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<p>2.ORIGEM DAS PENAS</p><p>Na verdade, a primeira pena a ser aplicada na história da humanidade ocorreu ainda no paraíso,</p><p>quando, após ser induzida pela serpente, Eva, além de comer o fruto proibido, fez também com que</p><p>Adão o comesse, razão pela qual, além de serem aplicadas outras sanções, foram expulsos do jardim</p><p>do Éden.</p><p>Depois da primeira condenação aplicada por Deus, o homem, a partir do momento em que passou a</p><p>viver em comunidade, também adotou o sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da</p><p>sociedade na qual estava inserido eram violadas.</p><p>Assim, várias legislações surgiram, ao longo da existência da raça humana, com a finalidade de</p><p>esclarecer as penalidades cominadas a cada infração por elas previstas, a exemplo das leis dos</p><p>hebreus, concedidas por Deus a Moisés durante o período no qual permaneceram no deserto à</p><p>espera da terra prometida, bem como os Códigos de Hamurabi e de Manu.</p><p>Nas lições de Ataliba Nogueira, encontramos no Direito Penal romano:</p><p>“Nas suas várias épocas, as seguintes penas: morte simples (pela mão do lictor para o cidadão</p><p>romano e pela do carrasco para o escravo), mutilações, esquartejamento, enterramento (para os</p><p>Vestais), suplícios combinados com jogos do circo, com os trabalhos forçados: ad molem, ad</p><p>metallum, nas minas, nas lataniae, laturnae, lapicidinae (imensas e profundas pedreiras, destinadas</p><p>principalmente aos prisioneiros de guerra). Havia também a perda do direito de cidade, a infâmia, o</p><p>exílio (a interdictio aqua et igni tornava impossível a vida do condenado). Os cidadãos de classes</p><p>inferiores e, em particular, os escravos, eram submetidos à tortura e a toda sorte de castigos</p><p>corporais.”</p><p>Verifica-se que desde a Antiguidade até, basicamente, o século XVIII as penas tinham uma</p><p>característica extremamente aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele</p><p>praticado. O período iluminista, principalmente no século XVIII, foi um marco inicial para uma</p><p>mudança de mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas. Por intermédio das ideias de</p><p>Beccaria, em sua obra intitulada Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, começou-se a ecoar a</p><p>voz da indignação com relação a como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus</p><p>próprios semelhantes, sob a falsa bandeira da legalidade. Conforme destaca Muniz Sodré, coube a</p><p>Beccaria:</p><p>“A honra inexcedível de haver sido o primeiro que se empenhara em uma luta ingente e famosa, que</p><p>iniciara uma campanha inteligente e sistemática contra a maneira iníqua e desumana por que,</p><p>naqueles tempos de opressão e barbárie, se tratavam os acusados, muitas vezes inocentes e vítimas</p><p>sempre da ignorância e perversidade dos seus julgadores. Ao seu espírito, altamente humanitário,</p><p>repugnavam os crudelíssimos suplícios que se inventavam como meios de punição ou de mera</p><p>investigação da verdade, em que, não raro, supostos criminosos passavam por todos os transes</p><p>amargurados de um sofrimento atroz e horrorizante, em uma longa agonia, sem tréguas e</p><p>lentamente assassina. Ele, nobre e marquês, ao invés de escutar as conveniências do egoísmo, de</p><p>sufocar a consciência nos gozos tranquilos de uma existência fidalga, em lugar de manter-se no fácil</p><p>silêncio de um estéril e cômodo mutismo, na atmosfera de ociosa indiferença, ergueu a sua voz,</p><p>fortalecida por um grande espírito saturado de ideias generosas, em defesa dos mais legítimos</p><p>direitos dos cidadãos, proclamando bem alto verdades filosóficas e princípios jurídicos até então</p><p>desconhecidos ou, pelo menos, desrespeitados e repelidos.”</p><p>Hoje, percebe-se haver, pelos menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a</p><p>integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. Vários pactos são levados a</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>efeito por entre as nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar</p><p>de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Cite-se como exemplo a</p><p>Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas</p><p>em 10 de dezembro de 1948, três anos após a própria constituição da ONU, que ocorreu em 1945,</p><p>logo em seguida à Segunda Grande Guerra Mundial, em que o mundo assistiu, perplexo, ao</p><p>massacre de, aproximadamente, 6 milhões de judeus pelos nazistas, com a prática de atrocidades tão</p><p>desumanas como aquelas referidas no início deste capítulo por Michel Foucault ou, quem sabe,</p><p>talvez piores.</p><p>O sistema de penas, infelizmente, não caminha numa escala ascendente, na qual os exemplos do</p><p>passado deviam servir tão somente para que não mais fossem repetidos. A sociedade, amedrontada</p><p>com a elevação do índice de criminalidade, induzida pelos políticos oportunistas, cada vez mais</p><p>apregoa a criação de penas cruéis, tais como a castração, nos casos de crimes de estupro, por</p><p>exemplo, ou mesmo a pena de morte.</p><p>Ainda hoje, países que se dizem desenvolvidos e cultos, a exemplo dos Estados Unidos da América</p><p>do Norte, aplicam a pena capital sob diversas formas (cadeira elétrica, injeção letal etc.).</p><p>Concluindo, mesmo que com alguns retrocessos, nosso ordenamento jurídico tende a eliminar a</p><p>cominação de penas que atinjam a dignidade da pessoa humana.</p><p>3.FINALIDADES DAS PENAS – TEORIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS</p><p>Muito se tem discutido ultimamente a respeito das funções que devem ser atribuídas às penas. O</p><p>nosso Código Penal, por intermédio de seu art. 59, prevê que as penas devem ser necessárias e</p><p>suficientes à reprovação e prevenção do crime. Assim, de acordo com nossa legislação penal,</p><p>entendemos que a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem</p><p>como prevenir futuras infrações penais.</p><p>As teorias tidas como absolutas advogam a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas</p><p>apregoam a prevenção.</p><p>Na reprovação, segundo a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. Na precisa lição de</p><p>Roxin:</p><p>“A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente</p><p>útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a</p><p>culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o</p><p>fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como</p><p>retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na</p><p>consciência dos profanos com uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se</p><p>corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense.”</p><p>A sociedade, em geral, contenta-se com esta finalidade, porque tende a se satisfazer com essa</p><p>espécie de “pagamento” ou compensação feita pelo condenado, desde que, obviamente, a pena seja</p><p>privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de</p><p>multa, a sensação, para a sociedade, é de impunidade, pois o homem, infelizmente, ainda se regozija</p><p>com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator.</p><p>A teoria relativa se fundamenta no critério da prevenção, que se biparte em:</p><p>a)prevenção geral – negativa e positiva;</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>b)prevenção especial – negativa e positiva.</p><p>A prevenção geral pode ser estudada sob dois aspectos. Pela prevenção geral negativa, conhecida</p><p>também pela expressão prevenção por intimidação, a pena aplicada ao autor da infração penal tende</p><p>a refletir na sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos</p><p>voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal.</p><p>Segundo Hassemer, com a prevenção por intimidação “existe a esperança de que os concidadãos</p><p>com inclinações para a prática de crimes possam ser persuadidos, através da resposta sancionatória</p><p>à violação do Direito alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em conformidade com o</p><p>Direito; esperança, enfim,</p><p>de que o Direito Penal ofereça sua contribuição para o aprimoramento da</p><p>sociedade.” Existe, outrossim, outra vertente da prevenção geral tida como positiva. Paulo de Souza</p><p>Queiroz preleciona que, “para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se</p><p>não à prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de</p><p>delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a</p><p>determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em última análise, a</p><p>integração social.”</p><p>A prevenção especial, a seu turno, também pode ser concebida em seus dois sentidos. Pela</p><p>prevenção especial negativa, existe uma neutralização daquele que praticou a infração penal,</p><p>neutralização que ocorre com sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do</p><p>convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos na sociedade da qual foi</p><p>retirado. Quando falamos em neutralização do agente, deve ser frisado que isso somente ocorre</p><p>quando a ele for aplicada pena privativa de liberdade. Pela prevenção especial positiva, segundo</p><p>Roxin, “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros</p><p>delitos.”12 Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite</p><p>sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros. No escólio de</p><p>Cezar Roberto Bitencourt, “a prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a</p><p>retribuição do fato praticado, visando apenas àquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que</p><p>não volte a transgredir as normas jurídico-penais.”</p><p>Em conclusão, podemos dizer que as teorias absolutas, que consideram a pena como um fim em si</p><p>mesmo, voltam ao passado e procuram responder à seguinte indagação: “Por que punir?” Por outro</p><p>lado, as teorias relativas, de cunho utilitarista, ou seja, com o raciocínio de que a aplicação da pena</p><p>deve ser útil a fim de prevenir a comissão de delitos, tem seus olhos voltados para o futuro (visão</p><p>prospectiva) e buscam responder à seguinte pergunta: “Para que punir?”</p><p>4.TEORIA ADOTADA PELO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL</p><p>Em razão da redação contida no caput do art. 59 do Código Penal, podemos concluir pela adoção,</p><p>em nossa lei penal, de uma teoria mista ou unificadora da pena.</p><p>Isso porque a parte final do caput do art. 59 do Código Penal conjuga a necessidade de reprovação</p><p>com a prevenção do crime, fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absoluta e relativa, que</p><p>se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção.</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>SEDU</p><p>Realce</p><p>Santiago Mir Puig aduz que a luta entre as teorias acima mencionadas, que teve lugar na Alemanha</p><p>em princípios do século XX, acabou tomando uma direção eclética, iniciada por Merkel. Tal como a</p><p>posição assumida por nossa legislação penal, Santiago Mir Puig entende que “a retribuição, a</p><p>prevenção geral e a especial são distintos aspectos de um fenômeno complexo da pena.”</p>