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Luiz Beltrão Iniciação à Filosofia do Jornalismo (Ensaio) “Prêmio Orlando Dantas – 1959” Capa de Aberlardo Zaluar 1960 Livraria Agir Editora Rio de Janeiro A JEAN-MAURIGE RERMANN Presidente da O.I.J. — Paris Prof. RONALD IIILTON da Universidade de Stanford — Califórnia Dr. FRANCIS E. TOWNSEND Adido Cultural dos EE.UU. — Washington JAROSLAV KNonwdn Secretário Geral da O.LJ. — Praga Luís SuAREZ do Sindicato Nacional de Redatores de Prensa — México Prof. P. P. SINGI-I Diretor do Departamento de Jornalismo da Universidade de Panjab — índia CARLOS RIZZINT, TEISTÂ0 DE ATAÍDE G ANTÔNIO OLINTO pioneiros dos altos estudos jornalísticos no Brasil e “ad inemoriam” Prof. Luiz SILVEIRA Diretor da Escola de Jornalismo Casper Líbero — S. Paulo Prof. MÁRIO MELO Decano dos jornalistas pernambucanos O AUTOR DEDICA ÍNDICE PREFÁCIO ..................................................................................................................................... 9 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 13 PRIMEIRA PARTE: AS MANIFESTAÇÕES DO JORNALISMO ..................................................21 ORIGEM E EVOLUÇÃO .............................................................................................................. 23 Pré-história do Jornalismo ............................................................................................................24 A fase histórica .............................................................................................................................26 Primórdios do Jornalismo brasileiro ............................................................................................. 28 O PAPEL E O JORNALISMO ESCRITO ......................................................................................32 Peliculas de celulóide ...................................................................................................................35 Micro-fotografia .............................................................................................................................35 Os jornais eletrônicos ...................................................................................................................36 O RÁDIO E O JORNALISMO ORAL ............................................................................................86 O telefone .....................................................................................................................................39 A fita magnéticaca ........................................................................................................................39 O DESENHO E O JORNALISMO PELA IMAGEM ...................................................................... 41 A ilustração e a caricatura ............................................................................................................42 A fotografia ...................................................................................................................................46 O cinema ......................................................................................................................................48 A televisão ....................................................................................................................................54 CONCEITO DE JORNALISMO .....................................................................................................60 SEGUNDA PARTE: OS CARACTERES DO JORNALISMO ........................................................63 DA ATUALIDADE .........................................................................................................................66 Jornalismo e História ....................................................................................................................66 Atualidade e Atualização ..............................................................................................................68 Atualidade e Permanência ............................................................................................................69 Manifestações da Atualidade ........................................................................................................71 DA VARIEDADE ...........................................................................................................................72 Variedade e Especialização ..........................................................................................................73 Jornalismo Geral e Especializado .................................................................................................75 DA INTERPRETAÇÃO .................................................................................................................77 Interpretação e Seleção ................................................................................................................78 Interpretação e Vocação ...............................................................................................................79 Extensividade e Intensividade ......................................................................................................81 DA PERIODICIDADE ....................................................................................................................82 Através da História ........................................................................................................................83 Nos Tempos Modernos .................................................................................................................86 DA POPULARIDADE ....................................................................................................................89 Extensão da Popularidade ............................................................................................................91 Popularidade e Liberdade .............................................................................................................98 Condições da Popularidade ..........................................................................................................98 DA PROMOÇÃO .........................................................................................................................100 Jornalismo e Sociedade ..............................................................................................................100 As Campanhas Jornalísticas e o Bem Comum ..........................................................................103 Jornalismo e Direito ....................................................................................................................104 Jornalismo e Opinião ..................................................................................................................110 TERCEIRA PARTE: OS AGENTES DO JORNALISMO .............................................................115 O PÚBLICO ................................................................................................................................117 O Público, Agente Ativo ..............................................................................................................118 Balanço do Trabalho do Público-Agente ....................................................................................122 O EDITOR ...................................................................................................................................123 O Editor-Financista .....................................................................................................................124O Editor-Idealista ........................................................................................................................128 O Estado-Editor ..........................................................................................................................132 O Estado, Editor-Idealista ...........................................................................................................137 O TÉCNICO ................................................................................................................................140 Fase da Manufatura ....................................................................................................................141 Fase da Mecanofatura ................................................................................................................143 O Problema da Automatização ...................................................................................................150 Jornalismo e Automatização .......................................................................................................151 O JORNALISTA ..........................................................................................................................158 A Vocação do Jornalista .............................................................................................................159 A Curiosidade-Comunicativa ......................................................................................................161 Fecundidade Jornalística ............................................................................................................164 A Objetividade ............................................................................................................................162 A Discrição .................................................................................................................................166 Senso Estético ............................................................................................................................169 QUARTA PARTE: AS CONDIÇÕ&S DO JORNALISMO ............................................................171 O PROBLEMA DA LIBERDADE .................................................................................................173 Poder Público e Liberdade de Opinião .......................................................................................175 Educação para a Liberdade ........................................................................................................178 Defesa da Liberdade de Opinião ................................................................................................184 O PROBLEMA DA RESPONSABILIDADE .................................................................................185 Jornalismo e Moral ......................................................................................................................185 O Jornalismo Sensacionalista .....................................................................................................190 A Ética no Jornalismo Brasileiro .................................................................................................193 Jornalismo e Nacionalismo .........................................................................................................200 Ação Catalizadora do Jornalismo ...............................................................................................202 O Jornalismo Brasileiro e o Nacionalismo ..................................................................................205 Os Reclamos do Presente ..........................................................................................................209 Jornalismo e Paz Mundial ...........................................................................................................212 A “Batalha da Paz” ......................................................................................................................214 A ONU e a Paz ...........................................................................................................................216 Os Caminhos da Paz ..................................................................................................................219 BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................223 PREFÁCIO A muitos surpreenderá venha de um jornalista de província — certo que de província com as tradições culturais de Pernambuco — uma contribuição de tantos e tão altos méritos paira o conhecimento do jornalismo, em sua técnica e em seu espírito, como esta Iniciação à Filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão. Entretanto, as condições em que, pelo menos até bem pouco, se fazia jornal na província, sem as limitações de rígida especialização, davam aos bons jornalistas provincianos o domínio integral dos segredos de seu ofício; habituavam-nos de cedo a redigir desde o registro dos “faits divers”, à crônica internacional ou ao grave artigo doutrinário. Além disso, o contato mais direto com o fato, em si, e com as suas reações, confere à posição daqueles jornalistas, em face de um e de outras, o caráter de participação integral, quase sempre rica de calor humano, até nos impulsos de suas paixões. A prática do jornalismo de província adquire, com isso, peculiaridades que, se o diferenciam, também o valorizam, em termos de identificação mais profunda entre o jornal e os que o fazem e entre estes e o meio social. A modesta imprensa do interior, em seu heroísmo anônimo na luta pela sobrevivência, é o mais vivo exemplo dessa identificação. De Pernambuco vieram, aliás, já com os nomes consagrados, para unia atuação mais ampla no jornalismo brasileiro — se quisermos citar apenas valores dos nossos dias —, figuras da expressão profissional de Barbosa Lima Sobrinho, Aníbal Freire, Assis Chateaubriand, Osório Borba, diferentes no estilo e feitio, mais todos eles, pelo equilíbrio, pela vivacidade, pelo ânimo combativo, verdadeiros mestres no ofício. Dentre os que lá ficaram e morreram, poder-se-iam referir nomes como Gonçalves Maia, Manuel Caetano, Carlos de Lira Filho e, mais recentemente, aquele autêntico professor de ética que foi Caio Pereira, para quem a expressão “magistratura da imprensa” definia seu próprio conceito de jornalismo, fiel à preocupação da justiça ao dever da verdade. Ou, dos atuais, esse outro admirável artífice de jornal, Aníbal Fernandes, mestre de mais de uma geração, sempre ágil e lúcido em sua extraordinária sensibilidade jornalística para o fato que vai ser notícia. Jornalista de província, no bom sentido, Luiz Beltrão concilia em sua atividade profissional e didática a força da vocação com o gosto pela formação. Ocupando duas cátedras em Cursos de Jornalismo, uma de Ética, outra de Técnica, até nisso revela seu ilimitado interesse pelos problemas da imprensa, em sua universalidade: o espírito que anima a tarefa jornalística, os fundamentos morais da profissão, de um lado; e, de outro, os aspectos ligados, propriamente, à arte de fazer jornal. Sua participação em numerosas reuniões da classe, a coerência da posição assumida em face de determinadas teses, as viagens a outros países, com olhos atentos de repórter empenhado em apreender as experiências alheias, tudo isso lhe atribui uma autoridade que o mérito deste ensaio consolida e amplia. Sabe-se que a imprensa está sofrendo, em todo o mundo, a séria concorrência de outros agentes de comunicação, com suposta primazia do rádio e da TV. Esta posição de desvantagem é, porém, simples aparência. Pela circunstância de ser, talvez, dentre aque les agentes,o mais adequado à experimentação simultânea do maior número das leis da propaganda, tais como as definiu Domenach,o jornal continua a manter o antigo prestígio, na competência dos modernos instrumentos formadores da opinião. Luiz Beltrão adota, aliás, para “jornalismo” o conceito mais amplo; com ele identifica o veículo, qualquer que seja, da informação sofre o fato corrente, e da interpretação desse fato, “com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum”. A visão de conjunto dos problemas do jornalismo, contida neste ensaio, demo nstra-nos quanto é fascinante a análise’ das modernas técnicas que interferem na formação da opinião; elas é que geram ou manipulam, ao arbítrio de ocultas intenções, boas ou más, as forças misteriosas que, expressas em vontades, tendências e aspirações, constituem i consciência de cada sociedade ou, como também já foram chamadas, “o foro interior de uma nação”. Tanto mais fascinante é aquela análise quanto vivemos uma hora - em que o progresso científico e tecnológico, embora contribua, em termos de liberdade política, para assegurar ao homem o direito dc manifestar sua opinião, concorre, em contrapartida, para tornar cada vez mais vulnerável a sutis influências, de ação direta ou indireta, a própria elaboração do pensamento. Êsse é, realmente, o mais grave risco que enfrentam não só as instituições democráticas, mas a própria razão livre dos cidadãos, no difícil mundo dos nossos dias. A pluralidade dos partidos e a liberdade de opinião têm igual importância como valores inerentes à concepção ocidental de democracia. Mas, até onde essa liberdade de opinião será, realmente, livre? Até onde seu exercício traduzirá um esforço espontâneo de discernimento, a eleição consciente de uma atitude ou solução, dentre várias atitudes e soluções? À medida que se aperfeiçoam os recursos técnicos de comunicação, mais se acentua o perigo de que processos artificiais elaborem as correntes de opinião, submetendo-as à influência deformadora dos agentes da propaganda. “A opinião é tão livre” — anota Afonso Armas de Melo Franco — “quanto permitem as injunções da psicologia. A pro paganda encadeia a sua vítima, dando à imposição da conduta a aparência de escolha voluntária”. O grau de eficiência alcançado pelos meios formadores da opinião, a capacidade dêstes meios para impor-lhe os rumos e tendências que mais convenham a objetivos predeterminados, criaram tremenda responsabilidade moral, nos dias atuais, para os que manejam os instrumentos de informação e propaganda. Se lhes faltam as bases ideológicas de uma consciência social, ou as diretrizes de princípios éticos, a fórça que detém, consciente ou inconscientemente, não estará nunca a serviço do progresso humano, da justiça social, do bem comum. Será simples joguete de outros, manobrado por interêsses ocultos ou por grupos de pressão. Variando de povo para povo, em função dos diferentes elementos históricos, étnicos e culturais que lhe formem o substrato mais profundo, a opinião pública exprimirá sempre o seu grau de higidez pela resistência às injunções externas e pelo poder de discernimento e reação crítica. Além disso, terá de fusidar-se em deterininados valores morais, para. que mantenha ui3va atitude de permanente vigilância e fiscalização, no jôgo de tendências e contradições de que resulta o equilíbrio das democracias. Tanto mais imaturo poticamente um povo, quanto maior sua receptividade emocional e mais suscetível de ceder às injunções das técnicas de divulgação e propaganda, pela frágil resistência aos ardis da coerção psicológica. Désses ardis se têm valido, por exemplo, os regimes totalitários, para o domínio pacífico das vontades e inteligências, em benefício de uma ideologia, de um partido, ou de um homem — no caso, o ditador. Há, é verdade, enorme distância entre os métodos adotados, nesse terreno, pelos Estados totalitários — não só de coerção psicológica, mas também de violência policial e de total supressão da liberdade de informar e opinar —, e o estilo dos países livres. Nestes, pelo menos teoricamente, o processo de formação da opinião, sobretudo no que incumba aos órgãos do govêrno, tem de basear-se no dever da verdade e no esfôrço de persuasão, pelo esclarecimento honesto, o livre exame e o acesso fácil às fontes autênticas de informação, tudo condicionado pelo res peito à dignidade humana. Nas democracias é que o jornalismo alcança lada a sua grandeza, porque a missão que lhe cumpre, livremente exercida, não pode sofrer outras limitações senão as que decorrem da consciência dos que o praticam. Não falta quem indague, com certo ar de alarmismo, em que é fácil identificar, muitas vêzes, o mêdo instintivo da liberdade, se está a imprensa, particularmente nos países de menos maturidade política e cultural, à altura de sua missão social; se, em muitos casos, não transigirá demasiado com o gôsto mórbido de algumas camadas do público, prontas sempre a valorizar o sensacionalismo e o escândalo. Transigência que se manifesta ainda no relêvo publicitário conferido aos aspectos patológicos ou negativos do dia-a-dia, enquanto, via de regra, dispensa tratamento diferente aos fatos de sentido construtivo, capazes de gerar atitudes de confiança e otimismo. Acentua muito bem Alceu Amoroso Lima que “a grande finalidade moral e social do jornalista (...) vai além da finalidade puramente informativa. O jornalista medíocre informa por informar; o autêntico jornalista informa para formar”. O conceito de notícia, dentro de certai noções já sistematizadas, é uma aquisição comum na técnica jornalística moderna, nêle implícito o dever da isenção, da precisão e da objetividade. Mas, o próprio dever e o direito de informar têm de ser entendidos dentro dos limites daquela finalidade social e moral; ou então o jornalismo deixa de ser um elemento positivo, como fôrça elaboradora da opinião — que éle, a um só tempo, forma e reflete, sofrendo-lhe, também, a. influência — para converter-se num poderoso instrumento de perversão. É preciso evitar que o mau uso da liberdade, de que nos falava Pio XII ao aludir às tentações a que está sujeito o jornalista, leve pessoas de boa fé, nas democracias, a. defenderem a restrição dessa liberdade. Ruim com ela, pior sem ela. Sempre a experiência demonstrou que todos os abusos da liberdade, por parte da imprensa, foram menos nocivos ao bem comum do que a supressão da possibilidade de sua prática. Mesmo naqueles casos em que certas deficiências éticas desviam o jornalismo da consciência de sua missão social, deve- se ter presente que a estatização da imprensa, ou seu contrôle pelo Estado, só têm contribuído, em tôda parte onde foram experimentados, para agravar e ampliar os piores vícios, através de uma técnica monstruosa de deformação da verdade, pela mistificação dirigida. Não foi outra a experiência que nos ficou do Estado Novo, com o aviltamento, pelo DJP, dos veículos de opinião e informação. Êste ensaio de Luis Beltrão vale por uma tomada de posição em face de temas sempre sugestivos e atuais. Vem juntar-se aos melhores trabalhos do gênero até agora publicados no Brasil, inclusive as traduções. Todos os problemas que interferem no processo jornalístico — como técnica, como indústria, como profissão —, ou que interessam aos que se preocupam com os rumos do jornalismo, por lhe reconhecerem as responsabilidades sociais, são apreciados nestas páginas com segurança e objetividade. Não fôsse o caráter quase didático da obra, cuja utilidade para os alunos das nossas Escolas de Jornalismo é evidente, e seria talvez desejável tivessem maior desenvolvimento certos aspectos particulares da arte de fazer jornal. O caso, por exemp lo, do “estilo jornalístico”, em confronto com os problemas específicos dos demais gêneros literários, para acentuar suaspeculiaridades, o despojamento de linguagem, êsse ideal de precisão e concisão que é, também, um dos segredos do entendimento entre o jornalista e o seu público de mil cabeças. Trata-se, aliás, de tema que já mereceu, no Brasil, análises tão lúcidas como as de Alceu Amoroso Lima e Antônio Olinto, sem falar tias contribuições não menos importantes que, em discursos de posse na Academia Pernambucana de Letras, deram ao seu exame dois jornalistas da alta graduação intelectual de Costa Porto e Andrade Lima Filho. Quem sabe, porém, se, nesse capítulo de linguagem de jornal, ainda não seria mais oportuno o levantamento dos subsídios que oferece paira aquêle “Dicionário de la tontería”, que Ferrater Mora pensou contrapor à idéia do “Dicionário da Estupidez’, de Fiaubert?... Outro aspecto a ressaltar seria a renovação por que têm passado os jornais, quanto à aparência gráfica. É um ponto em que não interferem sàmente problemas de natureza técnica ou de especialização profissional, mas também as possibilidades econômico-financeiras das emprêsas, como entidades industriais; nem deve ser encarado, apenas, em têrmos de gôsto estético: tem função determinada entre as fórmulas de conquista da opinião. Aliás, uma das transformações a assinalar na técnica de jornal é a capacidade, que os modernos recursos desenvolveram, de formar opinião, principalmente no sentido de influência mais ampla sôbre as massas, não com o raciocínio objetivo dos artigos-de-fundo, mas com a sim pies notícia e a maneira de apresentá-la. A doutrinação perde terreno como forma de convencimento. Está certo Jacques Kayser, citado por Luiz Beltrão, ao admitir que o bom título supera em eficácia um editorial, nos efeitos sôbre o espírito do público. Vale referir, dentre muitas, uma experiência de ordem pessoal. Era um breve comunicado do IBGE, em linguagem sóbria, quase técnica, para esclarecer que, dentro dos critérios de comparabilidade inter- nacional, metade da população brasileira já se apresenta alfabetizada. Pelo seu interêsse informativo, teve larga divulgação, sem alterações no texto original. Só os títulos variavam. Nos jornais de orientação mais conservadora ou tradicionalmente simpáticos aos governos, sempre otimistas “et pour cause”, valorizava-se o aspecto positivo; “Já alfabetizados 50% dos brasileiros”; nos da oposição, prevalecia o aspecto negativo: “Ainda 50 % de analfabetos na população brasileira”. A verdade, porém, continuava íntegra, e uns e outros títulos fiéis, como de boa norma, às conclusões do texto. Todos estamos de acôrdo, creio eu, em que o jornalismo brasileiro vem progredindo e aperfeiçoando-se, no espírito e na forma, desde a fase de restauração das franquias democráticas. Quase discordaria de Luiz Beltrão no reparo pessimista ao desapreço que lhe votam as elites, não fôsse o sentido dêsse reparo, como registro de uma omissão da chamada política de desenvolvimento nacional. Até mesmo quanto às restrições ao exercício da liberdade de imprensa, já não ocorrem com a mesma freqüência os atos de arbítrio das autoridades públicas, enquanto parecem aumentar os apelos às sanções da justiça. Isto é um bom sintoma. Entretanto, há ainda um longo caminho a percorrer, no sentido da valorização efetiva da atividade jornalística, sobretudo no tocante à formação de novas gerações de profissionais; formação que não apenas llhes confira o seguro domínio do “métier”, mas, pelo prevalecimento das normas éticas, projete na aplicação das técnicas modernas a consciência social que, em quaisquer circunstâncias, subordina a prática do jornalismo aos interêsses do bem comum. Nesse esfôrço de aperfeiçoamento cabe função relevante às Escolas de Jornalismo já existentes e a outras que, em maior número, nos cumpre criar, na exata medida em que possam, através de currículos adequados, contribuir para a renovação dos quadros profissionais; cabe função igual aos congressos da classe, desde que não apenas dedicados às reivindicações de direitos, ou ao exame de problemas que, muitas vêzes, extrapolam as fronteiras do legítimo interêsse profissional, mas também a um vigilante exame de consciência quanto aos seus deveres e responsabilidades e à maneira por que vêm sendo atendidos; e, “last but not least”, à ampliação de nossa bibliografia especializada, com a publicação de estudos sistemáticos sôbre problemas de jornalismo, corno é o caso dêste excelente ensaio de Luiz Beltrão. É grato verificar que um jornal da categoria do Diário de Notícias escolheu o jornalismo como tema de concurso de seu Suple mento Literário, sob o patrocínio de um nome, Orlando Dantas, realmente simbólico para a classe, pelo exemplo que deixou de uma nobre concepção do dever da imprensa, nos reqimes democráticos, e de firme bravura na resistência aos poderes de coerção e coacção do Estado totalitário. Agrada-me que, professor de Ética, Luiz Beltrão dê ênfase, neste livro, à estreita conexão, no jornalismo, entre o direito à liberdade e o dever da responsabilidade. A liberdade de imprensa já se incorporou às aquisições de nossa cultura política, é parte do patrimônio social, e cumpre-nos defendê-La a todo custo, inclusive porque, na síntese magnífica de Ruy, a ela incumbe “a dignidade inestimável de representar tôdas as outras”; o dever da responsabilidade tem de ser uma conquista ascendentc da classe, em seu empenho constante de aprimoramento eia técnica e de aperfeiçoamento ético, vale dizer, de integração na consciência de seu papel, no complexo das fôrças sociais. Na verdade, tão sugestiva é, se entendida dentro dêsse espírito, a missão de fazer jornal, nas suas vinculações entre o fato e a história, o efêmero e o eterno, o imanente e o transcendente, que nela, como talvez em nenhuma outra, será possível experimentar, com efeitos decisivos sôbre a sociedade do futuro, a conciliação sugerida por Mannheim entre o humanismo e a técnica. Êste ensaio de Luiz Beltrão, interpretativa da verdadeira essência do jornalismo e, ao mesmo tempo, esclarecedor dos problemas de seu exercício, ajuda-nos a caminhar neste sentido; e contribui, também, para que, superada a fase da supremacia da paixão sôbre a razão e valorizada a vocação pela formação, possa o jornal, no Brasil, adquirir cada vez mais as virtudes dos seis fiéis servidores de Kipling: I have six faithful serving men; They taught me all I know. Their names are What and Where and When, And How and Why and Who. WALDEMAR LOPES INTRODUÇÃO Ocorre-nos, freqüentemente, a constatação desoladora do desapreço em que é tido o jornalismo na Brasil. Desapreço que nem o elevado índice de iletrados nem o baixo nível de vida da população podem explicar satisfatoriamente, uma vez que é justamente nas elites que o fenômeno melhor se comprova. Não fôsse assim e não viveríamos — nós, os jornalistas, e o público ao qual nos dirigimos — sob a constante ameaça de leis restritivas da liberdade de informar e de opinar, quando não da ação de medidas ainda mais drásticas: censura prévia, supressão de quotas de papel ou de freqüências e canais, prisões e processos, apreensão de edições e empastelamento de oficinas gráficas. Nenhum dêsses atentados é perpetrado pelo povo, pelas classes menos ilustradas, pelos leitores, radiouvintes ou telespectadores, que constituem a grande massa da população; ao contrário, são de iniciativa de governos, de parlamentares e políticos sôbre os quais recai, muitas vêzes impiedosa, a crítica jornalística, de autoridades policiais e militares arbitrárias, e até de intelectuais e profissionais liberais aos quais competiria, antes, ocupar a primeira linha na defesa intransigente do jornalismo, de cujo exercício livre e amplo depende, indeclinàvelmente, a sua própria e ampla atividade. O desapreço daselites dirigentes brasileiras pelo jornalismo fica ainda mais patenteado se considerarmos que, nos planas e programas de desenvolvimento econômico, pela crescente industrialização do país, não figura a montagem de fábricas de máquinas e peças prá ficas, transmissores e receptores de rádio e televisão, produtores de cinema, aumento da produção de papel de imprensa, (I) de películas de celulóide e outras matérias primas de que necessitam os veículos jornalísticos para cobrir com eficiência o vasto território nacional e atender aos reclamos de significativa percentagem da população QW ignora o que ocorre, já não dizemos no mundo mas em alguns quilômetros ao seu derredor. Percentagem significativa da população que, por isso mesmo, permanece e permanecerá à margem dos movimentos de construção e recuperação nacionais, das idéias políticas, dos sistemas filosóficos, da evolução científica, artística e social em foco no nosso tempo, como um pêso morto, a impossibilitar a marcha do país para a conquista da posição de relêvo que lhe compete no concêrto universal. O ilustre professor cubano Octavio de la Suarée, em estudo critico sôbre a situação do nosso jornalismo, observou que “mais do que a liberdade de imprensa como bem profissional indispensável, a sociedade brasileira se interessa por assegurar aos seus jornalistas um tratamento privilegiado, que lhe faça a vida — e não a emissão do pensamento — mais fácil.” Assinalou o curioso fato de que “no próprio texto constitucional não aparece a locução clássica “liberdade de imprensa” consignada em nenhum capitulo e demonstrou, pela transcrição do art. 141, n. V da Constituição, que o inciso “a publicação de livros e jornais não dependerá de licença, etc.” revela “partipris” dos legisladores brasileiros contra a imprensa como instituição, pois se traduz, inclusive, na postergação do jornal ao livro, preferência que não tem justificação, tendo-se em conta a extensão do analfabetismo do povo. “Na ordem moderna da ilustração e da cultura populares — acrescentou — o jornal é a ante-saia do livro.” O mesmo professor, como já _____________ (I) Confirmando o descaso do govêrno brasileiro pelo problema do papel e denunciando “o que se poderia chamar de meta do governo esquecida ou mal orientada”, os srs. Agostinho Ermelino de Lcâo Filho e Júlio f4aito Sobrinho, da Associação Comercial do Paraná, apresentaram, em setembro de 1958, III Conferência Brasileira de Comércio Exterior, realizada no Recife, urna tese em qne pleiteiam provando por A mais li as vantagens do processo — a implantação de indústrias médias na zona papeleira do pais, tanto para celulose como para papel d imprensa. Curioso é que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, ao que parece “sem uma experiência ou mesmo um estudo mais profundo”, considera condenável o programa de indústrias médias e, assim, é responsável pelo retardamento da nossa emancipação neste importante setor da eeonomia e da cultura nacionais. o fizera Luis R. Praprotnik conclui que, “na América Latina é o Brasil o pais que toma a iniciativa de tudo o que concerne à tutela legal das atividades dos trabalhadores intelectuais, manuais e técnicos da imprensa, concedendo-lhes benefícios, tais como isenção do impôsto de renda, do impôsto de transmissão inter- vivos, aposentadoria, salário mínimo, férias, etc., contanto que lhes escamoteie a liberdade.” E4 citando o caso da instituição do reporter-amador, o “carioca- reporter” de “A Noite”; chega à evidência de que “essa dupla falta — teórica e prática de liberdade de imprensa, influiu notàvelmente na psicologia do jornalista brasileiro que é, talvez, o único que anima e recompensa o intrusismo profissional, exortando o público a que trabalhe para a imprensa, como se quisesse buscar no próximo profano solidariedades protetoras.” (II) Se é verdade que as benesses distribuídas pela lei não atingem a generalidade dos jornalistas, cujos reduzidos salários não os favorecem com renda normalmente gravável, nem lhes permitem possuir imóveis — nem por isso as observações referidas são menos reais: — o Estado faz-se paternalista, contanto que o “filho” obediente não viole o quarto mandamento... Quando a atitude dos quadros de liderança do país não se exprime por uma hostilidade frontal ou um suspeito paternalismo, assume uma terceira feição: a da humilhante indiferença. Indiferença quanto aos julgamentos, quanto à critica, quanto à orientação que o jornalista, intérprete dos sentimentos e reclamos coletivos, procura transmitir nos seus pronunciamentos. Diante de uma campanha jornalística, o indiferente, à sombra do poder, jamais altera a sua linha de conduta, o seu procedimento, o seu esquema; julga-se senhor absoluto da verdade e do acêrto; considera a grita da imprensa e do rádio como manobra de despeitados, inconformados ou ignorantes. Do jornalismo, porque não pode deixar de fazê-lo, colhe, apenas, a informação — e a informação que satisfaça aos seus próprios objetivos; o mais é atirado fora, como bagaço sem valia. O conceito que as elites fazem do jornalismo vai, entretanto, ganhando prosélitos nas massas populares, que passam a descrer da sinceridade e da honestidade dos profissionais, dêsses seres privilegiados, dessa casta de intelectuais para os quais o Estado destina tantos e tão largos benefícios... O jornalista tem de estar a sôldo de alguém: do govêrno ou da oposição, sustentado pelo Estada ou pelos trustes comerciais e industriais, pela reação nacional ou peki finança internacional; a sua informação é tendenciosa; a sua opinião não merece fé. Qualquer êrro seu é apontado como exemplo de corrupção e logo generalizado a todo o seu trabalho profissional, e logo tornado extensivo a todos os seus companheiros de ofício. Esquece-se que o jornalista é humano e que a sua missão é tanto mais difícil no Brasil quanto lhe tem faltada duas condições essenciais ao seu aprimoramento: - a garantia do exercício da liberdade e a oportunidade de uma adequada formação profissional. Pela primeira, às vêzes mal compreendida, confundida outras com licença, tem lutado bravamente, enfrentando os arreganhos do poder e da fôrça, em campanhas memoráveis, com vítimas e mártires; para a conquista da segunda, infortunadamente, faltam-lhe recursos econômicos e apoiamento oficial. Com efeito, as deficiências da formação profissional dos jornalistas brasileiros, numa época em que todos os ofícios exigem preparo e especialização, imprimem ao seu espírito um complexo de inferioridade, que se manifesta na desorientação, no baixo nível cultural e mesmo técnico do nosso jornalismo, na falsa concepção de direitos e deveres dos nossos órgãos de divulgação. Improvisam-se jornalistas e técnicos de jornal à base, apenas, de um período de treinamento nas redações ou na reportagem. Qualquer semi-letrado se arvora em profissional, na maioria dos casos atraído pelo “prestígio” de que gozará e pelos teóricos privilégios que o Estado lhe confere. Os corpos redacionais aumentam, sem que haja correspondência entre o seu volume e o seu valor. Enquanto em todo o mundo procura-se educar o jornalista para o exercício da liberdade e da profissão, entre nós relega-se a plano secundário a sua formação científica e técnica. Estudos e seminários sôbre opinião pública, meios de difusão do ____________ (II) “Socioperiodismo” — pág. 456 – TROCAR N. DE PÁGINA pensamento, ética, história e legislação de imprensa, importância do jornal na sociedade, intercâmbio de informação internacional, aspectos técnicos da profissão são exigidos, hoje, tanto nas democracias ocidentais como nas chamadas democracias populares. Visam levar o jornalista a familiarizar-se com os temas fundamentais, econômicos, sociais e políticos do seu país e com a aplicação das ciências exatas, naturais e sociais à solução dos problemas humanos e das questões internacionais, manipulandoe utilizando as notícias relativas ao estrangeiro com o propósito de cooperar pela concretização dos ideais de justiça, liberdade e paz mundial. Estamos certos de que essa, desarmonia entre as elites e o jornalismo, êsse descompasso entre os jornalistas e o público, as incompreensões e os conflitos entre o poder e a opinião decorrem, antes de tudo, de um generalizado desconhecimento do que seja o jornalismo, da sua missão, da sua influência na cultura, no progresso e na civilização dos povos, do indeclinável dever que todos temos de assegurar a essa atividade humana essencial a mais essencial de tôdas as suas condições de desenvolvimento: — a liberdade. Ao que nos conste, nenhum estudo sistemático dêsses problemas foi realizado em língua portuguêsa e as nossas livrarias e bibliotecas estão desprovidas de obras sôbre tão importantes temas, mesmo provenientes de outros centros culturais. Alguns poucos e esparsos estudos publicados — à exceção de obras apologéticas, históricas ou de memórias — o foram em jornais ou em páginas pouco manuseadas de “Anais” dos congressos da classe, não chegando a repercutir nas elites culturais e políticas, despertando-lhes o interêsse para questões vitais à corporificação dos nossos ideais filosóficos, à solidificação das nossas reivindicações de progresso, à efetivação dos nossos anseios de um mundo de povos livres e pacíficos. Em conseqüência, além de ficarmos à retaguarda dêsse movimento de valorização social e cultural do jornalismo, dele não extraímos os benefícios e vantagens de que necessitamos, especialmente agora, na fase aguda da campanha em que nos empenhamos para a completa emancipação nacional. Estas observações nos levaram a oferecer aos jornalistas, aos intelectuais, aos estudantes e aos estudiosos dos fatos sociais brasileiros, o nosso contributo a uma melhor compreensão de tão relevante matéria. Esperamos firmemente que êste ensaio seja útil, de modo especial às nossas elites, advertindo-as das graves responsabilidades com que arcam para a construção do futuro do nosso país, pela defesa intransigente dos nossos foros de cultura e de civilização, pela promoção do nosso desenvolvimento social e econômico e pela consolida ção das nossas instituições democráticas, as quais repousam, sem dúvida, na existência ele um jornalismo livre, vigoroso e respeitado. ______________ Neste trabalho, foram aproveitadas e ampliadas teses elaboradas, det’atidas e aprovadas nos Congressos Nacionais de Jornalistas realizados no Recife, em 1951, em Curitiba, em 1958 e em Belo Horizonte, em 1955; pesquisas e estudos feitos por ocasião das nossas visitas aos Estados Unidos, em 1954, a convite do Departamento de Estado, e às Repúblicas Populares da Tchecoslováquia e da China, a convite das respectivas Uniões de Jornalistas; durante a realização da 1 Conferência Mundial de Entidades de Imprensa, em São Paulo, em 1954; no 1 Encontro Internacional de Jornalistas, efetuado em Heisinque, Finlândia, em 1956, e no LV Congresso da Organização Internacional de Jornalistas, em Bucarest, Romênia, em 1958; e ainda apostilas para o exercício das cátedras de “Ética, História e Legislação de Imprensa” e “Técnica de Jornal” dos cursos de jornalismo da Faculdade de Filosofia do Instituto Nossa Senhora de Lourdes, em João Pessoa, e da Faculdade de Filosofia Manuel da Nóbrega, da Universidade Católica do Recife. O Autor deve agradecer, especialmente, a colaboração que recebeu por parte dos professôres e jornalistas Ruy Antunes, frei Romeu Perea, Rod W. Horton, Vamireh Chacon, Zita An.drade Lima, Fernando Sigismundo, José da Costa Porto, Paulo Cavalcanti, Reinaldo Câmara, Andrade Lima Filho e Geraldo Campos de Oliveira, que leram ou participaram dos debates sôbre os temas tratados no original, oferecendo sugestões de relevante interêsse para a efetivação do ensaio. Estende os agradecimentos ao “Diário de Notícias” que, com a instituição do “Prêmio Orlando Dantas — 1959” para estudos sôbre jornalismo, proporciono u, não sòmente facilidade editorial como oportunidade a que os círculos intelectuais se voltassem para os problemas técnico-profissionais e sociais jornalísticos. Recife, abril-junho de 1959. PRIMEIRA PARTE AS MANIFESTAÇÕES DO JORNALISMO Contém: ORIGEM E EVOLUÇÃO Prehistória do jornalismo A fase histórica Primórdios do jornalismo brasileiro O PAPEL E O JORNALISMO ESCRITO Películas de celulóide Micro-fotografia Os jornais eletrônicos O RÁDIO E O JORNALISMO ORAL O telefone A fita magnética O DESENHO E O JORNALISMO PELA IMAGEM A ilustração e a caricatura A fotografia O cinema A televisão CONCEITO DO JORNALISMO Entre tôdas as atividades humanas, nenhuma responde tanto a uma necessidade do espírito e da vida social quanto o jornalismo. É próprio da nossa natureza informar-se e informar, reunir a maior soma de conhecimentos possível do que ocorre no nosso grupo familiar, nas vizinhanças, na comunidade em que vivemos, entre os povos que nos rodeiam e, mesmo, nos mais longínquos rincões do mundo. Através dêsse conhe cimento dos fatos, o homem como que alimenta o seu espírito e, fortalecendo-se no exame das causas e conseqüências dos acontecimentos, sente-se apto à ação. Semelhante fato ocorre com as coletividades: — a divulgação de informações e a exposição, ainda mesmo superficial, de pontos de vista sobre assuntos relatados contribuem decisivamente para formar a Opinião Pública e, conseqüentemente, impulsionar os agrupa mentos humanos às decisões e realizações da vida social. ORIGEM E EVOLUÇÃO Lancemos um rápido olhar para o homem primitivo, o homem das cavernas ou o silvícola, que não conhecia a escrita, que apenas esboçava a vida em comum. Nada obstante, êsse homem fazia jornalismo, o que vale dizer que transmitia aos seus semelhantes, à sua tribo, com regularidade e freqüência, interpretando-os, os fatos correntes que interessavam à comunidade: — o resultado da caça ou da pesca, a aproximação de animais ferozes e cataclismas, a escolha dos chefes, o relato das suas batalhas. De posse dessas informações, feitas oral- mente ou por sinais e sons convencionados, em tambores ou arrancados às inúbias, a tribo poupava ou consumia maior cópia de alimento, buscava meios de defender-se das feras ou da inclemência da natureza, reconhecia a soberania do chefe ou decidia como agir em relação aos inimigos vencedores ou vencidos. Tudo isso, instintivamente feito nos primórdios da humanidade, e ainda hoje nas civilizações primárias, visava assegurar o bem comum, promo ver a vida em sociedade, estratificar normas de direito ou reformar práticas que as circunstâncias ditavam. Desde essa época remota, os homens não dispensaram a informação; ao contrário, para obtê-la, transmiti-la uns aos outros e dela retirarem proveito empenharam-se a fundo, deixando inscritas nas páginas da história alguns dos seus mais belos episódios de construção. Nenhuma sociedade, país ou grupo humano prescindiu da informação e, no mundo dos últimos trezentos anos, dos órgãos da imprensa e dos meio s de comunicação das massas. Prehistória do Jornalismo — Os mais antigos documentos conservados e decifrados dos tempos heróicos são a inscrição gravada por Yu, o Grande, sôbr o monte Heng-Chan, na China, cêrca de 2.200 AC, registrando o cataclisma do dilúvio, e o chamado Mármore de Pwros, enco’ntrado no Século XVI e levado à Inglaterra pelo conde de Arundel, através do qual se pode acompanhar, dia a dia, a fundação de Atenas. Flavius Josephus afirma que os babilônios contavam com historiógrafos, encarregados de escrever o resumo dos acontecimentos públicos e queteria sido utilizando êsse material que Bérose compôs, no Século III AC, sua História da Caldéia. Voltaire escreveu que a China possuia jornais desde tempos imemoriais e, se bem que sem comprovação absoluta, em 1908 foi comemorado, naquele país, o milenrio da Ga,zeta, de Pequim (“King Pao”) que, segundo a tradição, era escrita em madeira. Também no Egito, no ano 1750 AC, teria existido um diário oficial, no reinado de Toutmés II, impresso em papiro, além da constante circulação de jornais satíricos, um dos quais combatera acirradamente o faraó Amarsis. Entre os fragmentos arqueológicos ainda hoje indecifrados e que se julga conterem informações jornalísticas, figuram os sinais gravados nas rumas Maias, nas pedras da Ilha de Pascôa e as misteriosas inscrições das covas de Altamira, na Lagoa Santa, Minas Gerais, e da pedra das vertentes do rio das Mortes, nos bravios sertões matogrossenses. A verdade, entretanto, é que “até onde chega a nossa petração na antiguidade, lá encontramos — em pedra, pau, metal, barro, concha, fibra, pele e papel — o jornal, isto é, a informação rudimentar de algum acontecimento contemporâneo, conservado pelos simbolos; fôssem mnemônicos, fixando valores arbitrários supletivos da memória, como as cintas de conchas variegadas dos iroqueses e as cordas de nós coloridos dos peruanos fôssem pitográficos, reproduzindo objetos e figurando idéias, tais os hieroglifos e os sinais assírios, persas e aztecas; fôssem, enfim, fonéticos, traduzindo as vozes nas letras do alfabeto... Com exceção de poucas resenhas ordenadas, a generalidade dos documentos arqueológicos contém episódios avulsos e casos circunstanciais. Em nenhum capítulo da história mas em qualquer coluna de jornal, entrariam, por exemplo, as vinte curas milagrosas gravadas nas estelas do aráculo de Esculápio, em Epidauro, entre elas a de um pobre diabo que engolira sanguessugas por artes da sogra e a de um taful a quem o deus fizera nascer cabelos, esfregando-lhe a calva com certo ungüento... Evidentemente, nem a êsse nem a outros monumentos epigráficos ou paleográficoss cabe a qualificação de jornal, ainda no sentido da singela e ingênua informação. Menos cabe a de história, em cujo espírito interpretativo e crítico a narração por si nada exprime1. Mais característico do puro jornalismo, que não se confunde com a história, é a transmissão de notícias e avisos breves, através de sinais luminosos. Entre as populações primitivas, a fogueira era (e ainda o é) um meio habitual de indicar perigo e convocar auxílio. Sabemos, da narrativa da primeira guerra macedônia, que as tropas de Felipe se orientavam por fanais, colocados sôbre o monte Tisé. Aliás, OS gregos utilizavam a conjugação de sinais luminosos para se informarem de fatos ocorridos a uma distância de três ou quatro dias. Cesar, nos seus Comentarii de Belo Gailica, registrou que qualquer acontecimento de vulto alastrava-se através da Gália “porque os Gauleses o gritavam uns aos outros através de campos e vilas; assim, o que se passava em Genabo de madrugada era ouvido à tarde Pos Arvernos, a 160 milhas de distância.” A fase histórica — Os romanos, quando construiram o Império, não puderam dispensas a informação que lhes proporcionaria a vitória sôbre os seus opositores a manutenção do domínio, o estabelecimento de um espírito público convencido da “missão civlizadora” das águias imperiais. Durante vários séculos, o Grande Pontífice recolhia os fatos de cada ano, inscrevendo-os numa tábua branca, o Album, exposta nos muros da sua casa para que os cidadãos tomassem conhecimento. Com a expansão io império e a multiplicação dos interêsses do Estado, sentiu_se a necessidade de ampliar essas informações e os Anais dos Pontifices foram transformados na Acta Pública, espécie de jornal oficial, Coube a Cesar, êle próprio um excelente repórter come o demonstrou à posteridade pelas suas descrições circunstanciadas de guer de conquista da Gália, dar mais um passo no sentido de ampliar a informação, ordenando que as atas do Senado e as ocorrências de interesse público fôssem diàriamente divulgadas, criando-se a Acta Diurna, em tábuas que eram expostas no Forum e das quais não tardou fôssem tiradas cópias palticulares, que circulavam dentro e fora dos muros de Roma, A Acta Diurna inseria, a partir de quando começaram a movirnentar-se as suas cópias, “os menores acontecimentos de interêsse mesmo efêmero: cerimônias fúnebres, incêndios, execuções, banquetes, longevjdades e fecundidades extraordinárias.”2 Com a queda do Império Romano, êsses jornais primitivos desaparecea Durante a Idade Média, “regrediu a informação à era heróica dos rapsodos, transmitindo as novidades de bôca em bôca, na poesia e no canto dos troveiros e jograis... A Idade Média foi, à fôrça, a idade da palavra falada: — os poucos indivíduos que sabiam escrever não tinham como nem a quem fazê-lo... Até o Século XI, as notícias difundiam-se pelas cantílenas — 1 Carlos Rizzini — O livro, o jonal e a tipografia no Brasil — Rio, 1956 - págs. 12-13. 2 Emile Boivin — Histoire du Journalisnie — Paris, 1949 pág. 7 estrofes breves e atuais, meio líricas meio narrativas — cujo fundo seria largamente aproveitado na composição de gastas e canções. Peregrinando por vilas e castelos, os jograis, ao lado do lirismo das baladas e pastorelas, dos lais e cantigas de amor e de amigo, entoadas ao som de sanfonas, rotas, violas e saltérios — cantavam e recitavam gostas, que eram a história popular do tempo, e contos facetos e satíricos, inspirados em discórdias e agitações, verdadeiras gazetas rimadas.”3 As suas canções “não eram senão novidades rimadas, enternecedoras e cáusticas narrativas de sucessos” e foram crescendo em audácia; a princípio os jograis, incentivados em seu mistér pelos poderes públicos, como ocorrera ao tempo de Henrique IV, mandando compor um romance para celebrar a entrada do Condestável Miguel Lucas em Granada, passaram a tomar partido, intervindo nas questões de interêsse coletivo e ameaçando a ordem estabelecida, que atacavam por vêzes impiedosamente. “Era preciso reprimir e pôr côbro a essa liberdade do jogralismo que, por fim, se assemelhava um pouco à nossa liberdade de imprensa” e foi o que fêz Carlos VI, em 1395, proibindo, sob pena de serem postos em prisão “dois meses a pão e água aquêles que, nas suas canções, fizessem menção ao Papa, ao Rei e aos nossos Senhores de França.”4 Com o Renascimento, o jornalismo se consubstancia nas folhas escritas à mão, geralmente de interêsse para comerciantes e navegadores. Entre essas publicações, figuram os avvisi venezianos, as news ietters inglêsas do século XIII e os Ordinari Zeitungen dos mercadores alemães, que constituiram, antes do surgimento da arte de imprimir, veículos da informação dos fatos correntes, se bem que restritos a um público limitado. Essas informações também não tardaram a ser consideradas perigosas à civilização e à ordem dominantes. Muitos dos seus autores foram punidos, inclusive Niccoló Franco e Annibale Capelio, exeõutados como “caluniadores” e “pestiferi homini”, após tidos como réus pelos tribunais da Inquisição. Dos longínquos tempos de Elisabeth 1, há memória de notáveis noticiaristas, como Roland White, Pory, Locke e Chamberlain. Na França, de 1409 a 1499, o Journal d’un bourgeois de Paris noticiava escândalos, narrava anedotas, re.gistrava a chuva e o bom tempo. Foi no reinado de Francisco I que surgiu o primeiro censor, Mellin de Saint Galiais, abade de Reclus, bibliotecário do rei, “poeta de epigramas licenciosos e de odes eróticas.”5 O Século XV assiste à descoberta da tipografia e da imprensa e à revolução nos métodos de divulgação das informações. Contra a fôrça tremenda que os impressos passaram a representar para a difusão dos conhecimentos e orientação da opinião pública,desencadeou-se, duraite os dois séculos seguintes, a mais cruel repressão de que há história. Nada obstante, os antigos “menanti”, “novellanti”, “repportisti” e “gazzettanti” — nomes que se davam aos repórteres e redatores das fôlhas manuscritas — se multiplicaram, agora unidos aos impressores, que se advertiram do bom negócio que representava a emissão de fôlhas com relatos de fatos da atualidade. Enquanto que perseguiam os jorfialistas em geral, os soberanos passaram a utilizar a imprensa como veículo de informações de seu interêsse e, naturalmente, de louvaminhas. Assim, em 1597, Rodolfo II, imperador, reune os editôres mais capazes para elaborar um mensário com notícias do Santo Império Romano -Germânico; e Luis XIII, na Fiança, concede a Theophraste Renaudot o privilégio de publicaf um hebdomadário — La Gazette — que, além de informações políticas inteiramente favoráveis ao govêrno real e do texto das ordenanças oficiais, inseria notícias de nascimentos, matrimônios, festas, divertimentos dos principais personagens da côrte, bem como crimes, processos, catástrofes e execuções. O Século XVII vê surgir a imprensa por tôda a Europa civilizada e na Nova Inglaterra, onde, em 1638, em Cambridge, Mass., Stephen Daye instala uma impressora. É também nesse século, 3 Carlos Rizzini — Obra cit. págs. 17-I8. 4 Cit. por Rizzini — Obra cit. — pág. 22. 5 Conf. Charles Gidel, cit. por Rizzini – pag. 21, exatamente em 1644, que Milton publica a sua Aeropagítica, que é a primeira defesa sistemática da liberdade de imprimir. Primórdios do jornalismo brasileiro — No Brasil, apesar de não termos tido imprensa senão às vésperas do Ipiranga, nem por isso o colono português integrado na nossa vida, ou o nativo, deixou de praticar o jornalismo. A exemplo de outros povos, apelou para a informação e a sátira verbal, para o pasquim e a fôlha volante. Nos tempos mais remotos da colonização, era dos púlpitos das igrejas que se utilizavam os letrados oradores sacros para transmitir notícias e conselhos à comunidada Foi assim que frei Antônio Rosado, um ano antes da invasão flamenga, anunciou, em memorável sermão no convento do Carmo, a formação de poderosa esquadra que poderia transformar Olinda em Olanda, com a mudança apenas de uma letra; e que o padre Vieira tantas e tantas vêzes fêz jornalismo, utilizando ora o púlpito, como em 1640, na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia, “pelo bom suc esso das armas de Portugal contra as da Holanda”, cujas tropas ameaçavam a cidade do Salvador pela segunda vez, ora as cátedras dos coléos dos jesuitas. Nas cartas e relatórios redigidos por um português antipernambucano, espião a serviço do govêrno, delatando feitos fatos da Revolução de 1817 e descrevendo a situação em ernambuco no ano sêguinte, consta6 que “o padre Miguel, estre de Retórica e orador insigne, na primeira ominga da aresma de 1817, subiu ao púlpito na igreja do Corpo Santo, triz do Recife, e o texto do seu sermão foi: “Nunca tempus tabile die salutis”, em cujo discurso mostrou o quanto era dos homens a liberdade por êles mesmos acabrunhada ão houve subterfúgios nem rodeio ardiloso de que êle se valesse a fim de derramar no ânimo dos ouvintes a deI1e.ta, e nula contemplação para com os soberanos da uma vez que não se comportassem em conformidade igreja e Justiça dos vassalos. Dizia que David por um o fizera penitência tôda sua vida, e que os soberanos presente aplicavam o tempo devido a jejum e cilícios, tempos e renitências de agravo, e culpas inexpiáveis com o céu, tais como abandono do povo e da religião. Ele e seus colegas a profanam e suas pérfidas línguas só ousavam caluniar o Soberano, o Portador, o mais excelso dêsse santo culto, que respeitamos e adoramos. O clero, enfim, nunca foi mais danoso à religião nem suas práticas mais nocivas ao Estado.” O mesmo espião luso assinala que “as lojas de fazenda, e as boticas são os lugares onde ordinàriamente se falam de tôdas as novidades, nelas eu compareço a certas horas do dia ou da noite. Ouço nestes lugares, informo-me dos de fora; ouço dos de fora, informo-me nestes lugares, e tudo igualmente submeto às minhas reflexões.” Centros de divulgação de notícias eram as feiras, os Senados das Câmaras, os portos e os armazéns. As notícias oficiais eram transmitidas por bandos, dos qais eram incumbidos comandantes e capitães-mores, com acompanhamento de alguns soldados e tambores. Para o interior, seguiam bandeiras e tropas e, de engenho a engenho, de povoação a povoação, as notícias corriam pela bôca dos capitães do mato, dos tropeiros e mascates — como na Idade Média pela voz dos jograis. O pasquim — escrito em linguagem viperina e afixado nos muros, pôsto por debaixo das portas ou circulando de mão em mão às escondidas, às vêzes em prosa, doutras em verso, denunciava irregularidades, promovia invectivas e, ora justo ora injusto, atuava junto à opinião pública como os editoriais da imprensa dos nossos dias. A história guarda, nos seus registros, rastros dessa forma jornalística primitiva: Z- já em 1587, em Ilhéus, um almoxarife, de nome Jorge Martins, que afirmava ter Deus pés e mãos, escreveu um papel contra a Companhia de Jesus e os padres do lugar porque não lhe queriam dar a absolvição sem que se re tratasse da heresia, tendo sido mesmo denunciado à Santa Inquisição pelo jesuíta Antônio da Rocha. E dom 6 Ministério da Educação e Cultura – Documentos Históriocos – Revolução de 1817 – Vol. CVII – Ed. Biblioteca Nacional- Rio,1955 – págs. 243-44. Luís Antônio de Sousa, capitão-mor em São Paulo, sentira na própria carne o aguilhão do pasquim, quando um tremendo requisitório contra a sua administração, em verso, foi misteriosamente colocado em sua mesa de trabalho, não sem antes ter sido exposto no adro da igreja de Santa Teresa, em noite de novena. Também na Bahia, em 1798, a chamada “Inconfidência Baiana” ou “Conspiração dos AIfaiates” abortou, sendo presos e executados vinte e três dos implicados porque um tal Luís Gonzaga das Virgens, soldado desertor, escrevera uns avisos atacando as a ridad es e exigindo postulados da Revolução Francesa – tais como a abertura dos portos, desclausura dos conventos e extinção dos mopólios — fazendo-os afixar às esquinas e adros da cidade. Da defesa apresentada por José Carlos Mairink da Silva Ferrão, secretário do Govêrno da Capitania de Pernambuco, antes, durante e após a Revolução de 1817 — o que o torna urna espécie de Talleyrand brasileiro — consta a decisiva influência de um “papel” na eclosão do movimento. Narra êle7 que “apareceu a célebre questão de uma prêta, em que figuravam um negociante europeu Firmin, e não sei que brasileiro, cujos papéis a favor e contra dizia-se que eram feitos por Bernardo Luís Ferreira Portugal e o Tenente Coronel Ajudante de Ordens do govêrno Alexandre Tomás de Aquino, nos quais papéis apareceram muitas indignidades que mais e mais exacerbavam os dois partidos.” Essa questão surgira em agôsto de 1816, quando uma escrava descontente da sua senho ra resolveu fugir e procurar senhor que a comprasse, dirigindo-se a um negociante chamado Alexandre Firmin. Êste ofereceu elevada importância pela escrava mas a sua dona reusou, exigindo a devolução da “pessoa que êle ilegitimamente tinha em seu poder”. A questão foi à Justiça e o advogado da senhora foi Bernardo Luís Ferreira Portugal, que requereu a osse para a suú constituinte. O juiz, porém, despachou em favor de Firmin e Portugal, “picado, e levado do mais feroz agastamento”, redigiu uma réplica da qual foram tiradas mil pias distribuidas na cidade. Neste “papel”, Portugal denunciava “certa classe de europeus” que julga que “a América é escrava e que tem direito ao vexame dos americanos”, que ia ao Brasil “não só traficar com os nossosgêneros mas também arrebatar-nos nossas propriedades”, concluindo ser isso fazer sentir “a êste tratante, que temos leis que respeitam a propriedade, e aquilo que se faz nulamente e com dolo não produz impedimento.” A população tomou o partido de Bernardo, enquanto um caixeiro português, de nome Azevedo, apesar de ignorante, “entusiasmado pegou na pena e u dita réplica, porém tão pedantesca como atrevidamente, de sorte que as duas classes se agitaram pasmosamente, e foi então desde esta época que ficou de todo semeada a divisão e discórdia. . . Assim, foi grassante o mal no coração da canalha, que os rebeldes contavam para o golpe decisivo da sua emprêsa, e os oradores da sua parte também não poupavam panegíricos figurados pelos quais lhe representassem cara a idéia da liberdade e de um patriotismo mal entendido.” A maior figura panfletária da colônia foi, de certo, Gregório de Matos, o “Bôca do Inferno”, cujas composições poéticas visavam criticar ferinamente os costumes, as ações dos poderosos, a justiça bastarda e vendida, o clero de vida irregular, a sociedade da época, a •vida pública e privada dos baianos e reinóis. De tal modo estão as sátiras de Gregório de Matos cheias de atualidade e notícias, que Ronald de Carvalho considera a sua obra como “o nosso primeiro jornal, onde estão registrados os escândalos miúdos e grandes da época, os roubos, os crimes, os adultérios e até as procissões, os aniversários e os nascimentos.” - Outro grande documento do jornalismo satírico colonial manuscrito são as Cartas Chilenas, de autoria de Tomás Antônio Gonzaga, que se ocupam dos desmandos e da rapinagem do capitão general das Minas, Luís da Cunha Menezes. São doze cartas, em decassílabo5, de uma fluente graça literária, que retratam Vila Rica e reporteiam aspetos, episódios e usos do tempo. Foram redigidas entre 1788 e 1789, exatamente ao tempo da Inconfidência, mas nem por isso oferecem interêsse político, pois o seu autor, antecipando a atitude de submissão que tomaria quando descoberta a conjura na qual se envolvera, em mais 7 Ministério da Educação e Cultura – Documentos Históricos cit. Págs. 201-201, 241-243 de uma ocasião ressalta a excelência das instituições civis e religiosas monárquicas, embora acuse Cunha Menezes e seu “entourage” de deturpá-las e prejudicá-las. O PAPEL E O JORNALISMO ESCRITO O jornalismo escrito, utilizando como matérias primas o papel8, as películas de celulóide e, mais recentemente, a eletrônica, se impôs como o principal meio de divulgação de fatos e idéias. Em nossos dias, o papel constitui, ainda, a mais importante dessas matérias primas e nêle são impressos jornais, revistas, magazines, boletins e avulsos. Descoberta dos chineses, através de um funcionário palaciano Isai-Loun, que conseguiu encontrar a maneira de fabricá-lo misturando trapos, fibras vegetais e linho de cânhamo, cêrca de cem anos depois. de Cristo, sômente em 806, ao que se sabe, o Estado estabelecia a primeira fábrica. Um século e meio mais tarde, tendo aprisionado alguns artesãos chineses, obrigando-os a produzir papel em Bagdá, os árabes introduzem o produto na Europa, através do norte da África e da Espanha, onde há memória de fábricas em Jatiba, Toledo e Valência, O documento mais antigo em papel, que se conhece na Espanha, é o Repartimiento de Valencia, feito por Jaime 1, de Aragon, em 1237, conservado no Arquivo da Corôa de Aragon. As primeiras fábricas européias de papel utilizavam como matéria prima o linho e só mais tarde o algodão. Os trapos eram amassados em um gral e embranquecidos com cola animal e amido de trigo. Cêrca do ano de 1300, surgiram em Ravensburg, Alemanha, os moinhos para a preparação da pasta, que se fazia passar por peneiras de arame de latão para conseguir unia mescla mais homogênea. O costume de mergulhar a pasta de papel, colocada sôbre uma teia metálica nas tinas, subsistiu até 1811, quando, na França, foi iniciada a fabricação por meio de máquinas. Com o incremento do uso do papel, a partir da metade do século XIX, buscaram-se outras matérias primas para a sua fabricação e assim, graças a um invento do saxão Godofredo Keller, em 1845, pôde-se empregar a fibra de madeira, submetida a certas reações químicas. Palha e bagaço de cana de açúcar são, atualmente, utilizados para a fabricação do papel, assegurando-se aliás que êsses materiais constituirão, em futuro próximo, a princip al fonte do produto, uma vez que as suas safras são anuais, enquanto a madeira exige largos períodos para o crescimento das árvores de que é extraída. Para se ter uma idéia do angustiante problema do papel de imprensa no mundo, basta citar que, em 1948, para uma produção global de 7.482.000 toneladas, das quais 4.635.000 originárias do Canadá, houve uma demanda de 7.569.000, das quais 85 por cento foram utilizados pelos Estados Unidos, o maior consumidor do mundo (5.015.000 de toneladas). Naquele ano, verificou-se, portanto, um “deficit” de 87.000 toneladas, o que significou uma séria ameaça à existência dos 223 milhões 774 mil jornais quotidianos que eram oferecidos, então, aos 2 bilhões 372 milhões e 463 seres humanos distribuídos pelos cinco continentes9. Em nosso país, de acôrdo com as estatísticas do! Banco do Brasil, foram consumidas, em 1957, 222.526 tolenadas métricas de papel de imprensa, das quais apenas 49. 028 de produção nacional. A importação das restantes 173.498 tolenadas custou-nos 35 milhões e 47 mil dólares, um dispêndio pródigo para um país que tem todas as possibilidades não somente de tornar-se auto- suficiente coma de transferir-se da posição de importador para a de exportador. O consumo de 8 O vocábulo originou-se de uma palavra egípcia traduzida para o grego “papyrus”- o papiro, produto extraído de um arbusto que cresce naquele país e regiões pantanosas vizinhas. Conta a tradição que um rei egípcio, temendo que a Biblioteca de Alexandria fosse superada pela de Pérgamo, proibiu a exportação do papito, com o que provocou o desenvolvimento da fabricação do pergaminho na Ásia Menor. No entanto, até o ano 450 AC, vendia-se papiro em Atenas e o seu uso, introduzido no Império Romano, perdurou por longo tempo entre os povos civilizados. O último documento conhecido em papiro é uma bula do papa Victor II, datada de 1057. 9 Sôbre o assunto, v. Le Probleme du papier journal, edieção da UNESCO, Paris, 1949, pelo serviço de pesquisas The Enconomist de Londres, e L’lnformation a travers le monde. UNESCO, Paris, 1951. papel no Brasil — menos de três quilos por habitante/ano — nos coloca numa posição humilhante em relação já não dizemos a países muito mais desenvolvidos, mas até aos nossos vizinhos, pois a Argentina tem um consumo duplo do nosso. A solução do problema da produção de celulose e papel de imprensa, qué urge dada a importância assinalada dessa matéria prima na alfabetização do povo e difusão da cultura, estará em uma modificação substancial da orientação do govêrno, cujos estabelecimentos de crédito recusam, sem maiores estudos, financiamento para a implantação de indústrias do tipo médio (25 a 30 toneladas por dia), distribuídas na região produtora de pinho, com o aproveitamento da madeira em lascas não utilizada pelas serrarias e, o que é mais importante ainda, o emprêgo de desfibradoras e outras máquinas, ora fabricadas em São Paulo. no Rio e no Paraná. A escassez do papel, que não poderá atender à crescente demanda e à adoção e popularização do sistema de imprimir em películas de celulóide, parece-nos indicar uni novo caminho ao jornalismo escrito: a substituição, no futuro, do jornal na sua forma atual pelo jornal em micro-filme para a leitura eu aparelhos reprodutores ou projetores, como já existem em bi bibliotecas, arquivos, universidades, clubes e associações culturais.O micro-filme, se bem que exija a posse de aparelho especiais de reprodução e projeção, tem sôbre o jornal impresso em papel diversas vantagens, tais como: facilidade de transporte e arquivamento; melhor técnica para o uso das côres; comodidade para o leitor, que não terá de conduzir grossos volumes de fôlhas impressas, que não somente pesam como têm outros inconvenientes, como o desprendimento de tinta e a rápida e fácil destrutibilidade redução das despesas em maquinaria e mão de obra para as emprêsas e, finalmente mais vasto alcance pela sua utilização nas emissoras de tele visão. O emprêgo do micro -filme se está generalizando nos países mais adiantados cultural e tècnicamente: nos Estados Unidos, tivemos oportunidade de visitar o arquivo do Ne w York Times, onde as coleções volumosas e devoradoras de espaço das edições daquele famoso órgão da imprensa mundial estão concentradas em poucos metros de caixas de aço. Para resolver o cruciante problema espacial, “inúmeras instituições adotaram o recurso de construções especiais longe da sede; tal solução gerou o duplo inconveniente de aumentar as despesas e criar outro problema: o do transporte dos da tos entre a sede e o depósito-arquivo. O micro-filme, quer em bandas, é largamente utilizado para reduzir massa criada por tanto papel impresso, manuscrito ou datilografado. Com o uso do micro-filme, obtem-se uma economia espacial e de pêso que pode oscilar entre 80 e 90 por cento. Assim o conteúdo de cem armários para arquivo pode ser reproduzido e disposto em um só classificador para micro filme, cujas dimensões não ultrapassam as medidas de um armário comum. Basta pensar que um rôlo de microfilme de 16mm, com imagens duplas de 8 mm, conterá, ao longo de trinta lineares, cerca de 10.000 cartas. A bobina de 30 metros tem um diâmetro de 12 cm... Considere -se ainda, que as modernas micro-fumadoras automáticas permitem a execução de duas imagens de 8 mm lado a lado... Considere -se, também, que o processo de micro-filmagem, quer em 35 quer em 16 mm, é extraordinàriamente rápido, tendo-se em conta o fato de que 30.000 documentos podem ser microfilmados em uma jornada de trabalho10.” Entre os grandes jornais brasileiros cujas edições, para efeito de arquivamento, são micro-filmadas figuram O Globo, Diário de Notícias, última Hora e Correio da Manhã, todos do Rio11.” A fixação em películas de celulóide de notícias e “slogans” publicitários é ainda muito utilizada para projeção em praça pública, em telas especiais ou nas-paredes dos grandes 10 C. Oscar Campiglia — .Emprêgo de microfilmagem em arquivos,in IDORT — Revista de Organização e Produtividade — S. Paulo— ns. 307-308 — julho e agôsto de 1957 — págs. 19 e 20. 11 Informação de P.N. ed, de 20-3-57, que adianta ser possível inserir aproximadamente 1.200 páginas de jornal num rôlo de apenas 20 metros de película, sendo que o preço do negativo e positivo é extremamente baixo, em face do grande número de cópias que se fazem em pequenos pedaços de fita. edifícios, substituindo os “placards” em que, antigamente, os jo rnais expunham informações sôbre fatos de sensação ocorridos no intervalo entre as suas edições. Aliás, essa modalidade de divulgação jornalística também se vê gradativamente abandonada pelo uso da eletrônica. São os chamados “jornais elétricos” ou “luminosos”, existentes em todo os grandes centros urbanos do mundo, tais como em Times Square, New York; em Picadilly, Londres; no Rio, em São Paulo e no Recife12. Os jornais eletrônicos, de acôrdo com a sua técnica de instalação, podem funcionar dia e noite, apresentando caracteres coloridos e desenhos ilustrativos das legendas e textos divulgados. O RÁDIO E O JORNALISMO ORAL Por milênios, a palavra falada foi a única forma de expressão jornalística. Na nossa época, o jornalismo oral não sômente subsiste, através do rádio, do telefone e da fita mago ética, como assumiu tal importância que a sua técnica reclama estudos especiais. O rádio foi pela primeira vez utilizado para a transmissão de notícias em 1922 por Gabriel Germinet, lançando, através da estação parisiense de Radiola, um serviço quotidiano de novidades sob o nome de “Paris Informations”13. Em outubro de 1925, uni grupo de jornalistas, tendo à frente Maurice privat, arrendou a grande antena da Torre Eiffel e deu curso a uma idéia que, nos fins do século passado, em 1883, Louis de Peyramont tentara efetivar nos Follies- Marigny, reunindo um público, diàriamente, para ouvir a leitura não só de noticias como de artigos — e até ilustrando as palavras com desenhos e caricaturas traçadas em um quadro negro pelos próprios autores. Privat, cuja concepção de jornalismo falado era mais prática, pois que levava a matéria aos interessados em diversos pontos da cidade, por meio de alto-falantes, obteve êxito ao ampliar, com a introdução de tôdas as seções que compõem o jornal impresso, inclusive a publicidade, o simples informativo até então rádio_difundido. Le Journal de la Tour teve logo imitadores: na Bélgica, em 1926, surgia um jornal falado; em a administração das comunicações sem fio, em Paris, ia o seu “Rádio Jornal da França”, transmitindo de um estúdio nos Champs Elysées; em 1932, no México, a XEW lê as notícias mais destacadas publicadas pelo diário PJxcelsior. Em todo o mundo, sob a natural reação das emprêsas editoras de jornais, que viam no rádio um perigoso concorrente, o rádio - jornalismo firma o seu definitivo prestígio na terceira década do século14. Coube aos editores norte_americanos, com o seu reconhecido pragmatismo, oferecer uma solução para o conflito rádio versus imprensa: — o rádio deveria associar-se aos jornais e agências de informações, o que aconteceu nos Estados Unidos e em outras nações, onde, a cada jornal importante, se subordinava uma rádio_emissora. Essa política foi referendada pela Conferência das Novas Formas de Imprensa, reunida em 1934, em Bruxelas, segundo a qual “estas duas formas de jornalismo, que se completam com felicidade, devem colaborar e ligar-se eventualmente por acordos para fornecer paralelamente ao público a sua quota de informações.” 15 O primitivo sistema de difundir informações pelo rádio, com alto-falantes colocados em diversos pontos da cidade de Paris (prestigiado pelo próprio Presidente Poincaré, diária- mente, “quando o tempo estava bom” transmitia entre as 18,30 e as 19 horas da torre Eiffel, constituindo-se “numa verdadeira pequena atração nos anos de 1924 e 1925... parecia uma 12 Na capital pernambucana, o jornal eletrônico, inaugurado “em agosto de 1957, está instalado em avenida central sôbre um edifício de 12 pavimentos. Foi uma iniciativa do jornalista e radialista Ernani Séve. 13 Já em 1920, uma emissora instalada em Pittsburg, nos EstadosUnidos, a K.D.K.A., transmitira, no mês de novembro, boletins com os resultados das eleições presidenciais então realizadas. 14 Pernambuco detém o pioneirismo dos jornais falados no Brasil, lançados pela emissora da PRA-8, do Recife, em fins de 1926, sob a orientação dos jornalistas Mário Libânio e Carlos Rios. 15 Conf. Rená Sudre — Le Huitiéme Art — Paris, 1945 e J. Preveyer Carracedo — Radioperiodismo — La Habana, 1952. espécie de lanterna mágica sonora e provocava mais curiosidade e espanto do que interêsse racional”),16 é adotado ainda hoje na maioria das pequenas cidades brasileiras para a transmissão de matérias de interêsse local e retransmissão de noticiários das grandes estações dos centros urbanos com as quais entra em cadeia. São os chamados serviços de “difusoras” ou de alto-falantes, existentes na maioria das cidades do nosso “hinterland”, que não possuem estações de rádio próprias. Ganhando foros de veículo jornalístico da mais subida importância, não sòmente por se constituir
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