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<p>I</p><p>Estado do Rio Grande do Norte</p><p>Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Desporto - SEECD</p><p>UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN</p><p>FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS - FAFIC</p><p>Campus Avançado Prefeito Walter de Sá Leitão – CAWSL</p><p>Departamento de História</p><p>FÉ E DEVOÇÃO NA CIDADE DE FLORÂNIA: UM OLHAR HISTÓRICO</p><p>José Júnior Filho</p><p>Orientadora: Drª. Josiane Maria de Castro Ribeiro</p><p>ASSU/RN</p><p>2014</p><p>II</p><p>JOSÉ JÚNIOR FILHO</p><p>FÉ E DEVOÇÃO NA CIDADE DE FLORÂNIA: UM OLHAR HISTÓRICO</p><p>Monografia apresentada à Universidade do Estado do Rio</p><p>Grande do Norte-UERN/- CAWSL de Assu, como parte</p><p>dos requisitos para obtenção do grau em Licenciatura em</p><p>História.</p><p>Orientadora: Drª. Josiane Maria de Castro Ribeiro</p><p>ASSU/RN</p><p>2014</p><p>II</p><p>FÉ E DEVOÇÃO NA CIDADE DE FLORÂNIA: UM OLHAR HISTÓRICO</p><p>Monografia apresentada à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-</p><p>UERN/CAWSL de Assú, como parte dos requisitos para obtenção do grau em</p><p>Licenciatura em História.</p><p>Aprovado em: / /</p><p>Banca examinadora:</p><p>Doutora Josiane Maria de Castro Ribeiro</p><p>Professora Orientadora</p><p>Universidade do Estado do Rio Grande do Norte</p><p>Antônio Gomes da Silva</p><p>Professor Examinador</p><p>Universidade do Estado do Rio Grande do Norte</p><p>Mestre Roberg Januário dos Santos</p><p>Professor Examinador</p><p>Universidade do Estado do Rio Grande do Norte</p><p>IV</p><p>DEDICATÓRIA</p><p>Dedico este trabalho a todos os</p><p>católicos da cidade de Florânia.</p><p>V</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>Primeiramente agradeço a Deus por estar sempre comigo, mostrando-me que sou</p><p>capaz de fazer e seguir em frente na vida, ajudando-me a enfrentar e superar os desafios que</p><p>estão no caminho. Louvado seja o Senhor por tudo o que existe, pois sem tua permissão nada</p><p>estaria em harmonia. Obrigado por meus estudos e por estar passando por mais uma fase da</p><p>minha vida, obrigado pelas pessoas que estão ao meu redor e que de uma maneira ou outra</p><p>contribuíram para essa vitória na minha vida. Essa vitória também é de todos!</p><p>Aos meus santos de devoção Nossa Senhora das Graças e ao Arcanjo São Miguel</p><p>que durante todo esse período na minha vida intercederam por mim.</p><p>Agradeço aos meus pais, José Júnior de Souza e Maria do Carmo Gomes, por</p><p>terem me amado e me ensinado que pra realizar os sonhos, basta lutar! Pelo incentivo que me</p><p>deram desde criancinha para estudar. Graças a eles eu sou o que sou! Por isso e por tudo,</p><p>obrigado pai e obrigado mãe, Deus os abençoe!</p><p>Agradeço às minhas irmãs, Socorro, Rita de Cássia e Renata, pelo afeto e pelo</p><p>amor, que sempre expressaram por mim. Agradeço principalmente a minha irmã Graça Souza,</p><p>que se não me tivesse “obrigado” a fazer aquele vestibular, eu não teria enxergado que sou</p><p>capaz, e descoberto que amo História. Agradeço também a todos os meus familiares, por</p><p>confiarem em mim e depositarem esperanças nos meus propósitos. Tenho orgulho de fazer</p><p>parte da mesma família que vocês.</p><p>Agradeço ao meu amor, Bastinha, que esteve comigo esse tempo e que sempre me</p><p>apoiou, compreendeu-me e me fez enxergar junto dela um futuro próspero. “Mô” te amo!</p><p>Essa vitória também é sua!</p><p>À Paróquia de São Sebastião, especialmente ao padre Carlos Eduardo de Lira,</p><p>pelo apoio durante esse período de estudo. À família RCC (Renovação Carismática Católica)</p><p>– Grupo de Oração Shalom, pelas orações e momentos de descontração que me</p><p>proporcionaram.</p><p>Não posso esquecer-me de agradecer a minha orientadora Josiane Maria de Castro</p><p>Ribeiro, ou apenas Jô, que não deixou de acreditar em mim. Que confiou na minha pesquisa e,</p><p>consequentemente, na minha capacidade. Sinto grande carinho por você! Agradeço a todos os</p><p>VI</p><p>professores do Departamento de História que tanto tributaram para meu aprendizado.</p><p>Obrigado a todos! Também agradeço aos funcionários da UERN – CAWSL, que sempre me</p><p>acolheram bem, quer no horário de aulas, quer nas noites em que se fazia necessário dormir</p><p>em alguma das salas.</p><p>Um obrigado mais que especial aos meus colegas de sala, saibam que vocês</p><p>ficarão guardados em meu coração para o resto da vida. Em especial quero destacar o “Grupo</p><p>dos Seis”: Celinha, Cleiane, Ana Raquel, Rayra e André, e também a Marinalva. Como diz a</p><p>letra de uma música “Amigos para sempre é o que nós iremos ser, na primavera ou em</p><p>qualquer das estações. Amigos para sempre!” Aprendi muito com vocês. Obrigado! Sentirei</p><p>muitas saudades. À Dona Francisca que sempre me acolheu em sua residência em Itajá/RN.</p><p>Quero agradecer também a Maria do Socorro Tavares, diretora da Escola Nossa</p><p>Senhora das Graças, que sempre me apoiou nos momentos que eu precisava ficar em Assu,</p><p>permitindo adequação no horário de trabalho.</p><p>Ao meu grande amigo Raimundo Fábio e a minha amiga Elianne Alves que se</p><p>dispuseram a fazer o abstract e as correções ortográficas, respectivamente. A júnior Galdino e</p><p>a Dona Iracir por se disponibilizarem para a entrevista, e a Netinho que fez minha locomoção</p><p>para as entrevistas.</p><p>Enfim, ao povo brasileiro, especialmente os norte-rio-grandenses, que me</p><p>permitiu ter um ensino superior numa Universidade púbica de qualidade. Aos motoristas que</p><p>durante esse tempo fizeram as viagens Florânia-Assu-Florânia. Aos meus colegas de viagem</p><p>pelos momentos de descontração, à Prefeitura Municipal de Florânia pela ajuda financeira, e a</p><p>todos que direta ou indiretamente contribuíram para essa realização.</p><p>VII</p><p>“A História é um conjunto de mentiras sobre as quais se</p><p>chegou a um acordo”.</p><p>Napoleão Bonaparte</p><p>http://pensador.uol.com.br/autor/napoleao_bonaparte/</p><p>VIII</p><p>RESUMO</p><p>A cidade de Florânia, envolta de mística, mistérios e mitos, nos motivou na pesquisa à</p><p>investigação das origens religiosas e devocionais, desde a fé no santo padroeiro, São</p><p>Sebastião, com a promessa feita por Athanásio Fernandes, passando pelos mistérios em torno</p><p>do Zé Leão que foi esquartejado vivo e é tido como santo pela população local, até chegar ao</p><p>mito da Santa Menina que, segundo populares, era uma criança que se perdeu e morreu de</p><p>fome e sede e, por isso, também foi santificada. Este último evento religioso deu origem ao</p><p>Santuário das Graças, que foi edificado para conter o crescimento das crenças populares e</p><p>servir de referência para toda a Diocese de Caicó. Tais acontecimentos de cunho religioso, ora</p><p>oficial ora marginal, constituem elementos imprescindíveis para o delineamento de uma</p><p>análise sobre o espaço religioso, sociocultural, político, gerido na dominação do homem</p><p>branco e, sobretudo, da Igreja e que assumem um papel de fundamental importância para a</p><p>história local.</p><p>Palavras-chaves: Religiosidade popular, Santa Menina, Zé Leão, História de Florânia</p><p>IX</p><p>ABSTRACT</p><p>The city of Florânia , shrouded in mystique, mysteries and myths, we motivated ourselves in</p><p>our research to the investigation of religious and devotional origins, from faith in patron saint</p><p>, San Sebastian , with the promise made by Athanasius Fernandes, crossing around the</p><p>mysteries surrounding the Zé Leão, who was quartered alive and is considered a holy person</p><p>by the local people, until the myth of The Saint girl , who according to popular people was a</p><p>child who got lost and died of hunger and thirst , and therefore she was also sanctified . This</p><p>last religious event gave rise to the Sanctuary of Graces, which</p><p>de Caicó, Natal e João Pessoa passavam parte de suas férias acadêmicas, apresentavam-se</p><p>como fatores que impulsionavam cada vez mais o clero a erguer um santuário dedicado à</p><p>Maria, Mãe de Jesus, já que na Diocese de Caicó ainda não contava com um lugar para</p><p>peregrinações e os fiéis buscavam outras localidades que possuíam tal ambiente.</p><p>Os fiéis acorriam a outras localidades, especialmente Juazeiro do Norte</p><p>(cidade do Padre Cícero) e Canindé (Santuário de São Francisco das Chagas)</p><p>ambas no Ceará. Os que se achavam impedidos de grandes deslocamentos,</p><p>supriam suas necessidades místicas junto a locais particulares não aprovados</p><p>pelas autoridades eclesiásticas [a capela da cruz de Zé Leão] (Idem, 2002,</p><p>19).</p><p>Carlos Alberto Steil, no livro Sertão das Romarias, mostra os significados e as</p><p>interpretações das experiências religiosas a partir das romarias realizadas aos locais tidos</p><p>como sagrados, e aponta para uma tensão interna e permanente entre duas estruturas de</p><p>significados no culto das romarias, que estariam apontando para idealizações opostas, ou</p><p>“tipos ideais”, no sentido weberiano, do que seria uma verdadeira peregrinação.</p><p>Os rituais são importantes ainda, porque as pessoas sabem agir sobre o</p><p>mundo, criando e alterando rituais, enquanto instrumentos de sua ação. Isto,</p><p>no entanto, não significa negar que os rituais também possuem um bias</p><p>conservador, na medida em que serve para dar um sentido de continuidade</p><p>de um período de longa duração (STEIL, 1996.p.115).</p><p>28</p><p>No Catolicismo existem muitas festas, diversas crenças e dogmas de promessas e</p><p>homenagens ao Sagrado. Os fiéis que acreditam na existência de seres superiores capazes de</p><p>sanar suas aflições buscam deles proteção. Uma das diversas formas de se receber a</p><p>intercessão junto ao divino são esses rituais de penitência e dificuldade, que se tornam</p><p>símbolos de homenagens ao sagrado.</p><p>3.1 – O Santuário e a história da Santa Menina</p><p>A história do Santuário das Graças é cercada, ainda hoje, por mistérios da suposta</p><p>morte de uma menina tida como Santa no imaginário popular, que atribuiu à morte da criança</p><p>características que validam sua santidade. Por isso, as narrativas sobre a „Santa Menina‟</p><p>apresentam versões diferentes acerca das razões que levaram a criança ao óbito, no entanto,</p><p>guardam entre si a ideia de sofrimento, dor e martírio.</p><p>O mundo “real” da violência, da pobreza e das secas que matavam o</p><p>sertanejo de sede e fome se entrelaça com o mundo “ideal (desejado) que</p><p>depositava inestimável valor nas redes de apadrinhamentos e devoções, fruto</p><p>de catolicismo com pouca Igreja, mas cheio de oratórios. Apesar de tudo,</p><p>busca-se a certeza de segurança e coerência na ordem de todas as coisas.</p><p>(RAMOS, 1998. pág. 41)</p><p>Uma das versões de populares sobre a história da menina diz que ela era de uma</p><p>família de retirantes e perdeu-se de seus pais. Para saciar a fome, a garotinha distanciou-se da</p><p>família em busca de frutas de cardeiro32 no alto de uma colina, e sem saber o caminho para o</p><p>retorno morreu de fome e sede. Outra versão, narrada pelos devotos, aponta que a “Santa</p><p>Menina” teria morrido em tenra idade, em consequência de maus tratos causados por sua</p><p>madrasta. Há uma terceira corrente que afirma ter sido a menina martirizada, violentada e</p><p>estuprada33, constando ainda que ela tinha lutado para não ser desonrada. A pobreza, o</p><p>32 Nome popular de uma planta de família dos cactáceos trata-se de um cacto de grande porte, podendo chegar</p><p>até 15 metros de altura, produz uma flor vistosa, de coloração branca e também frutos com uma polpa branca,</p><p>comestíveis.</p><p>33</p><p>MEDEIROS FILHO, João. O Monte de Florânia e o Santuário de Nossa Senhora das Graças. Natal, RN:</p><p>Fundação José Augusto; Rio de Janeiro, RJ: Letra Capital. 2002.</p><p>29</p><p>sofrimento e o martírio, características primordiais, portanto, para a efetivação da santidade da</p><p>menina perdida.</p><p>De acordo com a lenda mais contada no ano de 1947, um frei capuchinho, de</p><p>nome Otávio, sonhou que na cidade de Florânia (na época ainda Flores), no alto de uma</p><p>colina havia um corpo de uma criança de se tornara santa. Esse frei teria vindo em missão e</p><p>encontrado o corpo da menina enterrado embaixo de uma umburana – em alguns</p><p>depoimentos, conta-se que o corpo estava enterrado até a cintura e que a criança segurava na</p><p>mão uma fruta de cardeiro – e o teria levado com ele com a ajuda do vigário paroquial da</p><p>época, o padre Ambrósio Silva e o sacristão Abílio Córdula, estes, no entanto, não teriam</p><p>visto o corpo da menina. Frei Otávio prometeu que enviaria uma imagem idêntica ao corpo da</p><p>menina que encontrara.</p><p>De acordo com Dona Iracir (84 anos):</p><p>(...) Eles foi nesse braço de cruz não era aí (...) Era uma imburana e ali era</p><p>um pé de faveleiro, não era imburana (...) “Vamos no outro braço de cruz!”</p><p>Eu estava acordada ainda, na casa de taipa (...) aí eles passou aqui ... eles iam</p><p>à pés (.,.) aí acharam debaixo do pé de imburana, lá em cima do monte (...) o</p><p>corpo santo, a menina (...) Encontraram a menina aí o padre levou pra Roma</p><p>aí ficou o pé de imburana (...) Aí ficou um cotoquinho deste tamanho, vinha</p><p>gente até do estrangeiro atrás da casca da imburana. Cheirava, cheiro de</p><p>santo a casca da imburana.</p><p>A devoção à Santa Menina – chamavam de “Santa Menina”, pois não sabiam o</p><p>seu nome – começava a erguer-se. Logo as pessoas passaram a subir a colina para fazer</p><p>pedidos e promessas e colocarem os ex-votos embaixo da árvore onde supostamente a menina</p><p>morreu. Os peregrinos retiravam as cascas da umburana para fazer chás em busca da cura de</p><p>doenças e para a confecção de amuletos da sorte. Na foto a seguir vemos uma romaria feita ao</p><p>monte para visitar a umburana:</p><p>30</p><p>Foto 4: Primeira Romaria à Umburana em 1947. Fonte:</p><p>Arquivo Paroquial</p><p>A umburana é considerada milagrosa e sagrada pelos fiéis e crentes da Menina</p><p>Santa, constituindo um fator importante de devoção, no entanto Eliade (1992, pág. 13) explica</p><p>que:</p><p>O homem ocidental moderno experimentou certo mal estar diante de</p><p>inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele aceitar</p><p>que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em</p><p>pedras ou árvores, por exemplo. Mas como não tardamos a ver não se</p><p>trata de uma veneração da pedra como pedra, um culto da árvore como</p><p>árvore. A pedra sagrada, a árvore sagrada não são adoradas como</p><p>pedra ou como árvore, mas justamente porque são hierofonias, porque</p><p>“revelam” algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado.</p><p>A utilização desta umburana teve uma repercussão tão abrangente, que com o</p><p>decorrer do tempo foi destruída. Hoje, dela só resta parte do seu tronco como relíquia Santa e</p><p>marco religioso, preservado dentro de uma dependência denominada “casa dos milagres”, no</p><p>Santuário das Graças, destinada a guardar objetos trazidos pelos romeiros, representando</p><p>votos pela população religiosa34.</p><p>34 Revista 100 anos de fé: partilhar a vida e construir a historia. Paróquia de São Sebastião. Florânia/RN. Numero</p><p>01, Janeiro de 2005. Pág. 11.</p><p>31</p><p>Com a chegada da imagem que o frei enviara “a cidade toda ficou extasiada, o</p><p>povo queria comprovar observando se a Menina Santa parecia com os seus familiares, outros</p><p>até queriam furar o corpo da santa com alfinetes pra saber se sangrava” (idem). Com isso o</p><p>padre Ambrósio ordenou que se escondesse tal imagem da população, não apenas pelo</p><p>tumulto causado em torno da Santa Menina, mas principalmente pelo distanciar do povo da</p><p>doutrina da Igreja Católica. Já havia o caso de Zé Leão e agora o da Santa Menina.</p><p>O catolicismo passava pelo processo de romanização35 na tentativa de orientar as</p><p>igrejas católicas das diferentes nações nas diretrizes da Santa Sé. Foi combate sistemático ao</p><p>catolicismo popular, sob orientação de bispos que buscavam reformas</p><p>a fim de substituir e</p><p>silenciar as formas de organização e manifestação da religiosidade popular por capelas,</p><p>santuários, peregrinações, ex-votos e devoções.</p><p>Para que as crenças populares diminuíssem na cidade de Florânia, Medeiros Filho</p><p>(2002, pág. 17) afirma que a solução estaria no próprio povo já que “a piedade do povo, a sede</p><p>religiosa e mística, a existência da colina (onde teria sido enterrado o corpo da Santa Menina)</p><p>apontavam para a construção de uma capela ou santuário”.</p><p>No entanto, surgem indagações bastante relevantes: será que a construção do</p><p>Santuário no alto da colina – local do suposto óbito da menina – não causaria o fortalecimento</p><p>de mais uma crença popular? Poderia até diminuir as peregrinações à cruz de José Leão, mas</p><p>o culto agora passaria a ser para a Santa Menina – que assim como Zé Leão era santa apenas</p><p>no imaginário popular. Seria edificado um santuário de caráter marginal?</p><p>Com aprovação diocesana, alguns religiosos capuchinhos liderados por Frei</p><p>Otávio Silvestri, OFMcap, no mesmo ano, “fizeram uma procissão até o cume do Monte e</p><p>sugeriram erigir uma pequena capela no cimo da colina”, pois de lá “deveria brilhar a luz</p><p>divina para todo o Seridó”. (Idem, Idem). Dentro de três meses a capela foi erguida,</p><p>demorando quase um ano para que lhe fosse atribuída uma padroeira. Na foto a seguir</p><p>35 A romanização pode ser entendida, em termos gerais, como um movimento reformador da prática católica no</p><p>século XIX, principalmente na segunda metade, que buscava retomar as determinações do Concílio de Trento,</p><p>sacralizar os locais de culto, moralizar o clero, reforçar a estrutura hierárquica da Igreja e diminuir o poder dos</p><p>leigos organizadores nas irmandades. O pensamento ultramontano, acompanhando de perto as diretrizes</p><p>romanizadoras, defendia os princípios da Igreja e condenava o pensamento liberal moderno em todas as suas</p><p>dimensões. (ABREU, Marta. O império do divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-</p><p>1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP,1999,P.312.In:RIBEIRO, Joseane. Penitência e Festa:</p><p>as Missões de Padre Ibiapina no Ceará. Fortaleza: expressão gráfica e Editora Ltda. 2006.)</p><p>32</p><p>podemos ver a capela sendo erguida e ao lado a umburana, suposta árvore onde a Menina foi</p><p>encontrada:</p><p>Foto 5: Construção da Capela do Monte de Nossa</p><p>Senhora das Graças. Fonte: Arquivo Paroquial</p><p>Com a crescente mística em torno da menina que já se chamava de Santa, o</p><p>santuário que seria edificado deveria ser dedicado a Nossa Senhora das Graças, decisão</p><p>tomada pelo bispo da época Dom José de Medeiros Delgado, que se apoiava nas honras do</p><p>Papa Pio XII a Santa Catarina Labouré, beatificada em 28 de maio de 1933 por Pio XI, de que</p><p>as aparições de Nossa Senhora das Graças a Catarina foram reconhecidas como autênticas</p><p>pela Igreja. (Abordaremos melhor sobre a padroeira do Santuário no próximo ponto). Em 27</p><p>de novembro de 1949 o bispo enviou uma carta direcionada ao povo de Florânia:</p><p>Um clima particularmente renovado de almas e corações na mais alta</p><p>expressão de autenticidade cristã, vem sendo o desenvolvimento da devoção</p><p>à Virgem Maria em Florânia.</p><p>A construção do santuário de Nossa Senhora das Graças empreendida</p><p>pelo vigário com nossas bênçãos, acha-se ao centro do referido clima de</p><p>renovação cristã. [grifo nosso]</p><p>De nada valeram felizmente, uns ruídos de mistificadora superstição que</p><p>envolveram o crescimento do aludido santuário.[grifo nosso]</p><p>Fazemo-nos presente a todos os acontecimentos, atuou eficaz a graça de</p><p>Deus nas inteligências e nos corações da gente excelente deste pedaço</p><p>amado de sertão, e fiel ao santuário de Maria Santíssima, a branquejar no</p><p>33</p><p>cimo do Monte das Graças, representa para a freguesia e para a Diocese uma</p><p>grande luz acesa para iluminar. [grifo nosso]</p><p>Que em breve esta querida piedade Mariana servirá na Diocese do esteio e</p><p>alma, da coordenação da Ação católica. [grifo nosso]</p><p>Hoje mesmo por ocasião concentração religiosa das Congregações Marianas</p><p>e Associações da Diocese, com as bênçãos de Deus pelas mãos de Nossa</p><p>Senhora será por nós lançada a magma idéia a que não faltarão.</p><p>Dom José, Bispo Diocesano36</p><p>Analisando o discurso dessa carta notamos que ao enfatizar a devoção à Maria,</p><p>Mãe de Jesus, Dom José procura mostrar ao povo que a fé se renova, pois a graça divina agiu</p><p>na inteligência dos que querem preservar a fidelidade à Igreja. A mãe de Jesus sempre foi</p><p>querida entre os cristãos católicos sendo invocada desde o cristianismo primitivo – e diante do</p><p>velho ditado popular que diz: “pede à mãe que o filho atende”, fazendo menção ao episódio</p><p>da Festa de Caná, que a Bíblia narra que Jesus transformou água em vinho – é utilizada para a</p><p>Ação Católica no Seridó em combate às crenças e mitos que distanciasse o povo dos</p><p>ensinamentos da Igreja.</p><p>Em depoimento, no documentário Com quantas Ave-Marias se faz uma Santa?</p><p>(2007), Dona Maria Emídia relata que Dom José Delgado fez uma visita pastoral a Florânia</p><p>para ainda mais reforçar o que escreveu em sua carta ao povo floraniense:</p><p>No domingo dia 22, nós foi pra missa, eu mermo fui (...) Aí ele foi e falou</p><p>que o padre tinha tirado uma santa dali, um corpo santo. Ele viu o corpo</p><p>santo. Aí disse que tinha (...) era pra fazer uma capela que o frade disse, e</p><p>celebrar missa, mas não cortar a imburana. Aí fizeram a capela: setembro,</p><p>outubro e novembro a capela já estava feita (...) Eu rezo pra todas duas, mas</p><p>a santa do monte é Santa Menina e Nossa Senhora das Graças é a dona do</p><p>mundo, aí ficou porque o bispo disse que um pecador não tinha um filho pra</p><p>ser santo, matéria pecadora.</p><p>3.2 – Por que Nossa Senhora das Graças?</p><p>A Igreja, não querendo fazer ligação alguma com o acontecimento da menina</p><p>encontrada, buscou escolher o mais rápido possível o título invocado para quem fora</p><p>construído o Santuário: Maria, Mãe de Jesus, a quem fora construído o Santuário, e não Santa</p><p>36</p><p>Revista 100 anos de fé: partilhar a vida e construir a historia. Paróquia de São Sebastião. Florânia/RN. Numero</p><p>01, Janeiro de 2005. pág. 95.</p><p>34</p><p>Menina. Segundo as pesquisas de Medeiros Filho (2002) três oragos foram estudados: Nossa</p><p>Senhora Menina, Nossa Senhora do Monte e Nossa Senhora das Graças.</p><p>Como o intuito da construção do santuário foi também para combater as crenças</p><p>populares em Florânia e ampliar a fidelidade à Igreja, o título de padroeira do Santuário não</p><p>foi de Nossa Senhora Menina. Esse título fora proposto pelos frades capuchinhos que estavam</p><p>em missão na diocese, levando em conta que a padroeira da Diocese é Santana, a mãe de</p><p>Maria, e não foi aceito por dois motivos: em primeiro lugar para que não se alimentasse a</p><p>ideia de que a menina encontrada era Maria Mãe de Jesus quando criança; o segundo motivo</p><p>foi devido Nossa Senhora Menina ser a Padroeira da Igreja Católica Brasileira:</p><p>Eclodia no Rio de Janeiro o rompimento do Bispo Carlos Duarte (1888-</p><p>1961), mais conhecido como o bispo de Maura, com a Igreja Católica</p><p>Apostólica Brasileira. Separando-se de Roma e afastando-se da Sé</p><p>Apostólica, o bispo cismático funda a Igreja Católica Apostólica Brasileira</p><p>(ICAB) – ou simplesmente Igreja Católica Brasileira ou Igreja Brasileira –</p><p>com sede na então Capital da República (MEDEIROS FILHO, 2002. pág.</p><p>22).</p><p>Para a Igreja o perigo não estava no título ou orago de Nossa Senhora Menina,</p><p>mas na “possibilidade de dos incautos pensarem que a Igreja Católica Apostólica Romana e a</p><p>Igreja Brasileira eram a mesma”. Com isso, os paroquianos pensaram em Nossa Senhora do</p><p>Monte, devido à localização da capela em cima do monte. No entanto, esse título poderia</p><p>confundir a fé dos fiéis levando-os a pensar na existência da “santa do Monte”:</p><p>Há de se convir que tal título poderia confundir os mais simples, pois alguns</p><p>acreditavam na lenda de que naquele monte de</p><p>Florãnia havia sido</p><p>encontrado “um corpo santo” de uma menina. Alguns já chamavam a</p><p>“santinha do monte” (Idem, pág. 24).</p><p>O bispo diocesano não achou de bom alvitre e desaconselhou a dedicação do</p><p>templo a Nossa Senhora do Monte, por mais apropriado e agradável que fosse aos fiéis. A</p><p>Igreja vivia no mundo a expansão da Medalha Milagrosa que, segundo Catarina de Laboré,</p><p>vidente da Mãe de Jesus pediu que se cunhasse. Esse momento despertou em Dom José</p><p>Delgado o desejo de consagrar tal localidade a Nossa Senhora das Graças, aproveitando, com</p><p>isso, as inúmeras graças já alcançadas pelo povo no Santuário do Monte, instituindo o dia da</p><p>festa religiosa todo dia 27 de novembro.</p><p>35</p><p>Os ex-votos, posteriormente, passaram a ser guardados em uma capelinha</p><p>nomeada de “casa dos milagres”, que foi construída devido à quantidade de promessas pagas</p><p>que eram depositadas aos pés da umburana. Hoje, na capelinha que abriga os ex-votos</p><p>encontra-se a imagem que o padre Ambrósio e seus sucessores esconderam, e o que restou da</p><p>umburana. Foi no cinquentenário do Santuário, no ano de 1997, que o padre José Dantas</p><p>Cortez, com a permissão do bispo diocesano de Caicó, Dom Jaime Vieira Rocha, entronizou a</p><p>imagem da Santa Menina.</p><p>No sexagésimo aniversário do Santuário das Graças, a poetiza Maria das Graças</p><p>Pereira compôs uma letra que depois viria a ser o hino do Santuário:</p><p>SESSENTA ANOS DE FÉ</p><p>Festa no Monte das Graças</p><p>Tempo de paz e oração</p><p>Sessenta anos de fé,</p><p>De amor e devoção</p><p>Ó Santuário Sagrado [grifo nosso]</p><p>Seis décadas estás completando</p><p>E a Virgem Mãe das Graças</p><p>A todos abençoando</p><p>Nossa Senhora das Graças</p><p>Mãe de Deus, o Salvador</p><p>Abençoa os floranienses</p><p>Povo santo e pecador</p><p>Ó Virgem Mãe de bondade</p><p>De beleza e altivez</p><p>Fostes a menina dos olhos</p><p>Do nosso Padre Cortez [grifo nosso]</p><p>Ó Santuário Sagrado</p><p>Guardas como relicário</p><p>A imagem da Mãe divina</p><p>Por mistérios é venerada</p><p>A nossa Santa Menina [grifo nosso]</p><p>Nossa Senhora das Graças</p><p>Mãe de Deus, o Salvador</p><p>Abençoa os floranienses</p><p>Povo santo e pecador37</p><p>37</p><p>Livro de Poesias de Maria das Graças Pereira: Oceano da Vida. pág. 46</p><p>36</p><p>No poema destacamos a sacralidade do local que foi proposta pelo bispo antes da</p><p>entronização da imagem de Nossa Senhora das Graças: “Já eram inúmeros os ex-votos</p><p>depositados junto à capela provisória do Monte, expressão de fé, do povo que agradecia a</p><p>Deus graças recebidas. Todos falam das graças alcançadas no Santuário do Monte”</p><p>(MEDEIROS FILHO, 2002. pág. 27). O Santuário ganha maior importância com o trabalho</p><p>do padre José Dantas Cortez que, inclusive, introduz a imagem da Santa Menina à capela dos</p><p>ex-votos. Mesmo envolto em mistérios e sem a permissão oficial da Igreja a Menina é</p><p>venerada por muitos.</p><p>No embate entre Santa Menina de devoção popular e Nossa Senhora das Graças</p><p>representando o catolicismo oficial, prevalece este último. É significativo esse embate, sendo</p><p>objeto de investigação e reportagens, que fazem crescer a propaganda sobre o Santuário, pois</p><p>levantam algumas indagações: Por que a Santa Menina não é reconhecida como Santa pela</p><p>Igreja Católica já que existem milagres comprovados por intercessão da Menina? O mistério</p><p>da Santa Menina trouxe divulgação do Santuário fortalecendo a Religião Católica oficial.</p><p>Os milagres realizados a partir do Santuário das Graças chamam a atenção de fiéis</p><p>de que homenagem a Nossa Senhora das Graças, o entanto, muitos fiéis confessam que sua</p><p>devoção primeira é para Santa Menina, para a qual dedicam suas promessas, peregrinações e</p><p>honrarias.</p><p>37</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Apesar de contar com a maior população Católica do mundo, o Brasil não conta</p><p>com um número de santos nacionais significativos. Hoje, temos Madre Paulina, com os</p><p>mártires de Cunhaú e Uruaçú, aqui do Rio Grande do Norte, e Frei Galvão, todos elevados</p><p>aos altares no despontar do século XXI. A burocracia do Vaticano em um processo de</p><p>canonização, às vezes leva séculos. Lembremo-nos do processo de beatificação do Padre José</p><p>de Anchieta, que permanece por quase quinhentos anos nas dependências da Santa Sé.</p><p>Existem ainda na Santa Sé alguns processos de beatificação de outros santos brasileiros.</p><p>Segundo Weber, a “religião não vive no céu, mas sim na terra” (Apud:</p><p>FLAMARION, VAINFAS, 1997. p. 441), fazendo uma reflexão do papel da religião na vida</p><p>social. A população floraniense é comparada por MEDEIROS FILHO (2002. pág. 16) com os</p><p>habitantes das Minas Gerais que “expressam uma religiosidade muito forte, passando de</p><p>geração”. Vemos isso com o caso do assassinato de Zé Leão que consternou toda a</p><p>comunidade, e esta se sentiu na autoridade de justificá-lo, passando a tratá-lo por milagreiro;</p><p>como também é o caso da Santa Menina, ambos justificados por sua morte. Essas devoções se</p><p>encontram às margens da igreja oficial, sem que ela as reconheça, mas, mesmo assim, são</p><p>praticadas pelos fiéis que, em muitos casos, se denominam como católicos, pois a pessoa que</p><p>cumpre os sacramentos da Igreja é a mesma que incorpora a devoção às almas, aos mortos, e,</p><p>principalmente, aos santos que não são canonizados, mas que são denominados milagreiros</p><p>pelos devotos.</p><p>Percebemos a necessidade do povo em ter o seu próprio santo, que esteja mais</p><p>próximo e que, de certa maneira, pareça mais com sua realidade. A religiosidade não oficial</p><p>foi se formando no Brasil ao longo dos séculos, possibilitando um conjunto de práticas e</p><p>devoções que não estão de acordo com a oficialidade canônica. Assim sendo, o catolicismo</p><p>popular foi se desenvolvendo no cotidiano, no qual as pessoas passaram a agregar milagreiros</p><p>como forma de resolução mais rápida para seus problemas. Daí surge o embate entre uma</p><p>religião oficial sob o olhar da Igreja, e a religiosidade popular participada pelo povo.</p><p>38</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>FONTES</p><p>PERIÓDICOS</p><p>Livro de Poesias. Oceano da Vida. Maria das Graças Pereira.</p><p>Livro Diocese de Caicó, meio século de fé. Indústria Gráfica União, 1990.</p><p>Revista 100 anos de fé: partilhar a vida e construir a história. Paróquia de São Sebastião.</p><p>Florânia/RN. Nº 01, Janeiro de 2005.</p><p>MÍDIAS</p><p>Documentário Com quantas Ave-Marias se faz uma santa? Fé e mistério no Sertão</p><p>Potiguar. Patrocínio Banco do Nordeste e Governo de Todos. 2009.</p><p>Música CD Canções de Fé (faixa 14). Júnior Galdino de Azevedo, 2012.</p><p>ENTREVISTAS</p><p>Iracir Fernandes de Morais. 84 anos. Dona de casa. Descendente de Athanásio Fernandes.</p><p>Residente na Vila Jucuri, Florânia/RN. Entrevistada em 24 de novembro de 2013.</p><p>Júnior Galdino de Azevedo, 39 anos. Professor de Geografia e pesquisador sobre a história</p><p>de Zé Leão. Roteirista do Longa A saga de Zé Leão na Terra do mata e queima (a ser</p><p>produzido). Residente à rua João Damata Toscano, 80 – Bairro Bugi, Florânia/RN.</p><p>Entrevistado em 26 de fevereiro de 2014.</p><p>ARTIGOS</p><p>SANTOS, Roberg Januário dos; BARROS, Lucilvana Ferreira. A poética do espaço: a</p><p>escrita e a produção da paisagem dos verdes carnaubais assuenses (1950 - 1970). Revista</p><p>Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 9, jan./jun. 2013. p. 102 - 133.</p><p>VILAR, Sérgio. Florânia sob os signos dos mofumbais e rainhas-do-prado. In: PREÁ</p><p>Revista de Cultura. Natal/RN – Nº 17, Março/Abril de 2006. pág. 58-68.</p><p>39</p><p>O Regime do Padroado In: Entre Amigos, Vol7, Ed. Moderna, pág. 109, Carlos Zanchetta.</p><p>Revista de Ciências Humanas, Vol. 9, Nº 1, p. 137-148, Jan./Jun. 2009. Disponível em</p><p><<http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/artigo11vol9-1.pdf>> Acesso em 10 de agosto de 2013.</p><p>ANDRADE JUNIOR, Lourival. OLIVEIRA, Mary campelo de. Zé Leão um milagreiro:</p><p>memória e compromisso de fidelidade com o sagrado através dos ex-votos na cidade de</p><p>Florânia/RN. Disponível em <<</p><p>http://www.rn.anpuh.org/evento/veeh/ST07/Ze%20Leao%20um%20milagreiro%20memoria</p><p>%20e%20compromisso%20de%20fidelidade%20com%20o%20sagrado%20atraves%20dos%</p><p>20ex-votos%20na%20cidade%20de%20FloraniaRN.pdf>>. Acesso em 10 de janeiro de 2014.</p><p>SITES</p><p>www.gildecorarte.blogspot.com</p><p>www.coisasdeflorania.com.br</p><p>http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=56809</p><p>http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/artigo11vol9-1.pdf</p><p>http://www.rn.anpuh.org/evento/veeh/ST07/Ze%20Leao%20um%20milagreiro%20memoria%20e%20compromisso%20de%20fidelidade%20com%20o%20sagrado%20atraves%20dos%20ex-votos%20na%20cidade%20de%20FloraniaRN.pdf</p><p>http://www.rn.anpuh.org/evento/veeh/ST07/Ze%20Leao%20um%20milagreiro%20memoria%20e%20compromisso%20de%20fidelidade%20com%20o%20sagrado%20atraves%20dos%20ex-votos%20na%20cidade%20de%20FloraniaRN.pdf</p><p>http://www.rn.anpuh.org/evento/veeh/ST07/Ze%20Leao%20um%20milagreiro%20memoria%20e%20compromisso%20de%20fidelidade%20com%20o%20sagrado%20atraves%20dos%20ex-votos%20na%20cidade%20de%20FloraniaRN.pdf</p><p>http://www.gildecorarte.blogspot.com/</p><p>http://www.coisasdeflorania.com.br/</p><p>http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=56809</p><p>40</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>ALBERTI, V., FERNANDES, TM.,e FERREIRA, MM., orgs. História oral: desafios para</p><p>o século XXI [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. Disponível em:</p><p><http://books.scielo.org>. Acesso em março de 2013.</p><p>ALVES, Kesia Cristina França. O Santo do purgatório: a transformação mitológica do</p><p>cangaceiro Jararaca em herói. Natal, RN, 2005 (Dissertação de Mestrado pela Universidade</p><p>Federal do Rio Grande do Norte). Disponível em</p><p><bdtd.bczm.ufrn.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=144> Acesso em março de 2013.</p><p>ANDRADE, Solange Ramos de. A Religiosidade Católica e a Santidade do Mártir. In:</p><p>Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do</p><p>Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo n. 0 (1981). São</p><p>Paulo : EDUC, 1981. pág. 237-259.</p><p>AZEVÊDO, Iedefrankly Oliveira de. O Sagrado: um reflexo de Deus em nosso mundo, a</p><p>religiosidade de Flores. Caicó/RN, 2007. (Monografia de Graduação pela Faculdade Cardeal</p><p>Dom Eugênio Sales).</p><p>BÍBLIA SAGRADA, 30ª ed, São Paulo: Ave-Maria, 2001.</p><p>CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização no Brasil: dos Jesuítas aos</p><p>neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000.</p><p>ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano – a essência das religiões. São Paulo: Martins</p><p>Fontes. 1° edição, 2001.</p><p>FALCÃO, Marcílio Lima. Uma morte muito aperreada: memória e esquecimento nas</p><p>narrativas sobre um cangaceiro de Lampião em Mossoró. Fortaleza, CE, 2011.</p><p>(Dissertação de Mestrado pela Universidade Federal do Ceará).</p><p>FERREIRA, Marieta de Moraes (org.) História oral: desafios para o século XXI. Rio de</p><p>Janeiro: Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getúlio Vargas, 2000.</p><p>FLAMARION, Ciro Cardoso, VAINFAS Ronaldo (orgs). Domínios da historia: ensaios de</p><p>teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.</p><p>http://books.scielo.org/</p><p>http://books.scielo.org/</p><p>41</p><p>FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Florânia. Natal: Centro de Pesquisa Juvenal Lamartine,</p><p>1982.</p><p>MACCA, Marcelo; ALMEIDA, Andréia Vilela de. São Sebastião: protetor contra guerras</p><p>e epidemias. São Paulo: Editora do Brasil, 2003 – Coleção Santos Populares do Brasil.</p><p>MEDEIROS FILHO, João. O monte de Florânia e o Santuário de Nossa Senhora das</p><p>Graças. Natal/RN: Fundação José Augusto; Rio de Janeiro/RJ: Letra Capital, 2002.</p><p>MORAIS, Marcus Cesar Cavalcanti de. Terras Potiguares. 3º Ed. Natal/RN: Editora Foco,</p><p>2007.</p><p>PALHARES, Deusdete ; OLIVEIRA, Jeanne CrisóstomoAzevêdo de. A Terra do Mata e</p><p>Queima: Histórias e Mito sobre o Martírio de Zé Leão. Caicó/RN, 2004 . (Monografia de</p><p>Graduação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte)</p><p>RAMOS, Francisco Régis Lopes. O Verbo Encantado – A construção do Pe. Cícero no</p><p>imaginário dos devotos. Ijuí/RS: Editora Unijuí, 1998.</p><p>RIBEIRO, Joseane. Penitência e Festa: as Missões de Padre Ibiapina no Ceara. Fortaleza:</p><p>expressão gráfica e Editora Ltda. 2006.</p><p>SILVA, Maria Jailma Alves da. Entre o oficial e o marginal: o culto a Santa Menina de</p><p>Florânia/RN(1945-2000). Assú/RN, 2011. (Monografia de Graduação pela Universidade do</p><p>Estado do Rio Grande do Norte)</p><p>SOUZA, A. M. de A. Flores da minha infância. Natal: EDUFRN, 1999.</p><p>STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – um estudo antropológico sobre o</p><p>Santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia. Petrópolis: Vozes, 1996.</p><p>VILLAÇA, Antônio Carlos. O Pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar</p><p>Editores, 1975.</p><p>42</p><p>ANEXOS</p><p>43</p><p>Anexo 01: São Sebastião – Fonte: MACCA, Marcelo; ALMEIDA, Andréia Vilela de. São Sebastião:</p><p>protetor contra guerras e epidemias. São Paulo: Editora do Brasil, 2003 – Coleção Santos Populares</p><p>do Brasil.</p><p>Anexo 02: Família Souza Leão Monte Alegre/RN. Fonte:</p><p>http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/. Acesso em 10</p><p>de janeiro de 2014.</p><p>http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/</p><p>44</p><p>Anexo 03: Ao centro Toinha de Duvalino (tetra neta de João Porfírio a sua esquerda Pe.</p><p>Carlos. Foto tirada no dia do encontro ente as Famílias Leão e Toscano.</p><p>Fonte: http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/.</p><p>Acesso em 10 de janeiro de 2014.</p><p>http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/</p><p>45</p><p>Anexo 04: Recorte do Jornal A República, Natal/RN, edição nº (???), que relata fenômeno do</p><p>raio que matou as filhas gêmeas de João Porfírio.</p><p>46</p><p>Anexo 05: Imagens (à esquerda) da Santa Menina e (à direita) de Nossa Senhora das Graças.</p><p>Fonte: http://comquantasavemariassefazumasanta.zip.net/. Acesso em 10 de janeiro de 2014.</p><p>Anexo 06: Santuário das Graças em 1948.</p><p>http://comquantasavemariassefazumasanta.zip.net/</p><p>47</p><p>Anexo 07: Procissão da descida do Monte com a imagem de Nossa Senhora das Graças (Ano: ???)</p><p>Anexo 08: Procissão da subida ao Monte com a imagem de Nossa Senhora das Graças (Ano: ???)</p><p>48</p><p>Anexo 09: Santuário das Graças (atualmente). Fonte:</p><p>http://bsaudernontemehoje.blogspot.com.br/2011/08/santuario-de-nossa-senhora-das-gracas.html.</p><p>Acesso em 10 de janeiro de 2014.</p><p>Anexo 10: Procissão de encerramento da Festa de Nossa Senhora das Graças ano 2013. Fonte:</p><p>http://www.santuarioemflorania.com/2012/11/multidao-procissao-de-encerramento-da.html. Acesso</p><p>em 10 de janeiro de 2014.</p><p>http://bsaudernontemehoje.blogspot.com.br/2011/08/santuario-de-nossa-senhora-das-gracas.html</p><p>http://www.santuarioemflorania.com/2012/11/multidao-procissao-de-encerramento-da.html</p><p>was built to contain the</p><p>growth of popular beliefs and to serve as a reference for the entire Bishophood of Caicó. This</p><p>events of a religious nature, sometimes official sometimes marginal, are indispensable for the</p><p>design of an analysis of the religious, socio-cultural, political space. It was born under the</p><p>white man domination and, especially under the Church domination, who assume a role of</p><p>fundamental importance for local history.</p><p>Keywords: Popular Piety, The Saint Girl, Zé Leão, History of Florânia</p><p>X</p><p>LISTA DE ILUSTRAÇÕES</p><p>Foto 01: Detalhes da Igreja Matriz de São Sebastião de Florânia/RN e do Convento de São</p><p>Francisco em Giffoni na Itália ................................................................................................. 12</p><p>Foto 02: Detalhes janelas. Rua Giffoni/Itália e do Sobrado do italiano Fassanaro Pepino</p><p>Florânia/RN – Brasil ................................................................................................................ 13</p><p>Foto 03: Igreja Matriz de São Sebastião em sua construção e no ano de 2010 ...................... 13</p><p>Foto 04: Primeira Romaria à Umburana em 1947 .................................................................. 31</p><p>Foto 05: Construção da Capela do Monte de Nossa Senhora das Graças ............................... 33</p><p>0</p><p>SUMÁRIO</p><p>DEDICATÓRIA ..................................................................................................................... IV</p><p>AGRADECIMENTOS ............................................................................................................ V</p><p>EPÍGRAFE............................................................................................................................ VII</p><p>RESUMO .............................................................................................................................. VIII</p><p>ABSTRACT ............................................................................................................................ IX</p><p>LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................... X</p><p>INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1</p><p>CAPÍTULO I – A fé em São Sebastião: A Gênese das devoções na cidade de Florânia .... 4</p><p>1.1 – A relação homem e Sagrado: o poder e a fé ............................................................... 4</p><p>1.2 – Cenário econômico da Capitania do Rio Grande ...................................................... 6</p><p>1.2.1 – O surgimento de Florânia .................................................................................... 7</p><p>1.3 – A promessa de Athanásio e a oficialização de São Sebastião como protetor .......... 8</p><p>1.3.1 – Por que São Sebastião? ........................................................................................ 9</p><p>1.4 – A edificação da Igreja Matriz ................................................................................... 11</p><p>CAPÍTULO II – A devoção ao mártir Zé Leão na Terra do Mata e Queima ................... 17</p><p>1.1 – Situação sócio-política de Florânia no fim do século XIX ...................................... 17</p><p>1.2 – Histórias sobre Zé Leão ............................................................................................. 19</p><p>1.3 – A morte de um homem comum dá à luz um poderoso mito ................................... 21</p><p>1.4 – São José Leão, o milagreiro ....................................................................................... 24</p><p>CAPÍTULO III – À Menina ou à Senhora: a quem recorrer? ........................................... 28</p><p>3.1 – O Santuário e a história da Santa Menina ............................................................... 29</p><p>3.2 – Por que Nossa Senhora das Graças .......................................................................... 34</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 38</p><p>REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 39</p><p>ANEXOS.................................................................................................................................. 42</p><p>1</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A presente monografia está relacionada à História das Religiões, que tem um</p><p>amplo campo e várias vertentes a serem estudadas, isto é, a origem de crenças religiosas e</p><p>populares e a relação destas com o sagrado. De maneira específica, nosso trabalho aponta a</p><p>questão da fé católica e da crença popular na cidade de Florânia que está presente desde a sua</p><p>fundação.</p><p>Florânia é um município do Estado do Rio Grande Norte, que está situado na</p><p>macrorregião do Seridó e na microrregião da Serra de Sant‟Ana, no semiárido nordestino, à</p><p>245 km de Natal, capital do estado. Sua origem deu-se a partir da doação de sesmarias do</p><p>Capitão-Mor Pedro de Albuquerque e Mello ao Português Cosme de Abreu Maciel, que se</p><p>instalou na região e constituiu família, na segunda metade do século XVIII. Como o Regime</p><p>do Padroado que oficializava a religião nas terras de colonização portuguesa, a cidade de</p><p>Florânia foi gestada num berço católico, onde a fé movia a vida da sociedade.1</p><p>No Primeiro Capítulo pretendemos observar a fé em São Sebastião – padroeiro</p><p>da cidade – que tem início quando Atanásio Fernandes, primogênito de Cosme de Abreu, fez</p><p>um voto de fé e prometeu a São Sebastião – que segundo a Igreja Católica é o protetor contra</p><p>a fome, a peste e guerras – construir uma capela em sua homenagem se os moradores da</p><p>localidade escapassem da terrível epidemia de cólera morbuns que flagelava os moradores de</p><p>toda a região. Atanásio morreu antes de cumprir o voto, porém, sua viúva e seus filhos, com a</p><p>ajuda e incentivo do padre José Antônio de Maria Ibiapina, foram responsáveis pela</p><p>construção da primeira capela em honra ao santo, que depois sofreu modificações a partir do</p><p>crescimento socioeconômico da cidade. Pretendemos ainda considerar a fé em São Sebastião</p><p>como fonte primogênita da religiosidade dos floranienses, apontando os aspectos sociais que</p><p>geraram essa fonte mística.</p><p>Seguindo uma ordem cronológica de acontecimentos religiosos ou místicos que</p><p>marcaram a história da cidade de Florânia, nos propomos no Segundo Capítulo a analisar o</p><p>martírio de Zé Leão, trazendo à tona os aspectos sociais que geraram tal barbaridade e os</p><p>aspectos que geraram a fé num santo „canonizado‟ pelo povo.</p><p>1</p><p>FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, Florânia. Natal: Centro de Pesquisa Juvenal Lamartine, 1982.</p><p>2</p><p>Ao final do século XIX, por volta de 1877, mais precisamente no dia 20 de</p><p>janeiro, dia da procissão do padroeiro São Sebastião, acontecia na cidade de Flores (nome de</p><p>Florânia na época), um crime cercado de mistérios, a morte de José Leão. Segundo relatos de</p><p>memorialistas, Zé Leão, como era conhecido, foi esquartejado ainda vivo e as partes de seu</p><p>corpo lançadas na fogueira. Após sua trágica morte, as pessoas faziam promessas e validas</p><p>atribuíam o milagre a “São José Leão”. No local de sua morte foi erguida uma cruz e depois</p><p>uma capela para guardar os ex-votos. A partir desse evento, a então Flores passou a ser</p><p>conhecida como “a terra do mata e queima”. Percebemos aqui, a necessidade do povo em ter</p><p>o seu próprio santo, que esteja mais próximo e que, de certa maneira, fizesse parte de sua</p><p>realidade.</p><p>A Igreja católica começava um período de combate a crenças que distanciasse o</p><p>povo de sua doutrina, era a Romanização. Por isso, a reação da Igreja local é silenciar e deter</p><p>o crescimento de crenças populares. Mas esse acontecimento tomou grande proporção,</p><p>quando em 1947, surge outro evento místico que ameaçava diminuir a crença popular em Zé</p><p>Leão, a devoção à Santa Menina. No Terceiro Capítulo trazemos essa discussão:</p><p>seria</p><p>possível combater um mito com outro mito? Propomo-nos identificar a partir da crença na</p><p>Santa Menina os conflitos, as contradições entre Igreja Católica e religiosidade popular que</p><p>geraram uma devoção religiosa oficial e outra marginal.</p><p>Segundo relatos sobre a história da Santa Menina, teria um frei, de nome Otávio,</p><p>sonhado com um corpo santificado de uma menina que fora enterrado no cume de uma colina.</p><p>Essa menina teria se perdido e morrido de fome e sede embaixo de uma umburana (árvore da</p><p>caatinga muito resistente à seca). Após encontrar a menina o frei retornara à Europa,</p><p>prometendo enviar uma imagem do corpo que fora encontrado. Essa notícia rapidamente se</p><p>espalhou fazendo da colina, onde teria sido encontrada a menina, um lugar de romaria. Num</p><p>intervalo de três meses foi erguida uma capela. Quando a suposta imagem da “Santa Menina”,</p><p>como fora chamada, chegou, um grande tumulto instaurou-se na cidade, pois as pessoas</p><p>queriam tocar na imagem achando que seria a menina, ou se reconheceriam de que família ela</p><p>era. A atitude do pároco da época, o Padre Ambrósio Silva, mediante aquele tumulto foi</p><p>ordenar que a imagem fosse escondida. O bispo diocesano, Dom José de Medeiros Delgado,</p><p>não apenas enviou uma carta direcionada ao povo, a qual fomentava que não acontecera um</p><p>milagre, como também fez uma visita para a instrução dos fiéis, sugerindo criar um santuário</p><p>em honra à Maria, Mãe de Jesus, para romarias no cume da montanha. Em suas palavras</p><p>3</p><p>dizia: “Desse local, deve brilhar a luz divina para todo o Seridó”2. Com a construção de um</p><p>Santuário buscava-se dar por fim aos mitos e reforçar a fé doutrinal da Igreja.</p><p>O caminho da nossa pesquisa percorre esses três eventos para analisar a mística de</p><p>fé e religiosidade dos floranienses, e gera um embate entre a fé institucionalizada da Igreja</p><p>Romana e a fé popular, levantando questões sociais, religiosas e até mesmo políticas enquanto</p><p>manifestação do poder.</p><p>2</p><p>MEDEIROS FILHO, João. O monte de Florânia e o Santuário de Nossa Senhora das Graças. Natal/RN: Fundação</p><p>José Augusto; Rio de Janeiro/RJ: Letra Capital, 2002. p. 20.</p><p>4</p><p>CAPÍTULO I: A fé em São Sebastião: A Gênese das devoções na cidade de</p><p>Florânia</p><p>A busca pelo Sagrado é pertinente desde os homens mais antigos até os da</p><p>atualidade, nas mais diversas culturas e povos, politeístas ou não. Essa relação entre o homem</p><p>e o sagrado, ao longo do tempo, foi evoluindo e ganhando signos, símbolos e significados.</p><p>Para compreendermos essa relação homem-sagrado na cidade de Florânia faz-se necessária a</p><p>compreensão do Cristianismo e sua evolução.</p><p>1.1 – A relação homem e Sagrado: o poder e a fé</p><p>As religiões do mundo antigo caracterizam-se principalmente por desenvolver-se</p><p>ao redor da organização politeísta de seus deuses e do culto que os alimenta, não se separando</p><p>e não se distinguindo de uma dimensão propriamente religiosa em relação ao complexo das</p><p>outras atividades humanas que, de fato, eram por elas compenetradas.</p><p>O cristianismo nasce com a morte de Jesus Cristo no século I, demonstrando</p><p>valores fraternos, religiosos e sociais3. As perseguições sofridas e os holocaustos de cristãos</p><p>eram atos de heroísmo que lhes trariam como recompensa uma vida vindoura e feliz ao lado</p><p>do ser supremo, Deus. O martírio era o caminho mais fácil de chegar ao paraíso.</p><p>Com o Edito de Teodósio, o De Fide Catholica, no século IV d.C., o Cristianismo</p><p>foi proclamado religião do Império Romano que fora dividido em Oriente e Ocidente,</p><p>configurando a religião de cristianização como fonte de conquista de novos povos4.</p><p>3 Cf. Livro dos Atos dos Apóstolos capítulo 1, versículos 42-47. BÍBLIA SAGRADA AVE MARIA.</p><p>4O Império Romano do Oriente manteve como credo oficial a religião cristã; porém, aos poucos, a Igreja</p><p>Católica do Oriente foi se diferenciando da Igreja Católica do Ocidente. Um dos fatores que contribuíram para</p><p>isso foi o fato de o papa, autoridade máxima do catolicismo, viver em Roma e de lá comandar toda a Igreja. O</p><p>Império Bizantino tinha seu chefe religioso em Constantinopla, o patriarca, que deveria prestar obediência ao</p><p>papa. No entanto, o patriarca dirigia a religião do Império Oriental de forma independente. Essa divisão na Igreja</p><p>Católica ficou conhecida como Cisma do Oriente e consolidou-se no ano de 1054, fazendo surgir duas igrejas: a</p><p>Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Ortodoxa Cristã. A separação foi mais política do que religiosa.</p><p>5</p><p>Eliade (1992, pág. 13-14) afirma que tanto “para os „primitivos‟, como para o</p><p>homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última</p><p>análise, à realidade por excelência”. Para tanto, a cisão da Cristandade do Ocidente ocorrida</p><p>em 1517, em católicos e protestantes – conhecida como a Reforma Religiosa de Martin</p><p>Lutero5 – fez com que a Igreja Católica lançasse mão não apenas de consolidar seus dogmas e</p><p>crenças, mas de apoiar as grandes navegações no intuito de cristianizar novos povos. A</p><p>chegada dos europeus à América em 1498 foi uma forma de aumentar os contingentes da</p><p>Igreja Católica, a qual a monarquia portuguesa era firmemente vinculada, e conter a</p><p>concorrência por fiéis presentes na Reforma Protestante. Já era uma das ações da Contra</p><p>Reforma6.</p><p>No Brasil, a cristianização da Igreja Católica chegou com a esquadra de Pedro</p><p>Álvares Cabral, em 1500, tendo o português a missão de povoar as terras descobertas para que</p><p>a gente delas se convertesse à fé Católica. Antônio Vieira dizia que: “outros cristãos têm a</p><p>obrigação de crer a fé; o português tem obrigação de a crer e, mais, de a propagar” (Apud</p><p>CÉZAR, 2000, pág. 20).</p><p>As práticas socioculturais, além do Catolicismo Romano que o português trouxe</p><p>consigo para as terras brasileiras, foram moldando a fé, sendo aos poucos mesclada com</p><p>misticismo cósmico do guerreiro indígena (primeiros habitantes) e das várias manifestações</p><p>religiosas do negro africano (trazidos para o Brasil a partir de 1538), com a ajuda dos jesuítas</p><p>– missionários da Companhia de Jesus – que sob o regime do Padroado régio7 – sistema que</p><p>orientava as relações entre a Igreja e o Estado desde o século XV em Portugal, onde o Estado</p><p>devia construir igrejas e mosteiros, para que fosse conservada a Religião Católica – tinham</p><p>livre acesso na instrução dos habitantes. Cezar (2000) afirma que:</p><p>A aliança estreita e indissolúvel entre a cruz e a coroa, o trono e o altar, a fé</p><p>5De acordo com Lutero, a salvação do homem ocorria pelos atos praticados em vida e pela fé. Em suas teses,</p><p>condenou o culto a imagens e revogava o celibato. Em suas 95 teses condenava a venda de indulgências.</p><p>6Na preocupação com o avanço do protestantismo e a perda de fiéis, foi realizado o Concílio de Trento com o</p><p>objetivo de traçar um plano de reação. No Concílio de Trento ficou definido: a catequização dos habitantes de</p><p>terras descobertas, através da ação da Companhia de Jesus, os Jesuítas; a retomada do Tribunal do Santo Ofício –</p><p>a Inquisição – para punir e condenar os acusados de heresias; e a criação do Index Librorium Proibitorium</p><p>(Índice de Livros Proibidos), para evitar a propagação de ideias contrárias à Igreja Católica.</p><p>7 Esse regime vigorou no Brasil até 1890, quando o governo republicano, pelo decreto 119-A de 7 de janeiro, o</p><p>extinguiu. Cf.: Entre Amigos, Vol. 7, Ed. Moderna, pág. 109, Carlos Zanchetta. Revista de Ciências Humanas,</p><p>Vol. 9, Nº 1, p. 137-148, Jan./Jun. 2009. Disponível em <<http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/artigo11vol9-</p><p>1.pdf>> Acesso em 10 de agosto de 2013.</p><p>http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/artigo11vol9-1.pdf</p><p>http://www.cch.ufv.br/revista/pdfs/artigo11vol9-1.pdf</p><p>6</p><p>e o império, era uma das preocupações comuns aos monarcas ibéricos,</p><p>ministros e missionários</p><p>em geral (Apud. CÉZAR, 2000. pág. 20-21).</p><p>A parceria entre a Igreja e a Coroa, como aconteceu com outras nações católicas</p><p>ou protestantes, ia além dos interesses missionários, visava à expansão territorial com o</p><p>colonialismo e o aumento do poder político. No Brasil, a colonização e a fé direcionavam-se</p><p>para o interior do país.</p><p>1.2 – Cenário econômico na Capitania do Rio Grande</p><p>Em 1549, a Coroa portuguesa implantou o sistema de Governo-Geral para</p><p>recuperar o controle da colônia que estava ameaçada por invasões de outras nações europeias,</p><p>como a França. Esse sistema possibilitou um maior controle sobre o litoral brasileiro,</p><p>expulsando os invasores estrangeiros e catequizando os índios. A cidade de Salvador, na</p><p>capitania da Bahia, passou a ser o centro administrativo da colônia.</p><p>Entre os séculos XVI e XVII, a atividade econômica que concentrava riqueza e</p><p>movia o Brasil era a produção de açúcar, tendo maior destaque no litoral das capitanias da</p><p>Bahia e Pernambuco, regiões mais ricas nesse período. No entanto, outras atividades</p><p>econômicas foram desenvolvidas pelos colonos como a criação de gado, que atendia às</p><p>necessidades de alimentação e transporte dos engenhos, além de força de trabalho para girar</p><p>moendas em alguns tipos de engenho, bem como para obtenção do couro, com o qual se</p><p>faziam vestes e utensílios.</p><p>Aos poucos, o gado foi levado do litoral para o interior, a procura de novas</p><p>pastagens, a fim de se evitar a destruição das plantações de cana-de-açúcar. Assim, os</p><p>fazendeiros de gado, partindo de Pernambuco e da Bahia, chegaram ao interior dos atuais</p><p>estados nordestinos – Rio Grande do Norte, Maranhão, Piauí e Ceará – que foram ocupados</p><p>através desse movimento, conhecido como ciclo do gado.</p><p>É nesse contexto que, em meados do século XVIII, o Capitão-Mor Pedro de</p><p>Albuquerque e Mello atendia ao pedido do português Cosme de Abreu Maciel da doação de</p><p>7</p><p>uma sesmaria8 para que nas terras doadas pudesse se instalar e constituir família com Dona</p><p>Angélica Mamede Maciel, família essa que viria a ser composta de 22 filhos.</p><p>1.2.1 – O surgimento de Florânia</p><p>Desde a sua fundação, o município de Florânia já teve vários nomes. Na origem, o</p><p>povoado era denominado de Roça do Urubu. A partir do ano de 1865, a povoação começou a</p><p>se chamar Flores de Vossarubu. Pela lei 684, de 21 de agosto de 1873, foi criado o Distrito de</p><p>Paz de Flores, e a 20 de outubro de 1890, o decreto 62, assinado pelo governador do estado, o</p><p>Doutor Pedro Velho de Albuquerque Maranhão desmembrou o território de Flores do</p><p>município de Acari.</p><p>O município foi instalado oficialmente a 24 de janeiro de 1891, já com o nome de</p><p>vila de Flores. A cidade foi instalada no dia 1 de junho de 1937, em virtude da lei estadual 22,</p><p>de 28 de outubro de 1936.</p><p>A mudança do nome de Flores para Florânia foi proposta por Nestor Lima e</p><p>oficializada em 30 de dezembro de 1943. Existem várias histórias a respeito da fundação do</p><p>município de Florânia (FUNDAÇÃO, 1982). Câmara Cascudo aponta que o mais antigo</p><p>povoador foi Cosme de Abreu Maciel, já possuindo terras, casas e currais cercados no</p><p>Passaribu em 1743, já Nestor Lima aponta o Pe. Ibiapina como fundador de Florânia</p><p>(MEDEIROS FILHO, 2012. pág.15-16).</p><p>A cidade Florânia recebeu a cristianização da Igreja Católica com a ação de seus</p><p>primeiros colonizadores, por serem católicos. Essas ações contribuíram para tornar o</p><p>floraniense propenso a aceitar a fé sem grandes recalcitrâncias, tendo em vista que o povo de</p><p>Florânia é apresentado como um povo de fervor religioso singular, como relata o Pe. João</p><p>Medeiros em seu livro: “Florânia possui uma população marcadamente religiosa e mística”</p><p>(MEDEIROS FILHO, 2002, pág.16). O primeiro fator contribuinte para que a cidade de</p><p>Florânia tivesse tal propensão de fé está no início de sua história, no entanto, para se falar da</p><p>8 Órgão da Coroa Portuguesa que normatizava a distribuição de terras à particulares para produção de alimentos.</p><p>Esse sistema surgiu em Portugal durante o século XIV, com a Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a</p><p>crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa.</p><p>http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal</p><p>http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIV</p><p>http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Sesmarias</p><p>http://pt.wikipedia.org/wiki/1375</p><p>8</p><p>origem do povoamento de Florânia, antiga Flores, é necessário situarmo-nos no tempo e na</p><p>história.</p><p>1.3 – A promessa de Athanásio e oficialização de São Sebastião como protetor</p><p>No ano de 1856 houve um grande surto de cólera morbuns na região, que segundo</p><p>fontes, Athanásio Fernandes, primogênito de Cosme de Abreu, fez uma promessa a São</p><p>Sebastião9, padroeiro da cidade – que segundo a Igreja Católica é o protetor contra a fome, a</p><p>peste e guerras – de construir uma capela em sua homenagem se os moradores daquela</p><p>localidade escapassem da terrível epidemia que flagelava os moradores de toda a região.</p><p>Atanásio morreu antes de cumprir o voto.</p><p>O Padre José Antônio Maria Ibiapina10, “o apóstolo dos sertões nordestinos”</p><p>(MEDEIROS FILHO, 2002. pág. 15), andava pelo sertão nordestino para edificar não apenas</p><p>a fé enquanto algo abstrato, mas uma fé concreta através de construções. Inúmeras edificações</p><p>no Nordeste brasileiro foram de incentivo do Padre Ibiapina, como era conhecido: Casas de</p><p>Caridades, açudes, igrejas, cemitérios. Em Acari/ RN, no ano de 1864, fundou uma Casa de</p><p>Caridade11.</p><p>Para se erguer capela cristã (católica) é preciso a permissão da Igreja Católica, por</p><p>isso, dona Maria Izabel Maria de Souza, viúva de Athanásio Fernandes, e seus filhos</p><p>Clemente Francisco de Morais e Francisco de Melo Carneiro, no ano de 1866, fizeram um</p><p>convite ao Padre Ibiapina, como representante oficial da Igreja, de incentivar a população de</p><p>Flores a iniciar a construção da capela em honra ao mártir defensor, dando cumprimento à</p><p>promessa feita e à graça alcançada. Foi “unir o útil ao agradável” para o Pe. Ibiapina: um</p><p>ambiente propício para edificar a fé católica e dar cumprimento ao seu apostolado. Segundo</p><p>Celso (1980, p.3) era dessa maneira que ele (Ibiapina) avivava “a crença do sertanejo para</p><p>afastá-lo do bacamarte e da superstição.” A capela foi construída e ao final daquele mesmo</p><p>10</p><p>O nome de registro era José Antônio Pereira Ibiapina, sendo trocado o sobrenome “Pereira” por de Maria após</p><p>sua ordenação sacerdotal.</p><p>11</p><p>Segundo RIBEIRO (2006), no livro Penitência e Festa, era de grande importância para o padre Ibiapina a</p><p>realização dessas obras. Elas serviam de avaliação da Missão realizada naquele local. A inauguração dessas</p><p>obras constituía o momento sublime de suas missões, principalmente quando inaugurava uma Casa de Caridade,</p><p>pois esta acolhia órfãos dos cinco aos nove anos de idade e lhes proporcionava uma educação voltada para a</p><p>moral e o trabalho, preparando os internos para uma vida matrimonial futura íntegra.</p><p>9</p><p>ano rezada a primeira missa, no dia 25 de dezembro, pelo Padre Idalino Fernandes de Souza</p><p>(FUNDAÇÃO, 1982. p.25).</p><p>Por trás da pequena capela fora construído o cemitério, lugar também sacralizado</p><p>pelos cristãos. Durante todo o período colonial, o cemitério ficava tradicionalmente dentro da</p><p>igreja, por isso é bem comum encontrar túmulos dentro de igrejas desse período e, às vezes,</p><p>ultrapassava os limites físicos desta, e ocupava também o seu entorno imediato. No entanto, a</p><p>partir de meados do século XIX, passou-se a separar o espaço de onde eram as pessoas</p><p>sepultadas, do espaço de culto. Este processo expressava duas vertentes: a primeira que está</p><p>ligada à saúde dos habitantes do lugar, e a segunda denotava o despontar de valores seculares</p><p>da sociedade que aos poucos começavam a se impor.</p><p>1.3.1 – Por que São Sebastião?</p><p>A construção da figura do santo protetor dá-se pela necessidade de proteção que o</p><p>homem tem no cotidiano, por interesses</p><p>sejam individuais ou coletivos, utilizando-se de</p><p>doutrina e exemplo de vida da pessoa santificada.</p><p>A história do mártir Sebastião tem algumas versões, pois ele faz parte do</p><p>chamado cristianismo primitivo12, e, nesse caso, as informações não eram registradas, mas</p><p>comunicadas pela oralidade. Segundo os antigos martirólogos, Sebastião nasceu em Narbona,</p><p>na Gália, atual sul da França, mas foi criado por sua mãe em Milão, na Itália. Era de família</p><p>cristã, foi batizado ainda pequenino. Quando jovem decidiu engajar-se no Exército Romano e</p><p>foi um dos oficiais prediletos de Diocleciano. Contudo, nunca deixou de ser um cristão</p><p>convicto e protetor ativo dos cristãos. Secretamente, Sebastião conseguiu converter muitos</p><p>pagãos ao cristianismo.</p><p>O co-imperador da época era Diocleciano, conhecido por ser sanguinário, ao</p><p>saber que Sebastião era cristão sentiu-se traído, dando opção a Sebastião de negar a sua fé.</p><p>Sebastião não negou e a sentença foi imediata: deveria ser amarrado a uma árvore e torturado</p><p>por flechadas, que não deveriam atingir nenhum órgão vital para que morresse lentamente de</p><p>12</p><p>São considerados Cristianismo primitivo os quatro primeiros séculos da Era Cristã, tempo em que a fé era</p><p>provada pelo martírio.</p><p>http://wiki.cancaonova.com/index.php?title=G%C3%A1lia&amp;action=edit&amp;redlink=1</p><p>http://wiki.cancaonova.com/index.php?title=Mil%C3%A3o&amp;action=edit&amp;redlink=1</p><p>http://wiki.cancaonova.com/index.php/Cristianismo</p><p>10</p><p>hemorragia e infecção. Após a ordem ser executada, Sebastião13 foi dado como morto e ali</p><p>mesmo abandonado pela mesma guarda pretória que antes chefiara.</p><p>Entretanto, fora encontrado ainda vivo por uma viúva, de nome Irene, que cuidou</p><p>de suas feridas. Depois de curado apresentou-se ao imperador que, perplexo e irado com tal</p><p>ousadia, condenou-o ao martírio no Circo com pauladas e boladas de chumbo, sendo açoitado</p><p>até a morte, no dia 20 de janeiro de 288 d.C. Seu corpo foi jogado na coacla máxima,</p><p>principal esgoto de Roma.</p><p>Em 680 d.C., seus restos mortais foram encontrados e transportados para</p><p>a Basílica de São Paulo Fora dos Muros. Naquela ocasião em Roma, a peste vitimava muita</p><p>gente, mas a terrível epidemia desapareceu na hora daquela transladação.</p><p>A história do mártir Sebastião é trazida para a cidade Florânia, a priori para trazer</p><p>proteção da peste que assolava os moradores, no entanto, depois é utilizada pela Igreja</p><p>Católica, em defesa da fé, já que o santo morreu defendendo a fé cristã14. Num estudo sobre a</p><p>religiosidade do homem floraniense, o padre João Medeiros Filho fez uma abordagem</p><p>mostrando como foi possível as pessoas dessa cidade manterem uma fidelidade tão grande à</p><p>Igreja de Roma. Para ele, isso se deu em parte “do ponto de vista sociológico, a sua</p><p>localização – onde o acesso de outrora dificultava a penetração de outras ideias e o contato</p><p>com outras culturas” (MEDEIROS FILHO, 2002.pág. 16).</p><p>O uso da figura do santo em defesa da fé também se realiza em outras cidades do</p><p>Brasil. Diz a tradição que no Rio de Janeiro, no dia da festa do padroeiro São Sebastião15, em</p><p>1565, ocorreu uma batalha na qual os franceses foram expulsos da cidade carioca e que São</p><p>Sebastião foi visto de espada na mão entre os portugueses, mamelucos e índios, lutando</p><p>contra os invasores franceses calvinistas. Esta vitória foi atribuída ao santo16.</p><p>13</p><p>A reprodução do martírio de São Sebastião, amarrado a uma árvore e atravessado por flechas é uma imagem</p><p>milhares de vezes retratada em quadros, pinturas e esculturas, por artistas de todos os tempos, apesar de sua</p><p>morte não ter acontecido no suplício das flechas. Sua imagem também foge do padrão dos santos martirizados: a</p><p>palma na mão, como sinal universal do martírio (ver fotos em anexo, nº: 01 ). São Sebastião é celebrado em mais</p><p>de trezentos e cinquenta Paróquias no Brasil.</p><p>14</p><p>A primeira igreja protestante de Florânia foi a Assembleia de Deus, fundada na cidade em 1979. Chegada</p><p>tardia porque a população em geral repudiava outra religião que não fosse a católica.</p><p>15</p><p>São Sebastião também é tido como padroeiro dos gays, devido no século XIX muitos artistas homossexuais</p><p>buscarem no santo uma identificação para sua condição marginal. Inspiraram-se em parte de sua história, como o</p><p>gesto de assumir uma identidade polêmica e desafiadora para o mundo, ainda que à custa de sacrifício e</p><p>sofrimento.</p><p>16</p><p>IDEM</p><p>http://wiki.cancaonova.com/index.php?title=Bas%C3%ADlica_de_S%C3%A3o_Paulo_Fora_dos_Muros&amp;action=edit&amp;redlink=1</p><p>http://wiki.cancaonova.com/index.php?title=Translada%C3%A7%C3%A3o&amp;action=edit&amp;redlink=1</p><p>11</p><p>No livro “O Sertão das Romarias” de Carlos Alberto Steil uma “espada” de São</p><p>Sebastião também é apresentada17. Um relato de Francisco Sá explica o sentido da espada e</p><p>da romaria realizada em Bom Jesus da Lapa, sertão da Bahia: “Quando São Sebastião venceu</p><p>a guerra, fincou a espada lá. Diz que ela só sai de lá, no dia que a guerra voltar. Então ele</p><p>apanha a espada e acaba com os inimigos e vence a guerra” (Apud STEIL, 1996).</p><p>O homem religioso deseja viver o mais perto possível do sagrado. Ele sente</p><p>necessidade do sagrado no seu dia-a-dia e, como Deus, o Ser supremo está distante, afastado,</p><p>o homem procura experiências religiosas mais concretas. Ao substituir a própria divindade e</p><p>deixar de ser um intermediário, o santo pode realizar a sua manifestação máxima: o milagre,</p><p>resposta imediata à sua angústia.</p><p>1.4 – A edificação da Igreja Matriz</p><p>Às vésperas da assinatura da Lei Áurea, que libertava os escravos e da</p><p>proclamação da República, o povoado de Flores, gestado no Ciclo do Gado, encontrava-se no</p><p>Ciclo do Couro e ingressava no Ciclo Algodão18 que, nos finais do século XIX e inícios do</p><p>XX, tornava-se a principal atividade econômica do Seridó potiguar, como afirma José</p><p>Augusto Bezerra de Medeiros (Revista do IHGRN, 1948):</p><p>“Na zona do Seridó, certo e seguro é afirmar-se que todo o movimento</p><p>povoador decorreu da necessidade econômica de encontrar lugar adequado à</p><p>17A espada de São Sebastião é uma referência ao sebastianismo, que atravessou Portugal no século XVII como</p><p>uma versão altamente difundida do milenarismo que comprometia o retorno a uma idade de ouro, imaginada</p><p>como um autêntico paraíso. Esta espada evoca uma memória densa de significados messiânicos e escatológicos</p><p>para os romeiros [de Bom Jesus da Lapa], liga sua experiência presente aos primeiros tempos do catolicismo no</p><p>Brasil, quando o milenarismo sebastianista impregnava não apenas a cultura católica popular, mas também o</p><p>clero (Apud STEIL, 1996).</p><p>18</p><p>A pecuária foi desenvolvida para atender às necessidades de alimentação e transporte dos engenhos. Os</p><p>animais eram utilizados como fonte de força para girar moendas em alguns tipos de engenho e, ainda, para</p><p>obtenção do couro, com o qual se faziam vestimentas e utensílios. Aos poucos, o gado foi sendo levado para o</p><p>interior a procura de novas pastagens, como também para evitar a destruição das plantações de cana-de-açúcar.</p><p>Assim, uma nova atividade comercial se instaurava, destinada ao abastecimento das outras capitanias próximas,</p><p>fazendo o interior também produtivo. Conceituamos essa trajetória de “Ciclo do Gado”. Já o Ciclo do Algodão</p><p>tem início quando o algodão emergiu de produto consumido no âmbito restrito do setor de subsistência</p><p>nordestino, tendo espaço inclusive no mercado internacional uma vez que, mediante a Guerra da Independência</p><p>Americana (1776-1783) e a Guerra da Secessão (1860), a Inglaterra buscava o nosso algodão para reabastecer</p><p>sua indústria têxtil.</p><p>12</p><p>localização de fazendas de criação de gados. [...] O gado foi, desse modo, ao</p><p>começar o povoamento da terra seridoense, o elemento econômico</p><p>fundamental, a fonte de riqueza natural de exploração comercial, o princípio</p><p>de todo o processo da história do Seridó. [...] Mas, estava escrito que o</p><p>algodão seria, com o</p><p>decorrer dos tempos, a dominante econômica do</p><p>Seridó. Para isso concorreu decisivamente a qualidade da fibra do algodão</p><p>preferentemente ali cultivado, melhor do que a de qualquer outro tipo</p><p>brasileiro, e rival das melhores do mundo, prestando-se admiravelmente à</p><p>confecção dos tecidos finos”.19b</p><p>A economia do pequeno povoado crescia e em seus moradores surgia a</p><p>necessidade de ampliar o ambiente sagrado, como sinal da prosperidade que vivam naquele</p><p>momento. A igreja de São Sebastião foi edificada no terreno da capela e do antigo cemitério,</p><p>e um novo cemitério foi construído ao poente da igreja, assim como ordena a tradição</p><p>católica. A construção data a partir de 1876. A capelinha e o cemitério deram lugar a um</p><p>enorme templo, cheio de signos e significados desde a sua construção, que segundo Júnior</p><p>Galdino (2006) tinha “porte de Catedral, basta apenas comparar com a Catedral de Sant‟ana</p><p>de Caicó”. Sua arquitetura foi influenciada pelos Giffoni20, família de italianos bem</p><p>sucedidos, que colaboraram financeiramente para a construção da Igreja de São Sebastião,</p><p>doando inclusive a imagem de Santo Antônio de Pádua, bastante venerado entre os italianos.</p><p>Foto 1: Detalhes internos da Igreja Matriz de São Sebastião de Florânia/RN (à esquerda). Fonte:</p><p>gildecorarte.blogspot.com. Acesso em novembro de 2013. Convento de São Francisco em Giffoni na Itália</p><p>(à direita). Fonte: coisasdeflorania.com.br.</p><p>19</p><p>APUD: Ciclo de Algodão no Seridó I. Disponível em <http://tribunadonorte.com.br/noticia/o-ciclo-do-</p><p>algodao-no-serido-i/150373>>.</p><p>20</p><p>Segundo Júnior Galdino vieram cerca de 10 irmãos da Itália, da região Giffoni, para o Brasil, e apenas dois</p><p>vieram para o Nordeste brasileiro se instalando na Paraíba.</p><p>http://tribunadonorte.com.br/noticia/o-ciclo-do-algodao-no-serido-i/150373</p><p>http://tribunadonorte.com.br/noticia/o-ciclo-do-algodao-no-serido-i/150373</p><p>13</p><p>Foto 2: (à esquerda) Rua Gifoni na Itália e (à direita) sobrado do italiano José Fassanaro Pepino em</p><p>Florânia/RN. Fonte: coisasdeflorânia.com.br. Acesso em novembro de 2013.</p><p>Diversas casas do povoado foram construídas com a arquitetura europeia da</p><p>época, ainda com traços medievais, visando ao máximo à semelhança com as das terras</p><p>longínquas que deixaram.</p><p>A nova igreja não poderia ser diferente: com arquitetura semelhante deveria ser</p><p>construída com uma grande torre, lembrando as das igrejas europeias, no estilo gótico. A</p><p>nova igreja tinha porte de catedral, a torre deveria ser alta. Júnior Galdino (2014) diz “papai</p><p>contava que ela caiu uma vez, aí eles reformaram e diminuíram sua altura”, ficando com 27</p><p>metros. No ano de 1921, ganhou mais um andar de seu cume onde foi colocado um relógio,</p><p>como se pode observar nas fotos a seguir:</p><p>Foto 3: Construção da Igreja Matriz de São Sebastião (à esquerda); Igreja Matriz de São Sebastião no</p><p>ano de 2010 (à direita). Fonte: Arquivo Paroquial</p><p>14</p><p>Apesar de todo contexto histórico e econômico por trás da construção do templo</p><p>em honra a São Sebastião, segundo Eliade (1992) o ser humano tende a sacralizar tudo o que</p><p>existe, inclusive o espaço e o tempo como forma de inserir-se no “cosmos”, consagrando aos</p><p>deuses suas vidas, organizando o tempo e realizando festas periodicamente para rememorar</p><p>os feitos de in illo tempore, e construindo templos, igrejas, para consagrar aquele local aos</p><p>deuses, levando à sacralização de sua moradia. A construção de templos dá-se pela</p><p>necessidade da proximidade do humano com o divino. Vemos isso ao analisarmos o poema</p><p>feito por Maria das Graças Pereira Cruz que enaltece a construção sacralizando-a:</p><p>MATRIZ DE SÃO SEBASTIÃO</p><p>Templo Sagrado de fé e Oração,</p><p>Neoclássica, contemporânea e majestosa</p><p>Onde os fiéis , com a alma e o coração,</p><p>Louvam a Cristo, em preces fervorosas</p><p>És a mais linda de todo Seridó, [grifo nosso]</p><p>Ostentas o estilo medieval,</p><p>Nos detalhes fenícios do Altar-Mor,</p><p>Mais bela do que tu não há igual</p><p>Padre Ibiapina foi o celebrante,[grifo nosso]</p><p>Da primeira missa de inauguração</p><p>Athanásio Fernandes doou-lhe a imagem21,[grifo nosso]</p><p>Do padroeiro, São Sebastião</p><p>Nós celebramos teu centenário</p><p>Com muita fé, amor e devoção,</p><p>Retratas o mais santo relicário,</p><p>Igreja esplendorosa de São Sebastião</p><p>Sagrada, soberana e altaneira,</p><p>Acolhes os fiéis com piedade,</p><p>Canto de luz, de paz, medianeira</p><p>Cartão Postal e perfil da Cidade22</p><p>A exaltação do templo dedicado ao Sagrado se completa quando é erguido um</p><p>hino de prece, louvor e gratidão. Analisando o hino feito em homenagem a são Sebastião</p><p>21</p><p>A primeira imagem de São Sebastião que no poema é relatado como doada por Athanásio Fernandes foi</p><p>roubada depois da Igreja nova inaugurada. Em entrevista, a senhora Iraci (87 anos, 2013) relatou que, por</p><p>questão política, a imagem do santo foi substituída. Segundo ela: “o nosso São Sebastião não é aquele. Aquele é</p><p>o deles. Eles roubaram o de Athanásio Fernades”( Idem)</p><p>22</p><p>Livro de Poesias de Maria das Graças Pereira: Oceano da Vida. pág.62</p><p>15</p><p>notamos de que maneira a fé é colocada como “uma das formas de construir sentido para a</p><p>vida. Fornece explicações. É uma (re)produção de significados, uma força que constrói,</p><p>sustenta e movimenta certas percepções e esperanças” (RAMOS, 1998. pág. 29).</p><p>Segundo Santos; Barros (2013) algo é poetizado “na busca de (de)marcação</p><p>identitária (...) na demonstração de uma apropriação com vistas a inventar um atributo de</p><p>pertencimento de um território num dos aspectos que mais o caracterizam”, no caso de</p><p>Florânia, a religião. Na poesia de Maria das Graças Pereira, o elementos símbolos da fé dos</p><p>floranieses estão presentes: a Igreja Matriz, com beleza única, o Padre Ibiapina, que foi quem</p><p>contribuiu para o erguimento da fé, Athanásio Fernandes, que fez a promessa, e a figura do</p><p>Santo Protetor São Sebastião.</p><p>O hino escrito em honra ao Santo Padroeiro é mais uma das ferramentas que se</p><p>utilizou na construção de uma identidade religiosa.</p><p>HINO DE SÃO SEBASTIÃO</p><p>I</p><p>Do madeiro cruel que te prende/</p><p>Abre o teu juvenil coração/</p><p>Verdes ramos de amor nos estende/</p><p>Abençoa e protege o Sertão/ [grifos nossos]</p><p>CORO</p><p>Teu valor nossas almas proclamam/</p><p>Essas serras azuis, céu de anil/ [grifos nossos]</p><p>Tuas setas perfumam e derramam/</p><p>Protetor imortal do Brasil.</p><p>II</p><p>Doce mártir e guerreiro celeste/[grifos nossos]</p><p>Tuas chagas são cravos de luz/</p><p>Vencedor das falanges e da peste/</p><p>Cavaleiro fiel de Jesus/</p><p>III</p><p>Neste humilde rincão brasileiro/</p><p>chão de Flores humilde que és/ [grifo nosso]</p><p>hás de ter um altar e um canteiro/</p><p>de esperança, de amor e de fé.23</p><p>23</p><p>Hino de São Sebastião, padroeiro da cidade de Florânia, In: FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, Florânia. Natal:</p><p>Centro de Pesquisa Juvenal Lamartine, 1982. pág. 33.</p><p>16</p><p>Na narrativa do martírio de Sebastião é poetizado o sofrimento que o santo viverá</p><p>pela defesa da fé: o madeiro cruel, as setas (flechadas) perfumam e as chagas cravos de luz,</p><p>demonstrando o valor da doação da sua vida, e por tão precioso feito, protetor das falanges e</p><p>da peste. Protege o sertão, como defendeu outrora contra a cólera e, por isso, merece um altar</p><p>no humilde rincão chamado Flores, um altar à altura de tão grande santo. A construção do</p><p>templo, o hino, são formas de linguagem que os moradores da Vila Flores buscavam</p><p>expressar para o sagrado.</p><p>A experiência dos habitantes de Florânia com o Sagrado está presente desde o</p><p>primeiro povoado, e perdurou e perpassou décadas e gerações, por meio do exemplo do que se</p><p>tornou sagrado por seu testemunho e/ou martírio, sacralizando lugares e buscando estar mais</p><p>próximo do Sagrado.</p><p>17</p><p>CAPÍTULO II: A devoção ao mártir Zé Leão na Terra do Mata e Queima</p><p>A partir da necessidade de o homem sentir-se protegido e mais próximo daquilo</p><p>que considera sagrado surgem as devoções</p><p>não reconhecidas canonicamente pelo catolicismo,</p><p>mas que estão de acordo com os merecimentos popular: são os milagreiros, que recebiam a</p><p>justificação popular pela forma que concluíram sua vida terrena. Andrade (2008) argumenta</p><p>acerca do termo santificação:</p><p>[...]„santificação‟. Este termo utilizaremos para identificar uma sacralidade</p><p>em relação a um agente que não passou pelo mesmo processo relativo aos</p><p>cânones católicos. Esta „santificação‟ se dá a partir da vivência dos devotos</p><p>ou, [...], como as „experiências do sagrado‟, sem intermediações, deixando</p><p>aflorar apenas a fé e a crença nas potencialidades do morto em fazer e</p><p>intermediar graças e, muitos casos, milagres.24</p><p>Dessa forma, uma morte dolorosa e penosa é essencial para a santificação de</p><p>alguém que morreu, basta apenas que esta seja narrada de forma verídica, e seus fatos</p><p>contados são apenas uma construção do imaginário do devoto para confirmar a santidade do</p><p>morto. Em Florânia, o jovem José Leão, a partir de sua morte trágica, ganhou os altares do</p><p>imaginário popular.</p><p>2.1 – Situação sócio-política de Florânia no fim do século XIX</p><p>Florânia, até então Flores – vivenciando seu tempo de crescimento e</p><p>prosperidade nas últimas décadas do século XIX, depois de ter sido elevada à categoria de</p><p>município – encontrava-se tipicamente organizada pelo poder dos latifundiários e do</p><p>coronelismo que concentrava-se nas mãos da família Toscano Medeiros e de descendentes de</p><p>24</p><p>APUD: Zé Leão um milagreiro: memória e compromisso de fidelidade com o sagrado através dos ex-votos na</p><p>cidade de Florânia/RN</p><p>18</p><p>italianos. Os descendentes de Cosme de Abreu25 não faziam parte do contexto político da</p><p>época. Faziam parte também desse grupo alguns políticos que detiveram o poder durante a</p><p>fase pré-emancipatória do município de Florânia, “os que mais projetaram foram: Joaquim</p><p>Toscano de Araújo, Alexandre Ferreira de Araújo, João Carneiro Rios e Camilo Batista de</p><p>Menezes”. (FUNDAÇÃO, 1982, p.151). João Toscano de Medeiros foi o que mais</p><p>permaneceu à frente do governo de Florânia 26.</p><p>A produção econômica era exercida pelos latifundiários e estava em sintonia com</p><p>as práticas agropecuárias em todos os recantos do sertão seridoense. As fazendas eram para a</p><p>criação de gado e para a cotonicultura, que enriquecia a elite local. Eis aqui o diagnóstico de</p><p>algumas delas:</p><p>Passagem, fazenda para criação e plantio de algodão, muito povoada,</p><p>pertencente aos herdeiros de Luís Paulino de Medeiros. Pitombeira,</p><p>pertencente aos herdeiros de João Damasceno de Medeiros Silva, para</p><p>criação de gado e cultivo do algodão. Barrocas, fazenda de João Joaquim de</p><p>Souza, onde se planta algodão de larga escala e há um locomóvel. Umari-</p><p>Preto, fazenda do Tenente Laurentino Theodoro da Cruz, especialmente</p><p>para o algodão. Fechado, fazenda que foi do Coronel João Porfírio do</p><p>Amaral (...) tem bom açude e imensos campos de algodão. (IDEM, pág. 21)</p><p>Havia, ainda, alternativas de produção como na Serra Nova que “em seu</p><p>desenvolvimento tem 45 km circulando quase todo território de Flores” com “extensos</p><p>maniçobais” (FUNDAÇÃO, 1982. pág. 23) A extração da borracha ou resina da maniçoba,</p><p>que segundo Macedo (2004) foi uma iniciativa</p><p>de uma pessoa dos “Tripeiros”, família descendente dos Atanásios, que teve</p><p>participação importante na edificação da igreja local. Esse mesmo indivíduo,</p><p>cuja tradição oral nos negou o nome, dirigiu-se ao Amazonas fugindo de</p><p>uma grande seca e lá entrou em contato com o trabalho de extração do látex</p><p>25</p><p>Segundo Dona Iracir (84 anos), “os tripeiros”, descendentes de Athanásio Fernandes, foram, aos poucos, se</p><p>afastando do centro de Flores e se aglomerando, formando uma nova comunidade, atualmente, a Vila Jucuri.</p><p>26</p><p>Até o ano de 1890 o Tenente Coronel João Toscano de Medeiros exerceu o poder político com outros</p><p>membros da elite agrária, como Camilo Batista de Lima. A partir de então, Joca Toscano, como era conhecido,</p><p>passou a comandar a Vila de Flores quase isoladamente. Assumiu a intendência municipal de 1901 a 1904. João</p><p>Toscano governou quase que ininterruptamente de 1891 a 1899 e, posteriormente, de 1905 a 1916. Sua patente</p><p>de Coronel foi assinada pelo então Presidente da República Floriano Peixoto em 23 de agosto de 1893</p><p>(FUNDAÇÃO, 19982.p. 75).</p><p>19</p><p>nos seringais. Em retorno ao sertão, experimentou extrair a borracha da</p><p>maniçoba.</p><p>Atraído pela borracha de maniçoba, o italiano Antonio Giffoni veio da Paraíba no</p><p>ano de 1888 e fixou-se com sua família em Florânia, tendo em vista a próspera economia do</p><p>látex que, somada à economia algodoeira, fazia da cidade um dos maiores centros econômicos</p><p>da região do Seridó. Vale salientar que Antônio Giffoni foi um dos colaborados para a</p><p>construção da nova Igreja de São Sebastião, símbolo da prosperidade da época.</p><p>Assim se encontrava a sociedade da Vila de Flores no final do século XIX e nas</p><p>primeiras décadas do século XX. Foi nesse contexto cheio de elementos sociais, culturais e</p><p>religiosos tradicionais que a sociedade de Flores testemunhou a morte de um jovem em torno</p><p>do qual, aos poucos, criavam o mito: Zé Leão. Esse episódio viria a tornar-se um forte</p><p>discurso de apreciação popular e alimento para o imaginário do povo.</p><p>2.2 – Histórias sobre Zé Leão</p><p>De acordo com as histórias populares, José de Souza Leão, mais conhecido como</p><p>Zé Leão, era um jovem fazendeiro da Vila das Flores, vindo do Ceará. Existe uma primeira</p><p>versão para a causa possível da morte de Zé Leão que diz respeito aos galanteios do jovem a</p><p>uma filha de João Porfírio. Isto até se torna viável, pois essa época era denominada pelo</p><p>conservadorismo e, por isso, a mulher deveria ser respeitada e submetida à autoridade do pai,</p><p>o qual escolhia os pretendentes a casar com suas filhas. A relação de um homem e uma</p><p>mulher deveria ser planejada sob a ética da moral. O desrespeito a essas práticas sociais era</p><p>crime, e em caso de desrespeito às donzelas, o derramamento de sangue era a forma legal de</p><p>lavar a honra da família.</p><p>Segundo Júnior (39 anos):</p><p>o pai de Zé Leão tinha comprado umas terras lá no Brejinho, perto de Chico</p><p>Amaral, e veio pra cá com toda sua família (...). O pai de Zé Leão compra as</p><p>terras do Cajueiro, aquela extensão todinha do mirante de Dona Pequenita</p><p>até o Pau do Oco, aos irmãos do Tenente Coronel Joca Toscano e que</p><p>faleceram antes de entregar a documentação das terras.</p><p>20</p><p>Entendia-se que a família Leão queria ganhar mais espaço na sociedade da Vila</p><p>Flores com o uso dessas terras, para isso era preciso impedir o apossamento destas e expulsá-</p><p>los da região.</p><p>Ainda segundo Júnior (39 anos), no ano de 1875 “o pai e a mãe de Zé Leão foram</p><p>padrinhos de uma pessoa aqui de Florânia”. Naquela época, os menos favorecidos buscavam</p><p>pessoas que tivessem influências na sociedade e condições financeiras para o apadrinhamento</p><p>de seus filhos, visando também certa proteção familiar. Na fala de Dona Iracir (84 anos), Zé</p><p>Leão já tinha ganhado o prestígio da população de Vila Flores:</p><p>Mamãe contava que Zé Leão era um homem muito querido, quando havia</p><p>casamento era convidado. Ele tinha um cavalo, possuía um cavalo pra viajar</p><p>(...) Aí ele foi convidado para ir a uma casamento no Piricô. Casamento com</p><p>bale (..). A mãe dele dizia: „meu filho essa sua viagem não vai dar certo não‟,</p><p>„Não mamãe, tem nada. Eu vou, eu fui convidado!‟. Selou o cavalo e foi.</p><p>Eram 20 de janeiro de 1877, dia da festa do Padroeiro da cidade, São Sebastião.</p><p>Houve uma casamento do qual Zé Leão “tinha sido padrinho” (JÚNIOR, 39 anos), e na volta</p><p>da festa desse casamento, foi preparada uma emboscada, a mando de Joca Toscano e João</p><p>Porfírio, sendo assassinado Zé Leão de forma cruel, tendo seu corpo esquartejado ainda vivo.</p><p>“Quando se esquarteja, você fica arquejando, os seus órgão vitais</p><p>não são atingidos, você</p><p>morre de hemorragia, é uma morte triste.” (IDEM) e depois queimado até se transformarem</p><p>em carvões. “Quando ele é derrubado do cavalo com uma paulada, com uma mão de pilão, o</p><p>cavalo dele que também era branco, sai em disparada” (IDEM), atravessando a cidade, de</p><p>oeste (onde ocorreu o evento) a leste (onde moravam seus pais). A partir de então seus pais</p><p>começaram a procurá-lo. “As pessoas viram o claro da fogueira e não sabiam de que se</p><p>tratava”. (IDEM, IDEM)</p><p>Não se sabe que versão é verdadeira dos possíveis motivos para esse assassinato,</p><p>o fato é que o crime aconteceu e repercutiu não somente na cidade, mas também nas</p><p>circunvizinhanças, construindo um discurso que até hoje define a cidade de Florânia como a</p><p>terra do mata e queima, uma definição que tem também uma conotação na vida individual dos</p><p>habitantes da cidade.</p><p>21</p><p>Vai tomar mais proporção é quando Pe. Cícero começa a criticar as pessoas</p><p>de Florânia, as autoridades pela morte de Zé Leão. Pra você ver a</p><p>repercussão que eu falei no Nordeste. Lá no Ceará, no Juazeiro do Norte... a</p><p>mais de 500 km daqui pra lá, começa a repercutir esse crime que ficou sem</p><p>punição. Aí Pe. Cícero, na hora da bênção dos fiéis, quando terminava a</p><p>missa, ele abençoava e disse que via todas as torres das igrejas, menos a de</p><p>Flores... Por que ele não via? Exatamente porque Flores é uma terra que</p><p>mata e queima, devido à impunidade que teve na época (JÚNIOR, 39 anos).</p><p>2.3 – A morte de um homem comum dá à luz um poderoso mito</p><p>A barbárie ocorrida na Vila Flores, somada aos acontecimentos posteriores nas</p><p>famílias dos mandantes desse crime, fez com que a piedade popular crescesse em torno do</p><p>jovem assassinado. Começaram a associar tais acontecimentos como “castigos divinos”:</p><p>Num dia comum de inverno um raio cai e mata as duas filhas gêmeas de</p><p>João Porfírio. Essas filhas eu pensava que eram fictícias, mas eu encontrei o</p><p>bastistério delas duas em Acari, de 1872. Nome de uma era Izabel e a outra</p><p>Maria. Começa a gente se suicidar, enlouquecer dessas famílias. (Júnior, 39</p><p>anos)</p><p>Alguns fenômenos naturais são possíveis observar, segundo a Bíblia, na morte de</p><p>Jesus Cristo, para o reconhecimento de que Ele era justo:</p><p>“Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio”.(Lc 23, 45).</p><p>“Jesus de novo lançou um grande brado, e entregou a alma. E eis que o véu</p><p>do templo se rasgou em duas partes de alto a baixo, a terra tremeu,</p><p>fenderam-se as rochas. O centurião e seus homens que montavam guarda a</p><p>Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava,</p><p>disseram entre si, possuídos de grande temor: Verdadeiramente, este homem</p><p>era Filho de Deus!” (Mt 27, 50-51.54)27</p><p>Essa alusão à justificação de Zé Leão dá-se também pelo fato de que “os três</p><p>jagunços eram amigos de Zé Leão, eles receberam 200 mil contos de réis” (Júnior, 39 anos,</p><p>11 de fevereiro de 2014), assim como Judas traiu Jesus “Até o meu próprio amigo íntimo em</p><p>27</p><p>BÍBLIA SAGRADA, 30ª ed, São Paulo: Ave-Maria, 2001.</p><p>22</p><p>quem eu tanto confiava, e que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar”</p><p>(Salmo 41,9). O fato virou canção:</p><p>A TRAIÇÃO (ZÉ LEÃO)</p><p>Inocente como um cordeiro [grifos nosso]</p><p>Fui levado para minha morte</p><p>Cortado e jogado fora sem temor</p><p>Tô partindo, tô morrendo meu amor.</p><p>Os amigos se revelaram [grifos nosso]</p><p>Animais sedentos de ódio</p><p>Noite fria, meu corpo queimado</p><p>Fogo impiedoso ardia</p><p>Esquartejaram a esperança</p><p>Matam e queimam meu coração (bis)</p><p>A fé que habita minh‟alma</p><p>É tão grande maior do que a dor</p><p>Dói demais ver tamanho ódio</p><p>Nesses olhares pecaminosos</p><p>Que o perdão fique com eles [grifos nosso]</p><p>E a justiça por Deus seja feita (bis)28</p><p>Os trechos destacados na canção trazem ainda mais semelhança com o martírio de</p><p>Jesus “como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus</p><p>tosquiadores, ele não abriu a boca" (Isaías 53,7b); os amigos que traíram por dinheiro como</p><p>Judas que traiu Jesus por “trinta moedas de prata” (Mt 27, 3s); ver os próprios amigos o</p><p>ultrajarem dói mais do que a dor, mas para eles se deixa o perdão como Jesus perdoou na</p><p>cruz: “Pai perdoa-lhes pois não sabem o que fazem” (Lc 23, 34).</p><p>O mito de Zé Leão apresenta características dos mitos religiosos tradicionais, com</p><p>diversos fatores que condicionaram a apreciação dos antigos cidadãos de Flores,</p><p>principalmente, fatores relacionados a fenômenos naturais. Primeiramente, com o evento do</p><p>raio que atingira as filhas de Joca Toscano (ver recorte jornal em anexo noticiando a queda de</p><p>um raio em plena seca), posteriormente, a grande seca, avassaladora, que atingiu toda a região</p><p>na década de 1870, aquela que determinou um momento histórico de aflição, apreensão e</p><p>desesperança coletiva. Depois temos a própria personalidade do mitificado e os fatores que se</p><p>fizeram acontecer durante seu martírio.</p><p>28 Júnior Galdino de Azevedo. CD Canções de Fé. 2012.</p><p>23</p><p>Um mito necessita de um momento propício para se manifestar, que lhe dê</p><p>condições essenciais para o seu desenvolvimento. Para tanto, Eliade (1992, pág.94) afirma</p><p>que o mito nasce da narração popular daquilo que seres divinos ou justificados vivenciaram e,</p><p>uma vez narrado, torna-se verdade:</p><p>“Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez “dito”,</p><p>quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade a política: funda a verdade</p><p>absoluta. “É assim porque foi dito que é assim”, declaramos esquimós</p><p>netsilik a fim de justificar a validade de sua história sagrada e suas tradições</p><p>religiosas.</p><p>A identificação de Zé Leão como justo, segundo Júnior (39 anos), teria sido pelas</p><p>visitas de João Porfírio ao local do homicídio. O mito começava a ganhar veracidade:</p><p>João Porfírio começa todo fim de tarde ir rezar, coloca uma cruz, a cruz de</p><p>Zé Leão, e começa a rezar pela alma de Zé Leão. Pedir perdão. Aí as pessoas</p><p>começam a seguir, associaram todos os fatos, aí começa a seguir. João</p><p>Porfírio começa a pedir a Zé Leão a interceder, interceder a Cristo, porque</p><p>ele era inocente, por isso estaria no céu, interceder a Cristo por algum</p><p>milagre, alguma enfermidade ser curada e começa, de fato a gente não sabe</p><p>quem foi o primeiro a fazer a promessa, uma coisa íntima, e ser valido.</p><p>O mito de Zé Leão ganha espaço e a população de Vila Flores associa a ele mais</p><p>um fenômeno natural, desta vez, ocorrido em todo o Nordeste: a seca entre os anos de 1877-</p><p>187929. As esperanças de bom inverno e fartura nas colheitas transformavam-se, aos poucos,</p><p>em utopia. Tais incertezas de prosperidade, os tormentos causados pela seca, como a fome e</p><p>doença, são motivos indispensáveis para a evolução de uma ideia mítica e aceitação popular.</p><p>No ano de 1890, com o grande inverno e a vegetação cinzenta da caatinga revitaliza-se</p><p>também o mito de Zé Leão.</p><p>Tempos mais tarde, algumas pessoas resolveram erguer uma capelinha no local</p><p>em que mortificaram Zé Leão, não só para guardar a memória como também os ex-votos e</p><p>acender velas em pagamento de promessa. Não se sabe ao certo o ano em que foi erguida a</p><p>capelinha, no entanto, teria sido “entre dez e vinte anos depois do ocorrido” (Júnior, 39 anos).</p><p>29</p><p>A escassez de chuva que atingiu as províncias do Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe,</p><p>Alagoas, Pernambuco e Bahia, nos últimos anos do Império, exigiam uma intervenção mais objetiva do governo</p><p>que promovesse o socorro a estas populações e criassem condições para que não mais dependessem do auxílio</p><p>do governo. Ver mais em << http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=56809>></p><p>http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=56809</p><p>24</p><p>Desde a construção a capelinha ficou aos cuidados de populares floranienses. Esse local,</p><p>durante muito tempo, foi de refúgio para fiéis que vinham em busca de consolo para os seus</p><p>males, individuais ou coletivos,</p><p>e, ainda hoje, é um ambiente sagrado aos olhos de muita</p><p>gente, sejam nativos de Florânia ou de outros lugares do país.</p><p>2.4 – São José Leão, o milagreiro</p><p>Uma morte violenta chama a atenção, desperta a curiosidade, e aumenta a crença</p><p>dos fiéis naquele que morreu não só por Cristo, mas como ele. O sofrimento e a morte trazem</p><p>a ideia de purificação da alma, uma vez o corpo sacrificado é sinal da remissão dos pecados,</p><p>ocorrendo, então, uma santificação de maneira mais rápida e sem regras oficializadas. Isso foi</p><p>o que aconteceu com o milagreiro “São José Leão” (Júnior, 39 anos):</p><p>Quando eu estava em 1997, limpado a capela lá, num sábado, se eu não</p><p>estou enganado, chegou uma senhora com um senhor, bem mais idoso do</p><p>que ela e uma criança... digo uma senhora porque ela tinha uns cinquenta e</p><p>um anos...que quando ela nasceu o pai dela fez uma promessa em Santana do</p><p>Matos, o pai dela fez uma promessa a Zé Leão se ela escapasse da doença</p><p>que ela adquiriu no nascimento ele vinha pagar promessa na cruz da capela</p><p>de São José Leão, era assim que chamava o povo mais velho, São José Leão.</p><p>E ela foi curada e, nunca veio pagar a promessa, mas com o passar de</p><p>cinquenta e um anos, quando ela veio do Rio de Janeiro, já com filho, ela</p><p>disse “papai eu tenho que pagar a promessa”. Cinquenta e um anos depois</p><p>tava lá pagando a promessa a Zé Leão.</p><p>O milagreiro, mesmo que sem o reconhecimento da Igreja Romana, ganha forma</p><p>de sagrado, e lhe são apresentados os problemas cotidianos da vida dos pedintes e estes, por</p><p>sua vez, retribuem ao que morreu com orações e pagamento de promessas. A devoção a Zé</p><p>Leão foi construída dessa maneira. Após os fatos ocorridos durante e após sua morte, as</p><p>pessoas que lhe recorriam com os problemas cotidianos tornaram-se devotas dele, e passaram</p><p>a oferecer objetos como sinal de gratidão por graças alcançadas e de fé nesse milagreiro. Na</p><p>capela que foi erguida eram deixados os ex-votos30, como também, velas, flores e fotografias,</p><p>símbolos também de penitências realizadas. Vale ressaltar que na religiosidade popular</p><p>30Os ex-votos são agradecimentos materiais pelos milagres obtidos como devoção a um determinado santo. Tais</p><p>representações são feitas em esculturas de barro, gesso, cera ou madeira, além de fotografias, velas etc. que são</p><p>colocadas diretamente nos locais de veneração e oferecidas em agradecimento.</p><p>25</p><p>sertaneja as pessoas buscam os milagreiros e os consideram protetores e criam, através de</p><p>suas promessas feitas e atendidas, uma relação com o sagrado, como afirma Ribeiro (2006) na</p><p>citação:</p><p>O cumprimento de promessas seja com autoflagelação, romarias, doações,</p><p>ex-votos, festas e toda a sorte de manifestações devocionais ganha tons</p><p>fortes para o sertanejo. A escolha de um santo para devoção particular, o</p><p>qual o fiel elege como padrinho, bem como a troca de favores entre o santo e</p><p>o devoto, traduzem o intercâmbio entre a vida cotidiana dos devotos,</p><p>organiza dentro de relações de reciprocidade desigual, e a relação com o</p><p>mundo sobrenatural.</p><p>Segundo Ramos (1998) a religiosidade e a devoção popular constituem um</p><p>“sistema simbólico” que produz a partir das experiências sociais os significados e valores</p><p>culturais. A fé é geradora da proteção de um ser divino. Para o devoto “a esperada proteção do</p><p>santo se corporifica no seu poder de controlar o jogo de acontecimentos a fim de</p><p>(re)estabelecer a ordem desejada pelo fiel”. (Idem, pág. 20). O sofrimento é apresentado como</p><p>ação coerente para a ligação com as forças do sagrado. José Leão fora justificado no</p><p>imaginário popular e, com as visitas ao local de sua execução ao longo dos anos, já no século</p><p>XX, tornava-se cada vez mais conhecido como “o milagreiro”.</p><p>No entanto, por duas vias buscava-se a ocultação e o esquecimento da história e</p><p>milagres de Zé Leão. Primeiramente, da parte da Igreja Católica que começava a viver o</p><p>período que chamamos de Romanização – período em que a Igreja de todo o mundo buscava</p><p>combater outras correntes de pensamento, como o positivismo, a maçonaria, o espiritismo,</p><p>revelando o seu lado conservador, e às vezes até intolerante em relação a outras vertentes,</p><p>principalmente no caso de questões religiosas e espirituais – “Era o começo da reação contra o</p><p>catolicismo de fachada” (VILLAÇA, 1975. pág. 83). Em 1947, segundo Medeiros (2002,</p><p>pág.16) a Igreja do Seridó buscava “erigir um santuário mariano na tentativa de desviar a</p><p>atenção dos católicos daquele local religioso [a capela de Zé Leão] não aprovado pelas</p><p>autoridades católicas”, e utilizou o clima místico que causara a história da Santa Menina para</p><p>levar a atenção do povo ao Santuário das Graças, assunto trabalhado no capítulo seguinte.</p><p>Em segundo lugar, o esquecimento e a ocultação do mito de Zé Leão dá-se pelas</p><p>famílias dos mandantes do crime que, durante o período do assassinato até a década de 1990,</p><p>encontravam-se no poder ou tinham ligação com aqueles que detinham o poder público. Essa</p><p>26</p><p>afirmação é tida por verdadeira por não se encontrar nos escritos da história oficial de</p><p>Florânia algo sobre Zé Leão. O livro “Florânia” da fundação José Augusto de 1982, não traz</p><p>citação alguma sobre o ocorrido. Segundo Júnior (39 anos), por ser uma história de coronel “o</p><p>povo tinha receio de comentar”.</p><p>Esse quadro começa a mudar com a chegada do Pe. Cortez no final dos anos 80 à</p><p>cidade de Florânia, que em seu projeto de reestruturação da Igreja em Florânia, incentivou as</p><p>peregrinações à Capela da Cruz de Zé Leão dentro da festa do Padroeiro da cidade São</p><p>Sebastião, onde até hoje acontece a celebração da missa. No entanto, não se fazia menção da</p><p>história do jovem Zé Leão. A partir daí começam os escritos sobre Zé Leão e começa um</p><p>resgate do mito popular:</p><p>O CASO JOSÉ LEÃO</p><p>Deixou marcas na cidade</p><p>Muita gente lamenta tamanha brutalidade</p><p>Ceifaram a vida de um homem</p><p>Foi pura perversidade</p><p>A história todos conhece</p><p>Não vou aqui repetir</p><p>Pois passando mais de um século</p><p>A Fé teima em insistir</p><p>Que ele atende as súplicas daquele que lhe pedir...</p><p>(Domingos Toscano, Florânia, Janeiro de 2010). 31</p><p>O caso Zé Leão ganha nova roupagem no ano de 2010 quando o pároco da cidade,</p><p>Pe, Carlos, com a ajudada de colaboradores busca realizar, de forma simbólica, o encontro</p><p>entre a família Leão, que morava na cidade de Parnamirim/RN e as Famílias Medeiros e</p><p>Toscano, encontro esse intitulado: Caso Zé Leão 133 anos depois: fé e perdão. Na ocasião,</p><p>uma das tetras netas de Joca Toscano entregou à Família Leão o carvão que restou do corpo</p><p>de Zé Leão (Ver foto em anexo). A partir de então, todos os anos, dentro da festa do</p><p>Padroeiro, no dia da procissão à Capela da Cruz de Zé Leão, a Família Leão comparece ao</p><p>evento.</p><p>31</p><p>Disponível em <<http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-</p><p>depois/acesso>> Acesso em: 28 de fevereiro de 2014.</p><p>http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/acesso</p><p>http://coisasdeflorania.wordpress.com/2011/01/27/o-caso-jose-leao-133-anos-depois/acesso</p><p>27</p><p>CAPÍTULO III: À Menina ou à Senhora: a quem recorrer?</p><p>A religiosidade popular e a religiosidade oficial, no longo processo de</p><p>transformações da história ocidental, com suas divergências, geraram certo conflito no âmbito</p><p>da fé. A racionalidade somada ao empirismo passa a fundamentar as investigações para a</p><p>análise do sobrenatural. Ramos (1998) afirma que enquanto a Igreja necessita das</p><p>investigações e reflexões da teologia, o povo segue a “voz do coração”, sem provas racionais,</p><p>basta, apenas, ver as “manifestações do sagrado”.</p><p>O “fervor religioso peculiar”, que Medeiros Filho (2002) apresenta o povo de</p><p>Florânia, afirmando que tem “uma população marcadamente religiosa e mística” (Idem,2002,</p><p>pág. 16), e por ter sediado entre 1941-1951, o Seminário Ferial os seminaristas das dioceses</p>

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