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DIREITO CIVIL - PARTE GERAL - PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA IZABELLA FERREIRA REIS - 2024 1. Noções introdutórias O decurso do tempo influi nas relações humanas desde o nascimento do indivíduo até sua morte, de forma que os fenômenos da prescrição e da decadência permitem que as relações jurídicas e sociais se tornem seguras e estáveis, em virtude do decurso do tempo. Nesta senda, a extinção do direito poderá ocorrer de duas formas: a) direito ao exercício de pretensões (direito subjetivo), se não exercido em certo tempo é alcançado pela prescrição; b) direito potestativo é destruído pela decadência. Tem-se, portanto, a seguinte diferenciação: - inércia do titular + decurso do tempo + pretensão => Prescrição - inércia do titular + decurso do tempo + potestade => Decadência Além das modalidades de ação, isto é: a) declaratórias: imprescritíveis; b) condenatórias: prescritíveis; c) constitutivas (des): decadenciais. 2. Prescrição Por prescrição entende-se a extinção da pretensão, relativa a um direito subjetivo, patrimonial e disponível, manejado por uma ação condenatória. De modo que por pretensão compreende-se a possibilidade de exigir a outrem uma obrigação, sob pena de execução (art. 189, CC). Nessa toada, entende-se que às pretensões relativas à direito subjetivo, extrapatrimonial e indisponíveis, dirigido por ações declaratórias, são imprescritíveis. Nota-se que mesmo com a extinção da pretensão, o direito permanece intacto, só que sem proteção jurídica para solucioná-lo. Dessa forma, o parâmetro de início da contagem do prazo prescricional se dá a partir da violação do direito subjetivo. Porém, há na doutrina a teoria actio nata subjetiva, segundo a qual a contagem do prazo inicia-se do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo. Havendo proteção desta teoria no campo jurisprudencial, como observado no teor da Súmula 278 do STJ. Súmula 278, STJ- O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. Além disso, existe a prescrição extintiva, diz respeito à prescrição genérica, e a aquisitiva, aquisição de um direito real sobre um bem pelo decurso do prazo, exemplo a usucapião. Ademais, a exceção prescreve no mesmo prazo da pretensão (art. 190, CC), sendo a mesma vista como o direito de defesa do ofendido. Além disso, há possibilidade de renúncia à prescrição por parte do beneficiado, ocorrendo somente após a consumação da prescrição, de forma expressa ou tácita (art. 191, CC), por prática de ato inequívoco de reconhecimento do direito pelo prescribente. Essa renúncia ainda pode ser judicial, quando manifestada em juízo, ou extrajudicial, celebração de um instrumento declarando renúncia. Para tanto, a prescrição somente tem origem legal, não podendo as partes decidir acerca dos seus prazos (art. 192, CC). Ainda, pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pelo beneficiado (art. 193, CC). Por fim, há ainda possibilidade de continuidade da prescrição, tanto em decorrência do ato mortis causa, quanto inter vivos (art. 196, CC). 2.1. Causas impeditivas e suspensivas É consagrado no Código Civil hipóteses em que o prazo prescricional é impedido ou suspenso, tendo em mente que para o reconhecimento da prescrição intercorrente, a prescrição ficaŕa suspensa pelo período de um ano, além da suspensão da prescrição diante da pandemia do Covid-19. Assim, por impeditiva entende-se a obstrução do transcurso do prazo e por suspensiva a paralisação do mesmo, sendo as causas legais idênticas, diferenciando-se pelo momento em que se operam. Inicialmente, o art. 197 do CC elenca as seguintes hipóteses de inocorrência de prescrição, que busca a proteção bilateral da paz familiar: a) entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal (Enunciado 296 CJF, não ocorre entre companheiros); b) entre ascendente e descendente, durante o poder familiar; c) entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Em seguida, o art. 198 do CC apresenta causas subjetivas unilaterais da não ocorrência de prescrição, a saber: absolutamente incapazes; ausentes do País em serviço público; e os que estiverem servindo em tempo de guerra. Ademais, o art. 199 do CC, diferente dos outros, apresenta causas objetivas da interrupção e suspensão da prescrição, isto é: a) pendendo condição suspensiva; b) não vencimento do prazo fixado para um ato o negócio jurídico; c) pendendo ação de evicção, isto é, perda da coisa em decorrência de uma decisão judicial ou apreensão administrativa. Aliás, caso esteja pendendo a apuração do juízo criminal, não correrá a prescrição (art. 200, CC). Por fim, no caso de solidariedade ativa, a suspensão da prescrição que favorece um dos credores não atinge os demais, com exceção da obrigação indivisível (art. 201, CC). 2.2. Causas de interrupção A interrupção do prazo prescricional tem relação com as condutas do credor ou devedor, fazendo com o prazo retorno ao seu início, partindo do ponto zero. Para tanto, o art. 202 do CC determina que a interrupção poderá ocorrer apenas uma vez, sendo a primeira hipótese o despacho do juiz ordenando a citação, que retroage a data de propositura da ação, bem como a instauração de procedimento arbitral (art. 19 da Lei 9.307/96). Além disso, também ocorre por protesto judicial e cambiário, na apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou concurso de credores, como também qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e por ato inequívoco, ainda que extrajudicial, de reconhecimento. Assim sendo, a prescrição interrompida recomeça da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo para interrompê-la. Por outra via, a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado (art. 203, CC). Por fim, a interrupção da prescrição por um credor não se aproveita aos outros, havendo portanto caráter personalíssimo do ato interruptivo (art. 204, CC), a não ser que esteja tratando de obrigações e direitos indivisíveis. 2.3. Prazos de prescrição Os prazos da prescrição referem-se ao decurso do tempo entre seu termo inicial e final, sendo o prazo geral o de dez anos (art. 205, CC). Assim, recebem a seguinte classificação: a) ordinário ou comum: não houver previsão legal, será de dez anos; b) especiais: prazos reduzidos para exercício de certos direitos subjetivos em situações especiais. Dessa forma, de acordo com o art. 206 e seus parágrafos, há os seguintes prazos especiais: a) prescrição ânua: I) os hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos; ll) segurado contra o segurador ou, deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; lll) tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV) contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo e a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. b) prescrição bienal (de dois anos): alimentos; c) prescricional de três anos: I) aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; Il) receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias; Ill) juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV) ressarcimento de enriquecimento sem causa; V) reparação civil; VI) restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberadaa distribuição; VII) contra pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação; VIll) haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX) beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório d) prescrição de quatro anos: tutela, a contar da data da aprovação das contas; e) prescrição quinquenal: I) cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; II) profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III) vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo. 2.4. Prescrição e direito intertemporal Quanto aos prazos de prescrição cuja contagem se iniciou na vigência do Código Civil de 1916, aplica-se a regra de direito intertemporal constante do art. 2.028 da atual codificação. Para tanto, caso já tenha transcorrido mais da metade do prazo anterior, deverá o prazo anterior ser aplicado. Pelo contrário, se quando da entrada em vigor do atual Código, houver transcorrido menos da metade do prazo da lei velha, aplica-se o prazo da lei nova, com contagem iniciada a partir da data em que entrou em vigor a atual codificação. 2. Decadência Refere-se à perda do direito em si, pela falta de atitude do titular, durante o prazo previsto em lei, assim, quando ocorre a decadência, a pessoa não tem mais o direito, de modo que o direito potestativo seria manejado de uma ação constitutiva (des). Assim, pode ser subdividida em duas modalidades, quais sejam: a) legal: que advém de expressa previsão em lei; b) convencional: caráter de ordem privada. Não sendo possível categorizar todos os prazos decadenciais por estarem espalhados pelo ordenamento jurídico. Ademais, em regra geral, os prazos decadenciais não se suspendem ou se interrompem (art. 207, CC), porém, ele não será iniciado para os incapazes (art. 208, CC), passando a correr após cessada a incapacidade. Além disso, não é admitida a renúncia à decadência legal. Por fim, o termo inicial se dá por meio da análise do caso concreto, portanto, se houver prazo fixado em lei, é o conhecimento do fato que dá início à contagem do prazo decadencial. 3. Ações imprescritíveis De modo geral, a imprescritibilidade configura-se como a exceção, logo, são imprescritíveis as pretensões manejadas por ações declaratórias, que versão sobre: a) direitos da personalidade; b) estado da pessoa, como filiação, condição conjugal e cidadania; c) ações declaratórias de nulidades absolutas; d) relativas ao direito da Família; e) referentes a bens públicos de qualquer natureza. PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA FUNCIONAMENTO Direito subjetivo descumprido pela outra parte, gerando uma pretensão que se não feita no prazo observado prescreve Direito potestativo não exercício no prazo previsto decai DIFERENÇAS Direito Subjetivo (não auto executável) Direito potestativo (autoexecutável) Decurso do tempo do prazo para a pretensão, que surge com o descumprimento pela outra parte * Decurso do tempo do prazo para exercer o direito potestativo Perda do direito à pretensão (emana de direito subjetivo) obs: pretensão ≠ direito material obs²: não é a perda do direito de ação (inafastabilidade do poder judiciário: princípio da ubiquidade) Perda do prazo determinado para o exercício de um determinado direito potestativo Ação condenatória (pretensão de dar, fazer ou não fazer) Ação constitutiva ou desconstitutiva Requer atuação judicial Não requer atuação judicial Prazos sempre legais Prazos podem ser legais ou de vontade Pode ser impedido, suspendido ou interrompido Em regra, não se impede, suspende e nem se interrompe Pode ser renunciada em qualquer hipótese Admite somente a renúncia convencional Pode ser conhecida de ofício Somente a legal é conhecida de ofício SEMELHANÇAS Perda do direito pelo decurso do tempo Fórmula para identificar se o prazo é prescricional ou decadencial (FÓRMULA TARTUCE) Regra 1 – Se a contagem for em dias, meses ou ano e dia, o prazo é decadencial. Se o prazo for em anos, poderá ser o prazo de prescrição ou de decadência. Regra 2 – Se o prazo em anos estiver previsto no art. 206 será de prescrição, se estiver fora do art. 206 será de decadência. Regra 3 – Se a ação correspondente for condenatória, o prazo é prescricional. Se a ação for constitutiva positiva ou negativa, o prazo é decadencial. image1.png image3.png image2.png