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<p>A Intersetorialidade</p><p>A intersetorialidade é um conceito fundamental na gestão da segurança viária. Quando falamos</p><p>de trânsito, estamos nos referindo a um sistema complexo que envolve diversos subsistemas,</p><p>como educação, justiça, infraestrutura e até mesmo meio ambiente. Esse sistema, para</p><p>funcionar de maneira eficaz, requer uma abordagem intersetorial. Isso significa que diferentes</p><p>ministérios e setores da sociedade precisam trabalhar de forma colaborativa, como já apontado</p><p>em relatórios da ONU desde 2004.</p><p>A segurança no trânsito, por exemplo, não é apenas uma questão de infraestrutura ou</p><p>fiscalização, mas também de educação e cultura. Historicamente, a gestão desses aspectos</p><p>era centralizada e hierárquica, com cada setor cuidando de sua própria área de forma isolada.</p><p>Hoje, vemos uma mudança para um modelo mais colaborativo e participativo, onde o</p><p>conhecimento especializado de cada setor é integrado em um esforço conjunto.</p><p>No entanto, a operacionalização dessa intersetorialidade traz desafios. De um lado, há a</p><p>questão cognitiva, que envolve a dificuldade de os diferentes setores compreenderem as</p><p>especificidades uns dos outros. De outro lado, há desafios culturais, pois cada área tem suas</p><p>próprias normas e formas de atuação. Para superar esses obstáculos, é essencial criar</p><p>mecanismos de integração que potencializem a comunicação entre as instituições, permitam</p><p>uma melhor compreensão das suas estruturas e promovam um olhar mais amplo e claro sobre</p><p>os problemas em comum.</p><p>As estratégias de gestão intersetorial devem focar na integração desses diferentes setores,</p><p>reconhecendo problemas e oportunidades que sejam comuns a todos. Isso envolve a</p><p>convergência de esforços, conhecimentos e recursos. A própria Constituição Federal de 1988,</p><p>no artigo 277, reforça a ideia de colaboração entre Estado, família e sociedade para promover</p><p>a educação – um dos pilares da segurança viária. Além disso, o Código de Trânsito Brasileiro,</p><p>em seu capítulo VI, destaca a educação no trânsito como responsabilidade compartilhada por</p><p>diversos setores, incluindo o público, o privado e a sociedade civil.</p><p>Um exemplo claro de intersetorialidade aplicada ao trânsito é o Programa Vida no Trânsito</p><p>(PVT), uma iniciativa do Ministério da Saúde. Esse programa reúne estados, municípios,</p><p>organizações não-governamentais, entidades científicas e diferentes ministérios, como o da</p><p>Infraestrutura, Educação, Segurança e Planejamento Urbano, para atuar de maneira conjunta.</p><p>Essa convergência de esforços ilustra o que o especialista Eduardo Mourão Vasconcelos</p><p>mencionou sobre a harmonização entre o individual e o coletivo, o público e o privado, o Estado</p><p>e a sociedade civil.</p><p>Assim, a intersetorialidade não apenas é prevista na legislação, mas também se mostra</p><p>fundamental para enfrentar os desafios complexos do trânsito, com benefícios claros para toda</p><p>a sociedade.</p><p>A intersetorialidade no trânsito é uma abordagem que reconhece a complexidade desse</p><p>sistema e a necessidade de unir esforços de diversas áreas para promover soluções mais</p><p>eficazes e sustentáveis. O trânsito, por sua própria natureza, envolve uma série de fatores e</p><p>variáveis que vão além da simples infraestrutura viária ou das leis de trânsito. Ele abrange a</p><p>interação entre pessoas, veículos, meio ambiente e, principalmente, uma diversidade de</p><p>setores da sociedade que têm responsabilidades diretas ou indiretas sobre a mobilidade.</p><p>No contexto da segurança viária, a intersetorialidade é vital. Um dos grandes desafios é romper</p><p>com a visão fragmentada e compartimentalizada das soluções. Um exemplo clássico é a</p><p>relação entre saúde e trânsito. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que</p><p>os acidentes de trânsito estão entre as principais causas de morte no mundo, especialmente</p><p>entre jovens. Esse cenário demonstra como o trânsito se conecta à saúde pública. Assim,</p><p>ministérios como o da Saúde, além do tradicional Ministério dos Transportes, precisam</p><p>colaborar estreitamente. O mesmo vale para as áreas de educação e justiça, que devem atuar</p><p>de forma integrada para promover campanhas de conscientização e fortalecer o cumprimento</p><p>das leis de trânsito.</p><p>Além disso, a intersetorialidade no trânsito também se expressa em programas que envolvem</p><p>as áreas de meio ambiente e urbanismo. Cidades que integram políticas de mobilidade</p><p>sustentável estão promovendo ações intersetoriais ao incluir, por exemplo, o incentivo ao uso</p><p>de transportes alternativos e menos poluentes, como bicicletas e transporte coletivo de baixa</p><p>emissão de carbono. Esse tipo de iniciativa requer a colaboração entre órgãos responsáveis</p><p>por meio ambiente, planejamento urbano e transporte, para que sejam viáveis e eficientes.</p><p>Outro conceito fundamental para compreender a intersetorialidade no trânsito é a necessidade</p><p>de mecanismos que permitam a integração de dados entre as diferentes áreas envolvidas. A</p><p>gestão de dados pode potencializar essa colaboração, fornecendo informações mais completas</p><p>e precisas sobre os problemas que afetam a segurança no trânsito. O cruzamento de dados</p><p>sobre saúde, acidentes de trânsito, urbanismo e fiscalização permite uma visão mais holística e</p><p>orientada para a ação.</p><p>Um exemplo interessante dessa integração de dados é o Sistema de Informações sobre</p><p>Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que coleta dados sobre óbitos por causas externas,</p><p>incluindo acidentes de trânsito. Esses dados são compartilhados com o Departamento Nacional</p><p>de Trânsito (DENATRAN), permitindo que políticas públicas sejam desenhadas com base em</p><p>evidências concretas, facilitando ações preventivas.</p><p>A própria lógica de cidade inteligente (smart cities) dialoga com o conceito de intersetorialidade.</p><p>Cidades como Curitiba e São Paulo estão investindo em sistemas inteligentes de tráfego, que</p><p>integram tecnologia e governança urbana para melhorar a mobilidade e reduzir acidentes.</p><p>Esses sistemas dependem da colaboração entre diferentes áreas, como segurança pública,</p><p>transporte e tecnologia da informação, além de envolver a participação da sociedade civil.</p><p>O *Vision Zero*, programa global que visa a redução de mortes no trânsito a zero, é outro</p><p>exemplo de intersetorialidade aplicada. Originado na Suécia, o programa envolve o governo em</p><p>todas as esferas, além de organizações não-governamentais, empresas e a sociedade civil,</p><p>para garantir que a infraestrutura viária seja projetada para minimizar o risco de acidentes. O</p><p>*Vision Zero* demonstra como é possível unir esforços de diferentes setores para um objetivo</p><p>comum, com base na visão de que nenhuma morte no trânsito é aceitável.</p><p>Portanto, a intersetorialidade no trânsito é mais do que uma ferramenta de gestão; é uma</p><p>abordagem estratégica que reconhece a interdependência de várias áreas para promover um</p><p>trânsito mais seguro, sustentável e inclusivo. Ao integrar saúde, educação, justiça,</p><p>infraestrutura e tecnologia, criamos um sistema de trânsito mais eficiente e humano, capaz de</p><p>responder aos desafios complexos que se apresentam diariamente.</p><p>O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) é uma das principais</p><p>iniciativas brasileiras que incorporam a intersetorialidade na segurança viária. Estabelecido</p><p>pela Lei nº 13.614/2018, o Pnatrans tem como objetivo reduzir pela metade, em 10 anos, o</p><p>número de mortes e lesões no trânsito, conforme metas estabelecidas. Para atingir esse</p><p>propósito ambicioso, o plano reconhece que o trânsito não é responsabilidade de um único</p><p>setor, mas depende de uma coordenação integrada entre diversas áreas e instituições.</p><p>A intersetorialidade no Pnatrans se manifesta desde a fase de planejamento até a execução</p><p>das ações previstas no plano. O programa articula diferentes órgãos e instituições, incluindo</p><p>ministérios, governos estaduais e municipais, órgãos de trânsito e segurança pública, além de</p><p>organizações da sociedade civil e o setor privado. Cada um desses atores desempenha um</p><p>papel essencial para garantir o sucesso das estratégias propostas. Por exemplo, o Ministério</p><p>da Saúde tem um papel fundamental no monitoramento dos acidentes</p><p>e no atendimento às</p><p>vítimas, enquanto o Ministério da Educação é responsável por promover uma cultura de</p><p>segurança e respeito às normas de trânsito por meio de campanhas educativas.</p><p>Uma característica marcante do Pnatrans é sua estrutura baseada em seis eixos temáticos,</p><p>que evidenciam a intersetorialidade na prática:</p><p>1. **Gestão da segurança no trânsito**: envolve o fortalecimento das instituições e a criação de</p><p>uma coordenação entre órgãos de trânsito, saúde, infraestrutura e justiça. A integração dessas</p><p>instituições é fundamental para a implementação de políticas e para a coleta e</p><p>compartilhamento de dados.</p><p>2. **Vias seguras**: foca em melhorar a infraestrutura, garantindo que as rodovias e vias</p><p>urbanas sejam projetadas e mantidas para reduzir riscos. Para isso, é essencial a colaboração</p><p>entre o Ministério da Infraestrutura, os departamentos de engenharia de trânsito e o</p><p>planejamento urbano.</p><p>3. **Segurança veicular**: esse eixo envolve a indústria automobilística e agências reguladoras,</p><p>como o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e o Denatran, para</p><p>garantir que os veículos atendam a padrões de segurança mais rigorosos.</p><p>4. **Educação para o trânsito**: reconhece o papel central da educação, tanto nas escolas</p><p>quanto por meio de campanhas públicas. Aqui, a colaboração entre o Ministério da Educação,</p><p>o Denatran e entidades de trânsito é crucial para conscientizar a população e formar cidadãos</p><p>mais responsáveis no trânsito.</p><p>5. **Atendimento às vítimas**: um eixo que envolve diretamente a área de saúde. O Ministério</p><p>da Saúde e os serviços de emergência são responsáveis pelo rápido atendimento às vítimas de</p><p>acidentes, mas também pela reabilitação e pelo tratamento adequado para minimizar sequelas.</p><p>6. **Fiscalização e legislação**: para garantir que as normas sejam respeitadas, é necessária a</p><p>ação conjunta das polícias rodoviárias, das guardas municipais, do sistema judiciário e dos</p><p>órgãos de trânsito. A aplicação eficaz da lei e o acompanhamento das infrações fazem parte</p><p>dessa abordagem integrada.</p><p>O Pnatrans, ao incorporar essa lógica intersetorial, reforça a necessidade de um regime de</p><p>colaboração constante, onde as responsabilidades são compartilhadas e os esforços são</p><p>coordenados. Isso reflete a própria Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 277,</p><p>destaca a colaboração entre o Estado, a família e a sociedade na promoção da educação e do</p><p>bem-estar coletivo.</p><p>O plano também cria um ambiente onde o setor privado e a sociedade civil podem atuar em</p><p>conjunto com o poder público. A indústria automobilística, por exemplo, pode colaborar ao</p><p>desenvolver veículos mais seguros, enquanto organizações não-governamentais (ONGs) e</p><p>associações comunitárias desempenham um papel vital na conscientização e na mobilização</p><p>social.</p><p>Ao aplicar o conceito de intersetorialidade, o Pnatrans não só reconhece que os problemas</p><p>relacionados ao trânsito são complexos, mas também que suas soluções exigem a participação</p><p>ativa de diversos setores. Cada um traz uma perspectiva e um conhecimento específico, e a</p><p>integração desses recursos é fundamental para alcançar os resultados desejados: um trânsito</p><p>mais seguro, com menos mortes e lesões graves.</p><p>Essa convergência de esforços e a coordenação de políticas entre diferentes áreas também</p><p>reforçam a ideia de que o trânsito, enquanto questão de saúde pública, de educação e de</p><p>infraestrutura, só pode ser efetivamente abordado por meio de uma visão colaborativa e</p><p>integrada.</p><p>O Capítulo VI do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) trata especificamente da **Educação para</p><p>o Trânsito**, reconhecendo-a como um direito de todos e um dever do Estado, com a</p><p>colaboração da sociedade, conforme previsto na Constituição Federal. Esse capítulo</p><p>estabelece que a educação para o trânsito deve ser promovida em todos os níveis de ensino,</p><p>desde a educação infantil até o ensino superior, além de ser contínua ao longo da vida, por</p><p>meio de campanhas públicas e programas educativos.</p><p>O artigo 74 do CTB é central, ao determinar que o Sistema Nacional de Trânsito (SNT)</p><p>desenvolva ações permanentes de educação, com o objetivo de conscientizar motoristas,</p><p>ciclistas, pedestres e todos os usuários das vias sobre comportamentos seguros. O capítulo</p><p>reforça que a educação para o trânsito não é apenas responsabilidade das escolas, mas deve</p><p>envolver múltiplos setores, como órgãos de trânsito, veículos de comunicação, empresas e</p><p>entidades civis.</p><p>O Capítulo VI destaca ainda a importância das campanhas educativas voltadas à população</p><p>em geral, com foco em comportamentos seguros, respeito às normas de trânsito e prevenção</p><p>de acidentes. Além disso, incentiva a formação de multiplicadores nas empresas e a</p><p>participação de organizações não-governamentais em ações educativas, reforçando a</p><p>intersetorialidade na promoção de um trânsito mais seguro.</p><p>Em resumo, a educação no trânsito é vista como um processo contínuo e integrado, que deve</p><p>mobilizar diferentes setores da sociedade para criar uma cultura de respeito e segurança nas</p><p>vias públicas.</p><p>A ação intersetorial é essencial para garantir uma segurança viária mais eficaz e sustentável.</p><p>Quando diferentes setores como educação, saúde, justiça, infraestrutura e meio ambiente</p><p>atuam de forma colaborativa, é possível abordar o trânsito como um sistema complexo, onde</p><p>múltiplas variáveis precisam ser gerenciadas de maneira integrada. Essa abordagem vai além</p><p>da simples soma de ações isoladas, permitindo que o conhecimento específico de cada área</p><p>seja aproveitado em uma estratégia conjunta, aumentando a eficiência das intervenções e o</p><p>impacto positivo na redução de acidentes e mortes no trânsito.</p><p>No entanto, para que esse modelo de gestão intersetorial funcione de forma eficaz, algumas</p><p>condições pessoais e institucionais são necessárias. **Em nível pessoal**, é essencial que os</p><p>gestores e profissionais envolvidos estejam dispostos a colaborar, tenham uma visão ampla</p><p>dos problemas e sejam capazes de trabalhar em equipe, superando barreiras de comunicação</p><p>entre os diferentes setores. A formação de líderes com habilidades de coordenação e</p><p>negociação também é crucial para articular as diversas áreas envolvidas.</p><p>**Em nível institucional**, é preciso criar mecanismos de coordenação, como comitês</p><p>intersetoriais, fóruns de discussão e plataformas de integração de dados, que facilitem o</p><p>diálogo e a troca de informações entre os setores. A implementação de uma política</p><p>intersetorial depende de uma cultura organizacional que valorize a colaboração e a</p><p>transparência, além de sistemas de monitoramento e avaliação que acompanhem o progresso</p><p>das ações.</p><p>Sem essa convergência de esforços e a integração de diferentes saberes e recursos, as</p><p>políticas públicas de segurança viária tendem a ser limitadas. A intersetorialidade não é apenas</p><p>uma estratégia administrativa, mas uma ferramenta fundamental para enfrentar os desafios</p><p>complexos do trânsito. Ao promover a articulação entre Estado, setor privado e sociedade civil,</p><p>criamos um trânsito mais seguro, humano e eficiente, onde as soluções são mais completas e</p><p>os resultados, mais sustentáveis.</p>