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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS GEOGRÁFICOS Anna Paula Lombardi Conhecimento espacial até o século XVIII Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apontar os registros técnicos em navegação dos viajantes. Descrever os primeiros estudos de pesquisadores sobre topografia detalhada. Reconhecer o Atlas Nacional da França e a sua importância para a geografia. Introdução Entre os séculos XIV e XVII, os europeus foram os pioneiros nas nave- gações e realizaram as primeiras viagens com o intuito de desbravar novas terras. Até o século XVIII, a América e uma nova rota pelo sul da África foram os elementos mais importantes do conhecimento espacial. A rota no Atlântico para se chegar às Américas e a rota no Índico pelo sul da África foram traçadas a partir do desenvolvimento das ciências. A matemática, aliada à criação e ao manejo dos instrumentos náuticos, foi essencial para essas jornadas. Neste capítulo, você vai verificar em que consistia o conhecimento espacial até o século XVIII. Como você vai ver, os registros técnicos foram importantes para as navegações do século XV. A topografia e a cartografia também possibilitaram conhecer o mundo por meio das representações. Assim, Portugal, devido às navegações e com base no avanço da ciência, se tornou uma referência para a Europa. Além disso, o Atlas général histoire et géographie, de Paul Vidal de La Blache, confirma a importância dos mapas e das informações representadas na sociedade moderna. Os registros técnicos em navegação Os portugueses, junto aos espanhóis, foram os primeiros a navegar pelo oceano Atlântico. Os interesses que motivavam as navegações eram os mais variados, mas a exploração de riquezas naturais e a dominação de novas terras foram os elementos que marcam o período. No século XII, Portugal já estava consolidado como um reino, diferentemente dos outros países europeus, que ainda se encontravam divididos em pequenas partes, em sua maioria rivais entre si. Para Portugal, essa foi uma vantagem, e o país foi pioneiro nas navegações. A Espanha também teve seu auge com as grandes viagens do século XV. As expedições eram realizadas constantemente, porém em uma delas Cristóvão Colombo chegou até terras desconhecidas. Tais terras receberam o nome de “continente americano”, também conhecido como “novo mundo”. Segundo Souza (2010), a geografia da Terra era pouco conhecida pelos europeus no século XV. O pouco que se sabia estava relacionado com mitos, histórias fantasiosas e informações não fidedignas que marcaram o período da Grécia Antiga. As grandes viagens marítimas só começaram com a chegada à América. Antes disso, havia trocas comerciais na Baixa Idade Média, vin- culadas à ascensão da burguesia e à formação dos Estados Nacionais. Nesse contexto, Portugal apresentava boa localização para as navegações. Outro aspecto que permitiu a descoberta de novos caminhos pelos portugueses é que eles visavam à independência do seu comércio com as Índias, ou seja, não desejavam passar pelos árabes, venezianos e genoveses, que dominavam a rota do mar Mediterrâneo. As primeiras navegações foram possíveis pelo desenvolvimento das técnicas de navegação. Os instrumentos e a modernização das navegações tiveram o incentivo e a compensação financeira das coroas tanto do reino de Portugal como do reino da Espanha. A busca por descobrir caminhos marítimos e conhecer novos territórios envolveu, naturalmente, o aperfeiçoamento das técnicas (SOUZA, 2010). Os registros técnicos das navegações receberam contribuições dos primeiros filosófos da Antiguidade. Eratóstenes (240 a.C.) calculou o raio da Terra com uma boa precisão. Aristóteles (384 a.C.), em sua época, já havia descrito que a Terra era uma esfera depois de observar os eclipses lunares que apresenta- vam sombras com forma circular. Além disso, a descoberta das coordenadas geográficas constituídas pelas latitudes e longitudes foi primordial para as técnicas de navegação. O primeiro a usar essas coordenadas foi o filósofo grego Ptolemeu (150 d.C.), que elaborou mapas. Conhecimento espacial até o século XVIII2 Essas descobertas contribuíram para o desenvolvimento das técnicas de navegação. Como você deve imaginar, a navegação começou com os mais arcaicos tipos de barcos e canoas, construídos para a locomoção pela água. A embarcações foram evoluindo a partir do momento em que os homens se aventuraram em alto-mar. Essa evolução partiu dos métodos mais primitivos da navegação empírica, baseada no regime dos ventos, passou pelo uso de instru- mentos náuticos astronômicos e chegou aos avançados métodos de orientação por imagens de satélites, que são as técnicas mais atuais (OLIVEIRA, 2017). Os instrumentos náuticos usados para as grandes navegações do século XV eram baseados em: navegação por rumo e estima, navegação astronômica por latitudes e navegação astronômica por latitudes e longitudes. Em pleno século XIII, a primeira navegação por rumo e estima elevou o nível anterior dos métodos empíricos de navegação. Os instrumentos utilizados foram a bússola e a carta de marear. A bússola indicava os ângulos dos rumos traçados. Desse modo, era possível estimar as distâncias percorridas e traçar os pontos nas cartas náuticas, projeções planas dos principais mares em que era comum navegar na época, em especial pelas rotas comerciais do Mediterrâneo. Con- tudo, essa prática não garantia a exatidão das localizações (OLIVEIRA, 2017). A carta de marear é uma representação cartográfica de uma área náutica. Ela é repre- sentada em conjunto com as regiões costeiras adjacentes à área náutica. Pode ser o equivalente marítimo dos mapas terrestres. A navegação astronômica por latitudes foi possível já no século XV, viabi- lizada por cálculos para a obtenção da latitude por meio das alturas angulares dos astros celestes. Para muitos, essa foi a grande inovação na náutica europeia, precisamente em Portugal. O novo método continuava a estimar as distâncias, conservando o ângulo do rumo medido constantemente pela bússola, porém partindo da informação precisa, que era a latitude. Com o conhecimento das latitudes, nos séculos XVI e XVII foi possível conduzir as embarcações de forma segura para os destinos continentais, como os recém-descobertos no novo mundo. Por sua vez, as navegações astronômicas por latitudes e longitudes já eram viáveis no século XVI. Para se conhecerem as latitudes e longitudes, os fenômenos astronômicos foram observados em diferentes horários solares. 3Conhecimento espacial até o século XVIII Portanto, a latitude foi conhecida por meio das alturas angulares dos astros terrestres. Já a longitude foi medida pela comparação do horário local, referente à posição do Sol, com o horário da cidade de referência. Assim, as diferenças de horários indicavam a longitude (OLIVEIRA, 2017). O tipo de relógio que se tinha na época para as navegações eram as tradicionais ampulhetas. Elas eram relógios de areia constituídos por recipientes transparentes. Um gargalo central interligava dois compartimentos simétricos, geralmente em forma de cone. Dos instrumentos de navegação usados na expansão marítima entre os séculos XV e XVII, as medições por latitudes e longitudes sem dúvida foram os mais importantes. Eles permitiram aos navegadores atravessar os oceanos e chegar aos destinos que almejavam sem se perder em alto-mar. Foi dessa maneira que, em 1500, Pedro Álvares Cabral atracou no Brasil (OLIVEIRA, 2017). A seguir, veja alguns instrumentos de navegação que possibilitaram as grandes viagens marítimas do século XV (SOUZA, [2007]). Caravela portuguesa: tipo de embarcação com estrutura forte, rápida e veloz. Permi- tia navegar em alto-mar e apresentava bastante espaço para a tripulação e as cargas. Astrolábio: utilizado em 1555 para medir em terra ou no mar a altura do Sol e, a partir desse dado, calcular as latitudes. Quadrante do século XVI: utilizado para calculara latitude tanto pela altura do Sol quanto pela Estrela Polar, à noite. Tavoletas das Índias ou balestilha: faziam a medição angular dos corpos celestes. A mira era feita simultaneamente em relação ao astro e ao horizonte. Os primeiros estudos da topografia A topografi a é parte da geodésia, ciência que objetiva determinar as dimen- sões da superfície terrestre. Essa modalidade de estudo tem como fi nalidade realizar medidas lineares e angulares, ou medições de ângulos, distâncias e desníveis sobre a superfície terrestre em uma escala adequada. Os metódos que têm como característica a coleta de dados se chamam levantamentos topográfi cos. O termo topos signifi ca “lugar”, enquanto graphen signifi ca “descrição” (VEIGA; ZANETTI; FAGGION, 2012). Para Tuler (2014), a topografia é uma ciência fundamentada na geometria e na trigonometria plana que utiliza medidas horizontais e verticais para Conhecimento espacial até o século XVIII4 obter a representação em projeção ortogonal sobre um plano de referência. Ou seja, a ideia é obter a representação dos pontos capazes de definir a forma, a dimensão e os acidentes naturais e artificiais de uma porção limitada da superfície terrestre. Logo, é por meio das medidas de uma porção limitada do terreno que se conhecem as suas principais descrições e características. Você deve notar que a topografia não se limita ao estudo da superfície terrestre. Ela se dedica também a outras formas de relevo, como as formas continentais marinhas. A topografia se restringe ao estudo de áreas pequenas e não considera os fatores da curvatura da Terra. A ciência que se preocupa com as grandes porções da superfície terrestre é a geodésia. Assim, a topografia não pode ser confundida com a geodésia, apesar de a primeira fazer parte da segunda. Outro detalhe que deve ser considerado é que a topografia não pode ser confundida com a agrimensura, conhecida desde as civilizações mais antigas. Apesar disso, tanto a topografia como a agrimensura se dedicam a aspectos semelhantes nas coletas de dados, inclusive os profissionais podem trabalhar juntos. O agrimensor tem o papel de medir e dividir propriedades rurais e urbanas. Quanto à relação entre a topografia e a cartografia, a segunda é considerada uma ciência e ambas estão conectadas. A cartografia tem como finalidade a confecção de mapas, mas não apenas com as divisas. Logo, deve conhecer os elementos topográficos, como as formas do relevo, que são as montanhas, planícies e depressões, para incluir informações precisas nos mapas. Tuler (2014) explica que a topografia como técnica e os instrumentos topográficos estão relacionados às necessidades dos homens e à sobrevivência humana, considerando as adversidades da natureza. Assim, a topografia é tão antiga quanto a história da civilização. É também anterior em relação a muitas outras ciências. As representações gráficas mais antigas demarcam as margens dos rios Tigres e Eufrates, território do atual Iraque. Lá, as civilizações se desenvolveram com base na agricultura e havia a necessidade de conhecer as formas do relevo. As primeiras medições foram realizadas pelos mesopotâmios em 3500 a.C. Mais tarde, suas práticas de medição e representação foram passada para os gregos, que as denominaram de topografia. A partir do momento da descoberta das coordenadas geográficas constitu- ídas pelas latitudes e longitudes pelo filósofo grego Ptolemeu, a representação gráfica de determinado lugar e os avanços na topografia permitiram a confecção de mapas ou cartas geográficas. Em 1704, se verificou a produção de mapas no território português. Assim, Portugal se integrou a outros países que já eram referência na produção de mapas, como França, Inglaterra e Alemanha. Os mapas produzidos nessa época estavam relacionados com o poderio militar e com a guerra na Península Ibérica. Eles eram indispensáveis para os militares. 5Conhecimento espacial até o século XVIII Foi por meio da guerra que se multiplicaram os levantamentos topográficos. Desse modo, os engenheiros militares produziam o novo material cartográfico (COUTINHO, 2007). Portugal, além de ser o país pioneiro no que diz respeito às navegações e à descoberta de novos caminhos pelo oceano Atlântico no século XV, já possuía cartas náuticas. Logo, a topografia se tornou relevante para outros tipos de representação. Foi em Portugal que aconteceu a primeira impressão cartográfica, em 1729: a representação era do reino de Portugal e foi reali- zada por Carlos de Granpré (Figura 1). Os países de toda a Europa sofreram influência dessa carta na época (COUTINHO, 2007). Figura 1. Reino de Portugal e a primeira impressão cartográfica, realizada por Carlos Granpré em 1729. Fonte: Moreira (2012). No século XVI, em Portugal, as artes gráficas tiveram êxito a partir da Academia Real de História Portuguesa. A topografia aparecia em obras editadas no reino de D. João V no século XVII e nos volumes da geografia histórica dos Estados Soberanos, apresentando o projeto de enciclopédia geográfica. As obras geográficas tinham como objetivo apresentar as descrições topográficas e esta- tísticas dos relatos de viagens e estudos de geografia histórica que floresciam na Europa. Elas retratavam os rudimentos de geografia matemática entre os países europeus. Nesse sentido, as manifestações gráficas e os mapas representam as ideologias de sua época de produção ou confecção (COUTINHO, 2007). Conhecimento espacial até o século XVIII6 A cartografia da Academia Real de História Portuguesa avançou princi- palmente devido à ciência. O domínio das ciências no reinado de D. João V foi promissor para a época. A expansão marítima impulsionada pelos portu- gueses foi determinante para a ciência náutica. Nesse contexto, se detaca a figura do cosmógrafo-mor Petrus Nonius. Na época, na formação de técnicos, tinham destaque as cartas geográficas. Os “[...] levantamentos topográficos [eram] baseados no método da triangulação, exigindo não só meios humanos e materiais bem como uma elevada organização científica e técnica”; isso em meados de 1721 (COUTINHO, 2007, documento on-line). O método da triangulação consiste na implantação de uma malha de tri- ângulos que se desenvolve a partir dos lados de medidas já conhecidas. A principal utilização do método é em levantamentos de grandes superfícies. Sua finalidade é implantar pontos de apoio geodésico na execução de levantamentos aerofotogramétricos para a confecção de cartas geográficas. Atualmente, esse método está caindo em desuso em virtude da utilização do GPS. Petrus Nonius foi um matemático português que ocupou um dos cargos mais impor- tantes, o de cosmógrafo-mor do Reino de Portugal. Ele contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da navegação teórica, se dedicando aos problemas matemáticos da cartografia. O engenheiro-mor Manuel de Azevedo Fortes (1660–1749), sócio da Acade- mia Real, abordou pela primeira vez as questões relacionadas aos instrumentos e métodos de levantamentos de campo, assim como aos instrumentos e códigos empregados na elaboração de desenhos nas obras. Manuel de Azevedo Fortes impulsionou, no final do século XVIII, um plano de levantamento topográfico de todo o território nacional, paralelamente às observações astronômicas dos matemáticos, contribuindo para a reforma cartográfica na França, que levou à realização da Carta de Cassini (COUTINHO, 2007). Coutinho (2007) afirma que a oficina topográfica da Academia Real foi criada após a Academia Real de História. A oficina tinha como preocupação a ilustração e a precisão, garantindo a qualidade e o aperfeiçoamento da representação cartográfica da época. Para a gravura das cartas geográficas, o metal era o suporte privilegiado. O gravador era o profissional responsável 7Conhecimento espacial até o século XVIII pelos gravadores de cartas. A gravura sobre o cobre permitiu reproduzir a delicadeza do traçado geográfico e da letra, por exemplo. Em pleno século XVIII,o trabalho de campo (levantamentos topográficos), junto ao trabalho de escritório de confecção dos mapas, já era realidade na maioria dos mapas editados. Na primeira metade do século XVIII, já havia significativa produção de cartas geográficas do território português. Os mapas eram assinados pelos ilustres geógrafos do rei, na reprodução das mais variadas obras gráficas. Esses mapas, produzidos nos mais importantes centros de produção cartográfica, eram bastante importantes para a época na Europa. Os mapas produzidos com as informações de levantamentos topográficos foram importantes no período de D. João V. A ideia era manter a população informada sobre os acontecimentos geopolíticos e militares da época. Assim, o domínio da arte, da técnica e das ciências foram fundamentais para que Portugal se tornasse uma grande potência. O acervo documental valioso da Biblioteca Central foi importante na confecção de mapas. Além disso, a participação dos padres jesuítas matemáticos contratados para as observações astronômicas, seguindo as novas teorias e os novos métodos científicos, foi necessária para a preparação de levantamentos topográficos no Brasil. O trabalho do engenheiro-mor Manuel de Azevedo Fortes envolveu algumas falhas no levantamento de dados, principalmente nos mapas de escala local, regional e nacional na Portugal do século XVIII, mas a técnica foi aperfeiçoada mais tarde. O mapa do reino de Portugal impresso em 1729 não apresentava uma qualidade tão boa na representação gráfica dos elementos, mas os mapas do volume da Geografia histórica de todos os estados soberanos têm exatidão e rigor científico. O trabalho prático da topografia é dividido em cinco etapas (VEIGA; ZANETTI; FAGGION, 2012). Veja a seguir. Tomada de decisão: está relacionada com os métodos de levantamento, equipa- mentos, posições ou pontos a serem levantados. Trabalho de campo ou aquisição de dados: envolve as medições e gravações de dados. Cálculos ou processamento: implicam a realização de cálculos baseados nas medidas obtidas para a determinação das coordenadas. Mapeamento ou representação: é a produção do mapa ou da carta a partir de dados medidos ou calculados. Locação: é o processo de demarcar o terreno no projeto, o que auxilia na imple- mentação de uma obra. Conhecimento espacial até o século XVIII8 O Atlas général e a sua importância para a geografia Os atlas elaborados ao longo do tempo foram importantes para a produção de conhecimento em determinadas épocas. Um atlas é um conjunto de mapas ou cartas geográfi cas. A palavra “atlas” é derivada da mitologia grega e está relacionada a histórias imaginárias ou fantasiosas da época. O atlas geográfi co pode ser compreendido como uma interface entre a geografi a e a cartografi a, com o intuito de representar um dado ou vários dados com diferentes temas. Na França, em 1894, ocorreu a produção do Atlas général histoire et gé- ographie, publicado por Vidal de La Blache (1845–1918). Ele incluía encar- tes e diagramas com o objetivo de dar a conhecer o espaço geográfico com informações abrangentes. O atlas de Vidal de La Blache apresentou o que havia de mais rico no conhecimento francês em geografia. Nele, havia mais de 300 cartas que possibilitaram conhecer o mundo por meio das paisagens e fronteiras moldadas pela mão do homem. A escola francesa foi fundamental e contribuiu para as produções de Vidal de La Blache. Martinelli e Hess (2013) mencionam que o primeiro atlas francês foi voltado ao ensino fundamental e era chamado Petit atlas géographique du premier âge (1840). Esse atlas tinha como proposta a simplificação dos grandes atlas gerais de referência, como o de Adolf Stieler, de 1817. Já o Atlas général histoire et géographie foi um clássico que inspirou inúmeras nações. A escola francesa foi importante para o avanço do pensamento geográfico, prin- cipalmente em relação à geografia humana e aos conceitos de região e paisagem caracterizados na geografia tradicional. A escola se originou depois da derrota da França para a Alemanha prussiana na guerra de 1870. Ela surgiu para servir à burguesia francesa e para recuperar as perdas territoriais causadas pela guerra. A compensação veio com a expansão colonial. A escola buscou ainda servir de instrumento de recuperação da imagem da França como grande potência. Nesse período, o Estado francês expandiu o ensino de geografia no país. O atlas de La Blache possuía duas partes: os mapas históricos e os mapas geográficos. A peculiaridade da obra era apresentar uma visão relacionada a cada território. O mapa político de cada país era estudado junto com um mapa 9Conhecimento espacial até o século XVIII físico natural. Desse modo, o mapa político e o físico se complementavam em relação aos conteúdos expostos e à sua racionalização. Para Vidal de La Blache, essa junção dos mapas permitiu compreender de forma significativa os aspectos geográficos de cada território. Não era pertinente estudá-los de forma separada. Logo, o valor científico dos mapas produzidos no Atlas somente seria consolidado na correlação entre eles. No Quadro 1, a seguir, você pode ver a relação entre os estudos na França e o desenvolvimento da geografia moderna (MARTINELLI; HESS, 2013). Fonte: Adaptado de Mamigonian (2003). Contexto Avanços relacionados à geografia 1867: Exposição Universal em Paris. 1867–1868: publicação de La Terre, description des phénomenes de la vie du globe, de Élisée Reclus. 1871: derrota da França na Guerra Franco-Prussiana; proclamação do Im- pério Alemão em Versalhes; insurreição e derrota da Comuna de Paris. 1871: 1º Congresso da União Geográ- fica Internacional (UGI), na Antuérpia. La Blache defende seu doutorado na Sorbonne. 1872: criação do Banco Paris et Pays-Bas; lei de repressão à Associação Interna- cional dos Trabalhadores; criação do Desdner Bank. 1872: criação da primeira cadeira de geografia na Universidade Francesa (Nancy), ocupada por La Blache de 1873 a 1877. 1875: início do surto de filoxera nos vinhedos franceses (até 1888); conquista do Congo-Brazzaville (1875–1882); Inglaterra adquire controle do Canal de Suez; Congresso dos partidos operários europeus em Gotha (Alemanha). 1875: 2º Congresso da UGI, em Paris. 1879: início do plano Freycenet de grandes trabalhos públicos; elevação das tarifas de importação na Alemanha; criação do cartel alemão do potássio. 1877 a 1905: publicação da Révue de Géographie (L. Drapeyron). Em 1878, La Blache é nomeado Maitre de Confe- rences na École Normale Superieur (Paris). 1885: lei que cria mercado a termo; algu- mas medidas de proteção à agricultura. 1885: La Blache publica cartas-murais escolares. Quadro 1. A França, as suas relações internacionais e a sua geografia moderna Conhecimento espacial até o século XVIII10 O Atlas général histoire et géographie foi tão importante para a época que foram produzidas várias edições dele. O Atlas foi muito bem aceito entre as camadas cultas da população de vários países, inclusive do Brasil. As cartas apresentavam características para cada região; e cada uma correspondia aos traços e fenômenos do país em questão. As escalas espaciais também diferiam na representação de cada país. Os temas eram abordados por meio das repre- sentações espaciais e da escala cartográfica. O espaço de referência, chamado assim por Vidal de la Blache, se diferenciava pelos aspectos físicos, naturais, culturais, linguísticos, entre outros. Portanto, cada mapa era representado por um espaço de referência próprio (ROBIC, 2004). Como você deve imaginar, o Atlas général histoire et géographie foi uma das obras mais importantes de Vidal de La Blache. Ele se dedicou por 20 anos ao ofício de geógrafo, modernizando-o e criando ferramentas sem as quais seria impossível exercê-lo. La Blache elaborou o grande atlas que faltava à França e desenvolveu um quadro conceitual no seu trabalho. Nas férias universitárias, percorreu, de trem e a pé, aEuropa e a África do Norte. Mais tarde, viajou à América do Norte. Você pode consultar o atlas de La Blache no link a seguir. https://qrgo.page.link/aUHt Até meados do século XVIII, o conhecimento espacial foi possível devido às descobertas astronômicas, principalmente das latitudes e longitudes. Elas constituem as coordenadas geográficas e, junto à bússola, ajudaram na defini- ção da direção e dos rumos que se deveriam seguir em alto-mar. As observações dos filósofos gregos da Antiguidade em relação aos corpos celestes também foram importantes para o conhecimento das coordenadas geográficas. A descoberta de novas terras na América foi possível pela sucessão de eventos da época, principalmente nos campos econômico e político. Além disso, a evolução da técnica e da ciência antes do século XVIII (em Portugal e outras nações da Europa) permitiram o avanço dos estudos topográficos e a representação das informações contidas nas cartas geográficas. Nesse con- 11Conhecimento espacial até o século XVIII texto, o Atlas général histoire et géographie, com suas referências espaciais, evidenciava a diferença entre os países. Logo, era possível conhecer o mundo por meio das 300 cartas apresentadas por ele. COUTINHO, A.S. A. de. Imagens cartográficas de Portugal na primeira metade do século XVIII. 2007. 180 f. Dissertação (Mestrado em estudos locais e regionais) - Faculdade de letras da Universidade do Porto, Porto, 2007. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bits- tream/10216/18491/2/tesemestimagenscartograficas000078479.pdf. Acesso em: 24 abr. 2019. MAMIGONIAN, A. A Escola Francesa de Geografia e o papel de A. Cholley. Cadernos Geo- gráficos, v. 6, maio 2003. Disponível em: http://cadernosgeograficos.ufsc.br/files/2016/02/ Cadernos-Geogr%C3%A1ficos-UFSC-N%C2%BA-06-A-Escola-Francesa-de-Geografia- -e-o-papel-de-A.-Cholley.-Maio-de-2003.pdf. Acesso em: 24 abr. 2019. MARTINELLI, M.; HESS, E. S. M. de. Mapas estáticos e temáticos, tanto analíticos como de síntese, nos Atlas geográficos escolares: a viabilidade metodológica. Revista Brasileira de Cartografia, n.66, v. 4, p. 899 – 920, 2013. Disponível em: www.seer.ufu.br/index. php/revistabrasileiracartografia/article/download/.../23704/. Acesso em: 24 abr. 2019. MOREIRA, L. M. A. B. Cartografia, geografia e poder: o processo de construção da Imagem cartográfica na segunda metade do século XVIII. Braga: Universidade Minho, 2012. OLIVEIRA, D. A. U. de. As grandes navegações: aspectos matemáticos de alguns instru- mentos náuticos. 2017. 69 f. Dissertação (Mestrado em matemática) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/ bitstream/tede/9838/2/Arquivototal.pdf. Acesso em: 24 abr. 2019. ROBIC, M.-C. Un système multi-scalaire, ses espaces de référence et ses mondes. L’Atlas Vidal-Lablache. Cybergeo: European journal of geography, n. 265, 2004. SOUZA, A. C. M. de. Grandes navegações. In: HISTORIANDO. [S.l.: s.n.], 2010. Disponível em: https://historiandonanet07.wordpress.com/2010/11/24/grandes-navegacoes/. Acesso em: 24 abr. 2019. SOUZA, W. As grandes navegações e o descobrimento do Brasil. [S.l.: s.n., 2007]. Disponível em: www.fafich.ufmg.br/pae/apoio/asgrandesnavegacoeseodescobrimentodobrasil. pdf. Acesso em: 25 abr. 2019. TULER, M. Fundamentos da topografia. Porto Alegre: Bookman, 2014. VEIGA, L. A. K.; ZANETTI, M. A. Z.; FAGGION, P. L. Fundamentos de topografia. Curitiba: UFPR, 2012. Leitura recomendada VIDAL DE LA BLACHE, P. Histoire et géographie: atlas général. Paris: A. Colin, 1894. Conhecimento espacial até o século XVIII12