Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 PSICANÁLISE 1 Sumário Introdução ........................................................................................................ 3 Pré-História .................................................................................................. 4 Período dos pródromos da psicanálise ........................................................ 5 Psicanálise como Ciência ................................................................................ 9 Teoria do Trauma ......................................................................................... 9 Teoria Topográfica ..................................................................................... 11 Teoria Estrutural ......................................................................................... 12 Conceituações sobre o Narcisismo ............................................................ 13 Dissociação do Ego ................................................................................... 14 A escola de Psicanálise Freudiana ................................................................ 15 Escola Freudiana ....................................................................................... 16 Os Expoentes da Escola Freudiana ........................................................... 18 Karl Abraham .......................................................................................... 19 Wilhelm Reich ......................................................................................... 19 Anna Freud ............................................................................................. 20 Escola dos Teóricos das Relações Objetais .............................................. 20 Melanie Klein .......................................................................................... 21 O ser humano a partir da Psicanálise ............................................................ 25 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 30 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Psicanálise Introdução Todo texto psicanalítico, quer seja ele de natureza teórica ou técnica, para adquirir um significado vivencial e uma ressonância empática com o autor e o assunto, necessita ser lido dentro de um contexto histórico-evolutivo, social, cultural e científico no qual está inserido. Assim, utilizando um recurso unicamente de finalidade didática, penso que podemos dividir a história da assistência aos transtornos mentais e emocionais em três grandes períodos: pré-história, pródromos científicos e psicanálise como ciência. 4 Pré-História De forma esquemática, convém enumerar os seguintes aspectos que podem dar uma ideia da evolução de como nossos ancestrais entendiam e enfrentavam as doenças mentais: • Existem registros arqueológicos no antigo Egito que comprovam a prática de trepanações cranianas, possivelmente feitas com o objetivo de localizar alguma causa da doença mental e que estaria localizada dentro do crânio. Porquanto os vestígios encontrados atestam uma regularidade nas bordas e uma apurada perícia na execução daquela prática. • Na Bíblia Sagrada, transparece a existência e a preocupação com uma série de quadros psicopatológicos que hoje denominaríamos de transtornos psiquiátricos, como é o caso do caráter sádico-destrutivo de Caim, a inveja dos irmãos de José, o alcoolismo de Noé, a psicose maníaco-depressiva de Saul, e assim por diante, numa coleção digna de um bom tratado de psicopatologia. • Existem evidências de que, na Idade Média, os doentes mentais eram degredados, punidos com crueldade ou com a morte, recolhidos a prisões e masmorras em meio a assassinos e outros marginais. Além de serem exibidos em circos juntamente com gigantes, anões e outros aleijões, encarcerados em hospícios em cubículos infectos e imundos, muitas vezes algemados, etc. • Predominava, nessa época, uma mentalidade voltada para a magia e a demonologia, de sorte que, junto à prática de cruéis rituais de exorcismo, também empregavam o uso de benzeduras, poções mágicas e as diversas formas de curandeirismo. • Os rituais de “cura” eram praticados por bruxos, xamãs, sacerdotes e faraós. Na escala social da sociedade primitiva, os xamãs gozavam de alto prestígio e ocupavam o topo da hierarquia social. • Em meados do século XVIII, Anton Mesmer, em Viena, empregava o recurso mágico do que ele chamava de “magnetismo animal”, de que todo indivíduo seria possuidor em estado potencial, e ele praticava com grupos por meio de uma forte sugestionabilidade calcada no seu impressionante carisma pessoal, método que 5 passou para a história com a denominação de mesmerismo, podendo ser considerado o precursor (um século antes) do hipnotismo. • Coube a Pinel (1745-1826) e a seu discípulo Esquirol (1772-1840), em Bicêtre, promoverem uma inovadora reforma hospitalar que ficou sendo conhecida como tratamento moral. Este, consistindo num conjunto de medidas que não as de contenção física vigentes na época, mas, sim, daquelas que mantivessem o respeito pela dignidade do enfermo mental e aumentassem a sua moral e autoestima. Estamos aludindo aos dois mais importantes psiquiatras nascidos no período da revolução francesa, culminada em 1789, sendo que eles comungaram e partilharam dos ideais libertários deste movimento revolucionário; E, foi sob essa inspiração que eles revolucionaram a filosofia da assistência hospitalar asilar, quebrando grilhões e cadeados, saneando a imundície das celas e promovendo uma humanização e reconstrução do sentimento de identidade, principalmente pelo trabalho laborativo. Neste ínterim, independente dos que concordavam ou não com as ideias freudianas, consideradas muito ousadas na época, algo se desenhava no horizonte do tratamento dado aos estudos sobre o sofrimento humano, suas causas e tratamento. Período dos pródromos da psicanálise Em 1856, nascia Sigmund Freud que, aos 17 anos, iniciou a sua formação médica em Viena, onde se destacou como um aluno e estagiário brilhante. Sendo que muito cedo ele demonstrou a centelha do gênio no campo da investigação que o levou à descoberta da estrutura gonadal das enguias e, mais tarde, no campo da fisiologia, com os seus estudos sobre o sistema nervoso de certos peixes. Aliás, indo além de uma mera coincidência, podemos inferir que o seu interesse pela estrutura “gonadal” e pelo “sistema nervoso” já prenunciava que a descoberta da psicanálise palmilharia estes caminhos da sexualidade e do psiquismo provindo do sistema nervoso, como ele julgava nos primeiros tempos. 6 Um pouco mais tarde,em 1891, publicou um livro sobre Aphasia e, em 1895, divulgou os seus estudos sobre “paralisias cerebrais infantis”, sendo que ambos o conceituaram como pesquisador e neurólogo. A medicina desta época era quase que inteiramente assentada em bases biológicas, muito pouco interessada na psicologia que então era entregue aos filósofos, sendo que a nascente psiquiatria não passava de um ramo da neurologia. Para o que contribuiu muitíssimo a descoberta de uma causa etiológica infecciosa (o Treponema pallidum, causador da sífilis) para o quadro mental da “paralisia geral progressiva”, assim constituindo dentro da medicina a especialidade de neuropsiquiatria. Os neuropsiquiatras de então prestavam um atendimento mais humanista que os métodos anteriores, embora os recursos de que dispunham consistissem unicamente no emprego de ervas medicinais, clinoterapia (repouso no leito), hidroterapia, massagens, estímulos elétricos (não confundir com eletrochoque, método que surgiu mais tarde, introduzido por Bini e Cerletti, e que ainda tem certa utilização na psiquiatria atual). Ademais, além do uso da eletroconvulsoterapia, também veio a ser empregada à indução de um estado de coma pela ação do cardiazol ou da insulina, assim como se iniciava o emprego de calmantes, como os barbitúricos. Contemporaneamente, também já estava havendo a utilização da hipnose, não só dirigida para espetáculos teatrais, como era comum na época, mas já com uma busca por fundamentos científicos. Para fins científicos, era o do eminente neurologista Charcot, que professava na famosa Salpetrière, em Paris, e cujos ecos das espetaculares descobertas chegaram aos ouvidos de Freud, que conseguiu fundos de uma bolsa para estagiar e acompanhar de perto o carismático mestre francês, no período de setembro de 1885 a fevereiro de 1886. Sobretudo, dois aspectos impressionavam a Freud: a existência da histeria em homens e a observação da dissociação da mente, induzida pela hipnose. Entretanto, um pouco antes disso, em 1882, o notável neurologista J. Breuer relatou a Freud o método de base hipnótica que ele empregava com a sua jovem paciente histérica que entrou na história com o nome de Ana O. (cujo verdadeiro nome era Berta Papenheim). Esta paciente, durante o estado de transe, recordava uma 7 série de ocorrências traumáticas ocorridas num passado remoto, obtendo com isto um grande alívio sintomático, e Breuer denominou este novo método terápico de catarse, ou ab-reação (também é conhecido com o nome de talking cure, porque assim Ana O. se referia a ele). Quando essa paciente produziu histericamente uma gravidez imaginária, Breuer ficou muito assustado (ainda não era conhecido o fenômeno da transferência) e providenciou uma viagem como meio de fugir dessa tão incômoda situação que, inclusive, estava a ameaçar o seu casamento. As sementes do interesse pelo hipnotismo foram despertadas pelo relato de Breuer que ficaram plantadas no jovem Freud e o motivaram a aprender com Charcot a ciência do hipnotismo. Experiência que ele repetiu em 1889 por uma segunda vez, na França, agora em Nancy, onde pontificavam os mestres Liebault e Bernheim, com os quais Freud aprendeu e ficou altamente impressionado com as experiências da “psicose pós-hipnótica”. Estas experiências lhe permitiram verificar que, mesmo em estado consciente, as pessoas executavam ordens absurdas que provinham dos mandamentos neles implantados durante o transe hipnótico. Freud mostrava-se incrédulo e descontente com os métodos pretensamente científicos empregados pelos neuropsiquiatras contemporâneos e resolveu empregar o método do hipnotismo com as suas pacientes histéricas. Assim, partindo do princípio de que a neurose provinha de traumas sexuais que teriam realmente acontecido na infância por sedução de homens mais velhos, mais precisamente os próprios pais. Todas estas constatações levaram Freud a convencer Breuer a publicarem em conjunto as suas observações e descobertas, o que foi feito em 1893, sob o título de Comunicação Preliminar e que foi absorvido como constituindo o primeiro capítulo do famoso livro de ambos, Estudos sobre a Histeria, publicado em 1895. Breuer, ainda traumatizado pelo susto que levou com Ana O., ao mesmo tempo em que discordava da orientação de Freud, cada vez mais dirigida para a sexualidade da criança, abandonou definitivamente a nova ciência; enquanto Freud prosseguiu sozinho com vigor redobrado, enfrentando as críticas mordazes e desdenhosas de todos os seus colegas. Muito cedo, Freud deu-se conta de que era um mau hipnotizador e por isso resolveu experimentar a possibilidade de que a “livre associação de ideias”, conseguida pelo hipnotismo, também pudesse ser obtida com as pacientes despertas. Para tanto, passou a utilizar um método coercitivo, convidando as pacientes a 8 deitarem-se no divã ao mesmo tempo em que, com insistentes estímulos e pressionando a fronte delas com os seus dedos, obrigava-as a associarem “livremente”. Tudo Isso, como uma tentativa de recordarem o trauma que realmente teria acontecido, mas que estaria esquecido, devido à repressão. Graças à paciente Elisabeth Von R. que repreendeu Freud para que deixasse de importuná-la porque, ela assegurava-lhe, sem pressão associaria mais livremente e melhor. Neste ínterim, é que ele ficou convencido de que as barreiras contra o recordar e associar provinham de forças mais profundas, inconscientes, e que funcionavam como verdadeiras resistências involuntárias. Isto se constituiu como uma marcante ruptura epistemológica, porquanto Freud começou a cogitar que essas resistências correspondiam a repressões daquilo que estava proibido de ser lembrado, não só dos traumas sexuais realmente acontecidos, mas também daqueles que foram fruto de fantasias reprimidas. A partir daí, o conflito psíquico passou a ser concebido como resultante do embate entre as forças instintivas e as repressoras, sendo que os sintomas se constituiriam como sendo a representação simbólica deste conflito inconsciente. Diante disso, esta concepção inaugura a psicanálise como uma nova ciência, com referenciais teórico-técnicos próprias, específicas e consistentes. 9 Psicanálise como Ciência Como vemos, Freud representa a intersecção de dois períodos: ele esteve com um pé nas concepções positivistas de sua época, não só da medicina, mas também da física e química, de cujos princípios ele sofreu uma enorme influência na elaboração de suas teorias psicanalíticas. O outro pé ele apoiou num campo que até então era totalmente desconhecido e desdenhado, criando e propondo a existência de uma dinâmica inconsciente, com leis e fenômenos específicos, alguns explicáveis pelas suas novas teorias, e outros a serem explicados e comprovados a partir de cogitações metapsicológicas. De uma forma extremamente resumida e esquemática, podemos dividir a evolução histórica da psicanálise, centrada exclusivamente nas contribuições originais de Freud, nos cinco seguintes estágios, a seguir descritos: “teoria do trauma, teoria topográfica, teoria estrutural, conceituações sobre o narcisismo e dissociação do ego”. Teoria do Trauma Durante muito tempo, o aspecto mais conhecido e discutido da obra de Freud era o da teoria da libido, que ele elaborou inspirado nos modelos da eletrodinâmica ou da hidrodinâmica vigentes na ciência da época. Assim, o conceito de libido, que Freud concebeu como sendo a manifestação psicológica do instinto sexual, recebeu sua origem na tentativa de explicar fenômenos, tais como os da histeria, que Freud explicava como sendo resultantes do 10 fato de que a energia sexual era impedida de expandir-se através de sua saída natural e fluía, então, para outros órgãos, ficando restringida ou contida em certos pontos e manifestando-se através de sintomasvá- rios. Freud chegara à conclusão de que as neuroses, como a histeria, a neurose obsessiva, a neurastenia e a neurose de angústia (fobia), teriam sua causa imediata no aspecto “econômico” da energia psíquica, ou seja, num represamento quantitativo da libido sexual. Na neurastenia e na neurose de angústia, somente o represamento da libido sexual é o que estaria em jogo, enquanto nas demais neuroses traumáticas outros acontecimentos da vida passada também seriam fatores causadores dos transtornos neuróticos. Partindo inicialmente da concepção inicial de que o conflito psíquico era resultante das repressões impostas pelos traumas de sedução sexual que realmente teriam acontecido no passado, e que retornavam sob a forma de sintomas, Freud postulou que os “neuróticos sofrem de reminiscências”, e que a cura consistiria em “lembrar o que estava esquecido”. Penso que, para certos casos, esta fórmula persiste na psicanálise atual como plenamente válida, porquanto é bem sabido que “a melhor forma de esquecer é lembrar” ou, dizendo de outra forma, “o sujeito não consegue esquecer daquilo que ele não consegue lembrar”. A diferença é que na época de Freud este relembrar visava unicamente a uma ab-reação, uma catarse por meio da verbalização dos fatos traumáticos e os respectivos sentimentos contidos nas lembranças, enquanto hoje os analistas vão, além disso, e objetivam uma ressignificação dos significados atribuídos aos traumas que o paciente está rememorando na situação psicanalítica. Assim, a necessidade de desfazer as repressões introduziu dois elementos essenciais à teoria e à técnica da psicanálise: a descoberta das resistências inconscientes e o uso das interpretações por parte do psicanalista. 11 Teoria Topográfica A teoria anterior perdurou até 1897, quando então Freud deu-se conta de que a teoria do trauma era insuficiente para explicar tudo, e que os relatos das suas pacientes histéricas não traduziam a verdade factual; mas sim que eles estavam contaminados com as fantasias inconscientes que provinham de seus desejos proibidos e ocultos. Daí, ele propôs a divisão da mente em três “lugares” (a palavra “lugar”, em grego, é “topos”, daí teoria topográfica). A estes diferentes lugares ele denominou: Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente, sendo que o paradigma técnico passou a ser: “tornar consciente o que estiver no inconsciente”. Em 1900, Freud publicou A interpretação de sonhos, no qual ele comprova que o conteúdo do sonho “manifesto” pode ser visto como um modo disfarçado e “censurado” da satisfação de proibidos desejos inconscientes. A propósito, essa fase teórica de Freud pode ser resumida com a sua afirmativa de que “todo sonho, e sintoma, tem um umbigo que conduz ao desconhecido do inconsciente”, sendo que, pode-se acrescentar, é a descoberta do significado simbólico dos sonhos e sintomas que inaugura a psicanálise como ciência propriamente dita. A partir do seu fracasso com a análise de “Dora” – escrito em 1901, mas que somente foi publicado em 1905, por razões de sigilo profissional –, Freud obrigou-se a fazer profundas reflexões, sendo que ele chegou a afirmar que, desde então, a técnica psicanalítica foi profundamente transformada. Pode-se dizer que as principais transformações que se processaram nessa época foram: a) a psicanálise deixou de ser uma detida investigação e busca de solução de, separadamente, sintoma por sintoma; b) a descoberta e a formulação do “princípio da multideterminação” dos sintomas; c) o próprio paciente é quem passou a tomar a iniciativa de propor o assunto de sua sessão; 12 d) o analista substituiu a atitude de comportar-se como um investigador ativo e diretivo por uma atitude mais compreensiva da dinâmica do sofrimento do analisando; e) abandono total da técnica da hipnose e da sugestão devido à percepção de Freud de que as elas encobriam a existência de “resistências”; f) estas últimas resultam de repressões, sendo que o retorno do reprimido manifesta-se pelo fenômeno da “transferência”; g) sobretudo, o “caso Dora” ensinou a Freud a existência e a importância de o analista reconhecer e trabalhar com a “transferência negativa”. Teoria Estrutural À medida que se aprofundava na dinâmica psíquica, Freud tropeçava com o campo restrito da teoria topográfica, por demais estática, e ampliou-a com a concepção de que a mente comportava-se como uma estrutura no qual distintas demandas, funções e proibições, quer provindas do consciente ou do inconsciente, interagiam de forma permanente e sistemática entre si e com a realidade externa. Desta forma, mais precisamente a partir do trabalho O ego e o id (1923), ele concebeu 13 a estrutura tripartite, composta pelas instâncias do id (com as respectivas pulsões), do ego (com o seu conjunto de funções e de representações) e do superego (com as ameaças, castigos, etc.). O paradigma técnico da psicanálise foi formulado por Freud como: “onde houver id (e superego), o ego deve estar”. Conceituações sobre o Narcisismo Embora não tenha sido formulado como uma teoria, os estudos de Freud sobre o narcisismo abriram as portas para uma mais profunda compreensão do psiquismo primitivo e constituíram-se como sementes que continuam germinando e propiciando inúmeros vértices de abordagem por parte de autores de todas correntes psicanalíticas. De acordo com o pensamento mais vigente entre os autores, pode-se dizer que, na atualidade, um importante paradigma da psicanálise atual pode ser formulado como “onde houver Narciso, Édipo deve estar”. (Grunberger, 1979). 14 Dissociação do Ego Aquele jovem Freud que ficara perplexo ao perceber uma dissociação da mente que se manifestava nas pacientes histéricas durante o transe hipnótico induzido por Charcot, foi aprofundando suas pesquisas sobre este fascinante enigma até que ele ficou convencido de que esta clivagem da mente em regiões conscientes e inconscientes não era específica e restrita às psicoses e neuroses, mas que ela ocorria com todos os indivíduos. Assim, desde os seus primeiros trabalhos com pacientes histéricas, Freud já falava de uma cisão interssistêmica da qual resultam núcleos psíquicos independentes. No entanto, é a partir de seu trabalho sobre Fetichismo (1927) e, de forma mais consistente, em Clivagem do ego no processo de defesa (1940), que escreveu ao apagar das luzes de sua imensa obra, é que Freud estudou a cisão ativa, intrassistêmica, que ocorre no próprio seio do ego e não unicamente entre as instâncias psíquicas. Com isso, Freud lançou novas sementes que possibilitaram aos pósteros autores desenvolverem uma concepção inovadora da conflitiva intrapsíquica, o que, creio, pode ser exemplificado com os trabalhos de Bion (1967) sobre a existência concomitante em qualquer pessoa da “parte psicótica e da parte não psicótica da personalidade” e cuja compreensão, por parte do psicanalista, representa um enorme avanço na técnica e na prática clínica. Diante do exposto, o gênio de Freud possibilitou que, entre avanços, recuos e sucessivas transformações, ele construísse os alicerces essenciais do edifício metapsicológico e prático da psicanálise, sempre estabelecendo inter-relações entre a teoria, a técnica, a ética e a prática clínica. 15 A escola de Psicanálise Freudiana É quase uma redundância falar em “escola freudiana” porquanto toda a psicanálise, e todos os psicanalistas, de uma forma ou de outra, estão ligados aos postulados metapsicológicos, teóricos e técnicos legados por Freud e seus seguidores diretos, tanto os seus contemporâneos como os pósteros a ele. No entanto, o paradigma psicanalítico freudiano, nos seus mais de 100 anos de existência, embora conserve a invariância dos seus princípios básicos, vem sofrendo profundas transformações,quer com acréscimos, reformulações ou refutações. Na atualidade, o movimento freudiano propriamente dito tem por sede a tradicional Sociedade Britânica de Psicanálise, onde ele ocupa um lugar especial, juntamente com os outros dois grupos, o “Kleiniano” e o denominado “Independente” (middle group). Esses três grupos convivem harmonicamente, sendo que o freudiano, que lá se estruturou em torno de Anna Freud, não é o mais numeroso deles, embora conserve uma forte influência no pensamento psicanalítico e goze de uma alta respeitabilidade. Além disso, existe um grande contingente de psicanalistas no mundo todo que mantém uma plena fidelidade científica a Freud e que, ao contrário do que poderia parecer nos últimos tempos, as concepções originais do mestre estão ganhando em vitalidade e expansão, principalmente após a descoberta dos verdadeiros tesouros psicanalíticos contidos no “Projeto de uma Psicologia Científica para Neurólogos”, de 1895, que ficou escondido, ou esquecido, durante algumas décadas. 16 Escola Freudiana Ao procurar nos seus primórdios, observa-se que a evolução da Psicanálise se deu a partir de reuniões realizadas por Sigmund Freud com um seleto grupo de colaboradores em sua própria casa, para assim, de forma organizada e sistemática, discutir casos e trocarem ideias sobre os diversos temas psicanalíticos. Seria essa a semente que mais adiante se transformaria na Sociedade Psicanalítica de Viena. A história da evolução da Psicanálise jamais pode ser separada da figura principal e marcante de Freud, seu criador. Freud formou-se em medicina com brilhantismo aos 25 anos na Universidade de Viena, fazendo um longo aprendizado em neurologia. Pesquisava nervos de peixes raros, e investigou sobre a cocaína, publicando muitos trabalhos nessa área que obtiveram reconhecimento científico expressivo. Foi nomeado professor de neuropatologia, e o fato de ter obtido o “Prêmio Goethe de Literatura” lhe possibilitou viajar a Paris para conhecer o trabalho de Charcot, que aplicava as técnicas hipnóticas. No seu retorno à França, para Nancy, buscou aprofundar as técnicas hipnóticas, assistindo às demonstrações de Bernheim. E foi através das experiências realizadas com estes dois cientistas, que Freud começa a perceber a existência de processos psíquicos bastante fortes, mas ocultos, da consciência humana – e que viriam, logo depois, a servir de fundamentação para a sua teoria do inconsciente. Freud passou a empregar a técnica da hipnose na sua clínica privada e se deu conta de que não era um bom hipnotizador, substituindo esse recurso por técnicas que promovessem uma “livre associação de ideias”. A partir desta observação, nasceu a psicanálise. Foi trabalhando com pacientes despertas, utilizando o divã, ao mesmo tempo em que aplicava estímulos tácteis, pressionando a fronte delas com seus dedos, que as elas eram obrigadas a associarem “livremente” na tentativa de recordarem o trauma, que realmente tivesse acontecido, mas estaria esquecido devido à repressão. Pouco tempo depois acabou descobrindo, através de um comentário adverso de uma de suas pacientes (Elizabeth Von R.), que a associação livre funcionava melhor sem a opressão frontal. 17 A associação livre consistia em expressar livremente as ideias que lhe surgissem espontaneamente na mente e verbalizá-las ao analista, sem julgá-las em ser importantes ou não. Essa regra foi aplicada, em princípio, com ele mesmo (Freud) em sua autoanálise desde 1894 quando da análise dos seus sonhos. Mas só por volta de 1896 ele instituiu categoricamente esse método associativo, quando sua paciente Emmy Von N. lhe pediu para que a deixasse falar livremente sem ser pressionada para associar “livremente”. A associação livre facilitou muito a constatação das manifestações de repressões e resistências em seus pacientes. Esta descoberta contribuiu para que Freud fosse considerado o “Pai da Psicanálise”. Freud concluiu que as barreiras contra o recordar e associar eram provindas de forças mais profundas inconscientes, e que funcionavam como verdadeiras resistências involuntárias. Por conseguinte, isto se constituiu como uma marcante ruptura epistemológica, levando Freud a cogitar que essas resistências correspondiam a repressões daquilo que estava “proibido de aflorar à consciência”, ou seja, de ser lembrado. Ao chegar 1906, Freud já havia lançado os alicerces do edifício psicanalítico, tais como: A descoberta do inconsciente dinâmico como principal motivador da conduta; Consciente das pessoas, O fenômeno da “livre associação de ideias”; A importância dos sonhos como forma de acesso ao inconsciente; A sexualidade da criança, estruturada em torno da cena primária e do complexo de Édipo; O fenômeno das resistências e, por conseguinte, das repressões; A transferência; A presença constante de dualidades no psiquismo tais como: os dois tipos de pulsões, de vida e morte, o conflito psíquico resultante de forças contrárias, do consciente versus inconsciente, o princípio do prazer e o da realidade, entre outras. A conclusão de Freud foi de que o conflito psíquico é resultante do embate entre as forças instintivas e as repressoras, sendo que os sintomas se constituíram como sendo a representação simbólica deste conflito inconsciente. Esta concepção 18 inaugura a psicanálise como uma nova ciência, com referências teóricas e técnicas próprias, específicas e consistentes. A evolução histórica da Psicanálise pode ser dividida e esquematizada exclusivamente nas contribuições originais de Freud, sendo estabelecidos os seguintes conceitos estruturantes e paradigmas de cura: O neurótico sofre de reminiscências e a cura consiste em rememorá-las. (Teoria do Trauma), Tornar consciente o que é inconsciente. (Teoria Topográfica) Onde houver o Id, o Ego deve estar. (Teoria Estrutural) Dessa forma, neste contexto são desenvolvidas complementarmente as conceituações sobre o Narcisismo e sobre a dissociação do Ego. Os Expoentes da Escola Freudiana Dentro do arcabouço das ideias freudianas e seu terreno profícuo e fecundo, outros Outros importantes e reconhecidos nomes desta escola se destacam: são Karl Abraham, Sandor Ferenczi, Wilhelm Reich e Anna Freud. Cada um deles com reconhecidamente, Podem-se destacar dentro das contribuições destes analistas as seguintes: 19 Karl Abraham Autor prolífico, sendo suas investigações mais originais, que ainda persistem como importantes e vigentes aquelas referentes aos estágios pré-genitais do desenvolvimento, sendo importante ressaltar seu artigo de 1919, Uma forma de resistência Neurótica contra o método psicanalítico, no qual, de forma extremamente atual, discorre sobre o problema dos pacientes narcisistas “pseudocolaboradores”. Sandor Ferenczi Introduziu, entre muitos outros, os primeiros conceitos para fundamentar a teoria das relações objetais; considerava “que as crianças que são recebidas com asperezas e falta de amor morrem fácil e voluntariamente”, conceito desenvolvido quinze anos depois por Spitz; estuda a teoria do trauma da sedução real, afirmando que isso acontece “quando os adultos confundem os jogos da criança com os desejos das pessoas sexualmente adultas”; considerou a personalidade do analista como um instrumento de cura. Wilhelm Reich A inclusão do Wilhelm Reich justifica-se devido a que por meio do seu livro Análise do Caráter (1933) colaborou de forma inestimável para o entendimento de que uma análise poderia ir muito além da remoção dos sintomas e que ela também deveria visar mudanças na “armadura caracterológica resistencial” de que todo paciente é portador, em alguma forma ou grau. Sua ruptura com Freud deu-se a partir do seu artigo sobre o caráter masoquista de 1932. Posteriormentehouve por parte de Reich um desvio quase total dos princípios essenciais da psicanálise. 20 Anna Freud Pode-se considerar como ponto de destaque na contribuição de Anna Freud à psicanálise, os conceitos elaborados no seu livro: O ego e os mecanismos de defesa (1936) onde enaltece as funções do ego, que o próprio Sigmund Freud esboçou, mas não aprofundou. Seus discípulos viriam a formar a Escola da Psicologia do Ego, e foi em torno de sua pessoa que a corrente freudiana da Sociedade Psicanalítica Britânica, se moldou. Anna Freud teve como destaque ainda, seu pioneirismo na psicanálise com crianças, não obstante o fato da orientação de natureza pedagógica. Houve de sua parte fortes críticas dirigidas a Melanie Klein, que preconizava a psicanálise com crianças, dentro do molde estabelecido pelo mais puro rigor psicanalítico. Escola dos Teóricos das Relações Objetais Este período se caracteriza pela abertura de correntes de pensamento psicanalítico diversas daquela preconizada por Freud. Essas correntes, embora estruturadas a partir de fundamentos originados na proposta freudiana, incorporam novas visões e interpretações que ampliam de forma significativa o saber psicanalítico. 21 Melanie Klein A Escola dos Teóricos das Relações Objetais, com Melanie Klein, como um dos seus maiores representantes, transforma-se no berço de uma nova visão da práxis psicanalítica, ao desenvolver formas diferentes de interpretação dos conceitos enunciados por Freud, abrindo espaço para a formulação de novas propostas de trabalho. Neste contexto, a escola kleiniana valoriza fortemente, a existência de um ego primitivo, já desde o nascimento, a fim de que este mobilizasse defesas arcaicas – dissociações, projeções, negação onipotente, idealização, etc. Tudo isso, para contra restar as terríveis ansiedades primitivas advindas da inata pulsão de morte, isto é, da inveja primária, com as respectivas fantasias inconscientes. M. Klein conservou o complexo de Édipo como o eixo central da psicanálise, porém o fez recuar para os primórdios da vida, assim descaracterizando o enfoque triangular edípico, medular da obra freudiana. A observação dos adultos e o emprego da técnica psicanalítica a induziram a investigar os estágios iniciais do desenvolvimento infantil. O trabalho dela, tomando como base a teoria psicanalítica de Freud, foi criar a técnica de brincar com as crianças e, através do brinquedo, compreendê-las. Em 1919, ela escreve: “O Desenvolvimento de uma criança” sendo este o trabalho que a titulou como membro da Sociedade Psicanalítica da Hungria. De 1920 a 1925 Melanie Klein fez análise com K. Abraham, a qual fora interrompida pela morte inesperada do analista. Nesse ano, Melanie Klein fora convidada por Ernest Jones para pronunciar algumas conferências em Londres, causando forte impacto e entusiasmo em muitos psicanalistas britânicos. Tal acontecimento a levou a fixar residência definitiva na Inglaterra, onde trabalhou como psicanalista pelo restante de sua vida. Freud desenvolveu sua teoria psicanalítica a partir da observação de adultos, enquanto Melanie Klein elabora seu pensamento através da observação de crianças. Conforme sua observação, postula 22 que tanto o complexo de Édipo quanto o Superego estão estabelecidos em uma fase muito mais remota da vida do indivíduo do que se presumia até então. Estudos posteriores contribuíram para o melhor entendimento do complexo de Édipo, posição depressiva e, finalmente, sobre a posição esquizo-paranoide, o que tornou mais claras as ligações de sua obra com a de Freud, e facilitaram o acompanhamento psicológico do indivíduo desde sua infância mais remota. Melanie Klein considerou como ponto de partida para o estudo do processo de desenvolvimento da criança os primeiros três ou quatro meses de vida, enquanto Freud, considerava esse ponto a partir dos 4 anos. No primeiro trimestre, o bebê experimenta a ansiedade como resultante do efeito proveniente de fontes internas e externas; a atividade interna do instinto de morte dá origem ao medo de ser aniquilado e esse aniquilamento é a causa primária da ansiedade persecutória. Nessa fase, a criança sofre o desconforto e dor pela perda intrauterina, que é sentida pelo bebê como uma agressão perpetrada por forças hostis, isto é, como perseguição, ficando exposto a dolorosas privações, causando- lhe ansiedade. Para Klein, a relação objetal é iniciada com a presença da mãe e a amamentação do bebê, sendo esse um dos pilares de sua teoria. Melanie Klein faz duas considerações importantes que passa a denominar de posição esquizo- paranoide e posição depressiva da criança. A posição esquizo-paranoide, vivenciada pela criança por volta dos três a quatro meses de idade, traz uma luz sobre a teoria kleiniana e produz grande vantagem, concernente ao fato de se dar início numa fase bem primitiva e a partir daí poder descrever o crescimento psicológico do indivíduo. Na consideração de Klein, num certo sentido, tanto a posição esquizoparanoide e a posição depressiva constituem fases de desenvolvimento, podendo considerá-las subdivisões do estágio oral. Esta posição esquizo-paranoide caracteriza-se pelo fato de as crianças não tomarem conhecimento das pessoas, e o relacionamento se mantém nos objetos parciais, e pela prevalência dos processos de divisão e de ansiedade paranoide. A hipótese de que as primeiras experiências resultantes da amamentação do bebê e da presença da mãe iniciam uma relação objetal parcial, isto é, os impulsos oral-libidinais e oral-destrutivos desde o começo da vida, dão a entender que estas 23 primeiras experiências são, particularmente, dirigidas para o seio materno. Se a criança está satisfeita, suprida pela amamentação, registra-se um equilíbrio ótimo, entre os impulsos libidinais e agressivos, ocorrendo aí o sentimento de “seio bom”. Quando é alterado o equilíbrio entre libido e agressão da origem, surge a emoção chamada avidez, predominantemente, de natureza oral. Nos bebês, que possuem um componente agressivo inato forte, a ansiedade persecutória, a frustração e a avidez são facilmente provocadas, contribuindo para a não tolerância de privação do bebê em lidar com a ansiedade. Na medida em que esta situação for fonte de frustração, surge o sentimento de “seio mau”. Quando o seio é bom e o gratifica, o bebê projeta os seus impulsos de amor, e quando o seio é frustrador (mau) o bebê projeta os seus impulsos destrutivos. Melanie Klein foi pioneira das seguintes concepções originais: Criou uma técnica própria de psicanálise com crianças e introduziu o entendimento simbólico contido nos brinquedos e jogos. Postulou a existência de um inato ego rudimentar, já no recém-nascido. A pulsão de morte também é inata e presente desde o início da vida sob a forma de ataques invejosos e sádico-destrutivos contra o seio alimentador da mãe. Essas pulsões de morte, agindo dentro da mente, promovem uma terrível angústia de aniquilamento. Para contra restar tais angústias terríveis, o incipiente ego do bebe lança mão de mecanismos de defesa primitivos, como são a negação onipotente, dissociação, identificação projetiva, identificação introjetiva; idealização e denegrimento. Concebeu a mente como um universo de objetos internos relacionados entre si através de fantasias inconscientes, constituindo a realidade psíquica. Além dos objetos totais, ela estabeleceu os objetos parciais (figuras parentais representadas unicamente por um mamilo, seio, pênis, etc.). Postulou uma constante clivagem ente os objetos (bons x maus; idealizados x persecutórios) e entre as pulsões (as construtivas, de vida, versus as destrutivas, de morte). 24 Concebeu a noção de posição – conceitualmente diferente de fase evolutiva –e descreveu as agora clássicas posições esquizo-paranoide e a depressiva. Suas concepções acerca dos mecanismos arcaicos do desenvolvimento emocional primitivo permitiram a análise com crianças, com psicóticos e com pacientes regressivos em geral. Para não ficar descompassada com os princípios ditados por Freud, conservou as concepções relativas ao complexo de Édipo e ao superego, porém as realocou em etapas muito mais primitivas do desenvolvimento da criança. Juntamente com os ataques sádico-destrutivos da criança, com as respectivas culpas e consequentes medos de retaliadores ataques persecutórios, postulou a necessidade de a criança, ou o paciente adulto na situação analítica, desenvolver uma imprescindível capacidade para fazer reparações. Deu extraordinária ênfase à importância da inveja primária, como expressão direta da pulsão de morte. Como decorrência dessas concepções, promoveu uma significativa mudança na prática analítica no sentido de que as interpretações fossem sistematicamente transferenciais, mais dirigidas aos objetos parciais, aos sentimentos e defesas arcaicas do paciente, e com uma ênfase na prioridade de um analista trabalhar na transferência negativa. Este período fica caracterizado pela mudança de foco dos psicanalistas, que passam a valorizar aspectos relacionados com o desenvolvimento emocional primitivo: as relações objetais parciais e as fantasias do inconsciente, com suas respectivas ansiedades e defesas primitivas. Conserva-se a regra de que somente teriam valor verdadeiramente psicanalítico às interpretações unicamente dirigidas às neuroses de transferência, porém começa a ganhar um amplo espaço de valorização, a contratransferência, criando-se desta forma os primórdios da psicanálise baseada na relação transferencial - contratransferencial. Expoentes desta época são Joan Rivière, S. Isaacs, Segal, Rosenfeld, Meltzer e Bion. 25 O ser humano a partir da Psicanálise A contemporaneidade está sendo marcada pelo caos, decorrente de uma economia predatória que cada vez mais elimina a humanidade das pessoas. As desigualdades sociais, a falta de afeto entre as famílias, o consumismo desenfreado, a alienação cotidiana dos programas de televisão, a ausência de relações saudáveis que permita a construção prazerosa de um ser autônomo, são alguns dos diversos problemas que cada vez mais aumenta o número de pessoas neuróticas. 26 Nessa perspectiva, teorias como a da psicopatologia, da psicologia do desenvolvimento, neurologia, genética e evolução contribuem para a compreensão do desencadeamento das patologias desenvolvidas a partir das interações com o meio, contudo, este estudo busca desenvolver um entendimento a luz da teoria psicanalítica, tendo em vista, que para esta área do conhecimento, as vivências adquiridas na infância são as que pré-determinam à formação psíquica do sujeito. Freud, o criador da Psicanálise, “corrente psicológica que se fundamenta sobre a teoria do recalcamento, significando também método de exploração do psiquismo humano e terapêutico para certas neuroses” (TELES, 2001, p. 35), percebeu que a sexualidade molda determinados comportamentos e que isso ocorre desde a infância. No entanto, é importante salientar que a sexualidade infantil teorizada por Freud, se diferencia da sexualidade do adulto em vários aspectos. Para o autor, o prazer sexual da criança está relacionado com o seu próprio corpo e não da relação com outra pessoa(ANDRADE, 2011). O pensamento de Freud é mecânico-evolucionista, baseando- se principalmente, na Biologia. Para ele o homem é visto dentro de um contexto que abrange o plano bio-psico-social (que compreendia toda a realidade humana) e seria impulsionado, sobretudo, a satisfazer certos instintos elementares, que são tão poderosos que obrigam a procurar alcançar, diretamente, ou por caminhos tortuosos, os seus fins (TELES, 2001). Isso implica dizer que o desenvolvimento da teoria psicanalítica toma como referencia, a realidade psíquica, constituída pelos desejos inconscientes e pelas fantasias a ela vinculadas, tendo como pano de fundo a sexualidade infantil. Além disso, o conceito de infância passa a ser abordado pelo autor a partir da lógica do inconsciente(COSTA, 2007). Bock (2002), explica que Freud se incomodava com o fato dos pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior, Quando Freud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os pacientes e os deixou dar livre curso as suas ideias, observou que, muitas vezes, eles ficavam embaraçados, envergonhados com 27 algumas ideias ou imagens que lhes ocorriam. A esta força psíquica que se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud denominou resistência. E chamou de repressão o processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma ideia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma. Estes conteúdos psíquicos “localizam-se” no inconsciente(BOCK, 2002, p. 73). Portanto, “no modelo freudiano, o inconsciente é o lugar teórico dos impulsos instintivos ou pulsões e das representações reprimidas ou daquelas que nunca puderam chegar à consciência” (SHIRAHIGE E HIGA, 2004, p. 20). Desta forma, a busca do prazer é uma forte motivação para o comportamento das pessoas, e caso o indivíduo seja impedido de realizar seus desejos, sendo reprimido desde a sua infância, a probabilidade é que este sujeito desenvolva uma patologia, pois ao conter seus impulsos, devido à repressão moral social que impera nas sociedades civilizadas, o indivíduo leva todas essas sensações de falta e perda para o inconsciente, que posteriormente se manifestará por meio de comportamentos patológicos. Essas manifestações são notadas a partir dos fenômenos de conflitos, insatisfações, tensões, desconfianças, retraimento ou momentos de explosões. De acordo com Teles (2001), a diferença entre o sujeito ajustado e o neurótico é, portanto, uma questão de grau: é uma diferença puramente quantitativa, o que pressupõe que, O individuo neurótico é aquele que está constantemente em conflitos com o ambiente e consigo mesmo, tendo dificuldades em reconhecê-lo e solucioná-lo; vive num estado permanente de tensão e insatisfação, em guarda contra tudo e contra todos; apresenta excessiva dependência e aprovação e do afeto alheio; mostra sentimentos de insegurança, inferioridade e inadequação e um conjunto amplo de inibições (TELES, 2001, p.62). Desta forma, o surgimento das neuroses se dá pela inquietação da falta, como falta de amor, insatisfação sexual, pela ausência de algo ou de alguém (MAURANO,2010). Kupfer (2007), ao tratar das marcas deixadas pela dor da falta, explica que, O mal estar funda a civilização, as ideias de progresso e avanço civilizatórios, são incompatíveis com uma condição humana cuja base são as “nossas piores disposições” cujo objeto de desejo está para sempre 28 perdido e cujo o fim é a morte. Somos constituídos por uma falta que nos funda, mas nos condena à insatisfação estrutural e à infelicidade (KUPFER, 2007, p.14). Entretanto, Maurano (2010), ao discutir a função da psicanálise no mundo de hoje, afirma que não defende uma posição pessimista, do tipo que toma a incompletude do sujeito como um defeito de fabricação com o qual os indivíduosteriam que se conformar. Maurano (2010) defende uma orientação ética que funda a proposta psicanalítica, acolhendo a vida não em uma dimensão ideal, como se gostaria que ela fosse, mas em uma dimensão real. A confrontação com real ocasiona a queda das ilusões, sendo assim, o sujeito pode reagir de duas formas: a primeira, negar a existência do real, na promessa de que pelas forças da mente ou do que quer que seja pode-se escapar, intensificando, por consequência a fragilidade humana. A segunda é “afirmar a vida com tudo o que nela há, de alegria e de sofrimento, de leveza e de dureza, é não a mutilar de nenhum de seus componentes. Mas obviamente, se é simples falar assim, não é simples viver dessa forma”, ressalta Maurano (2010, p.16). Conceber mais alegria nas relações e menos repressão nas ações que dão prazer é uma forma de contribuir no desenvolvimento de um adulto saudável. Diante da compatibilidade entre a natureza da inquietação que domina a cena atual e a natureza da invenção psicanalítica, esta última continua sendo um recurso privilegiado em nossos tempos, principalmente, quando se pensa na criança em processo de escolarização. Atuação de muitos educadores no decorrer da história foi baseada no castramento, do proibir os sujeitos de se manifestarem e de liberarem a energia sexual que os dá prazer. Essa situação ainda está muito presente nas práticas educativas e alguns teóricos como Jerusalinsky (1995), Filidoro (1995), Soares (1995), Kessler (1995)5discutem a possibilidade de relacionar a educação com a psicanálise, tendo em vista, os seus pressupostos em torna da infância, período no qual, as crianças estão se relacionado com outros grupos além da família. 29 Com base nas premissas psicanalíticas, observa-se que é fundamental compreender os processos de aquisição e construção de conhecimento-da formação psíquica do sujeito. Por isso, emprega-se a teoria de Freud nas intervenções psicopedagógicas, no intuito de confrontar pensamentos, elaborar e (re) elaborar explicações, propor novas respostas para perguntas já anteriormente elaboradas, buscar novas perguntas para antigas repostas (BEAUCLAIR, 2011). 30 REFERÊNCIAS ETCHEGOYEN, R. Horácio. Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Tradução: Francisco Frank Settineri. 2ª ed. Porto Alegre; Artmed; 2004. FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Comentários e notas de James Strachey, em colaboração com Anna Freud, assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; tradução do alemão e do inglês sob direção geral de Jayme Salomão. 24 volumes; Rio de Janeiro; Imago; 1996. LAPLANCHE Jean, PONTALIS Jean – Bertrand. Vocabulário de Psicanálise / Laplanche e Pontalis: sob a direção de Daniel Lagache; Tradução Pedro Támem; 4ª edição; São Paulo; Martins Fontes, 2001. MIJOLLA, Alain de. Dicionário Internacional da Psicanálise – Conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Direção geral de Alain de Mijolla, comitê editorial Sophie de Mijolla – Mellor, Roger Perron e Bernard Golse; Tradução Álvaro Cabral; 2 volumes; Rio de Janeiro; Imago, 2005. ROUDINESCO Elisabeth, PLON Michel. Dicionário de Psicanálise / Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; Tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; Supervisão da edição brasileira Marco Antônio Coutinho Jorge; Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 1998. PISANDELLI, Sergio Pedro - As Sete Escolas da Psicanálise. Creative Commons, 2012. ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos. Teoria, técnica e clínica. Porto Alegre; Artmed; Ré-impressão 2010. __________, David E. Fundamentos psicanalíticos [recurso eletrônico] : teoria, técnica e clínica : uma abordagem didática / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007. ANDRADE, A. C. B. A teoria de desenvolvimento Psicossexual: Sigmund Freud. Patos: Faculdades Integradas de Patos. BEAUCLAIR, J. Psicopedagogia: Trabalhando Competências, Criando habilidades. Rio de Janeiro: Wak Editora. 31 BEAUCLAIR, J. Para entender psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros. Rio de Janeiro: Wak Editora. BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 3ª Ed. Porto Alegre: Artmed. BOCK, A. M. B. A Psicanálise. In: BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologias. São Paulo: Saraiva, 2002, p. COHEN, R. H. P. A lógica do fracasso escolar: psicanálise & educação. Rio de Janeiro: Contra Capa. COSTA, T. Psicanálise com crianças. Rio de Janeiro: Zahar. FRANCISCO FILHO, G. A Teoria Psicanalista Freudiana e a Educação. In: FRANCISCO FILHO, G. A Psicologia no contexto educacional. Campinas, SP: Átomo. KUPFER, M. C. M. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Escuta, MAURANO, D. Para que serve a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar. PIAGET, J. (1946). A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar. SANTOS, K. F. R. Psicanálise e Psicopedagogia p. Artigo (Especialização em psicanálise Teoria, interfaces e Aplicações) - Universidade Vale do Rio Doce UNIVALE, Governador Valadares. SHIRAHIGE, E. E.; HIGA, M. M. A Contribuição da Psicanálise à educação. CARRARA, K. (org.). Introdução a Psicologia da Educação: Seis abordagens. São Paulo: Avercamp. TELES, M. L.S. Psicodinâmica do Desenvolvimento humano: uma introdução à psicologia da educação. Petrópolis, RJ: Vozes. VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 2005.
Compartilhar