Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

<p>Ler História</p><p>54 | 2008</p><p>A Corte Portuguesa no Brasil</p><p>Dossier: A Corte Portuguesa no Brasil</p><p>A Corte no Brasil e a distribuição</p><p>de mercês honoríficas</p><p>La cour au Brésil et la distribution des grâces honorifiques</p><p>The Court in Brazil and the Granting of Honors</p><p>M���� B������ N���� �� S����</p><p>p. 51-73</p><p>https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2368</p><p>Resumos</p><p>Português Français English</p><p>O aumento considerável na concessão de mercês honoríficas durante a permanência da Corte no</p><p>Rio de Janeiro levou às críticas da imprensa liberal portuguesa em Londres, mas D. João precisou</p><p>de recorrer a estas recompensas para satisfazer não só os que o tinham acompanhado à nova sede</p><p>da monarquia, como também os vassalos do Brasil que o tinham ajudado nas dificuldades</p><p>financeiras.</p><p>L’augmentation considérable des grâces honorifiques pendant le séjour de la cour à Rio de</p><p>Janeiro a suscité les critiques de la presse libérale portugaise à Londres. D. João dut cependant</p><p>recourir à ces récompenses pour satisfaire ceux qui l’avaient accompagné au nouveau siège de la</p><p>monarchie, mais aussi pour récompenser les sujets du Brésil qui l’avaient aidé à faire face à ses</p><p>difficultés financières.</p><p>The remarkable increase in the honors granted during the Court residence in Rio de Janeiro</p><p>provoked the criticism by the Portuguese liberal press in London, but D. João needed these</p><p>rewards to please not only those who moved with him but also the Brazilian subjects who helped</p><p>him in his financial crisis.</p><p>Entradas no índice</p><p>Mots-clés : services, grâces, courtisans, négociants</p><p>Keywords: services, honors, court, merchants</p><p>Palavras-chave: serviços, mercês, cortesãos, negociantes</p><p>Texto integral</p><p>SEARCH Todo OpenEdition</p><p>http://journals.openedition.org/lerhistoria</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2334</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2334</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2334</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2334</p><p>https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2368</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2369</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2370</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2371</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2372</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2378</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2379</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2380</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2381</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2373</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2374</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2375</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2376</p><p>javascript:;</p><p>https://journals.openedition.org/</p><p>https://journals.openedition.org/</p><p>A caminho do Rio de Janeiro</p><p>1.</p><p>2.</p><p>3.</p><p>4.</p><p>5.</p><p>6.</p><p>7.</p><p>8.</p><p>9.</p><p>10.</p><p>11.</p><p>Já em 1803, Silvestre Pinheiro Ferreira, encarregado de negócios em Berlim,</p><p>representou ao príncipe regente que «à lusitana monarquia nenhum outro recurso</p><p>restava senão o de procurar quanto antes nas suas colónias um asilo contra a hidra</p><p>então nascente que jurava a inteira destruição das antigas dinastias da Europa»1. Essa</p><p>«hidra», Napoleão, levou efectivamente a família real portuguesa e sua Corte a dirigir-</p><p>se para o Brasil, a mais importante de suas colónias, em finais de 1807, quando as</p><p>tropas francesas comandadas por Junot se aproximavam de Lisboa.</p><p>1</p><p>Embarcar para o Brasil, deixando em Portugal parte dos familiares e a quase</p><p>totalidade dos bens, significou para muitos titulares que acompanharam o príncipe</p><p>regente D. João um autêntico desterro, sendo-lhes difícil imaginar o que iriam</p><p>encontrar e como iriam sobreviver. Como escreveu o memorialista Luís Gonçalves dos</p><p>Santos, a família real seguiu de Lisboa para o Rio de Janeiro «com grande número de</p><p>pessoas de primeira grandeza da Corte, e de outras muitas de todas as ordens»2.</p><p>2</p><p>A 24 de Novembro de 1807 os seis conselheiros presentes na reunião do Conselho de</p><p>Estado optaram por acelerar o embarque do príncipe regente e da família real visto se</p><p>terem «esgotado todos os meios de negociação» e a monarquia se encontrar em perigo3.</p><p>Defendendo os conselheiros dos ataques do autor de um opúsculo publicado no Porto</p><p>em 1809, Hipólito da Costa escreveu em seu Correio Brasiliense: «tiveram a honra, a</p><p>probidade e a coragem de perder tudo quanto tinham e seguir a sorte do monarca, a</p><p>quem acompanharam, sujeitando-se a viver de uma pensão paga pelo Erário, que um</p><p>desfavor da Corte lhes pode tirar de um dia para o outro, e reduzi-los à mendicidade»4.</p><p>3</p><p>Distribuídos os cortesãos pelas várias naus da frota, esperaram notícias concretas</p><p>acerca da partida. A família Sousa Coutinho, por exemplo, composta por D. Rodrigo,</p><p>sua mulher D. Gabriela, três filhos e o irmão, D. Francisco Maurício, encontravam-se já</p><p>a 27 de Novembro a bordo da nau Príncipe do Brasil, mas a saída de Lisboa, a 29 pela</p><p>manhã, foi meio confusa e a viagem difícil. Eram 1045 pessoas só nesta nau, com</p><p>poucas provisões para se alimentarem durante os 77 dias no mar, sem tocar em</p><p>qualquer porto, e algumas com a roupa do corpo apenas5.</p><p>4</p><p>A esquadra, acompanhada por quatro navios de guerra ingleses, dividiu-se: uma</p><p>parte aportou à Baía, outra seguiu directamente para o Rio de Janeiro, onde chegou no</p><p>início do mês de Janeiro de 1808. A nau Príncipe Real, a bordo da qual viajaram D.</p><p>João, D. Carlota Joaquina, seus filhos e a rainha D. Maria I, chegou a Salvador a 22 de</p><p>Janeiro e neste porto os grandes da Corte sofreram a primeira baixa com a morte do</p><p>duque de Cadaval.</p><p>5</p><p>Mas afinal que titulares acompanharam o príncipe regente naquilo que para eles</p><p>constituiu um verdadeiro exílio? Uns partiram sozinhos, deixando mulher e filhos em</p><p>Portugal para defenderem seus interesses; outros levaram consigo pelo menos uma</p><p>parte da família, permanecendo no Reino os primogénitos para cuidarem de sua Casa e</p><p>património. A lista fornecida por Luís Gonçalves dos Santos é a seguinte6.</p><p>6</p><p>Duque de Cadaval (falecido durante a passagem pela Baía).</p><p>Marquês de Alegrete, Luís Teles da Silva e Meneses.</p><p>Marquês de Angeja, D. José de Noronha Camões e Albuquerque.</p><p>Marquês de Belas, D. José de Vasconcelos e Sousa, marquesa e filhos.</p><p>Marquês do Lavradio, D. António de Almeida Soares e Portugal, marquesa e</p><p>filhos.</p><p>Marquês de Pombal, Henrique José de Carvalho e Melo, e marquesa.</p><p>Marquês de Torres Novas, D. Álvaro António de Noronha Abranches Castelo</p><p>Branco, e irmãos.</p><p>Marquês de Vagos, Nuno Telo da Silva.</p><p>Conde de Belmonte, D. Vasco Manuel da Câmara, condessa e filhos.</p><p>Conde de Caparica, D. Francisco de Meneses da Silveira, condessa e filhos.</p><p>Conde de Cavaleiros, D. Gregório Ferreira d’Eça e Meneses, e condessa.</p><p>12.</p><p>13.</p><p>14.</p><p>O exílio nos trópicos</p><p>Conde de Pombeiro, D. António Maria de Castelo Branco Correia e Cunha</p><p>Vasconcelos e Sousa.</p><p>Conde de Redondo, Tomé José de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, e</p><p>filhos.</p><p>Visconde de Anadia, José Rodrigues de Sá e Meneses.</p><p>Esta lista de titulares foi pouco tempo depois aumentada: D. João de Almeida de</p><p>Melo e Castro adquiriu o título de conde das Galveias a 2 de Dezembro de 1808. Com os</p><p>despachos de 17 do mesmo mês, destinados a comemorar o aniversário da rainha D.</p><p>Maria I, D. Rodrigo de Sousa Coutinho recebeu o título de conde de Linhares, e D.</p><p>Fernando José de Portugal foi feito conde de Aguiar, tendo sido ambos escolhidos para</p><p>o primeiro ministério do Rio de Janeiro, o primeiro com a Secretaria de Estado dos</p><p>Negócios Estrangeiros e da Guerra, e o segundo com a do Reino, sendo a de Negócios da</p><p>Marinha e Ultramar ocupada pelo visconde de Anadia.</p><p>7</p><p>Durante os anos de permanência da Corte, a lista dos titulares foi-se alterando, com a</p><p>chegada de uns, a partida de outros, e mesmo com a morte ocorrida em território</p><p>brasileiro. Basta consultar os almanaques publicados nesse período (o de 1811, 1816 e</p><p>1817) para perceber as variações ocorridas no grupo dos «grandes». Mas o que é</p><p>importante ressaltar é que o príncipe regente D. João, logo após a sua chegada ao Rio de</p><p>Janeiro, passou a «prover à subsistência dos titulares e mais fidalgos, assinando-lhes</p><p>pensões pagas da sua Real Fazenda»,</p><p>uma vez que, ao abandonar Portugal, esta nobreza</p><p>tinha ali deixado seus bens e seus rendimentos. Fidalgos foram integrados ao serviço do</p><p>Paço como camaristas ou viadores. Do mesmo modo procedeu em relação aos oficiais</p><p>da Marinha e do Exército, aos eclesiásticos e aos civis, acomodando-os em «benefícios</p><p>ou empregos da pública administração que, ou estavam vagos ou, pela maior parte, se</p><p>criaram de novo». A liberalidade do príncipe estendeu-se ainda aos habitantes do</p><p>Brasil, concedendo «a uns, hábitos e comendas, a outros, postos e ofícios; a estes</p><p>dignidades e empregos, aqueles honras e mercês»7. Assim, aos reinóis, D. João</p><p>procurava compensar o desterro forçado; aos coloniais agradecia a forma como haviam</p><p>recebido a família real e colaborado com as despesas em auxílio de Portugal sob os</p><p>ataques franceses.</p><p>8</p><p>Uma cidade que não estava preparada para ser a sede da Corte teve dificuldade em</p><p>acolher não só a família real, como todos os cortesãos e empregados públicos recém-</p><p>chegados, além dos servidores do Paço nas várias repartições. Para a instalação destes</p><p>últimos foram anexados ao palácio do vice-rei, que agora servia de Paço, o convento do</p><p>Carmo e a Casa da Câmara e Cadeia, ligados por um passadiço ao corpo principal. No</p><p>antigo convento instalaram-se a rainha D. Maria I e suas damas nos quartos virados</p><p>para o Terreiro do Paço, enquanto no interior se distribuíram a ucharia, as cozinhas e</p><p>outras oficinas. A Casa da Câmara e Cadeia foram destinadas às criadas, tendo sido</p><p>realizada a necessária reforma para que se desvanecesse «o seu lúgubre aspecto», nas</p><p>palavras de Luís Gonçalves dos Santos. As cavalariças reais ficaram no aquartelamento</p><p>da cavalaria junto do Real Trem, e ao longo da praia de D. Manuel ergueram-se</p><p>construções para a guarda dos coches e para habitação dos empregados que deles</p><p>cuidavam. Todas estas acomodações foram providenciadas pelo tesoureiro da Casa</p><p>Real, Joaquim José de Azevedo8.</p><p>9</p><p>Um negociante inglês, John Luccock, calculou que os servidores do Paço fossem cerca</p><p>de mil, mas este número, mesmo incluindo os de mais baixa condição social, é</p><p>francamente exagerado pelo que conhecemos da documentação da Casa Real,</p><p>completada pelas informações dos almanaques da época. De qualquer modo o serviço</p><p>do Paço implicava funções variadas que eram desempenhadas por pessoas de diferente</p><p>hierarquia, desde os titulares aos fidalgos e aqueles cuja nobreza provinha de graus</p><p>académicos, postos militares ou cargos eclesiásticos, até aos serventes negros.</p><p>10</p><p>D. Gabriela, mulher de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, escreveu numa carta que se</p><p>tinham praticado muitas violências para alojar todos os recém-chegados, «assim</p><p>grandes como pequenos». Para as pessoas de distinção procuravam-se casas nobres,</p><p>que eram raras no Rio de Janeiro. «Para alojar uma família, era preciso desalojar 2 ou</p><p>3», e os oficiais de Marinha, graças aos privilégios de que usufruíam, ocupavam uma</p><p>casa à força, para depois a cederem por alto preço. Esta atitude provocou o desagrado</p><p>dos habitantes, como seria de esperar, chegando ao ponto de suspenderem qualquer</p><p>tipo de construção por temerem as chamadas «aposentadorias».</p><p>11</p><p>A família Sousa Coutinho ficou morando numa habitação que tinha sido alugada</p><p>durante muito tempo por um chantre e seus irmãos, que a cederam completamente</p><p>mobiliada, embora sem grande requinte. Esta casa, contudo, era muito incómoda,</p><p>sobretudo porque ela tinha de abrigar também a Secretaria de Estado ocupada por D.</p><p>Rodrigo, e foi preciso avançar sobre o alojamento de uma rica viúva, muito contra a</p><p>vontade desta9.</p><p>12</p><p>Um pouco mais tarde, em Fevereiro de 1809, o marquês de Borba, viador da Casa</p><p>Real, que chegara acompanhado de um filho, viador de D. Carlota Joaquina, e de uma</p><p>filha, camarista do infante D. Miguel, portanto todos servidores do Paço, queixava-se</p><p>amargamente do custo da habitação no Rio de Janeiro: «as despesas aqui são imensas,</p><p>as casas 400$000 réis por ano e é uma barraca, sem chácara; a carruagem importa em</p><p>rios de dinheiro, tanto as seges como sustento das bestas, ordenado do boleeiro e moço</p><p>de tábua, enfim preciso a maior economia». E exprimia veementemente os votos de</p><p>regresso a Portugal: «peçam perdão a Deus por mim, e que nos levem deste inferno</p><p>para esse paraíso da minha Casa»10.</p><p>13</p><p>D. Gabriela, mulher do conde de Linhares, comentava que mesmo o ordenado de 12</p><p>mil cruzados não era suficiente para um secretário de Estado no Rio de Janeiro, até</p><p>porque havia sempre despesas extraordinárias, como jantares, subscrições, fosse para</p><p>ajudar Portugal arrasado pelas invasões francesas ou para libertar os prisioneiros dos</p><p>piratas argelinos, além dos despachos de dois títulos de grão-cruzes, etc.11.</p><p>14</p><p>À medida que o tempo ia passando a cidade ia-se organizando para acomodar os</p><p>reinóis: chácaras dos arredores, com melhores acomodações, inclusive cavalariças</p><p>dificilmente encontráveis no centro urbano, passaram a ser ocupadas para moradia,</p><p>fazendo de certo modo esquecer as quintas de Portugal; cocheiras prestavam serviços de</p><p>aluguel de carruagens e cavalos; o número de chafarizes para atender a malha urbana</p><p>aumentou. Morar no Catete, como os condes da Lousã e de Viana, revelava já uma</p><p>expansão para sul da cidade, que só ocorreu devido à presença da Corte. O Campo de</p><p>Santana, na chamada Cidade Nova, onde residiam o marquês de Angeja, e os condes de</p><p>Belmonte e de Linhares, possibilitava igualmente acomodações mais dignas da nobreza</p><p>do que as estreitas ruas Direita ou da Quitanda. A Glória, local de residência dos condes</p><p>de Avintes e da Ponte e do marquês do Lavradio, era já um subúrbio desafogado12.</p><p>15</p><p>Apesar das melhorias urbanas, o marquês de Borba exprimia seu desconsolo por não</p><p>ver próxima a data do regresso a Portugal. Numa carta de 10 de Maio de 1810 escrevia:</p><p>«vejo que mandam vir muitas coisas de lá, pois mandam vir músicas e até o resto da</p><p>livraria da Ajuda, tudo isto me dá a maior aflição, e oiço que vêm vindo muitas famílias</p><p>com receio daquelas infernais criaturas tornarem, por estarem já na Espanha».</p><p>Temendo o regresso dos franceses, recomendava ao filho em Portugal que pusesse a</p><p>família a salvo «e o melhor que houver na Casa». Em Junho de 1812 as esperanças de</p><p>partir eram poucas, «pois até a imensa gente que vem para morrerem à fome o</p><p>confirma mais»13.</p><p>16</p><p>A Corte do Rio de Janeiro passou a constituir um forte polo de atracção para todos</p><p>aqueles que pleiteavam um emprego público ou entrar no serviço do Paço. Onde</p><p>estivesse o príncipe regente seria mais fácil de haver distribuição de benesses do que</p><p>num Portugal exaurido pelas invasões francesas, e assim iam chegando todos os anos</p><p>novos pretendentes que encaminhavam seus pedidos de mercês. Como escrevia D.</p><p>Gabriela em Outubro de 1808: «Creio que a facilidade que se tem aqui de ser</p><p>despachado faz aumentar as pretensões de qualquer um, de maneira que a classe dos</p><p>pretendentes é sem fim»14.</p><p>17</p><p>Novos titulares</p><p>Títulos concedidos por D. João no Rio de Janeiro</p><p>Fonte: ANRJ, Cod. 116, Registo Geral das Mercês, Ordens e Títulos, vol.1</p><p>Nem todos os que chegavam ao Rio de Janeiro conseguiam seus fins, pois os recursos</p><p>da Coroa eram limitados e os cargos também. Silvestre Pinheiro Ferreira, por exemplo,</p><p>tendo desembarcado na Corte em 1809, estava ainda desempregado dois anos depois,</p><p>vivendo de uma escassa pensão de 53$000 réis. Várias vezes solicitou empregos (o de</p><p>ministro junto do governo dos Estados Unidos ou o de conselheiro da Fazenda), mas só</p><p>a 13 de Maio de 1811 foi nomeado deputado da Real Junta do Comércio15.</p><p>18</p><p>Durante sua permanência no Rio de Janeiro, D. João produziu uma boa safra de</p><p>titulares, sobretudo no nível do baronato e do viscondado. Pela primeira vez predomina</p><p>nos títulos a toponímia brasileira: barão de Vila Nova da Rainha (1809), de Magé</p><p>(1810), baronesa de São Salvador de Campos (1812), conde de Parati (1813), barão de</p><p>São José de Porto Alegre (1814), da Laguna (1818), de Santo Amaro (1818), de São</p><p>Simão (1818), de São João Marcos (1818), visconde da Baía (1818), barão de Itanhaém</p><p>(1819), viscondessa de Tajuaí</p><p>(1819), barão de Goiana (1821) e de Bagé (1821).</p><p>19</p><p>A concentração da distribuição de títulos no ano de 1818 deve-se às comemorações da</p><p>aclamação de D. João VI, do mesmo modo que sua ausência nos dois anos anteriores se</p><p>justifica pelo luto pela morte de D. Maria I. Alguns titulares transitaram de um título</p><p>para outro: o barão de Vila Nova da Rainha foi feito visconde em 1810; o barão de Magé</p><p>alcançou o viscondado em 1811; o barão de Rio Seco tornou-se visconde em 181816.</p><p>20</p><p>Data Barão Visconde Marquês</p><p>1808 – – 1</p><p>1809 1 – –</p><p>1810 2 4 3</p><p>1811 1 6 3</p><p>1812 3 2 3</p><p>1813 1 – 5</p><p>1814 1 – –</p><p>1815 2 6 –</p><p>1816 – – –</p><p>1817 – – –</p><p>1818 9 9 1</p><p>1819 – – –</p><p>1820 2 – –</p><p>Totais 22 29 16</p><p>Os titulares desempenhavam funções honoríficas no Paço, conforme informação dos</p><p>almanaques e da documentação da Casa Real. O estribeiro-mor era, em 1812, o marquês</p><p>de Vagos, que administrava as cavalariças reais e prestava contas da despesa desta</p><p>repartição do Paço. Os viadores da rainha eram, em 1816, o marquês de Valada, os</p><p>condes de Cavaleiros e Lousã, e os viscondes de Asseca e Barbacena; e os gentis-homens</p><p>21</p><p>Fidalgos da Casa Real</p><p>Fidalgos da Casa Real, 1808-1822</p><p>da câmara o marquês de Torres Novas, os condes de Belmonte, Valadares, Viana e</p><p>Parati, e os marqueses de Torres Novas, Angeja e Belas.</p><p>Para outros contudo o serviço do Paço servia de trampolim para a ascensão social,</p><p>através de sucessivas mercês. Francisco José Rufino de Sousa Lobato, que em 1808 era</p><p>porteiro da real câmara e guarda-jóias, recebeu nesse mesmo ano o título de conselheiro</p><p>do regente; em 1809 foi feito barão de Vila Nova da Rainha; e em 1810 visconde do</p><p>mesmo nome. E com o passar dos anos foi acumulando cada vez mais funções dentro do</p><p>Paço: guarda-roupa, manteeiro, tesoureiro do Real Bolsinho, guarda-tapeçarias. Por seu</p><p>lado Joaquim José de Azevedo, que exerceu as funções de tesoureiro da Casa Real,</p><p>almoxarife da Casa das Obras, comprador da Coroa e guarda-roupa, recebeu o alvará de</p><p>fidalgo cavaleiro em 1808 devido aos serviços prestados na organização da partida da</p><p>família real, chegando mesmo a «adiantar os seus cabedais para mantimentos da</p><p>referida esquadra»; e ainda o título de conselheiro em 1810 e o baronato do Rio Seco</p><p>«em sua vida» em 1812.</p><p>22</p><p>É interessante notar que estes dois novos titulares foram alvo de poesias satíricas por</p><p>ocasião do movimento constitucional em 1821, sendo este último levado a publicar</p><p>nesse ano a Exposição analítica e justificativa da conduta e vida pública do visconde</p><p>de Rio Seco, desde o dia 25 de Novembro de 1807, em que Sua Majestade Fidelíssima o</p><p>incumbiu dos arranjamentos necessários da sua retirada para o Rio de Janeiro, até o</p><p>dia 15 de Setembro de 1821, em cujo ano dimitira todos os lugares e empregos de</p><p>responsabilidade de Fazenda....</p><p>23</p><p>Ao instalar-se no Rio de Janeiro, o príncipe regente D. João criou as repartições e os</p><p>cargos equivalentes aos que existiam em Lisboa, e consequentemente o Registo Geral</p><p>das Mercês e o ofício de escrivão da real câmara, «para constar a todo o tempo com a</p><p>legalidade necessária as mercês que faço aos meus fiéis vassalos e evitar os</p><p>inconvenientes que podem ocorrer por falta do competente registo». Este alvará tem a</p><p>data de 9 de Maio de 1808.</p><p>24</p><p>Graças ao Dicionário aristocrático publicado em 1867 por Sanches de Baena, tendo</p><p>como base os Livros de Registo das Mercês, é possível saber as datas de todos os alvarás</p><p>de foros de fidalgo da Casa Real desde 1808 até Setembro de 1822, ou seja, até à</p><p>independência do Brasil. Trata-se de um trabalho paciente e minucioso que permite a</p><p>elaboração do seguinte quadro.</p><p>25</p><p>Ano Moço fidalgo Fidalgo escudeiro Cavaleiro fidalgo Fidalgo cavaleiro</p><p>1808 6 – 4 32</p><p>1809 2 – 3 14</p><p>1810 1 1 3 19</p><p>1811 4 – – 8</p><p>1812 1 4 4 25</p><p>1813 4 2 6 23</p><p>1814 2 1 4 12</p><p>1815 7 – 1 42</p><p>1816 7 – 11 33</p><p>Cavaleiros e comendadores</p><p>1817 2 – 4 13</p><p>1818 5 – 3 32</p><p>1819 7 – 2 36</p><p>1820 4 – 7 35</p><p>1821 10 – 3 25</p><p>1822 – – – 2</p><p>Totais 62 8 55 351</p><p>O foro mais elevado foi sem dúvida o que D. João mais distribuiu por reinóis e</p><p>naturais do Brasil. Entre estes últimos deparamos com 60 agraciados: 20 do Rio de</p><p>Janeiro; 14 de Minas Gerais; 9 de Pernambuco; 6 de São Paulo; 5 da Bahia; 4 do</p><p>Maranhão; 1 do Espírito Santo; e 1 do Rio Grande de São Pedro.</p><p>26</p><p>A estas categorias simples de fidalguia, hierarquicamente dispostas desde o moço</p><p>fidalgo até o fidalgo cavaleiro, há que acrescentar ainda 31 foros compósitos: moço</p><p>fidalgo com acrescentamento a fidalgo escudeiro, 17; moço fidalgo com</p><p>acrescentamento a fidalgo cavaleiro, 1; fidalgo escudeiro com acrescentamento a</p><p>cavaleiro fidalgo, 12; e cavaleiro fidalgo com acrescentamento a fidalgo cavaleiro, 1. Do</p><p>total de foros de fidalgo concedidos neste período, 5 destinavam-se a donas sob a forma</p><p>de dotes para aqueles com quem se casassem.</p><p>27</p><p>Os alvarás de concessão do foro de fidalgo tinham um prazo para serem registados</p><p>pelos beneficiados e, quando este não era cumprido, os interessados pediam ao</p><p>monarca uma dispensa por lapso de tempo. Foi o que fizeram, em Janeiro de 1820,</p><p>António Rodrigues Veloso de Oliveira e seu irmão Henrique de Oliveira Veloso Pereira,</p><p>filhos do desembargador do Paço António Rodrigues Veloso, que tinham recebido o foro</p><p>de moços fidalgos em 181317.</p><p>28</p><p>A grande inovação do período joanino foi o renascimento da Ordem da Espada por</p><p>decreto de 13 de Maio de 1808. Destinava-se esta a recompensar os relevantes serviços</p><p>dos «ilustres estrangeiros» que, por professarem outro credo religioso, não podiam ser</p><p>agraciados com nenhuma das outras três ordens militares existentes «por serem</p><p>juntamente religiosas». Por este motivo o príncipe regente resolveu renovar e aumentar</p><p>a única ordem de cavalaria «puramente civil». Ou seja, a Ordem da Espada, criada em</p><p>séculos passados por D. Afonso V.</p><p>29</p><p>Já por ocasião da sua passagem pela Baía D. João sentira a necessidade de</p><p>recompensar dois vassalos do rei de Inglaterra e mandara por isso cunhar uma medalha</p><p>com as palavras «Valor e lealdade» e com ela agraciara os ingleses. Ao renovar a Ordem</p><p>da Espada, encarregou D. Fernando José de Portugal de elaborar os novos estatutos que</p><p>foram depois aprovados por carta de lei de 29 de Novembro de 1808.</p><p>30</p><p>Uma particularidade desta ordem militar é que tanto os grão-cruzes quanto os</p><p>comendadores receberiam comendas criadas no solo brasileiro, e não mais em território</p><p>português. As dos primeiros teriam «2 léguas de raiz, ou 4 quadradas de terra cada</p><p>uma»; as dos segundos mediriam «légua e meia de raiz, ou 2 e um quarto quadradas».</p><p>A inovação destas comendas residia no facto de serem terras incultas e quem as</p><p>recebesse não teria sobre elas «domínio ou posse, ou qualquer outra pretensão». Assim,</p><p>quando um comendador morresse, sua comenda passaria para o novo comendador de</p><p>nomeação régia «com todos os aumentos». Era contudo permitido aos comendadores</p><p>«aforarem parte do terreno das comendas a colonos brancos para aumento da</p><p>agricultura e povoação, percebendo o foro e ficando com todos os direitos e faculdades</p><p>que têm os senhores directos em qualquer aforamento». Dado o carácter diferente</p><p>31</p><p>Ordens Militares, 1808-1822</p><p>destas comendas, estas só poderiam ser criadas depois que os governadores das</p><p>capitanias informassem sobre as terras incultas em seus territórios. Desse modo, as</p><p>comendas brasileiras, ao contrário das localizadas no Reino, não seriam imediatamente</p><p>rentáveis e suas rendas dependeriam em última análise do esforço despendido com a</p><p>sua cultura e povoamento.</p><p>Ao comentar a criação desta ordem, a mulher de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, D.</p><p>Gabriela, não só atribui a sua «invenção» ao marquês de Belas quando o príncipe</p><p>regente se encontrava na Baía, como lhe chama a «ordem do descontentamento», pois</p><p>não se dava nada a ninguém, era uma «ordem de petas». Dizia-se que tinha sido</p><p>estabelecida como uma distinção para aqueles que tinham acompanhado o príncipe,</p><p>mas aqueles que a receberam queixavam-se de serem uns menos do que outros,</p><p>enquanto aqueles que tinham sido esquecidos se lamentavam por isso mesmo18.</p><p>32</p><p>Não existindo</p><p>ainda um estudo sobre a Ordem da Espada, limito-me a dar alguns</p><p>exemplos. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, enquanto secretário de Estado, foi feito grão-</p><p>cruz efectivo. Foram com ela agraciados, em 1810, Bernardo José de Sousa Lobato,</p><p>servidor do Paço (era guarda-roupa de D. João), que recebeu o título de comendador</p><p>honorário, atendendo «ao bem que se houve» durante o tempo do «intruso governo</p><p>francês no Reino de Portugal», e a mesma mercê foi concedida a Marco António de</p><p>Azevedo Coutinho Montaury, também guarda-roupa, e a Frederico Caldwell, tenente-</p><p>coronel dos Reais Exércitos19. No mesmo ano passaram de comendadores honorários a</p><p>efectivos D. Manuel José de Sousa, viador de D. Carlota Joaquina, e o conde da</p><p>Figueira, D. José Castelo Branco20.</p><p>33</p><p>Em relação às outras ordens militares, sabemos que D. João, na sua breve passagem</p><p>pela Baía a caminho do Rio de Janeiro, liberalmente distribuiu 102 hábitos de</p><p>cavaleiros da Ordem de Cristo. De acordo com um códice em muito mau estado,</p><p>conservado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o número de hábitos concedidos até</p><p>à independência foi extremamente elevado, mas deve ter sido ainda maior. Os totais</p><p>computados são certamente inferiores aos reais, pois em muitos casos a anotação</p><p>menciona apenas o nome de um agraciado, aludindo a «outros», sem dizer quantos, que</p><p>também tinham recebido aquela graça honorífica. Isto significa que as mercês de</p><p>hábitos e comendas nas ordens militares se banalizaram no período joanino.</p><p>34</p><p>Cristo Santiago Avis</p><p>Ano Comenda Hábito Comenda Hábito Comenda Hábito</p><p>1808 9 47 – 6 1 22</p><p>1809 7 143 – 10 3 46</p><p>1810 17 195 2 12 5 54</p><p>1811 28 65 3 6 4 35</p><p>1812 19 150 1 9 6 49</p><p>1813 18 139 3 2 3 55</p><p>1814 28 146 1 2 4 56</p><p>1815 38 156 – 6 15 98</p><p>1816 26 181 2 2 5 125</p><p>1817 20 227 – 7 – 99</p><p>1818 55 131 2 8 22 146</p><p>Fonte: ANRJ, Cod. 116, Registo Geral das Mercês.</p><p>1819 39 97 2 5 14 126</p><p>1820 46 127 1 2 23 91</p><p>1821 32 91 2 5 18 35</p><p>1822 – 95 – – – 21</p><p>Totais 382 1.990 19 82 123 1.058</p><p>Como seria de esperar, durante a regência de D. Pedro em 1822 não houve</p><p>distribuição de comendas e certamente só se deu despacho a petições de hábitos já</p><p>anteriormente encaminhadas. Depois da independência, o imperador criou sua própria</p><p>ordem militar. No período joanino a ordem mais desejada continuava a ser a de Cristo,</p><p>e o elevado número de comendas e hábitos de Avis explica-se pelo facto de as altas</p><p>patentes militares terem acesso automático a esta ordem desde o alvará de lei de 16 de</p><p>Dezembro de 1790.</p><p>35</p><p>As comendas destinavam-se sobretudo a servidores do Paço ou a empregados</p><p>públicos de alto escalão, embora alguns grandes negociantes, que tinham feito elevados</p><p>empréstimos à Coroa, também as tenham recebido neste período. No ano de 1810,</p><p>quando as comendas da Ordem de Cristo começaram a ser distribuídas em maior</p><p>quantidade, vejamos quem foi com elas agraciado. Para mostrar seu apreço a António</p><p>de Araújo de Azevedo, membro do Conselho de Estado, pelos «distintos serviços» assim</p><p>nos cargos ocupados como na «execução das muitas, laboriosas, arriscadas e críticas</p><p>comissões da maior importância», D. João tornou-o grão-cruz da Ordem de Cristo na</p><p>comenda de S. Pedro do Sul que já tinha21. Tomás António de Vila Nova Portugal, que</p><p>ainda não tinha alcançado o prestígio político que adquiriu mais tarde junto de D. João</p><p>VI, recebeu uma de lotação de 30$000 réis que estivesse vaga, ou que viesse a vagar,</p><p>«podendo desde logo usar a insígnia de comendador», sendo assim recompensado seu</p><p>«zelo, honra, verdade e inteligência» com que se empregava no Real Serviço22. O</p><p>guarda-roupa José Estêvão de Seixas Gusmão e Vasconcelos foi agraciado com uma</p><p>«das de África», sem que seja explicitado o que isto significava. Uma comenda de Avis,</p><p>de lotação de 20$000 réis, foi concedida a Rodrigo Pinto Guedes, do Conselho de</p><p>Guerra, vice-almirante da Armada Real, e a D. Miguel António de Noronha, gentil-</p><p>homem da câmara, foi dada outra no valor de 25$000 réis. De valor inferior, 16$000</p><p>réis, eram as comendas de Cristo destinadas a um conselheiro do príncipe regente, um</p><p>coronel de Milícias e um deputado da Junta de Comércio.</p><p>36</p><p>Se D. João liberalizou as comendas foi sem dúvida à custa do valor das tenças. Apesar</p><p>da baixa destas, havia quem solicitasse a continuação desta mercê num familiar.</p><p>Manuel Jacinto Nogueira da Gama, bacharel em Matemática e Filosofia, já possuía uma</p><p>comenda da Ordem de São Bento de Avis e gozava do foro de fidalgo, além do título do</p><p>Conselho, quando pediu para o filho primogénito, Brás Carneiro Nogueira da Costa e</p><p>Gama, a sobrevivência da comenda que recebera23.</p><p>37</p><p>Os servidores do Paço e os altos funcionários e magistrados não precisavam de</p><p>prestar serviços especiais à Coroa para receberem estas mercês. Comendas de Cristo, de</p><p>20$000 réis, foram distribuídas a José de Oliveira Pinto Botelho Mosquera, que</p><p>acumulava as funções de conselheiro, desembargador do Paço e procurador da Coroa e</p><p>Fazenda, e a Luís José de Carvalho e Melo, também conselheiro e desembargador do</p><p>Paço24.</p><p>38</p><p>Entre os que solicitaram em 1810 comendas de Cristo encontrava-se o intendente</p><p>geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana. Pretendia uma, qualquer que fosse, e com</p><p>declaração de «mais uma vida» a favor do filho primogénito, Paulo Fernandes Carneiro</p><p>Viana25. O despacho foi publicado a 12 de outubro de 1810 e divulgado até mesmo na</p><p>metrópole pela Gazeta de Lisboa, que se referia também à concessão da «estância de</p><p>São Simão, no Rio Grande de São Pedro, em propriedade e por princípio de</p><p>remuneração de seus serviços»26.</p><p>39</p><p>Distribuição dos hábitos das três ordens militares – 1810</p><p>Fonte: ANRJ, Cod. 15, Graças honoríficas, vol.2</p><p>Conselheiros do monarca</p><p>Os aniversários do príncipe regente (13 de Maio) ou do príncipe da Beira (12 de</p><p>Outubro), bem como os eventos festivos como o casamento da infanta D. Maria Teresa</p><p>com o infante D. Pedro Carlos, constituíam ocasiões propícias para os despachos de</p><p>concessão de mercês. Com o pretexto deste casamento real, por exemplo, foram 19 os</p><p>agraciados com o hábito de Cristo, na sua maioria servidores do Paço, empregados</p><p>públicos e oficiais das Milícias, mas sendo também incluídos na lista o lente de Física da</p><p>Academia Militar da Corte e o professor de Gramática Latina do Rio de Janeiro, além do</p><p>vigário colado de Rio Grande, no sul27.</p><p>40</p><p>Os hábitos eram distribuídos pela maior parte das capitanias, embora a Corte, com</p><p>tantos servidores do Paço, empregados públicos e militares, fosse de longe a mais</p><p>aquinhoada, como se pode ver pelas concessões de um único ano.</p><p>41</p><p>Capitania Cristo Avis Santiago</p><p>Pará 3 – 2</p><p>Maranhão 4 1 –</p><p>Pernambuco 5 2 –</p><p>Alagoas 1 – –</p><p>Baía 3 – –</p><p>Goiás 3 – 1</p><p>Minas Gerais 6 – –</p><p>Rio de Janeiro 3 – 1</p><p>Corte 44 – –</p><p>Rio Grande de São Pedro 1 – –</p><p>Cabe notar que surgem no período joanino razões bem concretas para a distribuição</p><p>de mercês, não se falando apenas vagamente no Real Serviço. Luís Moutinho Lima</p><p>Alves e Silva fizera um «dom gratuito», em 1817, «a bem da conservação das águas do</p><p>aqueduto da Carioca e em utilidade pública», de três braças da chácara que possuía no</p><p>Cosme Velho, de um lado e outro do aqueduto, e também do terreno que lhe ficava</p><p>acima. O hábito tinha de tença 12$000 réis28.</p><p>42</p><p>Uma das honras que o soberano concedia a um grupo seleccionado de indivíduos era</p><p>a de pertencer ao seu Conselho. Tratava-se de uma graça honorífica que recaía sobre</p><p>representantes da chamada «nobreza civil» nas mais variadas áreas geográficas do</p><p>império. Estes conselheiros não precisavam de estar na Corte, junto do monarca, para</p><p>receber um título honorífico que implicava apenas o aconselhamento em determinadas</p><p>questões e tais pareceres tanto podiam ser dados oralmente como por escrito.</p><p>43</p><p>Durante a permanência da Corte no Rio de Janeiro, D. João concedeu 144 títulos do</p><p>seu Conselho, que honraram altas patentes militares, dignatários da Igreja,</p><p>representantes diplomáticos, desembargadores do Paço, conselheiros da Fazenda e da</p><p>Guerra, titulares e mesmo alguns negociantes. Alguns agraciados encontravam-se em</p><p>território brasileiro, outros espalhavam-se</p><p>pelas cortes europeias, pelo Reino de</p><p>Portugal e por pontos distantes do império, como Macau ou o Estado da Índia. Entre os</p><p>conselheiros incluíam-se vários governadores.</p><p>44</p><p>Os homens de negócio e as mercês</p><p>régias</p><p>Ao contrário das demais mercês (hábitos e comendas, foros de fidalgo, ofícios, etc.), o</p><p>título do Conselho resultava de uma iniciativa do monarca e não de uma petição do</p><p>vassalo. O que suscita a seguinte questão: a escolha de apenas alguns governadores para</p><p>esse título decorria das qualidades individuais daqueles que ocupavam tais cargos no</p><p>império ou, pelo contrário, da relevância estratégica das regiões que governavam? No</p><p>caso dos governadores em território brasileiro, a escolha de Carlos Frederico Lecor,</p><p>barão de Laguna, em 1819, parece óbvia devido à anexação recente de Montevidéu. Mas</p><p>por quê os governadores do Maranhão, Mato Grosso e Goiás, e não os de Pernambuco</p><p>ou São Paulo? Não há como responder a tais perguntas no estado actual da pesquisa</p><p>sobre esta instituição do Antigo Regime.</p><p>45</p><p>Do mesmo modo só alguns titulares foram escolhidos para o Conselho: os condes de</p><p>Amarante, dos Arcos, de Barbacena, do Barreiro, de Cavaleiros, da Cunha, de Ficalho,</p><p>da Figueira, de Parati, de Peniche, de Redondo, de Linhares (não D. Rodrigo mas D.</p><p>Vitório de Sousa Coutinho), e o duque de Cadaval. Quanto aos altos dignatários da</p><p>Igreja do Brasil deparamos com o bispo de Pernambuco, o célebre cónego da Sé de</p><p>Olinda e comissário do Santo Ofício, Joaquim Marques de Araújo, e vários</p><p>monsenhores da Real Capela, entre eles o bem conhecido José de Sousa de Azevedo</p><p>Pizarro e Araújo, autor das Memórias históricas do Rio de Janeiro. Quando José</p><p>Bonifácio de Andrada e Silva em 1820 se tornou conselheiro exercia dois cargos no</p><p>Reino: desembargador da Relação do Porto com exercício na Cadeira de Metalurgia da</p><p>Universidade de Coimbra, e intendente geral das Minas e Metais do Reino de Portugal.</p><p>46</p><p>Dois grupos estão muito bem representados no Conselho do rei: os desembargadores</p><p>do Paço e os conselheiros da Fazenda. Embora em número mais reduzido, os</p><p>conselheiros da Guerra também era chamados para este Conselho, tendo em geral a</p><p>patente de tenentes generais do Exército. Deputados da Real Junta do Comércio foram</p><p>escolhidos: em 1812 Elias António Lopes (grande negociante que cedera a sua Quinta da</p><p>Boavista para D. João), e João Rodrigues Pereira de Almeida em 1821. Dois negociantes</p><p>«de grosso trato» tiveram a honra deste título: os irmãos Amaro e Manuel Velho da</p><p>Silva.</p><p>47</p><p>Em 1823, ao comentar a «revolução do Brasil», ou seja, o movimento constitucional</p><p>primeiro e o movimento separatista depois, Francisco de Sierra e Mariscal condenava a</p><p>«grande dissipação do Tesouro» durante a permanência da Corte no Brasil, causada</p><p>pelo excesso de distinções concedidas por D. João «a homens que antes eram meros</p><p>negociantes».</p><p>48</p><p>Vejamos se esta «impressão» do estrangeiro é confirmada pelo exame das graças</p><p>honoríficas concedidas no período joanino. Pelo menos num ponto este analista político</p><p>estava equivocado: há muito tempo já que os negociantes recebiam a mercê dos hábitos</p><p>das ordens militares em consequência das ajudas financeiras prestadas à Coroa, ou</p><p>simplesmente por suas transacções comerciais que geravam rendas para o Erário Régio.</p><p>49</p><p>Em suas petições os homens de negócio ressaltavam naturalmente suas contribuições</p><p>financeiras. Joaquim José Pereira de Faro, matriculado com provimento da Real Junta</p><p>do Comércio de Lisboa, já tinha enviado para Portugal a sua folha de serviços até 1804 a</p><p>fim de obter um hábito de Cristo ou de Avis. Fizera grandes despesas com o 1.º</p><p>Regimento de Infantaria de Milícias do Rio de Janeiro, fardando os soldados à sua custa</p><p>e consertando o armamento. Fora inspector da Mesa de Inspecção do Rio de Janeiro e</p><p>servira por alguns meses de tesoureiro do contrato do tabaco. Como entretanto a Corte</p><p>deixara Lisboa, a remuneração destes serviços não fora feita e assim ele pedia agora na</p><p>nova Corte a mercê do hábito de Cristo para seu filho, do mesmo nome, que também era</p><p>negociante daquela praça e servia naquele regimento miliciano. Sua petição, contudo,</p><p>só foi deferida a 3 de Maio de 181929.</p><p>50</p><p>Quando a Corte chegou ao Rio de Janeiro em 1808, Custódio Moreira Lírio solicitou o</p><p>hábito, alegando ter servido de juiz almotacel em 1800 e de vereador em 1806, além de</p><p>ter feito vários empréstimos à Coroa. Anexou à sua petição uma atestação assinada por</p><p>63 homens de negócio da praça do Rio de Janeiro, onde se descobrem as assinaturas de</p><p>alguns dos mais importantes, como Fernando Carneiro Leão, António Gomes Barroso,</p><p>Joaquim José Pereira de Faro e Amaro Velho da Silva. A 31 de Maio de 1809 o príncipe</p><p>regente D. João dispensou-o das habituais habilitações e certidões, sem embargo dos</p><p>estatutos em contrário, devendo o negociante receber o hábito na catedral do Rio30.</p><p>Outro que anexou uma longa lista de donativos à Coroa foi João Rodrigues Pereira de</p><p>Almeida: na qualidade de capitão do Regimento da Candelária, vestira e armara a sua</p><p>Companhia; adquirira 10 acções do Banco do Brasil; concedera um empréstimo para a</p><p>Fábrica da Pólvora; oferecera apetrechos militares e peças de artilharia para a Armada</p><p>Real; fizera despesas com os índios da serra da Mantiqueira31.</p><p>51</p><p>Ao contrário do que escreveu Mariscal, não foram as mercês aos homens de negócio</p><p>que levaram à «dissipação do Tesouro». Com um Erário bem desfalcado, D. João</p><p>recompensou com mercês mais honoríficas do que financeiramente vantajosas aqueles</p><p>negociantes que lhe tinham valido em seus apertos de dinheiro. Em 1810, tendo a casa</p><p>de comércio Carneiro, Viúva e Filhos emprestado 100.000 cruzados para a instalação</p><p>da fábrica de fundição de peças de artilharia e de canos de espingarda, foi concedida ao</p><p>principal representante daquela casa uma comenda numa das ordens militares, e ao</p><p>outro sócio, Geraldo Carneiro Beléns, «o foro de fidalgo na forma que seu avô e</p><p>cunhado o têm».</p><p>52</p><p>No período joanino os hábitos não constituíam mais recompensa suficiente para</p><p>quem ajudava a Coroa a sair do sufoco financeiro e as comendas tornaram-se as mercês</p><p>mais desejadas pelos principais homens de negócio. Quando assinaram uma subscrição</p><p>por ocasião da elevação do Brasil a Reino em Dezembro de 1815, estes eram já</p><p>comendadores: Fernando Carneiro Leão, João Rodrigues Pereira de Almeida, Amaro</p><p>Velho da Silva, Luís de Sousa Dias, Joaquim José de Siqueira, José Luís da Mota32.</p><p>53</p><p>A língua ferina de Luís dos Santos Marrocos, empregado da Biblioteca Real, trouxe à</p><p>baila na sua correspondência com o pai em Lisboa o custo deste tipo de vaidade social:</p><p>«Certo negociante da minha amizade, já cavaleiro, anda querendo ser grão-cruz da</p><p>Ordem de Cristo e apronta 80:000$000 réis»33. Esta seria na verdade uma pretensão</p><p>desmedida por parte de um homem de negócio, uma vez que as grã-cruzes eram mais</p><p>difíceis de alcançar do que as comendas, mas por outro lado a quantia implicada era</p><p>também altíssima.</p><p>54</p><p>Na Corte do Rio de Janeiro, António Gomes Barroso foi um dos negociantes que mais</p><p>se preocupou em alcançar mercês honoríficas. Já era coronel de Milícias e comendador</p><p>da Ordem de Cristo quando pretendeu o foro de fidalgo cavaleiro, com a justificativa de</p><p>ter adquirido 20 acções do Banco do Brasil, o que era uma forma indirecta de ajuda à</p><p>Coroa, tendo esta já proporcionado a fidalguia a dois filhos da viúva Dias e a outros</p><p>capitalistas. A petição de Barroso foi despachada favoravelmente a 6 de Fevereiro de</p><p>1818, elevando-se para 40 acções do Banco o preço para obtenção do foro de fidalgo.</p><p>55</p><p>Isto não significa, contudo, que se tratasse de uma simples compra de fidalguia, uma</p><p>vez que a petição original, datada de 1808, enumerava já os serviços do negociante à</p><p>Coroa. Fora capitão do Regimento miliciano da freguesia de São José da cidade do Rio</p><p>de Janeiro, servira os cargos da república várias vezes, fora deputado da Mesa de</p><p>Inspecção. Com sua actividade mercantil pagara, desde 1802, elevados direitos à</p><p>Alfândega: 227 contos de réis. Fizera um empréstimo à Coroa de 2:200$000 réis. Ao</p><p>Real Erário</p><p>pagara de direitos, desde o fim de Abril de 1802 até o fim de Março de 1808,</p><p>80:073$976 réis, e entrara gratuitamente com 400$000 réis. Aprontara dois navios</p><p>para irem no comboio que se destinava aos portos de Inglaterra. Por tudo isto pedia a</p><p>mercê de foro fidalgo com que o soberano costumava «enobrecer aos seus vassalos,</p><p>quando os julga dignos dessas honras pelos seus serviços».</p><p>56</p><p>Deste modo, entre o pedido original e a concessão da fidalguia, dez anos se tinham</p><p>passado, e na verdade foi a compra de acções do Banco do Brasil que impulsionou a</p><p>concessão da mercê. Depois negociou com a Coroa um novo título honorífico: a</p><p>57</p><p>alcaidaria-mor da vila de Taguaí, «de jure e herdade»34. Para tal desenvolveu um longo</p><p>arrazoado, como se pode ver a seguir.</p><p>Ao arrematar na praça da Real Junta da Fazenda o engenho de Taguaí, situado na</p><p>aldeia de São Francisco Xavier de Taguaí, impusera como condição a remoção da aldeia</p><p>dos índios das terras do engenho, mas isto fora recusado e a aldeia fora transformada</p><p>em vila pelo alvará com força de lei de 5 de julho de 1818. Tal recusa prejudicara muito</p><p>o negociante e esse prejuízo foi usado como moeda de troca para a obtenção de uma</p><p>nova mercê honorífica em 1819.</p><p>58</p><p>Escrevia ele que o acesso à sua propriedade ficara dificultado pela diminuição de</p><p>meia légua em quadra do local cedido à nova vila, a qual «sendo tirada da melhor parte</p><p>do terreno», lhe ocupara os pastos sem os quais não podia ter os cavalos e os bois</p><p>necessários ao engenho, «e por consequência se inabilita de promover maiores</p><p>plantações de canas de que lhe resultaria considerável rendimento». A mercê da</p><p>alcaidaria-mor daquela vila compensaria com o seu prestígio social as perdas</p><p>financeiras de seu engenho.</p><p>59</p><p>Aliás este tipo de mercê foi concedido a vários negociantes no período joanino. José</p><p>Gonçalves da Silva, negociante do Maranhão, já era fidalgo da Casa Real quando, pelos</p><p>donativos à Real Fazenda, recebeu a alcaidaria-mor de uma vila que seria obrigado a</p><p>criar nas suas terras na Capitania do Maranhão, «aforando terrenos a habitantes</p><p>brancos no número ao menos de 30 casas e fazendo à sua custa casas da Câmara, cadeia</p><p>e mais despesas de erecção da mesma vila»35. Com esta concessão de uma honra muito</p><p>apreciada, a Coroa poupava a despesa da criação de uma vila. O soante título de alcaide-</p><p>mor constituía uma digna recompensa para vassalos desejosos de símbolos de prestígio</p><p>social.</p><p>60</p><p>Na Corte, o rico negociante Elias António Lopes foi recompensado por decreto de 29</p><p>de Agosto de 1810, certamente por ter cedido sua Quinta da Boa Vista, em São</p><p>Cristóvão, para residência régia. Já comendador da Ordem de Cristo e deputado da Real</p><p>Junta do Comércio, recebeu a mercê «em sua vida» da alcaidaria-mor e senhorio da vila</p><p>de São José d’el-rei, na comarca do Rio de Janeiro, «com as mesmas honras que são</p><p>devidas na forma da lei às pessoas que têm mercê de se chamarem senhores de algumas</p><p>terras». E na mesma data Fernando Dias Pais Leme recebeu «o senhorio» da vila de</p><p>Resende36.</p><p>61</p><p>Dada a diversidade de seus investimentos (companhias de seguros, comércio de</p><p>escravos, Banco do Brasil, contratos da Coroa, importação e exportação, investimentos</p><p>imobiliários numa cidade em expansão) os negociantes da Corte joanina aspiravam</p><p>também a certos cargos relacionados com sua actividade. Com a criação da Real Junta</p><p>do Comércio no Rio de Janeiro, foram nomeados em 1809 para deputados desta</p><p>instituição reguladora das relações mercantis alguns dos mais acreditados negociantes,</p><p>como Elias António Lopes, João Rodrigues Pereira de Almeida, José Caetano Gomes e</p><p>António da Silva Lisboa, ao lado de letrados como José da Silva Lisboa e Mariano José</p><p>Pereira da Fonseca. Também estiveram ligados a esta instituição os irmãos Manuel e</p><p>Amaro Velho da Silva.</p><p>62</p><p>Os cargos de deputado da Real Junta do Comércio eram muito cobiçados e Agostinho</p><p>da Silva Hofman pleiteou um desses lugares, alegando ter sempre exercido a carreira</p><p>mercantil e possuir conhecimentos sobre o comércio nacional e estrangeiro. Para dar</p><p>mais força à sua petição escreveu: «sofreu graves prejuízos na invasão dos franceses em</p><p>Portugal», tendo a sua casa comercial perdido mais de 200.000 cruzados. Vira-se por</p><p>isso obrigado a residir no Rio de Janeiro com uma numerosa família de mulher e 7</p><p>filhos. Como não conseguiu aquela vaga, mais tarde pretendeu o lugar de procurador-</p><p>geral da Junta «com as honras e o ordenado de deputado», no que também não foi</p><p>atendido37.</p><p>63</p><p>Também o cargo de director do Banco do Brasil interessava à elite mercantil do Rio</p><p>de Janeiro, tendo sido ocupado por João Rodrigues Pereira de Almeida, José Marcelino</p><p>Gonçalves, Manuel Caetano Pinto e Amaro Velho da Silva. Alguns dos principais</p><p>negociantes foram deputados no Banco, como António Gomes Barroso, Fernando</p><p>Carneiro Leão, Luís de Sousa Dias, António da Silva Lisboa, e outros.</p><p>64</p><p>Os militares</p><p>Enquanto durante o período colonial as tropas auxiliares, depois chamadas Milícias,</p><p>desempenharam um papel fundamental na defesa do Brasil, com a presença da Corte</p><p>no Rio de Janeiro a tropa paga, ou seja, a Tropa de Linha, adquiriu maior visibilidade</p><p>na colónia e assumiu um papel político preponderante, primeiro na eclosão do</p><p>movimento constitucional, e depois quando surgiram as primeiras formas de</p><p>separatismo.</p><p>65</p><p>A organização militar profissional, pelo menos a que estava sediada no Rio de</p><p>Janeiro, foi criticada em pareceres de especialistas por manter uma excessiva</p><p>oficialidade. Tal excesso foi apontado, em 1816, pelo tenente general Vicente António de</p><p>Oliveira, autor de umas «Reflexões sobre a instituição da Força Armada da Capitania do</p><p>Rio de Janeiro», manuscrito que se encontra na Biblioteca Nacional do Rio. Escrevia ele</p><p>que os oficiais de todas as graduações eram em número suficiente para um exército de</p><p>100.000 homens, quando os soldados não passavam de 10.000.</p><p>66</p><p>Tal desproporção resultava, por um lado, de uma carreira militar que servia também</p><p>para remunerar serviços, e por outro do grande temor em relação à vida de soldado.</p><p>Para aumentar o recrutamento, sempre feito à força na colónia por se tratar de uma</p><p>vida dura, longa e mal paga, o tenente general propunha a criação de uma classe de</p><p>«soldados distintos» que incluísse todos os que, não podendo aspirar à condição de</p><p>cadetes, ou soldados nobres, pertenciam contudo a grupos sociais que não eram de</p><p>modo algum plebeus.</p><p>67</p><p>Para essa categoria de soldados distintos entrariam os filhos de oficiais de patente até</p><p>capitão inclusive; os filhos de cavaleiros de uma das três ordens militares e igualmente</p><p>da mais recente Ordem da Torre e Espada; os filhos de negociantes matriculados; e</p><p>também os filhos dos que, «vivendo de suas rendas», se tratavam à lei da nobreza. Esta</p><p>nova categoria viria assim complementar a inovação do reinado de D. José, quando em</p><p>1757 se regulamentaram o estatuto e os privilégios dos cadetes. Os que aspiravam a esta</p><p>categoria em qualquer uma das três armas do Exército tinham de primeiro fazer a</p><p>justificação de nobreza por pais e pelos quatro avós. Sendo moços fidalgos, ou de foro</p><p>maior, ou filhos de sargentos-mores ou mestres de campo (depois equivalentes a</p><p>tenentes generais) não precisavam de realizar esta prova perante os auditores do</p><p>Exército. Além da justificação de nobreza, o cadete, «para manter seu tratamento</p><p>nobre», deveria possuir um rendimento anual de 144$000 réis, pois deste modo não</p><p>ficaria dependente apenas de seu soldo38.</p><p>68</p><p>A ideia proposta pelo tenente general Vicente António de Oliveira foi parcialmente</p><p>seguida em 1820, quando D. João VI determinou que os filhos de oficiais de patente da</p><p>Tropa de Linha do Exército do Brasil, ou de pessoas condecoradas com o hábito das</p><p>ordens militares, fossem admitidos como segundos cadetes; e que os filhos de pessoas</p><p>com «alguma consideração civil, ou pelos seus empregos, ou pelos seus cabedais», se</p><p>alistassem na tropa paga como «soldados particulares». Esta última categoria estendia-</p><p>se às Milícias para os descendentes de pessoas que, pelos seus bens, ou «por outros</p><p>respeitos»,</p><p>merecessem tal consideração. Este decreto de 24 de Fevereiro de 1820, dada</p><p>a sua relevância para a hierarquia social transposta para a hierarquia militar, foi</p><p>transcrito pelo Correio Brasiliense, periódico publicado em Londres por Hipólito da</p><p>Costa. Só respeitando a condição social de seus integrantes é que o exército deixaria de</p><p>ser desproporcionado, «à imitação de um monstro que, tendo cabeça de gigante, o</p><p>tronco e as pernas fossem de anão», como pitorescamente escrevia o tenente general</p><p>Vicente António de Oliveira.</p><p>69</p><p>Com o movimento constitucional passaram a ser malvistas estas diferenças sociais</p><p>entre os soldados. Em Lisboa, na Impressão Liberal, foi publicada em 1822 uma</p><p>significativa Memória sobre a utilidade da extinção dos cadetes, cuja existência parece</p><p>repugnante ao sistema constitucional e nociva ao serviço da pátria, da autoria de João</p><p>Pereira da Costa, que se apresentava como porta-voz dos oficiais inferiores do Exército.</p><p>Fazia ali apelo a D. João VI para que suspendesse as «habilitações de cadete», ou seja,</p><p>70</p><p>Bibliografia</p><p>Notas</p><p>1 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 47, 1884, pp. 1-17.</p><p>2 Santos (1943), vol.1, p. 197.</p><p>3 Filho (1968), pp. 70-71.</p><p>4 Correio Brasiliense, III, 1809, pp. 157-158. O opúsculo em questão intitulava-se «Desengano</p><p>proveitoso, que um amigo da pátria se propõe dar a seus concidadãos».</p><p>5 Diniz-Silva (2006), p. 578.</p><p>6 Santos (1943), vol.1, pp. 229-231.</p><p>7 Santos (1943), vol.1, p. 221.</p><p>8 Santos (1943), vol.1, p. 239.</p><p>9 Diniz-Silva (2006), pp. 583-584.</p><p>10 Pereira (1946), pp. 139-141.</p><p>as provas de nobreza apresentadas para se poder auferir desse estatuto, pois tal</p><p>fenómeno era intolerável numa época constitucional.</p><p>Em conclusão, já antes de instaurado o liberalismo político D. João aparecia como um</p><p>mãos largas em relação à concessão de mercês. Em Agosto de 1816 João Bernardo da</p><p>Rocha Loureiro, redactor de O Português ou Mercúrio político, comercial e literário,</p><p>publicado em Londres, dirigia um memorial a D. João VI em que, antecipando-se a</p><p>outros representantes do pensamento liberal, criticava o excesso de mercês concedidas</p><p>sobretudo na Brasil, escrevendo: «Senhor, não é necessário que o príncipe entorne</p><p>títulos, comendas, graças e mercês a esmo e às mãos cheias». Embora a concessão de</p><p>mercês fosse prática habitual dos reis, o número excessivo delas desqualificava a honra</p><p>recebida: «Dessa maneira faltam prémios para os beneméritos e cobrem-se de favores</p><p>os indignos: um reposteiro, um guarda-roupa mui raramente pode merecer uma</p><p>comenda e nunca um título». Loureiro assestava aqui suas baterias a Francisco José</p><p>Rufino de Sousa Lobato, servidor do Paço, que como vimos recebeu em 1809 o título de</p><p>barão de Vila Nova da Rainha. Mencionava ainda «a chusma de títulos», novos ou</p><p>renovados, «os centos de comendas e de insígnias» conferidos, e lembrava que a</p><p>prodigalidade de mercês destruía «o tesouro da honra»39.</p><p>71</p><p>Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1816, separata da Revista do Instituto Histórico e</p><p>Geográfico Brasileiro, vol. 268, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1966.</p><p>Carneiro, Manuel Borges (1826), Direito civil de Portugal, Lisboa, Impressão Régia.</p><p>Colecção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891.</p><p>Diniz-Silva, Andrée Mansuy (2006), Portrait d’un homme d’État. D. Rodrigo de Sousa Coutinho,</p><p>comte de Linhares, 1755-1812, Paris, Centro Cultural/Fundação Calouste Gulbenkian.</p><p>Filho, Enéas Martins (1968), O Conselho de Estado português e a transmigração da família real</p><p>em 1807, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional.</p><p>Loureiro, João Bernardo da Rocha (1973), Loureiro, Memorais a D. João VI, Paris, Centro</p><p>Cultural/</p><p>/Fundação Calouste Gulbenkian.</p><p>Marrocos, Luís dos Santos (1939), Cartas, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional.</p><p>Pereira, Ângelo (1946), Os filhos d’el-rei D. João VI, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade.</p><p>Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 268, Rio de Janeiro, Imprensa</p><p>Nacional, 1966.</p><p>Santos, Luís Gonçalves dos (1943), Memórias para servir à História do Reino do Brasil, 2 vols.,</p><p>Rio de Janeiro, Editora Zélio.</p><p>Silva, Maria Beatriz Nizza da (1975), Silvestre Pinheiro Ferreira: ideologia e teoria, Lisboa, Sá da</p><p>Costa.</p><p>11 Diniz-Silva (2006), p.625.</p><p>12 Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1816, separata da Revista do Instituto Histórico</p><p>e Geográfico Brasileiro, vol. 268, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1966.</p><p>13 Pereira (1946), p. 143 e 147.</p><p>14 Diniz-Silva (2206), p.599.</p><p>15 Silva (1975), p. 32.</p><p>16 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ), Co. 15, Graças honoríficas, vol. 2.</p><p>17 ANRJ, Cod. 564, provisões de 10 de Janeiro de 1820.</p><p>18 Diniz-Silva (2006), p. 587.</p><p>19 ANRJ, Cod. 15, Graças honoríficas, vol.2, fls. 3-3v, 16 e 18v.</p><p>20 Ibid., fls. 15v-16.</p><p>21 Correio Brasiliense, IV, 1810, p.553.</p><p>22 ANRJ, Cod. 15, Graças honoríficas, vol.2, fl. 1.</p><p>23 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ), Mss. Documentos biográficos, C 944, 33.</p><p>24 ANRJ, Cod. 15, Graças honoríficas, vol.2, fls. 3-3v.</p><p>25 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, 1066, 11.</p><p>26 Gazeta de Lisboa, n.º 48, 1811.</p><p>27 ANRJ, Cod. 15, Graças honoríficas, vol.2, fls. 2v-3.</p><p>28 ANRJ, Ordem de Cristo, Caixa 787, pacote 3.</p><p>29 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, C 331, 10.</p><p>30 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, C 76, 4.</p><p>31 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, C 496, 14.</p><p>32 Santos (1943), vol. 2, p. 475.</p><p>33 Marrocos (1939), carta 38, de 7 de Janeiro de 1813, p. 122.</p><p>34 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, C 527, 19.</p><p>35 Decreto de 22 de Abril de 1816, in Colecção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa</p><p>Nacional, 1891.</p><p>36 Gazeta de Lisboa, n.º 53, 1811.</p><p>37 BNRJ, Mss. Documentos biográficos, C 233, 5.</p><p>38 Carneiro (1826), Liv. I, tit. IV, # 52.</p><p>39 Loureiro (1973), pp. 82-83.</p><p>Para citar este artigo</p><p>Referência do documento impresso</p><p>Maria Beatriz Nizza da Silva, «A Corte no Brasil e a distribuição de mercês honoríficas», Ler</p><p>História, 54 | 2008, 51-73.</p><p>Referência eletrónica</p><p>Maria Beatriz Nizza da Silva, «A Corte no Brasil e a distribuição de mercês honoríficas», Ler</p><p>História [Online], 54 | 2008, posto online no dia 03 fevereiro 2017, consultado no dia 01 julho</p><p>2024. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/2368; DOI:</p><p>https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2368</p><p>Autor</p><p>Maria Beatriz Nizza da Silva</p><p>Universidade de S. Paulo (Brasil)</p><p>Direitos de autor</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2377</p><p>https://journals.openedition.org/lerhistoria/2377</p><p>https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/</p><p>https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/</p><p>Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações,</p><p>anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.</p><p>https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/</p>

Mais conteúdos dessa disciplina