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IMUNOLOGIA AULA 1 Profª Stephanie von Stein Cubas Warnavin 2 2 CONVERSA INICIAL Introdução ao estudo da imunologia No processo evolutivo das espécies, os mecanismos de defesa e resistência foram essenciais para enfrentar condições ambientais anormais ou situações de ataque. No caso de seres multicelulares, o desenvolvimento de um sistema imune que desse conta e respostas rápidas a infecções microbianas auxiliou na manutenção e sobrevivência das espécies pelos ecossistemas, além auxiliarem no processo de conquista de ambientes. Nesta aula, o objetivo principal será compreender o mecanismo de funcionamento do sistema imunológico, bem como conhecer seus conceitos básicos, os aspectos históricos da imunologia, o funcionamento da imunidade inata e das primeiras vias de defesa, e também identificar suas células e os mecanismo de ação. Os temas abordados serão: • Tema 1 – Conceitos básicos e funções do sistema imune. • Tema 2 – Histórico. • Tema 3 – Imunidade inata (inespecífica). • Tema 4 – Células da imunidade inata e seus mecanismos. • Tema 5 – Inflamação. TEMA 1 – CONCEITOS BÁSICOS E FUNÇÕES DO SISTEMA IMUNE Como qualquer ser vivo, os patógenos microbianos estão a todo momento buscando condições e locais ideais para se desenvolver e reproduzir. Muitas vezes, esses locais podem ser o interior do corpo de outros organismos, seu hospedeiro, onde encontrarão abrigo e nutrientes necessários para seu desenvolvimento. E, ao mesmo tempo, esses hospedeiros estão sempre tentando se defender de alguma forma desses microrganismos. Antes, durante e após a invasão dos agentes patogênicos, respostas fisiológicas podem surgir no hospedeiro na tentativa de eliminar esses microrganismos e prevenir contra o desenvolvimento de uma doença provocada pelos mesmos. Em plantas, fungos e animais, o conjunto de todos esses mecanismos de defesa é chamado de imunidade (Reece, 2015) e sistema imunológico, ou imune, é o sistema fisiológico encarregado de controlar e desencadear a resposta imunológica de 3 3 forma coordenada. Importante ressaltar que esse sistema não será ativado apenas em contato com microrganismos, mas também com pólen, substâncias químicas, pelos de animais, macromoléculas e até mesmo componentes celulares e moleculares do próprio organismo. São dois tipos de imunidade: a inata, presente em plantas, fungos e animais, e a adaptativa, ou adquirida, presente apenas em animais vertebrados. Nesta aula, daremos ênfase ao sistema imune de animais. A imunidade inata é toda defesa presente nos organismos desde o nascimento e que possui uma resposta mais generalizada, sem especificidades para os corpos estranhos. São as primeiras ações ou barreiras defensivas contra patógenos, tendo uma ação rápida e sem memória imunológica. A imunidade adaptativa diz respeito a ações mais específicas contra agentes que passaram pelas barreiras da imunidade inata. Possuem ação mais lenta, porém, podem criar memória imunológica quando entram em contato com os antígenos, macromoléculas que induzem uma resposta imune mediada pelas células B e T (células específicas da imunidade adaptativa). A imunidade inata é ativada com o contato dos receptores semelhantes ao Toll (TLRs), proteínas receptoras presentes na membrana plasmática das células de defesa, com componentes dos agentes infeciosos chamados de padrões moleculares associados aos patógenos (PAMPs). Em casos específicos, esse contato pode liberar citocinas, proteínas que desencadeiam o processo inflamatório e induzem o recrutamento de células defensivas da defesa inata, bem como células da imunidade adquirida como células T e B (Figura 1). Figura 1 – Imunidade inata e imunidade adquirida e suas células 4 4 Créditos: Vectormine/Shutterstock. TEMA 2 – HISTÓRICO Os primeiros registros que nos remetem à imunologia são incertos, porém, sabe-se que os chineses tinham o costume de “tornar as crianças resistentes a varíola através da inalação de um pó feito das lesões cutâneas de pacientes que estavam se recuperando da doença” (Abbas, 2012). Posterior a isso, em 430 a.C., o historiador ateniense Tucídides teria descrito casos de pessoas que contraíram a “praga de Atena” e, após terem se recuperado, conseguiam cuidar dos enfermos sem reinfecção. Mais tarde, Edward Jenner, médico inglês, repetiu o processo que os chineses já faziam há tempos. Baseado na observação de que mulheres que ordenhavam vacas recém-curadas pela vaccínia1 não contraiam a varíola, ele injetou em uma criança de 8 anos uma pústula de vaccínia para depois de uns dias receber um inóculo de varíola. A criança não desenvolveu a doença e, a partir de então, Jenner criou o primeiro tratado sobre vacinação (1798), o que o 1 Vírus vaccinia pertence à família da varíola, entretanto, é uma espécie diferente. Historicamente, foi utilizado na campanha de erradicação da varíola como amostra vacinal, pois é capaz de gerar uma resposta imune protetora contra a infecção pelo vírus da varíola. 5 5 levou a ser reconhecido como pai da imunologia. Desse dia em diante, o desenvolvimento e aprimoramento de outras vacinas foi substancial, com grande aceitação por parte da comunidade científica e de grande importância para a erradicação de doenças, como a própria varíola, em 1980. Com o avanço das técnicas de cultivo celular e bacteriano, de biotecnologia e da criação de animais geneticamente modificados, as pesquisas no campo da imunologia se intensificaram, principalmente após o advento do sequenciamento de DNA e as possíveis análises genéticas de imunoglobulinas, genes de receptores etc. TEMA 3 – IMUNIDADE INATA (INESPECÍFICA) No processo evolutivo e adaptativo das espécies, o sistema imune inato se desenvolve nos seres multicelulares, há cerca de 750 milhões de anos (Abbas, 2012), simultaneamente à evolução dos microrganismos e apresenta como principal função ser uma primeira linha de defesa contra os agentes infecciosos. Segundo Tortora et al. (2017), os mecanismos de defesa da imunidade inata “representam o sistema de alerta precoce da imunidade e são projetadas para impedir que os micróbios tenham acesso ao corpo e para ajudar a eliminar aqueles que tiverem acesso”, tanto que na sua ausência aumenta significativamente a suscetibilidade (ausência de imunidade) a infecções (Abbas, 2012). Além disso, a imunidade inespecífica também auxilia no processo de reparo tecidual, em caso de células danificadas ou mortas, e estimula as respostas específicas da imunidade adaptativa, gerando uma espécie de aviso de possíveis invasões de agentes estranhos ao corpo. As principais formas de atuação e respostas da imunidade inata são as barreiras físicas e químicas, pelos tecidos epiteliais e mucosas, células defensivas, como os fagócitos e as células natural killer (NK), febre, inflamação e substâncias antimicrobianas, como os interferons. No Quadro 1 é apresentado um resumo das linhas de defesa inatas e suas funções gerais. Como já mencionado, a imunidade inata não possui uma ação tão específica em relação aos agentes infecciosos, porém, necessita de formas de reconhecimento do que não faz parte do organismo ou das células danificadas e/ou mortas. Esse reconhecimento é dado por ácidos nucleicos, proteínas, lipídeos e carboidratos sintetizados apenas por microrganismos e de importância vital para eles, os chamados padrões moleculares associados aos patógenos 6 6 (PAMPs). Os PAMPs são reconhecidos pelo sistema imune quando se ligam a receptores citoplasmáticos ou presentes na membrana plasmática de células defensivas, o que acarretará respostas antimicrobianas e pró-inflamatórias para a destruição e eliminação dos patógenos. Alguns receptores também irão reconhecer células mortas ou danificadas por meios dos padrões molecularesassociados a danos (DAMPs), que são expressos pelo próprio hospedeiro para a sinalização destas células com danos. Os receptores semelhantes ao Toll (TLRs) são os principais receptores de reconhecimento de PAMPs e DAMPs, além dos receptores semelhantes ao NOD (NLR), receptores semelhantes ao RIG (RLR) e das pentraxinas, colectinas, ficolinas etc. (Quadro 2). Quadro 1 – Mecanismos de ação da imunidade inata Componente da imunidade inata Funções Epiderme da pele A pele intacta forma uma barreira física contra a entrada de micróbios; a descamação auxilia na remoção dos micróbios. Membranas mucosas Inibem a entrada de vários micróbios, porém, não são tão eficazes quanto a pele intacta. Muco Retém os micróbios nos tratos gastrintestinal e respiratório. Aparelho lacrimal Produz as lágrimas que removem os microrganismos; as lágrimas contêm lisozima, enzima que destrói as paredes celulares dos microrganismos, principalmente de bactérias. Saliva Dilui e remove os micróbios da boca. Pelos Filtram e retêm os micróbios e a poeira no nariz. Cílios Junto com o muco, formam o elevador ciliar, que retém e remove os micróbios do trato respiratório. Epiglote Impede a entrada de micróbios no trato respiratório inferior. Secreções vaginais Expelem os micróbios para fora do corpo. A quebra do glicogênio em ácido láctico produz uma ligeira acidez, que impede o crescimento bacteriano e fúngico. Peristalse, defecação, vômito e diarreia Expelem os micróbios do corpo. Sebo Forma um filme protetor ácido sobre a superfície da pele, inibindo o crescimento microbiano. Cera de ouvido Impede a entrada de micróbios no ouvido. Os ácidos graxos na cera de ouvido inibem o crescimento de bactérias e fungos. 7 7 Transpiração Remove os micróbios da pele e contém lisozima; a lisozima também está presente nas lágrimas, na saliva, nas secreções nasais, na urina e nos fluidos teciduais. Saliva Contém lisozima, ureia e ácido úrico, que inibem os micróbios, e imunoglobulina A, que previne a fixação de micróbios às membranas mucosas. Sua atividade tampão permite proteção contra fixação de microrganismos causadores de cáries e doenças periodontais. Suco gástrico A alta acidez destrói bactérias e a maioria das toxinas no estômago. Urina Remove os micróbios da uretra, impedindo a colonização do trato urogenital. Contém lisozima. A ligeira acidez impede o crescimento microbiano. Fagócitos Fagocitose por células como neutrófilos, eosinófilos, células dendríticas e macrófagos. Célula natural killer (NK) Destrói as células infectadas, liberando grânulos de perforina e granzimas. Os fagócitos, em seguida, destroem as células. Inflamação Isola e destrói os micróbios e inicia o reparo tecidual. Febre Intensifica os efeitos dos interferons, inibe o crescimento de alguns micróbios e acelera as reações do corpo que auxiliam no reparo. Sistema complemento Causa a citólise de micróbios, promove a fagocitose e contribui para a inflamação. Interferons Protegem as células hospedeiras não infectadas da infecção viral. O IFN-γ intensifica a fagocitose. Proteínas de ligação ao ferro Inibem o crescimento de determinadas bactérias ao reduzirem a quantidade de ferro disponível. Peptídeos antimicrobianos (AMPs) Inibem a síntese da parede celular, formam poros na membrana plasmática, causando lise, e danificam o DNA e o RNA. Fonte: Elaborado com base em Tortora et al., 2017 Quadro 2 – Moléculas de reconhecimento de padrões da imunidade inata Receptores de reconhecimento de padrões associados a células Local Ligantes PAMP/DAMP TRL Membrana plasmática e membranas endossômicas das células dendríticas, fagócitos, linfócitos B, células endoteliais etc. Diversas moléculas microbianas, incluindo lipopolissacarídeos bacterianos e peptideoglicanos, ácidos nucleicos virais 8 8 NLR Citoplasma de fagócitos, células epiteliais etc. Peptideoglicanos da parede celular bacteriana. Produtos de células danificadas RLR Citoplasma de fagócitos e outras células RNA viral Receptores similares a tectina de tipo C Membrana plasmática de fagócitos Carboidratos de superfície microbiana com manose e frutose terminais. Glucanas presentes em paredes celulares fúngicas. Receptores scavenger Membranas plasmáticas de fagócitos Diacilglicerídeos microbianos Receptores N-Formil met- leu-phe Membrana plasmática de fagócitos Peptídeos contendo resíduos N- formilmetionil Moléculas solúveis de reconhecimento Local Ligantes PAMP Pentraxinas Plasma Fosforilcolina e fosfatidiletanolamina microbianas Colectinas Plasma Alvéolos Carboidratos com manose e frutose terminais. Diversas estruturas microbianas Ficolinas Plasma N-Acetilglicosamina e ácido lipoteicoco componentes de paredes celulares de bactérias gram- positivas Complemento Plasma Superfícies microbianas Anticorpos naturais Plasma Fosforilcolina em membranas bacterianas e membranas de células apoptóticas Fonte: Elaborado com base em Abbas et al., 2012 TEMA 4 – CÉLULAS DA IMUNIDADE INATA E SEUS MECANISMOS As células que fazem parte da imunidade inata são as epiteliais, que compõem as barreiras físicas, os fagócitos (macrófagos, neutrófilos, eosinófilos, células dendríticas) e as células natural killer (NK). 4.1 Barreiras epiteliais As células epiteliais em conjunto formam a primeira linha de defesa física e química, sendo responsáveis por barrar a entrada de microrganismos 9 9 infecciosos, de forma mecânica ou pela produção de substâncias antimicrobianas. A pele e as superfícies de mucosas dos tratos gastrintestinal, respiratório e geniturinário são as principais interfaces da relação ambiente- hospedeiro, a pele atuando como barreira física e as células endoteliais com a produção de muco. Na pele, a própria queratina atua como inibidora e protetora contra agentes microbianos. O muco, secreção viscosa de mucinas (glicoproteínas), impede o ressecamento dos tecidos epiteliais e a invasão de microrganismos, facilitando a remoção dos mesmos pela ação dos cílios (Figura 2) As células epiteliais produzem duas famílias distintas de peptídeos que apresentam propriedades antimicrobianas: as defensinas e as catelicidinas. As defensinas possuem efeito tóxico direto aos microrganismos, além de ativar células envolvidas nas respostas inflamatórias. Já as catelicidinas possuem efeito tóxico aos microrganismos, podendo inativar bactérias gram-negativas e ativam respostas de leucócitos e outros tipos celulares. Nas barreiras epiteliais, ocorre um tipo especial de linfócito chamado de linfócito T intraepitelial, cuja função está em secretar citocinas, ativar fagócitos e a destruição de células infectadas. Figura 2 – Barreiras epiteliais e muco Créditos: Clusterx/Shutterstock. 10 10 4.2 Fagócitos No sistema imune inato, substâncias ou microrganismos que consigam passar pelas barreiras epiteliais, encontrarão as células fagocíticas. Estas células fazem parte da segunda linha de defesa e são especializadas em realizar a fagocitose, mecanismo que consiste na ingestão de macromoléculas ou microrganismos por uma célula, com o objetivo de conter a infecção (importante lembrar que a fagocitose também é utilizada para a nutrição de protozoários). Os principais fagócitos são os neutrófilos, os eosinófilos, os macrófagos e as células dendríticas, todas células sanguíneas. Os neutrófilos são células que conseguem se mover para fora do sangue e ir direto ao tecido infectado logo no início da infecção, destruindo micróbios e partículas estranhas. Os eosinófilos não possuem uma alta capacidade fagocítica (são muito pequenos), porém, produzem proteínas tóxicas que agem principalmente em vermes parasitários. Também são muito comuns em reações alérgicas. Os macrófagos, monócitos diferenciados, são caracterizadospor sua alta capacidade fagocítica, pois removem todos os microrganismos estranhos que chegam até ele pelo sangue ou linfa. Atuam também na remoção de células velhas do sangue. Por fim, as células dendríticas possuem longos prolongamentos, localizam-se na epiderme e atuam na destruição dos microrganismos por fagocitose, além de serem as células mais eficientes em iniciar a resposta imune adaptativa mediada por linfócitos T (Abbas, 2012). O processo da fagocitose (Figura 3) pode ser dividido em algumas etapas: na quimiotaxia, fagócitos serão atraídos quimicamente até o seu alvo de atuação por meio de produtos microbianos, estruturas dos leucócitos e células danificadas, por citocinas ou peptídeos derivados do complemento. Quando se encontram, as PAMPs dos micróbios se ligam aos TLRs, permitindo a aderência da membrana plasmática da célula de defesa com a superfície “estranha”, o que marca o início da fagocitose e o recrutamento de outros fagócitos pela liberação de citocinas. Com as duas superfícies ligadas, projeções da membrana plasmática, chamadas de pseudópodes, formam-se ao redor do micróbio/material, englobando-o até compor a vesícula fagocítica, ou fagossomo, no qual o pH é reduzido para a ativação de enzimas hidrolíticas. O fagossomo se desprende e segue pelo citoplasma até o encontro e fusão com lisossomos, sendo assim denominado fagolisossomo. No fagolisossomo, a 11 11 digestão do conteúdo se inicia pela atuação das enzimas lisossômicas (lipases, proteases, ribonucleases, desoxiribonucleases, oxidases fagocitárias). Após a completa digestão, o conteúdo não digerível, o corpo residual, é levado para fora da célula. Figura 3 – Esquema de rotas catabólicas e anabólicas Créditos: Designua/Shutterstock. 2.4 Células natural killer (células NK) As células natural killer, ou células assassinas naturais, são linfócitos com importante função no combate e lise de células infectadas, por vírus e bactérias, e tumorais, além de ativarem macrófagos pela produção de citocinas. Diferentemente dos linfócitos T e B, “as células NK não expressam os receptores de antígeno altamente diversos e clonalmente distribuídos característicos dos linfócitos T e B” (Abbas, 2012,). Possuem muitos grânulos citoplasmáticos e são derivadas de células precursoras da medula óssea, podendo ser encontradas no sangue, baço, fígado e útero gravídico. As células naturais assassinas reconhecerão as células-alvo por meio de receptores de ativação e inibição que geram sinais para sua ação. Geralmente, as células saudáveis possuem ligantes para os receptores de inativação e ativação, enquanto as células danificadas ou infectadas possuem apenas ligantes para os receptores de ativação das células NK, produzindo sinais para a atuação destas células da imunidade inata. Dada a natureza estocástica da expressão desses receptores e o polimorfismo dos genes que os codificam, eles se apresentam em grande diversidade em um indivíduo e com muitas variantes numa população (Abbas, 2012). Células NK podem ser inibidas pela ligação dos receptores de inibição a moléculas do complexo de histocompatibilidade (MHC) de classe I, moléculas essas que são expressas em células normais e que, em 12 12 situação de infecção viral, por exemplo, podem não ser expressas. Na ausência da MHC, as células natural killer são ativadas, liberam citocinas e destroem a célula danificada, num processo chamado de reconhecimento da ausência do próprio. Exemplos de receptores inibidores são CD94, ILT-2 e KIR, e exemplos de ativadores são CD16, NCRs, KIR2DS, CD94 e NKG2D. A ação citotóxica das células NK é rápida, com início nos primeiros dias da infecção e ativada pelas citocinas IL-12 e IL-15. Ela consiste na morte das células infectadas ou danificadas a partir de proteínas presentes nos grânulos citoplasmáticos (estes saem da célula por exocitose). As perforinas auxiliam a entrada de proteínas, enquanto as granzinas provocam a morte por apoptose (Abbas, 2012). Ademais, as células NK secretam Interferon-γ, que ativará macrófagos e a destruição de seres fagocitados. TEMA 5 – INFLAMAÇÃO Diante uma lesão por agentes físicos/químicos dos tecidos ou uma infecção microbiana, a principal resposta do sistema imune inato é desencadear o processo inflamatório. Segundo Abbas (2012), inflamação é o “acúmulo de leucócitos, proteínas, plasmáticas e fluidos derivados do sangue em um sítio de infecção ou lesão no tecido extravascular”, cujas funções são: destruir o agente causador, removendo-o do corpo; isolar o agente causador, caso não haja a destruição, limitando seus efeitos; e reparar ou substituir o tecido afetado e danificado (Tortora, 2017). De maneira geral, apresenta quatro sinais: rubor, dor, calor, edema e, em alguns casos, perda de função da região acometida. A inflamação aguda se caracteriza pela rápida remoção do agente causador e por efeitos mais intensos, enquanto a inflamação crônica se caracteriza pela evolução de uma inflamação aguda em situações em que as infecções não são controladas. Neste caso, os efeitos são menos intensos, mas mais destrutivos, com um tempo maior de remoção do causador ou a sua impossibilidade. O processo inflamatório (Figura 4) em sua fase aguda se inicia logo após a lesão tecidual ou infecção, com estruturas microbianas que induzem a produção de citocinas por macrófagos, mastócitos teciduais, células endoteliais e epiteliais, sendo as principais o fator de necrose tumoral (TNF), a interleucina 1 e a interleucina 6 (Quadro 3). O TNF em alta concentração induz a síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado; estas proteínas irão 13 13 influenciar em várias respostas locais e sistêmicas como a coagulação e vasodilatação. Histamina e cininas são as primeiras substâncias a agir e estimular a dilatação dos vasos sanguíneos (vasodilatação), para um melhor fluxo do sangue (o que provoca rubor), além do aumento da permeabilidade com o intuito de facilitar a movimentação das células de defesa até a infecção (o que pode provocar o acúmulo de fluídos, formando o edema). Células danificadas podem liberar outro grupo de substâncias que intensificam a atividade das histaminas e cininas, denominadas prostaglandinas. Mastócitos e basófilos produzem leucotrienos que, além de aumentarem a permeabilidade dos vasos, atrai fagócitos até os agentes infecciosos. A vasodilatação e o aumento de permeabilidade vascular também podem se dar por citocinas produzidas por macrófagos fixos e que, de maneira geral, irão auxiliar no processo de coagulação sanguínea na área infectada. A formação de coágulos se faz necessária para impedir a migração dos microrganismos e possíveis toxinas para outras áreas do corpo, o que pode formar abcessos contendo células mortas e fluidos corporais. Horas depois das primeiras respostas inflamatórias, o fluxo sanguíneo diminui gradualmente e fagócitos (neutrófilos e monócitos) são encaminhados até a região. Muitos se aderem e acumulam no tecido endotelial (marginação) e começam a migrar para o local infectado por movimentos ameboides (diapedese). A partir disso, inicia-se o processo de fagocitose. O produto da fagocitose, células mortas e fluidos corporais, formará o pus, que é ejetado para fora do corpo, destruído ou absorvido. Simultaneamente à fase ativa da inflamação, as reparações teciduais já se iniciam, porém, é a última etapa a finalizar, como garantia de que o agente infeccioso foi destruído e as substâncias tóxicas foram removidas ou neutralizadas. A capacidade de regeneração varia de tecido para tecido, porém, em casos de inflamação crônica, quando os microrganismos conseguem passar pela fagocitose, fibroblastos podem ser induzidos a produzirem fibras colágenas no tecido danificado como forma de regeneração tecidual, processo esse chamado de fibrose. O tecido fibrosoformado não realizará a função do tecido original, o que poderá interferir na função fisiológica normal. Figura 4 – Esquema dos mecanismos de uma inflamação 14 14 Créditos: Designua/Shutterstock. Quadro 3 – Citocinas do sistema imune inato Citocina Principal fonte celular Principais alvos celulares e efeitos biológicos Fator de necrose tumoral (TNF) Macrófagos, linfócitos T Células endoteliais: ativação (inflamação, coagulação). Neutrófilos: ativação. Hipotálamo: febre. Fígado: síntese de proteínas de fase aguda. Músculo, tecido adiposo: catabolismo. Muitos tipos celulares: apoptose. Interleucina 1 (IL-1) Macrófagos, células endoteliais, algumas células epiteliais Células endoteliais: ativação (inflamação, coagulação). Hipotálamo: febre. Fígado: síntese de proteínas de fase aguda. Interleucina 6 (IL-6) Macrófagos, células endoteliais, linfócitos T Fígado: síntese de proteínas de fase aguda. Linfócitos B: proliferação de células de células produtoras de anticorpo. Quimiocinas Macrófagos, células endoteliais, linfócitos T, fibroblastos, plaquetas Leucócitos: quimiotaxia, ativação, migração para os tecidos. Interleucina 12 (IL- 12) Macrófagos, células dendríticas Linfócitos T: diferenciação TH1. Células NK e linfócitos T: síntese de interferon y, aumento da atividade citotóxica. Interleucina 10 (IL- 10) Macrófagos, linfócitos T Macrófagos, células dendríticas: inibição da produção de IL-12 e da expressão de 15 15 moléculas de coestimuladores e moléculas de MHC de classe II. Interleucina 15 (IL- 15) Macrófagos, outras células Células NK: proliferação. Linfócitos T: proliferação (células de memória CD8+). Interleucina 18 (IL- 18) Macrófagos Células NK e linfócitos T: síntese de Interferon y. Interleucina 23 (IL- 23) Macrófagos e células dendríticas Linfócitos T: manutenção de linfócitos T produtores de IL-17. Interleucina 27 (IL- 27) Macrófagos e células dendríticas Linfócitos T: diferenciação TH1; inibição de células TH1. Células NK: síntese de Interferon y. Fonte: Elaborado com base em Abbas et al., 2012. NA PRÁTICA Partindo do princípio de que a imunologia nasce como ciência que dará conta de estudar, entender, descrever e compreender o sistema responsável pela defesa dos organismos contra patógenos, ela se apresenta como uma relevante ferramenta para ações a respeito da saúde coletiva, propagação de conhecimentos que visem uma melhor qualidade de vida e a para a erradicação de doenças que acometem principalmente comunidades que vivem sob condições de vida precárias. Além disso, pode oferecer suporte técnico e especializado para pesquisas em diversas áreas, como a epidemiologia, a farmácia, a medicina etc. Foi por meio da intensa pesquisa dos efeitos e funcionamentos da imunidade inata, por exemplo, que pudemos criar e produzir medicamentos que amenizam processos inflamatórios, desde os mais simples até casos mais graves, como a tuberculose. Ademais, é com a imunologia que medidas de tratamento, prevenção e diagnóstico podem ser pensados para determinadas doenças. FINALIZANDO Nesta aula, introduzimos o estudo da imunologia, ciência que busca entender as formas de defesa dos organismos contra o ataque de patógenos microbianos ou vermes, ou seja, do sistema imunológico. 16 16 Compreendemos que o sistema imunológico é responsável por manter a imunidade em equilíbrio e que ela pode ser dividida em imunidade inata, ou inespecífica, e imunidade adquirida. A imunidade inata é toda defesa presente nos organismos desde o nascimento e que possui uma resposta mais generalizada, sem especificidades para os corpos estranhos. A imunidade adaptativa diz respeito a ações mais específicas contra agentes que passaram pelas barreiras da imunidade inata. As células que fazem parte da imunidade inata são as epiteliais, que compõem as barreiras físicas, os fagócitos (macrófagos, neutrófilos, eosinófilos, células dendríticas) e as células natural killer (NK). O processo inflamatório se configura como a principal resposta da imunidade inata contra lesões teciduais ou infecções microbianas e tem como função a destruição dos agentes invasores e a neutralização das possíveis toxinas produzidas por eles. 17 17 REFERÊNCIAS ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H; POBER, J. S; FARIAS, A. dos S. (Trad.). Imunologia celular e molecular. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012 FORTE, W. C. N. Imunologia: do básico ao aplicado. 3ª ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. PLAYFAIR, J. H. L. Imunologia básica: guia ilustrado de conceitos fundamentais. 9ª ed. Barueri: Manole, 2013. SCUTTI, J. Fundamentos da Imunologia. São Paulo: Rideel, 2016. REECE, J. B., et al. Biologia de Campbell. Porto Alegre: Artmed, ed. 10, 2015. TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. Porto Alegre: Artmed, ed. 12, 2017.