgatório levanta questões sobre a própria natureza da graça divina e da misericórdia de Deus. Se a salvação é um presente gratuito e incondicional oferecido por Deus, por que seria necessário passar por um processo de purificação adicional? Além disso, a doutrina do purgatório também pode levar a uma mentalidade de "obras" em oposição à "fé". As pessoas podem sentir que precisam realizar boas obras ou penitências para garantir sua entrada no céu, em vez de confiar na graça de Deus. Isso pode desviar o foco do relacionamento pessoal com Deus e da confiança na sua misericórdia. É por isso que a ideia de purgatório, além de anular o sacrifício de Cristo 61 na cruz, é totalmente antibiblica. Essa doutrina conflita diretamente com as escrituras, com tudo que Jesus ensinou e com tudo que os apóstolos ensinaram. O purgatório contradiz o sacrifício de Cristo na cruz. De acordo com as escrituras, Jesus Cristo morreu na cruz para redimir a humanidade, pagando o preço pelos pecados e abrindo o caminho para a salvação eterna. A doutrina do purgatório sugere que, após a morte, as almas ainda precisam passar por um processo de purificação para alcançar a santidade antes de entrar no céu. Isso levanta a questão de como esse processo de purificação se relaciona com o sacrifício de Cristo. Se Cristo já pagou o preço pelos pecados da humanidade, por que seria necessário passar por uma purificação adicional no purgatório? A existência do purgatório diminui o significado e a eficácia do sacrifício de Cristo. Se as almas ainda precisam passar por um processo de purificação, parece implicar que o sacrifício de Cristo não foi suficiente para redimir completamente os pecados. Isso pode sugerir que a salvação é alcançada não apenas pela fé em Cristo, mas também por meio de uma contribuição humana adicional. Claramente, esse ensinamento carece de base bíblica, embora alguns apologistas católicos tenham sido habilidosos em reinterpretar textos bíblicos para sustentar essa doutrina exclusiva da Igreja Romana (Quando menciono 'exclusivamente romana', estou me referindo ao fato de que nem a Igreja Católica Ortodoxa Oriental nem qualquer igreja protestante adotam essa doutrina, tornando-a exclusiva da Igreja Romana). O principal texto distorcido pelos apologistas romanos é aquele sugerido no próprio Catecismo Católico: "A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição da Igreja fala de um fogo purificador"44 44 §1031 do Catecismo Católico. 62 E a passagem que os papistas geralmente utilizam a partir de uma distorção feita por eles mesmos é a que supostamente falaria de um fogo purificador, eles usam a seguinte passagem: “Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo” (1ª Coríntios 3:15 – Versão Ave-Maria) Primeiramente, a fim de desvelar a essência do "fogo" em questão, é imperativo que nos detenhamos com a devida atenção no cenário no qual o trecho em discussão se insere. O contexto, no âmbito da versão católica adotada, estabelece: “Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas, com madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um aparecerá. O dia (do julgamento) demonstrá-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo” (1ª Coríntios 3:12-15) Observe-se que Paulo não se refere a um dia comum, mas ao dia do julgamento. O desafio para os defensores da doutrina católica reside no fato de que, conforme a Escritura, esse dia do julgamento apenas se concretizará na segunda vinda de Cristo, que ainda não ocorreu e acontecerá quando não houver mais nenhum "purgatório" para purificar alguém, pois o estado intermediário já terá cedido lugar ao estado eterno. Eis a razão pela qual Paulo declara: “Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos por sua manifestação e por seu Reino, eu o exorto solenemente” (2ª Timóteo 4:1). Percebe-se que o dia do julgamento está intrinsecamente ligado ao retorno de Jesus, quando o Reino será visivelmente manifestado. Nesse dia, de acordo com a 63 doutrina católica, não haverá mais lugar para o "purgatório" como meio de purificação. Portanto, o texto não pode estar se referindo ao purgatório em si. Para abordar esse dilema, os teólogos católicos elaboraram a doutrina dos "dois juízos," uma concepção ausente na igreja oriental. De acordo com essa perspectiva católica-romana, existem dois julgamentos: o julgamento individual, que ocorre imediatamente após a morte, dando início ao estado intermediário daqueles que faleceram, e o julgamento geral, que acontece na segunda vinda de Jesus, no final do estado intermediário. Portanto, segundo essa visão, cada pessoa passaria por dois julgamentos: o individual e o geral. E assim, eles acreditam ter reconciliado a doutrina do purgatório, argumentando que nesta passagem de 1ª Coríntios 3:15, o apóstolo se referia ao julgamento individual após a morte, não ao julgamento na segunda vinda de Cristo. No entanto, essa abordagem improvisada gera problemas teológicos significativos. Em primeiro lugar, o próprio contexto de 1ª Coríntios 3:15 parece se referir ao julgamento geral, em vez de um julgamento individual. O versículo 13, por exemplo, declara: “...o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um” (v. 13) Existem dois aspectos que parecem apoiar a perspectiva do julgamento na segunda vinda de Cristo. Primeiramente, o texto menciona que este dia "trará à luz" os pecados que estiveram ocultos durante toda a vida. Jesus disse que "não há nada oculto, senão para ser revelado, e nada escondido senão para ser trazido à luz" (Marcos 4:22). Tradicionalmente, esse verso tem sido entendido como uma referência ao julgamento geral na segunda vinda de Cristo, quando todos estarão reunidos, e os pecados de cada pessoa serão expostos e manifestados a todos - quando nada que estiver oculto permanecerá oculto. Portanto, é muito mais provável que 1ª Coríntios 3:13 esteja se referindo a esse julgamento geral do que a algum julgamento individual inventado por Roma. Alémdisso, o verso 13 também menciona que o fogo provará a qualidade da obra "de cada um," não de uma pessoa individualmente. O texto transmite a ideia de uma reunião geral, onde várias pessoas são "réus" sendo julgadas, em vez de uma única pessoa encontrando-se sozinha com Deus após a morte. 64 Em segundo lugar, e o ponto mais problemático para a doutrina católica, a Bíblia não menciona em lugar algum um julgamento individual que ocorra em um estado intermediário antes da ressurreição, muito menos afirma que cada pessoa passa por mais de um julgamento. Essa doutrina simplesmente não tem respaldo bíblico, apesar de ser popular. O verso mais frequentemente citado por seus defensores é "depois da morte vem o juízo" (Hebreus 9:27), mas em nenhum lugar desse verso ou de qualquer outro lugar na Bíblia está declarado que esse julgamento ocorre antes da ressurreição. A Bíblia é unânime ao afirmar que Deus ainda não julgou os mortos: “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (Atos 17:31) “Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino” (2ª Timóteo 4:1) “Os quais hão de dar conta ao que está preparado para julgar os vivos e os mortos” (1ª Pedro 4:5) “No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho” (Romanos 2:16) “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo” (Mateus 25:31-32) A presente análise enfoca o ensinamento bíblico relativo ao julgamento divino, uma temática profundamente enraizada nas escrituras. É imperativo destacar que a 65 Escritura, em sua essência, sustenta a perspectiva de que o julgamento de Deus não ocorreu, mas se reserva para o futuro, especialmente no contexto da segunda vinda de Jesus. 2ª Timóteo 4:1 é especialmente significativa, pois faz menção de que Deus "há de julgar" não somente os vivos, mas também os mortos, insinuando que mesmo os falecidos ainda não foram submetidos a julgamento. Em consonância, 1ª Pedro 4:5 também acentua que Deus está preparado para julgar os mortos, implicando que este juízo ainda não ocorreu. Notavelmente, não encontramos nas escrituras qualquer indicação contrária a esta perspectiva, que sugira que os falecidos já tenham passado por um julgamento individual e estejam destinados a outro. Além disso, ao realizar uma análise mais profunda, surge uma consideração relevante quanto à viabilidade da existência de múltiplos julgamentos. Neste contexto, é importante destacar que um único juízo seria suficiente para determinar irrevogavelmente o destino de um indivíduo. Nos arranjos terrenos, observamos a ocorrência de múltiplos julgamentos devido à natureza não "final" do primeiro julgamento, com espaço para apelação e a possibilidade de revogação. No entanto, o juízo divino é inquestionável e isento de equívocos, tornando redundante a existência de um segundo julgamento. É inegável que a Bíblia utiliza o singular ao mencionar o juízo individual de cada pessoa, reforçando a ideia de que existe um único julgamento para cada indivíduo. Os seguintes textos bíblicos exemplificam essa abordagem singular: Mt.10:25; Mt.11:22; Mt.11:24; Mt.12:36; Mt.12:41; Mt.12:42; Lc.10:14; Lc.11:31; Lc.11:32; Jo.5:29; Jo.9:39; Jo.12:8; Jo.12:11; At.24:25; Hb.6:2; Hb.9:27, Tg.2:23; 2Pe.2:4; 2Pe.2:9; 2Pe.3:7; 1Jo.14:17. É indiscutível que a Bíblia não faz menção de um segundo julgamento e, consistentemente, vincula o julgamento à segunda vinda de Jesus, como evidenciado em passagens como Mateus 25:31, Apocalipse 20:12, 2 Timóteo 4:1 e Atos 7:31. Nesse contexto, é razoável concluir que o julgamento descrito em Hebreus 9:27, que ocorre após a morte, é o mesmo juízo mencionado em toda a Escritura, ocorrendo na segunda vinda de Cristo, e não antes. Considerando esse entendimento, é pouco provável que o apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 3:15, estivesse contradizendo o consenso geral das Escrituras e 66 introduzindo um "juízo individual" anterior à volta de Jesus para encaixar a ideia de um "purgatório" nesse contexto. Quanto à interpretação do "fogo" em 1 Coríntios 3:15, é importante mencionar que diferentes traduções podem fornecer nuances diversas. Enquanto a versão católica que mencionei traduz o verso como "será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo", outras versões evangélicas traduzem: “Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo” (Nova Versão Internacional) “Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo” (Almeida Corrigida e Revisada Fiel) Observe-se nas versões protestantes uma significativa adição do termo "como" no texto em análise. Em outras palavras, Paulo não intentava afirmar que o indivíduo será resgatado "pelo fogo", mas, ao contrário, "como que pelo fogo". Tal adição reveste-se de relevância substancial, haja vista que denota a delineação de uma analogia, uma comparação, em oposição à declaração peremptória da realidade. Entretanto, antes de prosseguirmos para esta inferência, é de rigor a análise do texto original grego, a fim de se estabelecer se ele respalda a tradução protestante ou se fornece sustentáculo à versão católica. O texto original em consideração reza assim: ει τινος το εργον κατακαησεται ζηµιωθησεται αυτος δε σωθησεται ουτως δε ως δια πυρος” De fato, a presença da pequena partícula "ως" (transliterada como "hos") no final do texto é precisamente a que denota o sentido de "como". A versão católica, por sua vez, optou por omiti-la do texto, possivelmente devido ao fato de que essa partícula pode contrariar a interpretação católica. É importante observar que "ως" também é encontrada em outros textos, como Mateus 10:16, onde é empregada para 67 transmitir um sentido comparativo, conforme se lê: “Eu os estou enviando como [hos] ovelhas entre lobos. Portanto, sejam prudentes como [hos] as serpentes e simples como [hos] as pombas” (Mateus 10:16) Certamente, é evidente que quando Jesus empregou metáforas como "ovelhas" e "serpentes" em Seus ensinamentos, Ele não estava a sugerir uma interpretação literal. Da mesma forma, a analogia utilizada por Paulo em 1 Coríntios 3:15, referindo-se à salvação como sendo "pelo fogo", não deve ser compreendida de maneira literal, mas sim como uma expressão que denota uma salvação que ocorre com estreita margem. No contexto linguístico grego, essas figuras de linguagem são usadas para enfatizar a ideia de escapar por um fio, assim como alguém que "escapa por um triz" no nosso idioma. Esta interpretação é crucial, pois o fogo mencionado não se refere a um purgatório, mas sim a uma proximidade crítica à condenação. Ao analisar as passagens bíblicas sob essa perspectiva, é claro que a não- literalidade das expressões é reforçada pelo uso do grego "hos" e pelo contexto da segunda vinda de Cristo, quando o conceito de um purgatório para purificação não é mais aplicável. Portanto, é importante evitar a interpretação errônea das Escrituras quando se procura fundamentar doutrinas que não têm base sólida nelas, pois isso pode distorcer significativamente o sentido original do texto. Ao olharmos para o catecismo da igreja católica romana, vemos que a crença no purgatório gira em torno de 2 Macabeus 12.38-46, que diz: 38.Depois disso, reunindo seu exército, Judas alcançou a cidade de Odolame, chegando o sétimo dia da semana, purificaram-se segundo o costume e celebraram ali o sábado. 39.No dia seguinte, Judas e seus companheiros foram tirar os corpos dos mortos, como era necessário, para depô-los na sepultura ao lado de seus pais. 40.Ora, sob a túnica de cada um encontraram objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, proibidos aos judeus pela Lei: todos, pois, reconheceram que fora esta a causa de sua morte. 68 41.Bendisseram, pois, a mão do justo juiz, o Senhor, que faz aparecer as coisas ocultas, 42.e puseram-se em oração, para implorar-lhe o perdão completo do pecado cometido. O nobre Judas falou à multidão, exortando-a a evitar qualquer transgressão, ao ver diante dos olhos o mal que havia sucedido aos que foram mortos por causa dos pecados. 43.Em seguida, organizou uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados. Belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição! 44.Pois, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. 45.Mas, se ele acreditava que uma belíssima recompensa aguarda os que morrem piedosamente, 46.era esse um bom e religioso pensamento. Eis por que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas. Veja que os judeus, no verso 46, pediu um sacrifício para que os mortos fossem livres de seus pecados. No entanto, repare que no verso 40 esses mortos eram idólatras, e a idolatria foi a causa de sua morte. Isso contraria os próprios ensinamentos do catecismo romano, pois de acordo com o livro, somente pessoas que cometeram pecados veniais é que vão para o inferno, o que não é o caso de 2 Macabeus 12.40, visto que a idolatria é um pecado mortal. “No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe, antes do juízo, um fogo purificador, de fato, aquele que é a verdade afirma: ‘a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada, nem neste mundo, nem no mundo que há de vir ’ (Mt 12.32). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas 69 podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro”.45 Uma coisa eu não entendi, por que diabos o catecismo disse que existem pecados que serão perdoados no futuro? Em nenhuma parte do texto diz isso. A única coisa que o texto mostra é que uma pessoa que blasfemou contra o Espírito Santo jamais será perdoada, isso significa que nem agora e nem depois, nem neste século e nem no futuro. Imagine se eu falasse “Eu jamais vou me tornar católico, nem agora e nem nunca”, será que eu irei me tornar católico depois? A palavra “neste século” em Mateus 12.32, no grego, está como “aiṓn” (ahee- ohn') que significa para sempre, uma idade ininterrupta, tempo perpétuo, eternidade. Perceba que os católicos sempre ligam a “oração pelos mortos” com o purgatório. Sendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Um argumento bastante usado por eles é o KADISHI, que é basicamente uma oração fúnebre feita pelos judeus por seus mortos familiares, mas o que os católicos não contam, é que o Kadishi nada se assemelha com a oração ou a crença no purgatório dos católicos. Usando isso como argumento, somado com 2 Macabeus 12, os católicos vão dizer que o ato de orar pelos mortos vem desde o judaísmo, portanto, uma doutrina incontestável. Só que isso todo pode ser refutado com um simples episodio envolvendo o rei Davi, onde ele roubou a mulher de Urias, Batseba, e a engravidou. Esse adultério gerou uma gravidez indesejada e quando Batseba estava prestes a dar a luz, o SENHOR usou o profeta Natan para repreender o rei Davi. Como todo mundo sabe, DEUS perdoou Davi, porém disse que seu filho iria morrer. Com objetivo de mudar o coração de Deus, Davi se recolheu em jejum e oração por 7 dias. Passado todo esse tempo, a criança finalmente morreu. Então Davi encerrou tudo o que estava fazendo e foi questionado por essa atitudade, então o rei disse: 45 Catecismo da Igreja Católica - 1031 70 2 Samuel 12.22-23 22 Ele respondeu: "Enquanto a criança ainda estava viva, jejuei e chorei. Eu pensava: Quem sabe? Talvez o Senhor tenha misericórdia de mim e deixe a criança viver. 23 Mas agora que ela morreu, por que deveria jejuar? Poderia eu trazê-la de volta à vida? Eu irei até ela, mas ela não voltará para mim". Perceba que assim que ficou sabendo que seu filho tinha morrido, Davi encerrou seu jejum e suas orações, reconhecendo que era inútil continuar com aquilo, visto que seu filho já tinha partido. Davi não continuou a orar pelo seu filho morto, pois sabia que isso não teria efeito algum. Para encerrar de vez o assunto do purgatório, perceba pela própria bíblia que qualquer tipo de pecado, até mesmo os que os católicos consideram como veniais, levam para a condenação eterna: 1 Coríntios 6.9-10 9 Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, 10 nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. 71 Veja o livro de Apocalipse: Apocalipse 21.8 8 Mas os covardes, os incrédulos, os depravados, os assassinos, os que cometem imoralidade sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatras e todos os mentirosos - o lugar deles será no lago de fogo que arde com enxofre. Esta é a segunda morte". Veja o livro de Gálatas: Gálatas 5:19-21 Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, desavenças, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções, inveja, embriaguez, orgias e coisas semelhantes a estas. Eu os advirto, como antes já os adverti: aqueles que praticam essas coisas não herdarão o reino de Deus. Qual foi o intuito em apresentar toda essa lista de pecados? Simples, muitos pecados dessa lista a igreja católica consideram como venial e veja que todos levam para a condenação eterna. Ou seja, as escrituras nos mostram que só existem dois caminhos: céu e inferno (lago de fogo). 72 CAPÍTULO 6 – O CANÔN BÍBLICO Quando os apóstolos morreram, a igreja primitiva, que não era católica apostólica romana, como foi bem explicado no primeiro capítulo, reuniu as cartas dos apóstolos que já tinham autoridade por si só. Assim como a igreja cristã apenas recebeu o velho testamento dos judeus, reconhecendo que as escrituras já tinham autoridade própria, a igreja primitiva recebeu as cartas dos apóstolos da mesma forma. Mas quando o Império Romano se tornou cristão e a igreja de Roma passou a ter mais poder acima das outras, a igreja de Roma começou a querer adulterar o velho testamento que pertencia aos judeus. A justificativa era que Jesus e os apóstolos usavam a septuaginta, então a igreja também deveria usar, aceitando os livros deuterocanônicos como inspirados por Deus. Os livros eram: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1 Macabeus e 2 Macabeus. Esses livros eram encontrados na septuaginta. Contudo, o que os católicos não te contam, é que os livros adicionados não eram a totalidade da septuaginta e sim uma parte. Ora, se os apóstolos usaram a septuaginta, por qual motivo não a adotaram por completo? Por exemplo, vamos falar de alguns livros que tem na septuaginta, mas que não entraram no cânon romano: apócrifo de Esdras (não é o Esdras da bíblia), Salmos de Salomão, 3º Macabeus, 4º Macabeus, epístola de Barnabé e Pastor de Hermas. Então eu faço a seguinte pergunta, onde a septuaginta representa o canôn exato que a igreja católica passa a assumir parasi? Os judeus tinham o seu canôn estabelecido, chamado de Tanah, que é a mesma coisa do velho testamento protestante. Todavia, os católicos afirmam que os apóstolos seguiam a septuaginta, e por conta disso, a igreja católica também deve deve seguir a septuaginta. Só que temos um problema, o canôn do velho testamento foram recebidos dos judeus e Jesus era um judeu, sendo Jesus um judeu, seguiu o canôn que eram dos judeus, que já era estabelecido na época. Os judeus não aceitam os 7 livros que a 73 igreja católica colocou no velho testamento. Porém, os católicos alegam que a ICAR tem poder sobre as escrituras, por ser “sustentáculo da verdade”. Considerando a interpretação errônea dos católicos, o que fazemos com Romanos 3:1-2, que diz: “Que vantagem, pois tem o judeu? Ou qual é a utilidade da circuncisão? Muita, de toda a maneira, principalmente porque, na verdade, aos judeus foram confiados os oráculos de Deus”. Ora, Paulo acreditava que os oráculos de Deus, que é o velho testamento, foram confiados tão somente aos judeus. Então sim, importa muito o que os judeus acreditavam sobre o canôn e a igreja católica não tem poder nenhum de mudar isso. Mais adiante, em Romanos 9:4-5, Paulo enfatiza: “Que são israelistas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas: dos quais são os PAIS, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém”. Então dos ISRAELISTA são as alianças, a lei e as promessas que estão descritas no texto do antigo testamento. Afirmar “estamos com os apóstolos e não com os judeus” é a mesma coisa que não estar com os apóstolos. Pois o apóstolo Paulo estabeleceu que a LEI, as ALIANÇAS, as PROMESSAS e os ORÁCULOS DE DEUS, foram confiados aos israelitas. É por isso, que nós protestantes, seguimos o canôn dos judeus, que é a Tanah, pois os apóstolos acreditavam no canôn dos judeus. Não podemos, de forma retroativa, oferecer um novo canôn aos judeus como os católicos fizeram, nós apenas RECEBEMOS aquilo que já tinha autoridade por si só, isto é, o testamento deles. A Tanah, que é o testamento dos judeus, é constituída por três partes: Leis, Profetas e Escritos. Jesus citou diversas vezes a composição da Tanah nas escrituras, um exemplo claro disso está em Lucas 24:44, que diz: “E disse-lhes: São essas as palavras que vos disse ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na LEI de Moisés, nos PROFETAS e nos SALMOS (escritos). Mas sim, os apóstolos até usaram a septuaginta, mas isso não valida toda a septuaginta. Os apóstolos não usavam só a septuaginta, os apóstolos também faziam as próprias traduções do hebraico, de todas as citações do novo testamento ao antigo testamento, uma grande parte veio de fato da septuaginta. Todavia, o motivo pela qual isso aconteceu, era porque a septuaginta era a única tradução da bíblia hebraica para 74 o grego, se eles escrevem em grego, usa-se então a tradução do grego. Por exemplo, suponhamos que você tenha uma obra de origem estrangeira na versão em português, dificilmente você usará a versão original da língua estrangeiro, ficaria mais fácil usar a tradução em português já estabelecida. É por esse motivo que muitas vezes os apóstolos usaram a septuaginta, para ficar mais fácil, não significa que, somente por usar a septuaginta, eles aprovavam todos os livros extras que continham nela. Pois a septuaginta tinha os livros da Tanah e mais um monte de livros extras e apócrifos. O que provavelmente os apóstolos faziam, foi usar a septuaginta como padrão, mas quando a tradução da septuaginta não parecia agradável para eles, os apóstolos faziam a própria tradução direto do hebraico. Achar que só porque os apóstolos citaram a septuaginta significa uma aprovação total para a septuaginta, é ir muito além daquilo que a evidência fornece. Pois, eles não citaram apenas a septuaginta, também fizeram as próprias traduções do hebraico. Ainda se fosse, não existia nenhuma versão da septuaginta que corresponda a bíblia católica romana. 6.1 A IGREA ROMANA PRESERVOU E NOS DEU A BÍBLIA? O catolicismo alega que seu canôn foi estabelecido no concílio de Roma, sob o comando do “papa” Dámaso I, no ano de 382 d.C. Todavia, o concílio de Roma era meramente REGIONAL, ao mesmo tempo, vários outros concílios regionais tentaram definir uma lista do canôn bíblico. Então tinha-se diversas discordâncias na época, e pelo fato do concílio de Roma não ser ecumênico, nem toda a igreja por completo concordava com o respectivo concílio. O único concílio ecumênico que a igreja católica invocou para definir seu canôn bíblico foi o concílio de Trento, no ano de 1545, conhecido como o concílio da pós reforma, para se contrapor contra a reforma protestante. É um erro histórico gigantesco dizer que a igreja católica romana formou, preservou e nos deu a bíblia. É isso que o professor Lucas Gesta lenciona: 75 “Em primeiro lugar, devemos entender que a Antiguidade Cristã presenciou diversas igrejas/ tradições e ritos cristãos que estavam ou não em comunhão entre si. Cada grande tradição do Cristianismo preservou os textos bíblicos de acordo com sua preferência e cultura, formando uma “bíblia ou lista canônica própria. É por isso que não temos apenas uma “bíblia, mas várias, ou melhor, diversos cânones, que conformam igrejas diferentes. Por exemplo: a Bíblia ortodoxa (calcedoniana), a Bíblia Etíope (miafisita não-calcedoniana), a Bíblia Armênia (não- calcedoniana), a Bíblia Siríaca (não-calcedoniana), etc. São nessas igrejas orientais – que, a proposito, não são católicas-romanas e não tem comunhão alguma com Roma – é que estão preservados os textos mais antigos do Antigo e Novo Testamento, como também as bíblias mais antigas (no sentido material mesmo). Um fato óbvio é que a igreja católica romana se baseia na VULGATA, e esta é a tradução dos textos bíblicos originiais (em hebraico e grego) para o Latim. Ou seja, o que a Igreja Romana desenvolveu e protegeu durante os séculos foi sua PRÓPRIA TRADUÇÃO da Bíblia, e não a Bíblia em si. Antes da Vulgata, o que as igrejas ocidentais utilizavam eram textos gregos (a septuaginta e os textos do N.T) e diversos extratos da Septuaginta e do N.T traduzidos por diversos autores para o Latim – que ficou conhecido como VETUS LATINA. Nela, TODA a septuaginta foi traduzida sem distinção. Inclusive textos que a Igreja Romana não aceita como canônicos. 76 Ou seja, o cristianismo ocidental IMPORTOU a Bíblia e a traduziu para o Latim. É importante lembrar que foi no ORIENTE (Palestina e Síria) que São Jerônimo, o autor da VULGATA LATINA, buscou as melhores fontes textuais e onde também aprendeu hebraico. E o mesmo São Jerônimo, durante a tradução da futura Vulgata, rejeitava os deuterocanônicos. Logo, se queremos saber quem de fato preservou a Bíblia e a difundiu pelo mundo, devemos olhar para as igrejas orientais, que são as ortodoxas e que nunca se submeteram a Roma. Os mais antifos códex bíblicos, as mais antigas listas canônicas As mais antigas bíblias (materialmente) escritas e as mais antigas traduções se encontram nas regiões das igrejas ortodoxas, siríacas, alexandrinas, armênias, etíopes, etc.46 Outra coisa que não deve passar batido, é que falar que o bispo de Roma, Dámaso I era um “papa”, é bastante problemático. Nesse tempo, o termo “papa” era um título usado para TODOS os bispos de todas as igrejas do mundo. Muito tempo depois, o termo “papa” passou a ser restrito somente ao bispo de Roma, com o papa Leão I, mas para a fé católica, Leão I foi 45º papa, Dámaso I foi o 37º papa segundo a fé católica, mesmo sendo Leão I a carregar o título papal de forma exclusiva. Acontece quea igreja católica traçou uma linha cronológica retroativa, nomeando todos os bispos de Roma da história como papas. Voltando ao assunto anterior, se o concílio de Roma definiu, de acordo com a igreja católica, o canôn bíblico, porque ainda teve o concílio de Hipona em 393 e o concílio de Cártago 397 tentando fazer o mesmo? Se o canôn foi realmente estabelecido em Roma, por que ainda existem outros concílios tentando fazer o 46 Professor Lucas Gesta, historiador do cristianismo e mestre em história. Disponível em: https://www.instagram.com/p/C7Rc0vfOia1/?img_index=1 77 mesmo? Isso parece indicar que não houve um fechamento absoluto e definido do canôn católico. Vamos usar a própria teologia católica para provar que somente no concílio ecumênico de Trento, em 1545, é que finalmente foi definido o canôn católico. O cardeal católico, Yves Congar, disse o seguinte: “Uma lista oficial e definitiva de escritos inspirados não existia na igreja católica até o Concílio de Trento”.47 A nova enciclopédia católica diz o seguinte: “De acordo com a doutrina católica, o critério mais próximo do cânone bíblico é a decisão infalível da igreja. Esta decisão não foi dada até bastante tarde na história da igreja no Concílio de Trento [...]48 A enciclopédia católica continua dizendo: “O Concílio de Trento definitivamente resolveu a questão do cânon do Antigo Testamento. Que isso não havia sido feito anteriormente pela incerteza que persistiu até a época de Trento.”49 Até mesmo São Jerônimo, tradutor da vulgata latina (bíblia dos católicos), não aceitava muitos desses 7 livros a mais, e ainda fez uma distinção entre eles: “São Jerônimo fez uma distinção entre livros canônicos e livros eclesiásticos. Este último ele julgou CIRCULAR pela igreja como uma boa leitura espiritual, mas não foi reconhecido como 47 Yves Congar, Tradition and Traditions (New York: Macmillan, 1966), p. 38. 48 New Catholic Encyclopedia, Vol II, p. 390. 49 Idem. 78 escritura autorizada. A situação permaneceu obscura nos séculos seguintes.”50 Por mais que ele tenha traduzido os livros da septuaginta, não significa que São Jerônimo acreditava que todos eles eram canônicos, pois como dito anteriormente, ele mesmo fez distinção entre esses livros. Facilmente se encontra evidências de que São Jerônimo não aceitava os deuterocanônicos nas próprias fontes católicas: "O livro de Jesus, filho de Eclesiástico, a Sabedoria de Salomão, Judite, Ester, Tobias e os Macabeus são lidos para edificação, mas não têm consagração canônica" (Prefácio aos Provérbios). *Ill e IV Esdras não passam de devaneios" (Prefácio a Esdras). Entretanto, Jerônimo aceita fazer a tradução de Tobias e de Judite com grande liberdade: "Magis sensum et sensu quam ex verbo verbum transferens" (prefácio a Judite). Contudo, ele não suprimiu os capítulos em grego acrescentados aos livros de Daniel e Ester.51 Olha o que o Cardeal Caetano, braço direito do Papa Leão X (papa da reforma protestante), diz sobre São Jerônimo: "Aqui encerramos nossos comentários sobre os livros históricos do Antigo Testamento. O restante (ou seja, Judite, Tobias e os livros dos Macabeus) são considerados por São Jerônimo como livros não canônicos e são colocados entre os Apócrifos, juntamente com Sabedoria e Eclesiástico, como é evidente no Prólogo Galeatus. Não te perturbes, como um estudante inexperiente, se encontrares em algum lugar, seja nos concílios 50 Idem. 51 Patrologia IV, p. 338 – Centro Dom Bosco 79 sagrados ou nos doutores sagrados, esses livros sendo considerados canônicos. Pois as palavras tanto dos concílios quanto dos doutores devem ser submetidas à correção de Jerônimo.”52 O prólogo Galeatus que o Cardeal Cateano cita é o comentário do próprio São Jerônimo sobre os deuterocanônicos que irei expor a seguir: "Este prólogo, como vanguarda (principium) com capacete das Escrituras, pode ser aplicado a todos os livros que traduzimos do hebraico para o latim, de forma que nós podemos garantir que o que não é encontrado em nossa lista deve ser colocado entre os escritos apócrifos. Portanto, a sabedoria comumente chamada de Salomão, o livro de Jesus, filho de Siraque [Eclesiástico], e Judite e Tobias e o Pastor [supõe-se que seja o Pastor de Hermas], não fazem parte do cânon. O primeiro livro dos Macabeus eu não encontrei em hebraico, o segundo é grego, como pode ser provado de seu próprio estilo"53 E para fechar com chave de ouro, temos ainda essa outra citação de São Jerônimo: "E assim da mesma maneira pela qual a igreja lê Judite, Tobias e Macabeus (no culto público) mas não os recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros 52 Cardeal Caetano, Comentário sobre Todos os Livros Históricos Autênticos do Antigo Testamento, dedicado ao Papa Clemente VII. 53 Prologus Galeatus. 80 [Sabedoria e Eclesiástico] úteis para a edificação do povo, mas não para estabelecer as doutrinas da Igreja"54 6.2 AS HERESIAS DOS 7 LIVROS A MAIS DA BÍBLIA ROMANA Como bem foi salientado anteriormente, a bíblia católica romana tem um acréscimo de 7 livros a mais. Sendo eles: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque e alguns acréscimos no livro de Daniel e Ester. Mas o que tem de tão absurdo nesses 7 livros? A seguir mostrarei para vocês as heresias contidas nesses deuterocânicos, que para nós protestantes e também para os judeus, são apócrifos. Em Tobias 6.5-9, um anjo do SENHOR chamado de Rafael ensina a prática da feitiçaria. Este mesmo anjo, em Tobias 5.15-19 conta mentiras para Tobias, dizendo que seu nome era Azarias, um judeu, quando na verdade ele é Rafael, um anjo do SENHOR. Mas se realmente é um anjo de Deus, ele poderia mentir? Óbvio que não. Ainda em Tobias, dessa vez no capítulo 12, versos do 8 ao 0, vemos que o autor coloca a esmola como método de salvação. No livro de Sabedoria 8.19, o autor ensina que a sabedoria também é um método de salvação. Em II Macabeus 12.43-46, ensina a oração pelos mortos. Inclusive esse é o versículo chave que o catolicismo usa para embasar o purgatório. Porém, as pessoas que morreram nos versículos são pessoas idólatras e foram mortas por causa da idolatria. Embora o catecismo da igreja católica ensine que esses versos são base para o purgatório, acaba entrando em contradição em si mesmo. Pois o mesmo catecismo diz que somente vão para o purgatório quem cometeu pecados veniais, ou seja, leves. Quem comete pecado mortal, como é o caso da idolatria, vai direto para o inferno. Então como os textos de II Macabeus pode ser base para um purgatório? 54 Prefácio dos Livros de Salomão. 81 Em Judite 8.5-6 mostra uma mulher que jejuou incrivelmente todos os dias da sua vida. Nos acréscimos do livro de Daniel, mais precisamente em Daniel 14.23-28, mostra que dragões existem e Daniel matou um deles. Loucura! Em Eclesiástico 12.4-5 diz que não devemos amparar um pecador, contrariando toda a Tanah e todo o novo testamento da bíblia. Em Eclesiástico 33.25-30 ensina a tratar de forma cruel os escravos, contrariando toda a lei dos escravos da Torah, escrita por Moisés, onde os escravos eram tratados com dignidade e respeito. Em Eclesiastico 42.5 ensina a golpear até sangrar as costas de um escravo ruim. Em Baruque 3.4 novamente ensina a oração pelos mortos, mesmo a Torah já proibindo a invoção de pessoas que já tinham morrido.Pois esse tipo de prática é abominação ao Senhor. Em Daniel 14.40-42, nos versículos acrescentados, diz que Daniel foi lançados na cova dos leões uma segunda vez. Para finalizar essas bizarrices apresentadas, temos II Macabeus 15.37-38, onde o próprio autor do livro reconhece que sua obra é extremamente medíocre e foi feita de qualquer jeito. Algo bem inédito, pois nenhum autor inspirado por Deus se desculpa daquilo que ele mesmo escreveu. 82 CAPÍTULO 7 – SOLA SCRIPTURA Sola Scriptura é um princípio teológico que se baseia na crença de que a Bíblia é a única autoridade final e infalível para a fé e prática cristã. Esse princípio foi uma das principais doutrinas da Reforma Protestante do século XVI, liderada por Martinho Lutero e outros reformadores. A expressão latina "sola scriptura" significa "somente a Escritura". Ela enfatiza a ideia de que a Bíblia é a fonte suprema de autoridade em questões de fé e moral, acima de tradições, ensinamentos da igreja ou opiniões humanas. De acordo com esse princípio, a Bíblia é considerada suficiente para instruir os crentes e orientá-los na sua relação com Deus. A doutrina da sola scriptura surge em contraposição ao ensinamento da Igreja Católica Romana, que, na época da Reforma, afirmava que a autoridade da Bíblia deveria ser complementada ou até mesmo igualada pela tradição da igreja e pelos ensinamentos do magistério, que inclui o Papa e os concílios ecumênicos. Para os defensores da sola scriptura, a Bíblia é entendida como a revelação especial de Deus para a humanidade e como a norma pela qual todas as outras autoridades devem ser avaliadas. Eles argumentam que a Bíblia contém tudo o que é necessário para a salvação e para a vida cristã, e que qualquer ensinamento ou tradição que não esteja em conformidade com as Escrituras deve ser rejeitado. No entanto, é importante ressaltar que o princípio da sola scriptura não significa que os cristãos devem interpretar a Bíblia de forma individual e isolada. Pelo contrário, reconhece-se a importância da comunidade de crentes e dos estudiosos da Bíblia na interpretação correta dos textos sagrados. Ainda assim, a autoridade final para a fé e prática cristã está na própria Bíblia. Em resumo, o princípio da sola scriptura defende a primazia da Bíblia como a autoridade final e infalível para os cristãos. Temos o famoso versículo que os católicos adoram usar para exaltar a tradição, que está em 2 Tessalonicenses 2.15: “Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.” Mas essa tradição falada era os ensinamentos contidos nas próprias cartas dos apóstolos, e quando não, os apóstolos não inovavam em novos ensinamentos. Em Colossenses 4.16, Paulo afirma que as cartas deveriam ser lidas nas igrejas: “Depois que esta carta 83 for lida entre vocês, façam que também seja lida na igreja dos laodicenses, e que vocês igualmente leiam a carta de Laodicéia.” O que não pode é a tradição conflitar com as escrituras. Os bereanos eram tidos como mais “nobres”, justamente por conferir nas escrituras tudo o que os apóstolos pregavam. Atos 17.11: “Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim.” Os bereanos usavam as escrituras para julgar os apóstolos e não as tradições. Os judeus também tinham suas tradições milenares e muitas vezes essas tradições conflitavam com as escrituras. Tanto que em Marcos 7.13, Jesus repreende isso: “Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.” O ponto central deste livro, não é negar a tradição, pois reconhecemos que no período patrístico a tradição teve um peso de autoridade muito grande. A grande questão é sobre o que essa tradição se tornou ao longo dos séculos. A tradição pode ter um peso grande, mas se for comparado com a bíblia, esse peso se torna nada, pois a bíblia se sobressai. A tradição jamais pode conflitar com as sagradas escrituras. É muito melhor e mais confiável confiar naquilo que está escrito do que no “eu ouvi falar de tal discípulo, do discípulo, do discípulo, do discípulo de João”. Desde o velho testamento vemos Deus preservando sua palavra por meio da escrita. É por isso que muitas vezes a bíblia usa a expressão “está escrito”, 31 vezes no antigo testamento e 78 vezes no novo testamento. Deus disse isso em Isaías 30.8: “Vai, pois, agora, escreve isto numa tábua perante eles e registra-o num livro; para que fique até ao último dia, para sempre e perpetuamente.” A forma como Deus utiliza para preservar sua palavra ao longo dos séculos não é por meio da boca a boca, é através de escrito. É por isso que os apóstolos escreveram, é por isso que Moisés escreveu, é por isso que lá em deuteronômio a lei foi repetida várias vezes por meio dos escritos. É por isso também que todo o antigo testamento foi guardado em rolos escritos. O próprio Jesus, para provar que era o messias, recorria para as escrituras. Até mesmo no embate que teve com o Diabo no deserto, Jesus usou as escrituras 3 vezes. Jesus venceu satanás pela palavra no deserto. 84 Em Atos 15, no Concílio de Jerusalém, ninguém recorreu a autoridade humana, mas somente as escrituras. Robert Jedine, sacerdote católico, sendo um historiador do Concílio de Trento, disserta o seguinte: “No final, o concílio afirmou que tanto a Escritura quanto a tradição eram fontes de autoridade, mas rejeitou a ideia de que a tradição fosse igualmente inerrante e infalível que a Escritura. A tradição era considerada como uma fonte complementar, que podia ajudar a interpretar a Escritura, mas que não podia contradizê-la.”55 Deus repetidamente nos advertiu a não acrescentar e nem diminuir sua Palavra, mas segui-la fielmente (Dt 4.2; Js 1.7-8; Ap 22.18-19; 2 Ts 3.14). Qualquer um que contrarie este decreto divina peca contra o Senhor Nosso Deus e denigre a Autoridade das Escrituras. Toda palavra de Deus é pura e não está aberta a acréscimos (Sl 12.6; 119.140; Pv 30.5-6). Quem não aceita esse fato, coloca em descrédito a Suficiência da Palavra de Deus Escrita, fazendo de Deus mentiroso e maculando a revelação divina. Na medida em que o homem imperfeito acrescenta seus entendimentos não-inspirados naquilo que Deus perfeitamente inspirou. Toda a Escritura, como única regra infalível de fé, é o padrão concedido por Deus à Sua igreja, tanto para que pudéssemos julgar os falsos mestres (1 Pd 3.1ss; Mt 7.15; At 20.29-30; Rm 16.17; 1 Tm 4.1; 1 Jo 4.1; Ap 2.2), como também, para reconhecermos a autoridade legítima conferida aos pastores do rebanho do Senhor na Terra (Ef 4.11; 1 Pd 5.1ss; Hb 13.17). De modo que, caso a revelação da Palavra de Deus nos dias atuais ultrapassasse o ensino bíblico, estaria aberto um fortíssimo precedente para que os apóstatas dos tempos pós-apostólicos impusessem dogmas anti-bíblicos como se fossem verdadeiros ou, até mesmo, formulassem para si novas 55 Manual de História da Igreja, Vol. IV, p. 157 85 revelações extra-bíblicas, como se fossem divinas, sem que pudessem sequer ser questionados. Esse é um grande exemplo da importância das Escrituras na Igreja, no que se refere ao exercício do seu governo. É uma prova cabal de que a Igreja necessita de uma regra infalível como padrão da verdade, e que esta regra não pode ser ela própria. Pois a escritura é a forma final da verdade divina aos homens (Êx 34.27; Dt 29.29; 2 Rs 22.10-13; Is 8.20; Ap 1.3). Os apóstolos e profetas lançaram o fundamento da Igreja Cristã (Ef 2.20), de modo que, embora ausentes, ainda podemos construiro nosso viver nos ensinos registrados infalivelmente nas Escrituras Sagradas. A Escritura é, portanto, o único padrão infalível para a verdade espiritual, revelando tudo o que devemos crer para nossa salvação, fé e vida cristã, anunciando tudo o que Deus requer de nós. Pois assim Cristo nos ensina em João 6.39: “Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a VIDA ETERNA, e são elas que de mim testificam”. Muitos católicos vão dizer que Cristo estava se referindo ao Velho Testamento, de fato estava, mas como o Novo Testamento também testifica Cristo, esta declaração de Cristo se estende também ao Novo Testamento. Todavia, é importante ressaltar que isso não nega a autoridade da igreja, muito pelo contrário, isso apenas reflete que a autoridade da igreja só pode ser absoluta quando é pronunciada biblicamente (cf. Is 8.20), ou seja, apoiada na infalibilidade das Escrituras. É o reconhecimento verdadeiro de que o Juiz Supremo pelo qual todas as controvérsias religiosas (Mt 22.29,31) e pelo qual a Igreja deve se orientar (At 15.15), e todas as opiniões particulares (Sl 19.7-8; 119.105; 1 Co 4.6; 2 Ts 3.14), e em cuja sentença devemos nos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura (At 28.25; cf. Hb 3.7ss; 10.15-16). Todos os apóstolos morreram e partiram para estar com Cristo; mas a palavra de Deus escrita está viva na terra e é extremamente eficaz para todas as coisas (Hb 4.12). Antes, quando os apóstolos ainda estavam vivos, os mesmos foram guiados pelo Espírito Santo (Jo 14.26; 16.13) e escreveram tendo em vista a manutenção da doutrina (Fp 3.1; 2 Pd 1.15; 3.1-2). Os que são contra o Sola Scriptura perdem muito tempo falando acerca da existência da tradição nos tempos apostólicos, algo que não negamos e jamais o 86 fizemos (em relação à igreja iniciante, antes do fechamento do cânon), se esquecendo de falar daquilo que realmente precisam provar. Os inimigos das escrituras parecem não entender que a grande questão não é se os ensinos orais deviam ser obedecidos pelos cristãos, mas é onde estes ensinos foram infalivelmente preservados para nós. Dessa forma, eles não precisam nos mostrar que a tradição oral apostólica existiu (porque isso nós já sabemos), mas precisam urgentemente provar que os apóstolos ensinaram que as suas instruções orais seriam necessárias para suplementar as Escrituras para a igreja no decurso dos séculos vindouros, e que esta mensagem pregada oralmente é diferente daquela que está presente em todo o conjunto das Escrituras (por seus mais diversos autores e não só por um autor ou uma epístola), de modo que a bíblia não contenha sequer o suficiente para a fé e a prática cristã, ao contrário do ela mesma declara em 2 Tm 3.15-17- e que haja evidências bíblicas que estes ensinos pregados pelos inimigos do Sola Scriptura são os mesmos que apóstolos fizeram referência. Isto eles realmente não podem nos mostrar, porque, de fato, nenhum dos apóstolos ensinou isto, e nem a Bíblia como um todo nos ensina. Toda vez que debato com um católico que rejeita a doutrina do Sola Scriptura, me dá vontade de dizer: “Chame aqui o Apóstolo Paulo para que ele nos tire esta dúvida". Digo isto porque, não havendo mais apóstolos em nossos dias, as Escrituras são a única fonte de fé segura e infalível para que possamos determinar o que é de fato apostólico e perseverar na doutrina dos apóstolos (At 2.42), da mesma forma como fazia a igreja primitiva. A lógica é: Se não ouvimos atualmente os Apóstolos pregando oralmente e temos seus escritos bíblicos, logo, temos contato com a doutrina dos apóstolos atualmente Só pela mensagem que a Bíblia nos transmite. A bíblia é bem clara quando diz que ainda que um anjo vindo do céu ou qualquer um que reivindicasse ser apóstolo, se nos pregasse uma mensagem diferente ou que fosse além do que hoje podemos encontrar na Bíblia (e, com certeza, nenhum dos apóstolos o faria, porque há somente um Evangelho, que está contido inteiramente nas Escrituras, cf. 1 Co 15.3,4; 2 Tm 3.15), estaríamos autorizados a declarar o ensino como maldição, de acordo com por Gálatas 1.8. Então é lícito afirmar que "tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito" (Rm 15.4). Sendo a Bíblia a única fonte perfeita, fiel, reta e pura (Sl 19.7- 87 8), devemos aprender "a não ir além do que está escrito" (1 Co 4.6, um princípio muito semelhante a Dt 29.29). O apóstolo Pedro, sabendo que sua morte estava muito próxima, conforme lhe fora revelado (2 Pd 1.14), fez questão de escrever aos cristãos (2 Pd 1.15; 3.1), buscando firmá-los na revelação que já havia sido dada (2 Pd 3.2), orientando-lhes a se apegarem à verdade das Escrituras (2 Pd 1.19-21) e se acautelarem com os falsos profetas que viriam (2 Pd 2.1). Porém, nada disso Pedro necessitaria fazer, se ele sequer imaginasse que haveria sucessores em sua missão apostólica, que iriam se deleitar em cima de uma suposta infalibilidade. Tudo isto seria uma perda de tempo, se Pedro houvesse ensinado àquelas comunidades cristãs a seguirem incondicionalmente um "sucessor" infalível ou uma hierarquia situada em determinada cidade (como Roma, Antioquia, Alexandria, Jerusalém, etc). Se Pedro escreveu o seu ensino para que as futuras gerações lembrassem (2 Pd 1.13-15; 3.1-2), como nós lembramos atualmente do que os apóstolos ensinaram? Será escutando a Roma? Será lendo o que dizem os denominados "pais da Igreja"? Será lendo bulas e decretos papais? Óbvio que não! Lendo o Novo Testamento, escrito pelos próprios apóstolos! Quando os católicos que odeiam a doutrina do Sola Scriptura citam a tradição apostólico, todos eles caem em contradição, pois nós protestantes, jamais negamos a tradição apostólico, somente negamos aquilo que confronta com as sagradas Escrituras. Os católicos, fazendo uso de forma errônea de 2 Ts 2.15, argumentam que suas tradições não são tradições meramente humanas (como aquelas que o Senhor Jesus condenou em Mt 15.1-3,9 e em Mc 7.5-13), mas são aquelas tradições que o apóstolo faz menção positivamente. Todavia, eles se enganam, porque falta-lhes um princípio básico: Como poderíamos determinar nos dias atuais se uma tradição é apostólica ou meramente humana? A resposta simples a esta questão é por demais óbvia: Só podemos determinar pelas Escrituras! Ou, em outras palavras: Sola Scriptura! Esta é uma lógica irrefutável da qual os inimigos da bíblia não podem fugir, sob pena de serem 88 anatematizados por Paulo, mediante as palavras de Gálatas 1.8, por estarem pregando um outro evangelho. Aliás, a própria incapacidade de se estabelecer um elo histórico para estas tradições, traçada desde os apóstolos, prova a natureza espúria das reivindicações dos opositores do Sola Scriptura. Sabemos muito bem que a bíblia é a "palavra da verdade" (2 Tm 2.15) pela qual nós fomos gerados para que fôssemos como que primícias das criaturas de Deus (Tg 1.18). Pela pregação dela recebemos a fé (Rm 10.17), como o fim da fé é a salvação do crente (1 Pd 1.9; cf. Jo 20.31; Ef 2.8-9) e "as sagradas letras podem nos fazer sábios para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (cf. 2 Tm 3.15), logo, ela é plenamente suficiente para nos transmitir a verdade salvadora (cf. Jo 20.31). Já ouvi muitos católicos bater em espantalho quando mencionam João 21.25, que diz que nem tudo aquilo que Jesus fez está escrito na bíblia. Ora, quem disse que negamos isto? Dizer que algo é suficiente não significa dizer que algo contém todas as coisas, mas sim que temos tudo aquilo que é necessário para alcançar a salvação. No caso em questão, toda a escritura já é suficiente para a fé e a prática cristã (2 Tm 3.15-17). João, ao dizer que nem tudo o que Jesus fez está na bíblia, de modo algum anula o Sola Scriptura. Do contrário os inimigos da bíblia e do Sola Scripturaseriam obrigados a nos trazer todos os sermões do Senhor Jesus e de Paulo pelas suas "tradições", sob pena de rejeitarmos as tais "tradições" por serem desgraçadamente "incompletas"! Digo mais, existem boas razões para crermos na Suficiência da Bíblia. Ora, se Deus preservou tudo aquilo que foi de Sua vontade e entendeu ser necessário para o nosso conhecimento acerca da revelação veterotestamentária (Rm 15.4; 1 Co 10.11), fazendo chegar os ensinos orais à forma escrita, a qual foi citada por Jesus como algo completado (cf. Lc 16.16; 24.44; Mt 7.12), o peso de provar que Deus rescindiu desses padrões cai sobre os inimigos do Sola Scriptura, e não sobre nós. Perceba também que todas as provas de que Jesus Cristo é o messias está baseada nas Escrituras (Lc 24.27; At 13.27-41; At 18.28; Rm 1.2) e a Suprema Autoridade das Escrituras foi provada por Jesus (Jo 5.45-47.10.35). Em Atos 17.10- 12, com efeito, os bereanos foram considerados mais nobres porque, após ouvirem a pregação, iam conferir nas Escrituras para ver se as coisas eram de fato assim. 89 Primeiro, para os bereanos (que foram considerados pelo autor inspirado como mais nobres), a Autoridade Final estava nas Escrituras. Eles fizeram muitíssimo bem em receber as palavras dos mensageiros de Cristo, mas fizeram ainda melhor em verificar se a doutrina [na qual estavam sendo ensinados] era de acordo com a Palavra de Deus. Observe que a todo o tempo, os bereanos julgava os próprios apóstolos e todo o ensino que os apóstolos ensinavam, com base nas próprias escrituras. Dito isto, os apóstolos nomeraram os bereanos como “os mais nobres”. Isso mostra claramente que o ensino oral dos apóstolos podia ser testado pelas Escrituras, tornando, assim, inválidos os argumentos dos grupos religiosos que advogam em favor de tradições que jamais podem passar pelo crivo das Escrituras. Essa situação também nos mostra que a Palavra de Deus tem autoridade por si só, porque eles já tinham as Escrituras (ainda que não na sua totalidade como na nossa Bíblia) às quais eles podiam apelar e as reconheciam como Palavra de Deus- e isto antes de qualquer concílio as decretar. A mesma coisa acontece com o povo cristão em relação aos escritos neo- testamentários, conforme Jo 10.14,27, até porque, seria um terrível menosprezo à Soberania do Senhor Deus afirmar que a Sua Palavra necessita ser confirmada pelo homem para ser verdadeira ou considerada como tal (veja Hb 6.13). Caso a Palavra do Senhor só pudesse ser crida como palavra verdadeiramente divina mediante um testemunho humano, como creríamos em Gênesis 1, onde Deus relata dias da criação anteriores à criação do homem? Isto é a prova da Auto- Suficiência da Autoridade divina, devidamente expressa por sua auto autoridade de Sua Palavra, garantida por Sua providência e preservação. Uma prova clara desta providência divina é que o Antigo Testamento foi preservado, mediante a Soberania Divina, apesar das inúmeras falhas dos líderes judeus (Mt 15.1-4; 22.29-32; Lc 11.39-52) e de Israel, como nação. Por que, então, seríamos levados a crer que Deus falharia na preservação do Novo Testamento, que é o esplendor da revelação divina ao homem (2 Co 3.6-18; Ef 3.1-7; Hb 1.2)? Cremos, no entanto, que o Cânon bíblico é resultado da ação soberana de Deus, "que faz todas as coisas segundo o conselho de sua vontade"(cf. Ef 1.11). Por analogia, João Batista não tornou Jesus o Cristo por ter confessado que Ele o era, mas meramente 90 reconheceu sua condição gloriosa de Cristo. Assim também, posteriormente, a Igreja Cristã não fez a Bíblia ser inspirada e nem a tornou Palavra de Deus, mas meramente reconheceu o cânon, como as ovelhas reconhecem a voz do seu Pastor (João 10.4,16). Perceba também, que toda vez que existia um conflito doutrinário, o próprio Senhor Jesus apelava para a autoridade das Sagradas Escrituras (Mt 22.29, "Errais não conhecendo as Escrituras..."; Mc 12.10,24). E Ele mesmo nos deu exemplo ao resistir e refutar a todo erro com a Palavra de Deus, exatamente como Jesus fez com Satanás (Mt 4.4,7,10, "Está escrito"..."também está escrito"... "porque está escrito"). Jesus estava nos ensinando a nunca nos afastarmos daquilo que as Santas Escrituras nos ensinam, para que assim não viéssemos a crer no erro, cair nas ciladas de Satanás ou aceitar suas mentiras. Com efeito, todos os cristãos devem agir assim (Ef 6.17), pois todos os verdadeiros servos de Deus estimam de maneira especial a Palavra (Sl 119.140; Jo 14.23; Jo 10.27) e, através do conhecimento da Bíblia, evitam pecar contra o seu Deus (Sl 119.11; Jo 10.27). A palavra de Deus, sua vontade, sua verdade é toda revelada por meio de sua palavra, (v. Jo 17.17; Sl 119.142,167), não se pode comparar às opiniões dos homens (Nm 23.19; Rm 3.4; 1 Jo 5.9a) ou tradições humanas que surgem no meio do povo de Deus (Mt 15.3ss; Mc 7.7-9; Cl 2.8), visto que todos os homens são passíveis de erro (Sl 116.11) e "mais leves que a vaidade" (Sl 62.9). É por esse motivo, nós que somos adeptos ao Sola Scriptura, rejeitamos tudo que não está de acordo com esta regra infalível (Is 8.20; Gl 1.8; At 17.11; At 24.14; Sl 119.105), a saber, a Sagrada Escritura inspirada (2 Tm 3.16), conforme os apóstolos nos ensinaram: "Provai os espíritos se procedem de Deus" (l Jo 4.1). E: "Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa" (2 Jo 10). Por fim, é certo dizer que “o que Deus diz, a Escritura diz"! A Suprema Autoridade das Escrituras fica evidente ao analisamos as citações e as fórmulas utilizadas pelos escritores neo-testamentários ao mencionarem as Escrituras: "Deus diz", "O Espírito Santo diz", e tantas outras (cf.At 3.24, 25; 2 Co 6.16; At 1.16). Percebe-se, por tais fórmulas, que "O que Deus diz" e "o que as Escrituras dizem" é exatamente [e sempre] a mesma coisa. Daí o porquê de algumas vezes a Escritura 91 ser mencionada de forma personificada, tal como Deus falando por si mesmo (Gl 3.8; Rm 9.17). E é por isso que a Escritura é autoritativa (2 Pd 1.19-21)! O "Assim diz o Senhor", que confirma nossa fé, bem por esse motivo que expomos, só encontramos nas Escrituras. 7.1 SOLA SCRIPTURA NA PATRÍSTICA Para iniciarmos e entendermos o contexto deste capítulo, devemos saber o que é a sola scriptura e do motivo dela ser uma consequência lógica para a fé cristã. Iniciaremos, portanto, explicando a diferença entre ela e os demais modelos de princípio, o motivo pelo qual ela é uma consequência lógica e então mostraremos que ela não é uma inovação teológica, mas uma verdade da catolicidade da igreja desde seu princípio apostólico. Existe três principais modelos de princípio envolvendo a Escritura: tripé, sola scriptura, e a nuda scriptura. Essas três versões estão presentes no catolicismo romano e ortodoxo, no protestantismo, e em seitas. Portanto, vejamos o que cada um desses princípios são: ● Tripé: o tripé é o modelo que tanto que a igreja católica romana e a igreja ortodoxa aderem, na qual é ensinado que existem 3 fontes independentes por si: a Escritura, a igreja e a tradição. Os que adotam este modelo dizem que tanto a Escritura, a igreja e a tradição tem a mesma autoridade em questões do depósito de fé, ou seja, a Escritura, tradição e a igreja são infalíveis por si. Todavia, segundo os católicos romanos e os ortodoxos, ambas são dependentes uma da outra para as demais funcionarem -o que já demonstra que eles “percebem” que apresenta um problema. ● Sola Scriptura: a sola scriptura é modelo que é aceito mais por parte de igrejas históricas (luterana e reformada), na qual ensina que toda questão sobrenatural, ou seja, do depósito de fé e doutrina sobre Deus e a salvação do homem estão contidas nas Escrituras, tornando-a assim suficiente para a salvação. No entanto, a sola92 scriptura é um princípio composto, na qual é este: a sua interpretação é com base no quesito histórico e cultural da época, e tomar como base a interpretação da tradição oral -na qual posteriormente se tornou escrita- dos pais da igreja de todas as épocas, ou em outras palavras, o consenso dos pais sobre a interpretação dos textos das Escrituras. Mais para frente você me verá elaborando melhor sobre. ● Nuda Scriptura: por fim, temos o modelo da nuda scriptura, onde é infelizmente o modelo que várias igrejas evangélicas e até mesmo seitas -como os adventistas e TJ's- aderem, na qual diz que tudo, mas literalmente tudo tem que estar na bíblia. Estes rejeitam a tradição -e muitas vezes a história-, tendo somente a bíblia como regra de fé e até de outras coisas que a Escritura não procura explicar e nem tem por objetivo, por exemplo, o formato da terra e questões antropológicas naturais. Após vermos que existem estes três modelos de princípio, irei fazer uma breve argumentação contra o primeiro e o último modelo, e por fim uma breve defesa do segundo, que é a sola scriptura. Vimos que, portanto, o tripé, mesmo tendo três fontes infalíveis por si, é dependente das demais para ter por fim o objetivo de ter a verdade sobre Deus. Isso demonstra que, pela lógica, uma delas dependerá de uma base principal, e que sem essa primeira base, as demais ficam incompletas, ou seja, ela não tem para onde ir. Analisando as fontes infalíveis por si do tripé, temos a igreja. No entanto, a igreja depende tanto da tradição (ensinos dos apóstolos que foram transmitidos pelos pais) quanto das Escritura (a leitura no culto e o modelo para embasar as doutrinas). Pela lógica, ela não pode ser infalível por si por depender da tradição e da Escritura para então afirmar verdades de fé. Vale ressaltar que a igreja em sua catolicidade (universalidade) é infalível devido ela ser “coluna e sustentáculo da verdade” (I Timóteo 3:15). Não é atoa que em Atos 15 há um concílio que todos os apóstolos tiveram que entrar em consenso para então ser determinado sobre as questões dos cristãos de Antioquia, da Síria e de Cilícia. Também se afirma no modelo do tripé que a tradição é infalível por si. No entanto, por qual razão ela é infalível por si, se há divergência entre algumas questões nela? Um exemplo é o modelo soteriológico, onde Crisóstomo 93 defende um estilo de sinergismo, já Agostinho que é seu contemporâneo defendeu um estilo de monergismo, e Irineu, no segundo século, que defendeu o modelo de recapitulação. Se ela é infalível por si, não poderia haver divergências sobre questões tão essenciais da fé como o modelo soteriológico. Tanto que é por isso que se deve tomar o consenso dos pais sobre algo para que então possamos fundamentar algum ensino, que aí então ela (a tradição) será infalível. Também é de extrema importância lembrarmos que, se olharmos para o consenso dos pais sobre algo, sempre veremos que eles tiraram estes ensinos das Escrituras, o que então nos levará até onde queria chegar. Por fim, a Escritura também faz parte do tripé e é a única perna deste tripé que se sustenta por si. Pergunto todos que negam a sola scriptura: poderia me mostrar onde que, em toda Escritura, não há o essencial para a fé cristã? A Escritura terá por consenso entre as igrejas que ela é a Palavra escrita de Deus, e que seu objetivo é mostrar a Deus e seu plano redentor para a humanidade. Acaso a Palavra do próprio Deus dependerá de outras fontes para ser infalível? Se sim, você diz que a Escritura não tem caráter de Palavra de Deus (que é infalível devido Deus não mudar), contrariando não somente sua igreja, mas também o caráter divino. Portanto, vemos que a Escritura é por si infalível devido ela ser a Palavra de Deus por escrito, já a igreja e a tradição são dependentes da Escritura pois elas não são de essência infalíveis, mas seu consenso que é. Partiremos agora para a nuda scriptura, na qual nem perderei muito tempo por ser a mais fácil de refutar. Eles dizem que tudo, mas literalmente tudo deve estar na bíblia. Não é em vão que alguns são negacionistas da ciência e da história. No entanto, como você poderá me afirmar que Jesus é Deus? Eles dirão que a bíblia diz. Ok, de fato diz. Mas os Testemunhas de Jeová, que negam a divindade de Cristo, irá apresentar outra interpretação usando apenas a bíblia e então ficará num círculo de vai e vem até alguém se convencer ou se cansar. Agora, se citarmos um argumento histórico e o consenso dos cristãos do primeiro século então ficará mais fácil de convencer o TJ, não acha? Veja, de qualquer forma você terá que recorrer à tradição transmitida pelos pais, pois de fato ela é o que 94 os primeiros cristãos receberam dos apóstolos e também se é mais confiável numa questão histórica. Também devemos lembrar que a Escritura não procura explicar o que não é sobre Deus e sua interação com a criação. A medicina por meio de pílulas, por exemplo, não é uma ordenança bíblica, mas nós aceitamos ela por conta que Deus deu o intelecto ao homem para que o homem resolva estas coisas. A razão e o conhecimento, que também são um presente de Deus, devem ser usados e nos é dada por meio de fontes exteriores das Escrituras, mas não em forma de contrariar nossa fé, mas como explicação do mundo natural. Como eu saberei contar os números sem o uso do intelecto e o auxílio dos meus educadores? A Escritura não ensina a contar, e nem por isso poderei condenar os números. Por fim, Paulo também diz que devemos guardar as tradições orais e escritas (II Tessalonicenses 2:15), claro, como eu disse, as tradições que devem ser aceitas são as de consenso entre os pais. Sobre a sola scriptura, é de consenso que as Escrituras são a Palavra escrita de Deus, sendo assim, como mostrei sobre a refutação ao tripé, suficiente e a única fonte infalível sobre Deus. Tendo isso em mente, devemos pensar: se ela é a Palavra escrita de Deus, por qual razão deve-se ter outras fontes infalíveis? Acaso não é o próprio Deus que colocou infabilidade e suficiência na Escritura? Não é atoa que Deus deixa claro aos profetas e até para o apóstolo João que os seus escritos são a suficiente Palavra de Deus, onde não haverá perigo de perca de ensino: “Escreve, pois, o que viste, tanto as coisas atuais como as futuras”. -Apocalipse 1:19 “Eu declaro a todos aqueles que ouvirem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhes ajuntar alguma coisa, Deus ajuntará sobre ele as pragas descritas neste livro; e, se alguém dele tirar qualquer coisa, Deus lhe tirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, descritas neste livro” - Apocalipse 22:18-19. 95 “Agora, pois, vai escrever estas coisas de uma prancheta, inscreve-as num livro, a fim de que isso permaneça para o futuro e seja um testemunho ETERNO” - Isaías 30:8. Vemos que Deus sempre quis deixar a sua revelação para a humanidade em forma escrita, pois Ele já sabia que os ensinos orais poderiam ser, infelizmente, pervertidos: “Deixando o mandamento de Deus, vos apegais à tradição dos homens” -Marcos 7:8 Da mesma forma foi com a doutrina católica romana. Um exemplo é a assunção de Maria. A Escritura nada fala sobre tal e essa crença só surgiu no quarto século. Antes disso não há sequer resquício dessa “tradição”. Outro exemplo que posso dar é o purgatório que só surgiu após o primeiro milênio. Ok, reconheço que antes disso havia a oração pelos mortos, mas, como eu sempre digo: oração pelos mortos não é sinônimo de purgatório. Portanto, podemos concluir que Deus sempre quis e fez a revelação sobre Si mesmo por meio de escritos para que então pudesse ser preservado. Não é atoa que a própria igreja de Roma está limitada à Escritura e a “tradição” para proclamar “verdades” de fé. Certo, vimosbrevemente o que é a Sola Scriptura, os outros dois modelos de princípio e uma breve refutação e defesa desses mesmos modelos. No entanto, será que essa crença está presente nos pais da igreja? Pois, querendo ou não, eles são o modelo histórico e o testemunho ocular dos apóstolos e de seus discípulos, assim eles nos mostram quais são as crenças ortodoxas e dos primeiros cristãos. Portanto, partiremos para citações de pais da igreja que nos falam o conceito - ou endossam- do que é a sola scriptura. 96 No entanto, antes de começar, vale ressaltar que todas as citações dos pais da igreja que irei usar pertencem ao site católico gringo “New Advent” (considerado o maior site católico do mundo e o mais confiável para ler a patrística). Por qual razão não usarei uma tradução brasileira? Pelo simples fato dela ser tendenciosa em muitos casos. Um exemplo que posso dar é da Paulus. Veja uma comparação de tradução de um trecho da segunda epístola de Policarpo aos Filipenses, entre a Paulus e a New Advent que é até mesmo errônea num quesito histórico: PAULUS: “De fato, nem eu, nem qualquer outro como eu pode se aproximar da sabedoria do bem-aventurado e glorioso Paulo. Ele, estando entre vós, falando pessoalmente aos homens de então, ensinou com exatidão e força a palavra da verdade e depois de partir, vos escreveu cartas. Se as lerdes atentamente, podereis edificar-vos na fé que vos foi dada”.56 NEW ADVENT: “Pois nem eu, nem qualquer outro, podemos chegar à sabedoria do abençoado e glorificado Paulo. Ele, quando estava entre vocês, ensinou com precisão e firmeza a palavra da verdade na presença daqueles que 57então estavam vivos. E quando ausente de você, ele lhe escreveu uma carta que, se você estudar cuidadosamente, descobrirá ser o meio de edificá-lo naquela fé que lhe foi dada”. A diferença quase passa despercebida, mas veja que a Paulus dá a entender que Paulo escreveu mais de uma carta aos filipenses, o que poderá dar a entender 56 ESMIRNA, Policarpo. II carta aos Filipenses, 3,1. 2ª ed. Editora Paulus. 57 ESMINA, Policarpo. II Carta aos Filipenses, capítulo 3. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm>. Acesso em 23 mai. 2024. https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm 97 que, visto que não temos essas cartas, nela estava presente a “tradição oral”, ou pior, as doutrinas da igreja de Roma. Já a New Advent faz o correto e diz que foi apenas uma só carta. Também usarei a New Advent como minha fonte devida ela ser um site de fácil acesso para quem quiser checar as fontes das citações que teremos neste capítulo, e também por ela ser uma tradutora católica que vejo como mais confiável para falar sobre os pais. De fácil acesso, pois, as pessoas então poderão checar as fontes de forma segura -espero eu-, e não por meio de fontes secundárias, como sites apologéticos que amam adulterar as citações dos pais para que suas crenças tenham o ar de cristianismo primitivo, quando na realidade não se tem. Quem garante que um site não faça uma citação adulterada sobre cânon bíblico, por exemplo? Ou até mesmo sobre o papado, na qual hoje em dia sabemos que houve durante a idade média? Não só na idade média, mas até mesmo hoje em dia os apologistas católicos romanos ficam adulterando os pais da igreja, a fim de enganarem o seu público para que sejam louvados e ganhem títulos que não merecem. Não quero ser famoso, nem mesmo ser louvado ou ser nomeado de “máquina anti-papista”, mas mostrar aos católicos a verdade, a fim de que sejam libertos dos dogmas humanos. Portanto, também faço um apelo para que chequem as citações que farei, pois não há desonestidade nelas. Portanto, partiremos para as citações dos pais. Clemente de Roma (35-100 d.C): “Vocês gostam de discórdia, irmãos, e são cheios de zelo por coisas que não pertencem à salvação. Examine cuidadosamente as Escrituras, que são as verdadeiras declarações do Espírito Santo. Observe que nada de caráter injusto ou falsificado está escrito neles”.58 58 ROMANO, Clemente. I Carta aos Coríntios, capítulo 45. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm 98 Para começarmos, Clemente Romano, que foi discípulo de Pedro e Paulo, diz para a igreja de Corinto que as Escrituras59 são as verdadeiras declarações do Espírito Santo e, no contexto da citação, dá a se entender que Clemente diz que as Escrituras devem ser examinadas, pois nelas estão contidos perfeitamente os exemplos de pessoas que devemos seguir. Aqui, portanto, podemos ver uma suficiência das Escrituras Sagradas dita por Clemente em respeito a moral e obediência cristã. Ainda em Clemente, temos também esta ordem para os coríntios: “Você entende, amado, você entende bem as Sagradas Escrituras e olhou com muita atenção para os oráculos de Deus. Chame então essas coisas para sua lembrança[...]”.60 Novamente vemos que Clemente cita as Escrituras, conforme o contexto, para que os cristãos de Corinto a sigam como exemplo de moral, em seguida citando Moisés como exemplo. Embora Clemente não dê uma base como os pais que veremos a seguir, ele nos fornece duas informações sobre as Escrituras: que elas são declarações do Espírito Santo e que ela possui uma suficiência de exemplos morais (destacando os profetas) para serem seguidos. Policarpo de Esmirna (69-155 d.C): “Estas coisas, irmãos, escrevo-vos a respeito da justiça, não porque tomo alguma coisa sobre mim, mas porque me convidastes a fazê-lo. Pois nem eu, nem qualquer outro, podemos chegar à sabedoria do abençoado e glorificado Paulo. Ele, quando estava entre vocês, ensinou com precisão e firmeza a palavra da verdade na presença daqueles que então estavam 59 O termo “Escrituras” em Clemente não é o mesmo cânon completo quando se refere ao Novo Testamento. Provavelmente era composto por alguns evangelhos canônicos e as cartas de Paulo somente. 60 ROMANO, Clemente. I Carta aos Coríntios, capítulo 53. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm. https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm 99 vivos. E quando ausente de você, ele lhe escreveu uma carta que, se você estudar cuidadosamente, descobrirá ser o meio de edificá-lo naquela fé que lhe foi dada e que, sendo seguida de esperança e precedida do amor a Deus, a Cristo e ao próximo ‘é a mãe de todos nós’[...]”.61 Na segunda carta que o bispo Policarpo escreve aos filipenses, ele menciona que Paulo depois de ter pregado para eles, ele escreveu uma carta (a dos filipenses que possuímos hoje no cânon) que, se o povo da igreja de Filipos estudá-la com cuidado, eles seriam edificados por meio da carta na fé que Paulo lhes pregou. Aqui podemos ver duas coisas: primeiro, que a fé da igreja é edificada por meio das Escrituras apostólicas; e a segunda que, conforme Policarpo, a fé que Paulo pregou pessoalmente aos filipenses iria ser edificada por algo que ele já pregou. Em outras palavras, Paulo não ensinou nada de novo na sua carta do que ensinou quando deu o ensino pessoalmente para eles. Como isso favorece a sola scriptura? Isto favorece por mostrar que a Escritura é a tradição oral e que nos escritos apostólicos possuem a suficiência para sermos edificados a cada dia na fé que nos pregam, pois, a verdadeira tradição apostólica não é diferente do que a Escritura ensina, e nem ao contrário. Ainda em Policarpo também possuímos esta fala dele: “Pois confio que você é bem versado nas Sagradas Escrituras e que nada lhe é escondido; mas para mim esse privilégio ainda não foi concedido. É declarado então nestas Escrituras: ’Ira-te enão peques’, e: ’Não deixe o sol se pôr sobre a tua ira’. Feliz é aquele que se lembra disso, o que creio ser o seu caso”.62 61 ESMIRNA, Policarpo. II Carta aos Filipenses, capítulo 3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm 62 ESMIRNA, Policarpo. II Carta aos Filipenses, capítulo 12. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm 100 Vemos aqui algo interessante: Policarpo diz que confia que o leitor de sua carta era bem versado, ou seja, tinha um bom conhecimento das Escrituras, e que para ele não tinha sido concedido este privilégio. Alguns podem dizer que essas Escrituras são o Antigo Testamento, no entanto, não é isso que Policarpo faz, mas ele cita Efésios 4:26, que é de consenso dentre os cristãos que é uma carta que pertence a Paulo. Veja, então, que Policarpo diz pela segunda vez que as epístolas de Paulo fazem parte da Escritura. Por meio de um raciocínio lógico, podemos chegar também a conclusão que Policarpo também acreditava que esse escrito de Paulo também seria um meio de edificação da fé dos crentes da mesma forma que a epístola aos filipenses, visto que ambas possuem o mesmo autor. Por fim, Policarpo faz uma afirmação que nos dá a entender que é essencial para um cristão, que feliz é aquele que se lembra do que a Escritura diz. Embora ele esteja se referindo ao escrito de Paulo, ele certamente não iria excluir de forma alguma o Antigo Testamento, as cartas de Paulo e os demais livros que eram de seu conhecimento. Justino Mártir (100-165 d.C): "Justino: Se, senhores, não fosse dito pelas Escrituras que já citei, que Sua forma era inglória, e Sua geração não declarada, e que por Sua morte os ricos sofreriam a morte, e pelas Suas pisaduras seríamos curados, e que Ele seria levado como uma ovelha; e se eu não tivesse explicado que haveria dois adventos Dele -um em que Ele foi traspassado por você; um segundo, quando vocês conhecerem Aquele a quem traspassaram, e suas tribos lamentarem, cada tribo por si, as mulheres à parte e os homens à parte- então devo ter falado coisas duvidosas e obscuras[...]".63 63 Mártir, Justino. Diálogo com Trifão. Cap 32. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/01283.htm https://www.newadvent.org/fathers/01283.htm 101 Partindo agora para Justino, um dos maiores apologistas da Igreja primitiva, vemos que ele, em seu diálogo com o judeu Trifão, diz claramente que se não estivesse escrito tais profecias sobre a pessoa de Jesus Cristo, que então Trifão poderia recusar o que Justino disse, pois seria de se duvidar. Por qual razão? Pois, embora Justino soubesse que Trifão, como judeu, tinha uma tradição, Justino possivelmente tinha em mente que se mostrasse pelas Escrituras -que tanto ele quanto Trifão acreditavam como inspiradas- que Cristo havia de ter passado por estas coisas, então seria o suficiente para convencer ao seu oponente. Portanto, Justino tinha em mente que a Escritura era suficiente para provar o ponto da fé sobre o Messias. Trifão: “Agora, então, dê-nos a prova de que este homem que você diz que foi crucificado e ascendeu ao céu é o Cristo de Deus. Pois você provou suficientemente, por meio das Escrituras anteriormente citadas por você, que está declarado nas Escrituras que Cristo deve sofrer, e voltar com glória, e receber o reino eterno sobre todas as nações, sendo todo reino sujeito a Ele. Agora mostre-nos que este homem é Ele".64 Embora não sendo uma fala do apologista Justino, temos o testemunho de seu adversário, o judeu Trifão, que nos diz que Justino conseguiu provar que o Messias deveria sofrer e voltar com glória, isso usando suficientemente as Escrituras, que é o que Trifão admite. O que isso prova? Prova que Trifão reconheceu que Justino mostrou que a Escritura é suficiente em matéria de fé, pois a nossa fé no Cristo que é a essência do cristianismo deve ser provada pelas Escrituras. 64 Mártir, Justino. Diálogo com Trifão. Cap 32. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/01283.htm https://www.newadvent.org/fathers/01283.htm 102 Irineu de Lyon (130-202 d.C): “Mas se tivessem conhecido as Escrituras e sido ensinados pela verdade, teriam sabido, sem sombra de dúvida, que Deus não é como os homens são; e que Seus pensamentos não são como os pensamentos dos homens".65 Aqui podemos ver que Irineu, ao escrever o seu segundo livro, diz que caso os gnósticos conhecessem a Escritura saberiam que Deus não é como os homem, como de fato a Escritura diz em Isaías 55:8-9. Podemos tirar daqui, portanto, que Irineu coloca que, caso eles (os gnósticos) conhecessem o básico da Escritura, saberiam que Deus não é como os homens, mostrando assim um desprovido dos gnóstico o saber do que a palavra de Deus fala. "Se, no entanto, não podemos descobrir explicações de todas as coisas nas Escrituras que são objeto de investigação, ainda assim não procuremos por qualquer outro Deus além daquele que realmente existe. Pois esta é a maior impiedade. Deveríamos deixar coisas dessa natureza para Deus que nos criou, tendo a certeza de que as Escrituras são realmente perfeitas, uma vez que foram faladas pela Palavra de Deus e pelo Seu Espírito; mas nós, na medida em que somos inferiores e temos existência posterior à Palavra de Deus e ao Seu Espírito, somos, por isso mesmo, destituídos do conhecimento dos Seus mistérios".66 Aqui achamos algo interessante. Irineu diz que mesmo se nós não achamos toda explicação na Escritura, não devemos nos apostatar. Mas no meio disso, ele também nos diz que a Escritura é um objeto de investigação, ou em outras palavras, que ela é o nosso pilar sobre a nossa fé, pois, como mostrado na rápida refutação ao 65 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro II, 3,3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0103213.htm 66 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro II, 28,2. Disponível em: https://newadvent.org/fathers/0103228.htm https://www.newadvent.org/fathers/0103213.htm https://newadvent.org/fathers/0103228.htm 103 tripé, o objetivo das Sagradas Escrituras para o homem é explicar a salvação e a comunhão que Deus quer ter com o homem, e não sobre demais coisas, e Irineu confirma o que eu digo nesta última citação que fiz acima. Ainda nestas falas de Irineu, vemos que as Escritura são descritas como sendo as perfeitas falas do Verbo (Jesus) e do Espírito Santo. Assim vemos que Irineu pode nos dar uma base para a suficiência das Escrituras, mas este texto não nos é conclusivo. "Se, portanto, de acordo com a regra que afirmei, deixaremos algumas questões nas mãos de Deus, preservaremos nossa fé ilesa e continuaremos sem perigo; e toda a Escritura, que nos foi dada por Deus, será considerada por nós perfeitamente consistente; e as parábolas se harmonizarão com as passagens que são perfeitamente claras; e aquelas declarações cujo significado é claro servirão para explicar as parábolas; e através das muitas e diversificadas declarações [das Escrituras] será ouvida em nós uma melodia harmoniosa, louvando em hinos aquele Deus que criou todas as coisas. Se, por exemplo, alguém perguntar: 'O que Deus estava fazendo antes de criar o mundo?' respondemos que a resposta a tal pergunta está no próprio Deus. Para que este mundo foi formado perfeito por Deus, tendo um começo no tempo, as Escrituras nos ensinam; mas nenhuma Escritura nos revela o que Deus estava fazendo antes desse evento. A resposta, portanto, a essa pergunta permanece com Deus, e não é apropriadoque tenhamos como objetivo apresentar atitudes tolas, precipitadas e blasfemas".67 67 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro II, 28,3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0103228.htm https://www.newadvent.org/fathers/0103228.htm 104 Irineu, agora sim, nos diz que a Escritura é suficiente. Veja que ele diz que toda a Escritura dada por Deus é consistente e que as parábolas são harmoniosas com passagens que são claras. Nós aqui vemos, portanto, que Irineu lia as Escrituras de forma que as parábolas, as passagens claras e as demais partes do que Irineu tinha acesso dos escritos apostólicos eram, para ele, consistentes e harmoniosas entre si; e, sendo as Escrituras claras, podemos, novamente, mas não de forma conclusiva, supor que nelas estão contidas todo o testemunho apostólico e dos profetas. E, por fim, Irineu supõe uma possibilidade de alguém perguntar o que Deus fazia antes de criar o mundo, e ele responde que a resposta disso deveria ficar como mistério de fé nas mãos de Deus, pois nenhuma Escritura fala sobre tal coisa. Assim vemos que Irineu prefere entregar a resposta para Deus devido a Escritura não dizer sobre, ou, em outras palavras, podemos resumir a frase de Irineu: “Se as Escrituras não afirmam, não confiarei em meu entendimento”, visto que ele diz que quem busca responder algo que nem mesmo a Escritura afirma está cometendo uma blasfêmia. "Mas não estaremos errados se afirmarmos a mesma coisa também a respeito da substância da matéria, que Deus a produziu. Pois aprendemos nas Escrituras que Deus detém a supremacia sobre todas as coisas. Mas de onde ou de que maneira Ele o produziu, nem as Escrituras declararam em parte alguma; nem nos cabe conjecturar, de modo a, de acordo com nossas próprias opiniões, formar conjecturas intermináveis a respeito de Deus, mas deveríamos deixar tal conhecimento nas mãos do próprio Deus[...]".68 Aqui, novamente, lemos que, segundo Irineu, não podemos tirar conclusões que estejam fora da Escritura, pois a igreja está presa nelas de tal forma, como mostrado na citação anterior, que pode resultar em blasfêmia. 68 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro II, 28,7. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0103228 https://www.newadvent.org/fathers/0103228 105 "Se, no entanto, eles trabalharem para sustentar que, embora todas as coisas materiais, como o céu e todo o mundo que existe abaixo dele, tenham sido de fato formadas pelo Demiurgo, ainda assim todas as coisas de natureza mais espiritual do que estas, -aqueles, nomeadamente, que estão acima dos céus, como Principados, Potestades, Anjos, Arcanjos, Dominações, Virtudes-, foram produzidos por um processo espiritual de nascimento (que eles declaram ser), então, em primeiro lugar, nós provamos pelas Escrituras autorizadas que todas as coisas que foram mencionadas, visíveis e invisíveis, foram feitas por um só Deus. Pois não se pode confiar mais nesses homens do que nas Escrituras; nem devemos desistir das declarações do Senhor, de Moisés e do resto dos profetas, que proclamaram a verdade, e dar crédito a eles, que de fato não proferem nada de natureza sensata, mas elogiam opiniões insustentáveis[...]".69 Podemos agora ler primeiro que Irineu destaca que a heresia gnóstica foi, por meio da autoridade das Escrituras, refutada. Também vemos que, logo em seguida, Irineu destaca que não se deve confiar nos homens (aqui se referindo aos líderes gnósticos), mas nas declarações que o Senhor e os profetas fizeram a respeito de Deus. Ora, como poderemos saber quais foram as declarações, senão por meio da Escritura? Podemos, portanto, dizer que Irineu disse que todo ensino das Sagradas Letras tem a maior autoridade sobre os hereges, pois ela é suficientemente a base de fé e doutrina contra todos erros humanos, como ele está -e estará- a nos mostrar. "Não aprendemos de ninguém o plano da nossa salvação, a não ser daqueles por meio de quem o Evangelho chegou até nós, o qual eles proclamaram em um momento em público e, num período posterior, pela vontade de Deus, que nos foi transmitido 69 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro II, 30,6. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0103230.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/0103230.htm 106 nas Escrituras, para ser a base e o pilar da nossa fé".70 Conforme Irineu, aquilo que os apóstolos ensinaram por via oral, mais tarde foi registrado por meio de seus escritos, ou seja, nas Escrituras. Portanto, todo ensino apostólico, primariamente oral, em sua totalidade, foi transmitido na Escritura, de modo que, todos os seus ensinos foram escritos, assim para termos certeza do real ensino divino. "O verdadeiro conhecimento é [aquele que consiste] na doutrina dos apóstolos, e na antiga constituição da Igreja em todo o mundo, e na manifestação distintiva do corpo de Cristo de acordo com as sucessões dos bispos, pelas quais eles têm transmitiu aquela Igreja que existe em todos os lugares, e que chegou até nós, sendo guardada e preservada sem qualquer falsificação das Escrituras, por um sistema muito completo de doutrina, e sem receber acréscimos nem [sofrimento] redução [nas verdades que ela acredita]; e [consiste em] ler [a palavra de Deus] sem falsificação, e uma exposição legal e diligente em harmonia com as Escrituras, tanto sem perigo como sem blasfêmia; e [acima de tudo, consiste] no dom preeminente do amor, que é mais precioso que o conhecimento, mais glorioso que a profecia, e que excede todos os outros dons [de Deus]".71 Quão grandes e poderosas são estas palavras provindas do bem-aventurado Irineu sobre as Escrituras! Vemos então que Irineu diz que a doutrina dos apóstolos foi fielmente preservada na Escritura, estando, portanto, em consenso entre si mesmas ao ponto de ser um sistema completo da doutrina dos santos apóstolos. 70 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro III, 1,1. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0103301.htm>. 71 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro IV, 33.8. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0103433.htm https://www.newadvent.org/fathers/0103301.htm https://www.newadvent.org/fathers/0103433.htm 107 Vemos, então, que Irineu diz que a Escritura é a inspirada palavra de Deus que plenamente descreve toda a doutrina sobre a nossa salvação e comunhão com Deus. "[...]Quaisquer que fossem as coisas que ele tivesse ouvido deles a respeito do Senhor, tanto no que diz respeito aos Seus milagres quanto aos Seus ensinamentos, Policarpo tendo assim recebido [informações] das testemunhas oculares da Palavra da vida, as contaria todas em harmonia com as Escrituras[...]".72 Por fim, para encerrarmos o grande testemunho de Irineu, vemos que em um de seus fragmentos nos é dito que Policarpo pregava o que estava de acordo com as Escrituras. O que isso quer dizer? Isso nos mostra duas coisas: primeiro, Irineu tinha por julgamento o que a Escritura dizia; e a segunda coisa é que todo o ensino de Policarpo não era nada novo, mas sim o que a Escritura já ensinava. Podemos ver isso em sua carta aos Filipenses, onde nos é ensinado o que a Sagrada Escritura diz, não contendo nada de novo. Alguns poderão argumentar que então Policarpo acreditava que Tobias era inspirado, já que ele cita ele dizendo que a esmola livra da morte. Todavia, isso parte de uma má compreensão do que Policarpo quis dizer, e até mesmo um desconhecimento das Escrituras canônicas. Em primeiro lugar, o contexto que Policarpo diz que a esmola livra da morte é sobre fazer as boas obras, coisa que nós protestantesnão negamos. Em segundo lugar, de fato, a esmola livra da morte em certo sentido. Veja o que Tiago nos diz: "Do mesmo modo Raab, a meretriz, não foi ela justificada pelas obras, por ter recebido os mensageiros e os ter feito sair por outro caminho? Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta". Tiago 2:25-26 Veja que Tiago diz que a fé sem obras é morta. 72 LYON, Irineu. Fragmento dois. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/.htm 108 Sendo a fé o motivo pelo qual o homem vive e permanece na comunhão com Deus, mas essa fé deve ser alimentada, ou seja, por meio das obras realizadas na graça, a esmola (boa obra) livra da morte. Ela não nos livra da morte condenatória, ou seja, do inferno; mas sim a morte da fé, que é a apostasia, ou melhor dizendo, a fé de um demônio que é morta. E se quiserem que eu resuma mais, a fé morta é o famoso cristão que vive no pecado, não alimentando a fé no fazer das boas obras para com o próximo, assim não cumprindo ao mandamento divino de amar o próximo como a ti mesmo. Portanto, veja que Irineu dizer que Policarpo ensinava o que estava de acordo com a Escritura, e Policarpo citar Tobias não nos diz que ele acreditava que Tobias era inspirado, pois o ensino de Tobias existe na Escritura canônica. Assim, portanto, provando que todo ensino de Policarpo é provado por meio das Escrituras canônicas. Tertuliano (160-240 d.C): "Eu reverencio a plenitude de Suas Escrituras, nas quais Ele me manifesta tanto o Criador quanto a criação. Além disso, no evangelho descubro um Ministro e Testemunha do Criador, da Sua Palavra (João 1:3), mas ainda não consegui descobrir se todas as coisas foram feitas de alguma matéria subjacente. Onde tal declaração for escrita, a loja de Hermógenes deverá nos informar. Se não estiver escrito em parte alguma, então deixe-o temer a desgraça que impende sobre todos os que acrescentam ou retiram palavra escrita (Apocalipse 22:18-19)”.73 Tertuliano, em sua obra contra Hermógenes, nos diz a mesma coisa que Irineu nos disse, que, se algo não estiver nas Escrituras, não é para acreditar. Também podemos ver que Tertuliano foi mais ousado e então proclamou que todos que 73 CARTAGO, Tertuliano. Contra Hermógenes, cap. 22. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0313.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/0313.htm 109 retirarem ou acrescentarem algo nas Escrituras (como um todo) sofrerá a pena do que está em Apocalipse 22:18-19, que diz: “Eu declaro a todos aqueles que ouvirem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhes ajuntar alguma coisa, Deus ajuntará sobre ele as pragas descritas neste livro; e, se alguém dele tirar qualquer coisa, Deus lhe tirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, descritas neste livro”. Assim, também já estamos apresentando que este verso da Revelação dada ao apóstolo João não se aplica unicamente para o seu livro, mas para toda a Escritura devido ela ser verdadeiramente também a Palavra de Deus da mesma forma que Apocalipse se é. E isto não sou eu que afirmo como inovação, mas o próprio Tertuliano, no final do segundo século, já acreditava e afirmava minhas declarações, mostrando que não é uma crença nova, mas já existia no meio cristão primitivo. “[...]E se Ele fosse Aquele que foi coroado com glória e honra, e Aquele Outro por quem Ele foi coroado -o Filho, de fato, pelo Pai? Além disso, como acontece que o Deus Todo-Poderoso Invisível, a quem nenhum homem viu nem pode ver; Aquele que habita na luz inacessível (1 Timóteo 6:16); Aquele que não habita em templos feitos por mãos (Atos 17:24); diante de cuja vista a terra estremece, e os montes derretem como cera; que segura o mundo inteiro em suas mãos como um ninho (Isaías 10:14); cujo trono é o céu, e a terra o escabelo de seus pés (Isaías 66:1) em quem está em todo lugar, mas ele mesmo não está em lugar algum; quem é o limite máximo do universo – como acontece, eu digo, que Ele (que, embora) o Altíssimo, ainda deveria ter caminhado no paraíso em direção ao frescor da noite, em busca de Adão; e deveria ter fechado a arca depois que Noé entrou nela; e na casa de Abraão a tenda deveria ter se refrescado sob um carvalho; e da sarça ardente clamaram a Moisés ; e ter aparecido como o quarto na fornalha do monarca 110 babilônico (embora Ele seja ali chamado de Filho do homem)— a menos que todos esses eventos tivessem acontecido como uma imagem, como um espelho, como um enigma (da futura encarnação)? Certamente mesmo estas coisas não poderiam ter sido cridas nem mesmo pelo Filho de Deus, a menos que nos tivessem sido dadas nas Escrituras; possivelmente também eles não poderiam ter sido acreditados pelo Pai, mesmo que tivessem sido dados nas Escrituras, uma vez que esses homens O levaram ao ventre de Maria, e O colocaram diante do tribunal de Pilatos, e O enterraram no sepulcro de José”.74 Aqui vemos que Tertuliano é mais ousado ainda, e afirma que se nada destas coisas sobre o Pai e sobre o Filho estivessem escritas nas Escrituras, ele não creria. Ou seja, se as histórias do Antigo Testamento, caso não estivessem escritas, não seriam de confiança nenhuma para nós, conforme diz o autor. Orígenes (185-232 d.C): “Mas como não basta, na discussão de assuntos de tamanha importância, confiar a decisão aos sentidos humanos e ao entendimento humano, e pronunciar-se sobre as coisas invisíveis como se fossem vistas por nós, devemos, em para estabelecer as posições que estabelecemos, apresente o testemunho da Sagrada Escritura. E para que este testemunho possa produzir uma crença segura e inabalável, seja no que ainda temos a avançar, seja no que já foi afirmado, parece necessário mostrar, em primeiro lugar, que as próprias Escrituras são divinas, isto é, foram inspirados pelo Espírito de Deus. Devemos, portanto, com toda a brevidade possível extrair das próprias Sagradas Escrituras, evidências 74 CARTAGO, Tertuliano. Contra Práxeas, cap. 16. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0317.htm https://www.newadvent.org/fathers/0317.htm 111 sobre este ponto que possam produzir em nós uma impressão adequada (fazendo nossas citações) de Moisés, o primeiro legislador da nação hebraica, e das palavras de Jesus Cristo, o Autor e Chefe do sistema religioso cristão".75 Partiremos, então, para Orígenes, um grande teólogo de Alexandria do terceiro século. Em sua obra “De Principiis”, ele nos diz que não devemos confiar no entendimento dos homens, mas sim no que a Escritura diz, para que então possamos ter uma crença inabalável. Veja que Orígenes não coloca a tradição ou a igreja como infalíveis por si, mas sim a Escritura. Podemos então tirar de proveito que Orígenes, ao que vemos, tinha a Escritura como a única base de fé infalível por si. Cipriano de Cartago (?-258 d.C): "[...]Pois, tomando o cálice na véspera de Sua paixão, Ele o abençoou e o deu a Seus discípulos, dizendo: 'Bebam todos disto; porque este é o meu sangue do Novo Testamento, que será derramado por muitos, para a remissão dos pecados. Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira, até aquele dia em que beberei vinho novo convosco no reino de meu Pai' (Mateus 26:28-29). Em que porção encontramos que o cálice que o Senhor ofereceu foi misturado, e que era vinho que Ele chamou de Seu sangue. Donde parece que o sangue de Cristo não é oferecido se não houver vinho no cálice, nem o sacrifício do Senhor celebrado com uma consagração legítima, a menos que nossa oblação e sacrifício respondam à Sua paixão. Mascomo beberemos o vinho novo do fruto da videira com Cristo no reino de Seu Pai, se no sacrifício de Deus Pai e de Cristo não oferecemos vinho, nem misturamos o cálice do Senhor pela própria tradição do Senhor?".76 75 ORÍGENES. De Principiis, Livro IV, 1. Disponível em: https://newadvent.org/fathers/04124.htm 76 CARTAGO, Cipriano. Epistola 62,9. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/050662 https://newadvent.org/fathers/04124.htm https://www.newadvent.org/fathers/050662 112 Partindo para Cipriano de Cartago, veja que ele diz que a Ceia do Senhor é uma tradição. No entanto, quando partimos para Escrituras, vemos que ela está registrada em Mateus, Marcos e Lucas. O que isso nos prova? Isso nos prova que Cipriano tinha por tradição o que já estava escrito e que nenhuma tradição é algo diferente do que está escrito. Tome Paulo como exemplo disso (I Coríntios 11:23-25). "Nem propomos isso, querido irmão, sem a autoridade das Escrituras divinas, quando dizemos que todas as coisas são organizadas pela direção divina, por uma certa lei e por ordenança especial, e que ninguém pode usurpar para si mesmo, em oposição ao bispos e padres, tudo o que não seja de seu direito e poder[...]".77 Cipriano, embora a posição dele não seja correta78, não entrarei no mérito de discutir isso, mas sim que ele tomou as Escrituras por sua autoridade de fala sobre uma questão importante da fé que nesse caso era o batismo. Antes que haja uma desqualificação dessa citação, o ponto que eu procuro defender é que ele cria na Escritura como autoridade de fé infalível, não sobre o que ele defendeu. “[...]Assim, nas Sagradas Escrituras, pelas quais o Senhor desejava que fôssemos instruídos e admoestados, a cidade prostituta é descrita mais lindamente vestida e adornada, e com seus ornamentos; e antes por causa desses mesmos ornamentos prestes a perecer[...]”.79 Para contextualizar, Cipriano está falando que não devemos seguir o amor a riqueza e que as mulheres vaidosas são como a prostituta de Apocalipse 17, mas que 77 CARTAGO, Cipriano. Epístola 72,8. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/050672.htm>. 78 A posição de Cipriano, em resumo, era que o batismo feito por hereges não era válido. 79 CARTAGO, Cipriano. Tratado II, 12. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/050702.htm https://www.newadvent.org/fathers/050672.htm https://www.newadvent.org/fathers/050702.htm 113 as moças modestas eram o contrário disso. Nesta citação podemos tirar de proveito que Cipriano nos diz que Deus quis que fôssemos instruídos pelas Escrituras. Ora, conforme o contexto, Cipriano nos diz que a Escritura é a nossa fonte de instrução de modéstia e, pelo visto, também moral. Se assim for, Cipriano, embora de forma indireta, nos diz que as Escrituras são as instruções para não sermos imorais, ou seja, pecadores em ato, assim então, se nós tivermos uma boa conduta para alimentar nossa fé salvífica e também o nosso galardão, iremos ter a vida eterna. Portanto, Cipriano, de forma indireta, diz que a Escritura é a nossa instrução para a salvação. "Cipriano a seu filho Quirino, saudações. Era necessário, meu amado filho, que eu obedecesse ao seu desejo espiritual, que pedia com a mais urgente petição aqueles ensinamentos divinos com os quais o Senhor condescendeu em nos ensinar e instruir pelas Sagradas Escrituras, para que, sendo levados para longe das trevas do erro e iluminados por Sua luz pura e brilhante, possamos manter o caminho da vida através dos sacramentos salvadores[...]".80 Veja, agora, que Cipriano afirma que Deus quis e consentiu em que nós fossemos instruídos pelas Escrituras. Isso pode endossar para nós a suficiência dela, mostrando que há todo material necessário para a nossa salvação. "O segundo livro também contém o sacramento de Cristo, que Ele veio, que foi anunciado de acordo com as Escrituras, e fez e aperfeiçoou todas aquelas coisas pelas quais Ele foi predito como sendo capaz de ser percebido e conhecido. E essas coisas podem ser de vantagem para você enquanto isso, enquanto você lê, para formar os primeiros lineamentos de sua fé. Mais força lhe será dada, e a inteligência do coração será efetuada mais e mais, à medida que você examinar mais completamente 80 CARTAGO, Cipriano. Tratado XII, Livro I. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/050712a.htm https://www.newadvent.org/fathers/050712a.htm 114 as Escrituras, antigas e novas, e ler os volumes completos dos livros espirituais. Pois agora enchemos uma pequena medida das fontes divinas, que, enquanto isso, enviaríamos a você. Você poderá beber mais abundantemente e ficar mais abundantemente satisfeito, se também se aproximar para beber junto conosco nas mesmas fontes da plenitude divina[...]".81 Ainda na mesma parte da citação anterior, Cipriano diz que, caso Quirino fosse ler as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, ele seria abundantemente satisfeito se beber nas mesmas fontes da plenitude divina. Perceba, portanto, que Cipriano nos diz que Querino ficará satisfeito. O que isso significa? Significa que Cipriano deixa brecha para falar que a Escritura é suficiente. Perceba também que ele diz que Querino não deve ler as Escrituras só no início de sua fé, mas sempre. Portanto, Cipriano nos diz as seguintes coisas: 1) A tradição foi escrita; 2) A Escritura deve estar sempre na vida do cristão; 3) A Escritura possui suficiência; 4) A Escritura são as fontes da plenitude divina. Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C): Cirilo de Jerusalém possui uma grande quantidade de escritos em suas palestras catequéticas, e, dentre todas elas, citarei 5 falas do bem-aventurado Cirilo. "[...]Nem aquele que é batizado com água, mas não é considerado digno do Espírito, recebe a graça em perfeição; nem se um homem for virtuoso em suas ações, mas não receber o selo pela água, ele entrará no reino dos céus. Uma afirmação ousada, mas não minha, pois foi Jesus quem a declarou: e aqui está a prova da afirmação da Sagrada Escritura[...]".82 81 CARTAGO, Cipriano. Tratado XII, Livro I. Disponível em: https://newadvent.org/fathers/050712a.htm 82 JERUSALÉM, Cirilo. Palestras catequéticas, Aula Catequética III, 4. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/310103 https://newadvent.org/fathers/050712a.htm https://www.newadvent.org/fathers/310103 115 Neste trecho, Cirilo está falando sobre a regeneração batismal, e ele afirma com total certeza de que quem faz boas ações, mas não é batizado, não entrará no reino dos céus. Perceba que ele, já prevendo que o questionaram sobre esta ousada afirmação, ele se previne e recorre às Escrituras que registram as falas do Senhor que confirma esta afirmação: quem não for batizado, não será salvo. "Mas se alguém quiser saber por que a graça é dada pela água e não por um elemento diferente, tome as Escrituras Divinas e aprenderá[...]".83 Ainda no contexto de regeneração batismal, vemos que, novamente, Cirilo prevendo que haveria questionamentos sobre as suas afirmações, ele diz para os seus leitores e ouvintes irem para as Escrituras, pois elas dão testemunho destas coisas. Imagino eu que se ele diz para fazermos isso, então é provável que isso esteja explícito, assim como as demais doutrinas principais da fé cristã em sua catolicidade. "Você já tem em mente este selo, que no momento foi tocado levemente em meu discurso, a título de resumo, mas será declarado, se o Senhor permitir, com o melhor de meu poder, com a prova das Escrituras. Pois no que diz respeito aos divinose santos mistérios da Fé, nem mesmo uma declaração casual deve ser feita sem as Sagradas Escrituras; nem devemos ser desviados pela mera plausibilidade e artifícios de discurso. Mesmo a mim, que te digo estas coisas, não dês crédito absoluto, a menos que recebas a prova das coisas que anuncio nas Escrituras Divinas. Pois esta salvação em que acreditamos não depende de raciocínios engenhosos, mas da demonstração das Sagradas Escrituras”.84 83 JERUSALÉM, Cirilo. Palestras catequéticas, Aula Catequética III, 5. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/310103.htm>. 84 JERUSALÉM, Cirilo. Palestras Catequéticas, Aula Catequética III, 5. Disponível em: https://www.new.advent.org/fathers/310104 https://www.newadvent.org/fathers/310103.htm https://www.new.advent.org/fathers/310104 116 Imagino eu que nem devo falar muito, pois as falas de Cirilo são explícitas ao dizer que tudo a respeito da nossa fé deve estar nas Escrituras e, caso queiram afirmar algo, necessitamos da demonstração pelas Escrituras. "[...]Portanto, por enquanto, ouça enquanto eu simplesmente digo o Credo e guarde-o na memória; mas no momento apropriado espere a confirmação da Sagrada Escritura de cada parte do conteúdo. Pois os artigos da Fé não foram compostos como parecia bom aos homens; mas os pontos mais importantes coletados de todas as Escrituras constituem um ensino completo da Fé. E assim como a semente de mostarda em um pequeno grão contém muitos ramos, também esta Fé abraçou em poucas palavras todo o conhecimento da piedade no Antigo e no Novo Testamento. Prestem atenção então, irmãos, e mantenham firmes as tradições que vocês agora recebem, e escrevam-nas na mesa do seu coração".85 Novamente, Cirilo manda-nos verificar as Escrituras quando o assunto é sobre as verdades de fé, pois, como mostrado na última citação, as Escrituras Divinas são a nossa única base dogmática e, juntando a esta citação que acabamos de fazer, todas as verdades importantes de fé foram retiradas das Escrituras. "[...]Diga-me primeiro, ó homem mais ousado, em que o Trono difere do Domínio, e então examine o que pertence a Cristo. Diga-me o que é um Principado, e o que é um Poder, e o que é uma Virtude, e o que é um Anjo: e então procure o seu Criador, pois todas as coisas foram feitas por Ele (João 1:3). Mas você não vai, ou você não pode pedir Tronos ou Domínios. O que mais existe que conhece as coisas profundas de Deus (1 Coríntios 2:10-11), exceto apenas o Espírito Santo, que falou as 85 JERUSALÉM, Cirilo. Palestras Catequéticas, Aula Catequética V, 12. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/310105.htm https://www.newadvent.org/fathers/310105.htm 117 Escrituras Divinas? Mas nem mesmo o próprio Espírito Santo falou nas Escrituras a respeito da geração do Filho a partir do Pai. Por que então você se ocupa com coisas que nem mesmo o Espírito Santo escreveu nas Escrituras? Tu, que não conheces as coisas que estão escritas, estás ocupado com as coisas que não estão escritas? Há muitas questões nas Escrituras Divinas; o que está escrito não compreendemos, por que nos ocupamos com o que não está escrito? É suficiente para nós sabermos que Deus gerou um único Filho".86 Pela terceira vez, não há muito o que falar. Cirilo mostra que se não estiver na Escritura, ele não ousará falar a respeito. Ele deixa isso explícito. Basta ler com atenção. Portanto, em Cirilo, podemos ver que ele prova a suficiência dogmática da Escritura, que não devemos confiar no que não está escrito nela, e que a tradição oral é a interpretação das Escrituras, e não uma fonte de doutrinas, como afirmam os adeptos do tripé. Atanásio de Alexandria (296-373 d.C): "[...] Mas como a Sagrada Escritura é, de todas as coisas, a mais suficiente para nós, recomendando, portanto, àqueles que desejam saber mais sobre esses assuntos, que leiam a Palavra Divina, apresso-me agora em colocar diante de vocês aquilo que mais chama a atenção, e por causa de que principalmente escrevi estas coisas".87 86 JERUSALÉM, Cirilo. Palestras Catequéticas, Aula XI, 12. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/310111.htm 87 ALEXANDRIA, Atanásio. Ad Episcopus Aegypti et Libyae, cap. 1,4. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/2812.htm https://www.newadvent.org/fathers/310111.htm https://www.newadvent.org/fathers/2812.htm 118 Chegando no ilustre bispo de Alexandria, em uma de suas obras contra os arianos, ele nos diz que a Escritura é suficiente para nós. Portanto, vemos que Atanásio também cria que existia uma suficiência nas Escrituras. "O conhecimento de nossa religião e da verdade das coisas é manifestado de forma independente, e não necessita de professores humanos, pois quase dia após dia ele se afirma por meio de fatos e se manifesta mais brilhante que o sol pela doutrina de Cristo. 2. Mesmo assim, como você deseja ouvir sobre isso, Macário, venha, deixe-nos expor alguns pontos da fé de Cristo: embora você seja capaz de descobri-lo nos oráculos divinos, mas ainda assim generosamente desejando ouvir os outros também. 3. Pois embora as Escrituras sagradas e inspiradas sejam suficientes para declarar a verdade -embora existam outras obras de nossos abençoados professores compiladas para este propósito, se ele encontrar com o qual um homem ganhará algum conhecimento da interpretação das Escrituras, e será capaz de aprender o que deseja saber- ainda assim, como não temos atualmente em mãos as redações de nossos professores, devemos comunicar-vos por escrito o que aprendemos deles a fé, a saber, de Cristo Salvador; para que ninguém menospreze a doutrina ensinada entre nós, ou pense na fé em Cristo [seja] irracional [...]".88 Agora em “Contra os Pagãos”, Atanásio reconhece que os seus antecessores também possuem a autoridade de ensinar sobre a fé cristã. No entanto, veja que ele diz que esse ensino é a interpretação da Escritura (o que colabora para a sola scriptura), e que, pela lógica, estes mesmos antecessores necessitavam das Escrituras para ensinar. Mas o mais interessante é que Atanásio diz de forma rápida 88 ALEXANDRIA, Atanásio. Contra os Pagãos, Parte 1,1-3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/2801.htm https://www.newadvent.org/fathers/2801.htm 119 e clara que as Escrituras são suficientes para declarar a verdade. Ora, o que mais seriam estas verdades, senão as verdades de fé? Podemos, portanto, ver que Atanásio, novamente, acreditava numa suficiência das Escrituras, e se elas são suficientes para declarar a verdade, conforme ele o diz, então vemos que a sola scriptura só se torna mais e mais evidente nos pais. Jerônimo (340-420 d.C): Admito que não estava pensando em colocar Jerônimo. No entanto, vi que ele também é de grande proveito para nossa demonstração. Portanto, a data de acesso a ele esta posterior ao dia 23 de junho. "[...]Se os Montanistas responderem que as quatro filhas de Filipe profetizaram (Atos 21:9) em uma data posterior, e que um profeta é mencionado chamado Ágabo, e que na divisão do espírito, os profetas são mencionados, bem como os apóstolos, professores e outros, e que o próprio Paulo profetizou muitas coisas a respeito de heresias ainda futuras e do fim do mundo; dizemos-lhes que não rejeitamos tanto a profecia -pois isso é atestado pela paixão do Senhor- mas recusamos receber profetas cujas declarações não estão de acordo com as Escrituras antigas e novas".89 Veja que Jerônimo diz que não nega a profecia, mas nega toda profecia que não está de acordo com asEscrituras do Antigo e Novo Testamento, o que nos mostra que Jerônimo nos dá a entender que as Escrituras são a base pela qual devemos usar para julgar as profecias. Normalmente, se há uma profecia, tem doutrina no meio. Digo isso pois toda profecia pode ser base para uma heresia, como a teologia da prosperidade na qual ensina que Deus profetiza somente bênçãos por meio das 89 Jerônimo. Carta 41, 2. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/3001041.htm https://www.newadvent.org/fathers/3001041.htm 120 pessoas. Portanto, por uma consequência lógica, podemos dizer que Jerônimo nos diz que a Escritura é o que julga as doutrinas que poderão vir, mas em especial por ditas “profecias” que os ímpios fazem, assim tomando em vão o nome de Deus. “[...]Falo como cristão aos cristãos: acredite naquele que o provou. Suas doutrinas são venenosas, são desconhecidas das Sagradas Escrituras e, mais ainda, violentam-nas[...]”90 Para contextualizar, Jerônimo está falando que ele não apoia as doutrinas heréticas de Orígenes, pois elas são contra a Escritura. Podemos tirar proveito disso mostrando que Jerônimo tinha a Escritura como quem julga as doutrinas. Se a citação antes dessa não foi convincente ou clara, essa citação agora sim mostra de forma clara. Antes de continuarmos, sei que eu disse que usaria citações da New Advent, mas, devido essas obras não estarem na New Advent, deixarei apenas a citação sem um link como fiz nas demais. E foram exatamente essas citações que me convenceram a colocar Jerônimo neste nosso livro. "Mas também todas aquelas coisas que inventam e fabricam espontaneamente, como se fossem tradição apostólica, sem a autoridade e os testemunhos das Escrituras, são feridas pela espada de Deus[...]”.91 Aqui vemos uma coisa clara sobre as tradições e a Escritura. Jerônimo argumenta que se alguém inventa uma tradição e a introduz como apostólica, mas não possuem o testemunho das Escrituras a favor delas, elas são feridas pela espada de Deus. Jerônimo que era um grande apreciador da sua Sé romana, de fato, estaria decepcionado ao ver que ela se perverteu e criou tais tradições conflitantes que não possuem o testemunho da Escritura, mas parte de uma deturpação dela. Que tradições? Algumas delas que eu poderei falar -nas quais também abordei neste livro- 90 Jerônimo. Carta 84, 3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/3001084.htm 91 Jerônimo. Comentário sobre o livro de Ageu 1:42 https://www.newadvent.org/fathers/3001084.htm 121 é a assunção de Maria, transubstanciação, imaculada conceição, purgatório, papado e etc. "Esta narrativa é de enorme benefício para os Gálatas porque relata como Paulo, outrora um flagelo da igreja e um defensor apaixonado do Judaísmo, de repente veio a acreditar em Cristo em um momento em que o crucificado estava sendo pregado pela primeira vez e o novo ensinamento era contestado tanto por judeus quanto por gentios em muitos setores ao redor do mundo. Paulo havia sido doutrinado pelos fariseus desde jovem e havia superado todos os seus contemporâneos na tradição judaica, mas agora defende a mesma igreja que costumava perseguir com fúria, e prefere a graça e a novidade oferecidas por Cristo (mesmo que isso signifique ser odiado por todos) à velha Lei e ao louvor popular. Quando confrontados com alguém assim, os gálatas poderiam perguntar: O que devemos fazer nós, convertidos gentios ao cristianismo? Paulo estrategicamente insere a frase "Eu persegui a igreja de Deus além da medida" para inspirar admiração por sua experiência de conversão, enfatizando que ele não havia sido um perseguidor casual da igreja, mas que havia superado todos os outros em seus esforços. E, no meio de relatar outras coisas, ele astutamente sugere que havia observado não tanto a Lei de Deus, mas as tradições de seus antepassados, os fariseus, que ensinam as doutrinas e mandamentos dos homens e rejeitam a Lei de Deus em favor de estabelecer suas próprias tradições”.92 Por fim, esta citação, embora seja se referindo às tradições dos fariseus, ela também nos mostra que entre uma tradição ou a Lei de Deus (que é a Escritura), a Lei de Deus prevalece sobre a tradição. Por qual motivo? Pelo simples fato de que 92 Jerônimo. Comentário sobre Gálatas 1.13-14 122 temos consenso que as Escrituras são a Palavra de Deus escrita, e, se assim elas são, devemos depositar toda nossa confiança nela para que então caso apareça uma tradição estranha possamos respondê-la à luz da revelação divina. Agostinho de Hipona (354-430 d.C): "[...]Agora, quem é que se submete às Escrituras divinas, exceto aquele que as lê ou ouve piedosamente, submetendo-se a elas como autoridade suprema[...]".93 Partindo para o ilustre Agostinho, veja que ele diz que a Escritura é a autoridade suprema. Ora, se Agostinho pensa assim, ele poderia estar ao menos com uma prima scriptura na cabeça, mas não é isso que ele nos dirá na sua próxima fala: “[...]Crê também nas Sagradas Escrituras, antigas e novas, que chamamos de canônicas, e que são a fonte da fé pela qual vive o justo (Habacuque 2:4) e pela qual caminhamos sem duvidar enquanto estamos ausentes do Senhor (2 Coríntios 5:6)[...]”.94 Agora, em uma de suas maiores obras, Agostinho nos diz que as Escrituras são a fonte da fé pela qual o justo vive e que confiamos e caminhamos sem duvidar. Embora não pareça tão explícito, o bem-aventurado Agostinho diz que as Escrituras são a fonte da fé, e, portanto, pela razão simples, podemos chegar até a conclusão que ele está dizendo que as Escrituras possuem tudo o suficiente para crermos na nossa fé salvífica. 93 HIPONA, Agostinho. No Sermão da Montanha, Livro I, cap. 11,32. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/16011.htm>. 94 HIPONA, Agostinho. No Sermão da Montanha, Livro I, cap. 11,32. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/16011.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/16011.htm https://www.newadvent.org/fathers/16011.htm 123 "[...]Quem sabe que nasceu, ouça que é criança; deixe-o agarrar-se ansiosamente aos seios de sua mãe, e ele crescerá rapidamente. Agora a sua mãe é a Igreja; e os seus seios são os dois Testamentos das Escrituras Divinas. Portanto, que ele chupe o leite de todas as coisas que, como sinais de verdades espirituais, foram feitas a tempo para nossa salvação eterna, para que, sendo nutrido e fortalecido, ele possa alcançar o consumo de carne sólida, que é: 'No princípio era o Verbo, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus' (João 1:1). Nosso leite é Cristo em Sua humildade; nossa comida, o mesmo Cristo igual ao Pai. Com leite Ele te nutre, para que te alimente com pão: pois com o coração tocar espiritualmente em Cristo é saber que Ele é igual ao Pai".95 Agora em sua homilia sobre a primeira epístola de João, veja que ele diz que temos a igreja por mãe e que somos como crianças que recebem o leite materno dela, que são o Antigo e Novo Testamento, na qual que então foram feitos a tempo para nossa salvação que contém todas as coisas para nossa salvação eterna, como sinais de verdades espirituais. Portanto, veja, novamente Agostinho diz que as Escrituras são suficientes para nossa salvação. Para finalizarmos em Agostinho, veja, novamente, que Agostinho diz que a Escritura é suficiente para afirmar as verdades centrais de fé: "[...]Estas palavras que você ouviu estão espalhadas nas Escrituras Divinas: mas daí reunidas e reduzidas em uma, para que a memória das pessoas lentas não seja perturbada; para95 HIPONA, Agostinho. Homilia 3 sobre a Primeira Epístola de João, 1. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/170203.htm https://www.newadvent.org/fathers/170203.htm 124 que cada pessoa seja capaz de dizer, capaz de sustentar aquilo em que acredita[...]".96 Agora, em um sermão aos catecúmenos sobre o Credo, o bispo diz que toda a estrutura do Credo está nas Escrituras, mostrando assim que ela (a Escritura) é suficiente para as verdades de fé. E para provarmos que Agostinho está certo sobre, aqui está a prova viva: ● Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra (I Cor 8:6; Dt 32:6; Gn 1:1; Cl 1:16). ● E em Jesus Cristo seu Único Filho, nosso Senhor (Jo 3:16; Jo 1:18; I Cor 8:6). ● Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria (Mt 1:18; Lc 1:26-35; Is 7:14) ● Padeceu sob pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado (Jo 19:16; Mt 27:35; Lc 23:33; Jo 19:32-33; Mt 27:59-60). ● Desceu a mansão dos mortos (I Pe 3:18-20). ● Ressuscitou ao terceiro dia (Mt 12:39-40; At 1:3; Lc 24:5-8). ● Subiu aos céus e está sentado a direita de Deus Pai Todo-Poderoso (Mc 16:19; Lc 24:50-53; Rm 8:34). ● Donde há de vir e julgar os vivos e os mortos (Mt 25:31-33; At 17:31; Dn 12:2-3; Ap 20:11-15). ● Creio no Espírito santo (Jo 14:16-26; Ef 4:30; At 2:1-5). ● Na Santa igreja Católica (Rm 12:4-5; At 2:46-47; Ef 2:19-20). ● Na comunhão dos santos (Jo 17:21; Hb 12:1). ● Na remissão dos pecados (At 2:38; Ef 4:5; Ef 1:7). ● Na ressurreição da carne e na vida eterna (I Cor 6:14; Jo 5:28-29; Ap 20:6). 96 HIPONA, Agostinho. Um Sermão aos Catecúmenos Sobre o Credo, parágrafo 1. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1307.htm https://www.newadvent.org/fathers/1307.htm 125 Mostramos, portanto, que nem Agostinho e nem nós nos enganamos em afirmar que toda a Escritura é suficiente para os pontos centrais da fé, que é o que o Credo Niceno diz. Partiremos, portanto, para a última fala de Agostinho, na qual é uma das minhas favoritas dentre todas que ele já falou: "[...]Em suma, Abraão não enviou Lázaro, e também respondeu que eles têm aqui Moisés e os Profetas, a quem deveriam ouvir para que não chegassem a esses tormentos. Onde novamente ocorre perguntar, como foi que o que estava acontecendo aqui, o próprio pai Abraão não sabia, embora soubesse que Moisés e os Profetas estão aqui, isto é, seus livros, obedecendo a quais homens deveriam escapar dos tormentos do inferno: e sabia, em suma, que aquele homem rico viveu em delícias, mas o pobre Lázaro viveu em trabalhos e tristezas? Por isso também ele lhe diz: 'Filho, lembre-se de que você em sua vida recebeu coisas boas, mas Lázaro recebeu coisas más'. Ele sabia então essas coisas que aconteceram, é claro, entre os vivos, não entre os mortos. É verdade, mas pode ser que, não enquanto as coisas estavam acontecendo durante sua vida, mas após sua morte, ele aprendeu estas coisas, por informação de Lázaro: que não é falso o que o Profeta diz: 'Abraão não nos conheceu'". Veja que Agostinho diz que Abraão não conhecia o que ocorria no mundo dos vivos, mas recebeu tal informação de Lázaro. Também nos é dito que Abraão disse ao rico que os vivos (se referindo aos irmãos do rico) possuíam Moisés e os profetas, mas que isso se referia aos livros escritos por eles, e não suas pessoas. Após isso, ele também diz que deveria ser seguido estes livros para serem livrados do inferno. Portanto, por uma consequência lógica, Abraão diz que as Escrituras são o suficiente para a salvação eterna. 126 João Crisóstomo (347-407 d.C); “Grande é o lucro das Escrituras divinas, e todo suficiente é a ajuda que delas provém[...]”.97 Voltando aos pais orientais, citei João Crisóstomo que, em uma de suas homilias sobre o evangelho de João, ele diz que a Escritura é suficiente para nos ajudar. Que suficiência é essa? É a suficiência moral que combate os nossos pecados, conforme o contexto. No entanto, se possuímos uma boa moral, ou seja, seguimos os mandamentos divinos e rejeitamos o pecado, chegaremos até a vida eterna. Ou seja, de certa forma, Crisóstomo diz que a Escritura é suficiente no que diz respeito à vida cristã para santificação. "'Para doutrina'. Pois dali saberemos se devemos aprender ou ser ignorantes de alguma coisa. E dali podemos refutar o que é falso, dali podemos ser corrigidos e trazidos a uma mente correta, podemos ser confortados e consolados, e se alguma coisa estiver deficiente, podemos tê-la acrescentada a nós. 'Que o homem de Deus seja perfeito'. Pois esta é a exortação da Escritura dada, que o homem de Deus seja tornado perfeito por ela; sem isto, portanto, ele não pode ser perfeito. Você tem as Escrituras, ele diz, no lugar de mim. Se você quiser aprender alguma coisa, você pode aprender com elas. E se ele assim escreveu a Timóteo, que estava cheio do Espírito, quanto mais a nós!".98 Agora em sua homilia sobre II Timóteo, veja que Crisóstomo, comentando sobre II Timóteo 3:16, nos diz que é das Escrituras, ou seja, pelo seu julgamento, que 97 CRISÓSTOMO, João. Homília 37 sobre o Evangelho de João, João 5:6-7. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/240137.htm 98 CRISÓSTOMO, João. Homília 9 Sobre Segunda Timóteo. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/230709.htm https://www.newadvent.org/fathers/240137.htm https://www.newadvent.org/fathers/230709.htm 127 deveríamos saber se algo é ou não herético, e ele acrescenta que a Escritura consegue refutar as heresias. Ora, se ela consegue refutar as heresias, então, portanto, Crisóstomo, de maneira implícita, nos diz que a Escritura é suficiente materialmente. E ele ainda continua nos dizendo que não há como o homem de Deus ser perfeito sem as Escrituras. E ele acrescenta dizendo que devemos aprender com elas. Portanto, Crisóstomo nos dá não só uma suficiência das Escrituras, mas também que ela é a nossa juíza na doutrina. João Damasceno (675-749 d.C): "[...]E a Sagrada Escritura é testemunha disso e de todo o coro dos Santos".99 Para encerrarmos a lista dos pais da Igreja, citei João Damasceno, no qual diz que a Sagrada Escritura é testemunha de todas estas coisas. Mas do que especificamente? Em resumo, basicamente Damasceno nos cita todo o Credo e mais algumas coisas envolvendo a cristologia ortodoxa e diz que a Escritura nos mostra todas estas coisas. Portanto, veja que João nos diz de forma explícita que todo o ensino necessário para a salvação do homem está contido nas Escrituras. Conclusão: Portanto, podemos concluir que desde o princípio apostólico, do Oriente ao Ocidente, não em uma só época, mas ao longo de oito séculos a sola scriptura -ou ao menos seu conceito- foi ensinada pelos santos padres. Afirmo isso pois nós vimos que os pais acreditam a suficiência material e formal das Escrituras, não só em vida moral cristã, mas também em doutrina. Portanto, sejamos honestos e vamos admitir que esta doutrina é consenso nos pais. 99 DAMASCENO, João. Exposição da Fé Ortodoxa, Livro I, cap 2. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/33041.htm https://www.newadvent.org/fathers/33041.htm 128 Respondendo 10 objeções: Agora iremos responder 10 objeções sobre a sola scriptura feitas por um site apologético brasileiro, no qual propôs um artigo com 10 objeções sobre.100 Introdução: Com a introdução nem perderei meu tempo, pois ele afirma que a sola scriptura nega que a igreja foi estabelecida por Cristo como intérprete da Escritura e que não há nenhuma interpretação oficial da Escritura, senão a própria Escritura. Contudo,como falamos no início deste capítulo, a sola scriptura (ao menos que é adotada pelos luteranos e alguns reformados) ensina que a igreja e o consenso dela é o que interpreta de forma infalível as Escrituras. Se alguém que se diz sola scriptura, mas nega que as Escrituras são interpretadas pelo consenso da igreja e pelo consenso dos pais, seja, portanto, anátema. Objeção um: A primeira objeção é que os apóstolos apenas queriam pregar verbalmente o evangelho, e que, portanto, o ensino oral se torna superior ao que está escrito ou até mesmo se torna uma fonte distinta. Eles até mesmo dizem que Cristo nunca mandou os apóstolos escreverem ou apenas ler algo. No entanto, eles se enganam a partir do momento que Jesus mandou João escrever a visão do Apocalipse (Apocalipse 1:19), por exemplo. Em seguida, eles citam alguns textos para dizer que a tradição como norma de autoridade e até como palavra de Deus. Imagino eu que nem precisarei comentar, visto que eu usei a tradição como intérprete da Escritura para afirmar sua epistemologia para que, por consequência, provar a sola scriptura. Isso fora as interpretações da Escritura que temos hoje que são aceitas por grande parte dos protestantes. Como os anjos de Gênesis 18-19 ser a Trindade, uma interpretação que provém da tradição. 100 Link do artigo com as 10 objeções: https://www.veritatis.com.br/10-objecoes-obvias-contra-a-sola-scriptura/. https://www.veritatis.com.br/10-objecoes-obvias-contra-a-sola-scriptura/ 129 Por fim, ele cita dois textos (Colossenses 1:23; Romanos 10:17-18) para provar que existe o ensino oral. No entanto, eu tenho dois questionamentos a fazer: esse ensino oral é contrário ao que eles escreveram? Se sim, você está fora da ortodoxia cristã, pois chama os apóstolos de contraditórios. E a segunda pergunta é, eles ensinaram algo que não escreveram? Se sim, como teremos que lidar com o testemunho de Irineu e de Cipriano, os quais disseram que o que foi transmitido oralmente foi escrito posteriormente. Além disso, o próprio Paulo chama a ceia do Senhor de tradição (I Coríntios 11:23-25), mas sabemos que ela foi escrita posteriormente (Lucas 22:19-20; Mateus 26:26-30). Portanto, fica o questionamento. Objeção dois: Para resumir, o autor diz que se existe uma tradição oral na qual deve ser seguida, então o que está escrito não é suficiente. Além dessa afirmação ser um non sequitur, eu mostrei pelos pais que eles entendiam que a Escritura é suficiente para mostrar os ensinos principais da fé em Cristo, onde até mesmo João Damasceno diz que que união hipostática (a de Calcedônia, 451 d.C) existe na Escritura. Também, como eu disse ao longo deste capítulo, o protestantismo não nega a tradição em seu consenso, mas sim pensamentos isolados. Objeção três: A partir daqui o autor faz uma série de 9 objeções (o que torna ilógico o artigo dizer que eles fariam apenas 10 objeções). Responderei de forma rápida, mas simples. 3.1 : “Onde [na Bíblia] Jesus instrui os cristãos de que a fé deveria ser exclusivamente baseada em um livro?” Resposta: Se bem entendi, o questionamento é onde Jesus diz que toda a doutrina de fé deve ser baseada nas Escrituras. Simplesmente em Josué 1:7-8. Veja: 130 “Tem ânimo, pois, e sê corajoso para cuidadosamente observares toda a lei que Moisés, meu servo, te prescreveu. Não te afastes dela nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas feliz em todas as tuas empresas. Traze sempre na boca as palavras deste livro da lei; medita-o dia e noite, cuidando de fazer tudo o que nele está escrito; assim prosperarás em teus caminhos e serás bem-sucedido”. Veja que Deus manda Josué observar e seguir tudo o que Moisés escreveu para que então ele seja próspero. Acaso, então, para Deus afirmar isso, a Escritura total daquele tempo era insuficiente? Se sim, por qual razão Deus aprovou a suficiência do pentateuco? Se não, tu afirmas que a Escritura disponível para aquele povo era suficiente, embora não tenha sido terminada a revelação. E Cristo, no Novo Testamento, diz: “Não julgueis que vos hei de acusar diante do Pai; há quem vos acuse: Moisés, no qual colocais a vossa esperança. Pois, se crêsseis em Moisés, certamente creríeis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. Mas, se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas minhas palavras?” (João 5:45-47). Veja, portanto, que Jesus diz que devemos obrigatoriamente crer nas palavras de Moisés, pois ele deu testemunho de Cristo. Como os judeus julgavam quem era o Messias, senão pelas Escrituras? Vistes que Cristo apoiava usar as Escrituras para saber quem é o Messias, pois Ele queria que pelas Escrituras o povo acreditasse que Ele é o ungido de Deus. Ainda sobre os outros livros da bíblia hebraica, Ele diz: “Jesus lhes disse: ‘Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?’. E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras”. (Lucas 24:25-27). Veja, portanto, que Cristo disse aos discípulos de Emaús que era necessário que o Messias sofresse e entrasse em sua glória, e que isso foi proclamado por 131 Moisés, por todos os profetas e todas as Escrituras. Se Cristo disse para crer que Moisés escreveu a seu respeito, acaso ele não mandou também crer no que foi dito pelo resto das Escrituras? Veja, portanto, que Cristo mandou termos fé no que as Escrituras dizem, pois elas dizem sobre o centro da nossa fé: Jesus Cristo. 3.2: “Onde Jesus manda seus apóstolos escreverem evangelhos ou ensinarem [apenas] por cartas?” Resposta: Como eu mostrei na primeira objeção, os testemunhos dos pais mostram que o que está escrito é o que foi primeiramente pregado. Não há motivo de retornar essa questão. 3.3: “Onde, no Novo Testamento, os apóstolos falam para as gerações futuras que a fé cristã deverá se basear em um livro? Resposta: Os apóstolos sabiam que o que eles escreveram era palavra de Deus. E, se assim eles sabiam, creio eu que eles queriam que não se esquecessem destas cartas. Basta ler João 20:20-21; I Coríntios 7:10; II Pedro 3:15-16 e por aí vai. 3.4: “Se acreditamos que os apóstolos tinham a intenção de fazer com que a igreja cristã se baseasse em um livro, como seu guia espiritual, por que dos catorze apóstolos (incluindo aqui também Paulo e Matia) apenas dois nos deixaram evangelhos [escritos]? E por que sete deles não nos deixaram absolutamente nenhuma obra escrita?” Resposta: Primeiramente, sola scriptura não são somente os evangelhos. Isso é um erro do argumento. Paulo nos deixou quatorze cartas, Pedro deixou duas cartas, João deixou cinco escritos, Mateus um evangelho, Judas Tadeu uma carta e Tiago (o que escreveu) uma carta. Isso nos dá no total 24 escritos direto dos apóstolos. Há também 132 a questão que simplesmente os apóstolos, por inspiração divina, julgaram que eles escreveram o que é suficiente para a salvação (João 20:20-21). 3.5: “Como o apóstolo Tomé poderia ter estabelecido a igreja na índia, que sobrevive até hoje (estando atualmente em comunhão com a igreja católica) sem ter deixado para eles uma única palavra das escrituras do novo testamento?”. Resposta: Uma igreja se preservar não tem por consequência o fim da sola scriptura. Isso irá para a pergunta que fiz desde a primeira questão: o que os apóstolos escreveram é o mesmo que transmitiram oralmente? Conforme o testemunho dos pais, sim. Agora, eu questiono se o que Tomé ensinou aos indianos é o mesmo que os demais apóstolos ensinaram. Se sim, então a sola scriptura continua de pé. Se não,você chama o apóstolo Tomé de herege. 3.6: “Se Deus queria que o cristianismo fosse exclusivamente uma “religião do livro”, por que Ele aguardou 1.400 anos para suscitar alguém que inventasse a imprensa?” Resposta: Copista existe para isso. De que forma isso é contra a Sola Scriptura? A imprensa não existir não tira a sola scriptura de jogo. Esse é o questionamento mais boçal que eu já vi. 3.7: “Se a bíblia é tão clara como Martinho Lutero afirmou, por que ele foi o primeiro a interpretar assim e por que ele ficou frustado ao fim da sua vida, afirmando que ‘existem agora tantas doutrinas quantas são as cabeças’?”. Resposta: Em defesa do Dr. Lutero, digo que os pais já testemunharam o que Lutero ensinou. E também é engraçado que ao longo da história da Igreja antes da reforma 133 sempre houve heresias e doutrinas novas. Veja os ramos do gnosticismo, os maniqueistas, nestorianos, arianos, miafisistas e assim por diante. Saiba também que esta frase de Lutero é justamente condenando a interpretação privada. 3.8: “Como a igreja primitiva evangelizou e conquistou o Império Romano, sobrevivendo e prosperando por quase 350 anos, sem saber ao certo quais livros pertenciam ao cânon das escrituras?”. Resposta: Basta ver que dentre os 66 livros do cânon grande maioria era de consenso (o cânon do AT era consenso dentre os 39) dentre eles. Fora o fator que a sola scriptura pressupõe um cânon já formado. O que acontece é que os pais antes de um cânon já tinham noção que as Escrituras são suficientes para o depósito de fé e moral, e também já havia a compreensão de um cânon, como Irineu nos diz: "Não é possível que os Evangelhos sejam mais ou menos numerosos do que são. Pois, uma vez que há quatro zonas do mundo em que vivemos, e quatro ventos principais, enquanto a Igreja está espalhada por todo o mundo, e o pilar e fundamento (1 Timóteo 3:15) da Igreja é o Evangelho e o espírito da vida; é apropriado que ela tenha quatro pilares, respirando imortalidade por todos os lados, e vivificando os homens de novo[...]”.101 Veja que Irineu nos diz que há apenas quatro evangelhos e que esses mesmos evangelhos são os de Mateus, Marcos, Lucas e João (leia o capítulo todo da citação). Isso, portanto, já demonstra a noção de um cânone que a igreja primitiva estava montando já no segundo século -ou até mesmo antes. Perceba também que Irineu diz que os evangelhos são os 4 pilares da igreja. Mostrando assim uma suficiência e dependência dos escritos apostólicos para que ela seja viva. 101 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro III, 11,8. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0103311.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/0103311.htm 134 3.9: “Se o cristianismo é uma ‘religião do livro’, como foi que ele floresceu durante os primeiros 1.500 anos de história da igreja, quando a imensa maioria do povo era analfabeta?”. Resposta: Por meio de alfabetizados? É sério mesmo que existe esse questionamento? Objeção quatro: Aqui o autor mostra sua desonestidade e diz que Escritura não contém todo conteúdo de fé e cita João 20:30; 21:25. Pela terceira vez, cito João 20:20-21, onde João diz que ele escreveu o suficiente para que seus leitores acreditassem que Jesus é o Messias. Talvez ele não tenha estes dois versículos na bíblia dele. Após isso, ele diz que há ensinos de Jesus que se encontram na tradição oral que não foram escritos. Ele cita Atos 20:25, onde Cristo diz que é melhor dar do que receber. No entanto, isso entra num looping infinito, pois esse ensino então foi escrito por Lucas. Fora que este ensino de Jesus não é nada novo. Veja Salmos 37:21 e Provérbios 28:9. Ele também cita I Coríntios 11:24-25, onde é Paulo repetindo as palavras de Cristo na última ceia. Nem comentarei sobre, pois aquele que sabe o básico de bíblia sabe que estes textos são citados em Mateus, Marcos e Lucas. Ele também nos diz que há falta de livros nas Escrituras, livros quais se perderam. Ele então cita duas cartas de Paulo e uma profecia de Enoque. Sobre as cartas de Paulo, elas se perderam. Simples assim. Se elas não entraram no cânon é porque o Espírito Santo achou que as Escrituras que temos hoje era o suficiente para nossa fé. Sobre a citação de Enoque que Judas faz (Judas 1:14-15), ela é do apócrifo de I Enoque 2:1. Veja: “Olhem que Ele vem com uma multidão de seus Santos, para executar o julgamento sobre todos e aniquilará aos ímpios e castigará a toda carne por todas suas obras 135 ímpias, as quais eles hão perversamente cometido e de todas as palavras altivas e duras que os malvados pecadores falaram contra Ele”. Vale lembrar que citação não é sinônimo de inspiração. Objeção cinco: Ele diz que a melhor objeção contra a Sola Scriptura é perguntar onde na bíblia diz que só pode a bíblia (???). Como mostrado neste capítulo todo, a sola scriptura não nega a tradição em seu consenso. O que se nega é as doutrinas que as contrariam. E, como ainda apelarei aos pais, como uma tradição que não há de forma explícita ou implícita na Escritura pode ser julgada, senão pela própria Escritura? Se não existe nas Escrituras ou a contradiz, veremos os pais; e se o consenso dos pais for contra eles, a Escritura foi a primeira a testemunhar contra as tradições de homens. Objeção seis: Como eu disse, a sola scriptura já pressupõe um cânon. Todavia, como também mostrei, os pais e os santos de Deus recorriam às Escrituras já reveladas para ser fonte de doutrinas e julgar novas revelações. Objeção sete: Não cabe a mim julgar as denominações que surgiram. Todas elas surgiram de interpretação privada. Somente os luteranos, presbiterianos e alguns cristãos sérios aceitam o consenso dos pais. Objeção oito: Novamente, a sola scriptura aceita a autoridade da igreja e tem o consenso dela como infalível. Sobre a fala de Agostinho, eu não discordo dele. Por qual razão? Pois é a igreja que é a causa instrumental para que o homem conheça a verdade e o 136 relacionamento que Deus quer ter com o homem, pelo qual é descrito nas Escrituras. Portanto, se a igreja em seu consenso soube por direção divina quais livros são inspirados, ela apenas fez seu serviço instrumental para proteger a sua fonte base. Leia os pais e veja que eles sempre recorreram às Escrituras para defender a ortodoxia. Objeção nove: Não perderei meu tempo explicando cânon novamente. Basta ler o que eu disse anteriormente. Sobre inspiração dos livros do cânon, basta vermos a epistemologia da Escritura. Sua origem é divina? Sim. Isso é consenso entre cristãos. Se sua origem é divina, a história da humanidade e a igreja em seu consenso afirma quais livros são inspirados, então está decidido. Pois Deus usou a igreja para afirmar o cânon. Não é a Igreja por si que decide, mas ela é instrumento de Deus para que o Seu povo saiba o que Ele quer ter com os homens. Por fim, ele cita dois motivos para ser adepto da doutrina católica: 1ª) A inspiração é realmente provada e não apenas “sentida”. 2ª) O principal fato por trás da prova – o fato de que há uma Igreja mestre e infalível – permite que qualquer um naturalmente responda ao problema proposto pelo eunuco etíope (Atos 8,31): como saber qual interpretação é a correta? Se ele realmente tivesse estudado o protestantismo, então ele saberia que a igreja tem autoridade em seu consenso. 137 Objeção dez: Nem perderei meu tempo aqui. Onde que más traduções da bíblia é uma objeção contra a Sola Scriptura? Se você sabe que é uma má tradução, procure uma melhor. Conclusão do capítulo Portanto, vimos o que de fato é a sola scriptura e por qual razão ela é o único modelo lógico, que elanão é uma crença nova, mas esta presente nos pais; e também respondemos 10 objeções sobre a sola scriptura. Se ainda há dúvidas sobre a sola scriptura, pesquise sobre ela e a estude, e então, queira Deus, você verá que ela é uma doutrina apostólica que infelizmente foi perdida pela igreja de Roma, mas ressurgiu por meio da reforma. 138 CAPÍTULO 8 – CATÓLICOS NÃO SABEM O QUE É O VERDADEIRO SOLA FIDE Os católicos romanos, toda vez que ouvem falar do SOLA FIDE, acham que significa que apenas temos que crer e continuar pecando, que já estaremos salvos. Não é assim que essa doutrina funciona. A doutrina disserta que a salvação é resultado por meio da fé em Cristo, e não através de obras, rituais ou méritos humanos. Acredita-se que a fé em Cristo é suficiente para perdoar os pecados e garantir a vida eterna. Sendo justificado por Cristo, por meio da fé, ocorre novidade de vida, para que então possamos andar em santidade dia após dia. De maneira nenhuma eu posso comprar a minha salvação ou garantir ela pelo tanto de obras que eu faço. Nós fazemos boas obras porque já somos salvos e não para nos salvar. Essa é a essência dessa doutrina. Pois como o próprio apóstolo Paulo diz em Efésios 2.8-9 “Pois é pela graça que sois salvos, por meio da fé e isto não vem de vocês, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Novamente Paulo disserta sobre isso em Romanos 3.28 “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.”. O Sola Fide foi organizado na Reforma Protestante, mas seu conceito está vivo desde os primórdios da igreja. A seguir, irei apresentar o SOLA FIDE já nos pais da igreja. 8.1 SOLA FIDE NA PATRÍSTICA Clemente de Roma: “[...]E nós, também, sendo chamados por Sua vontade em Cristo Jesus, não somos justificados por nós mesmos, nem por nossa própria sabedoria, ou entendimento, ou piedade, ou obras que praticamos em santidade de coração; mas por aquela fé pela 139 qual, desde o princípio, Deus Todo-Poderoso justificou todos os homens; a quem seja a glória para todo o sempre. Amém”.102 Agora em Inácio, vemos que ele diz que devemos viver de acordo com Cristo, pois crendo em Sua morte, possamos escapar da morte. Veja que Inácio não coloca nenhum mérito humano para escapar da condenação, mas coloca unicamente a fé em Jesus e no seu sacrifício como a única maneira com que o homem possa escapar da morte. Policarpo de Esmirna: "Regozijei-me muito convosco em nosso Senhor Jesus Cristo, porque seguiste o exemplo do verdadeiro amor [como demonstrado por Deus], e acompanhastes, como vos convinha, aqueles que estavam acorrentados, os ornamentos adequados dos santos, e que são de fato as diademas dos verdadeiros eleitos de Deus e de nosso Senhor; e porque a forte raiz da vossa fé, falada nos tempos passados (Filipenses 1:5), perdura até agora, e produz frutos para nosso Senhor Jesus Cristo, que pelos nossos pecados sofreu até a morte, [mas] a quem Deus ressuscitou dos mortos, tendo desatado as cadeias do túmulo. Em quem, embora agora não O vejais, acreditais, e acreditando, regozijai-vos com alegria indizível e cheia de glória (1 Pedro 1:8), na qual muitos desejam entrar, sabendo que pela graça sois salvos, não por obras (Efésios 2:8-9), mas pela vontade de Deus através de Jesus Cristo".103 102 ROMANO, Clemente. Carta aos Coríntios, capítulo 32. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm>. 103 ESMIRNA, Policarpo. Carta aos Filipenses, capítulo 1. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/1010.htm https://www.newadvent.org/fathers/0136.htm 140 Para terminarmos com os pais apostólicos, vemos também Policarpo dizendo que os filipenses produzem frutos da fé (da qual se refere como as obras) e que eles são salvos não pelas obras, mas pela vontade de Deus por meio de Jesus Cristo. Mais uma vez vemos que os pais não aceitavam uma justificação dupla (fé e obras), mas uma justificação unicamente pela fé. Claro, devemos nos lembrar que isto se refere à primeira justificação, que é o que a sola fide ensina. Pois como vimos no capítulo anterior sobre sola scriptura, Policarpo acreditava que a esmola livra da morte, todavia, isso numa segunda justificação, como frutos da fé. Justino Mártir: "[...]Pois quando o próprio Abraão estava na incircuncisão, ele foi justificado e abençoado em razão da fé que ele depositou em Deus, como a Escritura diz. Além disso, as Escrituras e os próprios fatos nos obrigam a admitir que Ele recebeu a circuncisão como um sinal, e não por justiça. De modo que foi justamente registrado a respeito do povo, que a alma que não for circuncidada no oitavo dia será cortada de sua família[...]".104 Justino, em seu diálogo com Trifão, nos diz que a circuncisão que Abraão realizou não foi aplicado como justiça (justificação) para ele, mas sim a fé que ele teve em Deus. Portanto, vemos que Justino acreditava que a Escritura dizia que Abraão não teve uma justificação pelas obras, mas somente pela fé que ele teve em Deus, o qual aplicou como justiça a fé. Irineu de Lyon: "[...]Não atribuam, portanto, à lei a incredulidade de alguns [entre eles]. Pois a lei nunca os impediu de crer no Filho de Deus; não, mas até mesmo os exortou (Números 21:8) a fazerem isso, 104 MÁRTIR, Justino. Diálogo com Trifão, cap. 23. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/01282.htm https://www.newadvent.org/fathers/01282.htm 141 dizendo que os homens não podem ser salvos de nenhuma outra maneira da velha ferida da serpente, a não ser crendo naquele que, em semelhança de carne pecaminosa, é levantado da terra sobre a árvore do martírio, e atrai todas as coisas para si mesmo (João 12:32; João 3:14) e vivifica os mortos".105 Aqui não tem muito o que elaborar, pois as palavras de Irineu são simples, rápidas e diretas: todos são justificados e salvos unicamente, repito, unicamente pela fé em Jesus Cristo e em seu sacrifício. Perceba que Irineu até mesmo faz um paralelismo da serpente de bronze com Cristo. Tertuliano de Cartago: "[...]Mas em todos os casos são as coisas posteriores que têm uma força conclusiva, e as subsequentes que prevalecem sobre as antecedentes. Admita que, em dias passados, houve salvação por meio da fé nua, antes da paixão e ressurreição do Senhor. Mas agora que a fé foi ampliada e se tornou uma fé que crê em Sua natividade, paixão e ressurreição, houve uma amplificação adicionada ao sacramento, a saber, o ato de selamento do batismo; a vestimenta, em certo sentido, da fé que antes era nua e que não pode existir agora sem sua lei adequada[...]".106 Tertuliano também diz que na antiga aliança somente a fé salva os homens, mas na nova aliança não há uma mudança, mas agora esta fé deve receber os sacramentos (como o batismo, no qual ele está falando). 105 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro IV, cap. 2, 8. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0103402.htm>. 106 CARTAGO, Tertuliano. Sobre o Batismo, cap. 13. Disponível em: https://www,newadvent.org/fathers/0321.htm https://www.newadvent.org/fathers/0103402.htm https://www,newadvent.org/fathers/0321.htm 142 Metódio: "[...]Nenhum embaixador, nem anjo, mas o próprio Senhor os salvou; porque ele os amou, e os poupou, e os tomou e os exaltou. E tudo isso não foi por obras de justiça (Tito 3:5) que fizemos, nem porque te amávamos —pois nosso primeiro antepassado terrestre, que foi honrosamente entretido, na encantadora morada do Paraíso,desprezou Teu mandamento divino e salvador, e foi julgado indigno daquele lugar que dá vida, e misturando sua semente com os rebentos bastardos do pecado, ele a tornou muito fraca—[...]".107 Metódio é claro sobre o assunto. Deus nos salvou não por conta de nossos méritos, mas porque Ele nos amou primeiro. Agostinho de Hipona: "'Confissão e feitos gloriosos são Sua obra' (Salmo 110:3). O que é um feito mais glorioso do que justificar o ímpio? Mas talvez a obra do homem impeça aquela obra gloriosa de Deus, de modo que quando ele confessou seus pecados, ele merece ser justificado... Esta é a obra gloriosa do Senhor: pois ele ama mais a quem mais é perdoado (Lucas 7:42-48). Esta é a obra gloriosa do Senhor: porque 'onde o pecado abundou, superabundou a graça' (Romanos 5:20). Mas talvez o homem mereça a justificação pelas obras. 'Não', diz ele, 'pelas obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras' (Efésios 2:9-10). Porque o homem não pratica a justiça sem ser justificado; mas 'crê naquele que justifica o ímpio' (Romanos 4:5), começa pela fé; que o bem não 107 Metódio. Oração sobre Simeão e Ana. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0627.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/0627.htm 143 pode mostrar, precedendo, o que mereceu, mas seguindo o que recebeu".108 A fala de Agostinho também é clara. O homem não é justificado pelas obras, mas pela graça de Deus mediante a fé. O homem não pratica a justiça, mas antes é justificado para assim praticá-la. Portanto, Agostinho nos diz que até mesmo as obras boas só são feitas caso o homem esteja justificado, isso para o aperfeiçoamento da fé, e não como salvação. "[...]Isso ele nos ensina muito expressamente quando diz: 'Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus' (Efésios 2:8). Eles poderiam possivelmente dizer: 'Recebemos graça porque cremos'; como se eles atribuíssem a fé a si mesmos, e a graça a Deus. Portanto, o apóstolo tendo dito: 'Vocês são salvos pela fé', acrescentou: 'E isso não vem de vós, mas é dom de Deus'. E novamente, para que não dissessem que mereciam tão grande dom por suas obras, ele imediatamente acrescentou: 'Não vem das obras, para que ninguém se glorie' (Efésios 2:9). Não que ele negasse as boas obras, ou as esvaziasse de seu valor, quando ele diz que Deus retribui a cada um segundo suas obras (Romanos 2:6); mas porque as obras procedem da fé, e não a fé das obras. Portanto, é dele que temos as obras de justiça, de quem vem também a própria fé , a respeito da qual está escrito: 'O justo viverá pela fé' (Habacuque 2:4)".109 Agora comentando sobre a graça e o livre arbítrio, Agostinho diz que tanto a graça, a fé e as boas obras provêm de Deus, e não por alguma obra humana. Também 108 HIPONA, Agostinho. Exposição sobre o Salmo 111, 3. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1801111.htm 109 HIPONA, Agostinho. Sobre a graça e o livre arbítrio, capítulo 17. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1510.htm https://www.newadvent.org/fathers/1801111.htm https://www.newadvent.org/fathers/1510.htm 144 é dito que as obras procedem da fé, e não o contrário. Assim, Agostinho proclama novamente a doutrina da sola fide. João Crisóstomo: "[...]Veja, ele chama a fé também de uma lei que se deleita em manter os nomes, e assim amenizar a aparente novidade. Mas o que é a lei da fé? É ser salvo pela graça. Aqui ele mostra o poder de Deus, em que Ele não apenas salvou, mas até mesmo justificou, e os levou a se vangloriar, e isso também sem precisar de obras, mas buscando apenas a fé[...]".110 Aqui nem preciso comentar muito também. João Crisóstomo é explícito sobre: que os homens foram salvos por Deus mediante a fé somente, sem a necessidade de obras. Leão Magno: "[...]E ainda assim, certamente, a menos que seja dada livremente, não é um presente, mas um preço e compensação por méritos: pois o abençoado Apóstolo diz, 'pela graça vocês foram salvos por meio da fé, e isso não vem de vocês, mas é dom de Deus; não de obras para que ninguém por acaso seja exaltado. Pois somos feitura sua, criados em Cristo Jesus em boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas' (Efésios 2:8-10). Assim, toda concessão de boas obras é de preparação de Deus: porque um homem é justificado pela graça e não por sua própria excelência: pois a graça é para cada um a fonte da justiça, a fonte do bem e a fonte do mérito. Mas esses hereges dizem que isso é antecipado pela bondade 110 CRISÓSTOMO, João. Homilia VII sobre Romano, verso 27. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/210207.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/210207.htm 145 natural dos homens por esta razão: que a natureza que (na visão deles) é antes da graça notável por seus próprios bons desejos, não pareça manchada por nenhuma mancha do pecado original, e que o que a Verdade diz pode ser falsificado: 'Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido'".111 Leão Magno, ao falar sobre os pelagianos, diz que as obras procedem da graça mediante a fé, e não que a justificação vem pela própria excelência do homem, mas de Deus. Portanto, veja que o bispo de Roma que é considerado papa pelos católicos tem uma visão onde os próprios católicos de hoje chamariam de heresia. Que contraditório. João Damasceno: "[...]Cabe a nós, então, com todas as nossas forças, manter-nos firmemente puros de obras imundas, para que não nos tornemos, como o cão que retorna ao seu vômito (2 Pedro 2:22), novamente escravos do pecado. Pois a fé sem obras é morta, e assim também as obras sem fé (Tiago 2:26). Porque a verdadeira fé é atestada pelas obras[...]".112 Em João Damasceno temos justamente o modelo protestante sobre as boas obras. As obras mostram a fé que a pessoa tem. Se é uma fé genuína (salvadora), então ela dá bons frutos. Se é uma fé demoníaca, como Lutero chamará, então ela não terá bons frutos. Este modelo só funciona na sola fide. Bernardo de Claraval: Para finalizarmos, temos Bernardo de Claraval, no qual diz isso em seu comentário sobre Cântico dos Cânticos: 111 MAGNO, Leão. Carta I, III. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/3604001.htm>. 112 DAMASCENO, João. Exposição da Fé Ortodoxa, Livro IV, Cap. 9. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/33044.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/3604001.htm https://www.newadvent.org/fathers/33044.htm 146 "[...]Portanto, o homem que, pela dor do pecado, tem fome e sede de justiça, confie Naquele que transforma o pecador em homem justo, e, julgado justo apenas em termos de fé, terá paz com Deus[...]".113 Veja que um dos maiores escolásticos da idade média afirma que o homem só é julgado justo EM TERMOS DE FÉ APENAS, não por suas obras, mas pela fé que, como vimos nos pais, é um dom de Deus. 113 Kilian Walsh, O.C.S.O., Bernard of Clairvaux On the Song of Songs II (Kalamazoo: Cistercian Publications, Inc, 1983), Sermon 22.8, p. 20. 147 CAPÍTULO 9 – O SACERDOTE TEM PODER PARA PERDOAR PECADOS? A confissão auricular é vista como um meio de receber o perdão divino e a reconciliação com Deus e a comunidade cristã. Muitos católicos praticam a confissão regularmente, especialmente durante a Quaresma e outros momentos importantes do calendário litúrgico. Existem inúmeros problemas com a confissãoauricular, pois as escrituras são claras em dizer que devemos nos confessar, buscando perdão dos nossos pecados, somente para Deus. “Agora confessem ao Senhor, o Deus dos seus antepassados, e façam a vontade dele” (Esdras 10:11) “Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado" (Salmos 32:5) Agora João diz: Se confessarmos os nossos pecados diante de Deus, “ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo.1:1:9). Na esperança de validar a confissão auricular, os católicos costumam usar o texto de Tiago 5:16 que diz: “Portanto, confessem os seus pecados uns aos outrose orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tiago 5:16) 148 O texto diz claramente para “confessarmos uns aos outros” e não para um sacerdote em específico. Todavia, o ato de confessar no texto, refere-se a ajuda espiritual que cada um pode proporcionar para o seu próximo, visando ajuda-lo a vencer o pecado, não que o confessionário dá poder para os irmãos perdoar pecados cometidos contra Deus. “Se vocês perdoam a alguém, eu também perdôo; e aquilo que perdoei, se é que havia alguma coisa para perdoar, perdoei na presença de Cristo, por amor a vocês, a fim de que Satanás não tivesse vantagem sobre nós; pois não ignoramos as suas intenções” (2ª Coríntios 2:10-11) Ele não disse: “se o sacerdote perdoou, eu também perdôo”, mas sim: “se vocês perdoaram, eu também perdôo”. Há uma diferença enorme entre uma coisa em outra. Jesus nunca pediu indulgências a alguém quando perdoou pecados. O que ele sempre dizia era: “vá, e não peques mais” (Jo.8:11), e não: “vá, reze 25 Ave-Marias e o rosário, e então estará perdoada”! “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tiago 5:15) Aqui claramente quem cura e perdoa é Deus, e a única condição exposta para isso é a oração de fé. Jesus também disse: “E ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou; vai em paz, e sê curada deste teu mal"(Marcos 5:34) Ora, o que “salvou” a mulher não foi o pagamento de penitência após a confissão, mas sim a sua fé. 149 Pois como diz o autor de Hebreus “não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb.4:15). O único pecado que um irmão cristão tem o poder de perdoar, são os pecados cometidos contra a pessoa dele. Exemplo: suponhamos que um irmão ofendeu a dignidade de um outro irmão cristão, este pecou contra esse irmão ofendido. Acerca disso, a bíblia diz o seguinte: Mateus 5:23-24: Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta. A mesma coisa observamos na parábola do credor incompassivo, em Mateus 18: 23 Por isso, o Reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos; 24 e, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25 E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse. 26 Então, aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. 27 Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. 150 28 Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. 29 Então, o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava- lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. 30 Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. 31 Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram- se muito e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. 32 Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. 33 Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? 34 E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. 35 Assim vos fará também meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas. A conclusão que temos é que somente o pecado que cometemos contra o próximo, o próximo pode perdoar, e nisso, Deus também perdoa. Os pecados que cometemos contra Deus, só Deus pode perdoar, como por exemplo os pecados sexuais, a bruxaria, a idolatria e etc. 151 CAPÍTULO 10 – A SANGRENTA INQUISIÇÃO CATÓLICA Um dos mitos sobre a Inquisição mais propagados pela apologética católica é o do “tribunal de misericórdia” – uma Inquisição que não torturava ninguém, ou se torturava era uma coisa tão leve que chegava quase a ser agradável. O primeiro papa a aprovar a tortura na Inquisição foi Inocêncio IV (1243-1254), que em sua bula Ad extirpanda (1252) autorizava a tortura “até o limite da diminuição de membro e perigo de morte”114. A tortura era tão usual no Santo Ofício que o Manual dos Inquisidores, escrito pelo inquisidor medieval Nicolau Eymerich e comentado pelo doutor em direito canônico Francisco Peña, dedica longos capítulos a este respeito. Peña diz que “é legítimo torturar esses suspeitos para fazê-los confessar e, depois, abjurar”115. Eymerich já alertava que «toda precaução é pouca» em se tratando de heresiarcas, porque “sua conversão é apenas um artifício para fugir da tortura. Se voltam ao seio da Igreja, ser-lher-ão aplicados os castigos mais duros e mais longos”116. Ao acusado restavam duas opções: podia se confessar e aceitar a pena que lhe fosse imposta, ou seria “levado à tortura e, deste modo, arrancar-lhe-ão a confissão”117. De um jeito ou de outro, ninguém escapava de sofrer nas mãos do Santo Ofício (mesmo os que eram absolvidos). Peña afirma que “seria bom despir completamente a pessoa que é levada para a tortura”118, como se não bastasse a tortura por si só. Ele não só aprovava a tortura da vítima desnuda, como louvava abertamente esse hábito: “Louvo o hábito de torturar os acusados, principalmente nos dias atuais, em que os infiéis se mostram mais cínicos que nunca”119. Michael Baigent e Richard Leigh comentam que “como nenhum inquisidor gostava de ser visto como tendo cometido um erro, usava-se todo subterfúgio possível para extrair ou extorquir uma confissão”120. 114 INOCÊNCIO IV. Ad extirpanda, 26. 115 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 72. 116 ibid, p. 47. 117 ibid, p. 125. 118 ibid, p. 156. 119 ibid, p. 211. 120 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 51. 152 Três tipos de tortura eram as mais regularmente aplicadas pela Inquisição: a da garrucha, a do cavalete e a do fogo121. A garrucha funcionava da seguinte maneira: Para o suplício da garrucha, ou roldana, pendurava-se no teto justamente uma roldana, passando por ela uma corda grossa de cânhamo ou esparto. Tomavam do réu e deixando-o em trajes menores, punham-lhe grilhões, atavam-lhe nos tornozelos cem libras (cinquenta quilos) de ferro e, amarrando-lhe os braços às costas com cordel, prendiam-no à corda pelos pulsos. Mantendo-o nessa posição, punham-no ereto,enquanto os juízes o admoestavam secamente para que dissesse a verdade. De acordo com a gravidade do delito, davam-lhe até doze arrancões, deixando-o cair de chofre, mas de tal modo que nem os pés nem os pesos tocassem o solo, para que o corpo recebesse maior sacudida.122 Já a tortura do cavalete assim funcionava: Na tortura do cavalete, também chamado de água e cordéis, ficando o réu despido da forma já mencionada, estendiam-no de rosto para cima sobre um cavalete ou banco de madeira, onde lhe prendiam os pés, as mãos e a cabeça, a fim de que se não pudesse mover. Em seguida, forçavam-no a beber alguns litros de água, deitando-a aos poucos por uma cinta que lhe introduziam na boca a fim de que, atingindo a água a garganta, lhe provocasse ânsias e desespero de um afogado.123 121 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 46. 122 ibid. 123 ibid. 153 Com o passar do tempo, os métodos de tortura evoluíram e com ele o cavalete ganhou contornos de ainda mais dramaticidade: Com o tempo, os métodos de tortura evoluíram. No começo do século XVII, o cavalete recebeu um complemento refinado, conhecido como cepo, no qual as pernas do prisioneiro pendiam por um buraco na tábua à qual estava amarrado; outra barra de madeira com as bordas afiladas era colocada sob o buraco, e as pernas eram esticadas através dessa abertura reduzida por meio de uma corda amarrada nos tornozelos e nos dedos. Cada vez que a corda dava uma volta nos tornozelos, o pris ioneiro descia mais pela abertura. Cinco voltas eram consideradas uma tortura severa, mas na América Latina davam-se sete ou oito voltas, e alguns mouros foram submetidos a dez ou mais.124 Finalmente, na tortura do fogo, tida como a mais cruel de todas, o réu era colocado de pés nus no tronco, e “untando-lhe as plantas com banha de porco, aproximavam delas um braseiro ardente. Quando se queixava demasiadamente de dor, interpunham entre os pés e o braseiro uma tábua, ordenando-lhe que confessasse”125. As torturas não se limitavam a essas, no entanto. O próprio Peña fala de «cinco tipos de torturas» (pau, cordas, cavalete, polé e brasas126), mas acrescenta que o inquisidor podia acrescentar outras à sua vontade, dado que “a lei não diz que tipo de tortura deve-se aplicar”127. Uma das torturas que ele diz ser praticada «com muita frequência» é a das cordas, que ele afirma ser aplicada “em toda parte, não sendo preciso abandoná- 124 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 125 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 46-47. 126 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 210. 127 ibid. 154 la”128. O Regimento do Santo Ofício do Rio de Janeiro aponta que a tortura era aplicada até mesmo em meninas de 13 anos e em senhoras com mais de 60 – todas elas nuas, enquanto eram submetidas ao potro129. O potro se tratava de uma mesa de madeira em que o réu era “preso pelos pulsos e calcanhares, apertados cada vez com mais força de acordo com a sua insistência em não confessar as culpas, impedindo a circulação sanguínea e, em casos extremos, cortando-lhe a pele e as carnes, chegando mesmo ao esmagamento dos ossos”130. Vale ressaltar que o fato de alguém ser torturado em um determinado instrumento de tortura não significava que estivesse livre de ser torturado em outro. Muitos passavam por várias torturas diferentes, como Eymerich expressamente afirma no Manual: “Quando o réu, submetido a todo tipo de tortura, continua sem confessar, param de brutalizá-lo e o soltam”131. Em outro momento, ele afirma: Se não conseguir nada através desses meios, e se as promessas se revelarem ineficazes, executa-se a sentença e tortura-se o réu da forma tradicional, sem buscar novos artifícios nem inventar os mais rebuscados: mais fracos ou mais violentos; de acordo com a gravidade do crime. Durante a tortura, primeiramente, interroga-se o réu sobre os pontos menos graves, depois, sobre os mais graves, porque vai confessar mais facilmente as faltas pequenas do que as graves. O escrivão, enquanto isso, tomará nota das torturas, das perguntas e respostas. Se, depois de ter sido convenientemente torturado, não confessar, vão lhe mostrar os instrumentos de um outro tipo de tortura, dizendo-lhe que vai passar por todos eles, se não 128 ibid. 129 GORENSTEIN, Lina; CALAÇA, Carlos Eduardo. “Na Cidade e Nos Estaus: Cristãos-novos do Rio de Janeiro (Séculos XVII-XVIII)”. In: Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e anti-semitismo (ed. GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci), 2ª ed. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005, p. 124. 130 ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Intolerância em nome da Fé. São Paulo: 2006, p. 21-22. 131 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 155. 155 confessar. Se mesmo assim não conseguir nada, continua-se com a tortura no dia seguinte, e no outro, se for preciso.132 Como fica claro, a tortura podia durar vários dias. Só no final de quinze dias de tortura é que o réu que resistiu bravamente sem confessar podia ser considerado «suficientemente torturado» e era liberado133. A vítima era torturada por um instrumento diferente por dia em duas séries completas de tortura por duas semanas134. Como se não bastasse, em alguns casos a tortura podia durar mais tempo, especialmente quando um réu confessava o “crime” para não ser mais torturado, mas depois voltava atrás e dizia que confessou apenas por não aguentar a tortura. Nestes casos, os inquisidores resolviam o problema torturando o cidadão novamente, até que ele confirmasse “livremente”. Assim escreve Eymerich: A pessoa que confessa sob tortura tem as suas palavras registradas pelo escrivão. Depois da sessão, será conduzido para um local onde não exista nenhum sinal de tortura. Lerão a confissão feita sob tortura e continuarão o interrogatório até obterem de sua boca toda a verdade. Se o réu não confirmar a confissão ou se negar ter confessado sob tortura, e se ainda não passou por todas as sessões previstas, continua-se a torturá-lo.135 Como Baigent e Leigh comentam, “podia-se dizer que uma vítima só fora torturada na verdade uma vez, mesmo que essa ‘única’ tortura incluísse muitas sessões e suspensões que se estendiam por um considerável período de tempo”136. 132 ibid. 133 ibid, p. 158. 134 NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 80. 135 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 155. 136 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 89. 156 Isso responde a uma clássica artimanha da apologética católica, que consiste em dizer que “a Inquisição só torturava uma vez”, sem explicar que essa “única vez” podia durar 15 dias e ser repetida caso a confissão não fosse reiterada após a tortura, recomeçando o processo todo outra vez. Como escreve Jean Duché, certo que o tribunal, em sua sabedoria, sabia que as confissões assim tiradas não tinham valor; e esta dificuldade se remediava fazendo com que o acusado as confirmasse três horas depois, bem entendido que, se se retratasse, poderia voltar a recomeçar a coisa. Esses entravam em um ciclo perpétuo.137 Peña tambémé bastante claro quando escreve sobre esse caso específico: “O réu confessa sob tortura. Depois, levado a confirmar a confissão, desdiz tudo. Em tais situações, recomeça-se toda a série de torturas, porque a confissão obtida durante a série anterior constitui, justamente, o novo indício que se precisa”138. Assim, a vítima era quem mais se prejudicava se confessasse apenas por não suportar mais a tortura, se não estivesse disposta a manter a confissão e aguentar as consequências ainda mais graves. E se você pensa que o suplício acabava quando a vítima confessava sob tortura apenas para evitar o prolongamento da tortura, está muito enganado. Uma vez confessado o “crime” de heresia, ela era obrigada a delatar todos os outros envolvidos na heresia, já que ninguém é herege sozinho, e caso se recusasse a apresentar nomes (ou não tivesse nenhum para apresentar), a tortura recomeçava até que os nomes fossem dados: A tortura era então infligida com frequência aos que já haviam confessado a própria culpa, mas eram suspeitos de omitir os nomes de seus cúmplices. Uma vez obtido um nome, isso 137 DUCHÉ, Jean. Historia de la Humanidad II – El Fuego de Dios. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 527. 138 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 158. 157 tornava-se prova de que outros mais haviam sido omitidos e, nesse caso, a tortura prosseguia ininterruptamente.139 Isso não só prolongava a tortura de uma pobre alma que confessou apenas para evitar a tortura, como incluía muitos outros inocentes no jogo por terem sido delatados por alguém que confessou sob tortura e só ratificou mais tarde para não voltar a ser torturado. Assim, além de ser torturado, o indivíduo era frequentemente obrigado a delatar toda a família para que passasse pelo mesmo suplício. Diante disso, Toby Green escreve: Confrontadas com a dor física inimaginável que os inquisidores podiam infligir, muitas pessoas inventavam provas. Diante da extraordinária coincidência de que aqueles submetidos à tortura subitamente começassem a confessar e a denunciar outras pessoas, os inquisidores não chegaram à conclusão de que frequentemente o terror levava suas vítimas a mentir e apresentar provas falsas e enganosas. Pelo contrário, eram vistas como pessoas que até aquele momento haviam ocultado a verdade – um conceito um tanto abrangente, que tinha uma estranha relação com as predileções do interrogador.140 Desesperados em se livrar de uma vez dos suplícios, Gorenstein diz que eles “denunciavam todos que conheciam, começando pela própria família, marido, filhos, pais, depois tios e primos, a seguir os vizinhos e conhecidos; eram confissões repetitivas e metódicas; às vezes, denunciavam tantas pessoas, que o inquisidor interrompia o depoimento para continuar alguns dias mais tarde”141. Um dos exemplos que ela cita é o de Catarina da Silva Pereira, a quem os inquisidores não deram 139 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 140 ibid. 141 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 143. 158 sossego enquanto não denunciasse cada membro de sua família, que depois passaria pelos mesmos tormentos: Após ter passado por um exame médico, foi despida e lançada ao potro, onde os inquisidores “julgaram o tormento conforme o merecimento de sua causa e sendo atada e sendo-lhe dado meia volta, gritando a ré por Jesus que lhe acuda e por Nossa Senhora do Rosário e do Amparo, pedia audiência para confessar suas culpas”. Denunciou então o pai e os irmãos. Continuou a sessão de tortura e a ré denunciou um tio e primos, inclusive algumas primas cristãs-velhas e um tio padre; o tormento continuou, denunciou sua mãe, Catarina de Azeredo, que já estava morta, e “por não satisfazerem se continuou o tormento e se executou um trato e aperto que estava julgada em cuja execução se gastou três quartos de hora em que... tem gritado e mandaram os ditos senhores desatar e levar a seu cárcere”. Após ficar presa durante três anos, Catarina da Silva Pereira foi reconciliada no auto da fé de 10 de outubro de 1723, condenada a cárcere e hábito penitencial perpétuo.142 Em outros casos, mesmo a denúncia por si só não era suficiente, se os inquisidores não conseguissem arrancar da pessoa da pessoa tudo o que eles queriam ouvir. Foi isso o que aconteceu com Guimar de Paredes, presa em outubro de 1712, que não disse «bastantemente» nem de seu pai nem de sua mãe, e por isso continuou a ser torturada até que dissesse tudo o que precisava: Em 19 de maio de 1713 começou a sessão de tormento, Guimar de Paredes denunciou João Correa Ximenes, seu sobrinho Rodrigo Mendes, Pedro Mendes Henriques, sua sobrinha Ana Gertrudes de Bragança; no dia 25 de maio continuou o tormento, 142 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 147. 159 quando denunciou mais de dez pessoas, mas não aquelas que os inquisidores consideravam necessárias delatar. Em 26 de maio, nova sessão de tortura de Guimar continuou a confissão, agora sim, satisfazendo a prova de justiça, denunciando seus pais e tios. Em julho do mesmo ano saiu no auto da fé, condenada a cárcere e hábito penitencial perpétuo.143 Alguém poderia perguntar por que ela não denunciou logo os seus pais “suficientemente”, já que era isso o que precisava para ela parar de ser torturada. O motivo é que os inquisidores não revelavam quem “precisava” ser delatado, justamente para que a vítima denunciasse o máximo de gente possível, atirando para todos os lados até que acertasse o alvo. Enquanto isso, a pobre criatura continuava sendo torturada, num processo que podia se estender por longos dias até que conseguissem extrair dela tudo o que queriam. Baigent diz que “há copiosos registros de indivíduos torturados duas vezes por dia durante uma semana ou mais”144, e que, “na prática, o acusado era torturado até se dispor a confessar o que, mais cedo ou mais tarde, quase inevitavelmente fazia” 145. É curioso observar que uma das mentiras mais frequentemente contadas pelos apologistas católicos para suavizar as torturas da Inquisição é que “a Inquisição torturava pouca gente”, algo que lemos por exemplo na defesa de João Bernardino Gonzaga, que diz que “insignificante foi o número de réus efetivamente torturados pelo Santo Oficio espanhol”146. Até Leonardo Boff reconhece que “praticamente todos os suspeitos e acusados passavam por vários tipos de tortura”147. O próprio Eymerich diz com todas as letras que até mesmo o suspeito que tivesse uma única testemunha contra ele era torturado: “O suspeito que só tem uma testemunha contra ele é torturado. Realmente, um boato e um depoimento constituem, juntos, uma semiprova, o que não causará espanto a 143 ibid, p. 149. 144 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 51. 145 ibid, p. 52. 146 GONZAGA, João Bernardino Garcia. A inquisição em seu mundo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 204. 147 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 18. 160 quem sabe que um único depoimento já vale como um indício”148. Séculos depois, Peña comentava esse trecho nas seguintes palavras: Os inquisidores observam, à luz da obra de Eymerich e do exemplo citado, que um único depoimentobasta para aplicar a tortura, como demonstra claramente o meu comentário a respeito do sétimo princípio.149 Ele acrescenta que “um só testemunho basta para justificar a tortura, sem precisar de indícios fortes ou graves. O conteúdo dos depoimentos basta”150. E faz questão de acentuar que esse réu que tem contra si uma única testemunha deve ser bastante torturado: “O acusado que só tiver uma testemunha contra si – íntegra, maior de idade e digna de fé – não será condenado, mas torturado. Se não confessar nada, depois de ser bastante torturado, será, então, absolvido”151. Até mesmo “não denunciar um herege, inclinar-se à passagem de um herege, guardar as cinzas de um herege que foi queimado, tudo isso são graves indícios que justificam a tortura”152. Numa linguagem tão clara quanto possível, Peña assinala que “na maioria das vezes, não se levam esses casos até o fim sem recorrer à tortura” 153. Se na teoria já era assim, na prática era muito pior, pois o próprio Peña denuncia que os inquisidores recorriam facilmente à tortura antes de recorrer a qualquer outro método investigativo: Se é possível provar o fato de outra maneira, sem torturar, não se tortura, pois justamente a tortura serve apenas como paliativo, na falta de provas. Deste modo, pode-se qualificar de sanguinários todos esses juízes inquisidores de hoje, que 148 ibid, p. 208. 149 ibid, p. 212. 150 ibid, p. 213. 151 ibid, p. 221. 152 ibid, p. 213. 153 ibid, p. 210. 161 recorrem tão facilmente à tortura, sem tentar, através de outros meios, completar a investigação.154 Só em pleno ano de 1774, no último regimento da Inquisição portuguesa, é que a tortura em si é criticada – isso já na fase final da Inquisição, após torturar centenas de milhares de pessoas por séculos (para não dizer milhões)155. Só nos Estados Papais, entre os anos de 1823 e 1846, cerca de 200 mil pessoas “foram mandadas para as galés, banidas para o exílio, sentenciadas à prisão perpétua ou à morte. A tortura, pelos Inquisidores do Santo Ofício, era rotineiramente praticada”156. Escamilla-Colin calculou que três em cada quatro judaizantes passavam pela tortura na Inquisição espanhola do século XVII157, e Green observa que “quase 85% dos mouros investigados pela Inquisição em Valência foram torturados entre 1580 e 1610, e o mesmo aconteceu em Saragoça com 79% deles”158. Desse monte de gente torturada, se encontrava até deficientes mentais, que eram torturados para “provar” que eram deficientes mesmo. Assim escreve Peña: A questão de se fingir de louco merece uma atenção especial. E se se tratasse, por acaso, de um louco de verdade? Para ficar com a consciência tranquila, tortura-se o louco, tanto o verdadeiro como o falso. Se não for louco, dificilmente poderá continuar a sua comédia sentindo dor. Se houver dúvidas, e se não se puder saber se se trata mesmo de um louco, de toda maneira, deve-se torturar, pois não há por que temer que o acusado morra durante a tortura.159 154 ibid. 155 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 48. 156 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 211. 157 ESCAMILLA-COLIN, M. Crimes et Châtiments dans l’Espagne Inquisitoriale. Paris: Berg International, 1992. v. 1, p. 599. 158 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 159 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 122. 162 Não há por que temer que o acusado morra durante a tortura» mostra o quão pouco caso eles faziam das mortes na tortura, porque para eles a vida humana (e ainda mais a vida de um “herege”) não tinha valor algum. É por isso que a «consciência tranquila» não é a de não ter matado um inocente, mas justamente o contrário: o risco de ter deixado um “herege” escapar sem ter sido torturado (mesmo que até a morte). Em Évora, a Inquisição chegou a torturar um menino de 12 anos violentado pelo cunhado pelo crime de sodomia160 (quer dizer, não bastava ter sido abusado, ainda era torturado pela Inquisição pra provar que não tinha feito por querer!). E ele não foi a única criança a ser torturada pela Inquisição. Um dos trechos mais repugnantes do Manual dos Inquisidores é aquele em que Peña autoriza a tortura de crianças e idosos: Uma questão que merece particular atenção é quanto à existência ou não de categorias de pessoas não torturáveis, em decorrência de algum privilégio. Efetivamente, funciona, do ponto de vista jurídico, e com uma certa frequência, a ideia de que certas pessoas não podem ser torturadas – soldados, cavaleiros, pessoas importantes – devendo se limitar a aterrorizá-los – mostrando-lhes os instrumentos de tortura e ameaçando-os de utilizá-los. Mas este é um direito que não se conta nas questões de heresia: nenhuma das pessoas isentas de tortura a propósito de qualquer delito não o será, tratando-se de heresia. É o caso de se perguntar, em contrapartida, se se podem torturar as crianças e os velhos por causa da sua fragilidade. Pode-se torturá-los, mas com uma certa moderação; devem apanhar com pauladas ou, então, com chicotadas. E o que fazer se o réu em questão é uma mulher grávida? Esta não é torturada nem aterrorizada, para evitar que dê à luz ou aborte. Deve-se tentar arrancar-lhe a 160 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 163 confissão através de outros meios, antes de dar à luz. Depois do parto, não haverá mais nenhum obstáculo á tortura.161 Note que Peña não só diz que crianças e velhos podiam apanhar com pauladas e chicotadas, mas também que a Inquisição torturava classes de pessoas que não eram “torturáveis” pelo Estado, o que ele volta a afirmar mais adiante: Se, por outros crimes e diante dos tribunais, a regra é nunca torturar certas categorias de pessoas (por exemplo, letrados, soldados, autoridades e seus filhos, crianças e velhos), para o terrível crime de heresia não existe privilégio de exceção, não existe exceção: todos podem ser torturados. O motivo? O interesse da fé: é preciso banir a heresia dos povos, é preciso desenraizá-la, impedir que cresça.162 Isso quebra ao meio uma das alegações mais rotineiras da apologética católica, a de que a tortura da Inquisição era mais “clemente” que a do poder civil. Como Green argumenta, “o fato é que a tortura inquisitorial – como demonstram as provas de Valência – perdurou por muito tempo após 1500, e foi realmente mais severa do que nas cortes civis”163. Ele cita como exemplo o fato de que muitos na época testemunhavam que a tortura da Inquisição era pior que a tortura das cortes seculares, uma vez que a heresia era considerada o pior de todos os crimes: Ainda assim, muitos observadores da época achavam que o uso da tortura pela Inquisição era pior do que nas cortes seculares, como demonstram o caso de Lucero e os protestos populares em Córdoba. O cronista Hernando de Pulgar, secretário dos Reis Católicos, observou que a tortura praticada pela Inquisição era 161 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 156-157. 162 ibid, p. 211. 163 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 164 considerada particularmente cruel. Conselheiro da Inquisição, o teólogo e bispo de Zamora Diego de Simancas (morto em 1564) argumentou que os inquisidores deviam praticarmais a tortura do que os demais juízes, pois o crime da heresia era secreto e difícil de provar.164 Baigent comenta que “pela lei civil, os médicos, soldados, cavaleiros e nobres não estavam sujeitos a tortura e gozavam de imunidade. A Inquisição decidiu democratizar a dor e pô-la facilmente à disposição de todos, independente de idade, sexo e posição social”165. O próprio Peña observava que “há países em que a prática da tortura é totalmente proibida. É o caso do reino supercatólico de Catalunha-Aragão, de onde eu sou – mas, às vezes, neste reino, autorizam torturar os acusados no Tribunal da Inquisição”166. Até mesmo Gonzaga, um apologista da Inquisição, lembra que as leis da Inglaterra proibiam a tortura167, embora a Inquisição a empregasse. E isso até em crianças, como havia destacado Peña e como confirma Lina Gorenstein, que diz que meninas de 13 anos foram torturadas pela Inquisição do Rio de Janeiro168 e submetidas ao potro169, assim como uma mulher de noventa170. Palma afirma que “a Inquisição tornou seus os vícios dos demais tribunais, levando-lhes quase sempre vantagem, nas leis das torturas destacou sobremaneira seu rigor”171, e também que as leis humanas seculares “pouparam sempre as mulheres da tortura, levando em conta sua delicadeza física e em respeito ao pudor. 164 ibid. 165 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 51. 166 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 212. 167 GONZAGA, João Bernardino Garcia. A inquisição em seu mundo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 26. 168 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 123. 169 GORENSTEIN, Lina; CALAÇA, Carlos Eduardo. “Na Cidade e Nos Estaus: Cristãos-novos do Rio de Janeiro (Séculos XVII-XVIII)”. In: Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e anti-semitismo (ed. GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci), 2ª ed. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005, p. 124. 170 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 123. 171 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 47. 165 O Santo Ofício, porém, tripudiava sobre estas ponderações. Se as mulheres presas desrespeitassem o silêncio absoluto que devia reinar nos cárceres da Inquisição, eram despidas e açoitadas”172. Como já é de se esperar, muita gente morria durante as torturas, embora essas mortes fossem tratadas como “acidentes de trabalho”, já que a intenção era que morressem queimadas em praça pública diante de todo mundo, a fim de que servissem de exemplo aos demais (e não em um calabouço qualquer). O mesmo autor, que teve acesso a todos os arquivos da Inquisição de Lima, no Peru, diz que “frequentemente morriam réus na prisão, em decorrência da tortura, melancolia e maus-tratos – quando não se suicidavam. Induzia-os a esse ato de desespero a circunstância de a Inquisição adiar por longo tempo a execução da sentença”173. O próprio Peña admitia que “muitos réus ficam, depois das primeiras sessões de tortura, num tal estado de fragilidade e enfermidade, que devemos nos perguntar, sinceramente, se seriam capazes de suportar o restante”174. Eymerich chega até a apelar para a bruxaria para justificar os que morriam na tortura sem confessar a “heresia”: “Outras pessoas saem enfraquecidas das torturas anteriores e ficam incapazes de suportar outras. Existem os enfeitiçados que, sob o efeito de bruxarias utilizadas durante a tortura, ficam quase insensíveis: preferem morrer a confessar”175. Há registros tão cruéis quanto o de Margarida, cortada em pedaços diante dos olhos de seu marido, o qual foi também cortado em pedaços. “Os ossos e os membros dos torturados foram atirados à fogueira, juntamente com alguns de seus seguidores”176. O Regimento do Santo Ofício de 1640 chegava a dizer que “se no tormento ela [a vítima] morrer, quebrar algum membro ou perder algum sentido, a culpa será sua, pois voluntariamente se expõe àquele perigo, que pode evitar confessando suas culpas”177. Ou seja, a culpa por ter morrido torturada não recaía 172 ibid. 173 ibid, p. 48. 174 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 157. 175 ibid, p. 154. 176 ibid, p. 45. 177 NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 80. 166 nos torturadores, mas na vítima, que se recusou a “confessar sua culpa” e por isso foi torturada até a morte! Foi exatamente isso o que aconteceu com Manuel Álvarez Prieto, como nos conta Toby Green: Em um dia de verão, examinei o julgamento de Manuel Álvarez Prieto, convertido acusado de judaizar que foi encarcerado em Cartagena em 1636. Álvarez Prieto a princípio confessou o crime, mas depois voltou atrás, alegando que estava fora de si quando fez a confissão. Ele foi levado para o cavalete, onde passou três horas e aguentou sete voltas da corda sem confessar. Nesse ponto, os torturadores suspenderam seu sofrimento e constataram que ele estava em péssimas condições de saúde: seus braços estavam quebrados e tão torcidos que o cirurgião disse que corria perigo de vida. Álvarez Prieto morreu dois dias depois. Os inquisidores declararam que a culpa fora dele.178 Como se isso não bastasse, os inquisidores “ordenaram que seus ossos fossem queimados, seus bens, confiscados, e os nomes de seus descendentes maculados para sempre”179. Ainda no século XIII, o papa Alexandre IV (1254-1261) já tinha autorizado os inquisidores a “absolver uns aos outros por quaisquer chamadas ‘irregularidades’ – a morte prematura de uma vítima, por exemplo”180. Nazario diz que “alguns réus, após as torturas e os padecimentos do cárcere, achavam-se em tal estado que nem em padiola podiam comparecer ao auto ‘pelo perigo da sua vida’”181. Palma concorda quando destaca que mesmo se a vítima tivesse a sorte de sobreviver às torturas, não raro ficava “incapaz de qualquer 178 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 179 ibid. 180 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 45. 181 NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 141-142. 167 movimento, devido ao deslocamento dos ossos na roldana, à opressão do peito e outros agravamentos no cavalete e à contração dos nervos no castigo do fogo”182. Em 1591, um místico dominicano chamado Tommaso Campanella publicou um livro defendendo que o empirismo era válido assim como a fé, o que bastou para ele ser condenado pelo Santo Ofício, torturado e sentenciado à prisão perpétua. Um amigo que o visitou em sua cela tempos depois “informou que ele tinha as pernas todas feridas e as nádegas quase sem carne, arrancada pedaço a pedaço para extorquir-lhe uma confissão dos crimes de que fora acusado”183. Outra diferença é que, diferente dos juízes seculares, um inquisidor não tinha que prestar contas por alguém que morria torturado por suas mãos, o que os tornava mais ávidos e destemidos a levarem adiante a prática: Um juiz civil era punido se o torturado perdesse um membro ou morresse, mas isso não ocorria com os inquisidores; o fato pode explicar por que, às vezes, os juízes civis preferiam não aplicar as penas mais severas aos acusados. O método foi usadoprimeiro nos julgamentos inquisitoriais e depois nos civis, e havia muitas formas de tortura à disposição dos inquisidores; ela foi, em todos os sentidos, uma das principais armas do arsenal inquisitorial pelo menos até o início do século XVII.184 Na própria sentença da tortura os inquisidores deixavam claro a possibilidade de que a vítima morresse ou ficasse mutilada, e que a responsabilidade era inteiramente dela: Decidimos, observados os autos e métodos do processo e suspeitos que dele resultam contra o réu, que devemos condená-lo e condenamos e que seja submetido à tortura, na 182 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 47. 183 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 155. 184 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 168 qual determinamos que fique e permaneça tanto tempo quanto nos parecer conveniente, para que nela diga a verdade do que está testemunhado e acusado, com a afirmação pública que lhe fazemos de que, se durante referida tortura, morra ou seja estropiado ou resulte mutilação de membro ou perda de sangue – será por sua culpa e responsabilidade e não nossa, e em razão de não ter querido dizer a verdade.185 E ainda: “Ordenamos que a referida tortura seja aplicada de forma e pelo tempo que julgamos conveniente, depois de ter protestado, como protestamos, que em caso de lesão, morte ou fratura, a ocorrência só poderá ser imputada ao acusado”186. Mas imaginemos que a vítima sobrevivesse às torturas, confessando ou não o seu “crime” de heresia. Após ser cruelmente torturado, ele estava livre, certo? Longe disso. Para começo de conversa, antes mesmo do seu caso ser apurado, os réus (mesmo os que seriam posteriormente absolvidos) passavam anos na prisão apenas aguardando o processo, porque a lógica da Inquisição era que todo mundo é culpado até que provasse o contrário. Mesmo após ser absolvido, o réu permanecia preso até a cerimônia oficial conhecida como “auto de fé”, onde os “hereges” reincidentes ou que se recusavam a abandonar a “heresia” eram queimados até a morte, e os demais sofriam algum tipo de penitência. Gorenstein menciona o caso de uma mulher que ficou mais de cinco anos presa até ser penitenciada187. Você pode pensar: “Pelo menos a prisão era confortável, tipo a prisão do Lula”. Embora você provavelmente não pense isso, é assim que pensa o professor Felipe Aquino, um apologista da Inquisição que chegou a dizer que a prisão da Inquisição era «bonita e bem iluminada», tentando enganar algum tapado que o segue. Quando vamos às fontes primárias, no entanto, notamos que a regra era precisamente a contrária: a prisão inquisitorial tinha que ser ainda pior que as prisões civis, da mesma 185 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 46. 186 ibid, p. 119. 187 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 140. 169 forma que o inferno é pior que qualquer prisão terrena, visto que os que lá agonizavam haviam cometido o pior de todos os crimes – o da heresia. É por isso que o Manual dos Inquisidores expressamente afirma que o réu seria enviado “à prisão perpétua, para ser atormentado, para todo o sempre, pelo pão do sofrimento e a água da amargura”188, o que não me parece muito com uma prisão bonita e bem iluminada. Eymerich diz ainda que “é uma prisão horrorosa, porque foi concebida muito mais para o suplício dos condenados do que para sua simples detenção”189. Mesmo aqueles que já tinham sido condenados eram deliberadamente “trancafiados durante seis meses ou um ano, numa prisão horrível e escura, pois o flagelo da cadeia e as humilhações constantes costumam acordar a inteligência”190. Henry Lea comenta que eles eram “mantidos numa masmorra, em confinamento solitário, por pelo menos seis meses, muitas vezes por um ano ou mais”191. Peña, o co-autor do Manual, disse que os réus da Inquisição eram aprisionados numa “masmorra particularmente sombria, bem vigiada e lúgubre”192, apoiando-se no que é prescrito pelo Concílio de Béziers (1246), que diz exatamente o oposto ao que é alegado pelo professor Felipe Aquino: Que se construam, próximo a cada sede episcopal – e, se for possível, em cada cidade – celas individuais sem luz, nas quais os hereges condenados ficarão trancados, de tal modo que não possam contaminar-se mutuamente nem perverter outras pessoas.193 Como se a cela sem luz não fosse o bastante, eles ainda faziam questão de isolar os prisioneiros do contato com outros seres humanos, o que era ainda mais 188 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 169. 189 ibid, p. 203. 190 ibid, p. 173. 191 LEA, Henry Charles. A History of the Inquisition of the Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. v. 1, p. 541. 192 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 203. 193 ibid, p. 204. 170 devastador para o aspecto psicológico dos mesmos. Peña afirma que “deve-se evitar, em geral, prender numa mesma cela duas ou mais pessoas”194. Nem o poder civil era tão tirânico, bastando lembrar que Paulo e Silas foram aprisionados juntos e assim puderam louvar a Deus em conjunto (At 16:25), algo que nenhum inquisidor admitiria. Para piorar, os inquisidores proibiam também que os prisioneiros lessem livros na prisão195, enquanto Paulo de sua prisão em Roma não apenas escreveu uma carta a Timóteo como pediu que “quando você vier, traga a capa que deixei na casa de Carpo, em Trôade, e os meus livros, especialmente os pergaminhos” (2Tm 4:13). Isso tudo mostra que a Inquisição não representou nenhum “avanço moral” em relação ao antigo sistema vigente, como argumentam os apologistas desonestos à serviço de Roma. Ao contrário: tudo era feito na intenção de que o prisioneiro tivesse a pior experiência possível, já que ele era culpado de cometer o pior dos pecados. Até mesmo o famoso padre jesuíta Antônio Vieira (1608-1697), que chegou a ser preso por defender os direitos dos judeus conversos e por criticar a própria Inquisição, descreveu as celas do Santo Ofício de uma maneira que não se parece nem um pouco com a dos apologistas católicos: A cada prisioneiro se lhes dá seu cântaro de água para oito dias (se se acaba antes, têm paciência) e outro mais para a urina, e um para as necessidades que também aos oito dias se despejam e... são tantos os bichos que andam os cárceres cheios e os fedores tão excessivos que é benefício de Deus sair dali homem vivo.196 Agora, resta-nos escolher que lado tem mais chances de estar dizendo a verdade: um padre que foi pessoalmente preso pela Inquisição e colocado no lugar que ele descreve, ou os apologistas revisionistas do século XXI que tentam romancear 194 ibid, p. 205. 195 TAVARES, Célia Cristina da Silva. Jesuítas e Inquisidores em Goa: A cristandade insular (1540-1682). Lisboa: Roma Editora, 2004, p. 186. 196 SOUZA, Laura de Mello E. O diabo e a terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 327. 171 a história escrevendo séculos após os acontecimentos e tendo por base o que tiram do nariz deles. Baigent chega a comentar que em geral, mantinham-se os presos acorrentados em confinamentosolitário, e não lhes permitiam qualquer contato com o mundo lá fora. Se fossem libertados, exigia-se que “fizessem um juramento de não revelar nada do que haviam visto ou passado nas celas”. Não surpreende que muitas vítimas enlouquecessem, morressem ou se suicidassem quando podiam.197 Também é valioso o depoimento de Pyrard de Laval (1578-1623), que escreveu: O que é mais cruel e iníquo é que um homem que quiser mal a outro, por se vingar o acusará deste crime; e sendo preso não há amigo que ouse falar por ele, nem visitá-lo, ou procurar por suas coisas, como em semelhante caso acontece aos criminosos de lesa-majestade.198 Note que ele compara a Inquisição apenas aos casos de lesa-majestade, que é quando alguém é acusado de trair o monarca ou conspirar contra o mesmo, o que era tido como o pior crime de todos por atentar contra a pessoa mais importante de todas: o rei. A heresia entrava num patamar ainda acima, não só porque o “ofendido” era Deus, mas também porque atentava contra a Igreja (que estava acima do Estado) e contra o papa (que estava acima do rei). Por isso os inquisidores se esforçavam em tornar tudo pior para os envolvidos, uma vez que cada crime era punido de acordo com sua gravidade. 197 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 88. 198 PYRARD DE LAVAL. Viagem de Francisco Pyrard de Laval contendo a notícia de sua navegação às Índias Orientais. Porto: Livraria Civilização, 1944. v. 2, p. 73. 172 Isso também explica por que o Estado costumava executar pela forca – uma morte relativamente rápida e indolor –, enquanto a Inquisição condenava à morte na fogueira, o tipo mais doloroso de morte que alguém poderia experimentar. E ainda faziam isso a fogo lento para prolongar o sofrimento das vítimas, muitas das quais chegavam a queimar por horas e horas agonizando até a morte. Claro que isso tinha que ser feito em praça pública, à vista de todos, numa solenidade conhecida como “auto-de-fé”, onde famílias inteiras (com crianças e tudo) eram convocadas a contemplar este espetáculo grotesco. O “crime” de heresia era de uma gravidade tão grande que a pena mais comum para aqueles que confessavam a heresia (sob tortura) e se diziam arrependidos e dispostos a serem recebidos de volta no seio da Igreja era justamente a prisão perpétua – naquele mesmo tipo de cela que não tinha nada de “bonita e bem iluminada”. Eymerich explica como funcionava a coisa: O herege abjura seus erros e aceita expiá-los de acordo com a decisão do bispo e do inquisidor; ou não abjura. Se abjura, é condenado à prisão perpétua, e esta será a sua expiação. Se não abjura, é entregue como impenitente ao braço secular para ser executado. A mesma coisa para quem foi excomungado há um ano, independentemente do motivo que o levou à excomunhão: se se retrata, fica livre da excomunhão e é condenado à prisão perpétua; em caso de não se retratar, é entregue ao braço secular para ser castigado até a morte como herege.199 E ainda: Quem foi preso por heresia, confessa os fatos ou não os confessa. Se confessar, mas não se considerar culpado, é impenitente, e, como tal, deve ser entregue ao braço secular 199 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 67. 173 para ser executado. Se se confessar culpado, é um herege penitente, sendo assim condenado à prisão perpétua: portanto, não se pode libertá-lo sob fiança. Se não confessar, deve ser entregue ao braço secular como impenitente para ser executado.200 Levando em consideração o tipo de prisão na qual os hereges arrependidos ficariam para o resto da vida, é de se pensar se não era melhor a morte mesmo. Justamente para que ninguém pensasse nisso eles preparavam o pior tipo de morte possível, para afastar qualquer pensamento de que seria melhor o pior tipo de prisão (perpétua) possível. E não pense que o prisioneiro não sofria ainda mais antes de ser condenado a esse horrível destino. Muitas vezes o condenado era castigado com centenas de açoites (você não leu errado) antes de ir para a prisão perpétua, como ocorreu em 1749 com Barnabé Morillo, acusado do crime de idolatria (veja só que ironia), que antes de ficar preso para o resto da vida levou duzentas chibatadas em praça pública. E como isso ainda parecia pouca humilhação para os sádicos inquisidores, eles exigiram que o pobre Morillo estivesse seminu enquanto andava pelas ruas de Lima e levava as chibatadas201. Para se ter uma ideia do tanto de gente que era condenada a esse destino, Lina Gorenstein, que analisou todos os arquivos da Inquisição do Rio de Janeiro, constatou que 64% das cristãs-novas fluminenses foram condenadas a «cárcere e hábito penitencial perpétuo»202. Houve quem fosse açoitado ainda mais vezes que o pobre Morillo, como é o caso do cirurgião Damián Acen Dobber, que em 1587 foi castigado com nada a menos que 400 açoites (dez vezes mais do que os romanos castigaram Jesus e Paulo) por ter supostamente feito uma oração muçulmana203. 200 ibid, p. 229. 201 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 90. 202 GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 151. 203 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 174 Para mostrar que a Inquisição não brincava em serviço, um simples alfaiate chamado Pedro Bermejo foi condenado a duzentos açoites por contestar um trecho da Bíblia, como nos conta Ricardo Palma: Pedro Bermejo, alfaiate, afirmava que a caridade era menor do que a fé, e que São Paulo podia ter errado porque foi homem. Como castigo por essas afirmações, e em lugar de lhe ser dito: “Alfaiate, volta à tua agulha e aos teus pontos”, foi condenado a duzentos açoites, abjuração de vehementi e a ter a cidade por cárcere durante seus anos, como castigo de ser impenitente relapso.204 Por ter servido como testemunha no segundo casamento de um amigo seu, José Rivera foi condenado pela Inquisição de Lima aos mesmos duzentos açoites 205, e pela suspeita de feitiçaria Antônia Osório recebeu duzentos açoites no auto-de-fé de 23 de dezembro de 1736, a qual foi obrigada ainda a percorrer a cidade em lombo- de-burro, despida da cintura para cima, enquanto suportava os duzentos açoites 206. Às vezes, nem com isso os inquisidores sedentos de sangue estavam satisfeitos. Eymerich diz que o herege que não abjurasse podia ser “será surrado até a morte como um herege impenitente”207, sendo brutalizado até o último suspiro (o que talvez fosse até melhor que torrar a fogo lento). Nos poucos casos em que alguém tinha a sorte de não ser nem torrado vivo, nem condenado às centenas de açoites seguida ou não da prisão perpétua, teria o infortúnio de ter os bens confiscados em benefício da própria Inquisição. Quem inaugurou essa moda foi Inocêncio IV na bula Ad extirpanda (1252), onde diz que os inquisidores “podem e devem capturar os heréticos e as heréticas, e retirar os bens 204 PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 22. 205 ibid, p. 50. 206 ibid, p. 66. 207 ibid, p. 56. 175 deles”208. E Eymerich não vê mal nenhum no fato de que isso condenaria os filhos do “herege” à miséria, já que eles tinham mesmo que pagar pelos erros dos pais: Os bens de um herege deixam de lhe pertencer e são confiscadospelo simples fato de ele ser um herege. A comiseração pelos filhos do culpado, que ficam assim reduzidos à miséria, não deve nunca ser razão para se abrandar a severidade, já que, segundo todas as leis divinas e humanas, os filhos pagam pelas faltas dos pais.209 Peña também não via mal nenhum nisso, porque, afinal, um “herege” não merece ficar nem com a vida, quanto menos com seus bens: “O quê! Um homem desses, culpado de uma tal infâmia, ganharia duas graças – a vida e a posse de seus bens? Um herege desses não seria digno de tanta bondade”210. Como se não fosse o bastante a vítima perder todos os seus bens, seus filhos também perdiam, mesmo se não tivessem qualquer relação com o “crime” do pai. E isso não é tudo: até os filhos que fossem concebidos antes do delito da heresia seriam castigados da mesma forma que o pai! A não-habilitação atingiria todos os filhos do herege ou apenas os que fossem concebidos depois do delito da heresia? Os estudiosos defendem que as crianças concebidas antes do delito do pai escapariam à não-habilitação, mas a maioria acha que todos os descendentes são inaptos. Esta última opinião parece-me mais correta, razoável e conforme as considerações avocadas anteriormente a respeito do amor paterno e do papel desse sentimento na manutenção dos pais na verdade católica. Os pais amam igualmente todos os filhos, sendo, portanto, justo 208 Parágrafo 5 da bula Ad extirpanda. 209 EYMERICH, Nicolau. O manual dos inquisidores. Lisboa: Edições Afrodite, 1972, p. 84. 210 ibid, p. 241. 176 que o seu pecado tenha sobre todos eles as mesmas consequências.211 Como em todo sistema corrupto, também na Inquisição era frequente condenações que visavam exclusivamente roubar do condenado os seus bens, tornando a Inquisição um negócio bastante lucrativo. Baigent diz que “não raro, [a Inquisição] fabricava acusações contra indivíduos com o único objetivo de obter seus bens e propriedades que jamais eram devolvidos, mesmo sendo o acusado inocentado”212, e conclui que “entre 1646 e 1649, a Inquisição obteve renda suficiente com seus confiscos para se manter por 327 anos”213. Bethencourt acrescenta que “existiam ordens explícitas dos organismos de controle para aumentar os confiscos de bens nas conjunturas mais difíceis”214. Não bastasse ter os bens confiscados, o “herege” reduzido à miséria (numa época que, lembremos bem, já era caracterizada pela extrema pobreza de boa parte do povo) era muitas vezes sentenciado à escravidão pelo resto da vida. Mas, como você já deve imaginar, os inquisidores não condenavam a uma escravidão comum, mas ao pior tipo de escravidão conhecido na época: a escravidão nas galés. Os condenados aos trabalhos forçados nas galés eram enviados para “um ambiente sujo, sem ventilação, com um calor insuportável. Neste lugar, os homens conviviam com alimentos estragados e corriam o risco constante de contrair doenças”215. Souza afirma que a escravidão nas galés era “muito mais rigorosa do que o desterro para o Brasil ou para regiões da África”216, e que na maioria dos casos “eles contraíam doenças, como úlcera, ficavam aleijados, perdiam a consciência ou morriam nas galés”217. Para piorar, Green afirma que era comum que um escravo nas 211 ibid, p. 246. 212 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 105. 213 ibid, p. 106. 214 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 340. 215 SOUZA E SILVA, Emanuel Luiz. Condenados às galés. Revista de história. fev. 2011. 216 ibid. 217 ibid. 177 galés fosse acorrentado aos pés de outro prisioneiro, e que isso “muitas vezes equivalia a uma sentença de morte”218. Finalmente, a fogueira. Apologistas católicos são rápidos em argumentar que “a Inquisição matou pouca gente”, e alguns chegam até a dizer que não mais que 3 a 5 mil pessoas foram condenadas à fogueira pela Inquisição espanhola (a mais famosa das inquisições). Isso porque eles se baseiam apenas nos registros sobreviventes, que é apenas uma pequena fração do total de mortes. Ninguém melhor para provar isso do que Juan António Llorente, o último secretário-geral da Inquisição espanhola e primeiro historiador importante do tribunal, que apresentou os seguintes números baseados nos documentos sobreviventes até sua época: 31.912 queimados vivos, 17.659 em efígie e 291.450 condenados a penas diversas219. Embora alguns tentem diminuir a gravidade desses queimados em efígie, argumentando que eram apenas bonecos, devemos lembrar que eles obviamente não queimavam bonecos no auto-de-fé por diversão, mas porque cada boneco representava alguém que morreu antes de ter tido tempo de comparecer à cerimônia para ser queimado vivo. Na maior parte dos casos, dizia respeito àqueles que morreram durante as torturas ou na prisão insalubre e sem iluminação, onde eram tratados como animais sendo deixados para apodrecer por anos antes mesmo de sair a sentença. Em outras palavras, são pessoas que morreram por causa da Inquisição, mesmo que não propriamente queimadas. Mesmo se considerarmos apenas aqueles queimados vivos, o número apresentado por Llorente é dez vezes maior que aquele dado pelos apologistas católicos – e ele, como um bom católico que era, não teria razão nenhuma para exagerar nos números. Para piorar, o inquisidor Luís de Geram, que escreveu uma história da Inquisição espanhola em 1589, “assevera que mais de cem mil hereges foram entregues às chamas”220. Mas como pode a Inquisição espanhola ter matado 100 mil até o final do século XVI e este número ter diminuído para 32 mil dois séculos mais tarde? 218 GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007. 219 LOPEZ, Luiz Roberto. História da Inquisição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993, p. 102. 220 CANTÚ, Cesare. História Universal – Volume Décimo Sexto. São Paulo: Editora das Américas, 1954, p. 473. 178 O motivo é o mesmo já expresso anteriormente: assim como Llorente possuía em mãos mais documentos do que os que sobreviveram aos dias de hoje, Geran tinha em mãos mais documentos do que os que tinham sobrevivido até a época de Llorente. É por isso que é tão tolo se basear apenas nos documentos sobreviventes para concluir quantas pessoas morreram, um erro que até os historiadores mais amadores passam longe – exceto os mal-intencionados. Um exemplo de como documentos muito mais importantes que a papelada da Inquisição podiam se perder com o tempo são os escritos de Orígenes (185-253 d.C), tido em tão alta estima por Eusébio (265-339) que ocupa praticamente um livro inteiro de sua História Eclesiástica (enquanto os outros Pais da Igreja antiga recebem apenas alguns parágrafos de atenção), que escreveu segundo Epifânio nada a menos que 6.000 obras, das quais apenas um punhado disso (menos de cem) sobreviveu integral ou parcialmente até os nossos dias. Se até mesmo obras consideradas de grande riqueza para a Igreja se perderam aos milhares, imagine os documentos da Inquisição, que alguns ainda por cima tinham até mesmo a intenção de destruir. Quando o papa Paulo IV morreu, em 1559, ele era “tão detestado pelos romanos que eles atacaram as instalações do Santo Ofício, demoliram os prédios, saquearam e queimaram todos os documentos”221. Outros foram roubados, como os documentos de Barcelona e Valência, saqueados em 1820 pelo povo que invadiu as instalações do Santo Ofício222. O próprio Napoleão confiscou milhares de documentos, e outros milhares ainda não foram sequer lidos, como os da Torre do Tombo: Os processos inquisitoriaisdevidamente instaurados, registrados e arquivados, só nos Arquivos da Torre do Tombo – pois existem inúmeros outros espalhados pelas diversas bibliotecas de Lisboa, Évora e Coimbra, além dos de Goa e do Brasil – rondam os 40.000, com poucas dezenas estudados.223 221 BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 148. 222 ibid, p. 99-100. 223 OLIVEIRA, Rui A. Costa. Resquicios históricos da presença da Reforma no espaço lusófono, durante o século XVI. Portugal: Revista Lusófona de Ciência das Religiões, n. 9/10, 2006, p. 8. 179 Devido a tudo isso, é impossível estimar ao certo a quantidade de mortes na fogueira da Inquisição. Rudolph Rummel estimou em 350 mil224, enquanto Duduch estimou em 690 mil225, o que mostra a dificuldade em se chegar a um número com precisão. Se nos basearmos nas estimativas da época, os números parecem realmente assustadores, pois numa época em que a população total da Europa era incomparavelmente inferior à atual, nada a menos que dez mil vítimas foram executadas apenas durante os 18 anos do inquisidor-geral Tomás de Torquemada (1481-1498), e isso só na Espanha226 (além de 6.500 em efígie e mais 90 mil com os bens confiscados ou em prisão perpétua227). Outro período particularmente sombrio ocorreu durante o governo de Carlos V (1516-1556), quando a Inquisição “mandou queimar, afogar e sepultar vivas cinquenta mil pessoas até o ano 1560”228. O próprio inquisidor Eymerich dizia que o Santo Ofício necessitava do sangue de mil pessoas por ano para se sustentar229. Se considerarmos apenas o período em que a Inquisição estava realmente na ativa (entre 1184 e 1834) e seguirmos a média que Eymerich estipulou em seu Manual, chegaríamos a um total de 650 mil, número que se aproxima da estimativa de Duduch. Mesmo assim, seria precipitado bater o martelo baseado apenas em estimativas, uma vez que o número real pode ter sido maior ou menor. Por fim, a última carta na manga dos apologistas católicos é dizer que “a Igreja não matava ninguém, quem matava era o Estado”. Segundo eles, a Igreja apenas declarava o réu culpado e o entregava ao “braço secular”, que decidia pela execução. O que eles não contam é que a própria Igreja ao entregar o “herege” ao braço secular exigia a execução do mesmo, e ainda por cima na fogueira, quando o Estado matava pela forca. O Quarto Concílio de Latrão (1123), por exemplo, exige que os hereges fossem entregues às autoridades seculares «para a devida punição» estipulada pela 224 RUMMEL, Rudolph J. Death by Government: Genocide and Mass Murder Since 1900. New Brunswick, NJ: Transaction (in press), 1994, p. 70. 225 DUDUCH, João. História da Igreja. São Paulo: Novas edições líderes evangélicos, 1974, p. 97. 226 CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 319. 227 CANTÚ, Cesare. História Universal – Volume Décimo Sexto. São Paulo: Editora das Américas, 1954, p. 473. 228 ibid, p. 12-13. 229 NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 49. 180 Igreja230, e tais autoridades eram obrigadas a prestar um juramento de fidelidade onde se comprometiam a exterminar os hereges: Que as autoridades seculares tenham isso em conta e, se for necessário, que sejam obrigados pela censura eclesiástica, se desejam ser reputados por fieis, que façam um juramento público pela defesa da fé no sentido de que vão buscar, na medida do possível, exterminar (exterminare) das terras sujeitas a sua jurisdição a todos os hereges designados pela Igreja. Portanto, cada vez que alguém é promovido a autoridade espiritual ou temporal, está obrigado a confirmar este artigo com um juramento.231 O mesmo concílio ameaça aqueles que se recusassem a cumprir seu dever com a perda de seus vassalos e de sua terra, que seria por sua vez entregue a outras autoridades que fossem obedientes às ordens da Igreja: Se, contudo, um senhor temporal, que recebeu as instruções exigidas pela Igreja, se esquecer de limpar o seu território desta porcaria herética, ele deve ser vinculado com o vínculo de excomunhão dos bispos metropolitanos e outros da província. Se ele se recusa a dar satisfação dentro de um ano, a mesma será comunicada ao Sumo Pontífice para que ele possa, em seguida, declarar seus vassalos absolvidos de sua fidelidade para com ele e tornar a terra disponível para ocupação dos católicos para que estes possam, depois de ter expulsado os hereges, não fazer oposição e preservar a pureza da fé.232 230 Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215. 231 Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 3. 232 ibid. 181 No Manual dos Inquisidores há uma seção de perguntas e respostas que trata precisamente deste assunto, onde eles fazem questão de reforçar que a Igreja também tem o direito de caçar e matar os hereges e que deve perseguir os príncipes que tivessem a “audácia” de protegê-los: Alegação – Ressalta-se que este ou aquele príncipe condena judeus à morte: portanto, isso não é uma tarefa da Igreja, mas do poder civil. Refutação – O fato de serem condenados à morte pelos príncipes não exclui a Igreja de fazer o mesmo, se achar válido, depois do processo. Por outro lado, a Igreja deve intervir para condenar onde, justamente, reis e príncipes tenham a audácia de proteger os judeus. Sem a Igreja, sob o pretexto de que cabe ao poder civil condenar, esses hereges seriam, na verdade, protegidos.233 E ainda: Alegação – Finalmente, os especialistas em Direito Civil dizem que, a rigor, cabe ao poder civil e ao bispo, juntos, e não ao inquisidor, julgar o delito canônico. Se é cometido por judeus ou por cristãos, continua a ser um delito: a questão é, portanto, da competência do poder civil também, e não exclusivamente do bispo. Refutação – Voltemos aos textos conciliares e pontifícios: cabe aos bispos e inquisidores, juntos, convocar, julgar e condenar. E aos civis, executar as sentenças da inquisição, principalmente, 233 EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 64-65. 182 quando a punição implica derramamento de sangue. Não existe nada pior do que esse tipo de argumento.234 Ou seja, a Igreja condenava o “herege” à morte, o entregava ao braço secular e exigia (sob ameaças severas) que ele cumprisse as determinações do Santo Ofício e o matasse mesmo, e depois lavava as mãos dizendo que quem matou foi o Estado e não ela mesma. Em vez disso realmente limpar a barra da Igreja, só prova que além de assassina também era hipócrita. 234 ibid, p. 65-66. 183 CAPÍTULO 11 – MARIA, MÃE DE JESUS 11.1 REFUTANDO A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA É possível provar que Maria não permaneceu virgem e teve outros filhos com simples exegeses de textos bíblicos. Em primeiro lugar, de acordo com Mateus 1.25, o anjo deu ordem para que José não tocasse em Maria só até Jesus nascer. “Mateus 1:25 (Almeida Corrigida e Revisada Fiel): "e não a conheceu enquanto ela não deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus." Análise Sintática e morfológica: 1. Enquanto: Conjunção subordinativa temporal. Análise no grego: ἕως οὗ (heōs hou): “até que” ou “enquanto”. O “até que” ou “enquanto”, apontando uma condição subordinada ao tempo, ou seja, José não poderia tocar sexualmente em Maria somentedurante a gestação de Jesus. Após isso, José poderia seguir um casamento normal com Maria. Muitos católicos usam outros textos que possuem o “até que” para tentar derrubar a tese de que Maria não perdeu a virgindade. Darei alguns exemplos a seguir: 1 Coríntios 15:25: “Porque convém que ele reine, até que tenha posto todos os inimigos debaixo de seus pés.” Resposta apologética: O texto fala que o “até” está indicando que não haverá mais necessidade de seu reino mediador, tendo seu objetivo realizado. O xeque-mate vem no versículo 28 que diz: “Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitaram, para que Deus seja tudo em todos.” O reino mediador terminará, e agora, Deus será tudo em todos, não 184 haverá mais separação entre mundo espiritual e mundo físico quando Cristo voltar e restaurar todas as coisas. Mateus 28.20: Outro versículo que os católicos usam é o de Mateus 28.20: “Eis que estou convosco todos os dias, até (heos) o fim do mundo”. A pergunta que eles fazem é, Jesus nos abandonaria depois disso? Pois, segundo eles, Cristo usou o “heos” de forma diferente. Resposta apologética: Os católicos falham em uma coisa, no contexto. Temos que analisar o “heos” em cada contexto em que é colocado. Neste caso, o texto diz que Jesus estaria espiritualmente com a igreja até o dia de sua volta, que é a consumação dos séculos. Toda vez que Jesus fala sobre o termo “Consumação dos séculos”, ele está tratando de sua vinda. A seguir, irei mostrar diversos exemplos onde o termo “consumação dos séculos” se refere ao retorno de Cristo: MATEUS 13.49: “Assim será na consumação do século: sairão os anjos, esepararão os maus dentre os justos..” MATEUS 24.3: “No monte das Oliveiras, achava-se Jesus assentado, quando se aproximaram dele os discípulos , em particular , e lhe pediram : Dize- nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século”. 185 2 Samuel 6.23 Outro texto que um católico pode usar é sobre Mical, filha de Saul. 2 Samuel 6.23: “Mical, filha de Saul, não teve filhos, até ao dia da sua morte”. A pergunta que eles fariam é, Mical poderia ter filhos depois da morte? Reposta apologética: A palavra até no texto em hebraico é yôwm (yome), que significa “período de vida”. Então, durante seu período de vida, Mical não poderia ter filhos. Irmãos: De acordo com Mateus 13.55, as escrituras narram que Maria teve filhos e filhas, mas cita apenas o nome dos homens: Simão, José, Tiago e Judas. O interessante desse texto, que isso é apontado pelo povo, demonstrando que ali era um núcleo familiar. Pois, nem sequer existia um conceito de “irmãos de igreja”, como alguns defendem. Os católicos afirmam que tais irmãos, na verdade, são primos de Jesus. Todavia, a palavra “irmão” empregada no texto, em grego é adelphos. Adelphos significa irmão, filho da mesma mãe e mesmo pai. De sorte, ainda podemos cruzar dois textos de um mesmo autor para rebater a ideia católica de aqueles irmãos são primos. Em Colossenses 4.10, Paulo cita o primo de Barnabé. A palavra grega usada para primo é anepsios. Já em 1 Coríntios 9.5, Paulo cita os irmãos de Jesus. Paulo, para citar esses irmãos, ele usa a palavra grega adelphos. Ora, se são “primos” de Jesus, por qual motivo Paulo não usou a palavra grega “anepsios”? De acordo com Lucas 2.7, Jesus é chamado de primogênito de Maria. Se era primogênito, certamente indica que Maria teve mais filhos. Se Jesus fosse o único, ele seria chamado de unigênito. Basta fazer uma conexão com João 3.16, onde Jesus é chamado de unigênito de Deus, ou seja, único filho. 186 Outro ponto a se observar é que os irmãos de Jesus não são os apóstolos citados nos textos. Naquela época era comum ter nomes iguais. Temos por exemplo uns três Judas diferentes mencionados nos evangelhos. Tratando dos irmãos de Jesus, eles estavam a todo momento ao lado de José e Maria, demonstrando para o povo que eram filhos do casal, assim como mostra o texto de Mateus 13.55. Um texto que um católico poderia usar em seu favor, é o de 1 Coríntios 15.6, onde mostra que Jesus, na sua ressureição, apareceu para mais de quinhentos irmãos. E a palavra grega usada para irmãos nesse texto é “adelphos”. Todavia, é importante analisar os contextos. Em Mateus 13.55, quando fala dos irmãos de Jesus, ali está dentro de um conceito de núcleo familiar. Já em 1 Coríntios 15.6, o conceito é de núcleo de igreja. Não seria normal ali chamar as pessoas de “anepsios”, ou seja, primos. Por fim, é importante ressalvar que não existe castidade dentro de um casamento. O próprio apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 7.5, vai dizer que o casal que deixa de fazer sexo, comete pecado, pois será tentado pelo diabo. Até hoje eu não entendo por qual motivo os católicos não medem esforços para propagar que Maria foi perpetuamente virgem, pois o sexo dentro do casamento é algo santo, e isso, nada prejudicaria a santidade de Maria. Vale ressaltar que existem mais de 318 ocorrências do termo “adelphos” no grego do novo testamento, e em nenhum momento esse termo é aplicado para primos. Em qualquer léxico grego é possível observar que jamais a palavra “adelphos” se aplica para primos no novo testamento bíblico. Paulo conhecia muito bem o idioma grego, e ele preferiu usar “anepsios” para se referir a primos. Existem ainda dois outros nomes gregos que poderiam ser usados para parentes próximos: panoikí (pan-oy-kee') e Συγγενής (sinɣɛˈnis), mas adelphos está estritamente ligado em irmãos sanguíneos e irmãos na fé em todo o novo testamento, sendo impossível desviar o significado dessa palavra para outra coisa. Em João 7.5 diz que os irmão de Jesus não acreditavam nele: “Pois nem mesmo seus irmãos acreditavam nele”. Ora, se não acreditavam, não poderiam ser irmãos na fé, só restaria ser irmãos sanguíneos. 187 Vale lembrar de uma profecia messiânica do velho testamento que mostra que o messia teria irmãos, que é o Salmos 69.8: “Tornei-me estranho זוּר a meus irmãos אָח e desconhecido נָכרִי aos filhos ן ם de minha mãe בֵּ .”אֵּ Para não restar dúvidas, irei provar que os Salmos 69 é messiânico fazendo um espelho entre novo e velho testamento: JOÃO 2.16-17: “E disse aos que vendiam as pombas: “tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócios. Lembraram-se então o seus discípulos do que está escrito: “O zelo da tua casa me devorará”. O termo: “O zelo da tua casa me devorará” está cont ido no verso 9 do salmos 69: “Pois o zelo קִנאָה da tua casa יִת ל me consumiu בַּ dos חֶרפָה e as injúrias , אָכַּ que te ultrajam ף ל caem חָרַּ .”sobre mimנָפַּ João 15.25: “Mas isto é para que se cumpra a palavra escrita na lei: “odiaram- me sem causa” O termo “odiaram me sem causa” está contido no verso 4 do Salmos 69: “São mais ב עֲרָה que os cabelos רָבַּ me ,חִנָם os que, sem razão ראֹשde minha cabeçaׁ שַּ odeiam שָנֵּא ; são poderosos ם ת os meus destruidores עָצַּ os que com falsos , צָמַּ motivos שֶׁקֶר são meus inimigos אֹיֵּב ; por isso, tenho de restituir שׁוּב o que não furtei ל .”גָזַּ Dessa forma, está mais do que provado que além do Salmos 69 ser messiânico, o verso 8 do mesmo salmo deixa claro que o messias teve irmãos sanguíneos. Um católico pode argumentar usando a septuaginta, que é uma tradução do hebraico para o grego, do século III antes de Cristo. Normalmente eles usam uma passagem de gênesis que diz: Gênesis 13.8 “Então Abrão propõe a Ló: “Que não haja discórdia entre mim e ti, nem desavenças entre meus pastores e os teus pastores; afinal somos irmãos!” Como a septuaginta é uma tradução do hebraico para o grego, quando foramtraduzir Gênesis 13.8, no lugar de irmãos colocaram “adelphos”, sabemos bem que https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=8#strongH2114 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=8#strongH251 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=8#strongH5237 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=8#strongH1121 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=8#strongH517 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH7068 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH1004 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH398 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH2781 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH2778 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=9#strongH5307 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH7231 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH8185 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH7218 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH2600 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH8130 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH6105 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH6789 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH8267 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH341 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH7725 https://search.nepebrasil.org/interlinear/?livro=19&chapter=69&verse=4#strongH1497 188 Abraão é tio de Ló, com base nisso, os católicos argumentam que “adelphos” pode ser usado em outros graus de parentesco. Mas essa ideia católica é completamente errônea, vejamos o que diz o léxico grego: ἀδελφός adelphós: uma pessoa do sexo masculino que tem o mesmo pai e a mesma mãe da pessoa de referência - "irmão"... A interpretação de ἀδελφός adelphós como significando "primos" com base num termo hebraico correspondente, que é usado, em certos casos, para designar parentes em vários graus do sexo masculino, não tem REGISTRO na língua grega nem é afirmada ou confirmada no léxico grego-inglês editado por Arndt, Gingrinch e Danker. Tal interpretação se baseia acima de tudo em tradição eclesiástica.235 Ou seja, no novo testamento a palavra “adelphos”, em hipótese nenhuma, pode significar outra coisa que não seja “irmãos de sangue” ou “irmãos na fé”. Atribuir a palavra “adelphos” para outros graus de parentesco como “primos” ou “sobrinhos” usando o velho testamento da septuaginta para fazer um espelho com o novo testamento, é totalmente inadequado. Pois como o autor disse: “A interpretação de ἀδελφός adelphós como significando "primos" com base num termo hebraico correspondente, que é usado, em certos casos, para designar parentes em vários graus do sexo masculino, não tem REGISTRO na língua grega nem é afirmada ou confirmada no léxico grego-inglês”. Mesmo que os católicos insistissem na septuaginta, eles ainda teriam problemas com outros textos. Vou citar um exemplo, observe esses dois versículos: 235 Johannes Louw e Eugene Nida - Livro: Léxico Grego-Português do Novo Testamento, p. 108 189 Gênesis 4: 1. E CONHECEU (yâdaʻ (yaw-dah') Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei do SENHOR um homem. Mateus 1: 25. E não a conheceu (ginṓskō ghin-oce'-ko) até que (Heos) deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus. A palavra conheceu em Gênesis, no hebraico, é (yâdaʻ (yaw-dah'), e está relacionada com relações sexuais. Já a palavra conhecer em Mateus, no grego, é (ginṓskō ghin-oce'-ko), que também se refere a relações sexuais. Se eu for aplicar a septuaginda no caso de Adão, ficaria assim: Gênesis 4: 1. E CONHECEU (ginṓskō ghin-oce'-ko) Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei do SENHOR um homem. Isso iria se confirmar mais ainda que o texto de Mateus 1.25 está se referindo a relações sexuais. A palavra conheceu ali vem acompanhado com o termo em grego “Heos”, que é uma condição subordinada ao tempo. Ou seja, José só não poderia ter relações sexuais com Maria durante a gestação de Jesus, que foi a condição temporal que o anjo determinou. Depois que Jesus nascesse, José e Maria poderiam ter um casamento normal, com relações sexuais e até mesmo tendo mais filhos. 11.2 PECADO DE MARIA Ora, é inconcebível a ideia de que Maria foi preservada do pecado original, uma vez que as escrituras dizem em Romanos 3.23-24: Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. 190 O texto diz claramente que todos pecarem e todos carecem de justificação por meio de Jesus Cristo. Paulo continua em Romanos 5.12: “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”. A doutrina católica afirma que Maria foi preservada do pecado original no ventre de sua mãe para poder gerar Jesus. Aí eu faço a pergunta, se Maria conseguiu a proeza de ser preservada do pecado original mesmo nascendo de uma mãe pecadora, por que Jesus não conseguiria o mesmo feito? Não poderia Deus ter feito o mesmo com Jesus? Se levarmos essa doutrina a sério, a mãe de Maria teria que ser preservada do pecado, a mãe da mãe de Maria também, isso até chegar em Adão e Eva. O que não faz o total sentido. Na genealogia de Jesus o que mais temos são pecadores. Temos adúlteros (Davi) e até mesmo prostitutas (Raabe). Jesus não foi concebido pelos meios naturais, ou seja, pela relação sexual, mas por meio de um milagre. Por esse motivo Jesus foi preservado do pecado original, sendo o único, em toda a história da humanidade, sem pecar. O único homem em toda a escritura, onde é dito claramente que nele não teve pecado algum, foi Jesus Cristo. Como diz em Hebreus 4.15: “Pois não temos um sumo sacerdote que não seja capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, mas temos o Sacerdote Supremo que, à nossa semelhança, foi tentado de todas as formas, porém sem pecado algum”. Uma outra coisa que as vezes os católicos parecem esquecer, é que Maria não foi escolhida por ser “sem pecado”. Existia uma profecia no antigo testamento onde dizia que o Messias teria que vir da descendência do rei Davi (Isaías 9.7). Tanto Maria (Lucas 3.23-38) quando José (Mateus 1) eram descendentes de Davi, e foi por esse motivo, que eles foram escolhidos. Se Maria não fosse da descendência de Davi, jamais ela seria escolhida para gerar o Messias, pois a profecia nunca iria se cumprir. Até mesmo São Tomas de Aquino, um santo hiper respeitado na igreja católica, entendia que Maria herdou o pecado original, isso nós podemos ver em sua Suma Teologica e no seu Compêndio de Teologia. 191 Suma Teológica: "... Pois, Cristo de nenhum modo contraiu o pecado original, mas foi santo desde a sua conceição, segundo aquilo do Evangelho: 0 santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Mas, a Santa Virgem contraiu por certo o pecado original, sendo, contudo, dele purificada, antes de nascida do ventre materno. E é o que significa a Escritura quando diz, referindo-se à noite do pecado original. Espere a luz, isto é, Cristo, e não a veja - porque nada mais manchado cai nela; nem o nascimento da auroraquando raia, isto é, da Santa Virgem, que, no seu nascimento, foi imune do pecado original".236 Compêndio de Teologia: "Convinha, contudo, ser Ela concebida com pecado original, porque foi concebida de união de dois sexos. Só a Ela, com efeito, foi reservado o privilégio de, sendo Virgem, conceber o Filho de Deus. A união dos sexos, que após o pecado do primeiro pai, não se pode realizar sem libidinagem, transmite à prole o pecado original. Além disso, SE ELA NÃO tivesse sido concebida com PECADO ORIGINAL, não teria necessidade de ser remida por Cristo, e, assim, Cristo NÃO SERIA o Redentor universal de todos os homens, o que também DEGRADARIA A DIGNIDADE de Cristo. Deve-se, pois, ter que ela foi concebida com pecado original, mas dele purificada de algum modo especial."237 236 Suma teológica, parte Ill, Questão 27, art. 2 237 Compêndio de Teologia, p. 246 192 Muitos católicos afirmam que São Tomas de Aquino mudou de opinião antes de morrer, mas não existe nenhum documento oficial que comprove isso. O que existe são citações falsificadas de blogs católicos tentando fazer com que Aquino defenda a crença da igreja católica. 11.3 PATRÍSTICA CONTRA O DOGMA DA IMACULADA Como vemos no meio católico, há uma grande devoção ao dogma da imaculada conceição de Maria. Muitos afirmam que esta crença existe nas Escrituras (de forma implícita) e nos pais da igreja. Contudo, iremos verificar se estas afirmações e mostrar que elas estão incorretas ao longo deste capítulo, analisando de forma detalhada o que de fato é o dogma e o que ele não é, o que a Escritura diz sobre o testemunho dos pais e, por fim, responderemos os argumentos que são a favor da imaculada conceição. O que é a imaculada conceição? Conforme nos diz a bula papal Ineffabilis Deus: "[...]Deus, portanto, desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e preordenou uma mãe para seu Filho, na qual ele encarnaria e de quem nasceria então, na feliz plenitude dos tempos; e, de preferência a qualquer outra criatura, mostrou-lhe tanto amor que se deliciou só com ela com uma benevolência muito singular. Por isso ele a encheu maravilhosamente, mais do que todos os anjos e todos os santos, com a abundância de todos os dons celestiais, tirados do tesouro da sua divindade. Assim, ela, sempre absolutamente livre de toda mancha de pecado, completamente bela e perfeita, possui tal plenitude de inocência e santidade, que, depois de Deus, nada maior pode ser concebido, e que, fora de Deus, nenhuma mente pode compreender. a profundeza. E certamente era inteiramente 193 apropriado que uma Mãe tão venerável brilhasse sempre adornada com os esplendores da mais perfeita santidade e, inteiramente imune à mancha do pecado original, realizasse o mais completo triunfo sobre a antiga serpente; pois a ela Deus Pai se dispôs a dar o seu Filho unigênito - gerado desde o seio dela, igual a si mesmo e amado como ele mesmo - de tal maneira que ele era, por natureza, o Filho único e comum de Deus Pai e de a Virgem; visto que o próprio Filho havia decidido torná-la sua mãe de maneira substancial; visto que o Espírito Santo quis e fez com que dela fosse concebido e nascesse aquele de quem ele mesmo procede".238 Ainda na mesma bula nos é dito: “[...]a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em antecipação aos méritos do redentor Cristo Jesus, nunca esteve sujeita ao pecado original e foi, portanto, redimida de uma forma muito sublime[...]".239 Portanto, podemos resumir a imaculada conceição da seguinte forma: Maria, pelos méritos de Jesus Cristo de forma antecipada, foi preservada da mancha (pecado) original no momento de sua concepção de forma que, então, não herdou o pecado de Adão e nem cometeu pecados pessoais. Todavia, ela apenas teve os efeitos da queda: fome, sede, cansaço, e até mesmo a morte. 238 Ineffabilis Deus. Disponível em <https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deu s.html>. 239 Ineffabilis Deus. Disponível em <https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deu s.html>. https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deus.html https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deus.html https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deus.html https://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/18541208-costituzione-apostolica-ineffabilis-deus.html 194 O que não é a imaculada conceição Conforme vimos acima, vimos o que é a imaculada conceição de Maria. Todavia, para continuarmos este capítulo, devemos entender o que não é a imaculada conceição para que então não haja espantalhos sendo atacados. 1- Necessidade de um salvador: Maria de fato necessitou de um Salvador. Como a própria bula diz, os méritos de Cristo que se aplicaram a ela, e não um mérito próprio. Logo, é errôneo falarmos que a imaculada conceição anula Cristo como Salvador de Maria. 2- Efeitos do pecado: Conforme eu também disse, Maria herdou os efeitos do pecado. Todavia, isso não refuta a imaculada conceição devido Cristo também ter sofrido os efeitos: fome (Mateus 21:18), sede João 19:28), tristeza (Lucas 19:41) e etc. Ora, se Cristo sofreu tais efeitos, isso faz com que ele tenha tido também o pecado original? Claro que não. Portanto, Maria ter tido os efeitos não faz com que, por consequência, ela tenha tido o pecado original. As Escrituras não apoiam Agora que sabemos o que é e o que não é o dogma da imaculada conceição, irei mostrar que há três passagens das Escrituras nas quais são totalmente contra a imaculada conceição. Portanto, já aviso também que, antes que haja julgamento sobre os textos, leia a minha elaboração para que então haja entendimento do texto e do porquê eu usei contra este dogma. 1- Lucas 18:19: Jesus respondeu-lhe: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus”. Alguns poderão achar estranho eu usar este verso. Todavia, Jesus, ao afirmar isto ao jovem rico, afirmou algo interessante: que a bondade per si é exclusivamente 195 de Deus. Ora, alguns podem dizer que Jesus é uma exceção devido ele ser Deus. De fato é verdade. No entanto, eles então dirão que Maria também pode ser, pois Jesus foi. No entanto, o que Jesus fez foi uma pergunta retórica que teve dois intuitos: primeiro, ele afirmar ser Deus; segundo, dizer ao homem rico que não há nenhum homem comum que esteja são dentre eles. Se Maria é uma exceção também, então ela torna-se uma deusa. O que quero dizer, portanto, é que Cristo aplica uma regra universal de que só Deus é bom per si. Se Cristo fez esta afirmação, logo, Maria não é boa no sentido de que ela possui pecado. 2- Romanos 3:23: Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. Aqui temos um verso que sempre é citado quando o assunto é imaculada conceição. Alguns poderão dizer que Paulo está falando de alguns judeus e alguns gentios que pecaram, assim dizendo que tanto o judeu quanto o gentio pecaram. No entanto, no verso anterior nos é dito que não há distinção entre judeu e gentio perante Deus; e, portanto, se não há distinção de grupos, logo, o “todos pecaram” leva todas as pessoas do gênero humano que foram concebidos de maneira sexual (veremos isso melhor a seguir). Outros poderão questionar se Cristo está nesse meio. Pois eu digo: é claro que não. Então como ele pode ser a única exceção, mas Maria não pode? Pois as Escrituras sempre afirmam que Cristo é sem pecado e Paulo estava falando da humanidade decaída.Acaso, portanto, Cristo estava no meio decaído? Pela razão simples podemos saber que não, e que, por consequência, este verso não aplica a Cristo devido ele não ter nascido no estado de pecado original, mas sim no estado de Adão antes da queda. E também, se Maria não estivesse no meio dos decaído quando Deus (na eternidade) olhou para a humanidade, então Maria sempre foi justa, assim não necessitando de uma justificação pois ela sempre foi vista por Deus como justa. 196 3 – Romanos 5:12: Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso todos pecaram. Partindo para Romanos 5:12, podemos ver que Paulo diz que a morte passou para todos os homens, pois todos pecaram. Por qual razão todos pecaram? Embora alguém possa não ter cometido pecados pessoais, ela certamente herdou o original devido Adão ser o arquétipo da humanidade. Se Adão pecou, a humanidade pecou em Adão. Sobre a morte ser uma consequência do pecado, devemos entender que a morte é uma consequência que está ligada com o pecado de maneira que todos que possuem a natureza decaída, morrem. Onde quero chegar com isso? Quero chegar na assunção de Maria, onde há duas suposições do que houve antes de Maria ser assunta: ela morreu ou foi assunta sem passar pela morte. Se ela morreu, então ela herdou o pecado original; mas se foi assunta direta, não fica conclusivo se ela herdou ou não tal. Todavia, conforme o pai da igreja, João Damasceno, e o próprio papa João Paulo II dão testemunho e apoiam a ideia que Maria morreu antes de ser assunta: “Mas então? Morreu a fonte da vida, a Mãe de meu Senhor? Sim, era preciso que o ser formado da terra à terra voltasse, para dali subir ao céu, recebendo o dom da vida perfeita e pura a partir da terra, após ter-lhe entregue seu corpo. Era preciso que, como o ouro no crisol, a carne rejeitasse o peso da mortalidade e se tornasse, pela morte, incorruptível, pura, e assim ressuscitasse do túmulo”.240 240 DAMASCO, João. Homilia sobre a Dormição da Santíssima Mãe de Deus, a Bem Aventurada Virgem Maria. Disponível em <https://www.ecclesia.org.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_joao_damasceno_homilia_sobre_a_dormica o_da_santissima_mae_de_deus.html>. https://www.ecclesia.org.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_joao_damasceno_homilia_sobre_a_dormicao_da_santissima_mae_de_deus.html https://www.ecclesia.org.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_joao_damasceno_homilia_sobre_a_dormicao_da_santissima_mae_de_deus.html 197 E mais: “[...]A experiência da morte enriqueceu a pessoa da Virgem: passando pela comum sorte dos homens, ela pode exercer com mais eficácia a sua maternidade espiritual em relação àqueles que chegam à hora suprema da vida”.241 Veja que, portanto, o pai que mais elabora sobre a assunção de Maria, e um dos papas de mais importância dos últimos tempos apoiam a ideia de que Maria de fato morreu. Recomendo a leitura inteira da audiência, pois João Paulo II mostra mais exemplos que apoiam que Maria faleceu. Alguns podem argumentar que Maria, caso tenha morrido, tenha “morrido de amor”. Todavia, mesmo se ela houvesse morrido de amor, ela também participou da morte que só é possível caso tenha a natureza pecaminosa. De qualquer forma, Maria não consegue “fuguir” desta linha da morte. Outros podem questionar então sobre Jesus. Todavia, Jesus morreu, pois, Ele se fez pecado por nós (II Cor. 5:12), pois Cristo nasceu e herdou a natureza de Adão antes da queda devido Ele ter sido concebido sem relações sexuais, e caso Ele tenha herdado a nossa natureza pós- queda, então Ele herdou o pecado original, o que é um absurdo. Portanto, Cristo não tendo herdado o pecado de Adão, Ele, de qualquer forma, não morreria caso não tenha se tornado pecado por nós. Se afirmamos que Maria morreu de amor, mas não porque ela herdou o pecado original, damos a ela a mesma capacidade redentora de Cristo, o que implicaria, portanto, que ela seja uma deusa. Portanto, se Maria passou pela morte (o que é praticamente consenso nos teólogos), então, por consequência, ela herdou o pecado original. Pois não há como acusar ela de ter pecados pessoais sem ela ter o pecado original que ela herdou de nosso pai Adão. 241 PAULO II, João. Audiência. A Dormida da Mãe de Deus (25/06/1997). Disponível em <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1997/documents/hf_jp-ii_aud_25061997.ht ml>. https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1997/documents/hf_jp-ii_aud_25061997.html https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1997/documents/hf_jp-ii_aud_25061997.html 198 Testemunho dos pais da igreja Portanto, veremos agora com base nas falas mais importantes dos pais da igreja que a imaculada conceição não existia, e nem se quer o conceito dela. Pelo contrário do que afirmam os papistas que existe tal crença nos pais, veremos que eles foram, na verdade, contra tal dogma que fora aceito pela igreja de Roma. Justino de Roma (100-165 d.C) “[...]Agora, sabemos que Ele não foi ao rio porque Ele precisava do batismo, ou da descida do Espírito como uma pomba; assim como Ele se submeteu a nascer e ser crucificado, não porque Ele precisava de tais coisas, mas por causa da raça humana, que desde Adão havia caído sob o poder da morte e da astúcia da serpente, e cada um dos quais havia cometido transgressão pessoal[...]”.242 Citando o grande apologista Justino, veja que ele diz que Jesus não precisava passar por tais coisas por conta dele devido Ele ser sem pecado, e que, portanto, o poder da morte e a astúcia da serpente não estavam sobre Ele. Todavia, Cristo fez tudo isso para toda a raça humana, na qual caiu sobre o poder da morte, e que cada um destes mesmos cometeram uma transgressão pessoal (pecado pessoal). Ora, vemos, portanto, que Tertuliano coloca Cristo como o único não necessitando destas coisas devido Ele ser sem pecado, mas ele não cita uma exclusão a Maria. Pelo contrário, ele afirma que toda a raça humana estava sob o poder da morte e que estes mesmos cometeram transgressões pessoais. Ora, se eles estavam sob o poder da morte e cometeram pecados pessoais, então eles tinham o pecado original. 242 ROMA, Justino. Diálogo com Trifão, cap. 88. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/01286.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/01286.htm 199 Inclusive Maria, na qual ele, Justino, não faz nenhuma exclusão neste contexto ou em sua obra. Clemente de Alexandria (150-215 d.C) “[...]Ele é totalmente livre de paixões humanas; portanto, Ele sozinho é o juiz, porque Ele sozinho é sem pecado[...] É melhor, portanto, não pecar de forma alguma, o que afirmamos ser prerrogativa somente de Deus[...]”.243 Agora com Clemente de Alexandria, vemos que ele diz a mesma coisa que Justino disse em seu diálogo com Trifão: Jesus é o único sem pecado, e todos cometem pecados pessoais. No entanto, há algo mais interessante ainda em Clemente, que é ele afirmar que não cometer pecados é uma prerrogativa somente de Deus. Veja, então, que se Maria fosse exclusão, ele também diria isso, mas assim não o faz. Pelo contrário, ele afirma que não cometer pecados é um atributo que é unicamente divino. Na visão de Clemente, portanto, a imaculada conceição não seria só uma heresia qualquer, mas uma idolatria a mãe do Salvador. Orígenes de Alexandria (185-253 d.C) "[...]Então Simeão diz: 'uma espada traspassará a tua própria alma'. Que espada é esta que trespassou não apenas o coração dos outros, mas até mesmo o de Maria? A Escritura registra claramente que, no momento daPaixão, todos os apóstolos ficaram escandalizados. O próprio Senhor disse: 'Esta noite todos vocês ficarão escandalizados'. Assim, todos ficaram tão escandalizados que também Pedro, o líder dos apóstolos, o negou três vezes. Por que pensamos que a mãe do Senhor estava imune ao escândalo quando os apóstolos ficaram 243 ALEXANDRIA, Clemente. O Pedagogo, Livro I, cap. 2. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/02091.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/02091.htm 200 escandalizados? Se ela não sofreu escândalo na Paixão do Senhor, então Jesus não morreu pelos seus pecados. Mas, se 'todos pecaram e carecem da glória de Deus, mas são justificados pela sua graça e redimidos', então Maria também ficou escandalizada naquele momento. E é isso que Simeão profetiza agora quando diz: 'E a tua própria alma'. Você sabe, Maria, que você deu à luz virgem, sem homem. Você ouviu de Gabriel: 'O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo o cobrirá com sua sombra'. A 'espada' da infidelidade 'perfurará você', e você será atingido pela lâmina da incerteza, e seus pensamentos o despedaçarão quando você o vir. Você o ouviu ser chamado de Filho de Deus. Você sabia que ele foi gerado sem a semente de um homem. Você sabia que ele foi crucificado, e morreu, e sujeito ao castigo humano. Você sabia que no final ele lamentou e disse: 'Pai, se for possível, deixe este cálice passar de mim'. Assim diz a Escritura, 'e uma espada traspassará a tua própria alma'".244 Tenho a certeza que este é o testemunho dentre os pais que é o segundo mais explícito sobre o assunto. Orígenes nos conta que se Maria não ficou escandalizada com a paixão de Cristo, então Ele não morreu por ela! Veja, então, que Orígenes também aponta o pecado de Maria que seria sua infidelidade (no sentido de ser incrédula) na cruz. Perceba, portanto, que ele diz que se nem mesmo os apóstolos ficaram isentos do escândalo, muito menos ficaria Maria. Orígenes, portanto, embora tenha referido títulos honrosos à Maria, ele não isentou-se de dizer que ela cometeu pecados pessoais e, por consequência lógica, também tenha herdado o pecado original. 244 Orígenes. Homilies on Luke, homily 17, pág. 73. JOSEPH T. LIENHARD, S.J. Acesso em 07 de Jul. 2024. 201 Cipriano de Cartago (?-258 d.C) “Em Jó: ’Pois quem é puro da imundície? Ninguém; mesmo que sua vida seja de um dia na terra’. Também no Salmo quinquagésimo: ’Eis que fui concebido em iniquidades, e em pecados me concebeu minha mãe’. Também na Epístola de João: Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós”.245 Indo para Cipriano, veja que ele diz que ninguém, repito, ninguém é isento do pecado mesmo que tenha vivido apenas um dia de sua vida nesta terra. Perceba, portanto, que Cipriano também aplica o Salmo 51 e a epístola de I João como universais a todas as pessoas. A única exceção que ele faz, ao lermos suas cartas e tratados, é para a pessoa de Jesus Cristo. Hilário de Poitiers (300-368) “[...]isto é, em que Ele tomou a forma de servo, Ele nasceu na forma de homem: em que Ele foi feito à semelhança de homem, e formado à maneira de homem, a aparência e a realidade do Seu corpo testificam a Sua humanidade, ainda que Ele fosse formado à maneira de homem, Ele não sabia o que era o pecado. Pois a Sua concepção foi à semelhança da nossa natureza, não na posse das nossas faltas[...]”.246 Hilário nos diz algo também interessante: Jesus não teve pecado pois Ele teve um nascimento virginal. O que isso significa? Isso significa que, tendo em vista que Jesus era isento de pecado por ter sido concebido virginalmente, então Maria por ter sido concebido por meio de relações sexuais, então ela teve pecado. 245 CARTAGO, Cipriano. Tratado XII, Livro III, cap. 54. Disponível em < https://www.newadvent.org/fathers/050712c.htm>. 246 POITIERS, Hilário. D Trindade, Livro X,25. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/330210.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/050712c.htm https://www.newadvent.org/fathers/330210.htm 202 Ambrósio de Milão (339-397 d.C) “[...]Ele era homem na carne, de acordo com sua natureza humana , para que pudesse ser reconhecido, mas em poder estava acima do homem, para que não pudesse ser reconhecido, então Ele tem nossa carne, mas não tem as falhas desta carne. Pois Ele não foi gerado, como todo homem, por intercurso entre homem e mulher, mas nasceu do Espírito Santo e da Virgem; Ele recebeu um corpo imaculado, que não apenas nenhum pecado poluiu, mas que nem a geração nem a concepção foram manchadas por qualquer mistura de contaminação. Pois todos nós, homens, nascemos sob o pecado, e nossa própria origem está no mal[...]”.247 Novamente vemos algo que já vimos anteriormente em Hilário: o pecado é transmitido através da concepção por meio de uma união sexual entre um homem e uma mulher. Se Ambrósio tinha a ideia de que o pecado de Adão era transmitido aos filhos pela relação sexual entre um homem e uma mulher, então Cristo é a única exceção de pecado devido este motivo. Jerônimo (347-420 d.C) Temos também o testemunho de Jerônimo contra os pelagianos: “[...]Você não diria tanto (pois você não é louco o suficiente para lutar abertamente contra Deus), mas este é o seu significado em outras palavras, quando você dá ao homem um atributo de Deus e o faz ser sem pecado como o próprio Deus[...]”.248 247 MILÃO, Ambrósio. Sobre o arrependimento, Livro I, cap. 3,12-13. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/34061.htm>. 248 Jerônimo. Contra os Pelagianos, Livro I,19. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/30111.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/34061.htm https://www.newadvent.org/fathers/30111.htm 203 Veja que Jerônimo diz o mesmo que Clemente de Alexandria disse: o não pecar é um atributo unicamente de Deus. Portanto, para Jerônimo, o pensamento de que um homem não peca é impossível devido isso ser um atributo de Deus somente. João Crisóstomo (347-407) "[...]Pois de fato o que ela tinha tentado fazer, era de vaidade supérflua; em que ela queria mostrar ao povo que ela tem poder e autoridade sobre seu Filho, não imaginando ainda nada grande a respeito Dele; de onde também sua abordagem inoportuna[...]”.249 Para finalizarmos, temos o testemunho de João Crisóstomo, conhecido também como o intérprete de Paulo para alguns, no qual diz que Maria ao procurar Jesus em meio a multidão foi vaidosa por achar que ela tinha poder e autoridade sobre Jesus a qualquer hora. Até achei engraçado ao ver esta citação, pois é algo que os católicos ainda fazem hoje em dia: colocam Maria num nível que faz ela parecer ter poder, autoridade e “acesso livre” a Jesus a qualquer hora e momento. Sinceramente, João Crisóstomo, caso estivesse vivo, iria denunciar este tipo de idolatria ao ponto de ser tido como “herege e anticatólico”. Respondendo argumentos sobre a imaculada conceição Partiremos então para as respostas aos cinco argumentos mais usados a favor da imaculada conceição: Maria ser a nova Eva, Maria Arca da Aliança, Lucas 1:28 (Kecharitomene), Agostinho dizer que Maria é isenta de pecados, e, por fim, o puro sair do impuro. Portanto, vamos para a argumentação: 249 CRISÓSTOMO, João. Homilia XLIV sobre Mateus. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/200144.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/200144.htm 204 Maria nova Eva: Conforme alguns católicos afirmam,Irineu ao dizer que Maria é a nova Eva implica que Maria teve uma concepção de forma imaculada devido Eva também ter tido. No entanto, Irineu diz que Maria é a nova Eva no sentido de obediência a Deus, assim contrastando Eva: enquanto Eva foi uma virgem desobediente, Maria foi uma virgem obediente.250 Há também uma questão de extrema importância nesta comparação que é que, na realidade, este título reprova a imaculada conceição. Por qual motivo? Pois é muito mais lógico Maria ser a nova Eva neste sentido: Eva foi gerada na bondade e trouxe o mau ao mundo. Todavia, Maria foi gerada na maldade e trouxe aquele que tira o pecado. Enquanto o primeiro Adão veio da terra pura e trouxe o mau para a raça humana, o segundo Adão (Cristo) veio de uma terra que era impura e trouxe o bem para a raça humana. Portanto, é mais lógico e até mais piedoso dizermos que Maria é a nova Eva neste sentido que foi apresentado anteriormente: gerada no pecado, mas trouxe aquele que tira o pecado do mundo. Maria como Arca da Aliança: Este título normalmente é dado devido a seguinte comparação feita entre Maria e a Arca da Aliança: Davi e Isabel (II Samuel 6:9-14 e Lucas 1:39-45). Esta comparação, no entanto, é problemática esta comparação devido a própria Escritura falar que Cristo ser a nova Arca da Aliança. É de mais fácil interpretação falarmos que a reação de Isabel foi não por causa que Maria foi até lá, mas porque o fruto que Maria carregava era a verdadeira Arca. Vejamos, portanto, que a Arca da Aliança era uma prefiguração de Cristo: 250 LYON, Irineu. Contra Heresias, Livro III, cap. 22,4. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/0103322.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/0103322.htm 205 1- A Arca era feita de madeira e era revestida de ouro (Êxodo 25:10-1). Da mesma forma, Cristo teve sua origem (da essência humana) como um homem humilde em meio ao deserto deste mundo (Isaías 53:2): embora o mundo seja vazio e seco devido o pecado, ainda há um broto que surgiu do tronco de Jessé (Isaías 11:1). Mas e o ouro? Ora, o ouro é a divindade de Cristo que se tornou evidente após a ressurreição. Embora Cristo não pareça ninguém além de um homem comum, a sua ressurreição mostrou que Ele é divino, e não meramente um homem comum. Ou melhor ainda, o ouro uniu-se a madeira da Arca ao mesmo tempo, assim como as duas naturezas de Cristo também se uniram na encarnação. 2- A Arca também era sinal da presença de Deus, conforme Êxodo 25:22; Êxodo 30:36 e Levítico 16:2. Ora, quem é o sinal visível da presença de Deus, senão Emanuel (Isaías 7:14)? Portanto, Jesus é a verdadeira presença mais próxima de Deus conosco. Ele é a realidade do que era sombra. 3- A Arca também prefigurava o sacrifício de Jesus na cruz, conforme Levítico 16:14 (onde diz que era feito um sacrifício com sangue para Deus) e também conforme o autor de Hebreus no capítulo 9. Por fim, se Maria é a Arca por carregar Cristo que tinha por prefiguração o maná, o cajado de Aarão e as duas tábuas da Lei, por qual razão eu não posso ser chamado de nova Arca? Ou ainda, por qual razão todos os crentes não podem? Pois Cristo disse que Ele e seu Pai iriam fazer morada nos crentes (João 14:23). A razão para isso é simples: a Arca era a prefiguração do Redentor, nosso Senhor Jesus Cristo. Se falarmos que Maria é a nova Arca, falamos que ela é nossa redentora. 206 Lucas 1:28 (Kecharitomene): Para falarmos sobre esta palavra e mostrar que ela não prova a imaculada conceição, pegarei o testemunho da própria enciclopédia católica: "A saudação do anjo Gabriel -chaire kecharitomene, Ave, cheia de graça (Lucas 1:28) indica uma abundância única de graça, um estado de alma sobrenatural e divino, que encontra sua explicação apenas na Imaculada Conceição de Maria. Mas o termo kecharitomene (cheia de graça) serve apenas como uma ilustração, não como uma prova do dogma".251 Veja que a própria enciclopédia católica coloca que está palavra não prova a imaculada conceição, mas apenas mostra como uma ilustração. Eles também dizem que esta palavra só de entende no dogma da imaculada conceição. No entanto, isso não é verdade. Citarei o reformador Martinho Lutero que interpretava Lucas 1:28 como uma purificação de Maria para gerar Cristo: "[...] (A) Mãe Maria, como nós, nasceu em pecado de pais pecadores, mas o Espírito Santo a cobriu, santificou e purificou para que esta criança nascesse de carne e sangue, mas não com carne e sangue pecaminosos. O Espírito Santo permitiu que a Virgem Maria permanecesse um ser humano verdadeiro e natural de carne e sangue, assim como nós. No entanto, Ele afastou o pecado de sua carne e sangue para que ela se tornasse a mãe de uma criança pura, não envenenada pelo pecado como nós somos".252 251 ENCICLOPÉDIA Católica. Imaculada Conceição. Disponível em <https://www.newadvent.org/cathen/07674d.htm>. 252 O Dia da Anunciação a Maria pelo Dr. Martinho Lutero, 1532. Disponível em <https://www.stjohnsfc.org/news/from-the-pastor/1714-he-became-like-us>. https://www.newadvent.org/cathen/07674d.htm https://www.stjohnsfc.org/news/from-the-pastor/1714-he-became-like-us 207 Veja que Lutero, o qual era um mestre em teologia253, interpretava a anunciação não apenas como uma anunciação comum à Maria, mas também uma purificação de Maria para que ela pudesse gerar Cristo. Portanto, esta abundância única de graça pode ser explicada também com a teoria da purificação de Maria: Deus purificou Maria de uma forma que ela ficou isenta de todo pecado enquanto gerava Jesus Cristo no seu ventre. Quem mais teve tal honra que gerar o próprio Deus em seu ventre? Absolutamente ninguém. Portanto, estas palavras proferidas à Maria podem ser interpretadas como a graça de ser purificada para receber Jesus em seu ventre. Assim, a imaculada conceição não se torna a única explicação para tal. Agostinho e a impecabilidade de Maria: Muito se é usado Agostinho para falar sobre a imaculada conceição, mas de forma especial é usada a seguinte fala de Agostinho em sua obra respondendo a Pelágio: "[...]Devemos excluir a santa Virgem Maria, a respeito da qual não desejo levantar nenhuma questão quando se trata do assunto dos pecados, em honra ao Senhor; pois Dele sabemos que abundância de graça para vencer o pecado em todos os aspectos foi conferida àquela que teve o mérito de conceber e dar à luz Aquele que, sem dúvida, não tinha pecado".254 Todavia, os apologistas católicos escondem o real contexto desta citação. Para resumir, Agostinho cita a lista de pessoas que Pelágio disse que não cometeram pecados em sua vida, ou melhor dizendo, que não cometeram pecados pessoais. A 253 MADUREIRA, Jonas. Clássicos da Reforma: Martinho Lutero, uma coletânea de escritos. Introdução ao pensamento de Martinho Lutero. 254 HIPONA, Agostinho. Sobre a Natureza e a Graça, cap. 42. Disponível em <https://www.newadvent.org/fathers/1503.htm>. https://www.newadvent.org/fathers/1503.htm 208 prova disso se toma com o que ele continua a dizer após falar que Maria é isenta de pecados em vida: "[...]Bem, então, se, com esta exceção da Virgem, pudéssemos apenas reunir todos os homens e mulheres santos acima mencionados e perguntar-lhes se viveram sem pecado enquanto estavam nesta vida, qual podemos supor que seria sua resposta? Seria na linguagem de nosso autor ou nas palavras do apóstolo João? Eu pergunto a você se, ao ter tal pergunta submetida a eles, por mais excelente que tenha sido sua santidade neste corpo, eles não teriam exclamado a uma só voz: 'Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos