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<p>A VOCAÇÃO DAS E NAS COMUNIDADES NOVAS</p><p>Renato da Silveira Borges Neto*</p><p>Introdução:</p><p>Procuraremos traçar aqui um esboço (sim, nada mais que um esboço) da relação entre</p><p>“Vocação” e “Comunidades Novas”. Não se pretende, portanto, exaurir um tema tão rico e</p><p>complexo como este. Trata-se muito mais de lançar um olhar sobre o mosaico do que Deus</p><p>tem realizado na Igreja nestas últimas décadas – no que se refere a estas novas realidades</p><p>eclesiais –, sem querer entrar em seus detalhes.</p><p>Para isso, iremos utilizar algumas indicações dos Papas João Paulo II e Bento XVI</p><p>vendo primeiramente a questão da Vocação das Comunidades Novas, para depois</p><p>passarmos à questão das diversas vocações nelas existentes.</p><p>1- A Vocação das Comunidades Novas</p><p>As Novas Comunidades (ou Comunidades Novas) são realidades eclesiais bastante</p><p>“jovens”. Ainda existe, até mesmo, conflito no uso de sua terminologia. Algumas</p><p>realidades novas da Igreja querem ser chamadas de Movimento; outras preferem</p><p>Comunidade Nova; outras ainda, Caminho. De fato, é importante perceber que nos</p><p>documentos magisteriais ainda não é claríssima, por exemplo, uma distinção entre um</p><p>Movimento eclesial e uma Comunidade Nova. E não é para menos: quando ainda era</p><p>cardeal, Papa Ratzinger afirmou: «Dever-se-ia também atentar a não se propor uma</p><p>definição muito rigorosa [para os Movimentos, e assim, também para as Comunidades</p><p>Novas], porque o Espírito Santo tem prontas surpresas em cada momento, e só</p><p>retrospectivamente temos condições de reconhecer que por trás das grandes diversidades</p><p>existe uma essência comum»1. Assim, segundo Ratzinger, deve-se respeitar a natureza de</p><p>mobilidade e novidade própria dos movimentos eclesiais e Comunidades Novas, sem</p><p>querer chegar apressadamente a uma definição precisa. O que é claro, neste âmbito, é que</p><p>tanto os Movimentos eclesiais quanto as Comunidades Novas ou outras dessas novas</p><p>realidades eclesiais que vem surgindo aparecem como uma graça para a Igreja dos nossos</p><p>dias, uma forma de viver a fé da Igreja radicada no hoje da humanidade, como resposta do</p><p>Espírito Santo aos desafios do nosso tempo.</p><p>O termo Novas Comunidades – para indicar um novo tipo de associação de fiéis,</p><p>predominantemente laical – não existia até poucos anos atrás, quando foi usado nos</p><p>documentos de preparação para o Sínodo sobre a Vida Consagrada (Lineamenta), de</p><p>novembro de 1992 (cf. n. 24). Dois anos depois, em uma Audiência Geral de outubro de</p><p>* Renato da Silveira Borges Neto é licenciado em Filosofia e Teologia, mestre em Teologia Dogmática pela</p><p>Pontificia Università di San Tommaso d’Aquino - Roma/Itália - e está na fase final de seu trabalho de</p><p>doutorado pela mesma universidade romana. É professor universitário e conferencista. É autor de O</p><p>RENASCER DA ESPERANÇA: Movimentos eclesiais contemporâneos e Comunidades Novas no pensamento</p><p>de João Paulo II e Bento XVI. Agbook: Rio de Janeiro, 2010.</p><p>1 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica. In: PONTIFICIUM CONSILIUM PRO</p><p>LAICIS. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali (Roma, 27 – 29</p><p>maggio 1998), p. 47.</p><p>1994 (talvez ainda sem a ambição de cunhar uma expressão própria para essa novidade</p><p>eclesial), o Papa João Paulo II mencionou o termo novas comunidades quando se referia ao</p><p>conjunto de novas formas de participação eclesial que estavam surgindo. De passagem,</p><p>disse o Papa: «Algumas destas novas comunidades têm uma linha propriamente monástica,</p><p>com um notável desenvolvimento da oração litúrgica»2. No entanto, foi só durante o sínodo</p><p>sobre a vida consagrada, e mais explicitamente, na exortação apostólica pós-sinodal Vita</p><p>Consecrata3, de 1996, que o termo Novas Comunidades foi, por assim dizer, “consagrado”,</p><p>pois ali essas novas realidades eclesiais tiveram que ser tratadas mais de perto, pois já</p><p>suscitavam grande interesse.</p><p>Mas qual seria a vocação, o chamado destas Novas Comunidades na Igreja? Podemos</p><p>procurar responder a essa questão partindo, dentre outras, de algumas palavras de João</p><p>Paulo II aos membros dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas durante a Vigília de</p><p>Pentecostes de 1998. Dizia o Pontífice:</p><p>Que necessidade tem-se hoje de personalidades cristãs maduras,</p><p>conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão</p><p>na Igreja e no mundo! Que necessidade de comunidades cristãs vivas! E</p><p>eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: estes são a</p><p>resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio de fim de</p><p>milênio. Vocês são esta resposta providencial.4</p><p>A vocação das novas comunidades eclesiais seria, segundo o Papa, a de gerar, com o</p><p>auxílio e a graça de Deus, personalidades cristãs maduras, conscientes da própria</p><p>identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! O Papa definiu</p><p>estas novas realidades eclesiais como resposta providencial de Deus para os desafios deste</p><p>tempo, indicando como motivo desta resposta do Espírito Santo o surgir de uma</p><p>personalidade cristã e batismal mais amadurecida e a força de uma fé vivenciada com</p><p>alegria e vigor na comunidade eclesial. Não se trata aqui, obviamente, de exclusivismos; o</p><p>Papa não se refere a uma única resposta de Deus para a Igreja, mas de uma resposta</p><p>providencial. Trata-se de um forte reconhecimento dos dons e dos carismas que são</p><p>próprios dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas.</p><p>Também Bento XVI pôde expressar, durante o II Seminário de estudo para os bispos,</p><p>em 2008, a sua ideia de Comunidades Novas:</p><p>A nós Pastores é pedido que acompanhemos de perto, com paterna</p><p>solicitude, de modo cordial e sapiente, os movimentos e as novas</p><p>comunidades para que possam, generosamente, colocar a serviço da</p><p>utilidade comum, de modo ordenado e fecundo, os tantos dons de que são</p><p>portadores e que temos aprendido a conhecer e apreciar: o impulso</p><p>missionário, os eficazes itinerários de formação cristã, o testemunho de</p><p>2 JOÃO PAULO II. Audiência Geral, n. 5. In: Observatório Romano, quarta-feira, 5-6 de outubro de 1994.</p><p>3 Idem. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (VC) sobre a vida consagrada e a sua missão na</p><p>Igreja e no mundo (25 de março de 1996), n. 62.</p><p>4 Idem. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste (27</p><p>maggio 1998), n. 7, p. 1123. In: InsGP-II, vol. XXI, 1 (1998), pp. 1119-1126.</p><p>fidelidade e obediência à Igreja, a sensibilidade às necessidades dos mais</p><p>pobres, a riqueza de vocações.5</p><p>Assim, Bento XVI vai além de uma descrição genérica dessas novas realidades</p><p>eclesiais. Aponta o impulso missionário, a capacidade de formação cristã, o testemunho de</p><p>fidelidade e obediência à Igreja, a sensibilidade às necessidades dos mais pobres, a</p><p>riqueza de vocações. Esse é o âmbito que encerra o chamado dessas novas comunidades:</p><p>estar junto à Igreja, formando cristãos maduros, sensíveis às necessidades dos mais fracos e</p><p>pobres, agindo através da riqueza de seus dons e vocações. E é a partir daqui que podemos</p><p>entrar na segunda parte de nossa reflexão.</p><p>2- A Vocação nas Comunidades Novas</p><p>Papa Bento XVI falava da riqueza de vocações que os Movimentos eclesiais e as</p><p>Comunidades Novas proporcionam à Igreja. Nas palavras de Bento XVI, essa riqueza de</p><p>vocações poderia dizer respeito às vocações dos Movimentos e Comunidades Novas – com</p><p>os diversos carismas que cada uma delas possui –, que embelezam a Igreja dos mais</p><p>diferentes modos, mas também poderiam referir-se às vocações nas Comunidades Novas e</p><p>Movimentos eclesiais, que ali amadurecem, se formam. De fato, este espaço eclesial onde</p><p>se espera que ocorra o amadurecimento da consciência, da identidade, da vocação e missão</p><p>dos cristãos na Igreja, traz uma extraordinária novidade vocacional. São vocações diversas</p><p>que são geradas ali. As Comunidades Novas são berços de novas vocações ao matrimônio,</p><p>ao sacerdócio e à vida</p><p>consagrada. O Papa João Paulo II expressou essa novidade ainda em</p><p>1996, apontando nela a originalidade própria das Comunidades Novas:</p><p>A originalidade destas novas comunidades consiste frequentemente no</p><p>fato de se tratar de grupos compostos de homens e mulheres, de clérigos</p><p>e leigos, de casados e solteiros, que seguem um estilo particular de vida,</p><p>inspirado às vezes numa ou noutra forma tradicional ou adaptado às</p><p>exigências da sociedade atual. Também o seu compromisso de vida</p><p>evangélica se exprime em formas diversas, manifestando-se, como</p><p>tendência geral, uma intensa aspiração à vida comunitária, à pobreza e à</p><p>oração.6</p><p>Assim, as Comunidades Novas – graça que traz como vocação própria a formação de</p><p>verdadeiros cristãos, como vimos – têm dentro delas uma enorme diversidade de vocações.</p><p>Essa realidade vem ao encontro do que afirma o documento Apostolicam Actuosiatatem, do</p><p>Concílio Vaticano II, que trata do apostolado dos leigos na Igreja. Diz o AA: «A partir do</p><p>fato de ter recebido estes carismas, mesmo os mais simples, surge para cada fiel o direito e</p><p>5 BENTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi ricevuti in</p><p>udienza nella Sala del Concistoro del Palazzo apostolico (Roma, 17 maggio 2008). In: PONTIFICIUM</p><p>CONSILIUM PRO LAICIS. Pastori e Movimenti Ecclesiali. Seminario di studio per i vescovi (Rocca di Papa, 15</p><p>– 17 maggio 2008). Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 13-16, p. 15.</p><p>6 JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (VC) sobre a vida consagrada e a sua</p><p>missão na Igreja e no mundo (25 de março de 1996), n. 62.</p><p>o dever de exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja»7. Direito e dever! É,</p><p>sem dúvida, uma exortação feita pelo Concílio aos fiéis leigos para que façam bom uso dos</p><p>dons e carismas recebidos de Deus para o bem de toda a Igreja. Independentemente de um</p><p>pedido da hierarquia da Igreja, o apostolado é direito e dever de todos enquanto cristãos.</p><p>Como afirmou também Pe. Arturo Cattaneo, noto eclesiólogo suíço: «O apostolado não é</p><p>mais visto só como cooperação com a hierarquia, mas como específica missão de levar o</p><p>Espírito de Cristo a todas as realidades temporais, uma missão que está aberta a</p><p>inumeráveis iniciativas sejam pessoais, sejam comunitárias»8. As Comunidades Novas,</p><p>com sua diversidade de vocações (delas e dentro delas), são chamadas a assumirem como</p><p>sua a missão evangelizadora da Igreja.</p><p>Conclusão</p><p>A Igreja recebeu do Ressuscitado a tarefa de evangelizar o mundo sob o influxo do</p><p>Espírito Santo doado por Ele (cf. Mc 16,15; Jo 20,21-23); é a sua missão. O Papa João</p><p>Paulo II freqüentemente se referia à evangelização ligando-a fortemente ao termo missão.</p><p>Ele afirmava que é necessário que a «iniciativa de amor vivificante, que parte do Pai</p><p>Celeste e culmina em Jesus Cristo, se estenda e quase se espraie em dimensão universal,</p><p>para envolver toda a humanidade em uma nova criação»9. Missão e evangelização</p><p>guardam, portanto, uma relação muito próxima. Paulo VI já dizia que «Evangelizar é a</p><p>graça e a vocação da própria Igreja, a sua identidade mais profunda. Esta existe para</p><p>evangelizar»10.</p><p>A vocação das e nas Comunidades Novas tem por finalidade a colaboração nesta</p><p>missão da Igreja: a evangelização dos povos. Os carismas das Comunidades Novas, bem</p><p>como as vocações pessoais de cada um de seus membros, são concedidos por Deus para o</p><p>serviço dos demais irmãos e irmãs, para o serviço da Igreja e do mundo. É na evangelização</p><p>que convergem as vocações das Comunidades Novas e as vocações nas Comunidades</p><p>Novas. A afirmação de Papa Bento XVI aos membros dos Movimentos eclesiais e</p><p>Comunidades Novas reunidos com ele, na Praça de São Pedro, para viver o Pentecostes</p><p>2006, é bastante reveladora: «Caros amigos, vos peço que sejais ainda mais, muito mais,</p><p>colaboradores no ministério apostólico universal do Papa, abrindo as portas a Cristo»11. As</p><p>Comunidades Novas e seus membros a isso são chamados: à missão da evangelização. Essa</p><p>é a sua maior vocação.</p><p>Para contatar o autor: contatorsbn@yahoo.com.br</p><p>7 Apostolicam Actuosiatatem, 3c.</p><p>8 CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici. In: «Annales theologici» 11/II (1997), pp.</p><p>401-427, p. 404.</p><p>9 GIOVANNI PAOLO II. Ai partecipanti al convegno internazionale del “Movimento Umanità Nuova” (20</p><p>marzo 1983), n. 1. In: InsGP-II, vol. VI, 1 (1983), p. 775.</p><p>10 EN 14.</p><p>11 BENTO XVI. Omelia del Santo Padre durante la solenne Veglia di Pentecoste (03 di giugno 2006). In:</p><p>PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. La bellezza di essere cristiani. I movimenti nella Chiesa. – Atti del II</p><p>Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali e delle Nuove Comunità (Roma, 31 maggio – 2 giugno 2006).</p><p>Città del Vaticano: LEV, 2007, pp. 187-195, p. 194.</p>