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<p>Decorridos mais de 60 anos do seu</p><p>surgimento, a Abordagem Centrada</p><p>na Pessoa, que no inicio se restringia</p><p>a um modelo psicoterápico, foi apli-</p><p>cada aos campos da educaşão e das</p><p>relações humanas em geral. JOHN</p><p>KEITH WOOD (1934-2004) é um dos</p><p>pensadores que melhor compreen-</p><p>deu as impłicações dessa aborda-</p><p>gem, não só para a vitalidade orgânica</p><p>dos grupos, área de concentração de</p><p>seus trabalhos e estudos, como para</p><p>a preservaşão da vida em seu sentido</p><p>mais amplo.</p><p>John Wood integrava, desde 1970,</p><p>a equipe de psicólogos e pesquisa-</p><p>dores do Center for Studies of the Per-</p><p>son, centro fundado em 1964 por Carl</p><p>Rogers e colaboradores em La Jolla,</p><p>Califórnia. No Brasil, marcou influên-</p><p>cia desde 1977 quando, ao lado de</p><p>Rogers, compôs a equipe de La Jolla</p><p>que promoveu os grandes workshops,</p><p>chamados encontros de comunidade,</p><p>realizados nas cidades de Recife, Rio</p><p>de Janeiro e São Paulo. Radicou-se no</p><p>Brasil em 1984, contribuindo com seu</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>John Keith Wood</p><p>Abordagem Centrada</p><p>na Pessoa</p><p>Organizadores</p><p>Jaime R0y Doxsey ,</p><p>Lucila Machado Assumpçao</p><p>Márcia Alves Tassinari</p><p>Marisa Japur</p><p>MôniCa Âllende Serra</p><p>Raquel Wrona</p><p>Sonia Reginü L0ureito</p><p>Vela Engler Cury</p><p>Vitória, 2010</p><p>Abordagem Centrada na PessDa</p><p>QUINTA EDIÇÃO</p><p>ano de 2010</p><p>EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL Do EsPíRlTO SANTO</p><p>Av.Fernando Ferrari, 514 - CEP 29075-910 - Goiaóeiras - Vltôria - ES</p><p>Tel: (27) 3335 7852 ediutes@yahoo.com.br</p><p>RciTOn | Rubens Sérgio Rasseli</p><p>Vice-RElTOn | Reinaldo Centoducate</p><p>SeCRETÁRIA DE PRODUÇÂO E DiruSAO CULTURAL | Rosana Lúcia Paste</p><p>COORDENADORA D EDUre* I Elia Marli Lucas</p><p>CONSELuo EoiTonixc</p><p>Cleonara Maria Schwara, Fausto Edmundo Lima Pereira,</p><p>Joâo Luiz Calmon Nogueira da Gama,</p><p>José Armínio Ferreira, José Francisco B. Freitas,</p><p>Gi/van Ventura da Silva, Marcio Paulo Czepack,</p><p>Sandra Soares Della Fonte, Wa/dir Cintra de Jesus |Junior e</p><p>Wilberth Clayton Ferreira Salgueiro</p><p>CAPA E DiaGRAMAçAo | Denise R. Pimenta</p><p>REvisAo | Lucila Machado Assumpçâo</p><p>iMPRESSÃO | GM Gráfica & Editora Ltda - 3323-2900</p><p>Todos dreitos reservados Proibida a reprodugâo no todo ou emparte destelvro, sempréva</p><p>ã ucorizaç ão da editora e do aucor. Edufes , 2010 - 5º Ed'sa•</p><p>Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação CIP)</p><p>IBiblioteca Central da Universidade Federal do Espírico Santo, ES, BrasilJ</p><p>Rogers, Carl R. ICarl RansomJ, 1902-19B7.</p><p>R724a Abordagem centrada na pessoa / Carl Ransom Rogers, John Keith</p><p>Wood ; organizadores, Jaime Roy Doxsey ... EeL al.]. — 5. ed. - Vitória</p><p>EDUFES, 2010.</p><p>284 p. ; 14,5 x 21cm</p><p>Inclui bibliografia.</p><p>ISBN:85. 7111- Q07- 7</p><p>1. Psicologia humanística. 2. Psicoterapia. I. Wood, John Keith. Il.</p><p>Doxsey, Jaime Roy. III. Título.</p><p>CDU: 615. 851</p><p>mailto:ediutes@yahoo.com.br</p><p>Dedicamos este trabalho à</p><p>Rachel Lea Rosenberg</p><p>John Keith Wood et al. Borg. J</p><p>6</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>Organizadores</p><p>Jaime Aoy Ooxsey - PhD em Sociologia, Docente na Universi-</p><p>dade Federal do Espírito Santo (UFES).</p><p>Lucila Machado Asstimpçăo - Filósofa, Artista Plástica e Eco-</p><p>logista</p><p>Márcia tives Tassinari - Doutora em Psicólogia, Psicoterapeu-</p><p>ta, Fundadora do Centro de Psicologia da Pessoa, Professora</p><p>da Universidade Estaşão de Sá, Rio de Janeiro.</p><p>Marisa Japur - Doutora em Psicologia, Docente na Faculdade</p><p>de Filosofia, Ciéncias e Letras de Ribeirão Preto -Universidade</p><p>de São Paulo (USP).</p><p>Mônica A//ende Serra - Doutora em Psicologia, Docente na</p><p>Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). 7</p><p>Aaque/ ł¥‟rona - Psicóloga, Psicoterapeuta, Especialista em</p><p>Aconselhamento Psicológica pela USI? Professora Coordena-</p><p>dora do Curso de Especializaşão em Abordagem Centrada na</p><p>Pessoa do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo (1994).</p><p>Sonia Aegina 1oureiro - Doutora em Psicologia, Docente na</p><p>Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São</p><p>Paulo (USP).</p><p>Vera Eng/er Cury - Doutora em Saúde Mental, Docente na Pon-</p><p>tifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), Psicó-</p><p>loga Clínica.</p><p>Agradecimentos</p><p>A John Sh/ien (EUA), h/ataiie Aogers (EUA), Richard Farson</p><p>(EUA), Eugene Gend/in (EUA), I\/atfianie/ Aaskin (EUA), Maria</p><p>Constança Villas-Boas Bowen (EUA), Brian Thorne (GB), Re/-</p><p>nhold Stips/sf (Áustria), Jero/d Bozarth (EUA), /rene Fairhurst</p><p>(Grã-Bretanha), Poao Hipó/ito (PortugaI)tPeggy á/atiefo (EUAt</p><p>e Fred Zimring (EUA) por terem respondido a nossas consultas</p><p>oferecendo valiosas sugestões.</p><p>A Luis Henr/qoe de Sá, Mauro Martins Amatozzi e Se-</p><p>ôa/do Barfes pela colaboração inicial a esse trabalho.</p><p>• Organizadores responsáveis pela quarta edição</p><p>SU MÁRIO</p><p>Introduşão à Quarta Edição. ............................................... 11</p><p>Parte I — Seis Artigos Seminais de Carl R. Rogers ................ 25</p><p>Aspectos Significativos da Terapia Centrada no Cliente ........ 27</p><p>Algumas Observações sobre a Organização da</p><p>Personalidade ..................................................................... 45</p><p>Conceito de Pessoa em Funcionamento Pleno. .................... 71</p><p>A Equaşão do Processo da Psicoterapia. .............................. 93</p><p>Pessoas ou Ciência? Uma Questão Filosófica .................... 117</p><p>As Condições Necessárias e Suficientes para</p><p>Mudanşa Terapêutica na Personalidade. ............................. 143</p><p>Parte II — da Abordagem Centrada na Pessoa à Terapia</p><p>Centrada no Cliente: Uma Retrospectiva de 60 Anos</p><p>John Keith Wood. ................................................................. 163</p><p>Introduşão à Segunda Parle................................................. 165</p><p>Um Jeito de Ver. ................................................................... 169</p><p>Tornando-se Terapia ............................................................ 172</p><p>Desenvolvendo um Ponto de Vista Próprio. ......................... 174</p><p>Exito e Sistemas de Mudanşa na Personalidade. ................ 175</p><p>Insight sobre a Natureza Humana. ....................................... 182</p><p>Insight sobre a Pessoa em Funcionamento Pleno ............... 192</p><p>Insight sobre o Respeitável Cliente. ..................................... 193</p><p>A Complexidade do Cliente. ................................................. 197</p><p>Insight sobre o Papel do Terapeuta. .................................... 203</p><p>Insight sobre a Compreensão Empática. ............................. 204</p><p>Insight sobre Congruência ................................................... 211</p><p>0 Método Supervalorizado (Embora Necessário) ........... 215</p><p>Ambiente: Mais uma Omissão do que um Insight. .............. 218</p><p>Moralidade ....................................................................... 222</p><p>0 Fenômeno do Relacionamento Terapêutico Eficaz. ........ 226</p><p>0s Fatos Falando por Si Mesmo: Um Resumo. .................. 227</p><p>Em Direção a uma Psicologia para as</p><p>Aplicações da Abordagem Centrada na Pessoa ................. 233</p><p>Incerteza ou Confusão?. .................................................. 237</p><p>Será Necessária essa Confusão?. .................................. 241</p><p>Não tão Born quanto se Acredita,</p><p>Melhor do que se lmagina. .............................................. 243</p><p>Notas ............................................................................... 248</p><p>Referências Bibliográficas ............................................... 262</p><p>Produşão Escrita de Kohn Keith Wood ................................276</p><p>INTRODUÇÃO À QUARTA EDIÇÃO</p><p>Após quatorze anos da primeira edição e quatro de fale-</p><p>cimento do Dr. John Keith Wood (1934—2004), principal organi-</p><p>zador do livro, consideramos importante esta edişão revisada</p><p>por entendermos sua atualidade e relevância para a comuni-</p><p>dade científica e profissional brasileira, ainda carente de textos</p><p>do pensamento de</p><p>Resumo</p><p>Espero ter conseguido transmitir, ao longo deste artigo,</p><p>qual é minha convicção pessoal: o que sabemos agora ou pen-</p><p>samos saber sobre Abordagem Centrada no Cliente é somente</p><p>um inicio, o abrir de uma porta, para além da qual começamos</p><p>a ver alguns caminhos bastante desafiadores, alguns campos</p><p>ricos e promissores. São os fatos da nossa experiência clínica</p><p>e de pesquisa que continuam a apontar em direção a essas</p><p>novas e excitantes possibilidades. Entretanto, o que quer que o</p><p>futuro possa trazer, parece já estar claro que estamos lidando</p><p>com material de natureza nova e significativa, que exige uma</p><p>exploraşão cuidadosa e mente aberta. Se nossas formulações</p><p>atuais desses fatos estiverem corretas, então poderemos dizer</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ ediçâo</p><p>que alguns elementos importantes já se sobressaem: certas ati-</p><p>tudes e habilidades básicas podem criar uma atmosfera psico-</p><p>lógica que libera, solta e utiliza poderes profundos do cliente;</p><p>esses poderes e capacidades são mais sensíveis e resistentes</p><p>do que antes se supunha; e são liberados num processo or-</p><p>denado e previsível que pode ser provado como fato básico</p><p>significativo em ciéncia social, tal como algumas das leis e pro-</p><p>cessos previsíveis nas ciências físicas.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>1. ALEXANDER, F.; FRENCH, T. Psychoanalytic Therapy. New</p><p>York: Ronald Press, 1946.</p><p>2. ALLEN, F.- Psychotherapy with Children. New York : Norton,</p><p>1942.</p><p>3. CANTOR, N. Employee Counseling. New York: McGraw-Hill 43</p><p>Book Company.</p><p>4. CANTOR, N. The Dynamics of Learning (manuscrito inédito).</p><p>University of Buffalo, 1943.</p><p>5. CURRAN, C. A. Personality Factors in Counseling. New York:</p><p>Grune and Stratton, 1945.</p><p>6. RANK, O. Will Therapy. New York: Alfred A. Knopf, 1936.</p><p>7. ROGERS, C. R. Counseling. Review of Educational Research,</p><p>vol.15:155-163, 1945.</p><p>8. ROGERS, C. R. Counseling and Psychotherapy. New York:</p><p>Houghton Mifflin Co., 1942</p><p>9. ROGERS, C. R. The implications of nondirective therapy for</p><p>the handling of social conflicts. Trabalho apresentado num se-</p><p>minário do Bureau of Intercultural Education. New York City: 18</p><p>de fev., 1946.</p><p>John Keith Wood er at. (org. J</p><p>10. ROGERS, C. R.; WALLEN, J. L. Counseling with Returned</p><p>Servicemen. New York: McGraw-Hill, 1946.</p><p>11. SNYDER, W. U. An investigation of the nature of non- directi-</p><p>ve psychotherapy. Journal of General Psychology, Vol. 33:193-</p><p>223, 1945.</p><p>12. TAFT, J. The Dynamics of Therapy in a Controlled Rela-</p><p>tionship. New York: Macmillan, 1933.</p><p>44</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişao</p><p>ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A</p><p>ORGANIZAÇÃO DA PERSONALIDADE 1</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>A possibilidade da observação direta de processos sig-</p><p>nificativos promove avanços rápidos nos mais variados cam-</p><p>pos da ciência. Na medicina, quando as circunstâncias per-</p><p>mitiram ao médico perscrutar diretamente o estômago de seu</p><p>paciente, aumentou a compreensão dos processos digestivos</p><p>e a influência da tensão emocional sobre todos os aspectos</p><p>desses processos pôde ser observada e compreendida de for- 45</p><p>ma mais acurada. Em nosso trabalho com terapia não-diretiva,</p><p>freqüentemente julgamos ocorrer na Psicologia, uma oportuni-</p><p>dade comparável a essa experiência médica - a oportunidade</p><p>de observar diretamente um número de processos efetivos da</p><p>personalidade. Deixando de lado a questão da validade da te-</p><p>rapia não-diretiva como abordagem terapêutica, surge aqui um</p><p>precioso filão de material observável, de valor inusitado para o</p><p>estudo da personalidade.</p><p>Características do Material Observável</p><p>Por diversas razões, o dado clínico bruto a que temos tido</p><p>acesso, é único em seu valor para a compreensão da perso-</p><p>nalidade. O fato de as expressões verbais da dinâmica interior</p><p>serem preservadas em gravação, torna possível a análise deta-</p><p>lhada, de uma forma que não foi experimentada anteriormente.</p><p>Some Observations on the Organization of Personality. The American Psycholo-</p><p>gist, vol. 2 (9): 358-368, 1947. Discurso proferido pelo autor ao término de seu</p><p>mandato como Presidente da Associação Americana de Psicologia, na Reuniâo</p><p>Anual de setembro de 1947.</p><p>John Keith Wood e¢ a/. torg. J</p><p>A gravação nos tern oferecido um microscópio através do qual,</p><p>calmamente, podemos examinar com detalhes precisos quase</p><p>todos os aspectos do que, em sua ocorréncia, era um momento</p><p>fugaz impossível de ser observado de forma acurada.</p><p>Outra característica cientificamente auspiciosa desse</p><p>material é o fato de as produções verbais do cliente serem in-</p><p>fluenciadas em um grau mínimo pelo terapeuta. 0 material de</p><p>sessões centradas no cliente provavelmente acaba sendo, no</p><p>tocante às atitudes deste último, uma expressão mais “pura”</p><p>do que as que podiam ser obtidas antes, através de outros re-</p><p>cursos. Pode-se ler um caso completo transcrito de uma gra-</p><p>vaşão ou ouvi-lo, sem que se encontre mais do que meia dú-</p><p>zia de exemplos nos quais a opinião do terapeuta se evidencie</p><p>sob quaisquer aspectos. Seria impossível avaliar a opinião do</p><p>terapeuta a respeito da dinâmica da personalidade. Ninguém</p><p>poderia determinar a visão diagnóstica, os padrões de compor-</p><p>tamento e a classe social do terapeuta. 0 único valor ou padrão</p><p>sustentado por ele, e que se expressaria em seu tom de voz,</p><p>respostas e atividades, é um profundo respeito pela persona-</p><p>46 lidade e atitudes do cliente enquanto pessoa distinta. É difícil</p><p>ver como isso teria influência sobre o teor das sessões, exceto</p><p>por permitir uma expressão mais profunda do que aquela que</p><p>o cliente habitualmente se permitiria. Essa quase completa au-</p><p>sência de atitude distorcida é sentida, e algumas vezes expres-</p><p>sa pelo cliente. Uma mulher diz:</p><p>“Isto é quase impessoal. Eu gosto de você - na-</p><p>turalmente nâo sei por que eu gostaria de você ou</p><p>por que nâo. Isto é uma coisa peculiar. Eu nunca</p><p>tinha tido esse relacionamento com alguém antes</p><p>e freqüentemente tenho pensado sobre isso... um</p><p>monte de vezes saio daqui com um sentimento de</p><p>entusiasmo, que você me tern em alta conta e, natu-</p><p>ralmente, ao mesmo tempo tenho o sentimento que</p><p>„ih! ele deve pensar que eu sou uma tremenda tola,</p><p>ou alguma coisa parecida.‟ Mas, realmente nâo é</p><p>isso - esses sentimentos não são tâo profundos a</p><p>ponto de eu poder formar uma opiniâo, de um jeito</p><p>ou de outro, a seu respeito.”</p><p>Aqui parece que, embora certamente desejasse desco-</p><p>brir algum tipo de atitude avaliativa, ela é incapaz de fazê-lo. Os</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edição</p><p>estudos publicados e as pesquisas até agora não publicadas</p><p>corroboram este ponto: as respostas do conselheiro que, de</p><p>alguma maneira, são avaliativas ou distorcem o conteÚdo, são</p><p>em número reduzido e por isso aumentam o valor de tais ses-</p><p>sões para o estudo da personalidade.</p><p>A postura carinhosa e compreensiva do conselheiro, bem</p><p>descrita por Snyder (9) e Rogers (8), também ajuda a ampliar a</p><p>liberdade de expressão do indivíduo. 0 cliente experimenta in-</p><p>teresse suficiente em si mesmo como pessoa, e também aceita-</p><p>ção suficiente para capacitá-lo a falar abertamente, não apenas</p><p>sobre atitudes superficiais, mas, com mais freqüência, sobre</p><p>atitudes íntimas e sentimentos escondidos até de si mesmo.</p><p>Conseqüentemente, nessas entrevistas gravadas temos ma-</p><p>terial de considerável profundidade, na medida em que dizem</p><p>respeito à dinâmica da personalidade, isentas de distorção.</p><p>Finalmente, a verdadeira natureza das sessões e técni-</p><p>cas pelas quais elas são aplicadas nos dá uma oportunidade</p><p>rara para ver até que ponto, através dos olhos de outra pessoa,</p><p>podemos perceber o mundo da forma como ela o percebe,</p><p>vislumbrando, pelo menos parcialmente, o quadro de referên- 47</p><p>cia interno de outra pessoa. Podemos ver seu comportamento</p><p>através de seus olhos e também o significado psicológico que</p><p>este tern para ela. Vemos também mudanşas na personalida-</p><p>de e no comportamento, e o significado</p><p>que elas têm para o</p><p>indivíduo. Somos admitidos livremente nos bastidores da vida</p><p>da pessoa, podendo observar de dentro alguns dos dramas</p><p>da mudanşa interna, freqüentemente muito mais sobrepujantes</p><p>e mobilizadores do que o drama apresentado no palco, visto</p><p>pelo público. Somente um romancista ou um poeta poderia dar</p><p>conta das lutas profundas que somos autorizados a observar</p><p>de dentro do próprio mundo da realidade do cliente. Essa rara</p><p>oportunidade de observar tão direta e claramente a dinâmica</p><p>da personalidade é uma experiência de aprendizagem profun-</p><p>da para o clínico. Muito da psicologia clínica e da psiquiatria</p><p>envolve julgamentos sobre o indivíduo, que devem, por neces-</p><p>sidade, estar baseados em algum quadro de referência trazi-</p><p>do à situaşão pelo clínico. Tentar continuamente ver e pensar</p><p>como o indivíduo, como na Terapia Centrada no Cliente, é uma</p><p>experiência ampliadora, em que a aprendizagem ocorre a pas-</p><p>sos largos, porque o clínico não traz para a entrevista padrões</p><p>pré-determinados atravéz dos quais julgue o material.</p><p>John Keith Wood et a/. (org.)</p><p>Neste texto, pretendo apresentar algumas das obser-</p><p>vações clínicas baseadas na perscrutação da personalidade</p><p>através dessas “janelas” psicológicas, e levantar algumas das</p><p>questões a que essas observações têm conduzido sobre a</p><p>organizaşão da personalidade. Não tentarei apresentá-las em</p><p>ordem Iógica, mas sim na ordem em que elas próprias impres-</p><p>sionaram nossa percepção. 0 que oferecerei não é uma se-</p><p>rie de resultados de pesquisa, mas somente o primeiro passo</p><p>nesses processos de aproximação gradual a que chamamos</p><p>ciência, ou seja, a descrişão de alguns fenômenos observados</p><p>que parecem ser significativos, e algumas tentativas relevantes</p><p>de explicação desses fenômenos.</p><p>A Relação entre o Campo Perceptual Organizado</p><p>e o Comportamento</p><p>Uma observação simples, que seja repetida inúmeras ve-</p><p>zes em cada caso terapêutico bem sucedido, parece ter profun-</p><p>48 das implicações teóricas. Por exemplo, à medida que ocorrem</p><p>na percepção do self e na percepção da realidade, as mudan-</p><p>şas ocorrem também no comportamento. Em terapia essas mu-</p><p>danşas perceptuais estão mais freqüentemente relacionadas</p><p>com o self do que com o mundo externo. Assim, em terapia</p><p>podemos verificar que, à medida que a percepção do self se</p><p>modifica, o comportamento também se modifica. Talvez uma</p><p>ilustraşão indique o tipo de observaşão na qual esta afirmaşão</p><p>se baseia.</p><p>Uma mulher jovem, estudante de pós-graduação, que</p><p>chamaremos Miss Vib, compareceu a nove sessões. Se compa-</p><p>rarmos a primeira com a última, verificaremos grandes mudan-</p><p>şas. Talvez algumas características dessas mudanças pudes-</p><p>sem ser determinadas retirando-se das primeiras e das últimas</p><p>sessões, todas as declaraşões importantes relativas ao self e</p><p>a seu comportamento atual. Na primeira sessão, por exemplo,</p><p>sua percepção de si mesma pode ser grosseiramente indicada,</p><p>considerando-se todas as suas declaraşões sobre si própria,</p><p>agrupando-se aquelas que parecem similares, fazendo-se um</p><p>mínimo de alteração editorial e conservando-se tanto quanto</p><p>possível suas próprias palavras. Podemos apresentá-las como</p><p>sendo a sua consciência do self no inicio do aconselhamento.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" ediçśo</p><p>“Eu me sinto desorganizada, desnorteada; perdi</p><p>toda direçâo; minha vida pessoal se desintegrou.”</p><p>“Eu experimento coisas mais ou menos superfi-</p><p>ciais na minha consciência, mas nada se aprofun-</p><p>da muito; as coisas nâo parecem reais para mim;</p><p>sinto que nada importa; nâo tenho nenhuma res-</p><p>posta emocional para as situaçöes; esfou preocu-</p><p>pada comigo mesma”.</p><p>“Nâo tenho agido como eu mesma; nâo pareço</p><p>que sou eu; sou uma pessoa diferente do que cos-</p><p>tumava ser no passado.”</p><p>“Eu náo me entendo, näo sabia o que estava</p><p>acontecendo comigo.”</p><p>“Eu me isolei de tudo e me sinto bem somente</p><p>quando estou completamente só e ninguém espe- 49</p><p>ra que eu faça coisas.”</p><p>“Nâo me importo com minha aparência pessoal.</p><p>Nâo sei nada de nada. Me sinto culpada em rela-</p><p>çäo às coisas que deixei de fazer. Acho que nunca</p><p>poderei assumir responsabilidade nenhuma.”</p><p>Se tentarmos avaliar essa imagem do self a partir de uma</p><p>estrutura de referência externa, vários rótulos de diagnóstico</p><p>podem vir à nossa mente. Tentando perceber somente a es-</p><p>trutura de referência da cliente, observamos que, para a jovem</p><p>mulher, ela parece desorganizada e não se sente ela mesma.</p><p>Está perplexa e pouco familiarizada com o que está acontecen-</p><p>do consigo. Ela se sente incapaz e desmotivada para funcio-</p><p>nar de modo responsável ou social. Essa é, pelo menos, uma</p><p>amostra da maneira pela qual ela vivencia ou percebe o seu</p><p>self.</p><p>Seu comportamento é inteiramente coerente com sua</p><p>imagem de self. Se abstrairmos todas as suas declaraşões des-</p><p>critivas de seu próprio comportamento, do mesmo modo como</p><p>abstraímos suas declaraşões a respeito do selft o seguinte pat</p><p>Juhn KeiLh Woed er a/. (org. J</p><p>drão emerge - um padrão que nesse caso foi corroborado por</p><p>observaşões externas:</p><p>“Eu não conseguia reunir coragem para vir antes;</p><p>eu nâo estava aberta para ajuda.”</p><p>“Tudo o que deveria fazer ou quero fazer, nâo</p><p>faço.”</p><p>“Nâo mantive contato com meus amigos; evito fa-</p><p>zer esforço para estar com eles; parei de escrever</p><p>cartas para casa; nâo respondo a cartas ou telefo-</p><p>nemas, evito contatos que possam ser profissional-</p><p>mente proveitosos; nâo fui para casa apesar de ter</p><p>dito que iria.”</p><p>“Nâo entreguei meu trabalho do curso, apesar de</p><p>tê-to feito; nem comprei as roupas de que precisa-</p><p>va; nem fiz as unhas.”</p><p>50</p><p>“Näo prestei atençâo ao material que estávamos</p><p>estudando; desperdicei horas tendo historias em</p><p>quadrinhos; consigo passar a tarde inteira fazendo</p><p>absolutamente nada.”</p><p>0 quadro do comportamento é muito mais parecido com</p><p>a imagem do self e aparece resumido na declaração “Tudo o</p><p>que deveria fazer ou quero fazer, eu não faşo.” 0 comporta-</p><p>mento flui de maneira que, para o indivíduo, parece estar além</p><p>da sua compreensão e do seu controle.</p><p>Se compararmos a imagem do self e do comportamento</p><p>com a imagem que aparece na nona sessão, trinta e oito dias</p><p>mais tarde, encontraremos tanto a percepção do self como o</p><p>modo de comportar-se, profundamente alterados. Suas decla-</p><p>rações sobre o self são as seguintes:</p><p>“Eu estou me sentindo muito melhor; estou con-</p><p>seguindo me interessar por mim mesma.” Tenho</p><p>alguma individualidade, alguns interesses.”</p><p>“Pareço estar obtendo uma nova compreensâo de</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>mim mesma.”</p><p>“Posso olhar me olhar um pouco melhor ”</p><p>“Percebo que sou apenas uma pessoa, com mui-</p><p>tas habilidades, mas näo estou preocupada com</p><p>isto; posso aceitar o fato de que nem sempre estou</p><p>certa.”</p><p>“Eu me sinto mais motivada, tenho mais desejo</p><p>de ir em frente.”</p><p>“As vezes ainda tamento o passado, embora me</p><p>sinta menos infeliz a respeito disso; ainda tenho um</p><p>longo caminho a seguir; nâo sei se posso manter a</p><p>imagem de mim mesma, que estou começando a</p><p>desenvolver. Posso continuar a aprender dentro ou</p><p>fora da escola.”</p><p>“Realmente me sinto mais como uma pessoa nor- 51</p><p>mal agora; sinto que posso controlar mais a minha</p><p>vida, eu mesma; penso que estou no ponto a partir</p><p>do qual posso ir além, sózinha.”</p><p>Destacadas dessa percepção de si mesma, estão três</p><p>coisas: ela conhece a si mesma, pode encarar mais conforta-</p><p>velmente suas perdas e ganhos e, finalmente, tern poder e con-</p><p>trole sobre direşão a tornar.</p><p>Nessa nona sessão, a imagem comportamental é de</p><p>novo coerente com a percepção do self. Isso pode ser detecta-</p><p>do nesta passagem:</p><p>“Tenho feito planos sobre a escola, soöre o tra-</p><p>balho; tenho trabalhado bastante na monografia,</p><p>tenho ido à biblioteca procurando tópicos de inte-</p><p>resse especial e tenho achado isto excitante.”</p><p>“Tenho limpado meu armário, lavado minhas rou-</p><p>pas.”</p><p>“Finalmente escrevi para meus pais; vou para</p><p>John Keith</p><p>Wood et al. (org. J</p><p>casa nos feriados.”</p><p>“Tenho saído e me misturado com as pessoas; es-</p><p>tou reagindo sensivelmente a um colega que está</p><p>interessado em mim -vendo tanto os seus pontos</p><p>bons quanto os maus.”</p><p>“Eu me esfoçarei para me formar; começarei a pro-</p><p>curar um trabalho esta semana.”</p><p>Seu comportamento, em comparação com a primeira</p><p>sessão, está agora organizado, dirigido para a frente, efetivo,</p><p>realista e engenhoso. Isso está de acordo com a imagem realis-</p><p>ta e organizada que ela conseguiu de seu self.</p><p>Esse tipo de observação, caso após caso, nos leva a di-</p><p>zer com alguma seguranşa que, à medida que as observaşões</p><p>do self e da realidade mudam, o comportamento muda. Da</p><p>mesma forma, casos que podemos identificar como fracasso,</p><p>parecem não apresentar mudanças apreciáveis na organizaşão</p><p>perceptual ou no comportamento.</p><p>52 Que tipo de explicação pode justificar essas mudanşas</p><p>concomitantes no campo perceptual e no modelo comporta-</p><p>mental? Vamos examinar algumas das possibilidades lógicas.</p><p>Em primeiro lugar, é possível que fatores não relaciona-</p><p>dos à terapia possam ter ocasionado a alteraşão da percepção</p><p>e do comportamento. A ocorrência de processos fisiológicos</p><p>pode ter sido o que produziu a mudanşa. Pode ter havido alte-</p><p>raşões no relacionamento familiar, ou nas pressões sociais, ou</p><p>no quadro educacional, ou em alguma outra área de influência</p><p>cultural, capaz de justificar uma drástica mudanşa no conceito</p><p>de self e no comportamento.</p><p>Existem dificuldades nesse tipo de explicação. Não</p><p>somente não houve nenhuma mudança significativa nas cir-</p><p>cunstâncias materiais ou culturais nas quais Miss Vib estava</p><p>envolvida, como também a explicação gradualmente torna-se</p><p>inadequada se tentamos aplicá-la a outros casos, nos quais tais</p><p>mudanşas ocorrem. O postulado de que algum fator externo</p><p>cause a mudança e somente por acaso esse período de mu-</p><p>dança coincida com o período de terapia, torna-se uma hipóte-</p><p>se insustentável.</p><p>Vamos então procurar outra explicação, qual seja, a de</p><p>que o terapeuta exerceu durante as nove horas de contato uma</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>peculiar e potente influência cultural, que provocou a mudanşa.</p><p>Aqui nos defrontamos novamente com vários problemas. Pa-</p><p>rece que nove horas distribuídas ao longo de cinco semanas</p><p>e meia é uma porçăo de tempo muito pequena para causar</p><p>alteraşão nos padrões construídos durante trinta anos. Tería-</p><p>mos que postular uma influência tão forte que seria classificada</p><p>como traumática. Essa teoria é particularmente difícil de manter</p><p>quando verificamos, ao examinar as sessões gravadas, que em</p><p>nenhuma das nove horas o terapeuta expressou qualquer ava-</p><p>liação positiva ou negativa a respeito da percepçao inicial ou</p><p>final do self ou do modo incial ou final do comportamento. Não</p><p>havia nenhuma avaliação e nenhum padrão expresso a partir</p><p>do qual uma avaliaçăo pudesse ser inferida.</p><p>Havia, por parte do terapeuta, evidência de interesse ca-</p><p>loroso pelo indivíduo e completa aceitaşão do self e do com-</p><p>portamento, conforme estes se apresentavam quer no inicio,</p><p>quer nos estágios intermediários e no término da terapia. Pa-</p><p>rece razoável dizer que o terapeuta estabeleceu certas condi-</p><p>ções definidas de relação interpessoal. Uma vez que a própria</p><p>essência desse relacionamento é o respeito pela pessoa como</p><p>ela se mostra naquele momento, dificilmente o terapeuta pode</p><p>ser considerado como uma łorça cultural favorável à mudanşa.</p><p>Nos vemos forşados a um terceiro tipo de explicaşão,</p><p>que não é novo em Psicologia, mas que tern tido uma aceita-</p><p>ção apenas parcial. Resumidamente, pode-se afirmar que os</p><p>fenômenos de mudanşa observados parecem mais adequada-</p><p>mente explicados pela hipótese de que, dadas certas condi-</p><p>çöes psicológicas, o indivíduo tern a capacidade de reorganizar</p><p>seu campo perceptivo, incluindo a maneira de perceber a si</p><p>mesmo, e um concomitante ou um resultante dessa reorganiza-</p><p>ção perceptual é uma alteraşão apropriada do comportamento.</p><p>Isto coloca numa terminologia formal e objetiva, uma hipótese</p><p>clínica que a experiência própria do terapeuta Centrado na Pes-</p><p>soa o forşa a aceitar. Fica-se compelido, através da observaşão</p><p>clínica, a desenvolver um alto grau de respeito pelas forças in-</p><p>tegrativas do ego, existentes dentro de cada indivíduo. Assim,</p><p>chega-se ao reconhecimento de que, sob condiçöes próprias,</p><p>o self é um fator básico na formação da personalidade e na de-</p><p>terminação do comportamento. A experiéncia clínica sugeriria</p><p>fortemente que o self é, em alguma extensão, um arquiteto dele</p><p>mesmo e a hipótese acima simplesmente coloca esta observa-</p><p>|53</p><p>John KeiCh Wood e¢ a/. (org.J</p><p>ção em termos psicológicos.</p><p>Em apoio a essa hipótese, note-se que, em alguns casos,</p><p>uma das concomitantes do sucesso em terapia é a percepşão</p><p>por parte do cliente de que o self tern a capacidade de reorga-</p><p>nização. Assim um estudante diz:</p><p>“Você sabe, eu falei sobre o fato de que o „ba-</p><p>ckground‟ de uma pessoa a retarda. Por exemplo,</p><p>minha vida familiar näo foi boa para mim, e minha</p><p>mãe certamente nâo me deu o tipo de educaçâo</p><p>que eu deveria ter tido. Bern, eu tenho pensado e</p><p>repensado nisso. Isto é verdade até certo ponto.</p><p>Mas quando você vai fundo até poder ver a situa-</p><p>çâo, aí realmente só depende de você.”</p><p>54|</p><p>Em decorrência desta afirmação da relação do self com</p><p>a experiéncia, muitas mudanşas ocorreram no comportamento</p><p>desse jovem. Neste, como em outros casos, parece que quan-</p><p>do a pessoa consegue se ver como agente perceptivo, organi-</p><p>zador, então se dá a reorganização da percepção bem como a</p><p>conseqüente mudanşa nos padrões de reaşão.</p><p>No outro lado da questão temos observado, com freqü-</p><p>ência, que quando se diz autoritariamente ao individuo que ele</p><p>é governado por certos fatores ou condições fora do seu con-</p><p>trole, isso torna a terapia mais difícil, e só quando ele descobre</p><p>por si mesmo que pode organizar sua percepşão, é que a mu-</p><p>danşa se torna possível. Com os clientes veteranos de guer-</p><p>ra, aos quais tern sido revelado o diagnóstico psiquiátrico, o</p><p>efeito freqüentemente é eles se sentirem subjugados por uma</p><p>sentenşa inalterável, o que os torna incapazes de controlar a</p><p>organizaşão de sua vida. Quando o self se vê como capaz de</p><p>reorganizar seu próprio campo perceptual, ocorre uma marcan-</p><p>te mudanşa na confiança básica. Miss Nam, uma estudante,</p><p>ilustra esse fenômeno quando diz, depois de ter feito progres-</p><p>sos em terapia:</p><p>“Acredito que realmente me sinto melhor a res-</p><p>peito do futuro, também, porque é como se não</p><p>estivesse agindo na escuridâo. É como se, bem,</p><p>soubesse algo a respeito de porque a)o da forma</p><p>que ajo... e pelo menos não é um sentimento de</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>que você está simplesmente fora do seu próprio</p><p>controle e o destino está te levando a agir dessa</p><p>forma. Se você percebe isso, acho que vocè pode</p><p>fazer algo mais a respeito”.</p><p>Um veterano de guerra, na conclusão do aconselhamen-</p><p>to, colocou isso de modo mais sucinto e positivo: “Minha atitu-</p><p>de comigo mesmo está mudada agora, desde que sinto que</p><p>posso fazer alguma coisa com meu self e com minha vida”. Ele</p><p>passou a se ver como o instrumento através do qual alguma</p><p>reorganização pôde acontecer. Existe uma outra observaşão</p><p>clínica que pode ser citada em apoio à hipótese geral de que</p><p>existe uma relação forte entre o comportamento e a maneira</p><p>segundo a qual a realidade é percebida pelo indivíduo. Em mui-</p><p>tos casos, notou-se que as mudanşas comportamentais acon-</p><p>tecem em sua maior parte de maneira imperceptível e quase</p><p>automática após ocorrer a reorganizaşão perceptiva. Uma jo-</p><p>vem esposa que reagia violentamente à sua empregada e era</p><p>completamente desorganizada em seu comportamento, como</p><p>resultado dessa antipatia, diz: “Depois que eu descobri que ela 55</p><p>lembrava minha mãe, ela não me aborreceu mais. Isso não é</p><p>interessante? Ela ainda é a mesma”.</p><p>Aqui está uma afirmação</p><p>clara, indicativa de que, embora as percepções básicas não</p><p>tenham mudado, elas foram organizadas diferentemente, ad-</p><p>quiriram um novo sentido e então ocorreram as mudanşas de</p><p>comportamento. Evidência semelhante é dada por um cliente,</p><p>um psicólogo treinado, que depois de completar uma pequena</p><p>série de sessões centradas no cliente escreveu:</p><p>“Outro aspecto interessante da situaçäo estava co-</p><p>nectado com as mudanças em algumas de minhas</p><p>atitudes. Quando a mudança acontecia era como</p><p>se as atitudes de outrora fossem removidas com-</p><p>pletamente, como se apagadas de um quadro ne-</p><p>gro... Quando ocorria uma situaçâo que teria ante-</p><p>riormente provocado determinado tipo de resposta,</p><p>nâo era como se eu tivesse tentado agir da maneira</p><p>como agia antes, mas de algum modo achava mais</p><p>fácil controlar meu comportamento. Assim a nova</p><p>forma de comportamento veio de modo espon-</p><p>tâneo e só através de uma análise deliöe ada eu</p><p>John KeiCh Wood er a/. (org. J</p><p>percebi que estava agindo de uma maneira nova</p><p>e diferente”.</p><p>Aqui, de novo, é interessante notar que a figura é coloca-</p><p>da em termos de percepşão visual e, à medida que as atitudes</p><p>são “apagadas de um quadro negro”, as mudanşas comporta-</p><p>mentais acontecem automaticamente e sem esforşo conscien-</p><p>te.</p><p>56|</p><p>Portanto temos observado que mudanşas apropriadas</p><p>ocorrem no comportamento quando o indivíduo adquire uma</p><p>visão diferente de seu mundo de experiência, inclusive de si</p><p>próprio; esta percepção mudada não necessita ser dependente</p><p>de uma mudança na “realidade”, mas pode ser um produto da</p><p>reorganização interna; em alguma instância a consciência da</p><p>capacidade de perceber a experiência acompanha esse pro-</p><p>cesso de reorganização; e as respostas modificadas do com-</p><p>portamento ocorrem automaticamente e sem esforço conscien-</p><p>te tão logo a reorganização perceptual ocorra, aparentemente</p><p>como resultado disso.</p><p>Em vista destas observacões, uma segunda hipótese</p><p>pode ser apresentada, intimamente relacionada com a primei-</p><p>ra. É que o comportamento não é diretamente influenciado ou</p><p>determinado por fatores orgânicos ou culturais, mas primaria-</p><p>mente (e talvez somente) pela percepção desses elementos.</p><p>Em outras palavras, o elemento crucial na determinação do</p><p>comportamento é o campo perceptual do indivíduo. Esse cam-</p><p>po perceptual é, com certeza, profundamente influenciado e</p><p>largamente modelado por forşas culturais e fisiológicas; con-</p><p>tudo, o importante parece ser que somente o campo, tal como</p><p>é percebido, é que exerce influência específica e determinante</p><p>sobre o comportamento. Isso não é uma idéia nova em Psico-</p><p>logia, mas suas implicacões não têm sido sempre plenamente</p><p>reconhecidas.</p><p>Isso pode significar, primeiramente, que se é o campo</p><p>perceptual que determina o comportamento, então o objeto pri-</p><p>mário de estudo dos psicólogos seria a pessoa e seu mundo</p><p>tais como são vistos pela própria pessoa. Isso poderia significar</p><p>que o quadro de referência interno da pessoa pode se constituir</p><p>no campo da Psicologia, uma idéia descrita convincentemente</p><p>por Snygg e Combs num texto apreciável ainda não publicado.</p><p>Isso pode significar que as leis que governam o comportamen-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edişão</p><p>to seriam reveladas mais profundamente se dirigíssemos nossa</p><p>atenşão para as leis que governam a percepção.</p><p>Assim, se nossas especulações contêm uma medida de</p><p>verdade, se o determinante específico do comportamento é o</p><p>campo perceptual, e se o self pode reorganizar esse campo</p><p>perceptual, então quais são os limites desse processo? A reor-</p><p>ganização da percepşão é aleatória, ou segue certas leis? Há</p><p>limites para o grau de reorganização? Em caso positivo quais</p><p>são eles? Neste sentido, temos observado, com algum cuida-</p><p>do, a percepşão de uma parte do campo da experiência total,</p><p>aquilo que chamamos self.</p><p>A Relação entre Percepção do Self e o Ajustamento</p><p>Inicialmente fomos orientados pela tradişão, tanto do</p><p>pensamento leigo quanto psicológico, no sentido de conside-</p><p>rar a terapia bem sucedida como a soluşão dos problemas. Se</p><p>uma pessoa tinha um problema conjugal, um problema voca-</p><p>cional ou de ajustamento educacional, o propósito óbvio do 57</p><p>aconselhamento ou da terapia era resolved esses problemas.</p><p>Mas quando observamos e estudamos os registros gravados</p><p>de terapias concluídas, ficou claro que a principal característica</p><p>resultante não é necessariamente a soluşão de problemas, mas</p><p>uma liberaşão de tensão, um sentimento diferente a respeito</p><p>do self e da percepşão do self. Talvez algo desses resultados</p><p>possa ser transmitido por algumas ilustraşões.</p><p>Diversas declarações tiradas da sessão final com uma</p><p>jovem mulher de 20 anos, Miss Mir, dão indicações da atitude</p><p>característica em direção ao self e do senso de liberdade que</p><p>parece acompanhá-la:</p><p>“Eu sempre tentei ser o que os outros pensavam</p><p>que eu deveria ser, mas agora estou imaginando se</p><p>näo deveria apenas ver que eu sou o que sou"</p><p>“Bern, acabei de notar tal diferença. Percebo</p><p>que, quando sinto as coisas, mesmo quando sinto</p><p>ódio, nâo me importo. Não ligo. De alguma forma,</p><p>me sinto mais livre. Não me sinto culpada pelas</p><p>coi‟sas ” o n o>o»n n> >æmr» u» i iro< • ea‹›re< i sona</p><p>John Keich Wood et a/. (org. J</p><p>“Você sabe, é repentino, como se uma grande</p><p>nuvem tivesse levantado. Eu me sinto mais conten-</p><p>te.”</p><p>Nota-se nessas declarações o seu desejo de se perceber</p><p>como é, de se aceitar a si mesma “realisticamente”, de perce-</p><p>ber e aceitar suas atitudes “más” tanto quanto as “boas”. Esse</p><p>realismo parece vir acompanhado de uma sensação de liberda-</p><p>de e contentamento.</p><p>Miss Vib, cujas atitudes foram mencionadas anteriormen-</p><p>te, registrou seus sentimentos sobre o aconselhamento cerca</p><p>de seis semanas depois das sessões terem terminado e entre-</p><p>gou as anotações a seu conselheiro. Ela começa:</p><p>“O resultado mais feliz da terapia foi um novo sen-</p><p>timento a respeito de mim mesma. À medida que</p><p>penso nisso, parece ser esse o único resultado.</p><p>Certamente é a base para todas as mudanças que</p><p>resultaram no meu comportamento.”</p><p>58</p><p>Ao discutir suas experiências na terapia, ela afirma:</p><p>“Eu estava começando a me ver como um todo.</p><p>Comecei a perceber que sou uma pessoa. Este foi</p><p>um insight importante para mim. Vi que as boas re-</p><p>alizações acadêmicas anteriores, os sucessos no</p><p>emprego, a facilidade em situações sociais e o re-</p><p>colhimento, a depressâo, a apatia e a reprovação</p><p>atuais eram todos comportamentos adaptativos,</p><p>desempenhados como meus. Isso significou que</p><p>eu tinha que reconhecer meus sentimentos a res-</p><p>peito de mim mesma, náo mais me prendendo à</p><p>noçâo nâo-realista de que o bom ajustamento era</p><p>expressâo do meu eu real e de que o comporta-</p><p>mento neurótico nâo o era. Vim a perceber que</p><p>sou a mesma pessoa, algumas vezes funcionando</p><p>naturalmente e outras asssumindo uma postura</p><p>neurótica em relaçâo ao que havia definido como</p><p>problemas insuportáveis. A aceitação de mim mes-</p><p>ma como pessoa fortaleceu-me no processo de</p><p>reorganização. Agora eu tinha um substrato, uma</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edişão</p><p>unidade central com que trabalhar.”</p><p>À medida que ela prossegue em sua explanação, surgem</p><p>afirmaşões como: “Estou conseguindo mais felicidade sendo</p><p>eu mesma. Eu me aprovo mais e tenho menos ansiedade.”</p><p>Como no exemplo anterior, os aspectos destacados pa-</p><p>recem ser a percepção de que tudo no seu comportamento</p><p>“pertence” a ela, que ela poderia aceitar tanto as boas como as</p><p>más facetas a respeito de si mesma e isso lhe aliviou a ansieda-</p><p>de e Ihe deu um sentimento de sólida felicidade. Em ambos os</p><p>exemplos aparecem referências incidentais aos sérios “proble-</p><p>mas”, que tinham sido inicialmente discutidos.</p><p>Uma vez que Miss Mir tern indubitavelmente uma inteli-</p><p>gência acima da media e Miss Vib é uma pessoa com algum</p><p>treino psicológico, pode parecer que tais resultados foram en-</p><p>contrados somente em pessoas sofisticadas. Para</p><p>contrapor a</p><p>essa opinião, pode-se mencionar a declaração de um vetera-</p><p>no de guerra, de educação e habilidades limitadas, que tinha</p><p>completado o aconselhamento e a quem foi solicitado escrever</p><p>sobre suas reações a respeito da experiência. Ele diz:</p><p>“Quanto ao consolo que tive, posso dizer o seguin-</p><p>te - realmente faz um homem desnudar sua mente</p><p>- e quando o taz, ele fica sabendo entâo, o que re-</p><p>almente é e o que pode fazer. Ou pelo menos pen-</p><p>sa que conhece bem uma parte dele mesmo. No</p><p>meu caso, sei que minhas idéias eram um pouco</p><p>ambiciosas demais para o que realmente sou, mas</p><p>agora percebo que uma pessoa deve começar no</p><p>seu próprio nível.”</p><p>“Agora, após quatro visitas, tenho uma visäo muito</p><p>mais clara de mim mesmo e do meu futuro. Isso</p><p>me faz sentir um pouco deprimido e desapontado,</p><p>mas por outro lado me tirou do escuro, o fardo me</p><p>parece muito mais leve agora, isto é, posso ver o</p><p>meu caminho agora, sei o que quero fazer, sei o</p><p>que posso fazer; entäo, agora que posso ver o meu</p><p>objetivo, serei capaz de trabalhar, muito mais facit-</p><p>mente, no meu próprio nível.”</p><p>|59</p><p>John Keich Wood et a/. (org.)</p><p>Embora a expressão seja muito simples, notam-se nova-</p><p>mente os mesmos dois elementos: aceitação do self como ele</p><p>é e o sentimento de tranqüilidade e alívio que a acompanha.</p><p>Quando examinamos muitos casos individuais, anotados</p><p>ou gravados, parece ser possível agrupar os resultados relati-</p><p>vos às terapias bem sucedidas, propondo outra hipótese em</p><p>relação a essa porção do campo perceptual, a que denomina-</p><p>mos self. Parece que quando todas as maneiras pelas quais o</p><p>indivíduo percebe a si mesmo; todas as percepções de quali-</p><p>dades, habilidades, impulsos e atitudes da pessoa; e todas as</p><p>percepções de si mesmo em relação aos outros - são aceitas</p><p>dentro do conceito organizado consciente de self, então isso é</p><p>acompanhado por sentimentos de conforto e de um estar livre</p><p>de tensão, experienciados como ajustamento psicológico.</p><p>Essa hipótese parece explicar o fato observado de que</p><p>a percepşão confortável do self, que é conseguida, algumas</p><p>vezes é mais positiva do que antes, outras vezes mais negativa.</p><p>Quando o indivíduo permite que toda a percepção de si mesmo</p><p>seja organizada dentro de um padrão, algumas vezes a ima-</p><p>60 gem é mais lisonjeira do que ele tinha sustentado no passado,</p><p>outras vezes menos. Mas é sempre mais confortável.</p><p>Pode ser assinalado também que essa hipótese provisó-</p><p>ria fornece um tipo de definişão operacional baseada no quadro</p><p>de referência interno do cliente, para conceitos até agora impre-</p><p>cisos, tais como “ajustamento”, “integraşão” e “aceitação” do</p><p>self. Tais conceitos são definidos em termos de percepção, de</p><p>uma maneira que seria possível provar ou refutar. Quando to-</p><p>das as experiências perceptuais orgânicas - a experienciação</p><p>de atitudes, impulsos, habilidades e incapacidades; a experien-</p><p>ciação dos outros e da “realidade” - são livremente assimiladas</p><p>em um sistema organizado e consistente, disponível à consci-</p><p>ência, então o ajustamento psicológico ou a integraşão pode</p><p>ser considerada real. A definişão de ajustamento se torna assim</p><p>uma questão interna, ao invés de dependente de uma “realida-</p><p>de” externa.</p><p>Algo do que significa essa aceitação e assimilação de</p><p>percepşão a respeito do self, pode ser ilustrado pelo caso de</p><p>Miss Nam, uma estudante. Como muitos outros clientes, ela dá</p><p>evidências de ter experienciado atitudes e sentimentos defensi-</p><p>vamente negados porque não se coadunam com o conceito ou</p><p>imagem que eta faz de si mesma. A maneira como eles são de</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edişão</p><p>inicio admitidos totalmente na consciência e, a partir de então</p><p>organizados dentro de um sistema unificado, pode ser mostra-</p><p>da através de trechos de sessões gravadas. Ela tinha falado da</p><p>dificuldade em escrever os trabalhos para seus cursos universi-</p><p>tários.</p><p>“Acabo de pensar em outra coisa que talvez me</p><p>atrapalhe e que é aquilo novamente, isto é, dois</p><p>sentimentos diferentes. Quando tenho que sentar</p><p>e fazer um trabalho, embora tenha muitas idéias,</p><p>subjacente a isso acho que sempre tenho um sen-</p><p>timento de que simplesmente não possso fazê-to...</p><p>Tenho esse sentimento de ser incrivelmente con-</p><p>fiante em que posso fazer algo, sem estar disposta</p><p>a trabalhar nisso. Em outros momentos estou prati-</p><p>camente com medo do que tenho para fazer...”</p><p>Nota-se que o self consciente foi organizado como “ten-</p><p>do um monte de idéias“, sendo "terrivelmente confiante", mas</p><p>"no fundo", em outras palavras, não livremente admitidas na 61</p><p>consciéncia, a experiência sentida é: “Eu só não posso fazer</p><p>isto”. Ela continua:</p><p>“Estou tentando trabalhar com essa relaçâo en-</p><p>graçada entre essa incrivel confiança e esse quase</p><p>medo de fazer qualquer coisa... e acho que esse</p><p>sentimento, de que posso realmente fazer as coi-</p><p>sas, é parte de uma ilusâo que tenho a respeito de</p><p>mim mesma, como se eu tivesse na imaginaçâo a</p><p>certeza de que será algo born e muito born e tudo</p><p>o mais. Mas, quando chego a começar realmente</p><p>a tarefa, é um sentimento terrível de... - bem, de</p><p>incapacidade, de que nâo vou conseguir fazê-to do</p><p>jeito que eu quero ou, atë mesmo, de que nâo te-</p><p>nho certeza de como quero fazê-lo.”</p><p>Novamente, a imagem de si mesma, presente na consci-</p><p>ência, é aquela da pessoa que é "muito boa”, mas essa imagem</p><p>é inteiramemte inadequada à atual experiência real e orgânica,</p><p>na situação em causa.</p><p>Mais tarde, na mesma ocasião, ela expressa muito bem</p><p>John Keith Wood et a/. Borg. J</p><p>o fato de que sua percepşão não está inteiramente organizada</p><p>em um self consciente e consistente.</p><p>“Eu nâo tenho certeza a respeito de que tipo de</p><p>pessoa eu sou - bem, percebo que todas estas sâo</p><p>partes minhas, mas nâo estou bem certa de como</p><p>fazer todas essas coisas se alinharem.”</p><p>Na sessão seguinte, temos uma excelente oportunidade</p><p>de observar a organização de ambas as percepções conflitan-</p><p>tes dentro de um padrão, com uma sensação resultante de es-</p><p>tar livre de tensão, descrita adiante.</p><p>“É muito engraçado; mesmo estando aqui sentada</p><p>percebo que tenho mais confiança em mim mes-</p><p>ma, no sentido de que, quando me aproximava de</p><p>novas situações, eu tinha duas coisas muito engra-</p><p>çadas operando ao mesmo tempo. Fantasiava que</p><p>poderia fazer qualquer coisa, uma fantasia que en-</p><p>62 cobria todos esses outros sentimentos de que re-</p><p>almente nâo poderia fazer, ou nâo poderia fazer täo</p><p>bem quanto gostaria e é como se agora essas duas</p><p>coisas tivessem emergido juntas, e é mais real, que</p><p>a situaşão nâo está me testando ou provando algo</p><p>a mim mesma ou a qualquer outra pessoa. É ape-</p><p>nas em termos do fazer. E acho que me desvenci-</p><p>lhei tanto da fantasia quanto do medo... Entâo acho</p><p>que posso ir em frente e me aproximar das coisas</p><p>- bem, agora de forma mais sensata.”</p><p>Não é mais necessário para essa cliente esconder suas</p><p>experiências reais. De fato, a imagem deia mesma como capaz</p><p>e o sentimento experienciado de completa incapacidade foram</p><p>agora trazidos para um modelo integrado de self como uma</p><p>pessoa com habilidades reais, mas imperfeita. Uma vez que o</p><p>self é então aceito, as energias internas, trabalhando pela auto-</p><p>atualização, são liberadas e ela enfrenta seus problemas vitais</p><p>mais eficientemente.</p><p>Observar este tipo de material, freqüente na experiência</p><p>de aconselhamento, nos leva a uma hipótese provisória de de-</p><p>sajustamento que, como a outra hipótese sugerida, se centra na</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edição</p><p>percepção do self. Pode-se propor que as tensões, chamadas</p><p>de desajustamentos psicológicos, existem quando o conceito</p><p>organizado de self (consciente ou disponível à percepşão na</p><p>consciéncia) não está de acordo com a percepção realmente</p><p>experienciada.</p><p>Essa discrepância entre o conceito de self e as percep-</p><p>şões atuais parece explicável somente em termos do fato de</p><p>que o conceito de self resiste em incorporar a si qualquer per-</p><p>cepção que não seja consistente com sua organizaşão atual.</p><p>0 sentimento de não ter habilidade para escrever um trabalho</p><p>é incoerente com a imagem consciente que Miss Nam tern de</p><p>si mesma como pessoa muito capaz e confiante; conseqüente-</p><p>mente, embora percebida de maneira fugaz, esta é uma organi-</p><p>zação negada como parte do seu self, até que isso apareşa na</p><p>terapia.</p><p>As Condições de Mudança de Percepção do Self</p><p>Se o modo pelo qual o self é percebido tern uma rela- 63</p><p>ção próxima e significativa com o comportamento, como tern</p><p>sido sugerido, então a maneira pela qual essa percepşão pode</p><p>ser alterada, vem a ser uma questão importante. Se a reorga-</p><p>nização das auto-percepşões traz uma mudança no compor-</p><p>tamento; se o ajustamento e desajustamento dependem da</p><p>congruência entre as percepções enquanto experienciadas e</p><p>o self enquanto percebido, então os fatores que permitem uma</p><p>reorganização da percepção do self são significativos.</p><p>Nossas observações da experiência psicoterapèutica</p><p>parecem indicar que a ausência de qualquer ameaça para o</p><p>auto-conceito é um item importante na questão. Normalmente,</p><p>o self resiste em incorporar a si mesmo essas experiências que</p><p>são inconsistentes com seu funcionamento. Mas um ponto ne-</p><p>gligenciado por Lecky e outros é que, quando o self está livre</p><p>de qualquer ameaça ou ataque, ou da probabilidade de ataque,</p><p>então é possível para ele considerar as percepções até então</p><p>rejeitadas e fazer novas diferenciações, reintegrando-se de for-</p><p>ma a incluí-las.</p><p>Uma ilustração do caso de Miss Vib pode servir para cla-</p><p>rificar este ponto. Em sua declaração redigida seis semanas</p><p>após a conclusão do aconselhamentot Miss Vib descreve o</p><p>John Keith Wood et al. (org. J</p><p>modo pelo qual os perceptos inaceitáveis tornaram-se incorpo-</p><p>rados ao self. Ela escreve:</p><p>“Nas primeiras sessões eu ficava dizendo coisas</p><p>do tipo „nâo estou agindo como eu mesma‟, nun-</p><p>ca agi dessa forma antes‟. 0 que queria dizer era</p><p>que esta pessoa retraída, desordenada e apática</p><p>nâo era eu. Entâo comecei a perceber que era a</p><p>mesma pessoa seriamente regredida, etc., agora,</p><p>como havia sido antes. Isso só aconteceu depois</p><p>de ter explicitado minha auto-rejeição, vergonha,</p><p>desespero e dúvida na situaçâo de aceitação da</p><p>sessâo. 0 conselheiro nâo estava espantado ou</p><p>chocado. Eu contava a ele, a respeito de mim mes-</p><p>ma, tudo o que nâo se encaixava na minha imagem</p><p>de pós-graduanda, de professora, de uma pessoa</p><p>legal. Ele respondia com total aceitaçâo, com in-</p><p>teresse caloroso, sem fortes nuances emocionais.</p><p>Aqui estava uma pessoa sâ e inteligente, aceitan-</p><p>64 do do fundo do coraçâo esse comportamento que</p><p>me parecia tâo vergonhoso. Consigo me lembrar</p><p>de um sentimento orgânico de relaxamento. Nâo</p><p>precisava mais alimentar o conflito de disfarçar ou</p><p>esconder essa pessoa vergonhosa.”</p><p>É notável como se pode ver claramente aqui, a total ex-</p><p>tensão de percepções negadas ao self e como estas só seriam</p><p>consideradas parte dele numa situaşão social que näo envol-</p><p>vesse nenhuma ameaça na qual outra pessoa, o conselheiro,</p><p>se tornasse quase um self alternativo que acolhe compreensiva</p><p>e aceitadoramente essas mesmas percepções. Ela continua:</p><p>“Retrospectivamente, parece-me que o que senti</p><p>como „calorosa aceitação sem nuances emocio-</p><p>nais‟ foi o que eu precisava para superar minhas</p><p>dificuldades. A impessoalidade com interesse do</p><p>conselheiro, permitiu-me pôr para fora meus senti-</p><p>mentos. Tal clarificaçâo, numa situaçâo de sessão</p><p>terapêutica, colocou-me diante da atitude como</p><p>uma „coisa em si‟, que eu podia olhar, manipular</p><p>e substituir Ao organizar minhas atitudes, estava</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>começando a organizar-me.”</p><p>Aqui a natureza da exploração da experiência, de ver isso</p><p>como experiência e não como ameaşa ao self, habilitou a clien-</p><p>te a reorganizar suas percepepções do self, o que, como ela</p><p>diz, correspondeu a “reorganizar-me".</p><p>Se tentarmos descrever, em termos psicológicos mais</p><p>convencionais, a natureza do processo que culmina em orga-</p><p>nização e integração alterada do self no processo de terapia,</p><p>encontraremos o seguinte: o indivíduo está continuamente es-</p><p>forçando-se para preencher suas necessidades, reagindo ao</p><p>campo da experiência como o percebe, e chega a isso mais</p><p>eficientemente diferenciando alguns elementos do campo e</p><p>reintegrando-os dentro de novos padrões. A reorganizaşão do</p><p>campo pode envolver a reorganizaşão do self, tanto quanto de</p><p>outras partes do campo. 0 self, contudo, resiste à reorganiza-</p><p>ção e à mudanşa. Na vida diária, o ajustamento individual atra-</p><p>vés da reorganizaşão do campo com exclusão do self é mais</p><p>comum e menos ameaçador para o indivíduo. Conseqüente-</p><p>mente, o primeiro modo de ajustamento do indivíduo é a reor- 65</p><p>ganizaşão daquela parte do campo que não inclui o self.</p><p>A Terapia Centrada no Cliente é diferente de outras situa-</p><p>şões de vida, visto que o terapeuta tende a remover do mundo</p><p>imediato do indivíduo todos aqueles aspectos do campo que</p><p>ele pode reorganizar, exceto o self. 0 terapeuta, ao reagir aos</p><p>sentimentos e atitudes do cliente mais do que aos objetos de</p><p>seus sentimentos e atitudes, ajuda este último a trazer do fundo</p><p>para o foco o seu próprio self, tornando mais fácil para o cliente</p><p>perceber e reagir a este mesmo self. Ao oferecer somente com-</p><p>preensão e nenhum traşo de avaliação, o terapeuta se retira</p><p>como objeto de atitudes, tornando-se somente uma expressão</p><p>alternativa do self do cliente. Ao prover uma atmosfera de per-</p><p>missividade e compreensão, o terapeuta remove qualquer ame-</p><p>aça existente que possa impedir de emergir toda a percepşão</p><p>do self como figura. Conseqüentemente, nessa situação, todas</p><p>as formas pelas quais o self foi experienciado podem ser vistas</p><p>abertamente e organizadas dentro de uma unidade complexa.</p><p>É então essa completa ausência de qualquer fator que</p><p>possa ameaçar o conceito de self, como também o auxílio em</p><p>focalizar a percepção do self, que parecem permitir uma visão</p><p>mais diferenciada desse mesmo self, e finalmente a sua reorga-</p><p>John Keith Wood et a/. lorg.)</p><p>nização.</p><p>Relação com o Pensamento Psicológico Atual</p><p>Até aqui, estas anotações foram apresentadas como ob-</p><p>servações clínicas e hipóteses provisórias, completamente à</p><p>margem de qualquer relação com o pensamento, passado ou</p><p>presente, no campo da Psicologia. Isso foi intencional. Consi-</p><p>dera-se que é funşão do clínico tentar observar, com atitude de</p><p>mente aberta, a complexidade do material que chega ate ele,</p><p>relatar suas observações e, à luz disso, formular suas hipóte-</p><p>ses e problemas, utilizáveis quer por ele quer pelo pesquisador</p><p>como base para o estudo e a pesquisa.</p><p>Embora constituam observações clínicas e hipóteses,</p><p>estas anotaşões, como sem dúvida já foi reconhecido, guar-</p><p>dam relaşão com algumas das correntes do pensamento te-</p><p>órico e de pesquisa na Psicologia. Algumas das observações</p><p>66 sobre o self mantém relaşão com o pensamento de G.A. Mead</p><p>(7) sobre o “eu” e o “me”. 0 resultado da terapia poderia ser</p><p>descrito, nos termos de Mead, como um aumento da percep-</p><p>şão do “eu” e a organizaşão do “me” pelo “eu”. A importância</p><p>que tern sido dada, neste escrito para o self como organizados</p><p>da experiência e, ate certo ponto, como arquiteto de si mes-</p><p>mo confirma uma relaşão com o pensamento de Allport (1) e</p><p>outros, preocupados com o aumento da ênfase que devemos</p><p>dar à função integrativa do ego. Tendo em vista a importância</p><p>dada ao campo presente da experiência como determinante do</p><p>comportamento, é óbvia a relaçao com a Psicologia da Gestalt</p><p>e com o trabalho de Lewin (6) e seus discípulos. As teorias de</p><p>Angyal (2) encontram algum paralelo em nossas observações.</p><p>Sua visão do self como sendo somente uma pequena parte</p><p>do organismo biológico, que alcanşou a elaboraşão simbólica</p><p>e freqüentemente busca uma direção para o organismo com</p><p>base em informações falsas e insuficientes, parece estar parti-</p><p>cularmente relacionada</p><p>às observações que temos feito. 0 livro</p><p>póstumo de Lecky (4), modesto em tamanho, mas precioso em</p><p>sua contribuição, lançou uma nova luz sobre o modo como o</p><p>self opera e sobre o princípio de consistência segundo o qual</p><p>uma nova experiência é incluída ou excluída do self. Muito do</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edişão</p><p>seu pensamento corre paralelo às nossas observaşões. Snygg</p><p>e Combs (11) tentaram recentemente dar uma ênfase mais ra-</p><p>dical e mais completa ao mundo interno da percepção, como</p><p>base para toda a Psicologia, uma proposição que colaborou</p><p>para formular uma teoria com que nossas observações se afi-</p><p>nam.</p><p>A confirmação da linha de pensamento proposta pode</p><p>ser encontrada não só no domínio da teoria mas também no da</p><p>experimentação em laboratório. Tolman (12) realşou a neces-</p><p>sidade de se pensar como um rato, se um trabalho produtivo</p><p>experimental tiver que ser feito. 0 trabalho de Snygg (10) indi-</p><p>ca que o comportamento do rato pode ser melhor previsto por</p><p>inferência de seu campo de percepção, do que encarando-o</p><p>como objeto. Krechvsky (3) mostrou num brilhante estudo, al-</p><p>guns anos atrás, que a aprendizagem do rato somente pode ser</p><p>compreendida se percebermos que ele está constantemente</p><p>agindo sob uma hipótese depois da outra. Leeper (5) resumiu a</p><p>evidência de um número de investigaşões experimentais, mos-</p><p>trando que o comportamento animal não pode ser explicado</p><p>pelo simples mecanismo E-R, mas só pelo reconhecimento de</p><p>que processos internos complexos de organização perceptual</p><p>ocorrem entre os estímulos e a resposta comportamental. As-</p><p>sim essas são as vertentes paralelas da observação clínica, do</p><p>pensamento teórico e do experimento de laboratório que apon-</p><p>tam para o fato de que, para uma Psicologia efetiva, necessi-</p><p>tamos de uma compreensão muito mais complexa do mundo</p><p>privado do indivíduo e necessitamos também de vias de acesso</p><p>a esse mundo, a finn de estudá-lo a partir de dentro.</p><p>Implicações</p><p>Seria enganoso, no entanto, dar a impressão de que a</p><p>hipótese formulada neste texto, ou aquelas oriundas do estu-</p><p>do psicológico paralelo que mencionei, são simplesmente ex-</p><p>tensões do fluxo principal do pensamento psicológico, “tijolos”</p><p>adicionais nesse edifício. Descobrimos, com alguma surpresa,</p><p>que nossas observações clínicas e a hipótese provisória que</p><p>delas parece brotar, levantam questões pertubadoras que pare-</p><p>cem lançar dúvidas sobre os fundamentos de vários de nossos</p><p>esforşos psicológicos, particularmente no campo da Psicotot</p><p>|67</p><p>John Keith Wood et al. torg. J</p><p>gia Clínica e dos estudos de personalidade. Para clarificar o</p><p>que quero dizer, gostaria de retomar, em ordem mais Iógica, as</p><p>formulaşões antes estabelecidas, deixando para o leitor certas</p><p>questões e problemas que cada uma parece levantar.</p><p>Se tomarmos em primeiro lugar a proposição provisó-</p><p>ria de que o determinante específico do comportamento é o</p><p>campo perceptual do indivíduo, isso não conduziria, enquanto</p><p>hipótese de trabalho, a uma abordagem radicalmente distinta</p><p>em psicologia clínica e em pesquisa da personalidade? Isso po-</p><p>deria significar que, ao invés de histórias de casos elaborados,</p><p>cheios de informações sobre a pessoa como objeto, nós nos</p><p>empenharíamos em desenvolver maneiras de ver a sua situa-</p><p>ção, seu passado e a ela mesma, como esses objetos parecem</p><p>para ela. Tentaríamos ver com ela, ao invés de avaliá-la. Poderia</p><p>significar minimizaşão dos procedimentos psicométricos elabo-</p><p>rados, com base nos quais nos temos empenhado em medir ou</p><p>valorizar o indivíduo, a partir de nosso próprio quadro de refe-</p><p>rência. Poderia significar minimizar ou descartar toda uma vas-</p><p>ta série de rótulos meticulosamente construídos durante anos.</p><p>68 Paranóide, esquizofrénico, compulsivo, constrito - tais termos</p><p>poderiam tornar-se irrelevantes, porque se baseiam num pen-</p><p>samento que pressupõe um quadro de referência externo. Eles</p><p>não representam o modo como o indivíduo experiencia a si</p><p>mesmo. Se estudássemos adequadamente cada indivíduo a</p><p>partir do seu quadro de referência interno, do seu próprio cam-</p><p>po perceptual, parece provável que acharíamos generalizaşões</p><p>por fazer e princípios potencialmente operativos, mas podemos</p><p>ter certeza de que seriam de uma ordem diferente daqueles</p><p>julgamentos baseados num contexto externo, a respeito de in-</p><p>divíduos.</p><p>Vamos atentar para outras proposişões. Se levarmos a</p><p>sério a hipótese de que a integraşão e o ajustamento são con-</p><p>dições internas relacionadas com o grau de aceitação ou não-</p><p>aceitação de todas as percepşões, e o grau de organizaşão</p><p>destas percepşões em um sistema consistente, isso afetaria de-</p><p>cididamente nossos procedimentos clínicos. Pareceria implicar</p><p>no abandono da noção de que o ajustamento depende de se</p><p>agradar ou não ao ambiente e demandaria concentração nos</p><p>processos que promovem a auto-integração da pessoa. Isso</p><p>significaria minimizar ou abandonar os procedimentos clínicos</p><p>que utilizam a modificaşão das forşas ambientais como método</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>de tratamento. Isto se apoiaria no fato de que a pessoa interna-</p><p>mente unificada tern maior probabilidade de enfrentar constru-</p><p>tivamente os problemas ambientais, quer como indivíduo quer</p><p>em cooperaşão com outros.</p><p>Se tomarmos a proposição remanescente segundo o</p><p>qual o self, sob condişões apropriadas, é capaz de reorganizar,</p><p>em alguma extensão, seu próprio campo perceptual, e desse</p><p>modo alterar o comportamento, isso também parece levantar</p><p>questões pertubadoras. 0 caminho aberto por essa hipótese</p><p>poderia significar uma modificação de ênfase em Psicologia,</p><p>ao invés de centralizar o foco na rigidez dos atributos de per-</p><p>sonalidade e nas habilidades psicológicas, seria enfatizada a</p><p>flexibilidade dessas mesmas características. Isso concentraria</p><p>atenşão sobre o processo mais do que sobre os padrões fixos.</p><p>Enquanto a Psicologia, em estudos de personalidade, tern se</p><p>preocupado primeiramente com a medição de qualidades fixas</p><p>do indivíduo e com seu passado, a fim de explicar seu presente,</p><p>as hipóteses aqui sugeridas pareceriam relacionar-se mais com</p><p>o mundo pessoal do presente, como forma de compreender o</p><p>futuro, e com a predição de que no futuro haveria maior preocu- 69</p><p>pação com os princípios pelos quais a personalidade e o com-</p><p>portamento são transformados, assim como em que extensão</p><p>estes permanecem fixos.</p><p>Desse modo, percebemos que uma abordagem clínica,</p><p>a terapia centrada no cliente, tern-nos guiado a tentar adotar o</p><p>campo perceptual do cliente como base para uma compreen-</p><p>são genuína. Ao tentar entrar nesse mundo interno da percep-</p><p>ção, não por introspecção, mas por observação e inferência di-</p><p>reta, encontramo-nos em um novo patamar para compreender</p><p>a dinâmica da personalidade: um patamar vantajoso, que inau-</p><p>gura algumas perspectivas pertubadoras. Descobrimos que o</p><p>comportamento parece ser melhor compreendido como reação</p><p>a esta realidade-enquanto-percebida. Descobrimos que a ma-</p><p>neira pela qual a pessoa vê a si mesma, e as percepções que</p><p>ela arrisca não tornar como pertencentes a si mesma, parecem</p><p>ter uma relação importante com a paz interna, que constitui o</p><p>ajustamento. Descobrimos dentro da pessoa, sob certas con-</p><p>dişões, certa capacidade para a reestruturaşão e a reorganiza-</p><p>ção do self, e conseqüentemente, para a reorganizaşão do seu</p><p>comportamento, o que tern profundas implicaşões sociais. En-</p><p>caramos estas observações e formulações teóricas que elas</p><p>John KeiCh Wood e¢ al. (org. )</p><p>inspiram como uma nova abordagem frutífera para o estudo e a</p><p>pesquisa em vários campos da Psicologia.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>1. ALLPORT, G. W. The ego in contemporary psychology.</p><p>Psychol. Rev., vol. 50 1943. p. 451-478.</p><p>2. ANGYAL, A. Foundations for a Science of Personality. New</p><p>York . Commonwealth Fund, 1941.</p><p>3 KRECHEVSKY, l.- Hypotheses in rats. Psychol. Rev., vol 39</p><p>1932. p. 516-532.</p><p>4. LECKY, P Self-Consistency: A theory</p><p>of personality. New York.</p><p>Island Press, 1945.</p><p>5. LEEPER, R. The experimental psychologists as reluctant dra-</p><p>gons. Paper presented at APA meeting, September, 1946.</p><p>6. LEWIN, K.. A dynamic theory of personality. New York. Mc-</p><p>Graw-Hill, 1935.</p><p>7. MEAD, G. H. Mind, Self and society. Chicago. University of</p><p>70 Chicago Press, 1934.</p><p>8. ROGERS, C. R. Significant aspects of client-centered therapy.</p><p>American Psychologist , vol.1 1946. p. 415-422.</p><p>9. SNYDER, W. U. „Warmth‟ in non-directive counseling. J. Ab-</p><p>norm. Soc. Psychol., vol. 41 1946. p. 491-495.</p><p>10. SNYGG, D. Mazes in which rats take the longer path to food.</p><p>J. Psychol., vol.1 1936. p. 153-166.</p><p>11. SNYGG, D.; and COMBS, A. W. Livro inédito, cópia cedida</p><p>pelo autor. Em vias de publicação, pela Harper and Bros, New</p><p>York.</p><p>12. TOLMAN, E. C. The determiners of behavior at a choice</p><p>point. Psychol. Rev., vol.45 1938. p. 1-41.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa I *• edição</p><p>CONCEITO DE PESSOA EM</p><p>FUNCIONAMENTO PLENO *</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>Introdução</p><p>Escrevi este artigo numa de nossas “escapadas“ trimes-</p><p>trais do rigor do inverno de Chicago. Se não me falha a me-</p><p>mória, escrevi-o entre 1952-1953 num chalé (mais exatamente</p><p>numa choupana) na extremidade da ilha de Granada, Caribe,</p><p>onde se podia ver, a leste, o tempestuoso Atlântico, e a oeste o</p><p>mais calmo, mais colorido mar do Caribe. Uma vez terminado,</p><p>gostei do artigo.</p><p>Bem mais tarde, apresentei-o a uma importante revista</p><p>de Psicologia, cujo editor me respondeu amavelmente. Ficou</p><p>evidente que ele duvidava de seu valor para publicação, e, de 71</p><p>início, sugeriu que eu o reescrevesse totalmente em termos</p><p>mais objetivos. Eu sabia que não queria fazê-lo, mas também</p><p>tinha consciência do quanto meu artigo estava distante do pen-</p><p>samento psicológico ortodoxo; então, simplesmente o reprodu-</p><p>zí para distribuição restrita.</p><p>À medida que o tempo passou, trabalhei nele intensa-</p><p>°. The Concept of the Fully Functioning Person. Psychotherapy: Theory, Re-</p><p>search and Practice, vol. 1: 17-26, 1963. Nota dos organizadores: O fexfo</p><p>original ”The Concept of the Sully Functioning Person”, escrito em 1952-53 {e</p><p>publicado somente dez anos depois) cont5m uma contradiçao que merece</p><p>ser comentada. Por um Iado, apresenta a dimensão processoa/ su»iacente</p><p>á mudança na personalidade resultante da psicoterapia dem sucedida; por</p><p>outro, descreve esse aspecto do fenômeno utilizando-se de expressões de</p><p>conofações mecanicistas, próprias ao pensamento da época. Tentando ser</p><p>fiéis à idéia semina/ de Rogers, optamos inicia/menfe por traduzir a expres-</p><p>são "The Concept al Fully Functioning” por "Conceito de Pessoa em Atualiza-</p><p>ção P/ena " ot/ ”Conceito de Pessoa em Processo Experiencial Pleno“ para</p><p>dar conta do dinamismo implícito ao seu pensamento. Emõora essa decisão</p><p>pudesse favorecer a compreensâo processual presente no texto, implicaria</p><p>numa distorção de Sua lorma original. Assim sendo, decidimos pela tradução</p><p>literal: Conceito de Pessoa em Funcionamento Pleno.</p><p>John Keith Wood ec at. torg. )</p><p>mente, elaborando artigos posteriores, talvez mais lapidados.</p><p>Consequentemente o leitor poderá reconhecer grande parte</p><p>deste artigo como algo que teria lido em algum outro contexto.</p><p>Não obstante, quando o releio agora, sinto-me satisfeito em vê-</p><p>lo na sua forma original. Percebi que muitas coisas, naquela</p><p>ocasião formuladas de maneira provisória, seriam expressas</p><p>agora com maior convicção e maior evidência objetiva.</p><p>O Problema</p><p>Suspeito que cada um de nós, de quando em vez, espe-</p><p>cula sobre as características gerais da pessoa que concluiu a</p><p>psicoterapia. Se fôssemos tão bem sucedidos como terapeu-</p><p>tas, como gostaríamos de ser, que espécie de pessoa teria se</p><p>desenvolvido em nossa terapia? Qual é o hipotético ponto final,</p><p>o ponto máximo do processo terapêutico?</p><p>Frequentemente, fiz a mim mesmo essa pergunta e senti</p><p>uma crescente insatisfaşão com as respostas que mais comu-</p><p>mente me ocorreram. Pareciam muito escorregadias, relativas,</p><p>72 para ter suficiente valor em uma ciência em desenvolvimento,</p><p>sobre a personalidade. Penso que elas contêm, em geral, um</p><p>viés oculto que as tornam insatisfatórias. Penso na noção, co-</p><p>mumente aceita, de que a pessoa que completou a psicotera-</p><p>pia estará ajustada à sociedade. Mas a qual sociedade? Qual-</p><p>quer sociedade, não importa suas características? Não posso</p><p>aceitar isso. Penso no conceito, implícito em muitos escritos</p><p>psicológicos, de que a psicoterapia bem sucedida significa que</p><p>uma pessoa passou de uma categoria diagnóstica considerada</p><p>patológica para outra considerada normal.</p><p>Contudo estão se acumulando evidências de que existe</p><p>escasso acordo quanto às categorias diagnósticas, o que as</p><p>torna praticamente sem sentido enquanto conceitos científicos.</p><p>E mesmo se uma pessoa se torna “normal”, este será um re-</p><p>sultado adequado da terapia? E mais, nos últimos anos tenho</p><p>conjeturado se o termo psicopatologia não pode simplesmen-</p><p>te ser uma palavra-baú que se presta a acolher todos aqueles</p><p>aspectos da personalidade que os diagnosticadores como um</p><p>todo temem em si mesmos. Por essas e outras razões, a mu-</p><p>danşa no diagnóstico não é uma descrişão de resultado psico-</p><p>terapêutico que me satisfaça. Voltando-me para outro tipo de</p><p>conceito, descubro que se diz que a pessoa, depois da psi-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>coterapia, conseguiu saúde mental positiva. Mas quem define</p><p>saúde mental? Suspeito que a Clínica Menninger e o Centro</p><p>de Aconselhamento da Universidade de Chicago iriam definí-la</p><p>de modo diverso e estou certo de que o Estado Soviético teria</p><p>ainda outra definişão.</p><p>lnstigado por questöes como essas, surpreendo-me</p><p>especulando sobre as características da pessoa que conclui</p><p>a terapía, no caso em que esta é bem sucedida. Gostaria de</p><p>partilhar com vocês algumas dessas especulações pessoais e</p><p>provisórias. 0 que gostaria de fazer seria formular um conceito</p><p>teórico do ponto final ou a assíntota da terapia. Eu esperaria po-</p><p>der estabelecê-lo em termos que escapassem de algumas das</p><p>críticas que mencionei, termos que eventualmente pudessem</p><p>ser definidos operacionalmente e submetidos a teste objetivo.</p><p>O Referencial a partir do qual o Problema é Abordado</p><p>Deixarei claro, de inicio, que estou falando do interior do 73</p><p>referencial da Terapia Centrada no Cliente. Muito provavelmente</p><p>toda psicoterapia bem sucedida tern um resultado similar para a</p><p>personalidade, mas estou menos certo disso do que estava</p><p>antes e por isso quero restringir meu campo de observaşão. As-</p><p>sim, presumirei que a pessoa hipotética que descrevo teve uma</p><p>experiência intensa e extensa em Terapia Centrada no Cliente</p><p>e que a terapia foi tão completamente bem sucedida quanto é</p><p>teoricamente possível. Isso significa que o terapeuta terá sido</p><p>capaz de entrar numa relaşão pessoal, subjetiva e intensa com</p><p>seu cliente - relacionando-se não como um cientista diante do</p><p>seu objeto de estudo, não como um médico esperando diag-</p><p>nosticar e curar, mas de pessoa para pessoa. Significa que o</p><p>terapeuta terá sentido esse cliente como sendo uma pessoa</p><p>incondicionałmente valorosa, valor este independente de suas</p><p>condişões, seu comportamento ou seus sentimentos. Isso sig-</p><p>nifica que o terapeuta terá sido capaz de se entregar à compre-</p><p>ensão do cliente, que nenhuma barreira interna o impediu de</p><p>captar o que, na sua percepção, o cliente seja, a cada momento</p><p>da relação, e que ele pôde transmitir algo de sua compreensão</p><p>empática ao cliente. Significa que o terapeuta sentiu-se confor-</p><p>tável ao entrar plenamente nessa relaşão, sem saber cogniti-</p><p>John Keith Wood et a/. torg. )</p><p>74|</p><p>vamente onde isso o levaria, satisfeito em prover um clima que</p><p>libertasse o cliente para que este se tornasse ele mesmo.</p><p>Para o cliente, essa terapia bem sucedida significou uma</p><p>exploraşão de sentimentos cada vez mais estranhos, desconhe-</p><p>cidos e perigosos, tornando-se</p><p>isso possível apenas porque ele</p><p>gradualmente percebeu que foi aceito de modo incondicional.</p><p>Assim, o cliente tornou-se familiarizado com elementos de sua</p><p>experiência que no passado foram negados à sua consciência</p><p>como muito ameaçadores, e danosos à estrutura do self. Ele</p><p>se descobriu experienciando esses sentimentos, na relação, de</p><p>maneira plena e completa, de tal forma que no momento ele é</p><p>seu medo, sua raiva, sua ternura ou sua força. À medida que</p><p>vive esses sentimentos tão variados em todos os seus graus</p><p>de intensidade, descobre que experienciou a si mesmo, que</p><p>ele é todos esses sentimentos. Percebe seu comportamento</p><p>mudando de maneira construtiva de acordo com a experiencia-</p><p>ção recente do seu self. Aproxima-se da percepção de que não</p><p>precisa mais temer o que as experiências poderiam envolver,</p><p>mas pode recebê-las livremente como parte do seu self mutável</p><p>e em desenvolvimento.</p><p>Essa é uma descrição resumida do que a Terapia Cen-</p><p>trada no Cliente poderia ser em seu ponto ótimo. Apresento-a</p><p>aqui apenas como introdução à minha principal questão: que</p><p>características de personalidade se desenvolverão no cliente</p><p>como resultado desse tipo de experiência?</p><p>Três Características da Pessoa após a Terapia</p><p>Então, qual é o ponto final da psicoterapia bem sucedi-</p><p>da? Tentarei responder a mim mesmo esta questão, baseando</p><p>minha reflexão no conhecimento que conquistamos através da</p><p>pesquisa e experiência clínica, mas levando isso ao limite, a fim</p><p>de melhor observar o tipo de pessoa que poderá emergir se a</p><p>terapia atingir o seu ponto máximo. À medida que tento decifrar</p><p>a resposta, a descrição me parece perfeitamente unitária, mas,</p><p>para maior clareza de apresentaşão, vou dividi-la em três face-</p><p>tas:</p><p>1. Essa pessoa estaria aberta à sua experiência. Esta é</p><p>uma frase que passou a ter um significado cada vez mais defi-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ ediçśo</p><p>nido para mim. É a polaridade oposta a uma postura de defesa.</p><p>Tal postura, como já a descrevemos anteriormente, é a resposta</p><p>do organismo a experiências percebidas ou antecipadas como</p><p>incongruentes com a estrutura do self. Com a finalidade de pre-</p><p>servar essa estrutura, ocorre na consciência uma simbolização</p><p>distorcida dessas experiéncias, o que reduz a incongruência.</p><p>Assim, o indivíduo se defende contra qualquer ameaşa de alte-</p><p>ração no conceito do self.</p><p>Entretanto, para a pessoa que está aberta à sua experi-</p><p>ência, cada estímulo, provenha ele do organismo ou do meio</p><p>ambiente, seria livremente retransmitido através do sistema ner-</p><p>voso, sem que fosse distorcido por um mecanismo defensivo.</p><p>Não haveria necessidade de o mecanismo de “subcepşão”,</p><p>pelo qual o organismo se previne contra qualquer experiéncia</p><p>ameaçadora ao self. Pelo contrário, quer o estímulo tenha sido</p><p>o impacto de uma configuração de forma ou cor ou um som do</p><p>ambiente sobre os nervos sensoriais, ou um traşo de memória</p><p>do passado, ou uma sensaşão visceral de medo, prazer ou des-</p><p>gosto, a pessoa o estaria vivendo como plenamente acessível à</p><p>sua consciência.</p><p>Talvez eu possa dar a esse conceito um significado mais</p><p>vívido se ilustrá-lo a partir de uma entrevista gravada. Um jovem</p><p>profissional relata, na 48a entrevista, a maneira como se tornou</p><p>mais aberto a algumas de suas sensaşões corporais, assim</p><p>como a outros sentimentos.</p><p>Cliente: - Não creio que seria possível, para qual-</p><p>quer pessoa, relatar todas as mudanças que sente.</p><p>Mas, com certeza, senti recentemente que tenho</p><p>mais respeito, mais objetividade em relação à mi-</p><p>nha constituiçäo física. Quero dizer que nâo espero</p><p>demais de mim. É assim que funciona: parece-me</p><p>que antigamente eu costumava lutar contra certo</p><p>cansado que sentia após o ¡antar. Agora, tenho</p><p>certeza absoluta de que realmente estou cansado -</p><p>que nâo estou me fazendo de cansado - que estou</p><p>apenas fisiologicamente mais lento. Parece que es-</p><p>tava sempre criticando meu cansado.</p><p>Terapeuta: - Entäo, vocè se permite estar cansado,</p><p>em vez de se critical por isso.</p><p>|75</p><p>John Kei¢h Wood et al. (org.)</p><p>Cliente: - Sim, em vez de achar que náo poderia</p><p>estar cansado ou qualquer coisa assim. E me pa-</p><p>rece, de certa maneira, ser muito profundo que eu</p><p>possa simplesmente não lutar contra esse cansaço</p><p>e isso acompanhado também de um real sentimen-</p><p>to de que eu tenho que relaxar, pois estar cansado</p><p>nâo é assim tâo terrivel. Penso que posso tamóém</p><p>pegar a pista do porquê eu seria daquele jeito, do</p><p>jeito que meu pai é, e da maneira como ele encara</p><p>certas coisas. Por exemplo, dizer que eu estava do-</p><p>ente, eu diria isso e pareceria claramente que ele</p><p>queria fazer alguma coisa, mas ele também diria:-</p><p>“Caramba, mais problemas”. Entende? Qualquer</p><p>coisa desse tipo.</p><p>Terapeuta: - Como se houvesse algo muito irritante</p><p>no fato de estar fisicamente doente.</p><p>76 Cliente: - E estou certo de que meu pai tem o mes-</p><p>mo desrespeito por sua própria fisiologia, como eu</p><p>tinha. No último verâo, torci minhas costas, disten-</p><p>di, até ouvi um esta/o. No inicio, tinha de fato uma</p><p>dor constante e aguda. O médico examinou e disse</p><p>que nâo era grave, que passaria por si só, desde</p><p>que eu não me curvasse muito. Bem, isto foi há me-</p><p>ses, e eu tenho notado ultimamente que - droga! - é</p><p>uma dor real e ainda está aqui - e isso não é minha</p><p>culpa. Eu acho que, eu acho que é ...</p><p>Terapeuta: - lsto nâo prova nada de mau a seu res-</p><p>peito.</p><p>Cliente: - Não, e uma das razões pelas quais pa-</p><p>reço estar mais cansado do que devia, talvez seja</p><p>por causa dessa constante tensâo, e vai por ai. Já</p><p>marquei consulta com um dos médicos do hospital</p><p>que vai me examinar e radiografar, fazer algo. De</p><p>certa maneira, acho que vocé poderia dizer que es-</p><p>tou mais especial ou objetivamente sensível a esse</p><p>tipo de coisa. Posso dizer com certeza que isto se</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5•</p><p>estendeu ao quê eu como e a quanto eu como.</p><p>Isso é de fato uma profunda mudança, quer dizer, é</p><p>claro que meu relacionamento com minha mulher</p><p>e meus dois filhos é... - você nâo o reconheceria se</p><p>pudesse me ver por dentro como viu - quer dizer,</p><p>näo parece haver nada mais maravilhoso que sentir</p><p>real e genuino amor pelos próprios filhos e ao mes-</p><p>mo tempo receber esse amor. Nâo sei como co-</p><p>locar isso. Temos cada vez mais respeito - ambos</p><p>- por Judy e notamos, à medida que participamos</p><p>nisso, notamos uma tremenda mudança nela - pa-</p><p>rece ser uma coisa profunda.</p><p>Terapeuta: - Parece-me que você está dizendo</p><p>que pode ouvir mais acuradamente a si mesmo.</p><p>Se seu corpo diz que está cansado, você ouve e</p><p>acredita, em vez de criticá-to; se está doendo você</p><p>pode ouvir isso; se o sentimento é amar sua mulher</p><p>e filhos, você pode sentir. E isso parece representam</p><p>mudanças neles também. 77</p><p>Aqui, em um trecho relativamente secundário, mas sim-</p><p>bolicamente importante, fica muito claro o que tentei dizer so-</p><p>bre abertura à experiéncia. No início, ele não podia sentir livre-</p><p>mente dor ou doença porque ficar doente significaria não ser</p><p>aceito. Nem podia sentir ternura ou amor por sua filha porque</p><p>tais sentimentos significariam ser fraco, e ele tinha que manter</p><p>sua máscara de forte. Mas, agora ele pode estar genuinamente</p><p>aberto à experiência de seu organismo - pode ficar cansado</p><p>quando está cansado, pode sentir dor, quando seu organismo</p><p>sente dor, pode, livremente experienciar o amor que sente por</p><p>sua filha e pode também sentir e expressar irritação em relaşão</p><p>a ela, como irá dizer na próxima parte da entrevista. Pode viver</p><p>plenamente a experiência de seu organismo total, em vez de</p><p>barrá-la à consciência.</p><p>Usei esse conceito de disponibilidade à consciência para</p><p>tentar tornar claro o que quero dizer com abertura à experiên-</p><p>cia. Isso pode ser mal compreendido. Não quero dizer que esse</p><p>indivíduo será consciente de tudo o que lhe estiver acontecen-</p><p>do, como a centopéia que se torna consciente de todas as suas</p><p>patas. Ao contrário, ele estaria livre para viver um</p><p>sentimento</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>subjetivamente, assim como para estar consciente dele. Pode</p><p>experienciar amor, dor ou medo, vivendo subjetivamente nessa</p><p>atitude. Ou pode abstrair-se da subjetividade e conscientizar-</p><p>se: “sinto dor”, “estou com medo”, “amo”. O ponto crucial é</p><p>que não haveria barreiras, não haveria inibições que pudessem</p><p>evitar o pleno experienciar do que quer que esteja organismica-</p><p>mente presente, e a disponibilidade à consciéncia é uma boa</p><p>medida dessa ausência de barreiras.</p><p>2. Esta pessoa viveria de maneira existencial. Acredito</p><p>ser evidente que para a pessoa totalmente aberta à experiên-</p><p>cia, completamente sem defesas, cada momento seria novo. A</p><p>configuração complexa dos estímulos internos e externos, que</p><p>existe nesse momento, nunca existiu antes, da mesma maneira.</p><p>Em consequência, nossa pessoa hipotética poderia perceber-</p><p>se nos seguintes termos: “0 que serei e o que farei mais adian-</p><p>te só dará sinais do que é, quando acontecer e não pode ser</p><p>previsto com antecedência, nem por mim, nem pelos outros”.</p><p>Não é incomum encontrarmos clientes expressando esse tipo</p><p>de sentimento. Assim, um deles ao fim da terapia diz, perplexo:</p><p>78 “Não concluí o trabalho de me integrar e reorganizar, mas isso é</p><p>apenas confuso e não desencorajador, agora que percebo que</p><p>é um processo contínuo... É estimulante, algumas vezes preo-</p><p>cupante, mas profundamente encorajador sentir-se em ação e</p><p>aparentemente sabendo onde você está indo, mesmo que vocé</p><p>nem sempre saiba conscientemente onde isso fica”.</p><p>Uma maneira de expressar a fluidez que estaria presen-</p><p>te em tal viver existencial é dizer que o self e a personalidade</p><p>emergem da experiência, em vez de a experiência ser traduzi-</p><p>da ou distorcida para encaixar-se numa estrutura de self pré-</p><p>concebida. Isto significa que a pessoa torna-se participante e</p><p>observadora do processo da experiência organísmica em an-</p><p>damento, ao invés de estar no controle dela. Em outra ocasião</p><p>tentei descrever como vejo esse tipo de viver. “Todo esse en-</p><p>cadeamento do experienciar e o significado que descobri nele</p><p>até este ponto parecem ter-me lançado num processo que é ao</p><p>mesmo tempo fascinante e, algumas vezes, um pouco assusta-</p><p>dor. Parece significar deixar-me levar pela experiência, em dire-</p><p>ção ao que parece ser um avanşo, em direção a metas que só</p><p>posso definir obscuramente, a medida que tento compreender</p><p>pelo menos o significado presente dessa experiência. A sen-</p><p>saşão é de flutuar em uma complexa corrente de experiência,</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>com a fascinante possibilidade de tentar entender sua sempre</p><p>mutável complexidade.” (3)</p><p>Esse viver no momento significa uma auséncia de rigi-</p><p>dez, de organização contida, auséncia de imposişão de uma</p><p>estrutura à experiência. Significa, ao contrário, um máximo de</p><p>adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência,</p><p>uma organização mutável e fluida do self e da personalidade.</p><p>A personalidade e o self estariam em contínuo fluxo, sen-</p><p>do os únicos elementos estáveis as capacidades e limitações fi-</p><p>siológicas do organismo, suas contínuas e recorrentes necessi-</p><p>dades de sobrevivência, expansão, alimentação, afeição, sexo</p><p>e afins. 0s traços estáveis de personalidade seriam a abertura</p><p>à experiência e a resoluşão flexível das necessidades existentes</p><p>num dado ambiente.</p><p>3. Essa pessoa descobriria que seu organismo é um</p><p>meio confiável de chegar ao comportamento mais satisfatório</p><p>em cada situação existencial. Ela faria o que “sentisse certo” no</p><p>momento imediato, e descobriria que isso, em geral, é um guia</p><p>competente e confiável para seu comportamento.</p><p>Caso isso pareça estranho, vou tentar explicar a razão 79</p><p>subjacente. Uma vez a pessoa aberta à sua própria experiên-</p><p>cia, teria acesso a todos os dados disponíveis da situação para</p><p>dar respaldo a seu comportamento: as exigências sociais, suas</p><p>próprias necessidades complexas e talvez conflitantes; suas</p><p>lembranças de situaşões similares, sua percepşão da singu-</p><p>laridade dessa situação, etc. 0 “sistema dinâmico” de cada</p><p>situação, como Krech (2) o chamaria, seria de fato muito com-</p><p>plexo. Mas, a pessoa, com a participação de sua consciência,</p><p>permitiria ao organismo total considerar, em cada estímulo, sua</p><p>necesssidade e exigência, sua relativa intensidade e importân-</p><p>cia, tornado-se apta, a partir desse quadro complexo, a avaliar</p><p>e descobrir, enfim, aquele curso de aşão mais próximo de sa-</p><p>tisfazer todas as suas necessidades na situaşão. Uma analo-</p><p>gia que se aproximasse de uma descrição seria comparar essa</p><p>pessoa a um gigantesco computador eletrônico. Uma vez que</p><p>ela esteja aberta à experiência, todos os dados de suas impres-</p><p>sões sensoriais, de sua memória e aprendizagens prévias, de</p><p>estados viscerais e internos, alimentam a máquina. Ela perce-</p><p>be todas essas múltiplas influências determinadas por todos</p><p>os fatores na situaşão existencial e as faz entrar como dados e</p><p>rapidamente computa o curso de aşão que seria o vetor mais</p><p>John Keich Wood et a/. torg. J</p><p>econômico de satisfação da necessidade nessa situaşão exis-</p><p>tencial. Este é o comportamento de nossa pessoa hipotética.</p><p>As deficiências que na maioria de nós tornam este pro-</p><p>cesso não confiável são a inclusão de material não existencial</p><p>ou a ausência de dados. E quando memórias e aprendizagens</p><p>prévias são introduzidas na computaşão, como se fossem esta</p><p>realidade e não memórias e aprendizagens, é que surgem res-</p><p>postas comportamentais errôneas. Ou, quando certas expe-</p><p>riências ameaçadoras são inibidas à consciência e então ne-</p><p>gadas à computação ou introduzidas de forma distorcida, isso</p><p>também produz erro. Mas nossa pessoa hipotética consideraria</p><p>seu organismo inteiramente confiável, porque todos os dados</p><p>disponíveis seriam usados e estariam presentes de forma mais</p><p>acurada do que distorcida. Assim, seu comportamento se tor-</p><p>naria tão próximo quanto possível de satisfazer todas as suas</p><p>necessidades - de expansão, de vinculaşão com outros e coi-</p><p>sas parecidas.</p><p>Nesse ponderar e computar, seu organismo não seria, de</p><p>modo algum infalível. Daria sempre a melhor resposta possível</p><p>80 para os dados disponíveis, mas algumas vezes faltariam da-</p><p>dos. Devido ao elemento de abertura à experiência, no entanto,</p><p>qualquer erro, qualquer sequência de comportamento que não</p><p>satisfizesse seria rapidamente corrigida. As computações, por</p><p>assim dizer, estariam sempre em processo de correção, porque</p><p>seriam continuamente testadas no comportamento.</p><p>Talvez a analogia com um computador eletrônico não</p><p>seja do agrado geral. Vou colocar a questão em termos mais</p><p>humanos. 0 cliente previamente citado descobriu-se expres-</p><p>sando irritaşão em relação à sua filha, quando ele se “sentia</p><p>assim”, assim como expressava afeto, quando sentia afeição.</p><p>Percebeu-se, ainda, fazendo-o de uma maneira que não ape-</p><p>nas aliviava sua própria tensão como permitia à garotinha ex-</p><p>ternar as irritações deia. Ele descreve as diferenşas entre co-</p><p>municar sua irritação e dirigir-lhe seus sentimentos de raiva ou</p><p>impô-los a ela. Ele continua: “Exatamente porque não sinto que</p><p>estou impondo os meus sentimentos a ela, parece que preciso</p><p>mostrá-los no meu rosto. Talvez ela veja como: „Ah, o papai está</p><p>bravo, mas não tenho que me submeter‟. Porque ela nunca se</p><p>submete. Isto em sí é um assunto para um romance, tão interes-</p><p>sante quanto”. Nesse exemplo, estando aberto à experiência,</p><p>ele seleciona com surpreendente habilidade intuitiva um curso</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>de comportamento sutilmente orientado que vai atender à sua</p><p>necessidade de alívio de tensão da raiva, mas também satisfará</p><p>sua necessidade de ser um born pai e de encontrar satisfação</p><p>no desenvolvimento saudável da filha, e ele consegue tudo isso,</p><p>com a participação de sua consciência simplesmente fazendo</p><p>o que sente como certo.</p><p>Em um nível completamente diferente, parece ser essa</p><p>mesma espécie de seleşão organísmica complexa que deter-</p><p>Carl Rogers rigorosamente traduzidos da</p><p>Iíngua original e reflexões críticas fundamentadas.</p><p>Lembramos que a primeira edição teve o mérito de tradu-</p><p>zir alguns artigos inéditos em Iíngua portuguesa e analisar com</p><p>rigor conceitual traduşões já publicadas, comparando-as aos</p><p>textos originais de Rogers, por identificar impropriedades em</p><p>vários textos até então disponíveis em português.</p><p>Esta quarta edişão apresenta uma relação inédita da pro-</p><p>duşão escrita de John Wood, oferecendo à comunidade brasi-</p><p>leira, o registro da fertilidade de seu pensamento. Além disso,</p><p>representa uma homenagem e reconhecimento à sua importân-</p><p>cia singular.</p><p>A morte de John, em 22 de agosto de 2004, nos deixou</p><p>um imenso vazio, antes preenchido por seu profundo conheci-</p><p>mento da condişão humana, grande capacidade de escuta e</p><p>compaixão, terno e caloroso olhar e senso de humor inteligen-</p><p>te.</p><p>John era capaz de observaşão acurada do indivíduo,</p><p>quer fosse pessoa, planta ou animal, e capaz, ao mesmo tem-</p><p>po, de apreciar os padrões do todo, fosse grupo, ecossistema</p><p>ou sistemas de pensamento. Ávido leitor e constante aprendiz</p><p>até seu último suspiro, desenvolveu seu pensamento científico</p><p>graduando-se e trabalhando em engenharia; depois concen-</p><p>trou-se na pesquisa humanista, prática e teórica, culminando</p><p>em grande sabedoria ecológica quando reintegrava tudo sob</p><p>novo enfoque.</p><p>Um eterno buscador da verdade, leu os livros sagrados</p><p>com determinação e profundidade, sendo estes sua constan-</p><p>te fonte de inspiração e inteireza; um grande mestre que agia</p><p>conforme pensava, influenciava as pessoas de modo nada in-</p><p>John Keich Wood et al. (org. J</p><p>trusivo, sem tentar convencer, mas afetando-as através de suas</p><p>atitudes e comportamento íntegros.</p><p>John encontrou no Brasil um campo de aprimoramento para</p><p>suas reflexões e a possibilidade de integração de suas idéias</p><p>na prática; encontrou também aqui um lar e Lucila, sua compa-</p><p>nheira de alma,</p><p>Jaime Roy Doxsey, Lucila Machado Assumpçâo,</p><p>Marcia Alves Tassinari e Raquel Wrona</p><p>Jaguariúna, maio de 2008.</p><p>12</p><p>PRÓLOGO</p><p>Carl Ransom Rogers (1902-1987) talvez tenha sido o psi-</p><p>cólogo mais importante do seu tempo. Numa consulta a psicó-</p><p>logos clínicos e conselheiros norte-americanos, a quem foi pe-</p><p>dido que indicassem os dez terapeutas mais influentes, o nome</p><p>de Rogers aparece no topo da lista (Smith, 1982).</p><p>No entanto, ainda mais impressionante que sua popula-</p><p>ridade foram suas realizações. Após muitos anos de trabalho</p><p>dedicado, desenvolvendo uma psicoterapia verdadeiramente</p><p>humanista, Rogers foi eleito, em 1947, presidente da Associa-</p><p>ção Americana de Psicologia.</p><p>Sua participação nessa instituição marcou um ponto sem</p><p>volta no reconhecimento que a sociedade norte-americana</p><p>passou a dedicar ao papel do psicólogo clínico, aceitando-o</p><p>também como psicoterapeuta. Isto porque a prática inicial de</p><p>Rogers no campo do Aconselhamento Psicológico, tornando-o</p><p>objeto de pesquisa empírica, fortaleceu o reconhecimento de</p><p>seu trabalho como atinente à psicoterapia, Iegitimando-a como</p><p>parte do campo de atuação do psicólogo. Até então, era veda-</p><p>da aos psicólogos a prática da psicoterapia, prerrogativa exclu-</p><p>siva de médicos psiquiatras.</p><p>Essa mesma associação conferiu-lhe prêmio por “Emi-</p><p>nente Contribuişão Cientifica” e outro por “Eminente Contribui-</p><p>ção Profissional”. Foi também o primeiro presidente da Associa-</p><p>ção Americana de Psicoterapeutas, no período compreendido</p><p>entre 1956 e 1958.</p><p>Rogers escreveu mais de 250 artigos e publicou em torno</p><p>de 20 livros. Cerca de doze filmes foram feitos sobre seu traba-</p><p>lho e é difícil precisar o número de horas gravadas em áudio e</p><p>vídeo de suas sessões psicoterápicas, tal o seu volume.</p><p>Revendo essa produção, particularmente o material com-</p><p>preendido entre 1940 e 1970, período em que se gestaram suas</p><p>idéias mais cuidadosamente formuladas, fica-se atónito dian-</p><p>te da gama e profundidade das questões levantadas, que ele</p><p>procurou responder. Quem sou eu? Será que posso ajudar?</p><p>Como? 0 que posso fazer? Como uma pessoa muda? Qual o</p><p>ponto de partida? Qual poderia ser o ponto final? Como abor-</p><p>John Keith Wood et at. (org. )</p><p>dar esta tarefa? 0 que pretendo? Quais são minhas atitudes?</p><p>Meus valores? 0 que sinto e penso? Quais são os fatos? 0 que</p><p>realmente funciona? Será suficiente escutar? Qual é o efeito</p><p>da honestidade, da congruência? Como me relaciono com o</p><p>cliente? 0 que significa o nosso relacionamento? Realmente me</p><p>importo com ele? Qual é a percepção que o cliente tern de mim,</p><p>da relação, da atividade? Como é o mundo do cliente? Qual e o</p><p>objetivo da terapia? 0 que é a pessoa? Qual é a natureza do</p><p>homem? Quais são as implicações mais amplas de nossas des-</p><p>cobertas? Que é educação? Será que posso facilitar a apren-</p><p>dizagem? Como? Será que posso ser uma pessoa facilitadora</p><p>em um grupo? Será que posso facilitar a comunicação entre</p><p>antagonistas? Será que meu modo de trabalhar traz contribui-</p><p>ções para a resolução dos problemas críticos da atualidade?</p><p>O que é a Abordagem Centrada na Pessoa?</p><p>Rogers considerou a Abordagem Centrada na Pessoa como</p><p>uma forma singular de abordagem, organizadora da experiên-</p><p>14 cia bem sucedida, em diversas atividades. A Terapia Centrada</p><p>no Cliente foi a primeira dessas aplicaşões e consistiu na facili-</p><p>tação do crescimento pessoal e saúde psicológica de indivídu-</p><p>os numa psicoterapia pessoa-a-pessoa. Grupos de encontro,</p><p>aprendizado em salas de aula, terapias de pequenos grupos ou</p><p>workshops de grandes grupos para aprendizagem sobre forma-</p><p>ção e transformação da cultura, comunicaşões inter-culturais e</p><p>resoluşão-de-conflitos estão entre as outras atividades onde a</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa tern sido aplicada com graus</p><p>variados de sucesso.</p><p>A Abordagem Centrada na Pessoa não é uma teoria, uma tera-</p><p>pia, uma psicologia, uma tradição. Não é uma linha, como por</p><p>exemplo, a linha Behaviorista. Embora muitos tenham notado</p><p>um posicionamento existencial em suas atitudes, e outros te-</p><p>nham se referido a uma perspectiva fenomenoiógica em suas</p><p>intenções, não é uma filosofia. Acima de tudo não é um movi-</p><p>mento, como por exemplo, o movimento trabalhista. É mera-</p><p>mente uma abordagem, nada mais, nada menos. É um “jeito</p><p>de ser“ (Rogers, 1980) ao se deparar com certas situaşões, que</p><p>consiste de:</p><p>- uma perspectiva de vida, de modo geral, positiva;</p><p>- uma crenşa numa tendência formativa direcional que Rogers</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>(1980) descreve brevemente como: “0s indivíduos têm dentro</p><p>de si mesmos amplos recursos para a auto-compreensão, para</p><p>alterarem seu auto-conceito, sua atitude básica e seu compor-</p><p>tamento auto-dirigido; esses recursos podem ser mobilizados</p><p>se lhes for proporcionado um clima definido de atitudes psico-</p><p>lógicas facilitadoras” (p. 115);</p><p>— uma intenção de ser eficaz nos próprios objetivos. No caso</p><p>da Terapia Centrada no Cliente, por exemplo, a intenção é aju-</p><p>dar outro ser humano a fazer mudanças construtivas na perso-</p><p>nalidade; *</p><p>— um respeito pelo individuo e por sua autonomia e dignidade.</p><p>Rogers, em uma de suas primeiras tentativas para descrever</p><p>sua abordagem no que concerne sua aplicaşão à psicoterapia,</p><p>propôs que o terapeuta teria “uma capacidade de simpatia que</p><p>não seria exagerada, uma atitude genuinamente receptiva e in-</p><p>teressada, uma compreensão profunda que tornaria impossível</p><p>fazer julgamentos morais ou ficar chocado ou horrorizado.” Este</p><p>terapeuta teria um respeito pela individualidade que vai ainda</p><p>mais além. łncluiria “um respeito profundamente enraizado pela</p><p>integridade da pessoa (...] uma vontade de aceitá-la como é, 15</p><p>no seu próprio nível de ajustamento, e lhe dar liberdade para</p><p>conseguir soluşões próprias para seus problemas”. Rogers</p><p>achava que se deveria esperar que um terapeuta tivesse “uma</p><p>sólida compreensão de si mesmo, de seus padrões emocionais</p><p>predominantes, e suas próprias limitações e atalhos” (Kirschen-</p><p>baum, 1979,</p><p>mina o comportamento científico de um homem como Einstein,</p><p>mantendo-o numa dada direşão, muito antes que ele pudesse</p><p>ter qualquer base plenamente consciente e racional para isso.</p><p>Durante esse período inicial, ele está simplesmente confiando</p><p>na reaşão total de seu organismo. E ele diz: “Durante todos</p><p>aqueles anos havia um senso de direşão, como estar indo dire-</p><p>to a alguma coisa concreta. Naturalmente, é muito difícil expres-</p><p>sar esse sentimento em palavras; mas esse era decididamente</p><p>o caso, que deve ser claramente diferenciado de consideraşões</p><p>posteriores sobre a forma racional da soIuşão".(5) Esse é o tipo</p><p>de comportamento, creio eu, também característico da pessoa</p><p>que aproveitou bem a terapia. 81</p><p>A Pessoa em Funcionamento Pleno</p><p>Gostaria de articular esses três fios para compor uma tra-</p><p>ma mais unificada. Parece que a pessoa que emerge de uma</p><p>experiência, que teoricamente atingiu seu ponto ótimo, de Te-</p><p>rapia Centrada no Cliente é, então, uma pessoa em funciona-</p><p>mento pleno. Ela é capaz de viver plenamente com cada um e</p><p>com todos os seus sentimentos e reaşões. Está usando todo</p><p>o seu equipamento orgânico para sentir, tão acuradamente,</p><p>quanto possível, a situação existencial interna e externa. Está</p><p>usando todos os dados que seu sistema nervoso pode assim</p><p>fornecer, usando-os com consciência, mas reconhecendo que</p><p>seu organismo total pode ser, e frequentemente é, mais sábio</p><p>que sua consciência. É capaz de permitir que seu organismo</p><p>total funcione em toda a sua complexidade, selecionando entre</p><p>as múltiplas possibilidades, o comportamento que no momento</p><p>será o mais amplo e genuinamente satisfatório. É capaz de con-</p><p>fiar em seu organismo com esse funcionamento, não porque tal</p><p>funcionamento seja infalível, mas, porque a pessoa está total-</p><p>John Keith Wood et a/. Borg. J</p><p>mente aberta às consequências de cada uma de suas ações, e</p><p>pode corrigí-las caso não a satisłaşam completamente.</p><p>Ela é capaz de experienciar todos os seus sentimentos</p><p>sem medo de nenhum deles; ela é seu próprio critério de evi-</p><p>dência, mas está aberta a evidências de todas as fontes; está</p><p>completamente engajada no processo de ser e tornar-se ela</p><p>mesma e assim descobrir que é socialmente orientada de for-</p><p>ma sólida e realista; vive completamente no momento, mas</p><p>aprende que este é o modo mais saudável de viver por todo o</p><p>tempo. É um organismo em funcionamento pleno e, devido à</p><p>consciência de si mesma que flui livremente em suas experiên-</p><p>cias e através delas, é uma pessoa em funcionamento pleno.</p><p>Algumas Implicações dessa Descrição</p><p>82|</p><p>Esta é, então, minha definişão provisória do hipotético</p><p>ponto final da terapia, minha descrişão do quadro final do qual</p><p>nossos clientes reais se aproximam, mas nunca atingem com-</p><p>pletamente. Gosto dessa descrição, tanto porque acredito que</p><p>ela está fundamentada em - e é verdadeira para - nossa ex-</p><p>periência clínica, como também porque acredito que ela tenha</p><p>implicaşões clínicas, científicas e filosóficas significativas. Gos-</p><p>taria de apresentar algumas destas ramificações e implicações,</p><p>como as encaro.</p><p>A. Apropriada à Experiência Clínica</p><p>Em primeiro lugar, a descrição parece conter a base para</p><p>o fenômeno da experiência clínica na terapia bem sucedida.</p><p>Observamos que o cliente desenvolve um locus de avaliaşão</p><p>interior; isto condiz com o conceito de confiabilidade do orga-</p><p>nismo. Comentamos a satisfaşão do cliente an ser e tornar-se</p><p>ele mesmo, uma satisfação associada ao processo de funcio-</p><p>namento pleno. Descobrimos que os clientes suportam uma va-</p><p>riedade e uma gama muito maior de sentimentos, incluindo os</p><p>que anteriormente produziam ansiedade, e esses sentimentos</p><p>são produtivamente integrados nas suas personalidades orga-</p><p>nizadas de maneira mais flexível. Em resumo, os conceitos que</p><p>formulei parecem ser suficientemente amplos para conterem os</p><p>resultados positivos da terapia, tal como a conhecemos.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>B. Conduz a Hipóteses Operacionais</p><p>Apesar de visivelmente especulativa na forma em que se</p><p>apresenta, a formulaşão conduz, acredito, a hipóteses que po-</p><p>dem ser colocadas em termos rigorosos e operacionais. Creio</p><p>que tais hipóteses seriam antes aculturais ou universais, e não</p><p>diferentes para cada cultura.</p><p>0s conceitos apresentados, é óbvio, não são facilmente testa-</p><p>dos ou medidos, mas, com nossa crescente sofisticação em</p><p>pesquisa nessa área, sua mensuraşão não é uma esperança</p><p>descabida. Já estamos fazendo uma tosca tentativa de chegar</p><p>ao conceito de abertura à experiência.</p><p>C. Explica Contradições Desconcertantes</p><p>Durante os últimos anos, tern havido um acúmulo de</p><p>várias evidências desconcertantes no que diz respeito ao re-</p><p>lacionamento entre terapia e testes projetivos. São dados per-</p><p>sistentes que não podem simplesmente ser ajustados de modo 83</p><p>confortável às tendências globais dos resultados de pesquisa.</p><p>Descreverei cada um deles em termos gerais, de forma a não</p><p>constranger as pessoas envolvidas.</p><p>a. Num caso recente, considerado por diversos critérios</p><p>como bem sucedido, um jovem diagnosticador estudou um</p><p>Rorschach pós-terapia e exclamou: “Meu Deus! Será que o te-</p><p>rapeuta se deu conta de que este cliente ainda é psicótico!”</p><p>b. 0s protocolos do Rorschach de dez casos foram sub-</p><p>metidos a um experiente psicodiagnosticador. Ele não encontrou</p><p>evidência de mudanşa construtiva, somente leves flutuaçöes. 0</p><p>resultado foi publicado. Mais tarde, uma experiente clínica, que</p><p>era também terapeuta freudiana, analisou os mesmos protoco-</p><p>los. Ela encontrou evidências decisivas de progresso terapéuti-</p><p>co. Isso pareceu confuso e nunca foi publicado.</p><p>c. Quando um clínico estudou os protocolos de Rorscha-</p><p>ch, pré e pós terapia, de 56 clientes, sua impressão como diag-</p><p>nosticador, através do estudo do Rorschach, foi de não haver</p><p>progresso. Mais tarde, quando escalas objetivas de classifica-</p><p>ção foram desenvolvidas, medindo traços que teoricamente po-</p><p>deriam mudar na Terapia Centrada no Cliente, encontraram-se</p><p>mudanşas significativas através dessas escalas.</p><p>John Keith Wood e8 al. íorg. J</p><p>d. Em outro caso estudado e analisado minuciosamente,</p><p>o TAT foi analisado por uma clínica que tinha experiência em</p><p>teste projetivo, respeitava a terapia, e não conhecia nada sobre</p><p>o caso. Ela encontrou impressionante evidència de progresso.</p><p>Quando o mesmo conjunto de protocolos do TAT foi analisado</p><p>com base em escalas objetivas estabelecidas por um diagnos-</p><p>ticador, não foram encontradas mudanşas.</p><p>e. Numa série de casos julgados por terapeutas e distri-</p><p>buídos numa escala que variava de pouco a muito êxito, houve</p><p>uma correlação altamente negativa entre as avaliaşões do tera-</p><p>peuta e a análise dos TAT com base em escalas objetivas esta-</p><p>belecidas por um diagnosticador. 0s casos considerados pelo</p><p>terapeuta como mais bem sucedidos foram avaliados como os</p><p>menos bem sucedidos nas escalas do TAT. 0s casos avaliados</p><p>como mais bem sucedidos nas escalas do TAT foram consi-</p><p>derados, pelos terapeutas, como ainda decididamente defensi-</p><p>vOS.</p><p>84|</p><p>Essas contradições agora começam a se tornar um pa-</p><p>drão perceptível, nos termos da teoria que estou apresentan-</p><p>do. Embora no momento eu o afirme muito provisoriamente,</p><p>poderia parecer que quando testes projetivos são analisados</p><p>logo após a terapia, os mesmos elementos que o terapeuta vé</p><p>como evidéncia de progresso são vistos pelo diagnosticador</p><p>como evidência de desorganizaşão. 0 que um vê como fluidez,</p><p>abertura à experiência, organização existencial, como não-rígi-</p><p>dez, pode ser visto pelo outro como extrema falta de defesa,</p><p>desorganização, quase caos. De qualquer modo, isso é o que,</p><p>provisoriamente, é sugerido por nossas evidências.</p><p>Parece possível, então, que a abertura, a adaptabilida-</p><p>de e o viver existencial, que são características da pessoa que</p><p>recebeu ajuda máxima da terapia, sejam vistos por um diag-</p><p>nosticador, que utilize normas populacionais, como sinais de</p><p>que a pessoa está se desintegrando. 0 que para o cliente são</p><p>qualidades profundamente enriquecedoras em sua vida, pode,</p><p>em termos de normas populacionais, ser visto como patologia</p><p>desviante. Isso é uma possível explicaşão significativa para</p><p>aquilo que, de outro lado, seriam fatos desconectados e con-</p><p>traditórios.</p><p>D. Criatividade como resultado</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>Um dos elementos que me agrada na formulação teórica</p><p>que apresentei é que a pessoa em causa é uma pessoa criati-</p><p>va.</p><p>Essa pessoa, no hipotético ponto final da terapia, bem</p><p>poderia ser uma das pessoas “auto-realizadas”, segundo Mas-</p><p>low. Com a sensível abertura a seu próprio mundo, confianşa</p><p>na própria habilidade para fazer novos relacionamentos com</p><p>seu meio ambiente, ela seria o tipo de pessoa capaz de viver e</p><p>produzir criativamente. Não estaria necessariamente “ajustada”</p><p>à sua cultura e muito cenamente não seria conformista. Mas</p><p>em qualquer época e em qualquer cultura, ela viveria constru-</p><p>tivamente, tanto em harmonia com sua cultura, quanto com a</p><p>satisfação equilibrada de suas necessidades. Em algumas si-</p><p>tuaşões culturais ela poderia, de alguma maneira, estar muito</p><p>infeliz, mas, continuaria a ser ela mesma e a comportar-se de</p><p>modo a prover o máximo de satisfação de suas necessidades</p><p>mais profundas.</p><p>Acredito que tal pessoa seria reconhecida pelo estudio-</p><p>so da evoluşão como um tipo com maior probabilidade de se 85</p><p>adaptar e sobreviver sob condições ambientais em mudança.</p><p>Seria capaz de, criativamente, promover ajustamentos saudá-</p><p>veis em relação às novas e às velhas condições. Seria uma van-</p><p>guarda adequada da evolução humana.</p><p>E. Fundamenta-se na confiabilidade da natureza humana</p><p>Deve ter ficado evidente que uma implicação da visão</p><p>aqui apresentada é que a natureza básica do ser humano,</p><p>quando funcionando livremente, é construtiva e confiável. Para</p><p>mim, isso é uma conclusão inevitável após um quarto de sécu-</p><p>Io de experiencia em psicoterapia. Quando somos capazes de</p><p>libertar o indivíduo da tendência a defender-se, de tal forma que</p><p>ele esteja aberto à ampla gama de suas próprias necessida-</p><p>des, assim como à ampla extensão das solicitações ambienlais</p><p>e sociais, suas reaşões podem ser avaliadas como positivas,</p><p>progressistas, construtivas. Não precisamos perguntar quem</p><p>irá socializá-lo, porque uma de suas mais profundas necessi-</p><p>dades é a de vinculação e comunicação com outros. Quando é</p><p>totalmente ele mesmo, não pode deixar de ser realisticamente</p><p>socializado. Não necessitamos perguntar quem controlará seus</p><p>John Keith Wood et a/. (org.]</p><p>impulsos agressivos, porque quando ele está aberto a todos os</p><p>seus impulsos, sua necessidade de ser amado e sua tendência</p><p>a expressar afeişão são tão fortes quanto seus impulsos para</p><p>atacar ou dominar. Ele será agressivo em situações nas quais</p><p>a agressão é realisticamente apropriada, mas não haverá ne-</p><p>cessidade desenfreada de agressão. Seu comportamento total</p><p>nestas e noutras áreas, quando está aberto à sua experiência</p><p>total, é equilibrado e realista, um comportamento que é apro-</p><p>priado à sobrevivência e expansão de um animal altamente so-</p><p>cial.</p><p>Tenho pouca simpatia pelo conceito predominante de</p><p>que o homem é basicamente irracional e que seus impulsos, se</p><p>não controlados, tenderão à destruição dos outros e de si pró-</p><p>prio. 0 comportamento do homem é requintadamente racional,</p><p>movendo-se com complexidade sutil e ordenada em direção a</p><p>metas que seu organismo se esforça por alcançar. A tragédia,</p><p>para a maioria de nós, é que nossas defesas nos impedem de</p><p>estarmos conscientes dessa racionalidade, de tal forma que</p><p>conscientemente nos movemos numa direção, enquanto orga-</p><p>86 nísmicamente nos movemos em outra. Mas em nossa pessoa</p><p>hipotética não haveria tais barreiras e ela seria participante da</p><p>racionalidade de seu organismo. 0 único controle de impulsos</p><p>que existiria ou que seria considerado necessário é o equilíbrio</p><p>natural e interno de uma necessidade face a outra e a desco-</p><p>berta de comportamentos que acompanhem o vetor que mais</p><p>se aproxime da satisfação de todas as necessidades. A experi-</p><p>ência de extrema satisfação de uma necessidade (de agressão,</p><p>sexo, etc) de modo a violentar a satisfaşão de outras necessi-</p><p>dades (por companhia, relações ternas, etc) - uma experiência</p><p>muito comum na pessoa defensivamente organizada - seria</p><p>simplesmente desconhecida para nosso indivíduo hipotético.</p><p>Ele participaria das atividades auto-reguladoras amplamente</p><p>complexas de seu organismo - os controles termostáticos tanto</p><p>psicológicos como fisiológicos - de maneira a viver harmonica-</p><p>mente consigo e com os outros.</p><p>F. Comportamento confiável, mas não previsível</p><p>Nessa visão do ser humano em seu funcionamento ple-</p><p>no, acho fascinante observar certas implicações que têm a ver</p><p>com a previsibilidade. Deve estar claro, no quadro teórico que</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa |B• edişão</p><p>esbocei, que a con1iguração particular dos estímulos internos</p><p>e externos que a pessoa vive nesse momento, nunca existiu</p><p>antes dessa exata maneira; e também que seu comportamento</p><p>é uma reação realista a uma apreensão acurada de toda essa</p><p>evidência internalizada. Ficaria, portanto, claro que essa pes-</p><p>soa parecerá a si mesma confiável, mas não especificamente</p><p>previsível. Entrando numa situaşão nova com uma figura de au-</p><p>toridade, por exemplo, não poderá predizer qual será seu com-</p><p>portamento. Este será contingente ao comportamento dessa</p><p>figura de autoridade e às suas próprias reações internas ime-</p><p>diatas, desejos, etc. A pessoa pode confiar em que se Gompor-</p><p>tará apropriadamente, mas não tern conhecimento antecipado</p><p>do que fará. Esse ponto de vista é frequentemente expresso por</p><p>clientes, e acredito que isso é profundamente importante.</p><p>Mas o que estive dizendo sobre o cliente seria igualmen-</p><p>te verdadeiro sobre o cientista que estuda seu comportamento.</p><p>0 cientista consideraria o comportamento dessa pessoa como</p><p>ordenado e acharia possível explicá-lo a posteriori, mas não</p><p>poderia predizer ou prever o seu comportamento específico.</p><p>As razões são estas. Se o comportamento de nosso hipotético 87</p><p>cliente é determinado pelo sentido acurado de toda a complexa</p><p>evidência que existe nesse momento, e apenas por essa evi-</p><p>dência, então os dados necessários para a predição estão cla-</p><p>ros. Seria necessário dispor de instrumentos para medir cada</p><p>um dos múltiplos estímulos recebidos e um grande computa-</p><p>dor mecânico para calcular o vetor de reaşão mais econômico.</p><p>Enquanto essa computação está se processando, nossa pes-</p><p>soa hipotética já fez essa complexa síntese e avaliação dentro</p><p>do seu próprio organismo, e agiu. A ciência, se eventualmente</p><p>pudesse reunir todos esses dados com suficiente exatidão, de-</p><p>veria, teoricamente, ser capaz de analisá-los e chegar à mesma</p><p>conclusão, e assim explicar seu comportamento a posteriori. É</p><p>improvável que em algum momento a ciéncia pudesse reunir</p><p>e analisar os dados instantaneamente, o que seria necessá-</p><p>rio caso se tratasse de predizer o comportamento antes que o</p><p>mesmo ocorresse.</p><p>Pode-se clarificar isso, tornando emprestado e amplian-</p><p>do um pouco o pensamento exposto por minha colega Dra.</p><p>Hedda Bolgar, ao assinalar que o comportamento da pessoa</p><p>desajustada é que pode ser especificamente previsível, e que</p><p>alguma perda de previsibilidade deveria aparecer sempre que</p><p>John Keith Wood er a/. (org.</p><p>aumente a abertura à experiência e ao viver existencial. Na pes-</p><p>soa desajustada, o comportamento é previsível precisamente</p><p>porque é rigidamente padronizado. Se tal pessoa aprendeu um</p><p>padrão de reaşao hostil à autoridade e se essa “autoridade per-</p><p>versa” é parte de sua concepşão de si mesma em relaşão à</p><p>autoridade, e se por causa disso ela nega ou distorce qualquer</p><p>experiéncia que pudesse fornecer evidència contraditória, en-</p><p>tão, seu comportamento é especificamente previsível. Pode se</p><p>dizer com segurança que, numa situação nova com uma figura</p><p>de</p><p>autoridade, a pessoa Ihe será hostil. Mas, quanto mais essa</p><p>terapia, ou qualquer tipo de experiència terapêutica, aumentar</p><p>a abertura à experiência dessa pessoa, menos previsível será</p><p>seu comportamento. 0 estudo de Michigan (1) confirma isso</p><p>grosso modo, tentando predizer o êxito na psicologia clínica. As</p><p>predições para os homens que estavam em terapia durante o</p><p>período da investigação foram definidamente menos acuradas</p><p>do que para o grupo como um todo.</p><p>0 que estou dizendo aqui tern embasamento na afir-</p><p>mação comum de que o propósito mais amplo da Psicologia,</p><p>88 como ciéncia, é a “predişão e o controle do comportamento hu-</p><p>mano” - uma frase que para mim tern tido implicaşões filosófi-</p><p>cas perturbadoras. Estou sugerindo que, quando o indivíduo se</p><p>aproxima desse modo de funcionamento pleno, seu comporta-</p><p>mento, embora sempre ordenado e determinado, torna-se mais</p><p>difícil de predizer; e, embora sempre confiável e apropriado,</p><p>mais difícil de controlar. Isso talvez significasse que a ciência da</p><p>Psicologia, em seus níveis mais altos, seria mais uma ciência da</p><p>compreensão do que uma ciência da predição; uma análise da</p><p>ordenaşão daquilo que ocorreu, mais do que, primariamente,</p><p>um controle do que ocorrerá.</p><p>Em geral, essa linha de pensamento é confirmada por</p><p>nossos clientes que se sentem confiantes em que o que farão</p><p>em determinada circunstância será apropriado, compreensível</p><p>e saudável, mas, não podem predizer antecipadamente como</p><p>se comportarão. É também confirmada por nossas experiên-</p><p>cias como terapeutas, na medida em que estabelecemos uma</p><p>relação em que podemos estar seguros de que a pessoa des-</p><p>cobrirá a si mesma, tornar-se-á ela mesma, aprenderá a fun-</p><p>cionar mais livremente, mas não podemos prever o conteúdo</p><p>específico da próxima afirmação, da próxima fase da terapia ou</p><p>da soluşão comportamental que o cliente encontrará para um</p><p>Abordagem Cencrada na Pessoa | 5• edição</p><p>dado problema. A direção geral é confiável e podemos estar</p><p>certos de que será apropriada, mas seu conteúdo específico é</p><p>imprevisível.</p><p>G. Relaciona Liberdade e Determinismo</p><p>Gostaria de ir ainda além e oferecer uma implicaşãofilosó-</p><p>fica final, significativa para mim. Há algum tempo tenho estado</p><p>perplexo em relaşão ao paradoxo vivo existente em psicotera-</p><p>pia, entre liberdade e determinismo. Na relação psicoterapêu-</p><p>tica, uma das mais fortes experiências subjetivas é aquela em</p><p>que o cliente sente em si mesmo o poder da pura escolha. Ele</p><p>é livre para se tornar ele mesmo ou para se esconder atrás de</p><p>uma máscara; para ir adiante ou retroceder; para se comportar</p><p>de modo destrutivo para si e para os outros, ou de modo cons-</p><p>trutivo; totalmente livre para viver ou para morrer, tanto no sen-</p><p>tido fisiológico quanto psicológico dos termos. Ainda quando</p><p>adentramos o campo da psicoterapia com métodos objetivos</p><p>de pesquisa, estamos, como qualquer outro cientista, submeti-</p><p>dos a um completo determinismo. Desse ponto de vista, cada</p><p>pensamento, sentimento e aşão do cliente é determinado por</p><p>aquilo que o precede. O dilema que estou tentando descrever</p><p>não é diferente daquele encontrado em outros campos - é sim-</p><p>plesmente colocado sob um foco mais agudo. Tentei expressar</p><p>isso num trabalho escrito há um ano, contrastando essas duas</p><p>visöes. “Aqui (no campo da psicoterapia) está a maximìzaşão</p><p>de tudo o que é subjetivo, interno, pessoal; aqui, o relaciona-</p><p>mento é vivido e não examinado, aqui emerge uma pessoa,</p><p>não um objeto; uma pessoa que sente, escolhe, acredita, age,</p><p>não como um autômato, mas como uma pessoa. Então, aqui</p><p>também está o objetivo último da ciência - a exploraşão objetiva</p><p>dos aspectos mais subjetivos da vida; a redução a hipóteses, e</p><p>eventualmente a teoremas, de tudo o que foi visto como o mais</p><p>pessoal, o mais completamente interior, o mais cuidadosamen-</p><p>te parte de um mundo privado”. (4)</p><p>Não pensem que sou ingênuo a ponto de supor que re-</p><p>solvi o dilema entre o objetivo e o subjetivo, entre a liberdade</p><p>e o determinismo. No entanto, nos termos da definição que dei</p><p>da pessoa em funcionamento pleno, a relaşão pode ser vista de</p><p>uma nova perspectiva. Podemos dizer que no ponto ótimo da</p><p>terapia, a pessoa experiencia genuinamente a mais completa e</p><p>|89</p><p>John Keith Wood eC at. (org. J</p><p>absoluta liberdade. Ela deseja e escolhe seguir o curso de ação</p><p>que é o vetor mais econômico em relaşão a todos os estímulos</p><p>internos e externos, porque é esse comportamento que será o</p><p>mais profundamente satisfatório. Mas esse é o mesmo curso de</p><p>ação que, de um outro ponto favorável, dir-se-ia determinado</p><p>por todos os fatores na situaşão existencial. Vamos contrastar</p><p>isso com o quadro da pessoa organizada defensivamente. Eta</p><p>deseja ou escolhe seguir um dado curso de ação, mas acha</p><p>que não pode comportar-se da maneira que escolhe. É deter-</p><p>minada por fatores na situaşão existencial, mas esses fatores</p><p>incluem sua tendência a defender-se, sua negação ou distor-</p><p>ção de alguns dados relevantes. Portanto, é certo que seu com-</p><p>portamento não será completamente satisfatório. Seu compor-</p><p>tamento é determinado, mas ela não está livre para fazer uma</p><p>escolha efetiva. A pessoa em funcionamento pleno por outro</p><p>lado, não apenas experiencia, mas, utiliza a mais absoluta liber-</p><p>dade quando - espontânea, livre e voluntariamente - escolhe e</p><p>deseja o que é também absolutamente determinado.</p><p>Estou muito consciente de que essa não é uma nova</p><p>90 idéia para o filósofo, mas toi estimulante chegar a ela de um</p><p>ângulo totalmente inesperado, analisando um conceito na teo-</p><p>ria da personalidade. Para mim, ela provê a argumentação em</p><p>favor da realidade subjetiva da absoluta liberdade de escolha,</p><p>tão profundamente importante em terapia, e ao mesmo tem-</p><p>po provê a argumentação em favor do completo determinismo,</p><p>que é a pedra fundamental da ciência. Com esse quadro de</p><p>referência, posso entrar subjetivamente na experiência da esco-</p><p>lha pura que o cliente está vivendo; posso também, como cien-</p><p>tista, estudar seu comportamento, como sendo absolutamente</p><p>determinado.</p><p>Conclusão</p><p>Aqui está, então, meu modelo teórico da pessoa que</p><p>emerge da terapia - uma pessoa funcionando livremente em</p><p>toda a plenitude de suas potencialidades organísmicas; uma</p><p>pessoa realisticamente orientada, socializada e adequada; uma</p><p>pessoa criativa, cujas formas específicas de comportamento</p><p>não são facilmente previsíveis, uma pessoa que está sempre</p><p>mudando, sempre se desenvolvendo, descobrindo a si mesma</p><p>e a novidade em si mesma a cada momento. Essa é a pessoa</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>que, de modo imperfeito, realmente emerge da experiência de</p><p>seguranşa e liberdade numa relação terapêutica e essa é a pes-</p><p>soa que tentei descrever de forma “pura“. Meu propósito não</p><p>foi convencê-los da correşão deste ponto de vista. Na verdade,</p><p>deveria confessar que escrevi este trabalho basicamente para</p><p>minha própria satisfação, para esclarecer os pensamentos que</p><p>têm me inquietado. Mas, se esta apresentação os levar a formu-</p><p>lar a sua própria visão da pessoa que emerge da terapia, ou os</p><p>habilitar a apontar algumas falhas em meu próprio pensamento</p><p>que eu ainda não tenha visto, ou despertar em vocês o desejo</p><p>de testar objetivamente este ou outro quadro que vocês tenham</p><p>delineado por vocés mesmos, então este trabalho terá servido</p><p>plenamente, tanto a seu propósito primário, quanto ao secun-</p><p>dário.</p><p>91</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>1. KELLEY, E. L.; FISKE, D. W. The Prediction of Performance in</p><p>Clinical Psychology. Ann Arbor: University of Michigan Press,</p><p>1951.</p><p>2. KRECH, D. Notes towards a psychological theory. J. Pers.,</p><p>vol.18: 66-87, sept. 1949.</p><p>3. ROGERS, C. R. Personal thoughts on teaching and learning.</p><p>Merrill-Palmer Quart.,vol.3 p. 241-243, Summer, 1957. Também</p><p>publicado em Improving College and University Teaching, vol.6</p><p>1958. p. 4-5.</p><p>4. ROGERS, C. R. Persons or science: a philosophical question.</p><p>Amer. Psychologist,vol.10</p><p>1955. p. 267-278.</p><p>5. WERTHEIMER, M. Productive thinking. New York: Harper.</p><p>1945. p.183-184.</p><p>John Keith Wood et at. (org. J</p><p>92</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>A EQUAÇÃO DO PROCESSO DA PSICOTERAPIA</p><p>4</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>Há muito tempo venho tentando formulas para mim o</p><p>processo pelo qual se atinge a mudanşa na personalidade e</p><p>no comportamento, através da psicoterapia. Essas formulaşões</p><p>mudam de várias maneiras, à medida que minha experiência</p><p>como terapeuta aumenta. Elas continuam a mudar enquanto</p><p>vamos ganhando, pouco a pouco, através da pesquisa, um co-</p><p>nhecimento mais exato do processo. Algumas vezes sinto que</p><p>nosso progresso nessa compreensão é desencorajadoramen-</p><p>te lento. Outras vezes, quando olho para trás e para o que se</p><p>conhecia em matéria de psicoterapia há 30 anos, quando me</p><p>tornei terapeuta, sinto que temos feito consideráveis avanşos.</p><p>Tenho sido estimulado nos últimos anos por nossa ha-</p><p>bilidade em propor alguns esboşos de equação. Podemos</p><p>formular proposições, comparáveis a equaşões quimicas ru- 93</p><p>dimentares. Podemos dizer que, havendo uma pessoa dese-</p><p>jando ajuda e uma segunda provendo um relacionamento com</p><p>os elementos a, b e c, então ocorre um processo de mudanşa</p><p>que envolve os elementos x, y e z. Podemos especificar quase</p><p>que definitivamente a natureza de cada um desses elementos.</p><p>Obtivemos, em outras palavras, mais conhecimento objetivo de</p><p>causa e efeito em psicoterapia.</p><p>Neste artigo, gostaria de apresentar minha formulaşão</p><p>atual do processo de terapia, que incorpora parte do conheci-</p><p>mento mais recente.</p><p>O Relacionamento Efetivo</p><p>Há dois estudos recentes cujos resultados me entusias-</p><p>mam porque representam um considerável avanço na definição</p><p>objetiva dos elementos efetivos que ocasionam a mudanşa te-</p><p>rapêutica.</p><p>°. The Process Equation of Psychotherapy. American Journal of</p><p>Psychotherapy, vol.15 (1): 27-45, 1961.</p><p>John Keith Wood et a/. Borg.</p><p>A Relação conforme Percebida por “Juízes”</p><p>94|</p><p>0 primeiro estudo que queria relatar é o de Halkides (1),</p><p>que partiu de uma de minhas formulações teóricas, referente</p><p>às condições necessárias e suficientes para a mudança tera-</p><p>pêutica (2). Ela propôs como hipótese uma relação significativa</p><p>entre a extensão da mudança construtiva na personalidade do</p><p>cliente e quatro variáveis referentes ao terapeuta, quatro carac-</p><p>terísticas atitudinais sutis: (a) o grau de compreensao empática</p><p>manifestada pelo terapeuta em relação ao cliente; (b) o grau</p><p>de atitude afetiva positiva (consideração positiva incondicional)</p><p>manifestada pelo terapeuta em relaşão ao cliente; (c) o quan-</p><p>to o terapeuta é genuino ou congruente, no sentido em que</p><p>suas palavras correspondam a seus próprios sentimentos; e</p><p>(d) o quanto a resposta do terapeuta corresponde à afirmação</p><p>do cliente na intensidade da expressão afetiva. Para investigar</p><p>essas hipóteses, ela selecionou, primeiramente, por múltiplos</p><p>critérios objetivos, um grupo de dez casos que poderiam ser</p><p>classificados como “os mais bem sucedidos” e um grupo dos</p><p>dez casos “menos bem sucedidos”. Tornou de cada um desses</p><p>casos uma entrevista da fase inicial e uma da final. Selecionou,</p><p>ao acaso, nove unidades de interação cliente-conselheiro - uma</p><p>afirmação do cliente e uma resposta do conselheiro - de cada</p><p>uma das entrevistas. Tinha, assim, nove unidades de interação</p><p>do começo e nove unidades de interação do final de cada caso.</p><p>Isso Ihe deu várias centenas de unidades dessas amostras de</p><p>entrevista, que foram então colocadas em ordem aleatória. As</p><p>unidades de entrevistas iniciais de um caso não bem sucedido</p><p>poderiam ser seguidas pelas unidades de entrevistas finais de</p><p>um caso bem sucedido, etc.</p><p>Trés juízes que não conheciam os casos, nem seus graus</p><p>de êxito, nem a fonte de qualquer unidade dada, ouvìram entào</p><p>esse material em quatro ocasiöes diferentes. Avaliaram cada</p><p>unidade numa escala de sete pontos, primeiro pelo grau de em-</p><p>patia; segundo, pelo grau de atitude positiva do conselheiro em</p><p>relaşão ao cliente; terceiro, pela congruência ou autenticidade</p><p>do conselheiro e, quarto, pelo grau em que a resposta do con-</p><p>selheiro correspondia à intensidade emocional da expressão</p><p>do cliente.</p><p>Penso que todos nós, que conhecíamos o estudo, o con-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>siderávamos uma aventura muito ousada. Poderiam os juízes,</p><p>ouvindo unidades isoladas de interação, fazer qualquer avalia-</p><p>ção confiável de qualidades tão sutis? E mesmo se atingissem</p><p>uma confiabilidade adequada, poderiam os 18 intercâmbios</p><p>conselheiro-cliente de cada caso - uma amostra de um minuto</p><p>das centenas ou milhares de intercâmbios que ocorreram em</p><p>cada caso - manter alguma relação com o resultado terapêuti-</p><p>co? A possibilidade parecia remota.</p><p>0s resultados foram surpreendentes. Foi possível alcançar alta</p><p>fidedignidade entre os juízes, ficando a maior parte das cor-</p><p>relações entre eles em torno de 0,90, com exceção da última</p><p>variável. Descobriu-se que um alto grau de compreensão em-</p><p>pática estava significativamente correlacionado, em nível 0,001,</p><p>aos casos mais bem sucedidos. Um alto grau de consideraşão</p><p>positiva incondicional estava, do mesmo modo, correlaciona-</p><p>do com os casos mais bem sucedidos, em nível 0,001. Mesmo</p><p>a avaliação da autenticidade ou congruência do terapeuta - a</p><p>extensão em que suas palavras correspondiam a seus senti-</p><p>mentos - foi correlacionada com o resultado dos casos bem</p><p>sucedidos, e novamente a nível de significância de 0,001. 0s 95</p><p>resultados só foram ambíguos e inconclusivos na investigaşão</p><p>da intensidade correspondente de expressão afetiva.</p><p>É interessante também, que, escores elevados nessas</p><p>variáveis não foram correlacionados mais significativamente a</p><p>unidades das entrevistas finais, do que a unidades das iniciais.</p><p>Isso significa que as atitudes do conselheiro foram muito cons-</p><p>tantes no decorrer das entrevistas. Se ele era altamente empáti-</p><p>co, tendia a sê-lo do começo ao fim. Se lhe faltava autenticida-</p><p>de, isto tendia a ser verdade tanto nas entrevistas iniciais como</p><p>nas finais.</p><p>Outro resultado de interesse é que três das quatro variá-</p><p>veis investigadas mostraram alto grau de correlação. As medi-</p><p>das de empatia, consideração positiva incondicional e autenti-</p><p>cidade ou congruência correlacionaram-se altamente, de 0,72 a</p><p>0,89. É evidente que essas três variáveis são muito interligadas</p><p>ou podem representar três medidas de um fator mais subja-</p><p>cente. A correspondência do terapeuta à intensidade afetiva do</p><p>cliente não se correlacionou significativamente às outras três,</p><p>nem com o fator êxito.</p><p>0s resultados de Halkides podem ser expressos de ma-</p><p>neira muito simples. A qualidade da interação do terapeuta comp</p><p>John Kei¢h Wood et a/. torg.J</p><p>seu cliente pode ser fidedignamente avaliada com base em</p><p>uma amostra muito pequena de seu comportamento. Há uma</p><p>grande probabilidade de uma efetiva relação de ajuda quando</p><p>o terapeuta é congruente, quando suas palavras correspondem</p><p>a seus sentimentos, quando gosta de seu cliente e o aceita in-</p><p>condicionalmente e quando compreende os sentimentos do</p><p>cliente, como estes parecem à ele mesmo, comunicando-lhe</p><p>essa compreensão.</p><p>O Relacionamento conforme Percebido pelos Clientes</p><p>Um segundo estudo do relacionamento terapêutico foi</p><p>realizado por Barrett-Lennard. (3) Ele também quis investigar a</p><p>teoria que eu tinha proposto quanto às qualidades essenciais</p><p>da relação que produz mudança terapéutica. Entretanto, em</p><p>vez de usar juízes isentos, ele estudou a maneira pela qual o</p><p>relacionamento era percebido pelo cliente e pelo terapeuta. De-</p><p>senvolveu um Inventário de Relacionamento que tinha formas</p><p>96 diferentes para clientes e terapeutas e foi planejado para estu-</p><p>dar cinco dimensões do relacionamento. Até o momento, ele</p><p>analisou somente os dados da percepşão do relacionamento</p><p>pelo cliente e são esses os resultados</p><p>que relatarei. Barrett-Len-</p><p>nard estudou uma nova série de casos nos quais ele sabia que</p><p>teria várias medidas objetivas do grau de mudança. Apresentou</p><p>seu lnventário de Relacionamento a cada cliente, após a quinta</p><p>entrevista. Com a finalidade de oferecer mais detalhes desse</p><p>estudo, vou desenvolver cada uma das variáveis.</p><p>Ele estava interessado, em primeiro lugar, em medir em</p><p>que extensão o cliente se sentia empaticamente compreendi-</p><p>do. Incluiu, então, ítens relativos ao terapeuta, que foram avalia-</p><p>dos pelo cliente numa escala de seis pontos, variando de muito</p><p>verdadeiro a extremamente não verdadeiro. Fica evidente que</p><p>esses pontos representam diferentes graus de compreensão</p><p>empática:</p><p>“Ele aprecia o que minha experiência significa para</p><p>“Ele entende o que eu digo de um ponto de vista</p><p>imparcial e objetivo.”</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>“Ele entende minhas palavras, mas nâo a maneira</p><p>como sinto.”</p><p>Em segundo lugar, Barrett-Lennard quis medir o nível da</p><p>consideraşão, o grau da afeişão do terapeuta pelo cliente. Para</p><p>fazê-lo, havia ítens como os listados abaixo, cada um novamen-</p><p>te variando de extremamente verdadeiro a extremamente não</p><p>verdadeiro.</p><p>“Ele se preocupa comigo.”</p><p>“Ele é indiferente a “mim”.</p><p>“Ele me desaprova.”</p><p>Para medir a incondicionalidade da consideraşão, a ex-</p><p>tensão em que não havia condições para a afeição do conse-</p><p>lheiro, ítens deste tipo foram incluidos:</p><p>“Quer eu esteja expressando “öons” ou “maus”</p><p>97</p><p>sentimentos, isso nâo parece afetar o modo como</p><p>ele se sente em relaçäo a mim.”</p><p>“Seu interesse por mim depende do que eu esteja</p><p>the falando.”</p><p>A fim de medir a congruência ou autenticidade do tera-</p><p>peuta no relacionamento, ítens deste tipo foram usados:</p><p>“Ele se comporta extamente do jeito que é no nos-</p><p>so relacionamento.”</p><p>“Ele finge gostar de mim ”ou me entender mais do</p><p>que realmente sente.”</p><p>“Ele desempenha um papel diante de mim.”</p><p>Barrett-Lennard também quis medir outra variável que</p><p>considerava importante - a disponibilidade psicológica do con-</p><p>selheiro, ou a disposişão para se deixar conhecer. Para medi-la,</p><p>John KeiLh Wood e¢ a/. íorg.)</p><p>ítens deste tipo foram utilizados:</p><p>“Ele me contará livremente seus próprios pensa-</p><p>mentos e sentimentos quando eu quiser conhecê-</p><p>los.”</p><p>“Ele mostra descontorto quando pergunto algo so-</p><p>bre ele.”</p><p>“Ele nâo se dispõe a me dizer como se sente a meu</p><p>respeito.”</p><p>0s resultados de Barrett-Lennard são interessantes. 0s</p><p>mais experientes de seus terapeutas foram percebidos como</p><p>tendo mais das quatro primeiras qualidades que os terapeutas</p><p>menos experientes. Na “disposişão para se deixar conhecer”,</p><p>entretanto, deu-se o inverso.</p><p>Nos clientes mais perturbados dessa amostra, as quatro</p><p>primeiras medidas se correlacionaram todas, significativamente,</p><p>98 ao grau de mudança na personalidade, medido objetivamente,</p><p>e ao grau de mudança avaliado pelo terapeuta. Compreensão</p><p>empática foi mais significativamente correlacionada à mudan-</p><p>ça, mas autencidade, grau de consideração e incondicionali-</p><p>dade de aceitação estavam também correlacionados à terapia</p><p>bem sucedida. A disposição para se deixar conhecer não se</p><p>correlacionou significativamente.</p><p>Assim podemos dizer, com alguma certeza, que um re-</p><p>lacionamento caracterizado por alto grau de congruência ou</p><p>autencidade do terapeuta; por uma sensível e acurada em-</p><p>patia por parte do terapeuta; por um alto grau de considera-</p><p>şão, respeito e apreço pelo cliente por parte do terapeuta; e</p><p>por ausência de condicionalidade em sua consideraşão, terá</p><p>alta probabilidade de ser uma relaşão terapéutica eficaz. Essas</p><p>qualidades parecem ser os fatores básicos produtores de mu-</p><p>danşa na personalidade e no comportamento. Esta declaraşão</p><p>mantém-se, quer esses elementos sejam classificados por um</p><p>observador imparcial que ouve as entrevistas gravadas, quer</p><p>sejam avaliados pelo cliente como este os percebe. Parece cla-</p><p>ro nos dois estudos que essas qualidades podem ser medidas</p><p>ou observadas em amostras reduzidas da interaçao, já na fase</p><p>inicial do relacionamento, e podem ser usadas para predizer o</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>seu resultado.</p><p>Esses elementos parecem necessários à terapia bem su-</p><p>cedida do tipo centrada no cliente. Se são necessários a qual-</p><p>quer mudanşa construtiva na personalidade, desconhece-se,</p><p>mas eu levantaria a hipótese de que isso é verdade. Se repre-</p><p>sentam todas as condições necessárias, é igualmente desco-</p><p>nhecido mas é interessante que, duas outras qualidades do</p><p>relacionamento, que foram medidas, provaram não estar rela-</p><p>cionadas ao grau de mudança em terapia.</p><p>Uma Equaşão Provisória</p><p>Assim, podemos formular nosso esboço da equação de</p><p>diversas maneiras. Dado um relacionamento entre terapeuta e</p><p>cliente, podemos dizer:</p><p>Autenticidade, mais empatia e consideraçâo posi-</p><p>tiva incondicional pelo cliente equivalem a terapia 99</p><p>bem sucedida.</p><p>Mais acuradamente, podemos formular desta maneira:</p><p>A percepçâo que o cliente tenha da autenticidade,</p><p>da compreensâo empática e da consideraşão po-</p><p>sitiva incondicional do terapeuta, representa para o</p><p>cliente, terapia bem sucedida.</p><p>Ou talvez, ainda melhor:</p><p>Quanto mais o terapeuta é percebido pelo cliente</p><p>como sendo genuino, como tendo uma compre-</p><p>ensão empática e consideíaçâo incondicional por</p><p>ele, maior será o grau de mudança construtiva na</p><p>personalidade do cliente.</p><p>Estou certo de que essa questão será modificada e rees-</p><p>crita à medida que estivermos mais bem informados através de</p><p>estudos posteriores. 0 fato de termos conhecimento empírico</p><p>suficiente para, de qualquer modo, registrá-lo por escrito, signi-</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>fica para mim um avanço extraordinário.</p><p>0 Processo conforme ocorre no Cliente</p><p>Tentei explicitar o lado esquerdo ou causal da equação</p><p>da terapia. É possível colocar em pormenores, igualmente con-</p><p>cretos, o lado direito ou o lado - efeito da equação? 0 que acon-</p><p>teceu no cliente? Qual é esse processo de mudança, de apren-</p><p>dizagem, de terapia que é desencadeado? Aqui, me parece, as</p><p>formulaşões tém sido mais variadas e nosso conhecimento é</p><p>ainda mais provisório. Entretanto, já existe um comeşo. Esta-</p><p>mos identificando vários tipos de aprendizagens que ocorrem,</p><p>e os eventos seqüenciais que caracterizam o processo.</p><p>Durante os últimos très anos, preocupei-me especial-</p><p>mente com o processo de eventos seqüenGiais que ocorrem</p><p>com no cliente (4). Mergulhei em gravaşões de sessões tera-</p><p>pêuticas. Nelas, tentei discernir as mudanças características</p><p>ou aprendizagens que ocorrem quando a terapia é proveitosa.</p><p>100 Dessa experiência, resultou uma formulaşão um pouco diferen-</p><p>te de um continuum do funcionamento psicológico. Gostaria de</p><p>apresentá-la de forma muito provisória. Vejo-a como um longo</p><p>e árduo caminho de mudança e desenvolvimento. Determinado</p><p>cliente começa a terapia em algum ponto desse caminho e, se</p><p>for ajudado, caminha uma distância variável, rumo ao objetivo.</p><p>Espero que a natureza desse caminho se torne mais clara</p><p>no que se segue. Deve ser suficiente por ora, dizer que comeşa</p><p>numa extremidade, com um tipo de funcionamento psicológico</p><p>rígido, estático, indiferenciado, não-sentido e impessoal. Evo-</p><p>lui, através de vários estágios, ate a outra extremidade, num</p><p>nível de funcionamento marcado por mutabilidade, fluidez, rea-</p><p>ções ricamente diferenciadas, experienciaşão imediata de sen-</p><p>timentos pessoais assumidos em profundidade, como próprios</p><p>e aceitos. Em qualquer terapia bem sucedida, eu aventaria, o</p><p>cliente se move para ascended nesse padrão, qualquer que seja</p><p>o ponto aonde inicialmente se encontre.</p><p>Um de nossos grupos de Wisconsin tentou fazer obser-</p><p>vações desse processo seqüencial, colocando-as numa escala</p><p>operacional. (5, 6) Chegamos pelo menos ao ponto em que,</p><p>dado um segmento de entrevista gravada, podemos dizer, com</p><p>satisfatória objetividade e fidedignidade,</p><p>que isto é caracterís-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>tico de certo ponto no continuum. Gostaria de tentar oferecer-</p><p>Ihes algumas impressões sobre as qualidades da expressão</p><p>pessoal características de diferentes estágios do processo, e</p><p>também sobre os diferentes fios a partir dos quais o processo</p><p>parece ser tecido.</p><p>A Mudança em Relação aos Sentimentos</p><p>Tratarei primeiramente da maneira pela qual o cliente se</p><p>refere aos sentimentos e significados pessoais. Breves exem-</p><p>plos poderão ajudar. Nesses fragmentos, não é o conteúdo e</p><p>sim a qualidade da expressão que é importante para nossos</p><p>propósitos atuais. Um paciente, num hospital pÚblico, diz: “Vo-</p><p>zes continuam me incomodando todo o tempo, dizendo coisas</p><p>obscenas, e não posso pará -las”. Observe-se que esses sen-</p><p>timentos não são reconhecidos como próprios. São comple-</p><p>tamente desconhecidos, estão fora do seu controle e não são</p><p>aceitos como Ihe sendo relacionados. Se ele fosse capaz de</p><p>dizer: “Estou perturbado por meus impulsos sexuais”, poderia</p><p>estar muito mais adiante no continuum.</p><p>Ou, tornando outro exemplo, característico de um ponto</p><p>bem mais adiantado na escala, encontramos exemplos como</p><p>o que vem a seguir. Um homem diz: “Sentir dependência me</p><p>desencoraja, porque significa que sou, de certo modo, incom-</p><p>petente para ajudar-me”. Aqui, o cliente está descrevendo livre-</p><p>mente seus sentimentos como objetos existentes no presente</p><p>e, até certo ponto, assumidos como próprios. Não os expressa,</p><p>descreve-os. Determina o significado de seu sentimento mais</p><p>por um processo intelectual do que propriamente por perceber</p><p>o significado em si mesmo.</p><p>Ainda mais adiante na escala, encontramos colocaçöes</p><p>como a seguinte. 0 cliente mostra-se muito perplexo quanto ao</p><p>que está sentindo e finalmente se expressa deste modo: “Pare-</p><p>ce como se eu estivesse - não sei - tenho a sensaşão de força</p><p>e ainda tenho também um sentimento, que é uma espécie de</p><p>medo, de terror”. Aqui, é claro que ele está expressando os</p><p>sentimentos do momento, vivendo-os, sentindo-os, diferencian-</p><p>do-os e se apropriando deles, ao mesmo tempo em que os está</p><p>expressando.</p><p>Assim, se eu fosse tentar descrever brevemente a manei-</p><p>101</p><p>John Keith Wood et al. íorg. J</p><p>ra pela qual esse “fio” muda do ponto mais baixo do continuum</p><p>para o mais alto, seria algo assim: no segmento inicial, o indiví-</p><p>duo não reconhece ou não assume seus próprios sentimentos.</p><p>Isso se transforma numa descrişão de sentimentos como algo</p><p>remoto, objetos não assumidos, no momento presente, geral-</p><p>mente existentes no passado. Em seguida, são descritos como</p><p>objetos presentes com algum senso de propriedade. Depois,</p><p>os sentimentos são hesitantemente expressos - não descritos</p><p>- no presente imediato. Sentimentos que tenham sido nega-</p><p>dos no passado agora borbulham dolorosamente em direção à</p><p>consciência. Finalmente, a pessoa passa a viver num processo,</p><p>experienciando um fluxo de sentimentos continuamente mutá-</p><p>vel. Não está mais afastada de seus sentimentos e de seus sig-</p><p>nificados pessoais, que estão continuamente ocorrendo dentro</p><p>dela. Livre e aceitadoramente, passa a vivé-los.</p><p>Mudança na Maneira de Experienciar</p><p>0 que venho dizendo sobre a maneira de experienciar do</p><p>102 cliente pode ser formulado de outro modo, como na propos-</p><p>ta desenvolvida por Gendlin e Zimring. (7, 8) 0 cliente move-</p><p>se em direşão a viver no seu processo experiencial, usando-o</p><p>como referente para guiar-se no seu encontro com a vida. Não</p><p>se caracteriza mais por um distanciamento em relação à sua</p><p>experienciação, nem por descobrir-lhe o significado somente</p><p>muito tempo depois. Assim, é típico de um ponto baixo do con-</p><p>tinuum um cliente que, tentando falar do problema que o trouxe</p><p>ao terapeuta, diz: “0 sintoma era - simplesmente estar muito</p><p>deprimido”. Podemos presumir que em algum momento ele ex-</p><p>perienciou profunda depressão, mas o mais próximo que pode</p><p>chegar dessa experienciação, é conceitualizá-la no passado,</p><p>afastando-a de si. Não é que ele estava deprimido. Era apenas</p><p>a existência de um sintoma.</p><p>À medida que progridem em terapia, os ciientes chegam</p><p>mais perto de sua própria experienciação, tornam-se menos</p><p>amedrontados com ela. Reconhecem que eta pode ter valor</p><p>como referência, como base para a descoberta de significados.</p><p>Assim, um cliente diz, sobre o que se passa consigo: “Eu re-</p><p>almente não entrei em contato com ela, estou apenas descre-</p><p>vendo-a”. Aqui, ele se dá conta de que não está inteiramente</p><p>dentro de sua experienciaşão mas desejaria estar. Ainda mais</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• ediçśo</p><p>adiante no continuum, um cliente diz: “Sinto-me parado nes-</p><p>te momento. Por que me „deu um branco‟ justamente agora?</p><p>Sinto como se estivesse segurando alguma coisa, se bem que</p><p>esteja largando outras e algo em mim está dizendo: „de que</p><p>mais eu tenho que desistir‟?” Nesta passagem, ele está vivendo</p><p>com aceitação sua experiência imediata. Reconhece que, se</p><p>puder simbolizar o que está Ihe acontecendo no momento, pro-</p><p>verá um significado para si, que servirá como guia útil. Essa é a</p><p>espécie de reação característica da pessoa que passou muito</p><p>além da extremidade superior do continuum.</p><p>Mudança nos Construtos Pessoais</p><p>Outra linha de aprendizagem integrada nesse continuum</p><p>é uma mudança no modo como o cliente constrói sua experi-</p><p>ência. Na extremidade inferior do continuum, seus construtos</p><p>pessoais, para usar a expressão de Kelly, são rígidos, e não são</p><p>reconhecidos como construtos, mas são considerados como</p><p>fatos. Assim, um cliente diz: “Eu nunca consigo fazer nada certo</p><p>— nunca termino nada”. Isso parece a descrição de um fato - é</p><p>assim que as coisas são. À medida que aprende, na seguran-</p><p>ça da terapia, começa a questionar esse construto rígido. Um</p><p>cliente nesse estágio mais adiantado diz: “Não sei como che-</p><p>guei a ter essa idéia de que estar envergonhado de mim era um</p><p>jeito adequado de ser”. Aqui ele está questionando e mudan-</p><p>do um construto pessoal que sempre Ihe pareceu imutável. No</p><p>segmento superior do continuum, nunca é dada à experiência</p><p>mais que uma construção provisória, reconhecida como algo</p><p>que “eu” estou fazendo, não uma qualidade inerente à situa-</p><p>ção. O cliente aprende que significado é algo que ele atribui a</p><p>uma experiência, não é um fato inevitavelmente inerente a ela.</p><p>Mudança na Comunicação do Self</p><p>Ainda outra linha de aprendizagem nesse continuum total</p><p>é a da satisfação envolvida na comunicação de si mesmo. Na</p><p>parte inferior do continuum há uma falta de vontade real de fa-</p><p>lar de si. Encontramos clientes fazendo colocaşões como esta:</p><p>“Benn, vou the dizer, sempre parece um pouco ridiculo falar de</p><p>103</p><p>John Keith Wood ed at. (org. )</p><p>si, a não ser em caso de extrema necessidade". A comunica-</p><p>ção ocorre somente sobre ternas externos e impessoais e não</p><p>sobre assuntos pessoais. Gradualmente, o cliente aprende que</p><p>é seguro e satisfatório falar de si como objeto. Depois apren-</p><p>de a se apropriar de seus sentimentos e a externá-los. Eis um</p><p>exemplo da metade superior do continuum: “A verdade sobre</p><p>esse assunto é que não sou um cara bonzinho como tento me</p><p>mostrar. Eu me irrito com as coisas. Sinto-me agredindo as pes-</p><p>soas e sendo egoísta às vezes; e não sei por que deveria fingir</p><p>que não sou assim”. Na extremidade superior do continuum,</p><p>o self como objeto tende a desaparecer. 0 indivíduo perde a</p><p>consciência do self. Encontra satisfação em ser e expressar a</p><p>complexidade de seus sentimentos do momento. Está continu-</p><p>amente em processo de auto descoberta.</p><p>Braaten (9) corroborou esse tipo de movimento em psico-</p><p>terapia. Verificou que, quando são comparadas entrevistas do</p><p>inicio e do final de casos mais bem sucedidos, com entrevistas</p><p>iniciais e finais de outros menos bem sucedidos, aqueles mos-</p><p>tram um aumento significativamente maior no total de referên-</p><p>04 cias a si mesmos. E ainda mais surpreendente é que.mostram</p><p>um maior aumento</p><p>na expressão do self imediato. Além disso,</p><p>quando se compara a expressão dos aspectos íntimos do self</p><p>- a comunicação interior do indivíduo, sua consciéncia de ser</p><p>e funcionar - essa também tern um aumento significativamente</p><p>maior nos casos mais bem sucedidos.</p><p>Mudança em Relação aos Problemas</p><p>Há pelo menos outros dois aspectos nesse continuum</p><p>que gostaria de descrever brevemente. O primeiro diz respeito</p><p>ao relacionamento do cliente com seus problemas. Kirtner (10)</p><p>foi o primeiro a observar e a formular as diferentes maneiras</p><p>pelas quais os clientes apresentam e abordam seus problemas</p><p>e a correlaşão destas abordagens com os resultados. No meu</p><p>entender, podemos dizer que, no ponto mais baixo do conti-</p><p>nuum, o cliente não reconhece problemas ou os percebe como</p><p>totalmente externos. Um paciente de hospital público resume</p><p>seus problemas deste modo: “Aqui durmo um pouco demais.</p><p>Tenho um problema nos dentes e outros desse tipo”. Não en-</p><p>contramos nenhum reconhecimento do verdadeiro problema,</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>nem qualquer envolvimento com ele. Na medida em que o</p><p>cliente vai se soltando na terapia, há maior reconhecimento dos</p><p>problemas e maior sentimento de responsabilidade para com</p><p>eles. Gradualmente, ele é capaz de encarar o fato de que os as-</p><p>suntos que mais o pressionam são os problemas de sentimento</p><p>em relação aos outros, e há o desejo de examinar as reações</p><p>internas que possam estar contribuindo para essas dificulda-</p><p>des. Gradualmente, aprende a experienciar esses sentimentos-</p><p>problema, na relação com o terapeuta, e consegue utilizá-los</p><p>mais construtivamente, a partir da aceitação deles.</p><p>Mudanşa nas Relações Interpessoais</p><p>Finalmente, existe o fio do relacionamento com os ou-</p><p>tros. Num ponto mais baixo do continuum a pessoa tern medo</p><p>da proximidade no contato pessoal e o evita através de muitos</p><p>mecanismos, incluindo a intelectualização. Ela faz perguntas ao</p><p>terapeuta. Quer desempenhar o papel adequado, mas não quer</p><p>entrar, como pessoa, nesse perigoso e desconhecido mundo</p><p>do relacionamento. Gradualmente, aprende que é seguro arris-</p><p>car-se de vez em quando na área dos sentimentos. Assim, um</p><p>cliente ousa dizer ao seu terapeuta: “Sim, está certo, não confio</p><p>em você”. Cada vez mais ele se atreve a viver abertamente em</p><p>relação ao terapeuta, como um fluxo de sentimentos sempre</p><p>mutável, mas integrado. Pode expressar livremente seu medo,</p><p>assim como seu amor pelo terapeuta e sua raiva também. Des-</p><p>cobre que pode viver um relacionamento baseado nos seus</p><p>sentimentos.</p><p>Exemplo da Porção Superior do Continuum</p><p>Nos pontos mais altos da escala, todos esses diferentes</p><p>aspectos que descrevi tendem a se fundir e a se unificar. Apre-</p><p>sento um brevíssimo exemplo de um dos “momentos de movi-</p><p>mento”, que ilustra isso em terapia. Observem-se as qualidades</p><p>registradas no depoimento do cliente. Ele está experienciando</p><p>algo, exatamente nesse momento, e tentando sentir o significa-</p><p>do do que lhe está acontecendo. Está mudando um constructo</p><p>pessoal que sempre manteve: “Eu não sou querido”. Está se</p><p>105</p><p>John Keith Wood ec al. torg. J</p><p>comunicando de maneira profunda, näo se contendo ou falan-</p><p>do sobre si, mas tentando ser a comunicação interna que está</p><p>ocorrendo nele. Finalmente, está fazendo tudo isso num rela-</p><p>cionamento muito aberto e fluente com o terapeuta. Aqui está o</p><p>trecho:</p><p>“Poderia até imaginar isso como uma possibilida-</p><p>de, que eu pudesse ter preocupaçäo carinhosa por</p><p>mim - mas como poderia eu ser carinhoso e preo-</p><p>cupar-me comigo mesmo, se amóos sâo uma e a</p><p>mesma coisa? No entanto, posso senti-to tâo clara-</p><p>mente. Você sabe, é como cuidar de uma criança.</p><p>Você quer dar-the isso e aquilo. Posso ver clara-</p><p>mente os objetivos para outra pessoa, mas nunca</p><p>posso vê-los para mim mesmo - que pudesse fazer</p><p>isso por mim, sabe. E possível que possa querer</p><p>realmente cuidar de mim e fazer disso o principal</p><p>propósito da minha vida? Isso significa que teria</p><p>que lidar com o mundo inteiro como se eu fosse o</p><p>106 guardíão da mais estimada e querida propriedade,</p><p>que esse eu estaria entre o precioso mim do qual</p><p>quero cuidar e o mundo inteiro. È quase como se</p><p>eu me amasse - sabe, isso é estranho, mas é ver-</p><p>dadeiro “.</p><p>Este é um born exemplo de um estágio mais adiantado</p><p>no continuum.</p><p>O Processo Resumido</p><p>Gostaria de resumir as aprendizagens que me parecem</p><p>tão envolvidas no processo de terapia, usando passagens de</p><p>um artigo anterior. “Tentei esboşar, de modo cru e preliminar,</p><p>o fluxo de um processo de mudanşa que ocorre quando um</p><p>cliente se experiencia sendo aceito, bem-vindo e compreendi-</p><p>do, tal como é. Esse processo envolve muitos fios, separáveis</p><p>de inicio, aproximando-se mais da unidade ao longo do proces-</p><p>SO”.</p><p>“Esse processo envolve uma liberaşão de sentimentos.</p><p>Abordagem Cencrada na Pessoa | 5• edição</p><p>Sentimentos que não são reconhecidos, não são assumidos,</p><p>nem expressos, o cliente então se desloca em direção a um</p><p>fluxo em que sentimentos em constante mudança são expe-</p><p>rienciados no instante em que ocorrem, de modo consciente e</p><p>aceitador, podendo ser acuradamente expressos.“</p><p>“0 processo envolve uma mudança na maneira de expe-</p><p>rienciar. Da experienciação do evento orgânico, distante, Iimita-</p><p>do pela estrutura da experiência passada, o cliente avança para</p><p>uma maneira imediata de experienciar, na qual percebe e con-</p><p>ceitualiza significados em termos do que é, nâo do que foi.”</p><p>“0 processo envolve a liberação de mapas cognitivos</p><p>da experiência. A partir de um modo rígido de construção da</p><p>experiência, percebida como fatos externos, o cliente avanşa</p><p>na direşão do desenvolvimento de mudanşas, construindo sig-</p><p>nificados flexíveis a partir da experiência, construşões que, por</p><p>sua vez, são modificáveis a cada nova experiència.”</p><p>“0 processo envolve mudanşas no self. O cliente avança</p><p>de uma fase em que o self está incongruente com a experiên-</p><p>cia, para outra fase em que o percebe como objeto, para outra</p><p>ainda em que o self é sinônimo da experiência, tornando-se a</p><p>consciéncia subjetiva dessa experiência.</p><p>“Existem também outros elementos envolvidos no pro-</p><p>cesso: um movimento de uma escolha ineficaz para uma eficaz,</p><p>do medo de relacionamentos para vivê-los livremente numa re-</p><p>lação, de uma diferenciação inadequada de sentimentos e sig-</p><p>nificados para uma diferenciaşão aguda dos mesmos.”</p><p>“Em geral, o processo se move a partir de um ponto ca-</p><p>racterizado pela fixidez, onde todos esses elementos e ligações</p><p>são separadamente discerníveis e compreensíveis, para mo-</p><p>mentos fluidos do auge da psicoterapia, nos quais todas essas</p><p>ligaşões se tornam inseparavelmente entrelaşadas. No novo</p><p>experienciar da imediatez que ocorre em tais momentos, senti-</p><p>mento e cognição se interpenetram, o self está subjetivamente</p><p>presente na experiência, a volição é simplesmente o acompa-</p><p>nhamento subjetivo de um equilíbrio harmonioso da direşão</p><p>organísmica. Portanto, à medida que o processo alcança esse</p><p>ponto, a pessoa torna-se uma unidade łluida, em movimento.</p><p>Ela mudou, mas, o que parece mais significativo, é que se tor-</p><p>nou um processo integrado de transformação.” (4, p.149)</p><p>Corroboração Empírica</p><p>107</p><p>John Keith Wood e8 a/. (org. J</p><p>108</p><p>Será a descrişão anterior simplesmente outra formulaşão</p><p>clínica, especulativa, não verificável? Acredito que não. Como</p><p>foi mencionado anteriormente, chegamos a construir, a partir</p><p>dessas idéias, uma “Escala Operacional do Processo em Psi-</p><p>coterapia“. Várias investigaşões têm sido feitas usando essa</p><p>Escala, e outras estão em andamento. Alguns dos resultados</p><p>atuais de uma investigaşão conduzida por Hart e Tomlinson</p><p>(11) podem ser relatados.</p><p>Esses investigadores selecionaram casos que, tanto eles</p><p>como os juízes auxiliares, desconheciam, casos em que vários</p><p>critérios de êxito estavam disponíveis. Nove amostras, de</p><p>dois</p><p>minutos cada, foram extraídas de gravações da segunda e da</p><p>penúltima entrevista de cada caso. Essas amostras foram reti-</p><p>radas ao acaso e apresentadas a três juízes que as avaliaram</p><p>independentemente. A tarefa dos juízes era classificar cada</p><p>segmento de entrevista num continuum de 70 pontos confor-</p><p>me estabelecido pela Escala. Quando concluidas, essas clas-</p><p>sificaşões foram comparadas com o resultado dos casos, que</p><p>tinham sido divididos em mais e menos bem sucedidos, com</p><p>base em critérios objetivos.</p><p>Concluiu-se que a Escala Operacional de Processo em</p><p>Psicoterapia era um instrumento razoavelmente fidedigno. As</p><p>correlações entre juízes variaram de .60 a .85 dependendo da</p><p>experiência dos classificadores e da apresentação auditiva ou</p><p>visual do material.</p><p>Dois estudos (6,11) mostraram que a Escala distingue</p><p>acuradamente entre casos mais e casos menos bem sucedi-</p><p>dos nas entrevistas iniciais. 0s casos menos bem sucedidos</p><p>comeşam e terminam num ponto significativamente mais baixo</p><p>do que os casos mais bem sucedidos. Esta foi uma descoberta</p><p>inesperada.</p><p>Isso tende a confirmar o estudo anterior de Kirtner e Car-</p><p>twright (10) e mostra que temos pouco sucesso na ajuda, atra-</p><p>vés da psicoterapia, àqueles clientes que inicialmente obtive-</p><p>ram resultados baixos nessa Escala de Processo. Isso significa</p><p>que, com maior refinamento do instrumento, seríamos capazes</p><p>de predizer a quais clientes poderemos ajudar e a quais não,</p><p>considerando o atual estágio de nosso conhecimento.</p><p>0s estudos indicam um fato que dá o que pensar. A mu-</p><p>danşa na direção da fluidez é modesta, mesmo nos casos mais</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5„ edição</p><p>bem sucedidos. Desse modo, a mudanşa média nesses casos,</p><p>em termos da Escala de Processo, é usualmente menor que a</p><p>diferenşa que encontramos entre os casos menos e os mais</p><p>bem sucedidos. Talvez as mudanças creditadas à aprendiza-</p><p>gem terapêutica sejam sempre relativamente pequenas, embo-</p><p>ra importantes. Ao menos, isso é o que sugerem esses resulta-</p><p>dos.</p><p>Provavelmente o resultado fundamental desses estudos</p><p>é que revelamos outra dimensão do processo terapêutico. Al-</p><p>gumas de nossas pesquisas anteriores indicaram que a mudan-</p><p>ça no conceito de self era uma dessas dimensões. (12) Agora</p><p>podemos dizer, com alguma certeza que naquele processo te-</p><p>rapêutico bem sucedido, comprovado por medições objetivas,</p><p>há um grau significativo de afastamento da fixidez e rigidez e</p><p>de aproximação à qualidade da mutabilidade. Esse movimento</p><p>não é encontrado nos casos mal sucedidos. (6, 11)</p><p>A Equação Completa</p><p>Penso que, a partir do que descrevi como processo te-</p><p>rapêutico, posso agora explicitar a totalidade da equação, tal</p><p>como ela se apresenta hoje, em sua forma rudimentar e aproxi-</p><p>mada.</p><p>Quanto mais o cliente perceba o terapeuta como</p><p>real, genuino, empático, manifestando uma consi-</p><p>deraşao incondicional por ele, mais se distanciará</p><p>de um tipo de funcionamento estático, sem senti-</p><p>mentos, fixo, impessoal e mais se aproximará de</p><p>um modo de funcionamento caracterizado pela</p><p>experiência tluida, mutável e aceitadora dos senti-</p><p>mentos pessoais diferenciados.</p><p>Implicaşões</p><p>Apresentei uma parte do conhecimento recentemente ob-</p><p>tido a respeito do aspecto causal da psicoterapia, o relaciona-</p><p>mento. Apresentei algo do conhecimento obtido recentemente</p><p>sobre a seqüência de eventos que o relacionamento engendra.</p><p>109</p><p>John Keith Wood ed al. (org. J</p><p>Tentei formular a equação. Quais são as implicações do que</p><p>venho dizendo? Gostaria de explicitar algumas delas.</p><p>Parece-me que estamos criando um sólido comeşo</p><p>quanto às relações de causa e efeito em psicoterapia. Esse co-</p><p>nhecimento, uma vez refinado e melhorado, poderá ter grande</p><p>importância. Isso significará que responderemos a questões</p><p>relativas à psicoterapia recorrendo mais a estudos factuais do</p><p>que a dogmas teóricos ou palpites clínicos.</p><p>Estamos adquirindo conhecimento mais detalhado de</p><p>um processo de mudanşa construtiva na personalidade, de</p><p>uma equaşão que podemos registrar por escrito nesse cam-</p><p>po. Podemos aprender que há muitos processos de mudan-</p><p>şa, cada qual com suas condições antecedentes. Talvez cada</p><p>orientaşão terapêutica produza suas próprias mudanşas distin-</p><p>tas. Não sabemos. Isso torna imperativo testar a equaşão em</p><p>outras terapias.</p><p>0s fatos parecem sugerir que a mudança na personalida-</p><p>de é iniciada por atitudes do terapeuta e nào primordialmente</p><p>por seus conhecimentos, suas teorias ou suas técnicas.</p><p>10 Parece estar claro que amostras muito pequenas de nos-</p><p>sa interaşão com nossos clientes podem revelar a qualidade de</p><p>relacionamento que estabelecemos e a probabilidade de ele</p><p>ser terapéutico.</p><p>A partir de nossas descobertas, parece provável que pos-</p><p>samos rapidamente identificar, no inicio do relacionamento, os</p><p>indivíduos que provavelmente não ajudaremos por meio da psi-</p><p>coterapia como ela é hoje. Isso constitui um tremendo desafio</p><p>para todos nós desenvolvermos novas abordagens que ajuda-</p><p>rão a esses indivíduos.</p><p>0s estudos sugerem que a característica essencial da</p><p>mudança terapêutica pode ser uma nova maneira de experien-</p><p>ciar, de modo mais imediato e fluido, com maior aceitação, no</p><p>lugar, por exemplo, da obtenção do insight ou da elaboração</p><p>do relacionamento transferencial, ou da mudança no auto-con-</p><p>ceito.</p><p>0s estudos sugerem um quadro mais claro do objetivo</p><p>ou do ponto final da terapia. A psicoterapia parece avançar na</p><p>direção de viver plenamente o momento, afastando-se de uma</p><p>conformação às expectativas rigidamente intelectualizadas. É</p><p>uma atualização harmoniosa de todas as sensibilidades que o</p><p>organismo processa, de tal forma que o indivíduo pode mos-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>trar-ser totalmente vivo para o que está Ihe acontecendo na-</p><p>quele momento e igualmente vivo para todas as solicitações e</p><p>realidades de seu ambiente pessoal e impessoal. 0 comporta-</p><p>mento passa a ser a adaptaşão sensível e harmoniosa a todos</p><p>os estímulos internos e externos.</p><p>Esse quadro mais claro do ponto final, do lado direito da</p><p>equação, dá à sociedade o direito de aceitar ou rejeitar, como</p><p>objetivo desejável, este modo de viver. Certamente muitas pes-</p><p>soas ficariam amedrontadas pela fluidez e mutabilidade que</p><p>descrevi e não escolheriam essa direşão.</p><p>Finalmente, essas descobertas significam para mim que</p><p>terapia é um relacionamento que, em dado momento, desafia</p><p>o terapeuta a - ser a pessoa que é, tão sensivelmente quanto</p><p>seja capaz, sabendo que é a sua transparente realidade, para-</p><p>lelamente à afeição e à compreensão empática promovidas por</p><p>essa mesma realidade, que pode servir de ajuda a seu clien-</p><p>te. Na medida em que puder ser uma pessoa nesse momento,</p><p>terá condições de se relacionar com a pessoa e com a pessoa</p><p>potencial em seu cliente. Isso, acredito, é a essência curativa,</p><p>promotora de crescimento em psicoterapia.</p><p>Epílogo</p><p>Então, o que vem a ser o processo de aconselhamento</p><p>e terapia? Falei dele de modo objetivo, ordenando os fatos de</p><p>que dispomos, descrevendo-o como uma equação incipiente,</p><p>na qual podemos, ao menos provisoriamente, assentar decla-</p><p>raşões específicas. Mas deixem-me agora tentar abordam o pro-</p><p>cesso a partir do seu interior e, sem ignorar o conhecimento</p><p>fatual, mostrar como essa equação ocorre subjetivamente em</p><p>ambos, terapeuta e cliente.</p><p>Para o terapeuta, essa é uma nova aventura de relaciona-</p><p>mento. Ele sente, “aqui está outra pessoa, meu cliente. Estou</p><p>com um pouco de medo dele, medo das profundezas nele, as-</p><p>sim como estou com um pouco de medo das profundezas em</p><p>mim mesmo. Porém, à medida em que fala, começo a sentir</p><p>respeito por ele e a perceber minha afinidade com ele. Percebo</p><p>quão assustador é seu mundo para ele, quão firmemente tenta</p><p>mantê-lo no lugar. Eu gostaria de perceber seus sentimentos</p><p>e gostaria que soubesse que os compreendo . Gostaria que</p><p>soubesse que estou com ele em seu pequeno mundo constri-</p><p>111</p><p>John Keith Wood e¢ a/. (org. )</p><p>to, apertado, e que posso olhar para seu mundo sem receio.</p><p>Talvez possa torná-lo mais seguro para ele. Gostaria que meus</p><p>sentimentos nesse relacionamento fossem tão claros e trans-</p><p>parentes quanto possível, de forma que se tornassem uma re-</p><p>alidade discernível para ele, à qual possa retomar sempre que</p><p>desejar. Gostaria de acompanhá-lo em sua tenebrosa jornada</p><p>para dentro de si mesmo, para o medo enterrado, o ódio, o</p><p>amor que nunca foi capaz de deixar fluir em si. Reconheço que</p><p>essa é uma viagem muito humana e imprevissível para mim,</p><p>tanto quanto para ele, e que posso, mesmo sem conhecer meu</p><p>medo, recolher-me dentro de mim, diante dos sentimentos que</p><p>ele descobre. Nessa medida, sei que estarei limitado em minha</p><p>habilidade para ajudá-lo. Percebo que, às vezes, seu próprio</p><p>medo pode fazê-lo perceber-me como descuidado, rejeitador,</p><p>intruso, como alguém que não compreende. Quero aceitar ple-</p><p>namente esses sentimentos nele e ainda espero também que</p><p>meus próprios sentimentos reais se mostrem tão claramente</p><p>que ele não possa deixar de percebê-los a tempo. Mais que</p><p>tudo, quero que encontre em mim uma pessoa verdadeira. Não</p><p>112 tenho necessidade de estar apreensivo se meus próprios sen-</p><p>timentos estão sendo „terapêuticos‟. 0 que sou e o que sinto</p><p>formarão uma base suficientemente segura para a terapia, caso</p><p>no relacionamento com o cliente eu chegue a ser transparen-</p><p>temente o que sou e o que sinto. Então, talvez ele possa ser o</p><p>que é, abertamente e sem medo”.</p><p>E o cliente, de sua parte, atravessa seqüências muito</p><p>mais complexas, que podem apenas ser sugeridas. Talvez, de</p><p>maneira esquemática, seus sentimentos mudem em alguma di-</p><p>reşão semelhante às apontadas a seguir.</p><p>“Estou com medo dele. Quero ajuda, mas não</p><p>sei se confio nele. Ele pode ver coisas que nâo</p><p>conheço em mim mesmo - coisas ruins e assusta-</p><p>doras. Aparenta näo estar me julgando, mas acho</p><p>que está. /\/áo posso lhe contar o que realmente</p><p>me preocupa, mas posso contar-lhe algumas de</p><p>minhas experiências passadas relacionadas com</p><p>minha preocupação. Àquelas ele parece compre-</p><p>ender; entâo, posso revelar um pouquinho mais de</p><p>“Mas agora, que compartilhei um pouco deste</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa |5’ edição</p><p>meu lado mau, ele me despreza. Estou certo, mas</p><p>é estranho nâo poder encontrar a minima evidência</p><p>disso. Você supõe que o que lhe contei náo seja</p><p>tâo mau assim? É possível que eo nâo precise me</p><p>envergonhar disso como parte de mim* /\lao sinto</p><p>mais que ele me despreze. Faz-me sentir que que-</p><p>ro ir mais longe, explorando-me, talvez expressan-</p><p>do mais de mim. Encontro nele um tipo de compa-</p><p>nheiro enquanto me revelo, ele parece realmente</p><p>compreender.”</p><p>“Mas agora estou ficando assustado novamente, e</p><p>desta vez profundamente assustado. Náo me dei</p><p>conta de que, explorando o recôndito desconhe-</p><p>cido em mim, traria sentimentos nunca antes expe-</p><p>rienciados. Isso é muito estranho porque em certo</p><p>sentido nâo sâo sentimentos novos. Percebo que</p><p>sempre estiveram aí. Mas parecem tâo ruins e per-</p><p>turbadores que nunca me atrevi a deixá-los fluir em</p><p>mim. E agora, à medida que vivo esses sentimentos</p><p>nas sessões com ele, sinto-me terrivelmente abala-</p><p>do, como se meu mundo estivesse desmoronando.</p><p>Costumava ser seguro e firme. Agora está frouxo,</p><p>permeável e vulnerável. Nâo é agradável sentir coi-</p><p>sas que sempre me assustaram antes. É culpa dele.</p><p>No entanto, curiosamente, estou ansioso por vê-lo</p><p>e sinto mais segurança quando estou com ele.”</p><p>“Nâo sei mais quem sou, mas algumas vezes, quan-</p><p>do sinto coisas, por um momento, pareço sólido e</p><p>verdadeiro. Estou confuso pelas contradiçôes que</p><p>encontro em mim - ajo de um jeito e sinto de outro</p><p>- penso uma coisa e sinto outra. Isso é muito des-</p><p>concertante. Algumas vezes é também arriscado</p><p>e estimulante tentar descobrir quem sou. Algumas</p><p>vezes me pego sentindo que a pessoa que sou tal-</p><p>vez valha a pena, o que quer que isso signifique.</p><p>“Estou começando a achar isso muito satisfatório,</p><p>embora freqüentemente doloroso, compartilhar</p><p>exatamente o que estou sentindo em dado mo-</p><p>113</p><p>John Keith Wood er a/. (org. J</p><p>mento. Você saóe, é realmente útil tentar ouvir a</p><p>mim mesmo, escutar o que se passa em mim. Náo</p><p>estou mais tâo assustado quanto ao que está acon-</p><p>tecendo em mim. Isto parece bem confiável. Uso</p><p>algumas das minhas horas com ele para mergulhar</p><p>profundamente dentro de mim mesmo, a fim de</p><p>saber o que estou sentindo. É um trabalho assus-</p><p>tador, mas quero conhecer. E confio nele a maior</p><p>parte do tempo e isso ajuda. Sinto-me um tanto vul-</p><p>nerável e nu, mas sei que ele nâo quer ferir-me, e</p><p>inclusive acredito que se importa comigo. Perce-</p><p>bo, à medida que tento me aprofundar mais dentro</p><p>de mim, que talvez pudesse compreender o que</p><p>se passa comigo, e poderia me dar conta de seu</p><p>significado, poderia saber quem sou e saberia o</p><p>que fazer. Pelo menos sinto que sei isso algumas</p><p>vezes, com ele.”</p><p>“Posso, inclusive, contar-lhe exatamente como</p><p>14 estou me sentindo em relaçâo a ele, num dado mo-</p><p>mento e, em vez de acabar com o relacionamento,</p><p>como temfa , isso parece estreitá-lo. Você Imagina</p><p>que eu possa viver meus sentimentos também com</p><p>outras pessoas? Talvez isso também nâo se¡a tâo</p><p>perigoso.”</p><p>“Sabe, sinto-me como se estivesse flutuando na</p><p>corrente da vida, audaciosamente, sendo eu. Às</p><p>vezes sou derrotado, fico ferido, mas estou apren-</p><p>dendo que essas experiências nâo são fatais. Nâo</p><p>sei exatamente quem sou, mas posso sentir minhas</p><p>reações a qualquer momento, elas parecem fun-</p><p>cionar muito bem como critério para meu compor-</p><p>tamento a todo momento . Isso talvez seja c que</p><p>significa ser eu mesmo. Mas, é claro, somente</p><p>posso fazé-lo porque sinto-me seguro no relacio-</p><p>namento com meu terapeuta. Ou poderia ser eu</p><p>mesmo dessa maneira fora deste relacionamento?</p><p>Eu me pergunto. Desejo saber.Talvez possa.”</p><p>O que acabei de colocar não acontece rapidamente. Pode Ievar</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>anos. Pode, por razöes que não compreendemos muito bem,</p><p>absolutamente não acontecer. Mas, pelo menos, isso pode su-</p><p>gerir uma visão do interior do quadro efetivo do processo de</p><p>psicoterapia conforme ocorre a ambos, o terapeuta e seu clien-</p><p>te, como tentei apresentar.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>1. HALKIDES, G. An Experimental Study of Four Conditions Ne-</p><p>cessary for Therapeutic Change. Tese de doutorado, inédita.</p><p>Univ. of Chicago, 1958.</p><p>2. ROGERS, C. R. The Necessary and Suficient Conditions of</p><p>Therapeutic Personality Change. Journal of Consulting Psycho-</p><p>logy, vol.21 1957. p. 95-103, apresentado neste volume.</p><p>3. BARRETT-LENNARD, G. T. Dimensions of Perceived Thera-</p><p>pist Response Related to Therapeutic Change. Tese de douto-</p><p>rado, inédita, Univ. of Chicago, 1959.</p><p>4. ROGERS, C. R. A process conception of psychotherapy.</p><p>Americam Psychologist, vol.13 1958. p. 142-149.</p><p>5. ROGERS, C. R.; RABLEN, R. A. A Scale of Process in Psycho-</p><p>therapy. Manual inédito, Univ. of Wisconsin, 1958.</p><p>6. WALKER, A.; RABLEN, R. A.; ROGERS, C. R. Development of</p><p>a scale to measure process changes in psychotherapy. Journal</p><p>of Clinical Psychology. vol. 16 1959. p. 79-85.</p><p>7. GENDLIN, E. T. The Function of Experiencing in Symboliza-</p><p>tion. Tese de doutorado, inédita, Univ. of Chicago, 1958.</p><p>8. GENDLIN, E. T.; ZIMRING, F. The Qualities or Dimensions of</p><p>Experiencing and Their Change. Counseling Center Discussion</p><p>Papers, Univ. of Chicago Counseling Center, vol.1 (3), 1955.</p><p>9. BRAATEN, L.J. The Movement from Non-Self to Self in Client-</p><p>Centered Psychotherapy. Tese de doutorado, inédita, Univ. of</p><p>Chicago, 1958.</p><p>10. KIRTNER, W.L.; CARTWRIGHT, D. S. Success and Failure</p><p>in Client-Centered Therapy as a Function of Initial in-Therapy</p><p>Behavior. Journal of Consulting Psychology, vol. 22 1958. p.</p><p>329-333.</p><p>11. HART, J.; TOMLINSON, T. (et al.) Trabalho de pesquisa ba-</p><p>seado na Escala de Processo (em andamento na Univ. de Wis-</p><p>consin).</p><p>12. ROGERS, C. R.; DYMOND, R. F. (eds) Psychotherapy and</p><p>115</p><p>John Keich Wood e¢ a/. torg. J</p><p>Personality Change. Univ. of Chicago Press, 1954.</p><p>116</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>PESSOAS OU CIÊNCIA?</p><p>UMA QUESTÃO FILOSÓFICA</p><p>Este é um documento altamente pessoal, escrito origi-</p><p>nalmente para mim mesmo, a fim de esclarecer uma questão</p><p>que se tornou cada vez mais intrigante para mim. Interessará</p><p>a outros somente na medida em que esta questão Ihes seja</p><p>importante. Primeiramente darei uma idéia de como o artigo</p><p>evoluiu.</p><p>À medida que adquiri experiència como terapeuta, de-</p><p>senvolvendo a excitante e gratificante experiência de psicotera-</p><p>pia, e trabalhando como investigador científico, apto a descobrir</p><p>parte da verdade sobre a terapia, tornei-me progressivamente</p><p>consciente da lacuna entre esses dois papéis. Quanto melhor</p><p>terapeuta eu me tornava (como acredito que aconteceu), mais</p><p>vagamente me apercebia da minha completa subjetividade</p><p>quando estava no melhor da minha funşão. E ao me tornar um</p><p>melhor investigador, rigoroso e mais científico (como acredito</p><p>que aconteceu), senti um desconforto crescente quanto à dis-</p><p>tância entre minha objetividade rigorosa como cientista e minha</p><p>subjetividade, quase mística, como terapeuta. Este artigo é o</p><p>resultado disso.</p><p>O que fiz, inicialmente, foi me liberar como terapeuta e</p><p>descrever o melhor que pudesse, num espaço reduzido, a na-</p><p>tureza essencial da psicoterapia, como a tenho vivido com mui-</p><p>tos clientes. Ouero enfatizar que esta é uma formulação muito</p><p>flexível e pessoal, e caso fosse escrita por outra pessoa, ou</p><p>mesmo por mim dois anos antes, ou daqui a dois anos, seria</p><p>diferente em alguns aspectos. Depois me entreguei à condişão</p><p>de cientista-obstinado, rastreador-de-fatos no campo psicoló-</p><p>gico, empenhando-me em mostrar o significado que a ciência</p><p>pode dar à terapia. A seguir, levei adiante o debate que existia</p><p>em mim, levantando as perguntas que cada ponto de vista, le-</p><p>‟. Persons or Science? a Philosophical Question. 7ße American</p><p>Psychologist, vol.10 (7) 1955. p 267-278. Tamb5m publicado em</p><p>Cross Currents: A Ouarferfy Review, vol.3: 1953. p. 289-306.</p><p>117</p><p>John Keith Wood et al. íorg. J</p><p>118</p><p>gitimamente, colocava aO OUtfO.</p><p>Tendo me esforçado até esse ponto, verifiquei que havia</p><p>apenas acentuado o conflito. 0s dois pontos de vista pareciam</p><p>mais irreconciliáveis do que nunca. Discuti o assunto num se-</p><p>minário com professores e alunos, e considerei seus comen-</p><p>tários muito úteis. Durante o ano seguinte continuei a remoer</p><p>o problema ate que comecei a sentir surgindo em mim uma</p><p>integraşão das duas visões. Mais de um ano depois de anotar</p><p>as primeiras observaşões, tentei expressar em palavras essa</p><p>integração provisória e tateante.</p><p>Assim, o leitor que quiser seguir minha luta neste assunto</p><p>verá que ela assumiu, bastante inconscientemente, uma forma</p><p>dramática - com todas as dramatis personae contidas dentro de</p><p>mim; o primeiro protagonista, o segundo protagonista, o confli-</p><p>to, e finalmente, a resolução. Sem mais delongas, gostaria de</p><p>introduzir o primeiro protagonista, eu próprio como terapeuta,</p><p>retratando, o melhor que possa, o que a experiência de terapia</p><p>parece ser.</p><p>A Essência da Terapia como Experiência</p><p>Lancei-me na relação terapêutica com uma hipótese, ou</p><p>uma crenşa, a de que a minha estima, a minha confianşa, a mi-</p><p>nha compreensão do mundo interno da outra pessoa, levaria a</p><p>um significativo processo de vir-a-ser. Entro no relacionamento</p><p>não como cientista, nem como médico que pode diagnosticar</p><p>com precisão e curar, mas como uma pessoa, entrando numa</p><p>relação pessoal. Na medida em que o veja apenas como obje-</p><p>to, o cliente tenderá a se tornar apenas um objeto.</p><p>Eu me arrisco, porque à medida que a relação se apro-</p><p>funda, se o que se revela é um fracasso, uma regressão, uma</p><p>rejeição à mim e à relação, por parte do cliente, então sinto que</p><p>vou me perder, ou perder parte de mim. Em alguns momentos</p><p>o risco é muito real, e muito vividamente experimentado.</p><p>Deixo-me levar até os limites do relacionamento em que</p><p>meu organismo total é quem toma conta da relaşão e é sensível</p><p>a ela, e não simplesmente minha consciência. Não estou cons-</p><p>cientemente respondendo de modo planejado ou analítico,</p><p>mas simplesmente de modo espontâneo,diante de outra pes-</p><p>soa, sendo minha reação baseada (mas não conscientemente)</p><p>na minha sensibilidade organísmica total para com essa outra</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>pessoa. Vivo a relação nessa base.</p><p>A essência de algumas das partes mais profundas da te-</p><p>rapia parece ser a unicidade do experienciar. 0 cliente está livre</p><p>para isso e é capaz de experienciar seu sentimento em sua ple-</p><p>na intensidade, como uma “cultura pura”, sem precauções ou</p><p>inibiçöes intelectuais, sem estar amarrado pelo conhecimento</p><p>de sentimentos contraditórios; e eu sou capaz, com igual liber-</p><p>dade, de experienciar minha compreensão desse sentimento,</p><p>sem qualquer pensamento sobre ele, sem qualquer apreensão</p><p>ou preocupação quanto a onde isso vai levar, sem qualquer tipo</p><p>de diagnóstico ou pensamento analítico, sem quaisquer barrei-</p><p>ras cognitivas ou emocionais, em completa “entrega” à compre-</p><p>ensão. Quando se dá essa completa unicidade, singularidade,</p><p>inteireza no experienciar do relacionamento, então este adqui-</p><p>re a qualidade de “fora-deste-mundo” que muitos terapeutas</p><p>relataram, uma espécie de sentimento tipo-transe na relaşão,</p><p>do qual emergimos os dois, o cliente e eu, ao final da sessão,</p><p>como se de um poço profundo ou de um túnel. Nesses momen-</p><p>tos há, como diz Buber, uma relação verdadeira “Eu-Tu”, uma</p><p>vivência atemporal na experiência que é entre o cliente e eu. É</p><p>exatamente o oposto de ver o cliente, ou a mim mesmo como</p><p>objeto. É o ápice da subjetividade pessoal.</p><p>Frequentemente, me dou conta do fato de que não sei,</p><p>cognitivamente, onde essa relação imediata está levando. É</p><p>como se eu e o cliente, muitas vezes amedrontados, nos dei-</p><p>xássemos escorregar para dentro da corrente do vir-a-ser, uma</p><p>corrente ou processo que nos conduz. Como o terapeuta se</p><p>deixou flutuar previamente nessa corrente de experiência ou</p><p>de vida, achando-a compensadora, isso o torna cada vez me-</p><p>nos temeroso do mergulho. É a minha confianşa que facilita ao</p><p>cliente embarcar também, aos poucos. Muitas vezes, é como</p><p>se essa corrente de experiência conduzisse a alguma meta.</p><p>Provavelmente, o mais verdadeiro, porém, é que seu caráter</p><p>compensador esteja no interior do próprio processo, e que a</p><p>maior recompensa é que ele possibilita mais tarde, a ambos,</p><p>cliente e eu, independentemente, nos abandonarmos ao pro-</p><p>cesso de vir-a-ser.</p><p>À medida que a terapia caminha, o cliente verifica que</p><p>está ousando tornar-se ele mesmo, a despeito de todas as</p><p>consequências temíveis que seguramente advirão, caso ele se</p><p>permita tornar-se ele mesmo. O que significa tornar-se ele mes-</p><p>119</p><p>John Keith Wood e¢ al. (org.</p><p>120</p><p>mo? Parece significar menos medo das reaşões organísmicas,</p><p>espontâneas, que temos, um crescimento gradual da confiança</p><p>e mesmo afeição pela complexidade, variedade e riqueza de</p><p>combinaşões de sentimentos e tendências que existem num</p><p>indivíduo no nível orgânico ou organísmico. A consciência, em</p><p>vez de ser a sentinela de uma série de impulsos perigosos e im-</p><p>previsíveis, entre os quais poucos serão permitidos à luz do sol,</p><p>torna-se o habitante confortável de uma sociedade fartamente</p><p>variada de impulsos, sentimentos e pensamentos, comprova-</p><p>damente satisfatórios no tocante a se auto-governar, quando</p><p>não estão sendo mantidos de forma tão temerosa e autoritária.</p><p>Envolver-se nesse processo de vir-a-ser ele mesmo é</p><p>uma profunda experiência de escolha pessoal. 0 cliente per-</p><p>cebe que pode</p><p>p. 96);</p><p>— uma flexibilidade de pensamento e ação, não tolhida por</p><p>teorias ou práticas anteriores, nem mesmo pela experiência,</p><p>aberta a novas descobertas. Uma habilidade de se concentrar</p><p>intensamente e, com clareza, apreender a construşão linear da</p><p>realidade, pedaşo-a-pedaço, bem como perceber sua realida-</p><p>de integral, holística, “toda-de-uma-vez”;</p><p>— uma tolerância quanto às incertezas ou ambigüidades, sendo</p><p>capaz de viver numa situação caótica até que fatos suficientes</p><p>se acumulem para ser possível abstrair-se um sentido deles.</p><p>Um interesse “não na verdade já conhecida ou formulada, mas</p><p>no processo pelo qual a verdade é tenuamente percebida, tes-</p><p>tada e aproximada” (Rogers, 1974);</p><p>— senso de humor, humildade e curiosidade, sem duvida, tam-</p><p>bém têm seu papel, embora não sejam exclusivos dessa abor-</p><p>dagem.</p><p>John Keith Wood e6 at. torg.)</p><p>A Diferenşa entre Abordagem Centrada na Pessoa</p><p>e Terapia Centrada no Cliente</p><p>Antes mesmo da abordagem ter um nome especifico, tal</p><p>como Abordagem Centrada no Cliente ou Abordagem Centrada</p><p>na Pessoa, Rogers já aplicava as mesmas intenşões, crenşas e</p><p>atitudes para uma psicoterapia eficaz. Ele não estava tentando</p><p>fazer uma boa terapia, apenas tentava ajudar seu cliente. Ao</p><p>fazer isso, colheu várias observaşões. Algumas ações pareciam</p><p>ajudar mais que outras. 0s clientes pareciam agir de determina-</p><p>da maneira em certas situaşões.</p><p>Assim, métodos se desenvolveram a partir dessas obser-</p><p>vações. Teorias foram propostas. Princípios foram estabeleci-</p><p>dos. Aquilo que, no final, foi chamado de Terapia Centrada no</p><p>Cliente, evoluiu juntamente com os princípios que o estavam</p><p>organizando. Terapia Centrada no Cliente tornou-se um sistema</p><p>de mudanşa na personalidade. Embora relacionada com esse</p><p>sistema, a abordagem, que veio a ser chamada Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa, é uma categoria distinta.</p><p>16 Assim, a Terapia Centrada no Cliente tern uma teoria es-</p><p>pecífica, coerente e bem documentada (Rogers, 1959). A Abor-</p><p>dagem Centrada na Pessoa não tern nenhuma teoria. Que teo-</p><p>ria poderia ter uma abordagem?</p><p>Existe um método para conduzir uma Terapia Centrada</p><p>no Cliente. Não é tão bem especificado quanto a teoria, mas a</p><p>técnica pessoal de Rogers foi extensivamente documentada e</p><p>pôde ser precisamente descrita. A abordagem não tern méto-</p><p>do. Ela toma forma de acordo com a demanda.</p><p>Quanto a Terapia Centrada no Cliente, um corpo substan-</p><p>cial de pesquisa se acumulou, testando as hipóteses propostas</p><p>pelo estudo de sua teoria e prática. Embora de um modo geral,</p><p>a pesquisa tenha sido incapaz de convencer a maioria dos psi-</p><p>cólogos da validade da teoria, o que tern sido mais convincente</p><p>é que, de fato, melhorou a psicologia em geral, foi um sucesso</p><p>na clínica da Terapia Centrada no Cliente. A Abordagem Cen-</p><p>trada na Pessoa não tern sido pesquisada. A forşa e a fraqueza</p><p>dos conceitos de Rogers decorrem em grande parte do fato de</p><p>que provêm da experiência direta do processo de psicoterapia</p><p>eficaz.</p><p>0 desenvolvimento da Terapia Centrada no Cliente eficaz</p><p>resultou na formulação de certos princípios. Alguns se tornaram</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>parte da teoria; outros, parte do sistema de crenças dos seus</p><p>praticantes; outros ainda, parte do folclore que inevitavelmente</p><p>cerca as atividades de um grupo de pessoas envolvido na mes-</p><p>ma tarefa. Para a abordagem, não há tais princípios.</p><p>No caso da Terapia Centrada no Cliente, a abordagem foi ca-</p><p>racteristicamente expressa através de uma compreensão em-</p><p>pática intensa dentro de um relacionamento genuíno, de pes-</p><p>soa-a-pessoa, sem questionar ou julgar, valorativamente, os</p><p>pensamentos e sentimentos do cliente.</p><p>Em 1946, Rogers proferiu uma palestra cuidadosamente</p><p>preparada para uma audiência bastante cética na Clínica Men-</p><p>ninger. O nome desse artigo seminal que foi editado e subse-</p><p>quentemente publicado na revista The American Psychologist,</p><p>era: Aspectos Significativos da Terapia Centrada no Cliente. Sua</p><p>psicoterapia ganhava um novo nome e apropriadamente, ele se</p><p>referia à sua abordagem como “Abordagem Centrada no Clien-</p><p>te”. Dizia: “Embora a Abordagem Centrada no Cliente tenha</p><p>suas origens puramente dentro dos limites da clínica psicológi-</p><p>ca, está provando ter implicações, freqüentemente de natureza</p><p>bastante espantosa, em diferentes campos de atividades”. Ele 17</p><p>previu que essa nova abordagem iria produzir:</p><p>[1] uma maior compreensão do processo de psicotera-</p><p>pia e a melhora da sua prática;</p><p>[2] aplicaşões no campo da educaşão;</p><p>[3] um maior respeito pela filosofia da auto-determina-</p><p>ção;</p><p>(4] aplicações na resoluşão de conflitos sociais e gru-</p><p>pais.</p><p>0 que, de fato, ocorreu. Além disso, ao longo de sessen-</p><p>ta anos de sua carreira, a abordagem nunca mudou. Nos pri-</p><p>meiros trinta anos, durante a fase intensiva do desenvolvimento</p><p>da Terapia Centrada no Cliente, era freqüentemente chamada</p><p>de Abordagem Centrada no Cliente. Nos trinta anos seguintes,</p><p>quando foi aplicada mais intensivamente à Educaşão, a peque-</p><p>nos grupos de encontro ou à psicoterapia de pequenos grupos,</p><p>e a grandes grupos para facilitar a compreensão transnacional,</p><p>a resolução de conflitos ou a aprendizagem sobre a natureza</p><p>da cultura e seus processos de formaçao, tern sido chamada</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa.</p><p>1935................ ......1965......................1995</p><p>A ABORDAGEM</p><p>Abordagem Centrada no Cliente Abordagem Centrada na</p><p>Pessoa</p><p>Terapia Centrada no Cliente</p><p>II</p><p>Outras Aplicações</p><p>vi</p><p>John Keith Wood ec a/. (org.)</p><p>O quadro a seguir poderá ajudar a colocar em perspectiva a</p><p>história da abordagem e suas aplicaşões mais importantes:</p><p>I. Atitudes do terapeuta. Caracterizada pelo livro de Ro-</p><p>gers, Aconselhamento e Psicoterapia, publicado em</p><p>18 1942.</p><p>II. Métodos de terapia. Identificada pelo livro Terapia Cen-</p><p>trada no Cliente, publicado em 1951.</p><p>III. Experiência ou processos internos. Corresponde à</p><p>publicação (1961) do best-seller, Tornar-se Pessoa.</p><p>IV. Facilitação do aprendizado. Liberdade para Aprender</p><p>(1969).</p><p>V. Relacionamentos inter-pessoais. Grupos de Encontro</p><p>(1970).</p><p>VI. Processos sociais, formaşão e transformação da cul-</p><p>tura. Sobre o Poder Pessoal (1977) e Um Jeito de Ser</p><p>(1980).</p><p>O período dos primeiros trinta anos da Abordagem Cen-</p><p>trada no Cliente estava voltado para o desenvulvimento de um</p><p>sistema de mudança na personalidade que se concentrava no</p><p>mundo subjetivo do individuo. O período dos trinta anos se-</p><p>guintes da Abordagem Centrada na Pessoa voltou-se também</p><p>para interações sociais e se concentrou no aprender fazendo.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişśo</p><p>A PRIMEIRA PARTE</p><p>0 objetivo da Primeira Parte, ABORDAGEM CENTRADA</p><p>NA PESSOA: ARTIGOS SEMINAIS DE CARL R. ROGERS,</p><p>não é apresentar um panorama completo do seu trabalho, nem</p><p>mesmo suas realizações mais significativas, mas dar uma mos-</p><p>tra de sua sabedoria, seu conhecimento proveniente do sabo-</p><p>rear a experiência, seu "jeito de ser", ao lidar com a Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa. Com essa finalidade, foram escolhidos</p><p>seis artigos originais, publicados em renomadas revistas norte-</p><p>americanas de psicologia, entre 1946 e 1963, alguns dos quais</p><p>foram escritos vários anos antes de sua publicação. Embora a</p><p>primeira proposição organizada por Rogers sobre sua "nova</p><p>psicoterapia" tenha aparecido já em 1940 (num discurso na</p><p>Universidade de Minnesota) e ele tenha continuado a publicar</p><p>sobre o assunto até sua morte em 1987, para nosso objetivo,</p><p>estes seis artigos representam seu pensamento essencial em</p><p>psicoterapia. Por aparecerem em seu contexto de origem, mar-</p><p>cado pela busca da verdade (em vez de procurarem responder</p><p>à questão: "O que este grande homem pensa sobre variados 19</p><p>assuntos?”), estes artigos mantêm o vigor original. Mostram</p><p>acima de tudo o prazer experimentado por Rogers com a des-</p><p>coberta.</p><p>O artigo de abertura “Aspectos Significativos da Tera-</p><p>pia Centrada no Cliente" (1946) foi cuidadosamente elaborado</p><p>escolher continuar a esconder-se atrás de uma</p><p>“fachada”, ou aceitar os riscos envolvidos em tornar-se ele mes-</p><p>mo, como um agente livre com poder de destruir o outro, ou a</p><p>si próprio, mas também com o poder de melhorar a si e aos</p><p>outros. Frente à realidade nua da decisão, ele escolhe mover-se</p><p>em direção a ser ele mesmo.</p><p>Mas ser ele mesmo não “resolve os problemas”. Apenas</p><p>abre um novo modo de viver no qual há mais profundidade e</p><p>mais amplitude, mais abrangência e maior variedade na expe-</p><p>riência dos sentimentos. Ele se sente mais único e mais só,</p><p>mas torna-se tão mais verdadeiro que suas relaşões com os ou-</p><p>tros perdem sua qualidade artificial, tornam-se mais profundas,</p><p>mais satisfatórias, e suscitam mais a realidade da outra pessoa</p><p>no relacionamento.</p><p>Outra forma de encarar esse processo, esse relaciona-</p><p>mento, é vê-lo como uma aprendizagem para o cliente (e em</p><p>menor extensão, para o terapeuta também). Mas é um tipo es-</p><p>tranho de aprendizagem. Quase nunca essa aprendizagem é</p><p>notável por sua complexidade, e num nível mais profundo as</p><p>aprendizagens não parecem se encaixar muito bem nos sím-</p><p>bolos verbais. Frequentemente as aprendizagens tornam for-</p><p>mas tão simples quanto “sou diferente dos outros”; “sinto ódio</p><p>dele”; “tenho medo de me sentir dependente”; “certamente te-</p><p>nho sentimentos temos e amorosos”; “posso ser o que quero</p><p>ser“; etc. Mas, apesar da aparente simplicidade, essas aprendi-</p><p>zagens são enormemente significativas, de uma maneira origi-</p><p>nal, muito difícil de definir. Podemos pensá-las de várias formas.</p><p>Em primeiro lugar, são aprendizagens baseadas na experién-</p><p>Abordagem Cencrada na Pessoa | 5• edição</p><p>cia, não em símbolos. São análogas à aprendizagem da criança</p><p>que sabe que “dois e dois são quatro" e que um dia, brincando</p><p>com dois objetos e mais dois objetos, subitamente percebe na</p><p>experiência, através de uma aprendizagem totalmente nova,</p><p>que “dois e dois são quatro”.</p><p>Outra forma de entender essas aprendizagens é perceber</p><p>que são uma tentativa extemporânea de encaixar símbolos com</p><p>significados no mundo dos sentimentos, uma tarefa há muito</p><p>conseguida no campo cognitivo. Intelectualmente, estabele-</p><p>cemos uma cuidadosa correspondência entre o símbolo que</p><p>escolhemos e o significado que uma experiência tern para nós.</p><p>Assim, digo que uma coisa aconteceu "gradualmente", tendo</p><p>rapidamente (e em grande parte inconscientemente) revisto</p><p>termos como "vagarosamente", "imperceptivelmente”, "passo-</p><p>a-passo”, etc., rejeitado-os por não carregarem o tom preciso</p><p>do significado da experiência. Mas no domínio dos sentimentos</p><p>nunca aprendemos a atribuir símbolos à experiência com al-</p><p>guma acuidade de significado. Esse algo que eu sinto brotan-</p><p>do em mim, na segurança de uma relaşão aceitadora - o que</p><p>é? Será tristeza, será raiva, será arrependimento, será pena de</p><p>mim, será irritaşão pelas oportunidades perdidas ? Eu tropeşo,</p><p>atrapalhado, tentando uma ampla gama de símbolos, ate que</p><p>um "encaixa", "cai bem", parece realmente enquadrar-se na ex-</p><p>periência organísmica. Ao fazer esse tipo de coisa, o cliente</p><p>descobre que tern que aprender a linguagem dos sentimentos</p><p>e emoções como se fosse uma crianşa que aprendesse a falar;</p><p>frequentemente, o que é pior, percebe que deve desaprender</p><p>uma falsa linguagem antes de aprender a verdadeira.</p><p>Vamos tentar ainda outro modo de definir esse tipo de</p><p>aprendizado, desta vez descrevendo o que ele não é. É um</p><p>tipo de aprendizagem que náo pode ser ensinado. Sua essên-</p><p>cia é o aspecto da auto-descoberta. 0 "conhecimento", como</p><p>estamos habituados a pensá-lo, uma pessoa pode ensiná-lo a</p><p>outra, desde que ambas tenham a motivação e a habilidade</p><p>adequadas. Mas na aprendizagem significativa que acontece</p><p>em terapia, uma pessoa não pode ensinar a outra. 0 ensinar</p><p>destruiria o aprendizado. Assim, eu poderia ensinar a um clien-</p><p>te que é seguro para ele ser ele mesmo, que sentir livremente</p><p>os próprios sentimentos não é perigoso, etc. Quanto mais ele</p><p>aprendesse isso mais se distanciaria de aprendê-lo de modo</p><p>significativo, experiencial, auto-apropriador. Kierkegaard consi-</p><p>121</p><p>John Keith Wood e8 a/. (org. J</p><p>22|</p><p>dera este Último tipo de aprendizagem como a verdadeira sub-</p><p>jetividade, e assegura,com razão, que esta não pode ser comu-</p><p>nicada diretamente, não pode haver sequer comunicação a seu</p><p>respeito. O máximo que uma pessoa pode fazer para promovê-</p><p>la em outra é criar certas condişões que tornem possível esse</p><p>tipo de aprendizagem. Não pode ser forçado.</p><p>Uma última maneira de descrever essa aprendizagem é</p><p>ver que o cliente gradualmente aprende a simbolizar um estado</p><p>total e unificado, em que o estado do organismo, ao experien-</p><p>ciar, sentir e conhecer, pode ser integralmente descrito de um</p><p>modo unificado. Para tornar o assunto ainda mais vago e insa-</p><p>tisfatório, parece ser ate desnecessário que essa simbolização</p><p>seja expressa. Usualmente acontece, porque o cliente deseja</p><p>comunicar pelo menos parte de si ao terapeuta, mas provavel-</p><p>mente isto não é essencial. 0 único aspecto essencial é a com-</p><p>preensão íntima do estado total, unificado, imediato, no aqui- e-</p><p>agora do organismo que eu sou. Por exemplo, compreender</p><p>totalmente que neste momento a unicidade em mim manifesta-</p><p>se simplesmente como “estou profundamente apavorado fren-</p><p>te à possibilidade de tornar-me um pouco diferente”, constitui</p><p>a essência da terapia. 0 cliente que compreende isso, quase</p><p>certamente reconhecerá e compreenderá esse estado do seu</p><p>ser quando este Ihe ocorrer de forma similar. Ele irá também,</p><p>com toda a probabilidade, reconhecer e compreender de modo</p><p>mais abrangente alguns dos outros sentimentos existenciais</p><p>que ocorrem nele. Assim, ele estará se movendo em direçào a</p><p>um estado no qual é mais verdadeiramente ele mesmo. Ele se</p><p>tornará, de um modo mais unificado, o que organismicamente</p><p>é, e isso parece ser a essência da terapia.</p><p>A Essência da Terapia como Ciência</p><p>Agora permitirei ao segundo protagonista, eu mesmo en-</p><p>quanto cientista, assumir e dar sua visão deste mesmo campo.</p><p>Abordam o complexo fenômeno da terapia com a Iógica</p><p>e os métodos da ciência, tern por objetivo trabalhar em dire-</p><p>ção a uma compreensão do fenômeno. Em ciência isso sig-</p><p>nifica um conhecimento objetivo dos eventos e das relações</p><p>funcionais entre eles. A ciência também possibilita o aumento</p><p>da previsão e do controle sobre os eventos, mas este não é um</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>resultado necessário da tarefa científica. Se o objetivo científico</p><p>fosse totalmente realizado nessa dimensão, presumivelmente,</p><p>saberíamos que, em terapia, certos elementos estão associa-</p><p>dos a certos tipos de resultados. Sabendo disso é provável que</p><p>pudéssemos prever que certa situação do relacionamento te-</p><p>rapêutico tivesse certo resultado (dentro dos limites da proba-</p><p>bilidade) porque envolveu tais elementos. Poderíamos então,</p><p>muito provavelmente, controlar os resultados da terapia pela</p><p>manipulação dos elementos contidos no relacionamento tera-</p><p>pêutico.</p><p>Deveria ficar claro que, qualquer que fosse a profundi-</p><p>dade de nossa investigação científica, não poderíamos nunca</p><p>através dela descobrir qualquer verdade absoluta, mas somen-</p><p>te descrever relações que tivessem uma probabilidade cada vez</p><p>maior de ocorrência. Nem poderíamos descobrir qualquer rea-</p><p>lidade subjacente no que diz respeito às pessoas, às relações</p><p>interpessoais, ou ao universo. Poderíamos apenas descrever</p><p>relações entre eventos observáveis. Se a ciência nesse campo</p><p>seguisse o mesmo curso que em outros campos, os modelos</p><p>operativos da realidade que emergiriam (no curso da constru-</p><p>ção da teoria) seriam progressivamente oriundos da realidade</p><p>percebida pelos sentidos. A descrição científica da terapia e da</p><p>relação terapèutica seria cada vez mais diferente desses fenô-</p><p>menos como são experienciados.</p><p>É evidente, desde o princípio, visto a terapia ser um fenô-</p><p>meno complexo, que a medição vai ser difícil. No entanto, “tudo</p><p>o que existe pode ser medido", e uma vez que a terapia é consi-</p><p>derada como um relacionamento significativo, com implicações</p><p>que vão muito além de si mesma, as dificuldades se mostrarão</p><p>merecedoras de serem suplantadas, para que se descubram</p><p>leis da personalidade e das relações interpessoais.</p><p>Visto que, na Terapia Centrada no Cliente, já existe uma</p><p>teoria incipiente (embora não uma teoria no senso estritamente</p><p>científico), temos um ponto de partida para a seIeçao das hi-</p><p>póteses. Para fins desta discussão, vamos tornar algumas das</p><p>hipóteses rudimentares que podem ser apreendidas dessa te-</p><p>oria, e ver o que uma abordagem científica faria com elas. Por</p><p>ora, omitiremos a transcrişão da teoria total em termos de uma</p><p>Iógica formal, que seria aceitável, a fim de considerar apenas al-</p><p>gumas hipóteses. Permitam-me primeiramente estabelecer três</p><p>delas na sua forma bruta.</p><p>123</p><p>John Keith Wood et a/. Borg.)</p><p>1. A aceitaÇãO do cliente pelo terapeuta leva a uma maior</p><p>aceitação do self pelo cliente.</p><p>2. Quanto mais o terapeuta percebe o cliente como pes-</p><p>soa e não como objeto, mais o cliente irá perceber-se a si mes-</p><p>mo como pessoa e não como objeto.</p><p>3. No curso da terapia acontece ao cliente um tipo de</p><p>aprendizado efetivo e experiencial sobre o self.</p><p>24|</p><p>Como iremos agora traduzir cada uma delas° em termos</p><p>operacionais e como poderemos testar as hipóteses? Quais se-</p><p>riam os resultados gerais de tais testagens?</p><p>Este artigo não é o lugar para uma resposta detalhada a</p><p>essas questões, mas pesquisas já realizadas fornecem as res-</p><p>postas de uma maneira geral. No caso da primeira hipótese, al-</p><p>guns dispositivos para medir aceitação serão selecionados ou</p><p>inventados. Estes poderão ser testes de atitudes, objetivos ou</p><p>projetivos, técnica Q ou similar. Presumivelmente os mesmos</p><p>instrumentos, com apenas pequenas diferenças de instruşão</p><p>ou dos quadros de referéncia, poderiam ser usados para me-</p><p>dir a aceitação do cliente pelo terapeuta, e do self pelo cliente.</p><p>Operacionalmente, então, o nível de aceitaşáo do terapeuta se-</p><p>ria equacionado de acordo com algum escore oferecido por</p><p>esse instrumento. Se mudar durante a terapia, a auto-aceitação</p><p>do cliente será indicada por medições anteriores e posteriores.</p><p>A relação de qualquer mudanşa com a terapia seria determi-</p><p>nada através de comparações entre as mudanças durante um</p><p>período de controle ou em relação a um grupo de controle. Se-</p><p>ríamos finalmente capazes de dizer se existe uma relaşão entre</p><p>a aceitação do terapeuta e a auto-aceitação do cliente, como</p><p>foi definido operacionalmente, e a correlação entre ambas as</p><p>medidas.</p><p>A segunda e a terceira hipóteses envolvem dificuldades</p><p>^. Creio ser hoje comumente aceito que os sentimentos mais subjeti-</p><p>vos, apreensões, tensões, satisfações ou reaçöes, poderão ser mani-</p><p>pulados cientificamente, se for possível dar-Ihes definiçôes operacio-</p><p>nais nítidas. William Stepheson, entre outros, apresentou esse ponto</p><p>de vista substancialmente (nos seus ”Postulate's of Behaviorism”) e,</p><p>através da sua técnica Q, contribuiu grandemente para a objetivaçäo</p><p>dos materiais subjetivos para o estudo científico.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5„ edição</p><p>reais de medişão, mas não há razão para supor que não pos-</p><p>sam vir a ser estudadas objetivamente, à medida que aumente</p><p>a nossa sofisticação em medişão psicológica. Algum tipo de</p><p>teste de atitude ou tipo Q pode ser o instrumento para a se-</p><p>gunda hipótese, medindo-se a atitude do terapeuta para com o</p><p>cliente, e do cliente para com o self. Neste caso, o continuum</p><p>seria da consideração objetiva de um objeto externo para um</p><p>experienciar pessoal e subjetivo. A instrumentaşão para a hi-</p><p>pótese três pode ser fisiológica, pois parece provável que a</p><p>aprendizagem experiencial tenha concomitantes fisiológicos</p><p>mensuráveis. Outra possibilidade seria inferir a aprendizagem</p><p>experiencial de sua efetividade, e assim medir a efetividade da</p><p>aprendizagem em áreas diferentes. No atual estado de nossa</p><p>metodologia a hipótese trés pode estar além da nossa possibi-</p><p>lidade de mensurá-la, mas certamente, num futuro previsível,</p><p>também ela poderá ser definida operacionalmente e testada.</p><p>0s resultados desses estudos seriam dessa ordem. Va-</p><p>mos lanşar mão de suposições para ilustrar mais concretamen-</p><p>te. Suponhamos ter descoberto que a aceitaşão do terapeuta</p><p>conduz à auto-aceitação do cliente, e que a correlação esteja</p><p>nos níveis de 0,70 entre as duas variáveis. Na segunda hipótese,</p><p>poderíamos descobrir que ela não teria suporte, mas veríamos</p><p>que quanto mais o terapeuta considera o cliente como pes-</p><p>soa, mais aumenta a auto-aceitação do cliente. Assim teríamos</p><p>aprendido que o centrar-se na pessoa é um elemento de aceita-</p><p>ção, mas tern pouco a ver com o fato de o cliente tornar-se mais</p><p>pessoa para si próprio. Suponhamos também que a hipótese</p><p>três se sustentasse também com a aprendizagem experiencial</p><p>de certos tipos possíveis de descrişão que ocorressem muito</p><p>mais em terapia do que com sujeitos de grupos de controle.</p><p>Recenseando todas as qualificaçöes e ramificações en-</p><p>contradas nos resultados, e omitindo referências a incursões</p><p>inesperadas na dinâmica de personalidade, que pudessem sur-</p><p>gir (visto que essas seriam difíceis de imaginar antecipadamen-</p><p>te), o parágrafo anterior nos dá alguma noção do que a ciência</p><p>pode nos oferecer nesse campo. Ela pode nos fornecer uma</p><p>descrição mais exata dos eventos da terapia e das mudanşas</p><p>que ocorrem. Pode começar a formular algumas leis provisórias</p><p>da dinâmica das relações humanas. Pode oferecer declaraşões</p><p>públicas e reproduzíveis de, que se certas condições definíveis</p><p>operacionalmente existirem no terapeuta ou na relação, então</p><p>125</p><p>John Keith Wood et at. (org. J</p><p>certos comportamentos podem ser esperados por parte do</p><p>cliente, com um nível de probabilidade conhecido. Pode com</p><p>certeza fazê-lo no campo da terapia e da mudanşa na persona-</p><p>lidade, como está em vias de fazer nos campos da percepção</p><p>e da aprendizagem. Em algum ponto as formulaşões teóricas</p><p>deverão reunir essas diferentes áreas, enunciando as leis que</p><p>parecem governar alterações no comportamento humano, seja</p><p>em situaşões que classificamos de percepşão, ou aquelas que</p><p>classificamos de aprendizagem, ou as mudanças mais globais</p><p>e molares que ocorrem em terapia, envolvendo tanto percep-</p><p>ção quanto aprendizagem.</p><p>Algumas Questões</p><p>Existem aqui dois métodos diferentes de perceber os as-</p><p>pectos essenciais de psicoterapia, duas abordagens diferentes</p><p>para se avanşar num novo território, neste campo. Como foram</p><p>apresentadas aqui, e como frequentemente se manifestam, pa-</p><p>rece não haver uma base comum de encontro entre essas duas</p><p>126 descrições. Cada qual representa um modo vigoroso de ver a</p><p>terapia. Cada qual parece ser um caminho para verdades sig-</p><p>nificativas da terapia. Quando sustentada por um indivíduo ou</p><p>um grupo diferente, cada uma delas constitui a base de nítido</p><p>desacordo. Quando cada uma dessas abordagens parece ser</p><p>verdadeira para o indivíduo, como acontece comigo, então ele</p><p>próprio se sente em conflito entre essas duas visões. Embo-</p><p>ra possam ser conciliadas superficialmente, ou consideradas</p><p>como complementares, elas me parecem ser basicamente an-</p><p>tagônicas, de vários modos. Gostaria de levantar algumas das</p><p>questões que essas duas visões me propõem.</p><p>As Perguntas do Cientista</p><p>Primeiramente permitam-me colocar algumas das ques-</p><p>tões que o ponto de vista científico propõe ao experiencial</p><p>(usando científico e experiencial simplesmente como rótulos</p><p>vagos para indicar as duas vertentes). O cientista exigente ouve</p><p>o relato do experiencial e levanta várias questões perscrutado-</p><p>ras.</p><p>1. “Em primeiro lugar, como você pode saber se esse</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa</p><p>| 5• edição</p><p>relato, ou qualquer relato dado num momento anterior ou pos-</p><p>terior, é verdadeiro? Como você sabe se tern alguma relação</p><p>com a realidade? Se formos acreditar nessa experiência íntima</p><p>e subjetiva como sendo a verdade sobre relações humanas ou</p><p>sobre modos de alterar a personalidade, então o Yogi, a Ciência</p><p>Cristã, a dianética, e os delírios de um indivíduo psicótico que</p><p>acredita ser Jesus Cristo, serão todas verdadeiras, tanto quan-</p><p>to esse relato. Cada uma delas representa a verdade como é</p><p>percebida intimamente por algum indivíduo ou grupo de indiví-</p><p>duos. Se formos evitar esse atoleiro de verdades contraditórias</p><p>e múltiplas, deveremos voltar para o único método que conhe-</p><p>cemos para conseguir uma aproximação cada vez maior da re-</p><p>alidade, o método científico".</p><p>2. “Em segundo lugar, essa abordagem experiencial im-</p><p>pede a pessoa de melhorar sua habilidade terapêutica, ou des-</p><p>cobrir os elementos menos satisfatórios da relação. A menos</p><p>que se considere a presente descrição como perfeita, o que é</p><p>improvável, ou o nível atual de experiência na relação terapêuti-</p><p>ca como a mais eficiente possível, o que é igualmente imprová-</p><p>vel, então existem falhas desconhecidas, imperfeiçöes, pontos</p><p>obscuros, no relato como foi feito. Como poderão ser desco-</p><p>bertos e corrigidos? Será que a abordagem experiencial não</p><p>pode oferecer nada além de um processo de tentativa-e-erro</p><p>para consegui-lo, um processo que é vagaroso e não oferece</p><p>garantia de atingir esse objetivo? Até a crítica e as sugestões</p><p>de outros são de pouca ajuda, visto que não advêm da expe-</p><p>riência interna e portanto não têm a autoridade vital do próprio</p><p>relacionamento. Mas o método científico, e os procedimentos</p><p>de uma Iógica moderna positivista, têm muito a oferecer aqui.</p><p>Qualquer experiência que possa de fato ser descrita, pode ser</p><p>descrita em termos operacionais. Hipóteses podem ser formu-</p><p>ladas e postas à prova, e as „ovełhas‟ da verdade podem ser se-</p><p>paradas das „cabras‟ do erro. Este parece ser o único caminho</p><p>seguro para o aperfeiçoamento, a auto-correção, o crescimento</p><p>do conhecimento“.</p><p>3. O cientista tern outro comentário a fazer. “lmplícita na</p><p>sua descrişão da experiência terapêutica parece estar a noção</p><p>de que há nela elementos que não podem ser previstos - que</p><p>há um certo tipo de espontaneidade ou (com o perdão do ter-</p><p>127</p><p>John Keith Wood ec a/. (org. J</p><p>mo) livre vontade operando aqui. Você fala como se alguns</p><p>dos comportamentos do cliente - e talvez alguns do terapeuta</p><p>- não fossem causados, nào fossem um elo numa sequência</p><p>de causa e efeito. Sem querer ser metafísico, posso levantam a</p><p>questão se isso não é derrotismo? Visto que seguramente po-</p><p>demos descobrir o que causa a maioria dos comportamentos</p><p>- você mesmo fala em criar condições a que certos resultados</p><p>comportamentais se seguirão - então por que desistir em al-</p><p>gum ponto? Por que, ao menos, não ter em mente descobrir</p><p>as causas de todos os comportamentos? Isto não significa que</p><p>o indivíduo precise considerar-se como um autômato, mas, na</p><p>nossa busca de fatos, não nos deixaremos abalar pela crenşa</p><p>de que algumas portas estão fechadas para nós”.</p><p>128|</p><p>4. Finalmente, o cientista não pode entender porque o</p><p>terapeuta, o experienciador, deva desafiar a única ferramenta</p><p>e método responsável por quase todos os avanşos que valo-</p><p>rizamos. “Na cura da doença, na prevenşão da mortalidade</p><p>infantil, no cultivo de grandes plantações, na preservaçäo de</p><p>alimentos, na manufatura de todos as coisas que tornam a vida</p><p>confortável, dos livros ao nailon, na compreensão do universo,</p><p>qual é a pedra fundamental? É o método da ciência, aplicada a</p><p>cada um desses e a muitos outros problemas. É verdade que</p><p>se desenvolveram também métodos de guerra, servindo à des-</p><p>trutividade do homem tanto quanto aos seus propósitos cons-</p><p>trutivos, mas mesmo assim a potencialidade para o uso social é</p><p>muito grande. Então por que duvidar dessa mesma abordagem</p><p>no campo da ciência social? É verdade que os avanşos foram</p><p>lentos e nenhuma lei tão fundamental quanto a da gravidade foi</p><p>ainda demonstrada, mas iremos desistir dessa abordagem por</p><p>impaciência? Que alternativa possível oferece igual esperanşa?</p><p>Se concordarmos que os problemas sociais do mundo são de</p><p>fato muito urgentes, se a psicoterapia abre um espaço para</p><p>uma dinâmica mais crucial e significativa sobre a mudança do</p><p>comportamento humano, então seguramente, a linha de aşão</p><p>é aplicar à psicoterapia os cânones mais rigorosos do método</p><p>científico, na escala mais ampla possível, a fim de que possa-</p><p>mos o mais rápidamente possível nos aproximarmos de um co-</p><p>nhecimento provisório das leis do comportamento individual e</p><p>da mudanşa atitudinal".</p><p>As Perguntas do Experienciador</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>Apesar de as perguntas do cientista parecerem, a alguns,</p><p>resolved o assunto, seus comentários estão longe de ser inteira-</p><p>mente satisfatórios para o terapeuta que viveu a experiência da</p><p>terapia. Este indivíduo tern vários pontos a observar em relação</p><p>à perspectiva do cientista.</p><p>1. “Em primeiro lugar“, o experienciador declara, “a ciên-</p><p>cia sempre tern a ver com o outro, o objeto". Vários especialis-</p><p>tas em Iógica da ciência, inclusive Stevens, mostram que um</p><p>elemento básico da ciência é que eta sempre tern a ver com o</p><p>objeto observável, o outro observável. Isso é verdade mesmo</p><p>se o cientista está experimentando sobre si mesmo, caso em</p><p>que se considera como o outro observável. Nunca tern nada a</p><p>ver com a experiência de si mesmo. Ora, será que esta quali-</p><p>dade da ciência não significa que será sempre irrelevante para</p><p>uma experiência como a terapia, que é intensamente pessoal,</p><p>altamente subjetiva na sua interioridade, e dependente intei-</p><p>ramente do relacionamento de dois indivíduos, cada qual en-</p><p>volvido com a experiência de si mesmo. A ciência pode, evi-</p><p>dentemente, estudar os eventos que ocorrem, mas sempre de</p><p>um modo irrelevante em relação ao que está ocorrendo. Uma</p><p>analogia seria dizer que a ciência pode fazer uma autópsia dos</p><p>eventos mortos da terapia, mas por sua própria natureza não</p><p>poderá nunca entrar na fisiologia viva da terapia. É por esse</p><p>motivo que os terapeutas reconhecem - em geral intuitivamen-</p><p>te - que qualquer avanşo em terapia, qualquer conhecimento</p><p>recém descoberto, cada nova hipótese significativa em relação</p><p>a ela, deve vir da experiência de terapeutas e clientes, e nunca</p><p>da ciência. Novamente, para recorrer à analogia, certos corpos</p><p>celestes foram descobertos somente devido ao exame de me-</p><p>didas científicas do curso das estrelas. Então os astrônomos</p><p>procuraram por esses corpos hipotéticos e os acharam. Deci-</p><p>didamente, parece improvável que venha a existir tal resultado</p><p>em terapia, visto que a ciência não tern nada a dizer sobre a</p><p>experiência pessoal interior que eu tenho em terapia. Ela pode</p><p>apenas falar dos eventos que ocorrem nela.</p><p>2. “Uma vez que a ciência tern como campo o outro, o</p><p>objeto, isso significa que tudo em que toca é transformado em</p><p>objeto. Isso nunca foi problema para as ciências físicas. Nas</p><p>129</p><p>John Keith Wood e6 a/. (org.</p><p>ciências biológicas causou algumas dificuldades. Alguns mé-</p><p>dicos se questionam se a tendência crescente de encarar or-</p><p>ganismo humano como objeto, apesar da sua eficiência cientí-</p><p>fica, não pode ser desastrosa para o paciente. Eles prefeririam</p><p>considerá- Io novamente como pessoa. É nas ciências sociais,</p><p>entretanto, que isso se torna genuinamente uma questão séria.</p><p>Significa que as pessoas estudadas pelo cientista social são</p><p>sempre objetos. Em terapia, tanto o cliente como o terapeuta</p><p>tornam-se objetos de dissecação, mas não pessoas com quem</p><p>se entre numa relação viva. À primeira vista, isso pode não pa-</p><p>recer importante. Poder-se-ia dizer que somente no seu papel</p><p>de cientista o indivíduo considera os outros como objetos. Ele</p><p>também pode sair desse papel e tornar-se uma pessoa.</p><p>Mas se</p><p>olharmos um pouco mais além veremos que é uma resposta</p><p>superficial. Se nos projetarmos no futuro, supondo que obtive-</p><p>mos todas as respostas para a maioria das questões que a Psi-</p><p>cologia investiga hoje, o que ocorreria então? Desse modo, nos</p><p>sentiríamos crescentemente forçados a tratar todos os outros, e</p><p>até a nós mesmos, como objetos. 0 conhecimento de todas</p><p>30 as relações humanas seria tão grande que conheceríamos os</p><p>relacionamentos mais do que os viveríamos irrefletidamente.</p><p>Vemos um exemplo disso na atitude de pais sofisticados que</p><p>sabem que o afeto é born para a criança. Esse conhecimento,</p><p>não raro, os impede de serem eles mesmos, livremente, espon-</p><p>taneamente, afetuosamente ou não. Assim, o desenvolvimento</p><p>da ciència no campo da terapia ou é irrelevante para a experiên-</p><p>cia, ou pode de fato tornar mais difícil viver a relação como um</p><p>evento pessoal, experiencial.”</p><p>3. 0 experienciador tern mais uma preocupaşão. “Quan-</p><p>do a ciência transforma pessoas em objetos, como menciona-</p><p>do acima, isso tern um outro efeito. 0 resultado final da ciência</p><p>é conduzir à manipulação. Isso é menos verdade num campo</p><p>como a astronomia, mas nas ciências físicas e sociais, o conhe-</p><p>cimento dos eventos e suas relaşões conduz à manipulação</p><p>de alguns dos elementos da equação. Isso, indubitavelmente,</p><p>é verdade para a Psicologia, e também o seria em terapia. Se</p><p>sabemos tudo sobre como acontece o conhecimento, usamos</p><p>esse conhecimento para manipular pessoas e objetos. Esta</p><p>declaraşão não contém nenhum juízo de valor sobre manipu-</p><p>laşão. Pode ser feita de um modo altamente ético. Podemos</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>até nos manipular como objetos, usando esse conhecimento.</p><p>Assim, sabendo que o aprendizado é mais rápido através de</p><p>revisões repetidas do que com longos períodos de concentra-</p><p>ção numa lişão, posso usar esse conhecimento para manipu-</p><p>lar meu aprendizado de espanhol. Mas conhecimento é poder.</p><p>Ao aprender as leis da aprendizagem, uso-as para manipular</p><p>os outros através de propaganda, predizendo suas respostas</p><p>e controlando essas respostas. Não é exagerado dizer que o</p><p>crescimento do conhecimento das ciências sociais contém em</p><p>si uma poderosa tendência na direção do controle social, na di-</p><p>reção do controle de muitos por poucos. Uma tendência igual-</p><p>mente forte em direção ao enfraquecimento ou destruição da</p><p>pessoa existencial. Quando tudo for considerado objeto, o indi-</p><p>víduo subjetivo, o self interior, a pessoa no processo de vir-a-ser,</p><p>a consciência espontânea do ser, toda a parte interior do viver a</p><p>vida, será enfraquecida, desvalorizada ou destruída. Talvez este</p><p>ponto seja melhor exemplificado por dois livros. Walden Two,</p><p>de Skinner, é a visão do paraíso aos olhos de um psicólogo.</p><p>Para Skinner isso parece ter sido desejável, a menos que tenha</p><p>escrito uma tremenda sátira. De qualquer forma é um paraíso</p><p>de manipulação, onde a extensão em que cada um pode ser</p><p>uma pessoa é altamente reduzida, a menos que seja um mem-</p><p>bro da cúpula dirigente. Admirável Mundo Novo, de Huxley, é</p><p>francamente uma sátira, mas retrata vividamente a perda da</p><p>pessoalidade que ele pensa estar associada ao crescente co-</p><p>nhecimento psicológico e biológico. Assim, falando claramen-</p><p>te, parece que um desenvolvimento das ciências sociais (como</p><p>é atualmente concebido e procurado) conduz a uma ditadura</p><p>social e à perda individual da pessoalidade. 0s perigos perce-</p><p>bidos por Kierkegaard há um século, a esse respeito, parecem</p><p>muito mais reais agora, com o aumento do conhecimento, do</p><p>que poderia ter sido antes.”</p><p>4. “Finalmente,” diz o experienciador, “será que tudo isso</p><p>não aponta para o fato de que a ética é uma instância mais</p><p>básica do que a ciência? Não sou cego para o valor da ciéncia</p><p>como ferramenta, e estou ciente de que pode ser uma ferra-</p><p>menta muito valiosa. Mas, a menos que seja a ferramenta de</p><p>pessoas éticas, com tudo o que o termo pessoa implica, não</p><p>poderia tornar-se um objeto de devoşão cega? Há muito tempo</p><p>temos consciência dessa questão, porque nas ciências físicas</p><p>131</p><p>John Keith Wood e8 a/. (org.)</p><p>vários séculos se passaram até que a instancia ética se tornas-</p><p>se crucial, mas finalmente isso ocorreu. Nas ciências sociais</p><p>as questões surgem muito mais rapidamente, porque pessoas</p><p>estão envolvidas. Mas em psicoterapia a questào surge ainda</p><p>mais rápida e profundamente. Aqui é a maximização de tudo</p><p>o que é subjetivo, interior, pessoal; aqui um relacionamento é</p><p>vivido, não examinado, e uma pessoa, não um objeto, emer-</p><p>ge; uma pessoa que sente, escolhe, acredita, age, não como</p><p>autômato, mas como pessoa. E aqui também está o ultimato</p><p>para a ciência - a exploração objetiva do aspecto mais subjeti-</p><p>vo da vida; a reduşão a hipóteses, e eventualmente teoremas,</p><p>de tudo o que tern sido considerado como o mais pessoal, o</p><p>mais completamente interior, o mais verdadeiramente privado.</p><p>E porque essas duas vertentes aparecem aqui tão nitidamen-</p><p>te em foco, temos que fazer uma escolha - uma escolha ética</p><p>de valores. Podemos proceder por omissão, não levantando a</p><p>questão. Podemos fazer uma escolha que irá de alguma forma</p><p>preservar ambos os valores - mas temos que escolher. E estou</p><p>pedindo que pensemos mais refletidamente antes de desistir-</p><p>mos dos valores concernentes a ser pessoa, a experienciar, a</p><p>viver um relacionamento, a tornar- se concernente ao próprio</p><p>self como processo, ao próprio self no momento existencial, ao</p><p>self interior subjetivo que tern vida”.</p><p>0 Dilema</p><p>Eis aí, então, as visões contraditórias, tal como aconte-</p><p>cem, às vezes explicitamente, mais vezes implicitamente, no</p><p>fluxo do pensamento psicológico. Aí está o debate tal como</p><p>existe em mim. Para onde vamos? Que direção tornar? Terá</p><p>sido o problema corretamente descrito ou é falacioso? Quais</p><p>são os erros de percepşão? Ou, caso tenham sido corretamen-</p><p>te descritos, devemos escolher um ou outro? E, nesse caso,</p><p>qual deles? Ou haverá uma formulaşão mais ampla, mais inclu-</p><p>siva, que possa confortavelmente incorporar ambas as visões</p><p>sem prejuízo de nenhuma?</p><p>Uma Visão Modificada da Ciência</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edição</p><p>No ano que transcorreu desde que o presente trabalho</p><p>foi escrito, discuti em diversas ocasiões com estudantes, cole-</p><p>gas e amigos. A eles sou particularmente grato por idéias que</p><p>se enraizaram em mim.‟ Gradualmente vim a acreditar que o</p><p>erro mais básico na formulação inicial estava na descrição de</p><p>ciência. Gostaria, nesta secşão, de tentar corrigir esse erro e na</p><p>seguinte reconciliar as perspectivas revistas.</p><p>A maior falha foi, acredito, ver a ciência como algo que</p><p>“esta Iá”, algo escrito com C maiúsculo, um “corpo de conhe-</p><p>cimento”, que existe em algum lugar no espaço e no tempo.</p><p>Como muitos psicólogos, eu também pensava que ciência era</p><p>uma coleção sistematizada e organizada de fatos provisoria-</p><p>mente verificados, e a metodologia da ciéncia o meio social-</p><p>mente aprovado de acumular esse corpo de conhecimento e</p><p>prosseguir com a sua verificação. Era como se fosse um enor-</p><p>me reservatório no qual todo mundo poderia mergulhar seus</p><p>baldes para obter água - com garantia de 99% de pureza.</p><p>Quando vista dessa maneira externa e impessoal, não parece</p><p>insensato ver a Ciência näo somente como uma instância que</p><p>descobre o conhecimento de maneira arrogante, mas também</p><p>envolve impessoalidade e uma tendência à manipulação, uma</p><p>negação da liberdade básica de escolha que eu havia encon-</p><p>trado experiencialmente em terapia. Gostaria de encarar agora</p><p>a abordagem científica segundo uma perspectiva diferente, que</p><p>espero possa ser mais adequada.</p><p>A Ciência nas Pessoas</p><p>Gostaria de mencionar minha dívida especia/ para com os diálogos</p><p>mantidos com eles, e para com artigos publicados e inéditos de Ro-</p><p>öert M. Lipgar, Ross L. Mooney, David A. Rodgers e Eugene Streich.</p><p>Meu próprio pensamento se alimentou tâo profundamente do de/es, e</p><p>tornou-se</p><p>täo interligado ao deles, que eu estaria perdìdo se preten-</p><p>desse reconhecer obrigaçöes específicas. Só sei que no que se segue</p><p>há muita coisa que emana deles através de mim. Também usufruí da</p><p>correspondência trocada a propósito do trabalho de Anne Roe e Wal-</p><p>ter Smet.</p><p>133</p><p>John Keith Wood et a/. torg. J</p><p>A ciência existe somente nas pessoas. Todo projeto</p><p>científico tern sua inserşão criativa, seu processo e suas con-</p><p>clusões provisórias em uma pessoa ou nas pessoas. Conhe-</p><p>cimento - mesmo o conhecimento científico - é aquilo que é</p><p>subjetivamente aceitável. 0 conhecimento científico pode ser</p><p>comunicado apenas àqueles que estão subjetivamente prontos</p><p>para receber tal comunicação. A utilização da ciência também</p><p>ocorre somente através de pessoas em busca de valores que</p><p>tenham significado para elas. Tais assertivas resumem breve-</p><p>mente algo da mudança de énfase que eu gostaria de colocar</p><p>na minha descrição de ciência. Permitam-me prosseguir atra-</p><p>vés das várias fases da ciência, a partir deste ponto de vista.</p><p>As Fases Criativas</p><p>A ciência tern seu ponto de partida em alguma pessoa</p><p>que esteja buscando objetivos, valores, propósitos que tenham</p><p>134 um sentido pessoal e subjetivo para ela. Como parte desta bus-</p><p>ca, ela “deseja averiguar”. Consequentemente, se se trata de</p><p>um “born cientista”, mergulhará numa experiência relevante,</p><p>quer seja no laboratório de física, no mundo da vida animal ou</p><p>vegetal, no hospital, na clínica ou laboratório psicológico, onde</p><p>quer que seja. Essa imersão é completa e subjetiva, similar à</p><p>imersão do terapeuta em terapia, descrita anteriormente. A pes-</p><p>soa é sensível ao campo que Ihe interessa. Vive-o. Faz mais do</p><p>que meramente “pensar” sobre - deixa o organismo assumir e</p><p>reagir, a nível de conhecimento ou desconhecimento. Ela vem</p><p>a sentir mais do que seria possível verbalizar sobre seu campo</p><p>e reage organismicamente em termos das relações que não</p><p>estão presentes na sua consciência.</p><p>Dessa completa imersão subjetiva começa a surgir uma</p><p>formaşão criativa, um sentido de direção, uma vaga formulação</p><p>de relações até então não reconhecidas. Essa forma criativa,</p><p>apurada, formulada em termos mais claros, torna-se uma hipó-</p><p>tese - a proposişão de uma crença provisória, pessoal e subje-</p><p>tiva. 0 cientista está dizendo, a partir de toda a sua experiência</p><p>conhecida e desconhecida: “tenho um palpite de que tal e tal</p><p>relação existe, e de que a existéncia desse fenômeno é relevan-</p><p>te para meus valores pessoais”.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>0 que estou descrevendo é a fase inicial da ciência, pro-</p><p>vavelmente sua fase mais importante, embora tenha sido aque-</p><p>la que cientistas norte-americanos, particularmente psicólogos,</p><p>estiveram propensos a minimizar ou ignorar. Não que tenha</p><p>sido negada, mas foi afastada rapidamente. Kenneth Spence</p><p>afirmou que esse aspecto da ciência “foi simplesmente tornado</p><p>como certo"." Tal como muitas experiências tidas como cer-</p><p>tas, essa também tende a ser esquecida. É de fato na matriz</p><p>da experiência imediata, pessoal, subjetiva, que toda ciência e</p><p>qualquer pesquisa científica individual têm sua origem.</p><p>Conferindo com a Realidade</p><p>Assim, o cientista chega criativamente à sua hipótese, à</p><p>sua fé provisória. Mas será que isso confere com a realidade?</p><p>A experiência tern mostrado a cada um de nós que é muito fá-</p><p>cil se enganar, acreditando em algo que vem a ser contrariado</p><p>pela experiência posterior. Como posso dizer se esta crenşa</p><p>provisória tern alguma relação real com os fatos observáveis?</p><p>Posso usar não apenas uma, mas várias evidências. Posso cer-</p><p>car minha observação dos fatos com várias precauşöes, para</p><p>ter certeza de que não estou me enganando. Posso consultar</p><p>outros que também tenham se preocupado em evitar a auto-ilu-</p><p>são e tenham aprendido modos úteis de se flagrar em crenşas</p><p>injustificadas, baseadas em má interpretação das observações.</p><p>Posso, em suma, comeşar a usar toda uma metodologia re-</p><p>quintada que a ciência elaborou. Descubro que propor minha</p><p>hipótese em termos operacionais irá evitar muitos caminhos</p><p>sem saída e conclusões falsas. Aprendo que grupos de con-</p><p>®. Pode ser pertinente citar as colocaçôes de onde esta frase foi tirada.</p><p>" os dados de todas as ciências fêm a mesma origem -especifica-</p><p>menfe, a experiência imediata de uma pessoa que observa, o próprio</p><p>cientista. Isso quer dizer, que a experiència imediata, a matriz inicia/</p><p>da qual surgiram todas as ciências, nâo é mais considerada objeto de</p><p>preocupaçäo para o cientista. Ele simplesmente a toma como certa e</p><p>procede enfáo na tarefa de descrever os eventos que estäo ocorren-</p><p>do, a finn de descobrir e formulas a natureza das intricadas relaçôes</p><p>existentes.“ Kenneth W. Spence, Psychological Theory, M. \N. Marx</p><p>(Ed.), Macmillan, 1951. p.173.</p><p>135</p><p>John Keith Wood et al. (org. J</p><p>36|</p><p>trole podem me ajudar a evitar extrair inferéncias falsas. Apren-</p><p>do que correlações e testes T, proporşões críticas e toda uma</p><p>gama de procedimentos estatísticos podem da mesma forma</p><p>me ajudar a só fazer inferências razoáveis.</p><p>Dessa maneira, a metodologia científica é vista pelo que</p><p>verdadeiramente é - um modo de me prevenir quanto a me en-</p><p>ganar a mim mesmo a respeito dos meus palpites subjetivos</p><p>criativamente formados e que se desenvolveram a partir do</p><p>meu relacionamento com o meu material. É nesse contexto, e</p><p>talvez somente nesse contexto, que a vasta estrutura do ope-</p><p>racionismo, do positivismo Iógico, do projeto de pesquisa, dos</p><p>testes de significância, etc., têm seu lugar. Eles existem, não</p><p>por si próprios, mas, como intrumentos na tentativa de checar</p><p>o sentimento subjetivo, ou o palpite, ou a hipótese de uma pes-</p><p>soa em relação ao fato objetivo.</p><p>E, mesmo usando tal método rigoroso e impessoal, as</p><p>escolhas importantes são todas tomadas subjetivamente pelo</p><p>cientista. Em qual das numerosas hipóteses devo investir meu</p><p>tempo? Que tipo de grupo controle é mais adequado para im-</p><p>pediu a auto-ilusão nesta pesquisa particular? Até onde devo</p><p>levar a análise estatística? Que grau de credibilidade devo atri-</p><p>buir a meus resultados? Cada um deles é necessariamente um</p><p>julgamento pessoal subjetivo, enfatizando que a esplêndida es-</p><p>trutura da ciência se apóia basicamente no seu uso subjetivo,</p><p>pelas pessoas. É o melhor instrumento que pudemos imaginar</p><p>até agora para checar nossa sensaşão organísmica do univer-</p><p>sO.</p><p>As Descobertas</p><p>Se, como cientista, gosto da maneira como desenvolvi</p><p>minha investigaşão, se estive aberto a toda evidência, se se-</p><p>lecionei e usei inteligentemente todas as precauções contra</p><p>a auto-ilusão que fui capaz de assimilar através de outros ou</p><p>inventar por mim mesmo, então posso atribuir minha crença</p><p>provisória aos fatos que emergiram. Passarei a considerá-los</p><p>como a mola impulsionadora para investigações e pesquisas</p><p>posteriores.</p><p>Parece-me que a ciência, na sua melhor acepşão, tern o</p><p>propósito primordial de fornecer uma hipótese mais satisfató-</p><p>ria e confiável, uma crença ou fé, para o próprio investigador.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5„ edição</p><p>Enquanto o cientista estiver tentando provar algo para os ou-</p><p>tros - um erro no qual incorri mais de uma vez - aí, então, acho</p><p>que ele estará usando a ciência para reforşar uma insegurança</p><p>pessoal, e impedindo-a de exercer seu papel verdadeiramente</p><p>criativo a serviço da pessoa.</p><p>A respeito das descobertas da ciência, o fundamento</p><p>subjetivo fica perfeitamente demonstrado pelo fato de que mui-</p><p>tas vezes o cientista se recusa a acreditar em seus próprios</p><p>resultados. “A experiência revelou tal e tal, mas eu acredito que</p><p>está errado”, é uma reação que todo cientista já experimentou</p><p>em algum momento. Algumas das descobertas científicas mais</p><p>frutíferas se desenvolveram da descrença persistente de um</p><p>cientista nos seus próprios resultados e também nos de outros.</p><p>Em última análise, ele</p><p>pode ter mais confiança em suas reaşões</p><p>organísmicas totais do que nos métodos da ciência. Não há</p><p>dúvida de que isto também pode resultar em sérios erros, tanto</p><p>quanto em descobertas científicas, mas indica novamente o lu-</p><p>gar de lideranşa do subjetivo no uso da ciéncia.</p><p>A Comunicação das Descobertas Científicas</p><p>Perambulando esta manhã, sobre um recife de coral no</p><p>Caribe, creio ter visto um peixe azul. Se vocé, independente-</p><p>mente, também o viu, então me sinto mais confiante em minha</p><p>própria observação. Isto é conhecido como verificação inter-</p><p>subjetiva e desempenha um papel importante na nossa com-</p><p>prensão da ciência. Se eu o conduzir (seja em conversa, seja</p><p>através de material impresso ou comportamentalmente) atra-</p><p>vés dos passos que tomei numa investigação, e se lhe parecer</p><p>também que não me auto-iludi, e que de fato cheguei a uma</p><p>nova relação condizente com meus valores, e que essa crenşa</p><p>provisória se justifica nessa relação, então teremos o inicio da</p><p>Ciência com C maiúsculo. É neste ponto que, provavelmente,</p><p>pensamos ter criado um corpo de conhecimento científico. Na</p><p>verdade, tal corpo de conhecimento não existe. Há somente</p><p>crenças provisórias, existindo subjetivamente, em algumas</p><p>pessoas diferentes. Se estas crenşas não forem provisórias,</p><p>então o que existe é dogma, não ciência. Se, por outro lado,</p><p>ninguém a não ser o investigador acredita na descoberta, então</p><p>o resultado obtido ou é um assunto pessoal e discordante, ou</p><p>uma instància de psicopatologia, ou então é uma verdade inu-</p><p>137</p><p>John Keith Wood ed al. (org. J</p><p>sitada descoberta por um gênio, em que ninguém ainda está</p><p>subjetivamente pronto para acreditar. Isso me leva a comentar</p><p>sobre o grupo que põe uma fé provisória em qualquer resultado</p><p>científico que apareça.</p><p>Comunicação para Quem?</p><p>Está claro que as descobertas científicas só podem ser</p><p>comunicadas àqueles que concordarem com as mesmas re-</p><p>gras básicas de investigaşão. 0 aborígine australiano não ficará</p><p>nada impressionado com as descobertas da ciência sobre in-</p><p>fecção bacteriana. Ele sabe que as doenşas são de fato causa-</p><p>das pelos espíritos malignos. Somente quando ele concordar</p><p>também com o método científico como um born meio de previ-</p><p>nir o auto-engano, é que ele estará apto a aceitar as descober-</p><p>tas.</p><p>38|</p><p>Mas mesmo entre os que adotaram as regras básicas da</p><p>ciência, a crenşa provisória nas descobertas da pesquisa cien-</p><p>tífica só pode ocorrer quando existir uma disposição subjetiva</p><p>para acreditar. Podemos citar vários exemplos. A maioria dos</p><p>psicólogos está pronta para acreditar nas evidências que mos-</p><p>tram que o sistema de palestras produz aumentos significati-</p><p>vos no aprendizado, e pouco propensa a admitir que é possível</p><p>identificar uma carta oculta através de uma habilidade chamada</p><p>percepção extra-sensorial. No entanto, as evidéncias científicas</p><p>quanto a essa habilidade são consideravelmente mais tangíveis</p><p>do que em relaşão ao sistema de palestras. Da mesma forma,</p><p>quando apareceram os assim chamados “estudos de Iowa“, in-</p><p>dicando que a inteligéncia pode ser consideravelmente altera-</p><p>da pelas condişões ambientais, houve uma grande descrenşa</p><p>entre os psicólogos e muitos ataques aos métodos científicos</p><p>imperfeitos que foram usados. As evidéncias científicas quanto</p><p>a essas descobertas não são hoje muito melhores do que no</p><p>inicio, quando os estudos de Iowa apareceram, mas a disposi-</p><p>ção subjetiva dos psicólogos para acreditar em tais resultados</p><p>alterou-se significativamente. Um historiador da ciência notou</p><p>que os empiristas, se tivessem existido naquele tempo, teriam</p><p>sido os primeiros a invalidar os resultados de Copérnico.</p><p>Parece que, quer eu acredite nas descobertas científicas</p><p>de outros, ou naquelas advindas dos meus próprios estudos,</p><p>isso depende em parte da minha disposição em colocar uma</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5“ edição</p><p>crença provisória em tal descoberta." Uma razão pela qual</p><p>não estamos particularmente conscientes desse fato subjetivo</p><p>é que nas ciências físicas, em especial, temos gradualmente</p><p>concordado em que, numa vasta área da experiência, estamos</p><p>prontos para acreditar em qualquer descoberta que possa ser</p><p>mostrada como estando apoiada nas regras do jogo científico,</p><p>apropriadamente jogado.</p><p>O Uso da Ciência</p><p>Mas não é somente a origem, o processo e a conclusão</p><p>da ciência que constituem algo que só existe na experiência</p><p>subjetiva das pessoas - isso também ocorre com a sua utiliza-</p><p>ção. A “Ciência“ nunca irá impessoalizar, controlar ou manipular</p><p>indivíduos. Somente as pessoas é que o podem fazer e o farão.</p><p>Esta é uma observação óbvia e banal, no entanto uma profunda</p><p>compreensão disso teve grande significado para mim. Quero</p><p>dizer que o uso a ser feito das descobertas científicas no campo</p><p>da personalidade é e será sempre matéria de escolha pessoal,</p><p>subjetiva - o mesmo tipo de escolha que uma pessoa faz em te-</p><p>rapia. Na medida em que tenha fechado defensivamente certas</p><p>áreas da experiência à sua consciência, a pessoa provavelmen-</p><p>te fará escolhas socialmente destrutivas. Na medida em que es-</p><p>tiver aberta a todas as fases da sua experiência podemos estar</p><p>certos de que muito provavelmente usará as descobertas e os</p><p>° Um exemplo extraído de minha própria experiência pode ser sufi-</p><p>ciente. Em 1941 uma pesquisa feita soõ minha supervisão mostrou que</p><p>o ajustamento futuro de adolescentes delinquentes era mais previsível</p><p>através de uma medição de sua auto-aceitação e auto-compreensâo.</p><p>O instrumento era muito rudimentar, mas era um prognosticadormelhor</p><p>do que a medida do ambiente familiar, as capacidades hereditárias,</p><p>o ambiente social, etc. Naquela época, eu simplesmente nâo estava</p><p>pronto para acreditar em tal descoberta, porque minha própria crença,</p><p>como a da maioria dos psicólogos, era de que fatores fais como a at-</p><p>mosfera emocional da família e a influência do grupo de colegas eram</p><p>os determinantes reais da delinquência ou nâo-delinquência futura.</p><p>Só gradualmente, pela continuação e aprofundamento da minha ex-</p><p>periência em psicoterapia, é que me foi possível pautar minha crença</p><p>provisória nos resultados desse estudo e de um posterior, de1944, que</p><p>o confirmou. (Para informação sobre estes dois estudos v. “O papel da</p><p>auto-compreensâo no prognóstico de comportamento", C.R. Rogers,</p><p>B. L. lhe//, e H. McNeil, J. Consult. Psychol. 12 1948. pç. 174a-186.)</p><p>139</p><p>John Kei¢h Wood et at. (org. J</p><p>40|</p><p>métodos da ciência (ou qualquer outra ferramenta ou capacida-</p><p>de) de uma maneira pessoal e socialmente construtiva.‟ Por-</p><p>tanto, de fato, não há nenhuma entidade ameaçadora, a "Ciên-</p><p>cia", que possa de algum modo afetar nosso destino. Existem</p><p>somente pessoas. Embora algumas delas sejam, sem dúvida,</p><p>ameaçadoras e perigosas na sua defensividade, e o moderno</p><p>conhecimento científico tenha multiplicado a ameaça e o peri-</p><p>go, isso não é o quadro global. Há duas outras facetas signifi-</p><p>cativas: a) muitas outras pessoas estão relativamente abertas</p><p>à sua experiência e portanto, passíveis de serem socialmente</p><p>construtivas; b) tanto a experiência subjetiva da psicoterapia</p><p>quanto as descobertas científicas a esse respeito indicam que</p><p>os indivíduos são motivados a mudar, e podem ser ajudados</p><p>nesse intuito, em direşão a uma maior abertura à experiência, e</p><p>portanto em direşão a um comportamento que é mais contruti-</p><p>vo do que destrutivo em relação ao self e à sociedade.</p><p>Resumindo, a Ciência nunca pode nos ameaçar. Só as</p><p>pessoas podem fazê-lo. E, embora os indivíduos possam ser</p><p>muito destrutivos quando têm em suas mãos os instrumentos</p><p>advindos do conhecimento científico, este é apenas um lado da</p><p>questão. Nós já temos conhecimento subjetivo e objetivo sobre</p><p>os princípios básicos através dos quais os indivíduos podem</p><p>conseguir um comportamento social mais construtivo, que é</p><p>conatural ao seu processo</p><p>organísmico de vir-a-ser.</p><p>Uma Nova Integração</p><p>O que essa linha de pensamento me possibilitou foi uma</p><p>nova integração na qual o conflito entre o "experienciador" e</p><p>o "cientista" tende a desaparecer. Essa integração particular</p><p>pode não ser aceitável para outros, mas tern sentido para mim.</p><p>Seus princípios centrais estão implícitos, em sua maior parte,</p><p>na secşão anterior, mas tentarei propô-los aqui de um modo</p><p>que leve em consideração os argumentos entre os pontos de</p><p>vista opostos.</p><p>A ciência, tanto quanto a terapia, ou qualquer outro as-</p><p>‟". Expliquei muito mais detalhadamente a Iógica deste ponto de vista</p><p>em dois artigos recentes : "0 Conceito da Pessoa em Funcionamento</p><p>Pleno" e "Para uma Teoria da Criatividade", ETC 11 1954. p. 249-260.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>pecto da vida, está enraizada e baseia-se na experiência subje-</p><p>tiva e imediata de uma pessoa. Ela surge do experienciar orga-</p><p>nísmico, total, íntimo, só parcial e imperfeitamente comunicável.</p><p>É uma fase do viver subjetivo.</p><p>É porque encontro valor e satisfação nas relações huma-</p><p>nas que entro numa relação conhecida como terapêutica, em</p><p>que sentimentos e cognição se misturam numa só experiência</p><p>unitária, vivida mais do que examinada, na qual a consciência é</p><p>não refletida, e onde sou mais participante do que observador.</p><p>Mas, como tenho curiosidade quanto à delicada ordem que pa-</p><p>rece existir no universo e na relaşão, posso abstrair-me da ex-</p><p>periência e encará-la como observador, colocando-me e/ou aos</p><p>outros como objetos dessa observação. Como observador uso</p><p>todos os palpites que surgem da experiência viva. Para evitar</p><p>me iludir como observador, para obter um quadro mais exato</p><p>da ordem existente, faço uso de todos os canones da ciência.</p><p>Ciência não é uma coisa impessoal, mas simplesmente uma</p><p>pessoa vivendo subjetivamente outra face de si mesma. Uma</p><p>profunda compreeensão da terapia (ou de qualquer outro pro-</p><p>blema) pode advir de vivê-la, ou de observá-la de acordo com</p><p>as regras da ciência, ou da comunicaşão, dentro do self, entre</p><p>os dois tipos de experiência. Quanto à experiência subjetiva</p><p>de escolha pessoal, esta não é básica apenas em terapia, mas</p><p>também o é no uso do método científico. Cheguei mesmo ao</p><p>ponto de perceber que a liberdade de escolha não é necessa-</p><p>riamente heresia frente ao determinismo que é parte do nosso</p><p>quadro de referência sobre o pensar de forma científica. Visto</p><p>que recentemente tentei explicar esta relação em outro Iugar‟ 1</p><p>não o retomarei aqui.</p><p>O que farei com o conhecimento obtido através do mé-</p><p>todo científico - se o usarei para compreeender, promover, en-</p><p>riquecer, ou para controlar, manipular e destruir - é matéria de</p><p>escolha subjetiva que depende dos valores que tenham signifi-</p><p>cado pessoal para mim. Se, por medo e por defesa, eu mantiver</p><p>fora da minha consciência grandes áreas da experiéncia; se eu</p><p>puder ver apenas aqueles fatos que apóiam minhas crenças</p><p>mantendo-me cego a todos os outros; se puder ver apenas os</p><p>“. V. "Conceito de Pessoa em Funcionamento Pleno", no capítulo 3</p><p>deste volume.</p><p>Publicaçao da edicora da Ules • edufes | 2010</p><p>141</p><p>John Keith Wood e8 at. (org. J</p><p>142</p><p>aspectos objetivos da vida, e não puder perceber o subjetivo;</p><p>se de algum modo eu reduzir minha percepção no alcance de</p><p>sua real capacidade - então provavelmente serei socialmente</p><p>destrutivo, quer esteja usando como ferramenta o conhecimen-</p><p>to e os instrumentos da ciéncia, ou o poder e a força emocional</p><p>de uma relação subjetiva. E se, por outro lado, eu estiver aber-</p><p>to à minha experiência e puder permitir a todas as sensaşões</p><p>do meu complexo organismo se tornarem disponíveis à minha</p><p>consciência, então, muito possivelmente, usarei o meu self, a</p><p>minha experiência subjetiva e o meu conhecimento científico,</p><p>de modo realisticamente construtivo.</p><p>Portanto, esse é o nível de integração que fui capaz de</p><p>conseguir até o momento, entre duas abordagens inicialmente</p><p>experimentadas como conflitantes. Isso não resolve completa-</p><p>mente todas as questões colocadas na secção anterior, mas</p><p>parece apontar na direção de uma resolução. Re-escreve o</p><p>problema ou re-configura a questão, colocando a pessoa sub-</p><p>jetiva, existencial, com os valores que ela tern, como raiz e fun-</p><p>damento do relacionamento terapêutico e da relação científica.</p><p>Porque a ciência também, no seu inicio, é uma relação "Eu-Tu"</p><p>com o mundo dos objetos percebidos, tanto quanto a terapia</p><p>na sua dimensão mais profunda é uma relação "Eu-Tu" com</p><p>uma pessoa ou pessoas. Somente como pessoa subjetiva é</p><p>que posso entrar em qualquer dessas relações.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• ediçśo</p><p>AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E SUFICIENTES PARA A</p><p>MUDANÇA TERAPÊUTICA NA PERSONALIDADE ‟*</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>Durante muitos anos estive envolvido com psicoterapia</p><p>para indivíduos em crise. Recentemente, tenho estado cada vez</p><p>mais preocupado com o processo de tentar abstrair da experi-</p><p>ência os princípios gerais que parecem estar envolvidos nela.</p><p>Tenho me esforçado para descobrir qualquer regularidade,</p><p>qualquer unidade que pareça inerente ao tecido complexo e su-</p><p>til da relação interpessoal, na qual tenho estado tão constante-</p><p>mente imerso no trabalho terapêutico. Um dos produtos atuais</p><p>desta preocupação consiste numa tentativa para estabelecer,</p><p>em termos formais, uma teoria de psicoterapia, de personalida-</p><p>de e das relações interpessoais que possa englobar e conter os</p><p>fenômenos da minha experiência13. O que eu gostaria de fazer,</p><p>ao longo deste artigo, é tornar um segmento muito pequeno</p><p>dessa teoria, descrevê-ło de forma mais completa e explorar</p><p>seu significado e utilidade.</p><p>0 Problema</p><p>A questão a qual desejo me reportar é a seguinte: é</p><p>possível estabelecer, em termos claramente definíveis e men-</p><p>suráveis, as condições psicológicas, tanto necessárias quanto</p><p>suficientes, para levar a efeito mudanças construtivas na perso-</p><p>nalidade? Em outras palavras, conhecemos com algum nível de</p><p>precisão os elementos essenciais para que a mudanşa psicote-</p><p>‟° The /Vecessary and Sufficient Conditions of Therapeutic Personality</p><p>Change. Journal of Consulting Psychology, vol.21 (2) 1957. p. 95-103.</p><p>‟°. Esta dec/araçáo formal á intitulada Uma 7eoria da Terapia, da</p><p>Personalidade e das /te/ações interpessoais desenvolvida por Car/</p><p>R.Rogers, soö a quadro referencia/ centrado no cliente. 0 manøscrito</p><p>foi pæparado a pedido do Comit& da Associação Americana de Psico-</p><p>/opiapaæ a Estudo do Status e das Condiçoes de Desenvolvimento da</p><p>Psicologia nos EUA.</p><p>Publîcec6o da edicora da Ufes • edufes I S0'tØ</p><p>143</p><p>John Keith Wood et al. íorg. J</p><p>rapêutica ocorra?</p><p>Antes de proceder à tarefa principal, permitam-me lidar,</p><p>muito brevemente, com a segunda parte da questão. 0 que</p><p>significam frases tais como “mudanşa terapêutica”, “mudanşa</p><p>construtiva na personalidade”? Este problema também merece</p><p>uma consideração profunda e séria, mas no momento permi-</p><p>tarn-me sugerir um tipo de significado do senso comum, com o</p><p>qual podemos concordar, para os propósitos deste artigo. Es-</p><p>tas frases significam: mudanşa na estrutura de personalidade</p><p>de um indivíduo, tanto a nível superficial quanto mais profundo,</p><p>numa direção que os clínicos concordariam que significa maior</p><p>integração, menos conflito interno, mais energia utilizável para</p><p>um viver efetivo; mudança de comportamento, no sentido de</p><p>um afastamento de comportamentos geralmente considerados</p><p>imaturos e na direção daqueles considerados como amadure-</p><p>cidos. Esta breve descrição pode ser suficiente para indicar o</p><p>tipo de mudanşa para a qual estamos considerando as pré-</p><p>condições. Ela pode sugerir também as formas segundo as</p><p>quais este critério de mudança pode ser determinado14 .</p><p>144</p><p>As Condições</p><p>Baseando-me em minha própria experiência clínica e na</p><p>de meus colegas, juntamente</p><p>com a pesquisa pertinente dispo-</p><p>nível, extraí várias condişões que me parecem ser necessárias</p><p>para iniciar uma mudanşa construtiva na personalidade. Tais</p><p>condições, tomadas em conjunto, parecem ser suficientes para</p><p>iniciar este processo. À medida em que trabalhava com esta</p><p>questão, surpreendi-me com a simplicidade do resultado que</p><p>emergiu. A declaração seguinte não se propõe a oferecer qual-</p><p>quer certeza quanto à sua correção, mas espera-se que conte-</p><p>nha o mesmo valor de outras teorias, a saber, que declare ou</p><p>resulte em uma série de hipóteses abertas à comprovação ou</p><p>à refutaşão, esclarecendo e ampliando, desta maneira, nosso</p><p>• 0 fato de que este é um critério öeterminável e mensurável foi com-</p><p>provado em pesquisa já concluída. Ver (7), especialmente capítulos</p><p>8, 13 e I7.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>conhecimento sobre este campo.</p><p>Considerando-se que não estou tentando criar suspense</p><p>neste artigo, declararei, de imediato, em termos estritamente</p><p>rigorosos e resumidos, as seis condições que considerei como</p><p>básicas para o processo de mudanşa na personalidade. 0 signi-</p><p>ficado de inúmeros termos não se torna imediatamente eviden-</p><p>te, mas será esclarecido nas secçöes explanatórias seguintes.</p><p>Espera-se que esta breve proposição adquira maior significân-</p><p>cia para o leitor, quando ele terminar a leitura do artigo. Sem</p><p>prolongar esta introduşão demasiadamente, permitam-me co-</p><p>locar a posişão teórica básica.</p><p>Para que uma mudança construtiva na personalidade</p><p>ocorra, é necessário que as seguintes condições existam e per-</p><p>sistam por um período de tempo:</p><p>1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico;</p><p>2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja</p><p>num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa;</p><p>3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de tera-</p><p>peuta, esteja congruente ou integrada na relaşão;</p><p>4. Que o terapeuta experiencie consideraşão positiva in-</p><p>condicional pelo cliente;</p><p>5. Que o terapeuta experiencie uma compreensão empá-</p><p>tica do esquema de referência interno do cliente e se esforce</p><p>por comunicar esta experiência ao cliente;</p><p>6. Que a comunicação ao cliente da compreensão empá-</p><p>tica do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja</p><p>efetivada, pelo menos num grau mínimo.</p><p>Nenhuma outra condição é necessária. Se estas seis</p><p>condições existirem e persistirem por um período de tempo,</p><p>isto é o suficiente. 0 processo de mudança construtiva na per-</p><p>sonalidade ocorrerá.</p><p>Uma Relação</p><p>A primeira condişão especifica que uma relaşão minima,</p><p>um contato psicológico, deve existir. Estou lançando a hipótese</p><p>de que uma mudança na personalidade significativa e positiva</p><p>não ocorre exceto numa relaşão. Esta é, sem dúvida, uma hipó-</p><p>tese e pode ser refutada.</p><p>As condições de 2 a 6 estabelecem as características da</p><p>Publicaçao da edi¢ora da Ules • edufes I EOfiO</p><p>145</p><p>John Keith Wood er a/. íorg. J</p><p>relação que são consideradas como essenciais, por definirem</p><p>as características necessárias para cada integrante da relação.</p><p>Tudo que se pretende com a primeira condição é estabelecer</p><p>que as duas pessoas estejam, num certo grau, em contato; que</p><p>cada uma registre alguma diferença percebida no mundo expe-</p><p>riencial da outra. Provavelmente, isto é suficiente se cada uma</p><p>delas criar uma diferença “subliminar”, mesmo que não esteja</p><p>conscientemente a par deste impacto. Assim, pode tornar-se di-</p><p>fícil saber se um paciente catatônico percebe a presença de um</p><p>terapeuta como representando uma diferença para ele - uma</p><p>diferença de qualquer tipo - mas, é quase certo que em algum</p><p>nível orgânico ele realmente sinta esta diferença.</p><p>Exceto em uma difícil situação limítrofe como a mencio-</p><p>nada acima, seria relativamente fácil definir esta primeira con-</p><p>dição em termos operacionais e assim determinar, a partir de</p><p>um prisma exigente de pesquisa, se a condição existe ou não.</p><p>O método mais simples para efetuar esta determinação envol-</p><p>ve pura e simplesmente a consciência de ambos, terapeuta e</p><p>cliente. Se cada um deles estiver consciente de estar em conta-</p><p>146 to pessoal e psicológico com o outro, então, esta condição está</p><p>atendida.</p><p>A primeira condição para a mudança terapêutica é tão</p><p>simples que, talvez deva ser chamada de pre-suposição ou de</p><p>pré-condişão, afim de distinguí-la das demais. Sem ela, no en-</p><p>tanto, os ítens remanescentes ficariam sem significado e esta é</p><p>a razão para incluí-la.</p><p>O Estado do Cliente</p><p>Estabeleceu-se ser necessário que o cliente esteja “num</p><p>estado de incongruência, estando vulnerável ou ansioso”. Qual</p><p>é o significado destes termos?</p><p>Incongruência é um construto básico para a teoria que</p><p>estamos desenvolvendo. Refere-se a uma discrepância entre a</p><p>experiência real do organismo e a imagem de self do indivíduo,</p><p>até o ponto em que esta representa aquela experiência. Assim,</p><p>um estudante pode experienciar, a nível total ou organísmico,</p><p>um medo em relação à universidade e aos exames aplicados no</p><p>terceiro andar de um determinado edifício, uma vez que estes</p><p>podem revelar uma inadequaşão importante nele. Desde que</p><p>o medo desta sua inadequação está decididamente em oposi-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>şão à sua imagem a respeito de si mesmo, esta experiência é</p><p>representada (distorcidamente) em sua consciência como um</p><p>medo irracional de subir escadas neste ou em qualquer outro</p><p>edifício e, logo se transforma num medo irracional de atraves-</p><p>sar o campus ao ar livre. Portanto, há uma discrepãncia funda-</p><p>mental entre o significado experienciado da situaşão, da forma</p><p>como é registrado por seu organismo e a representaşão simbó-</p><p>lica daquela experiência na consciência, de uma maneira que</p><p>não entre em conflito com a imagem que ele tern de si mesmo.</p><p>Neste caso, admitir um medo de inadequação iria contradizer</p><p>a imagem que ele mantém sobre si mesmo; admitir medos in-</p><p>compreensíveis não contradiz seu auto-conceito.</p><p>Um outro exemplo seria o da mãe que desenvolve do-</p><p>enşas estranhas, toda vez que seu único filho faz planos para</p><p>sair de casa. O desejo real é apegar-se à sua única fonte de</p><p>satisfação. Perceber isto conscientemente seria inconsistente</p><p>com a imagem que ela tern de si mesma como uma boa mãe.</p><p>A doença, no entanto, é consistente com seu auto-conceito, e</p><p>a experiência é distorcidamente simbolizada desta maneira. As-</p><p>sim, novamente há uma incongruência básica entre o self da</p><p>forma como é percebido (neste caso como uma mãe doente</p><p>necessitando de atenção) e a experiéncia real (neste caso o</p><p>desejo de apegar-se a seu filho).</p><p>Quando o indivíduo não está consciente de tal incongru-</p><p>ência em si mesmo, a simples possibilidade de ansiedade e</p><p>desorganização, torna-o vulnerável. Uma determinada experi-</p><p>ência pode ocorrer de maneira tão repentina ou óbvia, que esta</p><p>incongruência não pode ser negada. Portanto, a pessoa está</p><p>vulnerável a tal possibilidade.</p><p>Se o indivíduo percebe vagamente tal incongruência em</p><p>si mesmo, então, um estado de tensão ocorre e é conhecido</p><p>como ansiedade. A incongruência não precisa ser claramente</p><p>percebida. Torna-se suficiente uma percepção subliminar dela</p><p>- ou seja, que eta seja discriminada como ameaçadora para o</p><p>self, sem qualquer consciência do conteúdo dessa ameaça. Tal</p><p>ansiedade é frequentemente vista em terapia, à medida que o</p><p>indivíduo se torna mais consciente de algum elemento de sua</p><p>experiência que esteja em franca contradişão com seu auto-</p><p>conceito.</p><p>Não é fácil dar uma definişão operacional precisa à se-</p><p>gunda das seis condições, ainda assim, em um certo grau, isto</p><p>Publicacèo da editora da Ufes • edufes 1 2010</p><p>147</p><p>John Keith Wood et a/. torg.]</p><p>foi obtido. Diversos pesquisadores definiram o auto-conceito</p><p>através de uma classificação pela técnica-Q, feita pelo indivíduo</p><p>a partir de uma lista de ítens auto-referentes. Isto nos dá uma</p><p>imagem operacional do self. A experienciaçào total do indiví-</p><p>duo é mais difícil</p><p>de ser apreendida. Chodorkoff (2) definiu esta</p><p>experienciaşão como uma classificação pela técnica-Q feita</p><p>por um cłínico que seleciona os mesmos ítens auto-referentes</p><p>independentemente, baseando esta classificação na imagem</p><p>obtida a partir de testes projetivos aplicados no indivíduo. Sua</p><p>classificação inclui, assim, tanto elementos conscientes quanto</p><p>inconscientes da experiência do indivíduo, vindo a representar</p><p>desta forma (através de um caminho admitidamente imperfeito)</p><p>a totalidade da experiência do cliente. A correlaşão entre estas</p><p>duas classificações fornece uma medida operacional bruta da</p><p>incongruência entre self e experiência, sendo que correlações</p><p>baixas ou negativas representam, é claro, um alto grau de in-</p><p>congruência.</p><p>A Autenticidade do Terapeuta na Relação</p><p>148</p><p>A terceira condişão estabelece que o terapeuta deveria</p><p>ser, nos limites desta relação, uma pessoa integrada, genuína</p><p>e congruente. Isto significa que, na relação, ele está sendo livre</p><p>e profundamente ele mesmo, com sua experiência real preci-</p><p>samente representada em sua conscientizaşão de si mesmo. É</p><p>o oposto de apresentar uma “fachada”, quer ele tenha ou não</p><p>conhecimento disto.</p><p>Não é necessário (nem tampouco possível) que o tera-</p><p>peuta seja um modelo de perfeição, exibindo este mesmo grau</p><p>de integração e unicidade em todos os aspectos da sua vida.</p><p>É suficiente que ele seja precisamente ele mesmo na hora em</p><p>que esta relação está ocorrendo; que, num sentido básico, ele</p><p>seja o que realmente é, neste exato momento.</p><p>Deve ficar claro que o exposto acima inclui o terapeuta</p><p>ser ele mesmo de maneiras que até mesmo nâo sejam consi-</p><p>deradas ideais para a psicoterapia. A experiência do terapeuta</p><p>pode ser: “estou com medo deste cliente” ou “minha atenşão</p><p>está tão focalizada em meus próprios problemas que mal posso</p><p>ouví-to.” Se o terapeuta não negar estes sentimentos à consci-</p><p>ência, e for capaz de assumí-los livremente (da mesma maneira</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>que o faz com seus outros sentimentos), então, a condição que</p><p>estabelecemos estará atendida.</p><p>Tornaria muito tempo considerar o curioso tema que se</p><p>refere ao grau em que o terapeuta exterioriza ao cliente esta rea-</p><p>lidade que ocorre consigo. Certamente, o objetivo não consiste</p><p>no terapeuta expressar ou falar sobre seus próprios sentimen-</p><p>tos, mas principalmente que ele não esteja enganando o cliente</p><p>nem a si mesmo. Algumas vezes, ele pode precisar expressar</p><p>alguns dos seus sentimentos (tanto para o cliente, como para</p><p>um colega ou supervisor), caso eles estejam obstruindo o cami-</p><p>nho das duas próximas condições.</p><p>Não é demasiadamente difícil sugerir uma definição ope-</p><p>racional para esta terceira condição. Lançaremos mão, nova-</p><p>mente, da técnica-Q. Se o terapeuta selecionar uma série de</p><p>ítens relevantes para a relaşão [usando uma lista semelhante</p><p>àquelas desenvolvidas por Fiedler (3,4) e Bown (I)], isto reve-</p><p>lará sua percepção da própria experiência na relação. Se di-</p><p>versos juízes que observaram a entrevista, ou ouviram uma</p><p>gravação dela (ou assistiram ao filme), escolherem, então, os</p><p>mesmos ítens para representar sua percepşão sobre a rela-</p><p>ção, esta segunda classificação captaria aqueles elementos do</p><p>comportamento do terapeuta e as atitudes inferidas das quais</p><p>ele não está consciente, bem como aquelas das quais ele tern</p><p>consciência. Assim, uma alta correlaşão entre a classificaşão</p><p>do terapeuta e a do observador representaria, de uma forma</p><p>grosseira, uma definişão operacional da congruência ou inte-</p><p>gração do terapeuta na relação; e uma baixa correlação impli-</p><p>caria no oposto.</p><p>Consideração Positiva Incondicional</p><p>Na medida em que o terapeuta se encontra experien-</p><p>ciando uma aceitação calorosa de cada aspecto da experiên-</p><p>cia do cliente como sendo uma parte daquele cliente, ele es-</p><p>tará experienciando consideração positiva incondicional. Este</p><p>conceito foi desenvolvido por Standal. (8) Significa que não há</p><p>condições para a aceitação, nem sentimentos do tipo: “gosto</p><p>de você, apenas se você for desta ou daquela maneira”. ImpIi-</p><p>ca numa “apreciação” da pessoa, da forma como Dewey usou</p><p>Publicacëo da edi¢ora da Ules • edufes l GO1O</p><p>149</p><p>John Keith Wood er at. (org. )</p><p>este termo. Está no polo oposto de uma atitude de avaliação</p><p>seletiva - “você é mau nestes aspectos e born naqueles.” En-</p><p>volve sentimentos de aceitação, tanto em relação à expres-</p><p>são de sentimentos negativos do cliente, “maus”, dolorosos,</p><p>de temor, defensivos ou anormais, como também em relação</p><p>àqueles “bons”, positivos, maduros, confiantes e socializados;</p><p>a mesma aceitação em relação às maneiras segundo as quais o</p><p>cliente está sendo inconsistente, como em relação àquelas em</p><p>que ele é consistente. Isto significa um cuidado com o cliente,</p><p>mas não de forma possessiva, ou simplesmente para satisfazer</p><p>as necessidades do próprio terapeuta. Implica numa forma de</p><p>apreciar o cliente como uma pessoa individualizada, a quem</p><p>se permite ter os próprios sentimentos , suas próprias experi-</p><p>ências. Um cliente descreve o terapeuta como “fomentando o</p><p>meu apoderar-me de minha própria experiência...que (esta) é a</p><p>minha experiência e que eu a estou realmente vivendo: pensan-</p><p>do o que penso, sentindo o que sinto, querendo o que quero,</p><p>temendo o que terno; não „se‟, „mas‟, ou „não‟ reais”. Esta é</p><p>o tipo de aceitaşão hipoteticamente considerada como sendo</p><p>150 necessária para que a mudanşa na personalidade ocorra.</p><p>Semelhante às duas condições precedentes, esta quarta</p><p>é uma questão de grau 15, como torna-se imediatamente aparen-</p><p>te, ao tentarmos definí-la em termos de operaşões específicas</p><p>de pesquisa. Um tipo de método para dar a esta condição uma</p><p>definişão seria considerar a classificaşão-Q da relação como</p><p>descrita para a condişão 3. Na medida em que ítens que ex-</p><p>pressam consideração positiva incondicional são selecionados</p><p>como característicos da relaşão, tanto para o terapeuta como</p><p>para os observadores, a consideração positiva incondicional</p><p>A frase “consideração positiva incondicional” pode ser infeliz, por</p><p>soar como um conceito absoluto, do tipo tudo-ou-nada. Provavelmen-</p><p>fe, torna-se evidente a partir das descriçôes que uma consideração</p><p>positiva incondicional total nunca existiria, excefo em teoria. De um</p><p>ponto de vista clinico e experiencial, creio que a afirmação mais preci-</p><p>sa é a de que o terapeuta eficiente experiencia consideração positiva</p><p>incondicional pelo c/ienfe durante muitos momentos de seu contato</p><p>com e/e; ainda assim, de tempos em tempos, ele experiencia apenas</p><p>uma consideração positiva condicional - e talvez, as vêzes, uma con-</p><p>sideração negativa, embora esfa nâo seja provável de ocorrer numa</p><p>terapia eficiente. E neste sentido que a consideração positiva incondi-</p><p>cional existe como uma quesiâo de grau em qualquer relação.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ ediçăo</p><p>poderia ser tomada como existindo. Tais ítens podem incluir</p><p>declarações do tipo: “não sinto repulsa por nada que o cliente</p><p>diz”; “não sinto nem aprovação nem desaprovaşão em relação</p><p>ao cliente ou às suas afirmações - simplesmente aceitaşão”;</p><p>“sinto-me caloroso em relaşão ao cliente - em relação às suas</p><p>fraquezas e problemas, bem como às suas potencialidades”;</p><p>“não me sinto inclinado a julgar o que o cliente me conta”; “eu</p><p>gosto do cliente”. Na medida em que tanto o terapeuta quanto</p><p>os observadores percebem estes ítens como característicos,</p><p>ou seus opostos como não-característicos, pode-se dizer que a</p><p>condição 4 foi efetivada.</p><p>Empatia</p><p>A quinta condição estabelece que o terapeuta experien-</p><p>cie uma compreensão empática precisa da conscientização</p><p>do cliente, a partir de sua própria experiência. Sentir o mundo</p><p>privado do cliente como se ele fosse o seu, mas sem perder a</p><p>qualidade “como se” - isto é empatia, e ela parece essencial</p><p>para a terapia. Sentir a raiva do cliente, seu medo ou confusão,</p><p>como se fossem seus, e ainda assim</p><p>sem sentir a sua própria</p><p>raiva, medo, ou confusão sendo envolvidas nisto, esta é a con-</p><p>dição que estamos tentando descrever. Quando o mundo do</p><p>cliente é suficientemente claro para o terapeuta e este move-se</p><p>nele livremente, então pode tanto comunicar sua compreensão</p><p>daquilo que é claramente conhecido pelo cliente, como tam-</p><p>bém pode expressar significados da experiência do cliente, dos</p><p>quais o cliente está apenas vagamente consciente. Como um</p><p>cliente descreveu este segundo aspecto: “a toda hora, estando</p><p>eu num emaranhado de pensamentos e sentimentos, enrola-</p><p>do numa teia de linhas mutuamente divergentes, com impulsos</p><p>vindos de diferentes partes de mim e experimentando o senti-</p><p>mento de tudo ser demais - então, “zump”, como um raio de</p><p>sol que abre seu caminho através de aglomerados de nuvens e</p><p>entrelaçados de folhagens, espalhando um círculo de luz numa</p><p>parte emaranhada da floresta, surgia algum comentário seu.</p><p>(Ele era) clareza, um desembaraşar mesmo, um ângulo adicio-</p><p>nal para o quadro, um colocar no lugar. Então, a consequència</p><p>- o sentido de estar se movendo, de relaxamento. Estes eram</p><p>realmente raios de sol." A pesquisa de Fiedler (3) indica que</p><p>esta empatia penetrante é importante para a terapia, ao trazer</p><p>Publicação da edicora da Ules • edufes | B01O</p><p>|151</p><p>John Keith Wood e¢ a/. torg. J</p><p>com bastante ênfase, ítens, como os seguintes, na descrição</p><p>da relação criada por terapeutas experientes:</p><p>• 0 terapeuta é perfeitamente capaz de compreen-</p><p>der os sentimentos do paciente;</p><p>• 0 terapeuta não tern qualquer dúvida sobre o sig-</p><p>nificado do que o paciente quer dizer;</p><p>• 0s comentários do terapeuta adequam-se per-</p><p>feitamente ao estado de espírito e conteúdo do</p><p>cliente;</p><p>• 0 tom de voz do terapeuta contém a habilidade</p><p>completa para compartilhar os sentimentos do pa-</p><p>ciente;</p><p>Uma definição operacional da empatia do terapeuta</p><p>poderia ser elaborada de diferentes maneiras. Pode-se usar</p><p>152 a classificação-Q descrita na condişão 3. Na medida em que</p><p>ítens que descrevem uma empatia acurada fossem seleciona-</p><p>dos como caracterizando a relação, tanto pelo terapeuta como</p><p>pelos observadores, esta condição seria considerada como es-</p><p>tando presente.</p><p>Uma outra forma de definir esta condişão seria fazer com</p><p>que tanto o cliente quanto o terapeuta selecionassem uma lista</p><p>de ítens descritivos dos sentimentos do cliente. Cada um deles</p><p>deveria proceder a esta classificaşão independentemente, con-</p><p>sistindo a tarefa em representar os sentimentos que o cliente</p><p>tivesse experienciado durante uma entrevista que tivesse aca-</p><p>bado de ser concluída. Se a correlaşão entre a classificação</p><p>do cliente e a do terapeuta fosse alta, dir-se-ia que a empatia</p><p>estava presente; uma baixa correlaşão indicaria a conclusão</p><p>oposta.</p><p>Uma outra maneira ainda, para se medir a empatia seria</p><p>pedir a juízes treinados para que medissem a taxa de profundi-</p><p>dade e acuidade da empatia do terapeuta, com base em entre-</p><p>vistas gravadas.</p><p>A Percepção do Cliente sobre o Terapeuta</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>A condişão final estabelecida é a de que o cliente perce-</p><p>ba, ao menos num grau mínimo, a aceitaşão e empatia que o</p><p>terapeuta experiencia por ele. A menos que alguma comunica-</p><p>ção destas atitudes seja efetivada, tais atitudes não existem na</p><p>relação, no que concerne ao cliente e o processo terapêutico</p><p>não poderia, de acordo com nossa hipótese, ser iniciado.</p><p>Desde que as atitudes não podem ser diretamente perce-</p><p>bidas, seria mais correto estabelecer que os comportamentos</p><p>do terapeuta e suas palavras são percebidos pelo cliente como</p><p>significando que, em algum grau, o terapeuta o aceita e com-</p><p>preende.</p><p>Uma definişão operacional desta condişão não seria difí-</p><p>cil. 0 cliente poderia, após uma entrevista, selecionar uma lista</p><p>da técnica-Q com ítens que se referissem a qualidades repre-</p><p>sentativas de uma relação entre ele próprio e o terapeuta. (A</p><p>mesma lista estabelecida para a condição 3 poderia ser utiliza-</p><p>da.) Se diversos ítens descritivos de aceitação e empatia fos-</p><p>sem selecionados pelo cliente como característicos da relação,</p><p>então esta condişão poderia ser considerada como estando</p><p>presente. No atual estado de nosso conhecimento, o significa-</p><p>do de “pelo menos num grau mínimo” teria que ser arbitrário.</p><p>Alguns Comentários</p><p>Ate este ponto, o esforşo foi no sentido de apresentar de</p><p>forma breve, e através de fatos, as condições que vim a consi-</p><p>derar como essenciais para a mudança terapéutica. Não tentei</p><p>fornecer o contexto teórico destas condições, nem explicar o</p><p>que me parece ser a dinâmica para a efetividade das mesmas.</p><p>Este material explicativo está disponível para o leitor interessa-</p><p>do na publicação previamente mencionada. (7)</p><p>Apresentei, no entanto, ao menos uma maneira de definir,</p><p>em termos operacionais, cada uma das condişões menciona-</p><p>das. Eu o fiz, afim de enfatizar o fato de não estar falando sobre</p><p>qualidades vagas, que em termos ideais deveriam estar presen-</p><p>tes caso um certo resultado, também vago, fosse ocorrer. Estou</p><p>apresentando condişões que são perfeitamente mensuráveis,</p><p>Publicacâo da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>153</p><p>John Keith Wood et a/. íorg.)</p><p>mesmo no estado atual de nossa tecnologia, e sugeri opera-</p><p>ções específicas para cada caso, embora esteja certo de que</p><p>métodos mais adequados de medida poderiam ser propostos</p><p>por um investigador sério.</p><p>Meu propósito foi no sentido de enfatizar a noção de que,</p><p>em minha opinião, estamos lidando com um fenômeno do tipo</p><p>se-então, no qual o conhecimento da dinâmica não é essen-</p><p>cial para testar as hipóteses. Assim, ilustrando através de um</p><p>outro campo: se uma substância, que se demonstrou através</p><p>de uma série de operações ser a substância conhecida como</p><p>ácido hidroclorídrico for misturada com outra solução, que se</p><p>comprovou através de uma outra série de operações ser hidró-</p><p>xido de sódio, então sal e água serão produtos desta mistura.</p><p>Isto é verdadeiro, quer se atribua os resultados à mágica, ou se</p><p>explique através dos termos mais adequados da teoria química</p><p>moderna. Da mesma maneira, está sendo postulado aqui que</p><p>certas condições definíveis precedem certas mudanşas tam-</p><p>bém definíveis e que este fato existe independentemente dos</p><p>nossos esforşos para explicá- Io.</p><p>154</p><p>As Hipóteses Resultantes</p><p>0 maior valor de se estabelecer qualquer teoria em ter-</p><p>mos claros é que hipóteses específicas podem ser extraídas</p><p>dela e serão passíveis de comprovação ou de serem refutadas.</p><p>Assim, mesmo que as condişões postuladas como necessárias</p><p>e suficientes fossem mais incorretas do que corretas (o que es-</p><p>pero não ser o caso), ainda assim elas trariam desenvolvimen-</p><p>tos para a ciência neste campo, ao fornecerem uma base de</p><p>operações a partir das quais os fatos poderiam ser separados</p><p>dos erros.</p><p>As hipóteses que surgiriam desta teoria dada seriam da</p><p>seguinte ordem:</p><p>• Se estas seis condições (da forma como foram</p><p>operacionalmente definidas) estiverem presentes,</p><p>então uma mudança construtiva na personalidade</p><p>(como foi definida) ocorrerá no cliente;</p><p>• Se uma ou mais destas condições näo estiver</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" ediçśo</p><p>presente,a mudança construtiva na personalidade</p><p>não ocorrerá.</p><p>Estas hipóteses adequam-se a qualquer situaşão, quer</p><p>se trate ou não de “psicoterapia”.</p><p>Apenas a condição I é dicotômica (ou ela está presente</p><p>ou não), e as cinco restantes ocorrem em graus variados, cada</p><p>uma em seu próprio continuum. Se isto for verdadeiro, segue-</p><p>se uma outra hipótese, e é provável que esta seja a mais sim-</p><p>ples de ser testada:</p><p>• Se todas as seis condiçôes estiverem presentes,</p><p>então quanto maior o grau de presença das condi-</p><p>ções de 2 a 6, mais marcante será a mudança na</p><p>personalidade do cliente.</p><p>No momento presente, as hipóteses acima podem ser</p><p>propostas apenas desta forma geral - o que sugere que todas</p><p>as</p><p>para um seminário na renomada Clinica Menninger. Na época</p><p>em que apareceu, os percalşos na não-diretividade já tinham</p><p>sido razoavelmente superados: a neutralidade e a manipulaşão</p><p>sutil do terapeuta cederam lugar a um calor e aceitação mais</p><p>genuínos. Rogers já não parecia defensivo em relaşão a outras</p><p>doutrinas.</p><p>Esta é uma boa proposição seminal, concisa, coerente</p><p>e de leitura mais fácil do que tentativas anteriores ou versöes</p><p>posteriores, reescritas para serem publicadas em livros de di-</p><p>vulgação ou apologias da Abordagem Centrada na Pessoa.</p><p>No original, o estilo reflete sua busca de precisão, assim como</p><p>certa espontaneidade. Suas idéias e sentimentos são coloca-</p><p>dos de modo mais ou menos direto, de uma maneira natural,</p><p>sem a preocupaşão de persuadir, embora ele sempre tivesse</p><p>em mente um objetivo definido. Assim, o artigo reflete tanto os</p><p>fatos esclarecedores quanto os pontos obscuros que maistart</p><p>John Keith Wood et al. torg. J</p><p>de amadureceriam, e que embora, às vezes, pareçam menos</p><p>elegantes, mantiveram-se coesos a serviço do aprendizado.</p><p>Ainda que só parcialmente elaborada, a Terapia Centrada no</p><p>Cliente já emerge com inteireza aí, com significado próprio. A</p><p>“Abordagem”, diz Rogers, “se apóia em forças construtivas no</p><p>cliente”. Além disso, é a “confiança bem definida e disciplina-</p><p>da do terapeuta nessas forşas, o que explica o processo orde-</p><p>nado e previsível da Terapia Centrada no Cliente”. Isto porque</p><p>“existem no individuo forças de crescimento, tendências para a</p><p>auto-atualização, que podem agir como a única motivação para</p><p>a terapia”.</p><p>As impłicações dessa abordagem também já estão suge-</p><p>ridas neste artigo, antecipando a direção dos trabalhos futuros</p><p>de Rogers. Ele adianta que essa “nova abordagem” poderia</p><p>trazer, como efetivamente trouxe, uma maior compreensão do</p><p>processo psicoterapêutico e o aperfeiçoamento da sua prática,</p><p>assim como um maior respeito pela filosofia da auto-determina-</p><p>ção, além de aplicações na educação e na resoluşão de confli-</p><p>tos sociais e de grupo.</p><p>20 Esse artigo ilustra a clareza, a simplicidade e aquela mis-</p><p>tura exata de humildade e firmeza que caracterizam os melho-</p><p>res escritos de Rogers.</p><p>0 segundo artigo, Algumas Observaçöes sobre a Orga-</p><p>nizaçâo da Personalidade (1947), originou-se do marcante dis-</p><p>curso proferido ao término de seu mandato como presidente da</p><p>Associaşäo Americana de Psicologia. Entre outras coisas, tor-</p><p>nou público que o estudo empírico, feito através de gravações</p><p>de sessões terapêuticas, revela que “mudanşas que ocorrem</p><p>na percepşão do self e na percepşão da realidade resultam em</p><p>mudança de comportamento”. 0 Self se reorganiza em algo</p><p>mais adequado às realidades de tempo e lugar. Assim, na cul-</p><p>tura da terapia, ocorre uma mediação entre as inconsistências</p><p>dos valores sociais e as sensaşões do organismo.</p><p>Nem todos os artigos importantes puderam ser incluídos</p><p>nesta breve seleçäo. Alguns lamentavelmente foram excluídos.</p><p>Um deles foi A Atitude e Orientação do Conselheiro (1949),</p><p>no qual Rogers introduz a perspectiva do treinamento de psico-</p><p>terapeutas, uma preocupação que manteve ao longo de toda a</p><p>sua carreira. Declara que o “próprio terapeuta é uma parte ex-</p><p>tremamente importante da equação humana. 0 que ele faz, as</p><p>atitudes que sustenta, o conceito básico que tern de seu papel,</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• ediçśo</p><p>tudo influencia a terapia em alto grau." Descreve a eficácia do</p><p>conselheiro centrado no cliente, como alguém que “mantem</p><p>um conjunto de atitudes coerentes e em desenvolvimento, pro-</p><p>fundamente enraizadas na sua organização pessoal, um sis-</p><p>tema de atitudes que é implementado por técnicas e métodos</p><p>consistentes com ele” (...] “Nossa experiência mostra que o</p><p>conselheiro que tenta usar um método está fadado ao fracasso,</p><p>a menos que este método esteja genuinamente alinhado com</p><p>suas próprias atitudes”. Assim, Rogers adotou o termo “imple-</p><p>mentaşão” em vez do termo “técnica”, pois o cliente percebe</p><p>rapidamente qualquer método que o terapeuta esteja usando e</p><p>isto obstrui o progresso terapêutico. Por outro lado, “o conse-</p><p>lheiro está sempre implementando, tanto consciente quanto in-</p><p>conscientemente, as atitudes que mantêm em relação ao clien-</p><p>te.” Mas decidimo-nos pela exclusão deste artigo, pois muito</p><p>desse material se repete em outros textos aqui apresentados.</p><p>Também poderia ter sido útil incluir relatos de casos. Por exem-</p><p>plo, o caso de Herbert Bryan, que Rogers publicou mais de</p><p>uma vez ou a transcrişão da entrevista filmada com a cliente</p><p>Gloria, já publicada e disponível como filme ou vídeo. Esse ma- 21</p><p>terial é muito importante, pois ilustra o trabalho de psicoterapia</p><p>momento a momento, pelo menos o que pode ser transmitido</p><p>por palavras e imagens e o que pode ser filtrado do quadro cul-</p><p>tural da época. Como as transcrições são “datadas” e como a</p><p>leitura é algo cansativo, decidiu-se por sua exclusão.</p><p>A Equaçâo do Processo em Psicoterapia (1961), que Ro-</p><p>gers escreveu ao receber o Premio de Eminente Contribuição</p><p>Científica da Associação Americana de Psicologia, em 1957,</p><p>inicialmente não fazia parte da proposta deste volume. Poste-</p><p>riormente, foi incluído por sugestão de vários especialistas in-</p><p>ternacionais consultados. Por outro lado, alguns deles haviam</p><p>sugerido a exclusão de um artigo similar, O Conceito de Pessoa</p><p>em Atualização Plena (1952) que se tornara controvertido. En-</p><p>tretanto, foi incluído por ser de certo modo ingênuo, proporcio-</p><p>nando uma visão privilegiada do modo de pensar de Rogers.</p><p>Além do mais, contrariamente a outras versões posteriores,</p><p>mais ambiciosas e eventualmente elitistas, este artigo simples-</p><p>mente tenta responder à questão Iógica: “Se a Terapia Centra-</p><p>da no Cliente for bem sucedida, que tipo de resultado pode ser</p><p>esperado?”</p><p>Uma vez que entre estes dois artigos há muita superposi-</p><p>John Keith Wood et at. (org. J</p><p>ção, fomos tentados, em nome da simplicidade, a eliminar um</p><p>deles. Ao final, não foi possível decidir pela exclusão de nenhum</p><p>dos dois: cada qual oferecia algo que o outro não tinha. Isso foi</p><p>motivo de alguma frustraşão ate entendermos que estes dois</p><p>artigos são de fato complementares: um escrito primariamente,</p><p>talvez, de um modo analítico de consciência, e o outro, de um</p><p>modo holístico de consciência. Essa conclusão iria ter profun-</p><p>das implicaşões na compreensão do trabalho de Rogers.</p><p>O artigo Pessoas ou Ciência? Uma Questäo Filosófica</p><p>(1955) torna explícito esse insight. Rogers, de fato, propõe um</p><p>diálogo eritre esses dois modos complementares de consciên-</p><p>cia. Ele disse: “Sinto um desconforto crescente quanto a dis-</p><p>tância entre a rigorosa objetividade de meu self como cientista</p><p>obstinado e, a quase mística subjetividade do meu self como</p><p>terapeuta”. Depois de um longo debate entre essas duas po-</p><p>sições igualmente valiosas, começa a compreender que elas</p><p>podem ser complementares e passa a propor uma “integração”</p><p>entre o “experienciador” e o “cientista”. Embora nunca tenha</p><p>perseguido propositadamente essa integração, fica claro que,</p><p>22 no melhor do seu trabalho, uma interação entre esses dois mo-</p><p>dos de consciência deveria estar ocorrendo. Esse é um dos fios</p><p>essenciais na Abordagem Centrada na Pessoa e sugere uma</p><p>perspectiva a partir da qual o trabalho de Rogers, conforme o</p><p>compreendemos, pode ser melhor avaliado.</p><p>A primeira parte do livro se encerra com Condições Ne-</p><p>cessárias e Suficientes para a Mudança Terapêutica na Persona-</p><p>lidade (1957), sua proposişão final sobre a Terapia Centrada no</p><p>Cliente - seus antecedentes, teoria, pesquisa e prática. É mais</p><p>assimilável que o elaborado tratado escrito para o livro de S.</p><p>Koch (1959), e pouco do que Rogers falou posteriormente so-</p><p>bre psicoterapia acrescentou mais a seu pensamento básico.</p><p>Nesse tratado, Rogers preparou uma declaração siste-</p><p>mática da teoria da Terapia Centrada no Cliente em processo</p><p>de desenvolvimento. Ao introduzir o seu terno, declara: “Acre-</p><p>dito que há apenas uma proposição</p><p>condişões têm peso igual. Estudos empíricos, sem dúvida,</p><p>tornarão possível muito mais refinamento sobre estas hipóte-</p><p>ses. Pode ocorrer, por exemplo, que se a ansiedade for alta</p><p>no cliente, então as outras condişões se tornarão menos im-</p><p>portantes. Ou, se a consideraşão positiva incondicional for alta</p><p>(como no amor de uma mãe por seu filho), então talvez um</p><p>grau modesto de empatia seja suficiente. Mas, até o momento,</p><p>podemos apenas especular sobre estas possibilidades.</p><p>Algumas Implicações</p><p>Omissões Significativas</p><p>Se houver qualquer aspecto surpreendente na formula-</p><p>ção dada às condições necessárias e suficientes da terapia,</p><p>este reside provavelmente nos elementos que foram omitidos.</p><p>Na prática clínica atual, os terapeutas operam como se hou-</p><p>vesse muitas outras condişões, além daquelas descritas como</p><p>essencias à psicoterapia. Afim de salientar isto, pode ser útil</p><p>mencionar algumas das condições que, após consideraşões</p><p>sérias sobre a nossa pesquisa e experiência, não foram incluí-</p><p>das.</p><p>|155</p><p>Por exemplo, não está proposto que estas condições se</p><p>Publicação da edicora da Ules • edufes I żO10</p><p>John Keith Wood et a/. Worg.</p><p>156</p><p>aplicam a um determinado tipo de cliente, e que outras condi-</p><p>ções são necessárias para produzir mudança psicoterapêutica</p><p>na personalidade em outros tipos de clientes. Provavelmente,</p><p>nada é tão frequente no trabalho clínico atual como a idéia de</p><p>que se deve trabalhar de uma maneira com neuróticos e de</p><p>outra com psicóticos; que certas condições terapêuticas devam</p><p>ser proporcionadas aos compulsivos, outras aos homossexu-</p><p>ais, etc. Devido a esta considerável ênfase da opinião clínica</p><p>no sentido contrário, é com algum “medo e trêmulo” que eu</p><p>proponho o conceito de que as condições essenciais da psico-</p><p>terapia existem numa configuraşão simples, embora o cliente</p><p>ou paciente possa usá-las de formas muito diferentes1" .</p><p>h/śo está proposto que estas seis condições são as con-</p><p>dições essenciais para a Terapia Centrada no Cliente, e que ou-</p><p>tras condişões são essenciais para os outros tipos de psicote-</p><p>rapia. Certamente, sou profundamente influenciado por minha</p><p>própria experiência e esta Ievou-me a um ponto de vista que é</p><p>chamado de “centrado no cliente”. Contudo, meu objetivo ao</p><p>estabelecer esta teoria é estabelecer as condições que se apli-</p><p>cam a qualquer situação, na qual ocorra mudança construtiva</p><p>na personalidade, quer estejamos pensando em psicanálise</p><p>clássica, ou quaisquer de seus desdobramentos modernos, ou</p><p>psicoterapia Adleriana, ou qualquer outra. Será óbvio, portanto,</p><p>que para a minha maneira de ver, muito daquilo que é conside-</p><p>rado essencial, não seria empiricamente considerado como tal.</p><p>‟" Apego-me a esfa declaraçâo de minha hipótese, embora ela seja</p><p>desafiada por um esiudo recentemente concluido por Kirtner (5). E/e</p><p>descobriu num grupo de vinte e seis casos do Centro de Aconselha-</p><p>mento da Universidade de Chicago que há diferenças marcantes no</p><p>modo do cliente abordar a soluçâo para as dificuldades da vida, e</p><p>que estas diferenças estâo relacionadas com o sucesso em terapia.</p><p>Resumidamente, o cliente que vé seus problemas como tendo a ver</p><p>com seus re/acionamenfos e que admite estar contribuindo para seu</p><p>problema e quer mudar isto, tern chance de ser òem sucedido na fe-</p><p>rapia. 0 c/iente que externaliza seus problemas, sentindo pouca auto-</p><p>responsabilidade, fern mais chance de falhar. Portanto, a implicação</p><p>é a de que algumas outras condiçöes precisaram ser oferecidas na</p><p>psicoterapia com este grupo de pacientes. No momento, no entanto,</p><p>deixarei minha hipótese da forma como foi formulada , até que o estu-</p><p>do de Kirtner seja confirmado e ate que descuÖramos uma hipbtese</p><p>alternativa para substituir a aqui apresentada.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>A testagem destas hipóteses estabelecidas lanşaria luz sobre</p><p>este intrigante tema. Podemos, é claro, considerar que as di-</p><p>versas terapias produzem diversos tipos de mudança na per-</p><p>sonalidade, e que para cada terapia um conjunto distinto de</p><p>condições é necessário. Até que isto seja demonstrado, estou</p><p>lanşando a hipótese de que uma psicoterapia eficaz de qual-</p><p>quer tipo produz mudanşas semelhantes na personalidade e no</p><p>comportamento, e que um conjunto Único de pré-condições é</p><p>necessário para tanto.</p><p>Nao está proposto que psicoterapia é um tipo especial</p><p>de relação, diferente sob qualquer aspecto de todas as demais</p><p>que ocorrem na vida cotidiana. Será evidente, no entanto, que,</p><p>por breves momentos, ao menos, muitas boas amizades pre-</p><p>enchem as seis condições. Geralmente, isto ocorre apenas</p><p>momentaneamente, no entanto, depois a empatia decresce, a</p><p>aceitaşão positiva torna-se condicional, ou a congruência do</p><p>“terapeuta” amigo é sobrepujada por algum grau de defesa ou</p><p>“fachada”. Desta maneira, a relação terapêutica é vista como</p><p>uma ampliaşão das qualidades construtivas que frequentemen-</p><p>te existem parcialmente nas outras relaşões, e uma manuten-</p><p>ção ao longo do tempo de qualidades que em outras relaşões</p><p>tendem a ser no máximo momentâneas.</p><p>/\/ao está proposto que determinado conhecimento inte-</p><p>lectual, profissional - psicológico, psiquiátrico, médico ou reli-</p><p>gioso - é necessário ao terapeuta. As condişões 3, 4 e 5, que</p><p>se aplicam especialmente ao terapeuta, são qualidaaes da ex-</p><p>periència, e não informações intelectuais. Se elas tiverem que</p><p>ser adquiridas, devem sé-lo, em minha opinião, através de um</p><p>treinamento experiencial - o qual pode ser, mas geralmente não</p><p>o é, parte do treinamento profissional. Perturba-me sustentar</p><p>ponto de vista tão radical, mas não posso extrair nenhuma ou-</p><p>tra conclusão de minha experiência. 0 treinamento intelectual</p><p>e a aquisişão de informações têm, eu creio, muitos resultados</p><p>valiosos - mas tornar-se um terapeuta não é um destes resulta-</p><p>dos.</p><p>157</p><p>/\/ao está proposto que é necessário para a psicoterapia</p><p>que o terapeuta tenha um diagnóstico preciso sobre o cliente.</p><p>Aqui, novamente, perturba-me sustentar um ponto de vista tão</p><p>contrário ao de meus colegas clínicos. Quando se pensa na</p><p>grande quantidade de tempo gasta em qualquer centro psico-</p><p>Iógico, psiquiátrico, ou de higiene mental com avaliações psico-</p><p>Publicação da editora da Ules - edufes | żO10</p><p>John Keith Wood e8 a/. (org.)</p><p>158</p><p>lógicas exaustivas sobre o cliente ou paciente, conclui-se que</p><p>elas devam servir a um propósito importante, no que concerne</p><p>à psicoterapia." No entanto, quanto mais tenho observado te-</p><p>rapeutas, e quanto mais próximo tenho estado do estudo de</p><p>pesquisas como a de Fiedler e outros (4), mais sou forçado</p><p>a concluir que este conhecimento diagnóstico não é essencial</p><p>à psicoterapia . Pode ser, inclusive que sua defesa como um</p><p>prelúdio necessário à psicoterapia seja simplesmente uma al-</p><p>ternativa protetora para justificar que, de um modo geral, ela</p><p>é um grande desperdício de tempo. Há apenas um propósito</p><p>útil que pude observar como estando relacionado à psicotera-</p><p>pia. Alguns psicoterapeutas não conseguem sentir-se seguros</p><p>com o cliente, a menos que tenham a respeito dele algum co-</p><p>nhecimento diagnóstico. Sem este conhecimento, eles sentem</p><p>medo dele, tornam-se incapazes de ser empáticos, incapazes</p><p>de experienciar consideração incondicional, e acreditam ser</p><p>necessário demonstrar superioridade na relaşão. Se sabem an-</p><p>tecipadamente sobre os impulsos suicidas, podem de alguma</p><p>forma aceitá-los melhor. Assim, para alguns terapeutas, a segu-</p><p>rança que atribuem à informação diagnóstica pode se consti-</p><p>tuir numa base para se permitirem estar integrados na relaşão,</p><p>e experienciarem empatia e aceitação total. Nestes casos, um</p><p>diagnóstico psicológico certamente seria justificável por tornar</p><p>o terapeuta mais confortável e eficiente. Porém, mesmo neste</p><p>caso, não parece ser uma pré-condição básica para a psicote-</p><p>rapia</p><p>Talvez, eu</p><p>tenha apresentado ilustraşões suficientes para</p><p>indicar que as condições que hipoteticamente estabeleci como</p><p>necessárias e suficientes para a psicoterapia são surpreenden-</p><p>tes e incomuns primariamente em virtude daquilo que omitem.</p><p>Se tivéssemos que determinar, a partir de uma pesquisa sobre</p><p>” Nâo há a intenção de afirmar que a avaliaçáo diagnóstica é inútil.</p><p>Nós próprios temos feito grande uso de fais métodos em nossas pes-</p><p>quisas sobre mudança na personalidade. É a sua utilidade como uma</p><p>pre-condição para a psicoterapia que está sendo questionada.</p><p>‟". Num momento jocoso, eu sugeri que tais terapeutas sentir-se-iam</p><p>igualmente confortáveis, se Ihes tivesse sido oferecido o diagnóstico</p><p>de algum outro indivíduo e näo o de seu paciente ou cliente. 0 fato do</p><p>diagnôstico mostrar-se inadequado, à medida que a Terapia progride,</p><p>nâo constitui uma perplexidade, porque sempre se espera encontrar</p><p>inadequações no diagnóstico, quando se trabalha com o indivíduo.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>os comportamentos dos terapeutas, as hipóteses que eles pa-</p><p>recem considerar como necessárias à psicoterapia, a lista seria</p><p>muito maior e mais complexa.</p><p>Essa Formulação Teórica é Útil?</p><p>Além da satisfação pessoal de uma aventura em matéria</p><p>de abstraşão e generalizaşão, qual é o valor de uma formulação</p><p>teórica como a que foi estabelecida neste artigo? Gostaria de</p><p>explanar de forma mais completa sobre a utilidade que, acredi-</p><p>to, ela possa vir a ter.</p><p>No campo da pesquisa, ela pode fornecer direşão e im-</p><p>pulso à investigação. Como esta teoria vê as condişões para a</p><p>mudanşa construtiva na personalidade de um ponto de vista</p><p>genérico, ela possibilita uma ampliaşão nas oportunidades de</p><p>estudos. Psicoterapia não é a única situaşão que visa mudan-</p><p>ça construtiva na personalidade. Programas de treinamento</p><p>para lideranşa na indústria e na área militar, frequentemente,</p><p>têm este mesmo objetivo. Instituişões e programas educacio-</p><p>nais, frequentemente, visam o desenvolvimento do caráter e</p><p>da personalidade, além da capacidade intelectual. Instituições</p><p>comunitárias vìsam mudança na personalidade e da conduta</p><p>de delinquentes e criminosos. Tais programas forneceriam uma</p><p>oportunidade para uma comprovação ampla das hipóteses pro-</p><p>postas. Se os dados mostrarem que a mudança construtiva na</p><p>personalidade ocorre em tais programas, quando as condişões</p><p>propostas como hipóteses não estão presentes, então a teoria</p><p>teria que ser revista. No entanto, se as hipóteses se susten-</p><p>tarem, então os resultados, tanto para o planejamento desses</p><p>programas como para nosso conhecimento da dinâmica hu-</p><p>mana, seriam significativos. No próprio campo da psicoterapia,</p><p>a aplicaşão de hipóteses consistentes ao trabalho das várias</p><p>escolas de terapeutas pode mostrar-se altamente produtiva.</p><p>Por outro lado, a não-confirmação das hipóteses apresentadas</p><p>seria tão importante quanto sua confirmação, pois qualquer um</p><p>dos resultados possíveis acrescentaria muito ao nosso conhe-</p><p>cimento sobre o assunto.</p><p>A teoria também oferece problemas significativos que de-</p><p>vem ser considerados na prática da psicoterapia. Um destes</p><p>seria: as técnicas das várias terapias têm relativamente pouca</p><p>importância, exceto na medida em que servem como canais</p><p>Publicacäo da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>|159</p><p>John Keith Wood e8 at. (org. J</p><p>para possibilitar a emergência de uma dessas condições. Na</p><p>Terapia Centrada no Cliente, por exemplo, a técnica do “reflexo</p><p>de sentimentos” tern sido descrita e comentada (6, p. 26-36).</p><p>Em termos da teoria aqui apresentada, esta técnica não é de</p><p>nenhuma maneira uma condişão essencial para a terapia. No</p><p>entanto, na medida em que ela oferece um canal através do</p><p>qual o terapeuta comunica ao cliente uma empatia sensível e</p><p>uma consideração positiva incondicional, então pode ser con-</p><p>siderada como um canal técnico, através do qual as condições</p><p>essenciais da terapia săo atendidas. Da mesma maneira, a te-</p><p>oria que apresentei não veria qualquer valor essencial, para a</p><p>terapia, nas técnicas de interpretação da dinâmica da persona-</p><p>lidade, associação livre, análise dos sonhos, análise da trans-</p><p>ferência, hipnose, interpretaşão do estilo de vida, sugestão, e</p><p>outras. Cada uma destas técnicas, entretanto, torna-se um ca-</p><p>nal para comunicar as condições essenciais formuladas. Uma</p><p>interpretação pode ser dada de uma forma que comunique a</p><p>consideração positiva incondicional do terapeuta. Um fluxo de</p><p>associaşão livre pode ser ouvido de uma maneira que comu-</p><p>160 nique a empatia que o terapeuta está experienciando. Ao lidar</p><p>com a transferência, um terapeuta eficiente frequentemente co-</p><p>munica sua própria integração e congruência na relação. Este</p><p>mesmo raciocínio seria aplicável às outras técnicas. Porém, da</p><p>mesma forma como estas técnicas podem transmitir elementos</p><p>que são essencias para a terapia, cada uma delas pode, da</p><p>mesma forma, comunicar atitudes e experiências radicalmente</p><p>contraditórias às condições hipotéticas da terapia. 0 sentimen-</p><p>to pode ser “refletido” de uma maneira que transmita a falta de</p><p>empatia do terapeuta. As interpretações podem ser expressas</p><p>de um jeito que indique uma consideração altamente condicio-</p><p>nal por parte do terapeuta. Qualquer uma das técnicas pode</p><p>comunicar o fato de que o terapeuta está expressando uma ati-</p><p>tude num nível superficial, e outra contraditória que está sendo</p><p>negada à sua consciência. Assim, um dos valores.da formula-</p><p>ção teórica apresentada seria o de poder auxiliar os terapeutas</p><p>a pensar de forma mais crítica sobre os elementos de sua ex-</p><p>periência, atitudes e comportamentos que são essenciais para</p><p>a psicoterapia, aqueles que não o são e os que são até mesmo</p><p>prejudiciais.</p><p>Finalmente, em programas educativos, correcionais,</p><p>militares ou industriais, que visam mudanças construtivas na</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>estrutura da personalidade e no comportamento do indivíduo,</p><p>esta formulaşão pode servir como um critério provisório, a partir</p><p>do qual pode-se avaliar o programa. Até que tenha sido testa-</p><p>da adequadamente por pesquisas, não pode ser considerada</p><p>como um critério válido , mas, como demonstrado no campo</p><p>da psicoterapia, ela pode estimular uma análise crítica e a for-</p><p>mulação de condişões e hipóteses alternativas.</p><p>Sumário</p><p>Derivadas de um contexto teórico maior, seis condições</p><p>são postuladas como necessárias e suficientes para dar inicio a</p><p>um processo de mudanşa construtiva na personalidade. Sobre</p><p>cada uma das condições é dada uma explicação resumida e</p><p>são feitas sugestões sobre como definí-las operacionalmente</p><p>para fins de pesquisa. Indicam-se as implicações desta teoria</p><p>para a pesquisa, psicoterapia e programas educacionais e de</p><p>treinamento, que visem mudança construtiva na personalidade.</p><p>Salienta-se que muitas das condişões comumente considera-</p><p>das como necessárias para a psicoterapia são, em termos des-</p><p>ta teoria, não-essenciais.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>1. BOWN, 0. H. An investigation of therapeutic relationship in</p><p>client-centered therapy. Unpublished Ph.D dissertation, Univer-</p><p>sity of Chicago, 1954.</p><p>2. CHORDOKOFF, B. Self-perception, perpetual defense, and</p><p>adjustment. J.Abnormal Soc. Psychology, vol. 49 1954. p. 508-</p><p>512.</p><p>3. FIEDLER, F. E. A comparison of therapeutic relationships in</p><p>psychoanalytic, non-directive and Adlerian therapy. J. Consult.</p><p>Psychol., vol. 14 1950. p. 436-445.</p><p>4. FIEDLER, F. E. Quantitative studies on the role of therapists‟</p><p>feelings toward their patients. In O. H. MOWRER (ed.) Psycho-</p><p>therapy: theory and research. New York: Ronald Press, 1953.</p><p>5. KIRTNER, W. I. Success and failure in client-centered therapy</p><p>as a function of personality variables. Unpublished master‟s the-</p><p>sis, University of Chicago, 1955.</p><p>Publicasao da editora da Ufes • edufes | żOlO</p><p>161</p><p>John Keith Wood et al. Borg.</p><p>6. ROGERS, C. R. Client-centered therapy. Boston: Houghton</p><p>Mifflin, 1951.</p><p>7. ROGERS, C. R.; DYMOND, R. F. (eds) Psychotherapy and per-</p><p>sonality change. Chicago: University of Chicago Press, 1954.</p><p>8. STANDAL, S. The need for positive regard: a contribution to</p><p>client-centered theory. Unpublished Ph.D. dissertation, Univer-</p><p>sity of Chicago, 1954.</p><p>162</p><p>Parte II</p><p>Da Abordagem Centrada na Pessoa</p><p>A Terapia Centrada no Cliente:</p><p>Uma Retrospectiva de 60 Anos</p><p>John ffeifh Wood</p><p>John Keich Wood et at. Borg. J</p><p>164</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>INTRODUÇÃO À SEGUNDA PARTE</p><p>Decorrido mais de meio século desde o seu surgimento,</p><p>a Abordagem Centrada na Pessoa, no inicio desenvolveu um</p><p>modelo psicoterápico, foi posteriormente aplicada aos campos</p><p>da educaşão, trabalhos com grupos e às relações humanas em</p><p>geral. Passou por transformaşões que requerem uma delimita-</p><p>ção mais precisa quanto a seu alcance nas ciências humanas.</p><p>John Keith Wood desempenha neste cenário um papel de sig-</p><p>nificativa importância. Um entusiasta dos ideais e princípios da</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa e principalmente no âmbito do</p><p>trabalho com grupos intensivos, ele participou e foi agente de</p><p>fatos que ajudaram a compor a identidade desta abordagem,</p><p>de forma reflexiva e crítica.</p><p>John Keith Wood foi orientado em seus trabalhos de pós-</p><p>graduação por psicólogos renomados tais como Jack Gibb,</p><p>Goodwin Watson e Carl R. Rogers, obtendo o grau de Ph.D. em</p><p>Psicologia no ano de 1973. Iniciou suas atividades profissio-</p><p>nais, nesta área, como consultor do Departamento de Recursos</p><p>Humanos do Estado da Califórnia e dirigiu um projeto intitulado</p><p>“Transişões de Carreira“, destinado à reabilitaşão de cientistas,</p><p>desempregados devido a uma fase recessiva da economia nor-</p><p>te-americana. Durante cinco anos, foi professor na Universidade</p><p>Estadual de San Diego na Califórnia, psicoterapeuta individual</p><p>e de grupo no Centro de Aconselhamento desta universidade,</p><p>tendo coordenado os trabalhos de Psicoterapia de Grupos. Mi-</p><p>nistrou cursos sobre relações humanas, sociologia e educação</p><p>e supervisionou alunos de pós-graduaşão em Psicologia.</p><p>Desde 1970, Wood integrou a equipe de psicólogos e</p><p>pesquisadores do Center for Studies of the Person em La Jolla,</p><p>Califórnia, entidade fundada em 1964 por Carl Rogers e seus</p><p>colaboradores mais próximos. Esta vinculação demarca o en-</p><p>volvimento pessoal e profissional de John com a Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa. Foi consultor e supervisor de programas</p><p>de formaşão de psicoterapeutas e facilitadores de grupos em</p><p>diversos países: Alemanha, Brasil, Canadá, Filipinas, França,</p><p>Grécia, Hungria, lnglaterra, Itália, México, Portugal, Suíça. Fez</p><p>Publicação da editora da Ules • edufes | 2010</p><p>165</p><p>John Keith Wood et al. íorg.</p><p>parte do corpo editorial da Person-Centered Review, um perió-</p><p>dico de circulaşão internacional que registrou avanşos teóricos</p><p>e práticos da Abordagem Centrada na Pessoa.</p><p>No Brasil tern exercido uma influência marcante desde</p><p>1977, ocasião em que juntamente com Carl Rogers e alguns</p><p>colegas de La Jolla facilitou workshops que se tornaram co-</p><p>nhecidos nacionalmente e ajudaram a consolidar a imagem da</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa e seu desenvolvimento entre</p><p>psicólogos, educadores e estudiosos de ciências humanas e</p><p>medicina. Sua carreira docente teve continuidade, tendo se vin-</p><p>culado, por cinco anos, ao Departamento de Pós-Graduação</p><p>em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de</p><p>Campinas, exercendo atividades de orientaşão de teses, do-</p><p>cência e publicações de artigos e livros. Organizou e dirigiu</p><p>juntamente com Raquel L. Rosenberg, docente da Universida-</p><p>de de São Paulo, um programa de Estudos Avançados sobre</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa realizado no Brasil entre 1984</p><p>e 1986, reunindo profissionais de diversos paises da América</p><p>do Sul. Foi também membro colaborador do Núcleo de Estu-</p><p>166 dos Psicológicos da Universidade de Campinas (UNICAMP).</p><p>Amigo pessoal de Carl Rogers por quase vinte anos,</p><p>Wood contribuiu para o desenvolvimento e sistematização de</p><p>suas idéias compartilhando os mesmos ideais, vivenciando fa-</p><p>ses de incertezas e angústias quanto aos rumos da Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa. Dentro desta perspectiva desenvolveu um</p><p>pensamento independente a ponto de se constituir atualmen-</p><p>te num crítico competente e equilibrado das iniciativas nesta</p><p>área. Longe de ser um apologista da Abordagem Centrada na</p><p>Pessoa, John tern lanşado sua ironia inteligente contra os misti-</p><p>ficadores e alertado quanto aos riscos de se tentar alşar a Abor-</p><p>dagem Centrada na Pessoa ao papel de panacéia para todos</p><p>os males. Por outro lado, é fiel aos princípios de descoberta que</p><p>foi responsável pelos melhores momentos da pesquisa e da</p><p>prática da Terapia Centrada no Cliente, do Ensino Centrado no</p><p>Aluno, assim como dos Grupos de Encontro e dos Workshops</p><p>de Grandes Grupos, certo de que a genialidade dos insights só</p><p>ocorre no fluir de um processo experiencial em que pessoas</p><p>sérias se comprometem a partir da intenção e de propostas co-</p><p>muns. Considerou que a Abordagem Centrada na Pessoa ainda</p><p>não foi compreendida em todas as suas possibilidades reais e</p><p>lamentou que a busca de prestígio e de poder tenha desvirtua-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• ediçao</p><p>do alguns de seus praticantes, a ponto de torná-la apenas mais</p><p>uma tecnologia eficaz para competir no mercado lucrativo dos</p><p>modelos psicoterápicos.</p><p>Para nós, psicólogos e educadores brasileiros que temos</p><p>participado de seus projetos, publicaşões e experiências pes-</p><p>soais, inclusive na organização deste volume, John tern exerci-</p><p>do um papel decisivo ao despertar nossa necessidade de uma</p><p>leitura mais amadurecida e cuidadosa da Abordagem Centrada</p><p>na Pessoa, e acima de tudo, colaborando para que nos inte-</p><p>grássemos como um grupo de estudos sério e comprometido</p><p>com a busca das verdades que emergem dos próprios fatos e</p><p>não de teorizaşões inócuas ou de crenças pouco fundamenta-</p><p>das.</p><p>0s Organizadores</p><p>Jaguariúna, Novembro 1994</p><p>167</p><p>Publicação da edicora da Ules • edufes | żOlO</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA</p><p>A TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE:</p><p>UMA RETROSPECTIVA DE 60 ANOS</p><p>John Keith Wood</p><p>Não se preocupe, os fatos são sempre amistosos.</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>É muito melhor nâo ser pedante e deixar que a ciência</p><p>seja täo vaga quanto o seu objeto, considerar os fenòme-</p><p>nos como fenômenos e assim, talvez possamos lançar al-</p><p>guma luz sobre o assunto principal que temos em mâos.</p><p>William James</p><p>Um jeito de ver</p><p>Conhecido como um jovem sonhador com poucos ami-</p><p>gos, permanecia a maior parte do tempo consigo mesmo. Tinha</p><p>uma curiosidade vivaz, mas era tímido e nunca Ihe pareceu fácil</p><p>participar de grupos sociais. Contudo, tendo certas inclinações</p><p>religiosas, sem dúvida relacionadas às tradições familiares, ins-</p><p>creveu-se num grupo da Associaşão Cristã de Moços (ACM),</p><p>que se reunia nas manhãs de domingo.</p><p>No comeşo foi uma experiência frustrante, tanto para ele</p><p>como para os outros. 0 grupo da ACM era diferente do grupo</p><p>da Escola, onde o professor discursava e a classe seguia um</p><p>currículo bem planejado de leituras, argüişões e exames. Era</p><p>também diferente de sua família, onde o pai impunha regras</p><p>severas (embora amorosas) de comportamento e horários para</p><p>suas atividades. No grupo da ACM o Iíder não seguia aparente-</p><p>mente qualquer sistema, não dava instruções nem estabelecia</p><p>regras ou horários para o jovem e seus colegas. 0 grupo ficava</p><p>completamente à vontade.</p><p>0 Iíder do grupo representava uma verdadeira chamada</p><p>para esse jovem participante. Definitivamente uma pessoa bem</p><p>Publicacão da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>169</p><p>John Keith Wood ec a/. (org J</p><p>intencionada, amigável, sempre atenta e curiosa, o líder pare-</p><p>cia</p><p>estar aprendendo com os outros, apreciando as descober-</p><p>tas compartilhadas. Parecia gostar realmente da classe e de</p><p>todos os participantes. Contudo, pensava o rapaz, o líder era</p><p>obviamente fraco. Por que, perguntava-se freqüentemente, ele</p><p>não nos diz o que fazer, o que e como quer que aprendamos?</p><p>Ele não deve saber, era a conclusão a que muitas vezes chega-</p><p>va.</p><p>170</p><p>Completamente livres para se dedicar a qualquer tipo de</p><p>atividade, os estudantes superaram o “vácuo” de liderança e</p><p>rapidamente envolveram-se em diferentes projetos. Como to-</p><p>mavam suas próprias decisões e faziam suas escolhas, apren-</p><p>deram facilmente e estabeleceram um método parlamentar de</p><p>auto gestão. Criaram seu próprio currículo e organizaram toda</p><p>espécie de programas sociais e educativos.</p><p>Como o grupo seguia seus impulsos de aprendizagem discu-</p><p>tindo amplamente os assuntos, tornou-se muito bem informado</p><p>e coeso. Os participantes acabaram se conhecendo e confian-</p><p>do profundamente uns nos outros. Pela primeira vez, fora de</p><p>sua família, o jovem tímido descobriu a intimidade com outras</p><p>pessoas.</p><p>Impressionado, refletia constantemente sobre essa mar-</p><p>cante experiência. Uma suspeita, que demorou anos para ama-</p><p>durecer, cresceu dentro dele: talvez o líder do grupo não fosse</p><p>completamente incompetente; talvez houvesse uma sabedoria</p><p>nessa sua maneira de ser aparentemente desajeitada e tola;</p><p>talvez ele soubesse o que estava fazendo. Se assim fosse, re-</p><p>almente sabia ensinar. Parecia dizer através de suas ações:</p><p>“Não sou eu o que importa. O importante é o que está sendo</p><p>oferecido a vocês, a experiência real de aprender”. Embora os</p><p>estudantes clamassem por aquilo que estavam acostumados a</p><p>receber, ele parecia dizer: “Não se preocupem com a maneira</p><p>como vocês acham que as coisas deveriam ser, vejam como</p><p>elas são na realidade”.</p><p>Criara-se uma situação que ficou aquém das expectativas</p><p>dos participantes. Contudo, essa nova experiência era, de Ion-</p><p>ge, mais diversificada e criativa do que eles imaginaram possí-</p><p>vel. Que tremendo poder foi liberado nesse simples reconheci-</p><p>mento e respeito pelo potencial de aprendizagem das pessoas!</p><p>A amizade e o companheirismo que se desenvolveram nesse</p><p>grupo de 25 jovens também foram fatores excepcionalmente</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5º ediçśo</p><p>importantes para suas vidas futuras.</p><p>Quando o jovem atingiu a idade madura, escreveu um li-</p><p>vro notável sobre a facilitação da aprendizagem. Em certo pon-</p><p>to relatou: “Quando fui capaz de transformar um grupo - e aqui</p><p>eu quero dizer todos os membros do grupo, incluindo a mim</p><p>mesmo - numa comunidade de aprendizes, então a excitaşão</p><p>foi quase inconcebível. Libertar a curiosidade; permitir aos indi-</p><p>víduos que se lançassem em novas direşões, ditadas por seus</p><p>próprios interesses; liberar o espírito de investigação; abrir tudo</p><p>ao questionamento e exploração; reconhecer que tudo está em</p><p>processo de mudança - eis uma experiência que jamais esque-</p><p>cerei. Não posso consegui-la sempre, em todos os grupos aos</p><p>quais me associo, mas, quando é parcial ou amplamente con-</p><p>seguido, isso então se toma uma experiência de grupo ines-</p><p>quecível." Entretanto, tal é o mistério da aprendizagem profun-</p><p>da que, mesmo depois que escreveu estas palavras, próximo</p><p>ao fim de sua vida, o participante ainda não tinha certeza se o</p><p>líder do grupo da ACM fora realmente sábio ou apenas um tolo</p><p>afortunado.</p><p>O líder do grupo: Professor George Humphrey</p><p>O participante: Carl Ransom Rogers</p><p>Lugar e Tempo: Madison, Wisconsin; 1919</p><p>Rogers teve uma marcante experiéncia pessoal de</p><p>aprendizagem que o transformou profundamente. Como par-</p><p>ticipante, teve consciència do valor da iniciativa individual do</p><p>participante, da sua curiosidade, inteligência e forşa de vontade</p><p>na aprendizagem significativa, mas não estava tão convencido</p><p>da contribuişão do Iíder do grupo. Mais tarde, como professor,</p><p>psicoterapeuta ou facilitador de grupo, tornou-se atento à sua</p><p>intenşão consciente de criar “condiçöes psicológicas de cresci-</p><p>mento" para os participantes. Ironicamente alguns de seus alu-</p><p>nos, clientes de terapia e membros de grupos, algumas vezes</p><p>o viam da mesma maneira como ele vira o professor Humphrey !</p><p>Ao refletir sobre esse assunto, Rogers nunca tinha certeza</p><p>quanto a que elemento deveria ser atribuída a causa da apren-</p><p>dizagem eficaz, mas se contentava em deixar o fenômeno falar</p><p>por si mesmo.</p><p>Estas são também trés das perspectivas pelas quais se</p><p>pode considerar a eficácia da terapia: o cliente refletindo sobre</p><p>Publicacao da editora da Utes edufes | 2010</p><p>171</p><p>John Keith Wood ec a/. Borg. J</p><p>sua experiência pessoal; o terapeuta relatando sua atividade,</p><p>suas atitudes, sua intenção e o resultado do processo terapêu-</p><p>tico; e o fenómeno do relacionamento terapèutico eficaz. 0 que</p><p>uma pessoa percebe depende do seu ponto de vista. Para me-</p><p>lhorar o entendimento e afastar parte da confusão acerca da</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa, sugiro adotar a perspectiva</p><p>do fenômeno do relacionamento terapêutico eficaz, que inclui</p><p>as trés.</p><p>Tornando-se terapia</p><p>0 ponto de vista da pessoa também desempenha um</p><p>papel na determinação de suas crenças e do significado asso-</p><p>ciado à experiência. Embora Rogers possa não ter entendido</p><p>o sistema de estudo organizado por seu professor Humphrey,</p><p>dele de fato se beneficiou. Mais tarde, acreditou no seu próprio</p><p>sistema de mudança na personalidade, à medida que comeşou</p><p>a ter sucesso em ajudar pessoas.</p><p>Rogers começou sua carreira como psicoterapeuta nos</p><p>72 anos 30, trabalhando no Institute for Child Guidance em Nova</p><p>York. Formou-se de acordo com as teorias da época e domi-</p><p>nava seus métodos: anotar longas histórias de caso nas quais</p><p>interpretava o comportamento dos pais, o que supostamente</p><p>implicava problemas comportamentais dos filhos.</p><p>Uma de suas primeiras transformaşões ocorreu quando</p><p>Alfred Adler visitou a clínica. 0 antigo paciente de Freud e prin-</p><p>cipal rival no controle do grupo psicanalítico de Viena, sugeriu</p><p>que as histórias de caso não eram necessárias para o êxito do</p><p>tratamento. Rogers aceitou seu conselho e começou a ouvir</p><p>aquilo que seus pacientes tinham a dizer sobre suas vidas e</p><p>que significado tinham seus sentimentos.</p><p>Quando estava comeşando a praticar psicoterapia, foi</p><p>também influenciado pelas idéias de Otto Rank. Como com Ad-</p><p>ler, contato com Rank foi breve e Rogers não apreciou muito</p><p>sua teoria formal. Entretanto, é na prática da psicoterapia que</p><p>se notam muitas semelhanças entre suas opiniões e aborda-</p><p>gens.</p><p>Pode-se dizer que, com a introdução de seu livro de 1924</p><p>- The Development of Psychoanalysis - o austríaco Otto Rank e o</p><p>húngaro Sandor Ferenczi inventaram a psicoterapia. Estudan-</p><p>tes e colegas favoritos de Freud, estavam menos preocupados</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>em analisar do que em ajudar os pacientes. Defendiam uma</p><p>terapia breve, ativa, intensa, focalizada no presente, em vez</p><p>do passado e na emoção, em vez da compreensão intelectual.</p><p>Recomendavam o estabelecimento de uma data final para o</p><p>tratamento; introduziram a noção de que pode haver reaşões</p><p>pessoais legítimas por parte do paciente ao terapeuta, que não</p><p>sejam meramente transferências do passado; e sugeriram não</p><p>ocultar do paciente os verdadeiros sentimentos do terapeuta.</p><p>As duas grandes correntes da Psicologia, depois da pri-</p><p>meira Grande Guerra, foram a Psicanálise e o Behaviorismo.</p><p>Uma atribuía a causa do comportamento a conflitos internos;</p><p>outra, ao condicionamento pelo ambiente externo. Ate os dias</p><p>de hoje, elas continuam a conviver, em função de seu ponto co-</p><p>mum, como sugere Lieberman (1985), “a focalização no passa-</p><p>do c o desprezo pela vontade”. Rank insistia em que, “para po-</p><p>der alegar que o controle e a previsão eram possíveis, tinha-se</p><p>que negar a vontade do indivíduo, sua instabilidade emocional</p><p>e o amplo papel que o acaso desempenha na esfera de</p><p>nossa</p><p>vida física, ainda mais do que em nossa vida cósmica” (TAFT,</p><p>1958). Ao insistia em que a escolha é também um fator no de-</p><p>senvolvimento humano, ele estava contribuindo para fundar a</p><p>psicologia humanística.</p><p>A vontade, enfatizada por Rank, era otimista. Ele acredi-</p><p>tava no valor de seus pacientes e trabalhava incansavelmente,</p><p>“não com a idéia de descobrir coisas novas sobre o comporta-</p><p>mento humano através de um paciente, mas somente para aju-</p><p>dá-lo a caminhar com seus próprios pés (LIEBERMAN, 1985).</p><p>(1) Um paciente relatou que “com Rank não havia dogma...</p><p>Nada era imposto a você. Rank não estava procurando doenşa,</p><p>não estava tentando erradicar nada. Queria que você se abrisse</p><p>e fosse como desejaria mas não se atrevia a ser”. Um estudante</p><p>em 1938 observou que na abordagem de Rank, o “próprio rela-</p><p>cionamento terapêutico é o fator de cura” (LIEBERMAN, 1985).</p><p>Rank (1966) explicou: “Para cada caso particular, não em-</p><p>prego nenhuma terapia geral ou teoria. Deixo o paciente usar</p><p>sua própria psicologia, qualquer que seja”. Anais Nin, paciente</p><p>de Rank, confirmou essa perspectiva, “Ele não estava pratican-</p><p>do cirurgia mental. Estava confiando em sua intuição, atento</p><p>para descobrir uma mulher que nenhum de nós conhecia. Um</p><p>novo espécime. Ele improvisava... “ (NIN, 1966).</p><p>Comentando a legendária permissividade de Jessie Taft,</p><p>Publicacăo da editora da Ules edufes 1 2010</p><p>173</p><p>John Keith Wood ed al. (org.)</p><p>Rank afirmou: “0 terapeuta pode fazer com um indivíduo em</p><p>particular qualquer coisa que ele (ou ela) acredite ser pertinente</p><p>ao processo e ao momento da terapia, desde que se responsa-</p><p>bilize por isso e fide cuidadosamente com o que desencadeia</p><p>no paciente” (LIEBERMAN, 1985).</p><p>Finalmente Rank desistiu de produzir para simplesmen-</p><p>te viver. Deixando de escrever por algum tempo, observou: “Já</p><p>há demasiada verdade no mundo - uma superproduşão que</p><p>aparentemente não pode ser consumida” (TAFT, 1958). James</p><p>Lieberman (1985) assim resumiu a carreira de Rank: “Libertar</p><p>a vontade humana presa ou oprimida foi a missão especial de</p><p>Rank. Ele sentia que isso só poderia ser feito com honestidade,</p><p>humor, humildade e uma vontade própria”. A vida e o trabalho</p><p>de Otto Rank deram uma resposta à epigrafe de Shakespeare</p><p>para seu primeiro livro, The Artist: “Será possível que ele deva</p><p>saber o que ele é, e ser aquilo que é?”</p><p>174</p><p>Desenvolvendo um ponto de vista próprio</p><p>Foi em dezembro de 1940, quando fez uma palestra na</p><p>Universidade de Minnesota, que Rogers começou a sentir que</p><p>sua maneira de trabalhar e pensar não era simplesmente uma</p><p>extensão ou revisão da maneira de trabalhar e pensar de outra</p><p>pessoa. Embora tivesse sido influenciado por outros, sua abor-</p><p>dagem comeşava a ser “encarada como nova, controvertida,</p><p>radical e ameaşadora”. Começou a dar-se conta do fato: “Eu</p><p>estava dizendo algo que vinha de mim, de que não estava sim-</p><p>plesmente resumindo uma tendência geral, e que estava de-</p><p>senvolvendo meu próprio ponto de vista” (ROGERS, 1970).</p><p>O título de sua palestra foi “Os mais recentes conceitos</p><p>em psicoterapia”. Essa nova abordagem, afirmou, “confia muito</p><p>mais intensamente no impulso do indivíduo em direção ao cres-</p><p>cimento, SaÚde e ajustamento. [A terapia) é uma maneira de</p><p>libertar [o cliente] para o crescimento e ajustamento normais”.</p><p>Além disso, “essa terapia enfatiza mais [...] os aspectos afetivos</p><p>da situação que os aspectos intelectuais”. E “essa nova terapia</p><p>enfatiza a situação imediata mais que o passado do indivíduo”.</p><p>Finalmente, “essa abordagem enfatiza o relacionamento tera-</p><p>pêutico em si mesmo como uma experiéncia de crescimento”.</p><p>Trinta anos mais tarde, na introdução de um livro sobre</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• ediçao</p><p>Terapia Centrada no Cliente, Rogers (1974) afirmou que essa</p><p>caracterização ainda descrevia a essência de sua terapia. Tam-</p><p>bém mencionou quatro outros elementos que acreditava esta-</p><p>rem implícitos desde o comeşo. Primeiro, “a disposişão para</p><p>mudar, a abertura para dados experienciais e de pesquisa têm</p><p>sido um dos aspectos mais característicos da Terapia Centrada</p><p>no Cliente [...]. A confianşa da pessoa que adota a perspectiva</p><p>da Terapia Centrada no Cliente não é uma confiança na verdade</p><p>já conhecida ou formulada. É uma confianşa no processo pelo</p><p>qual a verdade é vagamente percebida, testada e aproximada”.</p><p>Segundo, “outro aspecto implícito é que o terapeuta centrado</p><p>no cliente considera a pessoa interior, única e subjetiva, como</p><p>o nobre e valioso cerne da vida humana”. Um terceiro elemento</p><p>“é o reconhecimento de que a pessoa abastada de hoje está</p><p>literalmente implorando, faminta por um relacionamento huma-</p><p>no que seja profundo, real, não defensivo - uma verdadeira re-</p><p>laşão de pessoa para pessoa. Isso, eu acredito, nós ajudamos</p><p>a proporcionar desde o começo”. Finalmente, uma suposişão</p><p>implícita é que “o treinamento para quem deseja se engajar</p><p>numa relaşão de ajuda não pode ser apenas cognitivo, mas de</p><p>fato deve ser primordialmente experiencial”. Este aspecto final,</p><p>Rogers pressente que teria implicaşões na educaşão pública.</p><p>Êxito e sistemas de mudanşa na personalidade</p><p>Rogers reorganizou a maneira pela qual fora ensinado a</p><p>praticar psicoterapia e desenvolveu uma compreensão do êxito</p><p>de seu novo sistema de mudanşa na personalidade em termos</p><p>aceitáveis para a cultura norte-americana. Reorganizaşões do</p><p>conhecimento e o conseqüente desenvolvimento de tecnolo-</p><p>gias estão continuamente acontecendo. 0 padrão é o mesmo:</p><p>incontestáveis na época, muitas práticas parecem ridículas</p><p>quando vistas em retrospectiva. Na história de tratamentos mé-</p><p>dicos “bem sucedidos”, por exemplo, encontram-se médicos</p><p>respeitáveis e conceituados prescrevendo convictamente, en-</p><p>tre outras coisas: fezes de crocodilo, esperma de sapo, gordura</p><p>de eunuco, sujeira de mosca, pastilhas feitas de cobra seca,</p><p>peles, penas, cabelo, transpiração humana, óleo de formigas,</p><p>sangue e excrementos humanos e de animais, e musgo raspa-</p><p>do do crânio de uma vítima de morte violenta (SHAPIRO, 1971).</p><p>Publicacão da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>175</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>176</p><p>Em tempos não muito distantes, imersão em água fria, chicota-</p><p>das, desorientação causada nos pacientes fazendo-os girar em</p><p>todas as direções, choques elétricos, e perfuraşão dos lobos</p><p>frontais do cérebro com um perfurador de gelo foram consi-</p><p>derados tratamentos populares e "eficazes" contra desordens</p><p>psicológicas.</p><p>Embora muitos desses tratamentos fossem sem dúvi-</p><p>da prejudiciais ao paciente, alguns provavelmente facilitaram</p><p>a cura de algumas pessoas. 0s seguidores e representantes</p><p>de tais sistemas não devem ser considerados sempre charla-</p><p>tães (embora sem dúvida um certo número o fosse, como em</p><p>qualquer profissão). 0s representantes de um sistema (como</p><p>os psicoterapeutas) podem ser muito confiantes em suas pró-</p><p>prias abordagens, podem ser relutantes em aceitar novas in-</p><p>formações, podem recusar-se a rever seus conceitos, podem</p><p>defender e promover suas técnicas mesmo depois de mostra-</p><p>do serem falhas e podem tender a considerar o valor de suas</p><p>próprias teorias contestadas como superior ao das outras. Isso</p><p>pode ser atribuído a uma sórdida comercializaşão, a uma ambi-</p><p>ção desmedida, a um simples equívoco ou meramente ao êxito</p><p>inesperado. A medida que os princípios norteadores do siste-</p><p>ma desenvolvem maior complexidade e poder de convencer,</p><p>e à medida que as técnicas tornam-se mais confiáveis, até o</p><p>fundador poderia se admirar com a eficácia de seu sistema de</p><p>mudança na personalidade ou cura. 0 relato seguinte é exem-</p><p>plo de um desses tipos de êxito surpreendente e de como isso</p><p>pode produzir um defensor convicto.</p><p>Em 1930, Franz Boas publicou a biografia de Quesalid,</p><p>um índio Kwakiutl da região de Vancouver, no Canadá. Quesa-</p><p>lid, um cético que tinha</p><p>curiosidade em aprender os truques do</p><p>xamanismo a fim de desmascará-los, deixou-se doutrinar por</p><p>um xamã e foi iniciado em seu sistema. Quesalid aprendeu can-</p><p>şões sagradas, métodos de induzir o vômito, a colocação de</p><p>espiões para conseguir alguma informação sobre as doenşas</p><p>de várias pessoas. Mais que tudo, dominava a técnica: o xamã</p><p>escondia um tufo de algodão no canto de sua boca e, depois</p><p>de morder sua Iíngua para fazê-la sangrar, sugava um ponto do</p><p>corpo do paciente, cuspindo finalmente o "verme ensangüenta-</p><p>do" como uma evidência de que a infecşão tinha sido removi-</p><p>da.</p><p>Antes mesmo de Ouesalid ter completado seus estudos,</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" edição</p><p>foi chamado para tratar uma pessoa doente que tinha sonhado</p><p>com ele. Ninguém ficou mais chocado que o próprio Quesa-</p><p>lid ao constatar que o método por ele empregado tivera êxito.</p><p>Mesmo assim interpretou a cura milagrosa como resultado do</p><p>fato de o paciente ter acreditado “firmemente em seu sonho</p><p>comigo”.</p><p>Quesalid ficou ainda mais atônito quando presenciou os</p><p>métodos dos xamãs de Koskimo, uma região vizinha, que em</p><p>vez de apresentar algodões ensangüentados como evidéncia</p><p>da doença exorcizada, simplesmente cuspiam um pouco de</p><p>saliva nas palmas de suas mãos. Antecipando as disputas co-</p><p>muns sobre diferenças entre escolas rivais de psicoterapias, ele</p><p>se perguntava: “Qual é o valor de tal método? Isto não pode ser</p><p>um tratamento verdadeiro. Qual é a teoria atrás disso?” Depois,</p><p>Quesalid tratou uma mulher em quem o tratamento de Koski-</p><p>mo tinha falhado. Através de seu método, ele oferecia alguma</p><p>coisa ao paciente. Seus rivais apenas alegavam ter capturado</p><p>a doença. Não somente isso, a abordagem dele funcionou.</p><p>Tendo fortalecido sua fé na própria abordagem, comeşou a</p><p>desmascarar todos os impostores e seus “falsos métodos”,</p><p>orgulhando-se de suas façanhas e defendendo firmemente sua</p><p>prática contra todas as outras abordagens concorrentes (LEVI-</p><p>STRAUSS, 1967).</p><p>No comeşo da carreira, Rogers aplicou sua abordagem</p><p>ao tratamento de crianças problemáticas. 0 princípio de sua</p><p>terapia era proveniente de uma crença básica - que existe um</p><p>“impulso auto-suficiente em direção à saúde mental” no inte-</p><p>rior de cada pessoa. E, como Quesalid, rejeitou as formas de</p><p>tratamento da época (no caso a psicanálise). Esse princípio foi</p><p>usado para montar argumentos fortes e persuasivos contra a</p><p>psicoterapia. Argumentava que considerar o uso de lares de</p><p>adoşão, por exemplo, como inferior à psicoterapia no tratamen-</p><p>to de crianças com problemas era “ao mesmo tempo irreal e</p><p>infeliz”. Declarava, “Não devemos tender a desprezar um trata-</p><p>mento envolvendo manipulação do ambiente, se nos Iembrar-</p><p>mos do axioma fundamental sobre o qual é baseado, ou seja,</p><p>que muitas crianşas, se Ihes for dado um ambiente razoavel-</p><p>mente normal, que satisfaşa suas necessidades emocionais,</p><p>intelectuais e sociais, têm em seu interior suficiente impulso em</p><p>direção à saúde mental para responder e fazer um ajustamento</p><p>adequado à vida” (KIRSCHENBAUM, 1979, p. 75).</p><p>Publicacão da edi¢ora da Ufes • edufes | 2010</p><p>177</p><p>John Keith Wood et a/. íorg. J</p><p>178</p><p>Quando alcanşou sucesso e seu sistema de psicoterapia</p><p>evoluiu, defendeu-o contra escolas concorrentes - inclusive os</p><p>behavioristas que enfatizavam a "manipulação do ambiente".</p><p>Por exemplo, um estudante, Fred Fiedler, propôs uma pesquisa</p><p>que poderia mostrar que terapeutas experientes de diferentes</p><p>escolas eram mais parecidos entre si em sua prática de psicote-</p><p>rapia do que com aqueles menos experientes de suas próprias</p><p>escolas. Rogers, segundo Fiedler, disse que “ele não acredita-</p><p>ria nesse estudo, mesmo se o resultado confirmasse o que eu</p><p>havia dito” (KIRSCHENBAUM, 1979, p. 204).</p><p>A pesquisa de Fiedler (1950) realmente mostrou que as</p><p>práticas de terapeutas experientes, conhecidos nacionalmente,</p><p>de linhas diferentes como a Psicanálise, a Terapia Centrada no</p><p>Cliente e a Adleriana, eram mais parecidas umas com as outras</p><p>do que com as dos terapeutas menos experientes pertencentes</p><p>à mesma linha. A intervenşão ou não intervenşão do terapeuta,</p><p>sua atividade ou passividade, não impede a formação de um</p><p>born relacionamento terapêutico, no qual, entre outras coisas, o</p><p>terapeuta mais experiente permanece sensível aos sentimentos</p><p>do cliente, enquanto o menos experiente tende a divagar sobre</p><p>seus próprios interesses. 0s terapeutas experientes podiam en-</p><p>tender melhor aquilo que o cliente estava tentando comunicar</p><p>e o significado que isso tinha para ele. 0 estudo de Fiedler, em-</p><p>bora não confirmasse as crenças de Rogers, poderia apoiar sua</p><p>teoria e talvez ajudasse a despertar maior interesse no relacio-</p><p>namento terapêutico. É possível que a relutância de Rogers em</p><p>aceitar esses resultados estivesse baseada na confiança que</p><p>ele desenvolveu a partir de seu próprio êxito. Não estava tão se-</p><p>guro quanto às outras, mas sua abordagem realmente funcio-</p><p>nava. William James (1948), comentando sobre as vantagens</p><p>da perspectiva auto centrada, observou que “A ciência estaria</p><p>bem menos avanşada do que está, se os desejos apaixonados</p><p>dos indivíduos para conseguir confirmar suas próprias crenças</p><p>fossem mantidos à parte” (p.102).</p><p>Embora eficazes em seu próprio tempo, uma das razões</p><p>pelas quais os métodos de Quesalid seriam impopulares hoje</p><p>(e talvez isto possa estar se tornando verdade também em re-</p><p>lação aos métodos de Rogers), é que o xamã seria visto como</p><p>uma pessoa que não faz nada - de acordo com a perspectiva</p><p>determinada pelos valores culturais vigentes. Entretanto, num</p><p>exame mais acurado, pode-se notar que "não fazer nada” tam-</p><p>Abordagem CenCrada na Pessoa | 5" edişao</p><p>bém pode funcionar muito bem para os modernos norte-ame-</p><p>ricanos, quando o ritual eventualmente está em conformidade</p><p>com suas crenças e expectativas atuais.</p><p>Considerem a seguinte pesquisa feita nos Estados Uni-</p><p>dos, em que todos os pacientes foram preparados exatamente</p><p>da mesma maneira para uma cirurgia destinada a aliviar angina</p><p>pectoris. No momento em que a operação deveria começar, o</p><p>cirurgião recebia instruções para, em alguns casos, fazer uma</p><p>operação real; em outros, uma simulaşão. Nos casos simula-</p><p>dos, o tórax era aberto e, sem se fazer mais nada, era fechado.</p><p>Na operação real, era seguido o procedimento considerado</p><p>curativo na época: o tórax era aberto, uma artéria ligada e nova-</p><p>mente fechada. Chegou-se à conclusão de que a cirurgia simu-</p><p>lada fora igual à cirurgia padrão (ou “verdadeira”) na reduşao</p><p>dos sintomas (BEECHER, 1961; COBB, et al., 1959; DIMOND,</p><p>et al. 1958, 1960).</p><p>Em comum com as práticas dos curandeiros de outras</p><p>épocas e culturas, havia no caso um procedimento complexo</p><p>e confiável, envolvendo não somente personalidades carismá-</p><p>ticas, mas também lugares de grande reputaşão - se não das</p><p>proporşões de uma catedral, pelo menos um local de silêncio</p><p>meditativo -, instrumentos cuidadosamente fabricados com ma-</p><p>teriais raros e caros, análises decifradas somente por mestres,</p><p>práticas cuidadosas de assepsia, aprendizes treinados com</p><p>precisão, que deveriam provar sua devoşão à sagrada doutrina,</p><p>que, se não secreta, é praticamente inacessível aos leigos. Um</p><p>ritual poderoso é conduzido dentro das possibilidades cultu-</p><p>rais, um ritual que tanto o médico quanto o paciente acreditam</p><p>deva ser desempenhado para que a cura ocorra. (2)</p><p>Ambiente Cultural</p><p>Cultura, aqui, diz respeito a um padrão consensual de</p><p>comportamento, pensamento, sentimento e crenşa partilhada</p><p>com outros, num grupo específico. Como Kluckhohn (1948) ob-</p><p>servou, “é um dos fatores importantes que nos permitem viver</p><p>juntos numa sociedade organizada, dando-nos soluções pron-</p><p>tas para nossos problemas, ajudando-nos a predizer o com-</p><p>portamento dos outros e permitindo aos outros saber o que</p><p>esperar de nós” (p. 27). Quando revê seus valores e comporta-</p><p>mentos, o indivíduo está revendo a cultura.</p><p>Publicacão</p><p>da edi¢ora da Ules • edufes 1 2010</p><p>179</p><p>John Keith Wood et al. torg. J</p><p>A Terapia Centrada no Cliente se desenvolveu em grande</p><p>parte como resposta a uma cultura específica e respondeu às</p><p>necessidades particulares de seus indivíduos. Essa ênfase so-</p><p>bre o individualismo foi favorecida por um valor enunciado por</p><p>Ralph Waldo Emerson (1929) e também se tornou um princípio</p><p>dominante no sistema da Terapia Centrada no Cliente: “Acredi-</p><p>tar em seu próprio pensamento, acreditar que aquilo que é ver-</p><p>dadeiro para você, no fundo do seu coração, é verdadeiro para</p><p>todos os homens — é genial [...]. 0 homem deveria aprender a</p><p>descobrir e observar esse raio de luz que lampeja através de</p><p>sua mente, vindo de dentro, mais do que o brilho do firmamento</p><p>dos poetas e sábios”.</p><p>Van Belle (1980) sugere que Rogers começou a praticar</p><p>psicoterapia quando um importante valor cultural pôde ser ex-</p><p>presso em termos de: “O indivíduo deve libertar a sociedade”. A</p><p>Terapia Centrada no Cliente respondeu a “uma idéia cujo tempo</p><p>tinha chegado”, ou à necessidade de uma correção, promoven-</p><p>do o valor contrário do que dizia: que a “sociedade deve libertar</p><p>o indivíduo”. Foi uma mudança na esfera da moralidade: em</p><p>80 vez de ajudar um ao outro, era agora enfatizado que cada um</p><p>devia ser ele mesmo. A cultura tinha elementos para justificar</p><p>essa mudança de valores. Por volta de 1859, John Stuart Mill</p><p>propôs que a pessoa que mais valoriza a si tern mais valor para</p><p>os outros.</p><p>Valores opostos podem coexistir ou entrar em conflito.</p><p>Por exemplo, no final de 1980, a insisténcia sobre um exclusivo</p><p>“direito à vida” separou um segmento da população dos Esta-</p><p>dos Unidos de outro segmento, cujos membros insistiam na</p><p>“liberdade de escolha”. Cada valor gerou um movimento radi-</p><p>cal, inclinado a destruir o valor oponente. Embora tenham sido</p><p>levados a se confrontar pelas duas facções combatentes, de</p><p>acordo com as pesquisas de opinião, num ponto significativo</p><p>da luta, o cidadão comum provavelmente continuava endos-</p><p>sando a ambos os valores, não a um mais que outro. Assim,</p><p>dois valores que a cultura tinha acomodado foram postos em</p><p>confronto por dois grupos oponentes, formados de verdadeiros</p><p>crentes. (3)</p><p>Um sistema de mudanşa na personalidade pode também</p><p>incorporar ambas as crenşas, as aceitas e as marginalizadas,</p><p>que podem também ser contraditórias em certos contextos. Ao</p><p>contrário das leis da sociedade, os sistemas de mudança na</p><p>Abordagem Cencrada na Pessoa | 5• edição</p><p>personalidade aceitam com mais facilidade o comportamento</p><p>real de uma pessoa, embora sejam mais exigentes quanto à</p><p>sua condição ideal. Assim, uma pessoa socialmente discordan-</p><p>te pode ser aceita pelo sistema como alguém que é capaz de</p><p>se reformular internamente, de modo a adotar os princípios do</p><p>sistema, conformando-se a eles.</p><p>Ao “colocar maior ênfase” no aspecto dos sentimentos,</p><p>a Terapia Centrada no Cliente se comprometeu com uma ati-</p><p>vidade que ainda estava para ser aceita na sociedade. Nesse</p><p>sentido ela se desviou da corrente principal do comportamento</p><p>social. Ao mesmo tempo, a intimidade entre terapeuta e clien-</p><p>te expressava um aspecto especial da cultura, que poderia já</p><p>estar sendo alterado. A Terapia Centrada no Cliente, em cer-</p><p>to sentido, foi também um agente dessa mudança. Na Terapia</p><p>Centrada no Cliente, “a seleşão, a ênfase, e a valorização posi-</p><p>tiva de certos aspectos da realidade humana”, segundo reco-</p><p>nheceu Barton (1971), “chegaram a ter um peso fundamental e</p><p>verdadeiro para outros”. Assim, a Terapia Centrada no Cliente</p><p>tornou-se uma “forma especial do processo cultural geral”. (4)</p><p>Na América do Norte de hoje, alguns dos valores compartilha-</p><p>dos pelos terapeutas centrados no cliente, bem ou mal, incluem</p><p>um respeito pela singularidade e valor do indivíduo, o direito de</p><p>ser quem se deseja ser e de desenvolver suas potencialidades,</p><p>o direito a um tratamento igual pelas autoridades e as mesmas</p><p>oportunidades de prosperidade para todos. Também são valo-</p><p>rizados: uma participaşão ativa no trabalho para alcançar seus</p><p>objetivos e poder reivindicar seus direitos, confianşa no futuro e</p><p>numa vida melhor e a crenşa de que os problemas podem ser</p><p>resolvidos através do esforço, da concentração e da introspec-</p><p>ção. Ainda que, de acordo com esses valores, os outros devam</p><p>ser ajudados para ajudarem a si mesmos, paradoxalmente,</p><p>uma pessoa não é obrigada a ajudar a sociedade, a trabalhar</p><p>por seus objetivos, nem se sujeitar a suas formalidades. (Este</p><p>último valor pode estar mudando, na medida em que a Abor-</p><p>dagem Centrada na Pessoa está sendo aplicada a um contexto</p><p>mais amplo.) (5)</p><p>0 terapeuta centrado no cliente também representa ho-</p><p>nestidade, integridade, tranqüilidade, forşa, e o constante ques-</p><p>tionamento: “Estou vivendo de uma maneira que me é profun-</p><p>damente satisfatória, e que verdadeiramente exprime o que</p><p>sou?” (ROGERS, 1961a).</p><p>Publicacăo da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>181</p><p>John Keith Wood et a/. (org.</p><p>Muito do que sabemos sobre Terapia Centrada no Clien-</p><p>te veio de observações clínicas e análise de pesquisas base-</p><p>adas em entrevistas entre um psicólogo clínico (com atitudes</p><p>de aceitação genuína e não julgadora, e intenşões de ajudar</p><p>através da compreensão e apoio) e um cliente (ansioso devido</p><p>a uma incongruência entre seu autoconceito e sua experiência</p><p>organísmica real). (6) O ritual chamado "psicoterapia" aconte-</p><p>cia numa sala de aconselhamento da universidade e era deter-</p><p>minado pelas crenças companilhadas, hábitos de pensamento</p><p>e convenşões sociais existentes no meio-oeste dos Estados</p><p>Unidos nos anos cinqüenta. A habilidade dos participantes em</p><p>alcançar um estado especial de consciência chamado "com-</p><p>preensão empática" resultava em sucesso. 0 objetivo era me-</p><p>lhorar o autoconceito do cliente. (7)</p><p>INSIGHT SOBRE A NATUREZA HUMANA</p><p>1B2 As "idéias equivocadas" de Rogers como "permissivida-</p><p>de" e "não diretividade" têm sido relativamente fáceis de serem</p><p>postas de lado. Mas (parafraseando a observação de Ernest</p><p>Becker (1973) sobre o pensamento de Freud) o problema tern</p><p>sido esses "insights brilhantemente verdadeiros, apresentados</p><p>de tal maneira que mostram um único lado da realidade".</p><p>À medida que os pressupostos básicos da Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa começaram a ser enunciados e aproveita-</p><p>dos em várias atividades fora da Terapia Centrada no Cliente, o</p><p>debate sobre esses princípios e suas conseqüências ampliou-</p><p>se. Rogers e B. F. Skinner, por exemplo, debateram a questão</p><p>do livre arbítrio; enquanto Rogers e Rollo May discordavam</p><p>quanto à natureza essencial do homem como sendo boa ou</p><p>má. As discussões de Rogers com verdadeiros teólogos, como</p><p>Paul Tíllich, suscitaram pouco interesse.</p><p>As divergéncias entre Rogers e Skinner sobre determi-</p><p>nismo acabaram finalmente em impasse. Em 1962, Rogers</p><p>concluiu: “Concordo totalmente com o Dr. Skinner em que, se-</p><p>gundo uma perspectiva científica externa e objetiva, o homem</p><p>é determinado por suas influências genéticas e culturais. Tam-</p><p>bém digo que, numa dimensão completamente diferente, coi-</p><p>sas como liberdade e escolha são extremamente verdadeiras.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5“ ediçăo</p><p>Então, para mim, esta é uma dimensão completamente distinta,</p><p>que não é facilmente conciliável com o ponto de vista determi-</p><p>nista. Considero esta situação similar à que acontece na Física,</p><p>onde você pode provar que a teoria ondulatória de luz é apoia-</p><p>da pela evidência, assim como a teoria corpuscular. As duas</p><p>são contraditórias. No presente estágio do conhecimento elas</p><p>não são conciliáveis, mas penso que seria estreitar a percepşão</p><p>da Física negar uma dessas teorias e aceitar apenas a outra. E</p><p>é nesse mesmo sentido [...] que encaro essas duas dimensões</p><p>como sendo ambas reais, embora guardem entre si uma rela-</p><p>ção paradoxal" (KIRSCHENBAUM, 1979, p. 268-269). Não é tão</p><p>simples assim, mas apesar de tudo é facilmente</p><p>compreensível:</p><p>somos determinados pela cultura e livres para escolher; portan-</p><p>to, em contrapartida, também determinando a cultura.</p><p>Se essa compreensão tivesse sido incluída no sistema</p><p>de mudanşa na personalidade proposto por Rogers, quem po-</p><p>deria criticar a Terapia Centrada no Cliente? Um indivíduo ama-</p><p>durecido se responsabilizaria por sua contribuişão à existência</p><p>de instituições ineficientes, costumes limitadores, lideranşa, tra-</p><p>balho e ensino incompetentes e outros aspectos da sociedade,</p><p>prejudiciais às pessoas. Da mesma forma, seria legítimo espe-</p><p>rar que se empenhasse em melhorá-los.</p><p>0 sociólogo Ernest Becker (1969) descreve as conse-</p><p>qüéncias de não se assumir essa responsabilidade individual.</p><p>“Quando os homens deixam de atuar individual e intencional-</p><p>mente, com base em seu poder pessoal e responsável”, ele</p><p>afirma, “o mal” começa a aparecer na base de um desenvol-</p><p>vimento evolutivo real: o homem é o animal da natureza que,</p><p>por excelência, pode criar vastas estruturas de poder por meio</p><p>de sua manipulação simbólica do mundo da energia... Eis aí</p><p>um animal cujos meios de criar poder são tais que põe em xe-</p><p>que a sua própria liberdade de desenvolvimento... A saída para</p><p>superar esse paradoxo é que o homem é (também) o único</p><p>animal, criado pela evoluşão, que pode usar o seu poder para</p><p>promover a liberaşão dos indivíduos da contínua repressão dos</p><p>grupos” (p. 110-112). Assim, o poder pessoal, responsável, dos</p><p>indivíduos, pode favorecer tanto a acomodação quanto a redu-</p><p>ção do mal na cultura - dependendo em parte da consciência</p><p>que o indivíduo tenha das conseqüências coletivas dos atos</p><p>individuais. Embora a Terapia Centrada no Cliente tenha silen-</p><p>ciado a esse respeito, a Abordagem Centrada na Pessoa se</p><p>PubtcaęăodaeŒtora da U0es.eduCes l 2O1O</p><p>183</p><p>John Keith Wood e¢ a/. (org.)</p><p>interessou por isso (ROGERS; e RYBACK, 1984).</p><p>May (1982) censurou Rogers por ele sustentar a Liberda-</p><p>de soberana do indivíduo e depois criticar a sociedade pelas</p><p>desgraşas individuais. Rogers declarou: “São as influências</p><p>culturais que representam o fator mais importante nos compor-</p><p>tamentos destrutivos (...]. Assim, considero os membros da es-</p><p>pécie humana [...] como essencialmente construtivos em sua</p><p>natureza fundamental, mas prejudicados por sua experiência”</p><p>(ROGERS, 1981). (8)</p><p>“Mas quem constrói essa cultura senão exatamente pes-</p><p>soas como você e eu?” May (1982) replica. “Não existe self ex-</p><p>ceto na interaşão com a cultura, e não existe cultura que não</p><p>seja feita de selves”. Isso o levou a concluir: “Eu afirmo que o</p><p>mal em nossa cultura é também o reflexo do mal em nós mes-</p><p>mos e vice-versa”.</p><p>Aparentemente, May assumiu uma perspectiva global,</p><p>como essa de civilização. As visões de uma pessoa sobre tem-</p><p>po e espaço, certo e errado, sobre o objetivo da vida, autorida-</p><p>de, liberdade, esperanşa, a origem de seu orgulho e preocupa-</p><p>84 ção, seus medos, suas relações com os outros, maneiras de</p><p>lidar com a incerteza, valores, crenças compatíveis com as de</p><p>outros membros da sociedade - são assimiladas de uma cultura</p><p>que não foi formada necessariamente por ela mesma, mas por</p><p>outros antes dela. Por sua vez, ela passará a contribuir para a</p><p>sociedade que influenciará seus netos.</p><p>Ao declarar sua opinião sobre a sociedade, Rogers ex-</p><p>pressa a perspectiva do indivíduo. Ele estava sem dúvida extra-</p><p>polando daquilo que tinha aprendido na prática da psicotera-</p><p>pia, quando se colocava na perspectiva do cliente. 0s clientes</p><p>freqüentemente acham que a sociedade deve ser culpada por</p><p>seus problemas. E para descobrir o que desejariam realmente</p><p>ser e o que desejariam fazer na vida, teriam que rejeitar tempo-</p><p>rariamente a autoridade e os valores dos pais e da sociedade.</p><p>Fartos de serem controlados por outros, não queriam ouvir falar</p><p>de “responsabilidade”. Queriam liberdade.</p><p>Assim, a afirmação de Rogers de que as influéncias cul-</p><p>turais prejudicam os clientes, pode não somente representar a</p><p>realidade inicial do cliente, mas até ser uma hipótese perfeita-</p><p>mente condizente com a prática dos estágios iniciais da Terapia</p><p>Centrada no Cliente. Contudo, tal ênfase sobre o self pessoal</p><p>enquanto realidade exclusiva não proporcionou uma perspec-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edişão</p><p>tiva suficientemente ampla, com a qual seja possível compre-</p><p>ender grupos de indivíduos e demais fenômenos que, por sua</p><p>natureza, envolvam outras realidades.</p><p>Certamente, muitos debates como esse entre Rogers e</p><p>May podem também ter servido para satisfazer outros motivos</p><p>além do mero esclarecimento. A noşão do “daimon” propos-</p><p>ta por May ilustra a sua posição sobre a natureza humana:</p><p>“0 daimon é o ímpeto em cada ser para se afirmar, impor-se,</p><p>perpetuar-se e crescer”. Isso não difere substancialmente do</p><p>conceito de Rogers da “tendéncia atualizante”. Assim, poderia</p><p>parecer que princípios naturais não estivessem em discussão.</p><p>Ate mesmo o idealismo - como a pessoa deveria ser - não pa-</p><p>recia ser a questão, uma vez que ambos defendiam uma Psico-</p><p>logia Humanista. 0 ponto crucial do desacordo parece ter sido</p><p>como o comportamento humano deveria ser interpretado, ou</p><p>talvez mais precisamente, como deveria ser visto. Talvez eles</p><p>tivessem acolhido a preocupação de Helvetius que acreditava</p><p>que qualidades humanas como bondade ou maldade, quando</p><p>encorajadas numa pessoa, se converteriam em conduta. Este</p><p>é um tipo de debate em torno da influência do pensamento so-</p><p>bre a conduta: as pessoas são boas; elas se tornam boas. As</p><p>pessoas não são totalmente boas, mas podem se tornar me-</p><p>Ihores; e assim se dá. A ênfase certa sobre o ponto de vista</p><p>certo poderia propiciar o desenvolvimento de seres humanos</p><p>aperfeiçoados e uma cultura aperteiçoada. 0 problema era que</p><p>eles discordavam quanto ao que seria esse ponto de vista “cor-</p><p>reto”.</p><p>Individualismo</p><p>A Terapia Centrada no Cliente tern enfatizado o individuo,</p><p>seu mundo subjetivo, a manutenşão e desenvolvimento de seu</p><p>organismo. Buber (1960) foi muito crítico quanto à Terapia Cen-</p><p>trada no Cliente devido à possibilidade de se produzirem indi-</p><p>víduos e não pessoas. Ele disse: “Tenho vários exemplos de</p><p>homens que se tornaram muito, muito individualizados, muito</p><p>distintos dos outros, muito desenvolvidos nessa ou naquela pe-</p><p>culiaridade, sem se tornarem de Korma alguma naquilo que eu</p><p>gostaria de chamar um homem”. Barton (1971), em sua análise</p><p>fenomenológica da Terapia Centrada no Cliente, confirmou em</p><p>parte os temores de Buber, de que “tanto o terapeuta como o</p><p>Publicasao da edicora da Ules • edutes I ^ ^O</p><p>185</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>186</p><p>cliente tornam-se presas de um falso individualismo e de uma</p><p>falsa individualidade pois não reconhecem a constituição cul-</p><p>tural do self. Imaginando que o self seja um self em-si-mesmo,</p><p>independente de outros, uma força de auto-atualização fora da</p><p>cultura, eles só podem avaliar negativamente a cultura, como</p><p>uma interferência no self. O terapeuta, então, cego para sua</p><p>própria história, geralmente um americano individualista, de</p><p>tendências democráticas, fomenta individualismo no outro,</p><p>uma idéia de não-dependência do self, o que é profundamente</p><p>falso, mesmo em termos do modo como o self organísmico de</p><p>fato se desenvolveu na teoria“.</p><p>Assim, a Terapia Centrada no Cliente tem ajudado as</p><p>pessoas a se tornarem conscientes de si mesmas, como indiví-</p><p>duos únicos. Contudo, não as tem ajudado significativamente a</p><p>compreender que também não são únicas, nas palavras do ro-</p><p>mancista Joseph Conrad: “Não o produto do excepcional mas</p><p>do geral - da normalidade do seu tempo, raça e lugar”. Não</p><p>foi possível mostrar como resultado da Terapia Centrada no</p><p>Cliente, que os clientes tenham se tornado mais respeitosos e</p><p>aceitadores em relação aos outros (GORDON e CARTWRIGHT,</p><p>1954). Entretanto, em pequenos grupos centrados na pessoa é</p><p>provável</p><p>que a experiência resulte em maior compreensão dos</p><p>outros (TAUSCH, 1983).</p><p>Grupos que funcionam eficazmente revelam a necessida-</p><p>de de não apenas melhorar uma pessoa às custas de outras,</p><p>mas melhorar muitas pessoas e também melhorar sua eficácia</p><p>em produzirem algo juntas, talvez até mesmo em aumentarem</p><p>as chances de sobrevivência. Que lugar ocupariam, nas teorias</p><p>que podem se desenvolver a partir da Abordagem Centrada na</p><p>Pessoa, as ações que náo “melhoram” ou “mantém” o organis-</p><p>mo, mas no entanto melhoram e mantêm o grupo*.</p><p>Não muito tempo atrás, um jato da Air Florida, ao tentar</p><p>decolar com as asas cobertas de gelo, durante uma tempesta-</p><p>de de neve em Washington, D.C., chocou-se com uma ponte</p><p>sobre o Rio Potamac. Enquanto a aeronave avariada submergia</p><p>lentamente nas águas geladas, várias pessoas foram salvas por</p><p>um passageiro que estava sacrificando a própria vida.</p><p>Onde esse ato de altruísmo - sacrificar-se por outros - se</p><p>encaixa na hipótese da tendência auto-atualizante? Essa ques-</p><p>tão apresenta algumas dificuldades, não só para a teoria da</p><p>Terapia Centrada no Cliente mas também para a teoria da evo-</p><p>Abordagem CenCrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>luşão, segundo a qual a presente espécie evoluiu por meio de</p><p>um processo de seleşão natural dos indivíduos mais adaptados</p><p>às condições existentes. Se os membros mais altruístas da es-</p><p>pécie estiveram dispostos a se sacrificar pelos outros, então</p><p>seus genes estarão perdidos e o egoísmo será o traşo sele-</p><p>cionado. Contudo o altruísmo subsiste. Como se explica esse</p><p>paradoxo?</p><p>Alguns se recusam a acreditar que indivíduos ponham o</p><p>grupo antes de si mesmos. 0 biólogo Paul Ehrlich (1986), por</p><p>exemplo, argumenta que “certos comportamentos, favoráveis</p><p>para o grupo, serão selecionados negativamente no nível indivi-</p><p>dual se aqueles que os desempenharem tiverem mais probabili-</p><p>dade de perecer do que os que näo o façam” (p. 95). Essa visão</p><p>parece ter vários contra-exemplos. Soldados e muitos outros,</p><p>altruístas ou näo, optam por comportamentos que os tornam</p><p>mais susceptíveis de morrer do que aqueles que não optam</p><p>por tal comportamento. A filósofa Mary Midgley (1978) observa</p><p>que a invenşão de maneiras pelas quais comportamentos altru-</p><p>ístas “podem parecer beneficiar o próprio agente surge somen-</p><p>te para os egoístas, porque somente eles estipularam que têm</p><p>que ser assim para que eles ajam” (p. I29).</p><p>Ronald Cohen (1972), um antropólogo que estuda os Ka-</p><p>nuri na África, descobriu que naquela cultura um indivíduo não</p><p>será valorizado se for “somente uma pessoa, sem conexöes,</p><p>sem um grupo que se responsabilize por ele, caso faşa algo</p><p>errado (p .54)”. Cohen conclui que “altruísmo, portanto, năo é</p><p>organísmico, pelo contrário, se origina como aprendizado em</p><p>resposta às normas socioculturais no ambiente de uma pes-</p><p>soa”.</p><p>187</p><p>Muitos outros, inclusive psicólogos (CAMPBELL, 1965,</p><p>1972), tiveram algo a dizer sobre o assunto. Nenhum acres-</p><p>centou muito à própria sugestão de Charles Darwin, segundo a</p><p>qual o selecionar indivíduos altruístas provê a subsistència do</p><p>grupo. Grupos em que haja pessoas dispostas a morrer pelo</p><p>grupo (ou a colocar de lado seus objetivos pessoais),irão so-</p><p>breviver; grupos sem tais indivíduos, não.</p><p>Imaginar-se único, com pensamentos e sentimentos es-</p><p>peciais, pode contribuir para o individualismo, mas nem sempre</p><p>concorda com a realidade. 0 resultado surpreendente de uma</p><p>pesquisa envolvendo 200 universitários, de ambos os sexos,</p><p>mostrou: a qualidade “exclusiva”, que os indivíduos julgavam</p><p>Publicaçao da editora da Ules • edufes | 2010</p><p>John Keich Wood et a/. Worg.)</p><p>distingui-los dos outros era, de fato, o que cada qual mais tinha</p><p>em comum com os demais. 0s homens achavam que as visões</p><p>não religiosas os distinguiam dos outros. As mulheres pensa-</p><p>vam que o que as caracterizava como diferentes eram certas</p><p>atitudes liberais em relaşão ao sexo (BRANDT e FROMKIN,</p><p>1974).</p><p>l88|</p><p>Além disso, a importância de manter uma ilusão de ser</p><p>único foi ilustrada por pesquisas que descobriram que indivídu-</p><p>os começarão a mudar o que acreditam ser uma visão pesso-</p><p>al quando Ihes for mostrado que suas atitudes (anteriormente</p><p>imaginadas únicas), são de fato partilhadas por seus colegas</p><p>(SNYDER e FROMKIN, 1980).</p><p>0 que tern sido freqüentemente esquecido no fascínio</p><p>que a Terapia Centrada no Cliente dedica ao indivíduo é que</p><p>Emerson (1929), em seu conselho (que sem dúvida faz par-</p><p>te da Abordagem Centrada na Pessoa), não incita somente “a</p><p>confiar em si mesmo: cada coraşão vibra com essa corda de</p><p>ferro”, mas também “a aceitar o lugar que a providência divina</p><p>encontrou para você, a sociedade de seus contemporâneos, a</p><p>conexão dos eventos”.</p><p>Self</p><p>0 reforşo dos costumes e a manutenşão do status quo</p><p>da sociedade são sem dúvida endossados pela preocupação</p><p>de cada um consigo mesmo, a exclusão dos outros. Nem bem</p><p>se libertou da estreiteza de idéias, dos preconceitos e da lou-</p><p>cura de massa da geraşão anterior, e uma geraşão já começa</p><p>a oprimir a seguinte com sua própria singularidade. Como Ber-</p><p>trand Russell (1917) observou, cada geraşão acredita que essa</p><p>dificuldade é coisa do passado, mas cada geraşão é tolerante</p><p>apenas com as inovaşões passadas. Inovaşões de sua própria</p><p>época sofrem a mesma perseguişão, como se nunca se tivesse</p><p>ouvido falar no princípio de tolerância!</p><p>Conceber o self apenas com esse sentido de singularida-</p><p>de não é muito confiável. Uma pessoa pode ser autônoma um</p><p>momento e no momento seguinte transcender completamente</p><p>o self, através de um intenso envolvimento com outros. Nos-</p><p>sos pensamentos e sentimentos estão intimamente conectados</p><p>àqueles à nossa volta. Todos sabemos que falamos de maneira</p><p>diferente com pessoas diferentes, expressamos emoşões diver-</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>sas a partir de ângulos variados; todos representam a “verda-</p><p>de”, mas de uma faceta diferente. Uma pessoa pode exprimir</p><p>sentimentos ou opiniões fortes, mas selecionados, podendo</p><p>mesmo ser constituídos de maneira diferente, conforme se diri-</p><p>jam às colegas de trabalho, ao chefe, à esposa ou ao amante,</p><p>aos pais, às crianças, aos vizinhos ou a estranhos. Alguma parti-</p><p>cularidade da história emerge, ou é colorida de modo diferente,</p><p>apropriado à percepção que se têm da relação, à receptividade</p><p>da outra pessoa, ao momento, a nosso próprio interesse e ao</p><p>do outro, à habilidade do ouvinte em compreender. A rede de</p><p>pensamentos, sentimentos, opiniões, conceitos, valores; a co-</p><p>nexão biológica entre as pessoas influenciam a maneira como</p><p>uma pessoa se expressa. Na verdade, esta é uma observação</p><p>tão comum que William James (1890) declarou: “Para dizer a</p><p>verdade, um homem tem tantos selves sociais quanto há pes-</p><p>soas que o reconheçam e tenham dele uma imagem em suas</p><p>mentes”.</p><p>Não é somente o “self social” que é inconsistente, o “self</p><p>pessoal” também o é. O escritor Logan Pearsall Smith (1934)</p><p>descreveu sucintamente essa observação: “Eu olho para meu</p><p>casaco e meu chapéu pendurados no hall, com segurança;</p><p>porque, embora eu saia hoje com uma individualidade, quan-</p><p>do ontem tinha outra completamente diferente, minhas roupas</p><p>guardam meus vários selves abotoados juntos, e permitem que</p><p>todos esses agregados de fenômenos psicológicos, de outra</p><p>maneira inconciliáveis, passem por uma só pessoa”.</p><p>Freqüentemente não podemos sequer controlar a nós</p><p>mesmos. Considerem o seguinte experimento: Oito homens e</p><p>quatro mulheres, entre 18 e 50 anos de idade, foram divididos</p><p>em quatro grupos de três pessoas. O psicólogo Ralph Hefferli-</p><p>ne e seus colegas (1959) da Universidade de Colúmbia fixaram</p><p>conjuntos de eletrodos (de registro) em todos os participantes.</p><p>Os membros do primeiro grupo foram informados de que se</p><p>tratava de um estudo dos efeitos de um ruído, superposto à mú-</p><p>sica, sobre a tensão corporal. Foram instruídos a apenas ouvir a</p><p>música através de fones de ouvido.</p><p>Ao segundo</p><p>grupo, foi dito que um movimento muscular</p><p>invisível controlaria o ruído. Eles teriam que ouvir a música, ten-</p><p>tando descobrir e usar a resposta muscular. O terceiro grupo foi</p><p>informado de que a resposta efetiva para controlar o ruído era</p><p>uma pequena contração do polegar esquerdo (o que era ver-</p><p>Publicacão da editora da Ufes edufes | 2Q1O</p><p>1B9</p><p>John KeiCh Wood ec al. (org. J</p><p>dade). 0 quarto grupo era igual ao terceiro, mas seus membros</p><p>dispunham também de uma medida pela qual poderiam ver os</p><p>resultados de suas respostas.</p><p>A música comeşava a tocar e um desagradável zumbido</p><p>de 60 ciclos era superposto a ela. Sempre que o pesquisador</p><p>percebia, através do instrumento eletrónico, uma contração de</p><p>polegar, ele desligava o barulho por 15 segundos. Se o ruído já</p><p>estivesse desligado quando o polegar se contraía, o ruído era</p><p>suprimido por mais 15 segundos.</p><p>Com exceção de duas pessoas no terceiro grupo, todos</p><p>os outros foram treinados para contrair o polegar esquerdo. Es-</p><p>ses dois estavam tão ocupados contraindo os polegares, ten-</p><p>tando fazer alguma coisa acontecer, que nada aconteceu.</p><p>0s membros do primeiro grupo acreditavam que tinham</p><p>sido expostos passivamente à música e ficaram admirados de</p><p>que tivessem de fato controlado a freqüência do ruído.</p><p>Dois membros do segundo grupo desistiram de procu-</p><p>rar uma resposta, tornaram-se passivos e permitiram que o</p><p>condicionamento se instalasse. 0 terceiro membro afirmou ter</p><p>9õ descoberto um complexo movimento ritualístico para controlar</p><p>o ruído. 0 procedimento consistia em movimentos de remar</p><p>com as duas mãos, fazendo torções infinitesimais com os dois</p><p>tornozelos, ligeira movimentação do maxilar para a esquerda,</p><p>expirar e depois, esperar. Provavelmente, no intervalo, o pole-</p><p>gar se contraía. Qualquer que fosse o caso, demonstrou-se a</p><p>persistência do ritual nas atividades humanas. Sabemos que</p><p>tentar fazer o bem algumas vezes resulta em dano. Mas esse</p><p>exemplo mostra que ações certas também podem advir de in-</p><p>tenşões erradas. Ambas as observaçöes são relevantes para a</p><p>prática da psicoterapia.</p><p>No terceiro grupo, o único membro que foi condicionado</p><p>não entendeu as instruçöes e perdeu seu tempo aumentando</p><p>gradualmente a pressão do polegar sobre um interruptor imagi-</p><p>nário.</p><p>Ernest Hilgard (1977), da Universidade de Stanford, des-</p><p>cobriu um meio de se comunicar diretamente com o self que</p><p>controla algumas dessas funções ocultas. 0 aspecto do self</p><p>que Hilgard contactou foi chamado o “observador oculto".</p><p>Numa demonstração de surdez hipnótica, Hilgard hipno-</p><p>tizou um estudante cego, a quem deu a sugestão de que ele fi-</p><p>caria completamente surdo a todos os sons. Blocos de madeira</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5a ediçao</p><p>foram batidos junto aos ouvidos do homem. Não houve reação.</p><p>Foram também disparados cartuchos de uma pistola de festim,</p><p>como fora feito numa demonstração anterior. 0 homem não</p><p>mostrou nenhum sinal de retração.</p><p>Uma vez que seus ouvidos funcionavam perfeitamente</p><p>bem, outro estudante perguntou se não haveria alguma "parte”</p><p>da pessoa que estivesse "consciente" do que estava aconte-</p><p>cendo. Para testar essa hipótese, Hilgard sugeriu ao hipnoti-</p><p>zado, numa voz serena: “Como você sabe, existem partes de</p><p>nosso sistema nervoso que exercem atividades que ocorrem</p><p>independente de nossa atenção consciente, das quais as mais</p><p>familiares são o controle e a circulaşão do sangue ou os pro-</p><p>cessos digestivos... Embora você esteja hipnoticamente surdo,</p><p>talvez haja alguma parte sua que esteja ouvindo minha voz</p><p>e processando a informação. Se assim for, eu gostaria que o</p><p>dedo indicador de sua mäo direita se levantasse em sinal de</p><p>que é esse o caso”.</p><p>Para surpresa geral o dedo se levantou.</p><p>0 hipnotizado então espantou ainda mais os presentes</p><p>ao dizer: “Por favor, restitua a minha audição para que você</p><p>possa me dizer o que fez. Eu senti o meu dedo se levantar de</p><p>uma maneira que não era uma contraşão espontânea; então</p><p>você deve ter feito alguma coisa para faze-lo Ievantar-se. Eu</p><p>quero saber o que você fez”.</p><p>Aproximadamente há cem anos, depois de cuidadosa</p><p>consideração sobre os sonhos, hipnose e outros fenômenos,</p><p>que ele chamou "estados mentais excepcionais", William James</p><p>(1896) concluiu que “a mente parece abranger uma confedera-</p><p>ção de entidades psíquicas”. Embora o self aparente dependa</p><p>das disposişões e do ambiente, e possa estar submetido a um</p><p>controle fora de seu alcance, pode haver também concomitan-</p><p>temente, um "self observador”, base para uma ação integrada e</p><p>sábia. Apesar de não suspeitar da sua existência, teria a Terapia</p><p>Centrada no Cliente apelado para essa sabedoria na reorgani-</p><p>zação da experiência do cliente?</p><p>Publicacão da editora da Ules • edufes 1 2010</p><p>191</p><p>John Keith Wood e¢ a/. (org.)</p><p>INSGHTSOBREAPESSOAEM</p><p>FUNGIONAMENTO PLENO</p><p>192</p><p>A “pessoa em funcionamento pleno”, de acordo com</p><p>Rogers (1983), é uma pessoa idealizada com a capacidade</p><p>de processar todo estimulo através do sistema nervoso sem</p><p>distorcê-lo por mecanismos defensivos. Essa pessoa seria</p><p>"aberta à experiência”. Sua personalidade e seu self “estariam</p><p>continuamente em fluxo”, vivendo no momento, de um "modo</p><p>existencial”. Ela agiria de acordo com o que sente no momento,</p><p>“confiando no seu organismo para encontrar o comportamento</p><p>mais satisfatório” para cada situação existencial.</p><p>A descrição de Rogers tern sido criticada, com base no</p><p>fato de que essa "pessoa" näo é senão uma imagem de certa</p><p>classe de pessoas jovens do meio urbano dos Estados Unidos</p><p>na década de 60. Assim, ela seria capaz de lidar efetivamente</p><p>com o passado; mas, e o futuro imponderável? Pouco prová-</p><p>vel.</p><p>Outra crítica tern sido que, ao se propor uma "pessoa ide-</p><p>al”, incorre-se no mesmo erro dos comunistas chineses quando</p><p>propuseram "um novo homem” ou dos russos que costuma-</p><p>vam falar de uma "nova civilização”. Naturalmente, quando se</p><p>torna um ideal, uma formulação de funcionamento humano está</p><p>destinada a permanecer aquém das possibilidades reais. Sen-</p><p>sações que provém de estímulos sensoriais não são sempre</p><p>mais importantes do que outros aspectos da consciência. Um</p><p>self não tern mais valor intrínseco do que outro, nem os capri-</p><p>chos de um self instável e mutável são necessariamente um juiz</p><p>confiável para uma contribuição positiva à civilização. Existem</p><p>causas de maior mérito que a simples satisfação momentânea,</p><p>que parece ser o principal guia para “a pessoa em atualização</p><p>plena".</p><p>É exatamente na área de valores que qualquer "pessoa</p><p>do futuro” precisará dispor de grande sensibilidade e talvez al-</p><p>gum tipo de habilidade para perceber as qualidades essencial-</p><p>mente iguais em valores aparentemente opostos. Há mais ou</p><p>menos quatro ou cinco bilhões de pessoas no mundo, mais</p><p>do que 150 nações, nas quais se entrelaça um número ainda</p><p>maior de culturas. Valores culturais estão em conflito por todo</p><p>o planeta. Para resolver muitas disputas, valores comuns - que</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5" ediçao</p><p>pesem mais do que os valores em conflito - devem ser encon-</p><p>trados. Se seu vizinho construiu um sistema baseado num valor</p><p>de “desenvolvimento” e você construiu o seu baseado na “eco-</p><p>logia”, a “destruição da natureza” de seu vizinho (como você</p><p>considera) finalmente entrará em conflito com a sua “obstrução</p><p>ao progresso” (como ele considera). Um valor mais comple-</p><p>xo poderia ser encontrado no qual os dois poderiam se unir</p><p>(prosperidade partilhada e salvaşão do planeta?). Poderá uma</p><p>“pessoa ideal”, com uma simples “perspectiva existencial”, ter</p><p>a necessária amplitude de visão, a flexibilidade, a diversidade</p><p>de interesses e habilidades para ser um participante competen-</p><p>te na resoluşão de tais problemas?</p><p>Ao mesmo tempo, o que há de errado com a intenção de</p><p>“se tornar tudo aquilo que você pode tornar-se?” Năo é obriga-</p><p>ção de todo sistema de mudanşa de personalidade</p><p>que pode ser apropria-</p><p>damente aplicada a todas as teorias - da teoria do flogístico à</p><p>teoria da relatividade, da teoria que apresentarei à teoria que,</p><p>espero, a substituirá em uma década - é que na época de sua</p><p>formulaşão toda teoria contém uma quantidade desconhecida</p><p>de erros e inferências equivocadas (ou talvez impossíveis de</p><p>serem conhecidas no momento)” (p. 190).</p><p>Abordagem Cent;rada na Pessoa | 5• edição</p><p>Reconhecendo-a inevitavelmente incompleta, ele es-</p><p>perava que a teoria fosse reformulada em uma década. Não</p><p>o foi. Para complicar ainda mais o assunto, nos trinta e cinco</p><p>anos que se seguiram, ela se aproximou mais das “inferências</p><p>equivocadas”, particularmente depois que a abordagem foi am-</p><p>plamente aplicada à educaşão e aos workshops de grandes</p><p>grupos e de resolução de conflitos, sob o nome de Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa.</p><p>A SEGUNDA PARTE</p><p>O fato de não ter emergido nenhuma teoria abrangente,</p><p>nem mesmo uma organização coerente de pensamento, alia-</p><p>dos a profusão de práticas dÚbias sob o rótulo geral de Aborda-</p><p>gem Centrada na Pessoa, tornou necessária a inclusão de uma</p><p>reflexão sistemática sobre a evolução da Abordagem Centrada</p><p>na Pessoa, que integra a Segunda Parte deste livro: oa »aono»-</p><p>GEM CENTRADA NA nESSOA À rEexP/A CENTRADA NO CMENTE: UMA RETROS-</p><p>PECTIVA DE HQ ANOS. 23</p><p>Com base nesta primeira parte espera-se que o leitor</p><p>seja capaz de perceber a motivaçâo de Rogers, por que ele</p><p>fez o que fez; sua intenção, o que ele esperava realizar; seus</p><p>valores e princípios norteadores que dão significado aos seus</p><p>sentimentos, pensamentos e observaşões; sua postura, tanto</p><p>física como mental, como ele se colocava na prática da psicote-</p><p>rapia; sua atitude de tentar compreender o que o cliente estava</p><p>querendo comunicar e continuamente melhorar a eficácia da</p><p>terapia; seu sentido de alerta para o que era inesperado e sur-</p><p>preendente, o que era desafiante e difícil de explicar em suas</p><p>experiências; sua abertura mental para deixar o fenômeno falar</p><p>por si mesmo e formular teorias baseadas em seu aprendizado</p><p>através da prática.</p><p>Toda vez que um aluno ou colega se preocupava com</p><p>algum novo dado de pesquisa ou alguma idéia nova que con-</p><p>frontava a Abordagem Centrada na Pessoa, fazendo-a parecer</p><p>errada, Rogers não se perturbava. Sua resposta se tornou Ie-</p><p>gendária: “Não se preocupe, os fatos são sempre amistosos”.</p><p>Este livro pretende ser uma exposição de fatos que esperamos</p><p>sejam amistosos, isto é, que possam alargar, iluminar e tornar</p><p>mais útil uma compreensão não somente desse assunto, rnas</p><p>também ajudar a clarear a questão básica - Como se tornar um</p><p>ser humano?</p><p>Se pudermos apreender o “jeito de ser” de Rogers em situa-</p><p>ções novas a partir destes seis artigos seminais, estaremos em</p><p>condição de fazer duas coisas: primeiro, resolver o dilema apre-</p><p>sentado na segunda parte, e, segundo, deixar de Iado os resí-</p><p>duos fossilizados do que é atualmente chamado Abordagem</p><p>Centrada na Pessoa a fim de descobrir o que há de efetivamen-</p><p>te valioso na essência da Abordagem Centrada na Pessoa.</p><p>John Keith Wood</p><p>Jaguariúna, Novembro 1994</p><p>Parte 1</p><p>Seis Artigos Seminais de</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>Agradecemos a permissão</p><p>para publicação obtida da American</p><p>Psychological Association para os se-</p><p>guintes artigos: The Necessary and</p><p>Sufficient Conditions of Therapeutic</p><p>Personality Change, Significant As-</p><p>pects of Client-Centered Therapy,</p><p>Some Observations on the Organi-</p><p>zation of Personality e Persons or</p><p>Science? a Philosophical Question;</p><p>do periódico Psychotherapy: Theory,</p><p>Research and Practice para o artigo</p><p>The Concept of the Fully Functioning</p><p>Person; e da Association for the Ad-</p><p>vancement of Psychotherapy para</p><p>o artigo The Process Equation of</p><p>Psychotherapy.</p><p>John Keith Wood et a/. torg. J</p><p>26</p><p>ASPECTOS SIGNIFICATIVOS DA TERAPIA</p><p>CENTRADA NO CLIENTE</p><p>Carl Ransom Rogers</p><p>Ao planejar dirigir-me a este grupo, considerei e des-</p><p>cartei muitos tópicos possíveis. Fiquei tentado a descrever o</p><p>processo da terapia não-diretiva e as técnicas e procedimentos</p><p>de aconselhamento que parecem úteis para promovê-lo. Mas a</p><p>maior parte desse material já está escrita. Meu próprio livro de</p><p>aconselhamento e psicoterapia (8) contém muito do material</p><p>básico, e meu livro mais recente e popular (10), sobre acon-</p><p>selhamento para ex-combatentes, tende a complementá-lo. A</p><p>filosofia da Abordagem Centrada no Cliente e sua aplicação ao</p><p>trabalho com crianças foi convincentemente apresentada por</p><p>Allen (2). A aplicação ao aconselhamento de empregados da</p><p>indústria é discutida em um livro por Cantor (3). Curran (5)</p><p>publicou recentemente um livro, um entre vários estudos base-</p><p>ados em pesquisa, que está lançando novas luzes tanto sobre</p><p>processo quanto sobre procedimento. Axline está publicando</p><p>um livro sobre ludoterapia e terapia de grupo com crianşas.</p><p>Snyder está elaborando um livro sobre casos clínicos. Portanto,</p><p>parece desnecessário resumir material que já está ou estará em</p><p>breve disponível, por escrito.</p><p>Outra possibilidade tentadora, particularmente neste con-</p><p>texto, seria discutir algumas das raízes que originaram a Abor-</p><p>dagem Centrada no Cliente. Seria interessante mostrar como</p><p>ela, em seus conceitos de repressão e liberação, na sua ênfa-</p><p>se sobre catarse e insight, tern muitas raízes no pensamento</p><p>freudiano, e assim reconhecer essa dívida. Tal análise poderia</p><p>mostrar também que, em seu conceito sobre a habilidade do</p><p>individuo para organizar sua própria experiência, há uma dívida</p><p>ainda maior para com o trabalho de Rank (6), Taff (12) e Allen</p><p>(2). Em sua ênfase sobre as pesquisas objetivas, ao submeter</p><p>‟. Significant Aspects of Client-Centered Therapy. The American Psychologist,</p><p>vol.1 (10): 415-422, 1946. Palestra proferida em um seminário para os dirigentes</p><p>da Menninger Clinic e do Topeka v‟eferan s Hospital, no dia 15 de Maio de 1946</p><p>em Topeka, Kansas, Estados Unidos.</p><p>John Keith Wood e8 at. Borg. J</p><p>atitudes fluidas à investigação científica, e ao se dispor a com-</p><p>provar ou a refutar todas as hipóteses através de métodos de</p><p>pesquisa, obviamente, a dívida é para com todo o campo da</p><p>Psicologia Americana, por sua genialidade quanto à utilização</p><p>da metodologia científica. Também poderia assinalar que, em-</p><p>bora todos no campo clínico tenham sido fortemente expostos</p><p>a uma abordagem eclética de trabalho em equipe no campo</p><p>da orientação à criança, e a um ecletismo algo similar ao de</p><p>Adolf Meyer - Escola Hopkins de pensamento-, esses pontos de</p><p>vista ecléticos talvez não tenham sido tão frutíferos em terapia,</p><p>e pouco restou dessas fontes na abordagem não-diretiva. Tam-</p><p>bém poderia registrar que, na sua tendència básica, contrária</p><p>a guiar e dirigir o cliente, esta abordagem está profundamen-</p><p>te enraizada na experiência clínica prática, e concorda com a</p><p>experiência da maioria dos que trabalham em clínica, tanto</p><p>que uma das reações mais comuns de terapeutas experientes</p><p>é dizer: “Você apreendeu e pôs em palavras algo que eu venho</p><p>buscando há muito tempo em minha própria experiência”.</p><p>Essa análise, esse traşado das idéias-raízes, precisa ser</p><p>28 feito, mas desconfio da minha própria habilidade para fazé-to.</p><p>Também tenho dúvidas de que alguém que esteja profunda-</p><p>mente preocupado com um novo desenvolvimento possa sa-</p><p>ber, com alguma exatidão, de onde suas idéias vieram.</p><p>Conseqüentemente estarei, nesta apresentação, ado-</p><p>tando uma terceira perspectiva. Embora eu vá fazer uma breve</p><p>descrişão do processo e do procedimento, referindo de modo</p><p>geral às muitas raízes que nos serviram de fontes, e reconhecer</p><p>os vários elementos comuns partilhados pela Terapia Centrada</p><p>no Cliente e outras abordagens, creio que será mutuamente</p><p>vantajoso enfatizar primeiramente aqueles aspectos nos quais</p><p>a terapia não-diretiva difere mais aguda e profundamente de</p><p>outros procedimentos terapêuticos. Espero apontar alguns</p><p>dos aspectos</p><p>ajudar as</p><p>pessoas a “se atualizarem plenamente” no melhor sentido da</p><p>frase?</p><p>INSIGHT SOBRE 0 RESPEITÁVEL CLIENTE</p><p>lronicamente, um sério obstáculo para os terapeutas cen-</p><p>trados no cliente, que tentaram entender a Terapia Centrada no</p><p>Cliente, tern sido o desinteresse que seus estudos e seu pen-</p><p>samento dedicam a esse mesmo cliente. A prática da Terapia</p><p>Centrada no Cliente focaliza o cliente. Contudo, nas exposições</p><p>teóricas, na pesquisa e na prática, a ênfase tern sido posta niti-</p><p>damente no terapeuta ou no ponto-de-vista do terapeuta.</p><p>A condição, segundo a teoria da Terapia Centrada no</p><p>Cliente, de que o cliente perceba a consideração positiva incon-</p><p>dicional do terapeuta e a compreensão empática não sugere</p><p>tanto um interesse na participaçäo do cliente quanto isso tern</p><p>sido tornado como sinal de que a terapia está “funcionando”.</p><p>Nos relatos de pesquisas, por exemplo, năo se pode deixar de</p><p>notar, na conceitualização do terapeuta eficaz, o viés centrado</p><p>no terapeuta. Por exemplo, Rogers (1980) afirma, com orgulho:</p><p>“Descobrimos que éramos capazes de apontar qual das res-</p><p>postas do terapeuta fazia que uma fluência rica de expressào</p><p>significativa se tornasse superficial e inaproveitável” (p. 138). A</p><p>perspectiva dessa pesquisa era a seguinte: “0 terapeuta caU-</p><p>Publicacão da editora da Ufes • edufes | 2010</p><p>193</p><p>John Keith Wood e¢ a/. torg. )</p><p>sa um fluxo de expressão aproveitável ou inaproveitável pelo</p><p>cliente; agora, vamos descobrir como“. Expondo o viés dessa</p><p>perspectiva, Quinn (1953) também revela o fato surpreendente</p><p>de que, nas pesquisas centradas no cliente, o grau de empatia</p><p>num relacionamento terapéutico centrado no cliente pode ser</p><p>confiavelmente estimado julgando-se apenas as declaraşões</p><p>do terapeuta, sem nenhum conhecimento das colocações do</p><p>cliente.</p><p>Como é que se pode julgar que o terapeuta tenha “entra-</p><p>do no mundo perceptivo particular” do cliente, “vivendo tempo-</p><p>rariamente na vida do outro, movendo-se nela delicadamente”,</p><p>como um “companheiro confidente da pessoa em seu mundo</p><p>interior”, como Rogers (1980, p. 147) descreveu a compreen-</p><p>são empática, sem levar em conta o que o cliente está dizendo</p><p>ou sentindo? Surpreendentemente, a revelação perturbadora</p><p>de Quinn não pôs em questão a metodologia da pesquisa, nem</p><p>provocou indignação com relaşão aos exageros do papel do</p><p>terapeuta. Em vez disso, Rogers (sem convencer, contudo, efe-</p><p>tivamente) interpretou esse dado como apoio ao ponto-de-vista</p><p>194 de que a empatia é oferecida pelo terapeuta e ele é responsá-</p><p>vel pela empatia na relação (ROGERS, 1980, p. 147).</p><p>0s comentários de Rogers e seus colaboradores con-</p><p>cernentes ao “relacionamento” centrado no cliente se referiam</p><p>mais à relaşão do terapeuta com o cliente do que ao relacio-</p><p>namento como tal. A percepção do cliente era de pouca im-</p><p>portância. Este ponto de vista tern a melhor expressão nas</p><p>próprias palavras de Rogers: “Na Terapia Centrada no Cliente</p><p>estamos profundamente empenhados na predição e influência</p><p>do comportamento. Como terapeutas, estabelecemos certas</p><p>condişões atitudinais e o cliente tern relativamente pouca par-</p><p>ticipação no estabelecimento dessas condições...” (ROGERS,</p><p>1961b, p. 449). (9)</p><p>Contudo, a experiência pessoal do cliente nem sempre</p><p>concorda com as percepções do terapeuta, nem com suas</p><p>conceitualizações. Rennie (1988) verificou, a partir de muitas</p><p>entrevistas realizadas com clientes imediatamente após as ses-</p><p>sões de terapia, que a urgência não é a única motivação do</p><p>cliente para a escolha de certo tópico para discussão.</p><p>Por exemplo, uma pessoa falou longamente sobre o</p><p>tema da imaturidade, não por necessitar, mas porque o cami-</p><p>nho apresentou-se e o cliente o seguiu. 0s clientes podem falar</p><p>Abordagem Cencrada na Pessoa | 5" ediçăo</p><p>sobre assuntos distantes de seus interesses porque estão en-</p><p>volvidos em um diálogo interno íntimo que năo desejam revelar</p><p>no momento. Um cliente pode relatar um sonho ou algo pareci-</p><p>do de forma a corrigir uma impressão ou uma imagem que o te-</p><p>rapeuta tern dele. 0s clientes parecem apreciar que o terapeuta</p><p>fale de si mesmo, que se deixe conhecer melhor, para compa-</p><p>rar seus comportamentos. Por outro lado, se compartilhar seus</p><p>sentimentos ou observaşões quando o cliente estiver afligido</p><p>por um problema pessoal, o terapeuta será provavelmente me-</p><p>nos tolerado. Em geral, clientes tendem a perdoar os enganos</p><p>do terapeuta e a manter as boas maneiras, dando tempo para</p><p>que o terapeuta também fale (RENNIE, 1988).</p><p>No entanto, suas próprias contribuições não deixam de</p><p>ser notadas pelos clientes de psicoterapia, mesmo na terapia</p><p>comportamental. Ryan e Gizynski (1971) relataram que os pa-</p><p>cientes sentiam “que muitos dos elementos universalmente</p><p>úteis de sua experiência eram a calma do terapeuta, a simpa-</p><p>tia ao ouvir, o apoio e aprovação, conselho e fé”. Entretanto</p><p>também reconheciam suas contribuições próprias. Um cliente</p><p>sentiu-se satisfeito por haver terminado a terapia, mas decla-</p><p>rou: “[estava] disposto a ficar porque sentia que [a terapeu-</p><p>ta] estava envolvida comigo e eu a magoaria se a deixasse”.</p><p>Transferência? Compreensão empática da parte do cliente? Um</p><p>sentido de relacionamento que necessita cuidados recíprocos?</p><p>Sensibilidade à complexidade envolvida em cada interação hu-</p><p>mana?</p><p>0 efeito que temos um sobre o outro vai muito além da</p><p>transferência e certamente além da interação social cotidiana.</p><p>As percepções, as emoções, a tensão muscular, a respiraşão,</p><p>o batimento cardíaco e a pressão sangüínea do outro são alte-</p><p>rados por nossa presenşa. Estamos tão intimamente ligados</p><p>uns aos outros que um pesquisador fisiologista foi levado a di-</p><p>zer: “0 sistema nervoso autônomo é uma estrutura social tanto</p><p>quanto o sistema vegetativo” (KAMIYA, 1981).</p><p>Lynch (1985) com base cm uma pesquisa que relacionou</p><p>a fala e o sistema cardiovascular, concluiu: “Ser humano signi-</p><p>fica viver através de um corpo que é ao mesmo tempo biologi-</p><p>camente incompleto sem outros seres humanos e totalmente</p><p>dependente dos outros para seu desenvolvimento e significa-</p><p>do emocional, quer dizer, humano” (p. 38). Utilizando o reflexo</p><p>psicogalvânico para medir ansiedade, reações de ameaça ou</p><p>Publicação da edicora da Ufes edufes 1 2010</p><p>195</p><p>John Keith Wood et at. torg.)</p><p>196</p><p>alerta no cliente, descobriu-se que a qualquer momento em</p><p>que a atitude do terapeuta se torne ainda que levemente menos</p><p>aceitadora, o número de respostas galvânicas abruptas da pele</p><p>aumenta significativamente (DITTES, 1957).</p><p>Rogers (1951) tinha muita consciência do efeito do rela-</p><p>cionamento terapêutico. Escreveu: “0 processo de terapia [...]</p><p>é visto como sinônimo de um relacionamento experiencial entre</p><p>cliente e terapeuta. A terapia consiste em experienciar o self</p><p>numa ampla escala de alternativas, num relacionamento emo-</p><p>cionalmente significativo com o terapeuta. As palavras - sejam</p><p>do cliente ou do conselheiro - são vistas como tendo uma im-</p><p>portância minima comparadas com o relacionamento emocio-</p><p>nal presente entre os dois” (p. 172).</p><p>Depois da modesta experiência de tentar tratar pacientes</p><p>esquizofrênicos internados, ele reconheceu a importância dos</p><p>clientes para qualquer terapia efetiva. Revendo a pesquisa so-</p><p>bre psicoterapia com pacientes hospitalizados, notou que “as</p><p>características do cliente ou paciente influenciaram a qualidade</p><p>do relacionamento que se formou entre o próprio paciente e seu</p><p>terapeuta. Altos níveis de compreensão empática, autenticida-</p><p>de, aceitação calorosa no comportamento do terapeuta pare-</p><p>cem ser mais prováveis quando ele está lidando com um indiví-</p><p>duo razoavelmente expressivo, com um nível sócio-econômico</p><p>mais próximo do seu próprio nível. As atitudes do terapeuta são</p><p>evidentemente importantes, mas as características do paciente</p><p>parecem desempenhar um papel definitivo no surgimento des-</p><p>sas qualidades. Altos níveis de</p><p>básicos significativos nos quais o ponto de vista</p><p>centrado no cliente difere dos outros, não somente nos seus</p><p>princípios atuais, mas também nas divergências mais amplas</p><p>inferidas pela projeşão de seus princípios centrais.</p><p>O Processo Previsível da Terapia Centrada no Cliente</p><p>0 primeiro dos três elementos característicos da Terapia</p><p>Centrada no Cliente, para o qual quero chamar a atenção de</p><p>Abordagem Cent;rada na Pessoa | 5• edişão</p><p>vocês, é a previsibilidade do processo terapêutico nessa abor-</p><p>dagem. Verificamos que, tanto clínica quanto estatisticamente,</p><p>ocorre um padrão previsível de desenvolvimento terapêutico. A</p><p>certeza quanto a isso me veio recentemente, ao ouvir, ao lado</p><p>de estagiários pós-graduados, uma primeira sessão recém gra-</p><p>vada, apontando-lhes os aspectos característicos, e combinan-</p><p>do ouvir com eles as sessões seguintes de forma a lhes permitir</p><p>observar as fases posteriores do processo de aconselhamento.</p><p>0 fato de saber com segurança qual seria o padrão posterior,</p><p>antes que este ocorresse, somente me impressionou quando</p><p>pensei sobre o incidente. Estamos tão acostumados, enquanto</p><p>clínicos, a essa qualidade previsível que a tomamos por cer-</p><p>ta. Talvez uma descrição resumida desse processo terapéutico</p><p>possa indicar aqueles elementos com os quais nos sentimos</p><p>seguros.</p><p>Pode-se dizer que sabemos agora como iniciar uma ca-</p><p>deia de eventos complexa e previsível, ao lidarmos com o indi-</p><p>víduo mal ajustado, uma cadeia de eventos que é terapêutica,</p><p>e que opera efetivamente em situações problemáticas dos mais</p><p>diversos tipos. Essa cadeia previsível de eventos pode surgir 29</p><p>através do uso da linguagem, como no aconselhamento; atra-</p><p>vés da linguagem simbólica, como na ludoterapia; através da</p><p>linguagem encoberta como no psicodrama ou na terapia com</p><p>fantoches. Ela é eficaz para lidar com situações individuais e</p><p>também com situaşões de pequenos grupos.</p><p>É possível propor com alguma exatidão as condişões</p><p>que precisam ser prenchidas para iniciar e conduzir essa ex-</p><p>periência terapêutica liberadora. Segue-se uma lista abreviada</p><p>das condições que parecem ser necessárias, assim como dos</p><p>resultados terapêuticos que ocorrem.</p><p>Essa experiência que libera as forşas internas de cresci-</p><p>mento do individuo ocorrerá, na maioria dos casos, se os se-</p><p>guintes elementos estiverem presentes:</p><p>1) Se o conselheiro partir do princípio de que o indivíduo</p><p>é basicamente responsável por si próprio, e desejar que o indi-</p><p>viduo mantenha essa responsabilidade.</p><p>2) Se o conselheiro agir sob o princípio de que o cliente</p><p>tern uma forte tendência a tornar-se maduro, socialmente ajus-</p><p>tado, independente, produtivo, e se este conselheiro confiar</p><p>nessa força, e não em seus próprios poderes, para realizar mu-</p><p>danças terapêuticas.</p><p>John Keich Wood e8 al. torg. J</p><p>3) Se o conselheiro criar uma atmosfera calorosa e per-</p><p>missiva, na qual o indivíduo esteja livre para trazer qualquer</p><p>atitude ou sentimento que possa ter, não importando quão ab-</p><p>surdos, não-convencionais ou contraditórios sejam. 0 cliente é</p><p>tão livre para resguardar sua expressão quanto para expressar</p><p>seus sentimentos.</p><p>4) Se os limites estabelecidos forem simplesmente Iimi-</p><p>tes quanto ao comportamento e não limites quanto às atitudes.</p><p>(Isto se aplica principalmente às crianşas. Pode não ser permi-</p><p>tido à crianşa quebrar a janela ou sair da sala, mas ela é livre</p><p>para sentir vontade de quebrar a janela, e esse sentimento é</p><p>plenamente aceito. Não se permite ao cliente adulto mais de</p><p>uma hora para uma sessão, mas há plena aceitaşão do seu</p><p>desejo de reclamar por mais tempo.)</p><p>5) Se o terapeuta usar na sessao somente aqueles pro-</p><p>cedimentos e técnicas que transmitam seu profundo entendi-</p><p>mento das atitudes expressas, carregadas de emoção, e sua</p><p>aceitaşão delas. Essa compreensão talvez seja melhor trans-</p><p>mitida por um reflexo sensível e pela clarificaşão das atitudes</p><p>30 do cliente. A aceitação do conselheiro não envolve aprovaşão,</p><p>tampouco desaprovação.</p><p>6) Se o conselheiro se abstiver de qualquer expressão</p><p>ou ação que seja contrária aos princípios precedentes. Isto sig-</p><p>nifica evitar de perguntar, sondar, culpar, interpretar, aconselhar,</p><p>sugerir, persuadir, reassegurar.</p><p>Se estas condişões forem atendidas, então pode-se dizer,</p><p>com segurança, que na grande maioria dos casos os seguintes</p><p>resultados acontecerão:</p><p>1) 0 cliente expressará atitudes intensas e motivadas.</p><p>2) 0 cliente explorará suas próprias atitudes e reações</p><p>mais plenamente do que o fizera antes e tornar-se-á consciente</p><p>de aspectos de suas atitudes que negara previamente.</p><p>3) Ele chegará a uma apreensão consciente mais clara</p><p>das atitudes que o motivam e se aceitará mais completamente.</p><p>Essa apreensão e essa aceitação incluirão atitudes previamen-</p><p>te negadas. Ele poderá ou não verbalizar essa compreensão</p><p>consciente mais clara de si e de seu comportamento.</p><p>4) À luz de uma percepşão mais clara de si, escolherá,</p><p>por sua própria iniciativa e responsabilidade, novos objetivos</p><p>que serão muito mais satisfatórios que seus objetivos desajus-</p><p>tados.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edição</p><p>5) Escolherá comportar-se de maneira diferente para</p><p>poder alcanşar esses objetivos, e esse novo comportamento</p><p>caminhará na direşão de maior crescimento psicológico e ma-</p><p>turidade. Seu modo de comportar-se será também mais espon-</p><p>tâneo e menos tenso, mais harmonioso com as necessidades</p><p>sociais de outros; representará um ajustamento mais realista e</p><p>mais confortável à vida. Será mais integrado que seu comporta-</p><p>mento anterior. Será um avanşo na vida do indivíduo.</p><p>A melhor descrişão científica desse processo é aquela</p><p>fornecida por Snyder(11). Analisando certo número de casos,</p><p>com técnicas de pesquisa estritamente objetivas, Snyder des-</p><p>cobriu que o desenvolvimento nesses casos é quase sempre</p><p>paralelo; que a fase inicial da catarse é substituída por uma fase</p><p>em que o insight torna-se o elemento mais significativo, e esta,</p><p>por sua vez, passa para uma outra fase marcada por um au-</p><p>mento de escolha e ação positivas.</p><p>Clinicamente, sabemos que esse processo é algumas</p><p>vezes relativamente superficial, envolvendo de inicio uma nova</p><p>reorientação para um problema imediato; outras vezes é pro-</p><p>fundo a ponto de envolver uma completa reorganização da per- 31</p><p>sonalidade. O mesmo processo é reconhecível quer se trate de</p><p>uma garota infeliz numa república de estudantes, capaz de em</p><p>três sessões perceber algo sobre sua infantilidade e dependên-</p><p>cia, avançando na direção do amadurecimento; quer se trate</p><p>de um jovem à beira de um surto esquizofrénico que em trinta</p><p>sessões trabalha profundos insights quanto ao seu desejo de</p><p>morte do pai, e seus impulsos possessivos e incestuosos em</p><p>relação à mãe, e que não somente dá novos passos, mas tam-</p><p>bém reconstroi sua personalidade inteira nesse processo. Seja</p><p>superficial ou profundo, o processo é basicamente o mesmo.</p><p>Estamos conseguindo reconhecer com segurança as-</p><p>pectos característicos de cada fase do processo. Sabemos que</p><p>a catarse envolve uma expressão gradual e mais completa das</p><p>atitudes carregadas de emoção: Sabemos que, caracteristica-</p><p>mente a conversa evolui de problemas e atitudes superficiais</p><p>para problemas e atitudes mais profundos. Sabemos que esse</p><p>processo de exploraşão traz gradualmente à tona atitudes rele-</p><p>vantes que foram negadas à consciência.</p><p>Reconhecemos também que o processo de obter insight</p><p>provavelmente envolve um defrontar-se mais adequado com a</p><p>realidade como ela existe no interior do self, tanto quanto com</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>a realidade externa; envolve o relatar de problemas ao outro, a</p><p>percepção dos padrões de comportamento; envolve a aceita-</p><p>ção de elementos ate então negados ao self, e uma reformula-</p><p>ção do conceito de self; e envolve a criação de novos planos.</p><p>Na fase final sabemos que a escolha de novas maneiras</p><p>de comportar-se estará em conformidade com o conceito re-</p><p>cém organizado do self; que os primeiros</p><p>passos para colocar</p><p>em movimento esses pianos serão modestos, mas simbólicos;</p><p>que o indivíduo sentirá apenas um grau mínimo de confiança</p><p>para pôr seus planos em andamento; que passos posteriores</p><p>implementarão cada vez mais completamente o novo conceito</p><p>de self, e que esse processo continuará após a conclusão das</p><p>entrevistas terapêuticas.</p><p>Caso essas declaraşões pareçam conter demasiada cer-</p><p>teza, a ponto de soar como “born demais para ser verdade",</p><p>posso apenas dizer que para muitas delas já temos pesquisas</p><p>de apoio, e que, tão rápido quanto possível, estaremos desen-</p><p>volvendo nossa pesquisa para trazer todas as fases do proces-</p><p>so a exame objetivo. Nós que trabalhamos clinicamente com a</p><p>32 Terapia Centrada no Cliente consideramos essa previsibilidade</p><p>como uma característica estabelecida, embora reconheçamos</p><p>que pesquisa adicional será necessária para completar mais</p><p>adequadamente o quadro.</p><p>A implicação dessa previsibilidade é espantosa. Toda vez</p><p>que, em ciência, um processo previsível foi descoberto, encon-</p><p>traram-se modos possíveis de usá-lo como ponto de partida</p><p>para toda uma cadeia de descobertas. Consideramos isso não</p><p>só perfeitamente possível, como também inevitável, em relação</p><p>a esse processo previsível na terapia. Assim, consideramos a</p><p>natureza ordenada e previsível da terapia não-diretiva como um</p><p>dos pontos mais característicos e significativos da diferença em</p><p>relação a outras abordagens. Sua importância reside não so-</p><p>mente no fato de ser uma diferenşa atual, mas em apontar para</p><p>um futuro nitidamente diverso, no qual a exp!oração científica</p><p>dessa conhecida cadeia de eventos conduzirá a muitas novas</p><p>descobertas, desenvolvimentos e aplicaşões.</p><p>A Descoberta da Capacidade do Cliente</p><p>Uma questão naturalmente se levanta: qual é a razão para</p><p>essa previsibilidade num tipo de procedimento terapêutico em</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edição</p><p>que o terapeuta exerce somente uma funşão catalizadora? Ba-</p><p>sicamente, a razão para a previsibilidade do processo terapêu-</p><p>tico está na descoberta - e uso esta palavra intencionalmente</p><p>- de que no interior do cliente residem forşas construtivas cujo</p><p>poder e uniformidade não têm sido reconhecidos inteiramente,</p><p>como também têm sido bastante subestimados. É a nítida e</p><p>disciplinada confianşa do terapeuta nessas forças internas do</p><p>cliente que parece explicar a ordenação do processo terapêuti-</p><p>co, bem como sua consistência de um cliente para outro.</p><p>Mencionei que considerava isso uma descoberta. Quero</p><p>ampliar essa declaração. Há séculos temos conhecimento de</p><p>que catarse e liberaşão emocional são de grande ajuda. Muitos</p><p>métodos novos foram e estão sendo desenvolvidos para pro-</p><p>mover a liberação, mas o princípio não é novo. Da mesma for-</p><p>ma sabemos, desde os tempos de Freud, que insight, se aceito</p><p>e assimilado pelo cliente, é terapêutico. O princípio não é novo.</p><p>Constatamos também que padrões de ação revistos, novos</p><p>modos de comportamento, podem acontecer como resultado</p><p>de insight. 0 princípio não é novo.</p><p>Mas o que não sabíamos ou não tinhamos reconhecido é 33</p><p>que na maioria dos indivíduos, senão em todos, existem forças</p><p>de crescimento, tendências para a auto-atualizaşão, que po-</p><p>dem agir como a única motivação para terapia. Não tínhamos</p><p>reconhecido que, sob condições psicológicas adequadas, es-</p><p>sas forşas produzem liberaşão emocional nas áreas e no ritmo</p><p>mais benéficos para o indivíduo. Essas forşas o impelem a ex-</p><p>plorar suas próprias atitudes e sua relação com a realidade, e a</p><p>explorar essas áreas efetivamente. Não tínhamos reconhecido</p><p>que o indivíduo é capaz de explorar suas atitudes e sentimen-</p><p>tos, inclusive aqueles que têm sido negados à consciência, num</p><p>ritmo que não cause pânico, e com a profundidade requerida</p><p>para um ajustamento confortável. Ele é capaz de descobrir e</p><p>perceber, verdadeira e espontaneamente, as inter-relações en-</p><p>tre as próprias atitudes e seu relacionamento com a realidade.</p><p>0 indivíduo tern a capacidade e o poder de distinguir, sem ser</p><p>guiado, os passos que o conduzirão a um relacionamento mais</p><p>maduro e mais confortável com a realidade. É o reconhecimen-</p><p>to gradual e crescente, pelo terapeuta centrado-no-cliente, des-</p><p>sas capacidades internas do indivíduo, que, acredito, sustenta</p><p>o termo descoberta. Todas essas capacidades que eu descrevi</p><p>serão liberadas se uma atmosfera pstcologica adequada for</p><p>John Keith Wood et a/. (org. J</p><p>criada.</p><p>Houve, é claro, muitas manifestações de louvor, da boca</p><p>para fora, quanto ao poder do cliente, e quanto à necessida-</p><p>de de utilizar o impulso para a independência que existe nele.</p><p>Psiquiatras, analistas, e especialmente assistentes sociais enfa-</p><p>tizaram esse ponto. No entanto, está claro, pelo que foi dito, e</p><p>ainda mais claro através de material de casos estudados, que</p><p>essa é uma confiança muito limitada. É uma confiança de que</p><p>o cliente pode assumir responsabilidade, se for guiado pelo</p><p>especialista; uma confianşa de que o cliente pode assimilar in-</p><p>sight, se este Ihe for propriciado primeiro pelo especialista; de</p><p>que pode fazer escolhas, se nos pontos cruciais Ihe for dada</p><p>uma direção. É, em suma, o mesmo tipo de atitude que uma</p><p>mãe tern para com seu filho adolescente, que ela acredita ser</p><p>capaz de tornar decisões próprias e guiar seu próprio caminho,</p><p>contanto que ele tome a direção por ela aprovada.</p><p>Isto é bem evidente no último livro de psicanálise de</p><p>Alexander e French (1). Embora muitas das antigas visões e</p><p>práticas da psicanálise sejam descartadas, e os procedimentos</p><p>34 estejam muito mais próximos daqueles da terapia-não-diretiva,</p><p>é ainda o terapeuta que tern definitivamente o controle. Ele dá</p><p>os insights, ele está pronto para guiar nos momentos cruciais.</p><p>Assim, enquanto os autores declaram que o papel do terapeuta</p><p>é liberar o cliente para desenvolver suas capacidades, e para</p><p>aumentar sua habilidade de satisfazer suas necessidades de</p><p>maneira aceitável para si e para a sociedade; enquanto falam</p><p>de competição e cooperação como um conflito básico que o</p><p>indivíduo tern que resolver por si próprio; enquanto apontam</p><p>a integraçâo do novo insight como uma funşão normal do ego</p><p>- fica claro, na descrição do procedimento, que eles não têm</p><p>nenhuma confiança na capacidade do cliente para fazer quais-</p><p>quer dessas coisas. Pois na prática, “no momento em que o te-</p><p>rapeuta toma uma maior iniciativa, o que advogamos é que um</p><p>planejamento sistemático torna-se imperativo. Além da decisão</p><p>original quanto a um tipo especial de estratégia a ser empre-</p><p>gada no tratamento de qualquer caso, recomendamos o uso</p><p>consciente de várias técnicas, de maneira flexível, mudando as</p><p>táticas para que se adequem às necessidades particulares do</p><p>momento. Entre as modificações da técnica básica estão: usar</p><p>não somente o método de associação livre mas entrevistas de</p><p>um caráter mais direto, manipulando a freqüência das sessões,</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edişão</p><p>dando diretrizes ao paciente com respeito a sua vida cotidiana,</p><p>empregando interrupşões de curta ou longa duraşão na prepa-</p><p>raçäo do término do tratamento, regulando a relação de trans-</p><p>ferência para acomodar às necessidades do caso e fazendo</p><p>uso de experiências da vida real como uma parte integral da</p><p>terapia“. (1) Pelo menos isso não deixa dúvidas sobre se a hora</p><p>é do cliente ou do terapeuta: é claramente do último. As capaci-</p><p>dades que o cliente está por desenvolver, certamente não serão</p><p>desenvolvidas nas sessões terapêuticas.</p><p>0 terapeuta centrado no cliente situa-se num polo opos-</p><p>to, tanto teórica quanto praticamente. Ele aprendeu que as for-</p><p>şas construtivas do indivíduo podem ser confiáveis e, quanto</p><p>mais profundamente se apoia nelas, mais profundamente elas</p><p>são liberadas. Ele construiu seu procedimento a partir dessas</p><p>hipóteses, que rapidamente estão se estabelecendo como fa-</p><p>tos: que o cliente sabe quais são as áreas de preocupação que</p><p>está pronto para explorar; que o cliente é o melhor juiz para</p><p>saber qual</p><p>a freqüência mais desejável para as sessões; que o</p><p>cliente pode dirigir o percurso mais eficientemente que o tera-</p><p>peuta para os problemas mais profundos; que o cliente irá se</p><p>proteger do pânico parando de explorar uma área que está se</p><p>tornando muito dolorosa; que o cliente pode e irá revelar todos</p><p>os elementos reprimidos que säo necessários para construir</p><p>um ajustamento confortável; que o cliente pode conseguir insi-</p><p>ghts bem mais verdadeiros, sensíveis e acurados do que aque-</p><p>les que possivelmente Ihe fossem dados; que o cliente é capaz</p><p>de traduzir esses insights para um comportamento construtivo</p><p>em que avalia realisticamente suas próprias necessidades e</p><p>desejos para confrontá-los com a demanda da sociedade; que</p><p>o cliente sabe quando a terapia se completa e quando está</p><p>pronto para enfrentar a vida de modo independente. Só uma</p><p>condição é necessária para liberar todas essas forças: a atmos-</p><p>fera psicológica apropriada entre cliente e terapeuta.</p><p>Nossos relatos de casos e, cada vez mais, nossa pesqui-</p><p>sa atestam essas proposições. Poder-se-ia supor que haveria</p><p>uma reaşão geral favorável a essa descoberta, visto que ela im-</p><p>plica, de fato, abrir grandes reservatórios de energia até agora</p><p>pouco usados. Entretanto, nos grupos profissionais o inverso</p><p>é mais verdadeiro. Não há nenhum outro aspecto da Terapia</p><p>Centrada no Cliente que seja alvo de tão vigoroso ataque. Pa-</p><p>rece ser genuinamente perturbador para muitos profissionais</p><p>|35</p><p>John Keich Wood et a/. lorg. J</p><p>concordar com o pensamento de que esse cliente, sobre quem</p><p>eles vêm exercitando suas habilidades profissionais, saiba re-</p><p>almente mais sobre seu próprio self psicológico do que eles</p><p>mesmos possam saber; e que o cliente possua poderes cons-</p><p>trutivos que fazem com que o esforço construtivo do terapeuta</p><p>pareşa insignificante. A disposição plena em aceitar esse poder</p><p>do cliente, com toda a reorientaşão do procedimento terapêuti-</p><p>co que isso envolve, é uma das maneiras pelas quais a Terapia</p><p>Centrada no Cliente se diferencia mais acentuadamente de ou-</p><p>tras abordagens terapêuticas.</p><p>A Natureza Centrada no Cliente do Relacionamento Te-</p><p>rapêutico</p><p>0 terceiro aspecto diferenciador desse tipo de terapia é</p><p>a caracterização do relacionamento entre terapeuta e cliente.</p><p>Diferentemente de outras terapias, nas quais as habilidades do</p><p>terapeuta devem ser exercitadas sobre o cliente, nesta aborda-</p><p>36 gem as habilidades do terapeuta são focalizadas na criação de</p><p>uma atmosfera na qual o cliente possa trabalhar. Se o conse-</p><p>lheiro puder criar uma relação calorosa, permeada de compre-</p><p>ensão e segurança quanto a qualquer tipo de ataque, não im-</p><p>porta quão trivial, e de uma aceitaşão básica da pessoa como</p><p>ela é, então o cliente abandonará suas defesas naturais e tirará</p><p>proveito da situaşão. Ao tentarmos decifrar as características</p><p>de um relacionamento terapéutico bem sucedido, começamos</p><p>a perceber que o sentido de comunicação é muito importan-</p><p>te. Se o cliente sente que está verdadeiramente comunicando</p><p>suas atitudes presentes, por mais superficiais, confusas ou con-</p><p>flituadas que sejam, e que sua comunicaşão é compreendida</p><p>ao invés de ser avaliada de alguma forma, então fica liberado</p><p>para comunicar-se mais profundamente. Um relacionamento,</p><p>portanto, em que o cliente sinta que está se comunicando cer-</p><p>tamente será frutífero.</p><p>Tudo isso significa uma mudanşa drástica no pensamen-</p><p>to do conselheiro, particularmente se antes ele estava adotando</p><p>outras abordagens. Gradualmente, ele aprende que a afirma-</p><p>ção de que aquele tempo deve ser “a hora do cliente” significa</p><p>justamente isso, e que a sua tarefa maior é fazê-la cada vez</p><p>mais profundamente verdadeira.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ edişão</p><p>Talvez algo das características do relacionamento possa</p><p>ser sugerido por trechos de um artigo escrito por um jovem</p><p>padre que passou vários meses aprendendo os procedimentos</p><p>do aconselhamento centrado no cliente.</p><p>“0 fato da abordagem de aconselhamento näo</p><p>diretivo, centrada no cliente, ter sido cuidadosa-</p><p>mente definida e claramente ilustrada, dá a ”llusâo</p><p>de Simplicidade‟. A técnica parece ser, enganosa-</p><p>mente, fácil de dominar. Entâo, você começa a pra-</p><p>ticar. Uma palavra errada aqui, outra lá. Você nâo</p><p>reflete o sentimento, em vez disso, reflete o con-</p><p>teúdo. É difícil lidar com as perguntas; você fica</p><p>tentado a interpretar. Nada parece tâo sério que a</p><p>prática futura näo possa corrigir. Talvez você esteja</p><p>tendo problemas para desempenhar dois papéis -</p><p>o de padre e o de conselheiro. Traga a pergunta de</p><p>volta à sala de aula e o assunto será resolvido com</p><p>uma facilidade enganosa. Mas esses erros aparen-</p><p>temente pequenos e uma certa inflexibilidade nas 37</p><p>respostas parecem excessivamente persistentes.”</p><p>“Só gradualmente vai se perceóendo que, se for</p><p>verdadeira, a técnica exigirá um sentimento caloro-</p><p>so. Você começa a sentir que a atitude é a questão.</p><p>Nenhuma pequena palavra será täo importante, se</p><p>você tiver para com o cliente uma correta atitude</p><p>aceitadora e permissiva. Entâo, você vence, permi-</p><p>tindo e aceitando. Você irá permitir, aceitar e refletir</p><p>o cliente, nem que isso te mate!”</p><p>“Ainda assim você tern aquelas perguntas pertur-</p><p>badoras do cliente. Ele simplesmente nâo conhece</p><p>o próximo passo. Ele the pede uma dica, algumas</p><p>possibilidades, afinal de contas espera-se que você</p><p>saiba alguma coisa, senão, por que ele estaria Iá?</p><p>Como padre, você deve ter algumas convicções</p><p>sobre em que as pessoas devem acreditar, como</p><p>elas devem agir. Como conselheiro, vocé deve</p><p>saber um pouco como remover oóstáculos - você</p><p>precisa ter o equivalente ao b)stur) do ciru g ao e</p><p>John Keich Wood e¢ at. (org.</p><p>usá-lo. Aí você começa a se perguntar. A técnica é</p><p>boa, mas...será que tern alcance suficiente? Será</p><p>que ela rea/merite funciona com clientes? Será cer-</p><p>to deixar a pessoa desamparada, quando você tal-</p><p>vez possa mostrar-lhe a saída?”</p><p>“Eís aqui, para mim, o ponto crucial. ‟Estreita é a</p><p>passagem‟ e duro o caminho daqui para a ttente.</p><p>Ninguém mais pode dar respostas satisfatórias e</p><p>mesmo os supervisores parecem frustrados porque</p><p>năo parecem poder ajudá-lo no seu caso especi-</p><p>fico. Pois aqui se exige de você o que nenhuma</p><p>outra pessoa pode fazer ou assinalar - isto é, rigo-</p><p>rosamente examinar a si mesmo e suas atitudes em</p><p>relaçâo aos outros. Você verdadeiramente acredita</p><p>que todas as pessoas tenham um potencial criativo</p><p>nelas mesmas? Oue cada pessoa é única e que só</p><p>eta pode trabalhar e resolved sua própria individu-</p><p>alidade? Ou você realmente acredita que algumas</p><p>38 pessoas tenham um „valor negativo e outras sejam</p><p>fracas e precisem ser conduzidas e ensinadas por</p><p>gente mais „sábia‟ e mais „forte‟?”</p><p>“Você começa a ver que nâo há nada compar-</p><p>timentalizado nesse método de aconselhamento.</p><p>Nâo é somente aconselhamento, porque exige a</p><p>consistência mais exaustiva, penetrante e abran-</p><p>gente possivel. Em outros métodos, você pode</p><p>contar com certos instrumentos e escolhê-los para</p><p>usar quando qU/ser. Mas quando aceitaçäo e per-</p><p>missividade genuínas sâo os seus instrumentos,</p><p>isso requer nada menos que sua completa perso-</p><p>nalidade. E desenvolver-se a si mesmo é a exigên-</p><p>cia maior.”</p><p>O padre prossegue discutindo a noção de que o conse-</p><p>lheiro deva ser refreado e “renunciar a si”. Conclui que essa é</p><p>uma noşão errada.</p><p>“Ao invés de exigir menos da personalidade do</p><p>conselheiro nessa situaçâo, o aconselhamento</p><p>centrado no cliente, de alguma forma, exige mais.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5• edişão</p><p>Exige disciplina, nâo restriçâo. Exige o máximo de</p><p>sensibilidade e estima, canalizadas e disciplinadas.</p><p>Exige que o conselheiro ponha na situaçâo tudo o</p><p>que ele tern dessas qualidades preciosas, mas de</p><p>maneira disciplinada, refinada. E restrição somente</p><p>no sentido de que o conselheiro näo se expressa</p><p>em certas áreas como o faz em outras.”</p><p>“Até mesmo isso é enganoso, entretanto.</p><p>Näo é</p><p>tanto restriçâo em alguma área mas uma focaliza-</p><p>ção, sensibilizando as próprias energias e a perso-</p><p>nalidade na direçâo de uma atitude apreciadora e</p><p>compreensiva.”</p><p>À medida que o tempo foi passando, fomos colocando</p><p>maior ênfase na qualidade de “centralizaşão no cliente” da re-</p><p>lação, porque esta será tanto mais efetiva quanto mais comple-</p><p>tamente o conselheiro concentrar-se em tentar compreender o</p><p>cliente como o cliente parece a si mesmo. Ao rever alguns dos</p><p>nossos primeiros casos publicados - o caso de Herbert Bryan no 39</p><p>meu livro, ou o de Snyder sobre Mr. M., constatei que gradual-</p><p>mente abandonamos os vestígios de uma sutil diretividade, que</p><p>eram tão evidentes naqueles casos. Viemos a reconhecer que,</p><p>se pudermos prover a compreensão do modo como o cliente</p><p>parece a si mesmo nesse momento, ele pode fazer o resto. 0</p><p>terapeuta deve pôr de lado sua preocupaşão com diagnóstico</p><p>e sua perspicácia em diagnosticar, deve descartar sua tendên-</p><p>cia a fazer avaliações profissionais, deve cessar seus esforşos</p><p>em formular prognósticos acurados, deve abandonar a sutil</p><p>tentação de guiar o indivíduo, e deve se concentrar num único</p><p>propósito: o de prover uma profunda compreensão e aceitação</p><p>das atitudes conscientemente sustentadas no momento pelo</p><p>cliente, enquanto explora passo a passo áreas perigosas que</p><p>têm sido negadas à consciência.</p><p>Acredito que tenha ficado evidente, através dessa descri-</p><p>şão, que esse tipo de relacionamento somente poderá existir</p><p>se o conselheiro for capaz de adotar tais atitudes genuína e</p><p>profundamente. 0 aconselhamento centrado no cliente, se qui-</p><p>ser ser efetivo, não poderá ser um truque ou uma técnica. Não</p><p>é um modo sutil de guiar o cliente, enquanto fingimos deixá-lo</p><p>guiar-se a si próprio. Para ser efetivot deve ser genu no.BE essa</p><p>John Keith Wood et at. (org.)</p><p>sensível e sincera “centralização no cliente", que eu considero</p><p>como a terceira característica da terapia não-diretiva, que a dis-</p><p>tingue das outras abordagens.</p><p>Algumas Implicações</p><p>Embora a Abordagem Centrada no Cliente tenha tido sua</p><p>origem puramente dentro dos limites da clínica psicológica, está</p><p>provando ter implicaşões, freqüentemente de natureza surpre-</p><p>endente, em muitas áreas bastante diferentes de atuaşão. Gos-</p><p>taria de sugerir algumas das impłicações atuais e potenciais.</p><p>No próprio campo da psicoterapia, ela conduz a conclu-</p><p>söes que parecem completamente heréticas. Parece evidente</p><p>que treinamento e prática em terapia deveriam provavelmente</p><p>preceder ao treinamento no campo do diagnóstico. Conheci-</p><p>mento e habilidade para diagnóstico não são necessários para</p><p>uma boa terapia, uma declaração que soa como blasfêmia para</p><p>muitos; e se o profissional, seja psiquiatra, psicólogo, ou assis-</p><p>40 tente social, recebesse treinamento em terapia, primeiramente</p><p>aprenderia a dinâmica psicológica de uma maneira verdadeira-</p><p>mente dinâmica, e iria adquirir humildade profissional e disponi-</p><p>bilidade de aprender com seu cliente, o que hoje é muito raro.</p><p>Esse ponto de vista parece ter implicaşões para a me-</p><p>dicina. Tern me fascinado observar, por exemplo, que quando</p><p>um proeminente alergista começou a usar Terapia Centrada no</p><p>Cliente para o tratamento de alergias não-específicas, não só</p><p>obteve excelentes resultados terapêuticos, como a experiência</p><p>começou a afetar toda a sua prática médica. Gradualmente sig-</p><p>nificou uma reorganização do seu procedimento no consultó-</p><p>rio. Ele deu às suas enfermeiras um novo tipo de treinamento,</p><p>voltado a como entender o paciente. Decidiu ter todas as histó-</p><p>rias clínicas colhidas por uma pessoa não médica treinada com</p><p>técnicas não-diretivas, com o objetivo de conseguir um quadro</p><p>verdadeiro dos sentimentos e atitudes do cliente em relação a</p><p>si mesmo e à sua saúde, livre da confusão devida à predispo-</p><p>sição da avaliação diagnóstica, que é quase inevitável quando</p><p>uma pessoa da área médica colhe a história e inadvertidamente</p><p>distorce o material devido a seus julgamentos prematuros. Ele</p><p>achou essas histórias muito mais úteis para os médicos do que</p><p>aquelas elaboradas por eles mesmos.</p><p>Abordagem Centrada na Pessoa | 5^ ediçăo</p><p>0 ponto de vista centrado no cliente já mostrou ter impli-</p><p>cações significativas para o campo de levantamento de dados</p><p>para pesquisa de opinião pública. 0 uso de tais técnicas por</p><p>Likert, Lazarsfeld e outros, significou a eliminação de muito viés</p><p>nesses estudos.</p><p>Essa abordagem tern, segundo acreditamos, impłica-</p><p>ções profundas para lidar com conflitos sociais e de grupos,</p><p>como apontei em outro artigo (9). Nosso trabalho em aplicar</p><p>o ponto de vista centrado no cliente a situaşões de terapia de</p><p>grupo, enquanto ainda nas suas fases iniciais, nos levou a sen-</p><p>tir que pode estar em nossas mãos uma pista significativa para</p><p>soluções construtivas de conflitos interpessoais e interculturais</p><p>nos grupos. A aplicação desses procedimentos para grupos</p><p>gerenciais, grupos inter-raciais, grupos com problemas e ten-</p><p>sões pessoais, já está em andamento.</p><p>No campo da educaşão, também, a Abordagem Cen-</p><p>trada no Cliente está encontrando aplicaşões significativas. 0</p><p>trabalho de Cantor(4), cuja descrişão sairá publicada em breve,</p><p>destaca-se nesse contexto, mas certo número de professores</p><p>está descobrindo que os métodos criados para a terapia, pro- 41</p><p>duzem um novo tipo de processo educacional, um aprendizado</p><p>independente, altamente desejável, e mesmo uma reorientação</p><p>da direção individual que é muito semelhante aos resultados da</p><p>terapia individual ou de grupo.</p><p>Mesmo no domínio da nossa orientação filosófica, a</p><p>Abordagem Centrada no Cliente tern profundas implicações.</p><p>Gostaria de indicá-las retomando algumas breves passagens</p><p>de um artigo anterior. (9)</p><p>Ao examinar e tentar avaliar nossa experiência clínica em</p><p>Terapia Centrada no Cliente, o fenômeno da reorganização das</p><p>atitudes e o redirecionamento da conduta pelo indivíduo, as-</p><p>sume cada vez mais uma importância maior. Esse fenômeno</p><p>parece encontrar explicações inadequadas em termos do de-</p><p>terminismo, que é o suporte filosófico predominante da maior</p><p>parte do trabalho psicológico. A capacidade do indivíduo de</p><p>reorganizar suas atitudes e conduta de uma maneira não de-</p><p>terminada por fatores externos, nem por elementos prévios da</p><p>sua própria experiência, mas determinada por seu próprio insi-</p><p>ght desses fatores, é uma capacidade impressionante. Envolve</p><p>uma espontaneidade básica que temos relutado em admitir no</p><p>nosso pensamento científico.</p><p>John Keith Wood e¢ al. (org. J</p><p>Pode-se resumir a experiência clínica dizendo-se que</p><p>o comportamento do organismo humano pode ser determina-</p><p>do pelas influências a que foi exposto, mas pode também ser</p><p>determinado pelo insight criativo e integrador do próprio orga-</p><p>nismo. Essa habilidade da pessoa em descobrir novo sentido</p><p>nas forşas que a atingem e nas experiências passadas que a</p><p>têm controlado, e a habilidade para alterar conscientemente</p><p>sua conduta à luz do novo sentido, tern profundo significado</p><p>sobre nosso pensamento, o que não foi ainda inteiramente</p><p>compreendido. Precisamos revisar a base filosófica do nosso</p><p>trabalho de forma que se possa admitir a existência de forşas</p><p>dentro do indivíduo que podem exercer influência espontânea</p><p>e significativa sobre a conduta que não é previsível através do</p><p>conhecimento das influências e condicionamentos anteriores.</p><p>As forças liberadas pelo processo catalizador da terapia näo</p><p>podem adequadamente ser atribuídas a um conhecimento dos</p><p>condicionamentos prévios do indivíduo; é necessário conceber</p><p>a presença de uma forşa espontânea dentro do organismo que</p><p>tenha capacidade de integraşão e redirecionamento. Essa ca-</p><p>42 pacidade de controle volitivo é a força que devemos levar em</p><p>conta em qualquer equaşão psicológica .</p><p>Assim, deparamo-nos com uma abordagem que come-</p><p>çou como um mero modo de lidar com problemas humanos</p><p>de desajustamento, mas acabou por nos forçar a uma reavalia-</p><p>şão dos nossos conceitos filosóficos básicos.</p>

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