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<p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 1</p><p>Prof.ª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Olá! Muito bom ter seu interesse no estudo da Psicanálise, fico feliz em</p><p>compartilhar com vocês essa disciplina! Eu sou a Professora Giseli Rodacoski,</p><p>psicóloga com mais de 20 anos de experiência clínica e na docência em cursos</p><p>de graduação e de pós-graduação. Essa disciplina pretende apresentar os</p><p>pressupostos básicos da teoria Psicanalítica, contar um pouco da história da</p><p>psicanálise, contextualizar o momento histórico em que se originou a partir da</p><p>experiência clínica de Sigmund Freud na década de 1880 e nos anos seguintes</p><p>em que ele teorizou sobre a estrutura e o funcionamento do aparelho psíquico.</p><p>Ao longo de 6 aulas que ficarão gravadas aqui para que sejam acessadas</p><p>a qualquer momento, serão abordados alguns termos utilizados e delimitações</p><p>conceituais que são fundamentais para favorecer o estudo e a compreensão da</p><p>psicanálise. Você vai perceber que o estudo da subjetividade não é exato. Não</p><p>há uma única definição, assim como 2 = 2 = 4. Costumamos dizer que a</p><p>psicanálise nunca está pronta, nunca terminaremos de aprender sobre a</p><p>subjetividade e a nossa verdade não pode ser imposta ao outro. Por exemplo:</p><p>eu não posso dizer a você o que significa o teu sonho. Por isso o processo é</p><p>uma construção. Nossas leituras precisam ser discutidas, compartilhadas,</p><p>precisaremos falar uns com os outros em atividades interativas para ampliar</p><p>nosso ponto de vista sobre o que compreendemos e, assim, cada um de vocês</p><p>se manterá no percurso de formação de um psicanalista.</p><p>Podemos começar esclarecendo "O que é Psicanálise?"</p><p>Créditos: GoodStudio/Shutterstock.</p><p>3</p><p>E aqui vai uma dica de aprendizagem: antes de avançar na leitura para</p><p>saber o que a literatura diz sobre isso, reflita sobre o que você pensa que é, o</p><p>que você já sabe sobre isso, o que já ouviu falar, o que você poderia escrever</p><p>em poucas linhas sobre psicanálise? Especialmente quando se trata de ensino</p><p>de adultos, é importante considerar que todos nós temos conhecimentos prévios,</p><p>saberes e experiências de vida que fazem com que cada um de nós atribua um</p><p>sentido e um significado para as coisas. Por isso é importante refletir sobre as</p><p>tuas impressões iniciais e dar valor a isso. Não menos importante para quem</p><p>quer ser um psicanalista, é saber o que há na literatura a saber sobre isso. Quem</p><p>conceituou, quando, com qual finalidade, por que foi importante estudar</p><p>psicanálise, como se desenvolveu ao longo do tempo?</p><p>TEMA 1 – O QUE É PSICANÁLISE</p><p>A primeira vez que Freud empregou o termo Psicanálise (psycho-analyse)</p><p>foi em 1896, em um artigo intitulado A hereditariedade e a etiologia das neuroses,</p><p>e naquela ocasião, foi usado para se referir à análise dos processos mentais,</p><p>uma Psico Análise.</p><p>Antes de começar a usar a palavra psicanálise, Freud se utilizava de</p><p>expressões tais como: análise psíquica, análise clínico-psicológica, análise</p><p>hipnótica, como você pode confirmar lendo o texto As Neuropsicoses de Defesa,</p><p>de 1894, publicado nas Obras Completas de Sigmund Freud, Volume III (Freud,</p><p>1986).</p><p>A etimologia da palavra análise deriva dos étimos gregos aná (partes) +</p><p>lysis (decomposição, dissolução) e se refere ao exame mental em comparação</p><p>à análise química de elementos de substâncias compostas (Zimerman, 2011, p.</p><p>333).</p><p>Temos acesso a textos de Freud como por exemplo um artigo que foi</p><p>escrito em 1913 para ser lido no Congresso Médico Australasiano Intitulado On</p><p>Psycho-Analysis – Sobre a Psicanálise. Esse texto faz parte do que está</p><p>compilado no volume XII das Obras Completas de Sigmund Freud, que explicou</p><p>o que é Psicanálise da seguinte maneira: "A psicanálise constitui uma</p><p>combinação notável, pois abrange não apenas um método de pesquisa das</p><p>neuroses, mas também um método de tratamento baseado na etiologia assim</p><p>descoberta" (Freud, 1986, p. 265).</p><p>4</p><p>Ainda no percurso para delimitação conceitual do termo e do campo de</p><p>estudo da Psicanálise, em 1922, no texto Dois verbetes de enciclopédia, Freud</p><p>deixou claro que seus pilares teóricos (os da psicanálise) eram o inconsciente, o</p><p>complexo de Édipo, a resistência, a repressão e a sexualidade, e nos fornece</p><p>uma nova definição de psicanálise (Freud, 1922/1986, p. 287), dizendo que é o</p><p>nome de:</p><p>1. Um procedimento para a investigação de processos mentais que</p><p>são quase inacessíveis por qualquer outro modo,</p><p>2. Um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de</p><p>distúrbios neuróticos, e</p><p>3. Uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas</p><p>linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina</p><p>científica.</p><p>Podemos entender "procedimento para a investigação" como um estudo,</p><p>um interesse de analisar algo. Nesse caso, o objeto de interesse seriam os</p><p>"processos mentais". Mas, o que são processos mentais? Ainda no Tópico 1</p><p>(acima), Freud continua explicando que esses processos mentais seriam</p><p>praticamente inacessíveis, se não fossem investigados pelo método da</p><p>Psicanálise, pois ele estava se referindo aos processos mentais que são</p><p>inconscientes.</p><p>Então, Freud explicou que Psicanálise é um procedimento de investigação</p><p>que tem como objeto de interesse o inconsciente, mas não é só isso. Também é</p><p>um método de tratamento e uma área de conhecimento científico. Atualmente,</p><p>muitas outras definições foram dadas para Psicanálise, mas apesar de não</p><p>serem exatamente iguais, as diversas definições convergem no sentido de</p><p>definirem que a Psicanálise é um método de análise do inconsciente.</p><p>A Psicanálise parte do pressuposto de que existem processos mentais</p><p>inconscientes e é a partir desse ponto de vista que vai compreender o ser</p><p>humano. Isso não significa dizer que a psicanálise nega ou desconsidera as</p><p>determinações genéticas, fisiológicas, orgânicas, cognitivas, sociais, espirituais</p><p>etc., mas apenas que o objeto de interesse e de estudo da Psicanálise é o</p><p>inconsciente. Inclusive, para a Psicanálise, a relação mente – corpo é</p><p>indissociável.</p><p>Psicanálise é um método terapêutico, mas não é apenas por meio da</p><p>Psicanálise que o inconsciente se manifesta. Assim como uma linguagem, o</p><p>inconsciente se comunica conosco por meio de sonhos, de fantasias, desejos,</p><p>palavras que são ditas e coisas que fazemos mesmo "sem querer" e que quando</p><p>5</p><p>"saem sem querer" elas (as coisas que falamos ou fazemos) nos entregam, nos</p><p>denunciam. Algo que nos parece sem sentido, mas que também faz parte de</p><p>nós. Nos estados de êxtase, quando as emoções dominam a razão, nas paixões,</p><p>no amor, no medo e na raiva, por exemplo, podemos ter a dimensão da</p><p>subjetividade do ser humano. Em todo momento a subjetividade está presente,</p><p>e a regulação para adequação e equilíbrio emocional é uma demanda social de</p><p>ordem, no entanto, ainda que reprima, não anula a sua existência.</p><p>O resultado desse jogo de forças forma o que conhecemos como</p><p>sintomas, que são formas de comunicação do inconsciente.</p><p>TEMA 2 – PERÍODO PRÉ-PSICANALÍTICO</p><p>O texto Uma breve descrição da Psicanálise Freud (1923/1986) conta a</p><p>história do nascimento da psicanálise e destaca fatos históricos que</p><p>influenciaram a origem do estudo dos processos mentais: “Pode-se dizer que a</p><p>psicanálise nasceu com o século XX, pois a publicação em que ela emergiu</p><p>perante o mundo como algo novo – A Interpretação de Sonhos – traz a data de</p><p>1900. Porém, como bem se pode supor, ela não caiu pronta dos céus” (Freud,</p><p>S. 1923/1986, p. 239).</p><p>O que podemos concluir com esse trecho?</p><p>Percebam que Freud escreveu que a Psicanálise nasceu com e não no</p><p>século XX. Isso porque o que marcou ao mundo a origem da psicanálise foi a</p><p>publicação do livro A Interpretação dos Sonhos (1900/1986). Todos sabemos que</p><p>quando se escreve um texto é porque o conteúdo foi amadurecido antes. Por</p><p>isso Freud escreveu, no trecho destacado acima, que</p><p>ao nascer o ser humano já porta</p><p>os elementos da sua personalidade, e o meio ambiente tem pouco efeito para</p><p>alterar o que já é determinado. Ao professor resta identificar e separar os aptos</p><p>dos não aptos. "A linha do pensamento inatista pode ser encontrada na filosofia</p><p>6</p><p>antiga com dois de seus principais representantes, Sócrates e Platão e, na</p><p>filosofia moderna, com Descartes" (Almeida; Valeirão, 2015, p. 39).</p><p>Até a Idade Média, quando era a mitologia, e não a ciência, que dominava</p><p>o pensamento humano, a crença era a de que tudo o que aconteceria durante a</p><p>vida já havia sido determinado por Deus ao nascer (destino). As teorias</p><p>biológicas e evolucionistas estão alinhadas com o inatismo, mas, sob influência</p><p>do Iluminismo, seguem atreladas à ciência e não mais à mitologia, a exemplo da</p><p>teoria evolucionista de Charles Darwin sobre a seleção natural das espécies</p><p>(Oliveira, 2008).</p><p>3.2 Concepção ambientalista</p><p>Na filosofia, John Locke (1632-1704), filósofo inglês alinhado à Aristóteles,</p><p>faz uma crítica ao inatismo e concebe que a mente humana ao nascer é uma</p><p>folha em branco e que os conteúdos são impressos pelo ambiente externo ao</p><p>interno:</p><p>A crítica ao inatismo, realizada por Locke, levou-o a conceber a alma</p><p>humana, no momento do nascimento, como uma "tábula rasa", uma</p><p>espécie de papel em branco, no qual inicialmente nada se encontra</p><p>escrito. Chega, então, à conclusão de que, se o homem adulto possui</p><p>conhecimento, se sua alma é um "papel impresso", outros deverão ser</p><p>os seus conteúdos: as ideias provenientes − todas − da experiência.</p><p>(Locke, 1999, p. 10)</p><p>A concepção ambientalista enfatiza a influência do meio ambiente sobre</p><p>a pessoa, que se constituirá como sujeito a partir de suas experiências com o</p><p>mundo externo. O psicólogo norte-americano B. F. Skinner, teórico do</p><p>comportamento, representa a compreensão de estímulos ambientais que</p><p>provocam respostas do organismo que, se forem reforçadas, serão mantidas, e</p><p>se forem punidas, serão extintas. As teorias comportamentalistas (ou</p><p>behavioristas) não trabalham com a hipótese do inconsciente, mas sim com a</p><p>análise funcional do comportamento (Davis, 1994, p. 31).</p><p>A concepção ambientalista na educação levou, por um lado, ao</p><p>planejamento e organização do ensino, mas, por outro, a um excessivo</p><p>direcionamento do professor, e os alunos eram considerados passivos, aos</p><p>quais cabia a tarefa de ouvir, copiar, decorar e repetir. O educador brasileiro</p><p>Paulo Freire fez a crítica a esse modelo de educação chamando de educação</p><p>bancária que leva à opressão, e não à libertação (Freire, 2005).</p><p>7</p><p>Aqui podemos identificar uma diferença entre a área de estudo da</p><p>psicologia e da psicanálise: a primeira engloba as teorias do comportamento de</p><p>concepção ambientalista; a segunda, não (o objeto de interesse da psicanálise</p><p>é o inconsciente, e não o comportamento observável).</p><p>3.3 Concepção interacionista</p><p>Os teóricos interacionistas, ou sociointeracionistas, concordam que</p><p>organismo e meio exercem ação recíproca, portanto discordam tanto dos</p><p>inatistas quanto dos ambientalistas. Piaget e Vygotski são representantes dessa</p><p>concepção (Davis, 1994, p. 36).</p><p>É, pois, na interação da criança com o mundo físico e social que as</p><p>características e peculiaridades desse mundo vão sendo conhecidas. Para cada</p><p>criança, a construção desse conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação</p><p>sobre o mundo (Davis, 1994, p. 36).</p><p>É possível perceber a interface da psicanálise como ciência que estuda o</p><p>inconsciente, com as outras ciências que estudam o comportamento, o</p><p>desenvolvimento físico, social, cognitivo e neurológico dos seres humanos ao</p><p>longo da vida.</p><p>Quando definimos nosso interesse pela psicanálise, não estamos</p><p>negando, mas sim selecionando um ponto de vista sobre o ser humano,</p><p>mantendo a consideração de se tratar de um ser biopsicossocial.</p><p>TEMA 4 – OS CICLOS VITAIS</p><p>É sabido que há um processo de maturação biologicamente determinado,</p><p>e, mesmo que não queiram, os seres humanos irão crescer fisicamente,</p><p>nascerão dentes, cabelos, haverá habilidade para sentar-se, engatinhar, andar</p><p>etc., além de uma carga genética que os habilitará para certas habilidades</p><p>(vocações). O que é geneticamente determinado é tudo aquilo que não se pode</p><p>mudar por força da vontade nem com anos de psicanálise, como a cor dos olhos,</p><p>dos cabelos, da pele, a estatura e o som da voz, as fases sequenciais de criança,</p><p>adolescência, adulto, idoso e a certeza da morte. No entanto, essas</p><p>características típicas do desenvolvimento humano podem nos identificar, mas</p><p>não definem nossa personalidade.</p><p>8</p><p>No clássico livro O ciclo vital, a autora, Helen Bee, considera que o</p><p>desenvolvimento dos seres humanos acontece em ciclos previsíveis e os</p><p>organiza da seguinte forma:</p><p>• Pré-natal e nascimento;</p><p>• Infância;</p><p>• Infância pré-escolar;</p><p>• Meninice intermediária;</p><p>• Adolescência;</p><p>• Início da vida adulta;</p><p>• Vida adulta intermediária;</p><p>• Velhice e vida adulta tardia (Bee, 1997, p. 62).</p><p>Esses são os ciclos vitais previsíveis, ou seja, aqueles esperados. Dentro</p><p>de cada um deles, são observados processos de desenvolvimento</p><p>biopsicossocial, apresentados no livro pela autora como:</p><p>• Desenvolvimento físico;</p><p>• Desenvolvimento perceptivo e cognitivo;</p><p>• Desenvolvimento social e da personalidade (Bee, 1997).</p><p>Ao se tratar do desenvolvimento da personalidade, a partir da teoria</p><p>psicanalítica de Sigmund Freud, também encontraremos fases que são</p><p>previsíveis, chamadas por ele de estágios do desenvolvimento psicossexual.</p><p>O que são previsíveis são os cinco estágios que, assim como os ciclos</p><p>vitais, se sucedem ao longo do desenvolvimento (Friedman; Shustack, 2004, p.</p><p>73-75):</p><p>1) Fase oral: do nascimento até por volta dos 12 meses de idade;</p><p>2) Fase anal: no segundo e terceiro anos de vida;</p><p>3) Fase fálica: do terceiro até por volta do quinto ano;</p><p>4) Fase de latência: entre o quinto até por volta de 12 anos;</p><p>5) Fase genital: da adolescência em diante.</p><p>Além dos ciclos vitais previsíveis, que os autores definem conforme</p><p>acabamos de elencar, temos os imprevisíveis, ou seja, aqueles eventos que</p><p>podem ou não acontecer, que são os processos individuais, subjetivos,</p><p>particulares, o modo como cada um vai lidar com as situações e experiências,</p><p>como será a relação entre mundo interno e mundo externo. Freud se interessou</p><p>9</p><p>por esse aspecto do desenvolvimento humano, e não por todo o</p><p>desenvolvimento humano. Apesar de sua teoria ser considerada uma teoria</p><p>psicossexual do desenvolvimento da personalidade, precisamos lembrar que</p><p>personalidade e desenvolvimento não são sinônimos. Vejamos:</p><p>• O desenvolvimento humano ocorre em diversas áreas, dentre elas física,</p><p>emocional, social, cognitiva e adaptativa.</p><p>• A estruturação da personalidade é um dos elementos que caracteriza o</p><p>desenvolvimento global do ser humano.</p><p>Com base na compreensão do conceito de personalidade, podemos</p><p>concluir que os seres humanos podem passar igualmente por todos os ciclos</p><p>vitais e chegar até a fase idosa, pois tais ciclos são previsíveis, e, sob esse ponto</p><p>de vista, todos terão vivido igualmente. No entanto, cada um terá se constituído</p><p>a seu modo, determinado pelo que lhe foi inato, pelas experiências significativas</p><p>que internalizou, pelo modo com que elaborou seus conflitos, influenciado ainda</p><p>por outros determinantes, especialmente pela condição de saúde, conceituada</p><p>aqui em seu sentido mais amplo: “Em seu sentido mais abrangente, a saúde é</p><p>resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio</p><p>ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da</p><p>terra e acesso a serviços de saúde” (CNS, 1988).</p><p>Por ser o desenvolvimento humano determinado por tantos fatores, as</p><p>teorias do desenvolvimento são de interesse de multiprofissionais e de pessoas</p><p>leigas, especialmente pais, cuidadores, gerentes, treinadores</p><p>e líderes de</p><p>equipes que precisam de assessoria para planejar intervenções assertivas em</p><p>suas atribuições.</p><p>Feitos os esclarecimentos sobre desenvolvimento humano (geral) e</p><p>desenvolvimento da personalidade, vamos seguir falando apenas sobre a</p><p>personalidade.</p><p>TEMA 5 – TEORIA PSICANALÍTICA DA PERSONALIDADE</p><p>Freud formulou sua teoria do desenvolvimento da personalidade por meio</p><p>de cinco estágios psicossexuais; em cada um deles, as crianças têm</p><p>necessidades/conflitos que são atendidos ou negligenciados. Tais conflitos</p><p>podem ser decorrentes de ter as necessidades ignoradas ou excessivamente</p><p>atendidas; ou seja, um excesso de frustração ou um excesso de gratificação</p><p>10</p><p>podem ser igualmente prejudiciais para a formação de personalidade na criança.</p><p>Vamos ver em detalhes cada uma das fases. Friedman e Shustack, (2004, p. 73-</p><p>75), com base na teoria psicossexual do desenvolvimento infantil, sintetizaram</p><p>os cinco estágios (ou fases), conforme mostra o Quadro 2.</p><p>Quadro 2 − Fases do desenvolvimento psicossexual</p><p>Fases Idade Características principais</p><p>Oral 0 a 12 meses Ocorre no primeiro ano de vida, quando a atenção da</p><p>criança está concentrada basicamente nas zonas</p><p>erógenas da boca, por meio da qual obtém prazer pela</p><p>sucção, no ato de mamar.</p><p>Anal 2 a 3 anos O interesse na atividade anal passa a ser importante</p><p>para a criança, principalmente quanto ao controle dos</p><p>esfíncteres (cocô e xixi).</p><p>Fálica 3 a 5 anos Nessa fase, a criança se interessa pelos órgãos sexuais</p><p>e pelos prazeres ligados ao seu manejo. O menino e a</p><p>menina se colocam nos papéis imaginários de pai e</p><p>mãe. Desenvolvimento do Complexo de Édipo.</p><p>Latência 5 a 12 anos Idade escolar. Ocorre supressão (sublimação) dos</p><p>impulsos sexuais, construção do pensamento lógico e</p><p>influência da vida psíquica pelo princípio da realidade.</p><p>Genital Adolescência em</p><p>diante</p><p>É nessa fase que o adolescente passa a se interessar</p><p>por outras pessoas e coisas como objetos importantes,</p><p>deixando de lado o interesse por si mesmo como objeto</p><p>primário. É despertado por atividades da vida madura.</p><p>Fonte: Friedman; Shustack, 2004, p. 73-75.</p><p>É por meio dos estágios de desenvolvimento que a personalidade se</p><p>organiza. Não é linear, mas sim sequencial, as fases podem se sobrepor, as</p><p>idades de mudança de fase também não são exatas, mas sim “por volta de”. No</p><p>quadro mostrado, as faixas etárias estão definidas, mas isso atende apenas a</p><p>uma função didática. O mais adequado é considerar que:</p><p>• Fase oral: se inicia ao nascer e irá terminar quando, pela observação, for</p><p>percebido que o interesse e a satisfação já não estão tanto na boca, mas</p><p>sim nas situações de controle: dos esfíncteres, da presença e ausência</p><p>de pessoas e objetos, esconder e achar.</p><p>• Fase anal: fica evidente quando o desejo da criança é ter o “controle”.</p><p>• Fase fálica: período em que a diferença entre os sexos é percebida e</p><p>problematizada pela criança. Ela volta seu interesse aos órgãos genitais,</p><p>demonstra ciúmes e faz comparações. Nesse período Freud descreveu o</p><p>Complexo de Édipo.</p><p>• Fase de latência: por volta de 6 ou 7 anos até a adolescência, quando a</p><p>criança diminuir o interesse pelos temas da fase anterior e focar atividades</p><p>11</p><p>cognitivas, na aprendizagem, formar grupos e diversificar sua atenção</p><p>para objetos fora do corpo dela.</p><p>• Fase genital: da adolescência em diante. É quando a sexualidade terá</p><p>adquirido sua maturidade (ou não). A ocorrência de conflitos importantes</p><p>nas fases anteriores, como memórias traumáticas por exemplo, será</p><p>determinante para a saúde mental na fase adulta.</p><p>Sobre a sexualidade infantil, Freud (1905/1989, p. 162) escreveu que:</p><p>Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está</p><p>ausente na infância e só desperta no período da vida designado da</p><p>puberdade. Mas esse não é apenas um erro qualquer, e sim um</p><p>equívoco de graves consequências, pois é o principal culpado de nossa</p><p>ignorância de hoje sobre as condições básicas da vida sexual. Um</p><p>estudo aprofundado das manifestações sexuais da infância</p><p>provavelmente nos revelaria os traços essenciais da pulsão sexual,</p><p>desvendaria sua evolução e nos permitiria ver como se compõe a partir</p><p>de diversas fontes.</p><p>O que Freud vai teorizar é que o objeto da pulsão muda ao longo do</p><p>desenvolvimento, ou seja, é "aquilo junto a que, ou através de que, a pulsão</p><p>pode atingir seu alvo" (Freud, 1915/1989, p. 86). No bebê, o objeto desejado</p><p>para alívio de tensões é o seio materno, carregado de prazer na experiência da</p><p>amamentação. Anos depois, esse meio seio materno pode ser visto com asco</p><p>pela criança maior. Ao observar uma criança de 2 a 3 anos, é possível perceber</p><p>que para ela é mais prazeroso ter o controle (dos esfíncteres, da</p><p>presença/ausência) do que mamar no peito. O objeto da pulsão é contingente e</p><p>variável e está a serviço de tornar possível a satisfação ao longo do</p><p>desenvolvimento.</p><p>A teoria do desenvolvimento psicossexual foi construída na mesma época</p><p>em que Freud publicou Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (Freud,</p><p>1905/1989), cujos conceitos centrais são: perversão, fixação e regressão. O</p><p>objetivo aqui não é aprofundar esses temas, mas sim estabelecer relação de</p><p>interdependência entre tais conceitos com os estágios do desenvolvimento</p><p>psicossexual e a estruturação da personalidade.</p><p>Até esse momento da teoria freudiana, o aparelho psíquico era descrito</p><p>com base na 1ª tópica: Consciente (Cs), Pré-consciente (Pcs) e Inconsciente</p><p>(Ic). Os anos seguintes na experiência clínica de Freud o levaram a elaborar a</p><p>2ª tópica, ou seja, a segunda teoria para explicar o aparelho psíquico: id, ego e</p><p>superego. A 2ª tópica não exclui nem compete com a 1ª tópica, mas a</p><p>complementa.</p><p>12</p><p>Na continuidade de nossas reflexões, sob um ponto de vista cronológico</p><p>de estudos, vamos procurar compreender como se dá a estruturação da</p><p>personalidade e a constituição do sujeito considerando a dinâmica entre id, ego</p><p>e superego.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>A psicanálise é uma teoria sobre a personalidade que contribui para os</p><p>estudos a respeito do desenvolvimento humano. Considerando-se que esse</p><p>desenvolvimento é biopsicossocial, outros elementos também o caracterizam</p><p>além da estruturação da personalidade, dentre eles marcadores biológicos e</p><p>maturidade neurológica que impactam o pleno desenvolvimento físico e motor,</p><p>capacidades cognitivas e diversas outras funções do corpo. Portanto, o</p><p>desenvolvimento da personalidade faz parte ou compõe o processo de</p><p>desenvolvimento humano.</p><p>Por sua vez, a estruturação da personalidade também sofre influência de</p><p>outras variáveis. Conforme ressaltam Cordioli e Grevet (2019, p. 1105), “a</p><p>estruturação da personalidade do indivíduo é o resultado da interação entre</p><p>variáveis neurobiológicas inatas, como o temperamento, e experiências</p><p>psicossociais e emocionais precoces, especialmente as relações parentais na</p><p>primeira infância e os estressores ambientais”.</p><p>No senso comum, são conhecidos os ditados populares que comunicam,</p><p>em forma de brincadeira, a concepção de homem que se tem. O inatismo é</p><p>representado por ditos como “filho de peixe, peixinho é”, “pau que nasce torto</p><p>morre torto” e “tal pai, tal filho”. Já o ambientalismo é identificado em discursos</p><p>como: “Me dê uma criança de colo e eu faço dela um bandido ou um homem de</p><p>bem” ou "Diga-me com quem andas e te direi quem és".</p><p>Sobre a concepção interacionista, vale a pena assistir a um vídeo antigo,</p><p>da Universidade de Yale, de 1977, mas apresentado pelo próprio Jean Piaget,</p><p>com áudio traduzido ao português. Ele está disponível no seguinte link:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=FWYjDvh3bWI>. Acesso em: 9 fev. 2022.</p><p>Uma aproximação da psicanálise com a teoria do conhecimento abre um</p><p>campo de atuação de psicanalistas na área educacional. Uma leitura sobre esse</p><p>tema é o livro O que esse menino tem? Sobre alunos que não aprendem e a</p><p>intervenção da psicanálise na escola,</p><p>de Ana Lydia Santiago e Raquel Martins</p><p>de Assis. Parte da obra está disponível no link:</p><p>13</p><p><https://www.relicarioedicoes.com/wp-</p><p>content/uploads/2019/10/MIOLO_Oqueessemeninotem_primeiras-</p><p>p%C3%A1ginas.pdf>. Acesso em: 9 fev. 2022.</p><p>FINALIZANDO</p><p>A psicanálise se desenvolveu a partir da hipótese do inconsciente, como</p><p>um procedimento de investigação e de tratamento de distúrbios psíquicos.</p><p>A estruturação da personalidade ocorre ao longo do desenvolvimento dos</p><p>seres humanos e é resultado da:</p><p>A estruturação da personalidade do indivíduo é o resultado da</p><p>interação entre variáveis neurobiológicas inatas, como o</p><p>temperamento, e experiências psicossociais e emocionais precoces,</p><p>especialmente as relações parentais na primeira infância e os</p><p>estressores ambientais. (Cordioli; Grevet, 2019, p. 1105)</p><p>No campo do estudo da personalidade, muito se discute quais são os</p><p>determinantes da constituição do sujeito. Como expressões desses paradigmas</p><p>temos as concepções inatistas, ambientalistas e interacionistas.</p><p>O desenvolvimento humano envolve fatores biopsicossociais, e a</p><p>psicanálise contribui com teorias, dentre as quais a teoria psicossexual do</p><p>desenvolvimento infantil, que irá organizar a atividade psíquica da criança até a</p><p>adolescência em cinco estágios:</p><p>• Fase oral: do nascimento até o segundo ano de vida;</p><p>• Fase anal: por volta dos 3 anos de idade;</p><p>• Fase fálica: por volta dos 4 aos 6 anos;</p><p>• Fase de latência: dos 6 ou 7 anos até a adolescência;</p><p>• Fase genital: da adolescência em diante.</p><p>De acordo com Freud, os excessos de frustração ou de gratificação, em</p><p>um estágio particular, podem resultar em fixações.</p><p>Ao longo do desenvolvimento existem ciclos vitais previsíveis:</p><p>nascimento, infância, adolescência, adultez e envelhecimento. A área de</p><p>interesse da psicanálise não são os ciclos previsíveis observados no</p><p>crescimento e envelhecimento, mas sim os processos intrapsíquicos e os</p><p>conflitos que cada um desses estágios apresenta como desafios.</p><p>A teoria de Piaget, de concepção interacionista, se tornou dominante na</p><p>área da educação. Mesmo assim, a psicanálise continuou estudando o</p><p>14</p><p>inconsciente, pois não está nem esteve disputando o domínio de uma teoria do</p><p>conhecimento nem do desenvolvimento humano, mas sim esteve interessada na</p><p>estruturação da personalidade e está colocando em curso um método de</p><p>tratamento no qual acredita, ou seja, o método da associação livre para</p><p>tratamento de conflitos psíquicos.</p><p>15</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALMEIDA, A. L.; VALEIRÃO, K. Fundamentos psicológicos da educação.</p><p>Pelotas: NEPFIL online, 2015. (Série Dissertatio-Incipiens).</p><p>BEE, H. O ciclo vital. Porto Alegre: Artmed, 1997.</p><p>CNS. Conselho Nacional da Saúde. Anais da VIII Conselho Nacional de</p><p>Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1986.</p><p>CORDIOLI, A. V.; GREVET, E. H. (Orgs.) Psicoterapias: abordagens atuais. 4.</p><p>ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.</p><p>DAVIS, C. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 1994.</p><p>FELDMAN, R. S. Introdução à Psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.</p><p>FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.</p><p>FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: FREUD, S.</p><p>Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,</p><p>1989. v. 7.</p><p>FRIEDMAN, H. S.; SHUSTACK, M. W. Teorias da personalidade: da teoria</p><p>clássica à pesquisa moderna. São Paulo: Prentice Hall, 2004.</p><p>LOCKE, J. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural,</p><p>1999. Disponível em: <http://abdet.com.br/site/wp-</p><p>content/uploads/2014/12/Ensaio-Acerca-do-Entendimento-Humano.pdf>.</p><p>Acesso em: 7 fev. 2022.</p><p>NASIO, J-D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Tradução de</p><p>André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.</p><p>OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo</p><p>socio-histórico. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2008.</p><p>PIAGET por Piaget. YouTube, [s.d.]. Disponível em:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=FWYjDvh3bWI>. Acesso em: 7 fev. 2022.</p><p>SANTIAGO, A. L.; ASSIS R. M. O que esse menino tem? Sobre alunos que</p><p>não aprendem e a intervenção da psicanálise na escola. 2. ed. Belo Horizonte:</p><p>Relicário Edições, 2018. (Coleção BIP – Biblioteca do Instituto de Psicanálise).</p><p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 4</p><p>Profª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Com base nos estudos anteriores, é possível identificar que o contexto</p><p>que deu origem à psicanálise foi o meio médico, universitário e científico. Por</p><p>volta do ano 1900, o modelo de atenção à saúde era biomédico, ou seja,</p><p>centrado no biológico, com tratamento conduzido pelos saberes dos médicos.</p><p>Algo que escapasse ao controle científico causava insegurança, incerteza e</p><p>constrangimento. Na década de 1880, o interesse que surgia, especialmente nos</p><p>médicos, era “o de compreender algo da natureza daquilo que era conhecido</p><p>como doenças nervosas funcionais, com vistas a superar a impotência que até</p><p>então caracterizava seu tratamento médico” (Freud, 1986g, p. 239).</p><p>Ao decidir abandonar os métodos tradicionais de investigação e</p><p>tratamento, Freud definiu um novo campo de estudos sobre o ser humano, o que</p><p>o levou ao limite de não mais se apresentar como médico e sim como</p><p>psicanalista: “Como psicanalista, estou destinado a me interessar mais pelos</p><p>processos emocionais que pelos intelectuais, mais pela vida mental inconsciente</p><p>que pela consciente” (Freud, 1986d, p. 286).</p><p>A ênfase no inconsciente também é o que diferencia a psicanálise da</p><p>psicologia, que, por sua vez, coloca ênfase nos processos mentais conscientes,</p><p>chamados de funções mentais: percepção, atenção, memória, linguagem,</p><p>pensamento, emoção, inteligência, vontade, que são examinados também pela</p><p>psiquiatria. A psicanálise estuda a mente humana, assim como a psicologia e a</p><p>psiquiatria, embora é a psicanálise que se deterá na análise dos processos</p><p>mentais inconscientes, muito mais do que as outras duas.</p><p>Freud acreditava na influência do inconsciente, inclusive nos processos</p><p>de identificação com o que é subjetivo nas relações interpessoais. Ao refletir</p><p>sobre psicologia escolar, após reencontrar seu antigo professor, Freud escreve:</p><p>Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de</p><p>que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que</p><p>exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa</p><p>preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela</p><p>personalidade de nossos mestres (Freud, 1986d, p. 286).</p><p>Foi a partir desse lugar, nesse contexto e sob esse ponto de vista que</p><p>Freud desenvolve sua teoria, inicialmente muito voltada ao estudo individual e</p><p>não social das manifestações inconscientes, cujos processos mentais teriam</p><p>3</p><p>como resultado sintomas físicos, motores e outras alterações observáveis,</p><p>porém sem causa orgânica e sim psíquica, emocional.</p><p>O contexto macrossocial era marcado por guerras, perseguições aos</p><p>judeus, imposições de poder autoritário sobre minorias e outras normas. A</p><p>relação entre o mundo externo (contexto) e o mundo interno (psiquismo) é muito</p><p>particular, cada um experimenta à sua maneira no processo de civilização, no</p><p>entanto é possível perceber algo de coletivo, por exemplo, o processo de</p><p>internalização do que é tabu em uma sociedade. Do estudo de temas tais como</p><p>o processo de civilização, o mal-estar na sociedade, formulação de leis,</p><p>internalização de normas, controle, política e contratos sociais, emergem a</p><p>evidência de conflitos psíquicos decorrentes da coexistência de forças</p><p>antagônicas. Os conflitos psíquicos são percebidos pelo ego e as sensações são</p><p>nomeadas como por exemplo: culpa, angústia e necessidade de restauração.</p><p>Nesta aula, vamos abordar alguns temas relacionados aos conflitos</p><p>vividos pelo ego, pela experiência do sujeito de mediar forças antagônicas e os</p><p>efeitos decorrentes desta tensão. O objetivo é compreender de maneira</p><p>introdutória, a psicodinâmica do aparelho psíquico na experiência de um conflito.</p><p>TEMA 1 – FUNÇÕES PSÍQUICAS</p><p>As funções psíquicas e suas alterações são examinadas pela psicologia</p><p>e pela psiquiatria por meio do exame do estado mental, que avalia a capacidade</p><p>e o grau de adaptação do indivíduo ao meio. São funções psíquicas (Saraceno</p><p>et al., 2010):</p><p>• consciência;</p><p>• atenção;</p><p>• memória;</p><p>• linguagem;</p><p>• afetividade;</p><p>• pensamento;</p><p>• sensopercepção;</p><p>• orientação;</p><p>• psicomotricidade; e</p><p>• juízo crítico da realidade.</p><p>4</p><p>Sabemos se uma pessoa está consciente (ou atenta) se ela responde aos</p><p>estímulos, e essa capacidade (função mental) pode ser examinada por meio da</p><p>observação às respostas que uma pessoa dá aos estímulos. A psicologia tem</p><p>sua formação acadêmica em grande parte voltada para a avaliação das funções</p><p>mentais e suas alterações.</p><p>O Ministério da Saúde no Brasil orienta o uso de um miniexame do estado</p><p>mental (MEEM) a ser aplicado por médicos da atenção primária como um</p><p>instrumento de rastreio para identificar precocemente alterações ou distúrbios</p><p>nas funções mentais.</p><p>Saiba mais</p><p>Acesse o link a seguir para verificar como é orientado o rastreio por meio</p><p>do Miniexame do Estado Mental (MEEM):</p><p>MINIEXAME do estado mental (MEEM). BVS Atenção Primária em</p><p>Saúde, S.d. Disponível em: <https://aps.bvs.br/apps/calculadoras/?page=11>.</p><p>Acesso em: 19 jan. 2022.</p><p>As alterações podem ter diversas origens ou motivos e podem ser</p><p>consideradas leves, moderadas, graves ou severas e persistentes, ocasionando</p><p>sofrimento ou transtornos mentais descritos no Manual diagnóstico e estatístico</p><p>de transtornos mentais – DSM5 (APA, 2014).</p><p>O Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, instituiu por meio da Portaria</p><p>n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de Atenção Psicossocial, que são</p><p>serviços públicos, de acesso universal e gratuito para tratamento</p><p>multiprofissional dos sofrimentos e transtornos mentais (Brasil, 2011).</p><p>Assim fica delimitado o campo de atuação das ciências médicas em</p><p>relação à saúde mental e às suas funções psíquicas.</p><p>É possível perceber que as funções mentais descritas não incluem o</p><p>inconsciente, mas apenas a consciência e seus estados de alteração em que se</p><p>encontra reduzida, por exemplo, no torpor e nos estados de coma, sem, contudo,</p><p>teorizar sobre a atividade mental dos conteúdos inconscientes como nos sonhos.</p><p>De forma que fica clara a delimitação e interface entre a Psicanálise e as demais</p><p>psicologias do ego.</p><p>A consciência como função da necessidade de adaptação se organiza</p><p>desde o nascimento, mas como estrutura perceptiva, nos primeiros meses de</p><p>5</p><p>vida ainda está voltada às sensações do próprio corpo para só depois ampliar a</p><p>percepção do mundo externo.</p><p>Não deixe passar a oportunidade de observar um bebê no primeiro mês</p><p>de vida, especialmente naqueles momentos em que está na hora de alimentá-</p><p>lo, mas ele ainda não acordou. Você vai perceber que ele parece sonhar que</p><p>está mamando e se satisfaz ao ponto de continuar dormindo mais um pouquinho.</p><p>Teria um recém-nascido a necessidade de se adaptar ao meio ambiente?</p><p>E se ele tem essa necessidade, será que ele (bebê) sabe disso, tem</p><p>consciência? Em que momento da vida o mundo externo é percebido e como é</p><p>a estrutura primitiva do aparelho psíquico?</p><p>Hoje, pode parecer mais coerente estudar a formação do psiquismo do</p><p>ser humano a partir do nascimento, mas não foi o que aconteceu com a</p><p>psicanálise. Freud começou a investigar o psiquismo com base no atendimento</p><p>clínico de adultos, especificamente no atendimento clínico de mulheres com</p><p>sintomas psicossomáticos, e o que ele percebeu foi que o aparelho psíquico das</p><p>pessoas era um campo de batalhas e que, para dar conta de se adaptar ao</p><p>contexto em que viviam, especialmente as mulheres experimentavam</p><p>importantes conflitos.</p><p>Nas suas primeiras concepções, ainda em um período pré-psicanalítico</p><p>(Freud, 1986a, p. 48-49), Breuer e Freud consideram a hipótese do que era</p><p>chamado no meio médico da época como divisão da consciência:</p><p>a divisão da consciência, que é tão marcante nos casos clássicos</p><p>conhecidos sob a forma de double conscience, acha-se presente em</p><p>grau rudimentar em toda histeria, e que a tendência a tal dissociação,</p><p>e com ela o surgimento dos estados anormais da consciência que</p><p>(reuniremos sob a designação de hipnoides), constitui o fenômeno</p><p>básico dessa neurose. (Freud, 1986, p. 47-48)</p><p>Trazemos este assunto para ilustrar o percurso da psicanálise que</p><p>inicialmente se deparou com uma divisão da consciência em duas partes e</p><p>pareceu razoável entender que era uma consciência dividida, mas por meio da</p><p>interpretação dos sonhos (Freud, 1986b) diferenciou as estruturas, definindo</p><p>duas estruturas diferentes: uma consciente e outra inconsciente. Desde então,</p><p>foi abandonada a concepção de se tratar de estados alterados de consciência,</p><p>foi abandonado o método hipnótico e inaugurado o método psicanalítico que</p><p>reconhece o inconsciente.</p><p>6</p><p>A partir de 1900, o inconsciente foi reconhecido como sendo outra</p><p>instância e não um estado alterado da consciência nem uma dupla consciência.</p><p>Freud concluiu que a consciência faz parte do psíquico, mas não o totaliza.</p><p>A seguir compreendeu que a consciência estava subordinada ao</p><p>inconsciente e as primeiras técnicas terapêuticas eram pela via da recordação</p><p>para só mais tarde ser pela via da interpretação da repetição e da transferência.</p><p>Esse percurso é muito importante para compreender o desenrolar da</p><p>teoria psicanalítica!</p><p>Atualmente é muito mais aceito que a elaboração dos conflitos se dê mais</p><p>pela compreensão das manifestações do inconsciente do que pela memória do</p><p>fenômeno que causou o trauma emocional. Se é um trauma, as emoções</p><p>relacionadas a ele voltam, se repetem, doem novamente e a pessoa chega à</p><p>consulta com queixa de estar em um círculo vicioso do qual não consegue se</p><p>livrar. E é pela análise dessa psicodinâmica que se percebe a repetição.</p><p>Quando Lacan disse que o inconsciente se comunica como uma</p><p>linguagem, é disso que estava falando. A linguagem da repetição, da atuação,</p><p>do que parece não ter sentido, mas a pessoa repete mesmo assim.</p><p>TEMA 2 – CISÃO DO EU</p><p>O eu é o centro da identidade das pessoas, é como nos definimos, nos</p><p>reconhecemos. Costumamos usar o termo indivíduo para se referir às pessoas</p><p>e esse termo está relacionado ao fato de ser uma unidade, um todo, indivisível.</p><p>Na teoria psicanalítica, Freud concluiu pela cisão do eu:</p><p>Com essa concepção freudiana, na qual o inconsciente passa da</p><p>condição de apêndice da consciência à estrutura particular e</p><p>determinante da subjetividade, o sujeito se torna cindido em duas</p><p>formas de funcionamento, a consciente e a inconsciente, e subjugado</p><p>à primazia desta". (Torezan; Aguiar, 2011, p. 525)</p><p>São vários os estados de cisão, de ruptura, que Freud e os psicanalistas</p><p>pós freudianos irão chamar de cisão, splitting, dissociação. No ano de 1893, em</p><p>Estudos sobre a histeria, Freud chamou de splitting, em alemão Spaltung, que</p><p>assume a função de afastar da consciência determinados conteúdos</p><p>desagradáveis e, em sendo assim, defende o psíquico de uma desintegração.</p><p>São mecanismos de defesa para manutenção da homeostase, neutralizando</p><p>tanto quanto possível o jogo de forças opostas dentre de si.</p><p>7</p><p>Figura 1 – Jogo de forças</p><p>Fonte: EamesBot/Shutterstock.</p><p>Para favorecer a compreensão desse tema, sugerimos a leitura e</p><p>posterior discussão em grupo do artigo intitulado “Notas sobre o conceito</p><p>de splitting (Spaltung) à luz de questões de tradução” (Susemihl, 2009). A autora</p><p>faz observações sobre as dificuldades existentes decorrentes das diversas</p><p>traduções do termo original splitting (cisão, divisão, dissociação, clivagem,</p><p>renegação, recalque). A autora faz um rastreamento desde a origem conceitual</p><p>13</p><p>4.1 Perspectiva tópica</p><p>Trata-se de como elas se delimitam, ou seja, onde está cada instância.</p><p>Para isso, usamos a metáfora do iceberg. Do ponto de vista tópico, o ego está</p><p>numa relação de dependência tanto para com as reivindicações do id quanto</p><p>para os imperativos do superego e exigências da realidade.</p><p>4.2 Perspectiva dinâmica</p><p>É como as instâncias se relacionam. Durante a aula falamos bastante</p><p>sobre quem está contra quem, quem é o mediador, como a repressão está a</p><p>favor de quem etc. É uma explicação sobre a dinâmica das relações entre as</p><p>instâncias psíquicas, por isso chamamos de psicodinâmica: o superego com a</p><p>ajuda da repressão se opõe ao id; o ego tenta mediar com a ajuda dos</p><p>mecanismos de defesa. O que resulta dessa disputa são os sintomas, as</p><p>manifestações do Ics. Do ponto de vista dinâmico, o ego representa o polo</p><p>defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de mecanismos de defesa,</p><p>sendo estes motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de</p><p>angústia).</p><p>4.3 Perspectiva econômica</p><p>Trata-se de quanto de libido é destinado para cada local. Em última</p><p>análise, o aparelho psíquico tende à homeostase e vai preferir economizar</p><p>energia libidinal. Quando o conflito, o jogo de forças, está muito intenso, será</p><p>gasta muita energia, e a sensação é de ter perdido a vontade de viver, assim</p><p>como no caso da Dora.</p><p>A homeostase, no equilíbrio de prazer – desprazer foi uma questão que</p><p>inquietou Freud e podemos acompanhar seu raciocínio por meio da leitura do</p><p>texto Além do princípio do prazer (Freud, S. 1986f) e foi uma questão também</p><p>que tomou a atenção de Lacan e o fez delimitar o conceito de gozo.</p><p>A questão é algo como: gostamos de sofrer?</p><p>Freud percebia uma satisfação, um ganho secundário com o sintoma o</p><p>que motivava uma repetição.</p><p>encontramos pessoas em que todas as relações humanas têm o</p><p>mesmo resultado, tal como o benfeitor que é abandonado iradamente,</p><p>após certo tempo, por todos os seus proteges, por mais que eles</p><p>14</p><p>possam, sob outros aspectos, diferir uns dos outros, parecendo assim</p><p>condenado a provar todo o amargor da ingratidão [...]. Ficamos muito</p><p>mais muito mais impressionados nos casos em que o sujeito parece ter</p><p>uma experiência passiva, sobre a qual não possui influência, mas nos</p><p>quais se defronta com uma repetição da mesma fatalidade. (Freud,</p><p>1986f, p. 35-36).</p><p>Essa construção teórica leva à compreensão do sintoma, da compulsão à</p><p>repetição, da angústia e não parece racional dizer à pessoa que de alguma forma</p><p>há um ganho secundário ou algum tipo de gozo com o sofrimento.</p><p>Isso demonstra o motivo pelo qual não deve o psicanalista explicar coisas</p><p>aos pacientes, pois não é da ordem do racional, não faz sentido ao paciente a</p><p>noção de obter prazer com o sofrimento. Também decorre desse conflito a</p><p>necessidade de ser a elaboração um processo e não um ato.</p><p>A psicanálise ousou investigar o subjetivo e é um problema quando</p><p>tentamos compreender o subjetivo sob o ponto de vista racional. Esse é um dos</p><p>desafios do ensino da psicanálise tal como estamos fazendo aqui, de forma que</p><p>será sempre parcial até que o aprendiz se ponha em análise para se deparar</p><p>com o seu próprio inconsciente e a partir de então aprender a sua linguagem.</p><p>Também não foi fácil para Freud. Como vimos, Freud chegou ao estudo</p><p>do desenvolvimento do psiquismo na criança após ter compreendido as origens</p><p>dos conflitos dos adultos. Ao longo de 40 anos de prática clínica, Freud nos</p><p>deixou um legado importante e, com base em suas concepções, outros</p><p>psicanalistas, desde a sua época, deram continuidade, a exemplo de sua filha</p><p>Anna Freud.</p><p>Já ao final de sua vida, Freud deixou inacabado o texto “A divisão do ego</p><p>no processo de defesa”, escrito no natal de 1937 e publicado em 1940,</p><p>posteriormente à sua morte, conforme as notas do editor inglês no início do texto</p><p>publicado no volume XXIII das Obras de Freud que reúnem os textos escritos</p><p>entre 1937-1939 (Freud, 1986h, p. 307).</p><p>Dentre os psicanalistas pós-freudianos, destacam-se Anna Freud, que</p><p>ampliou a compreensão sobre os mecanismos de defesa do ego, e Melanie</p><p>Klein, que se dedicou a desvendar clinicamente a estruturação psíquica dos</p><p>bebês com base na teoria freudiana de cisão do eu.</p><p>Os mecanismos de defesa explicam a psicodinâmica no aparelho</p><p>psíquico, ou seja, o funcionamento para que o organismo organize a relação</p><p>entre prazer-desprazer que caracteriza o conflito psíquico.</p><p>15</p><p>TEMA 5 – CONFLITO PSÍQUICO</p><p>Vamos considerar o quanto pode ter sido maravilhoso ser um bebê</p><p>cuidado pelo outro sem nem ao menos ter a consciência dessa dependência!</p><p>Quem aqui concorda que seria maravilhoso ter alguém que assumisse todos os</p><p>nossos problemas e suprisse nossas necessidades? Seria esse o lugar de</p><p>Deus? Ou o lugar do vilão? Do pai? A passividade e subordinação a alguém</p><p>poderoso poderia ser um desejo?</p><p>Atribuir poder, culpa ou responsabilidade a alguém ou a alguma coisa</p><p>pode ser muito confortável. Podemos entender como um mecanismo de defesa</p><p>então.</p><p>• Eu estou em um relacionamento abusivo.</p><p>• Eu não quero, mas ela me faz perder a cabeça.</p><p>• Se não sou eu ninguém come nessa casa.</p><p>• Foi Deus quem quis assim.</p><p>• É mais forte do que eu.</p><p>Mecanismos de defesa: culpar o outro, a história de vida, os</p><p>determinantes sociais de saúde-doença, a sociedade injusta, o sistema etc.</p><p>O psicanalista não desmerece a realidade e as influências dos</p><p>determinantes sociais de saúde-doença, mas não segue a narrativa consciente</p><p>como direção do tratamento, vai na direção de investigar os mecanismos</p><p>subliminares, escondidos, aqueles mal-entendidos, mal explicados, mas que na</p><p>associação livre vão sendo lembrados e trazidos à cena. A posição passiva, de</p><p>vítima, é de fato ruim (explicação racional), mas pela via do inconsciente mantém</p><p>o sujeito na condição de estar na mão do outro. E estar na mão, ou no colo do</p><p>outro é ambivalente, pois, apesar da insatisfação do controle, da ameaça de</p><p>abandono, também pode coexistir a experiência de ser amparado, como</p><p>ilustrado na imagem a seguir:</p><p>16</p><p>Figura 6 – Experiência de ser amparado</p><p>Fonte: Glinskaja Olga/Shutterstock.</p><p>Podemos perceber nas letras de música o discurso ambivalente que</p><p>evidencia clinicamente o conflito entre as forças antagônicas em situações</p><p>cotidianas:</p><p>Eu me afasto e me defendo de você</p><p>Mas depois me entrego</p><p>Faço tipo, falo coisas que eu não sou</p><p>Mas depois eu nego</p><p>(Fresno)</p><p>A letra da música “Evidências” é um exemplo de coisas que fazemos por</p><p>causa do id e depois negamos por causa do superego (conceitos da segunda</p><p>tópica de Freud). Qual seria a verdade e a mentira? Um atenderia aos desejos</p><p>e satisfaria as pulsões vindas do Inconsciente, mas por outro lado não</p><p>corresponderia ao que as regras sociais esperam como uma conduta adequada.</p><p>Então, o conflito se dá entre fazer o que eu desejo e ser adequado socialmente.</p><p>As duas são necessidades individuais, porém contraditórias. Mas e agora? O</p><p>ego que lute!</p><p>Sobre o pacto da situação analítica, feito entre psicanalista e paciente,</p><p>sob o ponto de vista dinâmico, Tavares (2014, p. 87) descreve como:</p><p>O Eu encontra-se enfraquecido pelo conflito interno; temos que ir em</p><p>seu auxílio. É como em uma guerra civil que tem de ser decidida pelo</p><p>socorro de um aliado vindo de fora. O médico analista e o Eu</p><p>enfraquecido do enfermo, apoiados no mundo externo real, devem</p><p>formar um partido contra os inimigos: as exigências pulsionais do Isso</p><p>e as exigências da consciência moral do Supereu. Celebramos um</p><p>pacto de um com o outro. O Eu doente nos promete a mais completa</p><p>17</p><p>sinceridade, quer dizer, pôr à disposição todo o material que sua</p><p>autopercepção lhe fornece, e nós lhe asseguramos a mais estrita</p><p>discrição e colocamos a seu dispor nossa experiência na interpretação</p><p>do material influenciado pelo inconsciente.</p><p>E assim é a psicanálise, cheia de metáforas</p><p>de relações, de símbolos,</p><p>de negociações etc., tal qual nossa vida cotidiana!</p><p>NA PRÁTICA</p><p>A observação dos bebês e crianças pequenas é muito interessante para</p><p>se ter uma ideia da aplicabilidade da teoria psicanalítica na vida cotidiana. Ao</p><p>longo do crescimento se perceberá que, por volta do 1º ano de idade, já será</p><p>comum que os cuidadores digam com mais frequência: “Espere!”, “Já vou!”, “Não</p><p>precisa chorar assim, espere só mais um pouquinho”.</p><p>Quanto mais crescem, mais limites recebem: “Não faça isso!”, “Não é a</p><p>sua vez!”, “O coleguinha também quer!”, “Devolva porque esse brinquedo não é</p><p>teu!”.</p><p>O desafio tanto para crianças quanto para adultos é mediar os interesses</p><p>contraditórios do eu quero só que eu não posso.</p><p>Freud percebeu que nesse terreno se evidenciava clinicamente uma</p><p>batalha, sendo que o terreno é o próprio ego, o eu, a pessoa que sofre por forças</p><p>opostas que buscam satisfação. Para se defender do conflito, o eu tem a seu</p><p>serviço os mecanismos de defesa, que o ajudam a gerenciar essa batalha.</p><p>A delimitação teórica sobre os mecanismos de defesa do eu (ou do ego)</p><p>caracterizam a perspectiva dinâmica e a segunda tópica sobre o aparelho</p><p>psíquico.</p><p>Primeiro Freud delimitou uma separação: um terreno onde os conteúdos</p><p>eram conscientes e outro terreno em que eram inconscientes.</p><p>Depois Freud compreendeu que havia esse jogo de forças entre elas, um</p><p>conflito para tentar manter uma certa organização mental, e o que está no centro</p><p>da batalha é o ego, ou seja, o próprio eu.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Nesta aula recuperamos a concepção do aparelho psíquico conforme foi</p><p>sendo elaborada entre 1900 e 1920.</p><p>• Primeira Tópica (1900): Inconsciente, Pré-Consciente, Consciente.</p><p>18</p><p>• Segunda Tópica (1920): Id, Ego, Superego.</p><p>O aparelho psíquico pode ser explicado sobre diferentes perspectivas:</p><p>1. Perspectiva dinâmica – como as instâncias se relacionam;</p><p>2. Perspectiva tópica – como elas se delimitam; e</p><p>3. Perspectiva econômica – quanto de libido é destinado para cada local.</p><p>A ciência médica definiu critérios para avaliar o estado mental das</p><p>pessoas e entende que o psiquismo tem a função de ajustar e adaptar o indivíduo</p><p>ao meio onde vive.</p><p>A psicanálise se interessa em saber o quanto custa ao indivíduo esse</p><p>processo de adaptação, quais forças precisa reprimir para se ajustar, o que</p><p>precisa negar em si para ser aceito pelo outro. Conceitualmente, a psicanálise</p><p>chama esse movimento de conflito psíquico, ou seja, um jogo de forças</p><p>antagônicas que busca satisfações.</p><p>O que percebemos desse movimento psíquico são sensações, coisas, a</p><p>que muitas vezes não conseguimos dar nome e mesmo que seja dado um nome</p><p>para cada experiência subjetiva parece que não se consegue descrevê-la</p><p>totalmente. Ansiedade, angústia, culpa, remorso, por exemplo, são o resto do</p><p>conflito psíquico, aquilo que resultou do jogo de forças antagônicas</p><p>experimentado de forma inconsciente.</p><p>Sabendo disso, fica claro o motivo pelo qual não adianta dar conselhos na</p><p>psicoterapia psicanalítica. Dar conselhos seria mais uma pressão por</p><p>ajustamento. A psicanálise não busca ajustamento e, sim, esclarecimento.</p><p>19</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>APA – American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de</p><p>transtornos mentais: DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al.;</p><p>revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed,</p><p>2014.</p><p>BRASIL. Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Diário Oficial da União,</p><p>Poder Legislativo, Brasília, DF, 24 dez. 2011.</p><p>FREUD, S. Estudos sobre a histeria (1893). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. 2.</p><p>_____. A interpretação dos sonhos (1900). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. V e VI.</p><p>_____. Cinco lições de psicanálise (1910). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. XI.</p><p>_____. Totem e tabu e outros trabalhos (1913). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. XIII.</p><p>_____. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. XIV.</p><p>_____. Além do princípio de prazer (1920). In: _____. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986, v. XVIII.</p><p>_____. O ego e o id (1923). In: _____. Edição standard brasileira das obras</p><p>psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago,</p><p>1986, v. XIX.</p><p>_____. A divisão do ego no processo de defesa (1940). In: _____. Edição</p><p>standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.</p><p>Volumes XXIII p. 307-312, 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986, v. XXIII.</p><p>20</p><p>LOWEN, A. Narcisismo: a negação do verdadeiro self. São Paulo: Summus</p><p>Editorial, 2017.</p><p>SARACENO, B. et al. Manual de saúde mental: guia básico de atenção</p><p>primária. São Paulo: Hucitec, 2010.</p><p>SUSEMIHL, E. V. K. P. Notas sobre o conceito de splitting (Spaltung) à luz de</p><p>questões de tradução. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 43, n.</p><p>4, p. 133-144, 2009. Disponível em:</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-</p><p>641X2009000400012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 jan. 2022.</p><p>TAVARES, P. H. Compêndio de psicanálise e outros estudos inacabados.</p><p>São Paulo: Autêntica, 2014.</p><p>TOREZAN, Z. C.; AGUIAR, F. O sujeito da psicanálise: particularidades na</p><p>contemporaneidade. Revista Mal-estar e Subjetividade, Fortaleza, v. XI, n. 2,</p><p>jun./2011, p. 525 – 554. Disponível em:</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/pdf/malestar/v11n2/04.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2022.</p><p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 5</p><p>Profª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Nas aulas anteriores foram apresentados o contexto e alguns</p><p>pressupostos da teoria psicanalítica conforme foram elaborados por Sigmund</p><p>Freud a partir de sua experiência clínica. É possível perceber que a clínica é</p><p>soberana à teoria, pois a teoria vem depois da experiência clínica e não ao</p><p>contrário.</p><p>A psicanálise se caracteriza por ser especulativa, o que levou Freud a</p><p>chamá-la de "feiticeira". A psicanálise se interessa, investiga e posteriormente</p><p>teoriza sobre o aparelho psíquico, se fundamentando no inconsciente como o</p><p>principal conceito.</p><p>As primeiras formulações teóricas de Freud eram biológicas e</p><p>neurológicas, em um período que Freud acreditava que a falta de evidências</p><p>sobre os processos mentais ainda seria esclarecida no futuro.</p><p>Na aula de hoje, vamos acompanhar como se deu a ampliação do ponto</p><p>de vista, distanciando a psicanálise da neurologia e fortalecendo como uma nova</p><p>área de conhecimento. O objetivo com essa aula é conhecer como a psicanálise</p><p>fez parte da clínica de diferentes psicanalistas para avançar na nossa intenção</p><p>de introduzir os temas que o curso irá apresentar ao longo deste processo de</p><p>formação.</p><p>TEMA 1 – LEGADO DE FREUD</p><p>Freud deixou um legado! Ele percebeu uma lacuna de conhecimento no</p><p>meio médico, não encontrou em sua época fundamentos para orientar a análise</p><p>do inconsciente cientificamente e, a partir de sua experiência clínica, formulou a</p><p>teoria psicanalíticas para sustentar a clínica.</p><p>Inicialmente, influenciado pelo papel de médico neurologista, Freud</p><p>acreditou que a ciência evoluiria ao ponto de elucidar os fundamentos orgânicos</p><p>do inconsciente, mas depois o próprio Freud e os psicanalistas pós freudianos</p><p>se distanciaram da fisiologia para compreender os processos psíquicos como</p><p>algo da linguagem, que fala da subjetividade</p><p>do ser humano. Não se trata de</p><p>uma verdade factual, mas, sim, a um modelo explicativo sobre os processos</p><p>mentais.</p><p>3</p><p>Depois de Freud e ainda hoje, nós temos a teoria antes da clínica e</p><p>justamente por isso corremos o risco de sermos tecnicistas, ao subordinar a</p><p>clínica à teoria.</p><p>Um cuidado que se deve ter constantemente é para não "enquadrar" ou</p><p>"ajustar" a pessoa à teoria, "fazer caber", pois essa atitude distancia</p><p>completamente o terapeuta do método psicanalítico.</p><p>Um exemplo seria subentender qual é o conflito da criança pela idade que</p><p>ela tem. Isso por considerar os estágios do desenvolvimento psicossexual</p><p>infantil. O reducionismo também pode ser verificado quando se deseja ter um</p><p>manual de interpretações de sonhos em que se atribui sentido e significado aos</p><p>elementos do sonho. Dentre o inestimável legado de Sigmund Freud</p><p>destacamos aqui que:</p><p>- a clínica é soberana à teoria; e</p><p>- o psicanalista conduz o tratamento, mas o processo se dá a partir da</p><p>associação livre e da atenção flutuante</p><p>No método catártico que foi o precursor imediato da psicanálise, já havia</p><p>a expressão “esvaziamento da chaminé” para se referir à sensação de alívio</p><p>produzida por falar de si ao médico. Já no método psicanalítico, por meio da</p><p>associação livre na linguagem falada, os pacientes comunicavam seus desejos</p><p>inconscientes através de fenômenos tais como atos falhos, sonhos e</p><p>esquecimentos e outros sintomas compreendidos como manifestações do</p><p>inconsciente. O que se apresentava era uma verdade diferente daquela do</p><p>discurso racional, em que o paciente conta ou relata algo sobre si. Na associação</p><p>livre, o paciente ao falar inicia uma série de encadeamentos que se difere de</p><p>conteúdos planejados intencionalmente a serem comunicados, e ao falar</p><p>livremente levam a demonstrarem algo sobre si.</p><p>Exemplo: uma paciente chega ao consultório médico queixando-se de</p><p>uma dor intensa e constante que a impede de manter suas atividades cotidianas</p><p>desde as mais simples como arrumar a casa e trabalhar. Ao narrar ao médico</p><p>como é essa dor, a paciente relata que ela é intensa, e muda de lugar no seu</p><p>corpo, cada hora dói uma parte do corpo. Ela explica que nenhum remédio é</p><p>eficaz para apaziguar a sua dor: já utilizou “todos” os analgésicos, fez terapias</p><p>alternativas e visitou muitos profissionais que nunca encontraram as causas da</p><p>sua dor, não se tratava de nenhum problema neurológico ou muscular. Não se</p><p>identificou nada nos exames de imagem e nem clínico e disse ao médico que ele</p><p>4</p><p>era a última tentativa em seu desespero. O médico de fato constatou em seu</p><p>exame clínico e estudando os exames trazidos pela paciente que “ela não tinha</p><p>nada” e sugeriu que ela procurasse um psicanalista. Um pouco surpresa, e talvez</p><p>decepcionada por não obter mais uma vez uma resposta objetiva sobre o mal</p><p>que a acometia, ela pensou que o médico a estava acusando de “ser louca”.</p><p>Contrariada, mas sem mais esperança, marcou uma hora com a psicanalista só</p><p>para “desencargo de consciência”: afinal, mal não poderia fazer, tinha certeza</p><p>que de nada adiantaria esse expediente de consultar alguém sobre uma dor que</p><p>sentia no corpo: ora, ela pensava “– Eu não sou louca” e ainda vou gastar</p><p>dinheiro à toa.</p><p>Eis que, no dia e hora marcados, ela vai ao encontro da psicanalista, e,</p><p>chegando lá ela é convidada a falar sobre o que está se passando com ela,</p><p>relatando tudo o que lhe vier a cabeça e aos poucos ela começa a perceber</p><p>quando surgiram as dores: em uma época difícil da sua vida, após a separação</p><p>de seu marido. Falou sobre a vergonha social que sentiu, a dor de ter sido traída</p><p>e quando percebeu chorava enquanto falava sobre o que ela sabia, mas que</p><p>evitava pensar. A sessão, era assim que a psicanalista chamava a consulta,</p><p>passou rapidamente, e ela se sentiu mais leve, as situações mais claras. A</p><p>psicanalista a convidou para ir novamente à uma sessão, na semana seguinte,</p><p>no mesmo dia e no mesmo horário, se a paciente quisesse. Ela pensou que não</p><p>custava ir mais uma vez (apesar de considerar o preço correspondente ao valor</p><p>da sessão), mas só mais uma vez não iria fazer mal. E confirmou a sessão.</p><p>Durante a semana, percebeu que suas dores tinham diminuído em</p><p>frequência e em intensidade, mas pensou que poderia ter sido porque deixou de</p><p>comer doces, ou um certo queijo, ou ainda porque tinha trocado o colchão para</p><p>aliviar as dores.</p><p>Foi à sessão seguinte. Percebeu que falava coisas que já sabia, mas que</p><p>não lembrava que sabia. E, assim, na semana seguinte, e na outra e na outra</p><p>ainda. Era preciso reconhecer que suas dores estavam diminuindo</p><p>significativamente e que talvez a dor da separação conjugal, que tinha sido</p><p>colocada em palavras naqueles encontros diferentes com uma pessoa que ela</p><p>mal conhecia, a estavam curando: ela estava conseguindo aproveitas os dias</p><p>com seus filhos, estava voltando a trabalhar e até indo comprar algumas roupas</p><p>que combinavam com o seu novo jeito. E ela pensou: como pode ela ter me</p><p>tratado sem remédios? Só conversando? Pois é. Isto se chama psicanálise.</p><p>5</p><p>É necessário coragem para encarar a dor no lugar de negá-la. Difícil, mas</p><p>necessário.</p><p>E para onde leva a psicanálise? Para a autonomia, para o reconhecimento</p><p>de si. Essa é a ética da psicanálise: "Cada interpretação reconduz o sujeito à</p><p>escolha de seu desejo e de seus modos de gozo, levando em conta que a ética</p><p>da psicanálise é manter a estrutura de falta do inconsciente" (Santoro, V. 2006,</p><p>p. 61).</p><p>TEMA 2 – FREUD E A ÉTICA DA AUTONOMIA</p><p>A psicanálise leva àquele lugar que sobra depois de ser retirado o excesso</p><p>(per via de levare – pela via de retirar). Durante a vida as pessoas são levadas,</p><p>por ação da cultura, a se adaptar, se ajustar, fazer o que é esperado socialmente</p><p>das pessoas na sua geração: estudar, trabalhar, casar, ter filhos, adquirir bens</p><p>etc. É uma série de "ter que" como bem exemplificado no filme Happiness, de</p><p>Steve Cutts, 20171.</p><p>Uma conduta massificada, em uma sociedade capitalista,</p><p>heteronormativa que segue seu rumo sem se dar conta da subjetividade</p><p>aniquilada em cada um. A psicanálise leva ao resgate da subjetividade, mesmo</p><p>que doa, mesmo que contrarie, mesmo que incomode, para que então o sujeito</p><p>decida como se relacionar com isso que restou da análise.</p><p>Chegar a este lugar onde nos leva a análise é de muita responsabilidade,</p><p>pois as pessoas sofrem com o problema. Por outro lado, o problema lhe traz</p><p>compensações (ganhos secundários) às quais nem sempre é fácil renunciar. Se</p><p>dar conta disso e assumir seu papel de protagonista, de quem atua para se</p><p>manter no lugar que ocupa e do qual se queixa, é, geralmente, muito pesado.</p><p>Para Freud, as pessoas deveriam chegar na autonomia, ou seja, aprender</p><p>a lidar com as situações, com as tendências, com os desejos, especialmente os</p><p>mais infantis. Sobre isso é preciso entender um pouco mais sobre "A Ética da</p><p>Autonomia".</p><p>Em "O Mal-Estar na Civilização" (Freud, 1929/1986), Freud fala sobre o</p><p>mal-estar que a consciência da autonomia e a liberdade provocam. Enquanto a</p><p>pessoa se perceber vítima de uma história de vida que a determinou assim, ela</p><p>de certa forma apazigua seu sofrimento, pois encontra um sentido para seu</p><p>1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=e9dZQelULDk>. Acesso em: 6 jan. 2022.</p><p>6</p><p>estado/sofrimento. Entende que algo ou alguém superior quis assim, o que a</p><p>coloca na condição de repetir: eu não posso fazer nada.</p><p>Em sendo vítima, a pessoa segue o fluxo: estuda, trabalha, casa, tem</p><p>filhos, consome bens e serviços e a vida se repete de geração em geração. Essa</p><p>postura acrítica em relação a si anula qualquer subjetividade e internaliza um</p><p>padrão social que pode ser a fonte de suas queixas, mas que também é em</p><p>grande medida confortável.</p><p>Crédito: VectorMine / Shutterstock.</p><p>A analogia pode ser feita com uma gaiola aberta, mas onde a pessoa</p><p>permanece dentro, se</p><p>sentindo prisioneira. Essa situação, muito frequentemente</p><p>relatada pelos pacientes nas entrevistas preliminares, é um exemplo do que</p><p>Freud teorizou posteriormente sobre a relação entre o princípio do prazer e o</p><p>princípio da realidade.</p><p>Para Freud, cada indivíduo deveria superar o que seria a tendência</p><p>universal ao infantilismo, ou seja, o apego ao princípio do prazer (desejos</p><p>individuais, egoístas), e enfrentar o princípio de realidade (adaptação às leis</p><p>sociais); deveria dominar os instintos, aceitar e saber lidar com as frustrações</p><p>que a realidade impõe, tornando-se autônomo e não escravo dos desejos,</p><p>sobretudo os infantis: “A ética da autonomia”.</p><p>Na técnica psicanalítica, o terapeuta deve agir conforme o princípio da</p><p>abstinência, ou seja, agir no sentido de desconstruir os mecanismos de defesa:</p><p>"o tratamento analítico deve ser efetuado, na medida do possível, sob privação</p><p>– num estado de abstinência" (Freud, 1919/1986, p. 205). Vamos nos ater a este</p><p>trecho entre vírgulas: na medida do possível. Em alguns casos, há o perigo de</p><p>7</p><p>descontruir e fragilizar ainda mais uma mente enferma. Ao escrever sobre as</p><p>linhas de progresso na terapia psicanalítica no mesmo ano em que se encerrava</p><p>a primeira guerra mundial, em um contexto social marcado por importante</p><p>vulnerabilidade emocional entre as pessoas, Freud (1919/1986) se preocupa</p><p>com o risco de oferecer muita análise e pouca síntese ao paciente, ou seja,</p><p>interpretar muito suas defesas, fragilizando suas resistências sem ajudá-lo no</p><p>processo de reorganização, pois na verdade é com o que resta que o sujeito</p><p>compõe o mundo.</p><p>Freud reconhece que existem pessoas tão pouco preparadas para a vida,</p><p>que é preciso, com relação a elas, usar pedagogia.</p><p>Não podemos evitar de aceitar para tratamento determinados</p><p>pacientes que são tão desamparados e incapazes de uma vida comum,</p><p>que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a</p><p>educativa; e mesmo no caso da maioria, vez por outra surgem ocasiões</p><p>nas quais o médico é obrigado a assumir a posição de mestre e mentor.</p><p>(Freud, 1919, p. 208).</p><p>No entanto, Freud se referiu a este método como uma nova técnica</p><p>diferenciando do método psicanalítico clássico.</p><p>Para o futuro psicanalista, é indispensável a leitura deste texto (Linhas de</p><p>progresso na terapia psicanalítica) que está publicado nas Obras Completas,</p><p>datado de 1919, lido por Freud durante o Quinto Congresso Psicanalítico</p><p>Internacional de Psicanálise, realizado em Budapeste, em 28 e 29 de setembro</p><p>de 1918, e tem muita ênfase nos métodos ativos de tratamento, posteriormente</p><p>atribuídos à Ferenzi.</p><p>TEMA 3 – MÉTODOS ATIVOS</p><p>Os métodos ativos de tratamento são considerados em diversos</p><p>momentos da clínica psicanalítica, no entanto, sempre criticados por colegas</p><p>psicanalistas como sendo uma rendição do método às demandas sociais,</p><p>fazendo com que a psicanálise se adaptasse ao que o contexto pós-guerra</p><p>precisava. Inegável que a sociedade precisava de atenção à saúde mental no</p><p>contexto da guerra mundial, assim como vimos ser necessária a atenção no</p><p>contexto da pandemia COVID-19, mas o que se questionava na época era se</p><p>seria a psicanálise que deveria reformular seu método ou se deveria ser criado</p><p>um método para atender essa demanda social.</p><p>8</p><p>A situação que se colocava era a de que para diferentes pessoas</p><p>precisam ser planejadas diferentes intervenções, como se fosse um princípio da</p><p>equidade. Quanto mais “saudável” a pessoa, mais autonomia e autocuidado são</p><p>esperados. Quanto mais vulnerável, mais frágil emocionalmente, quanto menor</p><p>ou pior for a sua rede de apoio social, maior deve ser a preocupação do terapeuta</p><p>com o cuidado e menor a exigência de autonomia. Imaturidade versus</p><p>Autonomia.</p><p>Na clínica psicanalítica clássica, a ênfase é pela não gratificação, pela</p><p>privação e abstinência. Reforçar defesas seria um erro técnico.</p><p>O método ativo teve sua origem na psicanálise e inicialmente foi</p><p>apresentado como uma proposta de alteração na técnica psicanalítica para</p><p>encurtar a duração dos tratamentos, que eram muito longos e inacessíveis à</p><p>maioria das pessoas.</p><p>Alguns casos atendidos por Freud tiveram curta duração e bons</p><p>resultados. Gilliéron E. (1993, p. 6) apresenta um levantamento dos casos para</p><p>mostrar o quanto foram considerados exitosos mesmo tendo sido curtos,</p><p>destacamos alguns deles aqui:</p><p>Srª Emmy – sete semanas;</p><p>O Pequeno Hans – dois meses; e</p><p>O Homem dos Ratos – onze meses.</p><p>Além dos processos psicanalíticos, outras experiências de intervenções</p><p>de características ativas e breves, feitas durante conversas em passeios a tarde</p><p>ou no tempo de uma viagem de trem, também resultaram em bons resultados</p><p>para as pessoas.</p><p>Os benefícios de um tratamento mais curto foram percebidos pelo próprio</p><p>Freud, por exemplo, no caso “Homem dos Lobos”, tratado durante 5 anos e</p><p>publicado em 1918. Nesse caso, Freud percebia importante resistência do</p><p>paciente, sem avanços no tratamento psicanalítico. Decidiu então por determinar</p><p>uma data para a análise terminar e pressionado por essa data, o paciente cessou</p><p>sua resistência e entregou-se ao processo psicanalítico que evoluiu tão</p><p>rapidamente que em nada se comparou ao tempo anterior (Gilliéron, 1993).</p><p>Freud, Otto Hank e Sándor Ferenczi eram colegas de trabalho, amigos,</p><p>trabalhavam em Viena (na Áustria) e discutiam juntos a possibilidade de</p><p>assumirem postura mais ativa nos tratamentos. Otto Rank relacionava o tempo</p><p>maior ou menor do tratamento à motivação do paciente e questionava se a</p><p>9</p><p>motivação poderia ser incentivada pelo analista. Freud chegou a reconhecer os</p><p>benefícios da técnica, mas mesmo diante dos resultados positivos decorrentes</p><p>dos tratamentos curtos, negou-se a modificar a técnica psicanalítica justificando</p><p>que o tratamento deveria ser atemporal, de modo a ficar o mais próximo possível</p><p>do inconsciente do paciente. Em 1928, Ferenczi decidiu por recomendar</p><p>tratamentos psicanalíticos mais curtos, apresentando o conceito de Técnica</p><p>Ativa para caracterizar uma nova modalidade de psicoterapia, e publicou o artigo</p><p>“A elasticidade da técnica psicanalítica”. O argumento de Ferenczi era o de que</p><p>"não é o analisando que assumiria a tarefa de se adaptar à técnica psicanalítica,</p><p>então definida pelo tripé associação livre, princípio de abstinência no campo</p><p>transferencial e interpretação; o analista é que precisaria dispor da flexibilidade</p><p>elástica necessária para atender aqueles que até então eram considerados</p><p>inanalisáveis” (Kupermann, 2019, p. 52). Ferenczi acreditava que era a</p><p>passividade do analista o principal fator responsável pelo prolongamento do</p><p>tratamento clássico. A reação de Freud e de outros psiquiatras psicanalistas</p><p>tradicionais foi pela defesa da técnica psicanalítica tradicional, sem ceder às</p><p>pressões e demandas sociais por adaptação. O próprio Ferenczi, depois de obter</p><p>êxito em alguns tratamentos ativos, abandonou a técnica ao concluir que as</p><p>modificações poderiam ser usadas como resistência e que a interpretação ainda</p><p>continuava sendo um método eficaz (Cordioli, 2008).</p><p>Logo após a segunda guerra mundial (terminada em 1945), foi muito maior</p><p>a demanda social por tratamentos à saúde mental e, ainda assim, a Psicoterapia</p><p>Breve era vista como “uma rendição humilhante às pressões de circunstâncias</p><p>que levam a resultados transitórios, superficiais, pro forma” (Malan, 1981, p. 19).</p><p>O desconforto inicial se deu pela proposta de modificação na técnica</p><p>psicanalítica, pois como não havia outra modalidade de tratamento na época a</p><p>não ser a psicanálise, e a Técnica Ativa tentou nascer como uma evolução da</p><p>psicanálise, o que não agradou os psicanalistas tradicionais. Foi necessária a</p><p>construção de um novo modelo de psicoterapia para que a Psicoterapia Breve</p><p>fosse então reconhecida e respeitada e se distanciasse da ideia de ser um “erro</p><p>técnico” da psicanálise.</p><p>Esse novo modelo</p><p>começou a ser elaborado no Instituto de Psicanálise</p><p>de Chicago no período de 1938 a 1945 por meio de um projeto de pesquisa</p><p>coordenado por Alexander e French, que investigou quais seriam os princípios</p><p>básicos que permitissem um tipo de psicoterapia breve e eficaz. O estudo</p><p>10</p><p>concluiu que a experiência emocional corretiva era o fator curativo, pela</p><p>“reexposição do paciente a situações emocionais semelhantes às situações</p><p>vivenciadas no passado, que o paciente não conseguiu manejar” (Cordioli, 2008,</p><p>p. 94).</p><p>A partir de 1950, o grupo de pesquisa em Psicoterapia Breve da Clínica</p><p>de Tavistock, em Londres, coordenado por Balint e depois por Malan, avançaram</p><p>na elucidação de princípios que caracterizariam o método de condução do</p><p>processo de PB, seguidos por Sífneos, em Boston, e juntos estes autores</p><p>definiram conceitos e princípios fundamentais que constituem hoje a teoria da</p><p>técnica da Psicoterapia Breve de orientação psicanalítica, também denominada</p><p>de Psicoterapia Psicodinâmica.</p><p>TEMA 4 – WINNICOTT</p><p>O pediatra e psicanalista Donald Winnicott assume destaque na história</p><p>da psicanálise por ter dado ênfase ao processo psicoterapêutico com pessoas</p><p>mais frágeis emocionalmente.</p><p>O inglês Donald Woods Winnicott (1896 – 1971) é um autor clássico na</p><p>psicanálise pós freudiana especialmente na clínica com crianças e com</p><p>personalidades limítrofes.</p><p>Winnicott desenvolveu alguns conceitos centrais, a partir da consideração</p><p>do processo de desenvolvimento humano (maturidade), desde a completa</p><p>imaturidade nos bebês até o alcance da autonomia nos adultos saudáveis.</p><p>Um dos conceitos desenvolvidos por Winnicott foi delimitado a partir da</p><p>constatação de que, durante a completa imaturidade dos bebês, é necessária e</p><p>indispensável a preocupação materna primária, função que ele chamou de</p><p>Holding. Trata-se de uma função de sustentação:</p><p>A mãe protege o bebê dos perigos físicos, leva em conta sua</p><p>sensibilidade cutânea, auditiva e visual, sua sensibilidade às quedas e</p><p>sua ignorância da realidade externa. Através dos cuidados cotidianos,</p><p>ela instaura uma rotina, sequências repetitivas. Com essa função de</p><p>holding, Winnicott enfatiza o modo de segurar a criança, a princípio</p><p>fisicamente, mas também psiquicamente. A sustentação psíquica</p><p>consiste em dar esteio ao eu do bebê em seu desenvolvimento, isto é,</p><p>em colocá-lo em contato com uma realidade externa simplificada,</p><p>repetitiva, que permita ao eu nascente encontrar pontos de referência</p><p>simples e estáveis, necessários para que ele leve a cabo seu trabalho</p><p>de integração no tempo e no espaço. (Nasio, 1995 p. 185).</p><p>11</p><p>Entre o estado de total dependência até a autonomia, o ser humano terá</p><p>necessidade de apoios emocionais para apaziguar a ansiedade de separação</p><p>decorrente da imposição do princípio da realidade sobre o princípio do prazer.</p><p>No bebê, podemos observar rituais e uso de paninhos e chupetas eleitos</p><p>como indispensáveis que assumem o lugar de "ficar no lugar da mãe",</p><p>tecnicamente conceituados como fenômenos e objetos transicionais que irão</p><p>ocupar o lugar vazio deixado pela mãe, entre a realidade interna e a externa.</p><p>Foi a partir da experiência clínica de Winnicott com as crianças que surgiu</p><p>“A Ética do Cuidado” como uma atitude do analista e ampliou as possibilidades</p><p>de analisar pessoas vulneráveis, antes consideradas sem indicação para o</p><p>método psicanalítico.</p><p>TEMA 5 – WINNICOTT E A ÉTICA DO CUIDADO</p><p>Winnicott estudou o desenvolvimento humano já no período psicanalítico</p><p>e, conhecedor da teoria freudiana, contribuiu com a teoria do desenvolvimento</p><p>afetivo desde a fase de dependência absoluta, fase de dependência relativa até</p><p>a autonomia.</p><p>Winnicott é considerado um autor desenvolvimentista. Para ele, o</p><p>ambiente continua exercendo influência na criança que cresce, no adolescente</p><p>e no adulto. Sendo assim, sua obra se caracteriza por dar ênfase aos conflitos</p><p>Inter psíquicos. Sua teorização sobre a ética do cuidado é uma contribuição aos</p><p>analistas, para que sustentem a situação analítica (Nasio, p. 195).</p><p>Para Winnicott (1983, p. 205), “Os distúrbios mais insanos ou psicóticos</p><p>formam-se na base de falhas da provisão ambiental e podem ser tratados, muitas</p><p>vezes com êxito, por uma nova provisão ambiental”. Esse recurso metodológico</p><p>se assemelha à função de holding na relação mãe-bebê, com a criação e</p><p>proteção de um lugar protegido, uma pequena amostra de um mundo</p><p>encontrável e previsível, para que ele, a seu tempo, possa começar a ser. Isso</p><p>pode implicar, em certos casos, em dar sustentação a longos períodos em que</p><p>o indivíduo, regredindo à dependência, permite-se abandonar o esforço de existir</p><p>e entregar-se a estados muito primitivos, de amorfia, de desorganização, de não</p><p>existência.</p><p>A característica central desse lugar é a confiabilidade. Necessidade de</p><p>cuidados regulares e confiáveis. A relação terapêutica é uma analogia da mãe</p><p>12</p><p>suficientemente boa ao seu bebê, uma forma especializada de estar-com-o-</p><p>outro.</p><p>O reconhecimento de que o outro está doente leva-nos naturalmente para</p><p>a posição daquele que responde à necessidade, ou seja, à adaptação, à</p><p>preocupação e à confiabilidade, à cura no sentido de cuidado. Isso não acarreta,</p><p>em nenhum sentido de superioridade. Se assumimos o lugar de quem cuida,</p><p>precisamos estar disponíveis para aceitar o outro como ele é, como pode ser,</p><p>seja qual for a possibilidade de ser do outro que se apresente num dado</p><p>momento da relação terapêutica. Para deixar ser o outro, precisamos estar</p><p>preparados para reconhecer qual é a possibilidade de ser do momento e</p><p>acompanhá-lo enquanto perdure essa possibilidade, por estreita que seja.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Por mais madura que uma pessoa possa ser, não está descartada a</p><p>possibilidade de em um dado momento e situação de vida acontecer uma</p><p>regressão. Esse processo regressivo pode ocorrer durante o curso de uma</p><p>análise.</p><p>O caso a seguir é um exemplo: uma jovem senhora iniciou o tratamento</p><p>com questões relacionadas ao seu relacionamento conjugal. O tratamento</p><p>avançou até o ponto em que os insights reflexivos estavam bastante</p><p>desconfortáveis e foi neste momento que a paciente faltou a uma sessão. Na</p><p>próxima sessão, chegou e justificou a falta falando de uma grave doença que</p><p>acometeu seu filho e ela precisou cuidar dele no hospital. O psicanalista</p><p>interpretou a resistência da paciente. Na próxima sessão, a paciente limitou-se</p><p>a deitar no divã e chorar quase todo o tempo da sessão, com períodos de</p><p>silêncio. Novamente a interpretação foi quanto à resistência ao claro progresso</p><p>que havia sido evidenciado no tratamento na semana anterior. Depois desta</p><p>sessão, a paciente abandonou o tratamento e por telefone contou ao analista</p><p>que seu filho havia morrido poucas horas depois que ela deixou o consultório</p><p>pela última vez.</p><p>Este caso mostra que a ética do cuidado deve permear a competência do</p><p>analista em todas as fases do tratamento. Além da possibilidade de ser uma</p><p>reação de defesa e regressão, que atende à resistência e à repetição, também</p><p>há a possibilidade real de situações que fragilizam o paciente ao ponto de não</p><p>13</p><p>fazer mais sentido a ele a elaboração em curso nas sessões, pois a eminência</p><p>de morte do filho se impõe com supremacia neste caso.</p><p>A ética recomenda que o processo de tratamento fique em suspenso e</p><p>que o psicanalista possa dizer ao paciente: “me fale sobre seu filho, seu processo</p><p>analítico pode esperar e continuamos com ele depois”.</p><p>Esta atitude seria um exemplo do que Winnicott definiu como Holding.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Freud fundou a Psicanálise e nos deixou um legado que é clássico para a</p><p>compreensão teórica e metodológica. A psicanálise foi indicada para pacientes</p><p>com conflitos neurotípicos e a regra fundamental é a associação livre. Para</p><p>Freud, cada indivíduo deveria superar o que seria a tendência universal ao</p><p>infantilismo, ou seja, o apego</p><p>ela (a psicanálise) emergiu</p><p>perante o mundo como algo novo em 1900, mas que não caiu dos céus! E ele</p><p>continua dizendo que: "Qualquer história a seu respeito deve, portanto, começar</p><p>por uma descrição das influências que determinaram sua origem, e não</p><p>desprezar a época e as circunstâncias que precederam sua criação." (Freud,</p><p>1923/1986, p. 239).</p><p>Freud (1923/1986, p. 239-259) descreve o contexto histórico que</p><p>influenciou a origem da psicanálise, e resumidamente, vou destacar aqui alguns</p><p>pontos e sugiro a leitura do texto citado, na íntegra:</p><p>• Por volta de 1880, o tratamento de doenças seguia um modelo positivista,</p><p>racional, em que os médicos eram ensinados a investigar fatos químico-</p><p>6</p><p>físicos e patológico-anatômicos para tratar doenças funcionais, inclusive</p><p>as "doenças nervosas".</p><p>• Clara distinção entre o que era científico e o que era considerado não</p><p>científico. O que não era considerado científico, objetivo e explicado</p><p>racionalmente era delegado aos místicos e filósofos.</p><p>• Naquele contexto da década de 1880, o interesse que surgia</p><p>especialmente nos médicos era "o de compreender algo da natureza</p><p>daquilo que era conhecido como doenças nervosas funcionais, com vistas</p><p>a superar a impotência que até então caracterizava seu tratamento</p><p>médico" (Freud, 1923/1986, p. 239).</p><p>Interessando em neurologia e psiquiatria, Freud seguiu seus estudos em</p><p>Paris, com o Prof. Charcot no hospital psiquiátrico Salpêtrière. Nesse hospital,</p><p>Freud assistia aulas abertas, nas quais Charcot apresentava as mulheres</p><p>histéricas e demonstrava o método da hipnose que consistia em tratamento para</p><p>resgatar o material psíquico traumático que era verbalizado pela paciente e seria</p><p>trazido à consciência. O médico então, através da sugestão ao paciente em</p><p>estado hipnoide, neutralizava os efeitos do trauma retirando o sintoma do</p><p>paciente.</p><p>A hipnose então tinha como objetivo suspender a consciência da pessoa</p><p>para que, durante um estado alterado de consciência, ela expressasse seus</p><p>pensamentos, aqueles que não conseguia lembrar em estado de alerta.</p><p>Retornando à Viena, Freud apresentou a hipnose como método de</p><p>tratamento das doenças nervosas e foi duramente criticado pelos seus colegas</p><p>médicos que rejeitaram a proposta.</p><p>Nesse período, em Viena, o médico e Prof. Breuer já estava utilizando o</p><p>método hipnótico em pacientes histéricas, se aproximou de Freud. O Dr. Breuer</p><p>foi para Freud um professor e um mentor. Em 1895, publicaram juntos o texto:</p><p>Estudos sobre a Histeria, que apresentava a compreensão que os sintomas</p><p>histéricos surgiam quando o afeto de um processo mental era impedido pela</p><p>força de ser conscientemente elaborado da maneira normal, e era assim</p><p>desviado para um caminho errado, mas que poderia ser liberado pela hipnose.</p><p>A partir da hipnose, Breuer propunha o método catártico de ab-reação. Por ab-</p><p>reação, entende-se que é uma "descarga emocional pela qual um sujeito se</p><p>liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo</p><p>assim que ele não se torne ou não continue sendo patogênico". (Laplanche-</p><p>7</p><p>Pontalis, 2001, p. 1). A ab-reação pode ser lágrimas, um desabafo por palavras,</p><p>elaboração de planos de vingança por vezes bastante inapropriados, pode</p><p>acontecer espontaneamente ou induzida para que ocorra em contexto analítico</p><p>e era o objetivo do método catártico.</p><p>O método catártico incentivava a exposição ao fato traumático por meio</p><p>da memória e a descarga emocional por meio da fala. No método catártico, a</p><p>pessoa não estava em estado hipnótico, mas sim, em uma relação interpessoal</p><p>com o médico, em estado consciente. A sensação era de descarga emocional,</p><p>em uma relação terapêutica. O que isso tem de muito importante no período pré-</p><p>psicanalítico é que marca a relevância da escuta atenta e sem julgamento.</p><p>O método catártico é considerado o precursor imediato da</p><p>psicanálise. Isso não significa dizer que hipnose ou catarse são psicanálise,</p><p>apenas que foi a partir desse ponto que a psicanálise começou a se constituir</p><p>como método, principalmente por se diferenciar.</p><p>A Psicanálise se desenvolve fundamentada na capacidade de escuta.</p><p>Escutar o paciente na psicanálise é diferente de ouvir, envolve muito mais do</p><p>que é dito, compreende o não dito também, relaciona o simbólico ao real. Na</p><p>época em que Freud se propôs a escutar os pacientes, o que os outros médicos</p><p>faziam era observar os pacientes. Depois estudavam, comparavam com o</p><p>normal, discutiam entre outros médicos e definiam um tratamento para o que era</p><p>patológico.</p><p>Com a experiência clínica, Freud observou que os sintomas tratados</p><p>através da hipnose e catarse acabavam se deslocando para um outro tipo de</p><p>expressão ou para uma manifestação em outro órgão. Além disso, nem todos os</p><p>pacientes eram sensíveis a serem hipnotizados.</p><p>A psicanálise, aqui, ainda não existia, mas foi nesses cenários que ela</p><p>começou a ser pensada como um método de análise da mente (psique).</p><p>A partir de 1900, Freud se afasta da neurologia como prática científica</p><p>positivista tradicional e se dedica inteiramente à clínica psicanalítica, definindo-</p><p>se como psicanalista. O livro que é considerado a pedra fundamental da</p><p>psicanálise é Interpretação dos Sonhos (1900/1986).</p><p>TEMA 3 – REGRA FUNDAMENTAL DA PSICANÁLISE</p><p>Depois de ter experimentado e concluído pela limitação da hipnose e do</p><p>método catártico, Freud modificou o método e criou o que veio a ser a regra</p><p>8</p><p>fundamental da psicanálise: a associação livre: “Método que consiste em</p><p>exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito,</p><p>quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho,</p><p>qualquer representação), quer de forma espontânea” (Laplanche-Pontalis, 2001,</p><p>p. 38).</p><p>Freud propôs que a paciente permanecesse acordada e que ela se</p><p>deitasse em um divã enquanto o ele/psicanalista se posicionava em uma</p><p>poltrona atrás do divã, evitando o contato visual da paciente com ele. Essa</p><p>técnica permitia que a paciente conscientemente expressasse através das</p><p>associações das palavras verbalizadas sem censura, restrições ou julgamentos,</p><p>driblando assim as resistências impostas pela censura da consciência. Através</p><p>da associação – livre de censuras e julgamentos – seria possível ter acesso aos</p><p>caminhos para o inconsciente. No texto escrito no ano de 1912, Sobre o Início</p><p>do Tratamento, Freud escreve:</p><p>O material com que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente – a</p><p>história de vida do paciente, ou a história de sua doença, ou suas</p><p>lembranças da infância. Mas, em todos os casos, deve-se deixar que</p><p>o paciente fale e ele deve ser livre para escolher em que ponto</p><p>começará. Dessa maneira dizemos-lhe: ‘Antes que eu possa lhe dizer</p><p>algo, tenho que saber muita coisa sobre você; por obséquio, conte-me</p><p>o que sabe a respeito de si próprio. (Freud, 1912/1986, p. 176-177)</p><p>No texto Fragmentos da análise de um caso de histeria, ao se referir ao</p><p>caso Dora, atendida por Freud em 1900 e publicado em 1905, Freud conta ter</p><p>se utilizado do método da associação livre:</p><p>Desde os Estudos, a técnica psicanalítica sofreu uma revolução</p><p>oradical. Naquela época o trabalho [de análise] partia dos sintomas e</p><p>visava a esclarecê-los um após outro. Desde então, abandonei esta</p><p>técnica por achá-la totalmente inadequada para lidar com a estrutura</p><p>fina da neurose... Apesar dessa aparente desvantagem, a nova técnica</p><p>é muito superior à antiga, e é incontestavelmente a única possível</p><p>(Freud, 1905/1986, p. 23)</p><p>Freud percebeu que tão importante quanto escutar os pacientes era saber</p><p>o que dizer a eles e quando fazer isso. Desta forma, foi ficando cada vez mais</p><p>aprimorado o papel do paciente e o papel do psicanalista nas sessões: “Ao</p><p>paciente cabe comunicar tudo o que lhe ocorre, sem deixar de revelar algo que</p><p>lhe pareça insignificante, vergonhoso ou doloroso, enquanto ao analista cabe</p><p>escutar o paciente sem o privilégio,</p><p>ao princípio do prazer (desejos individuais,</p><p>egoístas), e enfrentar o princípio de realidade (adaptação às leis sociais); deveria</p><p>dominar os instintos, aceitar e saber lidar com as frustrações que a realidade</p><p>impõe, tornando-se autônomo e não escravo dos desejos, sobretudo os infantis:</p><p>“A ética da autonomia”.</p><p>Winnicott acreditava que os distúrbios se formam na base de falhas da</p><p>provisão ambiental e podem ser tratados, muitas vezes com êxito, por uma nova</p><p>provisão ambiental, e propôs a "Ética do Cuidado" para orientar a função de</p><p>holding do analista para com o paciente, uma função de sustentação de sua</p><p>condição de vir a ser.</p><p>14</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALEXANDER, F.; FRENCH T. Terapeutica Psicoanalitica. Buenos Aires,</p><p>Argentina: Editorial Paidós, 1965.</p><p>CORDIOLI, V. A. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artes</p><p>Médicas, 2008.</p><p>DIAS, Elsa Oliveira. Da sobrevivência do analista. Nat. hum., São Paulo , v.</p><p>4, n. 2, p. 341-362, dez. 2002 . Disponível em</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-</p><p>24302002000200004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 mar. 2021.</p><p>DIAS, Elsa Oliveira. O cuidado como cura e como ética. Winnicott e-prints, São</p><p>Paulo , v. 5, n. 2, p. 21-39, 2010 . Disponível em</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-</p><p>432X2010000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 mar. 2021.</p><p>FERENCZI. Sándor. (1928) "A elasticidade da técnica psicanalítica", in Sándor</p><p>Ferenczi. Obras completas, v. IV. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</p><p>FREUD, S. (1919) Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica. In: Obras</p><p>Psicológicas Completas de Sigmund Freud p. 201 – 211. Volume XVII. Imago</p><p>Editora, 1986.</p><p>FREUD, S. (1919) Sobre o ensino da Psicanálise nas Universidades. In: Obras</p><p>Psicológicas Completas de Sigmund Freud p. 214 – 220. Volume XVII. Imago</p><p>Editora, 1986.</p><p>FREUD, S. (1929) O Mal Estar na Civilização. In: Obras Psicológicas</p><p>Completas de Sigmund Freud. p. 75 – 254. Volume XXI. Imago Editora, 1986.</p><p>GILLIÉRON E. Introdução às psicoterapias breves. São Paulo: Martins Fontes,</p><p>1993.</p><p>KUPERMANN, Daniel. A virada de 1928: Sándor Ferenczi e o pensamento das</p><p>relações de objeto na psicanálise. Cadernos de psicanálise, Rio de Janeiro, v.</p><p>41, n. 40, p. 49-63, jun. 2019 . Disponível em</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-</p><p>62952019000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 21 nov. 2021.</p><p>MALAN D. – “Fronteiras da Psicoterapia Breve.” Poa: ArtMed; 1981</p><p>NASIO, J. D., Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein,</p><p>Winnicott, Dolto, Lacan / sob a direção de J.-D. Nasio, Rio de Janeiro: Zahar,</p><p>1995</p><p>15</p><p>OLIVEIRA, Marcos de Moura. Contribuições da técnica ativa para a clínica</p><p>psicanalítica. Cad. psicanal., Rio de Jeneiro , v. 43, n. 44, p. 191-</p><p>202, jun. 2021 . Disponível em</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-</p><p>62952021000100013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 dez. 2021.</p><p>SANTORO, Vanessa Campos. Clínica psicanalítica e ética. Reverso, Belo</p><p>Horizonte , v. 28, n. 53, p. 61-66, set. 2006 . Disponível em</p><p><http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-</p><p>73952006000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 dez. 2021.</p><p>WINNICOTT, D. W., O Ambiente e os Processos de Maturação – Estudos</p><p>sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.</p><p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 6</p><p>Profª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Olá! Anteriormente, falamos sobre algumas das definições de psicanálise,</p><p>as regras fundamentais do método psicanalítico, a concepção de aparelho</p><p>psíquico e as linhas de progresso em terapia psicanalítica, considerando a</p><p>possibilidade de os pacientes terem autonomia ou fragilidade emocional. A partir</p><p>de então, podemos pensar no limite da psicanálise como método clássico e</p><p>entender algumas de suas interfaces com outros métodos terapêuticos e com as</p><p>linhas assumidas por psicanalistas pós-freudianos.</p><p>Na aula de hoje, vamos analisar alguns exemplos práticos, com situações</p><p>da vida cotidiana e relacionar com a teoria e o método psicanalítico com o</p><p>objetivo de diferenciar e definir limites da psicanálise, ou seja, saber o que</p><p>caracteriza e o que descaracteriza o método psicanalítico e quais são as</p><p>premissas fundamentais da psicanálise.</p><p>TEMA 1 – A EXPERIÊNCIA DO DESAMPARO</p><p>Costumamos perguntar aos outros: com o que você trabalha? Um</p><p>psicanalista poderia responder, entre outras coisas, que trabalha com a questão</p><p>do desamparo das pessoas. São muitos os exemplos que podemos utilizar aqui</p><p>para ilustrar o mal-estar decorrente da vivência, sensação ou do medo do</p><p>desamparo.</p><p>Quando as pessoas se percebem vulneráveis, impotentes diante de uma</p><p>situação que não conseguem controlar, geralmente, se referem a esse mal-estar</p><p>(sensação de desamparo) como ansiedade ou angústia. Há um medo na pessoa</p><p>de ser tão insignificante a ponto de ser descartada, desnecessária e indesejada.</p><p>Situações como essa se apresentam na vida cotidiana em diferentes</p><p>intensidades, tais como:</p><p>• tenho medo de ser traído(a), abandonado(a);</p><p>• as pessoas com quem convivo não são de confiança – na verdade, me</p><p>sinto sozinho(a);</p><p>• posso perder o emprego, pois sinto que não tenho valor nessa empresa;</p><p>• não conseguirei ser aprovado(a) nesse exame;</p><p>• eles não lembraram de me chamar, não sentiram a minha falta;</p><p>• parece que o mundo está indo e eu estou ficando para trás; e</p><p>3</p><p>• minha vida acabou, não tenho (ou não sou) mais nada.</p><p>A sensação relatada pelas pessoas é decorrente da experiência de</p><p>insignificância, de não ser capaz, de não ser útil, de não ser preferido ou</p><p>suficientemente amado.</p><p>Para evitar essa sensação de mal-estar, o nosso aparelho psíquico reage</p><p>de forma adaptativa, para manter a sua integridade e recuperar a homeostase –</p><p>dito de outra maneira, são reações psíquicas saudáveis para a sobrevivência</p><p>psíquica e serão mais bem estudadas em temas como constituição do sujeito e</p><p>em mecanismos de defesa.</p><p>No entanto, considerando as sequências de coisas que se sucedem (as</p><p>vicissitudes) ao longo do desenvolvimento, as reações psíquicas podem levar a</p><p>uma estruturação mais saudável ou menos saudável do sujeito, por exemplo,</p><p>uma psicose.</p><p>Todos temos experiência de desamparo, por isso costumamos dizer que</p><p>as personalidades neuróticas são as mais típicas, ou seja, neurotípicas. São</p><p>aquelas personalidades que sofrem a questão do desamparo, se percebem</p><p>vulneráveis, sabem de seus limites, inquietam-se pelas suas inseguranças e</p><p>buscam constantemente a minimização de um mal-estar. Dito de outra maneira,</p><p>anseiam por recuperar aquela sensação deliciosa de amparo.</p><p>Crédito: Bowen Clausen Photography/Shutterstock.</p><p>Mas em que momento de vida o amparo foi percebido pelo ser humano</p><p>como algo importante, necessário e desejado? Ao observar os bebês recém-</p><p>4</p><p>nascidos, podemos constatar que eles só sobrevivem porque são amparados</p><p>por alguém, mas também podemos observar que eles, os bebês, não têm a</p><p>menor noção dessa dependência.</p><p>Ou seja, eles não percebem nada no mundo além do seu próprio corpo e</p><p>das suas próprias sensações. Ainda que os bebês se alimentem no seio materno</p><p>ou sejam segurados no colo por um adulto, que tenham todas as suas</p><p>necessidades atendidas por um outro ser humano, eles não são gratos por isso.</p><p>Pelo contrário, eles consideram que são autossuficientes e nem percebem que</p><p>existe um mundo inteiro além do seu próprio corpo.</p><p>Então, vamos recuperar aquela pergunta: em que momento de vida o</p><p>amparo foi percebido pelo ser humano como algo importante, necessário e</p><p>desejado?</p><p>Com base na teoria psicanalítica, apenas quando o bebê começa a</p><p>perceber que existe um mundo externo (além do seu próprio mundo interno) é</p><p>que</p><p>essa sensação de desamparo se instala. Há uma desilusão com relação à</p><p>autossuficiência e com o outro, que não é capaz de lhe garantir a condição de</p><p>ausência de tensões. O princípio da realidade se impõe ao princípio do prazer.</p><p>Crédito: anythings/Shutterstock.</p><p>5</p><p>Crédito: Daniel Cozma/Shutterstock.</p><p>Esse primeiro período, da ilusão de ser tudo, de ser autossuficiente,</p><p>termina justamente quando o bebê percebe que ele não é total, que existe um</p><p>mundo externo, que ele depende do outro e que ele não consegue controlar esse</p><p>outro.</p><p>Percebam que essa experiência é bem semelhante às queixas dos</p><p>adultos nos exemplos dados: sensação de ser vulnerável, impotente diante de</p><p>uma situação que não consegue controlar.</p><p>TEMA 2 – TRAUMA OU CONDIÇÃO HUMANA?</p><p>As primeiras experiências infantis têm um efeito de trauma ao longo da</p><p>vida, mas a experiência com o desamparo não é vivida apenas uma vez durante</p><p>o período infantil. O desamparo é inicialmente percebido naquele período, mas</p><p>acompanha o ser humano durante toda a vida.</p><p>Pode ser que você já tenha ouvido a expressão "trauma do nascimento".</p><p>Mas que trauma é esse? Podemos considerar o quanto de desprazer está</p><p>envolvido no processo de sair do útero materno, ser exposto à luz, ter oxigênio</p><p>expandindo os pulmões e toda a estranheza da estimulação tátil-cinestésica no</p><p>corpinho do bebê recém-nascido.</p><p>Lacan, em 1949, escreveu sobre o processo que se dá entre a imaturidade</p><p>biológica ao nascimento até a constituição do psiquismo. Esse tema é extenso e</p><p>6</p><p>requer dedicação exclusiva para abordagem detalhada no estudo sobre a</p><p>constituição do sujeito.</p><p>Na teoria sobre o Estádio do Espelho (Lacan, 1949; Lacan 1953-1954),</p><p>podemos compreender a concepção lacaniana sobre a metamorfose no mundo</p><p>interno do bebê desde a angústia do despedaçamento ao nascer até a</p><p>integração de sua imagem corporal. E em psicanálise não se está dando ênfase</p><p>à concepção cognitiva de se reconhecer diante de um espelho, e sim de saber</p><p>quem se é diante do outro.</p><p>São muitas as experiências de desamparo que se dão em meio a</p><p>situações de amparo, de modo que, ao longo da vida, a relação é de</p><p>ambivalência, tanto em relação às emoções, amor e ódio, quanto nas relações</p><p>com o outro: autonomia e dependência.</p><p>A condição humana é de vulnerabilidade, considerando as questões de</p><p>finitude e fragilidade, basta ser humano para ser vulnerável. Sanches (2018)</p><p>parte da premissa de que as questões que nos tornam vulneráveis são comuns</p><p>a todos, no entanto, quando há exposição permanente a riscos, em relação aos</p><p>quais a pessoa não pode se defender, ela passa a ser não apenas vulnerável,</p><p>mas também vulnerada.</p><p>Isso é o que acontece com alguns grupos afetados diretamente por</p><p>circunstâncias desfavoráveis, tais como: pobreza, falta de educação,</p><p>dificuldades geográficas, doenças crônicas, violência e outros infortúnios que os</p><p>tornam ainda mais vulneráveis, sendo esse um tema atual de bastante relevância</p><p>social que tem sido muito publicado em bioética:</p><p>Identificar o processo de vulneração que transforma vulneráveis em</p><p>“vulnerados” é o primeiro passo para impedir que passem da condição</p><p>de ser vulnerável para a situação de estar vulnerável, o que exige</p><p>compreensão ampla sobre instâncias e fatores como Estado,</p><p>comunidade, sistemas econômicos e sociais, cultura e a própria</p><p>moralidade vigente no contexto em que se expressa a vulnerabilidade.</p><p>Todos esses fatores podem colocar o indivíduo ou o grupo em situação</p><p>de vulnerabilidade concreta. Portanto, do ponto de vista científico, a</p><p>compreensão sobre o processo de vulneração exige esforço</p><p>interdisciplinar entre diversas áreas, incluindo as ciências da saúde,</p><p>sociais e humanas. (Sanches et al., 2018, p. 40)</p><p>O psicanalista precisa ter habilidade de análise social para compreender</p><p>os determinantes do desamparo, se são estruturantes do psiquismo do sujeito</p><p>ou se são fatores de risco que não levam a emancipação do sujeito, e sim à sua</p><p>aniquilação.</p><p>7</p><p>Falando especificamente da vulnerabilidade e do desamparo que na</p><p>constituição do sujeito é estruturante, podemos estudar em Winnicott com mais</p><p>profundidade a relevância do cuidado materno primário, especialmente no</p><p>entendimento do conceito de "mãe suficientemente boa" caracterizada pela</p><p>função da pessoa que oferece oportunamente ao bebê o que ele precisa, mas</p><p>também falha e se corrige continuamente: "comunicação do amor, assentada</p><p>pelo fato de haver ali um ser humano que se preocupa" (Winnicott, 2006, p. 87).</p><p>Não se trata de uma mãe boazinha ao bebê afastando-se de si, mas, sim,</p><p>de se apresentar como mãe sem deixar de ser mulher, na medida em que a mãe</p><p>também é vulnerável, tem falhas, é filha, tem desamparos, emoções</p><p>ambivalentes de amor e ódio, mas que se preocupa e se volta ao bebê tomando-</p><p>o como parte do mundo dela e, desta forma, emprestando a esse pequeno ser</p><p>um mundo externo que ele ainda não tem, até que possa ter.</p><p>Por outro lado, falando da vulnerabilidade social como conceito estudado</p><p>pela bioética (Sanches et al., 2018), a díade mãe-bebê pode não ter a proteção</p><p>social necessária para viver esse drama normal da maternagem, que, por si só,</p><p>já é um fator de estresse para o psiquismo do ser humano. Estas são questões</p><p>importantes a considerar quando pensamos nos limites e interfaces da</p><p>psicanálise.</p><p>TEMA 3 – DESAMPARO ESTRUTURAL E SOCIAL</p><p>Se o psicanalista trabalha com a análise do inconsciente, de que maneira</p><p>poderia se ocupar do desamparo e da vulnerabilidade social, da negligência do</p><p>poder público e de outras questões coletivas?</p><p>Quando pensamos que as experiências significativas infantis tendem a</p><p>ser introjetadas e repetidas ao longo da vida, podemos supor que entendam que</p><p>a precariedade do cuidado é uma condição existencial, ou seja, que é assim</p><p>mesmo. É possível que uma pessoa repita no social aquele padrão que viveu na</p><p>sua experiência singular com as figuras parentais e, desta forma, não vai</p><p>estranhar a violência social quando já está identificada com o lugar de ser</p><p>violentada. Muitas vezes, naturalizando ou ainda romantizando essa condição:</p><p>"meu pai me batia e eu não morri, isso só me deixou mais forte".</p><p>É importante pensar a questão do desamparo sob todos os ângulos. O</p><p>desamparo estrutural, vital, processual na constituição do sujeito; e o desamparo</p><p>8</p><p>social que é repetido em diversos âmbitos ao longo da vida, muitas vezes como</p><p>forma de elaboração do desamparo estrutural malsucedido.</p><p>Podemos observar exemplos de desamparo social somados a</p><p>desamparos estruturais em que o que resulta como sintoma é a não capacidade</p><p>de escuta, a massificação, negação da subjetividade e da singularidade que</p><p>levam frequentemente à marginalização e segregação social.</p><p>O artigo "Branco sobre o branco: psicanálise, educação especial inclusão</p><p>escolar" (Vasques, 2018) relata um exemplo de situação do cotidiano escolar em</p><p>que a perspectiva psicanalítica ampliou as possibilidades em que antes havia</p><p>limites na ação pedagógica para inclusão e escolarização de crianças com</p><p>autismo e psicose.</p><p>A psicanálise há muito tempo abandonou a busca pela cura, pois essa</p><p>busca atendia muito mais ao desejo de satisfação do analista do que beneficiava</p><p>os pacientes. Tampouco a psicanálise se ocupa de facilitar ou obter</p><p>ajustamentos, adaptações sociais e sensação de bem-estar.</p><p>A essência da psicanálise é ouvir, dar voz, tratar o outro como um sujeito</p><p>de direitos. Vamos a um exemplo prático:</p><p>Um garoto de 8 anos estava em consulta médica ambulatorial no hospital</p><p>pediátrico, com sua mãe, pois iria ser internado nos próximos dias para</p><p>submeter-se a uma cirurgia no aparelho digestivo.</p><p>Muito inteligente, atento, educado, adequado e receptivo, o garoto</p><p>cumprimentou o médico, sentou-se no consultório ao lado de sua mãe e</p><p>participou passivamente da consulta onde foi tratado sobre seu caso, mas</p><p>apenas sua mãe e o médico falaram. A ele</p><p>foram direcionadas poucas perguntas</p><p>em que a resposta era apenas sim ou não. Você está com frio, quer que desligue</p><p>o ar-condicionado? E mesmo quando lhe explicavam alguma coisa ao final o</p><p>médico perguntava: ficou claro, você entendeu? E ele dizia que sim, pois de fato</p><p>havia entendido, apesar de ter outras perguntas que não eram o tema do</p><p>momento.</p><p>Ao final do atendimento médico, como parte do protocolo, o garoto foi</p><p>encaminhado ao psicoterapeuta que logo depois das apresentações pessoais e</p><p>acolhimento na sala de atendimento, lhe fez as seguintes perguntas:</p><p>• Psic.: O que você veio fazer no hospital?</p><p>• Paciente: Vou fazer uma cirurgia.</p><p>9</p><p>• Psic.: E como será?</p><p>• Paciente: Não sei, o médico explicou agora, mas eu estava com a cabeça</p><p>lotada e não consegui guardar.</p><p>Percebam que a atenção hospitalar por muito tempo foi feita dessa</p><p>maneira Iatrogênica, por ser biomédico, ou seja, com foco no corpo biológico</p><p>com comunicações racionais sobre as condutas.</p><p>Atualmente, a atenção à saúde mental tem sido cada vez mais</p><p>considerada e indispensável e tanto nos hospitais, nas escolas, em empresas e</p><p>em outras instituições, a capacidade de escuta da subjetividade tem sido</p><p>garantida.</p><p>Quando pensamos que as pessoas querem saber de coisas, nós</p><p>oferecemos um monte de informações a elas. No exemplo anterior, fica claro que</p><p>em momentos de medo, ansiedade e apreensão, como no caso de um período</p><p>pré-cirurgia, é importante dar vazão ao que a pessoa pensa sobre as coisas,</p><p>para então o médico validar o que está de acordo com o processo e/ou</p><p>apresentar fatos novos para preencher as lacunas que fossem demandas do</p><p>sujeito desejante.</p><p>A formação e atuação interprofissional tem potência para transformar as</p><p>habilidades de comunicação dos profissionais por meio da troca de saberes e</p><p>práticas, e a psicanálise tem muito a contribuir para melhorar a qualidade da</p><p>prestação de serviços especialmente na área jurídica, da saúde e educação.</p><p>Desta maneira, o psicanalista pode contribuir para induzir a formação de</p><p>laços sociais, de ampliar a capacidade de escuta e consideração da</p><p>subjetividade em todos os contextos de atuação.</p><p>TEMA 4 – COERÊNCIA DO ANALISTA</p><p>A preocupação em resolver o problema é uma ansiedade perigosa que</p><p>pode levar o terapeuta a atuações racionais, diretivas e relacionadas com outros</p><p>métodos que não os psicanalíticos.</p><p>Deixa de ser psicanálise quando não se respeita a associação livre,</p><p>quando o "psicanalista" assume o comando e faz orientações, direciona o</p><p>diálogo, dá conselhos e julga condutas, quando dá sentido e significado à</p><p>experiência do paciente sem que tenha sido um processo de elaboração do</p><p>próprio paciente.</p><p>10</p><p>Mas por que o "psicanalista" faz isso? Sem dúvida, o faz por um processo</p><p>insuficiente de análise pessoal. Tem muitas coisas que na vida a gente sabe que</p><p>não deve fazer, mas faz mesmo assim. Isso mostra o quanto o saber teórico não</p><p>é suficiente para determinar uma conduta.</p><p>Isso não quer dizer que as terapias diretivas estão erradas, pelo contrário.</p><p>As terapias diretivas são necessárias e relevantes, no entanto, não são</p><p>psicanálise. Os efeitos da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) têm sido</p><p>publicados como evidências científicas e devemos reconhecer com um método</p><p>terapêutico válido e eficaz, mas é diferente da psicanálise.</p><p>Quando o terapeuta se diz psicanalista, é preciso ser fiel ao método</p><p>psicanalítico. Assim como Freud, que era médico neurologista e psicanalista,</p><p>sentiu necessidade de deixar de se apresentar como médico neurologista para</p><p>assumir sua identidade de psicanalista, pois o método de intervenção da</p><p>neurologia e da psicanálise são distintos, assim como o são os métodos da</p><p>psicanálise e das demais psicoterapias.</p><p>• Regras fundamentais da psicanálise:</p><p>o Associação Livre (para o paciente); e</p><p>o Atenção Flutuante (para o psicanalista).</p><p>• Conceitos fundamentais da psicanálise:</p><p>o Inconsciente;</p><p>o Repetição;</p><p>o Transferência; e</p><p>o Pulsão.</p><p>• Formação do Analista:</p><p>o Estudos teóricos;</p><p>o Análise pessoal; e</p><p>o Supervisão da prática clínica.</p><p>TEMA 5 – PSICANÁLISE SELVAGEM</p><p>O principal instrumento de trabalho do psicanalista é o seu próprio</p><p>aparelho psíquico, por isso é indispensável o processo de análise pessoal para</p><p>que o analista não pratique uma psicanálise selvagem.</p><p>Na tradução pela editora Imago no Brasil, a expressão ficou "Psicanálise</p><p>Silvestre", no entanto, não atende ao que se espera expressar no texto original</p><p>11</p><p>de Freud, conforme pode ser compreendido pela leitura do artigo na íntegra</p><p>(Freud, 1910/1986, p. 205-213), em que Freud apresenta exemplos de situações</p><p>clínicas em que o psicanalista faz intervenções dizendo coisas à paciente com</p><p>base em sua própria motivação e necessidade e, com isso, comete erros</p><p>técnicos.</p><p>Em um dos exemplos, Freud relata o caso de um jovem médico que disse</p><p>à paciente que a causa da ansiedade era a falta de satisfação sexual e lhe</p><p>recomendou três maneiras de tratamento: "ela devia ou voltar para o marido, ou</p><p>ter um amante, ou obter satisfação consigo mesma". Freud considera que, no</p><p>caso citado, o doutor compreendeu mal as teorias psicanalíticas e ainda</p><p>demonstrou que o sentido que ele tem de "vida sexual" é popular, significa</p><p>necessidade de coito e produção de orgasmo (Freud, 1910/1986, p. 207).</p><p>Freud também adverte ao fato de alguns psicanalistas entenderem que é</p><p>preciso explicar coisas ao paciente:</p><p>É ideia há muito superada, e que se funda em aparências superficiais,</p><p>a de que o paciente sofre de uma espécie de ignorância, e que se</p><p>alguém consegue remover esta ignorância dando a ele a informação</p><p>(acerca da conexão causal de sua doença com sua vida, acerca de</p><p>suas experiências de meninice, e assim por diante) ele deve recuperar-</p><p>se. (Freud, 1910/1986, p. 211)</p><p>Apenas no trecho citado anteriormente já podemos identificar algo</p><p>bastante recorrente atualmente e que comprometem o método psicanalítico.</p><p>Alguns terapeutas se sentem tentados a dar palestras ao paciente durante a</p><p>sessão. Caracterizando o fato de situações em que mais o terapeuta fala do que</p><p>o paciente. E o fazem apresentando relações de causa e efeito: “isso acontece</p><p>hoje por causa daquela situação na infância”.</p><p>Situações de certezas, explicações racionais, curas por meio de uma ou</p><p>outra devoção distanciam a terapia do método psicanalítico, pois demonstram a</p><p>intencionalidade de livrar o sujeito do mal-estar, oferecendo algo que complete</p><p>a sua falta, enquanto a intencionalidade da psicanálise é justamente ser capaz</p><p>de suportar a falta.</p><p>A função adaptativa do ser humano leva a buscar algo que complete a</p><p>falta, e essa tentativa de cura pode levar o ser humano a idealizar, se identificar</p><p>com o que considera ideal e entregar-se a uma relação que seja complementar,</p><p>protetiva e poderosa, para compensar a fragilidade do eu. Lacan criou a</p><p>expressão "Nome do Pai" para se referir ao significante ordenador de outros</p><p>significantes em cadeia, desempenha o papel da Lei.</p><p>12</p><p>O Nome do pai é um operador psíquico do qual o neurótico pôde se servir</p><p>em sua constituição (Lustoza, 2018, p. 332). Como função estruturante, faz parte</p><p>da constituição do sujeito, no entanto, quando patológico, como sintoma, impõe</p><p>limites à vida do sujeito que se sente preso a uma relação de dependência.</p><p>Idealizar algo, uma história ou alguém, e se identificar à imagem e</p><p>semelhança deste, é muito gostoso. Nos dá uma filiação, um aconchego, uma</p><p>sensação de segurança por ser protegido por algo ou alguém poderoso que não</p><p>tem defeitos nem falhas e, por isso, nunca irá nos faltar.</p><p>Se considerarmos a função de acolhimento, de holding, alinhado ao que</p><p>entendemos por ética do cuidado, é muito bom ter um protetor assim. A máxima</p><p>dessa experiência é entregar teu destino à Deus. É algo reconfortante,</p><p>acolhedor, apaziguador, que nos abranda a dor de uma ferida aberta que dói</p><p>cada vez que nos percebemos</p><p>incapazes, indefesos, pequenos. Deus é um pai</p><p>que não abandona.</p><p>Outra situação a ser considerada é que nem todas as pessoas têm a</p><p>mesma relação com Deus, com as coisas e pessoas das quais dependem ou</p><p>idealizam. É um erro técnico o psicanalista levar para a sessão que Deus é amor,</p><p>porque aquele paciente pode ter outra história com Deus. Não nos cabe sair em</p><p>defesa de Deus, ou dos pais, mas, sim, analisar o que levou àquelas</p><p>representações na história de vida do paciente. De modo que não faz nenhum</p><p>sentido dar conselhos e nem aulas sobre o que consideramos ser "o mais certo".</p><p>A psicanálise se ocupará de analisar a construção de significantes. O</p><p>curso que você está fazendo, para o qual se matriculou, é um significante. Que</p><p>lugar tem a psicanálise (como significante) na sua história de vida?</p><p>Nossa vida é sempre uma busca, não há mal nenhum em ser assim. Há</p><p>risco! Podemos eleger como cura algo ou alguém nocivo. Mas o que importa</p><p>saber aqui, na condição de futuros psicanalistas, é que tudo isso é apenas a</p><p>parte de nadar contra a maré, ou seja, a luta por encontrar algum modo de vida</p><p>que nos afaste da sensação de desamparo. São defesas, ou nosso modo de</p><p>sobreviver psiquicamente.</p><p>Sugerimos aqui a observação do discurso das pessoas ao relatarem</p><p>sobre as suas motivações para fortalecer a relação com Deus. Geralmente, são</p><p>narcísicas: eu quero me sentir bem, eu quero proteção, eu quero a graça de ...</p><p>E em seguindo esse Ser Ideal, ele nos manda amar o próximo. Ou seja, você</p><p>13</p><p>pede que eu te ame, e eu digo que você vai alcançar essa sensação amando o</p><p>próximo.</p><p>Isso nos remete ao que Freud escreveu no texto "Sobre o Narcisismo:</p><p>Uma Introdução" (Freud, 1914/1986, p. 101): "Um egoísmo forte constitui uma</p><p>proteção contra o adoecer, mas, num último recurso, devemos começar a amar</p><p>a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em</p><p>consequência da frustração, formos incapazes de amar".</p><p>Há de se fazer uma leitura crítica e não dogmática da relação entre</p><p>psicanálise e religiões, pois podemos cometer o erro de identificar apenas</p><p>afinidades ou apenas diversidades quando o que há são pontos convergentes e</p><p>outros divergentes.</p><p>Também é preciso contextualizar, se estamos falando do Antigo ou do</p><p>Novo Testamento e se estamos falando da psicanálise de 1900 ou da psicanálise</p><p>contemporânea. Isso porque o Deus do Novo Testamento é muito mais</p><p>acolhedor do que era no Antigo Testamento, e a psicanálise de 1900 se</p><p>destinava apenas a pacientes neuróticos, ao passo que atualmente temos</p><p>psicanalistas atuando com acolhimento em processos de luto, em prevenção do</p><p>suicídio e em atendimentos de casos de perversão e psicoses.</p><p>O que não mudou na psicanálise foi a direção de cura. Tanto quanto</p><p>possível, o sujeito será confrontado com sua condição e deverá assumir sua</p><p>autonomia e emancipação. Ainda que em algumas situações sejam amparadas</p><p>a sua desorganização: Função de holding, na clínica em Winnicott. Função</p><p>continente do analista, na clínica em Bion.</p><p>Mesmo respeitados e acolhidos, como processo psicoterapêutico, o</p><p>desamparo e a dependência não devem ser reforçados. Em algumas situações,</p><p>os pacientes podem falar coisas como: "Se não fosse pelo senhor, doutor, eu</p><p>não sei o que seria de mim de mim. O senhor é tudo para mim"; "Vou entregar</p><p>minha vida a Deus e esperar, pois o meu destino pertence a ele e eu não posso</p><p>nada.".</p><p>Ou pelo narcisismo do analista que poderia fazê-lo atuar no sentido de</p><p>estimular ser idealizado e elogiado pelo paciente, ou pela devoção a um Deus-</p><p>Pai que tudo provê aos seus filhos, o psicanalista ao reforçar as afirmações do</p><p>paciente, poderia obter como resultado a diminuição da ansiedade do paciente,</p><p>que sairia feliz do consultório. Mas isso também não é psicanálise! É um erro</p><p>14</p><p>técnico do psicanalista a sugestão de defesas, apesar de ser este um método de</p><p>outras psicoterapias.</p><p>A relação entre psicanálise e as religiões só é convergente até um ponto,</p><p>pois se para a religião a cura está na entrega e fidelidade, para a psicanálise a</p><p>cura está em suportar o desamparo para então assumir-se. Identificar-se com</p><p>um Deus superpoderoso é confortável, necessário, estruturante, mas mantém a</p><p>pessoa na zona de conforto de ter a segurança do apego e da proteção. Ou seja,</p><p>faz parte do processo, mas fica no meio do caminho.</p><p>A proposta da psicanálise é ir além. Não é possível curar a angústia, pois</p><p>ela é a própria pulsão que não nos permite a zona de conforto da proteção e nos</p><p>impele ao movimento de busca. Um dito popular sobre esse movimento pulsional</p><p>é: “É na crise que se cresce".</p><p>A religião tem uma função social e cultural de dar sentido à existência e é</p><p>necessária e saudável para a saúde mental das pessoas. No seu sentido mais</p><p>extenso, religião tem a função de religar, de unir, de vincular.</p><p>Podemos compreender que todos estamos vinculados a uma história,</p><p>fazemos parte de um percurso, somos seres sociais, constituímos uma teia de</p><p>acontecimentos e essa condição nos coloca em uma relação de irmandade.</p><p>Temos ancestrais e descendentes. Somos parte disso e por esse ponto de vista</p><p>podemos nos sentir pertencendo a algo maior, que nos deu origem, que nos</p><p>determina e, neste contexto, também somos determinantes do futuro. Essa</p><p>reflexão é inclusiva porque faz sentido para todas as religiões. Quando há</p><p>segregação entre as religiões, o sentido de religar já fica comprometido.</p><p>A todo momento, a ânsia pelo prazer busca voltar ao primordial, ao que é</p><p>igual, comum, ao que não tem conflito, mas tanto na vida cotidiana quanto nas</p><p>religiões e na psicanálise o conflito existe, pois ele constitui a existência humana.</p><p>A psicanálise como método não almeja a homeostase, mas, sim, a</p><p>compreensão do que dói, do que amarra, do que leva à compulsão pela</p><p>repetição, do que compromete, vai analisar o significante, monitorar os</p><p>mecanismos de defesa, enfrentar o medo de encarar o desamparo, pois</p><p>apostamos que o medo impede a travessia e a emancipação se dá apenas pela</p><p>travessia.</p><p>15</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Para evitar o desprazer decorrente da sensação do desamparo na vida</p><p>diária, costumamos romantizar as experiências difíceis. Ao final de um ano difícil,</p><p>costumamos ver “memes” relacionando o sobrevivente de um ano difícil e</p><p>pandêmico a um herói.</p><p>Ao passar pela experiência de gestação, parto e puerpério, a mulher com</p><p>o filho nos braços que só lhe demanda sem nada reconhecer costuma orgulhar-</p><p>se de ser mãe com a clássica frase: "ser mãe é padecer no paraíso".</p><p>Essa romantização ajuda a simbolizar a dura realidade de ter que dar sem</p><p>ter. Realidade esta que pode ser assistida no filme "A Filha Perdida",</p><p>protagonizado pela atriz Olivia Colman, no papel de Leda, mãe de 2 filhas. O</p><p>filme retrata os aspectos agressivos da maternidade habitualmente inibidos por</p><p>ação da repressão cultural, que, no lugar, enaltece a mãe e a maternidade a um</p><p>lugar mágico, romântico e sublime.</p><p>Como estamos em um momento introdutório aos temas psicanalíticos,</p><p>sugerimos uma interpretação do filme sem os termos técnicos da área, apenas</p><p>com a análise crítica do papel social e ambivalente da maternidade na relação</p><p>com os filhos. Disponível em:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=1hMTU3senks>. Acesso em: 21 jan. 2021.</p><p>Neste exemplo prático, podemos relacionar vários conteúdos desta aula,</p><p>especialmente a questão do desamparo, tanto vivida pelas crianças quanto pelas</p><p>mães. Com isso, podemos compreender que o impulso por sair e não se haver</p><p>com a situação que leva à experiência do desamparo é uma tensão que mobiliza</p><p>a conduta e que só não a ativa por ação repressora do superego e medição do</p><p>ego: culpa, reparação.</p><p>FINALIZANDO</p><p>A psicanálise tem uma intencionalidade e um método. Para ser um</p><p>psicanalista, este método, que não se dissocia da teoria, precisa ser coerente e,</p><p>portanto, é fundamental que se conheça os fundamentos da técnica e os discuta</p><p>criticamente,</p><p>pois eles só podem ser compreendidos se forem considerados em</p><p>sua construção história.</p><p>Nesta aula, foram apresentadas reflexões críticas sobre desamparo e</p><p>idealizações, como reações psíquicas ao desamparo, e o papel do analista que,</p><p>16</p><p>se fiel ao método psicanalítico, faz com o paciente uma travessia que passa pelo</p><p>medo de enfrentar o desamparo até que, passada a zona do desconhecido,</p><p>alcance uma nova condição que o torne capaz de assumir-se mesmo com suas</p><p>falhas.</p><p>E se não, ficará no meio do caminho, reforçando defesas e resistências,</p><p>buscando adaptações para diminuir ansiedade e recuperar o bem-estar, mas,</p><p>neste caso, não exercerá o método psicanalítico.</p><p>E, ainda, algo iatrogênico, ou seja, que na tentativa de fazer o bem pode</p><p>provocar o mal. É o exercício do que Freud chamou de Psicanálise Selvagem,</p><p>que acontece quando o analista não fez seu próprio processo de análise pessoal.</p><p>E a angústia do paciente o angustia, e, em relação transferencial, o analista, em</p><p>total erro técnico, é agressivo com o paciente por meio de intervenções</p><p>preconceituosas, irônicas ou sádicas, que podem causar extremo prejuízo à</p><p>saúde mental das pessoas que nele confiaram.</p><p>A psicanálise tem regras fundamentais, minimamente: associação livre e</p><p>atenção flutuante e, apesar de não ter regulamentação legal no Brasil para o</p><p>exercício da ocupação do analista, há uma tradição ética em respeitar o tripé</p><p>para o processo de formação do analista, sendo indispensável que se tenha</p><p>aprofundamento nos estudos de textos clássicos e contemporâneos, que se</p><p>invista em análise pessoa, pois o aparelho psíquico do analista é o seu principal</p><p>instrumento de trabalho, e que, ao iniciar a prática clínica, submeta seus</p><p>atendimentos à supervisão com um psicanalista mais experiente.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANTUNES, V. L. C. de P. Quando o analista é um mal para seu paciente Um</p><p>retorno à “psicanálise selvagem”. Jornal de psicanálise 50, (93), 223-237, 2017</p><p>FREUD, S. Psicanálise Silvestre. 1910. Edição Standard Brasileira das Obras</p><p>Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986.</p><p>v. 11. p. 205-213.</p><p>______. Sobre o Narcisismo: uma introdução. 1914. Edição Standard Brasileira</p><p>das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1986. v. 14.</p><p>LACAN, J. 1901-1981 Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge</p><p>Zahar Ed., 1998.</p><p>_____. Seminário 1: os escritos técnicos de Freud. 1953-1954. Rio de Janeiro:</p><p>Jorge Zahar Editor, 1985.</p><p>_____. Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Jorge</p><p>Zahar Editor, 1985.</p><p>LUSTOZA, R. Z. A formação do conceito de nome do pai. 1938-1958. Ágora:</p><p>Estudos em Teoria Psicanalítica, v. 21, n. 3, 2018. pp. 323-332. Disponível em:</p><p><https://doi.org/10.1590/S1516-14982018003004>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>SANCHES, M. A.; MANNES, M.; CUNHA, T. R. da. Vulnerabilidade moral: leitura</p><p>das exclusões no contexto da bioética. Revista Bioética, 2018, v. 26, n. 1. pp.</p><p>39-46. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1983-80422018261224>. Acesso</p><p>em: 20 jan. 2022.</p><p>VASQUES, C. K. Branco sobre o branco: psicanálise, educação especial e</p><p>inclusão escolar. Revista “Educação Especial”, v. 22, n. 33, p. 29-40, jan./abr.</p><p>2009, Santa Maria. Disponível em:</p><p><https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/167>. Acessado em:</p><p>20 jan. 2022.</p><p>WINNICOTT, D.W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 2006.</p><p>ZIMERMAN, D. E. Bion: da teoria à prática, uma leitura didática. Porto Alegre,</p><p>Artes Médicas, 1995.</p><p>a priori, de qualquer elemento de seu</p><p>discurso” (Macedo; Falcão, 2005, p. 4).</p><p>9</p><p>Na construção da teoria psicanalítica, foi fazendo cada vez mais sentido</p><p>refletir sobre o papel do analista e, assim como a associação livre é a regra</p><p>fundamental para o paciente, a atenção flutuante é a regra fundamental para o</p><p>psicanalista.</p><p>ATENÇÃO FLUTUANTE: Segundo Freud, modo como o analista deve</p><p>escutar o analisando: não deve privilegiar a priori qualquer elemento</p><p>do discurso dele, o que implica que deixe funcionar o mais livremente</p><p>possível a sua própria atividade inconsciente e suspenda as</p><p>motivações que dirigem habitualmente a atenção. Essa recomendação</p><p>técnica constitui o correspondente da regra da associação livre</p><p>proposta ao analisando. (Laplanche-Pontalis, 2001, p. 40)</p><p>Deste modo, só será possível o método psicanalítico se estiverem</p><p>presentes:</p><p>• Associação livre (paciente);</p><p>• Atenção flutuante (psicanalista).</p><p>Ao longo dos estudos sobre os casos clínicos de Freud, há um fato curioso</p><p>que foi a situação em que a Sr.ª Emmy estava sendo atendida por Freud e ele</p><p>ficava fazendo perguntas frequentes até que ela disse que ele deveria ficar</p><p>quieto! Até este momento, Freud costumava interromper os pacientes pedindo</p><p>mais explicações ou perguntando coisas que as faziam parar de lembrar do que</p><p>estavam dizendo para atender às demandas de Freud. Esse caso levou Freud a</p><p>perceber a importância da fala sem interrupções como processo de tratamento</p><p>bem como a importância da atenção flutuante. A Sr.ª Emmy ensinou Freud a</p><p>escutar (Anderson, 2000). Esse conceito não foi dado naquela época, mas a</p><p>prática já começou a se caracterizar por meio dessas experiências clínicas.</p><p>TEMA 4 – METÁFORAS</p><p>A Psicanálise é com muita frequência metafórica, ou seja, ela se explica</p><p>por meio de metáfora, que é uma figura de linguagem muito utilizada para fazer</p><p>comparações por semelhança. No Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa,</p><p>o significado de metáfora é:</p><p>Figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto</p><p>ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança</p><p>ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa</p><p>bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões</p><p>fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do</p><p>problema); símbolo. (Michaelis, 2015).</p><p>10</p><p>Para quem inicia seus estudos em psicanálise, alguns textos parecem ser</p><p>escritos em outro idioma, dada a quantidade de metáforas usadas em um mesmo</p><p>parágrafo. Vamos trazer aqui algumas delas como introdução.</p><p>Freud se utiliza das artes para explicar a diferença entre a psicanálise e</p><p>os demais métodos terapêuticos para tratamento clínico dos processos mentais.</p><p>Freud comparou as terapias tradicionais (medicamentosas, hipnose,</p><p>sugestão, aconselhamento, orientação) com as pinturas em tela, em que se</p><p>colocavam tintas em uma tela em branco. Essa técnica é conhecida no mundo</p><p>das artes como Per via di porre – “pela via de pôr, colocar” (terapias).</p><p>Já a Psicanálise foi comparada a uma escultura, em que se retira material</p><p>até que seja evidenciada a essência, como um bloco de mármore que é</p><p>esculpido ou lapidado, retirando material. Essa técnica é conhecida no mundo</p><p>das artes como Per via de levare – “pela via de retirar, levar” (Psicanálise)</p><p>• Terapias = pinturas (cobre de cores a tela vazia) Per via di porre – pela via</p><p>de pôr, colocar;</p><p>• Psicanálise = esculturas (retira o que está demais para que surja a estátua</p><p>no mármore) Per via de levare – pela via de retirar, levar.</p><p>Desse modo, a terapia é um método de tratamento que pode ser de</p><p>várias maneiras: terapia medicamentosa, nutricional, terapia espiritual, em que</p><p>há prescrição, orientação, recomendação feita ao paciente.</p><p>Créditos: Syda Productions /Shutterstock.</p><p>Já a Psicanálise é um método clínico que trabalha com o inconsciente. A</p><p>referência ao ato de “retirar”, como nas esculturas que são esculpidas, tem</p><p>relação com o método de retirar mecanismos de defesa, interpretar resistências</p><p>para chegar ao núcleo do conflito.</p><p>11</p><p>Créditos: RossHelen/Shutterstock.</p><p>Perceba que na técnica da pintura o artista coloca material, e na escultura</p><p>retira material.</p><p>Outro exemplo é o uso da expressão Aparelho Psíquico. A palavra</p><p>aparelho sugere um arranjo, um conjunto, definida no Vocabulário</p><p>Contemporâneo de Psicanálise como:</p><p>O termo aparelho foi utilizado por FREUD porque na época pioneira</p><p>da psicanálise ele estava impregnado pela visão mecanicista da</p><p>medicina. A primeira menção de Freud ao aparelho psíquico aparece</p><p>em 1900, no consagrado A Interpretação dos Sonhos, onde ele</p><p>compara o aparelho psíquico com aparelhos ópticos. (Zimerman, 2001,</p><p>p. 37)</p><p>As teorias sobre o Aparelho Psíquico precisam ser devidamente</p><p>estudadas. O que queremos neste momento é apresentar algumas imagens que</p><p>foram adotadas para representar o aparelho psíquico por terem alguma</p><p>semelhança e representarem características comuns.</p><p>A primeira delas é a imagem de um iceberg para representar que a parte</p><p>visível, exposta para fora da água, é a parte consciente do aparelho psíquico e</p><p>a parte que está submersa representa conteúdos que não são facilmente</p><p>acessíveis:</p><p>Consciente Cs:</p><p>Conteúdo disponível, conhecido.</p><p>Pré-consciente Pcs:</p><p>Conteúdo lembrado por esforço de</p><p>memória. Barreira de contato.</p><p>Inconsciente Ics:</p><p>Conteúdo reprimido que em parte</p><p>chegará ao Cs depois de ser deformado e</p><p>disfarçado</p><p>Créditos: Arcady/Shutterstock.</p><p>12</p><p>Na imagem anterior, Cs, Pcs e Ics, juntos, constituem o aparelho psíquico</p><p>(psiquê).</p><p>Outra representação que guarda semelhança com o aparelho psíquico é</p><p>uma hidroelétrica. Como pode ser visto na imagem a seguir, há uma regulação</p><p>da quantidade de água que pode passar e sair da represa. Essa regulação é</p><p>uma das funções do aparelho psíquico, especificamente é uma função do ego,</p><p>como pode ser mais bem compreendida no estudo aprofundado da 2ª tópica de</p><p>Freud. Na metáfora da hidroelétrica, em que um grande volume de água</p><p>represado seria o Inconsciente, a barragem seria a regulação da sensação de</p><p>prazer-desprazer feita pelos mecanismos de defesa a serviço do ego, e a água</p><p>que jorra são os conteúdos que tiveram passagem liberada à consciência.</p><p>Créditos: yu_photo/Shutterstock.</p><p>A depender do conteúdo, pode ser liberado ou reprimido, tal como a água</p><p>tem sua força de vazão regulada pelos mecanismos de controle da represa,</p><p>também chamada de barragem.</p><p>Lacan entende que é por meio de metáforas que o inconsciente se</p><p>manifesta, assim como em Freud o conteúdo inconsciente, que foi barrado pela</p><p>repressão, se condensa e se desloca para que seu acesso "transformado,</p><p>fantasiado" seja possível na consciência.</p><p>No livro Escritos, Lacan faz uma interpretação do conto A Carta Roubada</p><p>(Lacan, 1998, p. 13) em que explica que na base das metáforas está um</p><p>movimento de encadeamentos de significantes que, por fim, determinam o</p><p>sujeito. Essa psicodinâmica é analisada na clínica pela linguística, pela</p><p>associação (livre) de palavras.</p><p>13</p><p>TEMA 5 – REVOLUÇÃO PSICANALÍTICA</p><p>A psicanálise é caracterizada como uma revolução epistemológica ou</p><p>revolução simbólica que produziu uma grande mudança no paradigma científico</p><p>da época. Todo o raciocínio médico científico era centrado na consciência. Além</p><p>disso, é provocada mais uma ruptura na concepção de homem como um ser</p><p>superior no universo.</p><p>Marcondes (2010) considera que três teorias a partir do Renascimento até</p><p>os dias atuais alteraram a concepção de homem, são elas:</p><p>1. Teoria Heliocêntrica – de Copérnico: confirma que a Terra não é o centro</p><p>do universo, e sim o Sol. Segundo o autor (2010, p. 258), “[…] esse novo</p><p>modelo de cosmo abala profundamente as crenças tradicionais do</p><p>homem da época, não só quanto à ordem do universo, mas também</p><p>quanto ao seu lugar central nessa ordem”.</p><p>2.</p><p>Teoria da Seleção Natural – de Darwin: ocorrida a partir da publicação de</p><p>sua obra A origem das espécies que apresenta o homem como o</p><p>resultado de um processo de evolução natural, e não um ser superior.</p><p>O homem é apenas mais uma espécie natural dentre outras e que a</p><p>espécie humana resulta de um processo de evolução natural, tendo</p><p>ancestrais como o macaco, Darwin abala profundamente a crença na</p><p>superioridade humana, no homem como o “rei da criação”, como tendo</p><p>uma natureza não só superior como radicalmente distinta dos demais</p><p>seres. (Marcondes, 2010, p. 258)</p><p>3. Teoria Psicanalítica – de Freud: revela que o comportamento do homem</p><p>é influenciado pelo inconsciente e que não temos pleno controle sobre</p><p>isso.</p><p>O homem não se define pela racionalidade, e que sua mente não se</p><p>caracteriza apenas da consciência, mas, ao contrário, nosso</p><p>comportamento é fortemente determinado por desejos e impulsos de</p><p>que não temos consciência e que reprimidos, não realizados,</p><p>permanecem, entretanto, em nosso inconsciente e manifestam-se em</p><p>nossos sonhos e em nosso modo de agir. Ao formular uma nova</p><p>explicação de aparelho psíquico humano, sobretudo com sua hipótese</p><p>do inconsciente, Freud mostra que não temos controle pleno de nossas</p><p>ações e que há causas determinantes da nossa ação que nos são</p><p>desconhecidas. (Marcondes, 2010, p. 259, grifo do original)</p><p>Esses aspectos caracterizam alguns elementos do contexto em que se</p><p>originou a psicanálise. Foi esse o lugar que ela ocupou, um lugar de</p><p>constrangimento, de afronta, desconfortável, para outros libertador.</p><p>14</p><p>NA PRÁTICA</p><p>O conteúdo da aula de hoje se aplica na nossa vida cotidiana, entre outros</p><p>exemplos que vocês podem ter, mas um deles é a subjetividade ser considerada</p><p>uma anomalia. Ainda hoje, a maioria dos métodos terapêuticos é</p><p>medicamentoso, para dopar a dor emocional do outro. Podemos supor que não</p><p>é quem sofre que precisa de medicamento, mas é quem convive com quem sofre</p><p>que precisa neutralizar o sofrimento do outro, pois ele não aguenta ouvir,</p><p>presenciar, entre outras hipóteses, porque o remete à sua própria dor.</p><p>Uma outra hipótese é a busca de uma ilusão, negando a parte em que a</p><p>vida é triste, sim, porque sofrimento e tristeza fazem parte da vida de todos os</p><p>seres humanos, mas há quem considere que isso é uma anomalia e precise ser</p><p>medicada, para que a vida seja só boa, sem conflitos.</p><p>Estamos vivendo um tempo em que se faz necessário preparar um</p><p>número maior de ouvintes. Assim, esperamos desenvolver em cada um de</p><p>vocês, entre outras competências, a capacidade de escuta.</p><p>Saiba mais</p><p>Sugestão de link sobre Felicidade:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=e9dZQelULDk>.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Na definição de psicanálise feita por Freud no texto Dois verbetes de</p><p>Enciclopédia (1923/1986, p. 287), ele diz que psicanálise é o nome de:</p><p>1. Um procedimento para a investigação de processos mentais que</p><p>de outra forma são praticamente inacessíveis.</p><p>2. Um método baseado nessa investigação para o tratamento de</p><p>transtornos neuróticos.</p><p>3. Uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio</p><p>e que se somam umas às outras para formar progressivamente uma</p><p>nova disciplina científica.</p><p>Os métodos terapêuticos anteriores à psicanálise foram a hipnose e a</p><p>catarse, e Freud, com esses métodos e a partir de sua prática clínica, passou a</p><p>empregar o método da associação livre, criado e desenvolvido por ele, que veio</p><p>a ser a regra fundamental do método psicanalítico.</p><p>Para diferenciar psicanálise dos outros métodos terapêuticos, Freud se</p><p>utilizou de metáforas com o mundo das artes:</p><p>15</p><p>• Terapias = pinturas (cobre de cores a tela vazia): Per via di porre – pela</p><p>via de pôr, colocar;</p><p>• Psicanálise = esculturas (retira o que está demais para que surja a estátua</p><p>no mármore): Per via de levare – pela via de retirar, levar.</p><p>Outra metáfora clássica na psicanálise é o Iceberg, que representa o</p><p>aparelho psíquico com uma grande parte do conteúdo submerso, que representa</p><p>o inconsciente.</p><p>A teoria psicanalítica de Freud foi considerada revolucionária ao revelar</p><p>que o comportamento humano é determinado pelo inconsciente e que não se</p><p>tem pleno controle sobre os processos mentais. Com isso, provoca uma ruptura</p><p>com o paradigma científico em que o raciocínio diagnóstico e terapêutico era</p><p>centrado na consciência.</p><p>16</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANDERSON, O. Freud precursor de Freud: estudos sobre a pré-história da</p><p>psicanálise. Tradução de L. C. U. Junqueira Filho. São Paulo: Casa do Psicólogo,</p><p>2000.</p><p>FREUD, S. 1856-1939. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas</p><p>Completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey</p><p>em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson;</p><p>traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. 2. ed.</p><p>Rio de Janeiro: Imago, 1986.</p><p>_____. As Neuropsicoses de Defesa (1894). In: Edição Standard Brasileira das</p><p>Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1986. v. 3.</p><p>_____. A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses (1896). In: Edição</p><p>Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.</p><p>2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986. v. 3.</p><p>_____. A Interpretação dos Sonhos (1900). In: Edição Standard Brasileira das</p><p>Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volumes V e VI, 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986.</p><p>_____. Fragmentos da análise de um caso de histeria (1905). In: Edição</p><p>Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud,</p><p>Volume VII, 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986. p. 5-128.</p><p>_____. Sobre o Início do Tratamento (1912). In: Edição Standard Brasileira das</p><p>Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XVII, 2. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1986. p. 164-187.</p><p>_____. Sobre a Psicanálise (1913). In: Edição Standard Brasileira das Obras</p><p>Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XII, 2. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1986.</p><p>_____. Dois verbetes de enciclopédia (1922). In: Edição Standard Brasileira</p><p>das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XVIII, 2. ed.</p><p>Rio de Janeiro: Imago, 1986.</p><p>LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Tradução de Pedro</p><p>Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>17</p><p>MACEDO, M.; FALCÃO, C. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta.</p><p>Psychê, São Paulo, Ano IX, n. 15, jan./jun. 2005.</p><p>METÁFORA. In: Michaelis, Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em:</p><p><https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-</p><p>brasileiro/metafora>. Acesso em: 1 fev. 2022.</p><p>ZIMERMAN, D. E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre:</p><p>Artmed: Grupo A, 2011.</p><p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 2</p><p>Profª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Anteriormente, abordamos a delimitação conceitual do que é a</p><p>psicanálise. Nesta aula, vamos conhecer um pouco mais sobre dois dos</p><p>principais personagens da história da Psicanálise: Freud e Lacan.</p><p>A biografia de Freud é um portfólio da elaboração da psicanálise. A partir</p><p>dela, podemos acompanhar o desenrolar dos conceitos ao longo das narrativas</p><p>dos casos e dos textos que Freud escreveu ao longo de meio século de prática</p><p>psicanalítica. Ao mesmo tempo, nos aproximamos da pessoa de Freud, seu</p><p>modo de vida, dificuldades, relacionamentos e a sua importante competência</p><p>intelectual. Freud viveu entre 1856 e 1939.</p><p>Lacan, por sua vez, viveu entre 1901 e 1981. A psicanálise lacaniana em</p><p>parte se diferencia da psicanálise freudiana, mas foi a partir do estudo da obra</p><p>de Freud que Lacan a reinterpretou, criando seus próprios conceitos até fundar</p><p>a corrente lacaniana.</p><p>Nesta aula, o objetivo é conhecer um pouco da história de vida e dos</p><p>estilos de pensamentos que influenciaram a obra dessas duas grandes</p><p>referências para a psicanálise. A título</p><p>de introdução, vamos propor algumas</p><p>delimitações conceituais das suas principais contribuições teóricas.</p><p>TEMA 1 – A VIDA DE SIGMUND FREUD</p><p>A vida de Freud pode ser investigada por diversos caminhos. Sugerimos</p><p>que vocês assistam produções sobre a sua obra, a exemplo dos que se seguem.</p><p>• O Clássico filme Freud Além da Alma, do diretor John Huston, EUA, 1962,</p><p>140 min. Disponível em: <https://vimeo.com/142402784>. Acesso em: 3</p><p>fev. 2022.</p><p>• Documentários. Um deles é O Jovem Dr. Freud. Disponível em:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=KLaDMl7rz28>. Acesso em: 3 fev.</p><p>2022.</p><p>Existem também séries recentes produzidas sobre a sua vida e obra,</p><p>apesar de alguns excessos impressionistas, característicos das obras de ficção,</p><p>que são importantes disparadores para discussões interativas sobre a vida e a</p><p>obra de Freud. Nesta aula, nos fundamentamos nas biografias do autor</p><p>publicadas por dois historiadores.</p><p>3</p><p>• Peter Gay, historiador com formação psicanalista, é autor do livro Freud:</p><p>uma vida para nosso tempo (2012), no qual fornece uma biografia da vida</p><p>e da obra de Freud, com fatos encadeados cronologicamente, com uma</p><p>escrita muito envolvente.</p><p>• Elisabeth Roudinesco, historiadora e psicanalista, também escreveu uma</p><p>biografia de Freud, Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo</p><p>(2016).</p><p>Amália e Jacob, pais de Sigmund Freud, tiveram 8 filhos. Sigmund era o</p><p>mais velho. Suas biografias destacam a relação respeitosa e próxima de Freud,</p><p>tanto com sua família de origem quanto com a família que constituiu com Martha,</p><p>sua esposa, com quem teve seis filhos: Mathilde, Martin, Olivier, Ernst, Sophie e</p><p>Anna. A caçula Anna Freud se tornou psicanalista.</p><p>Na primeira foto, a seguir, Freud é retratado por volta dos 30 anos de</p><p>idade; na segunda, por volta dos 53 anos.</p><p>Crédito: Everett Collection/Shutterstock.</p><p>Na foto a seguir, vemos Freud com sua mãe, Amália, em 1925. A mãe de</p><p>Freud faleceu em 1930, aos 95 anos.</p><p>4</p><p>Crédito: Everett Collection/Shutterstock.</p><p>Além do grande apego aos membros de sua extensa família, Freud</p><p>considerava que faziam parte dela dois cachorros, que o acompanhavam</p><p>inclusive durante os atendimentos clínicos.</p><p>Além disso, uma marca na vida de Freud foi o contexto de guerras e</p><p>holocausto (perseguição e extermínio aos judeus).</p><p>• 1ª Guerra Mundial – de 1914 a 1918</p><p>• 2ª Guerra Mundial e Holocausto – 1939 a 1945</p><p>No texto "Um Estudo Autobiográfico", publicado em 1925, Freud descreve</p><p>uma dessas experiências:</p><p>Quando, em 1873, ingressei na universidade, experimentei</p><p>desapontamentos consideráveis. Antes de tudo, verifiquei que se</p><p>esperava que eu me sentisse inferior e estranho porque era judeu.</p><p>Recusei-me de maneira absoluta a fazer a primeira dessas coisas.</p><p>Jamais fui capaz de compreender por que devo sentir-me</p><p>envergonhado da minha ascendência ou, como as pessoas</p><p>começavam a dizer, da minha ‘raça’. (Freud, 1986c, p. 19)</p><p>Entre os anos de 1933 e 1938, uma série de eventos ligados à</p><p>perseguição nazista, como o assassinato de um professor judeu em uma</p><p>5</p><p>universidade, a invasão da editora e do apartamento de Freud, em busca de</p><p>publicações, além da prisão de Martin e Anna pela Gestapo, foram</p><p>determinantes para que a família saísse de Viena (Gay, 2012).</p><p>Freud recebeu proteção política da princesa Marie Bonaparte, sobrinha-</p><p>neta de Napoleão I da França. A princesa foi paciente de Freud, tendo se tornado</p><p>psicanalista na França, e teve um papel fundamental para viabilizar a saída da</p><p>família Freud de Viena quando a Áustria foi dominada pelos nazistas. Graças a</p><p>suas colaborações financeiras e influência política, todos os pertences</p><p>significativos de Freud foram levados da Áustria para a Inglaterra – móveis, o</p><p>seu divã e escrivaninha, a coleção de artes e antiguidades e também os seus</p><p>escritos. Em períodos de maior perseguição aos judeus, a princesa chegou a</p><p>manter em seu poder parte da obra escrita de Freud, para evitar que fosse</p><p>destruída (Gay, 2012).</p><p>A foto a seguir mostra a casa onde Freud morou durante o último ano de</p><p>sua vida com a família. Ela abriga hoje o Museu de Freud, em Londres, aberto</p><p>para visitação1. Também são mantidas como museu a residência onde Freud</p><p>nasceu, em Pribor, na República Tcheca, e a casa onde viveu em Viena, na</p><p>Áustria, onde passou a maior parte de sua vida.</p><p>Crédito: Bas Photo/Shutterstock.</p><p>1 Faça um tour virtual no link a seguir. Disponível em: <https://www.freud.org.uk/visit/virtual-tour>.</p><p>Acesso em: 3 fev. 2022.</p><p>6</p><p>No museu de Londres, é possível observar o divã usado por Freud, com</p><p>o posicionamento da sua poltrona, de forma que o paciente não tivesse contato</p><p>visual com o analista durante a sessão, uma das técnicas do método.</p><p>Crédito: STF/Allen/AP Photo/Imageplus.</p><p>Em sua vida acadêmica e profissional, Freud era ambicioso e sempre</p><p>almejava fazer algo relevante para a ciência, mas os primeiros anos de atividade</p><p>profissional não foram muito animadores. Ainda no final do século XIX, os</p><p>médicos da época buscavam uma substância analgésica para viabilizar</p><p>procedimentos cirúrgicos. Nessa fase, foram testados os efeitos da cocaína.</p><p>Inicialmente, Freud viu na cocaína um analgésico e antidepressivo perfeito. Ele</p><p>fez uso da droga e a recomendou para pacientes e pessoas próximas, como a</p><p>noiva Martha, mas logo a seguir presenciou quadros psicopatológicos muito</p><p>graves, decorrentes do uso da droga, e que o levaram a deixar de recomendar</p><p>o seu uso (Gurfinkel, 2008).</p><p>Alcançou relevância profissional como psicanalista. Mesmo assim, nos</p><p>primeiros anos 6 (seis) após a publicação de A Interpretação dos Sonhos (Freud,</p><p>1986a) foram vendidos apenas 351 exemplares (Gay, 2012). Podemos dizer que</p><p>Freud foi consagrado primeiro pelos seus pacientes, pela efetividade do método</p><p>psicanalítico, e depois pela comunidade científica.</p><p>Tabagista de longa data, grande apreciador de charutos, Freud se</p><p>submeteu a diversas intervenções cirúrgicas para a retirada de tumores na</p><p>7</p><p>região bucal, em um longo tratamento, até que o câncer de laringe o vitimou</p><p>fatalmente em 1939.</p><p>TEMA 2 – AS TÓPICAS DE FREUD</p><p>Freud não inventou o inconsciente, o que ele fez foi analisar a sua</p><p>manifestação e criar um método terapêutico de tratamento.</p><p>A sua análise do funcionamento do inconsciente o levou à elaboração de</p><p>duas teorias, conhecidas como tópicas, que propõem representar as instâncias</p><p>do aparelho psíquico. Essas instâncias não são lugares físicos, não existem</p><p>anatomicamente no corpo, mas se constituem como um sistema abstrato</p><p>teorizado por Freud para explicar o aparelho psíquico.</p><p>Tópica = Teoria</p><p>As teorias são chamadas de tópicas: primeira tópica e segunda tópica.</p><p>• Primeira Tópica (formulada em 1900): Inconsciente, Pré-Consciente,</p><p>Consciente.</p><p>• Segunda Tópica (formulada em 1920): Id, Ego, Superego.</p><p>Com base nas duas tópicas, Freud explica as instâncias que compõem o</p><p>aparelho psíquico a partir de três pontos de vista:</p><p>• Perspectiva tópica: como elas se delimitam</p><p>• Perspectiva dinâmica: como as instâncias se relacionam</p><p>• Perspectiva econômica: quanto de libido é destinado para cada local</p><p>2.1 Perspectiva tópica</p><p>A partir de um ponto de vista tópico, Freud explica como as instâncias da</p><p>primeira tópica se delimitam, ou seja, onde está cada uma. Para isso, usamos a</p><p>metáfora do iceberg. Assim como ilustrado na imagem, a parte inconsciente do</p><p>aparelho psíquico está submersa (difícil acesso); o pré-consciente está mais</p><p>próximo da superfície, mas ainda não disponível; e a consciência é a parte</p><p>exposta do aparelho psíquico, em relação direta com o mundo externo.</p><p>8</p><p>Crédito: Crystal Eye Studio/Shutterstock.</p><p>Estabelecendo uma relação entre as instâncias da primeira e da segunda</p><p>tópica, o inconsciente é a parte mais primitiva do aparelho psíquico (id); o ego</p><p>tem parte consciente, pré-consciente e uma parte</p><p>inconsciente, mas não é uma</p><p>9</p><p>instância tão primitiva; e o superego atua no aparelho psíquico, sendo em parte</p><p>conhecido/consciente e em parte inconsciente.</p><p>2.2 Perspectiva dinâmica</p><p>Sob o ponto de vista dinâmico, Freud explica como as instâncias se</p><p>relacionam, o que forma a psicodinâmica, pois o aparelho psíquico não é fixo</p><p>como parece no ponto de vista tópico, mas sim em movimento. O superego com</p><p>a ajuda da repressão se opõe ao id, enquanto o ego tenta mediar a dinâmica</p><p>com a ajuda dos mecanismos de defesa. Dessa disputa resultam os sintomas,</p><p>as manifestações do inconsciente. Do ponto de vista dinâmico, o ego representa</p><p>o polo defensivo da personalidade. Ele põe em jogo uma série de mecanismos</p><p>de defesa sempre que percebe um afeto desagradável (sinal de angústia).</p><p>2.3 Perspectiva econômica</p><p>Sob o ponto de vista econômico, é importante analisar quanta libido é</p><p>usada para evitar sintomas, o que marca a nossa resiliência, a tolerância à</p><p>frustração. Em última análise, o aparelho psíquico tende à homeostase, e assim</p><p>prefere economizar energia libidinal. Quando há conflito, quando o jogo de forças</p><p>está muito intenso, gasta-se muita energia, e ficamos com a sensação de</p><p>"esgotamento nervoso", tensão e estresse. Se não há reequilíbrio, podem ser</p><p>produzidos sintomas ou até lesões orgânicas.</p><p>O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos,</p><p>expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado</p><p>hereditários e inatos e, recalcados e adquiridos. Do ponto de vista</p><p>econômico, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia</p><p>psíquica; do ponto de vista dinâmico, entra em conflito com o ego e o</p><p>superego que, do ponto de vista genético, são as suas diferenciações.</p><p>(Laplanche; Pontalis, 2001, p. 219)</p><p>O esquema a seguir traz a representação da psicodinâmica do aparelho.</p><p>O conteúdo reprimido é inconsciente e a barra do recalque regula o conteúdo</p><p>que sobe à consciência. Quando a repressão falha, o conteúdo sai em forma de</p><p>sintoma, sonho, ato falho, chiste e lapso, fenômenos que abrem caminho para o</p><p>conteúdo inconsciente.</p><p>10</p><p>Figura 1 – Psicodinâmica do aparelho psíquico</p><p>Tempo cronológico Barreira do recalque</p><p>(mecanismos de defesa)</p><p>Cs</p><p>Ics</p><p>Tempo não cronológico</p><p>Não lógico</p><p>O aparelho psíquico trabalha pela supressão do mal-estar.</p><p>Em análise, o conteúdo que o paciente leva ao analista é um conteúdo</p><p>manifesto, aquilo que o paciente lembra e conta. Com as intervenções do</p><p>analista, ocorre a aproximação com conteúdos latentes:</p><p>Conteúdo Latente: conjunto de significações a que chega a análise de</p><p>uma produção do inconsciente, particularmente do sonho. Uma vez</p><p>decifrado, o sonho deixa de aparecer com uma narrativa em imagens</p><p>para se tornar uma organização de pensamentos, um discurso, que</p><p>exprime um ou vários desejos. (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 99)</p><p>A sede, a instância onde o conflito se dá, é o ego. Ele é o mediador das</p><p>pressões do id (princípio do prazer) e das pressões do superego (princípio da</p><p>realidade). Está entre interesses opostos, e sua função é negociar, mediar,</p><p>regular, gerenciar.</p><p>O ego se defende e equilibra as forças contraditórias. Ele ainda negocia,</p><p>por meio de uma avaliação constante da realidade, as pulsões que é melhor</p><p>atender. Para conseguir esse equilíbrio, utiliza-se de vários mecanismos de</p><p>defesa, sempre que sente um sinal de angústia. Podemos pensar no ego como</p><p>adaptação. Ele fará uma avaliação constante para saber se determinado desejo</p><p>cabe ou é suportado no contexto. Se não for, ele tentará negociar tanto com o</p><p>contexto quanto com o desejo, de modo a viabilizar uma forma de satisfação. O</p><p>ego age com a ajuda de mecanismos de defesa. As defesas do ego são, em</p><p>grande parte, inconscientes. Não nos damos conta de que estamos usando um</p><p>mecanismo de defesa.</p><p>Representa o</p><p>conteúdo reprimido</p><p>(pulsão)</p><p>11</p><p>No texto: “Psicopatologia da vida cotidiana” (Freud, 1986b), Freud escreve</p><p>sobre o modo como o inconsciente se manifesta, não apenas nos sonhos, mas</p><p>também quando estamos acordados, por meio de chistes, que são trocadilhos,</p><p>piadinhas, memes, brincadeiras e outras expressões que não poderiam ser ditas</p><p>de outra forma, apenas em uma piada. Existe uma expressão popular sobre isso:</p><p>“É brincando que se diz as coisas”.</p><p>TEMA 3 – A VIDA DE JACQUES LACAN</p><p>Jacques Marie Émile Lacan nasceu e viveu em Paris (França) entre os</p><p>anos de 1901 e 1981. Filho mais velho do casal Alfred e Émile, a sua família era</p><p>comerciante. Viviam em condição econômica bastante confortável, com hábitos</p><p>conservadores, de religião católica. Contrariando seu pai, Lacan não seguiu o</p><p>ofício de comerciante, mas formou-se em medicina e psiquiatria. A historiadora</p><p>e psicanalista Elisabeth Roudinesco escreveu o livro Lacan a despeito de tudo e</p><p>de todos, onde oferece a descrição de um homem inteligente, intenso, polêmico,</p><p>excêntrico:</p><p>Tudo o interessava: a nova literatura, a obra de James Joyce, o estilo</p><p>de Maurras, as imprecações desesperadas de Léon Bloy, a</p><p>libertinagem, as experiências radicais, a filosofia de Nietzsche. E tinha</p><p>horror às suas origens familiares: uma mãe carola, um pai</p><p>representante comercial, esmagado pela onipotência do próprio pai,</p><p>antepassados comerciantes de vinagre. De certa forma, rejeitava a</p><p>França profunda e chauvinista da qual se originava. Daí sua atração</p><p>pelas elites intelectuais parisienses, pelos movimentos de vanguarda -</p><p>o Dadaísmo e o Surrealismo -, pelas roupas excêntricas, pelas comidas</p><p>raras, pelos focos da cultura europeia (Londres e Roma), e, finalmente,</p><p>pelas mulheres, que nunca se pareceriam com sua mãe, que nunca</p><p>seriam "maternais". Com as mulheres que apreciava, Lacan mostrava-</p><p>se sempre de extrema generosidade. (Roudinesco, 2011, p. 19-20)</p><p>Lacan foi um grande estudioso e conhecedor da obra de Freud. Apesar</p><p>de não haver registro de um encontro entre eles, o autor mais citado nos Escritos</p><p>de Lacan é Freud (Iannini, 2013, p. 33). Lacan se distanciou de Freud ao</p><p>reinterpretar a psicanálise a seu próprio modo, relacionando a teoria psicanalítica</p><p>com a filosofia, com a linguística e, em parte, modificando o método, a exemplo</p><p>de algo bastante polêmico que ainda divide opiniões, que é a interrupção das</p><p>sessões, sem necessariamente cumprir os 50 minutos da clínica freudiana.</p><p>No documentário Um encontro com Lacan, podemos acompanhar</p><p>entrevistas com alguns de seus pacientes, que relatam como foi a experiência</p><p>12</p><p>com Lacan, o que também possibilita conhecer um pouco da rotina contada por</p><p>sua filha Judith2.</p><p>Jacques Lacan se casou em 1934 com Marie-Louise Blondin, com quem</p><p>teve três filhos: Caroline, Thibaut e Sibylle. Três anos depois de seu casamento,</p><p>se apaixonou por Sylvia Bataille, atriz de cinema, com quem teve a filha Judith.</p><p>Seu casamento repousava num malentendido. Marie-Louise Blondin</p><p>julgara casar-se com um homem perfeito, cuja fidelidade conjugal</p><p>corresponderia a seus sonhos de felicidade. Ora, Lacan não era esse</p><p>homem, e nunca viria a sê-lo. Dessa união, nasceram três filhos:</p><p>Caroline, Thibaut e Sibylle. Em 1937, Lacan apaixonou-se por Sylvia</p><p>Bataille, atriz de Um dia no Campo, já separada de Georges Bataille.</p><p>Em setembro de 1940, viu-se numa situação insustentável, obrigado a</p><p>comunicar à sua mulher legítima, grávida de oito meses dele, que sua</p><p>companheira também esperava um filho. Judia de origem romena,</p><p>Sylvia refugiara-se em zona livre para escapar da deportação. Na</p><p>sequência, Lacan omitiu para</p><p>os outros filhos a existência da filha</p><p>Judith, nascida com o sobrenome Bataille, e à qual só pôde transmitir</p><p>seu patronímico em 1964. Foi nesse terreno fértil que elaborou a teoria</p><p>do Nomedo-Pai, esboçada em 1953 e estabelecida três anos mais</p><p>tarde, para designar o significante da função paterna. Sendo a</p><p>encarnação do significante porque nomeia o filho com seu nome, o pai</p><p>intervém junto a este como confiscador da mãe. (Roudinesco, 2011, p.</p><p>41)</p><p>Lacan não era uma unanimidade. Desde a década de 30, dedicava-se à</p><p>clínica, tendo fundado a sua própria escola de psicanálise, mas foi a partir dos</p><p>anos 1950 que os seminários que proferia publicamente em uma pequena sala,</p><p>para poucas pessoas, passaram a receber um grande volume de ouvintes, de</p><p>diversas áreas do saber: psiquiatras, filósofos, sociólogos, matemáticos,</p><p>historiadores, economistas, além das pessoas leigas que o admiravam. Seu</p><p>trabalho continuou assim por cerca de 25 anos.</p><p>Lacan ensinava pela palavra, pelo discurso, em seus seminários, que</p><p>foram transcritos posteriormente por seus discípulos, alguns deles por Jacques-</p><p>Alain Miller, também psicanalista e marido de Judith. Sua obra foi traduzida para</p><p>diversos idiomas, reunidos na coleção "Os Seminários de Lacan (1953 – 1963)".</p><p>Uma das características mais marcantes do ensino de Lacan é que a</p><p>clínica nunca é convocada para “ilustrar” a teoria. Casos clínicos são</p><p>raramente abordados, à exceção dos casos de Freud e de alguma</p><p>casuística pós-freudiana fundamental. No entanto, a clínica atravessa</p><p>de ponta a ponta a escrita de Lacan. Em certo sentido, ela está</p><p>presente no próprio tratamento do texto. (Iannini, G. 2013, p. 33)</p><p>Lacan faleceu em Paris, onde viveu, aos 80 anos, em decorrência de um</p><p>câncer no cólon.</p><p>2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=S-QtbFaZjmw>. Acesso em: 3 fev. 2022.</p><p>13</p><p>TEMA 4 – PSICANÁLISE LACANIANA</p><p>Lacan fundamentou a sua teoria compreendendo a mente humana a partir</p><p>da trilogia dos elementos imaginário, simbólico e real. Não cabe uma</p><p>comparação, mas didaticamente podemos dizer que na psicanálise freudiana</p><p>seria o equivalente a id, ego e superego. Lacan utilizava matemas para exprimir</p><p>aquilo que as palavras não dão conta de explicar. O Dicionário de Psicanálise</p><p>define matema: “Termo criado por Jacques Lacan, em 1971, para designar uma</p><p>escrita algébrica capaz de expor cientificamente os conceitos da psicanálise, e</p><p>que permite transmiti-los em termos estruturais, como se tratasse da própria</p><p>linguagem da psicose” (Roudinesco; Plon, 1998. p. 502).</p><p>Nos matemas, são utilizadas letras e relações entre elas. Tal</p><p>representação se articula a um discurso, por exemplo:</p><p>$</p><p>S1 S2</p><p>a</p><p>Onde se lê: Sujeito barrado ($) entre dois significantes (S1, S2), em que</p><p>resta o objeto a.</p><p>Lacan fez ainda uma analogia com o "nó borromeano", e assim passou a</p><p>utilizar essa representação para traduzir a trilogia do simbólico, do real e do</p><p>imaginário, unidos de forma que, se um deles é cortado, todos se separam. O nó</p><p>borromeano da teoria psicanalítica pode ser definido da seguinte forma:</p><p>Expressão introduzida por Jacques Lacan, em 1972, para designar as</p><p>figuras topológicas (ou nós trançados) destinadas a traduzir a trilogia</p><p>do simbólico, do imaginário e do real, repensada em termos de</p><p>real/simbólico/imaginário (R.S.I.) e, portanto, em função da primazia do</p><p>real (isto é, da psicose) em relação aos outros dois elementos.</p><p>(Roudinesco; Plon, 1998, p. 541)</p><p>14</p><p>Crédito: Morphart Creation/Shutterstock.</p><p>Com base no Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise (Zimerman,</p><p>2011), os três anéis formam uma estrutura interdependente. Cada um está</p><p>relacionado com:</p><p>• Real: aquilo que é impossível de ser completamente simbolizado. É um</p><p>resto. Está presente desde o início da vida, nem que seja através de</p><p>percepções primordiais, sendo composto pelos significantes que foram</p><p>foracluídos (recusados) pelo registro simbólico.</p><p>• Simbólico: capacidade para fazer abstrações, formar símbolos,</p><p>pensamentos. Lugar do significante. Função paterna.</p><p>• Imaginário: Campo das ilusões, da alienação e da fusão com o corpo da</p><p>mãe. Imagem em algum grau distorcida, confundindo a figura e o fundo.</p><p>Engodo.</p><p>"Os registros do imaginário e do simbólico são considerados instrumentos</p><p>indispensáveis para o analista se orientar no seu trabalho analítico" (Zimerman,</p><p>2011, p. 209). A psicodinâmica da estrutura do nó gera tensão, sentida como</p><p>desprazer, o que causa mal-estar. A luta para a manutenção da homeostase</p><p>(regulação prazer-desprazer) é teorizada por Lacan pela trilogia inibição, sintoma</p><p>e angústia, que é uma reação de defesa do corpo. O paciente chega ao</p><p>psicanalista trazendo essa psicodinâmica como queixa, e durante o tratamento</p><p>irá explicar (simbolizar) ao analista o que sente (o sintoma) à sua maneira.</p><p>Com base em Lacan, Nasio (1993, p. 13-14) sintetiza as características</p><p>do sintoma:</p><p>• A maneira como o paciente enuncia o seu sofrimento: os detalhes, as</p><p>palavras ditas, os tropeços no discurso.</p><p>REAL</p><p>IMAGINÁRIO</p><p>SIMBÓLICO</p><p>15</p><p>• A teoria formulada pelo paciente para compreender o seu mal-estar: a</p><p>maneira como explica, os motivos, causas que relaciona.</p><p>• O sintoma conclama e inclui a presença do psicanalista: relação</p><p>transferencial que Lacan chamou de sujeito suposto saber. Por exemplo:</p><p>"Desde que comecei a vir aqui, tenho a impressão de que tudo o que</p><p>acontece comigo está relacionado com o trabalho que estou fazendo com</p><p>você." Uma mulher grávida nos diz: "Eu engravidei, mas tenho certeza de</p><p>que minha gravidez está diretamente ligada à minha análise."</p><p>Os signos e significantes contam a história cifrada, que em parte carrega</p><p>mensagens inconscientes. Por isso, Lacan diz que "O inconsciente é um saber</p><p>estruturado como uma linguagem." (Nasio, 1993, p. 24).</p><p>Não é o nosso objetivo, neste momento, explicar, mas exemplificar como</p><p>se apresenta a psicanálise lacaniana, com o intuito de aproximá-los dos</p><p>fundamentos e pressupostos dessa escola psicanalítica. Diversos são os</p><p>matemas; o nó borromeano foi redesenhado por Lacan ao longo de sua</p><p>construção teórica – Lacan, assim como Freud, desenvolveu formulações</p><p>teóricas ao longo de sua obra.</p><p>TEMA 5 – COMO ESTUDAR PSICANÁLISE</p><p>Crédito: Bilal Kocabas/Shutterstock.</p><p>16</p><p>Podemos começar tendo em vista que é indispensável.</p><p>• Considerar o ano em que o texto foi escrito.</p><p>• Sempre ler as notas de rodapé.</p><p>• Preparar-se para as metáforas, pois a linguagem psicanalítica é cheia de</p><p>símbolos, de modo que não devemos entender as palavras no seu sentido</p><p>denotativo ou cultural – por exemplo: falo não é pênis, gozo não é</p><p>orgasmo.</p><p>• O saber que se espera não é de memorização, mas de envolvimento</p><p>pessoal.</p><p>Os textos psicanalíticos estão articulados entre si. Alguns novos</p><p>psicanalistas escrevem considerando que o leitor já leu os textos dos</p><p>psicanalistas anteriores, principalmente aqueles que servem de referência. É</p><p>preciso considerar que, por conta acúmulo centenário de escritos, é um desafio,</p><p>para quem pretende ser psicanalista, iniciar os seus estudos, ou o seu percurso</p><p>formativo.</p><p>Freud é o pai da psicanálise, e sua produção escrita, ao longo de 50 anos</p><p>de percurso profissional, está reunida e publicada pela editora Imago, no Brasil,</p><p>em uma coleção chamada “Obras Completas de Sigmund Freud”, com 23</p><p>volumes e mais um volume com um índice, totalizando 24 volumes. Cada</p><p>volume/livro traz uma coletânea de textos, artigos, prefácios de livros,</p><p>apresentações feitas em congressos, relatos de casos clínicos e outros escritos</p><p>reunidos e compilados de forma cronológica.</p><p>A versão original foi escrita em alemão, e já foi traduzida</p><p>e publicada em</p><p>diversos idiomas. Nesta aula, vamos considerar a edição da editora Imago com</p><p>as obras traduzidas para o português, publicadas em 1986. Para manter a</p><p>citação original e cronológica, indicamos nas referências o ano em que o texto</p><p>foi escrito, junto ao ano de publicação, que é sempre 1986.</p><p>Freud não alterava o texto original quando reformulava o entendimento de</p><p>algo que já havia explicado. Ele redigia notas para apontar que esse novo</p><p>conceito estava tomando o lugar daquele, ainda que o anterior continuasse na</p><p>obra. Por isso a importância das notas de rodapé. Vocês poderão observar</p><p>inúmeras notas ao longo dos textos, e nunca devem deixar de ler esse conteúdo,</p><p>pois são fundamentais para entender como os conceitos foram delimitados</p><p>teoricamente.</p><p>17</p><p>Outros psicanalistas desde Freud, e ainda hoje, ampliaram as</p><p>contribuições teóricas no campo da psicanálise, muitas vezes de forma</p><p>divergente das ideias freudianas. Ainda assim, nunca o desconsideram.</p><p>A leitura de Lacan é complexa, especialmente por conta de suas inúmeras</p><p>metáforas, matemas, letras e símbolos, que demandam contextualização para</p><p>que sejam compreendidos. A sugestão é que cada um inicie as suas leituras de</p><p>forma curiosa, pois é no processo que surge compreensão, especialmente</p><p>quando a leitura puder ser compartilhada e debatida em grupos interativos.</p><p>Recomendamos ainda a leitura de livros que trazem uma introdução aos</p><p>temas como uma via de entrada à psicanálise. A leitura de Nasio (1993; 1997) é</p><p>bastante didática e esclarecedora da teoria psicanalítica. No livro Cinco lições</p><p>sobre a teoria de Jacques Lacan, Nasio (1993) aborda os seguintes temas</p><p>centrais: inconsciente, gozo, objeto a, fantasia e corpo. Em Lições sobre os 7</p><p>conceitos cruciais da psicanálise (Nasio, 1997), o autor ensina sobre os</p><p>fundamentos teóricos que sustentam a clínica: castração, foraclusão,</p><p>narcisismo, falo, supereu, identificação e sublimação.</p><p>Um bom dicionário ou vocabulário de psicanálise também pode ajudar</p><p>com a compreensão das leituras clássicas. Para a leitura na íntegra dos autores</p><p>clássicos, sugerimos o acesso online aos 27 Seminários de Lacan, reunidos e</p><p>disponibilizados em português por Santos (2020)3. Também encontramos na</p><p>internet todo o acervo de Freud, ainda que sem tradução para o português4. No</p><p>Blog "Lacan em pdf"5, temos acesso aos áudios de alguns dos seminários de</p><p>Lacan, para que se tenha a experiência de ouvi-lo em francês e sentir um pouco</p><p>mais de sua presencialidade.</p><p>Cada um fará o seu percurso a partir do ponto que melhor servir de início.</p><p>O importante é considerar que a psicanálise foi sendo construída ao longo dos</p><p>anos, e que estudar é um dos tripés da formação, que se sustenta em conjunto</p><p>com estudo + análise pessoal + supervisão da prática clínica.</p><p>3 Disponível em: <http://clinicand.com/jacques-lacan-colecao-seminarios/>. Acesso em: 3 fev.</p><p>2022.</p><p>4 Disponível em: <http://staferla.free.fr/>. As “Obras Completas de Freud” estão reunidas e</p><p>disponíveis em português para download em PDF gratuito pelo site Conexões Clínicas:</p><p><https://conexoesclinicas.com.br/obras-completas-de-freud/>. Acessados em: 3 fev. 2022.</p><p>5 Disponível em: <http://lacanempdf.blogspot.com/>. Acesso em: 3 fev. 2022.</p><p>18</p><p>NA PRÁTICA</p><p>A psicanálise faz parte do nosso cotidiano. Podemos perceber as</p><p>diferentes formas como ela se manifesta em relação ao sofrimento no corpo das</p><p>pessoas. Cada uma delas terá uma explicação para a sua dor. Observe como</p><p>as pessoas que convivem com você falam sobre o que as faz sofrer. Com o que</p><p>o sofrimento está relacionado? O que fazem para evitar o desprazer?</p><p>A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde no Brasil</p><p>alertam para um aumento expressivo de sofrimentos mentais em decorrência da</p><p>pandemia covid-19. Estamos vivendo novamente algo parecido com o que Freud</p><p>e Lacan experimentaram no período de guerras, com desemprego e</p><p>empobrecimento da população, o que acarreta condições de vida que</p><p>determinam ainda mais mal-estar.</p><p>Medicar não resolve a experiência traumática, apesar de adormecer o</p><p>corpo, pois guarda na alma a emoção que não foi simbolizada. Ampliar a</p><p>capacidade de oferta de serviços de atenção à saúde mental é fundamental.</p><p>Como é a oferta de atenção psicossocial na região onde você mora? O site do</p><p>Ministério da Saúde disponibiliza um mapa com os serviços de saúde mental</p><p>disponíveis no SUS da sua região6:</p><p>FINALIZANDO</p><p>Nesta aula, apresentamos autores clássicos que são referência para o</p><p>estudo de duas escolas de psicanálise: o médico de origem judia Sigmund Freud</p><p>(1856 – 1939) e o médico parisiense Jacques Lacan (1901 – 1981).</p><p>Freud explicou o aparelho psíquico a partir de duas tópicas.</p><p>• Primeira Tópica (1900): inconsciente, pré-consciente, consciente.</p><p>• Segunda Tópica (1920): id, ego, superego.</p><p>Não se trata de algo fixo nem anatômico, mas sim de um funcionamento,</p><p>pois o aparelho psíquico está sempre em atividade. Sendo assim, ele explica</p><p>essa psicodinâmica do aparelho psíquico a partir de três pontos de vista.</p><p>• Perspectiva tópica: como as partes (instâncias) se delimitam.</p><p>6 Disponível em:</p><p><https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=147YqFIKG6PUhFw606aazeZbcZCEzK2Oh&ll=-</p><p>19.160760257720657%2C-41.1978881077676&z=4>. Acesso em: 3 fev. 2022.</p><p>19</p><p>• Perspectiva dinâmica: como as instâncias se relacionam.</p><p>• Perspectiva econômica: quanto de libido (energia) é destinado para cada</p><p>local.</p><p>Lacan retoma a análise do inconsciente e agrega à psicanálise as</p><p>contribuições da filosofia e da linguística para fundamentar a sua teoria. Ainda</p><p>explica a mente humana fazendo uso de símbolos e diagramas. Duas trilogias</p><p>são centrais na psicanálise lacaniana.</p><p>• Real, simbólico e imaginário.</p><p>• Inibição, sintoma e angústia.</p><p>A partir desses temas centrais, outros conceitos são desenvolvidos por</p><p>Lacan para explicar a psicodinâmica do funcionamento da mente humana.</p><p>20</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos (1900). In: _____. Edição Standard</p><p>Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de</p><p>Janeiro: Imago, 1986a. v. V e VI.</p><p>_____. Psicopatologia da vida cotidiana (1901) In: _____. Edição Standard</p><p>Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de</p><p>Janeiro: Imago, 1986b. v. VI.</p><p>_____. Um estudo autobiográfico (1925). In: _____. Edição Standard Brasileira</p><p>das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1986c. v. XX.</p><p>GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das</p><p>Letras, 2012.</p><p>GURFINKEL, D. O episódio de Freud com a cocaína: o médico e o monstro. Rev.</p><p>latinoam. psicopatol. fundam., São Paulo, v. 11, n. 3, p. 420-436,</p><p>set. 2008. Disponível em:</p><p><http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-</p><p>47142008000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 2 fev. 2022.</p><p>IANNINI, G. Estilo e verdade em Jacques Lacan. 2. ed. Belo Horizonte:</p><p>Autêntica Editora, 2013.</p><p>LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. L. Vocabulário de Psicanálise. 4. ed. São</p><p>Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>NASIO, J.-D. Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro:</p><p>Jorge Zahar Ed., 1993.</p><p>_____. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Rio de</p><p>Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.</p><p>ROUDINESCO, E. Lacan, a despeito de tudo e de todos Rio de Janeiro: Zahar,</p><p>2011.</p><p>_____. Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. Rio de Janeiro:</p><p>Zahar, 2016.</p><p>ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,</p><p>1998.</p><p>21</p><p>ZIMERMAN, D. E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2011. Disponível em:</p><p><https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536314143/>. Acesso</p><p>em: 2 fev. 2022.</p><p>INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE</p><p>AULA 3</p><p>Profª Giseli Cipriano Rodacoski</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Até</p><p>aqui vimos que psicanálise foi em sua origem definida por Freud, seu</p><p>fundador, como:</p><p>• um procedimento para a investigação de processos mentais que são</p><p>quase inacessíveis de outro modo;</p><p>• um método para o tratamento de distúrbios psíquicos;</p><p>• uma disciplina científica.</p><p>Essa definição inicial, ainda que continue válida, foi alterada ao longo dos</p><p>cem anos de exercício clínico da psicanálise; hoje, a teoria psicanalítica</p><p>freudiana é respeitada como uma teoria da personalidade humana. Podemos</p><p>sintetizar dizendo que se trata de uma modalidade de psicoterapia, de estudo e</p><p>de pesquisa que entende o ser humano a partir do pressuposto do inconsciente.</p><p>Para a psicanálise, a subjetividade é muito importante, pois o homem não é um</p><p>ser determinado apenas por processos racionais e grande parte do</p><p>comportamento dele é motivada pelo inconsciente.</p><p>Nesta aula vamos falar um pouco sobre a natureza e a personalidade do</p><p>ser humano. Não sei se você já pensou a esse respeito, mas algumas questões</p><p>costumam inquietar as pessoas:</p><p>• O ser humano nasce bom e a sociedade o corrompe, ou é ao contrário?</p><p>• A personalidade é herdada ou adquirida?</p><p>• As pessoas melhoram ou pioram com o tempo?</p><p>• É possível prever o comportamento das pessoas?</p><p>• Por que as pessoas têm atitudes diferentes para lidar com a mesma</p><p>situação?</p><p>O objetivo hoje é compreender o conceito de personalidade, entender o</p><p>que caracteriza o desenvolvimento humano e o que caracteriza a estruturação</p><p>da personalidade para a teoria psicanalítica freudiana.</p><p>TEMA 1 – PERSONALIDADE</p><p>Podemos considerar que há alguma semelhança no comportamento entre</p><p>crianças, adolescentes, adultos e idosos; no entanto, em cada um desse grupo</p><p>de “iguais” existe uma série de evidências de que as pessoas são diferentes</p><p>3</p><p>entre si. Por exemplo, os adolescentes gostam de conviver em grupos, mas nem</p><p>todos. Costumamos dizer que a personalidade das pessoas é diferente com base</p><p>em particularidades que as distinguem, apesar de fazerem parte de um mesmo</p><p>grupo de iguais.</p><p>As abordagens psicodinâmicas da personalidade embasam sua</p><p>fundamentação na teoria psicanalítica e compreendem que a personalidade se</p><p>estrutura ao longo do desenvolvimento humano:</p><p>A estruturação da personalidade do indivíduo é o resultado da</p><p>interação entre variáveis neurobiológicas inatas, como o</p><p>temperamento, e experiências psicossociais e emocionais precoces,</p><p>especialmente as relações parentais na primeira infância e os</p><p>estressores ambientais. (Cordioli; Grevet, 2019, p. 1105)</p><p>Essa definição caracteriza múltiplos determinantes, e não apenas uma</p><p>relação de causa-efeito. Vamos entender melhor o que Cordioli e Grevet (2019)</p><p>ressaltam.</p><p>• Variáveis neurobiológicas inatas: ao nascer, a criança já tem consigo</p><p>uma determinação hereditária que terá influência no seu padrão de</p><p>comportamento. Essa carga hereditária é chamada de temperamento.</p><p>• Experiências psicossociais e emocionais precoces: a partir do</p><p>nascimento, os primeiros anos de vida até a adolescência são um período</p><p>muito importante para formar a personalidade de uma pessoa. A maneira</p><p>como foi cuidada, socializada, bem como a intensidade e os tipos de</p><p>emoção que marcaram essa época da vida, serão determinantes</p><p>significativos para a personalidade.</p><p>• Estressores ambientais: a partir da adolescência, com toda a</p><p>determinação hereditária e as experiências internalizadas ao longo da</p><p>infância, a personalidade já será relativamente estável, mas os</p><p>estressores ambientais no decorrer da vida inteira irão interagir com o</p><p>temperamento (herdado) da pessoa, com os modelos adquiridos durante</p><p>a vida, e dessa interação resultarão graus diferentes de regulação e de</p><p>adequação ao ambiente.</p><p>São muitas as teorias que se posicionam nesse campo do conhecimento</p><p>entre o determinismo e o sociointeracionismo, sem negar as duas influências,</p><p>mas sim atribuindo mais ou menos importância a cada uma delas.</p><p>4</p><p>TEMA 2 – MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS DA PERSONALIDADE</p><p>Já vimos que a perspectiva freudiana pressupõe múltiplas determinações,</p><p>mas enfatiza a influência do inconsciente na personalidade. Há teorias que</p><p>propõem outras perspectivas igualmente respeitadas, mesmo entre os</p><p>psicanalistas, que não negam as múltiplas influências. O que acontece é um</p><p>alinhamento com base em identificações pessoais com uma ou outra área de</p><p>atuação profissional. Como psicanalistas, o objeto de trabalho será a atuação</p><p>com os aspectos subjetivos que influenciam a personalidade, os processos e</p><p>conflitos inconscientes. O Quadro 1 apresenta uma síntese das principais</p><p>abordagens psicológicas sobre a personalidade.</p><p>Quadro 1 − As múltiplas perspectivas da personalidade</p><p>Abordagem</p><p>teórica e</p><p>principais</p><p>teóricos</p><p>Determinantes</p><p>Cs X Ic da</p><p>personalidade</p><p>Natureza</p><p>(fatores</p><p>hereditários) X</p><p>criação</p><p>(fatores</p><p>ambientais)</p><p>Livre arbítrio X</p><p>determinismo</p><p>Estabilidade</p><p>X</p><p>modificabilidade</p><p>Psicodinâmica</p><p>(Freud, Jung,</p><p>Adler)</p><p>Ênfase no</p><p>inconsciente</p><p>Enfatiza a</p><p>estrutura inata,</p><p>herdada da</p><p>personalidade,</p><p>valorizando a</p><p>importância da</p><p>experiência</p><p>infantil</p><p>Enfatiza o</p><p>determinismo, a</p><p>visão de que o</p><p>comportamento</p><p>é direcionado e</p><p>causado por</p><p>fatores externos</p><p>ao próprio</p><p>controle</p><p>Enfatiza a</p><p>estabilidade das</p><p>características</p><p>durante a vida de</p><p>uma pessoa.</p><p>Traços (Allport,</p><p>Cattell,</p><p>Eysenck)</p><p>Desconsidera o</p><p>consciente e o</p><p>inconsciente</p><p>As abordagens</p><p>variam</p><p>Enfatiza o</p><p>determinismo, a</p><p>visão de que o</p><p>comportamento</p><p>é direcionado e</p><p>causado por</p><p>fatores externos</p><p>ao próprio</p><p>controle</p><p>Enfatiza a</p><p>estabilidade das</p><p>características</p><p>durante a vida de</p><p>uma pessoa.</p><p>Aprendizagem</p><p>(Skinner,</p><p>Bandura)</p><p>Desconsidera o</p><p>consciente e o</p><p>inconsciente</p><p>Centra-se no</p><p>ambiente</p><p>Enfatiza o</p><p>determinismo, a</p><p>visão de que o</p><p>comportamento</p><p>é direcionado e</p><p>causado por</p><p>fatores externos</p><p>ao próprio</p><p>controle</p><p>Enfatiza que a</p><p>personalidade</p><p>permanece</p><p>flexível e</p><p>resiliente durante</p><p>a vida de uma</p><p>pessoa</p><p>Biológica e</p><p>evolucionista</p><p>(Telleger)</p><p>Desconsidera o</p><p>consciente e o</p><p>inconsciente</p><p>Enfatiza os</p><p>determinantes</p><p>inatos,</p><p>Enfatiza o</p><p>determinismo, a</p><p>visão de que o</p><p>comportamento</p><p>Enfatiza a</p><p>estabilidade das</p><p>características</p><p>5</p><p>herdados da</p><p>personalidade</p><p>é direcionado e</p><p>causado por</p><p>fatores externos</p><p>ao próprio</p><p>controle</p><p>durante a vida de</p><p>uma pessoa</p><p>Humanista</p><p>(Rogers,</p><p>Maslow)</p><p>Enfatiza o</p><p>consciente mais</p><p>do que o</p><p>inconsciente</p><p>Enfatiza a</p><p>interação entre</p><p>a natureza e a</p><p>criação</p><p>Enfatiza a</p><p>liberdade dos</p><p>indivíduos de</p><p>fazer escolhas</p><p>Enfatiza que a</p><p>personalidade</p><p>permanece</p><p>flexível e</p><p>resiliente durante</p><p>a vida de uma</p><p>pessoa</p><p>Fonte: Feldman, 2015, p. 406.</p><p>Podemos relacionar o Quadro 1 com os fundamentos da psicologia da</p><p>educação e as concepções filosóficas sobre a natureza humana. Desde a</p><p>antiguidade até os dias atuais, as concepções acerca do ser humano sofreram</p><p>mudanças. Também conhecidos como paradigmas, podemos dizer que é o que</p><p>predomina na sociedade, um padrão ou um modelo de pensamento. A ciência já</p><p>acolheu diferentes pontos de vista como válidos, e a educação é uma das áreas</p><p>que mais sofre influência desse padrão de pensamento a respeito da natureza</p><p>do ser humano. Aqui residem as questões sobre "quem sou eu", ou seja,</p><p>questões de difícil resposta.</p><p>Com base no quadro que acabamos de apresentar, podemos perceber</p><p>que Freud não é uma unanimidade. Ele postula a influência do inconsciente, ao</p><p>passo que Skinner põe ênfase no ambiente para determinar a conduta do ser</p><p>humano. No tema a seguir, vamos investigar algumas dessas concepções.</p><p>TEMA 3 – CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS</p><p>São concepções que fundamentam as teorias do conhecimento científico</p><p>(Oliveira, 2008):</p><p>3.1 Concepção inatista</p><p>A concepção inatista, biológica e evolucionista teve o filósofo Platão como</p><p>precursor e muitos outros autores importantes, cujas teorias fundamentam os</p><p>pressupostos educacionais. Nessa perspectiva,</p>pois eles só podem ser compreendidos se forem considerados em 
sua construção história. 
Nesta aula, foram apresentadas reflexões críticas sobre desamparo e 
idealizações, como reações psíquicas ao desamparo, e o papel do analista que, 
 
 
16 
se fiel ao método psicanalítico, faz com o paciente uma travessia que passa pelo 
medo de enfrentar o desamparo até que, passada a zona do desconhecido, 
alcance uma nova condição que o torne capaz de assumir-se mesmo com suas 
falhas. 
E se não, ficará no meio do caminho, reforçando defesas e resistências, 
buscando adaptações para diminuir ansiedade e recuperar o bem-estar, mas, 
neste caso, não exercerá o método psicanalítico. 
E, ainda, algo iatrogênico, ou seja, que na tentativa de fazer o bem pode 
provocar o mal. É o exercício do que Freud chamou de Psicanálise Selvagem, 
que acontece quando o analista não fez seu próprio processo de análise pessoal. 
E a angústia do paciente o angustia, e, em relação transferencial, o analista, em 
total erro técnico, é agressivo com o paciente por meio de intervenções 
preconceituosas, irônicas ou sádicas, que podem causar extremo prejuízo à 
saúde mental das pessoas que nele confiaram. 
A psicanálise tem regras fundamentais, minimamente: associação livre e 
atenção flutuante e, apesar de não ter regulamentação legal no Brasil para o 
exercício da ocupação do analista, há uma tradição ética em respeitar o tripé 
para o processo de formação do analista, sendo indispensável que se tenha 
aprofundamento nos estudos de textos clássicos e contemporâneos, que se 
invista em análise pessoa, pois o aparelho psíquico do analista é o seu principal 
instrumento de trabalho, e que, ao iniciar a prática clínica, submeta seus 
atendimentos à supervisão com um psicanalista mais experiente. 
 
 
 
17 
REFERÊNCIAS 
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retorno à “psicanálise selvagem”. Jornal de psicanálise 50, (93), 223-237, 2017 
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Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986. 
v. 11. p. 205-213. 
______. Sobre o Narcisismo: uma introdução. 1914. Edição Standard Brasileira 
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: 
Imago, 1986. v. 14. 
LACAN, J. 1901-1981 Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar Ed., 1998. 
_____. Seminário 1: os escritos técnicos de Freud. 1953-1954. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Editor, 1985. 
_____. Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Jorge 
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<https://doi.org/10.1590/S1516-14982018003004>. Acesso em: 20 jan. 2022. 
SANCHES, M. A.; MANNES, M.; CUNHA, T. R. da. Vulnerabilidade moral: leitura 
das exclusões no contexto da bioética. Revista Bioética, 2018, v. 26, n. 1. pp. 
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inclusão escolar. Revista “Educação Especial”, v. 22, n. 33, p. 29-40, jan./abr. 
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<https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/167>. Acessado em: 
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Artes Médicas, 1995.

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