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<p>CAPÍTULO VI ROMA E O DIREITO ROMANO 1. Introdução A História de Roma é a história de todos nós... História que per- passa todo o ocidente e nos faz oriundos dos mesmos pais... Latinos, antes de tudo. Isso com todos os defeitos e qualidades que possam ser atribuídos à latinidade. Isso com todas as formas dos seres humanos, iguais a nós, que conquistaram o mundo inteiro de então... que há de mais interessante na História de Roma na atua- lidade é que ela é tão desconhecida quanto mal interpretada. Há mui- tos que pensam que os romanos eram apenas broncos violentos com ânsia de conquistas e há muitos que nem sequer sabem que em nos- sa "genética cultural" há tanta romanidade que nem podemos enumerar. Somos romanos até quando falamos, nossa língua é filha do latim, somos romanos na nossa noção urbana, somos romanos em nossa lite- ratura, somos romanos mesmo quando temos uma noção de patrio- tismo. Somos romanos política e administrativamente. Mas, principal- mente, somos romanos quando falamos em Direito, quando fundamos nossa sociedade em um Estado de Direito. Direito esse sistematizado pelos romanos antigos. A História desse povo pode até passar despercebida para a maioria dos mortais, mesmo para nós, latinos. Mas é imperdoável que estudantes de Direito, advogados e até mesmo os autointitulados juris- tas da atualidade considerem Roma como mera curiosidade de erudição, ou simplesmente não a considerem. Tomando as palavras de Von "A importância do Direito Romano para o mundo atual não consiste só em ter sido, por um momento, a fonte ou origem do direito: esse valor foi só passageiro. Sua autoridade reside na pro- funda revolução interna, na transformação com- pleta que causou em todo nosso pensamento</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil jurídico, e em ter chegado a ser, como o Cristianismo, um elemento da Civilização Mo- d.C. até a morte de Justiniano); essa subdivisão baseia-se no abso- derna." lutismo do imperador, que era menor no primeiro e incondicional no segundo. Em um sentido mais objetivo, a importância do estudo do Direito Romano faz-se óbvia quando comparamos o Direito Romano com nosso 2.1. A Realeza e suas Instituições Políticas Direito Civil. Nada menos que oitenta por cento dos artigos de nos- Código foram confeccionados baseando-se direta ou indiretamente A fundação de Roma, com os míticos gêmeos Rômulo e Remo, é nas fontes jurídicas romanas. 102 datada de 753 a.C. Nos séculos seguintes, Roma, como as outras Cida- Ao iniciarmos este capítulo sobre Roma, é necessário salientar des-Estado da região, era governada por um rei. algumas características básicas desse povo A primeira e mais visível A realeza em Roma era vitalícia, porém, eletiva e, principalmente, é o fato de que, quando tratamos de Roma, tudo é superlativo, não hereditária. As assembleias, chamadas Comícios Curiatos, Roma conquistou toda a volta do Mediterrâneo e não sem razão escolhiam o rei, cujo nome havia sido proposto pelo Senado e chamava esse mar de mare nostrum (nosso mar). Roma conquistou a investiam-no no Imperium poder total que abrangia os âmbitos civil, Europa praticamente toda tendo como fronteira a parte norte da militar, religioso e judiciário. Bretanha e a Roma, a cidade, chegou a ter mais de um Esse soberano era o juiz supremo, não havendo apelação contra milhão de habitantes por volta do século I d.C. suas sentenças. A segunda característica é que os romanos tinham uma visão Senatus vem da palavra senis, que quer dizer ancião. No final da bastante altiva de si mesmos, consideravam-se destinados a serem ca- realeza, o senado era composto por trezentos membros, que eram con- put mundi, a cabeça do mundo. Sua vaidade se traduzia em buscarem selheiros do rei. Durante esse período, o Senado não tinha poder, entrar para a história da cidade, tornarem-se eternos através da aconselhava quando solicitado, mas o rei não era obrigado a seguir história. seus conselhos. Já os Comícios Curiatos eram reuniões de todos os homens considerados como "povo", ou seja, os patrícios e os clientes, ficando 2. História de Roma: Divisão Política de fora os plebeus e os escravos. Iniciaremos o estudo do Direito Romano pelo aspecto da evolução 2.2. A República e Suas Instituições Políticas política à medida que utilizaremos conceitos e nomes que somente poderão ser entendidos após uma ambientação preliminar. Esta so- Quando da fundação da República (Res + Publicae = coisa do mente se dá através de um estudo, ainda que superficial, das Insti- povo), os romanos decidiram pulverizar o poder executivo para as mãos tuições Políticas dos diferentes momentos da História de Roma. de muitos, com mandatos curtos, um ano, na maior parte dos casos, A história da urbs se divide em Realeza (da fundação de Roma até assim evitando que alguém pudesse ter um poder exacerbado nas República (de 510 a.C. até o ano de 27 a.C.) e Império (de 27 mãos. a.C. até a morte de Justiniano em 566 d.C.). Este último pode ainda ser Somente o Senado permanecia vitalício, entretanto sua função subdividido entre Alto (de 27 a.C. até 284 d.C.) e Baixo Império (de 284 primordial durante esse período foi a de cuidar de questões externas. Contudo, devido à temporariedade do mandato dos cargos executivos da política republicana frente à vitaliciedade do senado, acabava 101 VON IEHRING apud GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma. 1968, possuindo uma autoridade permanente, tornando-se o centro do Go- p. verno. 102 LOBO, Abelardo S. da C. Curso de direito Rio de Janeiro: Álvaro Pinto, 1931, Estes que detinham o poder executivo em Roma Republicana 7 p. eram chamados Magistrados e cada qual tinha sua função específi-</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil Eles eram divididos entre os Magistrados Ordinários e os Ex- Pretores Os Ordinários que mais nos interessam neste estudo (Cônsules, Pretores, Edis, Questores) eram permanentes e eram eleitos São os magistrados mais importantes para nosso estudo porque anualmente. Os Extraordinários, como os censores, eram temporários e sua atuação era relativa à Justiça. somente eram escolhidos quando havia Eram dois tipos: o Pretor Urbano, que cuidava de questões envol- Os candidatos à determinada magistratura tinham que obedecer vendo apenas romanos na cidade, e Pretor Peregrino, que cuidava de a determinadas condições. Primeiramente, deveriam ser cidadãos ple- questões de justiça no campo e aquelas envolvendo estrangeiros. nos (optimo e, dependendo do cargo almejado, já terem exercido É importante salientar que não há, hoje em dia, equivalência pos- outras atividades públicas do cursus honorum. sível, quando se trata das funções do Pretor. Este cuidava da adminis- Cursus Honorum, ou caminho de Honra, era uma escala de car- tração da Justiça, mas não era juiz. Tratava da primeira fase do proces- gos que deviam ser alcançados sucessivamente, a saber: primeiro de- entre particulares, verificando as alegações das partes e fixando os via-se alcançar a questura e depois a edilidade, a pretura e con- limites da disputa judicial. Feito isso, Pretor remetia o caso a um Juiz sulado. 104 No século I a.C., ficou estabelecida uma idade mínima para particular para que este julgasse caso. o desempenho de cada uma dessas magistraturas: 31 anos para a A partir da Lei Aebutia (séc. II a.C.), que modificou o processo, os questura, 37 anos para a edilidade, 40 anos para a pretura e 43 anos pretores tiveram aumentado mais ainda seus poderes discricionários, para o consulado. visto que, a partir de então, eles podiam fixar os limites da contenda e dar instruções ao juiz particular em como este deveria proceder. Cônsules Edis Eram sempre em número de dois. Com poderes equivalentes (princípio da colegialidade). Eles comandavam o exército, presidiam o Os edis tinham função de cuidar fisicamente da cidade, ou seja, senado e os Comícios, representavam a cidade em cerimônias religio- cuidavam das provisões da cidade, velavam pela segurança pública e pelo tráfego urbano, vigiavam aumentos abusivos de preços e a exati- sas e em questões administrativas eles eram os superintendentes dos funcionários. dão dos pesos e medidas do mercado, cuidavam da conservação de edifícios e monumentos públicos, da pavimentação da cidade, orga- Era costume os cônsules repartirem entre si os poderes, cada nizavam e promoviam os famosos jogos públicos. qual reservando para si uma esfera de ação ou exercendo as esferas alternadamente. No caso do comando na batalha, eles Questores alternavam-se a cada dia na chefia suprema do exército e, se houvesse mais de um palco de operações, eles se distribuíam por Durante a República, esses magistrados cuidavam, principalmen- acordo ou sorteio. te, das questões da fazenda. Custodiavam o tesouro público, cobravam os devedores e os denunciavam à justiça, seguiam generais e gover- nadores como tesoureiros. 103 Note-se que a palavra hoje em dia tem apenas a conotação de membro do Censores judiciário, sendo que na maioria das vezes é utilizada, quase exclusivamente, para juízes. Esse termo é, em Roma, utilizado de forma muito mais abrangente e não Embora não fizesse parte do Cursus Honorum, era um cargo cobi- exclusivamente para aqueles que cuidam da justiça, mesmo porque, faz-se necessário lembrar, a divisão do Estado em 3 poderes é moderna. çado como um dos mais respeitados da República e, geralmente, só era 104 No início do século II a.C. o cursus honorum foi regulado e revisado por Sila e ficou com ocupado por cidadãos respeitadíssimos e que já tivessem ocupado o a sequência apresentada. cargo de Cônsul.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil Eram eleitos de cinco em cinco anos, em número de dois, mas vontade dos senadores, conhecer qualquer delito, principalmente cada um só permanecia no cargo por, no máximo, dezoito meses. atentado contra o Estado ou a pessoa do Imperador. Os censores eram responsáveis pelo Censo (recenseamento) que era realizado de cinco em cinco anos. 2.4. As Mudanças em Roma Após as Conquistas "Por turno de tribos, os cidadãos se apresenta- Como visto, dividimos tradicionalmente a História Romana em vam, com seus bens móveis diante da repartição três partes, todas elas políticas. Vale a pena destacar, principalmente dos censores (villa publica), instalada no Campo para um entendimento panorâmico mais eficaz da História desse povo, de Marte, para fazerem a declaração (fassio) do que há também uma outra forma de dividirmos o caminho dos romanos. estado civil, relações de serviço e riqueza, É preciso apenas que pensemos que Roma começou como uma perante os censores, os notáveis das tribos e pequena cidade do Lácio e tornou-se a capital do Mundo Conhecido. outras pessoas de confiança. As mulheres, os Era uma cidade de agricultores que se tornaram os donos do mundo. filhos e clientes eram representados pelo chefe da A conclusão é clara, os romanos, antes das grandes conquis- Comissários do censo eram enviados aos tas, eram muito mais tradicionais que os romanos de depois destas; exércitos que se encontravam em campanha."105 estes eram mais cosmopolitas, mais voltados para mundo e abertos a mudanças. Também e, principalmente, eles eram responsáveis pelo Regimen Morum, o policiamento dos costumes. Eles podiam devassar a vida de um indivíduo, e maus exemplos, luxos, filosofias não condizentes com 3. Direito Romano que era considerado romano, eram denunciados por eles nas As- sembleias Públicas. Caso um acusado pelo censor tivesse sua culpa 3.1. Definição e Características comprovada, poderia inclusive perder por algum tempo seus direitos políticos. Direito Romano é uma criação típica deste povo, o que eles cria- ram nos deu a possibilidade de hoje estarmos habitando países que se 2.3. Império e Suas Instituições Políticas intitulam "Estados de Direito". Como um todo Direito Romano é o conjunto de normas vigentes em Roma da Fundação (século VIII a.C.) Durante o Império, a figura principal do governo romano era, até Justiniano no século VI d.C. obviamente, o Imperador. Esse nome Imperator significava que o Para os romanos, a definição de Direito passava por seus man- princeps (primeiro homem de Roma) possuía imperium em todos os damentos, que são: "viver honestamente, não lesar ninguém e dar a ca- aspectos: civil, militar e o judiciário. da um o que é seu" (iuris praecepta sunt haec: honete vivere, alterum Nesse período, as magistraturas republicanas subsistem, mas não non ladere, suum cuique tribuere).106 têm mais a força e importância anterior. O Consulado, por exemplo, Esse direito foi fruto de séculos de trabalho e bom senso, antes de continua existindo até Justiniano, entretanto é um cargo apenas tudo. O pragmatismo romano encontrou no Direito um centro ines- honorífico. gotável para desenvolver-se dentro dos parâmetros que eles mesmos Senado continua existindo, entretanto com cada dia atribuições consideravam como essenciais. mais limitadas. Por outro lado, teve sua competência ampliada nos terrenos legislativo, eleitoral e judicial, já que podia, conforme a "Um simples olhar a um manual de Direito Roma- no revela-nos seu espírito: proteção do indivíduo, 105 BLOCH apud GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 93. 106 Digesto 1.1.10.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil autonomia da família, prestígio e poder do pater e, mesmo entrando rapidamente em desuso, foi chamada durante toda familias, valorização da palavra empenhada a História de Roma como a fonte de todo direito (fons omnis publici etc."107 privatique 3.2. Periodização do Direito Romano "Esse direito primitivo, intimamente ligado às regras religiosas, fixado e promulgado pela Podemos identificar três períodos ou fases de evolução do Direito publicação das XII Tábuas, já representava um Romano. Essas fases são distintas entre si, e cada uma tem caracte- avanço na sua época, mas com o passar do tempo rísticas próprias. Essa divisão, de certa forma didática, ajuda-nos a e pela mudança de condições tornou-se antiqua- compreender panoramicamente Direito do, superado e impeditivo de ulterior progresso. São estes os três períodos: o Período Arcaico (ou Pré-Clássico), o [...] Mesmo assim, o tradicionalismo dos romanos Período Clássico e o Período fez com que esse direito arcaico nunca fosse considerado como revogado: o próprio Justiniano, 3.2.1. Período Arcaico 10 séculos depois, fala dele com Esse período vai da Fundação de Roma, no século VIII a.C., até o 3.2.2. Período Clássico século II a.C. Neste, o Direito caracteriza-se pelo formalismo, pela rigidez, pela ritualidade. Mesmo porque o Estado Romano somente Esse período, do século II a.C. até o século III d.C., foi o auge do depois de algum tempo tornou-se mais presente no dia-a-dia da Direito Romano e, mais especificamente, foi o auge do desenvolvimento cidade. do Direito Romano. Poder do Estado foi centralizado e dois persona- gens pretores e jurisconsultos adquirindo maior poder de modificar "O Estado tinha funções limitadas a questões as regras existentes, puderam revolucionar constantemente o Direito. essenciais para sua sobrevivência: guerra, puni- Jurisconsultos e Pretores e suas atividades serão vistas mais pro- ção dos delitos mais graves e, naturalmente, a fundamente quando tratarmos das Fontes do Direito Romano. observância das regras religiosas."10 3.2.3. Período Pós-Clássico A família era centro de tudo, mesmo do Direito. Os cidadãos romanos eram vistos como membros de uma unidade familiar antes Nesse período, do século III até o século VI d.C., o Direito Romano mesmo do que como indivíduos. Mesmo a segurança dos cidadãos não teve grandes inovações, vivia-se do legado da fase áurea; dependia muito mais do grupo a que pertenciam do que do entretanto, para acompanhar as novas situações, o Direito vulgarizou- mais importante marco desse período é a Lei das XII Tábuas, se e sentiu-se a necessidade de fixar-se definitivamente as regras por feita em 451 e 450 a.C. como resposta a uma das revoltas da Plebe meio de uma codificação que, a princípio, era muito mal vista pelos Romana. Essa legislação foi uma codificação de regras costumeiras romanos. Houve algumas tentativas, nesse período de codificação do Direito vigente, porém estas eram feitas de forma restrita. Como exemplos, po- 107 GIORDANI. Op. cit., p. 256 demos indicar o Codex Gregorianus, o Codex Hermogenianus, o Codex 108 MARKY, Thomas. Curso elementar de direito 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6. 109 Ibidem, p. 06. 110 A plebe romana lutou durante séculos por igualdade civil e política com os Patrícios e 111 MARKY, T. Op. cit., p. 06. obteve vitórias importantes, como a Lei das XII Tábuas, a Lei Licínia Sextia no século 112 Depois da Lei das XII Tábuas, do século V a.C. nenhuma codificação foi empreendida IV a.C. que proibia escravidão por dívidas, Tribunato da Plebe, entre outras. pelos romanos por não considerarem uma codificação necessária.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil Theodosianus. Somente após a queda do Império no Ocidente, Justinia- sentido de observância dos costumes dos ante- no, Imperador do Oriente, conseguiu empreender tal feito. passados, mos maiorum."115 A Codificação Justinianeia, chamada de Corpus Civilis, é considerada conclusiva, mesmo porque praticamente todos os códigos A título de exemplo, podemos citar a Fides, muito usada no Direito modernos trazem a marca dessa Corpus Civilis é com- e que tem como sentido o cumprimento de um juramento que compro- posto por quatro obras: o Codex, o Digesto (chamado também de mete ambas as partes na observância de um pacto. A qualidade Pandectas), as Institutas e as Novelas. imprescindível do bom romano, existe no Direito, no mínimo, desde a Codex foi completado em 529 e reúne a coleção completa das Lei das XII Tábuas. Constituições Imperiais (veremos seu significado a seguir), Digesto A Pietas era o item do Mores Maiorum que justificava o poder do (de 530) é a seleção das obras dos Jurisconsultos, as Institutas são um Pater famílias, visto que ela se define como um sentimento de obriga- manual de Direito para estudantes e as Novelas são a publicação das ção para com aqueles a quem o homem está ligado, seja pelo sangue, leis do próprio pela política, seja através do dever para com os deuses, a pátria e a família. 116 3.3. Fontes do Direito Romano Gravitas era uma das qualidades mais utilizadas para a defesa de um indivíduo no tribunal. Era usada no sentido de indicar que um Direito Romano, até por sua extensão no que diz respeito ao homem era sério, compenetrado. Foi nesse sentido que Cícero utilizou tempo que existiu e foi trabalhado, tem muitas fontes. Algumas são o termo para defender Plâncio e, posteriormente, para defender um gerais, independentes de época, outras são mais específicas a um cidadão chamado Murena, acusado por Catão, o Censor, de ser "dan- período da História de Roma. çarino" e, portanto, ofender os bons Outras qualidades que podemos apontar são a Dignitas que é 3.3.1. Costume relacionada com dignidade e com o exercício de cargos públicos, a Honor reconhecimento público de mérito, e a Gloria usada na Defe- A forma mais espontânea e mais antiga de constituição do direito sa de Sestio, como só sendo possível a homens de bem porque somente é o Costume. Os romanos chamavam-no de consuetudo e, mais fre- estes podem alcançar tal reconhecimento quentemente, de mores. Este não pode ser entendido apenas como fon- te específica do Direito, mas, entre os romanos, pode ser visto, também, 3.3.2. Leis e Plebiscitos como adjetivos obrigatórios ao bom romano. Nesse sentido, muitos pontos do Mos Maiorum podem ser vistos Para Direito Romano, a palavra Lex tem significado mais amplo na História do Direito Romano até mesmo como itens de degradação ou do que se tem modernamente. Para eles, a lex indica uma deliberação exaltação de um indivíduo em julgamento. de vontade com efeitos obrigatórios. Dessa forma, fala-se para uma cláusula de um contrato em Leges Privatae (leis privadas); para referir- "Os Romanos tinham como suporte fundamental se ao estatuto de uma cidade os romanos falavam em Lex Colegii; e, e modelo do seu viver comum a tradição, no para deliberações dos órgãos do Estado (com o mesmo sentido moder- no), os romanos aplicavam o termo Lex 113 Corpus Civilis foi nome dado à codificação de Justiniano, por Dionísio Godofredo no do século XVI d.C. 115 PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de História da Cultura Clássica. Lisboa: 114 No que diz respeito ao Digesto, os codificadores tiveram autorização para alterar os Calouste Gulbekian, [19 ], p. textos escolhidos com fim de harmonizá-los com os novos princípios. Essas alterações 116 Ibidem, p. 329 e tiveram nome de Emblemata Trinoniani (Triboniano era o nome do jurista que fez a 117 Ibidem, p. 342-343. seleção para o Digesto) e hoje são chamadas de Interpolações. 118 Leges é plural de lex.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil No período republicano há duas espécies de leis dependendo de "O resultado dessas experiências foi um corpo onde se origina: a Lex Rogata e a Lex Data. A Lex Data era a lei pro- estratificado de regras, aceitas e copiadas pelos veniente do senado ou de algum magistrado. pretores que se sucediam, e que, finalmente, por As Leges Rogatae eram as leis votadas pelos cidadãos romanos volta de 130 a.C., foram codificadas pelo Juris- (populus romanus) reunidos em Comícios e eram propostas pelos ma- ta Sálvio Juliano, por ordem do Imperador gistrados e somente entravam em vigor após a ratificação pelo Adriano."121 Caso essa aprovação fosse feita somente pelos Plebeus (parte da sociedade romana) nos Plebiscitos, eram válidas, a princípio, somente Esse direito pretoriano, chamado Ius Honorarium, nunca foi para os próprios plebeus, porém, após a lei Hortênsia de 286 a.C., as equiparado ao Ius Civile, mesmo porque a regra pela qual o pretor não decisões do Plebiscito tinham força de lei para a sociedade como um podia criar direito, embora não usada na prática, sempre esteve em todo. vigor (praetor ius facere non potest). Dessa forma um interessante con- tra-senso esteve sempre presente no Direito Romano principalmente 3.3.3. Edito dos Magistrados no período clássico: o Ius Honorarium sempre foi considerado diferente e, até mesmo, inferior ao Civile, mesmo quando, na prática, o 122 Conforme visto no subcapítulo referente às Instituições Políticas, havia um cargo na República que era responsável diretamente pela 3.3.4. Jurisconsultos Justiça: os Pretores. Estes, ao iniciar seu mandato, publicavam os Edicta para tornar pública a maneira pela qual administrariam a justiça No princípio da História romana, somente os sacerdotes conhe- durante seu ano. 119 ciam as normas jurídicas e somente eles as interpretavam. A partir do fim do século IV a.C., esse monopólio sacerdotal passou a não mais "Da etimologia da palavra (e dicere) se deve existir e peritos leigos apareceram; eram os deduzir que, em sua origem, tais comunicações Os Jurisconsultos, principalmente no período clássico do Direito eram orais: mas o edito era transcrito a tinta em tábuas pintadas de branco (donde o nome de Romano, foram personagens da mais profunda importância para o album) com letras pretas e cabeçalhos vermelhos desenvolvimento do Direito. Sua principal característica e qualidade (rubricae) e afixado no forum, onde pudesse era o estudo profundo e sistemático e, consequentemente, o respeito advindo dessa sabedoria. facilmente (de plano) ser Com os Editos, os Pretores acabavam criando novas normas e "Eles eram considerados como pertencentes a estas acabavam por estratificar-se, visto que os Pretores que entravam uma aristocracia intelectual, distinção essa utilizavam-se largamente das experiências bem-sucedidas dos Editos devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos."123 dos Pretores anteriores. Esses Editos eram chamados Edictum Tralacium e eram diferenciados dos Editos que continham inovações A atividade desses homens, também chamados Prudentes, propostas pelo Pretor, chamados Edictum Repentinum. consistia em indicar as formas dos atos processuais aos magistrados e às partes (eles não atuavam em juízo); essa indicação tinha o nome de 119 A Lex Cornelia de 67 a.C. estabeleceu que os Pretores não podiam afastar-se de seus 121 MARKY, T. Op. cit., p. 7. editos durante o mandato. 122 honorárium quod ab honoré praetoris vénerat. "Chama-se direito honorário 120 CORREIA, A. SCIACIA, G. Manual de direito romano. Rio de Janeiro: Livros Cadernos, porque emana ele da magistratura honor) do pretor" (Pompônio, Dig. 1,2,2,10). [19 ], p. 25. 123 MARKY, T. Op. cit., p. 8.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil agere. Eles também auxiliavam na elaboração e escrita de instrumen- No período anterior, isto é, durante a República, o Senado não le- tos jurídicos, que, em vista do formalismo exigido, necessitava de par- gislava, entretanto indiretamente influenciava o Direito, à medida que ticular competência, isso era chamado cavere. Era ainda da parte do aconselhava os magistrados para que seguissem determinadas Jurisconsulto a obrigação do respondere, que consistia em emitir pare- prescrições na administração da justiça. ceres jurídicos sobre questões a pedido de particulares e magistrados. Quando, no Império, os Imperadores passaram a centralizar mais Até pelo menos o fim da República, a atividade dos Jurisconsultos fortemente o poder, os senatus-consultos passaram a ser somente um não era utilizada como fonte do direito, tinha apenas valor para o caso formalismo que era desejado pelo Imperador, quando este queria fazer específico apresentado a ele. Entretanto, a partir do século I a.C., com valer uma decisão que era impopular, para, dessa forma, livrar-se do Augusto, seus pareceres passaram a ter força de lei, mesmo porque os ônus político. Jurisconsultos passaram a responder ex autoritate principis, ou seja, com a mesma autoridade do 3.3.6. Constituições Imperiais A jurisprudência passou então, como fonte do direito, a ser um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento profundo pelo A partir do segundo século depois de Cristo depois do Impe- qual o Direito Romano passou. Nas palavras de um grande Juris- rador Adriano as decisões dos Imperadores passaram a ser fontes do consulto romano: Direito. Paulatinamente, durante o Império, conforme o poder centra- lizava-se cada vez mais, o Imperador passou a substituir as outras fon- "Iuris prudentia est divinarum atque humanarum tes do Direito, para culminar como a única fonte. rerum notitia, iusti atque iniústi scientia." "Ju- As providências legislativas do Imperador eram chamadas risprudência é o conhecimento das instituições constitutiones (ou placita) e podiam ser na forma de: edicta, mandata, divinas e humanas, a ciência do justo e do decreta ou rescripta. injusto."1 Edicta: deliberações de ordem geral. Caso não sejam revogadas É interessante salientar que, apesar da força desses homens, este pelos seus sucessores, a edicta tem duração indefinida. não era um meio objetivo de enriquecimento, pois a atividade de Juris- Mandata: instruções dadas pelo imperador aos funcionários consulto era exercida gratuitamente, em nome da fama, da vaidade e imperiais e aos governadores de província, na qualidade de che- do destaque social. Para alguns juristas era mesmo até uma forma de fe supremo. Seu caráter é, portanto, administrativo, exercendo arte. Jurisconsulto Celso definiu o ser Jurista: "Scire leges non est algumas vezes influência sobre o direito privado. verba earum tenere, sed vim ac potestatem." Ser jurisconsulto não é Decreta: são decisões do Imperador proferidas em um processo conhecer as palavras da lei, mas seu espírito e poder.125 no exercício do supremo poder jurisdicional que este possuía (jurisdictio). Princeps decidia em primeira instância ou em 3.3.5. Senatus-Consultos grau de apelação. Os decretos eram aplicados e estendidos pelos juristas a casos Senatus-consultos eram deliberações do senado mediante pro- Rescripta: são respostas solicitadas ao Imperador a respeito de posta dos magistrados; estas somente passam a ser fonte de lei após o casos jurídicos a ele submetidos pelos magistrados ou por Principado (século I a.C.), portanto, somente após esse período, os particulares. senatus-consultos podem ser considerados fonte do direito. 126 Os juristas imperiais consideravam legislativa a própria vontade do Imperador: "Quod 124 Ulpiano, Dig. príncipi plácuit, legis habet vigorem" que agrada ao príncipe tem força de lei 125 Celso, Dig. 1,3,7. (Ulpiano, Dig. 1,2,1, pref.). o título Princeps significava primeiro homem de Roma.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil 3.4. Divisão do Direito Romano 3.4.2. Divisão Baseada na Aplicabilidade Os romanos consideravam várias divisões de seu direito; para Essa distinção se faz baseada em de que forma as regras podem tanto, baseavam-se na História, na origem da norma, na aplicação ou ou não ser aplicadas. Distingue-se, então, entre Cogens e Dispo- no sujeito a quem era destinada a norma. A principal diferença entre os sitivum. Direitos (ius) era entre o Ius Cilvile e o Ius Gentium. Ius Cogens: é a regra absoluta. Sua aplicação não depende da Ius Civile: também conhecido como ius quiritium, é o direito vontade das partes interessadas. É o caso do Direito Público: próprio do cidadão romano e exclusivo deste "ius publicum privatorum pactis mutari non potest" (o direito Ius Gentium: é o direito universal, aplicável a todos os homens público não pode ser alterado por acordo entre livres, inclusive os estrangeiros. Para o Jurista Gaio e para Ius Dispositivum: esse Direito admitia a expressão da vontade piano era um direito baseado na razão natural (naturalis dos particulares, as regras podiam ser modificadas ou postas de ratio).127 Gentium est, quo gentes humanae untuntur (Direito lado de acordo com o desejo das partes. das gentes é o que a razão natural estabeleceu entre os homens).128 3.4.3. Divisão Baseada no Sujeito 3.4.1. Divisão Baseada na Origem Dependendo da regra, se esta era aplicável a todos ou somente a alguns, os romanos distinguiam Commune do Singulare. Baseando-se na fonte do Direito, os romanos diferenciavam o Civile, o Ius Honorarium e o Ius Extraordinarium Commune: é o conjunto de regras que regem de modo geral uma série de casos normais. É a regra que se opõe à exceção. Civile: era o Direito tradicional que provinha do costume, das Singulare: são as regras que valem somente para uma ca- leis, dos plebiscitos e, na época imperial, dos senatus consultos tegoria de pessoas, grupos ou situações específicas. É im- e das Constituições portante salientar que o Singulare não é uma determinação Ius Honorarium: era o Direito elaborado e introduzido pelos particular, válida somente a uma pessoa. Essa situação era pretores. chamada no Direito Romano de Privilegium e não tinha o peso Ius era derivado da atividade jurisdicional do do Ius Singulare. Imperador na época do Império. Imperador e seus funcioná- rios, tomando conhecimento das controvérsias (cognitio) de 3.5. Capacidade Jurídica de Gozo forma diferente da ordem natural dos juízos (extra ordinem), originaram todo um conjunto de 129 Capacidade jurídica de gozo chamada também de ca- pacidade de direito é a aptidão do indivíduo para ser sujeito de direitos e obrigações. Hoje em dia, na maioria dos países do mun- do, todos têm capacidade de direito, mas em Roma não era da mesma forma. 127 Era considerado como tendo sido constituído pelo Naturale (Direito Natural). Este Havia uma série de precondições para que o homem tivesse seria natural e não uma criação arbitrária do homem. "Considera-se naturalis o que capacidade jurídica de gozo. Para ter completa capacidade de direito, decorre das qualidades físicas dos homens ou das coisas, como também o que era necessário que a pessoa fosse livre (status libertatis), tivesse corresponde a uma ordem normal de interesses humanos e, por isso mesmo, não exige justificações" (CORREIA, Alexandre; SCIACIA, Op. cit., p. 19). 128 Ulpiano, Digesto, 129 CORREIA, Alexandre; SCIACIA, Op. cit., p. 18. 130 Digesto 2.14.38.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil cidadania romana (status civitatis) e fosse independente do pátrio cipalmente para escravos urbanos, permitir ao escravo ter um pe- poder de alguém (status familiae). culium, ou seja, ter a posse de alguns bens pelos quais poderiam desenvolver algum comércio ou 3.5.1. Status Libertatis Da mesma forma que uma pessoa poderia tornar-se escrava, ela também poderia deixar de sê-lo através da manumissão (manumissio Para ter capacidade Jurídica o indivíduo tinha que ser livre. Escra- ou datio libertatis). Esta era bastante comum em Roma, não só porque vos não tinham direitos, nem privados, nem públicos, eram apenas com a possibilidade da liberdade o escravo produzia mais, mas objeto de relações jurídicas. também porque a vaidade romana gostava muito de cortejos fúnebres, indivíduo podia ou nascer escravo ou tornar-se Nesse acompanhados pelos escravos manumitidos pelo defunto. último caso, a pessoa tornava-se escrava por aprisionamento em guer- A princípio, eram apenas três as fórmulas jurídicas de libertação ra, por disposições penais ou, até a Lei Licínia Sextia (século IV a.C.), de um escravo: o censu (o escravo era inscrito, com a permissão do poderia tornar-se escrava pelo não-pagamento de uma dono, no registro censitário do censor), a vindicta (processo judicial no Pelo Ius Civile antigo, eram muitos os crimes pelos quais o indi- qual se discutia a liberdade do escravo), testamento (o escravo era víduo poderia pagar com a escravidão, como, por exemplo, se o cidadão libertado em testamento, essa forma já era reconhecida na Lei das XII não aceitasse o recrutamento ou fugisse da obrigação do censo. Tábuas). Nascia escravo o filho de escrava; a situação do pai não era levada pretor reconhecia outras formas de libertação: a feita perante em conta. Segundo o Direito clássico, nascia escravo o filho cuja mãe testemunhas inter amicos), fazendo-se sentar o escravo à fosse escrava na ocasião do parto, mas, na época pós-clássica, partin- mesa (per mesa), por escrito (per epistulam) ou mesmo somente do do princípio de que o nascituro era considerado nascido, o filho nas- colocando o chapéu na cabeça do escravo (per pileum). ceria livre caso a mãe houvesse sido livre em qualquer momento da escravo libertado, chamado liberto, não tinha os mesmos gestação. direitos das pessoas que nunca estiveram na condição de escravos Escravos eram coisas (res) e, como tal, não possuíam personalida- (estes eram chamados de ingênuos), seus direitos políticos eram de, estando sujeitos ao poder de seu senhor (dominica potestas); esse limitados e, no campo do direito privado, o liberto encontrava-se na poder, em sentido jurídico, tinha caráter absoluto. dependência do ex-dono. "Podemos comparar a dominica potestas ao di- "Ingenui sunt, qui liberi nati sunt; libertini qui ex reito de propriedade em seu tríplice aspecto de iusta servitute manumissi sunt. São ingênuos os ius fruendi (direito de perceber os frutos e os que nasceram livres, libertos os que foram produtos da coisa o filho da mulher escrava era submetidos a uma escravidão legal e, depois, um produto), de ius utendi (direito de utilizar-se da coisa) e de ius abutendi (direito de dispor ou não dispor, de alienar etc.)."131 3.5.2. Status Civitatis o escravo não podia contrair matrimônio legítimo e todos os bens A cidadania romana era condição imprescindível para a capa- adquiridos por ele pertenciam, a princípio, ao senhor ("quodcumque cidade jurídica plena. Os (nascer em Roma não era per servum adquiritur id domino adquiritur" tudo o que adquiriu pelo garantia de cidadania) e os estrangeiros podiam ter propriedade, fazer escravo é do Entretanto, era costume entre os romanos, prin- testamento, por exemplo, mas pelas regras de sua cidade de origem. 131 GIORDANI, M. C. História de Roma... Op. cit., p. 133 Era o caso de alguns escravos instruídos que eram professores. 132 Gaio, Inst. 1, 52. 134 Inst. 4 e 5.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil Somente os inimigos vencidos (peregrini dediticii) cujo direito e inde- Os alien iuris não eram totalmente incapazes juridicamente. No pendência não tivessem sido reconhecidos pelos romanos estariam que diz respeito aos direitos públicos, tinham plena capacidade, po- privados do uso de seu direito de origem. diam votar e ser votados para as magistraturas (ius sufragii e ius ho- Era cidadão aquele que nascia de casamento válido pelo ius civile, norum), podiam participar do exército. No tocante aos direitos priva- ou se a mãe fosse de família Podiam tornar-se cidadãos os dos, podiam casar-se (ius conubii), desde que obtivessem o consen- indivíduos ou povos que recebessem a cidadania por lei ou por vontade timento de seu pater familias. do imperador. No campo patrimonial, tudo o que o alien iuris adquiria o fazia A cidadania podia ser perdida através da Capitis Deminutio, que para o pater familias, ao contrário das obrigações assumidas pelo alien era a diminuição ou perda dos direitos de "Civili ratione iuris, pelas quais o pater familias somente respondia em casos ex- capitis deminutio morti coaequatur" no Direto Civil, a perda da cepcionais. cidadania se equipara à indivíduo podia sair da condição de alien iuris, caso perdesse seu ascendente masculino direto por morte ou fosse emancipado. 3.5.3. Status Familiae Poderia também, sendo sui iuris, tornar-se alien iuris por adoção. Atualmente, a situação do sujeito perante a família não tem gran- 3.5.4. Causas Restritivas da Capacidade Jurídica de Gozo de valor no que diz respeito à sua capacidade de direito; em Roma, era de suma importância essa posição, pois status familiae determinava Como visto anteriormente, a capacidade de direito não era uma a capacidade. garantia vitalícia. Poderia ser perdida ou obtida. A perda poderia ser capitis deminutio maxima, no caso de perda total da cidadania e, "Este princípio característico leva-nos ao tempo portanto, de todos os direitos, quando um indivíduo tornava-se es- cravo, por exemplo; poderia ser também captio deminutio media, em que as relações jurídicas intercorriam, não entre indivíduos, mas entre grupos familiares quando sujeito era desterrado e tornava-se um peregrinus, um (gentes) e portanto se referiam inteiramente ao sem-pátria; e, por fim, poderia ser captio deminutio minima, no caso chefe de cada família."136 de a pessoa mudar seu status familiar por emancipação, ad-rogação ou adoção. Todos os casos considerados nos pontos acima são exclusivos do Para uma completa capacidade jurídica de gozo era preciso que sexo masculino, visto que à mulher não era permitida plena capacida- o indivíduo fosse independente do pátrio poder (patria potestas). de. Elas não tinham direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do Dentro da organização familiar romana, eram distintos dois tipos de direito privado também. Como veremos mais adiante, elas não tinham pessoas: os sui iuris totalmente independentes, sem um pater- direito ao pátrio poder, nem à tutela e, tampouco, podiam participar de familias e os alieni iuris pessoas sujeitas ao poder de um pater atos solenes na qualidade de testemunhas. familias. A capacidade jurídica poderia ser restrita também por pena- A independência do pátrio poder não tinha, necessariamente, lidades impostas em consequência de atos ilícitos ou por questões relação com idade ou com o fato de se ter paternidade. Um recém-nas- religiosas que causavam impedimentos nos campos matrimoniais, cido, por exemplo, se não tivesse ascendente masculino, era indepen- testamentários e hereditariedade. dente do pátrio poder. Em outro extremo, um ancião, com o pai ainda vivo e que nunca tivesse sido emancipado, era alien 3.6. Direito de Família 135 Gaio, Inst. 3, 153. sentido de família em Roma deve ser visto na sua multiplicidade 136 CORREIA, Alexandre; SCIACIA, Gaetano. Op. cit., p. 45. no tempo e no ensejo em que a palavra é utilizada. Em Direito Romano,</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil a palavra família pode ser aplicada tanto às coisas quanto às pessoas.137 plena capacidade jurídica de gozo, toda e qualquer coisa adquirida era para o pater familias. Por outro lado, se o alien iuris cometesse Aplicada às coisas, tem o sentido de indicar o conjunto de um patrimônio, como, por exemplo, na expressão dimidium familiae, que algum delito, o pater familias poderia ressarcir o dano ou entregar o filho para ser penalizado. significa "metade do ou na expressão família rústica, que A principal fonte do pátrio poder era o nascimento do filho em indica os escravos rurais. Aplicada somente às pessoas ou à soma de casamento legítimo. "In potestate nostra sunt liberi nostri, quos ex pessoas e coisas, família significa, para os romanos, todos e tudo sob o poder do pater familias. iustis nuptiis procreavimus" Sob o nosso poder estão nossos filhos, procriados em um matrimônio A filiação legítima era A família, relativamente a pessoas, pressupõe parentesco e este, presumida, se o parto acontecesse, no mínimo, cento e oitenta dias da em Roma, poderia ter dois sentidos, um estritamente jurídico, chamado data em que o matrimônio fosse contraído ou, no máximo, trezentos agnatio, outro basicamente biológico (ascendência comum), a cogna- dias após a sua dissolução. tio. o parentesco jurídico englobava todos sob o poder de um mesmo Entretanto, o reconhecimento da criança nascida em casamentos pater familias, portanto este só era transmitido pela linha paterna, pois juridicamente reconhecidos dependia do pai, embora, sem esse reco- somente homens poderiam ser pater familias. Por isso, a agnatio era nhecimento paterno, a paternidade pudesse ser definida juridicamente chamada também de cognatio através de uma ação Os filhos fora do casamento e não- Durante a evolução do Direito Romano, esses dois sentidos de pa- reconhecidos não estavam sob o pátrio poder. rentesco foram colocados, muitas vezes, em contraposição, o que gerou Outra forma de aquisição do pátrio poder era a adoção que juridicamente a prevalência cada vez mais acentuada do princípio do comentaremos especificamente adiante. parentesco consanguíneo em detrimento da agnação. o pátrio poder poderia ser extinto pela morte do pater familias, a morte alien iuris, a perda de cidadania ou liberdade do pater familias (o 3.6.1. o Pátrio Poder que era equiparado à morte), a adoção por outro do alien iuris, a eman- cipação do filho alien iuris ou o casamento cum manu da filha. A História do Direito Romano muito tem a ver com o Pátrio Poder (patria potestas) exclusivo do pater familias. Como uma balança, quan- 3.6.2. Casamento to maior era o poder do pater familias, menor era o poder do Estado e, conforme o tempo passou, essa balança tendeu a dar a vitória ao casamento, em uma sociedade que se baseia tão fortemente Estado em detrimento do pater familias. mesmo em sentido jurídico na família é da mais profunda importân- Durante praticamente toda a História do Direito Romano, o poder cia. Por isso, nas Novelas de Justiniano lemos: "nihil in rebus mortalium do pater familias era absoluto, de vida e morte sobre todos sob sua perinde venerandum est atque matrimonium" Nada é tão venerável chefia. Seus filhos recém-nascidos podiam, por sua vontade, ser nas instituições humanas como o matrimônio.139 deixados para morrer, ou, em qualquer idade, ser vendidos. Iustae Nuptiae ou Iustum Matrimonium eram termos usados para poder do pater familias englobava vários poderes: a patria definir o casamento legítimo, juridicamente reconhecido pelo ius civile. potestas sobre os filhos, a manus sobre a esposa, a dominica potes- Para que o casamento fosse legítimo, era necessário o conúbio, que tas sobre os escravos e o mancipium sobre pessoas livres alien iuris pela definição de Ulpiano: que passaram de um pater familias a outro pela venda, por exemplo. o pátrio poder implicava, em termos patrimoniais, o direito amplo "Conubium est uxoris ducendade facultas. do pater familias. Como as pessoas sujeitas ao poder dele não tinham Conubium habent cives romani cum civibus 138 Instituta, 1, 9, pr. 137 Etimologicamente a palavra tem origem em famulus, que é relativo a 139 Novellae, 140, in praefatione.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil romanis: cum latinis autem aut pregrini ita, si foi estabelecido para responder a situações prá- concessim sit. Cum servis nullum est conubium"- ticas que dificultavam a manutenção da auto- Conúbio é a faculdade de casar-se Os ridade marital em todo o seu rigor. Ao que parece cidadãos romanos têm conúbio com os cidadãos a autorização para realizar casamentos legítimos romanos, com os latinos e os estrangeiros, quan- entre patrícios e plebeus, oficialmente concedida do lhes foi permitido. Não há conúbio entre pela Lex Canuleia em 445 a.C., tem relação com o abrandamento do velho matrimônio patriarcal. É de imaginar que o pai de uma jovem patrícia se Os romanos distinguiam duas espécies de casamento: o casa- recusasse a transmitir sua autoridade ao marido mento cum manu e o casamento sine manu. No casamento cum manu, plebeu que ela pudesse ser levada a esposar, e a mulher saía da dependência do seu próprio pater familias para entrar que não era seu igual, pelo menos aos olhos dos na dependência do marido e do pater familias da família do marido. Para que essa transferência ocorresse, era suposto um ato chamado conventio in manu ou aquisição da manus. do poder do marido sobre a Para os romanos o matrimônio era, antes de tudo, um ato consen- mulher. sual de contínua convivência. Era um fato (res facti) e não uma res iuri Havia três formas de a manus ser estabelecida: com a (um estado de direito). Nesse sentido os juristas romanos afirmavam: (formalidade de cunho religioso muito utilizada na antiguidade da História romana), a coemptio (venda formal da noiva ao noivo pelo "Coitus matrimonium non facit, sed maritalis pater familias desta) e o usus (era baseado no princípio de poder affectio." Não é a cópula em si, mas o afeto ma- absoluto por posse prolongada e se dava quando o casal convivia rital que constitui o maritalmente por mais de um ano. poder da manus, entretanto, podia ser evitado se a mulher se ausentasse de casa por três noites seguidas "Matrimonium inter invitos non contrahitur." durante o curso do Não se contrai matrimônio entre quem não deu casamento sine manu foi o que prevaleceu na Roma após as conquistas Ele não oferecia a possibilidade de sujeição da mulher ao marido e esta podia continuar sob o poder de seu próprio Essa noção de consentimento, no início da história romana e, pos- pater familias, conservando, portanto, os direitos sucessórios de sua teriormente, para o que diz respeito ao primeiro casamento da moça, família de origem, mas era mais condizente com o que se pensava era bastante limitado para ela. Conforme a Digesta de Justiniano acerca do que era o Historiador Pierre Grimal nos dá indica: uma explicação para tal ocorrência: "A moça que não se opõe explicitamente à von- "A criação de um casamento sem manus, tão tade do pai é considerada concorde. Só se importante na evolução dos costumes romanos, é permite que uma jovem tenha opinião diferente atribuída pela tradição aos decênvirus que em daquela que de seu pai quando este escolhe para meados do século a.C. redigiram as leis das XII seu noivo um homem indigno ou portador de talvez seja até mais antiga, tendo os alguma decênvirus se limitado a incluir em seu código um estado de fato. Muito provavelmente esse regime 141 amor em Roma. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 74 e 142 Ulpiano, Dig. 143 Celso, 23, 2, 22. 140 Ulpiano, Régulaae, 5, 3-5 d. 144 Digesto apud P. Op. cit., p. 91.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil A questão que vale a pena levantar é como uma menina poderia obter informações sobre seu noivo ou como teria forças para desafiar o te; mas se cometesses adultério [...] ela não pai, mesmo seu noivo sendo um contumaz apreciador de contatos ousaria tocar-te nem com a ponta do dedo, e aliás moralmente discutíveis? não teria tal casamento era permitido para rapazes a partir dos quatorze 3.6.3. Divórcio anos e para moças a partir dos doze, mas o noivado poderia ocorrer antes dessa idade e não raramente, no caso das meninas, havia a casamento na História de Roma jamais foi Mesmo consumação pela coabitação com o noivo, mesmo antes do porque, se um povo considera que o matrimônio baseia-se no con- sentimento, ainda que relativo, a indissolubilidade deste é inimaginá- "Para designar a jovem que em função da idade vel. Somente na época dos Imperadores cristãos foram introduzidas não podia ser considerada legalmente casada limitações ao divórcio, mas sem nunca aboli-lo. mas fisicamente já era esposa, os juristas usam Já o Direito Romano arcaico previa o divórcio. Ele era praticado perífrases como in domum deducta, que através de formas solenes: a diffarreatio e a remantipatio. No casa- foi conduzida à casa', ou loco nuptae, 'aquela que mento sine manu, essa dissolução era ainda mais fácil. Podia ocorrer tem posição e função de esposa."145 através do divortium comuni consensu se houvesse acordo entre as A justificativa para tal ação, que nós hoje consideraríamos partes, ou por repudium, no caso de vontade unilateral. pedofilia e condenaríamos com veemência, não é menos nobre que o No início da História romana, o divórcio somente podia ocorrer por ato. Plutarco, escrevendo sobre a vida de Numa, afirma que seu herói é vontade do marido, mesmo assim se ele convocasse o Tribunal Familiar louvável por ter autorizado os romanos a esposarem meninas de doze e, portanto, tivesse algo contra a esposa. Esta, por sua vez, somente anos ou até menos, porque, assim, ele afirma: a "noiva traz a maior descasava-se no caso de perda da cidadania do esposo; é importante pureza possível no corpo e no caráter" e, dessa maneira, as mulheres notar que não era, nesse caso, divórcio, mas, sim, dissolução do ficariam moldadas aos seus casamento. Havia uma série de impedimentos para o casamento entre as Com o passar do tempo as justificativas dadas ao Tribunal Familiar quais podemos listar: a loucura, a consanguinidade (em linha reta sem eram cada vez mais tolas, e passou a ser possível divórcio sem qual- quer motivo. O casamento sine manu deu às mulheres a mesma possi- restrições e na linha colateral até o terceiro grau), o parentesco adotivo, bilidade. historiador Carcopino, muitas vezes um tanto moralista, a diferença de "camadas sociais" (libertos e ingênuos ou qualquer um lamenta a possibilidade de múltiplos divórcios entre os romanos, com uma mulher "infame", por exemplo), condição de soldado em indicando que, muitas vezes, eles eram ocasionados por interesse. campanha, ser tutor e pupila, o fato de já ser casado(a). último impedimento apontado impõe juridicamente a monoga- "[...] Na época de Cícero, o divórcio pelo con- mia para o casamento romano, mas, de fato, essa monogamia era rela- sentimento dos cônjuges ou pela vontade de um tiva, visto que não era rara a presença de concubinas dentro de casa, e só tornou-se moeda corrente das relações o adultério era somente mal visto e criminoso para a esposa. Nas pala- familiares. Já velho, Sila casou-se pela quinta vez vras do Censor Catão: com uma jovem divorciada, Valeria, meia irmã do orador Hortênsio. Duas vezes viúvo [...] Pompeu "Se surpreendesses sua mulher em adultério, divorciou-se duas vezes, antes da primeira e poderias matá-la sem julgamento e impunemen- depois da segunda: de Antistia, cuja mãe havia pedido para obter o favor do pretor, do qual 145 GRIMAL, P. Op. cit., p. 95. 146 Ibidem, passim. 147 CATÃO apud GRIMAL, Op. cit., p. 117. 102</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil dependia a posse de sua imensa fortuna paterna, Para a adoção em Roma, havia duas formas: a adrogatio e a mas cujas amizades ameaçavam prejudicar-lhe a adoptio. A adrogatio era a adoção de um pater familias por outro (le- carreira política; e de Múcia, cuja conduta deixara vando, obviamente, todos os seus dependentes e seu patrimônio), a a desejar durante a longa ausência do marido em adoptio era a adoção de um indivíduo sui Para a adoção, não havia campanhas além-mar. Viúvo de Cornélia, César limite de idade, mas exigia-se que o adotante fosse mais velho que o repudiou Pompéia a quem esposara após a morte adotado. "Adoptio naturam imitatur et pro monstro est, ut maior sit de Cina, pela simples razão de que, embora filius quam pater" A adoção imita a natureza: seria monstruoso que o inocente, a mulher de César não deveria ser sus- filho fosse mais velho que o peita. virtuoso Catão, o jovem, separou-se de mulheres era proibido adotar a não ser quando perdiam seus Márcia e não se envergonhou de esposá-la nova- próprios filhos e obtinham permissão especial para isso: mente quando a fortuna que ela possuía somou- se a de Hortênsio, com quem Márcia entrementes "Feminae adoptare non possunt, quia nec natu- casara-se e do qual era viúva [...]."148 rales liberos in sua potestate habent: sed ex indul- géntia principis in solatium liberorum amissorum, 3.6.4. Dote possunt." As mulheres não podem adotar, pois tampouco têm sob seu poder os filhos naturais: Dote é uma instituição que, até poucos séculos atrás, era primor- todavia, por indulgência do príncipe e para con- dial para a realização de um Ele pode ser definido como solo dos filhos perdidos, o conjunto de bens que a noiva, por si mesma ou através de outros, traz para o marido para sustentar o ônus do matrimônio. 3.7. Tutela e Curatela Esses bens são dados ao marido para que este os administre e, conforme o Direito Romano evoluiu, quando da dissolução do casamen- Tanto a tutela quanto a curatela têm por finalidade dar meios para to, este deveria ser devolvido. que uma pessoa sem condições de fazê-lo sozinha possa ter os seus São modos de constituição do dote a dotis datio (efetiva entrega bens cuidados. Dessa forma, podemos afirmar que ambas têm relação de bens ao marido), a dotis dictio (promessa de entrega), a dotis pro- com o problema de capacidade para a prática de atos missio (consta de uma stipulatio, em virtude da qual o constituinte do A tutela existia pela incapacidade por idade ou sexo e visava dote se obriga a transferir os bens posteriormente, substituiu a dotis proteger os interesses da família. A curatela visava cuidar de interes- dictio). ses patrimoniais em casos excepcionais de incapacidade como loucura, prodigalidade etc. 3.6.5. A Adoção 3.7.1. Tutela A adoção em Roma era corriqueira e bastante aceita pela socie- dade; aliás, esta era considerada uma forma de imitar a natureza no Podiam ficar sob tutela os impúberes e as mulheres sui iuris. tocante à procriação. "Adoptio est legitimus actus, naturam imitans, tutor podia ser um parente agnatício próximo (tutela legitima), ou ser qui liberos nobis quaerimus." A adoção é um ato legal, que imita a nomeado por testamento (tutela testamentária) ou ainda ser nomeado natureza, com o qual podemos adotar filhos como seus. pelo pretor (tutor dativus). Uma mulher não poderia ser tutora, a não ser em casos excepcionais: 148 CARCOPINO, J. Roma no apogeu do Império. São Paulo: Cia. das Letras/Círculo do Livro, 1990, p. 121. 151 Instituta 1, 11, 4. 149 Em algumas sociedades atuais, o dote ainda é pressuposto para o casamento. 152 Instituta 1, 11, 10. 150 Instituta 1, 11. 153 MARKY, Op. cit., p. 168.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil "Feminae tutores dari non possunt, quia id munus indivíduo mentalmente prejudicado. Se houvesse um parente agnado masculorum est, nisi a principe filiorum tutelam próximo, este seria o curador; caso contrário, o pretor nomeava um. Ha- specialiter postulant" As mulheres não podem via também a cura prodigi, que era a curatela dada ao indivíduo que, se tornar tutoras porque essa é uma prerrogativa comprovadamente, esbanjava seus bens; dessa forma, o pródigo ficaria dos varões, a não ser que solicitem especialmen- com sua capacidade de ação limitada, e seu patrimônio estaria defen- te ao príncipe a tutela dos filhos.154 dido. Em casos excepcionais, havia ainda a cura minorum, que era a Exceto o tutor nomeado por testamento, os outros eram obrigados curatela solicitada por menores de 25 anos para abrandar as dúvidas a aceitar o cargo a não ser que provassem idade avançada, ter vários daqueles que receavam contratar com eles por causa da pouca idade. filhos, exercer cargos públicos. Seu dever é explicitado de forma sim- 3.8. Sucessão ples e direta: "Tutoris praecipuum officium est, ne indefesum pupíllum relinquat" primeiro dever do tutor é não deixar o pupilo Intimamente ligada a todas as questões que envolvem a família, A incumbência do tutor era administrar o patrimônio do pupilo, e essa administração deveria ser feita de maneira correta, sempre visan- sua perpetuação e seu patrimônio está a sucessão. A princípio, em do ao interesse da pessoa sob tutela. Em caso de prejuízo ocasionado Roma, somente o sucessor do pater familias tinha direito, porém, com as mudanças estruturais pelas quais passaram não somente a família por ações do tutor, qualquer pessoa poderia denunciá-lo e, se con- denado, seria penalizado com a "Lege rata non habetur romana, mas a sociedade como um todo, essa questão tornou-se mais complexa. auctoritas dolo malo facta" A autoridade do tutor, se exercida com dolo, não se considera ratificada por Os romanos utilizavam a expressão succedere in ius para designar a transmissão de todos os direitos e obrigações do defunto a uma outra A tutela de impúberes e de mulheres era diferente, enquanto a mulher poderia administrar seus próprios bens, ficando o tutor como pessoa, seu sucessor; usavam a palavra hereditas para indicar o pro- um assistente; no caso de impúberes, toda a administração ficava por cesso dessa passagem e seu objeto (geralmente patrimônio) e heredis para indicar herdeiro. "Hereditas nihil aliud est quam successio in uni- conta do tutor que deveria prestar contas de seus atos. "Officio tutoris incumbit etiam rationes actus sui confecere et pupillo reddere" É tam- versum ius, quod defunctus habuerit" a herança não é senão a su- bém dever do tutor prestar contas de sua administração dos bens do cessão na universalidade do direito que o falecido pupilo. Os sucessores naturais eram os filhos, estes eram considerados, mesmo durante a vida de seu pai, como quase Dessa forma, 3.7.2. Curatela durante o período clássico, não se considerava que os filhos herdassem os bens, mas a plena administração dos mesmos. A curatela tem por principal objetivo a proteção do patrimônio do Eram filhos os nascidos em justas bodas e após a morte do pai, a indivíduo, cuja capacidade está deteriorada e não é impúbere ou título sucessório: "Post decem menses mortis natus non admittetur ad mulher. curador tinha por função ou representar o curatelado absolu- legitiman hereditatem" o nascido dez meses após a morte não é tamente incapaz ou assistir relativamente o curatelado dando-lhe, admitido à legitima Eram herdeiros como os filhos biológi- quando convinha, consentimento para a prática de atos jurídicos. os adotados: "Qui adoptatur, iisdem fit agnatus quibus pater ipsius As espécies de curatela distinguiam-se, baseadas no tipo de fuit; et legitmam eorum hereditatem habebit, vel ipsi eius" quem é incapacidade do Havia a cura furiosi, que era a curatela do adotado se torna herdeiro dos mesmos de quem foi seu pai e terá a herança legítima deles (ou eles a dele). 154 Nerácio, Dig. 26, 1, 18. 155 Marcelo, Dig. 26, 7, 30. 156 Terêncio Clemente, Dig. 23, 3, 61. 158 Juliano, Dig. 50, 17, 62. 157 Ulpiano, Dig. 27, 3, 1, 3. 159 Ulpiano, Dig. 38, 16, 3, 11. 160 Ulpiano, Dig. 38, 16, 2, 3.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil 3.8.1. Herança Havia dois tipos de testamento: o testamentum publicum, que era feito publicamente ou perante o comício reunido para esse fim duas usufruto, a posse, o uso, algumas relações obrigacionais (como vezes por ano e era chamado testamentum calatis comitiis ou perante mandato, por exemplo) não eram considerados transmissíveis, bem o exército; e testamentum privatum, no qual o testador passava seu como obrigações delituais, já que "in poenam heres non succedit" o patrimônio a uma pessoa de sua confiança para que esta o transferisse herdeiro não herda a Os demais direitos e obrigações cons- à pessoa designada pelo testador; essa fórmula transformou-se e a tituíam patrimônio pessoa de confiança passou a ser testemunha apenas (junto com Através de um balanço entre o que defunto devia e o que tinha outras seis, já que sete testemunhas era o número exigido para a determinava-se a herança, que, obviamente, poderia ser somente dívi- validade de um testamento). da (chamada damnosa hereditas). "Mais tarde, costumava-se redigir documento es- "No caso de pluralidade de herdeiros, cada um crito do testamento, assinado [por] sete testemu- sucedia ao de cujus no patrimônio todo, sendo os nhas, que se chamava tabulae testamenti septi direitos e obrigações de cada herdeiro limitados signis signatae, a que se juntava, ainda, a forma- apenas pelo concurso dos demais, cabendo a lidade oral [...], porque a validade do testamento todos alíquotas ideais, sem divisão real: concursu decorria exclusivamente desta parte oral, sendo partes fiunt."162 as tabulae apenas elementos de prova do conteúdo verbalmente enunciado no testamento 3.8.2. Testamento [...]."164 Para os romanos, testamento era a expressão de uma vontade Testamentos podiam ser considerados nulos, ineficazes ou ainda unilateral. Um documento no qual o testador indica seu sucessor ou podiam ser revogados. testamento nulo era aquele que era feito por seus sucessores. Até a morte do testador, este era revogável, "poste- um testador sem capacidade para tal ou aquele feito sem alguma riore testamento, quod perfectum est, supérius rúmpitur" com o formalidade exigida ou ainda quando testador desrespeitava os testamento posterior, que se faz legalmente, se anula o anterior.16 direitos de seus descendentes. Para fazer um testamento era necessária a testamenti factio testamento tornava-se ineficaz quando o testador, após a feitura activa, isto é, a capacidade jurídica para testar. Não tinham capacidade do testamento, perdia sua capacidade de testar, quando os herdeiros de fazer testamento os alien (por não terem patrimônio próprio), os não aceitavam a herança ou quando o testamento fosse revogado. Para latini juniani (que morriam como escravos e seu patrimônio era auto- ser revogado, o testamento deveria estar danificado, perdido, destruído maticamente do patrono), os intestabiles (que tiveram essa punição por voluntariamente (pelo testador) ou quando o testador fizesse negarem-se a depor como testemunhas), os incapazes (como os loucos, posteriormente outro. os impúberes, os pródigos). As mulheres, no início da História Romana, também não podiam 3.9. Posse e Propriedade testar, mas essa limitação desapareceu no Direito Ser herdeiro também era uma questão de capacidade jurídica. A principal condição era ser cidadão romano livre e não ser intestabiles. Posse e propriedade podem ser diferenciadas pelo fato de se ter poder jurídico ou poder apenas de fato sobre a coisa. Quando há so- mente posse, a coisa está sob o poder da pessoa, mas esta não tem 161 Marcelo, Dig 39, 1. 22. 162 T. Op. cit., p. 175. 163 Instituta, 2, 17, 2. 164 MARKY, T. Op. cit., p. 182.</p><p>História do Direito Geral e Brasil Flávia Lages de Castro poder jurídico total sobre ela. No caso da propriedade, o indivíduo tem criminoso fosse pego em flagrante e, mesmo assim, os limites da poder jurídico (inclusive de compra, venda, aluguel etc.). represália foram limitados (ou eram baseadas no Princípio da Pena de Para os romanos, poderia se gerar propriedade de várias formas, Talião ou a uma compensação pecuniária). inclusive através da posse. A tomada de posse de uma coisa que não Quanto ao processo e sua evolução na História romana, descreve estivesse sob o domínio de ninguém (animais selvagens, coisas Mirabete: abandonadas, bens de inimigos de Roma) geraria a propriedade; isso Em Roma, a separação entre delicta publica (cri- era chamado occupatio. Poderia se adquirir também a propriedade por mes contra a segurança da cidade, parricidium transferência da mesma, por usucapião, por compra, por herança etc. etc.) e delicta privata (infrações menos graves) determinava também a distinção dos órgãos 3.10. Delitos competentes para julgamento. Quanto aos últi- mos, os Estado era o árbitro para solucionar No início da História de Roma, não havia limites para a represália litígio entre as partes, decidindo de acordo com quando um indivíduo cometia um crime. Era de livre vontade do ofen- as provas por elas apresentadas. Com o passar dido a vingança, embora atenuando esse fato houvesse outro: não dos anos, porém, o processo penal privado foi tinham, os romanos, a nítida distinção entre punição e ressarcimento. abandonado quase totalmente. No processo Para os romanos, o crime era definido em uma só palavra: penal público, ao contrário, ocorreu a evolução. appellatione omne delictum continetur" Na palavra 'noxa' Da ausência de qualquer limitação ao poder de está compreendido todo tipo de delito (Noxa= dano, delito, julgar existente no começo da monarquia, em que nenhuma garantia era dada ao acusado (cognitio) E, para eles, não poderia um indivíduo pagar pelo crime de outro. passou-se com a Lex Valeria de Provocatione ao "Peccata suos teneant auctores" Os crimes só atingem aqueles que o ad populum, em que o condenado cometeram. Bem como, consideravam que o fato de uma pessoa podia recorrer da condenação para povo reu- calar não significava necessariamente uma confissão de culpa: "Qui nido. Já na República surgiu a justiça centurial, tacet, non utique fetetur: sed tamen verum est, eum non negare" em que as centúrias, integradas por patrícios e plebeus, administraram a justiça penal em um Quem cala nem sempre confessa. Contudo, certo é que não procedimento oral e público e, excepcionalmente, Previam também a legítima defesa: "Quod quisque ad tutelam o julgamento pelo senado que a podia delegar corporis sui fecerit, id fecisse existimatur" que cada um fez para aos questores. Já no último século da República proteger o próprio corpo julga-se que haja feito com todo surgiu nova forma de procedimento: a accusatio, Portanto, fica bastante clara a noção acentuada de justiça dos ficando a administração da justiça a cargo de um romanos. Para ratificar esse objetivo, pode ser citada uma frase de tribunal popular, composto inicialmente por Ulpiano, que dizia: "Satius est impunitum relinqui facinus nocentis senadores e, depois, por cidadãos. No Império, a quam innocentem damnari" Mais vale deixar impune o culpado que accusatio foi pouco a pouco cedendo lugar a outra condenar o forma de procedimento: a cognitio extra ordinem, Com o fortalecimento do Estado foram estabelecidas condições processo penal extraordinário a cargo, no início, para o exercício da vingança. Esta somente poderia ser efetuada se o do senado, depois ao imperador e, finalmente, outorgado ao praefectus urbis. Os poderes do 165 Gaio, Dig. 50, 16, 238, 3. magistrado, diz Mazini, foram invadindo a esfera 166 Códex, 9, 47. 22. de atribuições já reservadas ao acusador privado 167 Paulo, Dig. 50. 17, 142. a tal extremo que, em determinada época, se 168 Florentino, Dig. 1, 3. reuniam no mesmo órgão do estado (magistrado) 169 Ulpiano, Dig. 48, 19, 5, pr.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil as funções que hoje competem ao Ministério completa, mas eles indicam que se preocuparam em pensar, mini- Público e ao Juiz. Fez-se introduzir, então, a mamente, o tema. tortura do réu e mesmo de testemunhas que Os impúberes eram considerados, dependendo do caso, como depusessem falsamente e a prisão sendo semi-imputáveis, porque, embora não lhes fossem atribuídas as Pode-se apontar tal procedimento como a base penas mais severas, o ressarcimento era sempre exigido. No Digesto primordial do chamado Sistema lemos: "Os impúberes não sejam torturados: costumam somente ser 3.10.1. Causalidade assustados e ser batidos com uma correia ou vara." De qualquer maneira, a pena de morte nunca era aplicada a uma criança. Os mentalmente incapacitados eram subdividos em categorias: os Causalidade é o nexo subjetivo que liga o delito ao seu autor e furiosis e os demens. Os primeiros seriam os doentes agitados, mas manifesta-se de duas formas: dolo ou culpa. Os romanos levavam em com intervalos de lucidez, os demens seriam aqueles constantemente consideração a intenção conforme pode-se atestar na Lex Numae: "Se em privação do uso total de sua capacidade mental, totalmente débil e, alguém matou um homem com prévia intenção, é homicida." portanto, sem exercer qualquer tipo de possibilidade de perigo para a Jurisconsulto Numa indicava que: "Se alguém matou um homem sociedade. imprudentemente, aos agnados do morto será oferecido em compen- No caso dos demens não lhes era atribuída imputabilidade no caso sação um carneiro perante a assembléia." Tomando essa máxima de de crimes e os furiosis, somente em crimes violentos ou de roubo. Estes Numa e a Lex Numae, pode-se concluir que diferenciavam dolo e culpa. não eram, segundo acreditavam os romanos, capazes de crimes de Além de um delito poder ser doloso, intencional, os romanos inteligência como falsificações, por exemplo. Os furiosis, quando come- indicavam que poderia ainda ser pior, poderia se cometer um delito tiam um delito, ou tinham a possibilidade de fazê-lo, eram acorren- com fraus, que significa falta consciente de respeito à lei. tados. Essa graduação do delito, baseado na intenção, pode ser vista no A ignorância da lei não gerava imputabilidade, mas a ignorância Digesto, que indica: "O divino Adriano decidiu em um rescriptum que do fato, sim. Por exemplo, uma mulher que se casasse novamente cren- aquele que matou um homem, se não o fez com intenção de matar, do que marido anterior estivesse morto, e este não estivesse não pode ser absolvido. E aquele que não matou um homem, mas feriu, com poderia ser acusada de adultério. intenção de matar, deve ser condenado como homicida; e segundo os casos deve ser determinado isto: se tomou a espada na mão e nele 3.10.3. Extinção da Punibilidade golpeou, incontestavelmente o fez com intenção de matar; mas se em uma rixa feriu com uma chave ou marmita, embora tenha golpeado com A Pena era extinta se o culpado cumprisse a pena (por exemplo, instrumento de ferro, não o fez, contudo, com a intenção de matar. um advogado que recebesse como pena a impossibilidade de advogar, Deduz-se que deve ser mitigada a pena daquele que, numa rixa, poderia voltar a fazê-lo depois do tempo estipulado), se obtivesse o cometeu um homicídio mais por causalidade que por vontade." perdão, se recebesse a abotio que consistia em extinguir temporaria- mente a ação penal em curso por ocasião de alguma solenidade (a 3.10.2. Imputabilidade ação poderia ser retomada após findo prazo), se crime prescre- vesse (para o homicídio não havia prescrição) e por morte do que Imputabilidade é a aptidão do indivíduo para praticar atos com cometeu delito. discernimento. No Direito Romano, não há uma definição doutrinária Codelinquência Os romanos previam a colaboração para cometer crimes e a punia 170 MIRABETE, J. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34. da mesma forma que era punido que cometeu delito.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil 3.10.5. Retroatividade da Lei Penal cálculo do valor do dano, no período clássico, ao invés de um valor objetivo, calculava-se dano efetivo material (damnum que hoje é inconcebível, para os romanos não o era. Era comum emergens) e a perda do lucro advinda do dano (lucrus cessans). que crimes pudessem receber pena, mesmo que a lei fosse posterior ao Injúria: "Iniuriam accipiemus, damunum culpa datum etiam ab ato. eo, qui nocere noluit" Consideramos injúria o prejuízo causado por culpa, ainda que não houvesse intenção de No Alguns Delitos período clássico, por meio de uma ação chamada actio iniuria- rum, o ofendido poderia pedir indenização pela ofensa sofrida. Havia distinção entre delitos públicos como traição (perduellio), Dolo: o pretor Aquilio Galo introduziu essa inovação no Direito homicídio (parricidium) e incêndio e delitos privados que eram o Romano. dolo é apontado como sendo todo comportamento furto, o roubo, o dano injustamente causado, a injúria, o dolo, a coação, desonesto com a finalidade de induzir um indivíduo a erro. A quase delictus.171 Ulpiano afirmava: parte lesada poderia entrar com uma actio dolo contra ofensor para obter ressarcimento do dano sofrido. dolo era conside- "Hoc iure utimur: ut quidquid omnino per vim rado um delito bastante grave: "Dolus omnimodo Fiat, aut in vis publicae, aut in vis privatae crimen dolo deve ser punido por todos os meios.175 incidat" Nós usamos este princípio em direito: Coação: é o ato de um indivíduo compelir outro a práticas de tudo aquilo que se faz com violência cai, ou no atos jurídicos mediante violência. Esta pode ser física (também delito de violência pública, ou no de violência chamada absoluta) ou moral (chamada compulsiva). ofendido privada. teria, como ação penal, uma actio quod metus causa contra o autor da violência. Furto: entendido como apropriação da coisa alheia sem uso de violência. No início do Direito Romano, tinha como pena a possi- Quase Delictus: pode ser definido como quase delito, ou como bilidade de o ladrão, pego em flagrante, ser punido fisicamente um delito que foi ocasionado de forma culposa, ou seja, sem inten- (ser morto ou reduzido à condição de escravo). Mais tarde, o ção, mas que poderia ter sido evitado. Eram agrupados em furto passou a gerar direito de o ofendido exigir uma multa effusum et deiectum (atirar objetos de um edifício sobre a via pecuniária que poderia ser o dobro, o triplo ou o quádruplo do pública), positum et suspensum (colocar objeto pendurado em um valor da coisa furtada. edifício com a possibilidade de e causar dano), exercitor navis Roubo: pela definição do jurisconsulto Paulo "Fur est qui dolo aut caupónae et stabuli (responsabilidade de proprietários de malo rem alienam contrectat" Ladrão é aquele que se apropria navios, hospedarias e estábulos em relação às coisas dos clientes) dolosamente da coisa Para a pena seguia-se a mesma e si iudex litem suam fecerit (se juiz julgou mal o tendência de cobrar do ladrão, a título de pena, uma multa cujo 3.11. Estudo do Direito e os Advogados em Roma montante poderia ser até o quádruplo do valor da coisa rou- bada. Quando se trata de educação em Roma, é necessário salientar Dano: quando causado injustamente, era cobrado do indivíduo que, antes das influências dos povos conquistados, todo o ensino, fosse que cometeu delito que esse reparasse que causou. No ele básico ou superior, era basicamente per exemplo, ou seja, o in- 171 o empréstimo de dinheiro a juros era considerado delito, mas houve se este delito era privado ou público. A Lex Genucia de 342 a.C. considerava delito público, a 174 Ulpiano, Dig. 9, 2, 1. Lex Márcia de Fenore, de 104 a.C., considerava delito privado. 175 Nerácio, Dig. 44, 4, 10. 172 Ulpiano, Dig. 50, 17, 152. 176 VALLE, Gabriel. Dicionário de expressões jurídicas 2. ed. Campinas: 173 Paulo, Sententiae, 2, 31, 1. Capola, 2002, p. 305.</p><p>Flávia Lages de Castro História do Direito Geral e Brasil divíduo era educado seguindo o exemplo de seu pai, ou de um tutor por Esse casamento entre a advocacia, seu exercício e a política eram ele indicado. bastante intensos na Roma Republicana, visto que a Lex Cincia de 304 método do ensino do Direito, a princípio, era essen- a.C. proibia o recebimento de honorários (ao menos oficialmente); o cialmente prático. Era chamado de respondere audire: os jovens assis- apoio eleitoral advindo através de uma boa carreira no fórum era uma tiam às consultas que o mestre dava a seus clientes e às minuciosas excelente recompensa. Com o Império, a carreira política perdeu sua explicações que este lhes administravam sobre cada importância e logo em seu início o Imperador Cláudio (séc. I d.C.) Com o passar do tempo, principalmente a partir do primeiro século permitiu os honorários advocatícios, mas dentro de limites pecuniários. antes de Cristo, o ensino prático do Direito passou a ser complemen- Portanto, somente após Cláudio, podemos considerar a advocacia em tado por um ensino sistematizado. Segundo Marrou: Roma como uma profissão. A popularidade dos advogados em Roma era tanta quanto os "[Utilizando] todos os recursos da lógica grega, o próprios litígios, que reuniam uma multidão tão ávida de diversão Direito Romano se esforça, desde então, por se quanto aquela que frequentava o circo. apresentar aos iniciantes sob a forma de um cor- po de doutrina, de um sistema constituído por um "Durante duzentos e trinta dias [por ano], para as conjunto de princípios, de divisões e classifica- instâncias civis, em todo o tempo para os pro- ções apoiadas sobre uma terminologia e em cessos criminais, a urbs se consumia com a febre definições judiciária que se apoderava não só dos litigantes ou dos acusados, mas também de seus advo- Quanto mais cresceram a influência e o poder (no tocante ao gados e da multidão de curiosos imobilizados Direito, principalmente) dos Jurisconsultos, mais o estudo do Direito durante horas à volta dos tribunais pela avidez do adquiriu maior importância e maior atenção da sociedade e do Estado. escândalo ou pelo gosto das controvérsias Os escritórios dos Jurisconsultos eram, ao mesmo tempo, lugares de oratórias."179 consultas jurídicas e escolas públicas de Direito. Essas escolas situa- vam-se, geralmente, perto dos templos para que se pudesse aproveitar os recursos das bibliotecas que eram anexas aos templos. Não se pode, com isso, confundir e o orator. Ambos eram advogados, mas um era especialista no Direito e a ele cabia estudar aspecto jurídico das controvérsias, e o outro era o que estava em juízo lutando pelo seu cliente. Ser advogado em Roma era quase uma tendência natural, visto que os romanos, durante todo o longo período republicano, pelo menos, tinham um imenso apreço pela oratória, que consideravam como arte e como algo a ser cultivado e admirado. Os maiores vultos da política republicana foram, campeões da vida Em ambas as funções a oratória era ferramenta primordial. Afirmava Ulpiano: "Melius est sensum magis quam verba amplecti" o melhor é ao sentido das palavras que ao 177 MARROU apud Giordani, M. História de p. 268. 178 Ulpiano, Dig. 34, 3, 9. 179 J. Op. cit., p. 225.</p>