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Letramentos múltiplos, multimodalidades e multiletramentos: os usos da linguagem na era digital VOLUME 2 Roberta Santana Barroso Clodoaldo Sanches Fofano Sinthia Moreira Silva Eliana Crispim França Luquetti (Orgs.) Letramentos múltiplos, multimodalidades e multiletramentos: os usos da linguagem na era digital VOLUME 2 TUTÓIA-MA, 2021 EDITOR-CHEFE Geison Araujo Silva CONSELHO EDITORIAL Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI) Diógenes Cândido de Lima (UESB) Jailson Almeida Conceição (UESPI) José Roberto Alves Barbosa (UFERSA) Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL) Julio Neves Pereira (UFBA) Juscelino Nascimento (UFPI) Lauro Gomes (UPF) Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI) Lucélia de Sousa Almeida (UFMA) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB) Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ) Meire Oliveira Silva (UNIOESTE) Rosangela Nunes de Lima (IFAL) Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS) Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL) Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB) 2021 - Editora Diálogos Copyrights do texto - Autores e Autoras Todos os direitos reservados e protegidos pela lei no 9.610, de 19/02/1998. Esta obra pode ser baixada, compartilhada e reproduzida desde que sejam atribuídos os devidos créditos de autoria. É proibida qualquer modificação ou distribuição com fins comerciais. O conteúdo do livro é de total responsabilidade de seus autores e autoras. Capa: Geison Araujo Silva / Freepik Diagramação: Geison Araujo Silva. Revisão: Editora Diálogos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG) L649 Letramentos múltiplos, multimodalidades e multiletramentos [livro eletrônico] : os usos da linguagem na era digital: vol. 2 / Organizadores Roberta Santana Barroso, Clodoaldo Sanches Fofano, Sinthia Moreira Silva, Eliana Crispim França Luquetti. – Tutóia, MA: Diálogos, 2021. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-65-89932-14-7 1. Alfabetização. 2. Educação. 3. Prática de ensino. I. Barroso, Roberta Santana. II. Fofano, Clodoaldo Sanches. III. Eliana, Sinthia Moreira Silva. IV. Luquetti, Crispim França. CDD 372.4 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 https://doi.org/10.52788/9786589932147 Editora Diálogos contato@editoradialogos.com www.editoradialogos.com Sumário Apresentação ................................................................................................. 10 Letramento digital e variação linguística: a diversidade da língua e meio às mídias digitais ................................................................................ 12 Sinthia Moreira Silva Camila do Rosario Silva Barreto Helena Sant’ Ana dos Santos Ribeiro Silvia Goulart Ferreira Letramentos múltiplos: o uso do continho e Tiktok em aulas de língua portuguesa ........................................................................................ 30 Cristiane Renata da Silva Cavalcanti Evaldo Gomes da Silva Giselma Maria Alves Gomes da Silva Thaís Maria Cecília da Paz Ensino profissional e formação docente: letramentos e multiletramentos em sala de aula ........................................................... 42 Paula Almeida Morato de Laet Senira Anie Ferraz Fernandez Rodrigo Avella Ramirez A construção narrativa nas capas do mangá ao Haru Ride: uma análise segundo a metafunção composicional .................................. 67 Ana Karolina de Melo Pessoa Oliveira Maria Angélica Freire de Carvalho Boneco de posto em GIF comic: fronteiras borradas de gênero e análise a partir da GDV ................................................................................ 88 Kleissiely de Castro Guilherme Melo Jaciluz Dias Marta Cristina da Silva Ensino de língua inglesa e novas tecnologias: o desenvolvimento de novas habilidades no ambiente escolar .......................................117 Sueli Fernandes Carneiro Marinho Ferreira Carmem Lúcia Carneiro Vasconcelos de Oliveira Alba Liarth da Cruz A intertextualidade como fator de coerência na composição dos memes (figurinhas de Whatsapp) .........................................................136 Hellen dos Santos Lira Jéssica Couto da Silva Linguagem e gêneros emergentes: decolonizando as possibilidades de produção textual nos anos finais do ensino fundamental ......147 Diego Almeida Oliveira Jany Baena Fernandez Multiletramentos, ensino e currículo: um olhar pelas frestas na produção do gênero Booktrailer ........................................................169 Daniela Paula de Lima Nunes Malta Letramento digital e a utilização de Blogs: análise de uma eventual relação metodológica no processo de ensino-aprendizagem ....193 João Luiz Lima Marins Cristiana Barcelos da Silva Multimodalidade no ensino: contextos, uso das TICs, trocas conversacionais e (in)polidez ..............................................................205 Isabella Tavares Sozza Moraes Janderson Lacerda Teixeira Estudo bibliométrico do letramento digital na prática de professores de língua portuguesa no ensino médio ..............................................232 Roberta Santana Barroso Eliana Crispim França Luquetti Cristiana Barcelos da Silva Fábio Machado de Oliveira Letramento digital como proposta de ensino em Língua Portuguesa: revisão sistemática .....................................................................................247 Adriano Martins Ribeiro Márcia Cristina de Faria Sequência didática nas aulas de língua portuguesa, entrementes, ensino remoto emergencial ....................................................................267 Márcia de Souza Damasceno Claudia Lúcia Landgraf Valério Epaminondas de Matos Magalhães Fabiane Alves da Silva Sobre os organizadores ............................................................................282 Sobre as autoras e autores .......................................................................284 Índice Remissivo .........................................................................................294 LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 10 S U M Á R IO Apresentação A tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. [...] a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela (SOARES, 2002, p. 151-2).1 Este trabalho oferece perspectivas diferenciadas dos letramentos múltiplos, a fim de enfatizar a evidente situação das interações de comunicação nas relações sociais nas plataformas digitais. Diante das práticas letradas mediadas pelas tecnologias digitais e suas múltiplas linguagens realizadas em diferentes dispositivos, é necessário apropriar- se da capacidade de entender e usar a informação disponível em rede de maneira crítica em uma abordagem focada no desenvolvimento de habilidades operacionais no uso das tecnologias digitais. Logo, o exercício das chamadas capacidades de leitura e produção textual deve favorecer a formação de leitores e produtores de texto que não só dominem os recursos das linguagens e das novas tecnologias, mas também, que se posicionem em relação ao que leem. Em Letramentos múltiplos, multimodalidades e multiletramentos: os usos da linguagem na era digital vol. 2, coletânea de 14 capítulos, estão reunidos pesquisadores e pesquisadoras de instituições diversas com discussões dos letramentos múltiplos que utilizam abordagens de gêneros e suportes 1 SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita e escrita: letramentona cibercultura. Educação e Sociedade: Revista de Ciência e Educação, Campinas, v.23, p. 143-160, dez. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v23 n81 /13935.pdf. Acesso em: 21 de julho de 2021. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 11 S U M Á R IO textuais variados pertencentes ao ambiente digital. Nesse sentido, o elo entre eles se constrói pela temática abordada, bem como pelo interesse do leitor que deseja ser atravessado por uma riqueza de estudos nos quais demonstram práticas exemplares com a multimodalidade na escola. Desse modo, este material pode despertar novas práticas nas aulas de línguas ao possibilitar o uso da linguagem no ciberespaço, de forma que o professor esteja ancorado em conceitos teóricos tais como: Letramentos ou Multiletramentos, Multimodalidade e Tecnologias Digitais. Portanto, esta leitura permitirá maior engajamento em práticas letradas digitais e consequentemente aprendizagens relacionadas às linguagens e às tecnologias. Assim, convidamos todos os leitores para deleitar nos estudos aqui selecionados. Desfrutem de prazerosas leituras! Itaperuna, agosto de 2021 Roberta Santana Barroso Clodoaldo Sanches Fofano Sinthia Moreira Silva Eliana Crispim França Luquetti. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 12 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-1 Letramento digital e variação linguística: a diversidade da língua e meio às mídias digitais Sinthia Moreira Silva Camila do Rosario Silva Barreto Helena Sant’ Ana dos Santos Ribeiro Silvia Goulart Ferreira Introdução O ser homem, no decorrer de sua história, para viver em sociedade, sentiu a necessidade de se comunicar, sendo uma forma de expressar seus sentimentos e desejos. Dessa forma, tem-se os primeiros registros em forma de desenhos, as chamadas pinturas rupestres. No entanto, com o passar do tempo, os grupos foram aumentando e com isso, as formas de comunicação se transformaram a fim de atender necessidades das sociedades. Um grande marco na história foi a escrita, a invenção da técnica de imprimir ilustrações, símbolos e a própria escrita, promove a possibilidade de tornar a informação acessível a um número cada vez mais crescente de pessoas, alterando assim o modo de viver e de pensar de uma sociedade, desenvolvimento do uso da leitura e escrita nas práticas sociais. Uso individual e social da leitura e escrita. E na escola, prioritariamente, é o espaço onde se adquire o letramento para a vida social; aprende-se a ler, escrever, a língua de prestígio. Todavia, este letramento está atrelado às concepções de saber que estão ligadas às formas de exercício de poder e controle como aptos a circular em diversos espaços e a falar de um lugar, pois são tidos como civilizados e cognitivamente organizados, capazes de agir no mundo. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 13 S U M Á R IO Ao longo dos tempos, muitas foram as formas de interação e a linguagem verbal é um diferencial que o homem possui com relação aos outros seres. Cada país possui a sua língua original e no Brasil, a língua portuguesa, bem como os outros meios de comunicação presentes na sociedade, passaram por vários processos de transformação até chegarem aos moldes que se tem atualmente. Ao todo, são nove países que fazem parte do chamado mundo lusófono, adjetivo que classifica os países que têm o português como língua oficial ou dominante. E esses países são: Brasil, Portugal, Angola, Timor- Leste, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Guiné Equatorial: países linguisticamente unidos. E o português do Brasil é oriundo da contribuição de diversos fatores, a saber: históricos, sociais, econômicos, dentre outros. No Brasil, devido às suas diversas regiões, várias são as formas de se utilizar a língua no mesmo país. Sendo assim, existe uma variedade que decorre não apenas das regiões, mas também, a faixa etária, a escolaridade, o contexto social e cultural. Logo, aqueles que não adentram o espaço escolar, muitas vezes, são estigmatizados pela sociedade que os posiciona em um lugar menor, reduzindo a sua condição humana à animalização. Não são estigmatizadas apenas as línguas, mas os sujeitos que falam determinadas línguas e/ou variedades são percebidos como inferiores. Com a era do mundo digital, essa diversidade que ocorria por meio da língua falada, disseminou-se para os meios de comunicação tecnológicos, os quais pouco se utilizam da linguagem escrita gramatical, expandindo-se para um formato comunicativo que está se popularizando a cada dia. Hoje, com o advento da tecnologia, as pessoas podem se comunicar com diversas outras no mesmo memento e de diversos lugares diferentes, com isso. Devido a esse meio digital em que se vive, a disseminação das mídias sociais e o maior acesso da população dos diversos estratos sociais a estes, há uma facilitação da comunicação entre os povos e o conhecimento se torna mais amplo da diversidade linguística de que o país é formado. Sendo assim, contribui para o combate ao preconceito linguístico que insiste em perdurar na sociedade no decorrer dos séculos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 14 S U M Á R IO Os meios de comunicação representam uma forte arma no combate a esse preconceito, podendo ser utilizados, inclusive, pela escola. Hoje, com o auxílio das mídias sociais digitais, é possível o conhecimento de fatos no exato momento em que estão acontecendo, assim como, conhecer palavras e expressões usadas em todo país e no mundo. Contudo, a língua falada tem o poder de se adaptar ao contexto social ao qual o indivíduo está inserido e também se adapta conforme a necessidade do falante. Trata-se, portanto, de uma questão identitária do usuário. A escola, por sua vez, deve valorizar a identidade cultural e linguística do seu público e fazer o uso dos meios de comunicação, a fim de promover positivamente o conhecimento da variedade linguística do país, bem como, contribuir para que a língua usada pelas camadas dominantes da sociedade deixe de ser considerada a única língua correta a ser utilizada, evidenciando como empregar as diversas formas linguísticas da língua portuguesa do Brasil ao contexto ao qual o falante estará submetido. Logo, são diversas as expressões utilizadas nas variadas regiões existentes no Brasil, e todas podem ser ouvidas e compreendidas em outras partes do país, com isso, as mídias digitais em foco, estão dando ênfase em pesquisas na internet, em especial, na ferramenta google para identificar os significados dessas expressões existentes. Breve histórico sobre como surgiu o português do Brasil (latim clássico ou eclesiástico, latim vulgar) Inúmeras foram as mudanças que a língua portuguesa já atravessou, e essas transformações estão sujeitas as mutações da sociedade ao longo do tempo, no sentido de ser expressa de forma peculiar, de acordo com o contexto de cada época. Com a globalização e a evolução tecnológica, é possível perceber a elevação que o mundo sofreu, e a língua, além de ser o meio do ser humano se socializar, também possibilitou toda a publicação que temos da história mundial e da literatura. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 15 S U M Á R IO Em se tratando da língua falada, vamos compreender a sua origem. O Latim começou a ser falado na cidade de Roma, na província do Lácio, no século I a.C. E assim, a língua se espalhou por toda a Itália e a parte ocidental da Europa, originando as línguas neolatinas: o português, o espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o galego, o occitano, o rético, o catalão e o dalmático. Com isso, o Latim se espalhou mais facilmente por ser o idiomaoficial do antigo Império Romano. Dessa forma, mesmo com a queda do Império em 1453, a língua ainda era utilizada por ser considerada culta. (NETO,1998) A história do Latim é dividida em três fases: O Latim pré-histórico, o qual perdurou até o século IX, e foi a língua dos primeiros habitantes do Lácio. A verdade é que não existem evidências escritas dessa primeira fase; O segundo período foi o proto-histórico, se passando entre os séculos IX ao XII. É esse Latim que aparece nos primeiros documentos da época; O terceiro período, a época histórica, século XII em diante, é subdividido em duas fases: a arcaica e a moderna, sendo o século XVI o grande marco divisório. Já fase arcaica, entre os séculos XIII e XIV, o galego-português, denominação dada à expressão oral e escrita. (NETO,1998) As línguas românicas também são chamadas de línguas latinas ou neolatinas, e pertencem a um conjunto de idiomas que integram o grupo das línguas indo-europeias, que se originaram do latim, principalmente do latim vulgar. Já as línguas românicas faladas atualmente e mais conhecidas são: o português, o espanhol/castelhano, o italiano. A verdade é que o Latim se mostra bem presente nos radicais de palavras atuais da Língua Portuguesa que são utilizadas diariamente pelos falantes. Exemplos: agri- que significa campo, palavra utilizada: agricultura; óculo- que significa olho, palavra utilizada: ocular. Assim, somente a partir de 1532, com a criação das capitanias hereditárias em território brasileiro foi que a Língua Portuguesa se tornou a oficial, trazida ao Brasil pelos portugueses, no século XVI. Os portugueses encontraram uma terra povoada, esses nativos foram denominados de índios (pois os colonizadores portugueses achavam que haviam chegado na Índia). E muitos habitantes daquele local já possuíam LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 16 S U M Á R IO uma grande diversidade linguística, algo em torno de trezentas e cinquenta línguas diferentes. De acordo Rodrigues, Os tupis, habitantes do litoral, denominados genericamente de Tupinambás, foram os que mais conviveram com os brancos. Eles falavam principalmente o tupi, uma espécie de segunda língua para os não tupis. Esses últimos eram conhecidos como Tapuias ou Nheengaíbas (língua ruim), denominação atribuída pelos jesuítas, que não reflete a diversidade desses povos. Eram línguas travadas, bem mais complexas que o tupi e conservadas por muitos deles. (RODRIGUES, 1983, p. 23). Assim, na segunda metade do século XVIII, ocorreu uma situação de bilinguismo e todas as outras línguas que eram faladas foram substituídas pelo português. Vários motivos contribuíram para esse cenário, entre eles, foi a chegada de imigrantes portugueses, os quais vinham com a ambição de explorar e descobrir minas de ouro, dentre outros “tesouros” do novo mundo; o Diretório criado pelo Marquês de Pombal, em 03 de maio de 1757, obrigando o uso da Língua Portuguesa e, por último, a expulsão dos jesuítas, em 1759 (NETO, 1998). Destarte, na concepção de Mariani (2004), a colonização no Brasil, pelos portugueses e também pelos jesuítas, ocorreu de maneira conturbada, pois, não foi de maneira simples, o fato é que ocorreu a imposição de uma língua e para a autora “o caso da língua portuguesa frente às línguas indígenas é o da imposição da língua do conquistador [...]” (MARIANI, 2004), ou seja, a Língua Portuguesa foi imposta aos conquistados pelo governo português. Diversidade linguística na sociedade brasileira e o preconceito linguístico Ao longo da história humana, são encontrados diversos vestígios que o ser humano deixou, com o objetivo de se fazer presente e deixar os seus registros. Isso evidencia que é inerente ao ser humano a necessidade de se LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 17 S U M Á R IO comunicar; e para isso, a linguagem é o principal instrumento utilizado para que tal intento seja alcançado (FICHER, 2009). O Português do Brasil é oriundo da contribuição de vários povos em diferentes contextos sociais, culturais, históricos, dentre outros. Dos quais angariam destaque: os europeus que chegaram ao país com o objetivo de se tornarem colonos das terras brasileiras, até então desconhecidas, e fizeram com que os povos indígenas, que já habitavam o solo brasileiro, e os povos africanos se retirassem de seu país de origem, para serem escravizados no Brasil, sendo que todos já possuíam seu próprio modo de falar, porém, foi necessária uma adaptação ao novo contexto social para que pudessem se comunicar (MARIANI, 2004). Por consequência, observa-se que foi necessária a adaptação a uma nova realidade, ou seja, uma nova maneira de se falar. Dessa forma, Bagno (2007) destaca que a língua se transforma conforme a necessidade do seu usuário e que esta modificação é fundamental para que a língua se adapte ao contexto no qual o falante está inserido. Consonante o autor, na linguagem estão impressos os principais processos de construção e transformação de uma sociedade. O autor evidencia, também, a diversidade linguística presente no português falado no Brasil e ressalva que a escola possui o papel primordial na luta contra o preconceito linguístico nas suas mais variadas formas. Ressaltando, ainda, que as instituições de ensino devem parar de disseminar a ideia da norma-padrão como língua única a ser seguida, correta e superior, e que é por meio da língua o indivíduo ocupa o seu lugar social, e esta, por sua vez, é capaz de desempenhar papel de inclusão ou exclusão do sujeito, pois reflete as relações de poder e dominação impostas pela sociedade, a partir do momento que o sujeito adentra determinada esfera social (BAGNO, 2007). Biderman (2001), acentua que a língua portuguesa falada no Brasil comtempla em sua formação diversidades linguísticas, a saber: • Variação Histórica - nesse processo as palavras evoluem e se adaptam com a evolução do tempo e conforme a necessidade do falante. • Variação Regional - contempla contextos e significados de palavras semelhantes, faladas de maneiras distintas em diferentes locais do país, englobando, também, a variação fonética. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 18 S U M Á R IO • Variação Social - está relacionada aos grupos sociais que compõem o país, assim como, a idade, sexo e grupos sociais que o falante faça parte. • Variação de Estilo - compreendida como uma adequação necessária da linguagem formal ou não formal ao contexto em que o falante está inserido. Nesse contexto, o português do Brasil pode ser compreendido como formas de apreensão do conjunto das especificidades de cada região, decorrentes da cultura proveniente do processo de formação linguística de uma nação. A autora assevera que devem ser consideradas, ainda, as questões históricas que deram origem à língua, assim como, os processos migratórios e as modificações derivadas da própria extensão territorial de que o país é constituído. Ela considera que os falares utilizados em cada parte do país são denominados de regionalismo e representam as mais expressivas formas de manifestação da linguagem e, a variedade regional evidencia as palavras e/ou expressões que conseguem driblar a visão normativa (BIDERMAN, 2001). Assim sendo, língua é indispensável na formação da sociedade apesar de suas variações devido ao grupo social, não se limitam ao visível porque elas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumentos de comunicação social, sendo inconcebível, portanto, afirmar que uma língua ou variedade linguística é superior ou inferior a outra. Consonante Faraco (2008), a língua portuguesa falada em nosso país apresenta uma diversidade riquíssima. Entretanto, o modo de comunicar de um povo é constantemente consideradocomo superior em detrimento de outro. Ele relata que as camadas menos prestigiadas da sociedade têm seu modo de falar classificado como errado pelas classes dominantes, as quais insistem em designar uma forma de falar como a ideal a ser seguida, sendo que esta evidência das relações de poder estão presentes na sociedade desde a instituição do Império Romano. Com isso, agregou-se à concepção de pessoa culta no mundo romano o pressuposto de bem falar e bem escrever, isto é, de cultivar certos modelos de língua, aproximando seu modo de falar em público e de escrever aos usos dos autores consagrados. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 19 S U M Á R IO É notável a dificuldade das pessoas em reconhecer e respeitar as variações que a língua possui e o fato de que estas não são erros de português, tendo em vista que não existe um script, um dicionário que estabeleça um parâmetro para uma língua falada. Logo, o respeito não é o que prevalece porque as pessoas até já ouviram falar a respeito de variação linguística, mas o senso comum de que o falante precisa seguir uma norma para que sua fala não seja invalidada e vista como um erro de português é o que ainda se faz predominante. Muitas são as desigualdades encontradas na sociedade e trazendo para o contexto atual em que todos estão vivenciando, torna-se cada vez mais perceptível a divisão de classe social, na qual a classe dominante possui recursos, informações e capacidades que favorecem o enfrentamento de uma nova doença à medida que avança o conhecimento e a capacidade de lidar com ela. Portanto, até nas instituições de ensino presentes no país há uma contribuição para que o preconceito contra os grupos desfavorecidos da população brasileira continue sendo disseminado. Visto que, a escola privilegia uma cultura em detrimento da outra e insiste em defender a superioridade da cultura oriunda das classes mais abastadas. Esta ignora os padrões culturais das classes dominadas, algo, que segundo a autora, está diretamente ligado ao fracasso escolar enfrentado pelas classes menos abastadas, uma vez que são tratadas de maneira discriminativa (SOARES, 2000, p.) Nesse sentido, o ensino de língua materna pautado na gramática normativa como modelo linguístico a ser alcançado sugere que se conduza o estudante ao domínio de uma norma linguística tida como única, correta e desejável, em que se desconsidera todo o repertório linguístico do aluno, porque este é tido como errado, feio e inadequado. Por assim ser, verifica- se que o que se define por preconceito linguístico é, em sua gênese, pura e simplesmente preconceito social. Bagno (2005), no livro O Preconceito Linguístico, evidencia que: Todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitivamente a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto é, se um enunciado obedece ou não às de funcionamento LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 20 S U M Á R IO da língua. Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou respirar (BAGNO, 2005, p. 124). No entanto, as discrepâncias econômicas enfrentadas pela população brasileira menos favorecida fazem com que haja essas diferenças abarcadas pelos falantes da norma culta e inculta. Assumindo essa postura, a sociedade deixa de levar em consideração as multiplicidades da língua falada no Brasil e todas as suas formas linguísticas, que são acentuadas pelo regionalismo e que não são aceitas socialmente, excluindo também, os diversos fatores que corroboram com a formação linguística do país. Logo, é necessário conhecer o que o aluno “arrasta” consigo, uma bagagem através da qual chegou à idade escolar, para assim explorar o saber prévio da língua coloquial do aluno a outro saber mais formal. Sendo assim, não há o certo e o errado. Segundo Luft (1985), todo falante nativo entende sua língua materna e é sobre essa base que o professor deverá construir no âmbito escolar, procurando descobrir que tipo de gramática o aluno traz interiorizado. Letramento e variação linguística Em se tratando de letramento, Kleiman (1995) o define como “[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto o sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”, já nas palavras de Marcushi (2001), “é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, ‘letramentos’ [...] Distribui-se em graus de domínios que vão de um patamar mínimo a um máximo” (p. 21) . Assim, são considerados letrados não apenas os sujeitos alfabetizados, com maior ou menor grau de escolarização, mas também todos aqueles que são afetados direta ou indiretamente pelo uso que se faz da escrita em seu meio sociocultural. Dessa forma, mesmo os analfabetos estão inclusos, o que não justificaria a existência, nas sociedades modernas, de indivíduos com grau zero de letramento. Enfim, um sujeito que vive em uma comunidade letrada, mesmo não sendo alfabetizado, de alguma LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 21 S U M Á R IO forma, ele faz uso da contribuição, positiva ou negativa (GNERRE, 1998), que a escrita impõe em seu meio social. Daí, admite-se a existência, sim, de graus de letramento. A escola é considerada uma das maiores agências de letramento. Quanto maior for a escolarização do indivíduo, maior também poderá ser considerado seu grau de letramento. Contudo, o que vai ratificar seu elevado grau de letramento será a sua capacidade de usar os conhecimentos que envolvam a escrita de modo a facilitar a vida na sociedade, de usufruir dos benefícios que os resultados da escrita derramam em seu meio social. Considerando o dia a dia das sociedades letradas, isso nos mostra continuamente eventos e práticas de letramento vividos pelos indivíduos não alfabetizados: quando estes sabem discernir o ônibus apropriado para sua rota, quando eles manipulam sem dificuldade a moeda corrente, quando, durante a escuta de um texto escrito, interagem com o discurso letrado – a criança que escuta histórias (lidas), por exemplo. Enfim, existem testemunhos favoráveis de cidadãos letrados e observadores acerca da linguagem de analfabetos que vivem expostos a textos bíblicos. Desse jeito, muitos conseguem articular uma linguagem matizada de termos e construções cultas que são decorrentes da constante interação com os sermões escritos na língua culta. Há muito tempo, os estudos da linguagem acreditaram que as línguas eram homogêneas, porém é notável o grau de variabilidade e diversidade que um idioma possui, apesar de uma análise simples comprovar tal afirmação, na escola ainda há a crença e, consequentemente, a prática educativa voltada para a ideia de que o português é falado sempre da mesma forma ou que pelo menos deveria ser. Essa concepção dirime um ensino que traga para o ambiente educacional a riqueza da diversidade cultural manifestada através dessas mudanças que podem ser: dialetais – estabelecidas de acordo com quem usa a língua, o emissor; e de registros – variações ocorridas de acordo com o receptor que irá receber a mensagem ou de acordo com a situação. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 22 S U M Á R IO De acordo com Travaglia (2001), as variedades dialetais são divididas em territoriais e sociais, no qual estão relacionadas à idade e ao sexo ou à dimensão histórica. A primeira refere-se às pessoas de diversas e diferentes regiões que recebem diversas influências em suas formações, por estarem distantes linguisticamente de outras variedades, ou ainda por não aceitarem as influênciasde tais, apresentam formas díspares de se comunicar. Silva (1995) aborda as contradições no ensino enfocando – principalmente por parte da escola que representa o poder dominante – o desconhecimento das variedades linguísticas tanto nos níveis populares como nos níveis cultos de uso da língua, ressaltando que a questão é complexa, uma vez que o domínio e o uso da língua, desta ou daquela variedade, está intimamente ligado a questões políticas e econômicas. Consoante Bortoni-Ricardo (2012), toda comunidade de fala possui sua variação linguística. Assim, ela pode ser dividida em variados grupos como etários, geoletais, de gênero, status socioeconômico, grau de escolarização, mercado de trabalho, relações com as tecnologias da informação, comunicação e outros. É papel da escola conscientizar os alunos sobre essa variação linguística existente, a partir de um processo de alfabetização crítico e consciente, desmistificando a existência de um único falar. Na concepção de Bagno (2005), a língua é caracterizada como um elemento vivo e não estático, logo, o português brasileiro não se constitui como uma língua uniforme e homogênea e sim uma língua viva: Toda e qualquer língua humana viva é, intrinsecamente e inevitavelmente, heterogênea, ou seja, apresenta variação em todos os seus níveis estruturais (fonologia, morfologia, sintaxe, léxico etc.) e em todos os seus níveis de uso social (variação regional, social, etária, estilística etc.) (BAGNO, 2005, p.27) Infere-se que a concepção do letramento no Brasil concorda para a discussão da alfabetização, tornando ambos os conceitos Alfabetização e Letramentos impossíveis de serem vistos de modo independente, ao contrário do que aconteceu em outros países, entre eles podem ser citados a França e os Estados Unidos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 23 S U M Á R IO Logo, em se tratando de não invenção e reinvenção da alfabetização no Brasil, o que podemos dizer é que de acordo Soares (2004), a desinvenção ou não invenção da alfabetização se caracteriza pela constante ausência da especificidade do processo de alfabetização, enquanto que a reinvenção da alfabetização pela autonomização do processo de alfabetização. Em relação ao fracasso na aprendizagem da língua portuguesa, isso não se trata de um fato novo, ao longo das últimas duas décadas, pode-se presenciar um fracasso na aprendizagem que já se apresentava por meio das avaliações internas. Segundo Soares (2004), a perda da especificidade do termo alfabetização, dentro outros fatores, tenha sido a principal razão para o fracasso escolar em alfabetização. As mídias como elemento propagador da diversidade linguística As discussões acerca da diversidade linguística da língua portuguesa do Brasil estão cada vez mais evidentes. Em decorrência disso, diversos estudos têm sido propostos, com o objetivo de promover a inclusão social e combater as mais variadas formas de discriminação enfrentadas pelos falantes da linguagem não padrão. As mídias sociais desempenham papel de fundamental importância nesse processo, sendo que elas estão cada vez mais presentes e acessíveis às diversas esferas da sociedade e funcionam como fortes aliadas para que a diversidade da língua seja conhecida e valorizada por todos os falantes do português falado no Brasil. De acordo com Moran (2000), as tecnologias trouxeram formas de comunicação mais rápidas e diretas. Ele ressalta que as mídias sociais favorecem a troca de informações, as quais permitem conhecer o vocabulário de pessoas oriundas da mesma cidade, estado e até mesmo de outros países. Assim, as mídias sociais devem ser pensadas como uma forma de promoção do conhecimento proveniente da cultura e da comunicação, pois sua utilização favorece uma troca mais efetiva no processo de conhecimento e compartilhamento entre os atores sociais. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 24 S U M Á R IO Atualmente, redes sociais virtuais potencializam nossa ligação a redes cada vez mais amplas e mais diversas. A realidade é que se tornou impossível não reconhecer a importância dessas redes como meio comunicativo. São variadas opções e tamanha a possibilidade de se conectar a uma rede social. Assim, elas se diferenciam por meio de seu público alvo, características funcionais, maior ou menor aceitação popular e interesses dos usuários, com também se unem com o propósito de conectar cada vez mais pessoas, proporcionando uma maior interação entre elas. Bortoni- Ricardo (2005) preconiza que a escola deve funcionar como um espaço socializador e democrático em prol da inclusão e manifestação cultural e identitária dos povos. A autora ressalta que as instituições de ensino não devem restringir a linguagem dos seus alunos a um único modo de falar. Mas, proporcionar situações em que os alunos sejam apresentados a diversidade linguística de que o país é formado, contribuindo, assim, para ampliar o vocabulário dos seus discentes; bem como oportunizar situações para que esse aluno conheça a riqueza das variadas formas de manifestação da língua. Assim sendo, ignorar a influência dessas redes virtuais na vida das pessoas e, consequentemente, não se trabalhar com elas, acaba- se tornando algo limitador numa sociedade que está cada vez mais acostumada a utilizar esses recursos digitais que trazem consigo uma gama de conhecimentos e torna-se imprescindível o uso das redes sociais no trabalho com o multiletramento. Para isso, os professores devem instigar o interesse dos alunos auxiliados de todos os meios de comunicação e tecnologias disponíveis, a fim de aprimorar o contato e a comunicação mais próxima e satisfatória entre os atores. Logo, as mídias sociais estão extinguindo a distância que existia entre o ser humano e a informação. E embora as fronteiras geográficas fiquem cada vez menores em virtude do acesso direto das diferentes camadas da sociedade aos meios de comunicação, estas tornam a troca de conhecimento cada vez mais rápida e acessível em todo o planeta. (MORAN, 2000) LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 25 S U M Á R IO De acordo com o Manual de orientação para atuação em redes sociais, da SECOM (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), as mídias sociais são estabelecidas como “produção de conteúdos de forma descentralizada e sem o controle editorial de grandes grupos. Isto é, significa a produção de muitos para muitos”. Percebe- se ainda que “as mídias sociais ou redes sociais (...) possuem várias características que as diferenciam fundamentalmente das 58 mídias tradicionais, como rádio, televisão, livros, jornais ou rádio” (SECOM, p. 9). Além disso é necessário que haja interação nessas redes. E entre as dezenas existentes, algumas são destaques devido ao grande número de usuários e sua importância desempenhada como meios de comunicação, e entre esses destaques estão: Twitter, Facebook, Youtube, Blog, Instagram, entre outros. É explícito que o trabalho por meio dessas redes pode ser potencialmente efetuado em sala de aula, a fim de se obter um maior sucesso no ensino e aprimoramento de língua materna, visando a diversidade de gêneros textuais que cada educando traz consigo e a participação de diversos usuários na construção de um texto. Vale ressaltar que essas grandes redes sociais estão interligadas, podendo assim, o usuário, com uma única ação, divulgar a atividade desejada em várias delas. O trabalho pedagógico insere-se justamente sobre a construção de uma linguagem em questão e sobre a ampla gama de informações reunidas nesses produtos. Trata-se de uma proposta destinada, nos diferentes níveis de escolarização, a mergulhar na ampla diversidade da produção audiovisual disponível em filmes, vídeos, programas de televisão,e que certamente informará sobre profundas alterações ocorridas nas últimas décadas nos conceitos de cultura erudita, cultura popular, cultura de massa, artes visuais, e assim por diante, mas especialmente sobre importantes mudanças nos modos de subjetivação, de constituição do sujeito contemporâneo. Destarte, para Fischer (1996), a sociedade ainda não se conscientizou que com o surgimento das tecnologias de comunicação, a pedagogia tradicional não consegue suprir as necessidades pedagógicas dos alunos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 26 S U M Á R IO Logo, as instituições de ensino devem fazer uso dessas mídias, a fim de promover a valorização da cultura e da identidade dos sujeitos. Uma vez que, a sociedade atual está amplamente inserida e ambientada no universo da comunicação. Por isso, cabe à escola compreender os benefícios e contribuições que as mídias sociais são capazes de propiciar para o ambiente escolar, bem como para todo o sistema educacional. Conclusão Com base nos estudos realizados, foi possível concluir que a língua é viva tendo o poder de se transformar de acordo com as influências sociais, culturais e históricas, sempre se adaptando às necessidades do falante e que o português falado no Brasil tem sua origem de uma mistura cultural de vários povos em diferentes, sendo os mais marcantes: os europeus, os povos indígenas e os povos africanos. Percebe-se como a escola tem um importante papel em trabalhar a valorização da identidade cultural e linguística dos educandos, utilizando- se dos meios de comunicação, de forma a incluir a variedade linguística do país de forma positiva. Consonante a isso, contribui para que o falar das camadas dominantes da sociedade não seja considerado a forma a “correta” e única de se falar. A escola é considerada uma das maiores agências de letramento. E quanto maior for a escolarização do indivíduo, maior será o seu grau de letrado. Porém isso dependerá de sua capacidade de usar os conhecimentos que envolvam a escrita de modo a facilitar a vida na sociedade, de usufruir dos benefícios que os resultados da escrita derramam em seu meio social. As mídias sociais são uma realidade e estão cada vez mais acessíveis a todas as camadas sociais e demonstram a grande diversidade da língua portuguesa no Brasil, assim possibilita que mais pessoas conheçam e valorizem todos os falantes do português falado no país. Assim como, realizar pesquisas ligadas as expressões utilizadas nas regiões brasileiras que podem ser ouvidas e compreendidas nas diversas partes do país. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 27 S U M Á R IO Portanto, o mundo virtual já faz parte da vida de crianças, jovens, adultos e idosos. É possível utilizar redes sociais para informações sobre os assuntos do momento para saber o que os amigos e ídolos estão fazendo, o que estão pensando e, até mesmo, onde estão. Além disso, elas são um meio de comunicação do qual é destacada a rápida velocidade com que as informações se propagam, a grandiosidade pessoas que conseguem atingir e a facilidade de acesso a quantidade de informações pessoais que apresentam. Logo, em se tratando do ambiente escolar, é valioso aplicar, porém, nos limites de cada escola e professor, o uso das redes sociais na educação. Ressalta-se, ainda, a importância da escola na valorização da identidade linguística e cultural do seu público. Evidenciando que cada aluno traz consigo uma gama de conhecimentos construídos ao longo da sua vida, proveniente das suas vivências pessoais e sociais. Cabe a escola aproveitar tais conhecimentos prévios trazidos pelo aluno e criar mecanismos para que novos conhecimentos sejam construídos afim de ampliar o repertório linguístico e social dos seus educandos. Para uma melhor compreensão da formação linguística do português brasileiro, é conveniente mencionar as contribuições dos vários povos e diversos fatores que devem ser levados em consideração, para que as mudanças que ocorreram na língua pudessem chegar aos moldes atuais e a que a língua se modifica conforme a necessidade de comunicação dos seus usuários, tratando-se, portanto, de uma língua viva e heterogênea. Os falantes da diversidade linguística do Brasil são plenamente capazes de utilizá-las nas suas mais variadas formas. Não havendo, portanto, uma única forma correta da língua, como insistem em perpetuar as classes dominantes da sociedade. Assim sendo, a escola tem papel primordial no processo de desconstrução de tais preconceitos, e esta deve estar apta para trabalhar com a diversidade linguística de que o país é composto, em prol da valorização de todos os falares e falantes da população brasileira. Destacando, também, a importância de a escola ensinar aos seus alunos em qual ambiente determinada forma linguística deve ser empregada. Uma vez que, é no ambiente escolar que o processo de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 28 S U M Á R IO letramento é construído e são desenvolvidos o uso da leitura e da escrita para o contexto das práticas sociais. Referências BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 38. ed. São Paulo: Loyola, 2005. [52. ed., 2009]. BIDERMAN, M. T. C. 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LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 30 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-2Letramentos múltiplos: o uso do continho e Tiktok em aulas de língua portuguesa Cristiane Renata da Silva Cavalcanti Evaldo Gomes da Silva Giselma Maria Alves Gomes da Silva Thaís Maria Cecília da Paz Introdução O presente artigo tem por objetivo mostrar a importância do uso das tecnologias digitais e como elas podem contribuir para o processo de ensino- aprendizagem, principalmente nas salas de aula do Ensino Fundamental e Médio das Escolas Emídio Cavalcanti e Custódio Pessoa da rede Estadual de ensino, localizadas nos munícipios de Jaboatão dos Guararapes e Paulista/ PE. Foram usados dois tipos de tecnologias digitais: o aplicativo Continho e o Tik Tok. Queríamos observar quais as facilidades/ dificuldades do uso de recursos digitais na prática cotidiana. Utilizamos a estratégia de percursos de ensino e aplicação de ferramentas digitais como: Google Forms, Google Meet, WhatsApp, Tik Tok, Continho e Instagram, em duas turmas, trinta e oito discentes cada, totalizando 76 estudantes do Ensino Fundamental e Médio e também propusemos, como produção final, a gravação dos microcontos produzidos pelos estudantes através do Tik Tok. Os resultados obtidos mostraram que os discentes compreendem que o processo de ensino-aprendizagem é facilitado com a adoção de novas ferramentas digitais aliadas ao uso das tecnologias educacionais, porémsão LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 31 S U M Á R IO cientes das dificuldades que grande parte das escolas públicas enfrentam, como: a falta de investimento em infraestrutura, manutenção e a escassez de recursos físicos, bem como a pouca oferta de formação continuada voltada para esta temática aos docentes. O Gênero textual mediado pelas tecnologias digitais nas aulas de língua portuguesa O Gênero microconto O microconto originou-se do gênero conto e se propagou nos dias atuais pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Segundo Silva (2016, p. 41), o que caracteriza o gênero é a narratividade e a pequenez do conto, do qual ele surgiu. Todavia, ainda conforme o autor, o mais importante, nesse gênero, não é propriamente o seu tamanho, mas sim o reconhecimento de sua característica contista, isto é, sua capacidade de ser narrativamente completo apesar de tão pequeno. Embora tão curto, o microconto consegue contar uma história inteira e consiste num desafio literário revelador de uma força sugestiva que ultrapassa o seu tamanho. De acordo com Silva e Souza (2021, p. 27486), “o microconto é um gênero de texto brevíssimo que não ultrapassa meia página e muitas vezes não excede uma linha.” A pequenez do microconto força os dois extremos dos elementos da comunicação a assumirem papel ativo nesse contexto. De um lado, o autor do gênero fica obrigado a dispensar as descrições e se ater apenas ao principal da história que pretende contar, pois o tamanho do texto exige um baixo teor de informatividade. Do outro, o leitor é forçado a desenvolver sua capacidade inferencial, pois ele precisa mobilizar seu conhecimento de mundo para poder compreender toda a história contada em tão breves palavras. Destarte, autor e leitor do gênero microconto são desafiados a lidar com o que vai além da escrita. São impulsionados a reconhecer que a leitura LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 32 S U M Á R IO e a escrita são atos colaborativos por meio dos quais o escritor sempre deixa informações a serem completadas pelo leitor, conforme diz Silva (2016, p. 48): “o gênero microconto surgiu para contar uma história sucinta e deixar os leitores completarem os espaços vazios deixados pelo autor.” Diante de um texto assim tão desafiante, autor e leitor, como se vê, cumprem papéis distintos, mas complementares. Por ter surgido na era digital e devido a sua brevidade, o gênero microconto mostra-se não só atrativo para a juventude conectada e instantaneísta da atualidade como também revela-se um proveitoso gênero textual para se trabalhar a leitura e a escrita em sala de aula. Assim, beneficiar-se da potencialidade desse gênero em contexto escolar é mostrar- se conectado com a realidade tecnológica dos jovens e ao mesmo tempo mostrar-se integrado ao contexto social deles. De acordo com Silva (2016, p. 45), A fluidez e o imediatismo proporcionados pelos recursos tecnológicos não apenas possibilitaram a criação de novos gêneros, mas também ampliaram as práticas de leitura e, assim, dinamizaram a relação do leitor com os textos. A consciência dessa realidade, pois, instiga a escola a abrir-se a uma nova postura que exige dela o diálogo com o dia a dia de seus estudantes e a habilita a levar a vida real para dentro do âmbito escolar. A inserção do gênero microconto em sala de aula, portanto, revela a prática de uma escola preocupada em trabalhar com a realidade linguística dos seus estudantes e com os recursos com os quais eles lidam no seu dia a dia. A tecnologia a serviço da educação nas aulas de língua portuguesa As tecnologias digitais de informação e comunicação (Doravante TDICs) estão revolucionando o interior da escola – âmbito do processo ensino-aprendizagem – assim como já revolucionaram o mundo externo ao ambiente escolar. Não há mais como ignorar sua importância na LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 33 S U M Á R IO área educacional, pois as ferramentas tecnológicas impuseram-se como promissores recursos pedagógicos, sobretudo, agora, durante a pandemia. Com efeito, se não fossem essas ferramentas, em 2020, a escola quase nada teria produzido. Assim, pois, ou a instituição escolar adota as TDICs em seu cotidiano ou o seu trabalho ficará fadado ao fracasso. Desde o final do século passado, Perrenoud já chamava a atenção para a escola perceber que “As novas tecnologias podem reforçar a contribuição dos trabalhos pedagógicos e didáticos contemporâneos, pois permitem que sejam criadas situações de aprendizagens ricas, complexas, diversificadas” (PERRENOUD, 2000, p. 139). Destarte, não é de hoje que especialistas convocam a escola para se abrir às tecnologias e adotá-las como recursos didáticos. As funcionalidades das tecnologias digitais, conforme se vê, têm despertado o interesse de todos os setores da sociedade e, na área da educação, não tem sido diferente. Todavia não se trata apenas de inserir as TDICs em sala de aula, mas sim de utilizá-las para realizar atividades múltiplas, atrativas e bem direcionadas para prender a atenção do alunado e inseri-lo num processo prazeroso de ensino-aprendizagem. Usar esses recursos para reproduzir a rotina e a previsibilidade da prática tradicional é perder o potencial que eles oferecem. Segundo Moran, não basta tentar remendos com as atuais tecnologias. Temos quer fazer muitas coisas diferentemente. É hora de mudar de verdade e vale a pena fazê-lo logo, chamando os que estão dispostos, incentivando-os de todas as formas – entre elas a financeira – dando tempo para que as experiências se consolidem e avaliando com equilíbrio o que está dando certo. Precisamos trocar experiências, propostas, resultados (MORAN, 2013, p. 14). Assim sendo, a escola precisa utilizar esses recursos para inovar os seus métodos e não para reproduzir práticas ultrapassadas e ineficazes. Usar um smartphone apenas para o aluno copiar um texto do Google, por exemplo, é perder toda a potencialidade que esse aparelho tecnológico oferece aos seus usuários. O professor precisa adaptar-se para se tornar um profissional inovador, capaz de realizar novas e salutares experimentações e, assim, poder preparar seus alunos a descobrirem a importância dessas tecnologias não LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 34 S U M Á R IO apenas para seu entretenimento, mas, também – e muito mais – parao seu desenvolvimento formativo. Conforme a BNCC, a escola precisa utilizar criativamente a potencialidade das TDICs, pois segundo o documento oficial deve-se compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais coletivos (BRASIL, 2018, p. 9). De acordo com essa perspectiva, portanto, as TDICs precisam estar em âmbito escolar, mas devem estar para realizar um trabalho efetivamente capaz de atrair o alunado e dar-lhe a necessária contribuição para ajudá-lo a ser um cidadão crítico e consciente de seus direitos e deveres na sociedade. Continho – aplicativo de leitura1 Continho é um aplicativo de leitura de microcontos. É um game digital em que, segundo o seu criador, deve-se “ajudar um personagem (homônimo) a adquirir conhecimento para chegar à Universidade.” (SILVA, 2016, p. 71). O jogo roda em aparelho Android, é gratuito, funciona off- line e é composto de dez fases. Segundo Silva (2016, p. 71), ao entrar no game, visualiza-se um mapa no qual estão dez baús do conhecimento, dentro de cada qual existe um microconto com quatro questões. Se todas as questões forem respondidas corretamente (havendo, assim, 100% de acerto), o aluno/jogador avança de nível, reaparece o mapa na tela e o baú seguinte fica disponível para ser realizada outra atividade (cena que se repetirá com os dez baús). O aluno/jogador terá duas chances (ou vidas, representadas pelo numeral 2 ao lado de Continho em cada opção do jogo) para acertar todas as questões; porém, se perder, reaparecerá o mapa, obrigando-o a reabrir o baú em que estava. 1 [1] O aplicativo “Continho” está disponível no link: <https://play.google.com/store/apps/details?id=alberto.com> Acessado em: 10 maio 2021 LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 35 S U M Á R IO O game educacional, portanto, é bem fácil de jogar e, como se vê, utiliza estratégias de um jogo convencional. Ele contém 10 microcontos e um total de 40 questões, as quais, conforme informa, ainda, o autor do game, foram todas elaboradas “com base na Matriz de Referência da Prova Brasil e SAEB” (SILVA, 2021, p. 18-19). E, embora tenha sido criado inicialmente para o 9º ano do Ensino Fundamental, certamente, ele serve como objeto digital de aprendizagem para qualquer série do Ensino Médio ou mesmo do Ensino Superior. Objeto digital de aprendizagem, segundo Silva (2016, p. 58 apud SCHWARZELMÜLLER e ORNELLAS, 2007, pp. 4-5), Pode ser entendido como uma entidade digital entregue pela Internet, o que significa que muita gente pode acessá-lo e usá-lo simultaneamente, em contextos educacionais diversos, sendo um arquivo digital qualquer (imagem, filme, etc.) ou um programa criado especificamente para ser utilizado com fins pedagógicos. Desse modo, Continho constitui um desses objetos digitais criados para oportunizar uma leitura diferenciada nessa época em que os jovens leitores requerem um contato mais agradável com o texto. TikTok Mídia social Uma das mídias sociais de grande impacto nos dias atuais é o Tik Tok, aplicativo de vídeos curtos de, no máximo, 60 segundos, desenvolvido, na China, em 2016, pela Startup ByteDance. Segundo Fernandes (2021), “O Tik Tok foi o aplicativo mais baixado do mundo em celulares Android e iPhone (iOS) em abril (de 2021), com mais de 59 milhões de downloads.” Ainda de acordo com o autor, o Brasil foi o país onde mais foi baixada essa mídia social e, no mundo, consoante Arie Halpern, ele já atingiu 1,23 bilhão de usuários ativos. Dados esses que revelam quão popular tornou-se essa mídia. Conforme a Google Play, “TikTok é o destino para vídeos móveis.” Ainda segundo a Plataforma, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 36 S U M Á R IO no TikTok, os vídeos curtos são empolgantes, espontâneos e genuínos... Tudo o que você precisa fazer é assistir, interagir com o que gosta, pular o que não gosta e você encontrará um fluxo interminável de vídeos curtos personalizados apenas para você. Do café da manhã aos recados da tarde, a TikTok tem os vídeos que vão fazer o seu dia com certeza. Em outras palavras, de acordo com a Google Play, os usuários do Tik Tok terão, com essa mídia social, uma poderosa ferramenta de produção de vídeos curtos por meio dos quais eles poderão interagir com outras pessoas ou também poderão produzir seus próprios vídeos para as pessoas interagirem com eles. O Tik Tok como objeto digital de aprendizagem Uma vez que o Tik Tok se incorporou à vida de bilhões de pessoas e tem estimulado a criatividade delas, perceber o potencial educativo que ele pode possibilitar no processo de ensino-aprendizagem tornou-se um imperativo. Monteiro (2020, p. 14) afirma que, em linhas gerais, o TikTok “surge como uma possibilidade de engajar os alunos em uma metodologia ativa de aprendizagem que permita a ampliação do processo criativo deles.“ Para o autor, então, essa mídia tem potencial para ser utilizada em contexto escolar porque ela pode oportunizar um ensino e uma aprendizagem inovadores e dinâmicos. Desse modo, o aplicativo Tik Tok pode tornar-se um eficiente objeto digital de aprendizagem ainda que ele não tenha sido criado na internet para fins educacionais. De acordo com Silva (2016, p. 59), “Para tal, basta qualquer objeto digital ser utilizado para a aprendizagem que ele será considerado como objeto digital de aprendizagem.” Assim sendo, mesmo não tendo sido inicialmente criado para fins pedagógicos, o Tik Tok pode ser utilizado como objeto digital de aprendizagem desde que o professor o direcione para a sua prática pedagógica como recurso de ensino-aprendizagem. Com ele, os professores podem desenvolver diversas atividades como LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 37 S U M Á R IO solicitar a produção de vídeos, tendo como ponto de partida um texto, uma música, um poema ou uma obra de arte, estimulando a inovação, a originalidade, a interpretação e a reflexão crítica dos alunos quando impulsionados a expor a sua opinião sobre uma temática (MONTEIRO, 2020, p. 14). Assim, pois, utilizar o Tik Tok para despertar no alunado a criatividade de produção de textos curtos – como propõe este artigo – parece ser uma proposta atrativa, pois ele incentivará a autoria em contexto de ensino- aprendizagem. Figura 1 – Imagem do aplicativo Continho Fonte: https://play.google.com/store/apps/details?id=alberto.com O professor Evaldo trabalhou a prática de linguagem: leitura, utilizando o aplicativo Continho, figura 1. O jogo desenvolve, nos estudantes, as habilidades de leitura solicitadas através dos descritores explorados na Matriz da avaliação externa SAEB e certamente, serve como objeto digital de aprendizagem para qualquer série do Ensino Fundamental, Ensino Médio ou mesmo do Ensino Superior. Na atividade em sala, após já terem baixados o aplicativo em seus celulares, os estudantes deveriam jogar o game e, durante o jogo, eles deveriam LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 38 S U M Á R IO marcar o gabarito das questões que considerassem certas. Observados pelo professor, eles iam jogando e marcando o gabarito simultaneamente. Ao terminarem de jogar, eles responderam a um questionário de seis questões para o professor analisar a opinião deles sobre a leitura dos textos do game. Desse modo, para analisar a atividade proposta o professor Evaldo utilizou as respostas do gabarito e do questionário. Após a apresentação do continho aos estudantes, notou-se, através de seu uso em sala de aula, que os estudantes desenvolveram as habilidades de leitura,quando comparamos as respostas iniciais dos estudantes com as respostas finais do jogo. Além de percebermos a vontade dos estudantes de querer ler não apenas os microcontos, mas outros gêneros textuais. É preciso pensar na leitura como um meio para se alcançar o pensamento crítico e exercitar a capacidade de pensar e, consequentemente, se conhecer e de ler o mundo. É importante que se estimule e se ensine ao educando não só a ler, mas a gostar da leitura e a descobrir os prazeres e descobertas que ela lhe poderá proporcionar. E cabe ao professor mediar essa prática e estimulá-la. E o aplicativo de leitura Continho teve esse papel estimulador. Figura 2 – Imagem da produção do estudante Fábio Lima disponível no instagram da Professora Giselma Alves Fonte: https://instagram.com/prof.gih.alves?utm_medium=copy_link LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 39 S U M Á R IO Em relação à experiência da professora Giselma, o incentivo para despertar o hábito de leitura nos estudantes e produção escrita do gênero microconto foi traçar um percurso de ensino com os estudantes e lançar o desafio para a turma através de aulas por meio do Google Meet e diálogos em grupos no WhatsApp e os próprios estudantes, do grupo de protagonistas, disponibilizaram-se a incentivar os colegas a participarem do desafio. O percurso teve cinco momentos. Primeiramente, foi realizado um questionário no google forms sobre o gênero microcontos para que fosse possível ter uma diagnose a respeito do conhecimento que os estudantes tinham sobre o gênero. Com os dados em mãos, a professora disponibilizou um mural de microcontos no padlet e solicitou que os educandos fizessem um curadoria nas redes sociais de microcontos e os lessem. No terceiro momento, os estudantes responderam uma atividade no google forms de leitura e interpretação de dois microcontos. Depois foi solicitado o desafio de produzirem um microconto e posteriormente oralizarem o texto no aplicativo Tik Tok. Os educandos que não gravaram o texto no aplicativo, nas aulas presenciais, apresentaram as produções nos cadernos. Após ser realizado todo esse percurso de ensino, o próximo passo seria o momento de socializá-los no instagram para que todos pudessem ler e prestigiar os textos dos colegas de turma, figura 2. Para surpresa da professora, todos aceitaram o desafio e foi possível assistir aos vídeos dos estudantes no instagram da professora. Considerações finais A partir das análises descritas, podemos ter uma noção que o início do trabalho com essas mídias e tecnologias digitais não se dá de maneira fácil. Muitas vezes fazemos críticas ao não uso dessas tecnologias digitais e mídias tecnológicas e dizemos não entender porque os professores estão presos ao ensino tradicional, mas quando começamos a estudar os entraves LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 40 S U M Á R IO que se apresentam quando pensamos em trabalhar as tecnologias digitais com os estudantes, percebemos o quão importante é a implantação de aulas com recursos digitais. A própria Base Nacional Comum Curricular rege a urgência de recursos didáticos e Formações de Professores para o uso das Tecnologias Digitais e Mídias Eletrônicas; possibilitando a implantação dessas e percebendo que não são necessários recursos materiais de alto custo, que é possível inovar dispondo de plataformas interativas e de novas metodologias que possam impulsionar o interesse e a interação dos estudantes. No entanto, também é preciso que os professores percebam que para ter estudantes participativos em sala de aula, é necessário que eles “transgridam” o ensino tradicional, não bastando entender de internet, informática e outras mídias tecnológicas. É preciso atentar para novas maneiras de mediar o conhecimento e transformar o ensino-aprendizagem. Quanto mais os professores se aproximarem das tecnologias digitais, rompendo barreiras físicas e metodológicas, mais aproximarão a aprendizagem do interesse dos estudantes, pois as aulas tradicionais não chamam mais a atenção dos nossos alunos. Faz-se urgente buscar inovações e tornar as aulas mais interessantes, com recursos tecnológicos que despertem a busca por mais conhecimento e que desperte o interesse pela pesquisa e pela busca autônoma e crítica da forma própria e individual para cada estudante perceber e ressignificar o conhecimento. Normalmente, tentamos adaptar o estudante à escola e acabamos frustrados porque esses alunos não demonstram interesse, mas precisamos repensar nossas maneiras de elaboração de nossos conteúdos e nossas propostas pedagógicas a fim de despertarmos o interesse do nosso novo público que interage com as mídias em todos os lugares, exceto na escola, e assim possamos atingir nosso objetivo como educador, de formarmos cidadãos críticos e responsáveis pela construção autônoma, protagonista do conhecimento. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 41 S U M Á R IO Referências BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. FERNANDES, Rodrigo. TikTok, Facebook e Instagram estão entre apps mais baixados de abril. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2021/05/tiktok-facebook-e- instagram-estao-entre-apps-mais-baixados-de-abril.ghtml>. Acesso em: 10 maio. 2021. GOOGLE PLAY STORE. Tik Tok. 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Currículo de Pernambuco : ensino fundamental e ensino médio / Secretaria de Educação e Esportes, União dos Dirigentes Municipais de Educação ; coordenação Ana Coelho Vieira Selva, Sônia Regina Diógenes Tenório ; apresentação Frederico da Costa Amâncio, Maria Elza da Silva. – Recife, 2019. PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. SCHWARZELMÜLLER, Anna F.; Bárbara, ORNELLAS. Os objetos digitais e suas utilizações no processo de ensino-aprendizagem. Disponível em: <http://www.bvs.hn/cu- 2007/ponencias/EDU/EDU022.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2021. SILVA, Evaldo Gomes da. Leitura de microcontos mediada por aplicativo para smartphone no nono ano do ensino fundamental. / – Recife, 2016. Dissertação (Mestrado). Disponível em: <https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/26972/1/ DISSERTA%c3%87%c3%83O%20Evaldo%20Gomes%20da%20Silva.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2021. SILVA, Maria Célia Ribeiro; SOUZA, Ianna Maria Sodré Ferreira de. Leitura e produção de microcontos – sem e com o uso de TICs na sala de aula: relato de experiência. Brazilian Journal of Development v. 7, n. 3, p. 27483–27500 mar 2021. Disponível em: <https://www. brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/26547/21547>. Acesso em: 25 abr. 2021. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 42 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-3 Ensino profissional e formação docente: letramentos e multiletramentos em sala de aula Paula Almeida Morato de Laet Senira Anie Ferraz FernandezRodrigo Avella Ramirez Introdução Com a proliferação de multiplataformas propiciadas com a revolução da internet, ler e escrever se torna básico perto das necessidades que o indivíduo necessita para transitar nas diversas tecnologias necessárias para o desempenho, principalmente profissional, desses indivíduos. A problemática da leitura e escrita é muito ampla para realização de uma pesquisa, e, portanto, este artigo delimitou o estudo para investigação da percepção que professores especialistas em áreas técnicas do ensino profissional possuem sobre letramentos e multiletramentos em sala de aula. Portanto, a questão desta pesquisa é: o professor de disciplinas do núcleo técnico considera os letramentos e multiletramentos como ferramenta para aprimoramento de sua atuação em sala de aula? É importante investigar a percepção dos professores do ensino profissional já que os letramentos e multiletramentos estão relacionados com a prática social do indivíduo e no ensino profissional essa prática social é traduzida no conjunto de atuação desses professores. Por isso, o objetivo principal desta pesquisa foi investigar como as habilidades para os letramentos e multiletramentos são conduzidas por professores especialistas do ensino técnico. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 43 S U M Á R IO Ensino Profissional e o mundo do trabalho O Brasil ocupa o oitavo lugar no ranking mundial do Produto Interno Bruto disponibilizado pelo Banco Mundial (2019), porém em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o 79° colocado conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU, 2019) e, para Ramos (2014) o emparelhamento dessas posições só será possível por meio do desenvolvimento educacional da população, principalmente através da educação profissional. O profissional faz parte de um emaranhado de relações e deve estar pronto para enfrentar os mais diversos desafios que a profissão lhe exigir. Profissionais híbridos, ou seja, aqueles com diversas formações, são cada vez mais comuns e os especialistas, quanto mais especializados, também possuem seu valor. Então, os currículos dos ensinos técnicos buscam mesclar variados tipos de conhecimentos para tentar formar um profissional atraente para o mercado de trabalho (PETEROSSI e MENINO, 2017). Como o ensino técnico é um dos itinerários formativos abrangidos pela BNCC, entende-se que esta modalidade de ensino deve priorizar a preparação de seus alunos para o mercado de trabalho, fornecendo alternativas de atuação dentro daquela profissão em que irão atuar. Além de estar alinhada com as exigências do mercado, a escola técnica deve propiciar ao aluno o ajuste daquelas deficiências que ele tenha carregado das etapas anteriores que frequentou. Não só porque a legislação aponta essa prerrogativa, mas por ser uma necessidade de preparar o aluno para transitar nos mercados em que irá atuar. Letramentos e Multiletramentos Carolina Maria de Jesus ficou conhecida após a publicação de seu diário na década de 60. A excentricidade do texto de uma favelada, aliada ao retrato das mazelas daquela sociedade, fez com que a obra se esgotasse LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 44 S U M Á R IO em poucos dias. Logo, Carolina conseguiu dinheiro para sair da favela, mas esse sucesso foi se apagando pouco a pouco. O seu diário terminou ganhando notoriedade nos anos 2000 após ser adotado como leitura obrigatória em diversos vestibulares brasileiros. — O que escreve? — Todas as lambanças que pratica os favelados, estes projetos de gente humana (JESUS, 2014, p. 23). Se Carolina fosse viva nos tempos de internet, não teria precisado esperar por um editor para publicar seus textos e poderia ter escrito em um blog ou publicado postagens nas redes sociais. A publicação seria muito mais rápida e atingiria um número infinito de leitores muito mais rapidamente. O único ponto que não seria mudado são as incorreções gramaticais de seu texto e, por isso, muitos leitores poderiam criticá-la por sua redação ou, quem sabe, exaltá-la por sua coragem em se expor tanto. Neste momento, não se pretende analisar os equívocos no texto de Carolina, mas usá-los como exemplo para análise dos motivos que levam muitos brasileiros a cometerem as mesmas incorreções que ela em seus escritos. Não somente os que tiveram pouco acesso à escola, mas também, como verificado nos últimos anos, os que frequentaram a escola por muitos anos e, mesmo assim, não possuem o domínio da leitura e da escrita. A capacidade de ler e escrever para atendimento das necessidades sociais do indivíduo dá-se o nome de letramento (BARTON, 1994). Esse termo foi trazido à tona por conta de uma demanda social em relação ao entendimento do que é ou não ser alfabetizado. Alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever, já o indivíduo letrado é aquele capaz de usar socialmente a leitura e escrita, respondendo às demandas sociais. Esse saber social só se torna aparente quando a problemática do analfabetismo é resolvida, mesmo que minimamente, e o desenvolvimento social, cultural e econômico torna necessárias novas práticas mais rebuscadas de leitura e escrita (SOARES, 2017). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 45 S U M Á R IO Para aprofundar o conceito de letramento é necessário entender que as mudanças operadas pelos programas de letramento podem atingir profundamente as raízes culturais de uma sociedade. Em algumas sociedades não letradas em que o processo de letramento foi feito por representantes de outras culturas, o confronto direto com indivíduos com a consciência do poder da escrita e da leitura trouxe resistências de ordem política. (STREET, 2018). Os discursos dominantes do letramento estão relacionados tanto aos discursos dominantes da escrita e da leitura, quanto em relação às construções sociais, como sistemas burocráticos, acadêmicos ou literários. Nesses casos, uma instância de alguma forma impõe seu poder, domina outros que estão submetidos à essa forma de poder (RIOS, 2018). Como apresentado no início dessa seção, como texto de Carolina Maria de Jesus, o conhecimento obtido através da oralidade constituiu a formação social e o escrito, embora identificado como verdade porque está documentado, nem sempre pode retratar o contexto social da época a que se propõe a retratar. Portanto, a oralidade por muito tempo pôde dar conta das necessidades de letramento que algumas sociedades tinham, mas nem sempre a escrita se fez necessária na vida das pessoas (RIOS, 2013). De fato, a oralidade é um fator muito importante de ser levantada quando se fala em domínio de leitura e escrita no Brasil, pois os países latino- americanos possuem uma dinâmica diferenciada no que tange a aquisição de escrita e leitura. Esses países não tiveram um tempo de maturação dessas habilidades por conta dos processos históricos de colonização, bem como, a entrada de veículos de comunicação, como rádio e televisão, por que “passaram do plano discursivo-verbal para o dos meios audiovisuais” (CITELLI, 2000). Tendo isso em mente, fica mais fácil entender dados apresentados por índices como o INAF (Índice Nacional de Alfabetismo Funcional). O índice é conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro – Ação Social do IBOPE em parceria com a ONG Ação Educativa e tem como objetivo colher dados em relação à leitura, escrita e matemática da população brasileira visando fornecer subsídios para o fomento de políticas públicas nas áreas de educação e cultura brasileiras (RIBEIRO et. al., 2004, 2015). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 46 S U M Á R IO O último apontamento da pesquisa mostra que 7 entre 10 brasileiros, entre 15 e 64 anos podem ser funcionalmente alfabetizados. A pesquisa também apontaque 45% dos que ingressaram ou concluíram o ensino fundamental encontravam-se no nível elementar da escala INAF e, 49% dos concluintes do ensino médio encontravam-se no mesmo nível elementar, demonstrando “limitações para relacionar-se com as demandas cotidianas de uma sociedade letrada” (INAF, 2018, p. 14). Isso demonstra que o fato de frequentar a escola talvez não esteja surtindo uma melhora nas habilidades de leitura e escrita dessa população. Com retratos tão negativos em relação ao domínio de leitura e escrita no Brasil parece uma utopia pensar que a sociedade brasileira tenha maturidade para lidar com as mais diversas atuações que a tecnologia oportuniza. A imensidão de informação disponível nas redes interconectadas com todo o mundo demanda habilidades não só leitoras, mas principalmente de criticidade na análise, rastreamento e utilização dessas informações que somente podem ser desenvolvidas caso a caso. Parece utópico também imaginar que esses retratos mostrados pelo INAF também não estejam reproduzidos nos âmbitos de ensino profissional. E, então, é preciso e necessário se discutir como os letramentos e multiletramentos vêm sendo encarados nos mais diversos âmbitos sociais em que os indivíduos atuam, principalmente qual o impacto disso tudo na educação profissional. Petit (2009, 2010) relata que é muito comum estudantes de escolas técnicas e profissionalizantes, que gostam de ler, serem apelidados, sempre no sentido negativo, como pessoas que se sentem mais importantes porque detém mais conhecimento e, até mesmo, por uma questão de sociabilidade, muitos jovens tendem a não se interessar pela leitura. Um dos caminhos para a melhor formação desses jovens é sem dúvida o entrelaçamento das leituras com as mais diversas plataformas comunicacionais existentes. Rojo (2013, p. 65) indica que “os atos de ler e escrever são ainda mais fundamentais na interação virtual que em nossas interações cotidianas” e defende que, nos tempos virtuais, esse leitor não é mais um leitor passivo, pois ele comenta, contribui e modifica a informação LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 47 S U M Á R IO que chega até ele. Dessa forma, a autora define multiletramentos como a capacidade do indivíduo de atuar criticamente e ativamente na construção de conhecimento. Multiletramentos é um conceito bifronte: aponta, a um só tempo, para a diversidade de linguagens dos textos contemporêneos, o que vai implicar, é claro, uma explosão multipliticava dos letramentos, que se tornam multiletramentos, isto é, letramentos em múltiplas culturas e em múltiplas linguagens (imagens estáticas e em movimento, música, dança e gesto, linguagem verbal oral e escrita etc) (ROJO, MOURA, 2019, p.20). A velocidade com que as novas formas de comunicação se proliferam parecem não ter fim. Um exemplo dessa nova realidade é a proposta de redação para o vestibular da UNICAMP realizado em 12/01/20, que pedia ao candidato para realizar um roteiro para um podcast sobre biodiversidade e sociodiversidade (QUINELATO, 2020). Além de o candidato saber desenvolver um texto sobre biodiversidade e sociodiversidade, o aluno também precisava saber como funcionam os podcasts e como desenvolver um roteiro. Essa atividade consegue alinhar muitas habilidades e propõe ao aluno uma interação com a sociedade que antes não podia ser vista em exercícios escolares. Encaminhar o ensino de leitura e escrita no campo profissional e profissionalizante na perspectiva de desenvolvimento dos multiletramentos pode proporcionar aos estudantes o livre trânsito entre os mais diversos textos sempre a fim de se fazer comunicar eficazmente nessa sociedade interconectada. No que tange à empregabilidade, o nível de letramento é menos relevante do que a classe social, gênero ou etnia a que o indivíduo pertence, pois o baixo letramento seria mais relacionado com o nível de pobreza e privação de acesso a conteúdos que tornam o indivíduo mais letrado do que a outros fatores relacionados à aprendizagem. As empresas costumam aplicar testes para avaliar os candidatos às vagas de emprego em que as habilidades letradas exigidas têm pouca ou nenhuma relação com a função que vão desempenhar na empresa. Assim, a função desses processos seletivos termina sendo filtrar tipos sociais e não exatamente determinar LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 48 S U M Á R IO se o nível de letramento atende às tarefas exigidas pela posição ou cargo. (DELGADO-MARTINS et. al., 2000). Outra concepção a ser ressaltada é a importância que a leitura tem na formação do indivíduo como cidadão: Leitura e escrita são inseparáveis. Todo mundo lê e todo mundo escreve. A vida cotidiana, doméstica, é balizada por pequenos textos escritos, bilhetes, listas de compras, de cartas destinadas à administração ou à família, cartas de amor (HORELLOU-LAFARGE, 2010, p. 145). Mais uma vez, os multiletramentos aparecem como uma ferramenta importante para a condução dessas formas de apropriação do conhecimento. Leituras de trabalho não estão apenas nos livros acadêmicos, mas estão dissolvidas pela rede nas mais diversas formas de apresentação. Blogs, sites, canais no YouTube, perfis no Instagram ou Facebook, Podcasts e outras formas de representação. É necessário mencionar também que a rede oferece facilidades para encontrar outras pessoas com os mesmos interesses, tornando possível a formação de grupos de estudo e compartilhamento de conhecimentos. Então, o produto de pesquisa pedido pelo professor pode perfeitamente ser a produção de um vídeo postado no Youtube e a avaliação pode estar ligada ao número de visualizações que esse vídeo possua. Quando o professor pede uma tarefa desse tipo, ele está se apropriando de todos os tipos de letramentos que foram abordados ao longo da pesquisa, pois está pedindo para o aluno ler e compreender textos que sustentem sua pesquisa, criar um produto com significado e utilizar as mais diversas plataformas digitais para atender à solicitação deste professor, ou de diversos professores se for o caso de uma atividade interdisciplinar. Nessa vertente, é possível mesclar o conceito de letramento informacional como um desdobramento do conceito de letramento, já que o letramento informacional está relacionado à capacidade do indivíduo de buscar, refletir, interpretar e usar a informação de maneira eficiente e eficaz. Isso vai muito além da alfabetização informacional ou da simples decodificação dos códigos informáticos, mas como toda teoria LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 49 S U M Á R IO de letramento já estudada até o momento, o letramento informacional também se relaciona à prática social, ou seja, a capacidade de aplicação dessas informações no cotidiano desse indivíduo (GASQUE, 2012). A teoria de letramento informacional dá conta da capacidade de realizar pesquisas para aplicação prática na vida diária, seja ela profissional ou pessoal, mas o indivíduo deve fazer uso dessas pesquisas que ele faz e, assim, reutilizá-las, ressignificá-las e realizar novas pesquisas. Isso conversa diretamente com os conceitos de aprendizagem ao longo da vida (DELORS, 2012) e faz com que a aprimoração dos eventos de letramento informacional sejam cada vez mais necessários no campo do ensino e, principalmente, no ensino profissional. O que se pode ver é que todos os desdobramentos que o letramento possibilita vão na direção de uma atuação autônoma do indivíduo na sociedade. O indivíduo letrado em leitura e escrita tem condição de agregar outras possibilidades de letramento muito mais facilmente, por conta da condição de adaptação social, que esses letramentos possibilitam e, dessa forma, não há como negar que o letramento é, de fato, um direito do indivíduo na sociedade atual. Quando o professor, eaqui pode-se inserir qualquer professor, das áreas de exatas, biológicas, sociais ou de linguagens, entende o caráter social que o domínio de leitura, escrita, pesquisa e atuação nas novas plataformas, essa sua atuação pode modificar a significação desse aprendizado. E é exatamente essa a relevância dessa pesquisa para contribuição no campo educacional. Os professores do ensino técnico, os letramentos, os multiletramentos e os métodos de pesquisa Nas escolas técnicas, o desafio sempre foi o acesso ao mercado de trabalho. Se antes a escola garantia o acesso ao mercado do trabalho, hoje ela garante o acesso à fila de espera, ou seja, sem o diploma que o ensino garante, esse aluno não tem nem condição de estar no banco de profissionais LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 50 S U M Á R IO à disposição do mercado e deverá recorrer a outras formas de sustento que não exijam formação. Ter o diploma não garante o emprego, mas garante a possibilidade de acessá-lo (BECK, 2011). Por isso, a escola técnica deve, além de fornecer formação de qualidade, buscar reafirmar as competências deficientes provindas da formação básica para que o indivíduo as sane o quanto antes, confirmando a necessidade de formação continuada, em tempos menores, para atendimento das novas demandas do mercado de trabalho (MENINO, 2014). Neste quesito, é importante ressaltar a importância da estruturação dos eventos de letramento. Esses eventos não devem ser tratados única e exclusivamente pelos professores de língua portuguesa e outros idiomas, mas devem ser formatados como prática social e o produto dessa prática depende do planejamento de aulas diferentes das consideradas tradicionais. O professor ainda é o centro da disseminação desse conhecimento, mas ele deixa de estar engessado ao cumprimento do currículo e precisa organizar uma dinâmica de exposição de conteúdos que leve em conta a relação com o ambiente onde essa turma está inserida (KLEIMAN, 2007). O professor do ensino técnico mais do que o professor do ensino básico, tem a responsabilidade de treinar esse aluno para o mercado de trabalho, municiando-o de ferramentas para o desenvolvimento de suas futuras funções e, como já visto, a prática do letramento em sala de aula deve se aproveitar da bagagem desse aluno para construção do conhecimento. Método de pesquisa Para realização deste estudo, optou-se pelo método de pesquisa descritivo, com a abordagem qualitativa, pois confronta a revisão bibliográfica à pesquisa de campo realizada através de entrevistas com professores de disciplinas técnicas na Escola Técnica Parque da Juventude, do Centro Paula Souza, na cidade de São Paulo. A amostra de pesquisa é homogênea, ou seja, é composta por indivíduos com as mesmas características, para que se possam focar nas situações de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 51 S U M Á R IO letramento. A característica comum desses indivíduos é: todos são docentes da ETEC Parque da Juventude e lecionam mais de um componente da base técnica de algum dos cursos ofertados pela unidade. A metodologia de entrevistas foi escolhida por conta do caráter social que os letramentos e os multiletramentos carregam. A investigação através de perguntas em ambiente menos formal, possibilita a troca de informações e o estudo das falas dos participantes. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro flexível para que os participantes expusessem da melhor maneira suas experiências, com perguntas abertas e neutras. Para instrumentalizar essas entrevistas foram utilizadas as seguintes ferramentas: gravação eletrônica das entrevistas e anotações no diário de bordo de pesquisa durante e logo após cada uma das entrevistas. Dessa forma, o processo de análise pautou-se totalmente nas falas dos entrevistados para contraposição dos teóricos estudados e proposição de melhorias nos processos educacionais que envolvam práticas de leitura e escrita para o exercício profissional. Resultados da pesquisa Foram realizadas entrevistas com os docentes entre o dia 30/08/19 e o dia 03/10/19. O roteiro de entrevistas trazia questionamentos relacionados aos dados do INAF, bem como questões em relação à atuação desses professores quanto à condução de atividades de leitura, escrita, interpretação de textos e uso de diversidade de textos para pesquisas nas áreas técnicas em que estes professores atuam. O primeiro ponto analisado foi a identidade do professor de ensino técnico. Peterossi e Menino (2017) indicam que pensar a identidade desse professor é fundamental, pois ele tem sua lógica voltada à produção e ao mercado produtivo na área em que ele se graduou. Voltar sua identidade para as demandas da escola em que atua torna-se fundamental para que a formação desse aluno seja adequada às demandas da sociedade. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 52 S U M Á R IO Os doze professores entrevistados provêm das mais diversas áreas de atuação, como Administração de Empresas, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Enfermagem, Propaganda e Marketing e Publicidade e Propaganda. Todos os professores entrevistados possuem pelo menos uma especialização Lato Sensu na área de sua graduação, alguns possuem mais de uma graduação, sendo que uma das entrevistadas possui habilitação para lecionar matemática para o Ensino Médio, possuindo, então, uma licenciatura. Os professores entrevistados em sua maioria estão entre 31 e 40 anos, sendo cinco professores e sete professoras. Outro aspecto importante de ser trazido à tona são os períodos que estes professores se dedicaram ao mercado produtivo antes de começarem a lecionar e o tempo que se dedicam ao magistério, sendo que quatro lecionam concomitantemente em outras escolas e dois destes lecionam também em faculdades. Sete professores dentre os entrevistados lecionam apenas na unidade escolar. Os professores que possuem outras formas de renda que não a docência são cinco, sendo que apenas dois destes estão em regime de contratação por tempo indeterminado. Essa verificação é importante tanto para avaliar o alinhamento desse profissional com o mercado produtivo, tanto para o tempo que esse professor tem para se dedicar à docência. A próxima etapa desta pesquisa foi a análise das falas dos professores para contrapor a fundamentação teórica apresentada. Para nomear os entrevistados e melhor situar suas falas, foram usados nomes de grandes escritores brasileiros: Ana Maria Machado, Ariano Suassuna, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Lygia Fagundes Telles, Maria José Dupré, João Cabral de Melo Neto, José Mauro de Vasconcelos, Rachel de Queiroz, Cora Coralina e Ziraldo Alves Pinto. É importante relacionar a diversidade de gêneros textuais trabalhados por esses professores em sala de aula. Nos relatos trazidos foram pontuados os seguintes gêneros textuais: resenha crítica, artigos acadêmicos, entrevistas de emprego, resumos, provas, formulários estatísticos, apresentações orais, estudos de caso, redes sociais, resoluções e legislações, manuais, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 53 S U M Á R IO desenvolvimento de softwares, produções audiovisuais, realização de projetos e workshops, bem como, aplicativos como Googleclass. A diversidade de gêneros textuais trazida nos relatos dos professores mostra o quão importantes são as intervenções deles a fim de tornar o alunado mais ativo no aprendizado. Verificar que os professores conseguem entender a necessidade de aplicação de atividades diversificadas mostra o quão alinhados estes estão com os conceitos de Peterossi e Menino (2017) quando exprimem que os professores devem estar preparadospara “para trabalhar em equipe, organizar um ambiente tecnológico propício à aprendizagem dos alunos, criar e aplicar estratégias de comunicação e ensino, delimitar e redefinir um conteúdo ou habilidade técnica de forma a torná-los um objeto de aprendizagem para o aluno” (PETEROSSI e MENINO, 2017, p. 109). O primeiro ponto a ser analisado é a reflexão sobre a necessidade de uma produção escrita mais complexa ou não como ferramenta para apropriação do conhecimento: Ariano: Eu sinto a dificuldade dessa limitação em querer essa produção escrita, né? Por quê? Porque ele vai precisar de uma orientação. Até mesmo, como seria essa escrita? Por meio de narração, dissertação? Clarice: Mesmo que você dê o modelo, por exemplo, o modelo de projeto que tem uma introdução, um objetivo, justificativa, ele tem muita dificuldade. Mesmo que você explique o passo a passo. Porque, primeiro, é algo que ele não, talvez não vinha utilizando nos anos anteriores da formação dele, né? A professora entende a dificuldade de seu aluno, mas não se exclui da responsabilidade de orientá-lo para que ele consiga se apropriar daquela forma de produção de conteúdo. Essa é outra vertente que precisa de um olhar atento, pois em alguns relatos, os professores se distanciam da responsabilidade de orientar seus alunos, culpando a má formação anterior ou a postura desse aluno, como vemos em: Lygia: É a falta de maturidade junto com a falta de interesse de poder melhorar o seu conhecimento. Para eles é assim: basta ter o papel que eu estou formado e o que eu sei ou deixo de ser já está bom demais. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 54 S U M Á R IO Maria José: Eles não conseguem entender.... eles não entendem... eles só leem como se fossem uma máquina. Quando você faz uma pergunta, quando você fala para eles a relação de uma coisa com a outra, eles ficam pensando: ué, mas era isso? Então, eles não entendem mesmo a compreensão de texto. A primeira questão do roteiro de entrevista estava relacionada aos dados do INAF, que apontam que 45% dos alunos egressos do ensino médio estão em condição de alfabetismo funcional. Ao serem confrontados com essa informação, apenas dois professores se mostraram incomodados esses dados e apresentaram questões sobre como a pesquisa foi efetuada. Para o restante dos professores este dado foi aceito tranquilamente e, em alguns casos, reforçado, inclusive com exemplos: Carolina: pela situação que vejo, só aqui, por exemplo, eu imaginaria que é muito mais. Ziraldo: Difícil, né? Porque como você vai conseguir... porque se você não consegue assimilar informações... Ana Maria: Faz sentido, faz sentido. É um pouco assustador pensar que 55% não terminam, mas pelo que a gente vê, muitas vezes, é um número que não está tão fora. A segunda questão da entrevista estava voltada para a atuação do professor em relação à apropriação da leitura, interpretação de textos e escrita em sala de aula e a terceira questão estava ligada à atuação do professor em relação à orientação dos alunos para aprimoramento dos textos produzidos. Embora, todos os professores tenham se mostrado predispostos a orientar seus alunos na melhor produção de textos escritos, indicando equívocos em relação à grafia, acentuação, pontuação e outros aspectos da língua escrita, muitos relatos ressaltam certa dificuldade em conduzir essas questões: Ariano: acabo, dentro do meu conhecimento, sim, fazendo essas correções, né? Faço essas correções como uma necessidade. Necessidade de, poxa, meu papel é ajudar a melhorar. Ziraldo: Procuro fazer essa pontuação e, só assim, às vezes eu enxergo isso como uma falha minha como professor. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 55 S U M Á R IO Alguns relatos mostram a noção de conhecimento do conceito preconceito linguístico, mesmo sem saber nomear. Bagno (2015) define como preconceito linguístico a confusão que se faz entre o domínio da escrita e da fala dentro das regras gramaticais convencionadas como padrão da língua e o conhecimento que o indivíduo possui e talvez não saiba reproduzir dentro desses regramentos padronizados. Os relatos dos professores indicam preocupação com isso: Clarice: Eu corrijo na prova, na atividade. Eu coloco lá, eu corrijo a palavra, né? Somente quando eu não entendo, aí coloco uma interrogação e quando eu vejo da palavra errada, eu faço a correção. Fernando: Então para TCC, eu vou bem mais a fundo, para pegar, geralmente, são em duplas ou trios, daí eu chamo individualmente um por um para fazer esse acompanhamento. João Cabral: Faço esses apontamentos e converso em particular com o aluno. Inclusive, na hora da avaliação, eu peço para o aluno sentar do meu lado e eu coloco algumas questões porque em determinadas situações você não deve expor o aluno. Porém, alguns professores entendem que o trabalho do professor de línguas é revisar o texto dos alunos como uma prestação de serviços de consultoria na área de redação, e não orientá-los a seguirem aperfeiçoando sempre sua linguagem nas mais diversas formas de atuação e, por isso, também se perdem ao orientar seus alunos na confecção de seus próprios textos: Cora: Eu fazia isso antigamente. Hoje, eu não faço mais tanto. E faço assim, quando é muito grotesco, né? Porque isso me tomava muito tempo, né? Eu começava a ler texto, principalmente eu que trabalho com orientação de TCC, eu começava a ler texto e corrigir texto. Eu levava horas e horas fazendo isso, né? E, para mim, ficou inviável. Hoje, eu recomendo eles terem contato com os professores de português da casa para que essa revisão seja feita com continuidade, né? Em outros casos, o professor age de forma intuitiva: Carolina: Eu falo para ele vai e coloca no papel o que você quis dizer. Ah, então agora vamos colocar pontuação, vírgula, coesão, coerência para gente poder LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 56 S U M Á R IO entender a frase. Eu acho que, não sei se é um passo atrás ou o passo a frente. Eu não sei, aí só você sabe. Não faço a mínima ideia. A professora Carolina faz menção ao fato de a pesquisadora que realizou esta entrevista ser graduada em língua portuguesa e poder orientá- la se o procedimento adotado em suas aulas estão ou não de acordo com o aceitável em relação ao ensino de línguas. Existe uma confusão entre o trabalho do professor de línguas como orientador da apropriação da linguagem na prática e o possível detentor dos regramentos gramaticais. Embora, os professores entendam que o domínio da linguagem vem com a prática, muitos se sentem coagidos quando um professor de línguas está presente, como se estivessem sendo avaliados. Outros relatos, trazem a importância de se ter um professor de língua portuguesa para auxílio de sua prática docente: José Mauro: Os professores, quando têm, de redação, língua portuguesa, enfim, tem essa preocupação de voltar um pouco atrás para recuperar, tentar recuperar ou corrigir algumas coisas para seguir, né? Ariano: Eu peço a ajuda do professor ou professora que tem ali até mesmo habilitação, até mesmo que está autorizada a trabalhar isso com maior propriedade que eu. O último ponto questionado aos professores foi se eles acreditavam que seus alunos tinham dificuldades em procurar informações para as pesquisas pedidas que podiam ser algo mais do que trabalhos escritos, como: vídeos, podcasts, posts em redes sociais, para que os professores entrevistados pudessem relatar suas experiências com ferramentas diversificadas. Também foi perguntado se o aluno após localizar as informações, consegue interpretar e transformar em informação em pesquisa. Nesta perspectiva, os relatos dos professores se desencontram: Carolina: Eles têm (dúvidas) do básico até a parte de encontrar. Gente, eu tô deixando um link de vídeo, é capazde eles escreverem assim: Professora, não encontrei o link. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 57 S U M Á R IO Ariano: Vai precisar de uma intervenção, às vezes, do professor. Porque você fala: pesquisa isso daí... E vai chegar alguns. Eu quero que produza isso, daí... Vão chegar alunos te perguntando se é o caminho que “tá” (certo). Se são os caminhos que podem chegar a uma solução possível. Lygia: Eu vejo a dificuldade deles em conhecer os métodos de pesquisa. Para eles jogar no Google e colocar lá o tema já é a pesquisa e eles acabam trazendo até mesmo coisas que não são válidas. Maria José: Não tem dificuldade de localizar porque tem muita informação. Eles têm dificuldade em entender do que eles estão escrevendo. José Mauro: Encontrar, eu acho que não. Encontrar, eles conseguem encontrar bem. Eu acho que fica mais na questão da análise e da produção mesmo, né? Porque, às vezes, eles encontram a informação e aí, eu falo: “tá”! Mas você tem que tentar escolher o melhor, né? A falta de prática leitora do aluno também surge como um fator condicionante à dificuldade de se localizar a informação adequada, bem como a qualidade da fonte de pesquisa utilizada: Ana Maria: A grande maioria consegue, mas têm alguns que você percebe que, por resistência, por falta de leitura, por falta de costume de leitura têm muita dificuldade. Rachel: Quando você fala de pesquisa em ambiente científico, a ideia deles sobre isso é zero. Eles sempre preferem páginas abertas, sempre blog e aí você fala: então, não pode. Cora: Eu falo para os meus alunos: gente, daqui a pouco eu vou ver como referência bibliográfica um grupo de WhatsApp, né? (risos) tipo, ouvi no grupo do WhatsApp, né? De tão sem nexo que “tá”. E ele não têm essa visão acadêmica. A tecnologia tem mudado os rumos do trabalho nas últimas décadas e não há mais como conceber aversão às práticas que envolvam tecnologias, principalmente no que tange ao fomento de práticas criativas. Porém, alguns relatos vão na contramão dessa realidade: Maria José: Eu não trabalho mais com powerpoint, agora tudo é ditado. Então, eles têm que entender, eles têm que começar a escrever mais. João Cabral: Eu não costumo utilizar o trabalho digitalizado. Eu peço para eles manuscrito. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 58 S U M Á R IO Mesmo assim, as mudanças que a tecnologia tem operado na sociedade não passaram despercebidas: Rachel: Eu acho que por causa das tecnologias, as pessoas escrevem tudo pela metade. A dificuldade de acesso às tecnologias foi mencionada apenas uma vez: Rachel: Não fica perfeito porque às vezes a gente não tem tempo hábil, às vezes o aluno não consegue acesso para conseguir ver as coisas, às vezes a gente tem que dar umas ajudadas. Já o domínio dela pelo professor apareceu como uma necessidade para que este fizesse a mentoria necessária para sua prática docente: Ariano: Não basta apontar a ferramenta, tem que saber que também, é nossa obrigação de ajudá-lo a usar a ferramenta. Muitos querem utilizar esse recurso e não passa o passo a passo. E a necessidade de conhecer o grupo de alunos para saber como trabalhar com eles em sala de aula: Rachel: Eu já tive algumas experiências com vídeo e eles fazem muito rápido, mesmo com um grupo de pessoas mais velhas na sala, os mais novos, meio que pegar a mão e coisa vai muito rápido. José Mauro: Eu tento no grupo, mesclar pessoas que pelo menos já tiveram uma vivência prática porque aí você já sabe pelo menos como é que funciona e aí dá para melhorar aquele que nunca viu, né? Um ponto muito salutar que foi trazido por muitos professores entrevistados é a pesquisa efetuada pelos alunos em final de curso denominada “Trabalho de Conclusão de Curso” (TCC). Muitos professores se mostraram bastante preocupados com as habilidades desses alunos, principalmente para a confecção deste trabalho final, inclusive professores que não lecionam este componente. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 59 S U M Á R IO Entre os professores que conduzem esses componentes, é latente a preocupação com o domínio de leitura que esses alunos devem possuir, a criticidade necessária para se desenvolver esse projeto, a dificuldade em se trabalhar com critérios de padrões acadêmicos (tanto para alunos quanto para os professores desenvolverem a redação de pesquisas acadêmicas). Entender que existem diversificadas formas de se apropriar do conhecimento e de se apresentar conteúdos que se utilizem da linguagem nas mais diversas formas é importante para a atuação tanto de professores em sala de aula quanto de alunos no mercado de trabalho. O relato de Rachel ilustra essa vertente: Rachel: Se a gente fala, o paciente entende, se a gente não fala nada com o acompanhante, com o paciente, com o médico, acaba, vira um caos, porque a gente não tem a informação concreta. Tem a parte escrita? É importante, mas aí a gente fala como técnica. A fala técnica é compacta. Às vezes a gente fala, fala, fala e quando olha para o paciente, ele não entendeu nada. Você tem que falar de um jeito que ele entenda, que se aproxime da realidade do paciente. Antes de finalizar essa etapa de análise dos resultados, é preciso incluir dois pontos que surgiram nos relatos dos professores entrevistados. Um deles é a necessidade de acompanhamento dos professores com pouco tempo na docência. O professor Ziraldo, a época da entrevista possuía oito meses de experiência como docente e trouxe a seguinte fala quando questionado se os alunos se sentiam confortáveis com seus apontamentos em relação aos seus textos: Ziraldo: Eles gostam de colocar obstáculos, né? Na vida, vamos dizer assim. Ah, o professor está empatando. Daí para que eles não venham a desistir (do curso) ou gerar qualquer tipo de insatisfação que venha a chegar na coordenação, eu procuro fazer de forma sutil assim, escrever como uma espécie de motivação ou inspiração. Peterossi e Menino (2017, p 109) estabelecem três categorias profissionais a serem observadas para o exercício do magistério: “dominar os saberes e práticas sociais de uma profissão técnica a partir do campo disciplinar definido; definir com precisão as atividades do aluno; preparar e LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 60 S U M Á R IO realizar a sua atividade didática no campo disciplinar definido”. Dessa forma, a insegurança apresentada pelo professor em relação a questionamentos que, possivelmente, cheguem à coordenação ou a prováveis evasões podem atrapalhar o desenvolvimento deste professor em sala de aula. Ressaltar esse relato traz a importância de se estabelecer métodos para oportunizar a melhoria da prática docente, principalmente em relação a professores em início de carreira. O último ponto a ser analisado foi o trazido pela professora Rachel ao falar de sua experiência docente com um aluno refugiado que possuía o francês, como língua materna. A professora relatou que existe a possibilidade de revalidação do diploma de profissionais estrangeiros e as dificuldades que esse aluno enfrentou para conseguir acesso a um emprego na área de enfermagem. Rachel: o RG dele era de estrangeiro, ele foi para o hospital e aí o pessoal optou por não fazer a prova escrita. Fez mesmo meio que uma acareação, uma sabatina nele, via oral, ali, com uma pessoa anotando o que ele estava falando. Então, aquelas entrevistas práticas orais: você dá a pergunta, a pessoa começa a falar e a outra pessoa escreve e, aí, depois a gente lê para pessoa o que que ela escreveu: você quer acrescentar alguma coisa? E aí ele conseguiu superbem, ele passou, conseguiu entrar no hospital, enfim. Está superbem encaminhado. Este relato traz uma riqueza de entendimento de adaptação das necessidades daspessoas a fim de adequá-las às áreas de trabalho. As teorias dos letramentos e multiletramentos estudadas ao longo desta pesquisa trazem a necessidade da abordagem social que a linguagem tem para o indivíduo. Quando existe esta preocupação de integração de um indivíduo, que possui claramente restrições de entendimento do idioma, existe também uma perspectiva de formar uma sociedade mais justa. Incluir os indivíduos menos letrados dentro do padrão conceituado na sociedade é o exercício mais importante que os teóricos estudados nesta pesquisa trouxeram. Street (2018) relata que “tem-se reconhecido com frequência que as pessoas absorvem práticas letradas em suas próprias convenções orais, ao invés de simplesmente imitar aquilo que foi trazido” e, o relato da professora Rachel é uma evidente demonstração de como LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 61 S U M Á R IO nem sempre o escrito realmente representa o entendimento do indivíduo em relação ao conteúdo informado em determinada situação. Dessa forma, ler e escrever já não bastam como visto largamente nos estudos trazidos pelos teóricos de letramentos ou multiletramentos, mas desenvolver o pensamento crítico e saber se posicionar em relação às mais diversas demandas que a sociedade venha a trazer. Considerações finais É possível afirmar, a partir da análise dos relatos dos professores, que existe uma noção da necessidade de se proporcionar o estudo de diversos gêneros textuais, mas não é possível aferir se o aprimoramento da linguagem é um ponto realmente trabalhado por esses professores, apesar de a linguagem ser o código utilizado nas mais diversas interações das atividades trabalhadas em sala de aula desses cursos técnicos. Por isso, entende-se ser apropriado aprofundar futuramente esse viés de análise a fim de entender qual o papel da linguagem na prática diária desses professores. Como objetivos auxiliares essa pesquisa tinha em primeira posição a questão de verificar se existem ou não lacunas na formação dos professores de ensino técnico para o uso dos letramentos e multiletramentos. Nesse ponto, há um gargalo, principalmente, no que tange ao entendimento de que o professor especialista tem do trabalho de um professor de línguas. É importante tentar aproximar essas duas pontas de atuação de professores, principalmente referente à apropriação do conhecimento do aluno. Quando o trabalho do professor de línguas está muito distante do trabalho do professor especialista no ensino técnico, pode haver uma desconexão ou desentendimento da importância da aula de línguas dentro do curso técnico, por parte do aluno. Este é um ponto que precisa de aprofundamento e estudos adicionais para entender tanto como o aluno quanto o professor não de línguas, entendem a importância das linguagens para composição do currículo do ensino profissional. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 62 S U M Á R IO O último objetivo auxiliar da pesquisa buscava pontuar as deficiências ou qualidades do processo educacional em relação à concepção de eventos de letramento adequados à melhoria das habilidades de leitura e escrita de seus alunos. Ao analisar as atividades proporcionadas pelos professores especialistas, pôde-se verificar uma diversidade de exploração de gêneros textuais em suas atuações, principalmente falas como oferta de “aulas e atividades práticas”. Nesta vertente, propõe-se aprofundamento de estudo para verificar o quão alinhadas as teorias de multiletramentos, utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) e metodologias ativas no ensino técnico se confundem ou como podem se entrelaçar e proporcionar um aprendizado ativo na educação profissional. É importante ressaltar que é possível encontrar estudos sobre metodologias ativas e uso de TIC’s na educação profissional, porém focados no aperfeiçoamento dos multiletramentos, parece ser uma via inédita de abordagem desse tipo de pesquisa, já que não se localizou uma pesquisa sequer que abordasse os multiletramentos no ensino profissional em busca no portal da CAPES. As reflexões, apresentadas nesta pesquisa, encaminham para a resposta da pergunta de pesquisa deste estudo: o professor de disciplinas do núcleo técnico considera os letramentos e multiletramentos como ferramenta para aprimoramento de sua atuação em sala de aula? De fato, os professores não consideram os letramentos e multiletramentos em sua atuação em sala de aula, mas não por falta de vontade e intuição. Os professores consideram o uso da linguagem, tanto na oralidade quanto na escrita, como uma ferramenta essencial para a apropriação do conhecimento pelo alunado, porém ainda veem a sua atuação deslocada da atuação dos professores de língua materna, já que, ao que parece, o professor de língua materna detém o conhecimento total da linguagem, na visão destes professores. Romper essas barreiras entre áreas técnicas e linguagens parece ser o ponto primordial para a obtenção de um trabalho efetivo de fomento aos letramentos e multiletramentos na educação profissional. Para isso, é necessário um esforço dos atores que compõe o processo educacional LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 63 S U M Á R IO do ensino técnico para desenvolver eventos de letramento capazes de ressignificar a linguagem nas salas de aula do ensino profissional. Trabalhar os eventos de letramento no ensino profissional através de projetos interdisciplinares é o melhor caminho para aprimoramento da linguagem dos alunos desses cursos. Então, sugere-se o envolvimento dos professores de linguagem em conjunto com os professores especialistas em áreas técnica, através justamente da elaboração e do trabalho de atividades de e projetos interdisciplinares. Cumpre ressaltar que o objetivo deste estudo é pontuar as deficiências e qualidades na concepção de eventos de letramento e multiletramentos e tendo em vista o indicado no parágrafo anterior, considera-se necessária a estruturação de formações docentes multidisciplinares periódicas, envolvendo professores de língua materna bem como professores especialistas em diversas áreas técnicas a fim de proporcionar o intercâmbio de práticas de aprimoramento da linguagem nos diversos campos de atuação profissional. O relato da professora Rachel explora o esforço que o hospital realizou para contratação do candidato que possuía outra língua materna. Entender que um estrangeiro, mesmo sem dominar o idioma pode realizar atividades técnicas e se esforçar para quebrar essas barreiras que o idioma impõe parece ser um desafio, mas entender que essa dificuldade não o torna incapaz de exercer a atividade a que está sendo contratado vai ao encontro de todos os conceitos defendidos por Barton, Kleimann, Street, Soares, Delgado-Martins, Rojo que trabalham dos conceitos de letramento e multiletramentos. A apropriação desta teoria pode ser o movimento que a escola profissional precisa tomar para ressignificar o ensino e a aprendizagem, bem como o domínio da linguagem com os alunos brasileiros, ou seja, que os professores entendam que eles, profissionais especializados em qualquer área do conhecimento fazem parte da construção de indivíduos cada vez mais conscientes da importância que o uso da linguagem seja escrita ou falada têm para o exercício das demandas sociais, com ou sem tecnologia. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 64 S U M Á R IO É importante também entender que a tecnologia não é apenas uma tendência social, mas sim que está cada vez mais presente na vida das pessoas, e o livre trânsito pelas mais diversas tecnologias vai demandar cada vez mais destes professores atitudes proativas de atuação em sala de aula, para propiciar aos seus alunos as tão mencionadas- em todas as entrevistas desta pesquisa - atividades práticas que, segundo estes professores, ressignificam o aprendizado. Em conclusão, esta pesquisa demonstra que os professores especialistas do ensino técnico sabem e entendem a necessidade de diversificar suas práticas em sala de aula, principalmente oferecendo gêneros textuais das mais diferentes fontes, porém, necessitam entender, serem preparados para trabalhar e sentirem-se parte do aprimoramento das práticas de linguagem que os letramentos e os multiletramentos exigem dos indivíduos, principalmente na formação para o trabalho que é o objetivo principal das modalidades de educação em que o ensino técnico está inserido. Referências BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. – 56 ed. Revista e ampliada – São Paulo: Parábola Editorial, 2015. BANCO MUNDIAL. PIB a precios actuales: datos sobre las cuentas nacionales del Banco Mundial y archivos de datos sobre cuentas nacionales de la OCDE. Disponível em <https:// datos.bancomundial.org/indicador/ny.gdp.mktp.cd?year_high_desc=true> . acesso em 07 jan 2019 BARTON, David. 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Dessa forma, com os crescentes avanços tecnológicos, a sociedade se transforma e, por consequência, os modos de ensinar. A sala de aula tornou-se um epicentro para diálogos sobre diversos gêneros e suportes que emergem nesse contexto de transformação constante. A todo momento, docentes da educação básica dialogam sobre o intercâmbio midiático, reinventando-se constantemente para conseguir acompanhar tantas mudanças. Neste ínterim, até mesmo na forma como consumimos e produzimos textos imagéticos, perpassam transformações, logo é importante refletir sobre a construção de mudanças que foram efetivadas ao longo do tempo para que estas transformações aconteçam. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 68 S U M Á R IO Neste capítulo, abordaremos reflexões teóricas para compreender como o multiletramento se estrutura na sociedade atual. A princípio, é importante perceber o papel das imagens dentro destes diálogos e, para tal, realizamos uma explanação sintética de como decorreram as mudanças no modo como as pessoas consumiam e produziam imagens ao longo do tempo. Em seguida, estabelecemos um paralelo com a escrita como tecnologia no campo da Linguística, compreendendo, desse modo, como se constitui o letramento e, a partir disso, perceber as premissas do multiletramento. Somente ao contemplar as reflexões existentes sobre a multimodalidade, poderemos traçar um entendimento sobre como as imagens podem ser englobadas nas discussões multimodais, bem como sobre a dinâmica educacional da atualidade que requer do aluno o domínio de vários modos de leitura para que ele possa reconhecer a complexidade que advém dos textos multimodais. Posteriormente, compreender como o gênero mangá se estabelece, observando questões que o abranjam desde sua popularização até as representações possíveis. Assim, escolhemos uma obra nipônica, Ao Haru Ride, e analisaremos as capas de seus 13 volumes, observando como, por meio delas, constroem-se significações que estejam diretamenterelacionadas aos capítulos e sua história. Para isso, usaremos a metafunção composicional da Gramática do Design Visual (GDV), a fim de entender o processo que os elementos das imagens moldam e acompanham a narrativa contada em suas páginas. O mundo das imagens As imagens fazem parte da dinâmica social desde a pré-história. Em épocas remotas, quando o ser humano estava começando a pensar de forma mais substancial os primeiros traços de sociedade, as imagens já estavam presentes (RAHDE, 1996). As imagens serviam como aparato para representar o meio, desde a quantidade de animais no pasto, até mesmo LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 69 S U M Á R IO questões do cotidiano. Desse modo, “frente aos perigos de um meio hostil, o homem descobria, sem mesmo o saber, a sua capacidade criadora através da imagem, não só comunicando, mas produzindo cultura” (RAHDE, 1996, p. 103). Elas se tornam as primeiras manifestações documentadas da linguagem, pois através das gravuras realizadas nas rochas as pessoas podiam se comunicar e até registrar o que estava acontecendo. Entretanto, Para entendermos o que a imagem faz, é preciso ir além do que parece ser correspondência ponto-a-ponto e imitação realista e fidedigna. Representações remetem a representações, duplicando-se até se multiplicarem ao infinito, deixando os referentes [os estados de coisa] as atualidades, para trás. Esse é o itinerário da experiência social contemporânea: mesas de fórmica imitam madeira; o plástico oferece-se a qualquer forma: é o grau zero da matéria; fossilizamos andorinhas e pingüins em porcelana; corantes dão a refrigerantes a aparência mais que perfeita de uva ou laranja. A duplicação obsessiva das imagens nos afasta dos referentes, purificando nossa experiência até à alucinação. (NEIVA, 1993, p.11) Assim, as representações imagéticas continuam junto à sociedade com o passar do tempo, passando a ser um recurso não só de representação do cotidiano, mas um elemento importante para a igreja e a fé (KLEIN, 2005). Não se trata de abordar uma fé única, mas uma diversidade de manifestações de credos, em que as imagens estão presentes para narrar os mitos gregos em seus templos, elas acompanham os povos do Egito, os romanos, etc. Esse recurso no ocidente têm um papel fundamental para a disseminação do Cristianismo e uma visão teocêntrica (BATISTA, 2003). Como afirma Klein (2005), isso só pode ser efetivo porque o conjunto de imagens constituem o imaginário, logo foi através deste conjunto que o imaginário sobre questões como o bem e o mal, princípios morais, deveres, etc., foram retratados e passaram a fazer parte do imaginário social. As imagens, então, começam a ocupar o espaço das igrejas, caracterizando-se como elemento importante do divino, através delas a igreja podia disseminar seus dogmas e histórias para a população que não tinha acesso à alfabetização; desse modo, as pessoas eram capazes de conhecer as histórias apenas observando o processo narrativo das imagens. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 70 S U M Á R IO Estas também eram usadas para emocionar, seja em questões de deveres morais até do fim que a humanidade teria mediante àquela crença. Portanto, as imagens deixam de ser exclusivas aos espaços religiosos na sociedade indo para os museus, moldando a arte e, consequentemente, o modo de como consumimos o imagético, apontando as noções de belo da época (BREFE, 2007). Eram nos quadros que os pintores teriam espaço para traçar caminhos possíveis sobre como observavam o mundo a sua volta, bem como as problemáticas que o cercavam. Foi no uso do imagético que o meio da arte começou a refletir e expor suas prerrogativas, portanto o consumo majoritário da imagem acontecia nos ambientes expositores. A sociedade, no entanto, foi diretamente afetada por revoluções que auxiliaram nas mais diversas mudanças sociais (SANTAELLA, 2017). A exemplo, as revoluções industriais serviram de contexto para a massificação e incentivo ao uso das variadas tecnologias emergentes, com a criação da imprensa, assim como o consumo de maneira expoente, as imagens começam a ser parte integrante do cotidiano das pessoas. Atualmente, vivemos em uma sociedade envolta do fazer imagético, consumimos imagens na internet, na rua, no ambiente acadêmico ou profissional. As imagens representam as nossas vivências, pois Ao visualizar uma imagem podemos compreender o funcionamento de uma sociedade, pensar diferentes experiências visuais ao longo da história sendo essa perceptível a mudanças, tendo como objeto de análise tanto a construção social da visão quanto a construção visual do social, transitando entre esses dois paralelos para compreender as profundidades deste campo. (CATITA, 2019, n.p.) A todo momento criam-se novas imagens, compartilham-se, dentro de um processo intenso de produção e consumo, estamos constantemente lendo imagens, sejam para retratar nossos sentimentos, acontecimentos do nosso cotidiano ou de alguma notícia global. As imagens comunicam, nos emocionam, criticam, doutrinam, nos diverte, etc. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 71 S U M Á R IO A Semiótica e o Multiletramento Destarte, é importante perceber que o mundo humano é constituído por sinais que constituem relação com as palavras, e é através desta relação que há a construção da linguagem. As discussões sobre códigos convencionalmente compartilhados vêm se alargando, saindo da exclusividade do texto verbal e se expandido para um universo mais amplo de sinais, segundo Fidalgo e Grandim (2005). Esses autores afirmam que tudo pode ser um sinal, pois o caráter semiótico nasce desta relação constante realizada na prática social. Então, ao que se refere esse caráter semiótico? Antes de prosseguir nas nossas discussões é fundamental compreender a Semiótica e suas especificidades. Santaella (2017, p. 1), em sua obra “O que é Semiótica?”, começa o seu texto descrevendo que “Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos”. Com essa tradução inicial, Santaella percorre alguns questionamentos iniciais, em busca de compreender a abrangência desse estudo. A Semiótica nasce no ambiente dialógico do campo da Linguística que começava a discutir e ampliar o conceito de língua. Embora Ferdinand Saussure (1857-1913), em seu Curso de Linguística geral (1916), não tenha relacionado esse campo como parte da ciência Linguística, a progressão teórica sobre os signos expandiu o conceito de linguagem citando Santaella (ibidem, 2017, p. 3), “quando dizemos linguagem, queremos nos referir a uma gama incrivelmente intricada de formas sociais de comunicação e de significação”. Saussure relaciona o signo apenas como um processo mental, deixando de lado os aspectos que contribuem para relação com o mundo natural, propondo o nome Semiologia para essa ciência que estaria centrada nos estudos dos signos. Roman Jakobson, via a linguística como uma ramificação da semiologia, referindo-se a uma metateoria, ou seja, a semiologia como uma ciência geral; para, em seguida, ser vista com a ciência das significações, analisando a função da Semiótica em que descreve a língua não como LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 72 S U M Á R IO uma forma padronizada, mas um paralelo entre o conteúdo e a expressão (BATISTA, 2003). Podemos citar que houve abordagens iniciais distintas sobre os estudos relacionados à Semiótica. A princípio, os diálogos promovidos pelo Formalismo Russo (1914-1930) com o estudioso Roman Jakobson, contribuindo diretamente com as reflexões sobre como os signos se relacionavam com o cotidiano. Outra corrente teórica, está direcionada aos pressupostos do estruturalismo de Saussure naEscola de Paris, onde surgiu o paradigma estruturalista da Semiótica. Já a terceira vertente, refere-se ao que conhecemos por Semiótica Social, que nasce dos diálogos do Ciclo Semiótico de Sidney, que teve como uma de suas bases principais os estudos que remetem a Teoria Sistêmico-Funcional desenvolvida por Michel Halliday (1979-1985). É dentro desses debates que a Semiótica Social cresce dando destaque à dinâmica da linguagem e a relação entre os produtores e o leitor. Kress e Van Leeuwen (2006), nos domínios dessa disciplina oportunizam a expansão para um entendimento de textos multimodais, pois estes levam em consideração os múltiplos modos semióticos que estão em contraste dialógico com o meio social. Assim como Halliday se propôs a elaborar funções sociais da linguagem, nos seus estudos da Gramática Sistêmica- Funcional, a Semiótica Social procura ressalta o caráter dinâmico, a “exploração e o mapeamento do significado, tendo em conta as dinâmicas culturais e ideológicas nas quais ele está imerso” (SANTOS, PIMENTA, 2014, p. 298). Como o enfoque da Semiótica é o nexo com a significação, a multimodalidade torna-se um ponto teórico acessível para compreender estas múltiplas significações possíveis. Seguindo a argumentação posta até o momento, todo texto pode ser caracterizado como multimodal (RIBEIRO, 2013), concordando com a abordagem de Santaella (2017) ao referenciar essa diversidade significativa com o “abrir janelas” para o mundo. Portanto, o conceito de multiletramento vincula-se aos estudos de Rojo e Kress e Van Leeuwen, que consideram questões verbo-visuais, com o pressuposto de que a dinâmica social não é constituída apenas por palavras. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 73 S U M Á R IO Com o estabelecimento de uma Semiótica Social, que abre espaço para reflexões sobre a multimodalidade textual, as imagens voltam a ter importância no meio acadêmico, ao entender a associação dos vários modos semióticos abordados por Kress e Van Leeuwen (2006). Os autores, portanto, compreendem que os textos multimodais exigem também múltiplas articulações requeridas no meio social. Os avanços tecnológicos oportunizaram a combinação de múltiplos discursos, portanto, textos que possuem palavras, imagens, sons, etc., exigindo dos sujeitos habilidades de compreensão. A exemplo, um filme não é lido em retalhos, ou seja, as imagens separadas do som ou do movimento, o filme é compreendido como um todo, pois cada elemento auxilia na composição do conjunto. Kress e Van Leeuwen (2006), mediante a leitura das obras de Halliday, desenvolvem metafunções que possam compreender a significação possível dentro dos planos verbais e não-verbais, sendo estas a Representacional, a Interativa e a Composicional. Em linhas gerais, a representacional se refere à categoriza das experiências do mundo interno e externo do sujeito; a interativa, ao uso da linguagem pelo falante e as interações; por fim, a composicional que abrange as duas citadas anteriormente e tem o texto produto da experiência cognitiva, parte das interações. Vamos nos ater ao que se refere a metafunção composicional, para compreender como os elementos dispostos na imagem constroem a significação do todo. Kress e Van Leeuwen (2006) apontam a necessidade de sabermos ler entrelinhas, bem como entender a importância de cada elemento no texto, tais recursos dentro da imagem são categorizados como vetores e estes estão interagindo dentro do texto imagético criando a narrativa. Os autores voltam a destacar que os vetores, que constituirão a imagem, podem representar uma ação e o ator. Para análise, Kress e Van Leeuwen informam que os vetores interagem em três sistemas: Valor da informação, Saliência e Enquadramanto. Os estudiosos afirmam que esses princípios estão presentes não só em textos imagéticos, mas em textos multimodais complexos; assim, o todo compõe a significação e não partes deste todo. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 74 S U M Á R IO Portanto, iremos observar como tais elementos que compõem a imagem podem construir esse todo. Logo, Kress e Van Leeuwen (2006, p. 177. tradução nossa) afirmam que “a colocação de elementos (participantes e sistemas que se relacionam uns aos outros e ao espectador), dotados com o informativo específico de valores ligados às várias ‘zonas’ da imagem: esquerda e direita, superior e inferior, centro e margem”. Para os autores, as margens de uma imagem são uma composição espacial, onde as partes interagem com o todo, sendo fundamental compreender a elaboração de um significado no todo, como pode ser observado na imagem a seguir: Figura 1: Valor da informação - Metafunção composicional = Fonte: (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 197) Nestes termos é relevante ressaltar que cada campo da imagem teria uma particularidade segundo os autores da GDV, a margem superior (IDEAL) está relacionada com o campo das ideias, tudo aquilo a ser desejado, sonhado ou imaginado; a margem inferior (REAL) representa o campo da realidade, possível, concreto; a margem esquerda (VELHO) acopla elementos que remetem informações velhas, já conhecidas pelo leitor, podem se referir ao passado ou lembranças; enquanto a margem direita (NOVO) caracteriza-se por informações novas, algo que pode ser LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 75 S U M Á R IO ainda desconhecido; e a margem central (CENTRO) o que precisa ser destacado, a informação mais relevante, etc. A Leitura dos mangás Foi possível argumentar até aqui que as imagens estão presentes durante a história da humanidade por um grande período de tempo e, ainda, como as leituras referentes a textos multimodais podem integrar significações, em especial o que diz respeito a Gramática do Design Visual (GDV), no destaque à metafunção composicional. Esse crescente impacto nos textos imagéticos contribuiu para que novos textos tivessem cada vez mais espaço no uso popular, a exemplo do mangá que são produções imagéticas nipônicas que vem expandindo o mercado com o passar dos anos. Pois, Além de ser um marco para a produção literária em massa do Japão, o mangá consegue se consolidar no mercado ocidental por causa dos seus elementos que destacam as obras de maneira única. O mangá, além de seguir o tradicional movimento de leitura oriental japonês (onde o texto segue esse movimento da direita para esquerda), também pode ser diferenciado de outras produções (OLIVEIRA, 2020, p. 7). A autora faz paralelos com a produção imagética de mangás, destacando o impacto singular dessas obras no cotidiano dos jovens. O mangá de fato traz uma série de elementos que o destacam, promovendo a curiosidade do público através dos seus traços marcantes, desenhos chamativos, cores e até histórias envolventes. Como já foi apresentado em tópicos anteriores, a imagem, entre tantas funções, tem o poder de nos representar no mundo, desse modo muitas narrativas dessas obras japonesas não só chamam a atenção, como prendem e emocionam os leitores, em outros termos O consumo do mangá no Oriente e no Ocidente pode ser compreendido por meio de uma estreita ligação entre o leitor e o quadrinho, cuja conexão ocorre pela vivência direta da realidade – lutas, amores, aventuras e até exercícios físicos – para, em seguida, possibilitar o fantasiar. Esse “entrar” do leitor na história ocorre por meio do detalhamento dos desenhos que constituem os cenários, as vestimentas, as armas, os gestos e as expressões faciais. (BATISTELLA, 2009, n.p.) LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 76 S U M Á R IO A autora reforça a ideia de que é o sentir-se próximo, representado na obra, que caracteriza a popularidade massificada dos mangás, concordando com Oliveira (2020) sobre os possíveismotivos que despertem interesse. Embora o mangá tenha sua origem no começo do império japonês, foi com os movimentos pós-modernos que o mangá realmente se consolidou nos anos 1950, havendo, nesta época, o surgimento de diversos mangakas, escritores e ilustradores de mangá, que iriam estabelecer o seu nome na indústria. Faria (2007) aponta que foram os mangakas, no período pós Segunda Guerra, que produziram histórias em busca de um happy end, um final feliz que lhes permitissem fugir da realidade amarga e das sequelas da guerra no Japão. Mesmo que as histórias tivessem se popularizado por trazer críticas, sátiras, bem pelo conteúdo cheio de ação e violência, eram nas trajetórias dos mangás que os leitores buscavam o ideal de vitória, assim como felicidade pós sofrimento que viviam. Portanto, como afirma Batistella (2015, p. 198) “a narrativa imagética japonesa faz parte de reflexos [de uma] dicotomia social e comportamental existente entre os papéis atribuídos aos sujeitos na atual sociedade japonesa”, esses reflexos não impactam apenas o Japão, embora seja o seu foco narrativo, mas o mundo. Oliveira (2020) em uma leitura de Faria (2007) afirma que o mangá usa de traços do velho, do passado, para reconstruir o novo. É nesse paralelo e ressignificação dos elementos disponíveis que as obras constroem um mundo novo em suas narrativas, assim promovendo histórias dos mais variados gêneros e gostos, desde mangás baseados em histórias reais, até obras que falam sobre amor e questões mais intimistas. Os cuidados na criação de narrativas não se limitam apenas ao roteiro ou aos desenhos característicos, mas ao conjunto da obra. Quando um mangá é produzido, podem ser divulgados inicialmente por meio de plataformas online ou de revistas próprias para obras. Assim, quando a obra se populariza e é muito procurada, promove-se o lançamento de sua versão física, onde o mangá é dividido em volumes e cada volume possui uma quantidade maior de capítulos em seu interior. Desse modo, todo o processo de produção é longo contemplando desde a capa ao conteúdo LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 77 S U M Á R IO progressivo da história, passando por revisores o que resulta em várias versões até o produto final. Na seção a seguir, analisaremos como as capas do mangá "Ao Haru Ride" podem construir a narrativa a ser contada na obra, identificando os elementos necessários para que as capas sejam chamativas para o público -alvo e coerentes com o progresso narrativo das histórias. Análise e discussão As capas analisadas pertencem à obra “Ao Haru Ride”, também conhecida como Aoharaido, é um mangá escrito e ilustrado pela mangaká Io Sakisaka1. A trama envolve dois adolescentes, Futaba Yoshioka e Kou Tanaka, que vivenciam um amor em seu tempo escolar. Foram analisadas as capas dos 13 volumes lançados pela editora Panini, observando como os diferentes elementos que compõem a capa colaboram na exposição do enredo. Esse recorte foi estabelecido porque consideramos que a capa marca o contato inicial do leitor com a história, quem pode conhecer um pouco do conteúdo narrativo ou desconhecê- lo, sem qualquer tipo de contato. É na capa que se pode fazer referência a elementos importantes à construção narrativa. Com base nesses pressupostos, analisamos o percurso narrativo que é indiciado nas capas de Ao Haru Ride, a partir dos fundamentos da Gramática do Design Visual, destacando os critérios: 1) Selecionar todas as 13 capas que compõem a obra Ao Haru Ride; 2) Compreender como os elementos se organizam segundo sua composição nas capas, segundo os postulados da GDV, em especial a metafunção composicional e o que cerca o valor da informação; 3) Refletir como as capas acompanham a narrativa a ser contada na obra mediante os elementos composicionais. 1 Io Sakisaka é uma renomada mangaká que nasceu em Tokyo e criou diversos mangá aclamados no Japão, principalmente para o público feminino. Suas obras mais conhecidas são: Bye- Bye Little (2002); Strobe Edge (2007); Ao Haru Ride (2011); Omoi, Omoware, Furi, Furare (2015). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 78 S U M Á R IO Figura 2: Capas de apresentação da história Fonte: Arquivo pessoal das autoras. Na capa para o primeiro volume, temos a apresentação da personagem protagonista, Futaba Yoshioka. A história começa no prólogo, numerado como capítulo 0, onde os leitores conhecem Futaba e Kou, dois amigos que cursaram o Ensino Fundamental e que nutriam sentimentos mútuos, entretanto por serem extremamente tímidos não conseguiram revelar o afeto que sentiam. A situação se complicou quando Kou mudou repentinamente de cidade e deixou Futaba desolada. Três anos se passaram e esse intervalo provocou uma mudança de comportamento em Futaba, o que é relatado no capítulo 1, surgiu uma Futaba completamente diferente: mais extrovertida, expansiva e competitiva. Escolheu viver mais tranquila e decidiu trancar o seu coração para relacionamentos, evitando a aproximação de algum garoto. Tal tranquilidade foi interrompida com a chegada de um novo aluno, o retorno do seu amor de infância, Kou, mas ele também se modificou com a passagem dos anos, em relação à imagem de garoto tímido que conhecia. A primeira capa e a segunda revelam traços dos personagens, apresentados nos capítulos iniciais, nos quais conhecemos a personalidade e identificamos o comportamento dos dois protagonistas que ativam LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 79 S U M Á R IO lembranças constantes do passado. É uma personalidade forte que se delineia nas capas iniciais, todas caracterizadas em tons pastéis. Conforme os pressupostos da Gramática do Design Visual, o modo e o contraste das representações são combinados para sentidos mais amplos atribuídos às imagens, atrelados às categorias pessoas, lugares e coisas. Aqui, em observação, os valores informativos, os enquadramentos e as relações de polarização (em cima/embaixo; esquerda/direita) na estrutura composicional da imagem, constituindo uma “paisagem semiótica”, cujo objetivo principal é observar o valor da informação ou a ênfase relativa entre os elementos da imagem. Na primeira, identificamos Futaba olhando diretamente para o leitor, a personagem é posicionada na margem superior esquerda da capa. Esse posicionamento marca “o velho”; assim, essa localização da personagem na capa pode indicar a mudança de comportamento de Futaba. No segundo volume continuamos a narrativa que explora mais sobre os personagens protagonistas. A capa retrata o personagem Kou, que assim como Futaba no volume 1, está posicionado da margem esquerda para a central, com uma expressão mais provocativa. A autora “brinca” com essa nova personalidade de Kou a ser rompida, utilizando aspectos composicionais que aproximam o leitor do vetor, no caso os personagens, de modo que a interação ocorra. Nas capas apresentadas não há interação entre os personagens, mas sim do vetor com o leitor. Paralelo a isto, observamos nas capas dos volumes 3 e 4 outra mudança de estética nas capas, em que os personagens se apresentam em cores ainda mais sóbrias, com a arte remetendo às suas versões da infância, esse “esvanecer” nos tons pastéis, a ponto de o cabelo do menino ser cinza pode ser associado a apagamento e distância. O passado marcado nesse tom que revela o distanciamento do tom original e, portanto, de uma história inicial, estas escolhas são realizadas pela equipe de produção da obra, que escolhe a maneira que a arte da autora pode revelar aspectos da narrativa por meio de seleção de elementos e cores composicionais. A margem central é utilizada de forma predominante para os protagonistas e elas se conectam de certa forma. Separadamente, os LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOSDA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 80 S U M Á R IO personagens aparentam estar novamente olhando para o leitor, mas se analisarmos as duas capas em conjunto, eles estão interagindo um com o outro, Futaba com o rosto projetado um pouco para cima e com sua gravata puxada para baixo, enquanto Kou está com o olhar em uma perspectiva mais para baixo, com a gravata puxada para cima. Essa interação pode ser confirmada na leitura da história por meio da qual nota-se a diferença de altura dos dois. A direção para a qual as gravatas podem ser observadas como elemento integrador para a atribuição de sentidos, enquanto a da Futaba se projeta para baixo e para o campo esquerdo, comparamos com o desejo constante da personagem em voltar ao passado, como isso aprende e traz nostalgia, enquanto Kou tenta se livrar desse passado que possui segredos a serem revelados, este projeta sua gravata para cima e a margem da direita, demonstrando esse desejo pessoal do personagem. Figura 3: Capas dos volumes 5 e 6. Fonte: Arquivo pessoal das autoras. Nos volumes 5 e 6 temos novamente exemplos de capas que se correlacionam, neste ponto da história o relacionamento dos personagens começa a se desdobrar, aqui eles deixam os traços do passado de lado e se preocupam com o presente. A capa do volume 5 apresenta pela primeira vez, no conjunto da obra, dois personagens na mesma capa. Kou está de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 81 S U M Á R IO costas e na margem esquerda, que foi assim que conhecemos o personagem pela primeira vez na história, a lembrança que a Futaba volta como um recurso na capa, mas desta vez ele não está de costas para Futaba e sim para o leitor. Futaba tão pouco está olhando o leitor/observador, como de costume, agora ela tem seu rosto direcionado para Kou, margem superior, que representa o que ela esperou e desejou por anos. No volume 6, a narrativa representa Kou com um olhar sério e fixo em Futaba, que podemos reconhecê-la pelo cabelo volumoso, é a lembrança mais marcante que Kou guardou dela por anos. O olhar de Kou continua distante e cabisbaixo, reforçando o segredo que o personagem guarda e apenas no volume 6 nos é revelado com mais detalhes. Como os aspectos marcantes dos dois personagens interagem com suas lembranças dentro dos planos das imagens, realizam composições de duas capas que se complementam em perspectivas diferentes, por meio delas há remissão a um pouco da lembrança, ao sentimento e visão dos dois. Vale ressaltar como esse contato visual tem um aspecto muito intimista para a cultura asiática, assim como a proximidade dos dois personagens nas capas, dessa forma os elementos e como estes se compõem auxiliam na compreensão e o desenrolar da história. Figura 4: Capas dos volumes 7, 8 e 9. Fonte: Arquivo pessoal das autoras. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 82 S U M Á R IO Nos volumes 7, 8 e 9 temos uma mudança de tons escolhidos e projeção dos personagens em suas respectivas margens. No final do volume 6, descobrimos o segredo de Kou sobre o seu passado, o personagem ao se mudar conhece alguém que o ajuda a superar toda a dor que a separação dos pais lhe causou. Desse modo, no início do volume 7, as cores mudam, pois o desenrolar da história muda também, Kou resolve ficar ao lado da pessoa que o ajudou no passado e isto atinge Futaba que encara a situação como uma segunda perda do amor de sua vida. Futaba está centralizada, mas com o corpo direcionado para a margem direita que representa o novo e o desconhecido, ela está novamente sozinha na capa. Desta vez não temos uma expressão entusiasmada, mas um olhar saudosista para a margem esquerda, seu passado. A mistura de cores mais fortes contribui para essa afirmação de sentimento de “desestruturação emocional” que Futaba está passando. Logo em seguida temos um novo personagem, Touma Kikuchi, um garoto doce e gentil que se apaixona por Futaba. Esse personagem é apresentado com o mesmo misto de cores que Futaba, entretanto, a luminosidade, o brilho do sol refletido no cabelo e o amarelo ao fundo são pontos a serem observados. O sol lembra amanhecer, luz, surgimento. Esses aspectos podem estar associados à atmosfera de novidade, bem como a margem que o rosto do personagem está inserido: margem direita. O sombreado do rosto pode evidenciar o desconhecido que também vem da margem direita. O olhar de soslaio é dirigido ao observador/leitor. Podemos comparar com a próxima capa, em que o Kou também está posicionado de forma semelhante que Touma, porém sua expressão ainda transparece certa culpa. As três capas se entrelaçam e contam essa decisão pessoal que Futaba precisa tomar com relação ao que sente, bem como nos apresenta um personagem novo que durante todo o volume 7 será o foco dos atritos e acontecimentos da narrativa. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 83 S U M Á R IO Figura 5: Capas dos volumes 10, 11 e 12. Fonte: Arquivo pessoal dos autores. Outra mudança de cores acontece, os tons começam a retornar para uma paleta de cores mais sóbrias e claras, com misturas e manchas salpicadas, assim como o início da história. Nesse ponto, todos os personagens já foram devidamente apresentados, o leitor que acompanhou a narrativa até o momento já tem conhecimento de suas histórias, segredos e sentimentos. Mesmo que os três personagens estejam na margem central, o corpo dos três está projetado para a esquerda, margem que se refere ao que já é conhecido pelo leitor, entretanto apenas um deles está com o rosto virado para a margem esquerda. Nestes termos, Futaba está em posição superior e com um olhar convidativo, interagindo também com o observador. Touma está olhando para cima, mas não tem diálogo direto com o leitor, está distante o que pode ser reafirmado com o seu olhar direcionado à margem superior, campo das ideias. E por ´último” o olhar de despedida, sem muita expressividade, um olhar perdido de Kou que também interage com o observador. Touma, o personagem que nos foi apresentado e teve seu destaque nos volumes 9, 8 e 7, está com o olhar voltado para o passado e para a margem superior, que indica o que ele almejava, neste volume compreendemos que Futaba é incapaz de responder aos seus sentimentos. Por isso sua capa apresenta um personagem ainda à espera, um desejo não alcançado. Paralelo a esta capa, Futaba e Kou, embora separados pelo volume com o personagem Touma, os dois estão olhando para o leitor, trazendo uma LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 84 S U M Á R IO nova interação juntamente com as cores que estão começando a retornar para a tonalidade do início da história, pois os sentimentos confusos se esclarecem e todos os mal-entendidos se desfazem. Figure 6: Capa do último volume Fonte: Arquivo pessoal das autoras. A última capa dessa história de amor escolar entre Futaba e Kou se encerra no volume 13, os últimos capítulos se preocupam em focar nesse recomeço que os personagens têm, bem como na renovação de promessas antigas e laços sendo fortalecidos. As cores voltam às tonalidades iniciais apresentadas na apresentação da narrativa, pois tudo voltou a ser como era antes. Desta vez, os personagens estão juntos no plano central e o recorte da cena captura o momento de reencontro dos protagonistas. Ambos têm seus olhares direcionados um para o outro e as expressões em seus rostos confirmam uma leveza, sossego emocional, que estão sentindo. Depois de tantas capas que eles estavam solitários e separados por outro personagem, a autora encerra o último volume com as mesmas cores do princípio e finalmente com eles juntos. Essa construção temática contribui com o posicionamento central de Futaba e Kou na capa, remetendo ao que foi construído durantea narrativa e suas respectivas capas. Afinal, a capa está reafirmando que a história, do início ao fim, foi sobre os dois. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 85 S U M Á R IO Considerações finais As imagens constroem significações ao longo do tempo, desde a pré- história até os dias atuais, as imagens emocionam, expressam críticas, representam o ser humano e seu meio. A modernidade tem como uma de suas principais características o uso das imagens de forma massiva, o consumo e a produção de imagens estão cada vez mais facilitados, nos comunicamos, constantemente, também por imagens, que circulam em diferentes ambientes comunicativos. A imagem como elemento constituidor de comunicação, isto é, provoca uma atualização do conceito de texto, que deixam de ser vistos apenas em suas modalidades verbal e oral e expandem-se para outras modalidades. Os textos multimodais, que acoplam sua significação em um conjunto complexo de modalidades, estão circulam em diferentes contextos, e não é diferente na sala de aula. É importante refletir sobre como essa circulação acontece e é considerada no contexto de ensino, observar e explorar o texto imagético e seus modos de significação faz parte do processo de aprendizagem das práticas de leitura e compreensão. O mangá, a exemplo, é um texto multimodal que vem se expandindo de forma gradual com o passar do tempo, deixa de ser uma produção exclusiva do Japão para impactar o mundo, emocionando e promovendo suas histórias, por meio das quais, facilmente, podemos nos identificar. Por sua vez, a produção do mangá é realizada de forma cuidadosa, em que até mesmo as capas precisam estar relacionadas com o conteúdo de sua narrativa. O estudo aqui proposto analisou as 13 capas do mangá Ao Haru Ride, a fim de observar como a composição dos elementos imagéticos das capas acompanham a construção narrativa protagonizada por Futaba e Kou, que vivem um romance no colegial. Para realizar tais reflexões, seguimos os pressupostos da GDV, em específico, a metafunção composicional, em especial o que diz respeito ao valor da informação, formando os paralelos necessários entre os elementos das capas e sua narrativa. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 86 S U M Á R IO Concluímos que as capas não só estabelecem conexão com os acontecimentos da narrativa, mas também retratam informações que sugerem sentimentos, medos, segredos e desafios caracterizados no enredo. Desse modo, percebemos a importância de apresentar os textos multimodais, orientando passos para análise desses textos, de modo a compreender os elementos que se integram e comunicam, formulam significações constituindo a estrutura composicional. Percebemos que as capas de obras nipônicas são realizadas de modo bem planejado, sempre em correlação com o conteúdo narrativo. Reflexões como estas ampliam nossos modos de ler. Um mangá, a exemplo, não deve ser lido apenas no seu conteúdo interior, embora já indique uma diversidade de leituras, mas a obra como um todo, um processo que começa na capa do seu primeiro volume e se encerra no último. Referência BATISTA, Maria de Fátima Barbosa de Mesquita. A Semiótica: caminhar histórico e perspectivas atuais. 2003. BATISTELLA, Danielly. Mangá: o jogo entre palavras e imagens. Revista Icarahy, n. 1, 2009. BATISTELLA, Danielly. Como aspectos da cultura popular japonesa são representados e engrendrados por meio das palavras e imagens do mangá. Tríade: Revista de Comunicação, Cultura e Mídia, v. 3, n. 5, 2015. BREFE, Ana Cláudia Fonseca. Comentário I: museu, imagem e temporalidade. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 15, n. 2, p. 31-36, 2007. CATITA, Eduarda. Cultura Visual. CINENCIATURA: filmes e educação. Julh. 2019. n.p.,. Disponível em < https://cinenciatura.blogspot.com/2019/07/cultura-visual.html>. Acesso em 04 de maio de 2021. 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LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 88 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-5 Boneco de posto em GIF comic: fronteiras borradas de gênero e análise a partir da GDV Kleissiely de Castro Guilherme Melo Jaciluz Dias Marta Cristina da Silva Considerações iniciais Pesquisadores nas áreas da linguística aplicada e da educação, no cenário atual, concordam sobre a relevância de se explorar gêneros multimodais em ambiente digital no processo de ensino-aprendizagem de língua. No contexto brasileiro, autores como Rojo (2013; 2009), Ribeiro (2021) e Coscarelli e Novais (2010) têm se debruçado sobre questões conceituais e pedagógicas que envolvem a abordagem de gêneros multimodais em sala de aula. Rojo (2020), sobre as potencialidades do trabalho na perspectiva dos multiletramentos, aponta a possibilidade de análise de enunciados multiletrados, multissemióticos, multimodais, com atenção para as mais variadas formas de linguagem. Nesse viés, elegem-se gêneros específicos que circulam na internet como objetos de estudo para entender de que maneira essas linguagens funcionam, como se combinam para gerar sentidos. Rojo (2020) ainda esclarece que “não é papel da escola multiletrar”. A questão é aproveitar os multiletramentos que os estudantes já trazem de sua vida fora LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 89 S U M Á R IO da escola para levá-los a ter acesso a outros tipos de letramento, como, por exemplo, o literário. Ampliar os letramentos dos estudantes, levando em conta a multimodalidade que já faz parte de suas práticas letradas, cotidianas pode ser uma forma de desenvolver tanto capacidades de linguagem voltadas à compreensão e produção de textos na escola quanto capacidades de agir no mundo com a linguagem. Mas de que modo usar gêneros multimodais na aula de língua poderia contribuir para a formação de leitores e produtores de textos mais críticos e sensíveis a pautas importantes da contemporaneidade? Em primeiro lugar, é preciso que o professor conheça bem o gênero que vai levar para a sala de aula como instrumentode ensino, em todas as suas dimensões: linguística (verbal e não verbal), linguístico-textual, sociocultural. A pesquisa acadêmica pode dar suporte à escola no sentido de descrever/analisar novos gêneros que emergiram no meio digital. Este trabalho irá focalizar um exemplar de gênero em inglês e, embora o escopo do artigo não permita avançar para modelos didáticos, não se perderá de vista o propósito de desenvolvimento de habilidades preconizado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Língua Inglesa, como se vê para o 9º ano, por exemplo: “Produzir textos (infográficos, fóruns de discussão on-line, fotorreportagens, campanhas publicitárias, memes, entre outros) sobre temas de interesse coletivo local ou global, que revelem posicionamento crítico” (BRASIL, 2018, p. 263). A partir dessas premissas, tem-se como objetivo apresentar uma possibilidade de análise de um texto produzido para circular na internet, o que será feito à luz do Gramática do Design Visual (doravante GDV), considerando-se as linguagens verbal e visual que o compõem e se mesclam para a construção de sentidos. Por se tratar de um novo gênero, não há uma nomenclatura já estabelecida, mas, neste trabalho, o gênero em foco será chamado de GIF comic, por manter regularidades das histórias em quadrinhos (HQ) impressas e, ao mesmo tempo, incorporar outras semioses próprias do meio digital, como o GIF. Espera-se que a análise do GIF comic possa sugerir caminhos de abordagem didática e oferecer subsídios para o uso de gêneros digitais no LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 90 S U M Á R IO ensino de língua inglesa em sentido amplo, propiciando a compreensão de recursos verbais e não verbais e o enfoque em temas sociais. A fim de atingir o objetivo pretendido por esta pesquisa, dividimos o capítulo em quatro partes. A primeira trata brevemente sobre os multiletramentos no ensino de língua inglesa; em seguida justificamos a escolha pelo nome do gênero GIF comic, apresentando o texto escolhido como objeto de análise. Na terceira parte, tratamos sobre a Gramática do Design Visual (GDV), referencial que sustenta a análise, e sobre a metodologia por nós utilizada. E, por último, analisamos o texto Boneco de posto, produzido por Kat Swenski (2021), ao que se seguem as Considerações finais. Problematizando o ensino de língua inglesa no Brasil à luz dos multiletramentos A expansão da globalização mundial, juntamente com o desenvolvimento das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), acarretaram transformações nos diferentes âmbitos sociais, especialmente no da educação. Como resultado, mudanças no ambiente escolar passaram a ser necessárias, uma vez que, voltada para alunos imersos na era digital, por viverem em um contexto de inovações tecnológicas, a educação requer novas metodologias de ensino e aprendizagem. Assim sendo, partimos da premissa de que “a escrita e a leitura estão misturadas a nossos modos de vida, às nossas vivências, ao nosso modo de operar em sociedade” (RIBEIRO, 2015, p. 115), o que fez com que as tecnologias digitais passassem a ser vistas como aliadas dos processos pedagógicos, principalmente de inglês como língua estrangeira. Nesse sentido, no que tange à escola, considerar a existência de diferentes contextos sociais e trabalhar com eles em sala de aula é um ponto crucial para que os alunos se desenvolvam como sujeitos multiletrados1, 1 No que se refere ao conceito de multiletramentos, pautamo-nos na seguinte afirmação de Rojo (2009): “No campo específico dos multiletramentos, isso implica negociar uma crescente variedade de linguagens e discursos: interagir com outras línguas e linguagens, interpretando ou traduzindo, usando interlínguas específicas de certos contextos, usando inglês como língua franca; criando sentido da multidão de dialetos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano” (pág. 17). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 91 S U M Á R IO aptos a agir de forma crítico-reflexiva e cidadã, na sociedade. Para tanto, isso implica considerar diferentes usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa perspectiva sociológica, antropológica e cultural (ROJO, 2009, p. 98). Essa necessidade se faz urgente, pois, ainda hoje, percebe-se um descompasso entre a realidade dos alunos e o conteúdo ensinado nas instituições, quase sempre voltados à gramática, com “concepções de língua e ensino demasiadamente conservadoras e que, possivelmente, se distanciam das configurações epistemológicas de um mundo em constante mudança” (KAWACHI, 2015, pág. 49). Torna-se preciso, então, reconfigurar práticas de ensino e trazer para a sala de aula o real, conciliando, assim, a prática social e a prática acadêmica (MONTE MÓR, 2012). Ainda no que diz respeito ao ensino de língua inglesa, a problemática é ainda maior, envolvendo não apenas o descompasso supracitado, mas, também, questões estruturais que colocam em xeque toda a aprendizagem, como a reduzida carga horária destinada à matéria, a exclusão digital do corpo docente e discente e o desinteresse dos próprios estudantes em relação ao inglês, que o veem como uma disciplina secundária, sem nexo e distante de sua identidade nacional. Dessa forma, entendemos a necessidade do desenvolvimento de uma pedagogia que, aos moldes do Grupo de Nova Londres (2000), promova práticas situadas, considerando, entre outros aspectos, a multiculturalidade dos sujeitos, uma vez que os interesses dos alunos de língua inglesa são diversos. Dito isso, [...] as TDICs devem ser vistas como ferramentas mediadoras da aprendizagem, visando qualificar cada vez mais o processo ensino-aprendizagem, uma vez que a tecnologia oferece recursos interativos e dinâmicos ao aluno e, por conseguinte, as transformações da sociedade, da educação são imprescindíveis (KAIRALLAH, 2018, p. 4). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 92 S U M Á R IO Dessa maneira, visando reverter o quadro da educação no Brasil e tornar as aulas de inglês mais dinâmicas e atrativas, é preciso, sobretudo, desenvolver nos alunos a capacidade de interagir e, também, de se fazer entender por meio da língua em questão. Para tanto, a tríade tecnologia, linguagem e ensino pode estimular a aprendizagem e ampliar a visão dos estudantes, mostrando-os que o inglês se faz cada vez mais presente em situações do cotidiano: em filmes, aplicativos, outdoors, gírias, expressões populares etc. É importante considerar, também, que a implementação de tecnologias em sala de aula não equivale à remoção de materiais tradicionais, mas ao [...] acoplamento de outros modos semióticos para a efetivação de uma leitura crítica a respeito do que se ‘lê’ verbalmente e imageticamente, e para que os indivíduos sejam preparados para a vivência comunicativa numa sociedade que utiliza mais de uma forma ou modos semióticos (SANTOS, 2011, pp. 10-11). Nesse viés, visando transformar o ensino de língua inglesa para melhor, em consonância com Leffa (2011), defendemos que três ações são necessárias: “(...) criar uma parceria entre professor e alunos, formando uma comunidade entre eles no ambiente da sala de aula; estabelecer os objetivos que os alunos almejam; buscar meios necessários para alcançar esses objetivos de cada indivíduo” (p. 31). Para tanto, o trabalho pautado na exploração de gêneros textuais que circulam no universo digital apresenta-se como uma possibilidade, visto que os alunos estão em constante contato com eles, ora produzindo-os, ora replicando-os. Referimo-nos, principalmente, a HQ, memes,podcasts, fanzines, entre outros tantos gêneros que permitem a realização de um trabalho que articule as quatro habilidades linguísticas necessárias ao aprendizado de inglês (listening, speaking, reading e writing). Assim, sem deixar de lado textos impressos, que têm de forma expressiva em sua composição a linguagem verbal, é preciso adotar novas estratégias metodológicas que favoreçam a prática dos multiletramentos e do trabalho com os textos multissemióticos que estão presentes na sociedade. A pretensão dessa nova perspectiva de ensino, então, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 93 S U M Á R IO É 'poder' saber escrever, desde a alfabetização, mas antes, desde o contato com materiais escritos; é 'poder' manejar linguagens para a produção de sentidos, seja lendo, seja produzindo textos; é 'poder' perceber quantas funções e serventias têm o texto e as palavras (além de outras linguagens, como a imagem ou o som, por exemplo). É 'empoderar', portanto, oferecer meios para que as pessoas leiam, leiam bem, reajam e produzam textos (RIBEIRO, 2015, pp. 114-115). Em consonância com essa perspectiva, o GIF comic, em virtude de sua linguagem multissemiótica, por meio de cores, gestos, enquadramentos, falas etc., destaca-se entre os inúmeros gêneros passíveis de serem trabalhados em sala de aula, por possibilitar que o professor explore, com seus alunos, o inglês fora do contexto escolar, desarticulando, assim, resistências no aprendizado da língua. Tendo isso em mente, passamos à apresentação do gênero escolhido como corpus para a análise por nós empreendida. O gênero GIF comic A análise do texto escolhido como corpus deste capítulo requer identificar-lhe o gênero, no que se refere às suas características formais e funcionais, o que se faz necessário tendo em vista que, conforme explica Marcuschi (2010, p. 22), “[...] é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto”. Dessa forma, segundo o autor, os gêneros são necessários para a ordenação e a estabilidade das atividades comunicativas cotidianas. Por isso, nomear o gênero possibilita apropriar-se de suas peculiaridades, a fim de analisar as relações de sentido por ele estabelecidas. Os gêneros, como “tipos relativamente estáveis”, em número infinito, porque decorrem das inesgotáveis possibilidades da atividade humana, de acordo com o que postula Bakhtin (2016, p. 12), foram influenciados pelas tecnologias digitais, já que o advento das novas formas de comunicação tornou exponencial o número de novos gêneros. Mas, conforme recorda Marcuschi (2010), não é das TDIC em si que decorrem os gêneros e, sim, da intensidade de seus usos pelos seres humanos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 94 S U M Á R IO E mesmo esses novos gêneros não se constituem absolutas inovações, pois ancoram-se em gêneros pré-existentes, transmutação que já fora identificada por Bakhtin (1997), o qual se referiu a essa assimilação de características de um gênero por outro. Esse é o caso do texto aqui analisado, cujas características decorrem dos elementos que compõem dois outros gêneros: história em quadrinhos e GIF. A identificação do gênero se faz possível considerando não apenas os elementos formais do texto, mas, sobretudo, os aspectos funcionais e sociocomunicativos deste. Os gêneros são, portanto, “textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2010, p. 23). Ainda segundo o autor mencionado, é possível dar nomes aos gêneros utilizando um ou mais dos seguintes critérios: a forma estrutural, o propósito comunicativo, o conteúdo, o meio de transmissão, os papéis dos interlocutores e o contexto situacional (MARCUSCHI, 2008). É justamente esse pressuposto que embasa a identificação do gênero analisado como GIF comic, conforme explicado a seguir. A história em quadrinhos surgiu no final do século XIX, tendo grande repercussão nos Estados Unidos, na década de 1930, quando se tornou referência como fenômeno cultural de massa (COSTA, 2008). Reunindo linguagem verbal, que é colocada em balões e legendas, e visual (imagem gráfica), a HQ se tornou uma comunicação rápida que conquistou leitores de variadas idades, que geralmente começam a ler na infância, mas mantêm o hábito na fase adulta (RAMOS, 2013). As características marcantes da HQ contribuem para que ela circule em meio a gêneros não-verbais ou icônico-verbais semelhantes, como a caricatura, a charge, o cartum e as tirinhas (MENDONÇA, 2005), fazendo com que, muitas vezes, alguns desses gêneros se confundam ou tenham fronteiras tênues. Segundo a autora supramencionada, as histórias em quadrinhos podem, então, ser caracterizadas como “um gênero icônico ou icônico-verbal narrativo cuja progressão temporal se organiza quadro a quadro. Como elementos típicos, a HQ apresenta os desenhos, os quadros e os balões e/ou legendas, onde é inserido o texto verbal” (p. 199-200). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 95 S U M Á R IO A construção de sentidos de uma HQ decorre, segundo Ramos (2013), da compreensão de inferências, já que os cortes de ação provocados pela delimitação dos quadros deixam implícitas determinadas informações, que são construídas pelo leitor, durante o processo de leitura. Esses sentidos ocultos são compreendidos pelo leitor, que adiciona informações decorrentes de conhecimentos prévios e de mundo, o que está atrelado ao contexto da HQ ou mesmo a relações intertextuais, dependentes do conhecimento de outros textos. Já o GIF é um tipo de imagem voltada para ambientes virtuais que, por isso, apresenta baixa resolução, a fim de ser facilmente compartilhado. O termo “GIF” vem do inglês Graphics Interchange Format, que pode ser traduzido como “formato para intercâmbio de gráficos”, tendo sido criado para nomear um tipo de imagem de bitmap (imagem formada pixel a pixel, o qual é o menor ponto que forma uma imagem digital). Desenvolvido pela empresa americana CompuServe, no final da década de 1980 (NADAL, 2014), o GIF tem como objetivo reduzir o tamanho final de um arquivo para que maiores quantidades de informações sejam compartilhadas. Por esse motivo, o GIF geralmente corresponde a uma imagem com baixa resolução e, portanto, menor qualidade para leitura. Com relação ao conteúdo, segundo Nadal (2014), o GIF pode apresentar imagens estáticas ou em movimento, nesse caso, ficando em formato de animação quadro a quadro. Como o arquivo deve ser leve, o GIF geralmente reúne poucos quadros, que se repetem em loop. No caso do texto analisado por este capítulo, ocorre união entre história em quadrinhos, ou seja, uma narrativa contada quadro a quadro, com o uso de balões para fala e expressão de ações e expressões por meio de desenho linear, e GIF, já que o último quadro é um vídeo em loop, bem como há movimentos simples que ficam se repetindo nos quadros 3, 4 e 5, conforme será demonstrado. Essa junção dos dois gêneros leva à constituição de um novo gênero, em um processo de transmutação (BAKHTIN, 1997), conforme explicado anteriormente. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 96 S U M Á R IO Com base nos critérios propostos por Marcuschi (2008), propõe-se que esse gênero seja nomeado GIF comic. Tal abordagem é embasada na forma como a própria autora do texto se refere às suas criações, quando ela explica como surgiram: “From this single comic, a new art form was born2” (SWENSKI, s.d.), e defende a atividade de artistas como ela, que não descansam “[...] in their noble attempt to bring the contexts of GIFs tolight3” (SWENSKI, s.d.). Considerando que “comic” é um termo em inglês que abarca tanto histórias em quadrinhos (têm maior extensão) quanto tirinhas (são curtas) e que o suporte do Instagram não apresenta a organização dos quadros em formato de HQ ou tira, mas em posts, e que “GIF” já é um termo em inglês incorporado ao cotidiano dos usuários de redes sociais, justifica-se o emprego da designação GIF comic. Busca-se, ainda, para a nomeação do gênero, consonância com Marcuschi (2008, p. 163-164), segundo o qual “as designações que usamos para os gêneros não são uma invenção pessoal, mas uma denominação histórica e socialmente constituída”. Logo, conforme demonstrado, a denominação decorre de ser o gênero um híbrido de outros dois, apresentando deles as principais características formais e funcionais. Ressalta-se, ainda, a importância de se propor discussões relativas a gêneros como o GIF comic, tendo em vista, especialmente, ser ele digital e com possibilidade de ampla difusão por meio das tecnologias digitais. Assim, no que se refere aos gêneros desenvolvidos no contexto das mídias digitais, Marcuschi (2008, pp. 199-200) defende que: A relevância de se tratar desses gêneros textuais reside em pelo menos quatro aspectos: (1) são gêneros em franco desenvolvimento e fase de fixação com uso cada vez mais generalizado; (2) apresentam peculiaridades formais próprias, não obstante terem contrapartes em gêneros prévios; (3) oferecem a possibilidade de se rever alguns conceitos tradicionais a respeito da textualidade; (4) mudam sensivelmente nossa relação com a oralidade e a escrita, o que nos obriga a repensá-la. 2 Em tradução nossa: “Dessa única história em quadrinhos, uma nova forma de arte nasceu”. 3 Em tradução nossa: “[...] em sua nobre tentativa de trazer à luz os contextos dos GIFs”. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 97 S U M Á R IO Esse crescente número de gêneros, cujo surgimento foi impulsionado pelo desenvolvimento das TDIC, e que, com características próprias, fazem borrar as fronteiras do que é texto – e, por conseguinte, do que é gênero – precisa ser levado para o contexto escolar, conforme já proposto pela BNCC (BRASIL, 2018). Não se pode perder de vista que, necessários à comunicação humana, os gêneros interferem nas relações sociais, pois, “quanto mais dominamos os gêneros, maior é a desenvoltura com que os empregamos e mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade” (BAKHTIN, 2016, p. 41). Ou seja, saber utilizar os gêneros dá ao usuário da língua mais condições de compreender a própria realidade e nela agir com autonomia. Considerando todos esses aspectos, passa-se à apresentação do GIF comic escolhido para ser analisado. GIF comic Boneco de posto O GIF comic escolhido para análise chama-se Poor tube man (Boneco de posto, em tradução nossa) e foi produzido por Kat Swenski, tendo sido publicado na página do Instagram dessa artista (@katswenski), em 8 de janeiro de 2021. No que se refere ao formato, o texto é organizado em oito quadros, de cuja sequência decorrem os efeitos de sentido textuais, conforme explicado anteriormente. Sequências verbais dentro de balões de fala ovais com linha contínua, desenhos estáticos e animados, bem como um pequeno vídeo combinam-se para formar o texto. Assim, os quadros 1, 2, 6 e 7 são compostos por texto verbal e imagem estática, enquanto os quadros 3, 4 e 5 possuem desenho animado associado a texto verbal e o quadro 8 é um GIF. Os oito quadros, com as respectivas traduções para as falas, compõem as Figuras de 1 a 8. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 98 S U M Á R IO Figura 1. O homem fala para o boneco de posto: “Ei, amigo. Se importa se eu fizer uma crítica construtiva?” Figura 2. O homem fala para o boneco de posto: “Você está muito inseguro. A vibração que passa deixa os clientes um pouco desconfortáveis.” Fonte: Swenski, 2021, quadro 1, tradução nossa. Fonte: Swenski, 2021, quadro 2, tradução nossa. Figura 3. O homem fala, gesticulando, para o boneco de posto: “Não se mexa desanimadamente assim...” Figura 4. O homem fala, gesticulando, para o boneco de posto: “Na verdade, tente assim!” Fonte: Swenski, 2021, frame do quadro 3, tradução nossa. Fonte: Swenski, 2021, frame do quadro 4, tradução nossa. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 99 S U M Á R IO Figura 5. O homem fala para o boneco de posto, avaliando-o: “Er, não. Isso é, uh... Hmm. ” Figura 6. O homem fala para o boneco de posto: “Olha, é seu primeiro dia de trabalho. Tente não se culpar por isso. Por que não faz uma pausa para o almoço e esfria a cabeça por um tempo?” Fonte: Swenski, 2021, frame do quadro 5, tradução nossa. Fonte: Swenski, 2021, quadro 6, tradução nossa. Figura 7. O boneco de posto fala para si: “Arrgh! Boneco de posto, por que você não pode fazer nada certo? Estúpido, estúpido, estúpido!” Figura 8. O boneco de posto parece dar cabeçadas na parede. Fonte: Swenski, 2021, quadro 7, tradução nossa. Fonte: Swenski, 2021, frame do quadro 8. No que se refere ao conteúdo, trata-se de uma narrativa que envolve dois personagens: um rapaz jovem e um tubo plástico inflado por vento que provoca movimento em seus braços, o que, no Brasil, é conhecido LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 100 S U M Á R IO como boneco de posto. Quanto ao espaço e tempo, a cena acontece no que parece ser o lado exterior de uma loja, durante o horário de expediente. Isso se pode depreender do fato de o homem mencionar clientes e dispensar o boneco para o horário do almoço. Além disso, esse tipo de boneco é comumente utilizado para fins comerciais, com o objetivo de atrair a atenção de possíveis clientes. Como é comum em histórias em quadrinhos, o texto não apresenta narrador, ficando as ações indicadas por meio das próprias falas dos personagens e das imagens que os representam. Já o enredo, trata do momento em que o boneco é advertido pelo seu provável supervisor (o que pode ser inferido pelo fato de este ter poder para advertir e liberar o funcionário para o almoço). O chefe, então, explica que o boneco não está desempenhando corretamente a função, demonstrando, com gestos, como o tubo está agindo e como deveria agir. O boneco tenta, então, seguir a sugestão, mas não obtém sucesso, sendo dispensado para o almoço, para que possa pensar sobre a situação, e ele se culpa, sentindo-se incompetente. Nesse momento, acontece o desfecho da história, com a entrada de um GIF em que se pode ver um boneco de posto batendo a extremidade superior contra a parede. É justamente a substituição dos desenhos estáticos e animados pelo GIF que cria o efeito de humor da narrativa, já que a história em quadrinhos funciona como uma contextualização para o GIF, como se o justificasse. Assim, o leitor pode depreender que é como se o boneco estivesse batendo a cabeça contra a parede, em uma atitude culturalmente tida como a de alguém que se sente culpado ou está extravasando sua frustração. A associação entre HQ e GIF é a característica principal dos trabalhos da artista Kat Swenski que, conforme ela explica em seu site (SWENSKI, s.d.), busca criar contextos para GIF, por meio de histórias em quadrinhos. É exatamente isso que torna esse novo gênero tão interessante e motiva o interesse dos autores em analisá-lo, para que possa ser utilizado em sala de aula. A Gramática do Design Visual (GDV), proposta por Kress e van Leeuwen (2006), vem ao encontro dessa demanda, como metodologia que contribui para a análise de textos como o GIF comic em questão. Por isso, a LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 101 S U M Á R IO seguir, são apresentadosos pressupostos básicos dessa teoria, que respaldam a análise apresentada, ao final deste capítulo. Gramática do Design Visual: estrutura e modos de articulação semiótica A construção dos textos, como dissemos anteriormente, é feita a partir de múltiplas modalidades, as quais, quando articuladas, viabilizam ao leitor diferentes formas de significar o mundo. Com isso, os elementos verbais e não verbais operam, cada vez mais, de forma indissociável e interativa. Contudo, muitas vezes essa abordagem acaba limitada, quando as práticas em sala de aula exploram apenas textos verbais. São inúmeras as teorias que possibilitam aos professores trabalhar com os diferentes elementos que compõem as imagens que circulam na sociedade, tornando as aulas mais dinâmicas e atrativas. Entre elas, tem-se a Gramática do Design Visual (GDV), proposta por Kress e van Leeuwen (2006), com base na Gramática (ou Linguística) Sistêmico-Funcional (GSF), de Halliday (2004). No que diz respeito à última, cabe dizer que ela entende a linguagem verbal – a qual se organiza, segundo essa proposta, por meio de funções específicas – enquanto um sistema de significados. Em outras palavras, a GSF “estuda a língua nas diferentes funções sociais que ela exerce, na qual cada indivíduo realiza e constrói significados através das funções e relações disponíveis nos sistemas” (NOVELLINO, 2007, p. 51). Tais funções evidenciam propósitos e finalidades de comunicação que são expressos por significados: ideacionais, que buscam traduzir, em linguagem, as vivências humanas e, por isso, estão ligados ao ator, aquele que representa o processo, já que a oração é tida como representação das experiências do indivíduo (BRITO; PIMENTA, 2006); interpessoais, que se ligam ao sujeito, aquele sobre o qual algo é praticado, e estão relacionados à oração como forma de interação entre o falante e o ouvinte, feita por meio dos modos da oração (declarativo, interrogativo ou imperativo); e LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 102 S U M Á R IO textuais, relacionados ao tema da oração, ou seja, o ponto de partida da mensagem, voltando-se à organização, estrutura e formatação do texto em código verbal. Já a GDV, desenvolvida com base na abordagem funcionalista hallidayana, é uma teoria que atua na descrição das estruturas que organizam a informação visual dos textos. Tendo em vista a impossibilidade de interpretá-los exclusivamente pela linguagem escrita, uma vez que esta consiste em apenas um de seus modos representativos, Kress e van Leeuwen (2006) salientam que os textos, ao combinarem mais de um meio semiótico, são cada vez mais multimodais, devendo ser lidos, por consequência, a partir da interligação das redes de significados – verbais, visuais, gestuais etc. – que os constituem. Em consonância, Santos (2010) argumenta: É na proposta de uma Gramática Visual que os autores advogam a necessidade de um letramento visual, na medida em que a comunicação visual está se tornando cada vez mais um domínio crucial nas diversas redes de práticas sociais das quais participamos [...] (p. 3). Observamos, a partir disso, que tanto as estruturas linguísticas quanto as estruturas visuais são escolhas de significados que, consequentemente, constituem-se como forma de interação social. Por conseguinte, as seleções realizadas dentro dessas redes “podem ser vistas como traços da decisão do sujeito em produzir o significado mais apto e plausível em um determinado contexto de comunicação” (SANTOS, 2010, p. 3). Por ser uma extensão da GSF, a GDV, utilizando-se dos significados ideacional, interpessoal e textual da teoria de Halliday, ressignifica-os em três metafunções, que organizam e expressam as composições visuais, sendo elas: a representacional, a interacional e a composicional. Por meio dessa organização metafuncional, Kress e van Leeuwen (2006) promovem uma gramática visual que visa a análise crítica de textos multimodais. Logo, o que se busca é promover práticas mais efetivas de leitura e de interpretação dos múltiplos sentidos que as imagens produzem e veiculam. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 103 S U M Á R IO Para entender mais a fundo a GDV, é necessário observar atentamente cada uma dessas metafunções, a fim de compreender que, mesmo sendo apresentadas individualmente, elas operam ao mesmo tempo em toda a imagem. Brito e Pimenta (2006), ao se debruçarem sobre essa teoria, apresentam uma esquematização que muito auxilia no entendimento de sua organização e sistematização, a qual trazemos, aqui, para explanação. Distinguimos, primeiramente, os dois elementos envolvidos na leitura de uma imagem, chamados, pela GDV, de: participantes interativos (PI), quem produz e quem lê a imagem; e participantes representados (PR), tudo o que é mostrado na imagem (pessoas, animais, cenário, fundo, objetos etc.). Da relação entre PI e PR decorrem os efeitos de sentido pretendidos por uma imagem. Começando pela metafunção representacional, ela apresenta o campo da ação social por meio de dois processos de representação: os narrativos e os conceituais. O primeiro diz respeito aos processos de ação e de reação – expressos, no campo da imagem, por meio de vetores (representados por setas ou pelo posicionamento dos participantes) – nos quais o PR está envolvido. Este, por seu turno, pode ser ator, isto é, de onde o vetor surge, ou meta, para onde o vetor indica (BRITO; PIMENTA, 2006). Essa categoria se subdivide, como bem evidenciam Brito e Pimenta (2006), em processos: (1) de ação – os quais apresentam e descrevem acontecimentos do mundo concreto, podendo ser não transacional, cujo participante também é ator, e cuja meta não aparece na imagem; transacional, no qual há a presença de ao menos dois participantes (um, o ator; o outro, a meta); e bidirecional, em que os participantes são, simultaneamente, ator e meta; (2) reacional – envolve processos de reação, em que o vetor é constituído por meio da direção do olhar do participante, que reage a uma dada ação, podendo ser transacional, em que o olhar do participante se direciona ao fenômeno, que também encontra-se na imagem; e não transacional, em que o olhar do participante se dirige a algo que está fora da imagem; (3) verbal e mental – neste, o participante, que pode ou não ser humano, liga-se a um balão que expressa um processo mental ou uma fala; (4) de conversão – no qual, por meio de um representação em ciclo, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 104 S U M Á R IO o participante é ator em relação ao participante e também é, ao mesmo tempo, meta em relação a outro; (5) de simbolismo geométrico – neste processo, no qual não há participantes, tem-se apenas um vetor que aponta para fora da imagem. Os processos conceituais, por seu turno, os quais representam a essência dos participantes, ocorrem de forma classificacional ou analítica, por meio de uma relação de taxonomia. No processo classificacional, os participantes representados encontram-se em uma posição de subordinação a uma categoria similar, pois apresentam um tema em comum. Já no processo analítico, tem-se a presença de participantes (chamados de portadores ou, ainda, carriers) que se relacionam a partir de atributos possuídos que formam uma estrutura na qual a classificação se concretiza (BRITO; PIMENTA, 2006). Em se tratando da metafunção interacional, esta é responsável por estabelecer a natureza das relações e modalidades existentes entre os PR e os PI. Brito e Pimenta (2006) explicam que a imagem é classificada em três dimensões: a do olhar, a do enquadramento e a da perspectiva. Em linhas gerais, essa metafunção auxilia no entendimento de como a imagem pode se aproximar ou se afastar do leitor, construindo relações em que o significado é entendido comouma troca. Na primeira dimensão (o olhar), destaca-se que o PR, no ato de falar, adota para si um ato de fala, o qual espera que seu ouvinte siga. Assim, Kress e van Leeuwen (2006) salientam que o olhar pode levar para um determinado ponto da imagem, sendo: uma imagem de demanda, na qual o participante representado se apresenta na imagem olhando diretamente para o leitor, com o intuito de criar um vínculo com este; ou uma imagem de oferta, em que o leitor (que é apenas observador) não é objeto do olhar, sendo o(s) PR(s) oferecido(s) como objeto de contemplação. Na segunda dimensão, a do enquadramento, abordam-se os níveis de distanciamento entre o PR e o PI leitor. Em plano fechado (close-up), indica maior proximidade com o leitor, criando uma relação social imaginária com ele. Em plano aberto, isto é, em menor proximidade (panorâmica), o PR é percebido pelo leitor como objeto de contemplação, o que pode ser LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 105 S U M Á R IO visto tanto como respeito quanto como preconceito. Na terceira dimensão, a da perspectiva, trabalha-se com a imagem de um determinado ângulo ou perspectiva. Em termos de perspectiva, a imagem pode ser: subjetiva, na qual o PR é visto sob apenas um determinado ângulo; ou objetiva, em que tudo o que pode ser visto na imagem é revelado (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Brito e Pimenta (2006) apontam, também, que, nessas três dimensões interativas, a modalidade4 apresenta-se como um indicador das relações de poder e solidariedade entre o falante e o ouvinte. Assim sendo, ela se faz presente em cada modo semiótico, em maior ou menor grau de afinidade, evidenciando a opinião do falante e sendo expressa a partir de diferentes marcadores de modalidade e graus de articulação. Por fim, a metafunção composicional, ao congregar significados representacionais e interacionais, encarrega-se de evidenciar os elementos que compõem a estrutura e o formato da imagem. Sendo assim, organiza a linguagem visual como uma mensagem que é construída pelos falantes em um dado evento linguístico (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Essa composição de elementos visuais, interativos e representacionais pode se apresentar por meio de três sistemas que estão estritamente relacionados: o valor da informação, a saliência e a moldura. Assim, essa metafunção está ligada ao layout do texto, isto é, ao arranjo textual da imagem. No que tange ao primeiro, como o próprio nome já adianta, ele diz respeito ao valor dos elementos composicionais de uma imagem, segundo a posição que ocupam. Por estarem uns em relação aos outros, a forma como os elementos se apresentam na imagem auxilia na construção de seu significado. Por isso, Brito e Pimenta (2006) destacam que o valor da informação se realiza por meio de três estruturas. A primeira delas é dado/novo, em que o dado se refere aos elementos já conhecidos pelo leitor – sendo apresentados à esquerda da página, e o novo remete à apresentação de uma informação nova a ser discutida – se localiza 4 As limitações deste trabalho inviabilizam uma explicação mais detalhada sobre a modalidade, sobretudo no que diz respeito aos seus marcadores e graus de articulação. Assim sendo, recomenda-se a leitura de Brito e Pimenta (2006) para mais informações. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 106 S U M Á R IO à direita. A segunda é ideal/real, que se refere, em uma estrutura não verbal, à demarcação vertical, em que os elementos da parte superior trazem maior afinidade com o leitor (o campo do sonho), enquanto os recursos da parte inferior tendem a ser uma informação mais prática (ligada ao mundo concreto). E a terceira é centro e margem, cujas informações centrais são tidas como as de maior relevância na imagem, e as localizadas na margem, são as de menor destaque. Já o segundo sistema, o da saliência, dá maior enfoque em um determinado elemento em detrimento dos demais apresentados na imagem, o que gera efeito de destaque. Por fim, no que se refere à da moldura, a imagem é dividida por linhas e espaços que geram uma impressão de desconexão entre os elementos representados na imagem, que podem ou não pertencer a um núcleo informativo. Considerando tal abordagem proposta pela GDV, realizaremos a análise do GIF comic Boneco de posto (SWENSKI, 2021). Antes, porém, apresentamos a metodologia utilizada nesta pesquisa. Metodologia Para a consecução deste trabalho, dois tipos de pesquisa foram realizadas, conforme Paiva (2019): a) pesquisa bibliográfica e webliográfica, com base em livros e artigos, disponíveis em acervos físicos e digitais, para que fossem ampliadas e revisadas as noções teóricas sobre ensino de língua inglesa, multiletramentos, Gramática do Design Visual e os gêneros HQ e GIF; b) pesquisa aplicada, por meio de análise descritiva de um GIF comic publicado pelo perfil @katswenski, no Instagram, de autoria de Kat Swenski. Tais procedimentos contribuíram para que alcançássemos o propósito de explorar os recursos linguístico-semiótico-discursivos presentes no texto mencionado, que podem ser úteis para o ensino de inglês nas escolas, além de buscar inovações no próprio ato da pesquisa, ao se trabalhar com um gênero não-tradicional. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 107 S U M Á R IO A seleção do GIF comic em questão se deu por meio de pesquisas na própria rede social Instagram, especificamente no perfil da autora. Assim, o objeto de estudo foi escolhido por chamar a atenção dos autores em meio a vários outros conteúdos, principalmente por possibilitar que uma análise ampla, com base na GDV, fosse realizada. Portanto, a abordagem aqui utilizada se caracteriza como qualitativa, posto que se busca entender o gênero em foco a partir de uma visão interpretativista de sua composição e funcionalidade, sem levar em conta aspectos numéricos ou de quantidade. Análise do GIF comic "Boneco de posto" à luz da GDV A análise do GIF comic, considerando, primeiramente, a metafunção representacional, a qual aborda aspectos inerentes à representação, na imagem, de fenômenos do mundo real, permite observar que os sentidos da história são expressos por meio de processos de ação e reação, ou seja, de atitudes e olhares dos participantes representados (PR). Assim, temos, por exemplo, na Figura 1, um processo de reação, que se apresenta por meio do olhar interrogativo do rapaz para o boneco, os quais são, conforme explicado anteriormente, reator e fenômeno, respectivamente. Como ambos aparecem na cena, dá-se um processo de reação transacional, o que já não acontece na imagem da figura 2, já que, ao não enquadrar o fenômeno, a cena exemplifica um processo de reação não transacional. Essa diferença contribui para dar destaque à situação vivida pelos personagens: enquanto no primeiro quadro os personagens estão sendo apresentados, no segundo o supervisor faz a crítica que vai gerar todo o conflito da narrativa. Mostrar apenas o rapaz no segundo quadro contribui para evidenciar o sentido pretendido pela história, o que é complementado pelas falas nos balões. Ainda no que tange ao processo reacional, notamos que, na figura 5, há quatro PR (a menina, a mãe da menina, o boneco de posto e o rapaz). Neste caso, o vetor é formado tanto pelo olhar de medo/espanto das duas personagens para o boneco quanto pelo olhar de constrangimento do rapaz, o que é reforçado pelas falas expressas nos balões e pela representação da LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 108 S U M Á R IO postura dos PR, diante da tentativa frustrada do boneco em exercer com eficiência seu trabalho. Em se tratando do processo de ação, destacamos as figuras 3, 4 e 5 que, no suporte original, apresentam um dos PR em movimento repetitivo,como um GIF. Nas duas primeiras cenas, o rapaz se movimenta para demonstrar como o boneco age e como ele deveria agir, e, na terceira cena, o boneco tenta repetir a atuação. O uso do processo narrativo de ação transacional – já que o ator age para ser visto pelo outro, que funciona como uma meta – serve para expressar a noção de exemplificação que a cena pretende demonstrar, o que, inclusive, gera humor, provocado pelo movimento em loop. Além disso, ocorre processo narrativo de ação na figura 7, quando o boneco se lamenta por não conseguir realizar sua função de forma adequada, tal como o rapaz demonstrou. Esse sentimento de lamentação é reforçado quando ele bate com as “mãos” na própria “cabeça”. Tal ação é classificada, pela metafunção representacional, como transacional bidirecional, haja vista que há somente a presença de um participante que é, ao mesmo tempo, ator e meta. Cabe, em última análise, dizer que todos as figuras, com exceção da oitava, enquadram-se enquanto processos narrativos verbais, já que neles os participantes representados, ora o rapaz, ora o boneco, utilizam um balão de fala, que contém a expressão verbal de cada um. Assim, temos, nos quadrinhos, falas que, ao serem associadas ao conteúdo não verbal, geram o efeito de humor, o qual é reforçado na Figura 8, quando o boneco bate a cabeça contra a parede como forma de punição ou lamentação pela situação ocorrida. No que diz respeito à metafunção interpessoal, a qual lida com a relação de interação entre os sujeitos envolvidos em um evento comunicativo (PR e PI), podemos ver, em todos os quadros, com exceção do segundo, que os PR olham para si e não diretamente para o PI. Esse uso do olhar de oferta, já que o PR é objeto de olhar do PI, pretende demonstrar como a história é escrita para ser vista de fora pelo leitor. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 109 S U M Á R IO Nesse sentido, ao ter contato com o texto, o leitor se encontra em uma posição de observador, como se captasse uma ação que ocorre no momento. Além disso, a expressão facial e corporal de abatimento do boneco ajudam a estabelecer uma relação de proximidade com o leitor, talvez para provocar nele compaixão: o boneco tem olhos arregalados, formato de boca triste e cabeça e mãos levemente inclinadas para baixo. Tal efeito se contrasta com o uso do olhar de demanda na Figura 2, quando o rapaz, ao olhar para o boneco, parece olhar para o PI. Esse recurso provavelmente foi utilizado para evidenciar o tom de advertência do supervisor. É possível fazer essa inferência, pois, entre outros aspectos, percebemos que o rapaz faz uma espécie de requerimento ao leitor, que se encontra na posição do homem-tubo presente no quadrinho anteriormente analisado: que mude a sua atitude, demonstrando mais confiança em si mesmo. Então, ao utilizar este recurso, o PI produtor da imagem contribui para que se desenvolva um vínculo entre ele e o leitor. Nesse viés, a posição da mão esquerda do jovem – encostada ao rosto, com o dedo indicador levantado – e a sua expressão facial de constrangimento – olhos semicerrados e sobrancelhas arredondadas – também auxiliam para que ocorra o processo de significação da mensagem que se pretende transmitir. No que se refere ao GIF final (Figura 8), nota-se que o boneco se dirige ao leitor de forma indireta, por meio de um olhar de oferta. Desse modo, cria-se a sensação de que o leitor capta a imagem, como se estivesse em meio à ação ali apresentada. Além disso, a ação do homem-tubo de bater a cabeça contra a parede, múltiplas vezes seguidas, é muito importante para que toda a narrativa do GIF comic faça sentido, pois esse ato se apresenta como a reação à crítica que anteriormente lhe foi dirigida. Em relação ao enquadramento, por um lado, percebe-se que a Figura 1 se apresenta em um plano distante, posto que os dois PR são retratados de corpo inteiro, o que corrobora para que sejam afastados do leitor e não se crie a ideia de identificação. Assim, os PR são encarados pelo leitor como objetos de contemplação, o que vai ao encontro da ideia geral deste quadrinho, em específico, que é o anúncio de uma crítica, o que LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 110 S U M Á R IO normalmente tende a não ser uma questão bem recebida pelas pessoas. Além disso, assim como na maioria dos quadrinhos, os PR são representados em um ângulo horizontal, isto é, de frente para o leitor, o que procura criar maior empatia, segundo a GDV. Por isso, a perspectiva da imagem é objetiva, pois tudo que o produtor julgou ser necessário a ser visto é, de fato, apresentado. Por outro lado, a imagem da figura 2 apresenta-se em um close-up, o que tende a fazer com que o leitor crie uma afinidade pelo que é apresentado. Esse recurso é de extrema importância, principalmente ao se considerar que o PR, aqui, tece uma crítica a algo/alguém, o que o coloca em uma posição de desconforto, tal como costuma ocorrer na vida humana. No mesmo viés, o PR é representado em um ângulo vertical, o que pode ser inferido pelo fato de o leitor estar em uma posição que permite ver de cima, o que lhe dá uma sensação de maior poder sobre o personagem e ajuda a construir a sensação de que o PR sente vergonha enquanto profere a sua fala. Sobre isso, duas possibilidades podem ser levantadas: I) o PR se encontra em uma posição de intimidação, pelo fato de o homem-tubo possuir uma altura muito maior que a dele; ou II) o PR se encontra em uma posição de intimidação, porque está em uma situação complicada, na qual precisa dizer algo, mas não sabe exatamente como, justamente por sentir receio de que seja mal interpretado. Quanto ao GIF presente ao final da história, vê-se que o PR é representado por meio de um enquadramento que o distancia do leitor, em um ângulo vertical: de costas e de lado. Com isso, características ligadas à fragilidade podem passar a ser atribuídas ao homem-tubo, posto que o leitor é colocado em uma posição como se o visse de longe batendo a cabeça na parede, julgando-o pelo que faz. Também se cria a sensação de que a filmagem está acontecendo às escondidas, ao contrário do que ocorre nos outros quadrinhos. Já a modalidade fica destacada pela comparação entre os quadrinhos de 1 a 7 e o oitavo, já que, enquanto os primeiros estão em formato de desenho, ou seja, uma representação ilustrativa ficcional da realidade, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 111 S U M Á R IO o último é um vídeo, uma captação em imagem de um momento da realidade. Essa diferenciação é expressa pela demarcação de cor, iluminação, detalhamento etc., cuja variação contribui para demonstrar qual imagem mais se aproxima da realidade (Figura 8) e quais pretendem representá-la de modo caricatural (Figuras de 1 a 7). No que se refere à metafunção composicional, que se volta à organização dos elementos que compõem a cena, bem como dos efeitos de sentido decorrentes dessa combinação e, por isso, integra os significados das duas metafunções anteriormente apresentadas, é necessário destacar a importância da composição no gênero HQ. Assim, a união de desenhos lineares, que procuram demonstrar movimento, com balões de fala, tudo isso limitado por um quadro, é a característica marcante da HQ, conforme explicado anteriormente. Além disso, o sentido do texto depende da ordem dos quadrinhos, os quais são lidos sucessivamente, ficando os novos à direita, de acordo com o modo de leitura da cultura ocidental. Nota-se, porém, que o GIF comic analisado não se organiza conforme as histórias em quadrinhos normalmente se apresentam, com todos ou com vários quadros em uma mesma página. Isso varia de acordo com o suporte do texto que, neste caso, é o Instagram, em que as postagens podem reunir mais de uma imagem, as quais são lidasclicando-se em setas. No caso da história em quadrinhos, os novos quadros se sucedem com o uso da seta à direita, de onde surgem as novas informações. Tem-se, aí, um exemplo da aplicação da relação dado X novo proposta pela GDV. Além disso, a relação centro X margem se destaca, já que os personagens são representados no centro do quadro, especialmente quando recebem destaque, o que é feito associando-se ao recurso do enquadramento, como nas figuras 2 e 7. Da mesma forma, a relação ideal X real se manifesta por meio da apresentação dos personagens na metade inferior do quadro, enquanto os balões de fala ficam na metade superior. Isso pode ser explicado considerando que, na parte superior da imagem, segundo a GDV, encontra- se aquilo que busca criar maior afinidade emotiva com o PI, as palavras, o que está no campo das ideias, enquanto as pessoas, que representam o mundo real, estão sob os balões. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 112 S U M Á R IO Quanto ao uso da saliência, segundo os padrões da GDV, seu uso pode ser exemplificado pelo sétimo quadrinho (figura 7), já que o boneco recebe destaque em relação ao fundo, o qual não é mais um cenário, como nos quadros anteriores, mas um fundo liso com efeito de degradê, indo do azul claro (em cima) até o cinza escuro (embaixo). Há, ainda, um efeito sutil de explosão, que contribui para destacar a ação do boneco, a qual é explicitada por linhas pretas que indicam movimento. Supõe-se que, com esse efeito, a autora buscou evidenciar a situação de conflito do boneco consigo mesmo, já que, conforme o balão de fala, ele se chama de “estúpido” por três vezes. Destaca-se, ainda, que a associação da linguagem verbal (a repetição da ofensa) com a linguagem não verbal (boneco batendo na própria testa) são fundamentais para que, da leitura, depreenda-se o momento de tensão. Por fim, temos a moldura que, conforme explicado, é fundamental para a compreensão do gênero história em quadrinhos, já que ela delimita a ação em quadros e da mudança decorre a sequência narrativa, fazendo com que a moldura marque a lacuna da história, que é preenchida pelas inferências feitas pelo leitor. Além disso, as molduras são fundamentais, na HQ, para delimitar o espaço de fala dos personagens, com a composição de balões, que são elementos característicos desse gênero. Cabe, por fim, destacar que os múltiplos sentidos constituídos a partir de cada uma dessas metafunções suscitam noções de texto e linguagem que potencializam as aulas de línguas. Por meio do entendimento das potencialidades da Gramática do Design Visual, o professor pode atentar os alunos a aspectos que precisam ser considerados para o desenvolvimento de uma leitura mais contextualizada e crítica. Logo, por mais que a complexidade dessa proposta inviabilize o uso das classificações metafuncionais nas salas de aula, nada impossibilita que suas fundamentações sejam levadas ao espaço escolar, a fim de promover a ampliação do letramento visual dos estudantes. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 113 S U M Á R IO Considerações finais As fronteiras entre os gêneros contemporâneos estão cada vez mais tênues. A narrativa sobre o boneco de posto, como vimos, tem como enquadre um novo gênero, criado a partir do entrelaçamento de gêneros já existentes, os quadrinhos e o GIF, trazendo à cena novas mídias e novas culturas. Não se trata apenas de uma outra forma de composição, embora isso nos chame muito a atenção pela maneira criativa de se criar uma história em torno do GIF, que aparece no desfecho da narrativa. É, de fato, uma outra configuração, que, guardando convenções das HQ impressas, delas claramente se diferencia. Ao se fazer a análise do gênero a que chamamos GIF comic à luz da Gramática do Design Visual, não se está propondo, naturalmente, que os alunos sejam tomados como especialistas em GDV, nem mesmo o professor, mas estar consciente sobre os diferentes recursos multimodais que interagem para construir os sentidos, conhecer e saber manejar esses recursos, o que certamente contribuirá para o desenvolvimento do letramento multimodal dos estudantes. Como analisamos aqui um exemplar de gênero em inglês, vale ressaltar que, conforme salientam Vian Jr. e Rojo (2020), o diálogo estreito e indissociável entre as concepções de letramentos, letramento visual, letramento midiático e multiletramentos, impõe novos desafios epistemológicos para a área de ensino de línguas estrangeiras, devendo a multimodalidade tornar-se parte integrante desse ensino. Ribeiro (2021) também nos ajuda a compreender o papel do professor nesse processo: ampliar o poder semiótico dos alunos, em consonância com o que defendem Kress e van Leeuwen (2006). Assim, por exemplo, se despertamos a percepção dos alunos para conhecer a materialidade dos recursos multimodais utilizados num dado gênero, como o GIF comic analisado, podemos encorajá-los, enquanto leitores, a seguirem uma determinada trilha, a chegarem a um nível de compreensão mais aprofundada e crítica de sua própria realidade. Enquanto a escola continua, muitas vezes, a dar primazia ao texto LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 114 S U M Á R IO verbal, esperamos ter deixado claro que o ensino de língua deve explorar todos os recursos semióticos que estão materializados no texto. Isso não significa negligenciar a dimensão mais estritamente linguística do gênero. Afinal, tem-se o propósito de ensinar a língua, no caso do nosso exemplo, a língua inglesa. O fato é que acreditamos que o processo de compreensão do texto verbal que está nos balões de cada quadrinho possa ser conduzido de forma muito mais motivadora e eficiente quando texto e imagem são vistos como camadas que se interpenetram e formam um todo de sentidos. Na perspectiva de uma leitura mais reflexiva, numa dimensão mais sociocultural, a imagem intimidadora do supervisor e a imagem desolada do boneco de posto diante da crítica, se exploradas adequadamente, poderiam levar a uma discussão sobre relações de trabalho numa sociedade competitiva e desigual, apenas para sugerir uma possibilidade de abordagem. Com esta breve análise, espera-se ter contribuído para sugerir formas de trabalho didático com gêneros multimodais na sala de aula de língua inglesa. Novos gêneros, novas respostas às demandas da contemporaneidade: este é o nosso desafio. Referências BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. 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Entretanto, para que se viabilize como um instrumento eficaz nesta época na qual se encurtam as distâncias físicas, mas que, em muitos casos, aprofundam-se as distâncias sociais, é preciso pensar na construção de alternativas concretas que representem, na prática, iniciativas de democratização em todos os níveis, e, relevantemente, no campo do acesso ao conhecimento. A democratização do acesso à Língua Inglesa - LI está intrinsecamente ligada ao tema da diversidade cultural, que vem adquirindo crescente importância na atualidade. São notórios os conflitos étnicos em nível mundial e a criação de práticas racistas oriundas de preconceitos, estereótipos, intolerância cultural e incapacidade de compreender a dinâmica diferenciada das diversas culturas dos povos. Os conflitos mundiais têm recuperado o tema da diversidade cultural como uma prática prioritária LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 118 S U M Á R IO inclusive em níveis de práticas globais. Neste sentido, o ensino de LE deve apontar para uma perspectiva plurilíngue, que considere as especificidades dos grupos com os quais atua. O domínio de uma Língua Estrangeira auxilia o educando em seu processo de autoestima e ajuda na superação do sentimento de impotência que tão frequentemente acomete os indivíduos das classes mais populares nos processos educativos na realidade brasileira. Não é somente o universo populacional que deve ser alargado, mas também, o campo das ofertas em LE, garantindo a inclusão da diversidade cultural. A noção da diversidade cultural torna-se negativa quando existe uma relação política, econômica e cultural com o país de origem da língua que pressupõe superioridade estrangeira e uma consequente geração do complexo de inferioridade nacional. O ensino do inglês, com uma perspectiva democratizante, deve contribuir para superar esta relação, construindo uma visão intercultural que equilibre a valorização das mais diversas contribuições culturais, negando a hierarquia entre as mesmas.1 A superação do sentimento de inferioridade cultural ocorrerá exatamente por um trabalho de desmistificação, junto ao educando, no sentido de esclarecer que são os fatores de ordem socioeconômica, e não cultural ou linguístico, os que classificam as classes populares como cultural e linguisticamente inferiores, dando margem aos preconceitos de diversos tipos. Este sentimento de inferioridade é um dos obstáculos afetivos ao aprendizado da língua estrangeira. O inglês na realidade linguística do aluno Viver significaadaptar-se continuamente ao meio e transformá-lo para que ele se adeque à vida do ser humano. Desenvolver-se é um processo de relação entre o ser e o seu meio. De acordo com Macedo (1996), este meio é o que podemos chamar de natural e social. Ele é estabelecido pela natureza, pelas pessoas, pelos objetos, pelos valores, pelas ideias, e pelo conhecimento. 1 Recorte de minha Monografia da Especialização em Ensino da Língua Inglesa defendida na UECE em 2018. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 119 S U M Á R IO Uma característica básica do ser humano é que ele se desenvolve em um processo contínuo e permanente, que vai do nascimento até a morte, constituído por períodos que se distinguem entre si pelo predomínio de estratégias e possibilidades específicas de aprendizagem. Estes períodos são, normalmente, referidos como: infância, adolescência, maturidade e velhice. O indivíduo se constitui, enquanto membro do grupo, através da construção de sua identidade cultural, possibilitando sua inserção no grupo e construindo, simultaneamente, sua personalidade que o caracterizará como indivíduo único no grupo. No aspecto intelectual, é um processo integrado que abrange todos os aspectos da vida humana (física, emocional, cognitiva e social), e é, também, complexo nas diversas funções que são formadas. Conforme Davis (1989), o ser humano, enquanto espécie, apresenta, ao nascer, uma plasticidade muito grande, podendo desenvolver várias formas de comportamento, aprender várias línguas, utilizar-se de diferentes recursos e estratégias para se adaptar ao meio e agir sobre ele. Entretanto, o indivíduo aprende e utiliza somente as formas de ação que existirem em seu meio, assim como ele aprende somente a língua ou as línguas que ali forem faladas Isto quer dizer que a cultura tem um papel importante no processo de desenvolvimento e aprendizagem, uma vez que determinadas estratégias de ação e padrões de interação entre as pessoas são definidas pela prática cultural. Os comportamentos e ações privilegiados em um determinado grupo são determinantes no processo de desenvolvimento do educando. O desenvolvimento da aprendizagem do aluno pressupõe a formação para a curiosidade em aprender e mediante esta aplicação curiosa do conhecimento, ele consegue estabelecer formas de agregação ao conhecimento já existente. Essa curiosidade se apresenta como experiência vital, o que faz com que as palavras de Freire (1996, p. 35) nos faça refletir: [...] a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas próprias da prática educativo- progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 120 S U M Á R IO O autor reflete claramente que deve provocar esta curiosidade do educando de maneira que nele seja despertado uma vontade de conhecer mais e ser mais crítico diante do conhecimento que a escola perpassa. Aqui, o autor estabelece uma educação formada para o desenvolvimento da criticidade do aluno. O indivíduo não é um ser somente em desenvolvimento psicológico, mas um ser concreto em relação com o real, com consequente formação de possibilidades cognitivas e apreensão e compreensão da realidade, de transformação de si próprio e, consequentemente, desta realidade e de produtor e consumidor de conhecimentos. O conhecimento que o indivíduo possui continuamente transformado pelas novas informações que ele recebe e pelas experiências pelas quais passa. Davis (1989), afirma que o processo de desenvolvimento psicológico não pode ser independente do processo de desenvolvimento cognitivo do ser humano. Davis (1989, p. 55), complementa, ainda, que “o processo de desenvolvimento do ser humano é concomitante e intrinsecamente ligado à aprendizagem, sendo modificado por ela”, estabelecendo, desta forma, uma articulação dialética entre forma e conteúdo, fornecendo a consciência existente de uma pessoa que aprende sem ser modificado pelos conteúdos cognitivos que ele adquiri, ou seja, a aprendizagem formal é desassociada de sua experiência de vida. O processo de desenvolvimento com a construção do conhecimento tem um duplo aspecto: o da atividade do aluno e o das interações que ele estabelece. Sendo uma espécie social, o ser humano se caracteriza pela construção de sua individualidade através da relação com o outro, o sujeito se constitui em virtude de processos múltiplos de interação com o meio sociocultural, pela presença de outros indivíduos e de objetos culturalmente inseridos e definidos. Dentre esses objetos inseridos e definidos, encontra-se a Língua Inglesa dentro do contexto da realidade educacional do aluno. A formação de uma mentalidade sobre a necessidade de adquirir conhecimentos sobre uma outra língua gerou a capacidade de suprir as necessidades do mundo LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 121 S U M Á R IO atual, haja vista que as fronteiras linguísticas estão se estreitando cada vez mais presentes em nossa realidade. Necessário também se faz entender que a LI é um instrumento mercadológico, que tanto favorece a transação comercial, como melhora o desempenho nas comunicações financeiras, bem como a ampliação da capacidade de inserção no mundo internacional. A esse fato, Rivers (1975, p. 31) esclarece que “consequentemente, muitas pessoas, até então diferentes, começaram a apreciar o valor do conhecimento perfeito de outra língua que não a sua”. A autora deseja demonstrar que a necessidade de se formar dentro do contexto social é que despertou o desejo por aprender uma Língua Estrangeira. Desta maneira, a realidade linguística do educando o faz despertar para os novos efeitos da comunicação sem fronteiras. Com isso, o aluno deverá ser preparado para saber ouvir e falar construindo as bases para uma educação preparatória para os desafios que o mundo atual lhe impõe, tanto no que diz respeito a comunicação quanto às exigências do mercado de trabalho. O aluno que ingressa no estudo de uma LE é levado a desenvolver suas potencialidades com relação a sua comunicação e expressão. Terá acesso a uma literatura maior, a um conhecimento de mundo mais extensivo, dado à facilidade de contato com temas atuais e que circulam mundialmente. A Língua Estrangeira, e mais especialmente, a LI possibilita ao aprendiz o acesso ao que mais se comunica, atualmente, em nível de cientificidade. Portanto, uma das metas do aluno que estuda uma LE e, aqui, mais especificamente o inglês é a de demonstrar que uma língua não vale por si mesma, e sim, pela cultura que encerra. Aprender uma língua é, também, conhecer e sentir uma diferente maneira de encarar a vida, ver o mundo de uma nova dimensão que nos amplia os horizontes, nos enriquece as experiências e nos torna mais sábios e mais tolerantes, pois nos faz conhecedores de outras culturas, de outros padrões de vida que podem nos ajudar a enfrentar as diversas situações que apresentam no nosso dia-a-dia. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 122 S U M Á R IO Assim, o domínio da língua tem uma estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visão de mundo e produz conhecimento. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 23) estabelecem a importância da língua quando dizem: [...] é uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de umasociedade nos distintos momentos da sua história. O aluno que desenvolve a capacidade de conciliação entre a língua e a sua realidade, certamente conhece as possibilidades de uma comunicação significativa porque aprende as normas linguísticas embasadas no que vive a esse respeito em seu cotidiano e na prática da sala de aula. Contudo, a liberdade no uso da língua se desenvolverá somente quando o aluno ganhar controle do sistema como um todo, da expressão da língua tendo em vista o alargamento de seus conhecimentos culturais. Dessa forma, atualmente, o aluno que ingressa na Língua Inglesa e que integra o corpo discente de uma escola pública, consequentemente, passa a sentir uma série de dificuldades que vão desde os procedimentos motivacionais até as estruturas escolares que estão danificadas por falta de manutenção. Esses fatores comprometem o desempenho educativo do aluno que luta para se manter em nível de igualdade das instituições privadas, o que, na realidade não acontece. Resta, tão somente, procurar desenvolver um ensino de LI que esteja em consonância com as exigências atuais e com as aptidões do educando que estão cada vez maiores. Num contexto atual, as exigências sociais são para que o educando, além de dominar as categorias gramaticais e vocálicas, domine a leitura de textos, favorecendo o desempenho linguístico compatível com o mercado. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 123 S U M Á R IO O papel da escola como incentivadora da língua estrangeira As grandes polêmicas que se travam a respeito da função escolar, de modo geral, estão centradas na seguinte questão: a escola é um aparelho de sustentação ou um meio de transformação da sociedade? Em uma análise sobre a história das sociedade, sabe-se que na sociedade primitiva inexistirem classes; a escola no sentido formal também não havia, por se considerar desnecessária. O aparecimento da escola ocorre no momento em que surge a propriedade provada dos meios de produção e a sociedade de classes. A classe que domina materialmente é também a que domina com seus ideais, com a sua moral e educação. Numa sociedade em que só uma classe detém o saber, a função possível da escola consiste na democratização do saber sistematizado. Tal saber não pode ser confundido com o chamado saber popular. O saber sistematizado é o saber organizado que a humanidade acumulou ao longo da história. É aquele que se aprende na escola, não podendo, pois, ser adquirido, espontaneamente, como se obtém o saber popular aprendido nas ruas. Assim, ela deve sem dúvida alguma, levar em conta a cultura popular, a especificidade econômica e cultural onde atua sua clientela. Não pode, porém ser descaracterizada nem se omitir da função que lhe é inerente, nem conduzir uma aprendizagem de segunda classe marcadamente localista e depreciada em seu valor científico. Faz-se também necessário que a escola estabeleça critérios de qualidade para o desenvolvimento salutar na sua estratégia de ensino, haja visto que a escola não é um simples “negócio”, mas uma instituição que tem a função de formar indivíduos capazes de exercer suas atividades como cidadãos. Por isso, Mezozo (1997, p. 12) revela como funciona a garantia da escola em sua atividade educacional. A qualidade da escola, por isso mesmo, só será garantida se houver a participação de todos os envolvidos: pais, professores e alunos. Os pais deverão apoiar o esforço da escola, os professores deverão trabalhar mais efetivamente e os alunos LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 124 S U M Á R IO deverão executar a parte que lhes cabe no processo de aquisição das habilidades de que necessitam para serem os cidadãos que a sociedade requer. Por sua vez, a escola para desenvolver sua atividade como incentivadora do ensino, deve contar com o apoio da comunidade; já que a instituição de ensino prepara o educando para exercer as atividades dentro do contexto social. Pode-se afirmar que as finalidades práticas do ensino das línguas constituem simples meio em relação aos fins de ordem educativa, tal como estes conduzem os resultados mais amplos dos objetivos culturais. Com base no idioma em estudo, buscará contribuir para o harmonioso ajustamento da grade escolar, expresso num conhecimento mais profundo de si mesmo e dos outros, formando a inteligência, moldando-lhe o caráter, educando o sentimento, desenvolvendo a reflexão, aguçando o julgamento, despertando-lhe a iniciativa e infundindo-lhe o senso de cooperação. A escola, como incentivadora do idioma deve propiciar ao estudante a indispensável capacidade para observar nitidamente os fatos e classifica- los sob diferentes pontos de vista, deduzindo leis gerais e formulando conclusões que possam mais tarde ser aplicadas em casos diferentes. Ao mesmo tempo, deve o estudo da LI contribuir para melhorar o conhecimento do próprio idioma vernáculo, aumentando a facilidade para aprender também outros idiomas, desenvolvendo relações adequadas entre o indivíduo e a sociedade, infundindo hábitos positivos de esforço continuado, tornando o aluno apto a fazer uso pronto e efetivo das descobertas ou invenções estrangeiras e concorrer para a sua maior adaptação social, através dos contatos mais frequentes com os nativos de outros países. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 125 S U M Á R IO As novas habilidades adquiridas pelos discentes através do ensino da língua inglesa A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada momento. Para a escola, como espaço institucional de acesso ao conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda, implica uma revisão substantiva das práticas de ensino que tratam a língua como algo sem vida e os textos como conjunto de regras a serem aprendidas, bem como a constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem a partir da diversidade de textos que circulam socialmente. Segundo os PCNs (BRASIL, 1998, p. 30) a escola tem uma grande função que é: [...] viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalha planejado com essa finalidade. Dessa maneira, a escola tem a possibilidade de incentivar o aluno a conhecimentos acumulativos e que constitui, igualmente, uma função intelectual e cultural. Por isso, o ensino de uma nova língua é levar o aluno a descobrir novas culturas e novas modalidades de vida. Daí, não se concebe que, na escola secundária, o ensino de línguas modernas ainda se detenha no exato momento em que deveria realmente começar: nos objetivos instrumentais, no mero ouvir, falar, ler e escrever. Deve-se partir sempre da língua, não há dúvida, mas paralelamente lançar em germe o conhecimento da civilização estrangeira e, com apoio nesta, envolver pouco a pouco das manifestações mais ou menos superficiais do progresso material ao terreno elevado de sua cultura. Para cumprir sua função como incentivadora para novas habilidades da cultura, a língua inglesa está incluída neste propósito considerando as LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 126 S U M Á R IO práticas de nossa sociedade, sejam elas de natureza econômica, política, social, cultural, ética ou moral. Temos que considerar também as relações diretas ou indiretas dessa prática com os problemas específicos da comunidade local que presta serviço. É fundamental conhecer as expectativas dessa comunidade, suas necessidades formas de sobrevivência, valores, costumes e manifestações culturais e artísticas.Mediante esse conhecimento que a escola pode atender a comunidade e auxiliá-la a ampliar seu instrumental de compreensão e transformação do mundo. No tocante ao ensino da LI, a escola deve tomar iniciativa de instigar nos seus alunos as aptidões linguísticas do educando, principalmente empreendendo atividades envolvendo leitura e escrita de textos ingleses. É uma forma de desenvolver conceitos linguísticos que encontram no exercício desta língua. Como explicam os PCNs: É necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades de leitura e os procedimentos que elas requerem do leitor. São coisas muito diferentes ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir o que deve ser feito, ler buscando identificar a intenção do escritor, ler para revisar. (BRASIL, 1998, p. 61). A qualidade da escola está no fato de fazer com que a cultura formalizada em sala de aula seja aplicada de maneira proveitosa na vida corriqueira do aluno, em que ele aplique da melhor maneira os seus conceitos. Com a disciplina inglesa não é muito diferente, valendo ressaltar que há a possibilidade de aprimorar a cultura de outros países ao nosso, fazendo com que os estudos ministrados na escola auxiliem na sua vida pessoal e profissional. Faz-se necessário manter os alunos envolvidos e apaixonados no compromisso de aprender uma língua estrangeira podendo explicitar uns aos outros os procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto que for lido. Assim, ele desenvolve a curiosidade para as novas modalidades culturais que estão vicejando e para as exigências mercadológicas, das quais é papel da escola também fazer este acompanhamento. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 127 S U M Á R IO Na verdade, a escola real que encontramos ainda não está encaixada no perfil de incentivar nossos alunos à aprendizagem do idioma, haja visto que os instrumentos para tal inexistem, cabendo somente ao professor da disciplina procurar desenvolver atividades que motivem seus alunos e os façam permanecer em sala de aula. Por isso, que mais uma vez, Mezozo (1997, p. 17) explica que: As escolas já não podem mais tolerar nada que não seja efetivo, inútil ou mal utilizado, e devem ser criativas para garantir segurança aos seus clientes. Isto supõe escolas com uma administração comprometida com a melhoria e capazes de se prepararem para o novo mundo que exigirá produtos e serviços de qualidade para todos. Essa é a grande tarefa das escolas dos dias atuais, mesmo em meio a grandes desafios que enfrentam, elas devem se posicionar no sentido de fortalecer a sua ação educativa e de incrementar a educação que objetiva favorecendo o desenvolvimento de novas habilidades no ambiente escolar Somente dessa maneira, conseguirá contribuir para o sucesso no processo de aprendizagem da LI no âmbito escolar que facilitarão o acesso do aluno no mercado de trabalho. A disciplina inglesa e sua importância no desenvolvimento da linguagem do educando A linguagem está na raiz do pensamento humano: ao longo dos séculos, o homem foi atribuindo significado ao mundo através do pensamento e da linguagem. Em seguida, ele passou a partilhar esses significados adquiridos, por meio da linguagem, com os outros homens. No entanto, essa comunicação não acontece de forma única em todas as comunidades e em todos os segmentos sociais. Essa comunicação vai variar de acordo com as características dos falantes: idade e sexo, lugar e grupo de origem, crenças e concepções de mundo, classe social e ocupação. E, ainda, depende, do contexto em que acontece a comunicação, de forma LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 128 S U M Á R IO que esta assume (oral, corporal, artística, etc), assim como depende dos papéis que as pessoas assumem em diferentes situações. No momento da comunicação, todas essas variações devem ser respeitadas, porque exprimem a identidade, os valores culturais e a competência linguística do indivíduo que está se comunicando. Na verdade, em situações reais, essa linguagem consegue existência e significado. A disciplina de LI possibilita ao aluno desenvolver a sua linguagem porque como se trata de uma outra realidade, o educando procura perceber a realidade do país de origem e absorve toda a cultura linguística de seus cidadãos. Por isso, Rivers (1975, p. 189) comenta sobre a vivência do aluno diante da LE: Quando procuram manifestar seus pensamentos na língua estrangeira, os alunos se encontram em situações anormalmente limitantes, em que sua liberdade de expressão é seriamente cercada. O estudo de línguas estrangeiras, para a maioria de nossos alunos, se dá numa idade em que eles têm a possibilidade de revelar na fala o amadurecimento do raciocínio e a amplitude de seu conhecimento. Assim, nas aulas, é importante que a disciplina de LI desperte no educando a necessidade de expressar-se de múltiplas formas como: a leitura, a conversação, os debates, os cantos e outras atividades que configurem a expressão do aluno. Dessa maneira, a linguagem sempre tem uma história que a explica, condições que a limitam e lhe conferem um determinado caráter. Procurar a “chave” das palavras nem sempre é tarefa simples. Implica levar em conta quem são os interlocutores, em que situação se encontram, em que contexto cultural vivem e que recursos usam para si comunicar. A linguagem do educando dentro da disciplina de inglês deve se processar como forma criativa de comunicação. Na comunicação face a face, da qual fazem parte a entonação, os gestos, a expressão facial, o significado da fala se constrói na interação entre os participantes. Nessa relação, a fala de um provoca a resposta do outro. Numa cadeia que depende da ação entre os falantes, ou seja, da sua interação. Como interação social, a linguagem implica falar e ouvir numa LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 129 S U M Á R IO atuação combinada e que ouvir significa compreender a fala do outro, inserindo-a no contexto da conversa. O aspecto de intercomunicação é relevante quando se quer entender que existe interação social no âmbito da linguagem. O desenvolvimento da linguagem do educando alcança na disciplina de Língua Inglesa a sua ênfase quando garante ao aluno condições para ampliar seus horizontes linguísticos e é preciso para isso uma frequência no que se refere ao domínio da LE. Rivers (1975, p.73) diz que “a familiaridade com o significado é adquirida gradualmente mediante frequente associação dos elementos linguísticos com situações específicas e com outros elementos da língua”. Significa dizer que o aluno deve ter um acesso frequente com os mecanismos gramaticais da língua inglesa para desenvolver um maior conhecimento do idioma, mas procurando, ao mesmo tempo, dar sentido e funcionalidade do inglês em seu cotidiano. Desta forma, ele será capaz de compreender outras culturas, outros comportamentos, outros horizontes de vida e mais, ampliar o leque de compreensão textual e linguístico. No cotidiano escolar, alguns materiais de ensino, especialmente aqueles destinados a estudantes mais jovens, não trazem generalizações; o aprendizado da estrutura é inteiramente induzido e os alunos assimilam o processo de funcionamento linguístico através do uso ativo da língua. É preciso saber que na disciplina de inglês, os alunos não podem aprender todas as possíveis combinações linguísticas mediante memorização e prática na forma exata em que o enunciado será feito. As atividades dentro dessa disciplina devem oportunizar aos alunos fazer novas combinações por analogia, usando os mesmos elementos estruturais com diferentes itens lexicais. Acredita-se que os alunos, tendo adquirido considerável experiência na associação automática de certos elementos estruturais, reterão este automatismoao elaborar futuros enunciados de tipo semelhante. Com isso eles passarão a construir suas próprias expressões de maneira a elaborar textos que ele mesmo possa avaliar. Para que haja um desenvolvimento linguístico dentro do contexto LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 130 S U M Á R IO das atividades de inglês é necessário averiguar dois posicionamentos que se devem realizar nesse sentido. O primeiro deles é que, na sala de aula, o professor precisa e deve orientar a conduta de seus alunos de forma compreensiva, mas com atitudes seguras. Como ele fará isso, dependerá da postura de cada docente e das características de cada situação em particular, já que em se tratando de educação, não há fórmulas prontas e acabadas. A autenticidade da aprendizagem ocorre quando o aluno está interessado a se mostrar empenhado em aprender, isto é, quando se sente motivado. É através da motivação interior do aluno que impulsiona e vitaliza o ato de estudar e aprender. Daí a importância da motivação estimulada ao aluno no processo de ensino-aprendizagem. A autora Haidt (1994, p.78) fala a respeito da motivação como fator importante no processo ensino-aprendizagem quando esclarece: [...] a participação intensa e ativa do aluno na aula depende do grau de motivação pelo assunto ou atividade focalizada. Por outro lado, o incentivo da aprendizagem deve ocorrer durante todo o desenrolar da aula e da unidade de ensino, dependendo, em parte, do ambiente da sala de aula e do clima de relações humanas nela existente. Assim é importante que se crie vínculos de participação no ambiente escolar para daí obter rendimentos e como forma de iniciar seu ingresso na sociedade fazendo-o observar que, na sociedade, é importante que se desenvolvam valores dos quais oportunizem o desempenho da cidadania. Portanto, é importante que esta disciplina leve o aluno a ampliar seus conhecimentos linguísticos, como foi mencionado anteriormente, para que esta matéria não seja apenas utilizada para preencher a grade curricular, mas para desenvolver as potencialidades linguísticas do aluno e fazer a articulação e a correlação do que está sendo ensinado e aprendido com o real. Segundo Oliveira (2005, p. 38), Ao introduzir um novo conteúdo ou iniciar uma atividade didática, comece pelos fatos e situações reais relacionados ao ambiente imediato (físico e social) e próximos da experiência e da realidade vivencial do aluno. A partir da correlação LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 131 S U M Á R IO com o real, chega-se à abstração, à generalização e à elaboração teórica, por meio da mobilização dos esquemas operatórios do pensamento, que geram a reflexão e o raciocínio. Dessa maneira, o aluno poderá aplicar em situações reais o conhecimento da LI adquirido, organizado e sistematizado por ele. Educação e tecnologia Uma das disciplinas curriculares que tem contribuído com o desenvolvimento do ensino-aprendizagem de língua estrangeira tem sido a linguística aplicada, uma vez que se determina a estudar de que forma pode haver uma mudança na praticidade cotidiana dos docentes. Segundo Durkheim, envolver a educação poderia melhor beneficiar a sociedade, ou seja, “a educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta”. Em outras palavras, quanto mais adepto à educação, muito mais rapidamente a comunidade terá um desenvolvimento numa sociedade. No pensamento durkheimiano, conhecido como funcionalista, a sociedade tem o poder de fazer com que cada indivíduo forme sua própria consciência; diferentemente do idealismo, onde acredita que a sociedade é moldada pelo “espírito” ou pela consciência humana. Uma das características dessa teoria é visualizar a educação como um bem social. Entretanto, suas normas sociais diminuiriam o valor das capacidades individuais dentro de uma coletividade. Sabemos, portanto que, a sociedade tem interesse na educação e por sua vez, a educação também apresenta interesse na sociedade. Segundo Durkheim (2013), aponta a necessidade da sociedade “lembrar ao professor ideias e sentimentos” que devem ser arraigados durante a formação das crianças (DURKHEIM, p. 62, 2013). De fato, quando falamos em EaD (Ensino à Distância), não tem como não citar as TIC como um marco divisor no mundo tecnológico; LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 132 S U M Á R IO principalmente, não somente no que diz respeito ao campo educacional, mas também no campo sócio econômico, afirmam (MOORE e KEARSLEY, 2007). Agora, mais do que nunca, após este período que ainda estamos vivenciando com o surgimento da COVID-19, exige de nós educadores uma nova dinâmica de ensino explorando a cultura digital somada aos recursos pedagógicos digitais na Educação. As salas de aula passaram a ser telas de computadores e os professores tiveram que se adaptar a transmitir seus conhecimentos de forma virtual; seja de forma síncrona e/ou assíncrona. Consequentemente, isso acelerou o processo de que todos envolvidos na área educacional se voltassem à cultura digital para que o processo educativo não parasse. Podemos dizer que o problema pandêmico só tem contribuído com a aceleração do que há tempos parecia estar engavetado. De acordo com Sales e Moreira (2019, p.4), para atender aos objetivos pedagógicos, sociais e políticos de formação para o século XXI e aos objetivos do próprio processo de ensino e de aprendizagem na Sociedade da Aprendizagem, os professores necessitam de alguma forma possuir competências e habilidades que lhes auxilie diretamente no processo de transformação do modo de agir, comunicar, praticar, construir e difundir o conhecimento, tendo o potencial comunicacional e colaborativo das tecnologias (principalmente as conectadas e móveis) como motriz para o exercício da prática pedagógica integrada aos diversos saberes. Considerações finais A proposta deste presente artigo foi de apresentar a língua inglesa como instrumento de aprendizagem do aluno, percebendo que através da língua é possível que além de exercer uma função comunicativa, também exerce sua função social. Dado ao fato de que o inglês caracteriza-se em sua funcionalidade transnacional, é importante que se reflita o papel da aprendizagem no LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 133 S U M Á R IO sentido de que, não basta somente aprender por aprender, mas sim, aprender para que se alcance objetivos concretos no contexto social. Ensinar inglês é construir um caminho comunicativo para que o aluno seja capaz de transmitir e assimilar o conhecimento da sociedade e do mundo em que vive. Este ensino da LI fortalecido com uma visão crítica, pode encaminhar o educando para a construção de seu próprio conhecimento, permitindo que ele possa integrar-se à sociedade como agente transformador e construtor de uma nova mentalidade. No âmbito das Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam, de alguma forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada. Considerada, muitas vezes, como pouco relevante, adquire agora a configuração de disciplina tão importante quanto qualquer outra da grade curricular. Assim, integrada à área de linguagens, códigos e suas tecnologias, a LI assume a condição de fonte indissolúvel do conjunto de conhecimento que permite ao aluno aproximar-se de várias culturas, propiciando uma integração num mundo globalizado onde se faz muito o uso das TIC. A habilidade de aprender o idioma questionado torna-se relevante pela necessidade de alcançar níveis imprescindíveis de captação de novos conceitos, de novas possibilidades de apreensão vocabular, como também de efetivação da LE. Vale refletir sobre a língua inglesa que significa afirmar sua sociabilidade,ou seja, sua condição de garantia ao falante de melhoria qualitativa de vida. Como foi refletido, o ensino da língua inglesa nas escolas tem contribuído para a aquisição de novas habilidades, tanto a nível de socialização quanto ao nível de profissionalização, sabendo que, ao aprender um novo idioma, novas possibilidades de empregabilidade se apresentam como alternativas profissionais. O ensino desta disciplina deve ser efetivo principalmente, para o educando que percebe sua riqueza, sua necessidade social, sua perspectiva de ascensão profissional e melhoria na aprendizagem de novos conteúdos, compreensão de culturas novas e conteúdos veiculados mundialmente. O professor, por sua vez, sabendo de sua missão de facilitador da aprendizagem da LE, percebe que é de sua responsabilidade, dotar os LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 134 S U M Á R IO educandos de competências para saber utilizar a aprendizagem adquirida na escola, no contexto social. Vale ressaltar que, as escolas precisam estar abertas para as possibilidades de inovação dessas novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. Os recursos educacionais estão se moldando aos novos conceitos de ensino e estes devem ser repassados para assimilação da comunidade escolar colaborando com a construção de uma nova forma de ensino atendendo aos anseios de todos que compartilharem dela. Assim, refletir sobre as novas habilidades desta aprendizagem implica dizer que há uma importância ao reconhecer que através deste conhecimento reúne num mesmo idioma idealizações inerentes à espécie humana. Desta maneira, é pertinente que o ensino de idiomas também esteja focado nesta vertente metodológica buscando cada vez mais caminhos que possam com o uso das TIC alcançar resultados satisfatórios no ambiente escolar seja na modalidade presencial e/ou à distância. Hoje podemos contar com um imenso número de desenvolvedores de softwares educativos; portanto, há no mercado uma infinidade de bons materiais que possibilitam ao educando trabalhar um ensino de línguas dando conta das habilidades: oral, escrita e auditiva. Referências ALMEIDA FILHO, J.C.P. de. O professor de língua estrangeira sabe a língua que ensina? A questão da instrumentalização linguística. Contexturas, 1, APLIESP, 1993. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sara. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria dos métodos. Tradução de Maria João Alvarez. Ed. Porto, 1994. CELANI, M. A. A. As línguas estrangeiras e a ideologia subjacente à organização dos currículos da escola pública. CLARITAS, nº 1, São Paulo, EDUC, 1995. DAVIS, C. S.; SILVA, M. A. S. S.; ESPÓSITO, Y. Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 71, p. 49-54, nov. 1989. DURKHEIM, Émile. 2013. Educação e Sociologia (Trad. Stephania Matousek) Petrópolis: Vozes. 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Nesse sentido, acredita-se que seja pela necessidade de “construir uma comunicação” que seja dinâmica e maleável por meio dessas inovações não só do léxico, mas também, de um novo valor semântico empregado às palavras já existentes e a criação de outras. Antes de entramos na discussão dos possíveis gêneros midiáticos, gostaríamos de mencionar Azeredo (2010, p. 16) e o modo como ele traduz a comunicação. A linguagem não é apenas mediadora das relações do homem com o mundo que o cerca e com seus semelhantes. Mais do que isso, a linguagem constitui e torna possíveis as relações. Tal proposição reflete a necessidade do indivíduo de produzir a comunicação, em outras palavras, de se fazer entendido e de compreender o outro também. Igualmente, Valente (1997, p. 13) declara que “... a linguagem é tudo aquilo que permite a comunicação entre os homens. Expressão de nossos desejos e sentimentos; das nossas ideias e emoções; a linguagem torna-se vital para a convivência humana.”. Percebe-se que a comunicação é uma necessidade vital para os seres humanos, destaca-se, portanto, a linguagem verbal. Para atender a essa demanda, algumas ferramentas digitais foram LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 137 S U M Á R IO criadas a fim de aproximar os falantes e possibilitar a interação sincrônica, por meio de videochamadas, vídeos, envio de fotos, memes, dentre outros arquivos similares. Desta forma, ao considerarmos como pressuposto tal afirmação, torna-se relevante o estudo dos gêneros textuais por apresentarem estrutura de cunho social e dialógico no cotidiano dos falantes, por serem flexíveis no uso e na adequação não só vocabular como também nos aspectos linguístico-discursivos. Em consonância à ideia apresentada, Bakhtin (2003, p. 291) define que “... a variedade dos gêneros do discurso pressupõe a variedade dos escopos intencionais daquele que fala ou escreve”, ou seja, toda construção discursiva quer seja verbal, não verbal ou a combinação desses elementos, apresenta por detrás de si, uma intenção discursiva e, em alguns casos, também retórica. A par disso, a rapidez da disseminação e a flexibilidade linguística dos gênerostextuais aceleram a penetração entre as demais práticas interpessoais. Para Marcuschi (2008, p. 16) “[...] os gêneros textuais são formas de organização e expressões típicas da vida cultural”, semelhantemente, na visão bakhtiniana, eles servem como instrumentos comunicativos com propósitos específicos. Para além disso, desde a Grécia Antiga, o indivíduo vem encontrando meios de produzir a linguagem pelos rabiscos ou traços deixados nas cavernas, pedras até chegar aos dias atuais com a sorte de Gêneros Textuais existentes, tais como as cartas, e-mails, bula de remédio, lista de compras, memes, entre tantos outros. Nessa perspectiva, Marcuschi aponta que os gêneros textuais são atividades discursivas socialmente estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de controle e inserção social. Semelhante a tal pensamento, Bronckart (1999, p. 103) afirma que “[...] a apropriação de gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas”. Sendo assim, é apropriado pensar a possibilidade dos memes serem considerados ou reconhecidos como um dos diversos gêneros existentes. Uma vez que a base de formação deles é oriunda da charge, num processo de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 138 S U M Á R IO assimilação de um gênero para criar um novo, o qual Marcuschi denomina intergenericidade. Estima-se que o conceito de meme teria sido criado pelo zoólogo e escritor Richard Dawkins, em 1976, quando publicou a obra The Selfish Gene (O Gene Egoísta), além dessa ideia, é percebido que, assim como os genes, os memes, por ser uma estrutura de informação, têm a capacidade de se propagar e “viralizar” nas plataformas digitais. Ademais, entende-se que este conceito é tudo aquilo que pode ser imitado e espalhado com rapidez entre os falantes, visto que podem ser consideradas como unidades meméticas: as frases, os vídeos, as ideias, as músicas, entre outros gêneros afins. Inclusive, o comportamento humano nas situações cotidianas. Segue abaixo figurinha compartilhada no whats app, ressaltamos que esse tipo de material memético é expressivo e contém não só intertextualidade, interdiscurso, comportamentos pragmáticos, igualmente, as construções espontâneas por meio da Neologia. Ainda nessa visão, cabe ressaltar que o recorte histórico deste trabalho retrata os materiais construídos, no decorrer da pandemia do novo Covid 19, em março de 2020 aos dias atuais. Assm, percebemos na figurinha 1, a criação do verbo “sextar” a partir do substantivo “Sexta-Feira”. Tal sentido foi atribuído a partir do cunho social que a “Sexta-feira” proporciona uma vez que,socialmente, este dia é o mais esperado para celebrar com amigos e família, descansar, ou seja, desfrutrar a vida. No entanto, houve quebra de expectativa empregada pela conjunção adversativa “mas”, visto vez que, devido às circunstâmcias de epidemia, o “sextar” torna-se inviável. Observamos também outro elemento presente, nesta composição, a intertextualidade remetendo ao texto base que seria a Bíblia Sagrada. Logo, essa figurinha remete aos comandos designados por Deus por meio de Moisés a fim de que o povo obedecesse aos Dez Mandamentos, porquanto o verbo criado está no imperativo indicando uma ordem, igualmente como aparece nas escrituras. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 139 S U M Á R IO Figura 1: Figurinha 1 Fonte: Autor desconhecido. Já na figurinha 2, podemos observar o novo retrato do comportamento das relações humanas. Mesmo com o avanço da pandemia, a população não perdeu a necessidade de se comunicar e estar presente em momentos importantes, tais como: festas de aniversários, celebrações, reuniãos de amigos ou profissionais. Isso possibilitou que os encontros se tornassem muito mais comuns, as denominadas reuniões virtuais. Esse foi um modo, já que não existe ainda a perspectiva concreta da cura, do indivíduo levar adiante suas atividades sociais com o “novo normal”. A referência religiosa está presente, assim como na figurinha 1, já que o material 2 também nos faz remeter, por meio do nosso conhecimento de mundo, a última Ceia celebrada por Jesus antes da crucificação, momento pintado e retratado por Leonardo Da Vinci entre 1495 e 1498. No material memético, foi utilizada uma intertextualidade implicíta da obra, já que houve modificação, no intuito de retratar a possibilidade de como Jesus iria celebrar e se juntar aos seus discípulos, nos dias atuias de pandemia, sendo necessário, como medida de segurança e orientação, não estar aglomerado. Quando o personagem de Jesus pergunta “Vocês estão me ouvindo?” Revela, também, outra dificuldade em estabelecer as comunicações sem ruído, pois aulas, reuniões, às vezes são interrompidas porque a internet fica intermitente. Logo, ambos os exemplos selecionados para esta análise têm cunho religioso, e não é por acaso, uma vez que se tem observado ser difícil separar pandemia de religião (a presença do discurso político nas instituições religiosas). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 140 S U M Á R IO Figura 2: Figurinha 2 Fonte: Autor desconhecido. Além dessas definições, é de suma importância conhecer as visões de autores da Linguística Textual as quais abordam questões como: o que está implícito além da superfície textual? Como construir sentido e compreensão? Como direcionar os falantes brasileiros a uma leitura mais crítica e construída de significação? Consideramos, de acordo com (KOCH e ELIAS, 2006, p. 7) que o sentido do texto se constrói em sua interação com o sujeito leitor e que este tem grande importância como co-produtor de sentido. Isso, porque, este faz uso de estratégias linguísticas e sociocognitivas de seleção, antecipação, inferência e verificação. Deste modo, ativam seu conhecimento de mundo na construção das possíveis leituras. Essa “bagagem” cultural é responsável pela compreensão dos sentidos criados por meio da relação entre discursos presentes em diversos textos midiáticos. Nessa abordagem, Antunes (2005, p. 32) salienta que “[...] escrever é uma atividade que retoma outros textos, isto é, que remonta a outros dizeres” Ou seja, no ato de escrever e compreender um texto, os leitores reconhecem características de outro, utilizado como fonte. Essa relação de acepção foi proposta e nomeada por Bakthtin (2003) de “dialogismo”, posteriormente, denominada intertextualidade, quando é materializada linguisticamente nos textos. A palavra intertextualidade foi uma das primeiras, consideradas como bakhtininanas, a ganhar prestígio no Ocidente. Isso se deu graças à obra de Julia Kristeva. Obteve cidadania acadêmica, antes mesmo de termos como dialogismo alcançarem notoriedade na pesquisa linguística e literária. (FIORIN 2006, p. 161). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 141 S U M Á R IO O autor também entende que o texto é manifestação do discurso, não é necessário que ele mantenha relações dialógicas explícitas com outros textos. Contudo, quando isso acontece, se denomina intertextualidade. Mais adiante, Laurent Jenny apud Valente (2002) subdivide a intertextualidade em interna, aquela em que o autor cita a si próprio e a Intertextualidade Externa, quando o autor cita outro(s) autor (es). Semelhantemente,Valente (2002) a desmembra ainda em explícita, quando a citação acontece na íntegra; ou Implícita, se a citação for parcial ou modificada e observa que a Intertextualidade Externa é mais utilizada que a Interna, e a Implícita mais complexa que a Explícita. Por fim, Koch (1986) distingue intertextualidade em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, denomina-se, segundo ela, sob a perspectiva da Análise do Discurso, interdiscursividade ou intertextualidadeconstitutiva. Assim, Maingueneau (1976, p. 39) apud Koch (2016, p. 60) afirma que um intertexto é um componente decisivo das condições de produção: “um discurso... constrói-se através de um já-dito em relação ao qual toma posição” da mesma forma, Pêcheux (1969) apud Koch (2016) afirma que “um discurso se estabelece sempre sobre um discurso prévio...”. Véron (1980) apud Koch (2016) descreve, ainda, o conceito de intertextualidade profunda, na qual o estudo de textos mediadores, que não aparecem na superfície do discurso, mas funcionam como momentos ou etapas de produção, pode oferecer esclarecimentos fundamentais no processo de leitura e recepção. Ademais, que um texto não tem propriedades "em si": caracteriza-se somente por aquilo que o diferencia de outro texto. Por meio dessa comparação, Koch (2016) afirma que é possível detectar também propriedades formais ou estruturais comuns a determinados gêneros ou tipos (intertextualidade de caráter tipológico). Percebe-se, deste modo, como o estudo da intertextualidade é importante para o trabalho a partir da leitura e produção dos diversos gêneros textuais, já que, como afirma Kristeva (1974, p. 60) apud Koch (2016, p. 62), “Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de outro texto”. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 142 S U M Á R IO Koch (2016) considera a intertextualidade em sentido restrito a relação de um texto com outros textos efetivamente produzidos, que pode ser construída a partir da associação com a forma/conteúdo de forma explícita ou implícita, como já foi mencionado; ou fundamentada nas semelhanças, como estratégia argumentativa; ou diferenças, como nas paródias e ironia. Koch (2016) explica, então, que todo texto se relaciona com o seu anterior e, evidentemente, com outros textos desse exterior com os quais dialoga ao retomá-lo, aludi-los ou se opor a eles. Por essa razão, segundo a autora, Beugrande e Dressler (1981) apontaram a intertextualidade como um dos fatores de textualidade. Nesse mesmo olhar, Antunes (2 009, p.50) considera a textualidade como “aquilo que dá sentido global ao texto e o faz ser reconhecido como categoria textual.” No mesmo sentido, Costa Val (2016, p. 5) define textualidade como um conjunto de característica que faz uma produção escrita ser, de fato, um texto e não um grupo de frases soltas. Segundo a autora, a partir do final dos anos 1960, houve mais interesse nos estudos sobre os princípios constitutivos do texto e os fatores envolvidos em sua produção e recepção. Concomitantemente a isso, no campo da Linguística, ganharam destaque estudos voltados para fenômenos que ultrapassam os limites da frase, como o texto e o discurso. Conte (1977) apud Costa Val (2016) apontou a existência de três momentos tipológicos de estudo do texto na Linguística textual. O primeiro caracteriza-se pela análise “transfrástica”, com atenção voltada para as relações entre os enunciados de uma sequência, demonstrando interesse em explicar o emprego do artigo e a correlação entre os tempos e modos verbais, por exemplo. O segundo surgiu a partir da necessidade de ultrapassar os limites da frase, analisar os enunciados e perceber que o texto deve ser visto como uma unidade lógico-semântica. Um texto é mais do que uma sequência de enunciados concatenados, sua significação é um todo, resultante de operações lógicas, semânticas (e pragmáticas) que promovem a integração entre os significados dos enunciados que o compõem (COSTA VAL, 1999, p. 3) LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 143 S U M Á R IO No terceiro momento tipológico, por fim, o texto é visto como um acontecimento social, que não se encerra nele mesmo, mas se produz na relação desse texto com o contexto em que ele ocorre nas ações que, por ele, os falantes realizam. Assim, para alcançar a textualidade, além da coerência e da intertextualidade, Beaugrande e Dressler apud Costa Val (2016) também apontam como fatores responsáveis, a coesão (manifestação linguística da coerência, através de conceitos expressos na superfície textual); a intencionalidade (refere-se ao empenho do produtor em construir um texto capaz de satisfazer seus objetivos); a aceitabilidade (relacionada às expectativas e o esforço do recebedor para que um texto seja coeso, coerente e relevante); a situacionalidade (adequação do texto à situação sociocomunicativa) e a informatividade (relacionada ao uso de informações novas ou já conhecidas pelo interlocutor). Assim, Valente (2002) aponta que, para um texto ser bem compreendido, é necessário que se considerem três aspectos: o pragmático, que se refere ao seu funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa; o semântico-conceitual, de que depende sua coerência; e o formal, relativo à sua coesão. O autor destaca ainda que a coerência é um fator fundamental da textualidade, uma vez que é responsável pelo sentido do texto e envolve não só aspectos lógicos e semânticos, como também cognitivos uma vez que depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Os resultados gerados pela leitura intertextual e interdiscursiva presentes em alguns textos midiáticos são diversos e não estão desprendidos de um contexto para a produção de sentido pelo leitor. Com este trabalho, objetiva-se, assim, realizar um estudo mais profícuo sobre a intertextualidade e demonstrar, a partir da análise de alguns memes que são frequentemente veiculados na internet, na subcategoria figurinhas de Whatsapp, que esse importante recurso linguístico, além de ser um princípio da textualidade, é também um fator de coerência, uma vez que quem o desconhece, encontra obstáculos para a compreensão dos textos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 144 S U M Á R IO A intertextualidade designa não uma soma confusa e misteriosa de influências, mas o trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido. (JENNY, 1979, p. 14 apud VALENTE, 2002, p. 181) Destarte, demonstramos, com esta análise, que a intertextualidade diz respeito à matéria conceitual do discurso, porque lida com conhecimentos partilhados pelos interlocutores e, simultaneamente, contribui para a eficiência pragmática do texto. Assim, constitui a unidade lógico- semântico-cognitiva, ao lado da coerência e está, portanto, “parte no plano sociocomunicativo”, “parte no semântico-conceitual.” (COSTA VAL, 2016, p. 16). Percebe-se, deste modo, como o estudo da intertextualidade é importante para o trabalho a partir da leitura e produção dos diversos gêneros textuais, já que, como afirma Kristeva (1974, p. 60) apud Koch (2016:62), “Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de outro texto”. Ademais, a intertextualidade, ainda que não seja um fator de textualidade obrigatório deve ser reconhecida e valorizada como um elemento significativo que interfere diretamente na construção de sentido do texto. Aliada a outros recursos linguísticos e, algumas vezes, semióticos, materializam a interdiscursividade presente no texto, invocam o leitor a contribuir para sua significação a partir do reconhecimento do intertexto e constituição da semântica global, ao acionar o texto-fonte presente (ou não) em sua memória discursiva. Segundo Valente (2002), a intertextualidade constitui fator importante para a coerência do texto, porque se o leitor não possuir as referências, ou não identificar as citações, poderá encontrar dificuldades para a decodificação da mensagem. Ressaltamos, além disso, a importância de reconhecer e empregar os gêneros midiáticos como material para o ensino de Língua Portuguesa, uma vez que são textos muito expressivos e com os quais os alunos estãoem frequente contato. A exposição a uma grande diversidade de gêneros midiáticos é essencial não só para a compreensão e reprodução dos diferentes LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 145 S U M Á R IO recursos linguísticos empregados em sua constituição, como também para a reflexão acerca de todas as estratégias e atividades sociocomunicativas e interdiscursivas envolvidas em sua veiculação. Quanto melhor dominamos os gêneros, tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação, em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 285) Para o professor de Língua Portuguesa, trabalhar a partir dos gêneros textuais (como sugere a Linguística Textual), que segundo Marcuschi (2011) “são formas culturais e cognitivas de ação social”, é uma importante estratégia para pautar suas atividades na língua em uso e ampliar, entre outros saberes, o conhecimento de mundo dos alunos e sua capacidade interpretativa. Possibilitando, deste modo, que estejam mais bem capacitados para ler o mundo a sua volta e se posicionar criticamente a partir dessas muitas possibilidades de leitura, sem que o desconhecimento dos textos culturalmente consagrados em sua sociedade seja um empecilho para que se realize a linguagem nos diversos contextos de interação social, já que Bakhtin (1986) destaca que um repertório de gêneros relevantes para o contexto social possibilita a participação em sociedade de forma igualitária, espontânea e verdadeira. Finalmente desejamos ressaltar que os memes, de modo geral, são acessíveis com relação ao nível de linguagem empregado, mas não perdem seu valor sociocomunicativo e altamente expressivo. Por isso, devem ser aproveitados como forma de atrair o interesse dos estudantes para a análise mais profunda dos textos e promover atividades significativas com os recursos linguísticos e discursivos frequentemente empregados nesses gêneros, para além daquelas de localização e classificação geralmente presentes em muitas aulas de Língua Portuguesa. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 146 S U M Á R IO Referências ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras – Coesão e coerência. 1ª edição. São Paulo Parábola, 2005. ANTUNES, Irandé.Textualidade e os gêneros textuais: referência para o ensino de línguas. In: Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2009. AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do português. 5 ª. Edição. Revista- Rio de Janeiro: Zahar, 2010. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, M. Speech genres and other late essays. Austin, TX: University of Texas Press, 1986. BRONCKART, J.P. Atividades de Linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sociodiscursivo. Tra.: A.R. Machado e P. Cunha. São Paulo: EDUC, 1999. FIORIN, J.L. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. KOCH, I.G.V; TRAVAGLIA, L.C. A coerência textual. 18 ed. São Paulo: Contexto. 2018. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, ÂNGELA P. (org.). Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MARCUSCHI, Luiz Antônio. ; XAVIER, Antônio Carlos (orgs). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2010. VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. Rio de Janeiro: Vozes, 1997 VALENTE, André. Aulas de portugues perspectivas inovadoras. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. VALENTE, André. Intertextualidade e interdiscursividade nas linguagens midiáticas e literárias: um encontro Luso-brasileiro. In: OLIVEIRA, Fátima, DUARTE, Isabel Margarida. O fascínio da Linguagem. Porto: Centro de Linguística da Universidade do Porto, 2008. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 147 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-8 Linguagem e gêneros emergentes: decolonizando as possibilidades de produção textual nos anos finais do ensino fundamental Diego Almeida Oliveira Jany Baena Fernandez Introdução O ato de comunicar privilegia as relações inter-humanas, buscando esmiuçar os meandros dos mecanismos psíquicos e, postergando para segundo plano a percepção das “realidades” sociais. Comunicar é dar prioridade à existência do que à essência, é produzir um discurso que nos integra na vida, mas, ao mesmo tempo, resignamo-nos a acatar o duro conflito entre discurso e seu efeito na sociedade. Uma sociedade capitalista, que advém de um processo de colonização, onde valores patriarcais e eurocêntricos estão enraizados, tornando-se naturalizados nos discursos. (GROSFOGUEL, 2016). Nesse contexto, a escola está inserida e desempenha um papel relevante na construção da identidade de crianças e jovens. Como são pensadas, abordadas, desenvolvidas e avaliadas as atividades de produção se configuram em práticas sociais, nas quais a linguagem faz parte. O conceito de linguagem trazido por Bakhtin (1981) é muito importante para as propostas pedagógicas em sala de aula, atualmente, e para a proposta de uma pedagogia engajada, sugerida por Hooks (2013). Se o conceito de linguagem, tradicionalmente tratado como algo fixo, com LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 148 S U M Á R IO enfoque na estrutura da língua, é trabalhado com os alunos por meio de gêneros textuais, tudo se transforma com o dialogismo, uma vez que, nele, as coisas transitam, são móveis e estão inseridas nas práticas sociais. Nessa esteira, consideramos relevantes as perspectivas de multiletramentos trazidas por Rojo (2013) e Kope e Kalantzis (2009), ao considerar uma multiplicidade de linguagens, semioses e mídias envolvidas na criação de significação aos textos multimodais da atualidade. Os gêneros são, portanto, discursivos, modificando-se a todo momento, uma vez que há gêneros que vão ficando obsoletos, abrindo caminho para o surgimento de novos gêneros, a todo momento (basta olharmos, por exemplo, o quanto as novas tecnologias contribuem para isso). Conhecer as teorias do dialogismo bakhtiniano, dos multiletramentos e as que exploram os gêneros emergentes, transitando por uma perspectiva decolonial, contribui para o trabalho de transformação do currículo, de tal modo que ele não (re)produza mais os sistemas de dominação, tampouco as parcialidades desses sistemas. Nesse sentido, pretendemos refletir sobre essas questões, a fim de abrir um leque de possibilidades que nascem ou surgirão de questionamentos que podem emergir em uma produção textual em sala de aula. Essas questões podem ser vislumbradas a partir da compreensão de que a construção de significados, diante de um contexto social, inclui muito mais do que seres humanos. Há uma dinâmica na organização, com a ligação e interdependência de elementos que abrangem o ambiente na sua totalidade. Assim inclui: fauna, flora, arquiteturas, recursos tecnológicos, medicamentos, entre outros (LEMKE, 2010). Nesta relação, é estabelecido um processo de retroalimentação, proveniente de emoções, de sensações, de insumos, de serviços, de materiais, de transações financeiras e de saberes/ conhecimentos que, situados, vão se modificando, conforme cenário e suas influências e afetações. Dito isso, direcionamos nosso olhar para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estabelece diretrizes, a fim de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 149 S U M Á R IO nortear as políticas locais educacionais,refletindo nos currículos escolares. Destacamos, ainda, alguns pontos muito relevantes para essa discussão: 1) conceito de linguagem segundo a BNCC; 2) gêneros emergentes e 3) ampliação das possibilidades de produção textual, em Língua Portuguesa, nos anos finais do ensino fundamental. Ressaltamos que tais discussões são afetadas e permeadas pela concepção de linguagem bakhtiniana, estendendo-se para o multiletramento. Linguagem como prática social Tudo é linguagem e somos, enquanto (re)escrevemos o mundo ao nosso redor, constituídos na e pela linguagem (ARENDT, 2005). As palavras, pois, de forma isolada, não dão conta de traduzir de forma abrangente o que pensamos, entendemos, interpretamos, sentimos etc. Elas possuem a prerrogativa da significação, mas, quando proferidas, conectam- se e incorporam outras formas de linguagem, como gestos, sentimentos, entonações e, ao interagir com outras, explodem em significados. É um processo muito complexo que acontece rapidamente e se modifica o tempo todo, devido às circunstâncias em que os discursos são produzidos. Quantas vezes já paramos para pensar no poder que a palavra exerce? A palavra que nos foge, que não conseguimos encontrar para produzir sentido, o que desejamos explicar. Ainda assim, é fato que utilizamos do poder que a palavra exerce. A linguagem pode funcionar como uma medicação em nossas vidas. Porém, como qualquer medicação, sua prescrição, como dosagem e período de uso, pode nos causar efeitos colaterais ou até mesmo reações inesperadas. Além disso, o seu uso inadequado pode causar danos irreversíveis. Nessa perspectiva, pressupõe-se que quando a linguagem, ou seja, a medicação é utilizada de forma equilibrada, conforme receita, considerando as características inerentes de cada pessoa, pode levar a pontos de convergência (BHABHA, 2021), o que traz fortalecimento. Porém, o LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 150 S U M Á R IO que se percebe em nossa sociedade é um uso indiscriminado de remédios elaborados para atender o objetivo do imaginário “ideal” do pensamento que emerge de uma sociedade neoliberal e capitalista, que tem pressupostos que discriminam, hierarquizam, selecionam, contabilizam pessoas. Desse modo, pode-se considerar que a medicação acaba tendo maior legitimidade, ou seja, seu efeito é maior quando prescrita por uma “autoridade”, seja ela um governante, um líder revolucionário, um líder religioso, um especialista, um educador etc. A medicação oriunda de quem lidera exerce uma influência maior e tem o poder de reforçar ou atenuar violências pelo status de quem domina. Vale destacar que tais violências são inerentes a cada um de nós, seres humanos. Somos constituídos por preconceitos, racismos e ideologias radicais que disseminam mais violências, as quais podem se instalar de forma individual e social: individual, quando há um efeito intensificado da violência em um organismo único, o que gera mais enfermidades, como autopunição, submissão e anulação; social, quando as violências, revestidas de medidas, políticas e posicionamentos penetram nas convicções de pessoas. Pessoas que quando não exercitam a autocrítica e se utilizam da ética, acabam se automedicando e contaminando outras pessoas. Mesmo quem é muito experiente e tem a intenção de regular a violência, com a sua dosagem considerada adequada, pode reforçá-la, uma vez que cada organismo tem uma reação diferente, levando em conta o seu estado naquele momento, ou seja, o quanto, por quem e como está afetado pela violência, tendo em vista que o ser humano é feito de linguagem e a linguagem gera existência. Quem fala, fala de um lugar, de um ponto demarcado na história e no tempo. Tomar a linguagem como alvo de investigação e sob o aspecto de que todos somos constituídos por ela implica compreender o desenvolvimento de pesquisas sobre o seu uso e os diferentes efeitos de sentido que ela pode produzir. De acordo com Fiorin (2018), na concepção de linguagem bakhtiniana, a língua, em seu uso real, possui propriedade dialógica, ou LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 151 S U M Á R IO seja, é sempre perpassada pela palavra do outro, é sempre a manifestação do dito pelo outro. Nessa esteira, a fonologia, a morfologia ou a sintaxe não dão conta de explicar o funcionamento real da linguagem, e o enunciado é um acontecimento único, que não pode ser repetido. Enquanto as unidades da língua não possuem dono, ou seja, não têm autor, os enunciados possuem autoria, revelando uma posição e dirigindo-se a alguém. As unidades linguísticas são dotadas de neutralidade, ao passo que os enunciados trazem consigo juízos de valor, emoções etc. Para Fiorin (2018), um enunciado possui natureza heterogênea e sempre revela, pelo menos, duas vozes, duas posições (a sua e aquela em oposição à qual ele se forma, portanto, uma exibição do seu direito e do seu avesso). O indivíduo tem a percepção ilusória e necessária de estar produzindo algo novo, ao passo que o que faz é reproduzir ditos já existentes. Compreende-se, portanto, que todos os enunciados se constituem a partir de outros. No jogo das vozes, não existe neutralidade: elas não circulam fora do exercício do poder. O autor enfatiza que a teoria bakhtiniana apresenta uma concepção em que o enunciador incorpora vozes de outros enunciados. Estamos, pois, diante de um dialogismo mostrado. Para a inserção do discurso do outro no enunciado, o filósofo apresenta duas maneiras de fazê-lo: uma em que o discurso alheio é abertamente citado e separado do discurso citante (discurso direto, discurso indireto, aspas, negação); e, outra, em que o discurso é bivocal e não há separação nítida entre o enunciado citante e o enunciado citado (paródia, estilização, discurso indireto livre). Para finalizar suas considerações sobre a teoria do dialogismo, Fiorin (2018) expõe que, na obra bakhtiniana, não é possível falar de um sujeito assujeitado. O sujeito não se submete, portanto, às estruturas sociais. O que ocorre, para o filósofo, é que o sujeito atua em relação aos outros (constitui-se do outro). Em razão de o sujeito não absorver apenas uma voz, mas sim, várias vozes (que estão em relações diversas, de concordância ou discordância entre si), pelo fato da relação com o outro ser constante, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 152 S U M Á R IO o mundo interior nunca está concluído, fechado, mas está sempre sendo alterado pelo contato. Estamos, pois, diante de um sujeito dividido (o que não significa nem desdobrado, nem compartimentado): ele não é completamente assujeitado, pois participa do diálogo de vozes, no mundo interior, de maneira particular. Trata-se de um sujeito integralmente social e inteiramente singular. Quanto aos enunciados, construídos pelo sujeito, são constitutivamente ideológicos, uma resposta ativa às vozes interiorizadas. São históricos, uma vez que são produzidos em determinado espaço temporal. Quem fala, fala em um momento e em determinado lugar. Essa historicidade é apreendida no movimento linguístico de constituição dos enunciados. A partir de tais ideias, em que ressaltamos a dinamicidade e a complexidade da linguagem, deslocamos nossa escrita para outro item que trata dos multiletramentos. Tema que emergiu de discussões do Grupo de Nova Londres, estudiosos preocupados com os efeitos, em contextos pedagógicos, das enormes mudanças ocorridas globalmente, uma vez que que essas mudanças reverberam em novas atividades humanas e em novas práticas que a elas se associam diante dos ambientes de comunicação atuais. (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2000). [...] influenciado por estudos multiculturais e simultaneamente sintonizado com a virada digital no final da década de 1990, o grupo escolheu o prefixo multi como forma de englobartanto a necessidade de expandir configurações representacionais quanto uma forma de reconhecer a visibilidade de diferentes contextos sociais e culturais, bem como a necessidade de expandir as configurações comunicacionais como forma de fomentar processos de construção de significado multimodal agora disponibilizados pelas novas tecnologias digitais. (DUBOC; SOUZA, 2021, p. 552).1 1 Tradução nossa do original: Do original: influenced by multicultural studies and simultaneously attuned to the digital turn in the late 1990s, the group chose the prefix multi as a way to encompass both the need to expand representational settings as a way to acknowledge the visibility of different social and cultural contexts, as well as the need to expand communicational settings as a way to foster multimodal meaning making processes now made available by new digital technologies. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 153 S U M Á R IO Vale destacar que Duboc e Souza (2021) trazem uma leitura crítica da proposta inicial dos multiletramentos. Um dos aspectos apontados nessa leitura é de que em muitos textos e discussões acadêmicas, o conceito de multiletramentos se apresenta com sentido semelhante ao de letramentos digitais. Corroboramos com os autores e ressaltamos que por mais que tratemos de gêneros vinculados ao meio digital e/ou virtual, não podemos compreender multiletramentos como sinônimo de letramentos digitais. O que podemos evidenciar são os contextos atuais que os contemplam. Dessa forma, os gêneros discursivos emergem do ciberespaço e demais recursos tecnológicos e a escola não pode ficar alijada dessas evoluções e movimentos que transformam a nossa sociedade. O que nos diz a BNCC sobre linguagens Numa primeira leitura da BNCC, verificamos que houve ampliação do conceito de linguagem ao compararmos com os documentos curriculares anteriores a ela, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). É perceptível a preocupação em inserir aspectos linguísticos relacionados às tecnologias digitais, contempladas nas competências gerais da BNCC e na abrangência da área de linguagens e suas tecnologias. Nessa perspectiva, para além da cultura do impresso (ou da palavra escrita), que deve continuar tendo centralidade na educação escolar, é preciso considerar a cultura digital, os multiletramentos e os novos letramentos, entre outras denominações que procuram designar novas práticas sociais de linguagem (BRASIL, 2017, p. 487). Como vemos, a escrita ainda tem papel de destaque na BNCC e no currículo das escolas. Além disso, ao avançarmos e aprofundarmos a leitura da BNCC, percebemos divergências epistemológicas, quando os autores recorrem à competência para nortear os aspectos pedagógicos de tal documento. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 154 S U M Á R IO A competência remete a algo fixo que se adquire, a um produto, que tem um início e um fim, ou seja, quem possui dada competência consegue lidar com situações urgentes (PERRENOUD, 2000), mas, como podemos afirmar que o aluno, ao adquirir determinada competência, conseguirá lidar com todas as contingências que possam surgir? Vejamos outra passagem da BNCC (2017) que trata da linguagem: O importante, assim, é que os estudantes se apropriem das especificidades de cada linguagem, sem perder a visão do todo no qual elas estão inseridas. Mais do que isso, é relevante que compreendam que as linguagens são dinâmicas, e que todos participam desse processo de constante transformação. (BRASIL, 2017, p. 63). As visões fragmentadas de linguagem podem ser percebidas nesse trecho da BNCC. Ainda há um destaque nas partes, especificidades, sendo que a separação pode nos proporcionar uma compreensão reducionista, ao passo que um conceito de linguagem que valoriza os conflitos e a complexidade é muito rico para a construção de sentido e valorização dos vários saberes oriundos dos conhecimentos de mundo dos alunos. Corroboramos a visão de linguagem apresentada nesse trecho da BNCC. A linguagem não é estática, imutável, está sempre em movimento, em construção. Sua construção é realizada a partir de outros textos. Não conseguimos produzir algo totalmente inédito, mas precisamos ter essa ilusão de “completude”, que nos motiva. Isso é possível, quando (re) ssignificamos o que já está posto, por meio de novas construções de sentido através da assimilação de outros textos. É importante considerar, também, o aprofundamento da reflexão crítica sobre os conhecimentos dos componentes da área, dada a maior capacidade de abstração dos estudantes. Essa dimensão analítica é proposta não como fim, mas como meio para a compreensão dos modos de se expressar e de participar no mundo, constituindo práticas mais sistematizadas de formulação de questionamentos, seleção, organização, análise e apresentação de descobertas e conclusões. (BRASIL, 2017, p. 64). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 155 S U M Á R IO Se pensarmos a linguagem como uma prática social, em consonância com a concepção bakhtiniana, corroboramos a ideia de uma reflexão crítica tida como meio e não um fim e de participação no mundo. Entretanto, tal ideia apresentada na sua continuidade do trecho da BNCC é contraditória nos aspectos inerentes às sistematizações, às seleções e conclusões. Não podemos afirmar que uma análise terá uma conclusão caso ela se restrinja em um único entendimento, em uma única compreensão, sem abertura para outras significações, desconstruções e ressignificações. Entendemos a conclusão como algo situado e provisório, por isso contestável, mediante ocorrências que podem afetar a situação tida como encerrada ou resolvida. “A educação demanda de uma melhoria ecológica, sistêmica e de longo prazo que, por sua vez, seja inclusiva”. (COBO; MORAVEC, 2011, p. 20).2 Efetivamente, lidamos com situações complexas que envolvem questões históricas, sociais, políticas e econômicas, dessa forma é relevante o desenvolvimento de um pensamento ecológico que induz a trabalhos em âmbito educacional, sem hierarquizá-los. Esse entendimento, deve levar em conta as compreensões individuais e suas relações sociais que contribuem na construção de pessoas corresponsáveis na produção e gerenciamento das ações pedagógicas, o que gera atitudes em que há reciprocidades, portanto, mais justiça social e inclusão. Para que isso aconteça, a reflexividade e autocrítica (TAKAKI, 2019) devem permear o processo de “mudar, refazer e criar” (FREIRE, 2014, p. 200), uma vez que as diferenças são enfatizadas e as mudanças acontecem quando se exercita a curiosidade crítica. Quando treinamos ou adestramos, nos valemos de processos mecânicos que divergem de formar e educar, ações desenvolvidas com criticidade. (FREIRE, 2014). 2 Tradução nossa do original: La educación demanda una mejora ecológica, sistémica, de largo aliento y que a su vez resulte inclusiva. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 156 S U M Á R IO Multiletramentos Há quase 30 anos, professores e pesquisadores se reuniram para debater sobre pedagogia contextualizada em uma sociedade globalizada em que há produção, circulação e construção de sentido de textos multimodais (ROJO, 2012). Desse encontro, nasceu o manifesto intitulado A Pedagogy of Multiliteracies - Designing Social Futures. O Grupo de Nova Londres tinha como objetivo refletir sobre questões relacionadas ao papel do professor que atua na área de linguagem em contextos atuais. Dentre os membros desse Grupo, destacamos Cope e Kalantzis, uma vez que o nosso olhar está voltado para o conceito de multiletramentos revisitado por eles. Segundo Rojo (2015, p. 330), “o Grupo faz uma nova análise dos objetos e dos contextose assim conclui que já não basta mais o letramento da letra: é preciso também saber ler e traduzir imagens e sons, articular imagens em movimento etc., porque assim são os textos contemporâneos”. Os membros do Grupo não imaginavam tamanha repercussão, só puderam constatar ao fazerem uma busca na internet, inserindo como palavras-chave as questões pertinentes ao estudo do Grupo. (COPE e KALANTZIS, 2009). A comunidade acadêmica ansiava por tal discussão. Ao voltar o nosso olhar para o contexto educacional, deparamo-nos com o currículo escolar que “não é outra coisa senão essa própria escola em pleno funcionamento, isto é, mobilizando todos os seus recursos, materiais e humanos, na direção do objetivo que é a razão de ser de sua existência: a educação das crianças e jovens” (SAVIANI, 2016, p. 55). Nesse sentido, o anseio de novas respostas/ideias de educadores e pesquisadores da área da educação, diante das mudanças aceleradas que incorporam novos artefatos e novas formas de agir e pensar na sociedade, torna-se imprescindível. Desse modo, as ideias discutidas pelo Grupo de Nova Londres (COPE e KALANTZIS, 2009) muito podem contribuir para ressignificar algumas formas de ensino e aprendizagem. O aprendizado como um desenho fechado, sem permissão para LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 157 S U M Á R IO aberturas e modificações, envolvendo uma visão em que o professor comanda e o aluno obedece, não tem mais espaço em uma sociedade complexa na qual vivemos. Enfatizamos que, em um contexto com olhar para aspectos educacionais multifacetados não se prevalece a presença de metas, de fins ou de objetivos considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações dos seres e da realidade. O caminho percorrido não é o planejado, mas traça-se rastros que podem transformar e/ou ampliar a prática de professores [...] (FERNANDEZ, 2018, p. 12-13). O professor não consegue tratar somente de algo passado, estruturado, pré-construído, posto como absoluto. Há uma avalanche de informações invadindo as mentes das pessoas, que obviamente engloba os estudantes, o que desencadeia conflitos e necessidades de negociação. “E, para lidar com as complexidades, é desejável ampliar os olhares para enxergar os ‘múltiplos’” (FERNANDEZ, 2018, p. 42). Assim, [...] os professores dependem do contexto da sala de aula como um ponto de partida para conceber os conteúdos das suas aulas. Eles são, portanto, forçados a lidar com o desconhecido, o incerto, o inesperado. O foco, portanto, é colocado no desempenho e performatividade em vez de competência, instabilidade em vez de estabilidade e improvisação ao invés de planejamento. (ZACCHI, 2019), p. 262).3 Diante dessas questões, houve repercussão dos estudos dos multiletramentos que, segundo Cope e Kalantzis (2009), tinham e têm como foco três questões referentes à pedagogia de letramentos: “o porquê”, “o quê” e “como”? Tais autores revisitam suas publicações de forma a ampliar essas questões em tempos atuais. 3 Tradução nossa do original: [...] teachers are dependent on the context of the classroom as a starting point from which to design the contents of their classes. They are thus forced to deal with the unknown, the uncertain, the unexpected. The focus, then, is placed on performance and performativity rather than competence, instability rather than stability and improvisation rather than planning. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 158 S U M Á R IO Um exemplo é a obra “Letramentos”, dos autores Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), na qual abordam questões referentes à globalização, novas mídias, transformação das linguagens e o papel da escrita nesse processo desenvolvendo a ideia do porquê dos multiletramentos/letramentos. Já o “o quê” é detalhado em cinco capítulos da referida obra, tratando profundamente da construção de significado. Dessa forma, traz os letramentos como designs multimodais de significado, contemplando a construção de sentido pelo tátil e gestual, no espaço, na leitura, na escrita e no visual. (KALANTZIS, COPE E PINHEIRO, 2020). E o “ como” é mencionado nos capítulos que tratam dos letramentos para pensar e aprender, letramentos e diferenças entre aprendizes e parâmetros de letramentos e avaliação. Ampliação das possibilidades de produção textual nos anos finais do ensino fundamental Ao iniciar este tópico, queremos ressaltar que a ampliação das possibilidades não descarta o que já é desenvolvido em sala de aula, como se existissem formas “conservadoras/ultrapassadas” e fôssemos apresentar “novas” alternativas de se trabalhar com a produção de textos. A nossa contribuição está na reflexão acerca de conteúdo, posicionamentos, situações inerentes ao currículo escolar que podem ser explorados e vislumbrados sob outra ótica, somando a que já está estabelecida e normalizada na escola, ou seja, desejamos “[...] contribuir para o debate que busca relacionar o que já sabemos sobre as diferentes formas de aprender, para que os resultados de aprendizagem em uma sociedade cada vez mais interconectada possam ser intensificados” (DUTTON, 2011, p. 16).4 Vale destacar que, ao fazermos certas escolhas pedagógicas, outras possibilidades são postergadas, omitidas e até mesmo descartadas em dado 4 Tradução nossa do original: [...] contribuir al debate que busca relacionar lo que ya sabemos sobre los diferentes modos de aprender, de manera que se puedan intensificar los logros en el aprendizaje de una sociedad cada vez más interconectada. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 159 S U M Á R IO contexto, mas o importante é ter em mente o movimento, o transitar entre as opções, como estratégia de inclusão, atendimento à diversidade e como estratégia para lidar com as contingências do ambiente escolar. Somos constituídos no coletivo e estamos em permanente construção, logo nossas “opiniões e posições não são apenas pessoais ou desvinculadas de um contexto, constroem-se socialmente, dentro de círculos de relações.” (MONTE MÓR, 2019, pp. 329-330). Nesse contexto, partimos da premissa de que, ao desenvolvermos uma atividade de produção textual com o aluno, convém que ele seja provocado, instigado e mobilizado a usar seus sentidos, a fim de trazer para a sua produção visões “outras” que não seriam possíveis em uma aula “padrão”, ou seja, em que se vislumbre “uma busca comum de sentidos [...], respondendo às expectativas das instituições que geram e regulam” (MONTE MÓR, 2019, p. 320) os possíveis significados. Segundo Monte Mór (2019), essa busca é movida pelas forças dominantes que permeiam a sociedade, todavia não são permanentes. Tal autora as denominou de habitus interpretativo em analogia a habitus linguístico de Bourdieu (1996). Em razão disso, professores e alunos possuem conjecturas que emergem das suas experiências na educação. Dessa maneira, a rejeição e estranheza na mudança de práticas pedagógicas podem partir tanto do professor quanto do aluno. Quem estiver à frente dos projetos de transformações das práticas pedagógicas deve estar preparado para lidar com os conflitos. Salientamos que os conflitos não devem ser descartados, pois são importantes para a reconstrução de sentidos. Para propiciar esses momentos, atividades que envolvem as diversas vozes na sala de aula são pertinentes, tendo em vista que “em cada círculo social [...] em que o homem cresce e vive, sempre existem enunciados investidos de autoridades que dão o tom, como as obras de arte [...] nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citam, imitam, seguem.” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 294). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 160 S U M Á R IO Voltando para o espaçoeducacional, Gee (2004, p. 80-81) afirma que as [...] salas de aula raramente são espaços onde todos compartilham muitos interesses e conhecimentos (amplo conhecimento), enquanto cada pessoa tem o seu próprio intensivo conhecimento para adicionar como um recurso potencial para outros. [...] As salas de aula tendem a incentivar e recompensar o conhecimento individual armazenado na cabeça, não o conhecimento distribuído. [Os professores] não costumam permitir que os alunos interajam uns com os outros e usem várias ferramentas e tecnologias e sejam recompensados por isso, em vez de serem recompensados com o idioma e o aprendizado pelo desempenho individual. Além disso, as atividades em salas de aula tendem a restringir estritamente onde os alunos podem obter conhecimento, em vez de utilizar o conhecimento amplamente disperso.5 Tanto Monte Mór (2019) quanto Gee (2004) mencionam que na sala de aula/escola, o foco está no individual, partindo de conhecimentos tidos como universais distribuídos para todos e há pouco compartilhamento de saberes/conhecimentos, o que restringe a aprendizagem. Nessa situação, a escola acaba indo numa via paralela das demandas da sociedade, contra uma pedagogia situada, e precisamos lidar com várias linguagens presentes e necessárias nas atividades diárias. Recursos tecnológicos, como celular, tablet e computadores nos conectam à rede. Assim, somos estimulados por sons, imagens, movimentos, cores e hipertextos que agem em sinestesia e fazem com que passemos a (re) produzir significados. Somos movidos nesta rede de comunicações, de produções coletivas, de coautorias, de coparticipações que, muitas vezes, são restritas na escola, por motivos estruturais e/ou de rigidez do currículo. 5 Tradução nossa do original: [...] Classrooms are rarely spaces where everyone shares lots of interests and knowledge (extensive knowledge), while each person has his or her own intensive knowledge to add as a potential resource for others. Classrooms tend to encourage and reward individual knowledge stored in the head, not distributed knowledge. They don’t often allow students to network with each other and with various tools and technologies and be rewarded for doing so, rather than being Situated language and learning rewarded for individual achievement. Furthermore, classrooms tend to narrowly constrain where students can gain knowledge, rather than utilize widely dispersed knowledge. (GEE, 2004, p. 80-81) LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 161 S U M Á R IO Retomando a (re)produção de significados, ressaltamos que quando advindos das palavras e imagens, lidas ou ouvidas, vistas de forma estática ou em mudança, são diferentes em função dos contextos em que elas aparecem – contextos que consistem significativamente de componentes de outras mídias. Os significados em outras mídias não são fixos e aditivos (o significado da palavra mais o significado da imagem), mas sim, multiplicativos (o significado da palavra se modifica através do contexto imagético e o significado da imagem se modifica pelo contexto textual) fazendo do todo algo muito maior do que a simples soma das partes (LEMKE, 2010, p. 456). Nessa perspectiva, despontam os chamados gêneros emergentes, que se configuram como alternativas de ampliação entre as opções de produção textual no ensino fundamental, pois mesmo que a escola não tenha recursos tecnológicos para usar com os alunos nas produções, o currículo pode ser expandido para que aconteçam novas abordagens em relação às atividades envolvendo leitura e produção textual. Para tanto, é relevante que o professor lance desafios que rompam e cheguem além dos paradigmas arraigados na escola. Um texto/discurso não precisa ser necessariamente construído por meio da escrita e de forma individual. Para que as mudanças aconteçam, uma nova mentalidade deve despontar. As tecnologias, por si só, não mudam a mentalidade das pessoas. É preciso que haja ressignificação de sentidos que refletem em mudanças ontológicas e epistemológicas (COPE e KALANTZIS, 2009). A partir de tais ideias, trazemos no próximo item, possibilidades de atividades contemplando gêneros emergentes. Como já mencionamos, gêneros discursivos emergiram do espaço virtual, conforme apresentados no quadro a seguir. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 162 S U M Á R IO Quadro 1 - Gêneros digitais emergentes 1. Ciberpoema ou poema virtual/digital: Poemas construídos em meio digital, que suporta animações e permite, em muitos casos, a interação com a produção do autor e até a criação de novos textos. (TREVISAN, 2021, p. 18). Exemplos: https://www.youtube.com/watch?v=flZGv1CgJ58. 2. Vídeo no YouTube (Canal): Para criar um canal é preciso realizar um cadastro e inscrever-se no site, que possui mais de 1 bilhão de usuários. Em seguida, é possível personalizar a conta e moldar o canal de vídeos segundo o perfil do usuário. O canal no YouTube tornou-se tão popular atualmente que alguns possuem milhares de seguidores por todo o mundo. As temáticas abordadas nesses ambientes são as mais variadas possíveis. No entanto, conforme o site “Tecmundo”, cada canal parece ser moldado de acordo com uma temática específica. Existem canais para divulgação de personalidades públicas, existem canais infantis em que a/ o youtuber (autor do canal) posta vídeos ensinando brincadeiras, compartilhando viagens ou relatando desafios realizados. Por outro lado, existem canais que dão dicas de filmes, avaliam músicas, compartilham experiências, entre outros. (GUIMARÃES, 2019, p. 59). Exemplos: https://www.youtube.com/. 3. Fanfics: Etimologicamente falando, a palavra inglesa fanfiction é derivada do termo fã que, por sua vez, tem origem latina, fanaticus, que quer dizer “devoto, pertencente a um templo”. Portanto, fanfiction ou fanfic (sua respectiva abreviação) é a “ficção criada por fãs”, geralmente no ciberespaço, postado em blogs e comunidades virtuais específicas (os fandoms), de cunho individual ou coletivo. Elas apresentam regularmente dois formatos (contos ou romances). São sempre elaboradas por terceiros, os quais não devem ter composto o enredo original e/ou oficial da obra artística inspiradora (também chamada de cânone). Além disso, desprezam por completo (ou quase por completo) o copyright, pois seus escritores (ficwriters) não almejam lucro iminente. (PLÁCIDO, 2016, p. 10). Veja exemplos no site: http://fanfiction.com.br/. 4. E-zine: [...] o ato de veicular, através da internet, produções artísticas ou divulgar informações sobre elas fora das legitimadas instâncias comerciais de produção cultural. São, portanto, edições eletrônicas, que abordam todo tipo de assunto, especialmente os que se referem a histórias em quadrinhos, experimentações gráficas, bandas musicais independentes, conto, poesia, ficção científica, entre outros. Resulta da expansão e migração do (fan)zine para o ambiente virtual. (ZAVAM, 2007, p. 4). Exemplo: https://areiahostil.com.br/. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 163 S U M Á R IO 5. Whatsapp: De acordo com o site “WhatsApp.com”, o WhatsApp Messenger é um aplicativo gratuito de troca de mensagens que funciona a partir de uma conexão com a internet. Em geral, esse aplicativo é utilizado no celular, mas também pode ser acessado pelo tablet ou computador. A interação nesse gênero pode ocorrer tanto de forma interpessoal, quanto hiperpessoal, com a possibilidade de conversas em grupos, nas quais podem participar até 256 pessoas. Além disso, a comunicação por esse gênero pode ocorrer de forma oral (mensagens de voz ou vídeo) ou escrita (mensagem de texto) e é possível a utilização de diversos recursos semióticos, como fotos, vídeos e emoticons. Alguns desses recursos podem ser anexados da memóriado aparelho utilizado ou gerados diretamente na câmera do aplicativo, que permite a captura instantânea de fotos e a criação de vídeos.(GUIMARÃES, 2019, p. 47). 6. Podcasts: Pense em um programa de rádio. Um podcast nada mais é do que um programa de rádio gravado e que o ouvinte pode escutar quando quiser. Além disso, para ouvi-lo você não precisa sintonizar uma emissora: basta acessar um serviço de streaming, um site específico ou fazer o download do arquivo digital. A principal vantagem desse formato é a possibilidade de criar conteúdo de nicho sobre qualquer tema. Enquanto uma emissora de rádio optaria pelos programas com maior apelo comercial, por exemplo, um grupo de amigos que goste de falar sobre um determinado tema pode criar um podcast, sem maiores aspirações financeiras para falar sobre aquilo de que gostam. Para as empresas, esse formato pode ser uma maneira de dialogar com um público bastante seleto e segmentado. Embora os números de ouvintes de um podcast possam não ser tão expressivos quanto a audiência de um programa de TV ou de um site, podcasts reúnem um público fiel e bastante orientado, o que pode significar resultados mais interessantes em sua estratégia. (NERDWEB, 2020). Exemplo: https://jovempan.com.br/podcasts. 7. Posts: Postar é fazer uma publicação de um conteúdo que foi previamente elaborado, em uma plataforma ou rede social, seja para entreter, atrair visitantes/leads/clientes, divulgar um produto, aumentar o engajamento etc. A origem da palavra post, inclusive, tem a ver com postes. Sim, esses de iluminação e energia elétrica. O ato de colar anúncios em postes ficou conhecido como postagem. A palavra foi abrasileirada já que “post” tornou-se uma palavra universal por causa da internet. (LOBO, 2021). Exemplo: https://www.fabiolobo.com.br/o-que-e-post.html#post-de-entretenimento. 8. Tweets: O Twitter, segundo o site “Palpite Digital”, é uma rede social ou serviço de mensagens de até 280 caracteres, por meio do qual os usuários podem enviar e receber atualizações de outros contatos. A micromensagem compartilhada, conhecida como tweet, pode ser visível publicamente ou apenas para os seguidores, dependendo das configurações da conta. Os seguidores, por sua vez, são aquelas pessoas que adicionam a rede de alguém para segui-la e acompanhar suas postagens. No Twitter é possível seguir páginas de pessoas, sites ou empresas que também tenham uma conta. Assim, toda mensagem compartilhada por eles aparecerá na página inicial do seguidor. Além disso, quanto mais seguidores uma pessoa tiver, mais popular ela é considerada. (GUIMARÃES, 2019, p. 50). Exemplo de como usar: https://help.twitter.com/pt/using-twitter#tweets. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 164 S U M Á R IO 9. Trailer honesto: Assim como o trailer convencional, é um videoclipe criado para anunciar um filme. No entanto, é geralmente produzido por leigos ou fãs de cinema e não pela indústria, o que faz com que os aspectos negativos prevaleçam nos comentários e cenas. (TREVISAN, 2021, p. 17). Exemplos: https://www.youtube.com/watch?v=1ui_Mk0ASto. 10. Gameplay: Vídeo que mostra um ou mais jogadores interagindo com um determinado game. Ele explora todas as possibilidades do jogo e, em geral, traz orientações aos iniciantes. (TREVISAN, 2021, p. 17). Exemplo: https://youtu.be/FEqlPpm9uYw. 11. Detonado: É uma variação do gameplay. Nesse caso, o vídeo mostra um passo a passo que ensina a vencer cada uma das etapas do jogo, geralmente com legendas de texto ou texto e imagens (capturas de tela). (TREVISAN, 2021, p. 17). Exemplo: https://youtu.be/TR6KPf2RrhA. Fontes: Organizado pelos autores. O que queremos destacar, no quadro apresentado, não são as tecnologias em si, mas as desconstruções, ressignificações, metamorfoses, complexidades e ressignificações provenientes das mudanças tecnológicas e da presença e interferência do mundo virtual. Diante disso, vislumbramos gêneros discursos com diversas linguagens, produzindo significados únicos, diferenciando de uma visão que foca no múltiplo, com sentido fragmentado para cada linguagem. Além disso, há um destaque nas produções coletivas em que prevalece a opção decolonial, uma vez que não se visa retorno financeiro imediato das produções discursivas, mostrando uma resistência ao capitalismo e a visibilidade de outras perspectivas acerca de assuntos/temas que até pouco tempo eram disseminados somente por especialistas da área. Outra situação que podemos observar é o protagonismo dos aprendizes. Os jovens que conseguem desenvolver os jogos, constroem suas narrativas ensinando os pares para que também tenham êxito em determinado game. Todas essas questões despontam como possibilidades diante das atividades de produções com alunos do ensino fundamental, pois além de contemplarem o que está posto na BNCC também trazem lidam com LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 165 S U M Á R IO as demandas da sociedade, contextualizando e fazendo com que a escola vivencia situações mais próximas e relevantes para a comunidade escolar. Algumas considerações Falar de linguagem, numa relação com as ideias trazidas pelos multiletramentos, é abordar a língua não como algo estático, mas, como na concepção de linguagem bakhtiniana, é entender a língua em seu uso real, dialógica, perpassada pela palavra do outro. O enunciado é um acontecimento inédito, que, portanto, não pode ser repetido. Ele revela posicionamentos, perspectivas, juízos e emoções. Sob esse aspecto, uma aula é um acontecimento inédito em relação a todos os demais (anteriores ou posteriores). Trata-se de um evento suscetível a imprevistos, em que diversas contingências podem ocorrer. Ainda que a escrita tenha papel de destaque na BNCC e no currículo das escolas, destacamos a relevância dos gêneros emergentes, que se configuram como opções para a ampliação dos modos de produção textual no ensino fundamental, pois, mesmo a escola não possuindo alguns recursos tecnológicos para utilizar nas aulas, esses gêneros propiciam a expansão do currículo, o surgimento de novas abordagens no processo de aprendizagem. Os autores vinculados às teorias decoloniais produzem resistência às teorias dominantes eurocêntricas de outros autores e contribuem de forma significativa, na desconstrução de um pensamento unilateral e colonizador. Não há, portanto, mais espaço para a concepção de uma visão em que o professor comanda e o aluno obedece, mas sim, para a construção de sentido e valorização dos vários saberes oriundos dos conhecimentos de mundo dos alunos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 166 S U M Á R IO Referências ARENDT, H. The promise of politics (Org. Jerome Kohn). New York: Schocken Books, 2005. FERNANDEZ, J. B. Construções de sentido na área de línguas/linguagens: foco no letramento digital crítico. In: TAKAKI, N. H.; MOR, W.M. (Org.). Construções de Sentido e Letramento Digital Crítico na Área de Línguas/Linguagens. Campinas, SP: Pontes, 2017. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo, Martins Fontes, [1979] 2011. BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, [1929]1981. BHABHA, H. 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Diante disso, apresentamos uma proposta didática a partir do potencial do gênero booktrailer no contexto escolar numa perspectiva crítica pensada para alunos do 8º ano do Ensino fundamental - Anos Finais, sob o mote do letramento como prática social (STREET, 2014), já que há a necessidade de uma abordagem pedagógica culturalmente sensível na contramão de uma concepção de educação que tem servido à manutenção da exclusão (COPE & KALANTZIS, 2000). A produção escrita do ensino de línguas engloba várias habilidades que são desenvolvidas ao longo do ensino básico. Entretanto, ainda hoje, o trabalho com a produção escrita em sala de aula desenvolvido por alguns professores frequentemente utiliza mecanismos textuais na forma de regras e utiliza um método avaliativo centrado em correção gramatical e ortográfica. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 170 S U M Á R IO Nas práticas de produção em sala de aula, é muito comum vermos o texto como suporte de análise gramatical, como se o conhecimento estrutural da língua fosse suficiente para dar conta das necessidades da “vida que se vive” (MARX & ENGELS, 2011, p. 26), do trabalho e da sociedade.No entanto, Antunes (2009, p.13) nos lembra que “Ainda falta perceber que uma língua é muito mais do que uma gramática. (...) Toda a história, toda a produção cultural que uma língua carrega, extrapola os limites de sua gramática”, ou seja, precisamos enxergar a língua como forma de atuação social e prática de interação dialógica. A língua se manifesta por meio de textos, por isso, é essencial que lancemos um novo olhar para o texto, analisando-o para além da sua materialidade discursiva. Porém, para que façamos isso de maneira bem fundamentada teórica e metodologicamente, é preciso termos clareza do que entendemos por texto, pois dada a sua abrangência, o termo “texto” por si só não deixa claro para o leitor nossas escolhas teóricas. Por isso, salientamos que neste trabalho adotamos uma concepção interacionista do texto, entendendo-o como um evento enunciativo singular, dinâmico, multimodal, dialógico (constituídode uma heterogeneidade de vozes), marcado por uma natureza essencialmente argumentativa em que os sujeitos analisam o contexto sociocomunicativo, histórico e cultural para construir (e negociar) sentidos. Essa noção de texto da Linguística de Texto, redimensiona o fenômeno linguístico e traz algumas implicações para o ensino-aprendizagem de línguas que ampliam o objeto de estudo de investigação linguística, mas têm o texto como ponto de referência. A produção de texto passa a ser uma atividade interativa, complexa, que mobiliza uma grande variedade de saberes e requer conhecimentos de multiplicidades semióticas presentes nos textos da hipermodernidade. Essa concepção de texto alinha-se aos preceitos de uma Linguística Aplicada Crítica (MOITA LOPES, 2016) que rompe com os monopólios do saber e prepara o aluno de periferia, por exemplo, para ser responsivo a letramentos emergentes dos grandes centros de produção de conhecimentos. Porém, mais importante do que isso é descolonizar a produção dos saberes e mostrar aos alunos que eles também produzem conhecimento. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 171 S U M Á R IO Em sala de aula, o professor deve propor atividades que deem conta do texto como evento e que contemplem a sua multiplicidade semiótica, sua natureza interacional, discursiva e argumentativa, além das muitas vozes que o constituem. As novas tecnologias, os hipergêneros exercem grande influência no modo como compreendemos e produzimos textos e a Pedagogia dos Multiletramentos vai auxiliar o professor e os alunos a entenderem a multiculturalidade presente no mundo globalizado e a diversidade de linguagens dos textos. Neste trabalho, apresentaremos uma proposta didática de Língua Portuguesa pensada para alunos do 8o ano do Ensino Fundamental à luz da Pedagogia dos Multiletramentos e a Teoria da Atividade Sócio- Histórico-Cultural (TASHC) com base no currículo de Pernambuco e suas respectivas competências e habilidades. Este trabalho tem como objetivo geral oportunizar ao aluno avançar de forma autônoma no processo de leitura e escrita do gênero bootrailer e, desta forma, democratizar os usos de apreciação estética da linguagem na Língua Portuguesa, contribuindo para melhorar o ensino da leitura e da escrita sob o viés das culturas juvenis. Para compreender sua estrutura e ser capaz de produzir o gênero focal, o aluno deve conhecer alguns textos que precedem à produção desse gênero, a saber: a resenha, o resumo e o roteiro do booktrailer (gêneros orbitais). Os objetivos específicos buscam dar oportunidade ao aluno de ter contato com diferentes gêneros, linguagens, suportes e mídias, para que ele possa assim, expressar-se por meio delas na Atividade social; trabalhar com os alunos o hipertexto articulando-o à multimodalidade (hipermodalidade), permitindo várias interconexões e a abertura à pluralidade de conhecimento compartilhado; ampliar o repertório cultural do aluno, partindo de gêneros conhecidos e propondo um hibridismo hipermodal desses mesmos gêneros, além de uma avaliação crítica da língua, das linguagens e das ferramentas escolhidas. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 172 S U M Á R IO Algumas frestas teóricas Orientado pelos pressupostos dos Multiletramentos e do Letramento crítico (COPE; KALANTZIS, 2000, 2012; ROJO & MOURA, 2012; ROJO & MOURA, 2019) aliando-os à concepção dos gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003; RAMOS, 2007, 2017; SILVA, 2007), como também ao parâmetro de textualização aplicado à escrita escolar - a intertextualidade (CAVALCANTE, FARIA, CARVALHO, 2017; ANTUNES, 2017), construímos uma proposta de ensino de produção escrita para possibilitar que o(a) professor(a) possa repensar sua prática pedagógica numa perspectiva de autoformação docente, possibilitando que os estudantes negociem os sentidos no booktrailer, para que haja destaque no desenvolvimento da agentividade (BAZERMAN, 2006) e da empatia (BNCC, 2018). Nesse sentido, procuramos contemplar o campo de atuação artístico-literário da Língua Portuguesa previsto no Currículo de Pernambuco (2019). Por fim, em cumprimento à “Competência Geral 5” - “compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação crítica, significativa e ética” (PERNAMBUCO, 2019, p. 17), decidimos dar essa sugestão didática para que os estudantes possam acessar e disseminar informações por meio de uma curadoria atenta mediada pelo docente, para que possam produzir conhecimentos e possam resolver possíveis problemas com o protagonismo. Nessa busca para garantir a formação de cidadãos críticos, criativos, participativos, norteamos a proposta por meio da Teoria da atividade sócio-histórico-cultural - (TASCH), uma teoria que tem origem na escola russa de psicologia e que remete às muitas abordagens que têm Vygotsky como base. Fundamentada no materialismo sócio-histórico- dialético (MARX & ENGELS, 2011), a TASHC considera a atividade prática essencial para o desenvolvimento humano, pois é participando de Atividadessociais que os sujeitos constituem novos modos de agir. Sob a ótica da filosofia marxista, é na vida social, na atividade coletiva e na relação com o outro que os sujeitos constroem a sua identidade social. Esta sugestão didática envolve uma atividade social que foi pensada à luz da Pedagogia dos multiletramentos (ROJO& MOURA, 2012 ; ROJO LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 173 S U M Á R IO & BARBOSA, 2013). No protótipo, consideramos um conjunto de gêneros que estão engendrados (BAZERMAN, 1994) e que constituem a atividade social (AS) “participação em um sarau”. Nesse enquadre, buscamos refletir sobre as características enunciativas, discursivas, linguísticas, culturais, multimidiáticas e multimodais da AS. Além disso, analisaremos como os gêneros articulam-se na realização da Atividade social e na “vida que se vive” (MARX & ENGELS, 2011, p.26). O currículo de Pernambuco O currículo de Pernambuco orienta as escolas do estado desde 2019. Ele é o documento de referência para a elaboração de propostas pedagógicas e projetos político-pedagógicos em Pernambuco. A construção do documento começou em 2011 com uma série de debates sobre os Parâmetros Curriculares de Pernambuco. Em 2018, foram realizadas a revisão do Ensino Fundamental e a construção de um currículo para a Educação Infantil e em 2019, o currículo foi implementado no estado. A produção do documento contou com a colaboração de professores e membros da sociedade civil. Este documento curricular foi construído com base na Base Nacional Curricular Comum e traz no seu âmago o desenvolvimento de competências e habilidades para o enfrentamento de desafios e resoluções de problemas.O objetivo do currículo de Pernambuco é ofertar uma formação integral dos sujeitos, possibilitando a compreensão de diferentes dimensões da vida e do ser social. O objetivo do ensino de Língua Portuguesa, cunhado neste referencial, é de proporcionar aos estudantes experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crítica em sociedade. O currículo é dividido em 4 eixos: Leitura e Escuta, Produção de textos, Oralidade, Análise Linguística e Semiose. Essas práticas de linguagem acontecem em diferentes campos de atuação (Jornalismo LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 174 S U M Á R IO Midiático, Artístico Literário, Práticas de Estudo e Pesquisa e Atuação na vida pública). Para o trabalho focal, optamos pelo eixo da Produção de textos escritos no campo artístico literário. Algumas premissas conceituais do Currículo de Pernambuco Texto: o texto é considerado o próprio lugar da interação e da ação linguística; o objeto pelo qual se justifica o ensinopragmático (contexto, intencionalidades, interlocutores, veículos) do Componente Curricular - Língua Portuguesa. Língua: o currículo de Pernambuco trabalha com uma concepção de língua mais funcionalista e pragmática. O ensino é voltado para as práticas de linguagem articuladas aos campos de atuação. Linguagem: atividade social e dialógica com interlocutores e propósitos definidos de articulação e produção de significados. As práticas de linguagem pelas frestas do Currículo de Pernambuco As práticas de linguagem online e a importância da multimodalidade são aspectos que se destacam no documento orientador curricular de Pernambuco, a fim de preparar o estudante para conviver numa sociedade tecnológica não recente. Pelo contrário, desde o final do século XX, com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), se discutia a nova ótica de ensino pautada em uma inserção efetiva dos gêneros digitais. Contudo, no tocante ao ensino de Língua Portuguesa, tais debates ainda continuam necessários, pois há uma predileção ao ensino da modalidade escrita em detrimento das demais, conforme pontua o próprio LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 175 S U M Á R IO Currículo de Pernambuco (2019) em que “não é mais suficiente se ater, apenas, à escrita manual e impressa nem a recursos linguísticos e leituras lineares, visto que interagimos diária e intensamente com e por meio de vídeos, áudios, imagens, textos em movimento, entre outros, dentro de uma multiplicidade de cultura e linguagem” (PERNAMBUCO, 2019, p. 44) Pode-se interpretar, a partir dessa colocação, que se faz urgente alinhar as práticas escolares às demandas sociais, fazendo dos recursos digitais e seus respectivos formatos e mídias instrumentos de cunho reflexivo sobre os usos da língua, como também pautar por propostas que sinalizem a potencialidade das múltiplas linguagens nos processos de aprendizagem da Língua Portuguesa como eixo consolidador das práticas de produção escrita colaborativas. O documento destaca ainda que: As relações entre práticas de linguagem se efetuam ao mesmo tempo, requisitando a mediação do professor no que se refere às adequações discursivas, aos propósitos comunicativos, ao nível da linguagem em relação ao contexto/interlocutores, e a dimensão ética e responsável na interação com novos textos em ambientes digitais/virtuais e em relação ao aglomerado de informações disponíveis (PERNAMBUCO, 2019, p. 45). Cabe destacar que todos os textos, de acordo com Kress e Van Leuween (1998, p.186), são multimodais. Tomar essa premissa significa admitir uma abordagem do texto em camadas, ou seja, admitir que existe uma “ligação inexticável entre o texto e sua materialidade, que precisa ser considerada” (RIBEIRO, 2013, p. 22). Portanto, a multimodalidade não se deve, no entanto, somente às TICs, mas também à grande diversidade de culturas nas quais estamos imersos; para compreensão desses textos e para a comunicação são indispensáveis os novos letramentos ou multiletramentos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 176 S U M Á R IO Súmula da proposta A presente sugestão didática intitulada “um olhar pelas frestas na produção do gênero “Booktrailer”, parte principalmente do seguinte questionamento: como a escola pode inserir as tecnologias nas atividades didáticas nos anos finais do ensino fundamental, fazendo com que o aluno amplie as capacidades de comunicação, de produção de gêneros digitais, do conteúdo trabalhado e das tecnologias digitais? Por se tratar de um trabalho para o desenvolvimento da produção escrita multimodal, tomaremos o seguinte percurso para fins de contextualização dessa proposta: Tema: como se trata de uma proposta didática que visa à participação significativa e crítica dos alunos na Atividade social, o Currículo de Língua Portuguesa de Pernambuco vai destacar, entre outras coisas, temas transversais e integradores “que envolvem várias dimensões, como: política, social, histórica, cultural, ética e econômica. Tais dimensões são necessárias à formação integral dos estudantes e afetam a vida humana em escala local, regional e global, trazendo temáticas que devem integrar o cotidiano da escola (PERNAMBUCO, 2019, p. 23 – 28). Ao sugerir a escolha das leituras pautadas pelos livros indicados no PNLD, teremos contemplado o diálogo tão necessário com questões dessa envergadura. Convém lembrar que “o pensamento crítico é um processo interativo, que exige participação tanto do professor quanto dos estudantes [...] e que estejam engajados” (HOOKS, 2020, p. 34-35). Só para ilustrar, “em uma comunidade de aprendizagem assim, não há fracasso. Todas as pessoas participam e compartilham os recursos necessários a cada momento, para garantir que deixemos a sala de aula sabendo que o pensamento crítico nos empodera” (HOOKS, 2020, p. 36). Portanto, trazer para uma situação de aprendizagem discussões pertinentes como essas podem proporcionar uma reflexão crítica sobre o nosso entorno e nossa sociedade. Nível de ensino: 8º /9º anos – Ensino Fundamental (Ano finais) Número de aulas: 12 aulas LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 177 S U M Á R IO Indicação das competências e habilidades a serem trabalhadas conforme o currículo: Competências gerais: Competência 3: Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. Competência 4: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artísticas, matemática e científica para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. Competência 5: Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Competências específicas de linguagens para o ensino fundamental: Competência 2: Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Competência 3: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual- motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 178 S U M Á R IO Competência 5: Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. Competência 6: Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos. Competências específicas de LínguaPortuguesa para o ensino fundamental: Competência 2: Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. Competência 3: Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo. Competência 5: Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem adequados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual. Competência 7: Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias. Competência 8: Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.). LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 179 S U M Á R IO Competência 9: Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura. Competência 10: Mobilizar práticas da cultura digital, de diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. Habilidades desenvolvidas na atividade social: (EF69LP21PE) Posicionar-se em relação aos conteúdos veiculados em práticas institucionalizadas ou não de participação social (saraus, rodas de rap, repente e emboladas, batalhas de SLAM etc), a ponto de reconhecer que essas práticas são formas de resistência e de defesa de direitos, sobretudo aquelas vinculadas a manifestações artísticas, produções culturais, intervenções urbanas e práticas das culturas juvenis que pretendam denunciar, expor uma problemática ou “convocar” para uma reflexão/ação, relacionando esse texto/produção com seu contexto, como também as partes e semioses presentes na produção de sentido. (EF69LP32PE) Selecionar e comparar informações e dados relevantes de fontes diversas (impressas, digitais, orais, etc), avaliando a credibilidade e a utilidade dessas fontes, e organizando, esquematicamente, as informações necessárias com ou sem apoio de ferramentas digitais, em quadros, tabelas ou gráficos. (EF69LP47PE) Analisar, em textos narrativos ficcionais, as diferentes formas de composição, as partes estruturantes (orientação, complicação, desfecho), os elementos da narrativa (foco, espaço, tempo e enredo) e seu papel na construção de sentidos. (EF89LP32PE) Analisar os efeitos de sentido decorrentes do uso de mecanismos de intertextualidade (referências, alusões, retomadas), entre os textos literários, como também entre esses textos e outras manifestações LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 180 S U M Á R IO artísticas (cinema, teatro, artes visuais e midiáticas, música), preferencialmente pernambucanas e regionais, quanto aos temas, personagens, estilos, autores etc, e entre o texto original e paródias, paráfrases, pastiches, trailer honesto, vídeos-minuto, vidding, dentre outros. (EF89LP26PE) Produzir resenhas, a partir das notas e/ou esquemas feitos, com o manejo adequado das vozes envolvidas (do resenhador, do autor da obra e, se for o caso, também dos autores citados na obra resenhada), por meio do uso de paráfrases, marcas do discurso reportado e citações, contemplando as normas da ABNT e fazendo uso de recursos de coesão. (EF69LP53PE) Ler em voz alta textos literários diversos (contos de amor, de humor, de suspense, de terror, crônicas líricas, humorísticas, críticas), bem como leituras orais capituladas – compartilhadas ou não com o professor – de livros de maior extensão (romances, narrativas de enigma, narrativas de aventura, literatura infantojuvenil); contar/recontar histórias tanto da tradição oral (causos, contos de esperteza, contos de animais, contos de amor, contos de encantamento, piadas, dentre outros) quanto da tradição literária escrita, expressando a compreensão e interpretação do texto por meio de uma leitura ou fala expressiva e fluente, que respeite o ritmo, as pausas, as hesitações, a entonação indicados tanto pela pontuação quanto por outros recursos gráfico-editoriais (negritos, itálicos, caixa-alta, ilustrações, etc), gravando essa leitura ou esse conto/reconto, seja para análise posterior, seja para produção de audiobooks de textos literários diversos ou de podcasts de leituras dramáticas com ou sem efeitos especiais e ler e/ou declamar poemas diversos, tanto de forma livre quanto de forma fixa (como quadras, sonetos, liras, haicais etc), empregando os recursos linguísticos, paralinguísticos e cinésicos necessários aos efeitos de sentido pretendidos, como o ritmo e a entonação, o emprego de pausas e prolongamento, o tom e o timbre vocais, além dos recursos de gestualidade e pantomima que convenham ao gênero poético e à situação de compartilhamento em questão. (EF69LP43PE) Identificar e utilizar os modos de introdução de outras vozes no texto – citação literal e sua formatação e paráfrase -, as pistas LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 181 S U M Á R IO linguísticas responsáveis por introduzir no texto a posição do autor e dos outros autores citados (“Segundo X; De acordo com Y; De minha/nossa parte, penso/amos que”...) e os elementos de normatização (tais como as regras de inclusão e formatação de citações e paráfrases, de organização de referências bibliográficas) em textos científicos, desenvolvendo reflexão sobre o modo como a intertextualidade e a retextualização ocorrem nesses textos. (EF89LP9PE) Reconhecer e empregar mecanismos de progressão temática, tais como retomadas anafóricas (“que, cujo, onde”, pronomes do caso reto e oblíquos, pronomes demonstrativos, nomes correferentes etc), catáforas (remetendo para adiante ao invés de retomar o já dito), uso de organizadores textuais, etc, e analisar os mecanismos de reformulação e paráfrase utilizados nos textos de divulgação do conhecimento. (EF69LP33PE) Relacionar a linguagem verbal com a linguagem não verbal e híbrida (esquemas, infográficos, imagens variadas, etc) na (re) construção dos sentidos dos textos de divulgação científica. Objeto da atividade social: Participar de uma roda de leitura e discussão na atividade social “sarau” Campos de atuação: artístico-literário Objetos de conhecimentos: - Reconstrução da textualidade e compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelo uso de recursos linguísticos e multissemióticos; - adesão às práticas de leitura; - relações entre textos; - consideração das condições de produção; - estratégias de escrita: planejamento, textualização e revisão/edição; - construção de textualidade; - recursos linguísticos e semióticos que operam nos textos pertencentes aos gêneros literários. Gêneros orbitais selecionados para o percurso da produção escrita: Resenha crítica e roteiro de trailer(4 aulas iniciais) LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 182 S U M Á R IO Parâmetros de textualidade a serem explorados: a referenciação e a intertextualidade. (chamar a atenção dos estudantes para esses aspectos linguísticos durante todo o percursode construção para a escrita do gênero focal) Produção escrita a ser realizada: Booktrailer (6 aulas) Roteiro que entrelaça a concepção de protótipos de ensino proposta por Rojo e Moura (2012) somada a Teoria da Atividade Sócio-histórico- cultural, a saber: Quadro 1 - Componentes da atividade social “participação em um sarau” Sujeitos Alunos e professores Comunidade Comunidade escolar Objeto Apresentar um booktrailer em um sarau Instrumentos/Sistemas de gêneros Serão usadas múltiplas mídias (digitais ou não) abrangendo uma variedade de artefatos que apresentam, organizam e sistematizam os conteúdos. Ex.: caderno, lousa, dispositivos móveis. Divisão de trabalho • Professores: orientam o trabalho, dão instruções, propõem discussões. • Alunos: externam opiniões; discutem ideias sobre as obras lidas, produzem resenhas sobre o texto lido, resumem o texto, selecionam informações; selecionam informações estabelecendo uma relação do verbal com outras semioses tanto na resenha quanto no book trailer, reconstroem a textualidade e compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos, estabelecem uma relação entre os textos e produzem textos orais, escritos, digitais para a apresentação da atividade social. Regras Participar das atividades e discussões, respeitar o turno de fala dos colegas, apresentar-se de forma respeitosa, usando uma linguagem apropriada. Fonte: A autora. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 183 S U M Á R IO No quadro 2 apresentamos o que pode ser feito em sala de aula quanto aos aspectos de práticas de linguagem a serem mobilizados a partir desta proposta: Quadro 2 - O que pode ser trabalhado em sala? Aspectos enunciativos Reconhecer e atuar como interlocutor em um sarau. Aspectos discursivos Observar a progressão temática; identificar, analisar, refletir criticamente e utilizar pontos de vistas e suportes; reconhecer e construir argumentos e conclusões de maneira embasada. Aspectos linguísticos Observar e reconhecer marcas linguísticas nos textos (escolhas lexicais, mecanismos de valoração, coesão e coerência), identificar marcas de intertextualidade e referenciação. Aspectos multimodais Escolher como os booktrailers e as resenhas serão apresentadas (que recursos imagéticos, sonoros e visuais serão usados?). Além disso, é preciso pensar em enquadramento, legendagem, cores e todos os modos que serão usados para a construção de significados. Muitos dos tipos de produções mencionados supõem a livre circulação de informação e outras relações de autoria (direitos livres), já que se servem de trechos de outras obras, personagens, enredos etc., o que também é uma característica dos novos letramentos, que pode entrar em choque com um funcionamento mais autoral, que suponha a detenção de direitos sobre as obras. Isso precisa ser tematizado e considerado quando da proposição de trabalhos com essas produções na sala de aula. Aspectos culturais Acessar sites diferentes com resenhas de livros para perceber como o mesmo gênero é construído a partir de uma multiplicidade de pontos de vista; assistir a booktrailers na internet, observando como o livro é apresentado aos leitores. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 184 S U M Á R IO Aspectos multimidiáticos Celulares, notebooks e computadores para acessar os vídeos e textos em sites, revistas e jornais distintos; projetor para a visualização compartilhada dos vídeos, caderno para anotações; utilização de aplicativos para elaboração dobooktrailer (Vivavídeo – Vídeo Editor & Vídeo Maker; VídeoShow Vídeo Editor, Vídeo Maker, Photo Editor; PowerDirector – Vídeo Editor App, Best Vídeo Maker). Além disso, as produções mencionadas (resenha, resumo, roteiro de booktrailer e booktrailer) também envolvem remixagem, hibridizações, curadoria (seja para selecionar o que é confiável e o que não é). Para saber mais: Videocamp [https://www.videocamp.com/pt]. Plataforma que reúne e disponibiliza gratuitamente filmes que transformam. Política Modo de Usar [https://globosatplay.globo. com/globonews/politica-modo-de-usar]. Programa televisivo que aborda iniciativas inovadoras na prática política na América Latina. Criativos da Escola [http://criativosdaescola.com. br]. Projeto que incentiva propostas criativas para transformação social, elaboradas por estudantes e educadores. Believe.Earth [https://believe.earth/ pt-br]. Movimento que reúne histórias inspiradoras sobre os mais diferentes temas. Vimeo [vimeo.com]. Plataforma de vídeos com produções dos mais diferentes gêneros, onde é possível encontrar bons documentários para ampliar o repertório. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 185 S U M Á R IO Como se dá o processo de letramento crítico ao longo da atividade social? O trabalho com booktrailersna atividade social focal envolve NTICs, faz uso de vários gêneros que estão engendrados em um sistema e envolve diversas mídias e linguagens já conhecidas. A nossa proposta didática busca também ampliar o repertório cultural dos alunos. Segundo Rojo & Moura (2012, p. 29), numa Pedagogia dos Multiletramentos, os sujeitos, mais do “usuários funcionais”, com conhecimento técnico sobre uma determinada atividade social, por exemplo,são criadores de sentidos que entendem o uso os diversos tipos de textos, linguagens e mídias. Mas, para isso é fundamental que eles sejam analistas críticos de todo o processo da atividade social (Uma atividade social depende de fatores sócio-históricos e culturais, portanto, um sarau na capital, certamente é diferente de um sarau no interior de um estado). E é assim que os discentes vão mergulhar em novos letramentos ressignificados e redesenhados (É assim que eles vão perceber que tal qual os gêneros, as atividades sociais, também são “relativamente estáveis”. Essa percepção que se molda sob critérios, conceitos e uma metalinguagem própria é que vai garantir novos letramentos críticos e vai gerar novas propostas de produção, em que os alunos vão relacionar o que já sabem ao que foi aprendido, numa prática transformada de redesign. Isso confere agência à produção. Vale ressaltar que o Letramento crítico entende a língua como discurso, concebendo-a como prática social de construção de sentidos que são atribuídos aos textos pelos sujeitos. No caso desta proposta, ao discutirem colaborativamente os critérios de avaliação do book trailer, os alunos estarão engajados na criação de novas estéticas com base em valores axiológicos culturais e locais. Todo esse processo transforma os sujeitos de consumidores a críticos em analistas críticos. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 186 S U M Á R IO Como se dá o trabalho com textos na atividade social? Cada resenha ou booktrailer, por exemplo, faz parte de um contexto sócio-histórico-cultural que, por sua vez, apresenta uma determinada situação de comunicação. Nossa proposta vai além do verbocentrismo, pois, como atestam Cavalcante, Brito, Custódio Filho et al l(2019), o texto é um evento enunciativo. Assim, todo o trabalho com textos na atividade social, precisa analisar além de elementos linguísticos do cotexto, o próprio processo de construção textual (quem escreveu o texto? Para quê? A quem ele (o texto) serve? Qual o contexto de produção desse texto? O que está nas entrelinhas do texto? Esse texto dialoga com quê? Logo, os sentidos, vão sendo (re)negociados sempre que o texto é enunciado. Por exemplo, um questionamento que pode ser feito aos alunos é: Será que um determinado booktrailer, será visto da mesma forma por pessoas de contextos diversos? Ou ainda: Será que um book trailer em uma outra atividade social vai despertar os mesmossentidos nesses sujeitos? Ou talvez: Será que esse mesmo gênero reconfigurado num outro design, com outras mídias, despertaria os mesmos sentidos nos interlocutores? Fonte: A autora. Como avaliar o trabalho dos alunos? O professor pode discutir junto com os alunos e estabelecer alguns critérios para a avaliação dos trabalhos. Em seguida, os alunos e o professor podem assistir aos booktrailerse em grupos, podem analisar o trabalho dos colegas por meio de uma ficha avaliativa, que deve conter além dos critérios de avaliação, um local destinado às críticas e aos elogios (Sobre este ponto é preciso cuidar para que os colegas sejam sempre respeitosos. (Ex.: A linguagem usada foi adequada para o gênero? O vídeo foi editado?) O gênero booktrailer: O Booktrailer, ou trailer de livro, é um gênero digital dinâmico, um trajeto detalhado entre o início e o fim de um texto literário que se quer produzir. Traz as características necessárias e norteia para o produto que é a apresentação de uma obra literária, criando, muitas vezes, o mesmo ambiente emocional proporcionado pela leitura do livro. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 187 S U M Á R IO Os Booktrailers são uma das estratégias mais inovadoras para a divulgação da leitura literária aliada ao letramento literário (COSSON, 2009) e sua vivência permitirá ao aluno se familiarizar não somente com o gênero, como também com o funcionamento da linguagem do audiovisual em geral, adquirindo condições de ter uma postura mais crítica da representação do mundo em imagens em movimento. Cosson (2016) destaca que ler literatura é viver um mundo de palavras todo seu, já que estar em sintonia com uma prática social, como rodas de leitura e saraus, que só crescem de maneira a respeitar os princípios éticos e almejar as transformações político-sociais necessárias ao letramento crítico e à pedagogia do Multiletramentos. As etapas serão organizadas com atividades em que os alunos tenham acesso a textos do gênero em questão, possam observá-los, analisá-los e escrever seus próprios roteiros a partir do tema proposto. Além disso, serão levados a observar que o novo gênero é um tipo de resenha que contém resumo, opinião e argumento. A revisão, a reescrita e a avaliação dos textos, serão feitas ao longo do processo, à medida que as atividades forem sendo realizadas. A elaboração do booktrailer originará um produto digital que levará o educando a perceber outras formas de olhar o mundo, o lugar onde vive, a comunidade escolar e a própria família por meio do viés estético do texto literário. Constituição da proposta didática para produção textual em booktrailer 1ª etapa – A leitura de um livro à escolha do aluno A escolha das obras estará atrelada à curadoria do professor, tendo como parâmetro o programa PNLD literário 2020 (https://pnld.nees. ufal.br/pnld_2020_literário/inicio).Assim, garantimos que vários temas contemporâneos transversais serão contemplados na atividade social. Na LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 188 S U M Á R IO contemporaneidade, no entanto, tais temáticas têm tentado se afastar do modelo sociológico e investido em datas comemorativas que objetivavam revelar apenas as singularidades culturais da sociedade comum. Para tanto, dedica tempo maior às problemáticas da sociedade atual a fim de que elas possam pôr em sala de aula com toda a sua complexidade, gerando no aluno e no professor. Assim, selecionar não quer dizer restringir, mas exatamente o contrário, selecionar significa valorizar. Isso porque a escolha de textos desafiadores, que não caiam na sedução simplista e demagógica, que provoquem perguntas, silêncios, imagens, gestos e rejeições é a antessala da escuta (BAJOUR, 2019). Em seguida, o livro escolhido deve ser registrado via aplicativo SKOOB (aplicativo para registro de leitura). Durante a análise desses trailers, os alunos deverão observar: o gênero literário da obra, o público-alvo, o efeito pretendido e os recursos visuais, textuais e sonoros empregados. Assim, o professor deve conduzir a discussão do gênero alvo/principal apontando a relação deste gênero com a resenha escrita que contém resumo, opinião e argumento. Cabe salientar, que a atividade será trabalhada em grupos de quatro componentes durante todas as etapas da sequência didática. Atividade 1. Comece perguntando aos estudantes se eles costumam assistir ou já assistiram a um booktrailer. Anote os exemplos que surgirem para que você possa investigá-los em aulas subsequentes. Para auxiliar na mobilização deste momento cite exemplos de booktubers para dialogar com essa premissa. 2. Procure saber quais foram as mídias através das quais eles assistiram aos booktrailers/resenhas 2ª etapa - A elaboração de uma resenha a respeito do livro A partir do que será trabalhado durante a 1ª etapa, deverão ser aprofundados os conhecimentos sobre o gênero resenha. Portanto, o objetivo dessa etapa é permitir que os alunos identifiquem as características comuns entre o booktrailer e a resenha, por meio da exploração do contexto LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 189 S U M Á R IO de produção e dos elementos que os compõem. Dessa forma, poderá ser realizada uma primeira indicação da escrita de resenhas como possibilidade de iniciar a apropriação do gênero principal desta proposta, que no caso do booktrailer, servem de guia, sendo interpretadas oralmente nas gravações segundo as características dos elementos paralinguísticos e cinésicos, possibilitando a circulação desses textos em que se “fundem” os papéis de leitor e autor (lautor), de consumidor e produtor. Para otimização do trabalho com as capacidades de escrever, resumir e argumentar, montaremos um grupo no Facebookpara exercício de escrita. A ideia é que os alunos comentem as resenhas dos colegas numa perspectiva de escrita colaborativa mediada por um roteiro montado de forma coletiva para apreciação avaliativa dos textos produzidos. 3ª etapa - A elaboração de um roteiro do vídeo com base nessa resenha Serão disponibilizados diversos roteiros de vídeos, resenhas, trailers e booktrailers na sala de aula. O objetivo dessa etapa é possibilitar aos alunos o contato com o gênero, para que percebam suas características estáveis, mostrando também as variações como, por exemplo, a estrutura multissemiótica, visual e sonora presentes como recurso complementar para a construção da linguagem verbal. Para tanto, levantaremos as seguintes questões: • Como esses textos são organizados? • Quais características básicas esses textos têm em comum? • Há diferença entre o roteiro e a produção do vídeo? • Como é a linguagem utilizada? Em duplas, para ampliar a compreensão dos alunos sobre o gênero, leitura e interpretação do texto da entrevista com Estela Renner para a revista Na Ponta do Lápis nº 31. Ao final pediremos que eles sintetizem em grupo as respostas alcançadas e sistematizem em cartolina para discussão dialogada em sala. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 190 S U M Á R IO 4ª etapa - A produção do booktrailer propriamente dito Durante esta etapa, os alunos deverão partir do que já foi desenvolvido por eles, nas etapas 1, 2 e 3, e criar o documento em vídeo para ser publicado no Facebook. Passos fundamentais na construção de um booktrailer:: - escolher uma obra; - escrever uma resenha e um resumo da obra; - escolher os recursos que serão empregados na construção das partes do vídeo; - definir as funções de cada integrante do grupo: diretor, câmera, atores, editor, roteirista etc; - escrever um breve roteiro para as cenas com a descrição das ações; - escolher um local apropriado para filmar. 5ª etapa – Publicação e divulgação dos booktrailers Finalmente, na últimaetapa, divulgaremos pela plataforma Youtube a produção dos booktrailers que serão produzidos pelos alunos. A ideia é que os alunos possam assistir às produções dos colegas e possam implementar uma política de leitura literária por meio da indicação da obra escolhida e projetada no formato digital para um maior alcance de público, primando pelo respeito e pela ética através do uso da língua com responsabilidade, cidadania crítica e ativa. Considerações (longe de serem) finais A discussão instaurada em nossa proposta de atividade teve como aporte teórico os seguintes conceitos: Linguagens e tecnologias (BNCC, 2018; PERNAMBUCO, 2019), Letramento literário (COSSON, 2012), Letramentos digitais (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016; RIBEIRO, 2007; COSCARELLI; RIBEIRO, 2005; SOARES, 2002), Letramento crítico (STREET, 2014), Multiletramentos (ROJO; MOURA, 2019; LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 191 S U M Á R IO ROJO; BARBOSA, 2015; ROJO; MOURA, 2012), Multimodalidade (KRESS, 2010;KRESS; BEZEMER, 20009), Transmodalidade.(SHIPKA, 2016), Escrita (BAZERMAN, 2006; MARCUSCHI, 2008; RIBEIRO, 2018). As discussões apresentadas ao longo do trabalho trazem implicações para sala de aula (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) que foram atravessadas pelos conceitos das teorias da Linguística Textual e Linguística Aplicada, a saber: texto e textualização, referenciação, intertextualidade, pedagogia dos multiletramentos e orientações curriculares de Pernambuco. Tais convergências de letramentos aplicados ao ambiente escolar contribuem para a formação cidadã, já que a criação de comunidades de leitores em sala de aula é primordial para o processo de apropriação e domínio de práticas sociais de leitura e escrita do texto literário (COLOMER, 2007), através da experiência estética. É importante notar que, embora a produção escrita não seja o gênero focal, muitas atividades de leitura e de produção com diferentes modalidades da língua e linguagem serão propiciadas pelo trabalho com o gênero booktrailer, ao mesmo tempo em que um texto literário de livre escolha do aluno e de sua relação com a tecnologia também serão mobilizadas. Dessa forma, a sala de aula poderá propiciar aos alunos um modo autêntico de aprendizado da própria língua(gem), respeitando as culturas juvenis para a cidadania e para a ética e a compreensão de diferentes modos de expressão e de agir que os circundam como protagonistas postos à educação contemporânea. Referências ANTUNES, I. Textualidade: noções básicas e implicações pedagógicas. São Paulo: Parábola Editorial, 2017. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1951/1953]. BAZERMAN, C. Gêneros, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. CAVALCANTE, M. M.; FARIA, M. G. S; CARVALHO, A. P. L. 2017. Intertextualidades estritas e amplas. Revista de Letras, 36 (2), 7-22. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 192 S U M Á R IO COLOMER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007. COPE, B.; KALANTZIS, M.Multiliteracies: the beginnings of an idea. In: COPE, B.; KALANTZIS, M. (Eds.). Multiliteracies: Literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000. p. 3-8. COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A. E. Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. DUDUNEY, G; HOCHLY, N; PEGRUM, M. Letramentos digitais. Tradução: Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. HOOKS, B.Ensinando o pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Editora Elefante, 2020. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARX, K. & ENGELS, F. (1945). A ideologia alemã. São Paulo: Centauro, 2011. PERNAMBUCO. Secretaria de Educação e Esportes. Currículo de Pernambuco: Linguagens. Recife, 2019. RIBEIRO, A. E.. Escrever, hoje – palavra, imagem e tecnologias digitais na educação. 1ª ed., São Paulo: Parábola Editorial, 2018. ROJO, R.; MOURA, E. (Orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012. _________________. Letramentos, mídias, linguagens. São Paulo: Parábola Editorial, 2019. ROJO, R. H. R.; BARBOSA, J. P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. SCHNEUWLY. B.; DOLZ, J. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: ROJO, R.; CORDEIRO, G. (Org. e trad.). Gêneros orais e escritos na escola. 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LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 193 S U M Á R IO https://doi.org/10.52788/9786589932147.1-10 Letramento digital e a utilização de Blogs: análise de uma eventual relação metodológica no processo de ensino-aprendizagem João Luiz Lima Marins Cristiana Barcelos da Silva Introdução Com o surgimento das cada vez mais novas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), aparece a necessidade dos indivíduos atuarem no mundo, em tempos e espaços diferentes. Ao se utilizar essas novas tecnologias deve-se pensar em sua utilização para desenvolver a aprendizagem necessária a utilização destas. O Letramento Digital (LD) surge da necessidade de aprender a lidar com a leitura e a escrita, nesse formato digital, sendo uma nova percepção do aprender, já que as relações com o meio se apresentam como uma alternativa de interagir, participar e escolher de forma mais propicia a desenvolver e aumentar o sentido e a imaginação, ampliando de maneira significativa as funções cognitivas. As crianças, hoje, já cultivam o hábito de sentar em frente a um computador, ou celulares com amplo acesso a rede e jogos. Essas possibilidades fazem com que a criança interaja com sons, movimentos, mensagens, navegam e sites, baixam aplicativos, mesmo sem terem sido alfabetizadas, ou se apropriarem do sistema alfabético, contudo realizam atividades com ferramentas digitais com base em outras habilidades linguístico-cognitivas. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 194 S U M Á R IO Ao se tratar de LD, a aprendizagem e manuseio destas novas tecnologias se faz urgente. Com o surgimento de novos aplicativos, equipamentos, gêneros textuais a cada nova versão do sistema, ou surgimento de novas modalidades de interação. As metodologias de aprendizagem traçam um percurso, porém para se o alcançar existem muitas incertezas, erros, acertos e descobertas. Essas TDIC acabam por estimular o surgimento de vários novos gêneros textuais. Dentre esses gêneros, o blog é uma ferramenta utilizada pelos internautas, ao observar essa possibilidade tornou-se comum professores utilizarem-se desta ferramenta como uma metodologia pedagógica de aprendizagem. O objetivo principal deste trabalho de pesquisa seria investigar a utilização do Blog como um espaço de produção de hipertextos, como uma espécie de colaboradore facilitador dentro do processo de ensino e aprendizagem. Sendo necessário incialmente discutir sobre letramento, em seguida letramento digital e, por último a utilização do Blog como ferramenta de aprendizagem. Letramento De acordo com Soares (2016), o conceito de letramento seria uma das principais divergências quanto ao objeto de alfabetização. Quando se fala no desenvolvimento da língua, a partir da década de 80, há uma ampliação dos limites de ampliação do ensino e aprendizagem da língua escrita. Essa ampliação deve-se principalmente do desenvolvimento social, cultural, econômico e político acabam por ganhar cada vez mais visibilidades as muitas e as variadas demandas de leitura e de escrita nas práticas sociais e profissionais, criando uma necessidade aprimorada e diferenciadas habilidades de leituras e escritas, surgindo desta forma uma reformulação de objetivos e introdução de novas práticas no ensino da língua escrita no ambiente escolar. A ênfase então passa a ser na atribuição do desenvolvimento de habilidades de leitura e de escrita de uma gama ampla e variada de gêneros textuais. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 195 S U M Á R IO Em seus estudos, Soares (2016) exemplifica que através destas modificações o termo letramento passa a ser associada ao termo alfabetização, designando desta maneira uma aprendizagem inicial da língua escrita, não se atendendo não apenas como a aprendizagem da tecnologia da escrita, do sistema alfabético e suas convenções, como também uma prática desta criança na introdução às práticas sociais da língua escrita. O peso atribuído na aprendizagem inicial da língua escrita na introdução da criança aos usos da leitura e da escrita nas práticas sociais passa a representar uma divergência em relação ao objeto da aprendizagem, sendo uma divergência sobre o que ensina e quando se ensina a língua escrita. Atualmente, ao se analisar o conhecimento da língua escrita, trabalha-se com diferentes ciências como a linguísticas, psicologia Cognitiva, psicologia do Desenvolvimento, envolvendo um processo com vários componentes, ou facetas, demandando diferentes competências. Ao se analisar todas essas ciências, existem diversas complexidades e, consequentemente, multiplicidade das facetas decorrem diferentes de alfabetização, privilegiando um ou mais componentes do processo (Soares, 2016). Segundo Soares (2016), são três as principais facetas de inserção no mundo da escrita. A primeira faceta seria a linguística da língua escrita, sendo está a representação visual da cadeia sonora da fala. Segunda a faceta interativa da língua escrita, o veículo de interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de mensagens. A terceira faceta a sociocultural da língua escrita, sendo os usos, funções e valores atribuídos à escrita em contextos socioculturais, as duas últimas facetas consideradas por Soares (2016) o letramento. Ao se tratar estas três facetas, na visão da autora supracitada ocorre a análise e o conhecimento de três objetos de conhecimento diferentes, no processo de aprendizagem da língua escrita. Esses objetos correspondem a domínios cognitivos e linguísticos distintos, com categorias de competências e seus desenvolvimentos. Por exemplo, na faceta linguística, o objetivo seria a apropriação do sistema alfabético ortográfico e das convenções da escrita, este objetivo necessita de processos cognitivos e linguísticos específicos precisando de estratégias específicas de aprendizagem. LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 196 S U M Á R IO A faceta interativa tem como objeto a habilidade de produção e compreensão de textos, um objetivo que requer outros e diferentes processos cognitivos e linguísticos, além de outras estratégias de ensino- aprendizagem. Na faceta sociocultural, o objeto seria os eventos sociais e culturais envolvendo a escrita, esse objeto implica conhecimentos, habilidades e atitudes específicos. Há uma necessidade de promoção inserção adequada nesses eventos (sociais e culturais), que utilizaria diferentes contextos e situações de uso da escrita. Letramento digital As TDIC atuam no processo de construção de conhecimento. A utilização cada vez mais frequente de recursos e mídias digitais, e a necessidade de utilização destas tecnologias no contexto atual, corroboram a uma nova forma de utilização destes novos modos de comunicação, sendo assim de letramentos e linguagens que esse novo tempo se faz necessário. Segundo Moura et. al. (2019), o letramento adquire outras complexidades e possibilidades, devido as novas mudanças culturais que a sociedade passa a se encontrar. As práticas de leitura, devido a essas novas tecnologias, acontecem em tela. Esse acontecimento acaba por implicar a situação ou condição do sujeito letrado, as formas de aprender, como explicam Moura et al. (2019), devem ser ampliadas, assim como o acesso a leitura, a maneira de escrever os textos, e a socialização dos mesmos. Deve-se então situar o letramento digital numa associação do domínio e utilização competente da leitura e da escrita com as tecnologias de informação e comunicação, formando assim uma nova forma de construir, organizar e divulgar o conhecimento. Essas novas TDIC ampliam, desta maneira, o ato de aprender a aprender, do acesso à leitura e as maneiras de escrever e socializar os textos, surgindo novas formas de utilização como blogs, redes sociais, mídias digitais como o canal de Youtube, etc. Isso exige dos leitores e produtores de LETRAMENTOS MÚLTIPLOS, MULTIMODALIDADES E MULTILETRAMENTOS: OS USOS DA LINGUAGEM NA ERA DIGITAL VOL.2 197 S U M Á R IO textos mais capacitados e interativos com essas tecnologias, que demandam outras habilidades e competências ao se lidar com a leitura e a escrita. Em suas investigações Moura et al. (2019) afirmam que, com o surgimento de cada novo aparato digital a ser utilizado no processo educativo formal, surge também um novo desempenho de papel de mediação e reconfiguração da comunicação e da linguagem entre os indivíduos, contextos e meios que interagem e transformam suas relações e contextos. Esse letramento passa a dialogar com as várias novas tecnologias que surgem, criando novos autores, já que as mídias digitais permitem uma diversidade de gêneros a serem produzidos. Na perspectiva de Pinheiro (2018), em suas pesquisas, aponta que o aparecimento e imersão das novas TDIC em qualquer setor da atual sociedade faz surgirem novas práticas e novos termos para designar essas práticas, Pinheiro (2018) chama essas práticas em sua pesquisa de letramento digital. Existem diversos conceitos ligados ao LD, isso se deve às variadas denominações, uma vez que exista uma gama de práticas sociais e ferramentas derivadas das novas TDIC. A principal ênfase que se dá a letramento vem da escrita, pois o ato de ler e escrever é o foco de muitos conceitos de letramento, com isso se têm como base o conceito de leitura e escrita realizados através de ferramentas digitais. Contudo um conceito de LD existente e deixado de lado seriam a de outras práticas sociais realizadas através das tecnologias digitais que podem ser adicionadas à escrita, tais como a visual e oral. Em suas pesquisas Pinheiro (2018) cita, que muitos adolescentes, ao se questionarem em seu particular ou tirando dúvida do colégio, assistem videoaulas através do Youtube (plataforma virtual de compartilhamento de vídeos). Sendo assim Pinheiro (2018) aponta que o conceito de letramento digital na atualidade também deve ser pautado por usos além da escrita. As práticas sociais se entrelaçam e se modificam por vias da novas Tecnologias de Comunicação e Informação, onde a habilidade de construção de sentidos a partir de textos de variados modos e a capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente a informação disponibilizada