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Medicina Legal e Psicologia Forense Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Susyara Medeiros de Souza Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Traumatologia Forense Traumatologia Forense • Conhecer as energias capazes de causar danos à integridade física e à saúde das pessoas, compreendendo como a Medicina Legal as classifica e realiza seu diagnóstico; • Compreender como se dá a classificação das lesões corporais sob o ponto de vista jurídico, a partir da resposta aos quesitos da perícia médico-legal. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Medicina Legal – Notas Introdutórias; • Traumatologia Forense; • Lesões Corporais do Ponto de Vista Jurídico. UNIDADE Traumatologia Forense Medicina Legal – Notas Introdutórias Primeiro, vamos falar um pouco sobre a Medicina Legal como Disciplina, ou área de estudo, e só depois, começar a falar das áreas específicas, como é a Traumatologia. Na Medicina Legal, nós vamos encontrar conhecimentos que vem da própria Medicina, das Ciências Biológicas, da Farmacologia, da Odontologia, da Tecnologia, e tudo isso para trazer informação ao mundo do Direito. Para não deixarmos de ter um conceito formal, vamos considerar o que pensa o Dr. Genival Veloso de França (2015, p. 20), que escreveu: “A Medicina Legal é uma Disciplina eminentemente jurídica, mesmo que ela tenha seus subsídios trazidos da Medicina e das outras ciências biológicas e da tecnologia”. Podemos perceber que o autor explica que a Medicina Legal é uma Disciplina jurídica porque ela só existe em razão das necessidades do Direito, ou seja, esses conheci mentos médicos, biológicos etc. são aplicados para responder às questões que chegam à justiça. E é isso que vamos conhecer ao longo desse estudo. “Em suma, a Medicina Legal é a contribuição da medicina, e da tecnologia e outras ciências afins às questões do Direito na elaboração das leis, na administração judiciária e na consolidação da doutrina” (FRANÇA, 2017, p. 3). Classificação da Medicina Legal Didaticamente, o estudo da Medicina Legal divide-se em uma parte geral e outra especial, conforme leciona Croce: “Parte geral, onde se estuda a Jurisprudência Médica, que ensejam aos profissionais da Medicina conhecimentos sobre os seus deveres e direitos, e o Código de Ética dos Advogados (CROCE, 2012). E parte especial, na qual estudam as áreas específicas, tais como: Antropologia Forense, Traumatologia Forense, Sexologia Forense, Asfixiologia Forense, Tanato- logia, Toxicologia, Psiquiatria Forense e Infortunística. Importância da Medicina Legal Por muitos anos, a Medicina Legal foi Disciplina obrigatória nos Cursos Médicos e Jurídicos. Se você fizer uma busca histórica, irá perceber que ela sempre foi ligada ao Direito. Vamos perceber a Medicina Legal presente no mundo jurídico desde a elabora- ção das leis (veja a Legislação sobre aborto legal), sua interpretação (veja a recente mudança na interpretação legal sobre o aborto em caso de anencéfalos) e, onde é mais conhecida, na aplicação das Leis, por meio da produção da prova pericial. Além disso, é preciso que você saiba: a Medicina Legal não serve apenas ao Direito Penal. Ela está relacionada a diversas áreas jurídicas. 8 9 É só pensar: onde houver necessidade de esclarecimento do fato que envolva a saú- de ou a integridade física do ser humano, você perceberá a Medicina Legal trazendo o esclarecimento. Por exemplo: como já dito, o Direito Penal, o qual a Medicina Legal esclarece as causas das mortes violentas, contribuindo para o esclarecimento dos fatos quanto ao diagnóstico diferencial entre homicídios, suicídios e acidentes. Examina e classifica as lesões corporais, casos de crimes sexuais etc. Na execução penal, atua realizando os exames de sanidade, de tortura e de maus tratos, dentre outros. No Direito Civil, também temos a atuação médico-legal em diversas questões, como os casos de exame de determinação de paternidade, casamento, dano corporal indenizável, classificação do dano estético etc. No Direito Administrativo, podemos falar das avaliações médicas para licenças e aposentadorias por saúde. No Direito do Trabalho, temos as perícias quanto aos acidentes e às doenças do trabalho, as repercussões de situações de insalubridades e periculosidades e verifica- ção de casos de simulações e dissimulações, dentre outras possibilidades. No Direito Processual, temos a análise de réus, testemunhas e jurados. Mas observe que, dentre todas as áreas cíveis, destacamos o Direito Previdenciá- rio, em que os peritos médicos avaliam as condições de saúde daqueles que buscam benefícios previdenciários. Sendo assim, observamos que a Medicina Legal, tão popularmente reconhe- cida no Direito Penal, tem Área de atuação bastante ampla, vindo a atuar em todas as áreas do Direito nas quais haja questões médicas, de saúde ou de traumas e serem esclarecidas. Agora que você já entendeu um pouco sobre a Medicina Legal e sua importância, já podemos começar a estudar suas áreas específicas e descobrir quais conhecimen- tos ela tem a nos oferecer. Vamos lá? Traumatologia Forense Podemos dizer que a Traumatologia Forense, ou Traumatologia Médico Legal, é a área da Medicina legal mais importante, pois ela subsidia quase todas as outras. Isso acontece porque é aqui que estudamos todas as formas de agressão à integri- dade física e à saúde das pessoas. A lesão é produzida por agentes lesivos, que são o que chamamos aqui de ener- gias. E essas energias é que são capazes de produzir danos ao corpo da pessoa, ou afetar sua saúde. 9 UNIDADE Traumatologia Forense Às vezes, essa energia atua diretamente, como no caso das temperaturas – frio e calor (energias físicas) e, outras vezes, ela age por meio de instrumentos, como no caso das energias de ordem mecânica, que estudaremos logo mais. Já o trauma é o mesmo que lesão, e é resultante da ação daquela energia causa- dora de danos. É nesse estudo que classificamos os instrumentos causadores de danos por meio de seu modo de ação. Importante! Na Traumatologia Forense, estudamos a lesão, o ferimento e, a partir de suas caracterís- ticas, é que determinamos o tipo de instrumento causador da lesão. Observe ainda que, ao indicar o instrumento causador da lesão, os Peritos não afirmam qual o objeto em si (como faca, projétil de arma de fogo, barra de ferro), mas indicam o tipo de instrumento (instrumento cortante, perfuro contundente, contundente). Importância do Estudo da Traumatologia Forense Este estudo nos trará importantes informações para a investigação de fatos e cri- mes contra a pessoa, como: • Determinar se a vítima estava viva ou já morta no momento em que foi ferida; • Pode indicar a data provável do fato; • Auxilia a determinar a causa jurídica da morte, diferenciando quando foi um homicídio, um suicídio e um acidente; • Esclarecer qual o tipo de instrumento foi utilizado para ferir a vítima. Energias causadoras de danos Como você já viu, o trauma ou lesão, é produzido por energias. Essas energias são classificadas da seguinte forma: • Energias de ordem mecânica; • Energias de ordem física; • Energias de ordem química; • Energias de ordem físico-química; • Energias de ordem bioquímica; • Energias de ordem biodinâmica; • Energias de ordem mista. Estudaremos cada uma dessas energias, comentando suas características, formas de ação e lesões resultantes no corpo humano. Vamos iniciar este estudo pelas energias de ordem mecânica. Acompanhe. 10 11 Energias de Ordem Mecânica Como o nome já sugere, são consideradas energias de ordem mecânica aquelas que, em sua ação, são capazes de alterar o estado de repouso ou movimento dos objetos. Aqui nós temos a maior quantidade de casos registrados nos Institutos Médico Legais, principalmente, os ferimentos provocados por tiros de arma de fogo, que estudaremos logo mais. Os instrumentos ou agentes mecânicos são classificados de acordo com sua forma de agir sobre o corpo. Importante! Observe que estamosfalando em forma de agir do instrumento. Então, perceba que não é o instrumento que é contundente ou cortante, mas a forma como ele é aplicada, a forma de agir com ele. Por isso, não afirmamos que o objeto específico foi que produziu a lesão. Falamos sem- pre o tipo de instrumento que produziu a lesão, a partir do modo de ação empregado com o objeto. Por exemplo: imagine uma faca: • Se um indivíduo deslizar a lâmina da faca na pele de alguém, esta faca funcionará como instrumento de ação cortante; • Se, com a mesma faca, um indivíduo empunha e encrava ou estoca a faca em ou- trem, essa mesma faca atuou como instrumento de ação perfuro cortante ; • Mas, se o indivíduo pega a mesma faca e segura pela lâmina e resolve bater com o cabo dela na cabeça de alguém, essa mesma faca funcionará como instrumento de ação contundente. Perceba que era a mesma faca nos três exemplos, o mesmo objeto. Ficou claro agora porque não falamos no objeto em si, mas no tipo de ação dos objetos, que preferimos chamar de instrumentos, pois até o ar pode ser instrumento contundente (ar sob pressão) ou, ainda, suas mãos. Assim, temos os instrumentos de ação simples que, com apenas uma forma de ação. é capaz de produzir a lesão: • Instrumento de ação contundente: são os instrumentos que mais deixam lesões distintas, ou seja, são vários os tipos de lesões que são provocadas por esse tipo de instrumento. Praticamente, qualquer coisa pode ser usada de forma contun- dente, pois a ação desses instrumentos pode acontecer por pressão (pancada, é uma forma de pressão), compressão, torção, arrastamento etc. Usando palavras simples, sua ação lembra as “pancadas”, que machucam. Exemplo: a mão dando um tapa é uma ação contundente; uma martelada, é uma ação contundente; quando alguém cai no chão e se arranha todo, sofreu ação contundente. Percebe agora porque eu disse que praticamente qualquer coisa pode agir como instru- mento contundente? Veremos esses ferimentos resultantes mais à frente; 11 UNIDADE Traumatologia Forense • Instrumento de ação cortante: são instrumentos que possuem lâmina, ou gume, ou fio afiado. Agem deslizando essa lâmina na superfície do corpo, fazendo inci- são (corte). Exemplo: faca afiada deslizando a lâmina; bisturi, canivete. Observe: aqui a ação é de deslizamento da lâmina; • Instrumento de ação perfurante: são instrumentos que tem ponta e agem perfurando os tecidos. Exemplo: agulhas, picador de gelo. Temos ainda os instrumentos de ação mista ou composta, que agem de duas formas, ao mesmo tempo. Veja comigo: • Instrumentos de ação corto contundente: são instrumentos que possuem uma lâmina para cortar e ao mesmo tempo são pesados, ou são aplicados com bastante força, de modo a também contundirem. Portanto, cortam e contundem (machucam) ao mesmo tempo. Exemplo: foice, machado; • Instrumentos de ação perfurocortante: são instrumentos que possuem ponta para perfurar, e lâmina, para cortar. Agem por estocada: a ponta perfura e a lâmina segue cortando. Exemplo típico é a faca peixeira; • Instrumento perfuro contundente: são instrumentos que possuem ponta para perfurar, e aplicados com força ou velocidade suficientes para também contun- dir (machucar). Então, perfuram e contundem ao mesmo tempo. Exemplo: o principal exemplo é o projétil de arma de fogo. Todos esses instrumentos produzem lesões características, e vamos estudar cada uma delas a partir de agora. Mas antes de começar a leitura... Confira o atlas fotográfico de Medicina Legal criado e mantido pelo Professor Malthus Galvão, que nos permite a visualização de forma gratuita. Assim, você vai lendo seu material de estudo e observando no site as fotografias das lesões que iremos estudar a partir de agora. Disponível em: https://bit.ly/3hCOOoX Vamos lá! Instrumento de Ação Contundente Como eu já havia dito, os instrumentos contundentes são responsáveis por vá- rios tipos de lesões diferentes. Isso acontece pelo fato de que, praticamente qual- quer coisa ou objeto pode servir de instrumento contundente, e age de diversas formas também. Como vimos, os instrumentos de ação contundente agem de muitas formas e pra- ticamente qualquer coisa pode funcionar como instrumento contundente, como um tapa, uma queda da própria altura, ao se chocar o corpo contra o chão, produzirá lesões contusas. 12 13 Por essa extrema variedade de possibilidades, os instrumentos de ação contun- dente produzem vários tipos de lesões resultantes. Vamos conhecer um pouco de cada uma: • Lesão contusa: lesão contusa é um termo genérico que abrange vários tipos específicos de lesões produzidas por instrumentos ou agentes mecânicos. Vamos ver cada uma dessas lesões específicas: • Rubefação: lesão mais simples e superficial, corresponde a um vermelho na pele atingida, e desaparece em pouco tempo. Exemplo: vermelho deixado pelo tapa; • Escoriação: é o arrancamento traumático da epiderme (camada mais superfi- cial da pele) a partir de uma pancada ou atrito (arrastamento). É o que popular- mente chamamos arranhão. O arranhão produzido pelas unhas também é um tipo de escoriação (escoriação ungueal); • Equimose: pequena infiltração de sangue nas malhas dos tecidos, podendo ser superficial e profunda, ou seja, com a pancada, torção, sucção etc., há rompi- mento de vasos sanguíneos, derramando seu conteúdo, “molhando” de sangue os tecidos próximos, deixando a pele manchada. Esse sangue espalhado nas malhas dos tecidos é, aos poucos, reabsorvido pelo organismo, o que faz com que essa mancha de sangue vá mudando de cor até desaparecer. É o que cha- mamos de Espectro Equimótico: a equimose, inicialmente, é vermelho violáceo, depois vai ficando azulada, depois passa a esverdear e, por fim, vai ficando amarelada até desaparecer por completo. Como essa mudança de cor dura aproximadamente três dias de uma para a outra, podemos aproveitar esta característica para estimar o tempo da lesão, apontando há quantos dias, aproximadamente, a vítima foi machucada. As equimoses se apresentam em formas ou tipos diferentes: • Petéquias: Forma de cabeça de alfinete – Desaparecem mais rápido que as demais; • Sugilação: Em forma de pontinhos espalhados em uma região bem definida, lem- brando sujeira por grãos de areia; • Sufusão: Formada por uma “hemorragia” mais extensa, mantém o centro violáceo e as mudanças de cor ocorrem na periferia (bordas); • Víbices: Em forma de estrias ou “cobrinha”. • Hematoma: aqui temos um grande infiltrado de sangue entre os tecidos, for- mando, normalmente, uma “bolsa” de sangue, isto é, há um aumento de volume na região atingida, por causa do sangue que se juntou ali; • Bossa sero sanguínea: é um inchaço produzido por acúmulo de linfa ou de sangue após uma pancada na cabeça. É a lesão conhecida por “galo”; • Ferida contusa: é a lesão resultante quando a força da ação contundente rompe os tecidos. Por exemplo, quando se diz que a pancada foi tão forte que “cortou” 13 UNIDADE Traumatologia Forense a pele. Na verdade, a palavra “cortou” está usada aqui de forma equivocada, pois corte é produzido por lâminas. O que aconteceu no exemplo foi o rompi- mento de tecido. Por isso o termo correto é ferida contusa, que tem as bordas e fundo irregulares, e é pouco sangrantes; • Fraturas: é a quebra do osso ou dente. Pode ser completa (com separação das partes) ou incompleta (sem separar completamente as partes); fechada (quando o osso quebrado permanece dentro do corpo) ou exposta (quando alguma parte do osso quebrado rompe os tecidos e fica exposto; única (quando há uma só fratura), múltipla ou cominutiva (quando há mais de uma fratura no mesmo osso ou região) e em “galho verde”( em que o osso se rompe em “lascas”). Importante! Normalmente, as fraturas geram afastamento das ocupações habituais por mais de trinta dias. • Luxações: acontece quando os ossos de uma articulação, como joelho, ombro, cotovelo, perdem o contato entre si. Esse deslocamento pode ser temporário ou permanente e, nesse caso, a lesãoé de natureza grave; • Entorses: é quando ocorre a distensão dos ligamentos de uma articulação. Tor- na-se grave quando há rompimento desses ligamentos; • Ruptura de vísceras: quando há uma ação contundente muito forte, por exem- plo, uma pancada localizada em região determinada, a pressão exercida sobre os tecidos pode alcançar os órgãos internos, produzindo seu rompimento. São lesões sempre graves em razão do perigo de vida gerado pelas hemorragias resultantes. Instrumentos de Ação Perfurante Produzem as feridas punctórias, que são aquelas produzidas por instrumentos que tem ponta, que perfuram por pressionar a pele, afastando as fibras até algumas se romperem, deixando uma lesão, em regra, de forma circular ou, em forma de ponto. • Características: abertura estreita; pouco sangramento; a profundidade, geral- mente, é bem maior que a abertura, sendo que essa profundidade varia conforme o tamanho do instrumento e o quanto o agressor conseguiu fazê-lo penetrar; caso atinja algum órgão, pode se tornar uma ferida grave. Instrumentos de Ação Cortante Produzem as chamadas feridas incisas. Causadas por instrumentos que possuem lâmina ou gume afiado, que atua desli- zando a parte afiada, cortando por tecidos por onde passa. • Características: normalmente pouco profundas, em razão da atuação ser por deslizamento da lâmina; a profundidade é maior na parte central, e menor no 14 15 início e no fim do corte; as bordas do corte são regulares (bordas retas); costuma ser bastante sangrante, pois a lâmina também corta todos os vasos sanguíneos por onde passa; no final da ferida (do corte), ou seja, do lado onde terminou a ação de cortar, temos a chamada cauda de escoriação (também chamada de cauda de arrasto), onde a lâmina vai terminando o corte e, no final, apenas arranca um pouco de epiderme. Instrumentos de Ação Perfurocortante São responsáveis pelas feridas perfuro incisas. São lesões que irão trazer características de corte e perfuração. São parecidas com as feridas incisas, mas estas aqui apresentam profundidade muito maior que a largura e não possuem a cauda de escoriação. A forma da lesão também depende de quantos gumes ou lâminas tem o instrumento: • Um só gume (como a faca): ferida em forma de casa de botão ou botoeira, com um ângulo mais agudo do lado no qual a lâmina passou e outro arredondado, no qual passou apenas a ponta do instrumento; • Dois gumes: fenda de bordas iguais e ângulos agudos dos dois lados; • Três gumes: ferida triangular ou estrelada. Instrumentos de Ação Corto Contundentes Produzem as feridas corto contusas. São lesões que irão trazer características de corte e de contusão (normalmente, equimoses e escoriações). São feridas que tem forma irregular, são extensas, costu- mam ser profundas e muito sangrantes, pois a lâmina aqui também corta os vasos sanguíneos que encontra no caminho. Instrumentos de Ação Perfuro Contundente Produzem os ferimentos chamados de Feridas perfuro-contusas. Aqui, o instrumento age perfurando e contundindo (machucando) ao mesmo tempo. O exemplo mais comum e mais importante é a ferida produzida pelo projétil de arma de fogo. As características do ferimento deixado variam conforme a distância do tiro: à distância, à curta distância e tiro encostado. Por isso, vamos precisar falar um pouco mais sobre essas lesões. Acompanhe. Quando disparamos uma arma de fogo e ocorre um tiro, temos a propulsão do projétil (ou seja, o projétil é expelido ou arremessado para fora do cano da arma), além da saída de pequenas labaredas de chamas, de gases superaquecidos e de uma nuvem 15 UNIDADE Traumatologia Forense de pólvora combusta (que queimou completamente e virou só fumaça) e pólvora incom- busta (que não queimou completamente, e ainda sai com grãos pegando fogo). Tudo isso que sai da boca do cano da arma, é o que chamamos de elementos do tiro. Tais efeitos estão divididos em primários e secundários (FRANÇA, 2015; SILVA NETTO; ESPINDULA, 2016; TOCCHETTO 2016): • Efeitos Primários: Resultam da ação dos projéteis sobre os corpos, e inde- pendem da distância do disparo. Estamos falando, então, das perfurações, que se caracterizam em orifícios de entrada e de saída dos projéteis. O orifício de entrada pode ser circular ou ovalar, conforme a direção do tiro e, geralmente, apresenta de bordas invertidas (para dentro da ferida). Nos ferimentos de saída, haverá bordas evertidas (para fora da ferida), po- dendo, eventualmente, estar presentes a orla de escoriação e equimótica (que veremos mais adiante). Características das entradas: » Orifício de entrada (perfuração); » Orla de enxugo: Sujidades dos projéteis que se limpam no orifício de entrada; » Orla de escoriação: Arrancamento de epiderme no entorno do orifício de entrada; » Orla equimótica: Equimose que se forma no entorno do ferimento de entra- da, e também aparece em todo o trajeto do tiro (ou seja, no caminho ou túneo que o projétil faz quando percorre o corpo). • Efeitos secundários: resultam da ação dos gases e de seus efeitos explosi- vos, dos resíduos da combustão (pólvoras) e das chamas produzidas durante o tiro. São encontrados nas proximidades dos orifícios de entrada. São característicos dos tiros a curta distância: » Zona de queimadura ou chamuscamento (chama): caracterizada por quei- madura da pele e dos pelos, resultante da chama que sai da boca do cano da arma; pode se limitar à roupa; » Zona de esfumaçamento: produzida pelos resíduos da combustão, quando a pólvora é totalmente consumida (totalmente queimada), gerando uma mancha negra ou acinzentada na pele da vítima. Sai lavando com água e sabão, e por isso também é chamada de falsa zona de tatuagem; » Zona de tatuagem: produzida pela incrustação de grãos de pólvora incom- busta (que ainda sai pegando fogo) ou partes fragmentadas do projétil (micro- projéteis) sobre a pele. 16 17 Importante! Os termos orla, zona e halo, são sinônimos. São palavras comuns que usamos para apon- tar as características que encontramos ao redor do orifício de entrada desses ferimentos. No caso dos tiros encostados, dependendo da superfície na qual o disparo for efetuado, sinais específicos são encontrados: • Câmara de Mina de Hoffmann: comum nos tiros encostados na cabeça, prin- cipalmente, na fronte (testa). É formado um orifício grande, maior que o projétil. No entorno do ferimento, percebem-se as bordas escurecidas e solapadas (arran- cadas para fora), pela ação dos gases que batem contra o osso que, por sua vez, rompe-se num grande orifício, mas rebate parte dessa energia para fora da ferida, deixando-a com um aspecto estrelado. Em geral, não há zona de tatuagem ou de esfumaçamento na pele ao redor da ferida, em virtude de todos esses elementos penetrarem pelo orifício causado pelo projétil; • Sinal do Funil de Bonnet: sinal em osso, com aparência de um funil de base voltada para dentro, caracterizado pelo maior arrancamento de lâmina óssea do lado de dentro do osso (ou seja, na saída do projétil); • Sinal de Benassi: trata-se de um esfumaçamento impregnado na lâmina exter- na do osso, no orifício de entrada. É visível nos disparos encostados no crânio, costelas e escápulas; • Sinal de Werkgartner: “Desenho” da boca e às vezes também da massa de mira do cano da arma “impresso” na pele pela ação do aquecimento do cano, isto é, é a queimadura na forma da boca do cano da arma. Assim, a determinação da distância do tiro de arma de fogo contra o corpo da vítima, em Medicina Legal, é realizada por meio da análise dos efeitos primários e secundários do tiro que ficaram na ferida de entrada. Em Síntese Tiro encostado ocorre quando o cano da arma está encostado na superfície do corpo no qual foi efetuado o disparo. Curta distância, quando for encontrado ao menos um dos demais efeitos secundários ao redor do ferimento de entrada. À distância, quando há apenas o orifício de entrada, e não forem encontrados sinais da presença dos efeitos secundários resultantes do disparode arma de fogo. 17 UNIDADE Traumatologia Forense Veja a Tabela: Tabela 1 Distância do tiro À distância Curta distância Encostado Sinais Encontrados • Orifício de entrada; • Orla de escoriação; • Orla de equimose; • Orla de enxugo. Todos os elementos do tiro à distância e mais: • Orla de queimadura ou chamuscamento; • Orla de esfumaçamento ou tisnado; • Orla de tatuagem. • Câmara de mina de Hofmann; • Sinal de Bonnet; • Sinal de Benassi; • Sinal de Werkgartner. Um tiro pode, ainda, deixar um ferimento de saída quando o projétil for capaz de atravessar o corpo e dele sair. Suas características são diferentes do orifício de entrada. Vamos comparar? Quadro 1 Orifício de Entrada de PAF (Projétil de Arma de Fogo) • Forma circular ou oval; • Diâmetro da ferida geralmente um pouco menor que o projétil; • Bordas voltadas para dentro da ferida (invertidas); • Bordas geralmente regulares, exceto se houver roupa grossa comprimindo a pele. Orifício de Saída de PAF (Projétil de Arma de Fogo) • Forma estrelada, em fenda ou ainda circular; • Diâmetro geralmente maior que o ferimento de entrada; • Bordas voltadas para fora da ferida (evertidas); • Bordas normalmente irregulares. Energias de Ordem Física Aqui, estudaremos as lesões provocadas por agentes físicos, como temperatura, pressão atmosférica, eletricidade e radioatividade. São situações menos comuns em Medicina legal, mas acontecem e, portanto, você precisa conhecer. Vejamos: Tabela 2 Meio Características Frio Difuso (temperatura ambiente muito baixa) Provoca resfriamento ou hipotermia, com os seguintes sintomas: • Sensação desagradável de frio; • Palidez da pele; • Confusão dos sentidos; • Coma; • Morte. Frio Direto Geladuras: são lesões resultantes da ação do frio direto sobre a pele O frio direto pode provocar lesões, classificadas em graus: • 1º Grau: Vermelho pálido no local, e pele arrepiada; • 2º Grau: APARECIMENTO de bolhas (flictenas); • 3º Grau: Necrose de tecidos moles; • 4º Grau: Necrose e desarticulação de tecidos mais profundos. Observação: alguns autores consideram apenas 3 graus, sendo o terceiro o último grau. 18 19 Meio Características Calor Difuso (temperatura ambiente muito elevada) Produz as chamadas termonoses: • Insolação (a fonte de calor é o sol): se o sol incidir de forma direta pode também gerar queimaduras de 1º e 2º graus; • Intermação (ação de aquecedores, caldeiras, fornos, locais fechados). O calor difuso aumenta a temperatura corporal, podendo gerar taquicardia, au- mento da pressão arterial, secura das mucosas e da pele, perturbação da visão e audição e até convulsões. Calor Direto Queimaduras: lesões resultantes de uma fonte de calor direta sobre os tecidos do corpo. Exemplo: chamas, superfícies superaquecidas. A classificação das queimaduras é feita em graus: • 1º Grau: Pele com vermelhidão (eritema); • 2º Grau: Formação de bolhas (flictenas); • 3º Grau: Escarificação (necrose e perda de camadas de pele). Deixa cicatriz; • 4º Grau: Carbonização (combustão até os tecidos mais profundos) parcial ou total. Observação: a classificação das queimaduras em graus, como apresentada acima, é a mais utilizada em Medicina Legal, e como você deve ter percebido, está rela- cionada à profundidade da área atingida (camadas dos tecidos, como a epiderme, a derme, e os planos musculares até atingir os ossos). Entretanto, há também a classificação das queimaduras que considera a extensão do corpo que foi queima- do (exemplo: cada perna corresponde a 18% do corpo, a cabeça e pescoço juntos correspondem a 9% do corpo, assim por diante) sendo essa classificação muito uti- lizada do ponto de vista clínico (para avaliação e tratamento da vítima). Temperaturas Oscilantes Diminuem as resistências do organismo; facilitam doenças e acidentes de trabalho. • Hipotermia (diminuição da temperatura corporal); • Hipertermia (aumento da temperatura corporal). Pressão Atmosférica Corresponde à pressão exercida pelo peso do ar que age sobre os corpos. Considera-se normal o peso do ar no nível do mar. Toda vez que alguém sobe a locais acima do nível do mar, diminui o peso do ar, pois diminui a “coluna de ar” sobre ele. Ao contrário, quando descemos abaixo do nível do mar, aumentamos essa “coluna de ar”, gerando mais peso e consequente- mente, maior pressão atmosférica. Características: • Diminuição da pressão atmosférica: ocorre o mal das montanhas, ou das altu- ras, com diminuição do oxigênio e do gás carbônico, prejudicando a hematose. Pode ocasionar dor de cabeça, náuseas, dificuldade para respirar e taquicardia. • Aumento da pressão atmosférica: mal das profundidades, ou doença dos caixões, que acarreta uma patologia de compressão, caracterizada por dor, al- gumas vezes pode haver perfuração do tímpano, hemorragias mucosas e intoxi- cação por excesso dos gases; produz também uma patologia de descompressão, proveniente do fenômeno da embolia (entrada de ar nos vasos sanguíneos, for- mando bolhas, que podem entupir esses vasos, como se fosse coágulos), conse- quente à maior concentração dos gases dissolvidos no ,sangue. São conhecidas por “barotraumas”. Eletricidade A eletricidade tem duas fontes: natural, vinda dos raios, e a artificial ou industrial. Natural/Cósmica: provocada pelo raio. No local onde o raio atinge o corpo, apa- recem lesões arboriformes ou em zigue-zague, que recebem o nome de marca de Lichtemberg. Essa marca desaparece do corpo com o tempo. Os efeitos da corrente elétrica natural podem ocasionar: • Fulguração: (quando há perturbação do organismo sem a morte); • Fulminação: (quando há perturbação do organismo com morte). Artificial/industrial: produz o choque elétrico. A lesão característica é chamada de Marca Elétrica de Jellinek. Essa lesão, geralmente, apresenta a forma do condu- tor da corrente elétrica, e representa a entrada dessa corrente no corpo. Os autores usam o termo Eletropressão, para designar o dano corporal causado pela eletrici- dade artificial, seja com resultado morte ou não. Radioatividade Os efeitos da radioatividade podem ser causadores de dano ao organismo, quan- do há exposição ou ainda contato direto com raios X, rádio e energia atômica. Chamamos radiodermites às lesões de pele causadas pelo contato direto com elementos radioativos. Luz e Som Formas de energia física que podem comprometer gravemente os respectivos ór- gãos dos sentidos, produzindo lesões e perturbações de ordem funcional. • Lesões: cegueira e perda auditiva. 19 UNIDADE Traumatologia Forense Energias de Ordem Química Correspondem às substâncias que reagem com os tecidos do corpo humano, po- dendo provocar destruição desses tecidos, intoxicação do organismo e a morte celular. Os autores dividem essas substâncias, para fins de estudo em Medicina Legal, em três grandes grupos: Cáusticos Substâncias que em contato com as células, provocam destruição. Tipos: • Coagulantes: deixam crosta endurecida. Exemplo ácido sulfúrico, ácido clorí- drico, nitrato de prata; • Liquefacientes: deixam crosta amolecida, leitosa. Exemplo soda, amônia. Chama-se de vitriolagem a toda lesão criminosa (intencional) provocada por arremesso de agentes cáusticos na vítima. O termo vem de óleo de vitríolo, como era mais conhecido antigamente o ácido sulfúrico e que, historicamente, já foi muito utilizado para esse tipo de prática criminosa. A lesão resultante deixa sempre deformidade permanente, o que caracteriza lesão corporal de natureza gravíssima. Venenos Um veneno é uma substância que, quando introduzida no organismo em quantidades relativamente pequenas e agindo quimicamente, é capaz de produzir lesões graves à saúde, no caso do indivíduo comum e no gozo de relativa saúde. (CROCE, 2012) Tipos de origem dos venenos: • Animais: peçonhas; • Vegetais: seivas venenosas; • Minerais: sais tóxicos; • Medicamentos; • Produtos caseiros ou sintéticos: inseticidas, raticidas etc. Podemos absorver os venenos por várias vias, como: pele, mucosas,vias subcu- tâneas, pulmonares, venosas, arteriais e retais. Os venenos podem ser eliminados do organismo por: vômito, evacuação, urina, suor, lágrimas, leite materno, placenta, fâneros (cabelo e unhas) etc. 20 21 Tóxicos Substâncias que provocam dependências físicas e mentais. Classificação: • Psicolépticos: substâncias depressoras da atividade mental, diminuindo a capa- cidade de atenção e resposta a estímulos. Exemplo: ópio e derivados • Psicoanalépticos: são os estimuladores. Substâncias que estimulam a atividade mental, deixando a pessoa em estado de alerta, causando insônia, euforia e ansiedade. Exemplo: cocaína; • Psicodislépticos: são as substâncias perturbadoras da atividade cerebral. Geram confusão mental, alucinações e delírios. Exemplo: maconha. Energias de Ordem Físico-Químicas Correspondem às asfixias violentas ou asfixias mecânicas ou, explicando de outra forma: trata-se dos casos em que a asfixia é a causa da morte. De acordo com França (2015), as energias de ordem físico-químicas são aquelas que impedem a passagem do ar para as vias respiratórias e alteram a composição bioquímica do sangue, produzindo um fenômeno chamado asfixia. Isso altera a função respiratória, inibindo a hematose (transformação do sangue ve- noso em sangue arterial), podendo, em consequência, levar o indivíduo até a morte. Essas asfixias, portanto, impedem a respiração normal da pessoa, devido a cau- sas externas, como constrição do pescoço, sufocação e afogamento. Assim, há diversas modalidades de asfixia em específico, com sinais próprios. Mas também há sinais e sintomas que são comuns a qualquer tipo de asfixia. De acordo com as lições de Croce (2012), as asfixias, de modo geral, compreen- dem duas fases: • Fase de irritação: dura cerca de quatro minutos. No primeiro minuto, a vítima sente a dificuldade de inspirar, isto é, de puxar o ar para dentro, puxando o ar desesperadamente, sem perder a consciência. Após, sobrevém a dificuldade de expelir o ar inspirado, e vem a inconsciência e, segundo o autor, poderão ocorrer convulsões; • Fase de esgotamento: compreende um momento inicial de pausa ou de morte aparente, em que acontece a parada da respiração durante algum tempo, e de- pois um período terminal, em que ocorrem os últimos movimentos respiratórios que precedem a morte. De acordo com o autor, o tempo de duração da fase de esgotamento é de aproximadamente 3 minutos. O tempo total de um processo de asfixia típico é, portanto, de cerca de 7 minutos, em média, sendo esse tempo ainda menor em casos de submersão (CROCE, 2012). 21 UNIDADE Traumatologia Forense As asfixias mecânicas, em geral, apresentam sinais característicos, dividindo-se didaticamente em sinais externos e sinais internos. São sinais externos comuns a qualquer tipo de asfixia: • Cianose da face (face azulada ou arroxeada); • Saída de espuma muco sanguinolenta na boca e no nariz; • Língua para fora da boca; • Equimoses externas (em forma de petéquias, no rosto, nas mucosas, e olhos); • Livor (acúmulo de sangue) cadavérico; Representam os sinais internos (e mais relevantes): • Alterações do sangue: O aspecto do sangue quanto à cor e fluidez. Na morte por asfixia, o sangue é fluido e de cor escura; • Equimoses viscerais: Chamadas de manchas de Tardieu e encontradas em quase todos os tipos de asfixia. Têm forma arredondada, em forma de ponto ou de cabeça de alfinete (petéquias), ou se apresentam como manchas maiores. São explicadas pela fluidez do sangue. As manchas de Tardieu são petéquias violáceas, recobrindo a superfície das vísceras como a superfície pleural (dos pulmões) e do músculo cardíaco. Nos afogados, as equimoses viscerais nos pul- mões são chamadas Manchas de Paltauf; • Congestão polivisceral (maior volume de sangue nas vísceras): Quase todos os órgãos são passíveis de congestão nos diferentes tipos de asfixia. Entretanto, o mesentério, o fígado e os rins, notadamente no afogamento, são os que se mostram mais o fenômeno. Tipos Específicos de Asfixias Violentas Enforcamento O enforcamento é o tipo de asfixia mecânica pela constrição do pescoço por um laço cuja extremidade se acha fixa um ponto, e o próprio peso da vítima atua como força viva para apertar o nó. Importante esclarecer que o enforcamento pode acontecer com a suspensão com- pleta ou incompleta do corpo. Significa que, mesmo tocando os pés no chão, é pos- sível que haja enforcamento e que seja, inclusive, na modalidade suicida. O enforcamento deixa uma marca no pescoço chamada sulco, cuja aparência muda um pouco conforme o material de que era feito o laço (corda, tira de lençol, de tecido atoalhado, de cipó de árvore etc.). Mas há características muito comuns no sulco do enforcamento, como algumas citadas por Bittar (2018): • O sulco é descontínuo, ou seja, não dá a volta em todo o pescoço, sendo inter- rompido no ponto do nó da laçada e em pontos nos quais haja cabelo e barba; 22 23 • Posição mais alta no pescoço; • Mais profundo na região do pescoço, oposta ao nó da laçada, e superficial perto do nó, podendo ser ausente na posição do nó; • O sulco é ascendente (direcionado para cima); • De aspecto pálido e apergaminhado. Estrangulamento No estrangulamento, também se tem a constrição do pescoço, mas por laço tra- cionado por qualquer força que não seja o peso da própria vítima. Mais comum na modalidade homicida. Também deixa um sulco no pescoço da vítima, mas com características distintas das do enforcado. De acordo com Bittar (2018), são: • Sulco contínuo, dando a volta em todo o pescoço, mostrando a mesma profundidade; • Localizado em posição mais baixa no pescoço; • É horizontal; • Comumente há mais de uma volta do laço; • Raramente apergaminhado. Esganadura É a asfixia mecânica que também ocorre por constrição do pescoço, mas aqui o pescoço é apertado diretamente pelas mãos do agente. A maioria dos autores também considera esganadura quando o pescoço é apertado por outras partes do corpo, como braços e pernas. Nesses casos, não haverá um sulco no pescoço, mas marcas como escoriações (produzidas pelas unhas) e equimoses (manchas arroxeadas pelo aperto), sendo co- mum, ainda, fratura do osso hioide (da garganta). A causa será sempre homicida, visto não ser possível o suicídio ou formas aciden- tais de esganadura. Sufocação É a asfixia que acontece pela obstrução direta ou indireta das vias respiratórias, impedindo a respiração. Assim, temos: Sufocação direta, pelo fechamento dos orifícios externos respiratórios (boca e nariz), podendo acontecer de diversas formas. 23 UNIDADE Traumatologia Forense Vejamos: • Um agressor usando as mãos ou corpos moles para tapar a boca e nariz da vítima; • Engasgamento com comida ou corpos estranhos (comum com crianças que colocam objetos pequenos na boca), vedando a passagem de ar pela glote; • Soterramento: normalmente acidental, quando a vítima se encontra mergulha- da num meio sólido ou pulverulento (areias, terra, barro, farinha etc.); • Confinamento: quando a vítima fica enclausurada em espaço restrito ou fecha- do, sem renovação do ar atmosférico. Sufocação indireta, ocorre pela compressão do tórax ou, eventualmente, do tórax e do abdome, de forma que impeça os movimentos respiratórios e ocasionar a morte por asfixia. Afogamento É a forma de asfixia que acontece pela penetração de líquidos ou sem líquidos nas vias respiratórias, penetrando nos pulmões, quando a vítima está submersa de forma total ou parcial. São sinais característicos, dentre outros: cogumelo de espuma saindo da boca e do nariz, descolamento da epiderme, quando o corpo fica muito tempo na água, putrefa- ção iniciando pela cabeça, equimoses específicas nos pulmões – Manchas de Paltauf. Há os chamados afogados brancos de Parrot, que são os casos de pessoas que morrem den- tro da água, mas não por asfixia, e sim por outras causas como AVC, infarto e, coincidente- mente, estão na água quando isso acontece. Quando é assim, no exame denecropsia, não serão encontrados sinais de asfixia. Importante! Em caso de homicídio, a asfixia é qualificadora do crime! Veja: Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Homicídio qualificado § 2°. Se o homicídio é cometido: III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Observe, ainda: é no laudo de exame cadavérico que se confirmará a causa da morte por asfixia. E é nos laudos do local de crime que se aferirá se a asfixia se deu de forma homicida, suicida ou acidental. 24 25 Energias de Ordem Bioquímica As energias de ordem bioquímica são aquelas que se manifestam por ação com- binada – química e biológica, atuando lesivamente por meio negativo (carencial) ou de maneira positiva (tóxica ou infecciosa) sobre a saúde, levando em conta ainda as condições orgânicas e de defesa de cada indivíduo (FRANÇA, 2015). Tabela 3 Tipos Características Inanição Falta de alimentação: voluntária; acidental; criminosa. Doenças Carenciais São perturbações orgânicas decorrentes de alimentação insuficiente ou da carência de certos elementos indispensáveis, entre os quais prin- cipalmente as vitaminas. Essas alterações do organismo são conheci- das como hipovitaminose e avitaminose (FRANÇA, 2015). Intoxicação Alimentar Por ingestão de alimentos com substâncias ou microrganismos noci- vos à saúde, como salmonela e bacilo botulínico. Infecções São complicações mais ou menos frequentes, oriundas de pertur- bações orgânicas provocadas por microrganismos patógenos e que apresentam um certo ciclo evolutivo. As infecções podem ser de cará- ter local ou generalizado. É também muito relevante o diagnóstico específico de cada infecção, pela significação de cada agente etiológico e da gravidade de cada caso. Muitas são as situações da infecção específica: carbúnculo, tétano, raiva, gangrena gasosa, raiva, tuberculose pulmonar ou extrapulmonar, hanseníase, entre outros (FRANÇA, 2015). Energias de Ordem Biodinâmica De acordo com França (2015), essas energias são representadas por quadros complexos e multifatoriais. Esse estudo visa a saber como uma pessoa entra em choque após um trauma. O mesmo autor explica que o choque é representado pela resposta orgânica a um agente agressor, por meio de um mecanismo de defesa destinado a se proteger dos efeitos nocivos do trauma, com destaque para a hemorragia. O objetivo da resposta orgânica a uma hemorragia é o restabelecimento tempo- rário da pressão arterial a fim de manter o fluxo sanguíneo nos tecidos mais nobres. A circulação sanguínea tem a função de levar para as células do organismo oxigê- nio, substâncias nutritivas, hormônios e calor e, ao mesmo tempo, remover delas os produtos catabolizados (restos das reações internas celulares). Quando a pressão arterial é preservada, o fluxo sanguíneo é mantido em todos os tecidos e tudo segue funcionando normalmente. Mas diante de um sangramento forte, cai a pressão arterial, e segundo os ensi- namentos de França (2015), há o estímulo adrenérgico e o consequente desvio do sangue das extremidades, do fígado, dos rins e dos intestinos, a fim de conservar o fluxo de sangue do Sistema Nervoso Central e do coração. 25 UNIDADE Traumatologia Forense Qualquer que seja a causa do choque, sua evolução é a mesma. Com a diminui- ção do volume sanguíneo circulante, sempre há queda do retorno venoso e posterior débito cardíaco com baixa da pressão arterial. Energias de Ordem Mista Aqui, verificamos a ação mista das diversas energias que já estudamos, e que levam a lesões corporais e adoecimentos. Além do seu interesse nas demandas criminais e civis, o tema também é de interesse para estudo e compreensão das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Nessa modalidade de energia, enquadram-se a fadiga, algumas doenças parasitá- rias e todas as formas de sevícias. Por fadiga, entendem-se as alterações físicas mais excessivas que o cansaço, que acontecem de forma aguda (em um episódio momentâneo), provocada por um exa- gero de alguma atividade física, ou de forma crônica (de forma permanente), caracte- rizada por esgotamento mental ou físico, formas de estafa ou estresse. As doenças parasitárias são provocadas por parasitas (helmintos) e germes (pro- tozoários e bactérias), causando doenças. Com relação às sevícias, normalmente envolvem mais de uma forma de energia: lesões corporais (energias mecânicas), choque (biodinâmica), inanição (bioquímica). No entanto, mesmo isolando-se um tipo de ação, a vítima não deixa de apresentar grave comprometimento das emoções, levada pelo terror, medo, revolta, ódio ou submissão (FRANÇA, 2015). A perícia irá buscar caracterizar as alterações físicas e psíquicas, avaliando não só as lesões isoladas, mas suas repercussões no organismo e saúde da vítima. A natureza jurídica das sevícias é de caráter exclusivamente doloso, ou seja, não há forma acidental de sevícias. Entre elas, destacam-se a síndrome da criança mal- tratada, a síndrome do ancião maltratado e a tortura, na qual se verificam em conjunto esses elementos citados: lesões em graus de cicatrização distintos, evi- denciando que a pessoa foi ferida várias vezes, e em dias diferentes, e com certa regularidade ou frequência, histórico de várias fraturas e cicatrizações delas, estado de desnutrição característico de pouca alimentação (inanição), presença de infesta- ção por parasitas, devido à negligência nos cuidados com higiene da vítima, dentre outros sinais e sintomas psíquicos, que sempre resultam dos maus tratos e tortura, como medo excessivo e ansiedade. Lesões Corporais do Ponto de Vista Jurídico Sob o ponto de vista jurídico, as lesões corporais são classificadas em leves, graves e gravíssimas, conforme previsão do Artigo 129 do Código Penal (CP), que você já conhece. 26 27 O interessante é você conhecer a forma como se classificam essas lesões. Como se determina que a lesão é leve, grave ou gravíssima? Com base em que se faz essa distinção? É a partir do exame médico legal de lesões corporais, também chamado de exame traumatológico, que o Perito Médico Legista examina o corpo da pessoa (periciando) para descrever as lesões encontradas, e analisar as repercussões que essas lesões deixaram na saúde ou na integridade física dele . Ao final do exame, o médico irá responder aos quesitos do laudo traumatológico e, com base nessas respostas, os juristas recebem a classificação das lesões em cada caso. Observe os quesitos que são respondidos pelos legistas, e perceba que eles aten- dem justamente aos parágrafos do Artigo 129 do CP. Quesitos Oficiais – Laudo de Lesões Corporais (Traumatológico) • Há ferimento ou ofensa física? • Qual o meio que ocasionou? • Houve perigo de vida? • Resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função? • Resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias? • Provocou aceleração de parto? • Provocou aborto? • Resultou perda ou inutilização de membro, sentido ou função? • Originou incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável? • Resultou deformidade permanente? Perceba que, ao responder o primeiro quesito, o Legista informa se foram obser- vadas ou não lesões corporais no periciando. Se a resposta do primeiro quesito for sim (houve lesão corporal), no segundo quesito, o legista irá indicar que tipo de energia ou instrumento foi responsável pela lesão, conforme estudamos no item 2 (Traumatologia Forense) deste material. Se o Legista responder sim ao terceiro, quarto ou quinto quesitos, ele estará indi- cando que a lesão corporal é de natureza grave, pois resulta em uma das situações previstas no parágrafo primeiro do Artigo 129 do CP. Caso o Legista responda sim aos quesitos sétimo, oitavo, nono ou décimo, clas- sificará a lesão como gravíssima, pois haverá a constatação de uma das situações previstas no parágrafosegundo do Artigo 129 do CP. E para a lesão ser considerava leve? 27 UNIDADE Traumatologia Forense A lesão será considerada leve quando, no exame traumatológico, o Legista observar que, apesar de ter havido uma lesão corporal, ela não gerou as repercus- sões previstas nos quesitos de 3 a 10. Assim, as respostas a esses quesitos serão negativas. Haverá apenas a resposta ao primeiro e ao segundo quesitos. Agora ficou mais claro saber como se classificam as lesões corporais, não é?! Assim, concluímos nossa Unidade. Nela, você conheceu as energias capazes de causar danos à integridade física ou à saúde das pessoas, entendeu como a Medicina Legal classifica esses meios lesivos e como a Justiça recebe e aplica os resultados dos exames traumatológicos para classificar as lesões em leves, graves e gravíssimas. 28 29 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Malthus Atlas fotográfico on-line e gratuito de Medicina Legal do Prof. Malthus Galvão. https://bit.ly/3hCOOoX Revista Criminalística e Medicina Legal Leia Artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre perícias e pesquisas na área. https://bit.ly/35WttVk Brazilian Journal Of Forensic Anthropology & Legal Medicine Revista da Associação Brasileira de Antropologia Forense. Leia Artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre Medicina Legal e Antropologia Forense e pesquisas na área. https://bit.ly/35R3WNb Livros Medicina legal FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. 29 UNIDADE Traumatologia Forense Referências BARROS, D. M. de. CASTELLANA, G. B. (org.). Psiquiatria forense: interfaces jurídicas, éticas e clínicas. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2020. (e-book) BENFICA, F S. VAZ, M. Medicina legal. 4.ed.rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019. BITTAR, N. Medicina legal e noções de criminalística. 7.ed. Salvador: JusPodivm, 2018. COUTO, R. C. Perícias em Medicina Legal e Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Medbook, 2011. CROCE, D. Manual de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (e-book) FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 2015. (e-book) HERCULES, H. de C. Medicina legal: texto e atlas. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MIRANDA, L. I. de. Balística Forense – Do criminalista ao legista. Rio de Janeiro: Rubio, 2014. MIZIARA, I. D. Manual Prático de Medicina Legal. São Paulo: Atheneu, 2014. SILVA NETTO, A. da S. ESPINDULA, A. Manual de Atendimento a Locais de Morte Violenta – Investigação pericial e policial. 2.ed. Campinas: Millennium, 2016 TOCCHETTO, D. Balística forense – Aspectos Técnicos e Jurídicos. 8.ed. Campinas: Millennium, 2016. VANRELL, J. P. BORBOREMA, M. de L. Vade Mecum de medicina legal e odontologia legal. 3.ed. Leme: JH Mizuno, 2019. VELHO, J. A.; GEISER, G. C.; ESPÍDULA, A. Ciências Forenses: uma introdu- ção às principais áreas da criminalística moderna. 3.ed. Campinas: Millennium Editora, 2017. 30 Medicina Legal e Psicologia Forense Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Susyara Medeiros de Souza Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Tanatologia e Sexologia Forense Tanatologia e Sexologia Forense • Conhecer os critérios de determinação da morte e seus fenômenos, discutindo as repercus- sões jurídico-sociais relacionadas aos tipos de morte e os destinos dos cadáveres; • Identificar os crimes de natureza sexual e as perícias médico-legais que são realizadas para a materialização do fato e a identificação da autoria; • Distinguir entre aborto e infanticídio sob o ponto de vista médico-legal, discutindo as reper- cussões jurídico sociais em cada caso. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Sexologia Forense. UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Introdução Tudo começa pelo conceito, não é?! Então, podemos conceituar a Tanatologia Forense com a lição de França (2015), que explica que é a área da Medicina Legal que estuda a morte e o morto, e as suas repercussões na esfera jurídico-social. Tanatus significa morte, e logia, estudo. Logo, a Tanatologia, resumidamente, é o estudo da morte. Ainda de acordo com França (2015), á na Tanatologia que se estudam os critérios atuais para uma definição de morte, os direitos sobre o cadáver e o destino que se dá a ele, as causas jurídicas da morte (homicídio, suicídio ou acidente), o diagnóstico da realidade de morte pelos sinais tradicionais, a estimativa do tempo de morte, a morte súbita, agônica e sobrevivência e as técnicas usadas na necropsia médico legal. Direitos sobre o Cadáver Algumas questões surgem diante da morte de alguém. Hoje, com a possibilidade dos transplantes, da necessidade de cadáveres para finalidade de estudo e pesquisa científicos, necessidade de esclarecimentos das causas de morte, sejam as mortes por causas externas ou internas (chamadas naturais), tudo isso provoca questionamentos diversos no campo da legalidade e da ética também. Assim, iniciamos apresentando um conceito simples sobre o que é cadáver: corpo sem vida. Mas é preciso esclarecer que, embora seja corpo sem vida e, consequentemente, não seja mais pessoa, configurando-se em “coisa”, não se esqueça de que este cadá- ver já foi uma pessoa, e representa ainda a imagem do que ela foi, requerendo, por isso, todo respeito e tratamento digno. Assim, o cadáver tem natureza jurídica de coisa, mas extrapatrimonial (res extra commercium), conforme leciona França (2017). Com relação à posse sobre o cadáver, também sempre há dúvidas e até crendices sem fundamentos. Mas vamos explicar a seguir. Posse sobre o Cadáver Direitos da Família A família do morto, por óbvio, tem direitos sobre ele, mas também tem deveres. O principal desses deveres corresponde à obrigação de respeito à sua última von- 8 9 tade, a não ser que esta última vontade não seja lícita, ou contrarie a moralidade e a ordem pública, ou ainda, a família não tenha condições financeiras para executar essa última vontade de seu ente falecido. O professor Genival Veloso de França (2017, p. 431), traz uma observação importante sobre o direito da família sobre o cadáver: ele explica que “[...] a família jamais poderá ceder o cadáver a uma instituição científica se esta não era a vontade do morto”. Outra questão importante para que você saiba é que a necropsia clínica, aquela realizada em casos de morte natural (vamos estudar este tópico mais à frente), somente pode ser realizada com o termo de consentimento da família. E, por fim, mas sem esgotar o assunto, é claro, a família tem direito ao sentimento de respeito aos mortos, e deve ser respeitada em sua dor. Direitos da Sociedade Mais uma vez, é o Professor Genival Veloso de França que trata sobre o assunto, e esclarece que o próprio reconhecimento dos direitos da família sobre o cadáver, com o respeito ao princípio da piedade, configura-se como proteção aos direitos da Sociedade. Mas há outras questões que envolvem interesses da Sociedade quando ocorre uma morte. É o caso da necessidade do esclarecimento da causa médica e da causa jurídica da morte, tanto por razões de progresso científico quanto por imperativos de ordem médico-sanitária, ou seja, ao se esclarecer uma morte, geram-se informações para que o poder público crie ou aprimore políticas públicas de saúde e prevenção que beneficia a toda Sociedade. Direitos do de cujos Aquele que já morreu não é mais sujeito de direitos enquanto pessoa, mas há, clara e indiscutivelmente de se respeitar suas últimas vontades declaradas, sobretudo em testamento. França (2017) nos explica que se a vontade do de cujos é vinculante no que se refere aos seu testamento, nada mais justo que o seja quanto à disposição de seu corpo. Com isso, o autor defende que uma pessoa pode decidir doar seu cadáver a uma instituição científica, sem obstáculos. Destinos do Cadáver Quando ocorre uma morte, algumas providências precisam ser realizadas. O cadá- verprecisa receber a destinação competente. 9 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Assim, há providências preliminares, ou também chamadas destinos temporários do cadáver, que são o encaminhamento para retirada de órgãos e tecidos para trans- plante, e os exames de necropsia, seja clínica ou médico legal. Após essas providências, o cadáver deverá ser encaminhado à destinação final, sendo possível a inumação (sepultamento), a cremação e a doação para fins de estudo e pesquisa de caráter científico. Destinos Transitórios do Cadáver Necropsia Médico-Legal A necropsia médico-legal é um exame pericial, com fundamento legal no Código de Processo Penal: Código Processual Penal Art. 6°. Logo que tomar conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá: VII – Determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias. Art. 158. Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito... É exame pericial realizado por Peritos Médicos Legistas e seus Assistentes, nos Institutos Médicos Legais (IMLs). No caso de mortes por causas externas, mais conhecidas como mortes violentas (acidentes, homicídios e suicídios), o cadáver é um dos vestígios do fato. Na verdade, destaca-se como o principal vestígio. Por isso, será indispensável o seu exame, com a finalidade de se esclarecer a causa biológica da morte, e auxiliar as investigações para se determinar a causa jurídica da morte, entre homicídio, suicídio e acidentes. Também é exigida a necropsia nos casos de mortes súbitas, sem sinais exter- nos que evidenciem violência, mas também que não permitam observar uma causa natural aparente. Vamos imaginar o exemplo uma pessoa que morava sozinha, e determinado dia é encontrada morta, sentada no sofá da sala. Não há histórico de doenças crônicas, não são encontrados medicamentos usados em tratamentos cardíacos, por exemplo, não se encontram exames médicos que levam a supor que a pessoa possa ter morrido da manifestação de alguma doença. Também não se encontram sinais de envenenamento, de asfixia, ou qualquer sinal de luta ou ferimento. Trata-se, portanto, de uma morte suspeita. Esses casos são examinados nos Ins- titutos Médicos Legais. 10 11 Necropsia Clínica A necropsia clínica é exame realizado para esclarecer a causa da morte de pes- soas que faleceram de causas ditas naturais, ou seja, aquelas que ocorreram pelo processo natural de envelhecimento ou do desdobramento natural de uma doença. É realizada por médicos patologistas e seus assistentes nos conhecidos SVO (Serviços de Verificação de Óbito e Esclarecimento da Causa Mortis). Veja, a seguir, trecho da Portaria que criou o serviço: PORTARIA Nº 1.405 DE 29 DE JUNHO DE 2006. Institui a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito e Esclareci- mento da Causa Mortis (SVO). § 1º . Caberá ao médico do SVO o fornecimento da Declaração de Óbito nas necropsias a que proceder. ... Art. 8º . Os SVO serão implantados, organizados e capacitados para exe- cutarem as seguintes funções: I – realizar necropsias de pessoas falecidas de morte natural sem ou com assistência médica (sem elucidação diagnóstica), inclusive os casos enca- minhadas pelo Instituto Médico Legal (IML); II – transferir ao IML os casos: a) confirmados ou suspeitos de morte por causas externas, verificados antes ou no decorrer da necropsia; b) em estado avançado de decomposição; e c) de morte natural de identidade desconhecida. III – comunicar ao órgão municipal competente os casos de corpos de indigentes e/ou não reclamados, após a realização da necropsia, para que seja efetuado o registro do óbito (no prazo determinado em lei) e o sepultamento; IV – proceder às devidas notificações aos órgãos municipais e estaduais de epidemiologia; V – garantir a emissão das declarações de óbito dos cadáveres examina- dos no serviço, por profissionais da instituição ou contratados para este fim, em suas instalações; VI – encaminhar, mensalmente, ao gestor da informação de mortalidade local (gestor do Sistema de Informação sobre Mortalidade): a) lista de necropsias realizadas; b) cópias das Declarações de Óbito emitidas na instituição; e c) atualização da informação da(s) causa(s) do óbito por ocasião do seu esclarecimento, quando este só ocorrer após a emissão deste documento. Parágrafo único. O SVO deve conceder absoluta prioridade ao esclare- cimento da causa mortis de casos de interesse da vigilância epidemioló- gica e óbitos suspeitos de causa de notificação compulsória ou de agravo inusitado à saúde. 11 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Observe, principalmente, o artigo 8º, que fala da competência do SVO. E observe que o SVO pode transferir alguns casos ao IML, respeitando a competência do órgão: • Confirmados ou suspeitos de morte por causas externas, verificados antes ou no decorrer da necropsia; • Em estado avançado de decomposição; • De morte natural de identidade desconhecida. Agora, vamos entender a função do SVO. Sempre que houver uma morte por causas naturais, mas essa morte não tiver sido acompanhada por um médico que ateste a causa, o corpo deverá ser examinado no SVO a fim de esclarecer a causa. Ou mesmo se, ainda que tenha existido atendimento, não se chegou a ter um diagnóstico da doença que acometia a pessoa e ela veio a falecer. Nesse caso, este corpo será encaminhado a exame de necropsia clínica para esclarecimento da causa da morte. Em todos esses casos, o médico do SVO emitirá a declaração de óbito. A necropsia clínica exige autorização da família ou ordem judicial. Leia a portaria completa sobre a criação e funcionamento dos SVO no Brasil, com todos os detalhes em. Disponível em: https://bit.ly/3hBozz9 Ao final desses exames, além da causa biológica da morte, também fica esclarecida a causa jurídica da morte, que se classifica em: • Natural: decorrente do processo natural do envelhecimento ou do desdobra- mento de doenças; • Violenta: motivada por causas externas, não naturais (homicídio; suicídio; acidente); • Indeterminada: sem condições de determinação, mesmo após exames e pesquisas. A causa jurídica da morte não depende exclusivamente da necropsia, mas do con- junto probatório dos fatos. Destinos Finais do Cadáver Inumação (Sepultamento) Prevista na Lei dos Registros Públicos – Lei n° 6.015/1973: 12 13 Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão de Oficial de Re- gistro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou, em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiveram presenciado ou veri- ficado a morte. Isto é, não se pode inumar o cadáver sem registrar o óbito em Cartório. Caso o administrador do cemitério aceite fazer a inumação sem essa formalidade, ele está assumindo uma séria responsabilidade. Cremação Também prevista na Lei dos Registros Públicos – Lei n° 6.015/1973: Art. 77. [...] § 2º. a cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado, ou no interesse da saúde pública, e se o atestado de óbito tiver sido firmado por dois médicos ou por um médico legista, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária. Observe que o cadáver vítima de morte violenta é também vestígio do fato. Logo, sua incineração fará com que se perca para sempre esse vestígio. Assim, só poderá ser realizada a cremação, nesses casos, mediante autorização judicial. Doação para Fins de Estudo e Pesquisa Previsão legal: Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992: Art. 1º. Esta lei visa disciplinar a destinação de cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, para fins de ensino e pesquisa. Art. 2º. O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico. Art. 3º. Será destinadopara estudo, na forma do artigo anterior, o cadáver: I – sem qualquer documentação; II – identificado, sobre o qual inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais. § 1º. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autoridade competente fará publicar, nos principais jornais da cidade, a título de utilidade pública, pelo menos dez dias, a notícia do falecimento. § 2º. Se a morte resultar de causa não natural, o corpo será, obrigatoria- mente, submetido à necropsia no órgão competente. § 3º. É defeso encaminhar o cadáver para fins de estudo, quando houver indício de que a morte tenha resultado de ação criminosa. Art. 4º. Cumpridas as exigências estabelecidas nos artigos anteriores, o cadáver poderá ser liberado para fins de estudo. Art. 5º. A qualquer tempo, os familiares ou representantes legais terão acesso aos elementos de que trata o § 4° do art. 3° desta lei. 13 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Lei N° 8.501, de 30 de Novembro de 1992. Disponível em: https://bit.ly/2FL2C3y Perceba que a doação de cadáveres obedece a regramento sério, em razão das questões éticas e de dignidade que incidem aqui. Somente pode ser doado o cadáver que não tem qualquer identificação, ou da- queles que, mesmo sendo identificados, não se tem informações sobre sua família, impossibilitando encontrar parentes ou responsáveis, Tais corpos ficam nos serviços, normalmente nos IMLs, aguardando o prazo legal para a destinação final. Passados os 30 dias do prazo, iniciam-se as providências para a doação ou para o sepultamento desses corpos. Lembre-se: a doação só pode acontecer desde que morte resulte de causa natu- ral ou acidental, e não resultante de ação criminosa. Critérios Atuais de Morte Os critérios de morte encefálica são definidos pela Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.173/17, como sendo: “Perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico, caracteriza a morte encefálica e, portanto, a morte da pessoa”. Além do conceito, a Resolução do CFM traz, ainda, os critérios para sua determi- nação. A determinação da morte encefálica, além de definir que aquela pessoa está morta sem possibilidade de reanimação, é importante para os casos de remoção de órgãos e tecidos para transplante. Logo, é algo bastante sério. Destaco para você dois artigos da resolução, que tratam do procedimento de diagnóstico de morte encefálica: Resolução nº 2.173/17 Art. 2º. É obrigatória a realização mínima dos seguintes procedi- mentos para determinação da morte encefálica: a) dois exames clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do tronco encefálico; b) teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios; c) exame complementar que comprove ausência de atividade encefálica. Art. 3º. O exame clínico deve demonstrar de forma inequívoca a exis- tência das seguintes condições: a) coma não perceptivo; 14 15 b) ausência de reatividade supraespinhal manifestada pela ausência dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico e de tosse. § 1º . Serão realizados dois exames clínicos, cada um deles por um médi- co diferente, especificamente capacitado a realizar esses procedimentos para a determinação de morte encefálica Retirada de Órgãos e Tecidos para Transplantes A retirada de órgãos e tecidos do corpo humano com a finalidade de transplantes está regulamentada pela Lei 9.434/1997. De acordo com o Art. 3º da Lei, a retirada post mortem (após a morte) de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, sendo permitido que um médico de confiança da família esteja presente no momento da comprovação e também do atestado da morte. Pela Lei, também é permitido dispor de partes do corpo ou mesmo órgãos do corpo vivo. Isso se a pessoa doadora é pessoa juridicamente capaz e dispuser, gra- tuitamente, ou seja, só pode doar, os tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau. Para doar a não parentes, requer autorização judicial. Para doação de medula óssea, pode se doar a qualquer outra pessoa, sem neces- sidade de autorização judicial. Leia a Legislação completa e saiba tudo sobre as doações de órgãos e tecidos e partes do corpo. A Legislação prevê, inclusive, punição para casos de descumprimento das diretrizes da doação. Disponível em: https://bit.ly/2FFbHuv Declaração de Óbito Muito importante que você saiba um pouco sobre este documento. A Declaração de Óbito (DO) é o documento base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). É composta de três vias auto- copiativas, pré-numeradas sequencialmente, fornecida pelo Ministério da Saúde e distribuída pelas Secretarias Estaduais e Municipais de saúde conforme fluxo padro- nizado para todo o país. A Declaração de Óbito é o documento que inicia a baixa do registro civil de uma pessoa natural. Não se registra óbito em cartório sem a DO. Além da finalidade jurídica, o registro do óbito fornece estatísticas sobre as causas de morte, fomentando políticas públicas. 15 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Importante! A emissão da Declaração de Óbito é ato exclusivo de médico, segundo a Legislação do País. Em que situações é emitida a DO? • Em todos os óbitos (natural ou violento); • Quando a criança nascer viva e morrer logo após o nascimento, independente- mente da duração da gestação, do peso do recém-nascido e do tempo que tenha permanecido vivo; • No óbito fetal, se a gestação teve duração igual ou superior a 20 semanas, ou o feto com peso igual ou superior a 500 gramas, ou estatura igual ou superior a 25 centímetros. Sinais Característicos da Realidade e do Tempo de Morte Trata-se, aqui, do estudo dos fenômenos biológicos que se instalam após a morte, e passam a alterar o corpo, modificam a aparência do cadáver e são utilizados para demonstrar que a morte está instalada naquele corpo e servem, ainda, para se esti- mar o tempo de morte. São dois grupos de fenômenos: os fenômenos abióticos ou avitais que, como o nome já informa, indicam ausência de vida, e os fenômenos transformativos, que alteram a aparência do corpo, em alguns casos destruindo o corpo e, em outros, conservando o corpo. Vamos conhecer tais fenômenos a seguir. A partir deste ponto, você deve estudar observando fotografias, para melhor compreensão dos fenômenos. Confira o Atlas Fotográfico de Medicina Legal criado e mantido pelo professor Malthus Galvão, que permite a visualização de forma gratuita. Assim, você vai lendo seu material de estudo e observando no site as fotografias dos fenômenos cadavéricos que iremos estudar a partir de agora. Disponível em: https://bit.ly/3hCOOoX Fenômenos cadavéricos abióticos ou avitais Dividem-se em imediatos e consecutivos. Vejamos os exemplos, conforme os au- tores clássicos, França (2017) e Croce (2012): • Imediatos: são os primeiros sinais que indicam a ausência de vida no corpo, mas não nos dão certeza. Por isso, são também chamados sinais indicativos ou de incerteza de morte: » Insensibilidade, inconsciência e imobilidade; 16 17 » Parada cardiorrespiratória irreversível; » Flacidez muscular generalizada e relaxamento dos esfíncteres; » Facies hipocrática (olhos fundos, parados, inexpressivos, palidez cutânea); • Consecutivos: surgem com o passar das horas, e permitem confirmar a mor- te instalada. São também chamados sinais de certeza de morte. » Desidratação: Perda de água por evaporação; » Resfriamento progressivo do corpo (algor mortis), que depende de fatores como temperatura do ambiente, vestes, massa corporal, entre outros mais técnicos. O corpo perde calor para o ambiente; » Livores de hipóstase: Quando o sangue para de circular no organismo, ele decanta, ese acumula nas regiões mais baixas, encharcando os tecidos, dei- xando uma mancha violácea; » Rigidez cadavérica: Com o passar das horas, o corpo vai enrijecendo, ficando duro. Esse fenômeno começa a surgir na mandíbula depois da 2ª hora; em seguida nuca (2 a 4 horas), nos membros (4 a 6 horas) e nos músculos do tórax (6 a 8 horas); » Espasmo cadavérico: Corresponde a um fenômeno que nem todos os autores consideram. Seria o enrijecimento imediato do cadáver, mantendo a última posição do corpo antes de morrer; » Mancha verde abdominal, que marca o início do processo putrefativo. Fenômenos cadavéricos transformativos Aqui estão agrupados os fenômenos cadavéricos que modificam, alteram a aparência do cadáver, dividindo-se em dois grupos: os fenômenos destrutivos e os conservativos. Destrutivos • Autólise: Ocorre em nível celular. De acordo com Bittar (2018), é a destruição das células pelas próprias proteínas que produz e que possuem ação digesti- va (enzimas); • Putrefação: É a decomposição do cadáver, pela ação das bactérias. Esse fenô- meno altera bastante o cadáver, chegando até a esqueletização. Fatores como as condições do ambiente, sobretudo a temperatura e a umidade, aceleram o processo. Divide-se em 4 fases, listadas a seguir: » Fase de coloração (1 a 7 dias): Inicia pela mancha verde que, normalmente, surge na região abdominal, no lado direito. O nome é fase de coloração ou cromática, pois o cadáver realmente muda de cor. Com o passar das horas, essa cor verde se espalha por todo o corpo; 17 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense » Fase gasosa ou enfisematosa (7 a 21 dias): A putrefação gera uma grande quantidade de gases que, à medida que se expandem, distendem os tecidos, fazendo com que o corpo aumente de tamanho. É a fase que mais apresenta sinais, como aparecimento de bolhas contendo gases pútridos, destacamento da pele justamente em razão do surgimento dessas bolhas, agigantamento das estruturas do corpo, como a língua, que fica para fora da boca, as genitálias incham, e surge ainda um fenômeno muito descrito na literatura, que é a “circulação póstuma de Brouardel”. Ela surge pela ação dos gases que fazem movimentar dentro dos vasos os restos de secreções e líquidos, deixando os vasos do corpo visíveis. Observação: não deixe de observar as fotografias desse fenômeno no site indicado; » Fase coliquativa (1 a 3 meses): Ocorre o amolecimento, o desfazimento dos tecidos e órgãos do corpo, que se transformam em uma lama putrefeita, de consistência pastosa ou semilíquida, e bastante fétida. Nessa fase, a ação da fauna cadavérica (larvas de insetos que colonizam o cadáver) ajudam a acelerar a destruição total dos restos orgânicos, pois essas larvas se alimentam dessa matéria em putrefação; » Fase de esqueletização (6 meses a 3 anos): Aqui, temos a última fase da putrefação, na qual a lama de putrilagem seca e se desfaz, deixando os ossos completamente expostos; • Maceração: Destacamento da pele por ficar muito tempo na água, e assim, há um amolecimento dos tecidos. A pele se enruga e se solta. Comum também em fetos retidos na cavidade uterina. Nesses casos, a maceração intrauterina pode ajudar a estimar o tempo de morte; Conservadores Aqui, há a modificação da aparência do cadáver, porém, ele não se destrói. A putrefação ou não se instala, ou para antes de destruir o cadáver. Vamos ver: • Mumificação: É o ressecamento do corpo, que acontece quando ele fica em temperatura ambiente alta, com ventilação intensa, e Sol causticante. É uma verdadeira desidratação, que impede o crescimento de bactérias e deixa a pele com característica de couro; • Saponificação ou adipocera: Também depende das condições do ambiente (temperatura baixa, terrenos úmidos e argilosos e pouca ventilação). Aqui, a putrefação é freada e as estruturas do corpo passam a se transformar em uma consistência de sabão, lembrando muito a superfície de um queijo rançoso; • Courificação ou corificação: Ocorre por sepultamento em urnas metálicas ou hermeticamente fechadas e, segundo autores, com zinco na composição. Não é fenômeno comum, mas a aparência é semelhante à mumificação; 18 19 • Calcificação: Muito raro, é descrito na literatura como sendo a infiltração de sais de cálcio nos tecidos do cadáver (BITTAR, 2018). Forma, então, fetos petri- ficados, também chamados litopédio; • C ongelamento: Acomete corpos cobertos por gelo ou submetidos a tempera- turas a seguir de 20°C. Cronotanatognose Parece até difícil de pronunciar, não é?! Mas se trata de palavra que significa diagnóstico do tempo de morte. Cronos – tempo; tanato – morte, e gnose – diagnóstico. Todos os fenômenos que você estudou até aqui são utilizados em Medicina Legal para a estimativa do tempo de morte. É claro que se trata apenas de estimativa, não sendo possível uma determinação exata, pois muitos fatores influenciam no tempo de surgimento e de desenvolvimento desses fenômenos, como as condições do ambiente, principalmente temperatura e umidade, as condições próprias do organismo da pessoa etc. Exemplos: • Esfriamento progressivo: 2 a 17 horas; • Desidratação: 10 a 18 gramas por quilo de peso ao dia; • Rigidez cadavérica: começa em duas horas pelas extremidades e mandíbula, e se generaliza em 8 a 12 horas; • Livores: começa com 30 minutos e se fixa com 12 horas; • Mancha verde abdominal: 18 a 24 horas; • Gases da putrefação: 9 a 12 horas; • Opacificação da córnea: após 24 horas; • Flacidez: a rigidez se desfaz entre 36 a 48 horas; • Fauna cadavérica: estudo da Entomologia Forense. Sexologia Forense É a parte da Medicina Legal que estuda as questões do comportamento sexual ou relacionadas ao sexo. Assim, vamos estudar, aqui, as contribuições da Medicina Legal para o esclarecimento de fatos que envolvam crimes sexuais, comportamentos sexuais classificados como parafilias e sua influência na vida da pessoa, e as questões quanto a aborto e infanticídio. 19 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Neste estudo, estão presentes conhecimentos médicos, anatômicos, funcionais, psicológicos, comportamentais e culturais, no que tange às implicações jurídicas. Os crimes sexuais Infelizmente, a violência sexual não é fenômeno raro. Trata-se de problema em toda parte do mundo, tendo sido registrado em todas as épocas da Humanidade. De acordo com o Anuário da Segurança Pública – 2019, houve 66.041 registros de casos de violência sexual no ano de 2019 no Brasil. Considere que esse número alarmante é apenas o que foi registrado, pois se sabe que a maior parte dos casos não são notificados. Nosso Código Penal tipifica várias condutas como crimes sexuais e, para nosso estudo, vamos citar apenas algumas, que embasam nossos comentários sobre as perícias relacionadas. Por exemplo, o crime de estupro, previsto no Art. 213 do CP: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, e o crime do Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. A perícia irá buscar os elementos relacionados ao fato, irá buscar mostrar vestí- gios do ato sexual no corpo da vítima, como por exemplo: Prova da conjunção carnal: • Sinais de introdução completa ou incompleta do pênis na vagina; • Prova da violência física: » Emprego de força física com mordidas, apertões, escoriações ungueais, equi- moses etc.; Prova da autoria: • Busca de espermatozoide, células de descamação do pênis, pelos etc. Prova de outro ato libidinoso que não seja conjunção carnal, vai depender se tais atos deixaram vestígios. Vários atos são libidinosos, pois o conceito de ato libidinoso é qualquer ato que busque satisfazer a lascívia ou o desejo sexual. Assim, atos como beijo lascivo, apalpadas, toque na genitália, lambidas etc. se configuram como tais atos. A questão é que a maioria deles não deixa vestígios ma- teriais no corpo da vítima, dependendo,então, de outros meios de prova. O que se busca no exame pericial? Será realizado exame na vítima, ouvindo, inicialmente, seu relato dos fatos e, em seguida, o Médico fará o exame físico, no qual verificará se houve conjunção carnal (penetração do pênis na vagina), se houve relação sexual anal ou oral, introdução de objetos etc. 20 21 O exame ainda busca por vestígios de outros atos libidinosos e sinais de violência sobre o corpo da vítima, sendo os pontos mais comuns vulva, nádegas, mamas, região anal e pescoço. O exame físico da vítima considera, dentre outros elementos: • Conjunção carnal: Confirmação da penetração da vagina pelo pênis; • Rotura recente do hímen, como sinal de conjunção carnal recente; • Presença de esperma na vagina; • Presença de material genético do possível agressor na vagina (pelo, saliva, célu- las de descamação); • Doença venérea profunda; • Gravidez. O Exame Médico e o Laudo Pericial O exame sexológico é realizado pelo Perito Médico Legista, que entrevista a vítima e examina os vestígios em seu corpo. O exame inicia, então, pela entrevista, também chamada na área de saúde de anamnese. Nesse momento o Legista escuta o relato da vítima sobre o que acon- teceu, como aconteceu e pergunta se a vítima tomou banho ou de outra forma se limpou após a prática criminosa. Essas informações são redigidas no campo “histórico” do laudo, usando preferen- cialmente as palavras usadas pela vítima. O histórico serve como norteador para a perícia, visto que orientará o estabe- lecimento dos nexos, causal e temporal, entre os vestígios encontrados e o delito em apuração. Quando a vítima é do sexo feminino e relata a prática de conjunção carnal, o médico pergunta quando foi sua última conjunção carnal consentida (é que a conjun- ção carnal consentida também deixa vestígios e, se aconteceu próximo ao fato cri- minoso, esses vestígios se confundem), se nessa relação usou preservativo e quando foi sua última menstruação. Em seguida, vem a descrição do exame, na qual o legista registra todos os acha- dos relevantes, bem como descreve fisicamente a pessoa submetida a exame, tam- bém chamada de periciando. São registrados dados como peso, estatura, estado nutricional, compleição física, alguma deficiência física ou mental e se há presença de vestígios de emprego de violência efetiva. 21 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Descreve, detalhadamente, todas as lesões encontradas, as características, locali- zação no corpo, e quantas são. As lesões que não apresentam relação ao fato delitu- oso, se existirem, serão descritas à parte pelo Perito. É examinada a região genital descrevendo o seu desenvolvimento e característi- cas. Observa o hímen, descrevendo suas características e se há rotura, descreve. Se a prática foi de outro ato libidinoso, o Perito Médico examina se há vestígio disso, como presença de equimose, escoriações, presença de material suspeito de ser sêmen etc. Ao final, o Legista conclui, de forma sintética e esclarecedora sobre a presença ou a ausência de vestígios de prática libidinosa delituosa, ou se não foi possível afir- mar ou negar que houve prática delituosa ou, ainda, informa que o exame foi preju- dicado, quando, por alguma razão, não pode realizá-lo, como por exemplo, quando a pessoa se nega a se submeter ao exame. Ao final, o Perito deve responder a um conjunto de quesitos padronizados, mesmo que a autoridade solicitante do exame não faça nenhuma pergunta na requisição. O POP – Procedimento Operacional Padrão da SENASP/MJ sugere os seguintes quesitos: • Houve conjunção carnal que possa ser relacionada ao delito em apuração? • Houve outro ato libidinoso que possa ser relacionado ao delito em apuração? • Houve violência para essa prática? • Qual o meio dessa violência? • Da conduta, resultou para o(a) periciando(a): incapacidade para as ocupa- ções habituais por mais de trinta (30) dias, ou perigo de vida, ou debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração do parto, ou inca- pacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente, ou aborto? (resposta especificada); • Tem o(a) periciando(a) idade menor de 18 e maior de 14 anos? • É o(a) periciando(a) menor de 14 anos; • Tem o(a) periciando(a) enfermidade ou deficiência mental? • O(A) periciando(a), por qualquer outra causa não pode oferecer resistência? • Da conduta resultou gravidez? • O agente transmitiu para o(a) periciando(a) doença sexualmente transmissível? Para responder aos quesitos, o Legista, normalmente, utiliza os seguintes termos: • SIM (quando tem convicção de que ocorreu o que o quesito pergunta); • NÃO (quando tem convicção de que não ocorreu o que o quesito pergunta); 22 23 • SEM ELEMENTOS (quando não tem convicção para responder nem sim, nem não ao que o quesito pergunta); • PREJUDICADO (quando a pergunta que o quesito faz não se aplica àquela situação, ou quando a resposta anterior prejudica a resposta do quesito seguinte); • AGUARDAR (quando depende do resultado de exame laboratorial). São essas, suscintamente, as informações que você encontrará no laudo pericial dos exames sexológicos. Perceba que os laudos são compostos de um histórico do fato, a descrição de tudo quanto se observou ao exame e que tem ou possa ter relação com o fato, as conclusões a que chegou o Perito e a resposta aos quesitos oficiais (padronizados). Caso a autoridade solicitante envie outros quesitos, eles serão também respondi- dos pelo Perito, em sequência. Os Transtornos da Sexualidade São distúrbios quantitativos e/ou qualitativos do instinto sexual (HERCULES, 2014). O termo “transtorno” é mais aceito atualmente. Cientificamente, tem-se evitado a palavra perversão, tornada estigmatizante. Na área acadêmica, não há consenso sobre vários aspectos no estudo das patologias relacionadas ao sexo, conflitando-se conceitos desde o diagnóstico até o tratamento. Causas: os autores referem que há pesquisas considerando diferentes causas: alte- rações orgânicas concretas, desequilíbrios glandulares perturbações psíquicas, mera preferência individual. A maioria dos transtornos da sexualidade não constituem infrações penais em si mesmos. Ainda de acordo com as lições de Hercules (2014), algumas vezes representam fatores criminógenos, contribuindo para escândalos, chantagens, ameaças, corrup- ções e violência. Algumas vezes, observam-se criminosos sexuais apresentando disfunções. Em ou- tros casos, especificamente os atos para satisfazer ao instinto sexual constitui crime. Na esfera cível, os transtornos da sexualidade podem ensejar separação judicial, divórcio, anulação de casamentos, perda do poder familiar etc. Por essas razões, a Medicina Legal se interessa pelo tema. Vejamos os exemplos, com base nos estudos de Hercules (2014), por ser o mais completo manual nessa área, na minha avaliação. Ele divide os transtornos da sexualidade em dois grupos, apesentados a seguir. 23 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Exemplos de Disfunções Sexuais • Transtorno de desejo sexual hipoativo: Deficiência ou ausência do desejo de ter atividade sexual; • Transtorno da aversão sexual: Aversão, esquiva do contato genital com o parceiro; em casos mais severos, chega a englobar qualquer estímulo sexual, mesmo beijos ou toques; • Transtorno de excitação sexual: Incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter uma resposta de excitação adequada, seja de lubrificação ou turgência genital (do sexo feminino); • Transtorno erétil masculino: Incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter uma ereção adequada até a conclusão da atividade sexual; • Transtorno orgástico: Atraso ou ausência, persistente ou recorrente, de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual; • Ejaculação precoce: Desencadeamento, persistente ou recorrente, do orgasmo e da ejaculação, mediante mínima estimulação, sem que o indivíduodeseje; • Dispareunia: Dor genital associada ao ato sexual. Não é exclusivo das mulheres. No homem, caracteriza-se pela ereção dolorosa; • Vaginismo: Contração involuntária dos músculos do períneo, quando é tentada a cópula; • Coitofobia: Repugnância ou medo mórbido do coito. Pode ter origem no vagi- nismo ou dispareunia, ou em fatores psicológicos. Parafilias De acordo com os ensinamentos de Higino Hércules (2014), são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais, manifestados de forma intensa e recorrente, que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns, que acabam por causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional. É comum nas parafilias a natureza repetitiva, compulsiva e de padrão constante. É preciso ressaltar que algumas práticas definidas como parafilias, quando se apresentam apenas de modo esporádico, não constituindo o meio único ou o pre- dominante de satisfação sexual, e quando realizados de comum acordo entre os par- ceiros, não ferindo outras pessoas, podem ser aceitos como normais, especialmente em Sociedades mais liberais. Exemplos de parafilias • Anafrodisia: diminuição do instinto sexual no homem; • Frigidez: diminuição do instinto sexual na mulher; • Exibicionismo: impulso em exibir os órgãos sexuais em público; 24 25 • Mixoscopia: prazer em observar o parceiro em relações sexuais com outrem; • Gerontofilia: atração sexual por pessoas muito idosas; • Ninfomania: desejo sexual insaciável da mulher; • Sadismo: prazer sexual em infringir sofrimento ao parceiro; • Masoquismo: prazer decorrente da dor, sofrimento, humilhação, infligidos pelo parceiro; • Zoofilia: compulsão por sexo com animais; • Necrofilia: prática sexual com cadáveres; • Asfixiofilia: excitação e satisfação erótica por meio de manobras asfíxicas, como constrições no pescoço ou sufocação direta; • Dolismo: atração sexual por bonecas ou manequins de conformação humanas; • Pigmalionismo: atração sexual por estátuas; • Edipismo: atração incestuosa do filho homem pela própria mãe; • Electrismo: desejo incestuoso da filha pelo pai; • Enclitofilia: atração sexual por indivíduos marginais, delinquentes; • Lubricidade senil: manifestação exagerada do instinto sexual em idade muito avançada. Alguns casos é sinal da instalação da demência da senilidade; • Onanismo: prática compulsiva da auto masturbação. Destaque Pedofilia É a atração libidinosa compulsiva de adulto por criança ou adolescente menor de 14 anos. Pode se manifestar de forma hetero ou homossexual. O pedófilo busca se satisfazer de várias formas, desde a observação de fotos ao ato libidinoso ou estu- pro. Muito comum na Internet, filmes. Os atos para satisfazer a pedofilia sempre configuram crimes, previstos em nossa Legislação, como o estupro de vulnerável (CP- Art. 217-A), corrupção de meno- res (CP- Art. 218), os atos tipificados no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990 (ver artigos 240, 241, 244-A). Obstetrícia Forense Este é o termo dado ao estudo médico legal da gravidez, do parto e puerpério e do aborto e infanticídio. Parece estranho estudar a gravidez e parto, mas esse conhecimento é utilizado como base para a investigação de aborto e infanticídio. 25 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Deixe-me explicar: numa investigação de aborto ou de infanticídio, examina-se o feto ou o recém-nascido. Mas também se examina a suposta mãe, para relacionar a criança a ela. Antes de partir para um exame de DNA, por exemplo, essa mulher deve apresentar sinais de gravidez e/ou de parto recente. É por isso que vamos ver brevemente essas questões. Gravidez É importante o diagnóstico da gravidez para casos que envolvem paternidade, simulação e dissimulação de gestação para os mais diversos fins, na investigação de infanticídio ou de aborto, atestado de gravidez para fins administrativos e traba- lhistas, prova de violência sexual, questões civis como impossibilidade de anulação casamento e meio de contrair novas núpcias. São sinais de probabilidade da gravidez: • Amenorreia (suspensão da menstruação); • Enjoos e vômitos; • Alteração das mamas: Pigmentação das aréolas, eliminação de secreção (colostro); • Máscara gravídica: Manchas na face; • Pigmentação da linha alba (linha do umbigo até próximo a genitália); • Aumento do volume do ventre; • Sinais vaginais como cor arroxeada da vagina e colo do útero amolecido. Prova da Gravidez • Exame laboratorial: Dosagem de gonadotrofina coriônica (hormônio produzido pela placenta); • Exame físico: Avaliação macroscópica realizada por médico; • Movimentos fetais perceptíveis; • Exame físico: Avaliação por exames de imagens – Ultrassom; • Batimentos cardiofetais; • Crescimento uterino. Parto O parto é, segundo a Literatura define, um conjunto de fenômenos fisiológicos e me- cânicos com objetivo único de expulsão do concepto e seus anexos (FRANÇA, 2015). O trabalho de parto, clinicamente, inicia com as contrações uterinas. Para a Me- dicina Legal, o parto se dá por iniciado quando ocorre a ruptura da bolsa. O parto termina com a expulsão da placenta. 26 27 Perícia do Parto • Parto Recente: o que o Legista irá observar: » Mamas túrgidas, com auréola pigmentada e secreção de colostro nos dois primeiros dias, ou de leite a partir do terceiro dia; » Flacidez e relaxamento do abdome, ainda com pigmentação da linha alba; » Estrias gravídicas; » Vulva inchada, aberta e com sangue; » Carúnculas mirtiformes: Restos de hímen, no parto vaginal; » Colo do útero entreaberto; » Útero ainda aumentado de volume; » Lóquios: Secreção genital, semelhante à menstruação – Dura até cerca de 12 dias. • Parto antigo: O que o legista irá observar : » Não há como calcular a época em que ocorreu; » A perícia se baseará em sinais gravídicos persistentes, ou de cicatrizes, como: » Pigmentação de auréolas; » Carúnculas mirtiformes; » Cicatrizes no períneo; » Orifício no colo do útero em fenda (parto vaginal). Observação : Na mulher que não pariu (nulípara), e no parto cesariano, o orifício do colo do útero é circular. Aborto Conforme Croce (2012), aborto é o resultado de um conjunto de meios e mano- bras com a finalidade de interromper a gravidez. O concepto poderá ser expulso, retido, morto ou inviável. Há classificações dou- trinárias sobre o aborto, apresentadas a seguir. Aborto espontâneo ou acidental Decorrente de condições materno fetais endógenas, de inviabilidade da gestação ou de fatores traumáticos, tóxicos ou infecciosos, em circunstâncias eventuais. Aborto provocado Este, de maior interesse na Medicina Legal, pois pode configurar crime: • Necessário ou terapêutico: único meio de salvar a vida da gestante; 27 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense • Sentimental, piedoso ou humanitário: em caso de gravidez resultante de estupro. É praticado por médico, com o consentimento da gestante ou de seu representante legal, em ambiente hospitalar, até a 12º semana da gestação; • Eugênico: visa a evitar o nascimento de criança com má formação ou defeito genético; • Social: praticado por motivos econômicos, morais e até estéticos. A nossa Legislação penal pune o aborto sob qualquer forma que não seja o necessário e o sentimental, previstos no artigo 128 do Código Penal. Mas, em 2012 o STF decidiu pela legalização do aborto em casos de anencéfalos. Leia a íntegra do Acordão. Disponível em: https://bit.ly/3mrQHbx Perícia nos casos de aborto O exame vai buscar a caracterização do fato. Se foi encontrado material utilizado, pois na maioria dos casos é realizado de forma clandestina. Se deixou lesão corporal na mulher, o que é uma qualificadora. Verifica, no caso de aborto provocado pelo médico, se havia meio de salvar a mulher, por meio de exame do prontuário, as cau- sas da morte da mãe, se houve complicação etc. Outras Perícias relacionadas São exames relacionados: exame de gravidez pregressa, estimativa de idade – do feto e da mãe,exame psicopatológico – da mãe, exame de consanguinidade – paren- tesco entre feto encontrado e suposta mãe, exames indiretos em prontuários. Quesitos do laudo pericial • Há vestígios de provocação de aborto? • Qual o meio empregado? • Se em consequência do aborto ou do meio empregado para provocá-lo sofreu a gestante incapacidade? • Se havia outro meio de salvar a vida (quando praticado por médico)? • A gestante é alienada ou débil mental? Infanticídio O crime de infanticídio está tipificado no Código Penal: Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. 28 29 Perícia nos casos de infanticídio Busca os elementos constituintes do crime: • Se houve vida extrauterina (nascimento com vida – caracterizada, fundamen- talmente, pela respiração autônoma. Diagnóstico realizado pelas “docimásias”, que são provas baseadas na respiração e seus efeitos); • Caracterizar o estado de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém- -nascido (tempo de vida extrauterina); • Causa jurídica da morte (mecanismo da morte que vai caracterizar se foi real- mente um infanticídio ou um acidente); • Estado psíquico da mulher (se ela estava em “estado puerperal”); • Comprovação de parto pregresso (recente – com sinais do puerpério, ou par- to antigo). E quanto ao estado puerperal? De acordo com França (2015), a Legislação brasileira adotou como atenuante no crime de infanticídio a condição biopsicossocial do estado puerperal, justificado pelo trauma psicológico, pela pressão social e pelas condições do processo fisioló- gico do parto desassistido (angústia, aflição, dores, sangramento e cansaço), cujo resultado traria o estado confusional capaz de levar ao ato criminoso. O puerpério é um período típico durante o qual a mulher se refaz das alterações ocorridas em seu organismo, devido à gravidez e o parto. Durante esse período, em tese, a mulher poderia sofrer perturbações e não teria completo discernimento sobre o ato que praticasse. Mas o mesmo autor explica que não se pode esperar que toda mulher corra o risco de passar por isso, não é algo que sempre aconteça. É preciso buscar comprovar, mediante exames psíquicos, se realmente aconteceram perturbações em razão do estado puerperal. Tal condição é muito questionada pelos médicos, pois não haveria elemento psicofísico seguro a garantir um diagnóstico. E o que são docimácias? São exames técnicos que buscam comprovar se a criança respirou fora do útero da mãe. Caso seja comprovado o que chamamos de respiração autônoma, significa que a criança nasceu com vida e só após houve a morte. Caso o teste seja negativo, comprova-se que a criança teve morte intrauterina, logo não nasceu com vida. Existem vários tipos de docimácias, mas a mais conhecida e realizada nos IMLs é a Docimásia Hidrostática Pulmonar de Galeno: mais prática e mais usada – O pul- mão que não respirou é mais pesado que água, e afunda. Com a respiração, há expan- são alveolar, diminuindo a densidade, flutuando na água. É realizado em fases. Só tem 29 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense valor até 24 horas após a morte, pois os gases da putrefação podem dar resultado falso (BITTAR, 2018). Com isso, concluímos nossa Unidade, na qual você estudou sobre as questões relacionadas à morte, como os direitos sobre o cadáver, os destinos do cadáver, a doação de órgãos e fenômenos cadavéricos. Estudamos, ainda, tópicos em sexologia forense, aprendendo sobre as perícias nos crimes sexuais, os transtornos da sexua- lidade e quando eles têm interesse penal, além das perícias relacionadas ao aborto e infanticídio. 30 31 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Site Malthus Atlas fotográfico on line e gratuito de Medicina Legal do Prof. Malthus Galvão. https://bit.ly/32y4fKF Livro Medicina legal FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. (e-book) Leitura Revista Criminalística e Medicina Legal Leia artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre perícias e pesquisas na área. https://bit.ly/3iBKNCd Brazilian Journal of Forensic Anthropology & Legal Medicine Leia artigos atualizados, com acesso gratuito, sobre Medicina Legal e Antropologia Forense e pesquisas na área. https://bit.ly/32y5UzQ Procedimento Operacional Padrão da Perícia Criminal https://bit.ly/2Rwuzi3 Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 https://bit.ly/2FFkk8n 31 UNIDADE Tanatologia e Sexologia Forense Referências BENFICA, F. S. VAZ, M. Medicina legal. 4.ed.rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2019. BITTAR, N. Medicina legal e noções de criminalística. 7.ed. Salvador: JusPodivm, 2018. BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. CARDOSO, L. M. Medicina legal para o acadêmico de direito. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2016. COUTO, R. C. Perícias em Medicina Legal e Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Medbook, 2011. CROCE, D. Manual de medicina legal. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (e-book) DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina legal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. EISELE, R. L.; CAMPOS, M. de L. B. Manual de medicina forense & odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2016. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. [S.L,]: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Dis- ponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em: 13/08/2020. FRANÇA, G. V. de. Medicina legal. 10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. (e-book) ________. Medicina legal. 11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. (e-book) HERCULES, H. de C. Medicina legal: texto e atlas. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MIZIARA, I. D. Manual Prático de Medicina Legal. São Paulo: Atheneu, 2014. PRESTES JUNIOR, L. C. L.; ANCILLOTTI, R. V. Manual de técnicas em necrop- sia médico-legal. 2.ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2019. VANRELL, J. P.; BORBOREMA, M. de L. Vade Mecum de Medicina Legal & Odontologia Legal. 3.ed. Leme: JH Mizuno, 2019. VANRELL, J. P. Esquartejamento: aspectos técnicos, psicológicos e jurídicos. Campinas: Millennium, 2013. 32 Medicina Legal e Psicologia Forense Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Susyara Medeiros de Souza Revisão Técnica: Prof. Dr. Claudio Froes Freitas Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Outras Aplicações da Medicina Legal Outras Aplicações da Medicina Legal • Discutir, sob o ponto de vista médico legal, as doenças e os acidentes relacionados à ativi- dade laboral; • Entender como a Medicina Legal é aplicada para o esclarecimento dos fatos no exame de locais de crime; • Identificar a importância do exame médico legal para diagnóstico da condição física e das re- percussões jurídico sociais relacionadas à imputabilidade penal e capacidade civil das pessoas. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Infortunística; • Noções de Medicina Legal Aplicadas ao Local de Crime; • Psicologia e Psiquiatria Médico Legal. UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal Infortunística Conceitos Relacionados De acordo com Vanrell (2019), esta é a parte de Medicina Legal que trata dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Na verdade, importarão à Medicina Legal, os casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais que gerem relacionamentos com a Justiça. São estudos médicos e jurídicos dos acidentes de trabalho e das doenças causadas pelo exercício de atividades de trabalho, chamadas também de atividades laborais, em situações insalubres e perigosas, suas consequências, meios de prevenir e repará-los. Na lição de França (2019), o acidente do trabalho é aquele que ocorre pelo exer- cício de uma atividade, quando se está a serviço de uma empresa, ou ainda pelo exercício do trabalho dos segurados especiais,provocando lesão corporal ou per- turbação funcional que cause a morte, ou outra repercussão que gere a perda ou a redução da capacidade de trabalhar permanente ou temporariamente. Para o mesmo autor, a doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho característico à determinada atividade e constante da res- pectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e o da Previdência Social. Pode-se citar por exemplo, quando o trabalhador se expõe a níveis altos de chumbo, pode desenvolver o saturnismo (intoxicação provocada pelo chumbo). Já a doença do trabalho é aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente (também constante da relação supracitada). Como por exemplo, a pessoa que trabalha numa indústria que tem excesso de ruído, comum no funcionamento das máquinas, e o trabalhador desenvolve disacusia (surdez). A fadiga por muito tempo foi negligenciada, mas hoje entende-se como uma im- portante condição relacionada ao trabalho. Entende-se a fadiga como as alterações físicas mais excessivas que o cansaço, que acontecem de forma aguda, ou seja, quando acontece em um episódio momentâ- neo, individual, provocada por um exagero de alguma atividade física; ou de forma crônica, quando acomete a pessoa de forma permanente, durando no tempo, carac- terizada por esgotamento mental ou físico, formas de estafa ou estresse. Atualmente há sérios estudos sobre o estresse no ambiente de trabalho, sobre como esse estresse é maior em determinadas atividades, e até tem se provado a re- lação entre algumas atividades e o surgimento de doenças psíquicas e psiquiátricas, relacionadas ao excesso de carga de trabalho e/ou ao tipo de atividade. A lista de doenças relacionadas ao trabalho está prevista na Portaria n.º 1.339, de 18 de novembro de 1999. Disponível em: https://bit.ly/2EpkAIi 8 9 Perceba que temos aqui uma aplicação prática do tema, diferente da aplicação criminal, que estamos mais acostumados. Os acidentes de trabalho podem provocar: • Morte; • Lesão corporal, que pode ser leve, grave ou gravíssima; • Perturbação funcional ou da saúde; • Perda da capacidade de trabalhar, seja de forma temporária, ou permanente; • Ou redução da capacidade de trabalhar, igualmente de forma temporária ou permanente. Dito isto, lembre-se que as lesões se classificam em leves, graves e gravíssimas. Se um trabalhador se ferir num acidente de trabalho, este se submeterá também a um exame médico, onde serão observadas as repercussões das lesões sofridas pelo trabalhador. Sendo assim, é o médico quem avaliará se a lesão deixou incapacidades, se são temporárias ou permanentes, o grau de comprometimento e, se for o caso, deverá haver perícia do local de trabalho para avaliação das condições de salubridade e da possível relação do acidente com as condições oferecidas pelo ambiente. Dessa forma, em caso de morte do trabalhador por acidente de trabalho, será caso de morte não natural, por razões externas, conhecida também como morte violenta e, portanto, haverá exame de local de fatos, onde serão apuradas as causas e circunstâncias do acidente. A perícia realizada no trabalhador, com vistas a avaliar sua saúde e as repercussões do acidente ou da doença do trabalho, é realizada pela Perícia Médica da Previdência Social, cujo resultado embasa a concessão ou não dos benefícios previdenciários. Já com relação aos processos judiciais, nas ações cíveis ou trabalhistas que apu- rem, por exemplo, responsabilidades e possíveis indenizações, a perícia será realiza- da por perito judicial, com habilitação técnica na área. Você Sabia? O médico, em sua atividade relacionada à perícia, pode atuar como perito oficial – aquele que presta concurso e trabalha nos Institutos Médicos Legais (IML) –, como perito não oficial, que atua exclusivamente de forma ad hoc na falta de peritos oficiais, conforme o Parágrafo 1º do Artigo 159 do Código de Processo Penal (CPP), e como perito judicial, este que é um profissio- nal que se capacita e presta assistência aos processos judiciais por meio de exames periciais, esclarecendo as dúvidas que eventualmente surjam nesses processos. Atua nas áreas cíveis e trabalhistas. O perito judicial precisa se colocar à disposição do foro para poder atuar, através de cadastro nos Tribunais de Justiça dos Estados. Já no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), temos os médicos peritos. 9 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal Teoria do Risco e da Culpa De acordo com França (2017), a averiguação de acidentes de trabalho antigamen- te se baseava na teoria da culpa para se avaliar os casos de acidentes do trabalho e possíveis indenizações. Pela teoria da culpa, a responsabilidade pelo acidente deveria ser imputada ou ao trabalhador ou ao patrão. Como havia mais de uma doutrina informando como deveria ser a prova dos fatos e quem deveria provar, em última análise, quase sempre o trabalhador saia perdendo dessa disputa. Atualmente, considera-se a teoria do risco profissional e as legislações se baseiam nela. Pela teoria do risco profissional, todo trabalho, mesmo o mais simples, sempre oferecerá algum tipo de risco, independentemente de culpa do empregado ou do empregador. Assim, como o risco profissional é parte da atividade, não se tem a preocupação, inicialmente, de se buscar culpados. França (2017) comenta que [...] considera-se o acidente, nessa conceituação, como inevitável, ha- vendo, por isso, interesses e prejuízos mútuos, onde perdem e ganham patrão e empregado, surgindo uma compensação final cujo equilíbrio é estabelecido por uma instituição responsável pela indenização. O patrão não paga pelo acidente, mas fica sem a mão de obra. O operário não deixa de ganhar; todavia, o que recebe não satisfaz plenamente suas ne- cessidades. Um e outro anseiam pela volta mais breve ao trabalho. Perceba, então, a participação da Previdência Social, dando suporte a esta rela- ção de trabalho, quando acontece um acidente, e o trabalhador, ferido, precisa se afastar do trabalho até sua recuperação. Simulação e Dissimulação Considerando a possibilidade de se beneficiar de forma indevida da Lei Traba- lhista e Previdenciária, há quem tente simular ou dissimular situações para atender às suas intenções. Por isso algumas pessoas alegam sintomas que não são reais, ou exageram os que são verdadeiros, ou ainda podem omitir um sintoma real, quando for de seu interesse. Conforme Arantes (2017), a simulação é uma fraude. São distorções conscientes e voluntárias. O objetivo é obter uma vantagem, normalmente acordos financeiros, conseguir algum tipo de direito. Na simulação, a pessoa examinada afirma ter sintomas que não existem. Em mui- tos casos, é um verdadeiro desafio para a Medicina Legal, como no caso do exame da dor, é que é algo muito subjetivo, exigindo do médico perito grande perspicácia. A metassimulação é mais comum, pois diante de um trauma real, a pessoa pode alegar consequências desse trauma muito maiores do que são. 10 11 Já a dissimulação é o oposto da simulação. Mais raro de acontecer, é quando o tra- balhador tem sintomas reais, mas finge que não tem, almejando alguma vantagem com seu retorno ao trabalho, como uma promoção que perderia caso se mantivesse afastado. Noções de Medicina Legal Aplicadas ao Local de Crime Todas as informações desta seção estão relacionadas aos locais de crime contra a pessoa, onde observaremos a participação da Medicina Legal para o esclarecimento dos fatos já no primeiro exame pericial, que costuma ser o local dos fatos. Você estudou até agora a Medicina Legal com ênfase na aplicação pelo médico perito, quem detém, com exclusividade, a prerrogativa de examinar pessoas, vivas ou mortas. Mas é preciso que você saiba que os conhecimentos em Medicina Legal também dão suporte aos peritos criminais, sobretudo aqueles que examinam locais de crime com vítimas. Faz partedo trabalho o exame externo da vítima, para poder relacionar o cadáver com os demais vestígios do local. Você já deve ter assistido aos seriados do tipo CSI, em que na equipe de local há um médico que examina o cadáver. Mas no Brasil é diferente. Não temos previsão legal, nem quantidade de profissionais suficiente para ter um legista compondo a equipe de local de crime; por isso os peritos criminais são responsáveis por descre- ver as características e os ferimentos observados externamente no corpo da vítima, ainda no local. A este procedimento descritivo chamamos perinecroscopia e vamos estudá-lo mais adiante. Importante! O exame interno do cadáver só pode ser realizado pelo médico, que atua com seus assis- tentes (necrotomistas), mas a responsabilidade pelo exame é do legista. Conceito e Classificação dos Locais de Crime Quando acontece um fato tido como criminoso há alguns elementos que logo buscamos delimitar: o local onde ocorreu e quando ocorreu. Estes são elementos iniciais norteadores. Conceito de Local de Crime “O local de crime pode ser definido, genericamente, como sendo uma área física onde ocorreu um fato – não esclarecido até então – que apresente características e/ou configurações de um delito” (ESPÍNDULA, 2005). 11 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal Será considerado como local de crime, então, o espaço físico onde ocorreu a prática de infração penal, seja uma área física externa, interna ou mista. A investigação e o esclarecimento do fato sempre começam pelo local onde tudo aconteceu. É necessário que a polícia tome conhecimento de imediato, verifique se realmente ocorreu um crime naquele local e providencie as necessárias investigações daqueles fatos e o acionamento da perícia. A necessidade do exame pericial surge do Código de Processo Penal, que diz: Do Inquérito Policial Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; [...] Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exa- me de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confis- são do acusado. Importante! A ausência do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígio gera nulidade do processo (Art. 564, III, b do CPP). Dessa forma, está claro que o exame de local de crime é indispensável, visto que nesse encontra-se, normalmente, muitos vestígios do fato criminoso, principalmente o cadáver, que é o principal dos vestígios, em caso de mortes violentas. Classificação do Local de crime Os locais de crime podem ser classificados de várias formas, veja no quadro abaixo: Quadro 1 Quanto à natureza do fato, enquanto local de: • Homicídio; • Suicídio; • Aborto, infanticídio; • Acidente de tráfego (colisão de veículos); • Incêndio. Quanto ao tipo de morte: • Local de morte violenta: » Homicídio; » Suicídio; » Acidente. Local de morte suspeita: • Súbitas; • Inesperadas e sem uma causa aparente. 12 13 Local onde ocorreu a morte natural (não há interesse da perícia criminal, pois não há crime a se apurar). Objetivo dos Exames Periciais de Locais de Crime • Levantar dados essenciais à elucidação do fato; • Determinar o momento da agressão (se a vítima estava viva ou morta); • Data provável do fato; • Tipo e forma do instrumento utilizado; • Dinâmica dos fatos; • Natureza do incidente (suicídio, homicídio ou acidente). Para realizar tais determinações, não basta ao perito criminal ter conhecimentos criminalísticos. É preciso conhecer também de Medicina Legal. São conhecimentos que você já sabe; então observaremos como são aplicados no exame do cadáver no local de crime. Incialmente, você precisa saber que, relacionados aos exames de local de fatos, temos os vestígios intrínsecos e os vestígios extrínsecos. Os vestígios chamados intrínsecos são aqueles que se referem ao cadáver, ao cor- po da vítima, e por isso são estudados pela Medicina Legal. Já os vestígios extrínsecos são aqueles que estão fora do corpo, podendo ser qual- quer objeto ou coisa material que possa ter relação com o fato investigado. Assim, diante de uma morte violenta, o perito criminal analisará os vestígios intrínsecos e os extrínsecos, buscando a relação entre eles, com o objetivo de escla- recer os fatos e estabelecer a dinâmica criminosa. E a base fundamental para que se faça este estudo? Vejamos: • Energias causadoras de danos de ordem: » Mecânica; » Física; » Química; » Físico-química; » Mista. É importante que você se lembre sobre a relação ferimento versus instru- mento causador. Quanto aos vestígios extrínsecos, temos, por exemplo: 13 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal • Armas, objetos, substâncias diversas; • Manchas de sangue; • Manchas de esperma; • Manchas de leite, colostro; • Manchas de líquido amniótico, induto sebáceo, mecônio; • Matéria fecal; • Saliva; • Urina; • Vômitos; • Outras secreções (bronquial, suor etc.); • Fibras e pelos; • Tintas, solventes; • Marcas de pegadas e de pneus; • Impressões digitais; • Impressões dentais e labiais; • Marcas de ferramentas; • Solo. Perceba que, apesar de serem vestígios extrínsecos, muitos são vestígios bioló- gicos e por isso, ainda que indiretamente, são também vestígios da grande área da Medicina Legal. Vejamos como aplicamos os conhecimentos em medicina legal nos exames de locais específicos: Local de Morte por Arma de Fogo O que os peritos observam nesse tipo de local? • Características do local: se é local aberto ou fechado, se há sinais de luta, desalinho etc.; • Vestígios balísticos: tais como cartuchos de munição completos, estojos, pro- jéteis deflagrados, armas de fogo; • Marcas de impacto de projéteis: onde, em alguns casos, poderemos estudar a trajetória percorrida pelo projetil, desde que foi expelida pela boca do cano arma até atingir o ponto de impacto; • Manchas de sangue no local: que podem trazer importantes informações sobre a dinâmica de como tudo aconteceu, se a vítima foi atingida onde estava, se cor- reu etc.; 14 15 • Cadáver: sendo este o ponto de maior relevância neste nosso estudo, pois de- pende de conhecimentos em Medicina Legal. O perito criminal levará em conta questões como a posição em que o corpo está, as características das roupas, sinais de luta, os ferimentos etc.. Figura 1 Fonte: Getty Images Se a morte ocorreu por tiro de arma de fogo, devemos observar e confirmar se a vítima apresenta ferimentos compatíveis com tiro, diferenciando as feridas caracte- rísticas de entrada ou de saída de projéteis. Além disso, conforme estudamos, é de suma importância para esclarecer como o fato aconteceu, determinando a distância com que o tiro ou os tiros foram dados. Essa informação será determinante para definir a dinâmica dos fatos, ou seja, como tudo aconteceu – por exemplo, se o atirador estava perto da vítima, se atirou de longe, se subjugou a vítima e encostou a arma em seu corpo para poder atirar. Veja um exemplo prático: imagine uma cena de um local de morte violenta por arma de fogo. Considere que a vítima esteja caída no chão, com um ferimento por tiro, na cabeça. A única pessoa que estava com ela na casa, no momento do fato, diz à polícia que a vítima cometeu suicídio. Mas quando o perito examina o ferimento já no local de crime, percebe que o ferimento é característico dos tiros à distância, pois não possui nenhum sinal de tiro encostado, nem apresenta os sinais dos elementos secundários do tiro, que caracterizariam um ferimento a curta distância. Consideran- do que uma pessoa não tem braço longo o suficiente para atirar na própria cabeça a distância, está descaracterizada a tese de suicídio, o que muda completamente a linha da investigação. Percebe e importância desses vestígios? Como vimos, há três distâncias de tiro: a distância, curta distância e tiro encos- tado. Como cada uma dessas distâncias se caracteriza porelementos presentes ou ausentes no ferimento, o estudo precisa ser feito de forma cuidadosa. Lembra-se das características de cada distância de tiro? 15 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal • A distância: apenas o projétil atinge o corpo da vítima, deixando a perfuração de entrada, com as orlas de escoriação, equimose e enxugo; • A curta distância: além da perfuração deixada pelo projétil, há marcas ou sinais deixados pelos elementos secundários do tiro (labaredas de fogo, fumaça da pól- vora queimada e grânulos de pólvora que não queimou completamente), deixando também as orlas de queimadura ou chamuscamento, esfumaçamento e tatuagem; • Tiro encostado: neste caso, tanto o projétil como os elementos secundários entram todos na ferida de entrada, deixando uma ferida peculiar. Importante observar que, como as pessoas andam normalmente vestidas, pode acontecer que esses sinais dos elementos secundários fiquem impregnados nas rou- pas. Assim, cabe ao perito de local de crime ter o cuidado de examinar com atenção essas roupas, vendo se tais sinais não estão ali, observando ainda a compatibilidade dos ferimentos no corpo com as marcas nas roupas. Local de Morte por Arma Branca O que os peritos observam neste tipo de local? • Características do local: se é local aberto ou fechado, se há sinais de luta, desalinho etc.; • Os tipos de objetos que foram utilizados: os instrumentos, que podem ser perfurantes, cortantes, perfurocortantes, cortocontundentes; • Manchas de sangue do local: de grande importância, já que este tipo de local ten- de a ter muitas manchas de sangue, pelas características dos ferimentos produzidos; • Cadáver: posição em que foi encontrado, as roupas, os sinais de luta etc.). Figura 2 Fonte: Getty Images Por arma branca, atualmente, entende-se os vários instrumentos de ação per- furantes, cortantes, perfurocortantes, cortocontundentes. Mas o termo se tornou popular para designar o uso de facas para cometimento de crimes. Os instrumentos são assim chamados porque tradicionalmente são confeccionados em metal branco. 16 17 Como exemplos desses instrumentos temos as facas, peixeiras, foices, os macha- dos, as machadinhas, os facões, canivetes, as chaves de fenda, flechas etc. Os instrumentos que possuem lâmina são os que mais lesionam os vasos sanguí- neos, pois por onde passam, cortam todos os tecidos, incluindo artérias e veias, e por isso deixam um local com grande acúmulo de sangue. As feridas resultantes serão incisas, perfuroincisas, cortocontusas e perfurantes. Local de Morte por Queimaduras O que os peritos observam neste tipo de local? • Características do local: houve incêndio, explosão ou apenas o corpo da víti- ma foi queimado? • Qual foi o foco inicial do incêndio? • Analisar se havia saídas comuns e de emergência; • Objetos/meios utilizados, podendo auxiliar a distinguir se o fogo foi intencio- nal ou acidental; • Vestígios de materiais ou substâncias inflamáveis no ambiente; • Cadáver: posição, roupas, grau das queimaduras, sinais de reação vital. Figura 3 Fonte: Getty Images É importante a análise de casos de morte com o cadáver apresentando queima- duras ou mesmo carbonizado, dado que diversos questionamentos são pesquisados: a morte realmente ocorreu no local ou o cadáver foi queimado ali para tentar ocultar a forma como realmente foi morto? Ou foi queimado para tentar destruir o corpo e ocultá-lo? Ou o fogo foi a causa morte? Nesses casos em particular, a perícia de local, com relação ao exame externo do cadáver, normalmente terá um pouco menos de informações que os demais casos. Isto porque no caso de queimados, é muito importante o exame de necrópsia, e só 17 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal neste exame é possível definir se a morte se deu pelas queimaduras, pela intoxicação pelos gases da combustão, ou se a vítima já estava morta quando foi ateado fogo ao cadáver, quando o objetivo era destruir o cadáver. Mas caso tenha-se o cadáver com carbonização incompleta, verifica-se o grau das queimaduras apresentadas, sinais de reação vital, e busca-se, junto ao médico legista, informações complementares para se fechar o diagnóstico desse tipo de local – se se tratou de homicídio, suicídio ou acidente. Local de Morte por Eletricidade Aqui há diferença se a eletricidade é natural ou artificial. O que os peritos obser- vam neste tipo de local? • Características do local: a depender do tipo de eletricidade, se for um local de morte por raio, ou eletricidade artificial/industrial; • Pesquisa do objeto ou meio condutor, quando for eletricidade artificial; • Cadáver: posição, lesões específicas, causas de morte por eletricidade (eletro- plessão/fulminação). Figura 4 Fonte: Getty images Assim, há situações de mortes por eletricidade nas duas modalidades – natural e artificial, sendo quase sempre causas acidentais. No caso da eletricidade natural, pela queda de raios, a vítima é atingida, de fato, extraordinariamente, de forma acidental e inesperada. O raio é uma descarga elétri- ca que, neste caso, incide diretamente no corpo da pessoa. Conforme a intensidade, pode provocar perturbação do organismo e pode tam- bém deixar uma marca que lembra uma queimadura superficial em forma de zigue- -zague, chamada também de marca arboriforme (em forma de galho de árvore ou de plantas) ou marca de Lichtenberg. Mas o raio também pode produzir a morte 18 19 instantaneamente, fenômeno que recebe o nome de fulminação. A causa da morte, obviamente, é determinada pelo médico. Já nas mortes por eletricidade artificial, temos ampla gama de possibilidades. Ocorre com frequência em acidentes domésticos e do trabalho. Na situação doméstica, com fios desencapados, crianças que mexem em tomadas, eletrodomésticos com defeito, sem isolamento de corrente elétrica, reparos na rede elétrica de casa por pessoas não profissionais, dentre tantas outras possibilidades. No caso de acidentes de trabalho, as ocorrências têm sido de profissionais que trabalham com instalação de televisão a cabo e internet em postes, sendo que por vezes esses postes estão com o isolamento inadequado, transferindo corrente elétrica em pontos que deveriam estar isolados. Outros casos ocorrem ainda nas instalações de construções civil e, claro, nos aci- dentes nas fábricas e indústrias. O perito criminal, já no local, ao examinar o corpo externamente, pode verificar se está presente a marca de Jellinek, lesão característica, que muitas vezes é do formato do condutor da eletricidade. Essa marca representa o ponto de entrada da corrente elétrica no corpo. É interessante buscar se há lesões de saída, geralmente nos pés, ou noutro ponto onde haja objetos metálicos junto ao corpo. Nesses casos, a morte se dá por meio de eletroplessão, termo utilizado para de- signar a morte por uma descarga elétrica artificial. Porém, a causa biológica desen- cadeada pela eletricidade será definida pelo médico legista, no exame de necrópsia, podendo ser morte: • Pulmonar: ou seja, asfixia provocada pela contração dos músculos respiratórios; • Cardíaca: quando o coração fibrila (forma de arritmia, como se estivesse parado); • Cerebral: por ocorrerem hemorragias em partes do cérebro. Você Sabia? Em alguns casos, o choque elétrico não é a causa morte. Pode acontecer que o choque elétrico termine em uma queda, que por sua vez produza um traumatismo importante, que será, em última análise, a causa da morte. Local de Morte por Asfixia O que poderá ser observado neste tipo de local? • Características do local: o local de morte por asfixia depende diretamente da modalidade de asfixia: » Enforcamento: laço no pescoço cujo aperto é feito pelo próprio peso da vítima. Mais comum no suicídio, não podemos deixar de sempre observar as características próprias da morte nesta modalidade, que gerará, por exemplo, 19 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal manchas de hipóstase em posições específicas. Caso se trate de uma simu- lação desuicídio, para tentar encobrir um homicídio, o perito, com uma boa análise desses elementos no local, associados aos achados do médico legista quando avaliar a causa da morte, descobrirá a verdade; Figura 5 Fonte: Getty Images » Estrangulamento: laço no pescoço apertado por força diferente do peso da ví- tima, normalmente por uma outra pessoa. Bastará o exame detalhado do sulco no pescoço da vítima para se perceber que não se trata de enforcamento, mas de estrangulamento, sendo muito característico de homicídio; » Esganadura: quando uma outra pessoa usa as mãos para apertar o pesco- ço da vítima. Pela própria descrição, percebe-se que as marcas no pescoço, quando analisadas, demonstrarão que só pode ter sido uma causa homicida; » Sufocação: quando há obstrução das vias aéreas superiores (boca e nariz), ou quando há impedimento ao movimento dos músculos respiratórios. Pode acontecer na forma acidental, como nos engasgamentos, ou de forma crimino- sa, como quando o agressor fecha a boca e o nariz da vítima com um plástico, por exemplo; » Soterramento: quando a pessoa se encontra em ambiente onde não há ar, somente substâncias em forma de pós (areia, terra, barro seco, farinhas etc.). Aqui, comumente é acidental, em casos de desmoronamento, terremoto etc.; » Afogamento: quando a vítima se encontra com as vias aéreas (boca e nariz) submersas em líquido ou semilíquido. Afogamentos podem ocorrer na mo- dalidade homicida, contudo, é mais comum na modalidade acidental, como em piscinas, no mar, nos rios ou açudes. Ademais, o corpo não precisa estar completamente submerso para ser afogamento – há casos de crianças que se afogam em baldes, em casa, estando apenas com a cabeça submersa; » Gases irrespiráveis: há gases incompatíveis com a respiração, gerando asfixia como, por exemplo, o monóxido de carbono; » Confinamentos: quando no ambiente não há renovação do ar e a pessoa se asfixia pela diminuição ou ausência do nível de oxigênio disponível no ambiente. 20 21 Local de Morte por Precipitação O que poderá ser observado neste tipo de local? • Características do local: nestes casos, o exame de local observa o ponto onde se encontra o cadáver, sua posição, distância de afastamento do corpo para a o prédio de onde se precipitou. Observa-se a altura de onde a vítima se precipitou, assim como eram os acessos ao local, se havia meios de segurança etc. Figura 6 Fonte: Getty Images Importante notar que aqui são os casos em que a pessoa cai de altura, podendo ser caso de acidente, suicídio e homicídio. Assim, os exames se darão tanto no local onde o cadáver foi encontrado, como no prédio (aqui entendido como qualquer local construído ou mesmo natural, de onde a pessoa possa estar e cair, como o telhado de uma casa, edifício residencial, comercial, uma ponte, viaduto, o topo de um morro, de uma falésia etc.), na busca de vestígios para diagnóstico diferencial da causa jurídica da morte. Com relação ao cadáver, observaremos a posição em que o corpo ficou após a queda, as lesões específicas, se são compatíveis com o evento, ou seja, se são compatíveis com o impacto da queda, considerando a altura e o material do piso, as reações vitais presentes ou ausentes nas lesões, as manchas de sangue formadas etc. Diante dessas informações, explicaremos como se faz, de forma geral, a perine- croscopia, ou seja, o exame externo do cadáver. Perinecroscopia Como dito, exame do cadáver no local onde foi encontrado é uma rotina no tra- balho do perito criminal, a fim de fazer a ligação, ou não, com os demais vestígios encontrados naquele ambiente. Para tanto, o perito criminal buscará: • Sinais específicos de violência: sinal de violência é aquele que caracteriza a ação sofrida pela vítima em consequência da intensidade dos ferimentos desfe- ridos pelo agressor; 21 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal • Sinais de luta no corpo da vítima: são vestígios no corpo que possam identi- ficar o envolvimento entre vítima e agressor; • Reação de defesa: demonstrada pela presença de vestígios que são produzidos pela ação da vítima, quando tenta evitar os ferimentos produzidos pelo agressor. Podemos encontrar esses vestígios na própria vítima, como também no corpo do agressor. O cadáver no local de crime: • Vestígios intrínsecos (observados na superfície do corpo): tais como sêmen, vômitos, saliva, até urina e fezes fazem parte da rotina, aparecendo na busca que os peritos fazem durante a perícia no cadáver; • Vestígios extrínsecos: manchas quaisquer, pelos que ficam grudados, fibras, substâncias minerais, terra, areia, sujeiras, material orgânico, entre outras coisas que podem ser encontradas aderidas ao cadáver, o que, por sua vez, podem trazer informações relevantes para a formação da conclusão pericial, ou mesmo indicar uma possível autoria; • Material do agressor: muito comum estarem presentes nas unhas, mãos e nos órgãos genitais da vítima, podendo oferecer o direcionamento para a identifica- ção do agressor; • O perito observa ainda pertences, se estão com a vítima, ou se há sinais de que existiam tais pertences e foram retirados, tais como marcas de uso de anéis, alianças, brincos, relógios etc. • Descrição e identificação do cadáver. Devem ser observadas as seguintes características para se fazer a descrição do corpo examinado: • Sexo, pele, tipo e comprimento de cabelo, presença de barba, bigode; • Dados de identificação da vítima (se possível, a partir de documentos); • Compleição (franzina, média, robusta); • Idade presumível e características ou sinais particulares (a exemplo de cicatrizes, tatuagens, marcas de nascença, deformidades), sobretudo para os cadáveres de desconhecidos; • Igualmente importante é o exame das roupas. As roupas da vítima trazem importantes informações para a investigação policial. Quando se tem uma vestimenta incompatível com as condições climáticas e ambien- tais do local, e sociais também, podem indicar o transporte do corpo, as intenções da vítima quando saiu de casa, tentativas de ocultação de crime etc. O perito deve descrever de forma minuciosa, pormenorizada as roupas usadas pela vítima, principalmente quando forem de cadáveres de desconhecidos, sendo que para estes deve-se mencionar qualquer descrição ou desenho percebido, inclusi- ve etiquetas do fabricante. 22 23 Percebe que para um bom exame de local de crime, os peritos criminais, que não são médicos, precisam conhecer muito de local de crime? Por isso a Medicina Legal é uma das áreas mais valorizadas nas Ciências Forenses. Psicologia e Psiquiatria Médico Legal Existem muitas questões psicopatológicas que possuem repercussões no Direito. A Psiquiatria, conforme explica Miziara (2014), é o ramo da Medicina que estuda a origem, a dinâmica, as manifestações e o tratamento dos transtornos funcionais da personalidade do indivíduo, das perturbações do comportamento humano e suas relações interpessoais. Dito de outra forma, a Psiquiatria se ocupa da personalidade anormal, ou seja, da psicopatologia. Por esta ótica e de acordo com Costa Filho (2015), consideraremos a psicopatolo- gia, na área forense, como o estudo e a aplicação da Psicologia e da psicopatologia (que nasce da Psiquiatria) nas Ciências Forenses e no Direito. Imputabilidade Penal e Capacidade Civil: Limites e Modificadores Biopsico-Sociais A imputabilidade penal significa que a pessoa deve compreender aquilo que é certo ou que é errado, ou seja, capacidade psicológica de entender o caráter ilícito do fato e capacidade mental de escolha de não o praticar, ou seja, de autodeterminação. Para Bittar (2018) o que será avaliado em tais casos é a presença de razão e livre ar- bítrio, isto é, se a pessoa é capaz de raciocinar e de escolher se comete ou não o delito. Já a capacidade civil, para Cardoso (2016) depende de dois presupostos básicos, que são a capacidade de gerir a si e a seus próprios bens materiais e ter plena noção de si, de sua existência como individualidade,parte de um todo social. Há, portanto, fatores que limitarão ou modificarão a capacidade civil e/ou a res- ponsabilidade penal. Fatores Biológicos • Idade: o Código Penal determina, em seu Artigo 27, que “[...] os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis”. Trata-se de fator cronológico, que se baseia no desenvolvimento biológico do indivíduo, que antes dos 18 anos de idade não teria alcançado a maturidade suficiente para ser responsabilizado por seus atos diretamente. Aplica-se, então, a legislação especial (Estatuto da Criança e do Ado- lescente). Para efeitos dos atos da vida civil, é também de 18 anos a maioridade. Portanto, abaixo dessa idade é entendido como menor na forma da Lei, necessi- tando ser representado ou assistido, conforme o caso e a idade no caso concreto; 23 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal • Sono: considerando que há modificações patológicas do sono, como no caso do sonambulismo, pode modificar a imputabilidade; • Emoção: quando por episódio de violenta emoção ou quando a emoção é sin- toma de problema mental; • Surdo-mudo: considera-se como limitada a sua capacidade de discernimento, por lhe faltar o contato com o meio exterior mesmo com a educação especia- lizada, por haver noções e entendimentos que dependem da compreensão da linguagem falada; • Silvícola não aculturado: por silvícola entendemos aquele que vive na selva, na mata. Os índios que não possuem contato com a sociedade urbana, vivendo des- de o nascimento naquele pequeno grupo isolado na mata, têm os seus próprios conceitos e regras locais, destituídos da compreensão de identidade social, do papel social e de qualquer outro conhecimento de normas de vida em sociedade. Logo, são inimputáveis; • Alcoolismo e toxicomania: quando a embriaguez é completa, conforme o caso concreto, pode ser considerada um atenuante, onde a pessoa não tinha, durante a embriaguez, o completo entendimento do caráter ilícito do fato. Mas, se se al- coolizou ou mesmo se drogou, de plena consciência para ter coragem a praticar o crime, torna-se uma circunstância agravante. O mesmo ocorre se o autor do delito se aproveitar da embriaguez de sua vítima para praticar o fato. Fatores Psíquicos: • Doença mental: perturbação mental ou psíquica, persistente, que gere falta de autoconsciência e de adaptação. Chamada também de alienação mental; • Desenvolvimento mental incompleto ou retardado: no desenvolvimento mental incompleto, a pessoa ainda não tem maturidade psíquica, pois ainda está se desenvolvendo, ou seja, o seu desenvolvimento ainda é incompleto, mas se completará no futuro. No desenvolvimento retardado, a maturidade psíquica não corresponde à esperada para a idade biológica, para o esperado para esse período da vida. Mas neste caso, nunca será adquirida. Perturbação da Saúde Mental Tratam-se dos problemas psíquicos menos graves e que, de acordo com Bittar (2018), contemplam situações como neuroses, condutopatias, toxicomanias e alcoo- lismos moderados e leves: • Neurose: perturbação mental relacionada à ansiedade e às angústias; • Condutopatias (sociopatia e psicopatia): geralmente com inteligência normal, têm comprometimento do comportamento e das emoções. Comumente com- preendem o caráter ilícito do fato, mas o indivíduo não sente afetividade, sendo indiferente ao sofrimento alheio, com o comprometimento da capacidade de julgamento de valores éticos e morais. 24 25 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A prova é a testemunha CASOY, I. A prova é a testemunha. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010. Medicina forense aplicada FRANKLIN, R. Medicina forense aplicada. Rio de Janeiro: Rubio, 2018. Perfil de uma mente criminosa: como o perfil psicológico ajuda a resolver crimes da vida real INNES, B. Perfil de uma mente criminosa: como o perfil psicológico ajuda a resolver crimes da vida real. São Paulo: Escala, 2009. Leitura Doenças relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviços de saúde https://bit.ly/2G6kF4o Situações Equiparadas a Acidente do Trabalho Guia trabalhista com diversos artigos tratando da legislação e indicação do passo a passo para a obtenção dos direitos relacionados à infortunística. https://bit.ly/3couIh6 Doença ocupacional https://bit.ly/3j00hjG Procedimento operacional padrão da perícia criminal https://bit.ly/2FTg4CK 25 UNIDADE Outras Aplicações da Medicina Legal Referências ARANTES, A. C. Fundamentos de Medicina Legal para o acadêmico de Direito. 2. ed. França, SP: Lemos e Cruz, 2017. BENFICA, F. S.; VAZ, M. Medicina Legal. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2019. BITTAR, N. Medicina Legal e noções de criminalística. 7. ed. Salvador, BA: JusPodivm, 2018. CARDOSO, L. M. Medicina Legal para o acadêmico de Direito. 4. ed. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 2016. COSTA FILHO, P. E. G. Medicina Legal e criminalística. 2. ed. Brasília, DF: Alumnus, 2015. COUTO, R. C. Perícias em Medicina Legal & Odontologia Legal. Rio de Janeiro: MedBook, 2011. CROCE, D. Manual de Medicina Legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DOREA, L. E. Local de crime – tratado de perícias criminalísticas. 2. ed. Campinas, SP: Millennium, 2012. FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. MIZIARA, I. D. Manual prático de Medicina Legal. São Paulo: Atheneu, 2014. REIS, A. B. dos. Metodologia científica e perícia criminal – tratado de perícias criminalísticas. Campinas, SP: Millennium, 2006. SILVA NETTO, A. da S.; ESPINDULA, A. Manual de atendimento a locais de morte violenta – investigação pericial e policial. 2. ed. Campinas, SP: Millennium, 2016. TOCCHETTO, D. Balística forense – aspectos técnicos e jurídicos. 8. ed. Campinas, SP: Millennium, 2016. ________; ESPINDULA, A. Criminalística: procedimentos e metodologias. 2. ed. Porto Alegre, RS: Espindula, 2009. 26