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ISBN 978-85-472-1916-1 Marinela, Fernanda Direito administrativo / Fernanda Marinela. 11. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. 1. Direito administrativo 2. Direito administrativo - Concursos - Brasil I. Título. 16-1586 CDU 35 Índices para catálogo sistemático: 1. Direito administrativo 35 Presidente Eduardo Mufarej Vice-presidente Claudio Lensing Diretora editorial Flávia Alves Bravin Conselho editorial Presidente Carlos Ragazzo Gerente de aquisição Roberta Densa Consultor acadêmico Murilo Angeli Gerente de concursos Roberto Navarro Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Edição Liana Ganiko Brito Catenacci Produção editorial Maria Izabel B. B. Bressan (coord.) | Carolina Massanhi | Claudirene de Moura S. Silva | Cecília Devus | Daniele Debora de Souza | Denise Pisaneschi | Ivani Aparecida Martins Cazarim | Ivone Rufino Calabria | Willians Calazans de V. de Melo Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Kelli Priscila Pinto | Marília Cordeiro | Mônica Landi | Tatiana dos Santos Romão | Tiago Dela Rosa Diagramação (Livro Físico) Microart Design Editorial Revisão Microart Design Editorial Comunicação e MKT Elaine Cristina da Silva Capa Casa de Ideias Livro digital (E-pub) Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador Serviços editoriais Surane Vellenich Data de fechamento da edição: 9-1-2017 Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. http://www.editorasaraiva.com.br/direito Este livro é dedicado ao meu sobrinho Joaquim Santos Pessoa de Andrade (in memoriam), exemplo de inocência aliada à persistência, de fragilidade unida à força interior, de sorriso aliado à coragem, e de alegria na adversidade. A sua companhia foi curta, mas as suas lições foram profundas e a sua presença será eterna. Obrigada por me permitir conhecê-lo, amá-lo e admirá-lo. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 1 Coríntios 13.1 a 7 Sumário Sobre a Autora Apresentação Nota à Décima Primeira Edição Nota à Décima Edição Nota à Nona Edição Nota à Oitava Edição Nota à Sétima Edição Capítulo 1 - Noções Preliminares 1. DIREITO 2. DIREITO ADMINISTRATIVO 2.1. Conceito 2.2. Relação com outros ramos do Direito 2.3. Fontes do Direito Administrativo 2.4. Codificação do Direito Administrativo 2.5. Interpretação de regras do Direito Administrativo 2.6. Evolução histórica do Direito Administrativo 2.7. Sistemas administrativos 3. ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1. Estado 3.1.1. Poderes e funções do Estado 3.1.2. Organização do Estado 3.2. Governo 3.3. Administração Pública 4. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA 5. QUADRO SINÓPTICO Capítulo 2 - Regime Jurídico Administrativo 1. CONCEITO DE REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO 2. DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS 3. PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 3.1. Princípio da supremacia do interesse público 3.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público 3.2.1. Conceito de interesse público 3.3. Princípio da legalidade 3.4. Princípio da impessoalidade 3.5. Princípio da finalidade 3.6. Princípio da moralidade 3.7. Princípio da publicidade 3.8. Princípio da eficiência 3.9. Princípio da isonomia 3.10. Princípio do contraditório 3.11. Princípio da ampla defesa 3.12. Princípio da razoabilidade 3.13. Princípio da proporcionalidade 3.14. Princípio da continuidade 3.15. Princípio da autotutela 3.16. Princípio da especialidade 3.17. Princípio da presunção de legitimidade 3.18. Princípio da motivação 3.19. Princípio da segurança jurídica 4. A INOBSERVÂNCIA DE UM PRINCÍPIO 5. QUADRO SINÓPTICO 6. SÚMULAS CORRELATAS 6.1. STF – Súmulas Vinculantes 6.2. Súmulas STF 6.3. Súmulas STJ 7. decisões interessantes Capítulo 3 - Organização da Administração 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA 1.1. Princípios fundamentais da Administração Pública Federal 1.2. A manifestação de vontade da pessoa jurídica – teorias sobre as relações com seus agentes 2. FORMAS DE PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA 2.1. Formas de descentralização 3. ÓRGÃOS PÚBLICOS 3.1. Principais características 3.2. Classificação 4. ADMINISTRAÇÃO DIRETA 5. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA 5.1. Características gerais 5.2. Autarquias 5.2.1. Conceito e outras considerações 5.2.2. Regime jurídico 5.2.3. Autarquias profissionais 5.2.4. Autarquias territoriais 5.2.5. Autarquias de regime especial 5.3. Agências reguladoras 5.3.1. Conceito e função 5.3.2. Espécies de agências 5.3.3. Regime especial 5.3.4. Características 5.4. Fundação pública 5.4.1. Conceito 5.4.2. Natureza jurídica 5.4.3. Fundação pública de direito público 5.4.4. Fundação pública de direito privado 5.5. Agências executivas 5.6. Empresas estatais 5.6.1. Conceitos 5.6.2. Finalidades 5.6.3. Regime jurídico 5.6.4. Principais semelhanças e diferenças entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista 6. QUADRO SINÓPTICO 7. SÚMULAS CORRELATAS 7.1. STF – Súmulas Vinculantes 7.2. Súmulas do STF 7.3. Súmulas do STJ 8. decisões interessantes Capítulo 4 - Terceiro Setor 1. SETORES DA ECONOMIA NACIONAL 2. ENTES DE COOPERAÇÃO 2.1. Serviços sociais autônomos 2.2. Entidades de apoio 2.3. Organizações sociais 2.4. Organizações da sociedade civil de interesse público 2.4.1. Semelhanças e distinções entre OS e Oscip 2.5. Organização da sociedade civil 3. PARCERIAS COM PODER PÚBLICO – MARCO REGULATÓRIO 3.1. Histórico e conceito 3.2. Organização da sociedade civil 3.3. Dos impedimentos e vedações (arts. 39 a 41) 3.4. Formalização 3.4.1. Seleção 3.4.1.1. Procedimento de manifestação de interesse público 3.4.1.2. Chamamento público 3.4.2. Novos instrumentos – termo de colaboração, termo de fomento e acordos de cooperação 3.5. Medidas para execução e eficiência da parceria 3.5.1. Planejamento 3.5.2. Regras para execução 3.5.3. Monitoramento e avaliação 3.5.4. Prestação de contas 3.6. Responsabilidades e sanções 4. QUADRO SINÓPTICO 5. SÚMULAS CORRELATAS 5.1. Súmulas do STF 5.2. Súmulas do STJ 6. decisões interessantes Capítulo 5 - Poderes da Administração e dos Administradores 1. CONCEITO 2. CARACTERÍSTICAS 3. PODER VINCULADO E PODER DISCRICIONÁRIO 4. PODER REGULAMENTAR 4.1. Considerações sobre atos normativos, leis e regulamentos 4.2. Tipos de regulamento 4.3. Controle dos atos administrativos 5. PODER HIERÁRQUICO 6. PODER DISCIPLINAR 7. PODER DE POLÍCIA 7.1. Conceito 7.2. A expressão “poder de polícia” 7.3. Fundamento e essência do poder de polícia 7.4. Atos por meio dos quais se expressa o poder de polícia 7.5. Delegação dos atos de polícia 7.6. Atributos do poder de polícia 7.7. Poder de polícia e o princípio da proporcionalidade 7.8. Controle dos atos de polícia 7.9. Setores da polícia administrativa 7.10. Polícia administrativa e polícia judiciária 8. PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO 8.1. Deveres do administrador 8.2. Uso e abuso de poder 8.3. Formas de abuso de poder 8.4. Abuso de poder e legalidade 9. QUADRO SINÓPTICO 10. SÚMULAS CORRELATAS 10.1. STF – Súmulas Vinculantes10.2. Súmulas STF 10.3. Súmulas STJ 11. decisões interessantes Capítulo 6 - Ato Administrativo 1. INTRODUÇÃO E CONCEITO 1.1. Ato e fato jurídico 1.2. Ato da administração e ato administrativo 1.3. Conceito de ato administrativo 2. VINCULAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE 3. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO 3.1. Sujeito competente 3.1.1. Principais regras 3.2. Forma 3.2.1. Princípio da solenidade 3.2.2. Silêncio administrativo 3.2.3. Vício na forma 3.3. Motivo 3.3.1. Legalidade do motivo 3.3.2. Principais distinções 3.3.3. Teoria dos motivos determinantes 3.4. Objeto 3.4.1. Requisitos de validade 3.4.2. Discricionariedade e vinculação 3.5. Finalidade 3.5.1. Distinções: motivo, objeto e finalidade 3.6. Quadro comparativo 4. MÉRITO ADMINISTRATIVO 4.1. Possibilidade de controle pelo Poder Judiciário 5. ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO 5.1. Presunção de legitimidade, legalidade e de veracidade 5.2. Autoexecutoriedade 5.3. Imperatividade 5.4. Tipicidade 6. CLASSIFICAÇÃO 6.1. Quanto aos destinatários 6.2. Quanto ao alcance 6.3. Quanto à manifestação de vontade 6.4. Quanto ao grau de liberdade 6.5. Quanto ao objeto 6.6. Quanto à formação 6.7. Quanto à estrutura do ato 6.8. Quanto aos efeitos 6.9. Quanto aos resultados na esfera jurídica 6.10. Quanto à situação jurídica que criam 7. MODALIDADES DE ATOS ADMINISTRATIVOS 7.1. Atos normativos 7.2. Atos ordinatórios 7.3. Atos negociais 7.4. Atos enunciativos 7.5. Atos punitivos 8. FORMAÇÃO E EFEITOS 8.1. Perfeição 8.2. Validade 8.3. Eficácia 8.4. Possíveis combinações 9. EXTINÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO 9.1. Formas de extinção 9.2. Invalidação 9.2.1. Formas de invalidação 9.2.2. Anulação 9.2.3. Convalidação e sanatória 9.2.4. Estabilização de efeitos 9.2.5. Possíveis vícios do ato administrativo 9.3. Revogação 9.4. Coisa julgada administrativa 10. QUADRO SINÓPTICO 11. SÚMULAS CORRELATAS 11.1. STF – Súmulas Vinculantes 11.2. Súmulas STF 11.3. Súmulas STJ 12. decisões interessantes Capítulo 7 - Licitação 1. CONCEITO E FINALIDaDES 2. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR 3. SUJEITOS À LICITAÇÃO 4. PRINCÍPIOS BÁSICOS 5. CONTRATAÇÃO DIRETA – DISPENSA E INEXIGIBILIDADE 5.1. Inexigibilidade 5.1.1. Pressupostos para a realização da licitação 5.1.2. Objeto licitável e a pluralidade 5.1.2.1. Bem singular 5.1.2.2. Serviços singulares 5.1.2.3. Hipóteses legais de inexigibilidade 5.2. Dispensa de licitação 5.2.1. Licitação dispensada 5.2.2. Licitação dispensável 5.3. Imperfeições 6. REGISTROS DE PREÇOS 7. REGISTROS CADASTRAIS 8. MODALIDADES 8.1. Concorrência 8.2. Tomada de preços 8.3. Convite 8.4. Concurso 8.5. Leilão 8.6. Pregão 8.6.1. Pregão eletrônico 8.7. Outras modalidades 9. ALGUMAS LICITAÇÕES 9.1. Licitações de grande vulto e alta complexidade técnica 9.2. Licitações internas e internacionais 9.3. Licitações das microempresas e empresas de pequeno porte 9.4. Licitação para contratação de serviço de publicidade 9.5. Regime Diferenciado de Contratações (RDC) 9.6. Licitações nas empresas públicas e sociedades de economia mista (Lei n. 13.303/2016) 10. COMISSÕES DE LICITAÇÃO 11. PROCEDIMENTO 11.1. Procedimento da concorrência 11.1.1. Fase interna 11.1.2. Fase externa 11.2. Procedimento para tomada de preços 11.3. Procedimento para convite 11.4. Procedimento para concurso 11.5. Procedimento para leilão 11.6. Procedimento para pregão 11.7. Procedimento do pregão eletrônico 11.7.1. Fase interna 11.7.2. Fase externa 12. RECURSOS 13. QUADRO SINÓPTICO 14. SÚMULAS CORRELATAS 14.1. Súmulas STF 14.2. Súmula STJ 15. decisões interessantes Capítulo 8 - Contratos Administrativos 1. CONCEITO 2. CARACTERÍSTICAS 3. FORMALISMO 4. CLÁUSULAS NECESSÁRIAS 5. GARANTIA 6. DURAÇÃO DO CONTRATO 7. PAGAMENTOS DEVIDOS AO CONTRATADO 8. CLáuSULAS EXORBITANTES 9. ALTERAÇÃO CONTRATUAL 9.1. Teoria da imprevisão 10. RESPONSABILIDADES 11. REGRAS PARA ENTREGA DO OBJETO DO CONTRATO 12. FORMAS DE EXTINÇÃO 13. SANÇÕES 14. RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA 15. CONTRATOS EM ESPÉCIE 15.1. Contratos propriamente ditos 15.2. Contrato de concessão 15.3. Contrato de permissão de serviço público 15.4. Contrato de gestão 16. CONVÊNIOS E CONSÓRCIOS 17. CONSÓRCIOS PÚBLICOS 18. Contratos nas empresas públicas e sociedades de economia mista 19. QUADRO SINÓPTICO 20. SÚMULAS CORRELATAS 20.1. Súmulas STF 20.2. Súmulas STJ 21. decisões interessantes Capítulo 9 - Serviços Públicos 1. CONCEITO E ELEMENTOS DEFINIDORES 2. PRINCÍPIOS 2.1. Princípio da continuidade 2.1.1. Instrumentos para garantir a continuidade 2.1.2. Possibilidades de interrupção do serviço 3. DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL 4. CLASSIFICAÇÃO 5. DELEGAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO 5.1. Concessão comum de serviço público 5.1.1. Fundamento legal 5.1.2. Conceito 5.1.3. Poder concedente 5.1.3.1. Direitos e obrigações do poder concedente 5.1.4. O concessionário 5.1.4.1. Direitos e obrigações do concessionário 5.1.5. Direitos e obrigações do usuário 5.1.6. Natureza jurídica 5.1.7. Distinções 5.1.8. Formalidades da concessão 5.1.8.1. Procedimento licitatório 5.1.8.2. Contrato de concessão 5.1.8.3. Possibilidades de transferência 5.1.9. A remuneração e a política tarifária 5.1.10. Formas de extinção 5.2. Parcerias do Poder Público com os particulares 5.2.1. Conceito 5.2.2. Legislação 5.2.3. Objetivos 5.2.4. Modalidades 5.2.5. Características 5.2.6. Diretrizes 5.2.7. Formalização da concessão especial 5.2.7.1. Procedimento licitatório 5.2.7.2. Contrato de concessão especial 5.2.7.3. Sociedade de propósito específico 5.2.8. Concessões especiais para o âmbito federal 5.3. Permissão de serviço público 5.3.1. Conceito e requisitos 5.3.2. A precariedade e a formalização 5.3.3. Principais diferenças 5.4. Autorização de serviço público 6. QUADRO SINÓPTICO480 7. SÚMULAS CORRELATAS 7.1. STF – Súmulas Vinculantes 7.2. Súmulas STF 7.3. Súmulas STJ 8. decisões interessantes Capítulo 10 - Agentes Públicos 1. CONCEITO 2. CLASSIFICAÇÃO 2.1. Agentes políticos 2.2. Servidores estatais 2.2.1. Servidores públicos 2.2.1.1. Regime jurídico dos servidores públicos 2.2.2. Servidores de entes governamentais de direito privado 2.3. Particulares em colaboração com a administração 3. ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL 3.1. Conceitos 3.1.1. Cargo público 3.1.2. Função pública 3.1.2.1. Cargo em comissão e função de confiança: distinção 3.1.3. Emprego público 3.1.4. Contrato temporário 3.2. Cargo público – regras gerais 3.2.1. Classificação 3.2.2. Provimento 3.2.3. Nomeação, posse e exercício 3.2.4. Formas de deslocamento 3.2.5. Vacância 3.2.6. Desinvestidura – exoneração e demissão 4. REGRAS CONSTITUCIONAIS 4.1. Acessibilidade 4.2. Concurso público 4.2.1. Exceções ao concurso público 4.2.2. Requisitos para concurso 4.2.3. Publicidade 4.2.4. Mudança no edital de concurso 4.2.5. Prazo de validade 4.2.6. Direito à nomeação 4.2.7. Realização de novo concurso público 4.2.8. Concurso público e a possibilidade de controle 4.2.9. Nulidades da nomeação e da investidura – teoria do fato consumado 4.2.10. Contratação irregular – consequências 4.3. Competência para julgamento das ações 4.4. Contratação temporária 4.5. Estabilidade 4.5.1. Conceitos: estabilidade, efetividade e vitaliciedade 4.5.2. Estabilidade e o texto constitucional 4.5.2.1. Estabilidade nas pessoas jurídicas de direito público 4.5.2.2. Estabilidade nas pessoas jurídicas de direito privado 4.5.2.3. Estabilidade em resumo 4.5.3. Estabilidade e dispensa 4.5.4. Estágio probatório 4.6. Direito de greve 4.7. Direito à sindicalização 4.8. Acumulação 4.9. Sistema remuneratório 4.9.1. Modalidades remuneratórias 4.9.2. Regras para fixação da remuneração 4.9.3. Revisão remuneratória 4.9.4. Teto remuneratório 4.9.5. Princípio da irredutibilidade 4.9.6. Princípio da isonomia 4.9.7. Proibição de vinculação e equiparação 4.9.8. Pagamentos em atraso 4.10. Direitos sociais 4.11. Limite de despesas com pessoal 4.12.Aposentadoria 4.12.1. Conceitos fundamentais – premissas 4.12.2. Histórico da aposentadoria – as diversas emendas constitucionais e suas mudanças 4.12.3. Modalidades 4.12.4. Princípio da integralidade 4.12.5. Princípio da paridade 4.12.6. Teto de proventos e regime complementar 4.12.7. Contribuição dos inativos e pensionistas 4.12.8. Cenário atual 5. DIREITOS E VANTAGENS DOS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS 6. DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS 7. QUADRO SINÓPTICO 8. SÚMULAS CORRELATAS 8.1. Súmulas Vinculantes 8.2. Súmulas do STF 8.3. Súmulas do STJ 8.4. Súmulas do TST 9. decisões interessantes Capítulo 11 - Bens Públicos 1. Domínio Público 2. Conceito 3. Competência Legislativa 4. Classificação dos Bens Públicos 5. Afetação e Desafetação 6. REGIME JURÍDICO DOS BENS PÚBLICOS 7. Aquisição de bens para o Patrimônio Público 8. Alienação de Bens Públicos 9. Gestão de Bens Públicos 9.1. Utilização especial ou anormal – uso privativo 10. Bens Públicos em espécie 11. Quadro Sinóptico 12. SÚmulas Correlatas 12.1. Súmulas do STF 12.2. Súmula do STJ 13. decisões interessantes Capítulo 12 - Intervenção na Propriedade 1. Direito de propriedade 2. Intervenção na propriedade 3. Fundamentos e regras constitucionais 4. Modalidades de intervenção 4.1. Limitação administrativa 4.1.1. Indenização 4.1.2. Controle 4.2. Servidão administrativa 4.2.1. Elementos definidores 4.2.2. Formas de constituição 4.2.3. Indenização 4.2.4. Distinções 4.2.5. Causas extintivas 4.2.6. Modalidades 4.3. Requisição 4.4. Ocupação temporária 4.4.1. Hipóteses de ocupação temporária 4.4.2. Distinções 4.5. Tombamento 4.5.1. Conceito e características 4.5.2. Natureza jurídica 4.5.3. Competência 4.5.4. Bens objeto de tombamento 4.5.5. Modalidades 4.5.6. Obrigações 4.5.7. Indenização 4.5.8. Procedimento 4.5.9. Extinção 4.6. Desapropriação 4.6.1. Objeto 4.6.2. Competência 4.6.3. Modalidades de desapropriação 4.6.3.1. Desapropriação comum 4.6.3.2. Desapropriação sancionatória 4.6.3.3. Desapropriação indireta 4.6.3.4. Desapropriação privada 4.6.4. Situações especiais – destinação dos bens desapropriados 4.6.5. Procedimento administrativo 4.6.6. Procedimento judicial – ação de desapropriação 4.6.7. Da indenização 4.6.8. Ação de desapropriação rural 4.6.9. Desapropriação de enfiteuse 4.6.10. Direito de extensão 4.6.11. Tredestinação 4.6.12. Retrocessão 5. Quadro sinóptico 6. Súmulas Correlatas 6.1. STF – Súmulas Vinculantes 6.2. Súmulas do STF 6.3. Súmulas do STJ 7. decisões interessantes Capítulo 13 - Responsabilidade Civil do Estado 1. Aspectos Gerais – Fundamentos 2. Evolução 3. Tipos de responsabilidade 4. Elementos definidores 4.1. Sujeitos 4.2. Conduta estatal lesiva 4.3. Dano indenizável 4.4. A indenização 4.5. Hipóteses de exclusão 5. VIAS PARA REPARAÇÃO DO DANO 6. AÇÃO JUDICIAL – LEGITIMIDADE PASSIVA 7. AÇÃO REGRESSIVA 8. DENUNCIAÇÃO DA LIDE 9. Prescrição 10. QUADRO SINÓPTICO 11. SÚMULAS CORRELATAS 11.1. STF – Súmulas Vinculantes 11.2. Súmula STF 11.3. Súmulas STJ 12. decisões interessantes Capítulo 14 - Controle da Administração 1. INTRODUÇÃO E CONCEITO 2. Evolução 3. CONTROLE DO ESTADO – ATIVIDADE POLÍTICA E ATIVIDADE ADMINISTRATIVA 4. CONTROLE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA 4.1. Classificação 4.1.1. Quanto ao órgão controlador 5. CONTROLE ADMINISTRATIVO 5.1. Aspectos gerais 5.2. Meios de controle 5.3. Órgãos específicos de controle 6. CONTROLE LEGISLATIVO 6.1. Tribunais de Contas 7. CONTROLE JUDICIAL 7.1. Meios de controle judicial 7.1.1. Mandado de segurança 7.1.2. Ação popular 7.1.3. Ação civil pública 7.1.4. Mandado de injunção 7.1.5. Habeas data 7.1.6. Ação direta de inconstitucionalidade 8. ATOS INTERNA CORPORIS 9. QUADRO SINÓPTICO 10. SÚMULAS CORRELATAS 10.1. Súmulas Vinculantes 10.2. Súmulas STF 10.3. Súmulas STJ 11. decisões interessantes Capítulo 15 - Processo Administrativo 1. CONCEITO 2. FONTES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 3. OBJETIVOS E OBRIGATORIEDADE 4. PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 4.1. Princípio do devido processo legal 4.2. Princípio do contraditório 4.3. Princípio da ampla defesa 4.4. Princípio da verdade real 4.5. Princípio da legalidade e princípio da finalidade 4.6. Princípio da motivação 4.7. Princípio da razoabilidade e princípio da proporcionalidade 4.8. Princípio da oficialidade 4.9. Princípio da autotutela 4.10. Princípio da celeridade 5. MODALIDADES DE PROCEDIMENTO 6. A lei geral do Processo Administrativo – Lei n. 9.784/99 6.1. Aspectos gerais 6.2. Fases do procedimento 7. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR 7.1. Conceito e finalidade 7.2. Tipos de procedimento disciplinar 7.2.1. Sindicância 7.2.2. Processo administrativo propriamente dito 7.2.3. Processo sumário 7.2.4. Verdade sabida 7.3. Processo administrativo disciplinar propriamente dito 7.4. Prescrição e duração do processo 7.5. Independência das instâncias 8. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO 9. QUADRO SINÓPTICO 10. SÚMULAS CORRELATAS 10.1. STF – Súmulas Vinculantes 10.2. Súmulas STF 10.3. Súmulas STJ 11. decisões interessantes Referências Bibliográficas Sobre a Autora Fernanda Marinela é advogada, presidente da seccional da OAB do Estado de Alagoas, Coordenadora Adjunta do Colégio de Presidentes de Seccionais, Professora de Direito Administrativo da Rede de Ensino LFG, Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2012-2015), Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB, Membro da Comissão Nacional de Direito Administrativo da OAB, Membro da Comissão Nacional de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Membro-Fundadora do Instituto Cultural para a Difusão do Conhecimento Jurídico – INJUR, Professora de Curso de Capacitação em diversos órgãos públicos, Coordenadora do Curso de Pós- Graduação em Direito Público na Rede LFG. Autora dos livros: • Servidores Públicos, Editora Impetus • Lei Anticorrupção – Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, Editora Saraiva (coautoria) • Lei n. 8.112/90 em questões comentadas, Editora Saraiva (coautoria) • Advocacia Pública Estadual (coordenadora) • Vade Mecum da Mulher, Editora Forum (organização) • Temas Aprofundados – Magistratura, Editora JusPodivm (obra coletiva, coautoria) • Manual do Direito Homoafetivo (obra coletiva, coautoria) • Leituras Complementares de Direito Administrativo – Advocacia Pública, Editora JusPodivm (coordenação e coautoria) • Leituras Complementares de Direito Administrativo – Licitações e Contratos Administrativos, Editora JusPodivm (coordenação) • Prática Administrativa, v. 1 e 2, Editora Premier (coautoria) • Grandes Temas de Direito Administrativo em Homenagem ao Professor Paulo Henrique Blasi, Editora Millennium (obra coletiva, coautoria) Site: www.marinela.ma http://www.marinela.ma Apresentação O Direito Administrativo brasileiro, a partir da década de 1990, tornou-se o cenário de uma nítida rediscussão epistemológica. A tradicional influência da Escola Francesa, baseada no tripé serviço público, administração pública e ato administrativo, notabilizou-se em todo o século XX, seja nas academias, seja na jurisprudência. Gaston Jèze, Léon Duguit e Louis Josserant, expoentes máximos dessa escola, encontraram no Brasil a integral aceitação nas obras de Hely Lopes Meirelles, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Modernamente, a Escola Anglo-Saxã tem obtido grande desenvolvimento teórico no País, com a liderança de Carlos Ari Vieira Sundfeld e da Sociedade Brasileira de Direito Público. Novos institutos e figuras jurídicas, como as parcerias público-privadas, as agências reguladoras e o princípio da eficiência, passaram a integrar o referencial teórico do Direito Administrativo, rompendo com a antiga hegemonia francesa. É nessa realidade de acomodação entre dois modelos diferentes que se observao surgimento de novos doutrinadores no Direito Administrativo, cujo mérito está na ultrapassagem do momento atual e na formulação de um modelo teórico – ainda pouco claro e nada definido – para essa importante ciência, responsável pelo perfil jurídico das mais importantes instituições do Estado contemporâneo. Assim pode-se dar as boas-vindas à sexta edição do livro Direito Administrativo, de autoria da Professora Fernanda Marinela. O livro que chega às mãos do leitor não é apenas a atualização da última estampa. A estrutura da obra é muito interessante para os que buscam aprofundar seus conhecimentos em atenção aos concursos públicos, porque apresenta o estado-da- arte da jurisprudência nacional sobre Direito Administrativo, ao passo que confere ao estudante uma visão completa dos mais importantes doutrinadores contemporâneos na área. No entanto, os operadores do Direito encontraram no livro da Professora Fernanda Marinela muitos elementos imprescindíveis à sua atuação profissional, seja pelo rigor metodológico, seja pela maneira aprofundada com que ela aborda temas muito polêmicos como Servidores Públicos, Agências Reguladoras e Estrutura do Estado. O “Direito Administrativo” foi ordenado conforme a tradição francesa. Parte de categorias gerais do Direito, sua divisão e suas províncias, e chega aos princípios gerais do Direito Administrativo para, então, apresentar os vértices de cada uma de suas mais importantes subáreas. O toque anglo-saxão, contudo, não é esquecido, dada a adequada leitura de temas modernos como as parcerias público-privadas e os contratos de gestão. As licitações e os contratos administrativos merecem grande destaque no livro, o que supre deficiências encontradiças em obras do gênero, as quais, não raro, se dedicam às generalidades sobre esses temas, sem, contudo, fornecer ao leitor um instrumento eficaz para solução de seus problemas quotidianos. Em cada Capítulo, há diversos acórdãos, com grande atualidade, sobre o tema abordado. A jurisprudência, que a autora teve o cuidado de atualizar, serve de reforço – ou de necessário contraponto – às conclusões de cada Capítulo, o que facilita a pesquisa do leitor, dispensado de confrontar as lições teóricas com o pensamento dos tribunais. Fernanda Marinela, paulista por geografia, alagoana in pectore, é autora de outros livros, entre os quais se ressaltam Servidores Públicos e Leituras Complementares de Direito Administrativo. Além de prolífica autora, ela é advogada e docente na pós-graduação em Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia. Seu contato com o universo dos concursos públicos é significativo. Fernanda Marinela também leciona na Rede LFG de Ensino Telepresencial, com transmissão para diversos estados brasileiros. Essa experiência forneceu-lhe subsídios dos mais ricos para compreender as necessidades didáticas dos que se submetem aos cada vez mais difíceis exames de admissão para as carreiras jurídicas. O grande mérito dos prefácios e das apresentações é o de revelarem um pouco das qualidades da obra e de seu autor, sem, contudo, cansar os leitores com textos enfadonhos, porque longos. E a ambição deste apresentador é a de cumprir, tanto quanto possível, esse desafio imposto aos que se aventuram nesse mister. Daí a imperatividade de abreviar a apresentação, não sem antes deixar algumas palavras ao destinatário deste livro, o leitor. A obra de doutrina é um exemplo de sacrifício. O autor dedica seu tempo e sua inteligência a sistematizar conceitos e condensar centenas de posições dogmáticas e jurisprudenciais em poucos capítulos. De outro lado, é um exemplo de coragem, pois seu responsável expõe- se à crítica, não pouco generosa, muitas vezes, de seus pares na universidade e da comunidade jurídica. Sacrifício e coragem, eis o signo que rege toda a empreitada de oferecer ao próximo um pouco do conhecimento adquirido, por ventura própria e pela graça de Deus. Receba o leitor esta obra com a certeza de que a professora Fernanda Marinela descometeu-se de seu objetivo com esses dois valores, e o resultado desse esforço, ao meu sentir, é digno dos melhores encômios. Humberto Martins Ministro do Superior Tribunal de Justiça Nota à Décima Primeira Edição De que adianta viver sem ter uma bela história para contar no final? De que adianta lutar, sem ter um ideal? De que nos adianta lutar sem curtir Conquistar sem usufruir Ter direitos e não agir? Nada! Porque o melhor da conquista está na luta As pessoas que importam são aquelas que vão conosco para a disputa Os atos mais nobres vêm das companheiras de labuta. E quando vencemos, tomamos ou conquistamos o que queremos Temos que olhar a trilha que deixamos E estar do lado daqueles que amamos Para ser um exemplo, na hora em que morremos. Estimado leitor, finalizo esta edição do livro em mais uma madrugada insone e em meio a muitas preocupações. Estamos vivendo um momento histórico, em que nosso país se encontra numa encruzilhada que definirá o nosso futuro como nação democrática constitucional. As instituições, pilares fundamentais de qualquer nação soberana, foram e continuam sendo testadas, avaliadas e submetidas a um rigoroso teste de compatibilidade constitucional jamais visto na história da nossa jovem democracia. Nossa Carta Magna está sendo revisitada e reinterpretada de modo inédito por todos os três Poderes da nação, o que de certo ponto de vista é saudável, pois a Constituição Federal, mais do que uma “Lei”, é o dispositivo que explicita tanto o passado de uma nação quanto direciona o seu futuro com base em seus valores maiores. E esses valores estão sendo postos em xeque. Nossa sociedade civil acordou de uma hibernação forçada com a ditadura, os protestos são uma evidência disso, e estamos cheios de tanta corrupção emanando de todos os níveis da estrutura governamental. D’outro lado, vemos uma verdadeira caça às bruxas, com vazamento seletivo de informações confidenciais, ofensa às garantias constitucionais e com uma notória publicidade ofensiva. Se de um lado tem-se corruptos, do outro tem-se inquisidores. E espremido no meio disso estamos nós, o povo. Estamos sendo bombardeados por denúncias e escândalos sem precedentes, inundados por informações imprecisas e coagidos a exigirmos uma reação forte, imediata e casuística. Nosso sistema constitucional de freios e contrapesos está sob forte estresse, com os três Poderes da nação “esticando a corda” sob o lema da “justiça” e da “governabilidade”, mas como saber quem está certo neste momento? É a hora de confiarmos em nossas instituições. Sim, pois são elas quem garantem estabilidade a um governo, quem analisa os fatos de uma perspectiva histórica, prudente e justa, e não no calor da emoção dos acontecimentos. Não temos como negar que é agradável para os cidadãos de bem ver os corruptos indo para a cadeia, assistir a trechos de gravações telefônicas e ler trechos de delações premiadas em primeira mão nos telejornais. Dá-nos uma sensação de que a Justiça está saindo da letargia e que, finalmente, o bem vai vencer o mal. Mas a história é pródiga em nos mostrar inúmeros exemplos em que, depois que certos limites são ultrapassados, as garantias constitucionais conquistadas a duras penas podem virar pó, e a próxima vítima pode ser você. Não temos como deixar de aplaudir as operações policiais, a força-tarefa do MP e o esforço descomunal do Judiciário. Mas, como diz minha avó: Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Nesta hora, lembro-me de uma célebre frase de James Madison no artigo 51 da obra The federalistpapers: “Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos”. Deixemos as instituições exercerem o seu mister, deixemos o sistema de freios e contrapesos agir, não com embates institucionais, mas como forma de garantir a pura e verdadeira democracia. Confiemos no nosso Brasil e tentemos fazer dele um lugar cada vez mais justo, humano e igualitário. Finalmente eu queria pedir a cada um de vocês que faça a SUA parte. Combata a corrupção dando exemplo em casa, no trabalho, para seus parentes, amigos, colegas e vizinhos. Um país melhor se faz com instituições sólidas e cidadãos melhores. Tenham a consciência de que temos que lembrar do ONTEM, viver o HOJE e construir o AMANHÃ! Vamos ao livro: Nesta 11ª edição tivemos importantes inserções. O capítulo de Licitações foi reestruturado em razão da Lei n. 13.303/2016, que instituiu o novo regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, estabelecendo as regras sobre as contratações pelas estatais. A denominada Lei da Responsabilidade das Estatais (LRE) busca inserir em nosso ordenamento jurídico uma nova perspectiva de gestão, estabelecendo regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração, dentre outras importantes normas que ainda serão objeto de implementação e até mesmo de discussões. O Decreto n. 8.945, de 27 de dezembro de 2016, que regulamenta o Estatuto, também é objeto de breve análise em nosso livro. Outra importante inovação legislativa foi a aprovação da Lei n. 13.300/2016, que regulamentou o procedimento do mandado de injunção, estancando algumas dúvidas e discussões, principalmente acerca dos seus efeitos. No capítulo de Intervenção na Propriedade, também foram inseridas as inovações da Medida Provisória n. 759/2016, que, dentre outras disposições, estabeleceu novas regras para as desapropriações para fins de reforma agrária. Além das novas repercussões gerais julgadas pela Suprema Corte, tivemos a aprovação de mais Súmulas Vinculantes, totalizando atualmente 56 enunciados. Comentamos também a promulgação de duas relevantes Emendas Constitucionais, a EC n. 94/2016 (institui o novo regime de pagamento de precatórios) e a EC n. 95/2016 (Teto dos Gastos Públicos ou do Novo Regime Fiscal). Em todos os capítulos foram insertas novas decisões interessantes julgadas no ano de 2016 assim como outras atualizações legislativas nas leis mais corriqueiras correlacionadas à nossa disciplina. Bons estudos, bom trabalho. Sejamos todos FELIZES! Fernanda Marinela Nota à Décima Edição “A única coisa necessária para o triunfo do mal, é que os homens de bem não façam nada.” Edmund Burke Prezado leitor, esta nota está sendo escrita em um diferente momento. Normalmente as escrevo assim que finalizo a atualização da nova edição. Mas não desta vez. Acabo de passar por uma nova experiência em minha vida. Fui eleita, hoje, 18.11.2015, para a presidência da Seccional da OAB de Alagoas, o que é para mim uma alegria indescritível. Desde pequena eu sonhava que poderia mudar o mundo, eu realmente queria tornar o mundo um lugar melhor. Com uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais feliz. Daí um dia eu aprendi que os sonhos existem para se tornarem realidade. Para nos colocar em movimento, em marcha, para agirmos e serem alcançados. Então, desde esse dia, eu não durmo para descansar, mas durmo para sonhar. Nunca me iludi, sei que ninguém pode sozinho mudar o mundo. Mas sei que eu posso sozinha fazer a minha parte e começar a trabalhar para contagiar, angariar, cooperar com outros que pensam igual a mim. E assim, pouco a pouco, fazer a minha, a tua, a nossa parte e entregar aos nossos filhos um mundo melhor do que encontramos. Mas sonhar exige trabalho e dedicação. Sempre nos deparamos com pessoas falando mal da política e dos políticos. Ouvir as pessoas comentando desta forma me causava um sério incômodo: Porque tanta gente fala mal e ninguém faz nada? Porque deixamos os mesmos políticos nos mesmos lugares e ninguém tenta mudar esta realidade? Porque apenas criticar em vez de agir? Daí resolvi alimentar o fogo que existia na planície de minh’alma, ouvir o rufar dos tambores e sucumbi ao ímpeto de permitir que meu nome fosse entregue a uma pesquisa para avaliar a aceitação para concorrer às eleições da Seccional da OAB em Alagoas. Nunca pensei em fazer política, nem a de classe. Mas há três anos pude conhecer o mundo que é a Ordem dos Advogados do Brasil ao me tornar Conselheira Federal e ter a oportunidade de contribuir diretamente com melhorias tangíveis na vida dos cidadãos, como a aprovação de 30% das vagas para as mulheres na Ordem e a aprovação da repescagem no Exame da Ordem. Ano passado fui convidada a fazer parte da equipe de transição do Governo do Estado e tive a oportunidade ímpar de conhecer por dentro todas as engrenagens que fazem funcionar o Poder Público, com uma visão privilegiada. Essas experiências me permitiram ver na prática como ações políticas e boa vontade podem interferir diretamente na vida do cidadão e reafirmei a ideia de que querer fazer o bem e mudar o mundo é uma questão apenas de índole e boa vontade de cada um. Diante dessa realidade, e percebendo que o sistema político atual está notadamente falido, resolvi pegar meus bens mais preciosos: meu nome, minha história, minha credibilidade e jogar no abismo que é a política (mesmo que de classe). Saltei para um abismo imenso e escuro sabendo que não havia rede de proteção lá embaixo, confiando apenas que a vontade de mudar o mundo não era só minha. Durante a campanha fui alvo de zombarias. Chegaram ao absurdo de publicar um vídeo com uma animação em que eu aparecia apanhando do meu marido. Logo ele, meu maior apoiador e incentivador. Fui alvo de achincalhamentos, de pseudomatérias jornalísticas compradas que me atribuíam calúnias, com boatos de todos os tipos, que tentavam desconstruir minha imagem como advogada, como professora, como alagoana de coração que sou, como mãe e como mulher. E como mulher, pude perceber da pior forma possível como ainda há discriminação. Como o simples fato de ser do sexo feminino pesava contra mim nas eleições. Mas eu não desisti. Segui trabalhando, lutando e suando para contagiar, convencer e empolgar os advogados alagoanos a trabalharem de mãos dadas e darem a sua contribuição para um país mais justo e fraterno. Como disse anteriormente, eu saltei para um abismo sem rede de proteção e sem saber o que havia lá embaixo. Saltei porque acreditava em minhas convicções, porque sonho com uma nova realidade, porque sei que alguém tem que fazer alguma coisa. Ofereci-me. Saltei. E, como eu acreditava, fui pega no colo pelos advogados alagoanos, que votaram em mim e acreditaram que, junto comigo, podemos fazer uma OAB melhor, uma sociedade melhor, um mundo melhor. E por isso eu agradeço a você, meu leitor. Agradeço porque com você nenhum caminho é difícil, nenhuma mentira vai me abalar, nenhuma calúnia vai me tirar do eixo, porque caminho com os meus colegas, estou entre os meus amigos. Em todos os momentos difíceis que eu passei, foram as palavras de apoio e de agradecimento que me apoiaram. Recebi recados de todo o Brasil, de norte a sul. Recados de força, de fé e de incentivo. Vocês não tem ideia do quanto isso foi importante! Na vidaeu tenho uma grande ambição. A minha ambição é, junto com vocês, de mãos dadas, ajudarmos a mudar as coisas para o bem comum. É provar para os nossos filhos que vale a pena ser ético, que vale a pena trabalhar duro, que vale a pena estudar muito e que vale a pena ser digno! Que vale a pena crescer por méritos próprios e não atacando quem está ao teu lado. Existe uma frase de Jung que diz: Todos morremos frustrados por não termos tido a vida que queríamos. Eu digo que nós podemos realizar nossos sonhos e construir a vida que queremos, pois quem realiza um sonho, constrói uma parcela de sua própria eternidade. Uma parcela, só uma parcela... ...mas ainda assim, uma parcela. Falando agora do livro, este Manual chega à sua 10ª edição com uma Marinela muito mais vivida, mais madura e com uma visão de quem conhece a teoria e a prática do Direito Administrativo brasileiro. Não me ative apenas aos balcões da academia, mas fui conhecer a prática e o dia a dia da matéria. Aliar a teoria à prática é o meu desafio mais recorrente. Como explicar determinados institutos que existem na teoria e não na prática e vice-versa? Seguindo essa linha, esta edição foi totalmente atualizada com a inserção das novas súmulas vinculantes, das recentes súmulas aprovadas pelo Superior Tribunal de Justiça e das repercussões gerais julgadas durante o ano de 2015. Também incluímos as alterações introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), que instituiu novas regras de desempate no procedimento licitatório e nos contratos administrativos. As alterações legislativas da Lei de Serviços Públicos (Lei n. 8.987/95) e a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei n. 11.079/2004) também foram analisadas nesta edição, oportunidade em que tecemos comentários ao Decreto n. 8.428/2015, que dispõe sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). No capítulo de agentes públicos foram atualizadas as regras acerca da aposentadoria compulsória em razão da aprovação da Emenda Constitucional n. 88/2015. Outra novidade que tivemos no ano de 2015 e que representou um grande avanço foi a aprovação da Lei n. 13.129/2015, que dispõe sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e também introduziu importantes alterações na Lei de Arbitragem de interesse para o Poder Público. Assim, apesar das eleições e de todo o tempo dedicado à campanha, em momento algum esqueci dos meus leitores, e a 10ª edição é entregue totalmente atualizada e contando com todas as relevantes novidades pelas quais o Direito Administrativo passou durante este inesquecível ano de 2015! Um excelente ano e não se esqueçam: devemos também agir, para o bem do nosso Brasil. Bons estudos! Fernanda Marinela Nota à Nona Edição A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro. John Fitzgerald Kennedy Se você já leu O pequeno príncipe, peço que o leia de novo. Tenho esse livro sempre perto de mim e cada vez que o leio parece um novo livro. Tenho certeza de que isso vai acontecer contigo. O interessante é que isso prova que o livro não muda, e sim a gente. Mudamos constantemente no decorrer da vida. Quero começar contando uma história verdadeira de que tive o prazer de participar. Há alguns anos, conheci um leão. Isso mesmo, um leão! Tratava-se de um espécime excepcional! Muito bonito, forte, ágil e perspicaz, mas que nasceu preso em uma jaula. Para poder viver na jaula, o leão foi submetido a uma série de adaptações, que deixaram fortes cicatrizes em seu corpo, mas que eram estritamente necessárias para permitir sua estadia. A jaula o impedia de correr, de crescer, de conviver com seus semelhantes e de exercer a força de sua alma. Mas mesmo dentro daquela jaula, onde, frise-se, era tratado com todo o carinho possível, ele soube ser feliz, pois entendia que aquilo seria apenas por um tempo. O tempo necessário para o seu próximo estágio: a evolução e a liberdade total. O leão foi crescendo e se acostumando com a vida dentro da jaula, mas, dentro de si, ele sabia que aquilo era temporário. Tinha que ser, pois seu espírito era maior que aquela jaula. Sabendo disso, em vez de se lamentar, ele aproveitou cada minuto que passou preso, aprendendo, brincando, curtindo e extraindo tudo que havia de bom em seu cativeiro e tudo que lhe era oferecido. Dando e recebendo amor, carinho, dedicação e solidariedade. E por dois anos e pouco ele foi feliz, do jeito que dava para ser, do único jeito que tinha que ser. O leão irradiava alegria, iluminava corações e exalava simpatia, sempre do seu jeito bravo, afinal, tratava-se de um leão. Mas ele soube extrair e devolver felicidade para os seus próximos, do seu jeito, como só um leão sabe fazer e só os que conviveram com ele sabiam compreender; ele dominou e reuniu os seus semelhantes, sem deixar ninguém se desgarrar de seu bando. E então, quando ele já parecia completamente adaptado à jaula, resolveram, corajosamente, destrancar os cadeados, abrir a porta e dar-lhe a chance de escolher o seu caminho. O leão pensou... pensou... titubeou... sofreu um pouco. Mas, ao final, a sua alma de leão falou mais alto e, aos poucos, como uma estrela cadente em câmera lenta, como uma flor que vai secando, ou mesmo como uma rosa desabrochando, o leão vagarosamente passou pela porta da jaula e partiu para a floresta, ganhou a merecida liberdade e, agradecendo do seu jeito, adentrou no desconhecido deixando em todos um sentimento confuso e misto de alegria por ter com ele convivido, tristeza por tê-lo deixado, alegria novamente por tê-lo conhecido e, mais do que tudo, conforto por ter dado a ele, todo o conforto e todo o amor que podia ser doado. Joaquim Santos Pessoa de Andrade, meu sobrinho querido, nasceu em 12.03.2012 com a metade do coração, o lado direito, e nem se sabia se ele nasceria vivo. Passou sete meses na UTI de um hospital em Fortaleza e no primeiro ano de vida sobreviveu a quatro cirurgias e a uma série de procedimentos; sua chance de sobreviver ao primeiro ano de vida era de uma em 5.000. Esta linda criança superou tudo com sorrisos e demonstrações de alegria indescritíveis, fazendo compensar todo o esforço e renúncia heroicos de minha irmã e meu cunhado. Aos dois anos de vida, era uma criança aparentemente normal, alegre e, dentro de suas limitações, feliz, muito feliz e amada. Então, no auge de sua “saúde”, ele fez a última cirurgia, aquela que selaria seu destino. E, após uma semana de complicações, quis os céus que este leão em espírito deixasse a jaula de seu corpo e seguisse seu caminho, deixando-nos ao mesmo tempo meio órfãos e uma linda lição de vida, a qual tenho o privilégio de poder compartilhar com vocês. Contei a história acima não para ser encarada como um drama, mas como uma lição de amor à vida, de como se deve viver e para nos lembrarmos sempre de duas coisas: aproveite cada momento e saiba que isso vai mudar. É uma linda manhã de verão na minha querida terra das Alagoas. Faz pouco tempo que o sol irradiou seus primeiros raios deste primeiro dia de 2015, mais um ano, mais uma mudança. “Mudança”, já ensinava o filósofo grego Heráclito, é a única coisa constante em nossas vidas. Então, aproveite! Beba aquela garrafa de bebida cara que está guardada, acenda as velas que enfeitam a mesa, use aquela roupa nova. O dia especial para o qual você está guardando isso tudo é o HOJE!!! Amanhã, tudo pode estar diferente, afinal, tudo muda na vida. Mudamos nós mesmos nossa forma depensar, mudamos as pessoas que convivem conosco, mudamos o ambiente a nossa volta, que, por sua vez, muda a gente. A mudança é uma realidade que devemos sempre encarar com coragem, alegria e vontade de aprender, de se adaptar. Comigo, como você já percebeu, ocorreram muitas mudanças, muitas mesmo! Mudei de editora, agora publico pela Saraiva, uma grande editora, a maior do Brasil, que não só me convidou, mas que bravamente “lutou” por mim, fato que muito me alegra. Mas não poderia deixar de dizer o quanto a Impetus me ajudou e foi importante em minha carreira, pois foi lá que reuni coragem e obtive o incentivo para escrever o livro completo, foi lá que iniciei, de verdade, minha carreira como escritora, pelo que serei sempre grata. Mas a vida é feita de mudanças, ciclos que iniciam e terminam quando somos impelidos por nossos corações a crescer, a alçar sempre novas empreitadas, a voar cada vez mais alto seguindo a estrela guia de nossos corações. Assim, acreditando no imponderável, confiei e mudei. E a mudança não foi só de editora. Hoje me sinto mais madura e, graças às oportunidades que a vida me proporcionou, tive o privilégio de conhecer o Direito Administrativo na sua versão mais pura. Neste 2014, tive a honra de conhecer Ministérios e de participar de reuniões no Congresso Nacional e terminei o ano com a participação na equipe de transição do Governo do Estado das Alagoas, na qual imergi por três meses (uma das razões do atraso no lançamento do livro que valeu muito a pena, pois pude, por mais uma vez, estudar, analisar e entender cada engrenagem que move o sistema governamental, com a visão do todo). Vi a fundo cada Secretaria, cada órgão, cada departamento, cada função. Vi como atuam, para que atuam e por que atuam. Vi as dificuldades práticas e, especialmente, o porquê da existência de cada instituto do Direito Público e de suas relações com o Estado. Assim, enxergando novamente a Administração Pública também de dentro para fora, as coisas ficam ainda mais claras, e elas me permitiram crescer, mudar e também realizar muitas mudanças no livro, não só no seu conteúdo geral, mas também para refletir as alterações legislativas ocorridas desde a última edição. Repensar o novo Direito Administrativo frente aos desafios da atualidade. Com o novo CPC e a Lei das Parcerias Voluntárias, vários conceitos foram alterados, mais uma razão do atraso da obra. O livro ganhou mais um capítulo, o do Terceiro Setor, que passa a tratar dos entes de cooperação, bem como o Marco Regulatório das Parcerias Voluntárias e as denominadas Organizações da Sociedade Civil. Nas licitações e contratos, também tivemos mudanças importantes em razão da edição da Lei Complementar n. 147/2014, que estabeleceu novas regras para as microempresas e empresas de pequeno porte. Regras que, apesar de não alterarem diretamente a Lei n. 8.666/93, criam novas preferências para essas empresas. A Emenda Constitucional n. 81, de 05.06.2014, introduziu mudanças significativas nas desapropriações previstas no art. 243 da CF. Além das novidades legislativas, a nova edição conta com as atualizações jurisprudenciais, com comentários às novas súmulas, repercussões gerais e recursos repetitivos julgados no último ano, aspecto fundamental para os aplicadores do Direito Administrativo, pois se trata de disciplina que, pela falta de codificação, convive com uma grande divergência doutrinária, encontrando, muitas vezes, a solução na jurisprudência. O fato de muitos temas do Direito Administrativo estarem pautados em súmulas vinculantes e repercussões gerais obriga os aplicadores do Direito a estudá-los e conhecê-los com profundidade. Assim foi construída a 9ª edição da nossa obra, em processo de mudança, de crescimento pessoal e profissional, de muito aprendizado. Um grande abraço. Fernanda Marinela Nota à Oitava Edição Não deixe o mar te engolir!!! Charlie Brown Jr. Como é que você acorda de manhã? Será você do tipo que começa o dia resmungando, dizendo para si mesmo: “Meu Deus, outro dia... Tomara que chegue logo a sexta!”? Ou você simplesmente levanta e pensa: “Legal, mais um dia, tanta coisa para fazer!”? O primeiro caso é a norma para a maioria das pessoas. Normalmente não somos animados para nosso dia a dia. Basta olhar para os rostos das pessoas nos carros ao lado – estão sorrindo? Parece que a maioria das pessoas hoje perdeu a vontade de viver e se divertir na vida. Não há nenhum sucesso legítimo sem esforço árduo. Não há nenhum sucesso legítimo sem esforço árduo. Não há nenhum sucesso legítimo sem esforço árduo. Não, não é defeito da gráfica. Escrevi três vezes mesmo, e o fiz para dizer a mim mesma a frase acima, para dizer a você e a terceira vez para reforçar. São 04h15min da manhã de um sábado, estou sentada em uma das apertadas poltronas do avião saindo de Maceió com destino a São Paulo. Acabei de atualizar o livro há exatas três horas. Passei as últimas três semanas dormindo no máximo três horas por dia, intercalando com os fins de semana cuidando dos meus pequenos com febre e com dois intensos dias no Conselho Federal da OAB. Já chorei, já me abusei, sofri e já briguei. Já tive tudo o que você possa imaginar. Me confesso exausta, cansada, acabada... Mas nunca derrotada. Neste momento, apesar de estar “só o pó”, eu estou feliz!!! Pousarei em São Paulo e irei direto para um evento acerca da Mulher Advogada, pois sou Presidente da Comissão Nacional da OAB, que começa às oito da manhã. De lá volto ao aeroporto direto, pois meio-dia tenho um voo para Brasília e, lá pousando, outro evento da Comissão Nacional de Estudos Jurídicos da OAB, da qual também faço parte, para emendar o domingo e a segunda-feira “imersa” no Conselho Federal da OAB. Tem mais, apesar de exausta, tenho que estar bem. Bem-humorada, bem- vestida, bem-penteada e bem-maquiada. E depois dizem que a vida de mulher não é diferente... Li a frase que repeti acima em um e-mail da aluna Tâmera Padoin Marques e fiquei com ela na cabeça. Serviu-me de inspiração para esta nota. Daí resolvi reescrevê-la para que você possa perceber que, para todo objetivo alcançado na vida, existem sacrifícios a serem feitos, que na vida o que importa não é o quanto você quer algo, mas o quanto está disposto a se sacrificar para atingir uma meta, e se o faz com alegria, com felicidade, com o sentimento de dar sua energia e sua vitalidade. Fazer o seu melhor, saber que está fazendo o seu máximo, percorrendo o caminho certo pela coisa certa a fazer. E fazer com alegria, curtindo cada momento, vivendo cada átimo e se entusiasmando com cada passo dado, cada item conquistado. É disso que trata a vida. Toda esta maratona está ocorrendo por uma revolução que resolvi fazer em minha vida, a de fazer parte da OAB. Como dito na nota da edição passada, resolvi entrar na Ordem para ajudar de outra forma, para contribuir para uma evolução verdadeira no Exame da Ordem, na qualidade do ensino jurídico do nosso país e para uma maior aplicação dos critérios constitucionais para os advogados que prestam concursos públicos. Vi que de nada adianta ficar só falando, agir só reclamando quando, em sendo agraciada com a confiança depositada, posso chegar a uma alçada que me permite contribuir para uma melhora no que creio serem conquistas que devem ser alcançadas. Foi e está sendo um desafio. Primeiro, porque sou mulher, e percebi que, de um total de 81 Conselheiros Federais, a Ordem só tem 05 mulheres. Notei, meindignei, desafiei! Resultado: para a minha surpresa, apesar de ser uma “novata”, fui nomeada Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB. Assumi um desafio enorme de estudar esta nova área e lutar para uma maior igualdade entre os gêneros. Está sendo cansativo, mas vale a pena. A causa é justa e nós, mulheres, temos que ajudar a promover uma Ordem mais representativa quanto ao gênero, que reflita mais a nossa representatividade na classe. Neste ritmo, o acaso me encontrou e fui sorteada para relatar um processo atinente a eventuais alterações no Exame de Ordem, que tanto barulho tem feito neste último ano. O que acabou me conduzindo à nomeação para a Comissão Nacional de Estudos Jurídicos, e gera mais um novo desafio: tentar ser uma atora nas mudanças a fim de elevar o nível das instituições de ensino. Para quem vê de fora, quem não me conhece, pensa que a vida só é feita de flores, sem se dar conta dos enormes desafios e sacrifícios que são necessários em prol de um objetivo. O ponto é que, apesar de esgotada, exausta, sei que estou contribuindo para o bem. Faço tudo com paixão, e isso, repito, me deixa feliz! Tudo isso pode até parecer uma exibição, mas estou descrevendo esta parte de minha vida para mostrar-lhe que, para que alcancemos um objetivo, devemos empreender esforços e sempre, sempre, pensar em fazer o bem ao próximo, pois a melhor maneira de receber coisas boas, é dando algo de bom. Assim, optei por mostrar um pouco de minha vida para que você saiba que a vida de ninguém é um mar de rosas. Todos temos problemas, desafios e desejos, todos queremos crescer na vida, ter um amor de verdade, uma paixão incontida e uma carreira com dignidade, todos queremos a sorte garantida e alcançar a felicidade. Enfim, todos temos objetivos a serem alcançados. Mas que graça teria a vida se, na busca por estes objetivos, não nos sacrificássemos nem encontrássemos obstáculos? E quando os encontramos, por que focarmos nos problemas ao invés de nas soluções? Que romantismo terá o êxito sem o esforço da conquista? Qual a beleza da corrida sem a disputa ferrenha? Qual a virtude da vitória sem luta? Que graça tem o gol sem os dribles? (Tenho que falar em futebol, afinal estamos no ano da Copa.) O que eu quero é que você, leitor, perceba que a vida é o hoje, o aqui, o agora. A vida é este momento em que você está lendo esta nota. Pare e pense o quanto é bom estar aqui tendo esta “conversa”, e quantas coisas boas você tem para comemorar e agradecer. (Sempre temos algo a agradecer.) Saiba que a luta pelas suas conquistas é uma deliciosa aventura que vale a pena ser vivida, vale a pena ser curtida com graça, com piadas, com emoção, com desejo e com paixão. Tá certo que a vida não é um mar de rosas, mas tampouco é um calvário. E aí é que está o legal de viver. Portanto, amanhã, ao acordar, sinta-se bem e pense: Que legal, mais um dia, vou vivê-lo com alegria! Faça isso e: Dê um abração em quem está do seu lado, Dê um beijo de sopetão em seu amado, Transmita uma boa vibração aos mais chegados. Afague o cachorro ou o gato, Dê um bom dia àquele cara chato, Abra “aquele” sorriso imediato. Curta o sol, a chuva ou o frio e sinta: Viver é uma emoção. Sinta o ar inflando cada pulmão, Perceba o sangue em suas veias, a batida incessante do coração, Reconheça a energia que o permeia, viva cada momento com paixão. Sugue o que a vida tem a lhe oferecer: O simples fato de estar, de ser, de existir e de poder lutar. Isso é VIVER!!! Portanto, mãos à obra. Vamos estudar com alegria no coração, desfrute este momento, torne divertida cada página lida, faça legítima cada inspiração tida e, produtiva cada hora batida. A edição que chega em suas mãos foi revisada e atualizada. O ano de 2013 foi marcado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal. O julgamento histórico da Ação Penal 470 (“Mensalão”) teve os holofotes da imprensa focados nos longos debates dos Ministros na Suprema Corte. Contudo, no Direito Administrativo também tivemos embates que resultaram em decisões importantíssimas como o julgamento da repercussão geral do RE n. 589.998, que consolidou o entendimento de que os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos admitidos por concurso público não gozam da estabilidade preconizada no art. 41 da CF, mas sua demissão deve ser sempre motivada, não restringindo a decisão somente a ECT como inicialmente almejava a ação proposta. Aliás, outras repercussões gerais importantes que envolvem a Empresa de Correios Telégrafos foram julgadas em 2013, como os Temas 235 e 644, que discutiam aspectos relacionados a privilégios processuais e tributários. A Emenda dos Precatórios também foi analisada e julgada parcialmente inconstitucional, fato este que trará consequências valiosas no cotidiano forense. O Superior Tribunal de Justiça também foi destaque nos julgamentos dos Recursos Repetitivos e, por exemplo, pôs fim à discussão quanto ao prazo prescricional da pretensão indenizatória contra a Fazenda Pública, estabelecendo o prazo quinquenal do Decreto n. 20.910/1932. Temas envolvendo concurso público e sistema remuneratório foram também analisados pelo STF e pelo STJ. Importante decisão foi a proferida monocraticamente pelo Ministro Luiz Fux nos autos do Mandado de Injunção – MI 5.126, que determinou a aplicação da Lei Complementar n. 142, de 08.05.2013, a qual regulamenta o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com deficiência segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), enquanto não for aprovada a lei própria para os servidores. No ano em que completamos vinte e cinco anos de Constituição Federal, 5 (cinco) emendas constitucionais foram aprovadas. Destaque para a Lei n. 12.846, publicada em 02.08.2013, denominada “Lei Anticorrupção”, que dispôs sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A Lei n. 8.666/1993 foi alterada pela Lei n. 12.873, de 24.10.2013, que introduziu mais uma hipótese de dispensa em seu art. 24. Em 23.01.2013 foi aprovado o Decreto n. 7.892, que trouxe nova regulamentação ao Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei n. 8.666/93. Essas são algumas das atualizações que vocês encontrarão ao longo dos capítulos. Outra novidade para esta edição é que será a primeira que vai ser publicada inicialmente na versão eletrônica, por meio do APP iBuki (exclusivo para ipad®), e, por uma questão meramente de logística, só chegará às livrarias um pouco depois. Dúvidas, elogios, críticas e sugestões pelo e-mail contato@marinela.ma. mailto:contato@marinela.ma Um beijo no coração. Fernanda Marinela Nota à Sétima Edição O que mais surpreende é o homem, pois perde a saúde para juntar dinheiro, depois perde o dinheiro para recuperar a saúde. Vive pensando ansiosamente no futuro, de tal forma que acaba por não viver nem o presente, nem o futuro. Vive como se nunca fosse morrer e morre como se nunca tivesse vivido. Dalai Lama Estimado leitor, mais uma vez estamos aqui juntos. Para os poucos de vocês que “perdem tempo” lendo minhas notas, é um prazer especial que sinto ao escrevê-las. Invariavelmente as redijo imediatamente após o término da atualização deste livro. É um momento ímpar, uma sensação indescritível de dever cumprido aliado a um cansaço extremo, mas é um dos poucos momentos em que me desnudo e me permito falar um pouco de mim mesma, da minha vida, sempre no intuito de passar à frente aexperiência de vida, na esperança de que ajude alguém, que dê força para alcançar algum objetivo e alento em momentos difíceis. Neste exato momento, mais uma vez o sol está nascendo no mar da Jatiúca, em Maceió, e tenho o prazer de apreciar a paisagem enquanto escrevo, enquanto exponho brevemente minh’alma. As respostas sempre chegam no decorrer do ano e sinto uma grata satisfação com os e-mails e depoimentos lindos que recebo ao longo de todo o ano. Na última mensagem de natal a que vocês assistiram na minha aula ou no YouTube, eu falei que a vida sempre nos põe de joelhos, nos testa e sempre vai nos colocar para baixo. Também falei que cabe a nós mesmos fazer a diferença. É a gente que tem de saber achar a força para se levantar novamente, sem medo de “apanhar” de novo da vida. Acredite, a tal “força” está lá, é só achar. O ano de 2012 representa uma etapa marcante em minha vida, pois, finalmente, após 10 anos de LFG eu consegui a condição de poder dar minhas aulas a partir de um estúdio em Maceió. A alegria veio com muito trabalho e dedicação, especialmente de meu marido, Paulo Nicholas, que não mediu esforços para montar o estúdio do jeito que o LFG e eu quisemos. Desde fevereiro de 2012 eu posso dizer que comecei a ter uma vida “em família”. Que alegria! Sem mais viagens semanais, sem mais hotéis como moradia e, principalmente, sem ter de me separar dos meus mais que amados filhos. Falando em filhos, neste 2012 eu tive (e ainda estou tendo) o privilégio de conviver com um serzinho muito iluminado. Em março veio ao mundo meu sobrinho Joaquim, segundo filho da minha irmã. Mas, Joaquim veio ao mundo somente com a metade do coração, o lado direito, e nem se sabia se ele nasceria vivo, as chances eram bem pequenas. Já foram meses de UTI, quatro cirurgias, e ele continua na batalha. Nosso HERÓI, bebezinho que luta todos os dias para estar vivo e que nos ensina a cada minuto o quanto a vida é preciosa, o quanto nós precisamos dar valor a tudo que temos. E sua vida tem sido uma lição muito especial para todos nós. Um serzinho tão pequeno, tão inocente, tão frágil, com um lindo, sincero e genuíno sorriso escancarando alegria em seus olhinhos brilhantes, exalando emoção e se mostrando para mim e para todos dizendo: Eis-me aqui, titia, sou uma prova viva de persistência, de amor à vida, de viver sem medo um dia de cada vez, de saber amar e ser amado sem me importar com minha condição e com meu futuro. Futuro que vai contra todas as expectativas, mas que vale a pena pelo HOJE, por cada momento que passo com você, por cada sorriso dado e recebido, por cada batida do meu coraçãozinho, por cada respiração. Não sabemos por quanto tempo ele ficará entre nós, mas o legado que ele deixa em meu coração já está marcado no resto de minha vida: viver, aproveitar, sorver cada momento que a vida nos oferece. E nós, que temos o privilégio de estar à sua volta, aprendemos como muitas vezes somos injustos com a vida, como reclamamos de besteiras, como somos intolerantes com as coisas que não saem exatamente como a gente quer, como temos pena de nós mesmos por banalidades... Mas sabemos do nosso potencial, sabemos que podemos ir à luta... O que importa é ser feliz a cada dia, viver intensamente cada momento, aproveitar cada instante que nós temos junto às pessoas que amamos. É beijar muito, abraçar muito, agradar muito àqueles que estão do nosso lado. É respeitar os limites e defeitos do outro. É suportar com resignação as contrariedades da nossa vida. E lutar com toda garra por aquilo que nós acreditamos e queremos... E é com este espírito que coloquei a citação de Dalai Lama no início, para tentar passar a você, querido Leitor, a lição do Joaquim: de que devemos viver pensando no hoje, nos momentos presentes, curtindo quem está ao nosso lado hoje (filhos, pais, irmãos, amigos...) e aproveitando o que temos AGORA. Vivemos uma vida cheia de incertezas, de ansiedades, de previsões e de momentos em que nos sentimos pequeninos diante das adversidades da vida. Não pense que isso é um privilégio teu (rsrs). Todos nós temos os nossos momentos assim. Mas nestes momentos, quando estamos nos sentindo em uma tormenta, no fundo do poço, devemos procurar aquela luzinha no lugar onde geralmente nunca olhamos... Dentro dos nossos corações. Tomem o exemplo desse “gigante”, que leva a vida sempre por um fio e que, ao mesmo tempo, é capaz de enfrentar tudo, de desafiar prognósticos e de não só se manter vivo, mas de ainda nos dar um sorriso genuíno e um lindo brilho nos olhos! No concurso... No trabalho... A luta pelo sonho do concurso é algo muito bom, algo que deve ser visto com muita energia positiva. Ao contrário do que muitos pensam, essa não é uma carga pesada demais a ser carregada, não é um problema, não é algo negativo. Abra os olhos e veja que chance maravilhosa que está tendo na sua vida, que bom que você está aqui, que bom que está lutando, que bom que pode e quer lutar! Acredite, você pode e vai conseguir! Acredite, a sua hora vai chegar! Podemos sim vencer nossos desafios pessoais, podemos sim alcançar nosso objetivo, mas podemos e devemos fazê-lo vivendo e apreciando o presente. Claro que temos de pensar no futuro, mas não podemos, nunca, esquecer de aproveitar o presente. Nessa perspectiva, me faz um favor? Olha para o lado, ou pega o telefone ou entra na internet e diz para alguém que você gosta: “só pra dizer que te amo”. Depois me conta como foi pelo contato@marinela.ma. No mais, além do estúdio e do Joaquim, muita coisa boa aconteceu e está para acontecer. Esta será a primeira edição da “revolução”! Estou atualizando este livro pensando na versão especial que sairá no começo de fevereiro na versão mailto:contato@marinela.ma eletrônica, por meio do app iBuki, que estará disponível, por enquanto, na APPSTORE apenas para usuários de ipad. Trata-se de um meio muito legal, que eu mesma já estou usando e todos vocês poderão buscar mais informações no site www.ibuki.com.br. Creio que estamos vivendo um momento ímpar na história da humanidade. Você já parou para pensar há quanto tempo não revela uma foto? Ou vai a uma loja de CDs? Pois é, em poucos anos nos perguntaremos há quanto tempo não vamos a uma livraria. Já se imaginou levando 30 ou 40 livros na mão?!?!?! Outra boa nova é a OAB. Ousei e me candidatei na chapa RENOVA OAB-AL, e ganhamos! Faço parte agora do Conselho Federal da OAB. Isso representa um novo desafio em minha vida, um “ramo” que não conheço e do qual nunca havia participado, mas me senti impelida a isso porque acho que os meus alunos, advogados “concurseiros”, não estão devidamente representados na Ordem. Sempre entendi que a participação política é necessária a todo cidadão que vive em uma democracia. Temos a obrigação de, no mínimo, nos inteirar e cobrar as ações devidas dos políticos, pois se as ignorarmos, seremos condizentes com as injustiças que entendemos serem cometidas. Deste modo, tomada pelo sentimento de que falta alguém que levante a bandeira dos advogados-concurseiros, fui, eu mesma, assumir o posto, e me coloco à disposição de cada um de vocês advogados, concurseiros ou não, jovens ou não para que me ajudem a defender seus interesses na Ordem. Mas... E o livro, Marinela? Bem, está mais uma vez atualizado até o dia 01.01.2013, com novas http://www.ibuki.com.br jurisprudências, comentários sobre a Emenda Constitucional n. 70 e o Regime Complementar de Previdência, que interferem na vida dos servidores públicos, além das novas súmulas, repercussões gerais e alterações legislativas doano de 2012. Espero que gostem e aproveitem! Olhem para o futuro, mas não se esqueçam de aproveitar o presente. Um carinhoso abraço. Fernanda Marinela CAPÍTULO 1 Noções Preliminares 1. DIREITO A coexistência de todos os seres e a luta por sua continuidade constituem a Lei Fundamental de qualquer um deles, o que não é diferente para o ser humano que também possui, como instinto básico, a perpetuação da espécie. No mundo moderno, o homem, desde que nasce e durante toda sua vida, faz parte, simultânea e sucessivamente, de diversas instituições ou necessidades, formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses materiais ou por objetivos espirituais. Essa amálgama indefinível de sentimentos de simpatia recíproca, de amor às mesmas tradições, de aspirações de grandeza futura, de unidade e permanência de uma personalidade coletiva caracteriza-o como ser social. Desde que o homem passou a viver em sociedade, abdicou de uma parcela de sua liberdade, buscando, como contrapartida, normas e regras que garantissem sua segurança e os seus direitos. Assim surgiu a necessidade do Direito, enquanto conjunto de normas de conduta, impostas coativamente por um Estado politicamente organizado, traduzindo-se em princípios reguladores do convívio social tendentes a realizar a busca pela Justiça. A sistematização desses princípios de conduta social, em normas legais, constitui a denominada ordem jurídica, ou seja, o sistema legal adotado para assegurar a existência do Estado e a coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade. Essa ordem jurídica pode ser dividida em duas facetas: ordem jurídica interna, quando estabelece os princípios jurídicos vigentes em cada Estado, respeitados os limites de sua soberania, e ordem jurídica internacional, quando se constitui em regras superiores aceitas reciprocamente pelos Estados, visando à harmonia entre as diversas Nações, bem como dos indivíduos que as compõem nas suas relações externas. O Direito, enquanto ciência jurídica, é dividido, somente para fins didáticos, em diversos ramos. Reconhecem-se dois grandes ramos, consoante a sua destinação: ramo do direito público e ramo do direito privado. O ramo do direito público compõe-se predominantemente de normas que disciplinam as relações jurídicas, tendo o Estado como parte, seja nas questões internas, seja nas internacionais, visando regular, precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando só reflexamente da conduta individual. Nessa perspectiva, são ramos do direito público: o Direito Administrativo, que é o objetivo deste trabalho, os Direitos Constitucional, Tributário, Penal, Processual e outros. Por outro lado, o ramo do direito privado rege as relações entre particulares, tutelando, sobretudo, os interesses individuais, de modo a assegurar a convivência harmônica das pessoas em sociedade, além da fruição de seus bens, pensando nas relações de indivíduo a indivíduo. Esse ramo do Direito compõe- se, notadamente, de normas supletivas que podem ser modificadas por acordo das partes. São ramos do direito privado: o Direito Civil e o Direito Comercial ou Direito de Empresa, como preferem denominar os autores mais modernos após o novo Código Civil. Nesse contexto, é relevante ressaltar, ainda, o conceito de normas de ordem pública, que são regras imperativas e inafastáveis pela vontade das partes1. Entretanto, tais normas não podem ser tratadas como sinônimos de regras de direito público; não são conceitos sobreponíveis, considerando que o leque de normas de ordem pública é mais amplo que o de direito público. Assim, conclui- se que toda regra de direito público é também de ordem pública, mas o inverso não é verdadeiro, porque também é possível verificar regras inafastáveis pela vontade das partes no ramo do direito privado. Por exemplo, as normas sobre a capacidade das pessoas e os impedimentos para o casamento, além de outras, que, apesar de serem normas de ordem pública, compõem o ramo do Direito Civil, portanto, direito privado. 2. DIREITO ADMINISTRATIVO 2.1. Conceito O Direito Administrativo pode ser conceituado, em sentido amplo, como um ramo do Direito Público Interno que tem como objeto a busca pelo bem da coletividade e pelo interesse público. A coletividade, nessa seara, deve ser compreendida como uma entidade dotada de interesses, de direitos e deveres, de pretensões e obrigações. Daí por que se fala em direitos difusos e coletivos, ações públicas, interesse público, utilidade pública e outros. Contudo, na doutrina brasileira, o conceito de Direito Administrativo é tema de grande divergência. Essa polêmica decorre da ausência de uma definição clara quanto ao seu objeto, que vem sendo sistematicamente ampliado, modificado, ou mesmo reduzido em alguns pontos, em virtude dos novos anseios da sociedade, como também das mutações estatais que foram vivenciadas nas últimas décadas. Em razão disso, serão verificados, inicialmente, os critérios adotados pela doutrina para delimitar o objeto e demarcar a área de atuação dessa disciplina. Nos primeiros tempos, o objeto do Direito Administrativo foi definido pela Escola Legalista, também denominada exegética, empírica ou caótica, segundo a qual os doutrinadores limitaram-se a compilar as leis existentes e interpretá-las principalmente com base na jurisprudência. Essa corrente não prosperou, tendo em vista que o Direito não se esgota na lei; ele é muito mais amplo que a norma posta. Com a mudança de pensamento, em momento posterior, os doutrinadores passaram a ampliar o objeto de estudo do Direito Administrativo, fixando princípios aliados à Ciência da Administração, que envolve matéria de política de administração, e não matéria jurídica propriamente dita. Todavia, após a Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, o Estado teve de interferir de forma mais efetiva para solucionar questões sociais e econômicas geradas pelo Estado liberal, o que ampliou, sobremaneira, o campo de atuação dessa disciplina, exigindo-se uma cisão, ficando a Ciência da Administração com a atividade social do Estado e o Direito com a atividade jurídica, o que acaba envolvendo um complexo de normas e princípios jurídicos que regem a organização e a atividade administrativa desse Estado. Fica, assim, concretizada a redução do objeto do Direito Administrativo. Estando restrito aos temas de natureza jurídica, a sua formatação ficou mais sistemática e científica. Atribuem-se a essa disciplina instituições jurídicas próprias que sofreram inúmeras influências do Direito alemão, adotando-se o método técnico-jurídico, afastando-se, de vez, a orientação legalista que adotava o método exegético. Delineado de forma sucinta o âmbito do Direito Administrativo, passa-se a conceituar essa disciplina. Inicialmente, cumpre esclarecer que a doutrina estrangeira não parece habilitada a fornecer o exato conceito do Direito Administrativo brasileiro, porque a concepção nacional desse ramo do direito público interno é conferida, em outros países, ao Direito Constitucional. Por isso, não se deve copiar conceitos estrangeiros de forma acrítica. Todo cuidado é pouco! A disciplina surgiu na França e, no decorrer da história, vários “critérios” e teorias foram adotados para conceituar o Direito Administrativo. O propósito inicial que desencadeou a constituição dessa disciplina foi a ideia de definir ao Estado poderes exercitáveis em relação aos administrados. A impressão inicial era de que esse Direito teria sido criado para armaro Estado de instrumentos jurídicos para que pudesse exercer ascendência sobre seus administrados. Esse mote inicial foi substituído pelo de Leon Duguit, que passou a utilizar a noção de “serviço público”, isto é, de serviços prestados à coletividade pelo Estado, por serem indispensáveis à coexistência social, dando origem à Escola do Serviço Público. Segundo essa orientação, o Direito Administrativo tinha, como objeto de estudo, o “serviço público”, o que abrangia, na época, praticamente toda a atuação do Estado, inclusive as atividades industriais e comerciais por ele exploradas. Esse critério acabava gerando inúmeras confusões, já que incluía, em seu estudo, normas de outros ramos do Direito, tais como o Direito Constitucional, o Tributário, o Financeiro, além dos Direitos Civil e Comercial. Com essa corrente, o Direito Administrativo passava a se preocupar com atividades estranhas à sua verdadeira missão, deixando de fora outras atividades relevantes para seu objeto e que não estavam incluídas no conceito de serviço público, como, por exemplo, o exercício do poder de polícia, o que impedia que essa orientação prosperasse. Uma outra corrente doutrinária passou a se valer da atuação do Poder Executivo, definindo o chamado Critério do Poder Executivo, para o qual o Direito Administrativo centralizou todo o seu estudo na atuação desse Poder. Da mesma maneira, esse entendimento demonstrou-se insuficiente, desprezando o fato de que os outros Poderes do Estado também exercem a atividade administrativa e que o próprio Poder Executivo exerce outras atividades que não interessam, efetivamente, à disciplina, porque gozam de natureza política, configurando-se objetivo do Direito Constitucional. Encontram-se, ainda, aqueles que consideram o Direito Administrativo como o conjunto de regras que disciplinam as relações entre a Administração e os administrados, denominado Critério das relações jurídicas. Essa orientação também é imprecisa, pois esses juristas esqueceram os outros ramos de Direito Público que, da mesma maneira, preocupam-se com essas relações, como é o caso do Direito Constitucional, Penal, Processual, Eleitoral e outros, além de excluírem assuntos importantes para essa disciplina, tais como a atividade que ela exerce em proteção de seus bens. Pode-se, ainda, apontar o Critério teleológico, conforme o qual o Direito Administrativo é um sistema de princípios jurídicos que regula as atividades concretas do Estado, para cumprimento de seus fins, na busca do interesse público. Essa corrente foi defendida, no Direito brasileiro, por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, com algumas ressalvas. O quinto critério está intimamente ligado ao anterior e denomina-se Critério negativo ou residual. Para essa orientação, o Direito Administrativo deve ser observado em dois sentidos diferentes: no sentido positivo (representa os institutos jurídicos pelos quais o Estado busca a realização dos seus objetivos) e no sentido negativo (representa uma forma de definição de seus objetos, o que se faz por exclusão, afastando-se as demais funções do Estado, a legislativa e a jurisdicional, além das atividades regidas pelo direito privado). No Direito brasileiro, esse critério foi adotado por Tito Prates da Fonseca. Alguns doutrinadores brasileiros conceituaram o Direito Administrativo como o “conjunto dos princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa do Estado e a constituição dos órgãos e meios de sua ação em geral”, palavras de Mário Masagão2 e, no mesmo sentido, conceitua José Cretella Júnior3. Esse critério foi titulado Critério da distinção entre atividade jurídica e social do Estado. Ressaltem-se os critérios teleológico, residual e da distinção entre atividade jurídica e social do Estado, os quais não se mostraram incompatíveis com o nosso ordenamento. Todavia, são insuficientes quando considerados de forma isolada. Por fim, resta discorrer sobre o Critério da Administração Pública, que parece representar uma evolução conjunta dos três critérios anteriores. Segundo essa orientação, o Direito Administrativo é o conjunto de princípios que regem a Administração Pública, entendimento adotado pelo saudoso Hely Lopes Meirelles, e também por este trabalho. Para Hely Lopes Meirelles4, o Direito Administrativo brasileiro “sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Consoante o próprio autor, esse conceito exige uma análise pormenorizada, o que será feito por partes. Inicialmente, trata-se de um conjunto harmônico de princípios jurídicos, sintetização indispensável para a definição de uma disciplina autônoma, já que esta não poderia existir, enquanto ciência, sem princípios teóricos próprios, ordenados e verificáveis na prática, o que constitui o regime jurídico administrativo. Esses princípios regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas, disciplinando os atos da Administração Pública praticados, nessa qualidade, além da ordenação de sua estrutura e de seu pessoal, independentemente de essa atividade administrativa5 ser exercida pelo Poder Executivo, Judiciário ou Legislativo. No caso desses dois últimos Poderes, a atividade administrativa revela-se secundária, paralela e instrumental das suas atividades principais, que são a jurisdicional e a legislativa, respectivamente. Para completar, essas normas são tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado, o que permite conceituar essa disciplina pelo critério da exclusão. No que tange à concretude, essa atividade afasta a atuação abstrata do Estado, que é característica típica da sua função legislativa. Quanto ao seu exercício direto, isto é, a atuação independe de provocação, fica afastada a sua função jurisdicional, que representa uma atuação indireta, uma vez que a jurisdição é inerte. Quanto à atuação imediata do Estado, essa corresponde à atividade administrativa por ele exercida, que não se confunde com sua função social, caracterizada como função mediata desse ente. Por fim, é importante grifar que o Direito Administrativo não define os fins do Estado, obrigação essa do Direito Constitucional. Ele somente os realiza. Em razão da grande divergência sobre o conceito do Direito Administrativo, não se poderia deixar de apontar algumas ressalvas indicadas pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello6 ao conceito aqui adotado. Segundo esse doutrinador, o Direito Administrativo não pode ser um conjunto de normas e princípios que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem, porque consideraria a integralidade de tudo o que estivesse compreendido na função administrativa, o que não ocorre, tendo em vista que uma parcela dessas atividades é tratada por outros ramos, como o Direito Tributário, o Financeiro, o Previdenciário e outros. O autor pede cuidado com a integralidade e alerta para a existência de função administrativa fora do Direito Administrativo. Também observa o citado jurista que alguns conceitos devem ser analisados com muita cautela como, por exemplo, formulações doutrinárias que estabelecem que o Direito Administrativo é um Direito concebido em favor do Poder7. Essa definição não representa o ideal e contribui para que a disciplina seja vista como um ramo aglutinador de poderes desfrutáveis pelo Estado, quando,na verdade, deveria representar um conjunto de limitações aos poderes do Estado, como deveres da Administração perante administrados. 2.2. Relação com outros ramos do Direito A disciplina de Direito Administrativo está intimamente ligada a diversos outros ramos do Direito. Sendo assim, serão analisadas algumas dessas intersecções. Em face do Direito Constitucional, há estrita afinidade, tendo em vista que essas disciplinas cuidam da mesma entidade: o Estado. Entretanto, o Direito Constitucional representa a sua parte estrutural, a sua anatomia, cuidando das formas, estruturas e políticas estatais, estabelecendo os seus fins, os direitos e as garantias dos administrados. De outro lado, o Direito Administrativo cuida do Estado em seu papel dinâmico, funcional, sua fisiologia, estabelecendo a sua organização interna, visando satisfazer as finalidades que lhe são constitucionalmente atribuídas. Com o Direito Tributário e o Direito Financeiro, o ponto de congruência é a receita pública, pois, enquanto estes estudam as atividades vinculadas à imposição e arrecadação de tributos, a realização da receita e a efetivação das despesas são, eminentemente, atividades adstritas ao Direito Administrativo. Da mesma forma, é possível verificar ligação com o Direito Penal, por meio dos ilícitos penais praticados por agentes públicos. Contudo, é bom lembrar que ilícito penal é diferente de ilícito administrativo, pois cada ramo contém seu próprio conjunto de leis, procedimentos e sanções aplicáveis. Enquanto o Direito Penal utiliza-se do Código Penal, o Direito Administrativo alberga-se no estatuto dos seus servidores, tendo normalmente, como possíveis penalidades8, a advertência, a suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade e a destituição de cargo em comissão e função de confiança. Outrossim, é oportuno destacar que a lei penal se subordina a alguns conceitos do Direito Administrativo, como no capítulo dos crimes contra a Administração, nos arts. 312 a 327 do Código Penal. Com o Direito Processual, a afinidade tem, como principal elemento de intersecção, o Processo Administrativo, o qual segue princípios comuns aos Direitos Processual Civil e Processual Penal, enquanto essas disciplinas se utilizam de normas administrativas para a prática de seus atos e movimentação de seus processos. Tal relação estará ainda mais concreta com o advento do novo Código de Processo Civil, sancionado em 16 de março de 2015, por meio da Lei n. 13.1059. O art. 1510 prevê a sua aplicação subsidiária para o Processo Administrativo tornando esta relação norma expressa. Também é relevante observar que em diversos dispositivos o NCPC tratou dos institutos de Direito Administrativo com maior primor técnico na aplicação dos termos a comparar com os diplomas anteriores, assim se referindo adequadamente aos entes da Administração Direta e Indireta, no tratamento das autarquias, das fundações públicas de regime público e regime privado, reconhecendo o importante papel da regulação exercido pelo Estado e definindo ações administrativas a serem desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça. É também notório que o atual Direito Administrativo contribuiu com boas regras para administração da Justiça, inclusive estabelecendo o art. 8º do NCPC que o Poder Judiciário está sujeito aos princípios da legalidade, publicidade e eficiência, utilizando como parâmetro o art. 37, caput, CF, que define essas normas como princípios mínimos da Administração Pública. No Direito do Trabalho, o empregado público é o elo, agente que atua nas pessoas jurídicas da Administração Pública, mas que está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, daí porque o julgamento de suas ações será pela Justiça do Trabalho. Ademais, as Instituições de Previdência e Assistência ao assalariado são constituídas no regime de autarquias, assunto estrito ao Direito Administrativo, o que também é um ponto de coincidência com o Direito Previdenciário. Quanto ao direito privado, o Direito Civil e o Direito Empresarial misturam- se ao Direito Administrativo quando o tema se refere aos contratos e obrigações, haja vista obedecerem à mesma teoria geral e, excepcionalmente, em alguns contratos, ficar parcialmente afastado o regime público. O liame com o Direito Eleitoral decorre do fato de o Direito Administrativo ser responsável pela regência dos atos eleitorais, estando sempre presente na organização da votação e apuração dos pleitos, no funcionamento dos partidos políticos, no ordenamento e na fiscalização da propaganda partidária, dentre outros, em que pese serem regulados pelo Eleitoral. Não se poderia deixar de observar que o Direito Administrativo, de igual sorte, relaciona-se com as Ciências Sociais, tendo estritas relações com a Sociologia, a Economia Política, as Ciências das Finanças e a Estatística, por todas atuarem no mesmo campo, na sociedade, diferindo apenas em rumos e propósitos. As ciências jurídicas cuidam das normas coercitivas de conduta, enquanto as ciências sociais (não jurídicas) preocupam-se com a formulação de princípios doutrinários, deduzidos dos fenômenos naturais que constituem o objeto de seus estudos, mas desprovidos de coação estatal. Quanto à Ciência Política, também é possível apontar a inter-relação. Como atitude do homem público, a Política difunde-se e alcança todos os setores da Administração, quando os governantes dos três Poderes traçam normas ou praticam atos tendentes a imprimir, por todos os meios lícitos e morais, os rumos que conduzem a atividade governamental ao encontro das aspirações da comunidade. Alguns autores, como Hely Lopes Meirelles11, criticam, dizendo que a política não é ciência, nem é arte – é forma de atuação do homem público quando visa a conduzir a Administração a realizar o bem comum, não tendo a rigidez científica nem a orientação artística. 2.3. Fontes do Direito Administrativo Consideram-se fontes de uma determinada disciplina aquelas regras ou comportamentos que provocam o surgimento de uma norma posta. Para o Direito Administrativo a enumeração das fontes que provocaram a sua definição representa um assunto que causa alguma divergência na doutrina, sem contar que inúmeros doutrinadores sequer cuidam desse tema. Sendo assim, faz-se mister apontar o entendimento da maioria, citando as seguintes fontes: a lei, a doutrina, a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais do direito. A lei, compreendida, em sentido amplo, como toda e qualquer espécie normativa, significa a norma imposta coativamente pelo Estado, isto é, todos os atos decorrentes do poder legiferante e do poder normativo dessa pessoa jurídica, representando uma fonte primária de qualquer ramo do Direito e a principal fonte do Direito Administrativo. Assim tem-se a Constituição Federal, as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios, bem como as leis ordinárias, as leis complementares, as leis delegadas das mais diferentes esferas da federação brasileira e outros. Nesse contexto, é importante lembrar que o ordenamento jurídico pátrio está disposto em uma estrutura escalonada ou hierarquizada12 de normas que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, obedecem entre si a uma relação de compatibilidade vertical. Assim, as normas inferiores devem ser compatíveis com as superiores e, todas elas, com a Constituição Federal, sob pena de caracterizar uma ilegalidade e, consequentemente, por violar a dita hierarquia,uma inconstitucionalidade. Essa estrutura é regra geral apesar de não ser absoluta, porque existem algumas espécies normativas, como, por exemplo, a lei ordinária e a lei complementar, que guardam entre si uma divisão em razão da matéria, e não da hierarquia. Considerando a estrutura federativa brasileira, que, a partir da Constituição de 1988, é tripartite, as fontes legislativas podem ser federais, estaduais e municipais, o que para alguns ramos do direito é pouco importante porque a competência legislativa prevista na Constituição concentra o poder em única mão, tais como as competências exclusivas da União (art. 22, CF). Para o Direito Administrativo a situação é diferente, a competência de auto-organização dos entes públicos, as competências exclusivas e as comuns ou cumulativas previstas no texto constitucional fazem com que as fontes legislativas das três esferas tenham a mesma importância. Assim, tais fatores multiplicam as fontes e as normas que regem ramo do direito, tornando-o mais complexo em relação aos demais ramos que contam com um Código expedido pela União. Somado a esse fato, é relevante ressaltar que o Direito Administrativo é composto por um conjunto de normas esparsas, normas não sistematizadas em um Código geral, regras elaboradas em momentos históricos, contextos e demandas sociais completamente diferentes, o que também dificulta o trabalho dos aplicadores do Direito, ficando claros a importância e o papel das demais fontes como a doutrina e jurisprudência. A doutrina pode ser conceituada como a lição dos mestres e estudiosos do Direito, formando o sistema teórico de princípios aplicáveis ao direito positivo. Consiste no conjunto de textos científicos que visa examinar, sistematizar e criticar o direito positivo. A doutrina é extremamente relevante porque exerce um papel fundamental na sistematização das diversas fontes do direito, buscando conferir coerência a todo o sistema; também é responsável pela divulgação das fontes jurisprudenciais, é crítica e elabora sugestões de alteração do ordenamento jurídico para que ele atenda da melhor forma às finalidades constitucionais. A jurisprudência traduz-se na reiteração dos julgamentos dos órgãos do Judiciário, sempre num mesmo sentido. A jurisprudência tem poderosa influência na construção do Direito, especialmente na do Direito Administrativo, que se ressente de sistematização doutrinária e de codificação legal. Ela tem um caráter mais prático e objetivo que a doutrina e a lei, apesar de não estar separada de princípios teóricos, além da tendência ao nacionalismo, ao contrário da doutrina, que busca a universalização. Para melhor compreender o papel da jurisprudência no Brasil, é importante relembrar a promulgação da Constituição da República de 1889, oportunidade em que foi adotado o princípio da unicidade de jurisdição, previsto na CF/88 no art. 5º, XXXV, que dispõe que qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser submetido à apreciação do Poder Judiciário. Isso significa que qualquer ato ou decisão de uma entidade administrativa federal, estadual ou municipal, seja ele discricionário ou vinculado, pode ser levado a juízo. Por esse motivo, as manifestações do Judiciário, na seara do Direito Administrativo, tornam-se muito numerosas e passam a influenciar inegavelmente na atuação do Poder Pública e na doutrina. No entanto, não se poderia deixar de comentar que, inicialmente, a jurisprudência não tinha o poder de obrigar, quer a Administração, quer os demais órgãos do Poder Judiciário, porque não vigorava o princípio norte- americano do stare decises, segundo o qual a decisão judicial superior vincula as instâncias inferiores, para os casos idênticos, chamado, no Brasil, de efeito vinculante, que hoje já está presente em nosso ordenamento. O texto constitucional de 1988 atribui efeito vinculante às decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade. Essas decisões, quando transitadas em julgado, vinculam a atuação da Administração Pública Direta e Indireta em todas as esferas de poder (art. 102, § 2º, da CF). Com a Reforma do Poder Judiciário, introduzida pela Emenda Constitucional n. 45, publicada no dia 31.12.2004, que instituiu a súmula vinculante, surge mais uma possibilidade de algumas decisões do Poder Judiciário ganharem esse efeito, conforme estabelece o art. 103-A do texto constitucional. Esse assunto representa um dos pontos mais polêmicos da referida emenda, visto que muitos doutrinadores defenderam a inconstitucionalidade da regra, por violar o Estado Democrático de Direito, tolhendo a independência dos juízes e impedindo o exercício de princípios constitucionais basilares, como o contraditório e a ampla defesa, a inafastabilidade do acesso à Justiça e a separação das funções estatais. Apesar das críticas, a regra está no ordenamento, não foi declarada inconstitucional e deve ser respeitada13. Importante grifar que nem toda súmula editada pelos tribunais brasileiros vincula os demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Normalmente, são instrumentos que servem como mecanismo de orientação para os julgadores, só ganhando tal efeito vinculante quando submetidas ao procedimento específico previsto na Constituição Federal (art. 103-A), hoje regulamentado pela Lei n. 11.417, de 19.12.2006. Para tanto, o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros (oito Ministros), após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão14. Nesse mesmo prisma, um outro instrumento novo e muito importante para a jurisprudência nacional, também com efeitos vinculantes, com o objetivo de criar um Direito de precedentes, de leading case, é a repercussão geral. A repercussão geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional n. 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”, e regulamentado no Código de Processo Civil de 1973 nos arts. 543-A e 543-B. Essa ferramenta foi criada com o objetivo de possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão, e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos, denominado julgamento por amostragem. O novo Código de Processo Civil estabeleceu regras quanto ao julgamento em sede de repercussão geral nos arts. 1.035 ao 1.041, mantendo-se a essência do instituto, porém dispondo de forma mais pormenorizada acerca do procedimento e dos requisitos para oreconhecimento da repercussão, o que levou a severas críticas por alguns magistrados, sob o argumento de que haveria um aumento excessivo de ações para análise nas instâncias superiores. Assim, antes mesmo da entrada em vigor da Lei n. 13.105/2015, foi aprovada a Lei n. 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, dando nova redação a alguns dispositivos que disciplinam o processo e julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial, objetivando delimitar o acesso aos tribunais superiores, exigindo-se maior rigor no juízo de admissibilidade prévio perante os tribunais de origem. Muitos temas de Direito Administrativo estão sendo resolvidos em sede de repercussão geral, o que significa a “última palavra sobre o assunto”, o que exige dos aplicadores do Direito cuidados especiais e muito estudo. Assim, para facilitar tal tarefa, as principais polêmicas já decididas com o reconhecimento da repercussão geral e a correspondente decisão de mérito serão apontadas em cada capítulo deste trabalho. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça foi instituído o denominado recurso repetitivo, que foi introduzido pela Lei n. 11.672, de 08.05.2008. O Código de Processo Civil de 1973 previa no art. 543-C o procedimento para o julgamento em massa de recurso, matéria regulamentada pela Resolução n. 8 do Superior Tribunal de Justiça, de 07.08.2008. Trata-se de um recurso que representa um grupo de recursos que possuem teses idênticas, ou seja, têm fundamento em idêntica questão de direito. O novo regramento processual estabelecido pela Lei n. 13.105/2015 está previsto nos arts. 1.036 e seguintes; alguns desses dispositivos também foram questionados e sofreram alterações pela citada Lei n. 13.256/2016. Registre-se inclusive que as mudanças na Lei n. 13.105/2015, antes mesmo da sua entrada em vigor, se deram, dentre outras questões, por forte pleito dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a redação original do novo CPC possibilitava, de certa forma, uma ampliação das demandas perante essa Corte. Tanto a repercussão geral como os recursos repetitivos surgem com objetivo de filtrar recursos nas instâncias superiores e, por conseguinte, atender aos princípios da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF, acrescentado pela EC n. 45/2004) e da eficiência da Administração Pública (art. 37, caput). Esse contexto de julgamentos repetitivos sofrerá importante reforma, pois a partir da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, em 2016, o Poder Judiciário passa a ter um complexo e moderno sistema de julgamento de decisões repetitivas que envolve desde os Tribunais chegando ao STJ e ao STF. Certo será que todas essas mudanças, no âmbito processual, irão interferir diretamente nas questões que envolvem o Direito Administrativo, uma vez que, conforme já afirmado, a jurisprudência tem um papel importantíssimo na consolidação das normas e princípios administrativos. Seguindo essa mesma linha, inadmissível não alertar quanto ao novo papel do mandado de injunção. As decisões do Poder Judiciário brasileiro ganharam ainda mais força pelo ressurgimento funcional desse remédio constitucional, cabível quando há um direito previsto na CF e que não pode ser exercido por falta da norma regulamentadora, ou melhor, uma norma constitucional de eficácia limitada. Durante muitos anos o Supremo Tribunal Federal, julgando mandado de injunção, reconhecia a omissão legislativa e comunicava o Congresso Nacional quanto à necessidade de legislar sobre determinado assunto, declarando a omissão, e entendia que não tinha como obrigar o legislador a legislar. No entanto, hoje o STF passou a exercer o papel de “legislador ad hoc”, nos casos em que falta a norma regulamentadora que torne inviável o exercício de um direito ou liberdade constitucional, determinando de forma concreta a aplicação de lei geral existente sobre o assunto até que o Congresso elabore a norma específica. Tal “ressurreição do mandado de injunção” aconteceu quando o Supremo em 2007 deu concretude à Constituição no tocante ao direito de servidores públicos terem contagem diferenciada de tempo de serviço em razão de atividade insalubre, aplicando para tais servidores a Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre o regime geral de previdência15. Em seguida, a Corte Suprema também determinou a aplicação de normas da Lei Geral de Greve, Lei n. 7.793/89, aos casos de greve no serviço público até que o Congresso venha a editar a tal “lei específica” exigida pela CF16. A importância e, principalmente, a utilização constante do remédio constitucional culminaram na aprovação da Lei n. 13.300, de 23 de junho de 2016. Até a presente data, o mandado de injunção não possuía regulamentação específica, aplicando-lhe as regras procedimentais do mandado de segurança. Dentre os pontos de destaque do novo texto legal, está o dispositivo que prevê que poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, liberdade ou prerrogativa objeto da impetração (art. 9º, § 1º). Prevê, ainda, também no art. 9º, em seu § 2º, que transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator. A novel legislativa disciplina não somente o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual, mas também quanto ao coletivo, estabelecendo inclusive o rol de legitimados para a propositura da ação. Nota-se, portanto, por esses e outros fatores que a jurisprudência tem ganhado muito espaço no Direito Administrativo e exerce um papel indiscutível de fonte de uso obrigatório e com natureza vinculante em incontáveis situações, participando inegavelmente do conjunto normativo que conduz a atuação estatal. Tem-se, no costume, outra fonte do Direito Administrativo. Também denominado direito consuetudinário, representa a prática habitual de determinado grupo que o considera obrigatório. O costume vem perdendo a sua força desde 1769, com a Lei da Boa Razão, que desautorizou seu acolhimento quando contrário à lei, o que foi confirmado no Código Civil de 1916, em seu art. 1.807, que declarou revogados os usos e costumes concernentes às matérias de Direito Civil por ele reguladas. Dessa forma, o costume administrativo é apenas admissível quando está de acordo com a lei, negando assim o caráter inovador dessa fonte, dando a ela relevância secundária e a suas normas, a princípio, mero poder de orientação ou indicação da ação estatal. Entretanto, para o Direito Administrativo, o costume ainda representa um papel importante, em razão da deficiência de legislação, apesar de não substituir a previsão legal. A prática administrativa vem suprindo algumas lacunas geradas pela falta de codificação nessa área, ficando sedimentada na consciência dos administradores e administrados. Alguns autores incluem, ainda, como fonte desse ramo, os princípios gerais do direito, que são critérios maiores, às vezes até não escritos, percebidos pela lógica ou por indução. Vale dizer que são normas que representam a base do ordenamento jurídico, estando intrínsecas a essa ordem legal, consideradas como orientações necessárias à exigência de justiça. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello17, os princípios gerais do direito “são vetores normativos subjacentes ao sistema jurídico-positivo, não porém como um dado externo, mas como uma inerência da construção em que se corporifica o ordenamento”; são teses jurídicas genéricasque informam o ordenamento do Estado, conquanto não se achem expressos em texto legal específico. Podem-se citar alguns exemplos: ninguém deve ser punido sem ser ouvido, não é permitido o enriquecimento ilícito, ninguém se beneficiará da própria malícia, além de muitos outros. 2.4. Codificação do Direito Administrativo O Direito Administrativo não conta com uma codificação, o que acaba causando uma discussão doutrinária sobre os seus benefícios e coloca os doutrinadores em três posições: os que negam as suas vantagens, os que defendem a necessidade de uma codificação parcial e os que propugnam pela codificação total, o que representa a maioria da doutrina. A prática atual deixou bem claro que o Código não traz a estagnação do Direito, como defendia Savigny e seus seguidores. Assim sendo, espera-se que os legisladores brasileiros se conscientizem de sua necessidade. A atual formação dessa disciplina, que é feita por leis esparsas, muitas vezes dificulta a obtenção do conhecimento pelos interessados, não permitindo uma visão panorâmica do Direito a que pertencem. Somente o Código remove esses inconvenientes da legislação fragmentária, pela aproximação e coordenação dos textos que se interligam para a formação do sistema jurídico, dando maior segurança ao aplicador e resolvendo grandes divergências. Pode-se apontar, como exemplo, o Código Administrativo de Portugal. 2.5. Interpretação de regras do Direito Administrativo Interpretar significa alcançar o sentido de algo. Assim, interpretar o Direito é buscar o sentido de suas normas, é desvendar o próprio sentido das palavras da lei. Na dinâmica de interpretação das regras do Direito, é importante lembrar que o Direito Administrativo, por ser um ramo do direito público, não se adequa a todos os princípios de hermenêutica do direito privado. A diversidade de seu objeto, a natureza específica de suas normas, os fins sociais a que elas se dirigem, o interesse público que elas visam sempre a tutelar exigem regras próprias de interpretação e aplicação das leis, atos e contratos administrativos. A interpretação do Direito Administrativo, além da utilização analógica das regras do direito privado e princípios gerais do direito que lhe forem aplicáveis, há de considerar, necessariamente, a presença de três pressupostos: a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados, em razão da prevalência do interesse público sobre o interesse particular, devendo o bem comum prevalecer, mantendo-se um equilíbrio desses direitos; a presunção relativa de legitimidade dos atos da Administração; e a necessidade de poderes discricionários para a Administração atender a esses interesses, já que o administrador não é um mero aplicador da lei. Não se trata de um “boneco de olhos fechados”. Por isso, a discricionariedade administrativa é necessária na prática rotineira das atividades da Administração, devendo ser demarcada pela finalidade pública e pelo bem comum, sob pena de arbitrariedade e abuso de poder. Além desses elementos do direito público, admite-se a utilização dos métodos interpretativos previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no que for possível compatibilizar. 2.6. Evolução histórica do Direito Administrativo O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela Teoria dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu, em L’ Esprit des Lois, em 1748. Posteriormente, na França, após a Revolução, em 1789, definiu-se a tripartição das funções do Estado em executiva, legislativa e judicial, o que veio a ensejar a especialização das atividades do governo e dar independência aos órgãos incumbidos de realizá-las, surgindo necessidade de julgamento dos atos da Administração ativa, o que inicialmente ficou a cargo dos Parlamentos. Num estágio subsequente, foram criados, em paralelo aos tribunais judiciais, os tribunais administrativos, como consequência natural da estruturação de um Direito específico da Administração. No Brasil, a cadeira de Direito Administrativo foi criada em 1851, por meio do Decreto n. 608, de 16.08.1851, ficando para 1857, em Recife, a edição da primeira obra doutrinária, intitulada Elementos de Direito Administrativo brasileiro, de Vicente Pereira do Rego. Durante o Império, foi editada a obra de Veiga Cabral, Direito administrativo brasileiro, publicada no Rio de Janeiro em 1859. Depois, em 1862, veio Visconde do Uruguai, com Ensaio sobre o Direito Administrativo. Também no Rio, quatro anos depois, foi publicada a obra Direito administrativo brasileiro, de A. J. Ribas, e, em São Paulo, em 1884, Rubino de Oliveira escreveu Epítome do direito administrativo pátrio. Com o advento do período republicano, a doutrina passou a sofrer influência do direito público norte-americano, copiando o seu modelo de federação, e, daí para cá, inúmeras obras foram publicadas, demonstrando uma grande evolução para a disciplina. 2.7. Sistemas administrativos Os sistemas administrativos, também denominados mecanismos de controle, compreendem os regimes adotados pelos Estados para a correção dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos, praticados pelo Poder Público em qualquer de suas áreas de governo. Sob esse rótulo, a doutrina arrola dois mecanismos de controle para a Administração Pública. Primeiro, o sistema do contencioso administrativo, também definido como sistema francês, o qual preconiza a vedação à justiça comum, ou melhor, ao Poder Judiciário, do conhecimento e julgamento dos atos da Administração, o que deve ser feito pelos próprios órgãos administrativos. Todavia, esse sistema admite algumas exceções, hipóteses em que as ações, mesmo sendo de interesse da Administração, ficam excluídas da justiça administrativa, sendo julgadas pelo Poder Judiciário, como é o caso dos litígios decorrentes de atividades públicas, com caráter privado, litígios que envolvam questões de estado e capacidade das pessoas, de repressão penal, e litígios que se refiram à propriedade privada (esse rol é somente exemplificativo). Tem-se, ainda, o sistema da jurisdição única, conhecido como sistema inglês ou sistema judiciário, o qual estabelece que todos os litígios sejam resolvidos pela justiça comum, pelo Poder Judiciário. Na verdade, o que caracteriza o sistema é a predominância da jurisdição comum (Poder Judiciário) ou da especial (cortes administrativas), e não a exclusividade de qualquer uma delas, para o deslinde contencioso das questões afetas à Administração. Por isso, não há que se falar em sistemas mistos, já que os dois sistemas misturam o julgamento pelo Judiciário e pelo órgão administrativo, sendo essa mistura uma característica natural de qualquer regime. No Brasil, prevaleceu, desde o limiar do período republicano, o sistema de jurisdição única. Uma exceção veio com a Emenda Constitucional n. 7/77, que introduziu algumas regras de contencioso administrativo, as quais não chegaram a ser instaladas, tornando-se normas inoperantes. A Constituição vigente restabeleceu o controle judiciário de forma incontestável, em que pese sua convivência harmoniosa com colegiados administrativos que não têm caráter conclusivo, ficando suas decisões sujeitas à revisão judicial, no que tange à legalidade. 3. ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O estudo da Administração Pública em geral deve partir da definição de Estado no seu conceito amplo, sobre o qual repousa toda a concepção moderna de organização e funcionamento dos serviços públicos a serem prestados aos administrados. O objetivodesse item não é aprofundar o estudo sobre Estado, o que é objeto do Direito Constitucional, mas estabelecer premissas para melhor compreender os institutos do Direito Administrativo. 3.1. Estado O Estado, sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana; é uma nação politicamente organizada, dotada de personalidade jurídica própria, sendo pessoa jurídica de direito público que contém seus elementos e três Poderes. Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do direito público quanto no do direito privado, mantendo sempre sua personalidade de direito público, pois a teoria da dupla personalidade18 do Estado acha-se definitivamente superada. Vale lembrar o conceito de Estado de Direito como uma pessoa jurídica política e juridicamente organizada e obediente às suas próprias leis. O Estado é composto de três elementos originários e indissociáveis19: o povo, que representa o componente humano; o território, que é a sua base física, e o governo soberano20, que é o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização, emanado do povo. Não se admite Estado independente sem soberania, isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e incontrastável de organizar-se e de conduzir-se, segundo a vontade livre de seu povo e de fazer cumprir as suas decisões, inclusive pela força, se necessário. 3.1.1. Poderes e funções do Estado A vontade estatal se apresenta e se manifesta por intermédio dos denominados Poderes do Estado. Esses Poderes, na clássica tripartição de Montesquieu, até hoje adotada nos Estados de Direito, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si e com funções reciprocamente indelegáveis (CF, art. 2º). Os Poderes são elementos estruturais, também denominados elementos orgânicos ou organizacionais do Estado, com funções próprias. Esses Poderes não podem ser confundidos com poderes administrativos que são instrumentos ou prerrogativas que a Administração possui para a persecução do interesse público, como é o caso do poder disciplinar, poder hierárquico, poder regulamentar e poder de polícia. Importante observar, ainda, que Montesquieu não empregou, em sua obra política, as expressões “Separação de Poderes” ou “Divisão de Poderes”, como se esses fossem elementos estanques e incomunicáveis em todas as suas manifestações, o que representa um pensamento deturpado. Na verdade, a tripartição dos Poderes não gera absoluta divisão de poderes e de funções, mas sim distribuição de três funções estatais precípuas, mesmo porque o poder estatal é uno e indivisível. Pode-se conceituar função como a atividade exercida em nome e no interesse de terceiros, lembrando-se de que, se essa função for pública, a atividade deverá ser prestada em nome e no interesse do povo. Essas funções do Estado podem ser divididas em: função típica, aquela pela qual o Poder foi criado, a principal ou precípua; e função atípica, função estranha àquela para a qual o poder foi criado, função secundária. Por exemplo, é função típica do Poder Legislativo legislar, exercer a função legiferante, sendo atípica a possibilidade de julgamento do Presidente da República em processo de impeachment ou a realização de um procedimento licitatório. Da mesma forma, pode-se citar o Poder Executivo, que tem como função típica administrar, atuando atipicamente quando da edição de medidas provisórias e assim por diante. Quanto à tipicidade e à atipicidade das funções do Estado, interessante ainda é a pontuação de José dos Santos Carvalho Filho21, alertando ser possível uma função, em certo momento considerada típica em razão de uma alteração do ordenamento jurídico vigente, converter-se em atípica, sendo o inverso também possível. E lembra o autor que assim ocorreu com o inventário (quando os interessados são capazes e concordes) e com a separação e o divórcio consensuais desde que não existam filhos menores ou incapazes, institutos considerados inicialmente função jurisdicional atípica e que, com a alteração do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n. 11.441, de 04.01.2007, passam a ser possíveis por meio de simples escritura pública em Ofício de Notas comum, o que transforma essa atuação em uma função administrativa típica. Com o advento do novo CPC, este posicionamento foi mantido, assim dispondo o art. 733 da Lei n. 13.105/2015: “O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731”. Passa-se, agora, a analisar a função típica de cada um dos Poderes e as suas principais características, deixando de lado nesse momento as funções atípicas, as secundárias, pois essas não serão compatíveis com tais especificações. Primeiramente, o Poder Legislativo exerce como função típica a função legislativa, possibilidade de elaboração das leis, função normativa que tem como principal característica o fato de ser abstrata, de estabelecer normas gerais e de produzir inovações primárias no mundo jurídico, o que lhe é peculiar. Para o Poder Judiciário, cabe tipicamente a função judiciária, judicial ou jurisdicional, que representa a aplicação coativa da lei aos litigantes, estabelecer regras concretas (julga em concreto), não produzindo inovações primárias no mundo jurídico. Trata-se de uma função indireta, porque depende de provocação e propicia situação de intangibilidade ou imutabilidade jurídica, vale dizer, impossibilidade de mudança, produzindo coisa julgada, o que não acontece nas demais funções. No Poder Executivo, encontra-se a função administrativa, que apresenta inúmeras dificuldades para conceituação, em razão da grande heterogeneidade das suas atividades. Em resumo, compreende a conversão da lei em ato individual e concreto. Desse modo, essa função estabelece regras concretas; não inova o ordenamento jurídico; é direta porque independe de provocação, além de ser revisível pelo Poder Judiciário, não produzindo uma verdadeira coisa julgada. O Direito Administrativo também admite esse instituto de imutabilidade, porém de forma limitada aos órgãos da Administração. Nesse caso, a decisão administrativa que não puder mais ser questionada por meio de recurso administrativo produzirá coisa julgada administrativa, mas nada impede que ela seja revista pelo Poder Judiciário. Portanto, não se trata de uma verdadeira coisa julgada, haja vista a intangibilidade jurídica atingir somente a órbita administrativa. Além dessas funções, Celso Antônio Bandeira de Mello22 conceitua uma quarta função, a função política ou de governo, a qual surge da existência de certos atos jurídicos que não se alocavam satisfatoriamente em nenhuma das clássicas três funções. Por exemplo, a iniciativa de lei do Poder Executivo, a sanção e o veto, a declaração do estado de sítio e do estado de defesa, a decretação de calamidade pública e a declaração de guerra, entre outros. Para distinguir essa função política do Estado da função administrativa, o autor indica, pelo menos, dois fundamentos. A função administrativa caracteriza-se pela gestão rotineira dos assuntos da sociedade, agindo de forma concreta, prática, direta, imediata, não sendo o caso dos atos citados, que versam sobre superior gestão da vida estatal ou de enfrentamento de contingências extremas que pressupõem, acima de tudo, decisõeseminentemente políticas. E mais, na função administrativa, estão em pauta comportamentos infralegais ou infraconstitucionais, expedidos na intimidade de uma relação hierárquica, suscetíveis de revisão quanto à legalidade, o que não acontece nas hipóteses elencadas23. Todavia, não se pode confundir essa função com o instrumento europeu que define atos infensos ao controle jurisdicional, sendo resquício do absolutismo monárquico e incompatível com o Estado de Direito, não representando o caso brasileiro. 3.1.2. Organização do Estado A organização do Estado é matéria constitucional no que concerne à divisão política do território nacional, à estruturação dos Poderes, à forma de Governo, ao modo de investidura dos governantes, aos direitos e garantias dos governados. Definidas as disposições constitucionais que moldam a organização política do Estado soberano, passa-se à instituição da legislação infraconstitucional, que estabelece a organização administrativa das diversas entidades estatais, o que é objeto do Direito Administrativo e das modernas técnicas de administração, a ser estudado no terceiro capítulo deste trabalho. Essa estruturação da Administração envolve o estudo das formas de prestação da atividade administrativa e de institutos como a desconcentração e a descentralização de serviços públicos e outras atividades de interesse coletivo, a divisão em órgãos públicos e as pessoas jurídicas que compõem a Administração Indireta, tais como: autarquias, fundações públicas, empresas estatais e as sociedades de economia mista. 3.2. Governo É seguro neste momento distinguir as expressões “Governo” e “Administração”. São termos parecidos e, muitas vezes, confundidos, embora expressem conceitos diversos nos vários aspectos em que se apresentam. O Governo e a Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções). O Governo pode ser definido em diversas vertentes. Em sentido formal, considera-se o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais, enquanto no aspecto material, por sua vez, é o complexo de funções estatais básicas. No enfoque operacional, é a condução política dos negócios públicos, estando constante a expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente, atuando, por meio de atos de soberania e atos de autonomia, como direção suprema dos interesses públicos. Em resumo, é uma atividade política e discricionária, representando uma conduta independente do administrador, como um comando com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução (o que é natural da Administração). 3.3. Administração Pública Administração é todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. Não pratica atos de governo; pratica atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional. Conforme a competência dos órgãos e de seus agentes, é o instrumental de que dispõe o Estado para colocar em prática as opções políticas do Governo. A doutrina também coloca uma segunda utilização para essa expressão ao estabelecer que a Administração Pública, de igual forma, pode ser conceituada como uma atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica, exercendo uma conduta hierarquizada, sem responsabilidade constitucional e política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. Destarte, a Administração tem poder de decisão somente na área de suas atribuições e competência executiva, só podendo opinar sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros ou de conveniência administrativa, sem qualquer faculdade de opção política. Com o objetivo de aprofundar esse tópico, é importante grifar que a expressão “Administração Pública” pode ser utilizada, segundo a doutrina, em diversos sentidos e, por essa razão, o seu conceito acaba ficando um pouco divergente. Para conceituá-la, os estudiosos se valeram de inúmeros critérios, a saber: Para Hely Lopes Meirelles24, a Administração Pública deve ser conceituada, adotando-se os seguintes critérios: o formal, que define a Administração como um conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; o material, que estabelece um conjunto de funções necessárias para os serviços públicos; e o operacional, que a define como o desempenho perene e sistemático, legal e técnico dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Diógenes Gasparini25 entende serem pertinentes para melhor definir a Administração Pública os seguintes critérios: negativista ou residual, segundo o qual administração é toda atividade do Estado, excluídas a legislativa e a jurisdicional; o formal, orgânico ou subjetivo, em que administração é um complexo de órgãos responsáveis por funções administrativas; e, por fim, o critério material ou objetivo que a define como um complexo de atividades concretas e imediatas, desempenhadas pelo Estado, sob os termos e condições da lei, visando ao atendimento de necessidades coletivas (ex.: exercício do poder de polícia, os serviços públicos etc.). Consoante preleção de José dos Santos Carvalho Filho26, para entender a Administração Pública, é necessário se valer de dois enfoques: o sentido objetivo, segundo o qual a Administração consiste na própria atividade administrativa exercida pelo Estado, por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa; o sentido subjetivo, que a define como um conjunto de órgãos de que se vale o Estado para atingir os fins desejados. Em resumo, podem-se apontar dois critérios para conceituar a Administração Pública: o formal e o material. O critério formal, orgânico ou subjetivo vislumbra a Administração Pública como o conjunto de órgãos, a estrutura estatal, que alguns autores até admitem como sinônimo de Estado, quando pensado no aspecto físico, estrutural. Nesse sentido, conforme convenciona parte da doutrina, a expressão Administração Pública deve ser grafada com as primeiras letras maiúsculas. Já no critério material ou objetivo, a administração pública deve ser entendida como a atividade administrativa exercida pelo Estado ou, ainda, função administrativa. Nessa aplicação, a expressão administração pública deve ser grafada com as letras iniciais minúsculas, seguindo a convenção doutrinária. 4. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA A atividade administrativa é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade, de âmbito federal, estadual e municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum. Representa toda atividade desenvolvida pela Administração, protegendo os interesses da coletividade, e decorre do fato de o Brasil ser uma República, em que toda atividade desenvolvida deve privilegiar a coisa pública. A natureza da Administração Pública, enquanto atividade administrativa, é de munus publico27, de encargo para quem a exerce, caracterizando-se como um dever de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade, não se admitindo a liberdade para a perseguição de outros interesses. 5. QUADRO SINÓPTICO CAPÍTULO 1 – NOÇÕES PRELIMINARES Direito interno e internacional; público e privado. DIREITO ADMINISTRATIVO Critérios para conceituara) Escola do Serviço Público; b) Critério do Poder Executivo; c) Critério das relações jurídicas; d) Critério teleológico; e) Critério negativo ou residual; f) Critério da distinção entre atividade jurídica e social do Estado; g) Critério da administração pública. Conceito Direito Administrativo brasileiro “sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Relação com outros ramos a) Direito Constitucional; b) Direito Tributário e Direito Financeiro; c) Direito Penal; d) Direito Processual; e) Direito do Trabalho e Direito Previdenciário; f) Direito Civil e Direito Comercial; g) Direito Eleitoral; h) Ciências Sociais; i) Ciência Política. a) Lei; b) Doutrina; Fontes c) Jurisprudência; d) Costume; e) Princípios gerais do direito. Codificação Não há codificação e a legislação fragmentária traz muitas dificuldades, comprometendo a harmonia das regras e impedindo uma visão panorâmica da disciplina. Em relação a esses obstáculos, somente um código poderia removê-los em razão da aproximação e coordenação dos textos, dando maior segurança e resolvendo grandes divergências. Interpretação de regras Pressupostos para interpretação: a) desigualdade entre o interesse público e o privado; b) presunção relativa de legitimidade dos atos praticados pela Administração; c) existência de poderes discricionários. Sistemas Administrativos a) Sistema do contencioso administrativo (o controle dos atos praticados pela Administração Pública deve ser realizado pela própria Administração, admitindo, em exceção, a presença do Poder Judiciário); b) Sistema da jurisdição única (prevalece o controle pelo Poder Judiciário, apesar de também ser possível o controle administrativo). ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Estado 1. Conceito. 2. Elementos do Estado: a) povo, b) território, c) governo soberano. 3. Poderes e Funções do Estado (função típica e função atípica): a) função legislativa; b) função judiciária; c) função administrativa; d) função política. 4. Organização do Estado. Governo É uma atividade política e discricionária, representando uma conduta independente do Administrador ao exercer um comando com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução. Administração a) critério formal, orgânico ou subjetivo: é o conjunto de órgãos, a estrutura estatal, que alguns autores até admitem como sinônimo de Estado quando pensado no aspecto físico, estrutural. Nesse sentido, a expressão “administração pública” deve ser grafada com as primeiras letras maiúsculas; b) critério material ou objetivo: é a atividade administrativa exercida pelo Estado, ou ainda, função administrativa. Nesse sentido, a expressão “administração pública” deve ser grafada com as primeiras letras minúsculas. Atividade Administrativa É a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade, de âmbito federal, estadual e municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum. Representa um munus publico. CAPÍTULO 2 Regime Jurídico Administrativo 1. CONCEITO DE REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO Estabelecidas as noções introdutórias do Direito Administrativo, apontado como ramo do direito público interno que se preocupa com a atuação do Estado na perseguição do interesse público e reconhecido que o seu objeto é a atividade administrativa desse ente, é possível analisar agora os princípios que embasam a disciplina. Para o reconhecimento do Direito Administrativo como disciplina autônoma, esses princípios não podem ser escolhidos de forma aleatória e também não podem ser considerados de forma isolada; é necessária a fixação de um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dê identidade, tornando possível diferenciá-lo das demais ramificações do Direito. Os princípios escolhidos para compor esse conjunto devem ser peculiares aos seus objetivos e devem especialmente guardar entre si uma correlação lógica, uma relação de coerência e unidade, um ponto de coincidência, compondo um sistema ou regime: o regime jurídico administrativo. O regime jurídico administrativo tem grande valor metodológico porque explica cada um dos institutos do Direito Administrativo e permite a compreensão da respectiva disciplina. Consiste em valioso material para conduzir a vida na Administração Pública e orientar os aplicadores do Direito. Todavia, o estudo quanto ao regime jurídico administrativo ainda é incipiente, exigindo-se um aprofundamento. Apesar de pacífica a existência de uma unidade sistemática de princípios e normas que formam em seu todo o Direito Administrativo, é preciso incrementar os estudos para determinar, de modo preciso, quais são os princípios básicos que devem ser incluídos nesse conjunto, quais efetivamente se interligam e seus respectivos pontos de coincidência e correlação e quais os seus desdobramentos, os subprincípios que deles derivam, o que ainda é objeto de muita divergência doutrinária. Os estudiosos divergem quanto à disposição dos princípios, no que se refere à decorrência de um em razão do outro. Parte da doutrina, por exemplo, Hely Lopes Meirelles28, não cuida especificamente do regime jurídico e passa a discorrer sobre cada princípio separadamente. De outro lado, há alguns doutrinadores que buscam definir a relação lógica entre esses princípios, estabelecendo os seus subprincípios, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello29. Independentemente dessa discussão, passa-se a tratar dos princípios que envolvem o Direito Administrativo, identificando, quando necessário, a correlação entre eles. 2. DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS Hoje, com o objetivo de interpretar o ordenamento jurídico vigente definindo sua aplicação, a doutrina mais moderna faz distinção entre princípios e regras, o que representa uma importante chave para a solução de problemas centrais na aplicação dos direitos fundamentais. O atual ordenamento jurídico reconhece que os princípios não são simples recomendações, orientações; são normas que obrigam aqueles que a elas estão sujeitos. A sua generalidade quanto aos destinatários e ao conteúdo não prejudica a sua força coercitiva e assegura maior potencial de durabilidade na regulação da vida em sociedade. Todavia, o sistema não pode ser baseado somente em princípios, porque a sua aplicação a determinado caso concreto depende de atividade interpretativa do agente a ele submetido, o que pode comprometer sua segurança jurídica, daí porque se depende também da definição das regras. Da mesma forma, somente de regras não seria possível a sua manutenção, considerando que o diploma legal teria que ser muito minucioso, exaustivo, completo, o que impediria a ponderação dos interesses públicos e a evolução ágil da norma compatível com as necessidades e conflitos sociais em dado momento histórico. Enfim, hoje o ordenamento jurídico se faz em duas bases, duas espécies normativas: princípios e regras. Esse cenário reconhecido na doutrina contemporânea de normatividade dos princípios e de importância das regras, pacificando a distinção entre ambos e os admitindo como espécies de normas jurídicas, a solução de seus conflitos e o critério de ponderação dos interesses decorrem dos relevantes estudos de Ronald Dworkin30 e Robert Alexy31. Muitos trabalhos e obras brasileiras32 já se valeram dessa construção para melhor solucionar os conflitos na ordem nacional. Assim, princípios são mandamentos de otimização, normas que ordenam a melhor aplicação possível, dentro das possibilidades jurídicase reais existentes, portanto, a sua incidência depende de ponderações a serem realizadas no momento de sua aplicação. Existindo para o caso concreto mais de um princípio aplicável, esses não se excluem. Importante grifar que cada princípio é dotado de determinado valor, dimensão de peso, não tendo amplitude fixada de antemão, logo, a tensão entre eles admite a adoção do critério da ponderação dos valores ou ponderação dos interesses aplicável ao caso concreto, devendo a cada caso o intérprete verificar o grau de preponderância. Assim, um determinado princípio pode prevalecer em uma situação específica e ser preterido em outra, o que não significa nulidade do princípio afastado, esse continua intacto33. De outro lado, tendo em foco as regras, a situação de conflito resolve-se de outra forma. As regras caracterizam-se pela concretude; são mandamentos de definição que contêm determinações sobre as situações fáticas e jurídicas possíveis e cuja amplitude é fixada antecipadamente. São operadas de modo disjuntivo, isto é, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade, assim, se uma regra empregada ao caso é válida, deve-se fazer exatamente o que ela determina, devendo ser aplicada como prescreve. Apontada a norma válida para o caso concreto, atribui-se à outra o caráter de nulidade; segue-se a lógica do tudo ou nada. Por fim, vale ressaltar que não há hierarquia normativa entre os princípios e as regras, podendo qualquer um deles prevalecer, observando o estatuto que o institui. Em inúmeras situações, apesar da aparente contradição, isso não se verifica, porque, na verdade, as regras refletem os princípios; a regra só ganha o contorno que tem em razão de um princípio que a antecede e a fundamenta34. Em contrapartida, as regras conferem aos princípios a sua forma e amplitude, dando- lhes concreção. 3. PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Princípios são proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturas e institutos subsequentes de uma disciplina. São os alicerces, os fundamentos da ciência, e surgem como parâmetros para a interpretação das demais normas jurídicas. A seguir serão comentados os principais princípios existentes no regime jurídico administrativo, alguns implícitos e outros expressos35, alguns constitucionais e outros legais, todavia, sem o objetivo de esgotar o assunto. Alguns princípios não apontados neste momento serão abordados em outros capítulos da obra, observada a pertinência temática. O texto constitucional estabelece expressamente, em seu art. 37, caput, alterado pela Emenda Constitucional n. 19/98, cinco princípios mínimos a que a Administração Direta e a Indireta devem obedecer. Para melhor memorização, é possível resumi-los no “LIMPE”, que significa Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Além desses, a Administração também é orientada por inúmeros outros princípios espalhados pelo texto constitucional. Ressalte-se ainda que muitos princípios que serão abordados no decorrer deste capítulo estão previstos de forma expressa no ordenamento jurídico infraconstitucional, especialmente na Lei n. 9.784, de 29.01.1999, que define o processo administrativo. O seu art. 2º enumera os seguintes princípios: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Esse diploma representa um marco para o Direito Administrativo, por ter resolvido várias divergências presentes na doutrina. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello36, a caracterização do Direito Administrativo e a base de seu regime jurídico se delineiam em função da consagração de dois princípios, por ele denominados pedras de toque ou supraprincípios: o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular e o princípio da indisponibilidade do interesse público, dos quais se extraem inúmeros princípios, dentre eles o princípio da legalidade, que também tem como implicações os princípios da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação e da responsabilidade do Estado, além de outros. Seguindo esse pensamento, passa-se ao estudo individualizado dos princípios. 3.1. Princípio da supremacia do interesse público O princípio da supremacia determina privilégios jurídicos e um patamar de superioridade do interesse público sobre o particular. Em razão desse interesse público, a Administração terá posição privilegiada em face dos administrados, além de prerrogativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares. A supremacia é considerada um princípio geral do direito, inerente a qualquer sociedade, como condição de sua existência e como pressuposto lógico do convívio social. Esse princípio não está escrito, de forma expressa, no texto da Constituição, embora se encontrem inúmeras regras constitucionais que a ele aludem ou impliquem manifestações concretas dessa superioridade do interesse público. Empregando essa ideia, o constituinte introduziu alguns dispositivos que permitem ao Estado adquirir a propriedade do particular, independentemente da sua vontade, tendo como fundamento uma razão de interesse público, instituto esse denominado desapropriação (uma forma de aquisição originária da propriedade). Nesse sentido, o art. 5º, XXIV, define a desapropriação comum ou ordinária, que se justifica por necessidade, utilidade pública e interesse social, garantindo a indenização prévia, justa e em dinheiro. Sobre o assunto, há também os arts. 182, 184 e 191, que dispõem sobre a desapropriação em razão do desrespeito à função social da propriedade protegida pela Constituição Federal, que surge como uma forma de sanção, classificada como extraordinária. Podem-se apontar, ainda, regras sobre requisição37 de bens do particular quando estiver presente um iminente perigo como é o caso do art. 5º, XXV, da CF, além de disposições de proteção ao meio ambiente, relações de consumo, entre outras. A superioridade do interesse público em face do interesse privado encontra-se ainda nos demais institutos de intervenção na propriedade, além da desapropriação e da requisição, como é o caso da servidão administrativa, da limitação administrativa e do tombamento. Esse princípio também pode ser identificado em quase todos os institutos do Direito Administrativo, iniciando com as prerrogativas do regime público de algumas pessoas jurídicas, como é o caso das autarquias que apresentam privilégios tributários e processuais, proteção especial quanto aos seus bens e o regime de precatório para pagamento de seus débitos judiciais, além de outros. Para os atos administrativos, é possível verificar essa supremacia em seus atributos, considerando que eles gozam de presunção de legitimidade, de autoexecutoriedade e de imperatividade, sendo, respectivamente, morais, legais e verdadeiros até que se prove o contrário, podendo ser praticados independentemente da autorização do Poder Judiciário e impostos coercitivamente à coletividade. Alerte-se ainda que a Administração tem também a possibilidade de revê-los quando necessário. Também se verifica a supremacia quando do estudo dos contratos administrativos e de suas peculiares cláusulas exorbitantes, que permitem à Administração modificar ou rescindir unilateralmente um contrato, bem como a possibilidade de fiscalização da sua execução, a aplicação de penalidades ao contratado e a ocupação provisória de seus bens (regra prevista no art. 58 daLei n. 8.666/93). Nesse contexto, é importante grifar que a utilização desse princípio só será legítima quando aplicada como instrumento para o alcance de interesses coletivos, não se admitindo a sua utilização para satisfazer apenas interesses ou conveniências apenas do aparelho estatal e, muito menos, dos agentes governamentais. 3.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público Embora o princípio da supremacia do interesse público favoreça a Administração com um patamar de superioridade em face dos administrados, também lhe exige maiores cuidados e obediência a inúmeras formalidades, tendo em vista que essa atuação deve ocorrer nos limites da lei, não podendo esse interesse ser livremente disposto pelo administrador. Assim, o princípio da indisponibilidade serve para limitar a atuação do agente público, revelando-se um contrapeso à superioridade descrita no princípio da supremacia, podendo se afirmar que, em nome da supremacia do interesse público, o Administrador pode muito, pode quase tudo, mas não pode abrir mão do interesse público. Os bens, direitos e interesses públicos são confiados ao administrador para gestão, nunca para sua disposição. O administrador tem o dever de guarda, aprimoramento e conservação, lembrando-se de que a atividade administrativa é um munus publico, é encargo, é obrigação para os administradores. Na verdade, o Administrador exerce uma função, o que significa uma atividade em nome e interesse de outrem, por isso não há autonomia da vontade nem liberdade irrestrita. Há uma finalidade previamente estabelecida e, no caso de função pública, há submissão da vontade pré-traçada na Constituição Federal ou na lei, além do dever de bem curar o interesse alheio: o interesse público. 3.2.1. Conceito de interesse público Considerando que, segundo a doutrina majoritária no Brasil, o Direito Administrativo tem como base os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, é indispensável conceituar a expressão interesse público, o que representa uma tarefa nada fácil. A expressão interesse público representa uma categoria contrária ao interesse privado, individual; consiste no interesse do todo, do conjunto social. Para Celso Antônio Bandeira de Mello38, “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Conceitua ainda a Professora Alice Gonzalez Borges o interesse público como “o somatório de interesses individuais coincidentes em torno de um bem da vida que lhes significa um valor, proveito ou utilidade de ordem moral ou material, que cada pessoa deseja adquirir, conservar ou manter em sua própria esfera de valores e que passa a ser público quando dele participa e compartilha um tal número de pessoas que o mesmo passa a ser identificado como um querer valorativo predominante da comunidade”.39 Resta ainda distinguir o significado de interesse público primário e secundário. Considera-se interesse público primário o resultado da soma dos interesses individuais enquanto partícipes de uma sociedade, também denominados interesses públicos propriamente ditos. De outro lado, tem-se o interesse público secundário, que consiste nos anseios do Estado, considerado como pessoa jurídica, um simples sujeito de direitos; são os interesses privados desse sujeito. Ressalte-se que o Estado, da forma como foi concebido no ordenamento jurídico brasileiro, só poderá defender seus próprios interesses privados (interesses secundários) quando não existir conflito com os interesses públicos primários. Nesse sentido, brilhantes são as palavras de Renato Alessi40 esclarecendo que os interesses secundários do Estado “só podem ser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários”. Adverte ainda o Professor Diógenes Gasparini,41 comentando a importância do princípio da supremacia do interesse público, que a sua aplicabilidade “não significa o total desrespeito ao interesse privado, já que a Administração deve obediência ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito (...), que são limites expressos no texto constitucional”. Com essas breves considerações, fica clara a dificuldade de se definir o verdadeiro interesse público, representando para parte da doutrina brasileira um conceito indeterminado. Em razão da indefinição, esse interesse sempre esteve ameaçado pelos donos do poder, tendo sido muitas vezes utilizado para resguardar posições autoritárias e interesses menos nobres. Por essas dificuldades é que parte ainda minoritária da doutrina brasileira resolve reunir esforços para desconstruir o princípio da supremacia do interesse público, como sendo a base do autoritarismo retrógrado, ultrapassado. Critica-se a estruturação do Direito Administrativo tendo como base os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, apontando que a ausência de definição exata quanto ao conteúdo da expressão “interesse público” gera vários problemas no exercício da atividade administrativa, justificando muitas vezes abusos e arbitrariedades praticadas pelos administradores. Seguindo essa ideia, Marçal Justen Filho42 defende que: o critério da “supremacia do interesse público” apresenta utilidade reduzida, uma vez que não há interesse único a ser reputado como supremo e que esse instrumento não permite resolver de modo satisfatório os conflitos, nem fornece um fundamento consistente para as decisões administrativas. O autor defende ainda: personalização do direito administrativo que retrata a rejeição à supremacia da burocracia sobre a sociedade civil. Volta-se contra fenômeno usual: a propósito de identificar o “interesse público”, o agente público acaba por escolher a realização de fins mais convenientes ao aparato administrativo, o diz inadmissível, uma vez que a atividade administrativa tem de legitimar-se como via de realização dos interesses de todos os seres humanos. Parece sábia a orientação da Professora Alice Borges, em texto citado acima, de que não se trata de desconstruir a supremacia do interesse público, mas, sim, de reconstruir a noção; contextualizá-la devidamente na atual ordem constitucional é fazer respeitá-la, buscando o verdadeiro interesse público. É importante não confundir supremacia do interesse público, princípio que está no alicerce das estruturas democráticas, viga mestra do regime jurídico administrativo, com os abusos, desvirtuamentos e manipulações em prol de interesses nada nobres. O problema não é do princípio ou de sua existência, mas, sim, de seus aplicadores. Apagar o princípio ou reduzir a sua importância não vai eliminar a arbitrariedade, já que os maus administradores certamente conseguirão outra justificativa para as suas vontades ilícitas. 3.3. Princípio da legalidade O princípio da legalidade é a base do Estado Democrático de Direito e garante que todos os conflitos sejam resolvidos pela lei. Para Celso Antônio Bandeira de Mello,43 enquanto o princípio da supremacia do interesse público e da sua indisponibilidade é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada, “o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, por isso, considerado princípio basilar do regime jurídico-administrativo”. Essa regra poderá ser identificada em diversos dispositivos constitucionais,resultado do valor dado à legalidade pela Constituição. Trata-se da expressão máxima do Estado Democrático de Direito, característica maior do Estado brasileiro. A enumeração inicia-se em seu art. 5º, II, definindo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, estabelecendo no art. 37, caput, que a Administração Pública tem de obedecer a esse princípio. Na lista de competências do Presidente, art. 84, IV, o texto constitucional deixa claro que o ato administrativo é subordinado à lei e visa permitir a sua fiel execução; e, novamente, no sistema tributário, art. 150, I, institui que não há tributo sem lei anterior que o defina. Para definir a legalidade, aplicando-se o ordenamento jurídico vigente, devem ser analisados dois enfoques diferentes. De um lado, tem-se a legalidade para o direito privado, onde as relações são travadas por particulares que visam aos seus próprios interesses, podendo fazer tudo aquilo que a lei não proibir. Por prestigiar a autonomia da vontade, estabelece-se uma relação de não contradição à lei. De outro lado, encontra-se a legalidade para o direito público, em que a situação é diferente, tendo em vista o interesse da coletividade que se representa. Observando esse princípio, a Administração só pode fazer aquilo que a lei autoriza ou determina, instituindo-se um critério de subordinação à lei. Nesse caso, a atividade administrativa deve não apenas ser exercida sem contraste com a lei, mas, inclusive, só pode ser exercida nos termos da autorização contida no sistema legal, também denominada regra da reserva legal em sentido amplo ou do “nada sem lei”44. Com o objetivo de definir legalidade, seguindo esse mesmo enfoque, pode-se citar a frase lapidar de Seabra Fagundes45: “Administrar é aplicar a lei, de ofício”. Dessa maneira, a validade e a eficácia da atividade administrativa ficam condicionadas à observância da norma legal. Significa dizer que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos legais e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou se desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso46. Entretanto, é necessário grifar que a exata compreensão do princípio da legalidade não exclui o exercício de atuação discricionária do administrador, levando-se em consideração a conveniência e a oportunidade do interesse público, o juízo de valor da autoridade e a sua liberdade. Por ser materialmente impossível a previsão de todos os casos, além do caráter de generalidade e de abstração próprios da lei, subsistirão inúmeras situações em que a Administração terá de se valer da discricionariedade para efetivamente atender à finalidade legal e, como consequência, cumprir o princípio da legalidade. Reconhecida que a legalidade não afasta a liberdade, a discricionariedade do Administrador, é importante distinguir os atos discricionários dos atos arbitrários. Os primeiros são praticados tendo como base a conveniência e a oportunidade do interesse público, admitindo um juízo de valor por parte do agente público, com liberdade, estando essa restrita aos limites da regra legal. No lado oposto, tem-se o ato arbitrário, que representa o abuso, ato praticado fora dos limites da norma, ato inválido, ilegal, e que deve ser retirado da ordem jurídica. Atualmente, a jurisprudência brasileira reconhece o princípio da legalidade em seu sentido amplo, condicionando-o não somente à aplicação da lei mas também das regras constitucionais, permitindo-se o controle de legalidade de um ato e sua revisão em face de qualquer espécie normativa, inclusive para realizar aplicação de princípios e regras constitucionais. Assim a análise de conformidade de um ato administrativo, com princípios como razoabilidade, proporcionalidade, eficiência, além de outros que estão implícitos ou explícitos no texto constitucional, também representa controle de legalidade e, consequentemente, aplicação do princípio da legalidade em sentido amplo47. Também não se pode confundir princípio da legalidade, que significa submissão à Constituição e às leis, com princípio da reserva de lei, que se limita à forma de regulamentação de determinadas matérias, para a qual a Constituição indica uma espécie normativa específica, por exemplo, a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa é matéria reservada à lei complementar (art. 7º, I, da CF). Em resumo, reserva de lei significa preservar a matéria “x” a ser disciplinada pela espécie normativa “y”. Dizendo de outra forma, consiste na escolha da espécie normativa para uma determinada matéria. Para Celso Antônio Bandeira de Mello48, é possível apontar três restrições excepcionais ao princípio da legalidade. Elas representam uma transitória constrição a esse princípio e são expressamente mencionadas na Constituição Federal: as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio. As medidas provisórias49 são medidas completamente diferentes das leis, pois representam uma forma excepcional de regular certos direitos, forma essa atribuída ao Presidente da República e prevista expressamente no texto constitucional em seu art. 62 (esse dispositivo foi objeto de Emenda Constitucional – EC n. 32, de 11.09.2001). A sua edição depende dos pressupostos de relevância e urgência, diferentemente da lei, que só está condicionada à relevância da matéria. Essas medidas têm prazo de vigência definido na Constituição, 120 dias, distanciando-se da lei, que, mesmo sendo de modalidade temporária, tem no seu próprio corpo a definição do prazo. As medidas provisórias são normas precárias, porque podem ser desfeitas pelo Congresso Nacional dentro do prazo para apreciá-las. Assim, se ela não for confirmada, perde a sua eficácia desde sua edição, retirada, portanto, com efeitos ex tunc. Em situação oposta, tem-se a lei que, para a persistência, só depende do mesmo órgão e, se revogada, perde a eficácia dali para frente, com efeitos ex nunc. Portanto, as medidas provisórias não são leis, apesar de terem força de lei; exercem o papel de uma lei, mas têm características, pressupostos e efeitos completamente diferentes. Seria um erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis expedidas pelo Executivo, representando, assim, uma restrição temporal à aplicação da lei. O estado de defesa, utilizado como instrumento para defesa do Estado e das instituições democráticas, previsto no art. 136 da CF, autoriza que o Presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decrete-o, organizando medidas destinadas a preservar ou restabelecer, em locais determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções. Tal providência não excederá a 30 dias, prorrogada por igual período, uma única vez, e estará sujeita a controle posterior do Congresso Nacional. Essa medida pode restringir alguns direitos constitucionais: sigilo de correspondência, de comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, XII), direito de reunião (art. 5º, XVI) e a exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente (art. 5º, LXI), além da possibilidade de ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, representando, nesses casos, uma restrição excepcional ao princípio da legalidade. Por fim, o estado de sítio,que também representa um instrumento de defesa do Estado e das instituições democráticas, previsto no art. 137 da CF, é utilizado para medidas mais graves. Nesse caso, o Presidente da República, ouvindo o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, com prévio controle pelo Congresso Nacional, poderá decretar o estado de sítio, que consiste na instauração de uma legalidade extraordinária, por determinado tempo, e de âmbito nacional, objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por uma das seguintes hipóteses: comoção nacional (rebelião ou revolução interna), ineficácia do estado de defesa (inciso I), declaração de guerra (guerra externa), e resposta à agressão armada estrangeira (inciso II). Nas hipóteses do inciso I, poderão ser restringidos os seguintes direitos (art. 139): inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI), sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, XII), direito de reunião (art. 5º, XVI), direito de propriedade (art. 5º, XXV), exigibilidade de prisão somente em flagrante ou por ordem judicial (art. 5º, LXI), e, também, liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e informação (art. 220), além da possibilidade de intervenção nas empresas prestadoras de serviços públicos e requisição de bens. Já nos casos do inciso II, poderão ser restringidas, em tese, todas as garantias previstas na Constituição, desde que presentes três requisitos constitucionais: haja necessidade de efetivação da medida; tenham sido objeto de deliberação por parte do Congresso no momento de autorização da medida; e estejam expressamente previstos no Decreto Presidencial (art. 138, caput, c.c. art. 139, caput). Todas essas situações estão sujeitas ao controle pelo Poder Judiciário. 3.4. Princípio da impessoalidade O princípio da impessoalidade estabelece que a atuação do agente público deve basear-se na ausência de subjetividade, ficando esse impedido de considerar quaisquer inclinações e interesses pessoais, próprios ou de terceiros. A impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve aplicar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica, representando, nesse aspecto, uma faceta do princípio da isonomia50. Para Celso Antônio Bandeira de Mello51, o princípio da impessoalidade “traduz a ideia de que a Administração tem de tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo, nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa”. E completa: “o princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia”. O princípio da impessoalidade também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quanto ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administrador a obrigação de agir de forma impessoal, abstrata, genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade, e não ao próprio agente, o que será visto oportunamente, pois a vontade do agente se confunde com a da pessoa jurídica, formando uma única vontade, o que se conclui na chamada teoria da imputação. A Constituição Federal conta com algumas regras que representam aplicações concretas desse princípio, por exemplo, o art. 37, II, que institui a exigência de concurso público para o exercício de cargos ou empregos públicos, e o art. 37, XXI, que ordena a aplicação do procedimento licitatório como instrumento eficaz para que a Administração celebre o melhor contrato possível, além de outros. Atualmente, o exercício do princípio da impessoalidade, atrelado a outros princípios, como a moralidade, a eficiência e a isonomia, respalda também as proibições para a prática do nepotismo na Administração Pública, com o objetivo de afastar esse tipo de improbidade do sistema e as facilidades adquiridas em razão do parentesco52. A proibição para o nepotismo, afastando os parentes da Administração Pública, além de resultado dos princípios constitucionais, também já existia como regra expressa em norma infraconstitucional, o art. 117, VIII, da Lei n. 8.112/90. Tal disposição referia-se apenas às relações de chefia imediata aplicáveis aos servidores públicos federais. Com a “Reforma do Judiciário”, a Emenda Constitucional n. 45/2004 e a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), essa proibição ganha nova força. Foram editadas diversas resoluções disciplinando o assunto e afastando os parentes do Poder Judiciário e do Ministério Público. A resistência para o cumprimento da regra foi grande, tendo havido muitos tribunais que se recusaram a atender à ordem. A matéria acabou sendo levada ao STF, via controle de constitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12. A Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade da regra, admitiu a competência dos Conselhos para fazê-lo, inclusive via Resolução como instrumento adequado para a medida e, por fim, admitiu a aplicação dos princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e isonomia. Veja a ementa: EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO N. 07, de 18.10.2005, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. MEDIDA CAUTELAR. Patente a legitimidade da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB para propor ação declaratória de constitucionalidade. Primeiro, por se tratar de entidade de classe de âmbito nacional. Segundo, porque evidenciado o estreito vínculo objetivo entre as finalidades institucionais da proponente e o conteúdo do ato normativo por ela defendido (inciso IX do art. 103 da CF, com redação dada pela EC n. 45/04). Ação declaratória que não merece conhecimento quanto ao art. 3º da resolução, porquanto, em 06.12.05, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 09/05, alterando substancialmente a de n. 07/2005. A Resolução n. 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução n. 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição Federal, razão por que não há antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. Logo, o Conselho Nacional de Justiça fez adequado uso da competência que lhe conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda n. 45/04. Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II eV do art. 37). Isto porque a interpretação dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. É dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. Não se trata, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público. O modelo normativo em exame não é suscetível de ofender a pureza do princípio da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo. Primeiro, pela consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois; segundo, porque ele, Poder Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, caput. Medida liminar deferida para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação conforme para incluir o termo “chefia” nos incisos II, III, IV, V do art. 2º do ato normativo em foco; b) suspender, até o exame de mérito desta ADC, o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução n. 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça; c) obstar que juízes e Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma Resolução n. 07/2005, do CNJ; e d) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento da sobredita aplicação (ADC-MC 12/DF, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 1º.09.2006, Ement. v. 2.245-01, p. 1) (grifos da autora). Em 2008, o STF, para aplicar a vedação do nepotismo, editou a Súmula Vinculante de n. 13 (denominada súmula antinepotismo), que estabelece: A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Por fim, vale alertar que, apesar do texto complexo da súmula, da sua amplitude em algumas questões, os agentes políticos, segundo orienta o próprio STF, ficaram de fora da proibição. Observe a ementa abaixo e, para o aprofundamento do tema, verifique mais detalhes no Capítulo 10, sobre Agentes Públicos. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. NOMEAÇÃO DE IRMÃO DE GOVERNADOR DE ESTADO. CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE N. 13. INAPLICABILIDADE AO CASO. CARGO DE NATUREZA POLÍTICA. AGENTE POLÍTICO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.951/RN. OCORRÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. 1. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante n. 13, por se tratar de cargo de natureza política. 2. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 12.09.2008. 3. Ocorrência da fumaça do bom direito. (...) (Rcl-MC-AgR 6.650/PR, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento 16.10.2008, DJe 222, de 20.11.2008) (grifos da autora). Vale, ainda, chamar a atenção para o fato de o STF haver confirmado, em sede de repercussão geral, com julgamento de mérito já proferido, que não há necessidade de lei formal para a vedação ao nepotismo, considerando que tal proibição decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF53. Em nova análise sobre o tema, a Suprema Corte reconhece a legitimidade ativa partilhada entre o Poder Legislativo e o Chefe do Executivo na propositura de leis que tratam de nepotismo, afastando assim a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para o tema. Reafirma que não se exige lei formal para que os princípios do art. 37, caput, sejam observados e admite que não há “vício de iniciativa legislativa em norma editada no intuito de dar evidência à força normativa daqueles princípios e estabelecer os casos em que, inquestionavelmente, configurariam comportamentos imorais ou não isonômicos”54. O dever de agir de forma impessoal também se configura hoje na previsão do art. 37, § 1º, do texto constitucional, que estabelece o dever de publicidade dos atos e programas dos órgãos públicos de forma desvinculada da pessoa dos administradores públicos, impedindo que constem nomes, símbolos ou imagens que representem promoção pessoal de qualquer autoridade pública, tendo como objetivo o caráter educativo e de orientação social. Nesse sentido já decidiu o STF: EMENTA: Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. Art. 37, § 1º, da Constituição Federal. 1. O caput e o § 1º do art. 37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam. O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público mancha o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta. 2. Recurso extraordinário desprovido (RE 191.668/RS, STF – Primeira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento 15.04.2008, DJ 30.05.2008) (grifos da autora). 3.5. Princípio da finalidade O reconhecimento do princípio da finalidade, o seu conceito e a sua ligação com outros princípios do regime constituem assunto divergente na doutrina, destacando-se dois principais entendimentos. Para Hely Lopes Meirelles55, o princípio da impessoalidade nada mais é que um sinônimo do clássico princípio da finalidade ou imparcialidade. Nesse raciocínio, é como se o princípio da finalidade tivesse sido substituído pela impessoalidade, estando, portanto, nele embutido. Para esse autor, se a finalidade é pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá- lo no interessepróprio ou de terceiros, isto é, a finalidade pública proíbe a atuação pessoal do administrador. De outro lado, Celso Antônio Bandeira de Mello56 trata do princípio da finalidade como sendo um princípio em apartado, em que o administrador deve cumprir a finalidade pública definida pela lei. Destarte, esse princípio não decorre da legalidade, mas é inerente a ela, o que parece muito lógico. Não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender o seu objetivo, logo, só se cumpre a legalidade quando se atende à sua finalidade. Finalidade legal pode ser explicada como a ideia que a lei traz contida em seu texto. É o seu âmago, o fator que proporciona compreendê-la dentro do contexto legal. Nesse raciocínio, temos que a lei é um instrumento utilizado pelo administrador como forma de alcançar um determinado fim. Em suma, a finalidade é o espírito da lei, o seu fim maior, que forma com o seu texto um todo harmônico e indestrutível. Dessa maneira, indicar a norma legal como fundamento para a prática de um ato em dissonância com sua finalidade não significa aplicar a lei, mas sim desvirtuá-la. Assim, o princípio da finalidade exige que o administrador persiga o objetivo legal, certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público, o bem comum, além das finalidades específicas apontadas na lei, sob pena de ilegalidade do ato, caracterizando abuso de poder57, na modalidade desvio de finalidade e, consequentemente, controle pelo Poder Judiciário. Essa nulidade do ato administrativo tem respaldo na Lei n. 4.717/65, que disciplina a ação popular e, em seu art. 2º, enumera as situações que comprometem a validade de um ato, entre as quais se tem o desvio de finalidade (alínea “e”). Para reforçar esse entendimento, encontra-se a Lei n. 9.784/99, que cuida da finalidade, definindo que nos processos administrativos deve-se observar a objetividade no atendimento do interesse público, o critério de interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (art. 2º, parágrafo único, III e XIII). Reconhecido como princípio autônomo e expresso na norma infraconstitucional, é interessante ressaltar que o princípio da finalidade está implícito no texto constitucional, admitindo-se como fundamento o próprio princípio da legalidade (art. 37, caput), além do art. 5º, LXIX, que define o mandado de segurança, enquanto remédio constitucional cabível em caso de ilegalidade ou abuso de poder. Assim, conforme já dito, o abuso do poder é o exercício das atribuições fora dos limites da lei, e um desses limites é a sua finalidade. 3.6. Princípio da moralidade O princípio da moralidade exige que a Administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública. Enquanto previsão expressa, esse princípio representa uma novidade da Constituição de 1988, art. 37, caput, caracterizando-se como uma evolução do princípio da legalidade, como proposição que se encontra na base do ordenamento jurídico, apesar de não ter conteúdo definido, preciso; representa um conceito jurídico indeterminado, vago. Esse fato constitui um obstáculo para o Poder Judiciário aceitar a possibilidade de invalidação de um ato por lesão apenas à moralidade administrativa. A maioria dos julgados a admite como uma agravante da ilegalidade, e não como vício autônomo. O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador. A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade, determinou a necessidade de sua proteção e a responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Para tanto, encontram-se no ordenamento jurídico inúmeros mecanismos para impedir atos de imoralidade, como, por exemplo, regras sobre improbidade administrativa, no art. 37, § 4º, da CF e na Lei n. 8.429/92; os crimes de responsabilidade do Presidente da República e de outros agentes políticos, art. 85, V, da CF; os remédios constitucionais, principalmente a ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, também da CF; a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000) e, recentemente, a Lei n. 12.846/2013, denominada Lei de Probidade empresarial ou Lei Anticorrupção58, além de outros instrumentos. Por fim, infringi-lo implicará violação ao próprio Direito, às regras constitucionais, configurando uma ilicitude sujeita à invalidação. 3.7. Princípio da publicidade O princípio da publicidade nada mais é que a divulgação, tendo como finalidade o conhecimento público. Esse princípio tem como base o fato de que o administrador exerce função pública, atividade em nome e interesse do povo, por isso nada mais justo que o titular desse interesse tenha ciência do que está sendo feito com os seus direitos. Além desse objetivo principal, o princípio da publicidade também produz outros efeitos, outras consequências, como se verifica em seguida. A publicidade também representa condição de eficácia59 para os atos administrativos, marcando o início de produção de seus efeitos externos, já que ninguém está obrigado a cumprir um ato administrativo se desconhece a sua existência60. Este só goza da imperatividade e torna-se operante a partir da divulgação oficial. Nesse caso, pode-se citar, como exemplo, o art. 61, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, que estabelece, expressamente, como condição indispensável de eficácia dos contratos administrativos, a publicação de seu extrato. Logo, o contrato poderá até ser válido, mas não tem que ser cumprido, não produzindo os seus efeitos, enquanto não for publicado. Publicidade representa ainda o termo inicial para contagem de prazos. Imagine, por exemplo, que um administrado ultrapasse a velocidade permitida em uma avenida ou que sua empresa desobedeça às regras sanitárias. Consequentemente, ele é multado. Todavia, antes da efetivação da pena, ele tem direito à defesa e, para tanto, deve ser notificado. A partir desse momento, oportunidade em que ele toma conhecimento da infração, é que começa a correr o seu prazo de defesa, já que ele não poderia se defender de algo cuja existência desconhecia. Além desses aspectos, a publicidade também viabiliza o controle, a fiscalização dos atos praticados pelo Poder Público, seja pelos interessados diretos ou pelo povo em geral. São meios constitucionais para tanto: os remédios, por exemplo, o mandado de segurança, a ação popular, o habeas data; além de outros instrumentos, como a ação civil pública, o direito de petição, a representação às autoridades competentes e o pedido de informações. Um dos efeitos mais relevantes do dever de publicidade que inviabilizam o sigilo das decisões administrativas é o efeito inibitório. A ciência da sociedade tende a inibir a prática de irregularidades em razão da possibilidade de repressão das ilicitudes e desvios, o que faz desse princípio um elemento favorável à redução de práticas ilegais.Por fim, importante registrar que a observância da publicidade como instrumento de controle trouxe como consequência a aprovação da denominada Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011), que tem como finalidade a criação de canais de participação da sociedade no âmbito do Poder Público e a efetivação do direito fundamental à informação inserido no art. 5º, XXXIII, da Constituição, que garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou interesse coletivo ou geral, salvo as situações protegidas pelo sigilo. Inclusive, a Lei aponta expressamente como diretriz em seu art. 3º, IV e V, que os procedimentos instituídos por ela deverão fomentar o desenvolvimento da cultura de transparência61 e desenvolver o controle social da administração pública. É relevante grifar que essa publicidade deve obedecer ao formalismo previsto pela lei. Também não se pode confundir publicidade com publicação. A publicação, enquanto divulgação em diário oficial, é somente uma das hipóteses de publicidade; é espécie desse gênero e, portanto, não são sinônimos. A publicidade pode acontecer de várias maneiras: via cientificação pessoal no próprio processo, por meio do correio, divulgação em diário oficial ou jornal de grande circulação, ou até mediante sessões realizadas de portas abertas, como na licitação, por exemplo, entre outras formas que viabilizam o conhecimento público. A publicidade, como princípio de Administração Pública, abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes e como garantia de informação. Para fundamentar a obrigatoriedade desse princípio, podem ser identificados alguns dispositivos constitucionais: o art. 37, caput, que define publicidade como um dos princípios da Administração Pública; o art. 5º, XXXIII, que garante o direito à informação; o art. 5º, XXXIV, alínea b, que define o direito de certidão; além do art. 5º, LXXII, que institui o remédio constitucional denominado habeas data, que garante o direito à obtenção e à retificação de informações pessoais. É mister, também, aproveitar a oportunidade para pontuar uma distinção crucial entre o mandado de segurança e o habeas data. O primeiro é utilizado para a proteção de um direito líquido e certo, nessa hipótese, o de informação, ou até o de certidão, se for o caso, enquanto o segundo só poderá ser utilizado quando se tratar de informação sobre a sua pessoa, restando concluir que, se a informação for do seu interesse, mas não sobre a sua pessoa, o remédio adequado é o mandado de segurança. A desobediência ao dever de publicar os atos oficiais pode caracterizar improbidade administrativa, considerando a Lei n. 8.429/92, em seu art. 11, IV. O texto constitucional define algumas exceções ao princípio da publicidade, estabelecendo, nesses casos, a garantia do sigilo. A primeira hipótese está no art. 5º, X, que estabelece serem invioláveis a intimidade62, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, aplicando a quem as violar o dever de indenizar por danos materiais e morais causados. Assim está instituída a garantia de intimidade, não devendo a Administração publicar quando comprometer esse direito, sob pena de ter que indenizar os danos gerados à vítima como forma de sanção. A segunda foi definida pelo art. 5º, XXXIII, que garante o direito à informação, ressalvadas as informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado. Esse dispositivo foi regulamentado inicialmente pela Lei n. 11.111/2005, porém a referida lei foi revogada pela Lei n. 12.527/2011, que passou a regulamentar o acesso a informações previsto não só no inciso XXXIII do art. 5º, mas também no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal, além de alterar a Lei n. 8.112/90. No âmbito do Poder Executivo federal, foi editado o Decreto n. 7.724, de 16.05.2012, que regulamenta os procedimentos para a garantia do acesso à informação e para a classificação de informações sob restrição de acesso, observados grau e prazo de sigilo. A lei dispõe no seu art. 24 que a informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada. Estabelece, posteriormente, como se dará a referida classificação e os prazos máximos de restrição de acesso à informação. Foi instituída ainda uma Comissão Mista de Reavaliação de Informações, que decidirá, no âmbito da administração pública federal, sobre o tratamento e a classificação de informações sigilosas. Por fim, aponta-se a terceira hipótese, a do art. 5º, LX, que dispõe que a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Como exemplo, pode-se citar o art. 150 da Lei n. 8.112/90, o Estatuto dos Servidores da União, que estatui que a comissão do processo disciplinar exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração. E mais, que as reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado. Seguindo essa regra de que os processos administrativos são públicos, embora excepcionalmente a lei possa instituir o sigilo, encontra-se a maioria dos processos ético-disciplinares que, para evitar a destruição precoce da carreira de um determinado profissional e viabilizar a instrução probatória, deverão ser sigilosos. A enumeração dessas hipóteses não é tema tranquilo na doutrina, visto que alguns doutrinadores preferem apontar somente a segunda hipótese como exceção ao princípio da publicidade. Outros defendem, ainda, que a hipótese de sigilo dos atos processuais só é aplicável aos processos judiciais, porém não é o que se pode concluir com a leitura do dispositivo constitucional, o qual não estabelece expressamente essa restrição. Muito cuidado, ainda, com o art. 37, § 1º, da CF, que dispõe o seguinte: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Esse dispositivo deve ser observado em duas partes. Em primeiro lugar está o dever de publicidade dos administradores públicos, o que deve respeitar objetivos previstos na Constituição, para informar, orientar e educar a sociedade. Caso tal dever seja descumprido, o agente deve ser responsabilizado, caracterizando, inclusive, improbidade administrativa, prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/92. Na segunda parte, o dispositivo veda a promoção pessoal observando diversos princípios constitucionais, tais como impessoalidade, moralidade, eficiência e outros. Nesse caso, não se pode confundir publicidade com propaganda pessoal, atentando para o fato de que o texto constitucional proíbe a publicidade que represente propaganda do administrador. Essa disposição faz sentido quando se tem como regra o fato de o administrador exercer função pública, portanto, munus publico, daí porque todas as suas obras, serviços prestados e atividades desenvolvidas não representam nada mais do que a sua obrigação, o seu dever de ser um bom administrador. (É preciso lembrar que ele não faz porque é bonzinho e, sim, porque eletem o dever de fazer.) Também se ressalte que o dinheiro gasto com o material publicitário, com a propaganda efetivamente (o outdoor, a faixa, a propaganda da TV), é fato decorrente de que ele está somente cumprindo a sua obrigação. Sabe-se, ainda, que, na prática, essa regra quase não é observada pelos administradores, apesar de caracterizar violação a inúmeros princípios constitucionais, como impessoalidade, moralidade, eficiência, legalidade. A promoção pessoal também caracteriza ato de improbidade administrativa, punível com base no art. 11 da Lei n. 8.429/92, que se configura violação aos princípios da Administração, além de caracterização de infração funcional, conforme previsão do respectivo estatuto do servidor63. Para evitar abusos na aplicação de penalidades, a jurisprudência reconhece que a Constituição não proíbe que constem nomes, símbolos e imagens, visando identificar a autoria, dar informação, porém não admite que seja feita promoção pessoal, devendo a publicidade ser impessoal, o que dependerá de muito bom senso e razoabilidade64. A Lei n. 12.550, de 15.12.2011, inseriu no Código Penal o Capítulo V, que dispõe sobre “Fraudes em certames de interesse público”. O art. 311-A tipifica a conduta de utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de concurso público, avaliação ou exame público, processo seletivo para ingresso no ensino superior ou exame ou processo seletivo previstos em lei. A pena prevista para este crime é a de reclusão de um a quatro anos e multa. As mesmas penas são aplicadas àquele que permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações relativas aos certames citados. As penas serão de dois a seis anos e multa, se da ação ou omissão de publicidade indevida resultar dano à Administração Pública. Este novo diploma legal acrescenta mais uma responsabilidade quanto à utilização indevida de informações de interesse público. 3.8. Princípio da eficiência Este princípio, que ganhou roupagem de princípio constitucional expresso por meio da Emenda Constitucional n. 19/98, embora já existisse implicitamente na Lei Maior, trata-se de uma condição indispensável para a efetiva proteção do interesse público. A eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Consiste na busca de resultados práticos de produtividade, de economicidade, com a consequente redução de desperdícios do dinheiro público e rendimentos típicos da iniciativa privada, sendo que, nessa situação, o lucro é do povo; quem ganha é o bem comum. Para os serviços públicos, já existia previsão expressa em relação à necessidade de eficiência no art. 6º da Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre concessão e permissão de serviços públicos e define o serviço público adequado. Nesse caso, a norma constitucional vem para fortalecer essa exigência. Quanto aos serviços, o princípio requer um aperfeiçoamento na sua prestação, que tem que ser eficaz quanto aos meios para sua implementação e quanto aos resultados obtidos, além da necessidade de eficiência qualitativa e quantitativa dessas atividades, o que ainda está distante da realidade brasileira. A EC n. 19/98, para viabilizar a aplicação do novo princípio expresso, introduziu alguns mecanismos no texto constitucional. Quanto aos servidores, a eficiência aparece como requisito indispensável para a aquisição e perda da garantia de estabilidade, conforme regras do art. 41 da Constituição Federal. Hoje, um servidor público, para adquirir a estabilidade, precisa ser aprovado em concurso público, nomeado em cargo de provimento efetivo, cumprir os três anos de efetivo exercício e ser aprovado em uma avaliação especial de desempenho que representa um instrumento para se exigir mais dos servidores, e com isso haver uma administração mais eficiente. Uma vez adquirida a estabilidade, ele poderá perdê-la em razão de decisão judicial transitada em julgado, processo administrativo com contraditório e ampla defesa ou por meio de um procedimento de avaliação periódica de desempenho, consoante regulamentação por lei complementar, o que também representa mecanismo para realização da eficiência65. Também representam implantação do princípio da eficiência as regras quanto à racionalização da máquina administrativa, definidas no art. 169 da Constituição. A Administração Pública não pode, com despesa de pessoal, seja ativo ou inativo, exceder os limites previstos em lei complementar. Esses limites foram definidos pelo art. 19 da Lei Complementar n. 101/2000, que dispõe sobre responsabilidade fiscal e prega para a União o limite de 50% (cinquenta por cento) de sua receita corrente líquida. Para Estados66 e Municípios, esse percentual é de 60% (sessenta por cento). A Lei estabeleceu, em seu art. 70, um prazo de até dois exercícios para eliminação gradual dos excessos, observado o percentual de 50% (cinquenta por cento) a cada ano67. Sendo assim, quando a Administração gasta além desses limites, é obrigatória a redução, a qual se inicia com o corte de pelo menos 20% (vinte por cento) das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, passando em seguida para os servidores não estáveis e, por fim, os servidores estáveis, sendo que só é possível atingir o grupo seguinte, se esgotado o anterior. Com essas regras, a Administração está evitando os desperdícios68. Outra recente medida introduzida em nosso ordenamento jurídico, que tem como fundamento implementar a eficiência na gestão pública, foi a promulgação da EC n. 95, de 15 de dezembro de 2016, que limita por 20 anos os gastos públicos. A polêmica PEC n. 55/2016 foi aprovada com o objetivo de estabelecer um equilíbrio nas contas públicas instituindo um rígido mecanismo de controle, uma vez que a Administração deverá obedecer ao teto que será estabelecido de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O novo regime será aplicado para os orçamentos fiscal e da seguridade social e para todos os órgãos e Poderes da República. Foram estabelecidas algumas exceções ao teto como, por exemplo, a transferência de recursos da União para Estados e Municípios e despesas com a realização de eleições e verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). As mudanças foram introduzidas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescendo-se os arts. 106 a 114, que passaram a regular o “Novo Regime Fiscal”. Por fim, a EC n. 19/98 também alterou o art. 37, § 3º, da CF, determinando-o como um instrumento para que os indivíduos possam exercer efetivamente sua cidadania e exigir eficiência, permitindo que a lei discipline as formas de participação do usuário na administração direta e indireta, regule as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, garanta o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos de governo e regulamente a representação contra o exercício negligente ou abusivo dos cargos, empregos e funções públicas. Esse, com certeza, é um excelente instrumento para a efetivação do princípio da eficiência. O referido dispositivo foi regulamentado pela Lei n. 12.527, de 18.11.2011, denominada Lei de Acesso à Informação. A lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelaUnião, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37, e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Além dos entes que compõem a Administração Direta, o parágrafo único do art. 1º determina que também estão subordinados às regras dessa lei os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. O art. 2º amplia, ainda, a aplicação da lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Entretanto, o parágrafo único do art. 2º afirma que a publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas. A lei estabelece, ainda, conceitos, princípios e diretrizes quanto ao direito de acesso à informação previsto constitucionalmente. Regulamenta também os procedimentos quanto ao acesso, normas quanto à divulgação, as regras quanto às restrições ao exercício deste direito, e prevê as responsabilidades do agente público e do militar. Para os processos administrativos, a novidade veio com a Emenda Constitucional n. 45/2004, a chamada Reforma do Poder Judiciário, que introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º da CF, cujo teor confirma que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Essa regra, que atinge a via administrativa, busca a celeridade dos processos e, com isso, a eficiência do provimento final. Visando a sua implementação, devem ser criadas novas regras legais ou alteradas as já existentes. O princípio da eficiência é algo muito desejado. Contudo, é juridicamente tão fluido e tão difícil o seu controle que, apesar de todas as regras ditas, mais parece um simples adereço, um enfeite agregado ao art. 37, ou até, como preferem alguns, trata-se de um mero extravasamento de uma aspiração dos membros do Poder Constituinte Reformador. Na verdade, de que valem a sua prescrição expressa e os instrumentos constitucionais para sua efetivação, se eles dependem de regulamentação, e até agora as regras não vieram; se dependem de ações práticas e de investimentos, e até agora pouco foi feito. Dessa forma, a eficiência não deixa de ser uma mera utopia, um sonho... 3.9. Princípio da isonomia Este princípio tem um conceito maravilhoso, quase uma poesia. Isonomia significa tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades. Todavia, a dificuldade é fixar quais são os parâmetros e definir quem são os iguais ou os desiguais e, o que é ainda pior, qual é a medida da desigualdade. Com o propósito de facilitar a aplicação desse princípio, verificando se há ou não a sua violação, é possível utilizar-se de dois elementos: primeiro, identificar qual é o fator de discriminação e, em seguida, verificar se esse fator de exclusão está ou não de acordo com o objetivo da norma. Quando o fator de discriminação utilizado no caso concreto estiver compatível com o objetivo da norma, não há violação do princípio da igualdade e a exclusão é válida. De outro lado, o inverso não é verdadeiro, havendo desobediência à isonomia se a regra de exclusão estiver incoerente com a norma. Nesse cenário, deve sempre haver pertinência lógica entre o fato discriminado e a razão jurídica pela qual a discriminação é feita. Por exemplo, a Administração resolveu fazer concurso para salva-vidas, estabeleceu no edital que deficientes físicos, de cadeiras de rodas, não poderiam prestar o dito concurso. Nessa hipótese, não houve violação à isonomia, já que eles não conseguiriam exercer esse tipo de atividade. Nesse diapasão, encontra-se a regra do art. 5º, § 2º, da Lei n. 8.112/90, o Regime Jurídico dos Servidores da União69. No entanto, se o concurso fosse para o exercício de uma função administrativa qualquer, a mesma regra de exclusão de deficientes seria atentatória à igualdade constitucional. No ordenamento jurídico brasileiro, e especialmente no Direito Administrativo, vários institutos representam a aplicação do princípio da isonomia. Entre eles estão a licitação e o concurso público, institutos que viabilizam a escolha da melhor proposta ou do melhor candidato, respectivamente, ao mesmo tempo em que tornam viável a oportunidade de os interessados disputarem em igualdade de condições. Assim, consideramos que os procedimentos de licitação e concurso, que admitem, desde o início, a criação de critérios distintivos, também estão sujeitos à clara exigência de que a discriminação deva ser compatível com os fins e valores consagrados no ordenamento. E mais, estabelecidas as regras legitimamente, instalado o procedimento, fica proibida qualquer distinção procedimental entre os participantes. Ilustrando tal raciocínio, o STF já decidiu: (...) 2. A Constituição do Brasil proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do art. 19. 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. 4. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. (...)70. No que tange à acessibilidade aos cargos públicos e ao concurso público, as regras visam a dar a todos iguais oportunidades, não se admitindo distinções entrebrasileiros natos e naturalizados, exceto nas hipóteses do art. 12, § 3º, da CF, nem mesmo as distinções em razão de idade e sexo, regra do art. 39, § 3º, e do art. 7º, XXX, da CF, exceto aquelas distinções que a natureza do cargo assim o exigir, desde que previstas em lei, o que nesse caso não viola o princípio da isonomia. Dessa forma orienta a jurisprudência: (...) 2. A vedação à existência de critérios discriminatórios de idade, sexo e altura, em sede de concurso público, não é absoluta, em face das peculiaridades inerentes ao cargo em disputa, todavia, é imprescindível que mencionado critério esteja expressamente previsto na lei regulamentadora da carreira. Precedentes do STF e STJ. (...)71. Nesse contexto, vem à tona uma importante divergência quanto à possibilidade de limite de idade em concurso público, encontrando-se orientações importantes na jurisprudência nacional que devem ser ponderadas. A grande maioria da doutrina e jurisprudência entende que a definição de limite de idade está proibida, consoante inteligência do art. 3º, IV, da Constituição, que veda preconceitos em razão da origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, ressalvados os casos em que a natureza das atribuições do cargo assim as justificar, dependendo ainda de previsão na lei da carreira sobre a exigência72. Nesse entendimento, o STF editou a Súmula n. 683, que diz: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Dessa forma, o Tribunal acabou reconhecendo a necessidade de valoração quanto à complexidade do cargo, o que não deixa de ter um caráter subjetivo, já que não há uma enumeração legal dessas hipóteses, entretanto a exigência não pode estar somente no edital, devendo também estar expressa na lei da carreira. Por essa razão, a Súmula acabou não resolvendo totalmente a situação, deixando nas mãos do legislador tal decisão. Trilhando esse mesmo caminho e reafirmando a jurisprudência da Casa, o Supremo Tribunal Federal julgou o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo, ARE 678.112, com reconhecimento de repercussão geral para o tema, no sentido de admitir a legitimidade de fixação de limite de idade em concurso público quando previsto em lei e que possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido. No que tange à questão de limite de idade para concursos de ingresso para as Forças Armadas, após reconhecer em 2008 a repercussão geral do tema (RE 572.499 e RE 600.885) o STF reconheceu também a exigência constitucional de edição de lei para regulamentar a matéria, assentando que os regulamentos e editais que prevejam referido limite vigorarão somente até 31.12.2011, não se admitindo, portanto, que um ato administrativo estabeleça a restrição, sob pena de afronta ao princípio constitucional da ampla acessibilidade aos cargos públicos. Confira ementa da decisão: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. Art. 10 DA Lei n. 6.880/1980. Art. 142, § 3º, Inciso X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos (RE 600.885, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento 09.02.2011, Repercussão geral – Mérito, DJe 1º.07.2011)73. Foram interpostos Embargos de Declaração da decisão proferida e o Plenário, por maioria, acolheu embargos de declaração para sanar omissão e reconhecer que a modulação de efeitos proclamada no acórdão embargado não alcançaria os candidatos que teriam ingressado em juízo para pleitear o afastamento do limite de idade por ausência de previsão legal. No caso, o Tribunal anunciara a não recepção da expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” contida no art. 10 da Lei n. 6.880/80. Entretanto, resolvera modular os efeitos dessa decisão até 31.12.2011. Deferiu-se o pedido para prorrogar a modulação aludida até o dia 31.12.2012, sem admitir-se, contudo, nova postergação74. Considerou-se que, apesar de o primeiro prazo dado pelo STF não ser exíguo, não se poderia deixar as Forças Armadas sem instrumento normativo válido para realização de concurso público. Hoje a regra já está respaldada em previsão legal. Convém realçar que o princípio da isonomia não tem como pretensão promover a igualação absoluta entre todos os indivíduos. A isonomia jurídica visa promover as medidas necessárias à satisfação equivalente de todas as necessidades e objetivos individuais e coletivos, o que significa assegurar a um sujeito ou a um grupo deles soluções específicas, que não são adequadas para todos. 3.10. Princípio do contraditório Os princípios do contraditório e da ampla defesa foram ampliados, saindo do âmbito do Direito Processual para o Direito Administrativo, considerando que a Constituição os estabelece hoje expressamente para o processo administrativo. Tais princípios são vistos hoje, pela ótica neoconstitucionalista, não exclusivamente como normas abstratas, mas, sobretudo, como garantias constitucionais de um processo justo e transparente, estando ligados aos direitos fundamentais, à expressão da liberdade, à igualdade e à dignidade da pessoa humana, tornando o processo um instrumento realizador de justiça. Os processos administrativos devem ser a regra na Administração Pública, considerando as suas funções de documentação, legitimação da conduta do administrador e mecanismo de defesa em inúmeros casos, não podendo a Administração Pública tomar decisões gravosas relativas a um sujeito sem esses cuidados75. Ressalte-se ainda que esses processos não podem ser concretizados de qualquer maneira só para cumprir a formalidade, eles devem ser realizados seguindo o modelo constitucional, fundamentando-se no princípio do devido processo legal em que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, da CF) e, consequentemente, no princípio do contraditório e da ampla defesa aos litigantes, estatuídosno art. 5º, LV, do texto constitucional, que estabelece que “em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O princípio do devido processo legal é referência como regra constitucional desde a Constituição de 1824, mas a novidade da Constituição Federal de 1988 foi estendê-lo ao processo administrativo. Trata-se de um superprincípio, norteador de todo ordenamento jurídico e que se desdobra em vários subprincípios como, por exemplo, o contraditório e a ampla defesa. Essa garantia exige que a autoridade competente atue material e formalmente segundo o que o direito determina, impedindo que o processo de tomada de decisão pelo Poder Público seja um procedimento arbitrário. Representa uma regra imune à alteração constitucional e de aplicabilidade imediata. Assim, está consagrada a exigência de um processo formal regular, realizado conforme a previsão legal, não podendo a Administração Pública proceder contra alguém, atingindo os seus interesses e direitos sem oferecer-lhe contraditório e ampla defesa, sem obediência aos ditames constitucionais. Aplicando o princípio do contraditório, a Administração Pública está obrigada a dar ciência da existência do processo e de seu conteúdo ao interessado. Trata-se de um elemento essencial do processo, com fulcro em uma base lógica que exige a bilateralidade da relação jurídica processual76 e em uma base política que garante que ninguém pode ser julgado, sem antes ser ouvido. Para ser dada plenitude e efetividade a esse princípio, não basta apenas intimar a parte para manifestar-se, ouvi-la e permitir a produção e alegação de provas; é preciso deixar que ela influa no convencimento do julgador. Enfim, como corolário dos princípios do contraditório e da ampla defesa, deve-se colocar a parte socialmente mais fraca em condições de paridade inicial frente à parte mais forte e impedir que a igualdade de direitos se transforme em desigualdade de fato, por causa da inferioridade cultural ou econômica de uma delas. 3.11. Princípio da ampla defesa O princípio da ampla defesa, também previsto no art. 5º, LV, é inerente ao direito de ação, à tutela do Estado. Representa uma consequência do devido processo legal, porém tendo bases e regras específicas. A garantia de defesa significa dar à parte o direito de defender-se, independentemente de ela usar ou não o prazo que lhe é concedido, conforme a seguinte decisão do STF: “Não há ofensa à garantia do contraditório e da ampla defesa, inerente ao devido processo legal, quando, em procedimento administrativo, o interessado, notificado, deixa, sem justa causa, de apresentar defesa no prazo legal”77. Esse princípio deve assegurar à parte a garantia de defesa, conferindo ao cidadão o direito de alegar e provar o que alega, podendo se valer de todos os meios e recursos disponibilizados para a busca da verdade real, proibindo-se, taxativamente, qualquer cerceamento de defesa. Garantir à parte o prazo é o mínimo para o exercício desse direito, apesar de não configurar violação ao princípio a sua não participação. Para sua verdadeira aplicação, algumas regras devem ser observadas: a) o caráter prévio da defesa: é a anterioridade da defesa em relação ao ato decisório, exigindo- se procedimentos e penas predeterminados, para que a parte saiba exatamente como e do que deve se defender; b) o direito à informação geral decorrente do contraditório, o acesso ao processo, além do direito de cópias desde que as despesas corram a cargo do interessado; c) o direito de solicitar a produção de provas, vê-las realizadas e interferindo efetivamente no convencimento do julgador; d) a defesa técnica: seria aquela realizada pelo representante legal do interessado, o advogado, que contribui substancialmente para o equilíbrio e a legalidade do processo, mas tem presença facultativa. A situação ganha mais discussão no que diz respeito ao processo administrativo disciplinar, mas, ainda assim, hoje, a sua presença é uma escolha da parte, resultado da Súmula Vinculante n. 5 do STF, que diz: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”; e) o direito de interpor recurso administrativo, independentemente de previsão explícita em lei, com a aplicação da parte final do art. 5º, LV, que garante esse direito, além do exercício do direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, alínea “a”, todos da CF78. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, apesar de regras recentes para o Direito Administrativo, estão ganhando cada vez mais força e reconhecimento e, para impedir a sua inobservância, reforça-se a orientação de que ninguém pode ser atingido por uma decisão administrativa sem ter direito de interferir na sua construção, ou seja, sem ter conhecimento e direito de defesa. O STF focado nessa exigência editou a Súmula Vinculante n. 379, cujo texto garante: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. Na primeira parte, a súmula garante que, nos processos que tramitam junto ao Tribunal de Contas da União, será observado o direito ao contraditório e à ampla defesa quando a decisão puder atingir ato que beneficie o interessado. Tal regra reforça a ideia apresentada, não sendo possível admitir que alguém possa ser atingido por uma decisão (no caso do TCU) e não tenha direito de participar da sua construção. Na parte final do enunciado “excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”, o STF limitou o alcance do verbete, para excluir o ato complexo de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. É pertinente lembrar que o ato complexo, para o seu aperfeiçoamento (para concluir a sua trajetória de formação), depende de duas manifestações de vontade advindas de órgãos diferentes: da autoridade do órgão de origem do servidor e do Tribunal de Contas. O ato somente vai estar pronto para o mundo jurídico após as duas manifestações. Assim, quando o TCU manifesta-se nesse tipo de ato, não há ainda para o servidor um direito constituído, considerando que a situação ainda não está aperfeiçoada. Por essa razão, a decisão do TCU não vai atingir um direito, afastando o STF, com isso, a necessidade de contraditório e ampla defesa para o interessado perante esse Tribunal, lembrando que tais princípios serão cumpridos perante a Administração. No entanto, caso o Tribunal de Contas da União demore mais de cinco anos para realizar o controle da legalidade do ato inicial de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, a jurisprudência pátria já reconheceu que este deverá renovar o direito de contraditório e ampla defesa também perante o TCU, criando assim uma exceção ao que está estatuído na Súmula Vinculante n. 3, em razão dos princípios da segurança jurídica, da lealdade e da razoabilidade. Observe decisão: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NEGATIVA DE REGISTRO A APOSENTADORIA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. 1. O impetrante se volta contra o acórdão do TCU, publicado no Diário Oficial da União. Não exatamente contra o IBGE, para que este comprove o recolhimento das questionadascontribuições previdenciárias. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. 2. Infundada alegação de carência de ação, por ausência de direito líquido e certo. Preliminar que se confunde com o mérito da impetração. 3. A inércia da Corte de Contas, por mais de cinco anos, a contar da aposentadoria, consolidou afirmativamente a expectativa do ex-servidor quanto ao recebimento de verba de caráter alimentar. Esse aspecto temporal diz intimamente com: a) o princípio da segurança jurídica, projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do Estado de Direito; b) a lealdade, um dos conteúdos do princípio constitucional da moralidade administrativa (caput do art. 37). São de se reconhecer, portanto, certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público, mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder, como se dá com o ato formal de aposentadoria. 4. A manifestação do órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o direito positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade intersubjetiva ou mesmo intergrupal. A própria Constituição Federal de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. Pelo que existe uma espécie de tempo constitucional médio que resume em si, objetivamente, o desejado critério da razoabilidade. Tempo que é de cinco anos (inciso XXIX do art. 7º e arts. 183 e 191 da CF; bem como art. 19 do ADCT). 5. O prazo de cinco anos é de ser aplicado aos processos de contas que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Transcorrido in albis o interregno quinquenal, a contar da aposentadoria, é de se convocar os particulares para participarem do processo de seu interesse, a fim de desfrutar das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (inciso LV do art. 5º). 6. Segurança concedida (MS 25.116, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento 08.09.2010, DJe 10.02.2011)80. Os princípios do contraditório e da ampla defesa também estão previstos de forma expressa no art. 2º da Lei n. 9.784/99. Para aprofundamento desses dois princípios, verifique Capítulo 15, referente ao Processo Administrativo. 3.12. Princípio da razoabilidade Tal princípio proíbe a atuação do administrador de forma despropositada ou tresloucada, quando, com a desculpa de cumprir a lei, age de forma arbitrária e sem qualquer bom senso. Trata-se do princípio da proibição de excessos. O princípio da razoabilidade não visa substituir a vontade da lei pela do julgador, visto que cada norma tem uma razão de ser. Entretanto, ele representa um limite para a discricionariedade do administrador, exigindo uma relação de pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e finalidade legal de outro. Agir discricionariamente não significa agir desarrazoadamente, de maneira ilógica, incongruente. A lei não protege, não encampa condutas insensatas, portanto, terá o administrador que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal. As decisões que violarem a razoabilidade não serão inconvenientes, e, sim, ilegais e ilegítimas, porque ofenderão a finalidade da lei, por ofenderem princípio constitucional implícito, admitindo correção, inclusive pelo Poder Judiciário, que estará realizando tão somente controle de legalidade. Essa é a dita legalidade em sentido amplo, o que permite a análise de compatibilidade com a lei e com as regras constitucionais. Nessa situação, apesar de se reconhecer que o controle judicial não pode atingir a conveniência e a oportunidade, a discricionariedade do administrador, deve-se admitir que o Poder Judiciário acabará interferindo no juízo de valor do administrador, no mérito do ato administrativo, limitando a sua liberdade (assim, não se admitem mais qualquer conveniência e oportunidade; essas devem ser razoáveis). Essa interferência só será possível quando existir violação à razoabilidade, ofendendo o texto constitucional e, consequentemente, o princípio da legalidade. Para esclarecer tal orientação é interessante a leitura da decisão proferida pelo STF em arguição de descumprimento de preceito fundamental. Observe partes da ementa: EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). Decisão: (...) Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético- jurídico –, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (...) Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivospreceitos constitucionais. (...). Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais” (ADPF 45-9/DF, STF – Decisão Monocrática, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 29.04.2004, DJ 04.05.2004, p. 12)81. Nessa linha de pensamento, esclarece ainda Fábio Pallaretti Calcini: O princípio da razoabilidade é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça82. A razoabilidade é princípio implícito no texto constitucional e expresso na lei ordinária, especificamente no art. 2º da Lei n. 9.784/99, que define as regras sobre processos administrativos. 3.13. Princípio da proporcionalidade Para a maioria dos autores, como Hely Lopes Meirelles83 e Maria Sylvia Zanella Di Pietro,84 este princípio está contido no da razoabilidade. O princípio da proporcionalidade exige equilíbrio entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar, segundo padrões comuns da sociedade em que se vive, analisando sempre cada caso concreto. A atuação proporcional da autoridade pública exige também uma relação equilibrada entre o sacrifício imposto ao interesse de alguns e a vantagem geral obtida, de modo a não tornar a prestação excessivamente onerosa para uma parte. Por fim, o foco está nas medidas tomadas pelo Poder Público, não podendo o agente público tomar providências mais intensas e mais extensas do que as requeridas para os casos concretos, sob pena de invalidação, por violar a finalidade legal e, consequentemente, a própria lei. Portanto, sendo a decisão manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado os limites da discricionariedade, violando assim o princípio da proporcionalidade, devendo o Poder Judiciário corrigir essa ilegalidade85 com a anulação do ato, sendo impossível anular somente o excesso. Diante desse contexto, também é possível a responsabilização do administrador público, inclusive pelo abuso de poder, o que pode ser configurado com o reconhecimento do excesso de poder ou do desvio de finalidade. Esse princípio não está expresso no texto da Constituição, entretanto alguns dispositivos podem ser utilizados como fundamento para o seu reconhecimento, como, por exemplo, o art. 37 c/c com art. 5º, II, e art. 84, IV, todos da Constituição Federal. Encontra-se, ainda, previsão na Lei n. 9.784/99, que dispõe sobre processo administrativo e estabelece, em seu art. 2º, parágrafo único, incisos VI, VIII, IX e art. 29, § 2º, o princípio da razoabilidade com a feição de proporcionalidade. 3.14. Princípio da continuidade Continuidade significa ausência de interrupção, sequência, ação incessante. O princípio da continuidade aplicado ao Direito Administrativo exige que a atividade administrativa seja prestada de forma contínua, não comportando intervalos, não apresentando lapsos ou falhas, sendo constante e homogênea. A manutenção de forma ininterrupta da atividade administrativa, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello86, é um subprincípio, derivado do princípio da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública que é oriundo do princípio fundamental da indisponibilidade. Por ser a atividade administrativa de caráter serviente, por ser a sua prestação um dever do Estado, coloca-se como uma situação coativa a ser perseguida, uma vez que a lei assim determinou como uma obrigação por parte da Administração Pública. O princípio da continuidade gera consequências importantes para o serviço público, para os servidores públicos e para os contratos administrativos. Para os serviços públicos87, principalmente os essenciais, a aplicação do princípio da continuidade impede a sua interrupção, salvo nas hipóteses expressamente autorizadas por lei. A Lei n. 8.987/95, que regulamenta esses serviços, dispõe, em seu art. 6º, § 3º, que não há descontinuidade do serviço, e portanto violação a tal princípio, na sua interrupção quando há emergência ou após prévio aviso, motivados por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações e por inadimplemento do usuário, considerando o interesse coletivo. Inúmeras discussões surgiram em razão desse dispositivo, notadamente quanto ao inadimplemento do usuário. Para os defensores do corte, a justificativa é a própria continuidade do serviço, tendo em vista que, se a pessoa jurídica prestadora do serviço estiver obrigada a prestá-lo a quem não paga, ela se tornará economicamente inviável e não conseguirá mais mantê-lo para os usuários adimplentes, em razão do equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Também se reconhece como justificativa para interrupção do serviço o princípio da isonomia, que exige o tratamento desigual para os desiguais, a supremacia do interesse público protegendo a qualidade e a manutenção dos serviços para a coletividade em geral, além da vedação ao enriquecimento ilícito. Seguindo essa vertente, é possível encontrar inúmeras decisões na jurisprudência nacional que autorizam a interrupção de diversos serviços, como é o caso da energia elétrica, telefonia, água, exigindo-se sempre prévia comunicação. EMENTA: ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO – ENERGIA ELÉTRICA – INADIMPLÊNCIA – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535, I E II, DO CPC – INEXISTÊNCIA – DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO – INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DOS ARTS. 255 DO RISTJ E 541, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. 1. (...). 3. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 4. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 5. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 6. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei n. 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 7. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 8. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido (REsp 1.062.975/RS, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgamento 23.09.2008, DJ 29.10.2008) (grifos da autora). Essa representa a posição majoritária, a qual tem acolhida neste trabalho. Nesse contexto, observe partes de decisãoproferida pelo STJ da relatoria do Ministro José Delgado (AgRg no REsp 1.035.719), em que o objetivo é a uniformização da orientação. (...) 2. Em inúmeros julgados, venho externando o entendimento no sentido de que não se reputa legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento de fatura vencida, mercê de que a energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 3. Entretanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendi-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela ampla maioria da Primeira Seção deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país, que vem decidindo que “é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta” (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II) (REsp 363.943/MG, STJ – Primeira Seção, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 1º.03.2004). (...)88. Outra parte da doutrina defende que essa regra que permite a interrupção do serviço é inconstitucional, porque o legislador ordinário não poderia criar uma exceção ao princípio da continuidade, estabelecido implicitamente na Constituição Federal, só restando ao prestador do serviço a cobrança do débito na via judicial. Dessa forma, alguns tribunais vêm impedindo a interrupção da atividade quando o fundamento é a inadimplência, na hipótese de o serviço ser essencial, reconhecendo inclusive direito à indenização para o usuário, conforme o caso, o que não é posição majoritária89. Com o objetivo de compatibilizar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor com a Lei n. 8.987/95, o STJ proferiu interessante acórdão reconhecendo que a continuidade prevista no CDC não é princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da lei de concessão e permissão. Verifique: EMENTA: ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. USUÁRIO INADIMPLENTE. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. 2. A Lei n. 8.987/95, por sua vez, ao dispor sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, em seu Capítulo II (“Do Serviço Adequado”), traz a definição, para esse especial objeto de relação de consumo, do que se considera “serviço adequado”, prevendo, nos incisos I e II do § 3º do art. 6º, duas hipóteses em que é legítima sua interrupção, em situação de emergência ou após prévio aviso: (a) por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; (b) por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. 3. Tem-se, assim, que a continuidade do serviço público assegurada pelo art. 22 do CDC não constitui princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da Lei n. 8.987/95, que, em nome justamente da preservação da continuidade e da qualidade da prestação dos serviços ao conjunto dos usuários, permite, em hipóteses entre as quais o inadimplemento, a suspensão no seu fornecimento. (...) 4. Recurso especial a que se dá provimento (REsp 898.769/RS, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgamento 1º.03.2007, DJ 12.04.2007)90 (grifos da autora). Também se encontram decisões dos tribunais pátrios que impedem o corte do serviço, mesmo nas hipóteses autorizadas pela lei, quando a sua ausência causar um prejuízo irreparável, como, por exemplo, a prestação de serviços de energia elétrica a hospitais públicos, logradouros ou repartições públicas. Nesses casos, a jurisprudência normalmente determina a sua manutenção, em razão do princípio da supremacia do interesse público91. Discute-se ainda sobre a legitimidade do corte de fornecimento de serviços públicos essenciais quando a inadimplência do usuário decorrer de débitos pretéritos. Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que este corte é ilegítimo uma vez que a interrupção pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativo ao mês de consumo92. Para garantir a não interrupção da atividade administrativa, o princípio da continuidade também gera consequências para o exercício do direito de greve a ser utilizado pelos trabalhadores em geral e pelos servidores públicos. Para os trabalhadores em geral, há previsão para o direito de greve no art. 9º da CF, hoje regulamentado pela Lei n. 7.783/89, que define os serviços essenciais e dispõe sobre as necessidades inadiáveis da comunidade e as obrigações dos trabalhadores para satisfazê-las. Portanto, para esses trabalhadores, é possível o exercício desse direito, exigindo-se a total observância das regras legais, sob pena de a greve ser considerada ilegal. No que tange aos servidores públicos, o direito de greve está previsto no art. 37, VII, da CF, a ser exercido na forma e nos limites previstos em lei específica. Esse dispositivo foi alterado pela EC n. 19/98, que retirou a exigência anterior de lei complementar para regulamentação do citado direito, mas, apesar disso, a matéria até hoje não foi regulamentada. Por essa razão, o assunto sempre gerou grandes discussões na doutrina e na jurisprudência, em razão da aplicabilidade da norma constitucional e do efetivo exercício dos movimentos grevistas pelos servidores, o que é tratado com mais detalhes no Capítulo de Agentes Públicos. Para a corrente majoritária, o dispositivo constitucional que define o direito de greve é uma regra de eficácia limitada93, o que significa dizer que há um direito previsto em uma norma constitucional que não poderia ser exercido enquanto não viesse a lei regulamentando-o. A matéria, por inúmeras vezes, foi objeto de discussão em sede de Mandado de Injunção, junto ao Supremo Tribunal Federal94, oportunidades em que foram reconhecidos a mora do Congresso Nacional e o fato de que sem a lei os servidores não podiam exercer o direito, sob pena de a greve ser considerada ilegal, autorizando, assim, o desconto dos dias não trabalhados95 ou o regime de compensação de horas de trabalho. O direito de greve dos servidores públicos foi objeto de nova análise junto ao Supremo Tribunal Federal, por meio de três novos Mandados de Injunção, MI 670, 708 e 712, com considerável mudança na orientação anterior (verifique a ementa no final do capítulo). O Pleno do STF, julgando-os em conjunto, declarou a omissão legislativa do Congresso Nacional quanto ao dever constitucional de editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, decidiu aplicar aos servidores públicos, no que couber, a lei de greve vigente para o setor privado, a já citada Lei n. 7.783/89, além da Lei n. 7.701/8896. Dessa forma, os servidores podem exercer o seu direito, ainda que essa não seja a maneira ideal porque nem todas as regras são compatíveis, mas uma solução para corrigir provisoriamente e de forma precária a inércia do legislador e resguardar a continuidade dos serviços públicos, que devem ser mantidos, conforme a lei dos trabalhadores comuns, observados os limites mínimos97. Em razão das inúmeras greves ocorridas em 2012e da dificuldade de definir os limites de sua execução, o Poder Executivo Federal decidiu editar o Decreto n. 7.777, de 24.07.2012, que dispõe sobre as medidas para a continuidade de atividades e serviços públicos dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal durante greves, paralisações ou operações de retardamento de procedimentos administrativos promovidas pelos servidores públicos federais98. Considerando a complexidade do tema, discute-se também no STF a legitimidade da greve na área de segurança pública e o exercício do direito de greve por policiais civis, tema declarado como de repercussão geral (ARE 654.432), mas não há julgamento de mérito. Nesse contexto, o STF, julgando Mandado de Injunção, MI 774, afirma que o direito constitucional de greve atribuído aos servidores públicos em geral não ampara indiscriminadamente todas as categorias e carreiras, concluindo que, no caso dos agentes armados e policiais, as atividades não podem ser paralisadas, ainda que parcialmente, sem comprometer a tranquilidade pública e provocar graves prejuízos para a segurança da sociedade. A categoria de policiais civis organizados em grupos armados deve ser tratada como condição análoga aos militares e, portanto, não conta com o direito de greve99. O STF também deve decidir, em sede de repercussão geral, a competência para julgamento de abusividade de greve de servidores públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (RE 846.854, também pendente)100. Ainda em consequência da continuidade para os servidores públicos, existem institutos como a suplência, a delegação e a substituição, que visam ao preenchimento de funções públicas temporariamente vagas, como no caso de doenças, afastamentos legais e outros, garantindo a manutenção contínua dos serviços públicos. Para os contratos administrativos, também há consequências, em razão da continuidade do serviço, podendo-se apontar pelo menos três institutos. Primeiro, a tão polêmica regra da exceptio non adimpleti contractus, também denominada exceção do contrato não cumprido, em razão da qual não se admite que um contratante inadimplente exija o cumprimento da outra parte, ou seja, uma parte só poderá exigir o adimplemento da outra após a satisfação de sua prestação contratual. Essa regra é muito comum nos contratos regidos pelo direito privado, entretanto, nos contratos administrativos, a sua aplicação não é entendimento pacífico na doutrina. Para a doutrina tradicional, não há aplicação da cláusula da exceptio nos contratos administrativos. Mesmo que a Administração esteja inadimplente, o contratado terá que continuar prestando esse serviço. A impossibilidade de sua aplicação, segundo essa corrente, diferencia esse contrato dos demais, caracterizando uma anormalidade cuja ausência, para os contratos administrativos, é denominada cláusula exorbitante. Todavia, para a doutrina mais moderna, em que pese a incidência dessa cláusula, em razão do princípio da continuidade, não há dúvida quanto a sua aplicação diferenciada dos contratos privados, não tipificando, assim, uma cláusula exorbitante. Para respaldar esse entendimento, pode-se utilizar a disposição do art. 78, XV, da Lei n. 8.666/93, que autoriza, ressalvadas as situações excepcionais elencadas como calamidade pública, grave perturbação da ordem ou guerra, o contratado a suspender a prestação de serviços e buscar a rescisão judicial do contrato, quando o atraso dos pagamentos devidos pela Administração for superior a 90 dias. Desse modo, fica fácil concluir que há aplicação diferenciada da cláusula da exceptio, a partir de um determinado prazo, conforme previsão legal. Para proteger a continuidade dos serviços públicos, encontra-se, ainda, o instituto da ocupação provisória dos bens da contratada, prevista como cláusula exorbitante dos contratos administrativos, no art. 58, V, da Lei n. 8.666/93, garantindo a prestação da atividade, enquanto tramita o processo administrativo para a extinção do contrato. Advindo a decisão pela rescisão deste, o Poder Público poderá realizar a reversão dos bens essenciais ao serviço, com a devida indenização, se for o caso, observadas as regras contratuais (art. 36 da Lei n. 8.987/95). Por fim, podem-se também apontar, como instrumentos para a manutenção da continuidade do serviço público, os institutos da encampação e da caducidade, que autorizam a extinção unilateral do contrato por parte da Administração, sendo, na primeira hipótese, por motivo de interesse público e, na segunda, por descumprimento de cláusula contratual por parte da contratada, admitindo-se, nas duas hipóteses, o fundamento da continuidade do serviço (arts. 37 e 38 da Lei n. 8.987/95). 3.15. Princípio da autotutela O princípio da autotutela estabelece que a Administração Pública pode controlar os seus próprios atos, seja para anulá-los, quando ilegais, ou revogá- los, quando inconvenientes ou inoportunos, independente de revisão pelo Poder Judiciário. Esse princípio já está sedimentado em duas Súmulas do STF, que são compatíveis, continuam válidas, sendo que a segunda complementa a primeira. A Súmula n. 346 orienta que: “A Administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos”. Enquanto a Súmula n. 473 diz que: “A Administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Para reafirmar essas possibilidades de controle de atos, há hoje o art. 53 da Lei n. 9.784/99, que dispõe: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”. É preciso considerar, entretanto, que esse dito controle ou revisão de atos por parte da Administração Pública só pode ser constituído nos limites da lei, sob pena de ilegalidade e abuso de poder. Quanto à anulação, segundo a maioria da doutrina, trata-se de um dever, de uma obrigação do Poder Público, que encontra respaldo no princípio da legalidade e na própria leitura do dispositivo transcrito. No entanto, há alguns entendimentos divergentes que sustentam ser a anulação uma faculdade com fundamento no princípio da supremacia do interesse público. Para essa segunda orientação, o administrador deve preocupar-se com a anulação dos atos ilegais, podendo não fazê-la quando a sua retirada causar mais danos ao interesse público do que a sua própria manutenção. Assim, o administrador deve anular o ato, salvo quando a sua retirada causar danos graves ao interesse público, motivo que, considerando sua supremacia, justifica a manutenção do ato, não podendo perder de vista a proporcionalidade entre o benefício e o prejuízo causados, além do princípio da segurança jurídica. O prazo para que a Administração reveja os seus próprios atos, quando ilegais e se deles decorrem efeitos favoráveis para os destinatários, é decadencial e de cinco anos, contados da data em que foram praticados, conforme regra do art. 54 da Lei n. 9.784/99101. Todavia, nada impede que essa ilegalidade seja corrigida também pelo Poder Judiciário102. No que tange à revogação, a Administração estará sujeita a alguns limites materiais, já que não há previsão quanto a limite temporal (prazo) como tambémnão há uma enumeração legal dessas hipóteses. Considerando que o rol não é taxativo, apontam-se como as mais indicadas pela doutrina as seguintes situações em que não se admite a revogação: de atos vinculados, visto que eles não têm conveniência; de atos que já exauriram os seus efeitos, considerando que a revogação não retroage; de atos que já não estão na órbita de competência da autoridade, como, por exemplo, se o interessado recorreu à autoridade superior, e a inferior deseja revogar o ato objeto de análise; de meros atos administrativos, porque os seus efeitos são previstos pela lei; de atos que integrem um procedimento, porque a prática do novo ato gera a preclusão do anterior; e, ainda, de atos que geram direitos adquiridos. Para alguns doutrinadores, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro103, a autotutela também é utilizada para designar o poder que tem a Administração Pública de zelar pelos bens que integram o seu patrimônio, sem necessitar de título fornecido pelo Poder Judiciário. Assim, uma vez atuando por meio de medidas do Poder de Polícia, ela deve impedir quaisquer atos que ponham em risco a conservação desses bens. 3.16. Princípio da especialidade Esse princípio decorre dos princípios da indisponibilidade e da legalidade. Surgiu com base na ideia de descentralização administrativa, apesar de a doutrina também admitir a sua aplicação para a própria Administração Direta. Para que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal criem as pessoas jurídicas da Administração Indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista), como forma de descentralizar a prestação de serviços públicos, com vistas à especialização de função, a Constituição, em seu art. 37, XIX, exige autorização legislativa, devendo essa lei estabelecer com precisão as finalidades que lhe incumbe atender. Definida por lei a finalidade específica de cada pessoa jurídica, não cabe a seus administradores afastar-se desses objetivos. Sendo assim, essas pessoas jurídicas ficam vinculadas às finalidades para as quais foram criadas. Esse princípio, pensado inicialmente para as autarquias, também deve ser aplicado às demais pessoas jurídicas que dependem, igualmente, de lei para sua criação (art. 37, XIX e XX, da CF). Essa mesma ideia também pode ser aplicada para as estruturas internas da Administração, como é o caso dos órgãos públicos que, da mesma forma, estão ligados à finalidade do ato de sua criação. A fiscalização de obediência a essa finalidade, e, consequentemente, de obediência à legalidade, faz-se pelos instrumentos de controle da Administração, como é o caso da supervisão ministerial que é realizada pelo Ministério a que a pessoa jurídica estiver ligada. 3.17. Princípio da presunção de legitimidade Para definir este princípio, leia-se presunção de legitimidade, de legalidade e de veracidade. Todo ato administrativo é presumidamente legal (obediência à lei), legítimo (obediência às regras da moral) e verdadeiro (corresponde com a verdade), até que se prove o contrário. Trata-se de presunção relativa, do latim, presunção juris tantum, admitindo-se prova em contrário, cabendo o ônus probatório a quem aponta a ilegitimidade, o que normalmente é atribuído aos administrados. Como consequência dessa presunção, as decisões administrativas são de execução imediata e têm a possibilidade de criar obrigações para o particular, independentemente de sua concordância, as quais, em determinadas hipóteses, podem ser executadas pela própria Administração, mediante meios diretos ou indiretos de coação. As justificativas para essa presunção de legitimidade estão na necessidade que tem o ato administrativo de prévio procedimento e de inúmeras formalidades legais para sua edição. Não é admitida a sua prática fora desses parâmetros, aos quais se imagina que o administrador obedeceu, até porque ele está sujeito ao princípio da legalidade para o direito público, o que só lhe permite fazer o que está previsto na lei (o padrão de comportamento deve ser o legal, apesar de na prática saber-se que não é bem assim). Caso o administrador, ainda assim, desobedeça às regras legais, o ato estará sujeito a controle e revisão quanto à legalidade, não existindo razão para que ele insista em praticá-lo fora da lei, já que ele não irá prosperar, ao menos em tese. Todavia, devemos admitir que, enquanto não for decretada a invalidade do ato pela própria Administração ou pelo Judiciário, ele produzirá efeitos da mesma forma que o ato válido, o que significa um ato inválido e eficaz. Também é fundamento para essa presunção a necessidade de se assegurar a celeridade aos atos administrativos. Mitigando essa característica de presunção de legitimidade, a maioria dos estatutos dos servidores públicos estabelece, entre os seus direitos e deveres, o dever de obediência, salvo quando os atos forem manifestamente ilegais. 3.18. Princípio da motivação O princípio da motivação implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que lhes deram causa, a providência tomada, a sua compatibilidade com a previsão legal e, quando necessário, o juízo de valor, as razões de conveniência e oportunidade que justificaram a prática desses atos. Esse último fundamento está presente nos atos discricionários, sendo necessário para avaliar se a atuação do administrador está realmente compatível com o ordenamento vigente, especialmente os princípios constitucionais. Quanto ao dever de motivar, a doutrina apresenta-se divergente. Parte dos doutrinadores entende que a motivação não é obrigatória como regra, apesar de reconhecer que se trata de uma medida aconselhável, entretanto só se faz obrigatória quando existir previsão expressa em lei nesse sentido104. Essa corrente justifica dizendo que o texto constitucional não estabeleceu esse princípio expressamente e que a regra do art. 93, X, só se aplica para os atos com conteúdo decisório, não sendo obrigatória em qualquer ato administrativo. Alguns alegam, ainda, que esse dispositivo só se aplica ao Poder Judiciário, e não a todos os Poderes do Estado. Para completar esse entendimento, a doutrina aponta o art. 50 da Lei n. 9.784/99, que define o processo administrativo, exigindo a motivação em alguns atos, sendo, nesse caso, obrigatória sob pena de invalidação por vício de forma, o que significa dizer que não é obrigatória nos demais casos. Para a segunda corrente, que é majoritária, a motivação é obrigatória105. O fundamento está no texto constitucional em vários dispositivos, iniciando-se no art. 1º, no inciso II, quando estatui o direito à cidadania, considerando que o conhecimento das razões que levaram à prática do ato é condição para sua concretização, e, no seu parágrafo único, o constituinte completa sua obrigatoriedade definindo que o poder emana do povo, portanto, nada mais justo que o titular desse poder conheça as razões que levam à prática dos atos, a qual irá atingir os seus interesses. O texto constitucional também assegura, no art. 5º, XXXV, o direito à apreciação judicial, ditando que qualquer lesão ou ameaça de lesão podem ser levadas ao Poder Judiciário, controle esse que ficará prejudicado se não houver conhecimento dos fundamentos que respaldaram a prática do ato, sendo a motivação, mais uma vez, um elemento indispensável.O dever de motivar, de justificar, é também desdobramento da garantia de informação expressa no art. 5º, XXXIII, da CF. Por fim, vale ressaltar o art. 93, X, que estabelece a necessidade de motivação para os atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário, o que deve ser aplicado por analogia aos demais Poderes. Dessa forma, se o Poder Judiciário que pratica atos administrativos, no exercício de sua função atípica, tem a obrigação de motivá-los, com mais razão ainda terá o administrador para fazê-lo, considerando que para esse a atividade administrativa é sua função precípua, principal, típica, não tendo assim como se esquivar desse dever. No que tange à Lei n. 9.784/99, a necessidade de motivação está presente em dois dispositivos: primeiro no art. 2º e também no art. 50, sendo que, nesse último, a lei traz um rol de hipóteses que acaba atingindo um universo muito amplo de situações. E mais, essa motivação deve ser prévia ou contemporânea à prática do ato, sob pena de invalidação. Para alguns autores, há, ainda, a separação entre o ato vinculado e o ato discricionário. Segundo a maioria, a motivação é obrigatória para ambos. Para os atos vinculados, principalmente aqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de direito aplicável pode ser suficiente, estando a motivação implícita na lei. Nos atos discricionários e nos vinculados que dependem de apurada apreciação, sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada. Para resumir, a motivação é exigida como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do porquê das ações que geram negócios que lhes dizem respeito, por serem titulares últimos do Poder e como direito individual a não se submeterem a decisões arbitrárias, pois só têm de se conformar com as que forem ajustadas às leis. 3.19. Princípio da segurança jurídica Este princípio é considerado viga mestra da ordem jurídica, sendo um dos subprincípios básicos do próprio conceito de Estado de Direito. Faz parte do sistema constitucional como um todo, sendo um dos mais importantes princípios gerais do direito. Tem como objetivo evitar alterações supervenientes que instabilizem a vida em sociedade, além de minorar os efeitos traumáticos de novas disposições, protegendo, assim, a estabilidade como uma certeza para as regras sociais. Trata- se de uma necessidade humana cada vez mais presente, considerando que, no atual mundo globalizado, aumentaram os problemas dos Estados pertinentes a essa segurança. São tantas mudanças, aconteceram tão rapidamente, que os interesses do Estado e as consequentes alterações na Constituição e nas leis são hoje fato corriqueiro, sendo inadmissível ignorar a insegurança criada na sociedade, o que demanda um mecanismo de defesa, um princípio forte capaz de repercutir no equilíbrio social. Importante registrar que o princípio da segurança jurídica tem uma relação muito próxima com o chamado “princípio da proteção à confiança”, sendo, inclusive, tratado como sinônimos por alguns autores. No Direito Administrativo moderno, a tendência é analisarmos a segurança jurídica sob dois enfoques distintos – sob o aspecto objetivo, no qual a segurança jurídica relaciona-se com a estabilidade das relações jurídicas, por meio da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF), e sob o aspecto subjetivo, cuja análise envolve o conceito de proteção à confiança. Observa-se, dessa forma, que o princípio da proteção à confiança deve ser analisado, considerando o indivíduo em relação aos atos praticados pela Administração Pública, levando-se em conta a boa-fé do administrado, valor que não pode ser ignorado em um Estado Democrático de Direito. Atualmente, o princípio da segurança jurídica, seja no aspecto objetivo ou no aspecto subjetivo, protegendo a confiança dos administrados, é tema cada vez mais apreciado pelos Tribunais, no que tange à discussão sobre a manutenção dos efeitos de um ato ilegal. Associando a essa realidade a teoria da ponderação dos interesses (já apresentada neste capítulo), que reconhece que não há no ordenamento jurídico nenhum princípio absoluto e que todos devem ser considerados conforme a importância dos interesses a serem protegidos, o princípio da segurança jurídica vem prevalecendo em inúmeras situações. Assim, ocorrendo um ato ilegal, em razão do princípio da legalidade, a consequência natural é a sua retirada por meio de anulação, entretanto, quando tal conduta comprometer o princípio da segurança jurídica ou qualquer outro princípio do ordenamento, causando tal retirada mais prejuízos que sua manutenção, o ato deve ser mantido, ainda que ilegal, estabilizando com isso os seus efeitos. Tal consequência é objeto de abordagem mais profunda no Capítulo 6 desta obra, em Invalidação de atos administrativos. 4. A INOBSERVÂNCIA DE UM PRINCÍPIO Reconhecida a força coercitiva dos princípios que regem o ordenamento jurídico, considerando a importância enquanto mola propulsora para as demais regras do sistema, a inobservância a um princípio gera uma ofensa a todo o sistema de comandos, e não somente a um mandamento obrigatório específico. Essa desatenção é a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, porque representa uma agressão contra todo o sistema, uma violação dos valores fundamentais, gerando uma corrosão de sua estrutura mestra106. Além dessa consequência moral gerada pelo desrespeito a um princípio, também há a possibilidade de aplicação da Lei n. 8.429/92, reconhecendo-se a conduta como ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11 do citado diploma107. 5. QUADRO SINÓPTICO CAPÍTULO 2 – REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO Regime jurídico administrativo É o conjunto de princípios que são peculiares ao Direito Administrativo e que guardam entre si uma relação lógica de coerência e unidade, compondo um sistema ou regime. O regime jurídico administrativo tem grande valor metodológico porque explica cada um dos institutos do Direito Administrativo e permite a compreensão da respectiva disciplina. Consiste em valioso material para conduzir a vida na Administração Pública e orientar os aplicadores do Direito. Entretanto, por questão de divergência, a doutrina ainda não definiu quantos e quais os princípios devem compor esse regime. – Distinção entre princípios e regras: hoje, com o objetivo de interpretar o ordenamento jurídico vigente, definindo sua aplicação, a doutrina mais moderna faz distinção entre princípios e regras. a) regras: são operadas de modo disjuntivo, isto é, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade, aplicáveis ambas a uma mesma situação – uma delas apenas a regulará, atribuindo- se a outra o caráter de nulidade. b) princípios: não se excluem na hipótese de conflito – são dotados de determinado valor ou razão, portanto o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação dos valores ou ponderação dos interesses, devendo o intérprete, em cada caso, verificar o grau de preponderância (não há nulidade do princípio afastado). PRINCÍPIOS Princípios são proposições básicas do ordenamento jurídico, fundamentais, e que estruturam todos os demais institutos da disciplina. Consideram-se princípios mínimos da Administração Pública os enumerados no art. 37, caput, da CF, que são: legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eficiência. Todavia, esses não são os únicos princípios aplicáveis, considerando que existem outros tantos previstos de forma implícita na CF, além dos decorrentes das normas infraconstitucionais. Supremacia do interesse público É o princípio que determina privilégios jurídicos e um patamar de superioridade do interesse público sobre o particular. Esse princípio não está expresso no texto constitucional. Trata-se de um princípio inerente a qualquer sociedade, um pressuposto lógico do convívio social e fundamenta quase todos os institutos do Direito Administrativo, como, por exemplo, a desapropriação, a requisição, a autoexecutoriedade dos atos administrativos, as cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, além de outros. Indisponibilidade do interesse público Os bens, direitos e interesses públicos são confiados ao administrador para gestão, nunca para sua livre-disposição; são indisponíveis. Legalidade O texto constitucional foi redundante quando tratou de legalidade, estabelecendo-a expressamente em vários dispositivos (art. 5º, art. 37, art. 84, IV, e art. 150). Esse princípio deve ser observado em dois enfoques diferentes. A legalidade, para o direito público, significa critério de subordinação à lei, considerando que o Administrador só pode praticar o que a lei autoriza ou determina. De outro lado, tem-se a legalidade para o direito privado, regra que institui o critério de não contradição à lei, segundo o qual o particular tudo pode, salvo o que estiver vedado pelo ordenamento vigente. A legalidade não afasta a discricionariedade administrativa. São considerados para a doutrina restrições excepcionais ao princípio da legalidade: as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio. Impessoalidade Exprime que a atuação do agente público deve ter sempre a ausência de subjetividade, pelo que fica impedido de considerar quaisquer inclinações e interesses pessoais (interesses próprios ou de terceiros). A impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve aplicar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica, representando nesse aspecto uma faceta do princípio da isonomia. São aplicações concretas desse princípio o concurso público, o procedimento licitatório e a proibição do nepotismo no Brasil (Súmula Vinculante n. 13). Trata-se de um princípio em apartado, não decorre do princípio da Finalidade legalidade, mas é inerente a ele. O princípio da finalidade significa cumprir o fim da lei; é o mesmo que o seu espírito, e é claro que o espírito da lei faz parte da própria lei, formando com o seu texto um todo harmônico e indestrutível, a tal ponto que nunca poderemos estar seguros do alcance da norma, se não interpretarmos o texto da lei de acordo com o espírito da lei. Moralidade O princípio da moralidade exige que a Administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública. Publicidade Representa divulgação, tendo como consequências jurídicas o conhecimento público, o início de produção de efeitos, o início de contagem de prazos e a viabilização de um controle por parte dos administrados. Exceções a esse princípio: art. 5º, incisos X, XXXIII e LX, todos da CF. A publicidade é gênero do qual a publicação oficial é uma espécie. A sua desobediência caracteriza improbidade administrativa (art. 11 da Lei n. 8.429/92). O art. 37, § 1º, da CF estabelece a obrigatoriedade do caráter educativo, informativo e de orientação social dessa publicidade, não podendo o administrador se utilizar dela para fazer promoção pessoal, o que gera violação a inúmeros princípios constitucionais. Eficiência Consiste na busca de resultados práticos de produtividade, de economicidade, com a consequente redução de desperdícios do dinheiro público e rendimentos típicos da iniciativa privada, sendo que aqui o lucro é do povo. A EC n. 19/98 introduziu, no art. 37, caput, da CF, o princípio da eficiência, dando a ele roupagem de princípio constitucional e, para viabilizar a sua aplicação, criou algumas regras, a exemplo: a avaliação de desempenho para aquisição ou perda da estabilidade e a redução das despesas com pessoal, medida denominada racionalização da máquina administrativa, além de outras. O conceito do princípio da igualdade é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades. A dificuldade desse princípio é fixar quais são os seus parâmetros e definir Isonomia quem são os iguais ou os desiguais e, o que é ainda pior, qual é a medida da desigualdade. – Limite de idade em concurso público: Súmula n. 683 do STF, essa exigência fica condicionada à compatibilidade com a natureza das atribuições do cargo e à previsão legal. Contraditório Trata-se do conhecimento do processo, um elemento essencial, com fulcro em uma base lógica que exige a bilateralidade da relação jurídica processual e uma base política que garante que ninguém poderá ser julgado sem antes ser ouvido. Ampla defesa Este princípio é inerente ao direito de ação, à garantia à tutela jurisdicional, e é uma consequência do devido processo legal. São desdobramentos: necessidade de defesa prévia com procedimentos e possíveis sanções já previamente estabelecidas, possibilidade de interposição de recursos, realização de defesa técnica, direito à produção e análise de provas, além do direito à informação. Razoabilidade Este princípio diz que não pode o Administrador, a pretexto de cumprir a lei, agir de forma despropositada ou tresloucada; deve manter um certo padrão do razoável. É o princípio da proibição de excessos. Representa um limite para a discricionariedade do Administrador, que exige uma relação de pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finalidade legal, de outro. Proporcionalidade Este princípio exige equilíbrio entre: a) os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar, segundo padrões comuns da sociedade em que vive e analisando cada caso concreto; b) o sacrifício imposto ao interesse de alguns e a vantagem geral obtida, de modo a não tornar excessivamente onerosa a prestação. Nesse contexto, o administrador não pode tomar providência mais intensa e mais extensa do que o requerido para o caso, sob pena de ilegalidade do ato. Por este princípio entende-se que a atividade administrativa do Estado, compreendendo inclusive os serviços públicos, por serem funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar. Dele decorrem consequências importantes: para serviços públicos, principalmente os Continuidade essenciais; para os servidores públicos como a restrição ao direito de greve, os institutos de suplência, substituição e delegação; e para os contratos administrativos como a aplicação diferenciada da exceptio non adimpleti contractus, a ocupação provisória e a reversão, além dos institutos da encampação e caducidade. Autotutela Este princípio estabelece que a Administração pode controlar os seus próprios atos seja para anulá-los, quando ilegais, ou revogá-los, quando inconvenientes ou inoportunos, independentemente de revisão pelo Poder Judiciário. – Súmulas ns. 346 e 473 do STF e art. 53 da Lei n. 9.784/99. Serve também para designar o poder que tem a Administração Pública de zelar pelos bens que integramo seu patrimônio, mediante o exercício do poder de polícia e independentemente de título do Poder Judiciário. Especialidade Quando o Estado institui pessoas jurídicas administrativas, como forma de descentralizar a prestação de serviços públicos, depende de lei para criar ou autorizar a sua criação, instrumento que também irá determinar as suas finalidades específicas. Essas pessoas jurídicas estão vinculadas à citada finalidade, caracterizando assim o princípio da especialidade, não podendo o administrador furtar-se de cumpri-la. Presunção de legitimidade Todo ato administrativo é presumidamente legal (obediência à lei), legítimo (obediência às regras da moral) e verdadeiro, até que se prove o contrário; trata-se de presunção relativa (juris tantum), e o ônus da prova cabe a quem alega. Motivação Representa o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deram por existentes e a providência tomada, para que seja possível verificar a legalidade da conduta. Fundamentos: art. 1º, II e parágrafo único, art. 5º, incisos XXXIII e XXXV, art. 93, X, todos da CF e art. 50 da Lei n. 9.784/99. Segurança Este princípio visa evitar alterações supervenientes que instabilizem a situação dos administrados e minorem os efeitos traumáticos de novas disposições. Atualmente, a segurança jurídica é estudada sob os aspectos objetivo e subjetivo. Objetivamente relaciona-se com a estabilidade das jurídica relações jurídicas previstas constitucionalmente no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição. Subjetivamente, é o princípio da proteção à confiança no qual é analisado o sentimento do indivíduo em relação a atos praticados pela Administração Pública. 6. SÚMULAS CORRELATAS 6.1. STF – Súmulas Vinculantes • Súmula Vinculante n. 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União, asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. • Súmula Vinculante n. 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. • Súmula Vinculante n. 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. • Súmula Vinculante n. 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. • Súmula Vinculante n. 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. • Súmula Vinculante n. 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. • Súmula Vinculante n. 28: É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. • Súmula Vinculante n. 52108: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades. 6.2. Súmulas STF • Súmula n. 6: A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário. • Súmula n. 20: É necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso. • Súmula n. 111: É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a restituição, ao antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua desapropriação. • Súmula n. 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. • Súmula n. 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. • Súmula n. 620: A sentença proferida contra autarquias não está sujeita a reexame necessário, salvo quando sucumbente em execução de dívida ativa. • Súmula n. 636: Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida. • Súmula n. 704: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. 6.3. Súmulas STJ • Súmula n. 45: No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública. • Súmula n. 141: Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente. • Súmula n. 175: Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS. • Súmula n. 232: A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito. • Súmula n. 325: A remessa oficial devolve ao tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado. • Súmula n. 343: É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar109. • Súmula n. 373: É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo. • Súmula n. 377: O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes. • Súmula n. 466: O titular da conta vinculada ao FGTS tem o direito de sacar o saldo respectivo quando declarado nulo seu contrato de trabalho por ausência de prévia aprovação em concurso público. • Súmula n. 467: Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental. • Súmula n. 525: A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais. • Súmula n. 552: O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos. 7. DECISÕES INTERESSANTES TEMA: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – SEGURANÇA JURÍDICA – CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ENQUADRAMENTO DE PROFESSORA DO ESTADO DE TOCANTINS, COM BASE EM ASCENSÃO FUNCIONAL. LEI ESTADUAL DE TOCANTINS 351/92,POSTERIORMENTE REVOGADA. NORMA INCONSTITUCIONAL. ATO PRATICADO SOB OS AUSPÍCIOS DO ENTÃO VIGENTE ESTATUTO DO MAGISTÉRIO DO ESTADO DE TOCANTINS. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA RAZOABILIDADE. CONVALIDAÇÃO DOS EFEITOS JURÍDICOS. SERVIDORA QUE JÁ SE ENCONTRA APOSENTADA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, pela evidente razão de que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada do poder de autotutela do Estado, e na convalidação dos efeitos produzidos, quando, em razão de suas consequências jurídicas, a manutenção do ato atenderá mais ao interesse público do que sua invalidação. 2. A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do caso concreto, nem sempre sua anulação será a melhor solução. Em face da dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular. 3. O poder da Administração, destarte, não é absoluto, de forma que a recomposição da ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo ou a convalidação dos efeitos jurídicos, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração. 4. O art. 54 da Lei n. 9.784/99 funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de cinco anos para a revisão dos atos administrativos viciosos (sejam eles nulos ou anuláveis) e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da eficácia dos mesmos, após o transcurso do interregno quinquenal, mediante a convalidação ex ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício. 5. Cumprir a lei nem que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apoia nos direitos fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica. 6. O ato que investiu a recorrente no cargo de Professora Nível IV, em 06.01.93, sem a prévia aprovação em concurso público e após a vigência da norma prevista no art. 37, II, da Constituição Federal, é induvidosamente ilegal, no entanto, a sua efetivação sob os auspícios de legislação vigente à época, (em que pese sua inconstitucionalidade), a aprovação de sua aposentadoria pelo Tribunal de Contas, e o transcurso de mais de cinco anos, consolidou uma situação fática para a qual não se pode fechar os olhos, vez que produziu consequências jurídicas inarredáveis. Precedente do Pretório Excelso. 7. A singularidade deste caso o extrema de quaisquer outros e impõe a prevalência do princípio da segurança jurídica na ponderação dos valores em questão (legalidade vs. segurança), não se podendo ignorar a realidade e aplicar a norma jurídica como se incidisse em ambiente de absoluta abstratividade. 8. Recurso Ordinário provido, para assegurar o direito de a recorrente preservar sua aposentadoria no cargo de Professor, nível IV, referência 23, do Estado do Tocantins (RMS 24.339/TO, STJ – Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento 30.10.2008, DJ 17.11.2008) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO – INTERESSE PRIVADO – PROPORCIONALIDADE EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DETERMINAÇÃO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PREDETERMINADA. RECEBIMENTO DE PROVENTOS. POSSIBILIDADE. 1. O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais. 2. A liberdade de escolha da instituição bancária que o servidor receberá sua remuneração não pode se contrapor ao princípio da eficiência, que exige do Administrador soluções que alcancem os resultados almejados do modo menos oneroso ao aparelho estatal. 3. Inviável possibilitar que cada servidor escolha o banco que melhor atenda seus interesses, inclusive escolhendo praça e agência, pois tal medida inviabilizaria a Administração Pública em sua tarefa de emitir, em tempo hábil, as devidas ordens de pagamento. 4. O fato de o recorrente receber os vencimentos em instituição indicada pela Administração não lhe tolhe o direito de escolher outra que ofereça melhores vantagens, pois a conta-salário é isenta de tarifas e deve permitir a transferência imediata dos créditos para outras contas bancárias de que o beneficiário seja titular, nos termos das Resoluções n. 3.402/2006 e n. 3.424/2006, editadas pelo Banco Central do Brasil, por meio do Conselho Monetário Nacional. 5. Recurso ordinário improvido (RMS 27.428/GO, STJ – Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgamento 03.03.2011, DJe 14.03.2011) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – VINCULAÇÃO AO EDITAL EMENTA: PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VINCULAÇÃO AO EDITAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E IMPESSOALIDADE. 1. Procedimento licitatório realizado pela Justiça Federal de 1ª Instância – Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, visando à contratação de empresa para a prestação de serviços de limpeza e conservação. 2. A principiologia do novel art. 37 da Constituição Federal impõe a todos quantos integram os Poderes da República nas esferas compreendidas na Federação, obediência aos princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e publicidade. 3. O princípio da impessoalidade obsta que critérios subjetivos ou anti-isonômicos influam na escolha dos candidatos exercentes da prestação de serviços públicos. 4. A impessoalidade opera- se pro populo, impedindo discriminações, e contra o administrador, ao vedar-lhe a contratação dirigida intuitu personae. 5. Hipótese em que restou caracterizada a vantagem para a Administração Pública, consubstanciada no menor preço global a influir no desate do processo licitatório. Isto porque, in casu, verifica-se nas informações juntadas às fls. 428/431, que a empresa vencedora, em sua proposta, embora não tenha discriminado o valor de todos os itens necessários à execução do serviço, colocou-os sem ônus para a Administração, senão vejamos: “Caso haja necessidade, serão fornecidos outros materiais e equipamentos não elencados abaixo, conforme necessidade da unidade, sem ônus para a Administração”. Consectariamente, resta caracterizada a vantagem para a Administração Pública, consubstanciada no menor preço global a influir no desate do processo licitatório. 6. Recurso ordinário desprovido (RMS 16.697/RS, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.05.2005) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – ADMINISTRADOR PÚBLICO – LEGALIDADE RESTRITA EMENTA: CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO ANTERIORMENTE DEMITIDO DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. NEGATIVADE NOMEAÇÃO EM OUTRO CARGO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. O cerne da controvérsia cinge-se à interpretação e aplicação dos princípios da moralidade e da legalidade insculpidos no art. 37, caput, da CF. No caso, o impetrante foi aprovado em concurso público para os cargos de analista fiscal de contas públicas e de analista administrativo do TC estadual, mas teve sua nomeação recusada em virtude de anterior demissão dos quadros da PRF por ato de improbidade administrativa. A Min. Relatora observou que, estando ambos os princípios ladeados entre os regentes da Administração Pública, a discussão ganha relevância na hipótese em que o administrador edita ato em obséquio ao imperativo constitucional da moralidade, mas sem previsão legal específica. A Turma entendeu que, por força do disposto nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da CF, a legalidade na Administração Pública é estrita, não podendo o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos. Assim, incorre em abuso de poder a negativa de nomeação de candidato aprovado em concurso para o exercício de cargo no serviço público estadual em virtude de anterior demissão no âmbito do Poder Público Federal se inexistente qualquer previsão em lei ou no edital de regência do certame (RMS 30.518/RR, STJ – Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgamento 19.06.2012, DJE 29.06.2012) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS – NEPOTISMO – SÚMULA VINCULANTE N. 13 EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NEPOTISMO. RESOLUÇÃO N. 07 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E SÚMULA VINCULANTE 13 DO STF. CONFIGURAÇÃO. NOMEAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE CARGO COMISSIONADO EM MOMENTO POSTERIOR AO INGRESSO DE PARENTE DA IMPETRANTE NA MAGISTRATURA ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. O mandado de segurança, por ser ação autônoma de impugnação prevista na Constituição Federal, de caráter protetivo de direito líquido e certo, exige, para sua admissibilidade, a presença de requisito específico, notadamente, a existência irrefutável do direito líquido e certo de que se diz titular o impetrante, em virtude de sua natureza expedita (cf. RMS 16.392/MA, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, DJ 22/10/2007, p. 275). 2. As premissas de fatos dão conta que a impetrante, vinculada de forma precária ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, após ter sido nomeada para o cargo comissionado de Secretária de Administração e Supervisão do FERJ, foi exonerada com fundamento na Resolução n. 07/CNJ, em razão de a nomeação ter sido posterior ao ingresso de sua sobrinha na magistratura estadual. 3. A vedação ao nepotismo decorre da interpretação dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, isonomia e eficiência, norteadores da temática dos provimentos dos cargos públicos, não requerendo regra explícita de qualquer esfera federativa (cf. REsp 1200125/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 15.06.2012; ADI 3.745, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 1º/08/2013), o que desaconselha, por si só, a criação de outras formas de se permitir (excepcionar) a nomeação para cargo comissionado de pessoa com relação próxima de consanguinidade com magistrado já investido, sob pena de subverter o intuito moralizador das normas aplicáveis, em ofensa irremediável à Constituição Federal. 4. Agravo regimental não provido (AgRg no RMS 44.242/MA, STJ – Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgamento 03.06.2014, DJe 09.06.2014) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – DIVULGAÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS – TCU EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Federal n. 9.755/98. Autorização para que o Tribunal de Contas da União crie sítio eletrônico denominado Contas Públicas para a divulgação de dados tributários e financeiros dos entes federados. Violação do princípio federativo. Não ocorrência. Prestígio do princípio da publicidade. Improcedência da ação. 1. O sítio eletrônico gerenciado pelo Tribunal de Contas da União tem o escopo de reunir as informações tributárias e financeiras dos diversos entes da federação em um único portal, a fim de facilitar o acesso dessas informações pelo público. Os documentos elencados no art. 1º da legislação já são de publicação obrigatória nos veículos oficiais de imprensa dos diversos entes federados. A norma não cria nenhum ônus novo aos entes federativos na seara das finanças públicas, bem como não há em seu texto nenhum tipo de penalidade por descumprimento semelhante àquelas relativas às hipóteses de intervenção federal ou estadual previstas na Constituição Federal, ou, ainda, às sanções estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. Ausência de inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 163, inciso I, da Constituição Federal, o qual exige a edição de lei complementar para a regulação de matéria de finanças públicas. Trata-se de norma geral voltada à publicidade das contas públicas, inserindo-se na esfera de abrangência do direito financeiro, sobre o qual compete à União legislar concorrentemente, nos termos do art. 24, I, da Constituição Federal. 3. A norma não representa desrespeito ao princípio federativo, inspirando-se no princípio da publicidade, na sua vertente mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se, portanto, no contexto do aprimoramento da necessária transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo, assim, o princípio constitucional da publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). 4. Ação julgada improcedente (ADI 2.198, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 11.04.2013, DJe 19.08.2013) (grifos da autora). TEMA: PROMOÇÃO PESSOAL – PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE – IMPROBIDADE EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. CARACTERIZAÇÃO DE PROPAGANDA PESSOAL. VEDAÇÃO. PRECEDENTES. SÚMULA 279/STF. O Supremo Tribunal Federal, interpretando o disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, assentou que o “rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos” (RE 191.668, Rel. Min. Menezes Direito). Dessa orientação não divergiu o acórdão do Tribunal de origem. Hipótese em que a resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que é vedado em recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 631.448 AgR, STF – Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 19.08.2014). TEMA: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – LIMITE DE IDADE – CONCURSO PÚBLICO EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. MILITAR. SOLDADO. LIMITE DE IDADE. PREVISÃO NA LEI LOCAL E NO EDITAL. NATUREZA DO CARGO. LEGALIDADE. DATA PARA AFERIÇÃO DO LIMITE ETÁRIO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INOVAÇÃO DE TESE RECURSAL, EM SEDE DE REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado contra suposto atoilegal do Secretário de Administração do Estado da Bahia e do Comandante Geral da Polícia Militar do Estado da Bahia, que impediu o impetrante, ora agravante, de se matricular no curso de formação de soldado, para ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado da Bahia, uma vez que já havia ultrapassado a idade máxima de 30 anos, prevista em lei, para ingresso na referida Corporação. II. A decisão ora agravada negou seguimento ao Recurso em Mandado de Segurança, interposto pelo impetrante, com base nos seguintes fundamentos: (a) a regra editalícia, que impõe limite etário para o ingresso da PMBA, possui amparo legal (art. 5º, II, c/c arts. 6º e 16 da Lei Estadual 7.990/2001 – Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia); (b) a pretensão do agravante, no sentido de que a idade limite fosse aferida no momento da inscrição no certame, e não por ocasião da matrícula no curso de formação que representa o ingresso nos quadros da Corporação, esbarra no óbice da Súmula 266/STJ. III. A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de exigência de limite de idade para ingresso, na carreira militar, em face das peculiaridades da atividade exercida, desde que haja previsão em lei específica e no edital do concurso público. Precedentes: STJ, RMS 44.127/AC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 03/02/2014; STJ, AgRg no RMS 41.515/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 10/05/2013. IV. No caso concreto, o edital do certame, ao estabelecer os limites etários mínimo e máximo, para ingresso na carreira policial militar, encontra-se amparado pelo art. 5º, II, da Lei Estadual 7.990/2001 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia), que aponta a idade como um dos critérios a serem observados para ingresso na Polícia Militar baiana. V. O limite etário é condição imposta para o “ingresso na Polícia Militar”, que, nos termos do art. 6º da Lei Estadual 7.990/2001, se dará no momento em que o candidato, aprovado no concurso público, se matricula no respectivo curso de formação. VI. Na forma da jurisprudência, “a idade máxima para ingresso na Polícia Militar do Estado da Bahia está prevista, de forma clara, tanto na Lei Estadual n. 7.990/2001, como no instrumento convocatório, regra que não pode ser alterada no sentido pretendido pelo impetrante, a fim de que seja considerada a idade na data da inscrição no concurso público e não na do curso de formação. Precedentes: RMS 31.923/AC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 13/10/2011; AgRg no RMS 34.018/BA, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24/06/2011; RMS 32.733/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30/05/2011; RMS 31.933/AC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12/11/2010; e RMS 18.759/SC, Maria Thereza de Assis Moura, DJe 1º/07/2009” (STJ, AgRg nos EDcl no RMS 34.904/BA, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 02/12/2011). VII. No presente Agravo Regimental, o agravante inaugura nova tese jurídica nos autos, no sentido de que sua inscrição teria sido realizada antes de suposta alteração do edital primitivo do certame, para fixar, como momento de aferição da idade dos candidatos, a data da matrícula no curso de formação, o que caracteriza indevida inovação recursal, vedada, em face da preclusão consumativa. VIII. Como cediço, “o esforço para provocar o debate, em sede de recurso ordinário, de teses que, ausentes da impetração, não foram discutidas na origem, caracteriza intolerável inovação recursal, em violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum” (STJ, RMS 41.477/GO, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10.03.2014). IX. Mesmo se fosse possível apreciar a nova tese recursal, só agora deduzida pelo ora agravante, verifica-se que não há, nos autos, prova pré-constituída, a amparar a alegação de que sua inscrição fora realizada antes da suposta alteração do primitivo edital do certame. X. “É vetusta a lição de que o processo mandamental constrói-se mediante rito angusto, destituído de dilação probatória, de sorte que o demandante deve necessariamente alicerçar a sua causa de pedir em prova pré-constituída por si próprio” (STJ, AgRg no RMS 41.952/TO, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28/05/2014). XI. Agravo Regimental improvido (AgRg no RMS 35.226/BA, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgamento 04.09.2014, DJe 11.09.2014). TEMA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PROMOÇÃO PESSOAL EM PROPAGANDA – IMPESSOALIDADE E MORALIDADE EMENTA: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. NECESSIDADE DE DOLO GENÉRICO NO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. PROMOÇÃO PESSOAL EM PROPAGANDA. ATO ÍMPROBO POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CARACTERIZADO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei n. 8.429/92, dependem da presença do dolo genérico, mas dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente. 2. Hipótese em que a conduta do agente se amolda ao disposto no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, pois atenta contra os princípios da administração pública, em especial o da impessoalidade e da moralidade, além de ofender frontalmente a norma contida no art. 37, § 1º, da Constituição da República, que veda a publicidade governamental para fins de promoção pessoal. Dolo genérico configurado. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.368.125/PR, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento 21.05.2013, DJe 28.05.2013). TEMA: PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EXTERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECUSA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRESARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage. Berlin: Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrático assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Estado e, em especial, do Governo (BADURA, Peter. Verfassung, Staat und Gesellschaft in der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. Festgabe aus Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17). 3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar n. 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como “alma do negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidadedo emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas. 6. “O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114). 7. O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo. Precedente: MS 22.801, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.3.2008. 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um Estado Democrático de Direito. 9. A preservação, in casu, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com terceiros não, apenas, impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como, também, representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade. 10. O princípio da conformidade funcional a que se refere Canotilho, também, reforça a conclusão de que os órgãos criados pela Constituição da República, tal como o TCU, devem se manter no quadro normativo de suas competências, sem que tenham autonomia para abrir mão daquilo que o constituinte lhe entregou em termos de competências (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 541). 11. A Proteção Deficiente de vedação implícita permite assentar que se a publicidade não pode ir tão longe, de forma a esvaziar, desproporcionalmente, o direito fundamental à privacidade e ao sigilo bancário e empresarial; não menos verdadeiro é que a insuficiente limitação ao direito à privacidade revelar- se-ia, por outro ângulo, desproporcional, porquanto lesiva aos interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente. 12. No caso sub examine: I) O TCU determinou o fornecimento de dados pela JBS/Friboi, pessoa que celebrou contratos vultosos com o BNDES, a fim de aferir, por exemplo, os critérios utilizados para a escolha da referida sociedade empresária, quais seriam as vantagens sociais advindas das operações analisadas, se houve cumprimento das cláusulas contratuais, se as operações de troca de debêntures por posição acionária na empresa ora indicada originou prejuízo para o BNDES. II) O TCU não agiu de forma imotivada e arbitrária, e nem mesmo criou exigência irrestrita e genérica de informações sigilosas. Sobre o tema, o ato coator aponta a existência de uma operação da Polícia Federal denominada Operação Santa Tereza que apontou a existência de quadrilha intermediando empréstimos junto ao BNDES, inclusive envolvendo o financiamento obtido pelo Frigorífico Friboi. Ademais, a necessidade do controle financeiro mais detido resultou, segundo o decisum atacado, de um “protesto da Associação Brasileira da Indústria Frigorífica (Abrafigo) contra a política do BNDES que estava levando à concentração econômica do setor”. III) A requisição feita pelo TCU na hipótese destes autos revela plena compatibilidade com as atribuições constitucionais que lhes são dispensadas e permite, de forma idônea, que a sociedade brasileira tenha conhecimento se os recursos públicos repassados pela União ao seu banco de fomento estão sendo devidamente empregados. 13. Consequentemente a recusa do fornecimento das informações restou inadmissível, porquanto imprescindíveis para o controle da sociedade quanto à destinação de vultosos recursos públicos. O que revela que o determinado pelo TCU não extrapola a medida do razoável. 14. Merece destacar que in casu: a) Os Impetrantes são bancos de fomento econômico e social, e não instituições financeiras privadas comuns, o que impõe, aos que com eles contratam, a exigência de disclosure e de transparência, valores a serem prestigiados em nossa República contemporânea, de modo a viabilizar o pleno controle de legitimidade e responsividade dos que exercem o poder. b) A utilização de recursos públicos por quem está submetido ao controle financeiro externo inibe a alegação de sigilo de dados e autoriza a divulgação das informações necessárias para o controle dos administradores, sob pena de restar inviabilizada a missão constitucional da Corte de Contas. c) À semelhança do que já ocorre com a CVM e com o BACEN, que recebem regularmente dados dos Impetrantes sobre suas operações financeiras, os Demandantes, também, não podem se negar a fornecer as informações que forem requisitadas pelo TCU. 15. A limitação ao direito fundamental à privacidade que, por se revelar proporcional, é compatível com a teoria das restrições das restrições (Schranken-Schranken). O direito ao sigilo bancário e empresarial, mercê de seu caráter fundamental, comporta uma proporcional limitação destinada a permitir o controle financeiro da Administração Publica por órgão constitucionalmente previsto e dotado de capacidade institucional para tanto. 16. É cediço na jurisprudência do E. STF que: “ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PUBLICIDADE. A transparência decorre do princípio da publicidade. TRIBUNAL DE CONTAS – FISCALIZAÇÃO – DOCUMENTOS. Descabe negar ao Tribunal de Contas o acesso a documentos relativos à Administração Pública e ações implementadas, não prevalecendo a óptica de tratar-se de matérias relevantes cuja divulgação possa importar em danos para o Estado. Inconstitucionalidade de preceito da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará que implica óbice ao acesso” (ADI 2.361, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 23/10/2014). 17. Jusfilosoficamente as premissas metodológicas aplicáveis ao caso sub judice revelam que: I – “nuclearmente feito nas pranchetas da Constituição. Foi o legislador de primeiríssimo escalão quem estruturou e funcionalizou todos eles (os Tribunais de Contas), prescindindo das achegas da lei menor. (...) Tão elevado prestígio conferido ao controle externo e a quem dele mais se ocupa, funcionalmente, é reflexo direto do princípio republicano. Pois, numa República, impõe-se responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de todos” (BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Volume 8. 2º semestre de 2014. Rio de Janeiro: TCE-RJ, p. 18 e 20) II – “A legitimidade do Estado Democrático de Direitodepende do controle da legitimidade da sua ordem financeira. Só o controle rápido, eficiente, seguro, transparente e valorativo dos gastos públicos legitima o tributo, que é o preço da liberdade. O aperfeiçoamento do controle é que pode derrotar a moral tributária cínica, que prega a sonegação e a desobediência civil a pretexto da ilegitimidade da despesa pública (TORRES, Ricardo Lobo. Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo. Obra em homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 645) 18. Denegação da segurança por ausência de direito material de recusa da remessa dos documentos (MS 33340, STF – Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento 26.05.2015, DJe 03.08.2015). TEMA: ATO ADMINISTRATIVO – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – NULIDADE EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VERBA REMUNERATÓRIA. ADIANTAMENTO PCCS. SUPRESSÃO. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. 1. A supressão de pagamento de parcela remuneratória a servidor público deve ser precedida da instauração de regular processo administrativo, conferindo-se o direito ao contraditório e à ampla defesa. 2. A possibilidade de a Administração anular seus próprios atos quando eivados de nulidade, nos termos da Súmula 473/STF, não dispensa a observância do devido processo legal, especialmente quando o ato interfira na esfera jurídica de seus administrados. Precedentes. 3. Na espécie, extrai- se do aresto recorrido que o pagamento da parcela autônoma “Adiantamento PCCS” ocorreu mesmo após a edição da Lei 8.460/92, a qual teria incorporado esses valores aos vencimentos da servidora federal. Logo, o ato que suprimiu o pagamento dessa verba, de forma autônoma, deveria ser precedido do devido processo legal, o que não ocorreu na espécie, devendo- se reconhecer a nulidade do ato administrativo. 4. Recurso especial a que se dá provimento (REsp 1.207.920/RS, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, julgamento 04.09.2014, DJe 18.09.2014). TEMA: PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – CONCURSO PÚBLICO – IDADE MÍNIMA ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA FORMAÇÃO DE OFICIAIS. IDADE MÍNIMA. REGRA EDITALÍCIA. INTERPRETAÇÃO. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A menos de dez dias de completar dezoito anos e já emancipado, o recorrente foi eliminado do concurso para oficial da polícia militar, com fundamento em cláusula do edital, porque não apresentava, na data de publicação, a idade mínima requerida no instrumento convocatório. 2. A Lei n. 9.784/1999, que esta Corte tem entendido aplicar-se aos Estados, como o Mato Grosso, que não dispõem de lei própria para disciplinar o processo administrativo, delineia, no seu art. 2º, princípios a serem observados quando da execução dos procedimentos. Portanto, a atividade administrativa deve pautar-se, dentre outros, pelos princípios da razoabilidade, assim entendido como adequação entre meios e fins, e do interesse público, como vetor de orientação na interpretação de qualquer norma administrativa, inclusive editais. 3. No caso ora examinado, o simples cotejo entre a norma legal inserta no texto do art. 11 da Lei Complementar Estadual n. 231/2005 e o instrumento convocatório é bastante para afirmar que a restrição editalícia – dezoito anos na data da matrícula no curso de formação – decorreu de mera interpretação da Lei, que limitou a idade para ingresso na carreira militar. Em outras palavras, o que a lei dispôs como ingresso na carreira, foi interpretado pelo edital como data da matrícula no curso de formação. 4. Essa interpretação foi aplicada com tal rigor no caso concreto que, a pretexto de cumprir a lei, terminou por feri-la, porque: (a) desconsiderou a adequação entre meios e fins; (b) impôs uma restrição em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público e, também por isso, (c) não interpretou a lei da forma que melhor garantisse o atendimento do fim público a que se dirige. 5. O ato administrativo de exclusão do impetrante, no contexto em que foi produzido, violou o disposto no art. 2º, parágrafo único, incisos VI e XIII da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999 e, em consequência, feriu direito líquido e certo do impetrante. 6. Recurso provido (RMS 36.422/MT, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgamento 28.05.2013, DJe 04.06.2013) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE – CONCURSO PÚBLICO – MOTIVAÇÃO DO ATO EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA. EXAME PSICOTÉCNICO. ILEGALIDADE. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA REPROVAÇÃO. NULIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O chamado exame psicotécnico, que se enquadra nos requisitos subjetivos, tem sua legalidade subordinada a três pressupostos necessários: sua previsão legal; a cientificidade dos critérios adotados (de modo a afastar a possibilidade teórica do arbítrio); e o poder de revisão (para o fim de evitar qualquer forma de subjetivismo que viole o princípio da impessoalidade na Administração). 2. Esse entendimento tem contado com o beneplácito da jurisprudência desta Corte, que admite a exigência de aprovação em exame psicotécnico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, a fim de oportunizar a interposição de eventual recurso. 3. No caso em comento, conforme atestam os documentos acostados aos autos, o candidato reprovado no exame não teve acesso à motivação de sua reprovação, tendo em vista que o resultado limitou-se a especificar que este fora considerado inapto. Tem-se, pois, que o requisito da recorribilidade não foi respeitado, o que atesta a ilegalidade da avaliação psicológica. 4. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que, declarada a nulidade do exame psicotécnico, em razão da existência de ilegalidade na avaliação, o candidato deve submeter-se a novo exame. 5. Agravo Regimental desprovido (AgRg no RMS 32.388/SC, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento 22.09.2015, DJe 30.09.2015). TEMA: PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO – DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NS. 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). 1.1. No julgamento do MI n. 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementosoperacionais: I) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; II) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; III) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; IV) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; V) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; VI) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI n. 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI n. 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.03.1992; MI n. 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992; MI n. 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.05.2002; MI n. 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI n. 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.06.2003. 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO E O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF. 2.1. O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI n. 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI n. 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.08.2002; e MI n. 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.08.2002. 2.2. Em alguns precedentes (em especial, no voto do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI n. 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.08.2002), aventou-se a possibilidade de aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei n. 7.783/1989). 3. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO. 3.1. A permanência da situação de não regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação da regularidade das instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1º). Além de o tema envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma verdadeira “lei da selva”. 3.2. Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional n. 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. 3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. 3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2º). 4. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI N. 7.783/1989). FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às “atividades essenciais”, é especificamente delineada nos arts. 9º a 11 da Lei n. 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2. Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão somente no sentido de que se aplique a Lei n. 7.783/1989 enquanto a omissão não fordevidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3. Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei n. 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”. 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei n. 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei n. 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus). 5. O PROCESSAMENTO E O JULGAMENTO DE EVENTUAIS DISSÍDIOS DE GREVE QUE ENVOLVAM SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DEVEM OBEDECER AO MODELO DE COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES APLICÁVEL AOS TRABALHADORES EM GERAL (CELETISTAS), NOS TERMOS DA REGULAMENTAÇÃO DA LEI N. 7.783/1989. A APLICAÇÃO COMPLEMENTAR DA LEI N. 7.701/1988 VISA À JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS QUE ENVOLVAM OS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO DE ATIVIDADES RELACIONADAS A NECESSIDADES INADIÁVEIS DA COMUNIDADE QUE, SE NÃO ATENDIDAS, COLOQUEM “EM PERIGO IMINENTE A SOBREVIVÊNCIA, A SAÚDE OU A SEGURANÇA DA POPULAÇÃO” (LEI N. 7.783/1989, PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 11). 5.1. Pendência do julgamento de mérito da ADI n. 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, na qual se discute a competência constitucional para a apreciação das “ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (CF, art. 114, I, na redação conferida pela EC n. 45/2004). 5.2. Diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos civis. 5.3. No plano procedimental, afigura-se recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei n. 7.701/1988 (que versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 5.4. A adequação e a necessidade da definição dessas questões de organização e procedimento dizem respeito a elementos de fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os limites ao exercício do direito constitucional de greve dos servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços públicos. Ao adotar essa medida, este Tribunal passa a assegurar o direito de greve constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem desconsiderar a garantia da continuidade de prestação de serviços públicos – um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas pela sociedade. 6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NS. 7.701/1988 E 7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei n. 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de tratarem de “serviços ou atividades essenciais” (Lei n. 7.783/1989, arts. 9º a 11). 6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção, aplicação da Lei n. 7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, “a”, da Lei n. 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da Lei n. 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da Federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6º da Lei n. 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais. 6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei n. 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei n. 7.783/1989, in fine). 6.5. Os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como:I) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; II) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e III) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6. Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis ns. 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis (MI 670/ES, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento 25.10.2007, DJ 31.10.2008) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – SERVIDORES PÚBLICOS – GREVE EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE DE GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI N. 7.783/89. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. NÃO ABUSIVIDADE DA PARALISAÇÃO. SERVIÇOS ESSENCIAIS. FIXAÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO. 1. A partir do julgamento do Mandado de Injunção n. 708/DF pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir, originariamente, os dissídios coletivos de declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve pelos servidores públicos civis e as respectivas medidas cautelares quando em âmbito nacional ou abranger mais de uma unidade da Federação, aplicando- se a Lei n. 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis, nos termos do inciso VII do art. 37 da Constituição Federal. 2. Tal competência, não fosse já qualquer decisão, em regra, primariamente declaratória, compreende a declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve, o direito ao pagamento dos vencimentos nos dias de paralisação, bem como sobre as medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao percentual mínimo de servidores públicos que devem continuar trabalhando, os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas e as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 3. Assim, não há falar em inadequação da via eleita em face da competência atribuída a esta Corte de Justiça para os feitos relativos ao exame de legalidade da greve no serviço público e das suas consequências jurídicas, entre elas, a fixação de percentual mínimo de servidores para a prestação dos serviços essenciais. 4. Vedada sob a égide da Constituição Federal de 1967, com a instituição do regime democrático de direito e a edição da Constituição da República de 1988, a greve passou a integrar o plexo de direitos sociais constitucionalmente assegurados aos servidores públicos civis, como instrumento para a reivindicação de melhores condições de trabalho, exigindo, contudo, o seu exercício a observância dos requisitos insertos na Lei n. 7.783/89, aplicável subsidiariamente, relativos à comprovação de estar frustrada a negociação; notificação da paralisação com antecedência mínima de 48 horas ou de 72 horas no caso de atividades essenciais; realização de assembleia geral com regular convocação e quórum; manutenção dos serviços essenciais; e inexistência de acordo ou norma em vigência, salvo quando objetive exigir o seu cumprimento. 5. O “Termo de Acordo” firmado entre as partes, conquanto não configure Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, não tenha força vinculante, não gere direito adquirido, nem ato jurídico perfeito em face dos princípios da separação e da autonomia dos Poderes e da reserva legal (arts. 2º, 61, § 1º, inciso II, alíneas “a” e “c”, e 165 da Constituição da República), constitui causa legal de exclusão da alegada natureza abusiva da greve, nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 14 da Lei n. 7.783/89, deflagrada com o objetivo de exigir o cumprimento da sua cláusula nona, após esgotados os meios pacíficos de solução do conflito. 6. As entidades sindicais têm o dever de manter a continuidade dos serviços públicos essenciais, cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável ao cidadão, entre os quais, os de pagamento de seguro-desemprego e de expedição de Carteira de Trabalho, fazendo imperioso o retorno de servidores no percentual mínimo de 50%, em cada localidade, para a prestação dos serviços essenciais, à falta de previsão legal expressa acerca do índice aplicável. 7. Pedido parcialmente procedente (Pet 7.884/DF, STJ – Primeira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgamento 22.09.10, DJe 07.02.2011). TEMA: PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE SERVIÇOS PÚBLICOS – INADIMPLÊNCIA – DÉBITOS PRETÉRITOS EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE POR DÉBITOS PRETÉRITOS. SUSPENSÃO ILEGAL DO FORNECIMENTO. DANO IN RE IPSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que não é lícito à concessionária interromper o fornecimento do serviço em razão de débito pretérito; o corte de água ou energia pressupõe o inadimplemento de dívida atual, relativa ao mês do consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos. 2. A suspensão ilegal do fornecimento do serviço dispensa a comprovação de efetivo prejuízo, uma vez que o dano moral nesses casos opera-se in re ipsa, em decorrência da ilicitude do ato praticado. 3. Agravo Regimental da AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S/A desprovido (AgRg no AREsp 239.749/RS, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento 21.08.2014, DJe 1º.09.2014) (grifos da autora). TEMA: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE X PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA – CONCURSO PÚBLICO – DEFICIENTE FÍSICO – DECURSO DO TEMPO – MANUTENÇÃO DO ATO EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTES FÍSICOS. RESERVA DE VAGAS. SITUAÇÃO CONSOLIDADA PELO DECURSO DE TEMPO. ANULAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO. DANOS SOCIAIS MAIORES QUE A OBSERVÂNCIA DA LEGALIDADE ESTRITA. PRESERVAÇÃO DO CERTAME. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. A Federação Rio Grandense de Entidades de Deficientes Físicos intentou Ação Civil Pública com o fito de garantir a reserva de vagas em favor de deficientes físicos em concursos para os cargos de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Agente de Polícia Federal e de Escrivão de Polícia Federal, com a exclusão de exame de capacidade física. 2. Reconhece-se como discriminação legal em concurso público a chamada reserva de vagas para os portadores de necessidades especiais. A reserva de vagas para deficientes físicos nos concurso públicos, na forma do art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, é norma de eficácia contida, mas, havendo regulamentação dessa hipótese na legislação infraconstitucional, a Administração Pública não pode se furtar à garantia desse direito. Precedentes. 3. A declaração da nulidade do edital n. 24/2004/DGP/DPF, de 15 de julho de 2004,ocasionaria mais danos sociais que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, haja vista que, a despeito de não ter sido respeitada a reserva de vagas, o concurso público teve prosseguimento, com a aprovação de candidatos, atendimento aos cursos de formação, nomeações etc. Estas situações, todas já consolidadas, devem ser agora preservadas, em razão do princípio da segurança jurídica. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 1.121.092/RS, STJ – Sexta Turma, Desembargadora convocada do TJ/PE Alderita Ramos de Oliveira, julgamento 20.08.2013, DJe 04.09.2013). TEMA: PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA – TEORIA DO FATO CONSUMADO – NOMEAÇÃO CONCURSO PÚBLICO EMENTA: ADMINISTRATIVO. EXAME PSICOTÉCNICO. LIMINAR CONFIRMADA PELA SENTENÇA E PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. APLICAÇÃO EXCEPCIONAL DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. CONCLUSÃO DO CURSO, POSSE E NOMEAÇÃO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. No caso em exame, a liminar que anulou o exame psicológico realizado pelo agravado foi confirmada pela sentença e pelo acórdão recorrido, situação particular que não se inclui no entendimento de que o prosseguimento em concurso por força de decisão precária não legitima a aplicação da teoria do fato consumado. 2. Ante a comprovada lesão causada pela recorrente a direito do agravado, o Tribunal de origem, em preservação ao princípio da segurança jurídica, aplicou ao caso a teoria do fato consumado, e considerou supridos os requisitos buscados pelo exame de aptidão psicológica anulado, uma vez que o candidato, embora logrando total êxito em seu pleito judicial, poderia ainda ser prejudicado pela própria execução do julgado, caso fosse determinada a realização de um segundo exame psicotécnico. 3. Não apresentando a agravante argumento novo capaz de infirmar os fundamentos que amparam a decisão impugnada, o recurso não deve ser provido. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.310.811/DF, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento 18.04.2013, DJe 29.04.2013). TEMA: CONTROLE DE POLÍTICA PÚBLICA – MÍNIMO EXISTENCIAL – PONDERAÇÃO DE INTERESSES EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECUPERAÇÃO DE BARRAGEM PROVEDORA DE ÁGUA. ART. 2º DA LEI N. 4.229/1963, QUE ESTABELECE A COMPETÊNCIA DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS – DNOCS. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, PONDERANDO A RESPEITO DA OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DO DIREITO À VIDA, DETERMINOU A RECUPERAÇÃO DA BARRAGEM. FUNDAMENTAÇÃO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA REVISÃO DO ACÓRDÃO A QUO. ART. 105, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 1. Trata-se de agravo regimental em que se discute o conhecimento de recurso especial interposto contra acórdão do TRF da 5ª Região, proferido em sede de ação civil pública, o qual determinou ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS a recuperação de barragem provedora de água. 2. No caso, o Tribunal de origem externou seu entendimento apoiado em fundamentação constitucional, consignando que: “O controle de políticas públicas pelo Judiciário é de caráter excepcional e não poderá ser levado a cabo quando se estiver diante de possível ofensa à separação de poderes. O maltrato ao princípio da separação de poderes se dá ao instante no qual é desprestigiada a discricionariedade da Administração, existente quando esta possui possibilidade de escolher entre o atuar e o não atuar. No caso, não vislumbro essa liberdade de agir por dois motivos. O primeiro deles está na Lei n. 4.229/1963, com alteração da Lei n. 10.204/2001, cujo art. 2º, III, dispõe: ‘elaborar projetos de engenharia e executar obras públicas de captação, acumulação, condução, distribuição, proteção e utilização de recursos hídricos, em conformidade com a Política e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, de que trata a Lei n. 9.433, de 1997’. Trata-se, então, de lei que, no que concerne ao objeto da causa, impõe ao demandado competência de atuar. Em segundo lugar, a hipótese versa sobre mínimo existencial, porquanto água é substância imprescindível à subsistência da humanidade, sendo de importância inexcedível no semiárido nordestino. Está-se aqui diante do mínimo vital, a gravitar em torno do direito à vida (art. 5º, caput, CF), a justificar a intervenção do Judiciário na seara das políticas públicas”. 3. Percebe-se do acórdão recorrido que a determinação judicial de recuperação da “Barragem de Poço Branco” foi necessária em razão de omissão da autarquia estadual em exercer sua competência, o que poderia resultar em violação ao direito à vida assegurado no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988. O aparente conflito entre as normas constitucionais analisadas pelo Tribunal de origem (separação de poderes e direito à vida) foi, claramente, resolvida com a ponderação dos interesses e princípios pertinentes ao caso concreto. Essa fundamentação não pode ser revisada em sede de recurso especial sem que haja interpretação do alcance das normas constitucionais aplicáveis à solução da controvérsia, daí porque o recurso especial não deve ser conhecido. 4. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp 1.211.989/RN, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgamento 04.08.2011, DJe 04.08.2011). TEMA: PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA – DIREITO DE GREVE – APLICAÇÃO DE PENALIDADE EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. ATO ABUSIVO E ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA. NÃO IDENTIFICADA. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. APLICAÇÃO DO MI 712/PA. ART. 15. PENA POR EXCESSO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PENALIDADE ADEQUADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Mandado de segurança impetrado no qual se pede a anulação de processo administrativo disciplinar cujo resultado foi a aplicação da pena de suspensão por quarenta dias (fl. 700), com base no art. 130 da Lei n. 8.112/90, em razão de atuação ilícita em ato de greve; o processo administrativo disciplinar apurou que o servidor atuou em conjunto com outros para trancar os acessos do edifício-sede da repartição; o cerramento mostrou-se perigoso, pois outro servidor derramou líquido inflamável na porta e, assim, criou situação de risco. 2. O impetrante alega que não poderia ter sido punido com suspensão, uma vez que seus atos não teriam sido praticados no exercício da função, nos termos do art. 148 da Lei n. 8.112/90; além disso, postula que a penalidade teria sido excessiva e alude a violação do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 3. Do exame acurado do processo disciplinar, bem se vê que foi dada publicidade de todos os procedimentos ao longo do processamento, bem como facultado o direito de defesa, junto com informações hábeis para contradição; além disso, houve garantia da produção de provas pedida. Não há falar em nenhuma violação de cunho formal. 4. A alegação central é a pretensa impossibilidade de aplicação da penalidade ao servidor público que, por integrar comando de greve, postula que seus atos de greve estariam fora das atribuições do cargo e, logo, não poderia responder por nenhum procedimento disciplinar por prática de abuso do direito. 5. Está pacificado o cabimento da aplicação da Lei de Greve – Lei n. 7.783/89 – aos movimentos grevistas federais,em razão do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção 712/PA (Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, publicado no DJe-206 em 31.10.2008 e no Ementário vol. 2339-03, p. 384), e a referida Lei prevê a possibilidade de penalização por ato ilegal de greve, como se infere do seu art. 15. 6. A aplicação da penalidade de suspensão está em conformidade com as provas apuradas no processo administrativo disciplinar e com o enquadramento no inciso III do art. 116, combinado com os arts. 129 e 130 da Lei n. 8.112/90, tendo havido, inclusive, adequação do rigor por parte do parecer jurídico (fls. 681-685) em relação à recomendação inicial do relatório final, que opinou pela demissão. Não há violação da proporcionalidade e da razoabilidade. Segurança denegada (MS 18.162/DF, STJ – Primeira Seção, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento 10.06.2015, DJe 1º.07.2015). TEMA:PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – CONCURSO PÚBLICO EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO. INVESTIDURA. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. INCONSTITUCIONALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO NULO. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PUBLICIDADE. INÍCIO DE CONTAGEM DE PRAZO PRESCRICIONAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública que objetiva: a) declaração da nulidade dos atos administrativos que investiram ilegalmente servidores que possuíam qualquer tipo de vínculo funcional com algum órgão da administração pública estadual no quadro efetivo da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte e b) o respectivo ressarcimento dos danos causados ao Erário. 2. Os vícios alegados na inicial decorrem da falta de prévio concurso público e da ausência de publicidade dos atos de investidura dos servidores, divulgados não no Diário Oficial estadual, mas apenas em “Boletim Interno” da Casa Legislativa, de periodicidade incerta e circulação restrita, “interno”, como a própria denominação indica. 3. De acordo com a Súmula 685/STF, “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. 4. A Suprema Corte possui posição sedimentada de que “situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal” (MS 28.279, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe-079, Publicação em 29.4.2011, p. 421-436) . 5. Em hipótese idêntica a Primeira Turma do STJ julgou nesse mesmo sentido: REsp 1.293.378/RN, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 5.3.2013. 6. A ausência de concurso público torna nula de pleno direito a investidura em cargo público, o que afasta a incidência do prazo prescricional para a revisão do respectivo ato administrativo. Nesse sentido: AgRg no AREsp 107.414/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.4.2012; REsp 1.119.552/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 5.10.2009; REsp 966.086/SC, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJe 5.5.2008.7. “É firme a jurisprudência desta Corte no sentido da imprescritibilidade do ato administrativo nulo” (REsp 1.119.552/RJ, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 5.10.2009). 8. Ainda que incidisse prazo prescricional no caso, o vício formal da falta de divulgação dos atos apontados na inicial não pode gerar o efeito jurídico que decorre da providência que lhes falta: a publicidade. 9. No mesmo sentido: REsp 1.318.755/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10.12.2014. 10. Recurso Especial provido (REsp 1518267/RN, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgamento 02.02.2016, DJe 20.05.2016). TEMA: PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE – PROCESSO DISCIPLINAR EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AUDITOR-FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 132, IV, DA LEI 8.112/1990. “OPERAÇÃO PARAÍSO FISCAL”. ALEGADO IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DA AUTORIDADE INSTAURADORA DA PERSECUÇÃO DISCIPLINAR EM RAZÃO DE TER COMUNICADO OS ILÍCITOS AOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E PARTICIPADO DE TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO NO BOJO DA AÇÃO PENAL. MERO CUMPRIMENTO DAS ATRIBUIÇÕES FUNCIONAIS DO CARGO DE CORREGEDOR. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS ACERCA DA EMISSÃO DE JUÍZO DE VALOR PRÉVIO E QUE TIVESSE POR CONDÃO INFLUENCIAR NA FORMAÇÃO DO JUÍZO DA COMISSÃO PROCESSANTE E DA AUTORIDADE JULGADORA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Pretende o impetrante, ex-Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, a concessão da segurança para anular a Portaria 243, de 02 de junho de 2014, do Exmo. Senhor Ministro de Estado da Fazenda, que lhe impôs pena de demissão do cargo público anteriormente ocupado, pelo enquadramento na infração disciplinar prevista no art. 132, IV, da Lei 8.112/1990, ao fundamento de que a decisão de instauração do PAD foi realizada pela mesma autoridade que denunciou e representou contra ele junto à Polícia Federal, que agiu em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal nas investigações policiais resultantes na “Operação Paraíso Fiscal” e que foi arrolada e inquirida como testemunha de acusação no âmbito das ações penais intentadas pelo Parquet Federal. 2. No Processo Administrativo Disciplinar todos os que forem tomar decisões que causem restrições na esfera jurídica de outrem ou que participem da formação de juízo de valor acerca da existência ou não de ilícito administrativo, devem que agir com imparcialidade. A imparcialidade administrativa, como corolário do princípio constitucional da impessoalidade, além de serem uma garantia do acusado, trata-se de figura que envolve o interesse do próprio Estado, na busca da independência, neutralidade e isenção de tratamento, sem as quais perderia sua legitimidade ao proferir decisões viciadas pela impunidade ou perseguições, bem como objetiva proteger as autoridades públicas e os membros da Comissão Processante de pressões externas a fim de influenciar na tomada de decisão contraria ou favorável ao servidor acusado. 3. “O princípio da impessoalidade, ou a sua versão europeia, denominada como imparcialidade, guardada a devida proporção, objetiva evitar que a Autoridade administrativa revista os atos praticados por sentimentos pessoais, onde o fim público é substituído por interesses subjetivo tendo o aludido princípio o condão de proibir que a Administração trate de forma arbitrária e desigual os administrados, garantindo processos adequados, onde a consecução do fim público não permite motivação inverídica e desleal, privilegiando-se o princípio da boa-fé, que deve estar presente em todos os sentidos, como fator de validade da atuação do ente público, afinal de contas, se todos são iguais perante a lei (caput do art. 5º da CF), quiçá perante a Administração Pública. Nesse diapasão, o inciso XLI do art. 5º da Constituição Federal, confere à lei o poder de punir discriminação dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de direitoadministrativo disciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 130-131). 4. As Leis 8.112/1990 e 9.784/1999 preveem circunstâncias subjetivas e objetivas de ordem individual (suspeição e impedimento), que podem impedir o exercício das funções por parte de autoridade administrativa no bojo do procedimento disciplinar, evitando, assim, que o Processo Administrativo Disciplinar fosse utilizado para alcançar outros meios que não a devida justiça. 5. O impedimento, de natureza objetiva, é vício grave e insanável, que pode ser alegado a qualquer momento, devido ao comprometimento total do julgador, o que gera a presunção absoluta de incapacidade do servidor público, decorre de expressa previsão legal e deve ser obrigatoriamente comunicada sua ocorrência à autoridade superior, sob pena de falta grave para efeitos disciplinares. Por outro lado, a suspeição, de natureza subjetiva e que gera uma presunção relativa de incapacidade, derivada de um fato não provado, mas estabelecido por presunção, confere ao suspeito a circunstância de tornar sua conduta parcial em determinada situação jurídica, deve ser alegada pelo interessado na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos, de modo que a sua não arguição a tempo enseja a preclusão. 6. In casu, sustenta o impetrante a existência de impedimento e suspeição da Autoridade instauradora do PAD ao argumento de que ela já possuiria juízo de valor formado antes mesmo de determinar a instauração do PAD, porquanto teria denunciado dos ilícitos e participado ativamente de Operação Policial deflagrada previamente à persecução disciplinar, além de ter prestado depoimento na condição de testemunha no bojo da ação penal intentada contra o impetrante. Contudo, do exame das provas pré- constituídas acostadas aos autos não se verifica que a autoridade que determinou a instauração do PAD agiu investida de interesses pessoais. 7. A autoridade instauradora do PAD, Chefe do Escritório de Corregedoria da Receita Federal do Brasil na 8ª Região Fiscal, ao aprovar a proposta de instauração de PAD para apurar supostas irregularidades funcionais cometidas pelo impetrante no exercício das atribuições do cargo público anteriormente ocupado, objeto de denúncia formulada pelo então Delegado Adjunto da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Osasco/SP em 25/10/2010, sob investigação no curso da “Operação Paraíso Fiscal”, realizada pelo Departamento de Polícia Federal, e narrados em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra servidores lotados na Delegacia da Receita Federal do Brasil em Osasco/SP (DRF/OSA), nos termos do documento acostado às fls. 51/55-e, o fez nos estritos limites de suas atribuições funcionais previstas no art. 143 da Lei 8.112/1990 e nos arts. 18 c/c 24, do Regimento Interno da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF 203/2012, sob pena de não o fazendo incorrer em ilícito penal (art. 320 do Código Penal). 8. O fato da Autoridade Instauradora do PAD ter encaminhado noticia criminis aos órgãos de segurança pública e ter participado de Operação Policial deflagrada pela Polícia Federal deu-se em razão de que a nova denúncia oferecida pelo então Delegado Adjunto da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Osasco/SP, em 25/10/2010, guardava relação com informações já conhecidas e em análise por aquela unidade correcional, conferindo-se tratamento coordenado e conjunto às diversas denúncias existentes, além de tal agir tratar-se do cumprimento do dever contido no § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, segundo o qual “qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”. 9. A participação como testemunha no bojo de outro PAD ou de demandas judiciais, por si só, não tem o condão de ensejar o reconhecimento do impedimento, hipótese em que deve-se analisar, a partir de provas robustas, o teor das declarações prestadas e se houve a emissão de juízo de valor prévio ou o prejulgamento acerca das irregularidades imputadas ao acusado. 10. No presente caso, o impetrante não logrou comprovar através das provas pré-constituídas acostadas aos autos que o depoimento da Autoridade instauradora do PAD teria sido carregado de juízo de valor, apta a ensejar a quebra da imparcialidade e o reconhecimento do impedimento ou da suspeição. Isto porque o impetrante limitou-se a colacionar aos autos apenas a transcrição do suposto depoimento, insuficiente para comprovar tais declarações, hipótese em que o impetrante deveria ter colacionado aos autos a cópia do respectivo Termo de Depoimento devidamente subscrita pelo magistrado condutor da ação penal, pela testemunha e pelas partes. 11. A simples oitiva de membro da Comissão Processante, da Autoridade julgadora ou da Autoridade instauradora como testemunha ou informante no bojo de outro processo administrativo ou até mesmo penal, por si só, não tem condão de, automaticamente, ensejar o reconhecimento da quebra da imparcialidade, sob pena de reconhecer-se que bastaria ao investigado arrolar algum destes como testemunhas no bojo de outro procedimento a fim de lograr o reconhecimento de parcialidade e, consequente, a nulidade do próprio Processo Administrativo Disciplinar. Precedentes da 1ª Seção do STJ. 12. O reconhecimento do impedimento, em razão de ter sido ouvido como testemunhas no âmbito da ação penal ou em outro processo administrativo disciplinar, relacionados ao mesmo fato, demanda a efetiva comprovação de que o depoimento prestado, na condição de testemunha, carregue opinião pessoal ou prejulgamento sobre a conduta do servidor indiciado, o que não restou evidenciado no caso. 13. Segurança denegada (MS 21.312/DF, STJ – Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgamento 14.09.2016, DJe 21.09.2016). TEMA: PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA – ANULAÇÃO DE ATO ILEGAL – AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. TÉCNICO ADMINISTRATIVO. REDUÇÃO DA VERBA DE REPRESENTAÇÃO. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AFRONTA À IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. AUSÊNCIA. AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. OBSERVÂNCIA DA LEI ESTADUAL N. 16.390/10. 1. Não se declara a nulidade sem que haja demonstração de efetivo prejuízo para o interessado. No caso, evidencia-se a ausência de prejuízo no fato de o servidor ter sido notificado posteriormente para apresentar defesa no âmbito administrativo, mormente porque nada alegou na oportunidade, optando por debater a matéria na esfera judicial. Veja-se: RMS 32.816/MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 10.05.2011, DJe 16.05.2011. 2. Ademais, o ato de redução da parcela remuneratória foi confirmado após regular processo judicial, no qual o servidor teve ampla oportunidade de impugnar o ato administrativo, trazer seus elementos de convicção aos autos, contraditar a parte contrária, inexistindo afronta ao exercício do direito de defesa, nem ao princípio do contraditório. Precedente: AgRg no RMS 28.237/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 06.08.2015, DJe 26.08.2015. 3. Na espécie, o impetrante ocupava o cargo de técnicoadministrativo, cuja escolaridade exigida era o 2º Grau. De acordo com a Lei Estadual n. 16.390/10, a verba de representação para os servidores de nível médio seria de até 20% do vencimento básico e não 80% como vinha percebendo o servidor. 4. Caracterizado o recebimento irregular de vantagem remuneratória, em percentual diverso do que está expresso na lei, cumpre à Administração proceder à anulação do ato administrativo, não se cogitando de ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimento, em virtude do princípio da autotutela administrativa. Aplicação da Súmula 473/STF. Nesse sentido: AgRg no RMS 39.359/MS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 8/9/2015, DJe 18.09.2015. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento (RMS 50.083/PR, STJ – Segunda Turma, Desembargadora convocada TRF 3ª R. Diva Malerbi, julgamento 14.06.2016, DJe 22.06.2016). CAPÍTULO 3 Organização da Administração 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA A expressão “Administração Pública”, conforme conceituada em capítulo anterior, pode ser utilizada para definir a atividade administrativa exercida pelo Estado, denominada, nessa hipótese, Administração em seu critério material ou objetivo. Admite-se ainda a sua aplicação para referir-se ao conjunto de órgãos, entidades e pessoas instituídas para consecução dos objetivos do Estado, definidos pelo governo; definida como Administração Pública no critério formal ou subjetivo. Utilizando esse segundo enfoque, considerando a Administração, enquanto aparelhamento, estrutura administrativa do Estado, é que se constrói esse capítulo, passando a definir a sua organização. A Organização da Administração é a estruturação das pessoas, entidades e órgãos que irão desempenhar as funções administrativas; é definir o modelo do aparelho administrativo do Estado. Essa organização se dá normalmente por leis e, excepcionalmente, por decreto e normas inferiores. Para estruturar a Administração Pública Federal e sistematizar as pessoas jurídicas que a integram, foi introduzido o Decreto-Lei n. 200/67, que, apesar de inúmeras alterações legislativas posteriores, continua em vigor. Todavia, esse diploma tem várias impropriedades que geram alguns equívocos, não podendo ser considerado a palavra final para a estrutura administrativa. Admite-se que inúmeras de suas disposições foram acolhidas pelo texto constitucional de 1988, mas isso não representa sua totalidade, restando para o ordenamento infraconstitucional parte de suas regras, a exemplo, a definição integral do regime jurídico aplicável às pessoas da Administração Indireta. Assim, considerando que o Decreto-Lei não esgota o assunto, que somente algumas de suas normas foram constitucionalizadas e que o ordenamento infraconstitucional deve definir regras importantes sobre a estruturação da Administração Pública, é necessário esclarecer a sua predominância sobre as demais normas. Ressalta-se que esse decreto-lei não tem forma normativa superior às leis ordinárias, tendo sido recepcionado pela Constituição de 1988 com natureza de lei ordinária. Considerando que a criação de novas entidades da Administração Pública depende de uma lei, tendo essa a mesma forma normativa do citado decreto, a mesma hierarquia, logo, a lei posterior, poderá alterar a sistemática daquele diploma, prevalecendo sobre ele. Observe que o Decreto-Lei n. 200/67 faz referência à órbita federal, sendo extensível aos demais entes enquanto norma geral. Assim, o raciocínio de que a lei posterior pode alterar a sua disciplina é aplicável somente no âmbito da União, estando os outros entes federativos sujeitos à competência federal sobre o tema. Dessa forma, uma lei estadual superveniente não pode modificar a dinâmica do Decreto-Lei n. 200/67. O referido Decreto foi o responsável pela divisão da Administração Pública em Direta e Indireta, estabelecendo em seu art. 4º que a Administração Direta se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios e que a Administração Indireta compreende as seguintes entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Essa mesma organização prevista expressamente para a ordem federal é observada para os demais âmbitos políticos, logo, as esferas estaduais, municipais e distritais guardam com a estrutura federal certo grau de simetria. Esse modelo, essa organização administrativa dividida em Administração Direta e Indireta, será analisado a seguir. Importante ressaltar ainda que a atividade administrativa hoje também pode ser prestada por pessoas que estão fora dessa estrutura da Administração Pública. São pessoas jurídicas sujeitas a regime privado, que prestam serviços públicos (ex.: concessionárias ou permissionárias de serviços públicos) ou que cooperam com o Estado na realização de seus fins (ex.: entes de cooperação) em razão de diversos vínculos jurídicos, o que também será estudado em momento oportuno (Capítulo 4). 1.1. Princípios fundamentais da Administração Pública Federal O Decreto-Lei n. 200/67, definindo a organização da Administração Pública Federal, estabeleceu, em seu art. 6º e seguintes, os princípios básicos, ditos fundamentais, norteadores dessa estrutura e das atividades desenvolvidas por essa ordem política, o que hodiernamente é copiado pelos demais entes da Federação. Os princípios apontados são: a) Princípio do planejamento: introduz para a Administração o dever de elaborar planos e programas, visando promover o desenvolvimento econômico-social do país, assegurando aos cidadãos o direito à prosperidade (art. 7º); b) Princípio da coordenação: visa harmonizar as ações administrativas, mantendo-se nos limites do planejamento, objetivando evitar duplicidade de atuação, soluções divergentes e desperdício de recursos financeiros (arts. 8º e 9º); c) Princípio da descentralização administrativa: consiste em atribuir à pessoa distinta daquela do Estado poderes suficientes para que, atuando por sua conta e risco, mas sob ordenamento e controle estatal, desempenhe atividade pública ou de utilidade pública (art. 10); d) Princípio da delegação de competência: subentende a transmissão de poderes decisórios atribuídos originalmente à autoridade superior para a autoridade subordinada, caracterizando- se pelo caráter transitório e facultativo, processando-se segundo o ordenamento jurídico e mediante ato próprio (arts. 11 e 12); e) Princípio do controle: exige o acompanhamento sistemático da execução dos planos e programas governamentais pelos órgãos e chefias competentes, balizando-se pela observância do ordenamento legal de regência (arts. 13 e 14). Baseia-se especialmente na relação de hierarquia presente na Administração Pública. 1.2. A manifestação de vontade da pessoa jurídica – teorias sobre as relações com seus agentes Sabe-se que a Administração Pública enquanto aparelhamento, enquanto máquina administrativa, depende para atuar no mundo jurídico, da personalidade jurídica, o que se reconhece nos entes políticos (Administração Direta) e nas pessoas jurídicas que compõem a Administração Indireta. Logo, essas pessoas jurídicas, enquanto ficção legal, gozam de personalidade jurídica própria apesar de não terem personalidade psicológica (não têm inteligência, não são dotadas de autonomia existencial, nem de vontade própria, nem de ação), atuando por meio das pessoas físicas que as compõem.Para explicar essa relação da pessoa jurídica com os seus agentes, a doutrina, com o passar do tempo, definiu inúmeras teorias. O direito comparado reconheceu a teoria do mandato, segundo a qual o agente público é um mandatário da pessoa jurídica, relação constituída em razão de um contrato de mandato110. Tal corrente sofreu inúmeras críticas e não prosperou no ordenamento brasileiro. Não se admite que o Estado, que não tem vontade própria e não tem como exteriorizá-la, possa assinar um contrato, instrumento esse que depende impreterivelmente da autonomia da vontade. Logo, ele não pode outorgar mandato, desconstituindo a orientação. Surgiu também a teoria da representação, que admitia o agente público como representante do Estado por força de lei, equiparando o agente ao tutor ou curador representando os incapazes. O primeiro problema dessa teoria é que a representação pressupõe duas figuras perfeitamente independentes, com suas vontades, o que, na verdade, não acontece nesse caso, considerando que a vontade do Estado e a do agente se confundem. E ainda, segundo essa teoria, a pessoa jurídica fica equiparada a um incapaz, não tendo como explicar a absurda ideia de que esse incapaz confere representante a si mesmo. Além dos aspectos pertinentes à responsabilidade civil, o incapaz não pode ser responsabilizado, o que não ocorre com o Estado. Quando o representante, o agente público, ultrapassar os poderes da representação, a pessoa jurídica não responderá por esses atos perante terceiros, por tratar-se de um incapaz, o que é incompatível com o fato de ser o Estado considerado sujeito responsável pelo texto constitucional, sendo impossível ser incapaz e responsável ao mesmo tempo. Por todas essas questões, essa teoria sofreu inúmeras críticas e também não prosperou. Por fim, foi elaborada na Alemanha a teoria do órgão, a qual é bastante aceita pelos publicistas e adotada no Brasil. Considerando que as pessoas jurídicas não têm existência concreta, física, o direito precisou criar um modo para que essas pessoas manifestassem a vontade. Para resolver a situação, reconheceu-se que certas pessoas físicas são investidas no poder jurídico de praticar atos que serão atribuídos à pessoa jurídica. Dessa maneira, a vontade da pessoa jurídica se forma e se exterioriza com a atuação da pessoa física. Para essa teoria, as pessoas físicas foram qualificadas como órgãos das pessoas jurídicas cuja vontade formam e exteriorizam. Seguindo o raciocínio inverso, as pessoas jurídicas se valem das pessoas físicas como se fossem seus órgãos, aqui considerados em comparação com a natureza dos seres humanos, os órgãos integram de modo indissociável sua estrutura corporal111. Nessa ideia foram criados os órgãos públicos, constituídos por pessoas físicas, os quais formam e exteriorizam a vontade da pessoa jurídica, de tal modo que, quando os agentes que os compõem manifestam a sua vontade, é como se o próprio Estado o fizesse, não sendo assim uma vontade de alguém dele distinto, compondo uma relação orgânica. Nesse caso, a pessoa jurídica opera por si mesma, sendo o órgão parte dela, e não ente autônomo, apresenta-se como uma unidade no mundo jurídico, significando que o órgão é parte do corpo da entidade e por isso as suas manifestações de vontade são consideradas como sendo da respectiva entidade112. Portanto, a vontade do agente público, manifestada nessa qualidade, e a vontade do Estado se confundem, formam um todo único, e esse “poder” dado à pessoa física decorre de determinação da lei, de imputação legal, por isso é denominada teoria do órgão ou teoria da imputação. Assim, definitivamente substitui-se a ideia de representação pela de imputação direta. Acatada a imputabilidade, para que todas as atividades exercidas pelos órgãos sejam atribuídas ao Estado, o agente precisa estar investido de poder jurídico reconhecido pela lei, o que se formaliza, por exemplo, com a investidura do agente público. 2. FORMAS DE PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Para compreender a dinâmica constituída na Administração Direta e na Indireta, além da presença dos particulares na prestação das funções administrativas do Estado, entendendo como essa atividade se distribui e quais os instrumentos possíveis para essa formalização, é preciso verificar as diversas formas de prestação da atividade administrativa, lembrando especialmente os institutos de desconcentração e descentralização. Quando essa atividade é exercida pelo próprio Estado, ou seja, pelo conjunto orgânico que lhe compõe a intimidade, pelos seus órgãos, denomina-se forma centralizada de prestação dos serviços ou prestação direta. Nessa hipótese, a prestação é feita pela própria Administração Direta, que é composta pelas pessoas políticas: União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Dessa forma, na Administração Centralizada, o exercício da competência administrativa está unicamente no ente federativo, observando que esse ente político, apesar de estar sujeito à descentralização política, em razão da distribuição constitucional de competências, atua de forma centralizada na prestação da atividade administrativa. Para que o ente federativo, a exemplo da União, possa exercer o seu grande leque de atribuições e responsabilidades, considerando que é titular e executor das atividades administrativas, é preciso uma organização e distribuição interna dessas competências (uma divisão interna das tarefas), o que se denomina desconcentração. A desconcentração, que é um fenômeno de distribuição interna de partes de competências decisórias, agrupadas em unidades individualizadas, refere-se à organização interna de cada pessoa jurídica. Ela não prejudica a unidade monolítica do Estado, pois todos os órgãos e agentes permanecem ligados por um consistente vínculo denominado hierarquia, podendo ser em razão da matéria, do grau de hierarquia ou do território, como ocorre na distribuição das atividades entre os órgãos públicos. Entretanto, para proteger o interesse público, buscando-se maior eficiência e especialização no exercício da função pública, o Estado poderá transferir a responsabilidade pelo exercício de atividades administrativas que lhe são pertinentes a pessoas jurídicas auxiliares por ele criadas com esse fim ou para particulares. Nesse caso, ele passa a atuar indiretamente, pois o faz por intermédio de outras pessoas, seres juridicamente distintos, o que se denomina descentralização administrativa. As pessoas jurídicas auxiliares criadas pelo Estado compõem a Administração Indireta, podendo ser: autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista. Para completar, exige-se muita cautela no estudo desse assunto, não se admitindo a confusão entre descentralização e desconcentração. Notem-se alguns pontos distintivos. Inicialmente, a descentralização realiza-se por pessoas diversas, físicas ou jurídicas, e não há vínculo hierárquico entre a Administração Central e a pessoa estatal descentralizada, existindo apenas um poder de controle, de fiscalização. Já a desconcentração se refere a uma só pessoa, pois se cogita sobre a distribuição de responsabilidades e competências na intimidade dela, mantendo-se o liame unificador da hierarquia. Para que não reste qualquer dúvida, deve-se ter em mente o que significa hierarquia e controle. Hierarquia é o vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, por meio de escalões sucessivos, relação de autoridade superior a inferior. Consiste no poder de comando