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<p>Bateria Fatorial de BFP Personalidade Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes Claudio Simon Hutz Maiana Farias Oliveira Nunes Venda restrita a psicólogos mediante apresentação do CRP, Correção de acordo com a lei federal n° 4.119/62. Informatizada via Web GRATUITA R Casa do Psicólogo</p><p>Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes Claudio Simon Hutz Maiana Farias Oliveira Nunes BATERIA FATORIAL DE PERSONALIDADE (BFP) MANUAL TÉCNICO Casa do Psicólogo</p><p>Apresentação A Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) é um instrumento psicológico construído para a avaliação da personalidade a partir do modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), que inclui as dimensões: Extroversão, Socialização, Realização, Neuroticismo e Abertura a experiências. A ba- teria foi desenvolvida no Brasil, levando em conta a linguagem falada no país, os valores culturais, as diversidades regionais e especificidades dos quadros clínicos na nossa realidade. Essas caracte- rísticas, portanto, diferenciam a BFP de outros instrumentos para a avaliação da personalidade desenvolvidos em outros países e adaptados para o Brasil. A BFP foi elaborada a partir da seleção dos itens com as melhores propriedades psicométricas das escalas individuais para a avaliação dos cinco fatores, a saber: a Escala Fatorial de Neuroticismo (Hutz & Nunes, 2001), a de Extroversão (Nunes & Hutz, 2007a), a de Socialização (Nunes & Hutz, 2007b), a de Abertura e a de Realização (pesquisas em andamento). Pesquisas utilizando a BFP estão sendo realizadas em vários contextos e seus resultados serão disponibilizados por meio de artigos em revistas científicas da área. Além disso, será mantida uma listagem atualizada de trabalhos com a escala no site Encontram-se na literatura nacional e internacional (Jain, Blais, Otto, Hirshfeld & Sachs, 1999; Trull & McCrae, 2002; Widiger & Frances, 2002; Widiger, Trull, Clarkin, Sanderson & Costa, 2002; Cassito, Fattorini, Gilioli, Rengo & Gonik, 2003; Ross, Rausch & Canada, 2003; Laak et al., 2003; Bozionelos, 2004; Friborg, Barlaug, Martinussen, Rosenvinge & Hjemdal, 2005; Saito, Nakamura & Endo, 2005; Ghorbani & Watson, 2005; Ávila & Stein, 2006; Yoshida, 2006; Maciel & Yoshida, 2006; Nunes, Nunes & Hutz, 2006; Joly, Nunes & Istome, 2007) pesquisas que indi- cam a utilidade de instrumentos para a avaliação da personalidade no modelo dos Cinco Grandes Fatores para: 1. Pesquisa 2. Avaliações clínicas e psicodiagnóstico 3. Avaliações no contexto da psicologia do trabalho e organizacional 4. Avaliações de triagem em instituições de saúde 5. Orientação profissional 6. Psicologia forense 7. Psicologia escolar e educacional 8. Avaliação neuropsicológica Tais pesquisas serão oportunamente discutidas nas seções referentes à apresentação dos res ou na interpretação dos resultados da BFP Este manual está organizado em seções: a. modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade: apresentação dos teóricos e conceituais sobre o modelo e seus componentes;</p><p>Bateria Fatorial de Personalidade BFP 14 b. A construção da BFP: descrição do processo de seleção dos itens e das instruções da bateria, bem como seu aprimoramento; C. Estudos de Validação da BFP: descrição dos estudos realizados até o momento para a verificação de evidências de validade da bateria. Inclui estudos sobre sua estrutura inter- na, sua relação com outros construtos e com variáveis externas. d. Aplicação e levantamento da BFP: são detalhados os procedimentos para a aplicação da bateria, assim como as etapas necessárias para o levantamento dos escores brutos e sua conversão para pontos percentílicos e escores t; e. Interpretação da BFP: informações sobre possíveis interpretações para os escores ge- rais de Extroversão, Socialização, Realização, Neuroticismo e Abertura a experiências, como também de suas facetas; f. Referências normativas para interpretação da BFP: tabelas para conversão em pon- tos percentílicos dos fatores e facetas do teste.</p><p>O modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade O modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), referido na literatura como Big Five ou Five Factor Model, tem sido amplamente pesquisado por representar uma possibilidade de descrição da personalidade de forma simples, elegante e econômica. A grande aceitação deste modelo deve- se também ao acúmulo de evidências de sua universalidade e aplicabilidade em diferentes contex- tos. Embora a denominação dos fatores ainda não seja consensual, os traços de personalidade e sua forma de agrupamento são equivalentes nas diferentes abordagens do Modelo. Em sua formu- lação atual, o modelo dos CGF propõe fatores denominados Extroversão, Socialização, Realiza- ção, Neuroticismo e Abertura a novas experiências. O fator Socialização (Agreeableness, em inglês) tem sido também traduzido como Agradabilidade. Nossa escolha pelo termo Socialização reflete o entendimento de que esta palavra descreve com mais precisão, pelo menos em o construto avaliado pelo fator. O modelo dos CGF tem origem em um grande conjunto de pesquisas na área da personalida- de, envolvendo especialmente as teorias fatoriais e as de traço. Esta abordagem inicia-se com McDougall, que, pela primeira vez, apresentou uma explicação teórica da personalidade a partir de cinco fatores. Esse trabalho inspirou Thurstone (1934) a desenvolver pesquisas para verificar empiricamente a adequação do modelo, constatando já na década de 1930 a sua viabilidade. No entanto, foram necessários cinquenta anos para que os pesquisadores da personalidade dessem a devida atenção ao modelo, considerando-o um vantajoso campo de trabalho para suas pesquisas. Digman (2002) aponta para as possíveis causas do reconhecimento tardio da validade dos CGF. Uma delas é que a análise fatorial, antes do desenvolvimento de computadores e softwares específicos, era muito difícil de ser realizada com precisão; além disso, representava um trabalho que demandava bastante tempo. "A simples análise de 30 variáveis era uma tarefa desanimadora que poderia requerer muitas semanas de trabalho árduo e repleto de chances de erros de cálculo a cada momento" (p. 13). O estudo de Thurstone, que verificou a adequação do modelo de cinco fatores de McDougall (1932), baseado em uma amostra de aproximadamente mil pessoas que foram avaliadas a partir de 60 variáveis, permaneceu sem replicação por muitos anos. Nenhuma pesquisa desta magnitude foi realizada até Cattell (1947) empreender seus estudos nas décadas seguintes. Outra possível razão para o reconhecimento tardio dos CGF é que Thurstone, como muitos outros pioneiros do Modelo, não seguiu pesquisando na área da personalidade, mas voltou-se para outras áreas principalmente no campo da inteligência. Talvez se ele tivesse levado adiante seu trabalho referente à personalidade e escrito sobre as implicações das suas descobertas, hoje o Modelo seria internacionalmente conhecido como "Cinco Fatores de Thurstone" (Digman, 2002). Alguns anos depois, Fiske (1949), Tupes e Christal (1961; 1992) e Borgatta (1964) publica- ram resultados de pesquisas com descritores de traços de personalidade que corroboraram e es- tenderam os achados de Thurstone. No entanto, por terem outros interesses de pesquisa, nenhum desses autores levou adiante trabalhos na área da personalidade, e suas publicações iniciais ficaram</p><p>16 Bateria Fatorial de Personalidade BFP isoladas. O trabalho de Tupes e Christal, realizado no início da década de 1960, é reconhecido hoje como um importante marco para o desenvolvimento do modelo CGF. Eles analisaram 30 escalas de Cattell utilizando pela primeira vez um computador para realizar análises fatoriais; os resultados mostraram que uma solução de cinco fatores seria a mais adequada. Esse trabalho foi originalmente publicado como um relatório para a Força Aérea Americana e permaneceu relativa- mente desconhecido pela comunidade científica por muitos anos. Um terceiro motivo para a recepção tardia do modelo é decorrente da concepção que os psicólogos da época tinham sobre o campo da personalidade. Uma revisão dos manuais publica- dos nos últimos 60 anos indica que a área da personalidade desenvolveu-se muito no campo teóri- co, porém com escassa fundamentação em pesquisas sistemáticas. Digman (2002) aponta também que a área de pesquisa da personalidade conhecida como "abordagem fatorial", dominada pelo trabalho de Cattell (1947; 1948; 1965), Eysenck (1947; 1970) e, em algum grau, por Guilford (1959), não foi conclusiva para os pesquisadores da perso- nalidade e os demais pesquisadores por um bom motivo. "Existem 16 ou mais fatores? Ou somente 3? Seria fator Extroversão de Cattell mesmo do sistema de Guilford? Como pode a aplicação de uma técnica pa- dronizada em estatística, como a análise fatorial, produzir sistemas tão diferen- tes? (...) Como podem três investigadores renomados, usando as mesmas técni- cas, chegar a três sistemas tão diferentes?" (p. 13). A partir da década de 1950, é possível observar que, enquanto os livros-textos devotavam espaço para os sistemas de Cattell e Eysenck como representantes das teorias fatoriais, uma série de estudos foi lentamente construindo uma reputação sólida, baseada em dados empíricos, a favor dos CGF. Eles incluem o trabalho de Fiske (1949), Tupes e Christal (1961; 1992), Norman (1963), Borgatta (1964) e Norman e Goldberg (1966). Todos esses trabalhos chegaram a resultados muito similares, embora tenham sido conduzidos independentemente, geralmente sem uma expectativa prévia dos resultados. O estudo de Fiske um dos mais conclusivos a favor do modelo dos CGF foi feito em conjunção com o projeto de seleção do Michigan Veterans Administration (Kelly & Fiske, 1951). Cattell serviu como consultor para esse projeto, no qual 22 das suas escalas de avaliação foram utilizadas. Os candidatos foram avaliados por pares, por avaliadores profissionais e por eles mes- mos, utilizando questionários de autorrelato. Fiske realizou as análises fatoriais de três conjuntos de correlações e, como Thurstone, encontrou evidências de que uma solução de cinco fatores era a mais adequada. Em muitos aspectos, a sua interpretação desses fatores não foi muito diferente das interpretações atuais. Porém, apesar do resultado obtido na pesquisa, seu impacto na área não foi muito grande. Outro consultor do projeto, Tupes, usou subsequentemente 30 das escalas de Cattell em um estudo para as Forças Aéreas Norte-americanas. A análise dos dados sugeriu que cinco fatores abrangentes seriam suficientes para uma solução fatorial adequada (Tupes & Christal, 1961; 1992). Com o objetivo de replicar tais resultados, os pesquisadores reavaliaram as correlações de Cattell e Fiske e concluíram que estas apresentavam grande concordância com as análises dos seus dados. Essa não apenas se dava com respeito ao número de fatores, mas o seu conteúdo era virtualmente o mesmo. Tupes e Christal (1961; 1992) denominaram esses cinco fatores como Surgency (ou Extroversion), Agreeableness, Conscientiousness, Emotional Stability e Culture.</p><p>Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes, Claudio Simon Hutz, Maiana Farias Oliveira Nunes 17 Depois disso, Norman (1963), com base em parte das escalas de Tupes e Christal (1961; 1992), relatou uma replicação bem sucedida de seus resultados. Borgatta (1964), usando como referência os resultados apresentados por Tupes e Christal, selecionou um conjunto de descritores de comportamentos, que foram usados para avaliar as interações de um grupo de discussão. A realização de uma análise fatorial com os dados coletados gerou uma solução de cinco fatores muito similares em conteúdo aos obtidos por Tupes e Christal. O único fator com relativa diferença entre os autores foi "Cultura", o qual Borgatta achou que estaria melhor representado como "Inte- ligência" ou "Intelecto". Digman (2002) indicou que, a partir da década de 1960, os elementos necessários para o desenvolvimento do Modelo estavam presentes e claramente definidos, incluindo a proposta dos cinco fatores de McDougall, que foram verificados por um estudo pioneiro desenvolvido por Thurstone, considerado um dos principais psicometristas da sua época. Tais resultados foram cor- roborados por quatro estudos independentes, todos com alto nível de concordância. Apesar disso, até praticamente a década de 1980, poucos investigadores conheciam esses estudos, e os livros- textos tradicionais os ignoravam completamente. Isso deu-se, provavelmente, à grande atenção dada ao behaviorismo, nas décadas de 1960 e 1970, o que minimizou a realização de pesquisas sobre temas como a personalidade ou a avaliação psicológica. Outro provável fator foi o distanciamento entre os psicólogos sociais e os que trabalhavam com a avaliação da personalidade os primeiros aparentemente dando uma importância muito maior aos fatores situacionais que podem determinar os comportamentos em contraposição aos traços de personalidade, que eram trabalhados pelos últimos. De forma geral, pode-se dizer que o modelo dos CGF desenvolveu-se a partir das pesquisas realizadas na área das teorias fatoriais e das teorias de traços de personalidade; as últimas contribuí- ram muito para o desenvolvimento da sua base teórica. Já as teorias fatoriais contribuíram grandemente sob o aspecto instrumental e metodológico que, de maneira gradual, convergiram para uma solução de cinco fatores. Esse processo deu-se a partir do avanço das técnicas fatoriais e da computação, além da elaboração de métodos mais sofisticados de localização e extração de fatores, que acabaram dando respaldo a essa forma de organização e explicação da personalidade. Embora o modelo dos CGF tenha se desenvolvido a partir de metodologias empiricistas, ele tem se mostrado capaz de explicar resultados obtidos em testes criados a partir de diversos mode- los teóricos de personalidade. Esta "tradução" de instrumentos com forte embasamento teórico para o modelo dos CGF tem permitido uma compreensão mais profunda do que representam esses fatores, uma comparação sistemática de diversos construtos que são avaliados por diferentes instrumentos e um melhor entendimento das suas diferenças e semelhanças. Outro ponto que tem chamado atenção em relação aos CGF vem de estudos transculturais, realizados para verificar se o Modelo pode ser replicado em diferentes línguas e sociedades. McCrae e Costa (1997), usando a versão adaptada do NEO-PI-R (um instrumento para a avaliação da personalidade a partir do modelo dos CGF, desenvolvido nos Estados Unidos) para seis línguas diferentes (alemão, português, hebreu, coreano e japonês), constataram que, em todas as versões, o instrumento indicou a replicabilidade do modelo dos CGF. Com base nesses resultados e em um acúmulo substancial de outras evidências, foi proposta a hipótese de universalidade dos CGF. McCrae e Costa (1997) atribuem tal universalidade à exis- tência de um conjunto de características biológicas da nossa espécie, representadas por traços, ou simplesmente uma consequência psicológica das experiências humanas compartilhadas na vida em</p><p>Bateria Fatorial de Personalidade BFP 18 grupo. Essa compreensão aproxima-se ao conceito proposto por Allport (1961) de traços co- muns, que representam aspectos da personalidade humana compartilhados pela grande maioria das pessoas de uma dada cultura. O modelo dos CGF parece ser uma forma eficiente de agrupa- mento de traços comuns muito gerais, observáveis em todas as culturas. Se assim for, as diferenças culturais possivelmente estarão representadas numa camada mais baixa deste modelo, nos subfatores das escalas e nas suas especificidades. Quanto à utilização do modelo em populações específicas, as pesquisas mais recentes têm verificado que o modelo dos CGF é capaz de explicar transtornos de personalidade usualmente identificados na prática clínica. Há um especial interesse em comparar os resultados obtidos nos instrumentos que avaliam a personalidade pelos CGF com diagnósticos de transtornos de persona- lidade identificados nos manuais psiquiátricos. Widiger, Trull, Clarkin, Sanderson e Costa (2002), por exemplo, elaboraram uma tabela relacionando os transtornos de personalidade listados no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994) aos Cinco Grandes Fatores e suas subdimensões. No Brasil, Nunes, Alves, Tomazoni e Hutz (2001) realizaram um estudo para verificar a validade de critério da Escala Fatorial de Neuroticismo (EFN) em um grupo de pacientes com diagnóstico de depressão. Os resultados demonstraram que a EFN foi capaz de discriminar pacientes com diag- nóstico de depressão de pessoas da população geral. Um estudo semelhante foi realizado para verificar a validade de critério da Escala Fatorial de Socialização (Nunes & Hutz, 2007b), avaliando um grupo de pessoas em tratamento para depen- dência química e outro composto por universitários. Os resultados indicaram que a EFS apresentou uma boa capacidade para identificar diferenças entre os grupos avaliados (Nunes et al., 2006; Nunes, Nunes, Cunha & Hutz, 2009). Trabalhos como esses têm chamado atenção da comunida- de científica, por ampliarem consideravelmente a aplicabilidade de instrumentos gerados a partir do modelo dos CGF. Por que cinco fatores? A descoberta dos cinco fatores foi acidental e constitui-se em uma generalização empírica, replicada independentemente, inúmeras vezes. Como o Modelo não foi desenvolvido a partir de uma teoria, não há, consequentemente, uma explicação teórica a priori e satisfatória dos motivos que levariam a organização da personalidade em cinco (e não em quatro ou sete) dimensões básicas. Alguns autores não consideram que isso seja uma dificuldade para o Modelo. McCrae e John (1992) afirmam que situações similares existem em todas as ciências. Biólogos, por exemplo, iden- tificaram oito classes de vertebrados. A teoria da evolução pode ser usada para explicar o desen- volvimento das classes, mas não há teoria que explique por que os vertebrados se dividem em oito (e não em cinco ou 11) classes. Entretanto, vários autores têm questionado a origem do número de fatores. Como já foi men- cionado, o modelo dos CGF tem origem na análise da linguagem utilizada para descrever pessoas. O uso de descritores de traços (geralmente adjetivos) da linguagem natural tem sido defendido como a melhor estratégia para identificar fatores que permitam entender melhor as características de personalidade (Briggs, 1992). Esse posicionamento decorre da hipótese léxica que afirma que "as diferenças individuais mais significativas nas interações diárias das pessoas são codificadas na linguagem" (Goldberg, 1982, p. 204). Ou seja, se um traço de personalidade produz comporta-</p><p>-</p><p>Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes, Claudio Simon Hutz, Maiana Farias Oliveira Nunes 19 mentos importantes ou relevantes para o grupo ou a comunidade, as pessoas vão querer falar sobre essas características e, consequentemente, vão criar palavras para descrevê-las. McAdams (1992) observou que os cinco fatores se referem a informações fundamentais que geralmente queremos ter sobre pessoas com quem vamos interagir. Anteriormente, Goldberg (1981) também notou que tais fatores sugerem que o desenvolvimento da linguagem em diferentes socie- dades expressa uma preocupação em obter cinco conjuntos de informações sobre pessoas. Apa- rentemente, pelo menos nas sociedades estudadas, as pessoas parecem querer saber se o estra- nho, o visitante ou o aprendiz com quem vão interagir é: 1) ativo e dominante ou passivo e submisso; 2) socialmente agradável ou desagradável, amigável ou frio, distante; 3) responsável ou negligente; 4) louco, imprevisível ou normal, estável; 5) aberto a novas experiências ou desinteressado por tudo aquilo que não diz respeito à experiência do cotidiano. A questão a seguir diz respeito à universalidade de um sistema baseado numa estrutura linguística. Seriam essas questões as mesmas em todas as culturas? Muitas pesquisas têm sido realizadas para verificar a replicabilidade do modelo dos CGF em diferentes línguas e culturas, como alemão (Borkenau & Ostendorf, 1990), japonês (Bond, Nakazatu & Shiraishi, 1975), chinês (Yang & Bond, 1990) e hebraico (Birenbaum & Montag, 1986). Investigações com estudantes de Hong Kong, das Filipinas e dos Estados Unidos também replicaram o modelo dos CGF (Bond, 1979). McCrae e Allik (2002) organizaram um livro compilando pesquisas sobre o Modelo em vários países e culturas, como Filipinas, Turquia, Vietnã, Índia e Portugal. Para a língua portuguesa, foi feita a adaptação do NEO-PI-R em Portugal (Costa & McCrae, 2000) e no Brasil (Costa et al., 2008). O modelo dos CGF também foi replicado com os Nentsy, uma população relativamente isolada que vive no círculo Ártico na Rússia e que tem uma linguagem própria. Nossos estudos, que tiveram início na década de 1990, têm mostrado que o Modelo também é replicável no Brasil (Hutz et al., 1998; Nunes, 2000; Hutz & Nunes, 2001; Nunes et al., 2001). McCrae e John (1992) salientaram que pode haver vantagens adaptativas em ser capaz de identificar nos outros as características que fazem parte dos cinco fatores. Nesta linha de raciocínio, Buss (1991) argumentou que o modelo dos CGF pode representar "dimensões importantes do terreno social (e que) seres humanos foram selecionados para percebê-las e agir de acordo com elas" (p.473). Essas suposições, se verdadeiras, explicariam por que os cinco fatores devem estar representados na linguagem de todas as culturas. As replicações obtidas em outras culturas tendem, por enquanto, a apoiar a universalidade do Modelo. Na sequência, serão apresentadas as defini- ções teóricas dos cinco fatores e, posteriormente, sumarizadas pesquisas que revelam sua aplicabilidade em contextos variados. Definições dos Cinco Grandes Fatores Extroversão é um componente da personalidade humana que, no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), está relacionado às formas como as pessoas interagem com os demais e que indica o quanto elas são comunicativas, falantes, ativas, assertivas, responsivas e gregárias. Costa e Widiger</p><p>20 Bateria Fatorial de Personalidade BFP (2002) indicaram que esse fator refere-se à quantidade e intensidade das interações interpessoais preferidas, ao nível de atividade, à necessidade de estimulação e à capacidade de alegrar-se. Pes- soas altas em Extroversão tendem a ser sociáveis, ativas, falantes, otimistas e afetuosas. Indivíduos com escores baixos tendem a ser reservados (não necessariamente inamistosos), sóbrios, indife- rentes, independentes e quietos. Introvertidos não são necessariamente pessoas infelizes ou pessi- mistas, mas não são dados aos estados de espírito exuberantes que caracterizam os extrovertidos. Costa e McCrae (1980b) argumentam que, em contextos clínicos, não somente Extroversão, mas todos os cinco fatores são úteis para a identificação de demandas de tratamento ou a identifi- cação de importantes sintomas de transtornos da personalidade. Esses autores propuseram três motivos pelos quais tais medidas podem ser usadas nesses contextos: (1) elas avaliam estilos emo- cionais, interpessoais e motivacionais que podem ser de interesse dos clínicos; (2) elas oferecem um panorama compreensível do indivíduo, que não pode ser obtido com a maioria dos instrumen- tos clinicamente orientados, e (3) elas fornecem informações suplementares que podem ser úteis na seleção do tratamento e prognóstico dos casos. Foram desenvolvidas várias pesquisas nessa área que verificaram a relação entre transtornos da personalidade identificados a partir dos critérios propostos no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994) e avaliações realizadas no modelo dos Cinco Grandes Fatores (Widiger et al., 2002; Samuel & Widiger, 2006). Identificou-se, por exemplo, que pessoas com transtorno da personalidade apresentavam níveis bastante elevados em vários subfatores de Extroversão, enquanto pessoas com transtorno da personalidade Esquizoide e Esquizotípica apresentavam ní- veis reduzidos de Extroversão (Gurrera et al., 2005). O fator Socialização, no modelo dos CGF, descreve a qualidade das relações interpessoais dos indivíduos e se relaciona aos tipos de interações que uma pessoa apresenta ao longo de um contínuo, que se estende da compaixão e empatia ao antagonismo. Pessoas altas em Socializa- ção tendem a ser generosas, bondosas, afáveis, prestativas e altruístas. Ávidas para ajudar aos outros, elas tendem a ser responsivas e empáticas, e acreditam que a maioria das outras pessoas agirá da mesma forma. Indivíduos com escores baixos tendem a ser cínicos, não cooperativos e irritáveis; podem ser pessoas manipuladoras, vingativas e implacáveis (Costa & Widiger, 2002). Socialização também avalia o quão compatíveis ou capazes as pessoas se percebem no convívio social (Nunes, 2005). Como mencionado no item Extroversão, embora Socialização seja útil para diagnósticos clíni- cos, é importante a utilização de todos os cinco fatores (Costa & McCrae, 1980a). Vários estudos têm mostrado a importância e a aplicabilidade das escalas CGF no diagnóstico clínico. Por exem- plo, há indicações na literatura de que pessoas com diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial apresentam baixos escores de Socialização (Widiger et al., 2002). Estudos sobre as- pectos individuais de adictos apontam características de personalidade, especialmente o fator So- cialização, como importantes para a explicação do quadro (Ballone, 2005). Muitos desses estudos indicam associação entre o uso de substâncias e desordens como depressão, ansiedade e transtor- no de personalidade antissocial (Hesselbrock, Meyer & Keener, 1985; Chambless, Cherney, Caputo & Rheinstein, 1987; Helzer & Pryzbeck, 1988; Regier et al., 1990; Grant & Harford, 1995; Kessler et al., 1997; Merikangas & Swendsen, 1997; Merikangas et al., 1998). Por sua vez, o fator Neuroticismo tem sido considerado, no modelo dos CGF, o mais associado às características emocionais das pessoas. Refere-se ao nível crônico de ajustamento e instabilida- de emocional dos indivíduos; também representa as diferenças individuais que ocorrem quando</p><p>Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes, Claudio Simon Hutz, Maiana Farias Oliveira Nunes 21 pessoas experienciam padrões emocionais associados a desconforto psicológico (aflição, angústia, sofrimento etc.) e estilos cognitivos e comportamentais decorrentes (McCrae & John, 1992). Um alto nível de Neuroticismo identifica indivíduos que são propensos a vivenciar mais inten- samente sofrimento emocional. Também inclui ideias dissociadas da realidade, ansiedade excessi- va, dificuldade para tolerar a frustração causada pela não realização de desejos e respostas de coping mal adaptadas. O fator inclui itens que identificam ansiedade, hostilidade, depressão, baixa autoestima, impulsividade e vulnerabilidade (Costa & Widiger, 2002). Indivíduos com baixos índi- ces de Neuroticismo são geralmente calmos, relaxados, estáveis e menos agitados. Porém, baixos escores não significam necessariamente que o indivíduo tenha boa saúde mental. O oposto pode ser verdadeiro, pois pessoas excessivamente calmas podem não ter uma reação apropriada quan- do, por exemplo, um perigo real se aproximar dela. Níveis extremos de Neuroticismo, muito eleva- dos ou muito baixos, podem ser indicadores de padrões pouco adaptativos em relação aos seus componentes (McCrae & John, 1992). O fator Realização descreve características como o grau de organização, persistência, contro- le e motivação que tipicamente as pessoas apresentam. Pessoas altas em Realização tendem a ser organizadas, confiáveis, trabalhadoras, decididas, pontuais, escrupulosas, ambiciosas e perseve- rantes. Pessoas com escores baixos não têm objetivos claros, tendem a ter pouco comprometi- mento e responsabilidade diante de tarefas e geralmente são descritas como preguiçosas, descui- dadas, negligentes e hedonistas (Costa & Widiger, 2002). Escores excessivamente altos em Realização estão associados ao transtorno obsessivo-com- pulsivo, enquanto escores muito baixos podem se relacionar ao transtorno de personalidade antissocial. Em menor medida, baixa percepção de competência pessoal pode se aproximar do transtorno de personalidade borderline e um escore muito elevado na busca pelos objetivos pode se associar ao transtorno de personalidade narcisista (Widiger et al., 2002). O fator Abertura se refere aos comportamentos exploratórios e ao reconhecimento da importância de ter novas experiências. Indivíduos com escores altos nesta dimensão são curio- sos, imaginativos, criativos, divertem-se com novas ideias e possuem valores não conven- cionais; eles experienciam uma gama ampla de emoções mais intensamente do que pessoas fechadas (baixas em Abertura). As pessoas baixas em Abertura tendem a ser convencionais, dogmáticas e rígidas nas suas crenças e atitudes, conservadoras nas suas preferências e menos responsivas emocionalmente. Dada a descrição geral deste fator, Abertura a experiências correlaciona-se negativamente com concepções religiosas fundamentalistas e dogmáticas (Saroglou, 2002), com doutrinas po- líticas e ideológicas autoritárias e posturas etnocêntricas e preconceituosas (Butler, 2000). Por outro lado, este fator apresenta correlações positivas com medidas de interesse e envolvimento em trabalhos artísticos, além de tendências a fazer escolhas com base em aspectos estéticos (Furnham, & McDougall, 2003). Como os demais fatores, este tem utilidade para diagnósticos clínicos. Especificamente, escores altos na Abertura para fantasias, novas ações e ideias pode se associar ao transtorno de personalidade esquizotípico, do mesmo modo que altos escores relacionam-se ao transtorno de personalidade histriônico (Widiger et al., 2002). Um aspecto importante a ser considerado na interpretação dos resultados de avaliações é a relação do fator Abertura a experiências com a idade. Embora haja poucas pesquisas nessa área,</p><p>22 Bateria Fatorial de Personalidade BFP um estudo longitudinal com mais de 13 mil indivíduos mostrou uma razoável estabilidade dos esco- res entre os 20 e 30 anos de idade. A partir dos 30 anos, começa a ocorrer um declínio e surge uma correlação negativa entre idade e o fator (Srivastava, John, Gosling & Potter, 2003). Pesquisas com os Cinco Grandes Fatores Nesta seção, serão apresentadas pesquisas realizadas no Brasil e no exterior com a aplicação dos Cinco Grandes Fatores (CGF) em áreas variadas, como clínica, educacional, orientação pro- fissional e organizacional. Tais pesquisas, além de evidenciarem a aplicabilidade da avaliação dos CGF em contextos diferentes, também sugerem complementos para a interpretação dos fatores, uma vez que permitem avançar no conhecimento empírico da composição dessas dimensões da personalidade. Grande parte dos artigos nacionais referenciados a seguir pode ser encontrado no site BVS-PSI (http://www.bvs-psi.org.br); recomendamos a leitura na íntegra dos materiais que gerarem interesse, para uma melhor compreensão dos resultados. No âmbito da educação, Santos, Sisto e Martins (2003) realizaram uma pesquisa que correlacionou uma escala de estilos cognitivos e os traços de personalidade. Os autores investiga- ram esses aspectos em 135 estudantes universitários, por meio da escala de avaliação de estilos cognitivos e os marcadores de traços no modelo dos CGF identificados no Brasil (Hutz et al., 1998). Os estilos cognitivos estudados foram: o convergente (pessoas mais inibidas, disciplinadas e conservadoras), o reflexivo (forma organizada e planejada de pensamento), o impulsivo (pouca ponderação e organização prévia de respostas), o divergente (maior criatividade e espontaneidade no pensamento), o holista (aborda problemas como um todo) e o serialista (pensa sobre problemas dividindo-os em partes). Foram encontradas correlações significativas e negativas entre o estilo convergente e Sociali- zação (r = -0,19, p 0,05) e Extroversão -0,30, <0,001). Apenas a correlação com o último fator era esperada teoricamente, pois os autores apontaram que pessoas mais organizadas tendem a ser mais reservadas e tímidas. Já o estilo reflexivo teve correlações positivas com Abertura 0,19, p < 0,05) e Realização 0,31, p 0,001) e negativo com Neuroticismo 0,01), sugerindo que pessoas que planejam mais suas atividades intelectuais tendem a ser mais abertas a novas experiências, mais organizadas e persistentes e com baixo padrão de ansiedade e depressão. Quanto ao estilo impulsivo, houve associação negativa e significativa apenas com o fator Realiza- ção (r = -0,32, p < 0,001), indicando que pessoas que trabalham de maneira mais global e com pouco planejamento tendem a apresentar negligência, características de menor organização e a ser pouco confiáveis para tarefas no trabalho. No que diz respeito ao estilo divergente, houve correla- ções significativas com os cinco fatores de personalidade. Mais especificamente, positivas com Socialização 0,25, p<0,05), Extroversão 0,28, <0,001), Abertura 0,47, e Realização 0,20, p e negativas com Neuroticismo (r = -0,26, p 0,01). Os autores discutem esse resultado no sentido da alta coerência da correlação com Abertura, sugerindo que pessoas com estilo mais imaginativo e original tendem a dar importância a novas ideias, a ter compor- tamentos exploratórios e valores não convencionais. Por fim, quanto às formas de trabalho holista e serialista, o primeiro associou-se significativa- mente apenas ao Neuroticismo p 0,01), enquanto o segundo não apresentou correla- ções significativas com nenhum traço de personalidade. Quanto à correlação do estilo holista com</p>