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<p>COLEÇÃO DA Droga de celular! Reflexões psicanalíticas sobre o uso de Intoxicações Adela Stoppel de Gueller eletrônicas 0 sujeito na era das relações virtuais Angela Baptista e Estou tentando fazer amigos fora do Facebook. Saio na rua Julieta Jerusalinsky e you dizendo pra todo mundo o que comi, como me sinto, o (organizadoras) que estou fazendo e o que farei mais tarde. Escuto a conversa W W dos outros e grito Até agora, já tenho três pessoas me seguindo: dois policiais e um psiquiatra. A piada, como dizia Freud, revela algo oculto: de que # modo a tecnologia está afetando as relações com os outros? Como @ lidamos com o mundo digital, que está cm todo lugar c faz parte de nosso cotidiano? o que fazemos com todas as possibilidades de acesso a informações e com tantas vias de comunicação que não deixam de nos surpreender e maravilhar a cada instante? Estamos mais fascinados pelo que a tecnologia nos oferece do que pelos humanos que nos rodeiam. Bastou haver 3G nos celulares para < Julieta Jerusalinsky >< Alfredo Jerusalinsky > que os passageiros no ônibus não saibam mais quem está sentado < Adela Stoppel de Gueller >< Ricardo Goldenberg > a seu lado. Todos olham para seu aparelhinho. As pessoas não se < Flademir Williges > < Edson Souza >< Christian Dunker > elaborado a partir de matéria publicada no blog Criança em desenvolvimento, do < Leda Fischer Bernardino > < Larissa Ornellas > Jornal o Estado de S.Paulo, em fevereiro de 2016. < Daniele John > < Martine Lerude > < Luiz Mena > 63 30 anos 4. reimpressão</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! conhecem na rua, estabelecem relações pela internet, jogam com inteligentes, limpos, fáceis de usar, compreender e manusear, multiplayers ou selecionam contatos com base em perfis e, na rua, como diz Zygmunt em seu livro Amor líquido: sobre a saem ao encontro de Pokemons. fragilidade dos laços humanos. É verdade que a tecnologia nos ajuda a nos aproximarmos A rede nos liberta do peso do corpo, solta as amarras e de pessoas distantes, mas será que nos aproxima das que estão nos deixa leves porque não nos vemos refletidos. Talvez por perto? Podemos reencontrar amigos que não vemos há décadas e isso crianças e adultos fiquem paralisados na frente da tela e, nem sabemos ao certo onde estão, mas conseguimos fazer novos contrariamente, não sabem o que fazer de seu corpo quando estão amigos? o que acontece quando faltam o corpo a corpo, a carícia sem conexão. e o aperto de mãos, o encontro de um olhar furtivo, a percepção João tem 5 anos e não para quieto um segundo: trepa em do rubor ou a mudança sutil do tom da voz do interlocutor? todos os não um minuto de sossego aos pais, que temem por sua segurança. Mas, com joguinhos eletrônicos Sentada num bar em frente à praia com três adolescentes, à disposição, pode ficar horas a fio sentado, sem incomodar tentava estabelecer uma conversa enquanto cada um deles olhava ninguém. o contraste é o estado agitado e ansioso seu celular e ia contando quantas curtidas tinha a foto que acabava é imediatamente silenciado, e ele fica E é claro que, quando querem um pouco de sossego, os pais são os de postar, numa espécie de jogo para ver quem tinha mais amigos/ primeiros a lhe emprestar alguma tela. Sabem que a solução seguidores. Era mais importante mostrar a outros, distantes, onde é instantânea. Nenhuma outra é tão eficaz e imediata. estavam do que apreciar o lugar. Era mais importante se exibir do que experimentar, manter contato com a rede do que interagir com Hoje, é comum ver crianças bem pequenas jogando com um os que estavam ali. Cada um olhava o universo com um olhar que ou um celular numa mesa de restaurante. E o surpreendente é o excluía. Estavam todos em outro lugar. Podiam dizer "Vejam, que isso funciona! Há menos crianças subindo nas mesas e menos estive aqui", mas não estavam ali, nada viam, nada ouviam. Os pais dizendo aos filhos que esperem calmamente o pedido chegar. olhares não se cruzavam. Protegidos pela e pela Mas não nos iludamos. Não serão essas crianças as que terão mais espessura do celular, mantinham distância entre si. paciência no futuro. Bem ao contrário, os avanços tecnológicos nos deixam cada vez mais ansiosos e inquietos e menos tolerantes De fato, os "relacionamentos virtuais" são diferentes dos a erros: "Droga, esse celular travou!" E a vontade que dá é de "relacionamentos reais". Daqueles, é mais fácil entrar e sair: jogá-lo pela janela. Por quê? Se partirmos do postulado freudiano basta um clique. No mundo digital, não é preciso decifrar os de que o psiquismo funciona na base do princípio do prazer, não é gestos do parceiro nem sustentar o peso do olho no olho. Em entender que nos agrade ter o que desejamos o mais depressa comparação com as dificuldades, o peso, a lentidão e as confusões dos relacionamentos corpo a corpo, os virtuais parecem mais Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 64 65</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! possível. Desse ponto de vista, a tecnologia, quanto mais avança, criar recursos anímicos para lidar com as angústias e os conflitos mais nos faz regredir. É uma corrida sem fim. Quanto mais nos é próprios da vida. oferecido, mais esperamos e, consequentemente, qualquer falha E não é raro que as crianças tenham dificuldade para nos num estado de privação ou frustração. dormir depois de ter ficado ligadas horas a fio. A distração Por isso preocupa que os adultos ofereçam aparelhos às com os joguinhos eletrônicos é instantânea e estimulante e crianças cada vez mais cedo. Até para se concentrar na hora de deixa as crianças em estado de excitação, sem oferecer vias de mamar! Criam, desse modo, uma nova necessidade, da qual depois processamento. Não é preciso pensar, muito menos falar ou contar serão dependentes. Como lembra Joyce a origem uma história, nem se encontrar com os fantasmas que aparecem no etimológica do termo adicção é a palavra grega que designa escuro da noite. E se, por qualquer motivo, a telinha falta, vemos Uma criança pode ficar horas assistindo TV sozinha, as crianças num estado que lembra a abstinência. "Mãe, o que eu mas isso não significa que tenha ganhado independência nem faço agora? Estou entediado", dizem. tédio, alias, é uma das aprendido a ficar só. Criou-se uma neonecessidade que dá uma manifestações da angústia ante um tempo vazio. E o brincar e, falsa ilusão de autonomia, tanto às crianças quanto aos pais. mais tarde, o fantasiar possibilitam recobri-lo com engenhocas e invenções criadas pela imaginação, mas essas construções Rosa deixou seu filho de 10 anos dormir na casa de um amigo, requerem um tempo e um espaço que não sejam imediatamente mas, por volta das dez da noite, teve de levar o iPad, porque ele não conseguia ficar a sós com o amigo. Sem seu preenchidos. Essas atividades psíquicas dependem exclusivamente iPad, sentia-se inseguro e desamparado. da subjetividade da criança: ela precisa dar forma a seus sonhos e anseios singulares. É no encontro com o vazio que criamos Se uma criança pode ficar tanto tempo jogando ou mundos de ficção, levantamos castelos no ar e reinos que não assistindo, é porque a tela afasta sentimentos de solidão, angústia, existem nem existirão. Neles podemos experimentar e ter o poder raiva, culpa ou qualquer outro estado afetivo que gere tensões de personificar ser rei ou soldado. Brincando do "eu era", a criança psíquicas e iniba fantasias e medos. Mas, desse modo, também preserva "eu sou". se afastam afetos prazerosos, que dão origem a sentimentos de o acesso ao mundo virtual nos dá a ilusão de um domínio excitação, vivacidade, etc. e que são percebidos como proibidos ou perigosos. Do que resulta que, em ambos os casos, afastam-se e construção. afetos conflitantes, que requerem processamento Jogar os incomoda erece tudo ao é muito diferente de brincar, atividade constitutiva que permite e Serres4 tenha favorece a elaboração psíquica, estimula a imaginação e permite Polegarzinha: uma forma de viver em harmonia, de pensar as instituições, de ser e de saber. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. Joyce.. As faces de Eros. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 67 66</p><p>Intoxicações eletrônicas Nosso corpo é matéria que não cresce se não é regada falado em Polegarzinhas e Polegarzinhos.) Está sempre disponível com a fala endereçada de alguém. Se somos privados dos sonhos e só vai embora quando nós queremos. Lembremo-nos do filme tecidos com ou contra nós, simplesmente morremos. já Ela, de Sipke Logicamente, as crianças também querem verificou há tempo e chamou esses efeitos de hospitalismo. Os isso. Ninguém gosta da espera nem de ter de ouvir e aceitar um não ou de argumentar para discordar de um outro. Tudo isso pode seres falantes precisamos de um tratamento que não seja anônimo. nos deixar angustiados. Preferimos o que já está feito. E, como Se se cortam os finos fios que nos atam aos outros, nosso corpo dizem as crianças quando lhes pedimos para inventar algo: 'me se desagrega. Sem o papel de espelho do Outro, sem o amor e o dá preguiça'. olhar que unifica e dá vida a nosso corpo, resta um organismo sem alma que, embora alimentado e limpo, se resseca. A subjetividade apelo é igualmente sedutor para os adultos. Maria tem 6 meses. Vê seu pai assistir TV, olhar o iPad e mexer no celular Rene. o primeiro ano de vida da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1980. e, quando ele desliga a telona, ela fica triste. Onde foram parar as cores brilhantes, a música e o movimento? o mundo real está 69 ficando desinteressante e todo o brilho está no mundo virtual? Bebês precisam ser olhados, precisam que adultos brinquem com eles, lhes falem, cantem e contem histórias. Precisam que adultos se encantem com seu sorriso e seus balbucios. Precisam eles mesmos fazer brilhar o olhar dos pais. À falta disso, eles prendem o olhar em algo que chame atenção, que as deslumbre. o efeito estimulante das imagens virtuais não é o mesmo que o de ter de imaginar a partir de um relato ou de uma melodia. Quem paga o preço ao ser posta de lado é a subjetividade, que se objetaliza nesse consumo. A fetichização nos Direção: Spike Jonze. Produção: Megan Ellison, Spike Jonze Vincent Landay. Intérpretes: Joaquim Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde e outros. Estados Unidos: Annapurna Pictures/Warner Bros.Picutres, 2013(126 min.), son., color. 68</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! precisa da narratividade que só outro falante engajado pode emitir. Outra marca que a proeminência do visual vem introduzindo E a máquina não consegue falar no condicional, não sabe inventar é que as crianças aprendem hoje mais por tentativa e erro (como ficções, não conjuga no futuro anterior do "era-se uma no método experimental) ou assistindo a vídeos no YouTube do Quando falta o olhar do Outro, ficam como resto relações que em manuais ou em livros que contenham instruções. Preferem puramente especulares. Isso quer dizer que são relações consultar o Google a perguntar à mãe, ao pai ou ao professor. constituídas de mera presença, de um reflexo, portanto, mais "Não preciso aprender me disse Pedro, de 6 anos. próximas do duplo. Não por acaso, Black série que fala "Se eu coloco no Google quanto é 3+5, ele me fala". E, quando delas, trata tão bem do estranhamente familiar. Por faltarem o tinha 15, Felipe foi aprender a fazer a barba no YouTube, em vez olhar e a presença do Outro, o sujeito não se encontra com a falta de pedir dicas ao pai. Lembremos também dos grupos virtuais, estrutural que organiza, dá bordas e introduz a temporalização. do Yahoo resposta ou do conhecido Dr. Google, onde buscamos Por isso, nas relações virtuais, tudo precisa ser imediato. Não dá diagnósticos médicos para qualquer sintoma. para esperar responder às mensagens de WhatsApp, e o feed de Ao perguntar a alguém a quem supomos um saber, notícias do Facebook precisa ser acompanhado a cada instante. arriscamos nos expor. Por isso, etimologicamente, falar significa Isso vem introduzindo mudanças importantes nas relações com expor-se diante de um outro. o saber da rede permite evadir-se os semelhantes em todas as faixas Hoje, o principal meio desse encontro que cria uma dívida A "vantagem" de comunicação é virtual. Vemos mais do que ouvimos. do saber da rede é ser anônimo. Nesse sentido, outra questão Essa proeminência do ver nos mantém à distância daquilo que está mudando os intercâmbios é a relação com as figuras de que é olhado. Olhar, como diz permite abraçar maestria. Ao perguntar ao Google, faltam o amor e o respeito que o mundo, mas não se apropriar dele. A visão remete aos anseios envolvem a relação entre aluno e professor, entre pai e filho. Na positivistas da ciência, que busca observar e recolher dados; o rede, as relações crescem horizontalmente, em extensão, mas não que circula é informação, o que falta é um engajamento singular, necessariamente em profundidade. Crianças e adolescentes medem como o que emerge na fala num ato falho ou num esquecimento. os amigos) número de contatos e mensagens recebidas. Jogam A escuta dessas formações sintomáticas dá testemunho de que ali com pessoas do mundo inteiro, que nunca viram e nunca verão. a subjetividade se imiscuiu. A ideia de rede indica justamente essa expansão rizomática, que permite que se estabeleçam relações informais e cooperativas. Não se trata de enaltecer a verticalidade da relação com o pai Los cuerpos angelicales de la Buenos Aires: Ed. ou o mestre nem de defender o saudosismo dos tempos "em que Nueva Vision, 2002. p.38. BLACK Mirror. Criação: Charlie Brooker Produção: Barney Série originalmente havia respeito e amor", mas de assinalar as diferenças e entender produzida para a televisão britânica. Reino Unido, 2011. Maurice. o olho e São Paulo: Cosac Naif, 2004. as mudanças. As redes solidárias e a camaradagem que possibilita 70 71</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! a internet são de uma potência impressionante. Vejam-se, por exemplo, as significativas conquistas do Avaaz. não era a imensa variedade dos conteúdos acessados, mas a mera dependência do fato de estar plugado. Outra novidade é que as crianças de hoje abrem muitas janelas simultâneas à percepção: fazem as tarefas da escola no Em relação aos conteúdos, tem-me chamado a atenção computador enquanto conversam no Facebook, trocam mensagens que aumenta cada vez mais o número de crianças que chegam e postam fotos no Instagram. Têm sido chamadas crianças- ao consultório por efeitos traumáticos que resultam de encontros multitarefa. Não adianta pedir aos jovens que se concentrem casuais na internet. Um pai preocupado me disse que conseguiu numa coisa só, porque nos olham como se dinossauros! impedir a tempo que seu filho colocasse no Google Image a palavra Surpreende, então, que haja tantas crianças com déficit de atenção? gatinha: "Já imaginou o que iria encontrar?" Uma outra mãe vem Não podemos afirmar que as telinhas causem esses transtornos, muito angustiada porque soube tarde demais das pesquisas que sua filha havia feito. A menina de 10 anos estava brincando de mas elas se encaixam tão perfeitamente no funcionamento psíquico das crianças de agora, que o resultado é problemático. colocar Depois do que encontrou, ficou apavorada, não conseguia dormir sozinha nem tirar as imagens da cabeça. Quando encontramos um remédio que tira imediatamente Sentia-se muito culpada por ter visto tudo aquilo e não conseguia uma dor crônica, não queremos nos separar dele, porque sabemos encontrar recursos psíquicos para esquecer. que a "solução" estará ao alcance da mão. É, nesse sentido, que os eletrônicos funcionam como uma droga milagrosa de que os Se as imagens podem ter valor traumático, é porque elas não são autoexplicativas. É passando pelo Outro que a simbolização jovens não se querem separar. pode advir. As imagens requerem que uma narrativa as insira numa Já passou a época em que os adultos se surpreendiam com cadeia de sentidos de acordo com as possibilidades simbólicas a proficiência das crianças para manipular aparelhos. Hoje, o da criança nesse momento. A rede é democrática e universaliza, que os preocupa é que elas não querem desligá-los. A relação mas o que para uns está bom, para outros, pode ser deficitário ou estabelecida com os objetos eletrônicos é de dependência. Somos excessivo. todos usuários desde épocas cada vez mais precoces. As crianças Nós, adultos, sabemos que podemos ligar a TV para não ter ganham seu primeiro celular cada vez mais cedo e, com ele, de pensar e assim descansamos um pouco do peso dos conflitos têm acesso a quase tudo. Os pais argumentam que, desse modo, do mundo real e das responsabilidades. Mas, para nos tornarmos podem controlar onde estão e o que fazem seus filhos e, assim, humanos, precisamos ser capazes de abrigar dentro de nós ideias zelar por sua segurança. Mas o que ficou fora de controle é o uso conflitantes e sentimentos contraditórios, próprios de nossa que as crianças fazem disso. que vimos discutindo até aqui espécie, e que não se resolvem apertando um botão. As crianças precisam construir esses recursos psíquicos, e uma intoxicação de 72 73</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! imagens já prontas pode intervir em detrimento da imaginação e do avisar que não tinha sido atingido. Disse que estava vivo e que pensamento e de suportar as contradições e as incompatibilidades estava indo ao trabalho, no minutos depois, explodiu a que surgem ali. bomba na estação em que ele estava. A mensagem com o aviso Uma questão complexa: nos meios digitais, tranquilizador para a família chegou instantes depois de ele ter escrevemos ou gravamos áudios - mais do que falamos. Antes morrido, no segundo atentado. Os poucos minutos que mediaram de introduzir a questão da escrita, gostaria de pontuar que a voz os dois acontecimentos evidenciam essa diferença essencial entre gravada está mais próxima dela do que da fala. Uma evidência falar e escrever, a mesma que fez com que os gregos situassem a disso são as experiências feitas com bebês para analisar a resposta verdade ao lado da fala e duvidassem da veracidade do escrito. à voz materna. Os gestos de reconhecimento desaparecem quando Para Platão, a escrita era essencialmente falsificável. Nunca a voz da mãe é apresentada ao bebê numa gravação. É justamente podíamos estar certos da identidade do escritor nem da veracidade a marca pulsional, ou, em outros termos, a presença subjetiva que do que foi escrito. o Facebook ilustra muito bem as inúmeras se esvai na gravação. caras que podemos construir. Por isso, não nos deve surpreender Do mesmo modo que na voz gravada, na escrita também a proliferação do ciberbulling que se disseminou nesse meio. Ao se produz um apagamento da subjetividade. Se a compararmos portar intrinsecamente a dificuldade de identificar o autor, o que com a fala, ela permite corrigir erros e evitar lapsos. Tomemos se elimina é o recalque necessário. Quando se pode dizer qualquer como exemplo a maravilha de corretores que produziram os coisa sem ser identificado, o que de imediato se manifesta é o ódio. Smartphones. Ritmo, cadência, intensidade ou excitação podem Freud já dizia que o primeiro mandamento era amar o próximo ser ouvidos num dito, mas dificilmente transmitidos num escrito porque nosso desejo primário era aniquilá-lo. ou percebidos numa gravação. Se, então, entre os importantes ganhos da rede está a Outra diferença importante é que a relação que se estabelece liberdade de cada um postar o que quer, a democracia das relações com a fala é na presença do destinatário, enquanto escrever implica e a circulação da informação, o que precisamos é encontrar formas sua ausência. Escrever supõe, por estrutura, que eu possa estar para que essas instigantes conquistas não nos façam esquecer do morto quando minha mensagem chegar ao destino. Por isso, o ato cuidado, do amor e do respeito necessários ao convívio social de escrever se relaciona com um tempo que não é o presente, e a com nossos semelhantes. E esses são recursos que as telas e os ideia da escrita, com a Assim, o escrito se torna aparelhos não têm como oferecer. autônomo em relação ao autor. Por exemplo, no recente atentado de Bruxelas (março de 2016), um homem enviou uma mensagem São Paulo, dezembro de 2015 à família, depois das bombas no aeroporto de Zaventen, para 74 75</p><p>Intoxicações eletrônicas Droga de celular! Sobre a autora Rooney Mara, Olivia Wilde e outros. Estados Unidos: Annapurna Psicanalista. Formada em psicologia pela Universidad Pictures/Warner Bros.Picutres, 2013.(126 min.), son., color. de Buenos Aires. Doutora em psicologia clínica pela PUC-SP. Pós-doutora em psicanálise pela UERJ. Autora de do FREUD, Sigmund. El malestar en la cultura [1930]. In: tempo: paradoxos da atemporalidade no pensamento freudiano Obras completas. Buenos Aires: Ed. Amorrortu, 1996 a. V. XXI. (Arte & Ciência, 2005). Organizadora do livro com crianças na contemporaneidade; extensões da clínica (Dimensão, FREUD, Sigmund. Formulaciones sobre los dos principios del 2007). Coautora de Atendimento psicanalitico de crianças acaecer psíquico [1911]. In: Obras completas. Buenos (Zagodoni, 2011). Professora do curso de especialização em Aires: Ed. Amorrortu, 1996 b. V. XII. teoria psicanalítica da Professora e supervisora do curso de psicanálise da criança do Instituto Sedes Sapientiae. McDOUGALL, Joyce. As múltiplas faces de Eros. São Paulo: Coordenadora e professora dos cursos "O falar da criança: um Martins Fontes, 2000. diálogo interdisciplinar entre fonoaudiologia e psicanálise" e "Contribuições da psicanálise às escritas da clínica". Membro MERLEAU-PONTY, Maurice. o olho e o espirito. São Paulo: do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Cosac 2004. Sapientiae e da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Participa do grupo de pesquisa Fedro. Belém, Pará: Editora UFPA, 1975. sobre Gemelaridade e Reprodução Assistida do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae. Integra a POMMIER, Gérard. Los cuerpos angelicales de la equipe clínica interdisciplinar Prof. Dr. Mauro Spinelli. adela@ Buenos Aires: Ed. Nueva Visión, 2002. gueller.com.br SERRES, Michel. Polegarzinha: uma forma de viver em harmonia, de pensar as instituições, de ser e de saber. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. Referências SPTIZ, Rene. primeiro ano de vida da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1980. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BLACK Mirror. Criação: Charlie Brooker. Produção: Barney Reisz. Série originalmente produzida para a televisão britânica. Reino Unido, 2011. ELA. Direção: Spike Jonze. Produção: Megan Ellison, Spike Jonze e Vincent Landay. Intérpretes: Joaquim Phoenix, Amy Adams, 76 77</p>

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