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ROSIMEIRE APARECIDA MANTOVAN TATIANA DOMINGUES DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS 2023 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS Rosimeire Aparecida Mantovan Tatiana Domingues PRESIDENTE Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM DIRETOR GERAL Jorge Apóstolos Siarcos REITOR Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM VICE-REITOR Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO Adriel de Moura Cabral PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Dilnei Giseli Lorenzi COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD Franklin Portela Correia CENTRO DE INOVAÇÃO E SOLUÇÕES EDUCACIONAIS - CISE Franklin Portela Correia CURADORIA TÉCNICA Susana Inês Basualdo DESIGNER INSTRUCIONAL Patrícia Sponhardi REVISÃO ORTOGRÁFICA Ana Carolina Martins Beatriz Juliana Francisco Acencio Giovana Stimpel Amaral PROJETO GRÁFICO Centro de Inovação e Soluções Educacionais - CISE CAPA Centro de Inovação e Soluções Educacionais - CISE DIAGRAMADORES Andréa Ercília Calegari © 2023 Universidade São Francisco Avenida São Francisco de Assis, 218 CEP 12916-900 – Bragança Paulista/SP CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL – ORDEM DOS FRADES MENORES AS AUTORAS ROSIMEIRE APARECIDA MANTOVAN Assistente Social e Advogada, especialista em Direito Constitucional pela ESDC – Es- cola Superior de Direito Constitucional – SP e em Gestão da Política Pública de Assis- tência Social pela PUC-SP. Mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Docente do curso de Serviço Social na FMU – São Paulo e da FAPSS São Caetano do Sul desde 2010. Servidora Pública da Prefeitura Municipal de Santo André desde 1992, com atuação nas áreas de Assistência Social, Assistência Judiciária e Defesa do Consumidor, e atual- mente gestora da Política de Assistência Social. Entre 2007 e 2008 atuou como asses- sora no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Secretaria Nacional de Assistência Social, e entre 2009 e 2014 como gestora da Política de Assistência So- cial na Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Entre 2014 e 2016 atuou como docente do Programa Capacita SUAS – MDS, no Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo. TATIANA DOMINGUES Tatiana de Fátima Domingues, assistente social, Doutora e Mestre pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, é diretora-sócia da “Tecendo Social Educação e Apoio à Gestão” e atua como consultora e assessora de Políticas Sociais na gestão pública e terceiro setor. É docente de pós-graduação, docente habilitada do Programa de Educação Per- manente da Política de Assistência Social – CapacitaSUAS (Governo Federal) e faci- litadora de processos de educação profissional para trabalhadores sociais. Tem como foco das suas pesquisas e trabalhos as políticas da Seguridade Social; Família, Estado e Políticas Públicas: relações de proteção e desproteção Social; Cuidado Domiciliar e as Metodologias do Trabalho Social. [Disponível no livro completo] SUMÁRIO 6 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica UNIDADE 1 NOÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA. TEORIA DA NORMA JURÍDICA: CONCEITO DE LEI E NORMA JURÍDICA 1. A ORIGEM DO DIREITO Para iniciar nosso componente curricular, em que iremos discutir Direitos Fundamentais e Sociais, vamos falar de uma questão mais geral, que é a origem do Direito. Você já pensou sobre isso? O que é o Direito? Quem e como foi criado o Direito? Em um primeiro momento, ao refletirmos sobre o que é Direito, imediatamente nos sur- ge como referência um conjunto de regras, leis e outras normativas, que entendemos ser necessárias para regular a vida em sociedade. Esse conceito está correto, e o chamamos de Direito positivo, ou seja, as regras escri- tas que organizam a vida em sociedade. Mas os Direitos estão representados somente nas leis? Vamos ampliar um pouco essa reflexão. Vamos falar aqui sobre o Direito natural – ou como chamamos, o jusnaturalismo. Você encontrará diversas teorias fundamentadoras do direito natural – desde as correntes defensoras de uma norma divina até a sua evolução ao Direito positivo – com seus princi- pais pensadores: como Hans Kelsen, Norberto Bobbio, Hegel, além dos filósofos gregos. Vamos trazer, no entanto, o conceito de Thomas Hobbes, estudado por Gonzaga (2017): Na definição de Thomas Hobbes, temos a seguinte constatação: “Uma Lei de Natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa para destruir a sua própria vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a preservar. E complementa o mesmo filósofo ao tratar da lei natural e da lei positiva, em importante as- sertiva: “Outra maneira de dividir as leis é em naturais e positivas. As [leis] naturais são as que têm sido desde a eternidade, e não são apenas cha- madas naturais, mas também leis morais. Consistem nas virtudes morais, como a justiça, a equidade, e todos os hábitos de espírito propícios à paz e à caridade. As positivas são as que não existem desde toda a eternidade, e foram tornadas leis pela vontade daqueles que tiveram o poder soberano sobre os outros. Podem ser escritas, ou então dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade do legislador. 7 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais Logo, temos que o direito natural tem como base a universalidade da justiça e, assim, afirmamos que o indivíduo possui desde o seu nascimento vários direitos intrínsecos à pessoa humana, como o direito à vida, por exemplo. Para essa doutrina, os valores humanos são os pilares da justiça social. Há alguns séculos, o grande filósofo grego Aristóteles, escreveu que o homem é um animal político, e, por isso, definiu que a convivência é uma necessidade humana. O ser humano não vive sozinho. Isso acontece em razão das necessidades da própria natureza humana, como a material, a intelectual, a espiritual, a afetiva. Assim, podemos chamar de Direito Natural a satisfação dessas necessidades huma- nas, que não depende da existência de uma norma positiva (lei) para que haja o reco- nhecimento dos direitos inerentes à sobrevivência humana. Entretanto, vamos aprofundar um pouco. Dessas necessidades decorre também a ne- cessidade de conviver, de viver em grupos. O ser humano não consegue, por exemplo, alimentar-se sozinho, e, com a complexida- de da vida social, essa dependência do outro só aumentou. Por conseguinte, podemos dizer que um ser humano é dependente de outro e que essa é uma necessidade natural da pessoa e de todas as pessoas, sem exceções. Há ainda outras necessidades que fazem com que o ser humano conviva. O indivíduo pensa e precisa expressar seus pensamentos. Consequentemente, apontamos a liber- dade de pensar e sentir, que é da natu- reza humana e não depende do estabe- lecimento de regras que permitam ou concedam esse Direito. Pensar, sentir, julgar, são sentimentos humanos que não podem ser regulados, assim, afirmamos que o homem é essen- cialmente livre. Não podemos prender uma pessoa e dizer a ela: “não pense”, “não sinta”. Então vamos refletir. Se o Direito natural decorre da necessidade humana, também é verdade então que todos os seres humanos são essencialmente iguais, independente- mente da cor da pele, da língua que fala, do curso que fez, se é rico ou pobre. Essen- cialmente, todos são iguais. Uns não podem ter mais importância que outros. Observe que aqui trouxemos mais dois conceitos da natureza humana: a liberdade e a igualdade. Figura 01. Ilustração sugerindo reflexão. Fo nt e: 1 23 rf. 8 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica Quanto ao conceito de igualdade, nos ensina Dallari (2010): a afirmação da igualdade de todos os seres humanos nãoquer dizer igualdade física, nem intelectual ou psicológica. Cada pessoa humana tem sua individu- alidade, sua personalidade, seu modo próprio de ver e sentir as coisas. Assim, também, os grupos sociais têm sua cultura própria, que é resultado de condi- ções naturais e sociais (...) Em tal sentido, as pessoas são diferentes, mas continuam iguais como seres humanos, tendo as mesmas necessidades e faculdades essenciais. Disso de- correm os direitos fundamentais, que são iguais para todos. (Dallari, 2010. p.13). Vamos agora refletir sobre a convivência humana. Como afirmamos, a convivência é inerente à pessoa humana, sem distinção de qualquer natureza. Se conviver é uma necessidade, também é certo que a convivência pode ser gera- dora de conflitos. Vamos considerar que todos os homens são livres para pensar, agir, julgar, e que todas as pes- soas são iguais, tendo, por isso, suas preferências e pontos de vista, assim como sentimentos e desejos. Ou seja, são diferentes quanto a sua individualidade, quanto àquilo que preferem. Naturalmente, a convivência em grupo irá exigir o estabelecimento de algumas regras, a fim de manter as relações amistosas e pacificadoras. Então, como estabelecer que a convivência não seja um lugar de agressões e guerras, facultando a todos um lugar útil para a coletividade. Como eliminar o risco dos conflitos que são inerentes à convivência? Haverá a necessidade de se estabelecer regras de convivência, procedimentos que poderão flexibilizar alguns direitos individuais para garantir a convivência em grupo. Liberdade é um conceito amplo e encontra em vários pensadores seus fundamentos. Importante refletir sobre a liberdade, já que, pelo senso mais comum, entendemos a liberdade como o direito de locomoção – entretanto, essa não é a única expressão da liberdade. Leia o artigo A liberdade como valor humano: um breve olhar filosófico disponível em https://jus.com.br/artigos/55506/a- liberdade-como-valor-humano-um-breve-olhar-filosofico Ao estabelecer regras de convivência, ainda que não escritas, por meio de acordos verbais e, muitas vezes, determinados pelos costumes e crenças, estamos definindo regras de Direito. Podemos então afirmar que, a partir da convivência em grupos e da necessidade das regras de convivência, temos a origem do Direito. Nesse conceito, entendendo o Direito como normas – escritas ou não –, mas que estabelecem regras para a vida em sociedade. PARA REFLETIR IMPORTANTE 9 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais 1.1 O DIREITO POSITIVO Agora que você aprendeu sobre o direito natural, ou seja, direitos inerentes à pessoa humana, independentemente da existência de normas criadas, e também já estudou sobre a existência de regras de convivência estabelecidas como reguladoras da vida em sociedade, vamos co- nhecer o direito positivo, ou seja, as regras criadas em lei para que sejam obedecidas por todos. Como estamos estudando, as regras passam a ser estabelecidas a partir das necessi- dades da convivência harmoniosa. Essas regras, escritas ou não, são basea- das nos interesses do grupo e de acordo com os valores estabelecidos, devendo ga- rantir igualdade de comportamento àqueles que estarão a elas submetidas. Podemos chamar essas regras estabe- lecidas de direito positivo, sendo, assim, definido como fruto da vontade soberana da sociedade. O positivismo, para alguns autores, opõe-se à lógica do direito natural, já que as regras são definidas a partir de um conjunto de vontades e valores no tempo determinado, ou seja, os direitos são mutáveis de acordo com a realidade e dinâmicas sociais. De acordo com Costa (2001): Para o positivismo, a fonte do direito deve ser a vontade do povo, expressa por seus representantes, devendo ser abandonada a ideia de que as regras devem ser extraídas racionalmente da natureza. Assim, a postura fundamental do positivismo é a recusa de qualquer tipo de direito natural. Sendo o direito uma realidade cultural, determinada por fatores históricos, não faz sentido buscar na natureza regras jurídicas universais e necessárias, pois o direito deve ser fruto da vontade do povo. Dessa forma, para os positivistas, o único direito que merece esse nome é o direito positivo, ou seja, o direito posto pelo homem, o conjunto de normas válidas em virtude de uma convenção social. (p.149) E ainda, segundo o mesmo autor: O Estado é o ente ao qual a sociedade atribuiu o poder legislativo, de tal forma que lhe cabe o monopólio da edição de leis. É certo que a sociedade continuou reservando a si mesma o poder normativo que ela exerce de forma consuetudi- nária, inclusive na elaboração de normas jurídicas. Também é certo que o direito de estabelecer contratos continua sendo reconhecido aos cidadãos. Porém, na atual configuração social, ambas essas fontes do direito foram subordinadas à Será que essas regras estabelecidas em lei garantem os direitos a todos? Será que as limitações impostas aos direitos naturais para garantir a convivência em grupo são iguais para todos? Figura 02. Casos de Direito. Fo nt e: 1 23 rf. PARA REFLETIR 10 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica fonte legislativa, o que significa que se atribuiu ao Estado a função de determi- nar os critérios de juridicidade. Dessa forma, é o Estado que atualmente estabelece as regras para o reconhe- cimento dos costumes válidos, bem como é ele que organiza o exercício da atividade normativa contratual. Assim, podemos afirmar que o direito positivo contemporâneo é o conjunto formado pelas leis editadas pelo Estado e pelos costumes e contratos cuja validade é por ele reconhecida. (p.51) Assim, para o positivismo, a fonte do direito é a vontade do povo, expressa por seus representantes, já que o mesmo é determinado por fatores históricos, sendo o único direito válido posto pelo homem a partir das convenções sociais. Agora que você já conhece os princípios básicos do direito natural e do direito positivo, reflita sobre a forma como estão colocados esses direitos na atualidade. Logo mais abordaremos essa relação. 1.3 DIREITO E JUSTIÇA Vamos agora fazer uma reflexão a partir dos conceitos de Direito e Justiça. Como já estudamos no início da unidade, a expressão Direito tem significado amplo, sendo – no que concerne a termos legais – definido como uma norma, regra ou lei propriamente dita. Quando o definimos a partir da ótica dos direitos naturais, ganha significado amplo e pode ser entendido como direitos relativos à condição humana, que os indivíduos possuem desde o seu nascimento, necessários à existência humana, como o direito, à vida por exemplo. Como estudamos, a convivência em grupo irá exigir o estabelecimento de algumas regras, de forma a manter relações amistosas e pacificadoras. Então, como estabelecer que a convivência não seja um lugar de agressões e guerras, oportunizando a todos um lugar útil para a coletividade? Como eliminar o risco dos conflitos que são inerentes à convivência? Haverá a necessidade de estabelecer regras de convivência, procedimentos que poderão flexibilizar alguns direitos individuais para garantir a convivência em grupo. Nesse sentido, quando analisamos historicamente as diversas formas de organização social, desde os povos mais primitivos, vamos observar que, com a evolução da hu- manidade, a convivência, que parecia simples, foi se tornando complexa, e as regras – que na maioria das vezes eram somente verbais ¬ passam a ser escritas, e, assim, transita-se do Direito para a Lei, passando então a se escrever o que era direito. Nesse processo, diversos fatores precisam ser considerados. PARA REFLETIR RELEMBRE 11 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais A lei passa a atender interesses específicos, especialmente daqueles que começam a exer- cer o poder sobre o grupo, garantindo então privilégios em vez de igualdade de regras.Basta observar que muitos dos direitos da humanidade, especialmente os direitos humanos, foram, ao longo da história, sendo violados, de forma legalizada, como vamos observar. A escravidão, por exemplo, que sob a luz dos direitos humanos foi uma afronta à liber- dade e dignidade da pessoa, era legal, em seu aspecto jurídico. O regime militar, que predominou no Brasil a partir de 1964, violava direitos fundamen- tais e foi legalizado, ainda que de forma ditatorial. Isso porque, segundo PIOVESAN (2011), há uma “interdependência entre os valores de direitos humanos, democracia e desenvolvimento (p.108).” Se a perspectiva dos direitos humanos é materializada nos direitos fundamentais, entende-se, assim, a violação posta, conforme segue a autora: Não há direitos humanos sem democracia e nem tampouco democracia sem direitos humanos. Vale dizer, o regime mais compatível com a proteção dos direitos humanos é o regime democrático. (PIOVESAN, 2011, pg. 108) É parte da democracia, pois, somente em um regime democrático o cidadão tem a liber- dade de requerer seus direitos e de reclamá-los em questão de violações ou omissão. O poder do Estado é ainda limitado, não podendo fazer uso da força como sua expressão mais contundente para o alcance de seus objetivos ocultos. Assim, compreendemos que os anos de Ditadura Militar, vivenciados no Brasil, sob o ponto de vista de uma análise crítica, calcada na construção teórica e jurídica dos Direitos Humanos, foi um período de violações dos direitos fundamentais e humanos. Ainda NUNES (2016) reitera o exposto: O Estado brasileiro vivenciou um período de ditadura militar, após 1964 e até período próximo da Constituição de 1998, caracterizado pela restrição de direi- tos fundamentais, com seu respectivo declínio decorrente do retorno do movi- mento democrático ao país. (pg.2) Porém, ainda que todo esse processo fosse legalizado à época, por meio de Atos Institucio- nais (AI), decretados pelos comandantes e chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, ou pelo presidente da República, com o devido respaldo do Conselho da Defesa Nacional, os mesmos não compreendiam o interesse de todo o povo. Entre os anos de 1964 a 1969, perí- odo da ditadura militar brasileira, foram decretados diversos Atos Institucionais, sendo um dos mais conhecidos o AI-5, que concretizou o golpe de Estado, conforme aponta NUNES (2016): Quer saber mais sobre a legislação da escravidão? Leia o artigo “Legislação básica sobre a escravidão africana no Brasil”, de Brasil Bandecchi, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humana da USP acessando SAIBA MAIS Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/131349/127745 12 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica Logo, o AI-5 representou a normatização, se é que se pode falar em lega- lidade, de todos os meios que a ditadura militar imaginava serem válidos para expurgar o inimigo interno, tudo em conformidade com a doutrina da Segurança Nacional. Outrossim, o próprio Poder Judiciário foi albergado pe- las disposições da AI-5, tendo em vista que suspendeu-se mais uma vez as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, sendo que ao pre- sidente da República ficava facultado demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer portadores de tais garantias. (pag. 4) Os Atos Institucionais eram mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, estabelecendo para eles diversos poderes inconstitucionais ou extraconsti- tucionais. Os Atos Institucionais não estão mais em vigor desde o fim do Regime Militar. Importante destacar que a Ditadura Militar não é um fenômeno exclusivamente brasi- leiro, sendo experiência repetida em vários países da América Latina, como Argentina, Chile e Peru, marcando um período sangrento de tortura, mortes e desaparecimento de pessoas que se opunham ao Estado ou eram consideradas dessa forma. O Regime Militar se legitima como uma tentativa de conter a ameaça comunista sob efeitos persu- asivos das estratégias dos Estados Unidos: De acordo com a literatura oficial (BRASIL, 2007, p. 19-20), a ditadura militar brasileira não foi um fato isolado, mas estava inserida no contexto da lógica da Guerra Fria, no qual diversos países latino-americanos sucumbiram a ditaduras militares. Dessa forma, como regra geral, os governantes tinham como objetivo, no plano político, conter o movimento comunista, conforme a estratégia norte- -americana denominada de doutrina da Segurança Nacional, e, no plano eco- nômico, limitar as negociações com seus antigos aliados do capital externo, por conta da interferência dos respectivos poderes militares. (NUNES, 2016, pg.2) Assim, o fim do Regime Militar no Brasil é marcado pelo movimento denominado “Diretas Já”, que exi- gia a eleição direta para presiden- te. Milhares de pessoas foram às ruas, entre trabalhadores, sindica- listas, estudantes, ecoando a voz de suas necessidades não ouvidas pelo Estado. A primeira eleição di- reta após esse longo período, ocor- reu em 1989, tendo já alicerçada a nova Constituição Federal. Figura 03. Constituição Federal. Fo nt e: 1 23 rf. Você sabia que o Brasil criou a Comissão Nacional da Verdade por meio da Lei 12528/2011, que tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988? Acesse os memoriais da ditadura no endereço: GLOSSÁRIO 13 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais PARA REFLETIR Até 1988, antes da aprovação da atual Constituição Federal, era legal a diferença entre homens e mulheres – uma vez que os homens eram reconhecidos legalmente como chefes da família –, assim como admitida sua superioridade hierárquica no núcleo familiar, em que as decisões da mulher eram submetidas a eles. E ainda, em relação aos filhos nascidos ou não do casamento, sendo estes últimos considerados ilegítimos e com direitos restritos em relação aos outros, por exemplo, os filhos adotivos e os filhos bastardos, aqueles advindos de relações extraconjugais, conforme estabelecia o Código Civil brasileiro de 1916. Art. 337. São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ain- da que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa-fé (art. 221). (....) Art. 359. O filho ilegítimo, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. Assim, faz-se necessário refletir sobre a relação entre direito e a justiça, aqui entenden- do direito como regras e normas escritas. Podemos afirmar que a lei é sempre justa? Qual o sentido de justiça? A lei sempre garante direitos? Reflita sobre as leis que você conhece e observe sua efetividade na garantia de direitos. Para compreender o sentido amplo de justiça, é necessário que o direito seja entendido a partir da sua finalidade, das razões a que se destina, ou seja, do seu aspecto teleoló- gico. Assim, será possível estabelecer uma relação entre direito e justiça. Se, ao contrário disso, analisarmos o direito numa perspectiva coercitiva, enquanto for- ça reguladora do comportamento, vamos ter outra relação entre direito e justiça. Conforme nos ensina Pereira Filho, G., & Bernardo, I. P. (2018): Em sua origem etimológica, a expressão “justiça”, em português, é derivada diretamente do latim “justitia”, que representava, entre os romanos, a divindade que veio a simbolizar o Direito, ou seja, a deusa com vendas nos olhos, com a função de assegurar o equilíbrio e a imparcialidade nos juízos deferidos. Daí o sentido do direito associado à justiça enquanto mediador das ações humanas perante a vida coletiva e, no caso da Antiguidade, perante os deuses, responsá- vel por assegurar a aplicação do juízo e da correção. (pag. 89) Portanto, podemos afirmar que o Direito não é injusto, mas, quando analisamos que na elaboração das leis – que é aforma de estabelecer as regras de forma escrita – poderá ocorrer a distorção para a garantia de interesses de grupos específicos, afirmaríamos que a Lei pode ser injusta. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/?gclid=Cj0KCQjwhtT1BRCiARIsAGlY51I- pR-QE4LKoY44AzVc0tB8eDBAL_yx4DIfp3ZpBqaiaWdNj_blF3sp8aAvYdEALw_wcB 14 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica 1.4 O PAPEL DO ESTADO NA POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS O Estado pode ser compreendido como o ente de poder que tem por finalidade regular as relações na sociedade. A denominação Estado tem sua origem, segundo Dallari (1991), no latim, “status” (estar firme), ligado à sociedade política. Surge, pela primeira vez na obra “O Príncipe” de Maquiavel, em 1513, e depois, em diversas sociedades e nomenclaturas. Dentre os elementos que constituem o Estado (Povo, Território e Governo Soberano), vamos falar de Soberania, que consiste no poder do Estado em definir suas regras internas por meio de leis e exigir seu cumprimento por meio da aplicação de sanções. O poder do Estado é exercido por meio de um governo, que no caso do Brasil, ca- racteriza-se por uma República – em que os governos são temporários e escolhidos pelo povo, cidadão. Dessa forma, cabe ao Estado criar as leis e submetê-las aos seus cidadãos, que par- ticipam da sua formulação de forma indireta – quando escolhem seus representantes, e, por meio deles, são criadas as regras da sociedade. Os cidadãos podem participar ainda, de forma direta e efetiva por meio de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular, como preconizado na Constituição de 1988. A sanção é uma forma de garantir o cumprimento das regras, mas é preciso apontar que a mesma não ocorre somente no aspecto legal, podendo ser moral ou até de etiqueta social. De acordo com Reale (2001): Sanção é, pois, todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina- da em uma regra. Como podem ser as sanções? Apresentam-se tantas formas de garantia como podem ser as espécies dos distintos preceitos. Examinem por exemplo o caso de uma regra moral. As regras morais, nós a cumprimos por motivação espontânea. Mas, quando deixamos de cumprir, a desobediência provoca determinadas consequências que valem como sanção. O autor se refere, nesse caso, a sentimentos como remorso, arrependimento e senti- mentos ligados à consciência ética. De certa maneira, os preceitos morais são também frutos de valores da sociedade que podem variar no tempo de no espaço, de acordo com as relações sociais estabelecidas. Para os objetivos desta unidade, focaremos nosso estudo nas sanções de ordem legal e sobre esse tema, Reale (2001, página) ainda nos ensina: O que caracteriza a sanção jurídica é a sua predeterminação e organização. Matar alguém é um ato que fere tanto um mandamento ético-religioso como um dispositivo penal. A diferença está em que, no plano jurídico, a sociedade se organiza contra o homicida, por meio do plano policial e do Poder Judiciário. Um órgão promove as investigações e toma as medidas necessárias à deter- minação do fato; um outro órgão examina a conduta do agente e pronuncia um veredito de absolvição ou de condenação. Condenado, eis novamente a ação dos órgãos administrativos para aplicar a pena. 15 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais PARA REFLETIR Isso posto, a sanção está estabelecida em lei e deve seguir procedimentos próprios, conhecidos por todos. As leis positivadas, após publicadas, entram em vigor e são consideradas de conheci- mento de todos os cidadãos, que não podem alegar desconhecimento. O Estado brasileiro, para que possa exercer todas as atividades de sua competência, utiliza a tripartição dos Poderes, organizando-se por meio do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Cada um desses Poderes tem atribuições próprias, previstas na Constituição Federal de 1988, e – para a administração de seus órgãos e serviços – exercem funções atípi- cas, também previstas em lei. Podemos afirmar que a lei é sempre justa? Qual o sentido de justiça? A lei sempre garante di- reitos? Reflita sobre as leis que você conhece e observe sua efetividade na garantia de direitos. Apresentamos abaixo dois quadros sinóticos da estrutura dos Poderes e de suas fun- ções típicas e atípicas. ENTIDADE LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO União Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e a Justiça Militar Federal. Estados Assembleias Legislativas, integradas por Deputados Estaduais Governadores de Estado, auxiliados por Secretários de Estado Justiça Estadual São estruturas organizadas e mantidas pelos Estados Distrito Federal Câmara Legislativa do Distrito Federal, Integrada por Deputados Distritais Governador do Distrito Federal, Auxiliados por Secretários Distritais Não há estrutura distrital seguindo as de natureza Federal e Estadual Municípios Câmaras Municipais, inte- gradas por Vereadores. Prefeitos, auxiliados pelos Secretários Municipais Não há estrutura municipal seguindo as de natureza Federal e Estadual Tabela 01. Estrutura dos Poderes na Federação. Fonte: Elaborado pela autora PODER FUNÇÃO TÍPICA OU PRÓPRIA FUNÇÃO ATÍPICA OU IMPRÓPRIA Legislativo Elaboração de normas jurídicas (leis em sentido amplo) Controle externo das contas públicas Executiva Organização de seus servidores, serviços e órgãos. Judicante Processo e julgamento de autoridades por crimes de responsabilidade do chefe do Poder Executivo Tabela 02. Estrutura dos Poderes na Federação. 16 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica PODER FUNÇÃO TÍPICA OU PRÓPRIA FUNÇÃO ATÍPICA OU IMPRÓPRIA Executivo Administração do Estado, execução das políticas públicas e organização dos servidores, serviços e órgãos públicos Legislativa Elaboração de normas jurídicas como medidas provisórias e decretos. Judicante Processo e julgamento administrativo de seus servidores. Judiciário Prestação jurisdicional, na solução de conflitos nos casos concretos, e em face de lei Legislativa Elaboração de regimentos internos para administração dos Tribunais, Administrativa Organização de seus servidores, serviços e órgãos. 1.5 AS NORMAS JURÍDICAS E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DAS LEIS Agora que você já conheceu as competências dos Poderes do Estado Brasileiro, va- mos conversar sobre o processo de elaboração das leis. Você já pensou sobre como as leis são criadas? Sempre imaginamos que a criação das leis é um processo muito distante de nós, e que não podemos interferir. Vamos refletir sobre isso. O Poder Legislativo é o órgão responsável pela elaboração de leis, nos níveis federal, estadual e municipal. Fonte: Elaborado pela autora Para você conhecer mais sobre a estrutura e organização do Estado leia a obra: PINHO. Rodrigo César Rebello. Da Organização do Estado, dos Poderes e Histó-rico das Constituições - Volume 18. Coleção Sinopses Jurídicas. Editora Saraiva. São Paulo. 2013. O Poder Legislativo é formado, na União, pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; nos Estados, pelas Assembleias Legislativas, integradas por deputados estaduais; no Distrito Federal, pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, integrada por deputados dis- tritais e, nos municípios, pelas Câmaras Municipais, integradas por vereadores. SAIBA MAIS RELEMBRE 17 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais De acordo com Cotrim (1997), a lei é uma norma jurídica ordinária, elaborada pelo Po- der Legislativo, sendo que outras normas são criadas com finalidades e competências distintas, como decretos, portarias, que podem ser expedidas pelo Poder Executivo. Norma é uma regra de conduta e, apesar dos vocábulosnorma e lei serem utilizadas de forma equivalente, podemos afirmar que as normas são mais abrangentes, já que podem estar determinadas, além de juridicamente, também por imposição moral ou verbal, e, ainda que seja escrita, pode ter forma diferente da lei, por exemplo, portarias, decretos, resoluções etc. Toda norma carrega em si uma suposição do Direito, a partir de um fato hipotético, ou seja, um comportamento que poderá vir a ser e a ele se atribuirá uma consequência. Miguel Reale (2001) ensina a respeito: Afirmamos que uma norma jurídica enuncia um dever ser porque nenhuma re- gra descreve algo que é, mesmo quando, para facilidade de expressão, em- pregamos o verbo ser. É certo que a Constituição declara que o Brasil é uma República Federativa, mas é evidente que a República não é algo que esteja aí, diante de nós, como uma árvore ou uma placa de bronze: aquela norma enuncia que "o Brasil deve ser organizado e compreendido como uma República Fede- rativa". Esta, por sua vez, só tem sentido enquanto se ordena e se atualiza por meio de um sistema de disposições que traçam os âmbitos de ação e de com- petência que devem ser respeitados pelos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios. A República Federativa é, pois, uma realidade de dever ser, uma construção cultural de tipo finalístico, ou, por outras palavras, é uma realidade normativa, na qual fatos e valores se integram (p.95). As normas representam então o processo de construção do Direito, à medida que dispõem sobre fatos que, quando ocor- ridos, podem gerar um direito, impor um comportamento ou indicar uma sanção. Normas jurídicas são elementos de cons- tituição dos direitos, genéricas, que re- gulam comportamentos, com caracterís- ticas de obrigatoriedade e exigibilidade, ou seja, toda norma jurídica, desde que criada por meio regular e prevista em lei, será estendida a todos os cidadãos e irá gerar um direito reclamável, isto é, a possibilidade de acessar o Poder Judiciário em caso de descumprimento. Segundo Reale (2001): O que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória. (p.95) Figura 01. Símbolos de proibição. Fo nt e: 1 23 rf. 18 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica E ainda, o mesmo autor nos ensina que podemos identificar a norma jurídica de acordo com sua espécie As regras jurídicas podem ser, ainda, distintas, segundo vários outros critérios aos quais vamos fazer breve alusão. Lembremos a distinção segundo a natu- reza ou conteúdo daquilo que se ordena. Temos, assim, regras preceptivas, proibitivas e permissivas. As preceptivas são as que determinam que se faça al- guma coisa, as que estabelecem um status, as que reconhecem ou identificam outras normas como pertencentes ao sistema vigente. Regras proibitivas, como as palavras o exprimem, são as que negam a al- guém a prática de certos atos; permissivas, as que facultam fazer ou omitir algo. (Reali, 2001. P.136)) 1.6 CLASSIFICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA Para facilitar a compreensão, preparamos abaixo um quadro com algumas classifica- ções das normas jurídicas, de acordo com os ensinamentos doutrinários, identificando as principais definições: DEFINIÇÃO TIPO EXIGÊNCIAS EXEMPLOS Quanto ao território Regras de caráter exter- no ou internacional Para ter eficácia no país, necessitam ser ratificadas pelo Congresso Nacional Acordos Internacionais de Direitos Humanos Regras de caráter interno Terão eficácia, de acordo com o ente que a aprova, respeitada a competência constitucional de cada um No Brasil as regras podem ser federais, esta- duais ou municipais Quanto à imperati- vidade (ordem que emana) Normas de organização Normas que organizam um determinado serviço ou organização Regras de Organização do Poder Judiciário Normas de Comportamento Normas que determinam que as pessoas façam ou deixem de fazer alguma coisa Exigência do uso do cinto de segurança em veículos Quanto ao tema a que versa Normas relacionadas às diversas áreas do Direito As normas podem ser de ordem Constitucional, Penal, Civil, Tributária Regras do Código Civil relacionadas ao casa- mento ou Regras do Có- digo Penal relacionadas à definição de um crime Da aplicabilidade de seu conteúdo temos: ex. Lei autoaplicável Aquela que não depende de regulamentação por outras normas, são aque- las de imediata aplicação Código Civil e a maioria do Código Penal Normas contidas Lei regulamentável Todas aquelas que depen- dem de regulamentação para que sejam aplicadas. Leis que dependem de um decreto regula- mentador Tabela 01. Classificações das normas jurídicas. 19 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais Fonte: Elaborado pela autora DEFINIÇÃO TIPO EXIGÊNCIAS EXEMPLOS Da natureza de sua sanção Norma de Direito Privado Geralmente dotada de sanção patrimonial Multa por descumprimen- to de contrato A Norma Pública Composta de preceitos punitivos e penais; Lei Penal Lei fiscal São as multas, correção monetária do débito fiscal Atrasos em pagamentos de tributos De sua Forma Escritas Os códigos, tratados os regulamentos Código Comercial Código Tributário Nacional; Não escritas Os costumes, os princí- pios gerais do direito - EXEMPLO Além da classificação apresentada, ainda destacamos duas classificações importantes, que são as regras relacionadas às normas de ordem pública e às normas de ordem privada. Chamamos de normas de natureza púbica aquelas que não podem ser objeto de nego- ciação entre as partes, pois a previsão legal de sua ocorrência é de interesse da socie- dade e não pode ser relativizada. Nesse sentido, podemos, por exemplo, citar as regras do casamento, previstas no Código Civil. O casamento deverá ser realizado e somente terá validade quando atender aos estritos ditames legais. Você já observou que o casamento geralmente ocorre com os mesmos procedimentos. A ce- rimônia civil usualmente deve ocorrer em lugar público e com as portas abertas, para atender determinação legal. Observe os termos do Código Civil (2002)1. Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular. § 1º Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato. 1 Consultar http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm acessado em 03/2020. Por outro lado, temos as normas de natureza privada, para as quais a própria lei estabelece regras gerais, mas autoriza a negociação de comum acordo entre as partes. Geralmente, são aplicadas aos contratos de diversas naturezas, sendo que as regras previstas nos con- tratos, assinados entre as partes, prevalecerão. Podemos aqui destacar um contrato de compra e venda. Os valores, formas de pagamento, prazos de entrega, dentre outros, são estabelecidos de comum acordo e se tornam exigíveis para as partes que assinaram o contrato, exceto, naturalmente, nos casos de nulidade das assinaturas, seja por incapacidade da parte, por coação ou outras formas previstas em lei. 20 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica Você sabia que a norma de natureza civil pode em alguns casos ser interpretada de acordo com valores e costumes da sociedade? O juiz, ao aplicar a lei no caso concreto, pode usar analogia, por exemplo, no reconhecimento da união homoa-fetiva, nos mesmos termos do casamento civil. Já na legislação penal, prevalece a definição estrita dos termos da lei, já que não caberá interpretação da ocorrên-cia de um crime, por exemplo, caso sua tipificaçãonão esteja clara na lei. CURIOSIDADE As normas jurídicas estão previstas na Constituição Federal de 1988 (CF/88) – que é a Lei maior do Brasil –, nas Constituições Estaduais de cada estado da Federação, e das Leis Orgânicas Municipais, sendo que as regras inscritas na CF/88 devem ser seguidas pelos demais entes federados. Assim, destacamos a redação da CF/88. Figura 04. Casamento. Fo nt e: 1 23 rf. Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alte- ração e consolidação das leis Cada uma das espécies normativas seguem ritos próprios e atendem à determinada finalidade. No nosso estudo, vamos destacar as leis ordinárias. As leis, no entanto, são as principais fontes do Direito, ou seja, o principal local para a identificação do Direito positivado em uma abrangência territorial, que pode ser em nível federal, estadual ou municipal. 21 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais As fontes do Direito são os locais onde são encontradas as normas, escritas ou não, que irão subsidiar a aplicação no caso concreto, ou seja, de onde vem o direito. Está estabelecido no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, do Código Civil2, a seguinte normatização: Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. E ainda quanto à interpretação do juiz na aplicação da lei: Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Observe que, nessa regra, além da lei, o juiz poderá se basear em outras fontes, como costumes e analogia, as- sim como a outras decisões judiciais já pronunciadas – a esta última cha- mamos de jurisprudência. As fontes formais imediatas são as normas legais, as leis escritas, que, como já afirmamos acima, são as prin- cipais fontes do Direito, ou seja, o primeiro e principal local para analisar o Direito. No entanto, para a validade de uma lei, é necessário que ela passe por todo o processo de elaboração que é previsto em normas constitucionais, tais como edição por auto- ridade competente, ser estabelecida por meio de critérios fixados, regência a toda a sociedade – portanto, tem caráter genérico. Nossa Constituição Federal estabelece uma hierarquia das leis, com base na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen (1991)3, definindo a Constituição Federal como a lei mais importante, que será a base para a criação das demais leis – as leis infraconstitu- cionais –, dentre as quais estão as leis ordinárias, aprovadas por maioria simples nas casas legislativas. Importante destacar que todo o ordenamento jurídico brasileiro deve obedecer às re- gras constitucionais quanto a sua forma e conteúdo. Quando uma lei é aprovada descumprindo um preceito constitucional, ela é considera- da uma lei inconstitucional, seja por sua forma – por deixar de seguir os procedimentos para sua aprovação–, seja pelo conteúdo, ao violar uma determinação constitucional, por exemplo, uma lei que hipoteticamente autorize uma forma de discriminação. Figura 05. Advogado trabalhando. Fo nt e: 1 23 rf. 2 Código Civil disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, acessado em 03/2020. 3 Hans Kelsen foi um jurista e filósofo austríaco, autor da obra a Teoria Pura do Direito, que marcou uma mudança importe na Filosofia do Direito, devido a sua perspectiva de análise que ressalta a importância do método. 22 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica Constituição Federal Leis Complementares Leis Ordinárias Medidas Provisórias e leis delegadas Resoluções Figura 06. A pirâmide de Kelsen. Fonte: https://jessicassanto.jusbrasil.com.br/artigos/539444401/constituicao- federal-conceitos-e-classificacao?ref=feed – Acesso em 27-05-20 Quer saber mais sobre a hierarquia das normas constitucionais? Acesse o artigo, no link https://jus.com.br/artigos/73280/a-hierarquia-das-normas-e-sua-inobservancia SAIBA MAIS 1.6 O PROCESSO LEGISLATIVO Agora, vamos aprender um pouco sobre os procedimentos para aprovação de uma lei. O Brasil é um país republicano e democrático, e, por isso, seu ordenamento jurídico prevê formas de participação do cidadão nas relações com o Estado, de forma repre- sentativa – ou seja, escolhemos nossos representantes que irão comandar os Poderes Legislativo e Executivo, assim como de forma direta, nas decisões e na elaboração das leis, o que veremos logo a seguir. Vamos então destacar os procedimentos para a criação de uma lei de acordo com Pinho (2012): Todo processo é um conjunto de atos realizados com uma determinada finali- dade, visando a elaboração de algo ou a solução de um problema. A expres- são “processo legislativo” possui uma dupla acepção: sociológica e jurídica. Em seu sentido sociológico, é o conjunto de fatores reais de poder que justi- ficam a elaboração de uma lei. Em seu sentido jurídico, é justamente o con- junto de atos realizados para a elaboração de um ato legislativo. Ao tratarmos do processo legislativo, cuidaremos da função típica do Poder Legislativo, a legislativa, de elaboração de leis. (p.91) 23 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais A partir disso, o processo legislativo segue etapas que precisam ser cumpridas para a validade da lei, o que chamamos de fases. Assim, destacamos o processo legislativo para as leis ordinárias, que são a maioria em nosso ordenamento jurídico. Figura 07. Análise de vetos em congresso. Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/635913-congresso- tem-sessao-hoje-para-analise-de-vetos/ - Acesso em 27.05.20 2. FASE DA INICIATIVA A lei determina que uma pessoa ou órgão poderá apresentar um projeto de lei4. De acordo com a Constituição Federal (CF/88), podem apresentar um projeto de lei qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, o presidente da República, o Supremo Tribunal Federal, os Tribu- nais Superiores, o procurador-Geral da República e os cidadãos, na forma e nos casos previstos nessa Constituição. Observe que a legitimidade para apresentar um projeto de lei é ampla, porém, a lei reser- va exclusividade a alguns assuntos, como define ainda o artigo 61 da CF, parágrafo 1º. § 1º São de iniciativa privativa do presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, ser- viços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem 4 Uma lei, antes de aprovada, é considerada (ou denominada) projeto de lei, ou seja, uma proposta de texto de lei, já que ainda será discutida e poderá sofrer alterações. Somente após aprovada e publicada, será efetivamente uma lei. 24 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica Você sabia que o cidadão também poderá apresentar um projeto de lei ao Po-der Legislativo para que seja apreciado e aprovado? Isso se chama Projeto de Iniciativa Popular. Para que isso aconteça, é preciso seguir as regras estabe-lecidas na CF/88, art. 61 § 2º: A iniciativa popular pode ser exercida pela apre-sentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados,com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Você poderá pesquisar mais sobre as leis que foram aprovadas por meio de ini-ciativa popular acessando o relatório “Projetos de lei de iniciativa popular no Bra-sil”, no link como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, obser- vado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. Isto posto, precisaremos conhecer o conteúdo do texto para verificar a legitimidade da iniciativa. IMPORTANTE 3. FASE DA APRECIAÇÃO PELAS COMISSÕES E APRESENTAÇÃO DE EMENDAS Apresentado o projeto de lei, o mesmo será apreciado pelas comissões compostas por parlamentares, iniciando pela comissão de constituição e justiça, que verificará se o texto apresentado não fere a Constituição Federal e, depois, pela comissão temática, que analisará a pertinência do projeto e sua adequação aos anseios sociais e às políticas públicas. Ambas as comissões darão seu parecer, seguindo então o projeto para discussão e apresentação de propostas de alteração, que chamamos de emendas 4. FASE DA VOTAÇÃO E DELIBERAÇÃO Essa fase é composta pelas etapas de discussão, votação e aprovação. Os parlamenta- res apresentam suas defesas e o projeto de lei é votado nas sessões ordinárias da casa legislativa onde se encontra. O projeto de lei deve ser aprovado pelo quórum exigido. No caso de leis ordinárias, as mesmas são aprovadas por maioria simples (CF, art. 47). Algumas leis têm quóruns diferentes, por exemplo, emendas constitucionais, que de- vem ser aprovadas por maioria qualificada de 3/5 dos votos (CF, art. 60, § 2º). Importante destacar aqui que, no âmbito federal, o Brasil tem um sistema bicameral no Poder Legislativo, ou seja, tem duas casas legislativas, que são a Câmara dos Deputa- dos e o Senado Federal, formando assim o Congresso Nacional. Nesse caso, o projeto de lei tramitará nas duas casas antes de ser enviado à sanção presidencial. Disponível em: https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/08/relatorio-plips-l_final.pdf 25 1 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Direitos fundamentais e sociais SAIBA MAIS IMPORTANTE Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/. 5. FASE DA SANÇÃO OU VETO Essa fase é de competência exclusiva do Poder Executivo. A sanção incide sobre o projeto de lei e o transforma em lei, conjugando a vontade política entre o Poder Legis- lativo e o Poder Executivo (CF, art. 66, caput). A sanção pode ser definida como uma aprovação do chefe do Poder Executivo ao projeto de lei. O veto, por sua vez, é a dis- cordância com o projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo e encaminhado para sua apreciação. Se o projeto de lei for sancionado, é considerado aprovado e segue para publicação. Caso seja vetado, deve retornar ao Poder Legislativo, que poderá acatar o veto e arquivar o projeto de lei ou, em outra votação, derrubar o veto, e a lei será apro- vada mesmo com a discordância do Poder Executivo. 6. FASE DA PROMULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO A promulgação é o ato pelo qual se atesta a existência de uma lei. A publicação é a co- municação feita a todos – por meio do Diário Oficial – sobre a criação de uma nova lei, assim como de seu conteúdo. Uma vez publicada, nenhum cidadão pode alegar desco- nhecimento da mesma. Após a publicação, a lei passa a vigorar nos seguintes prazos: imediatamente, no prazo que a própria lei determinar em sua redação ou, em caso de omissão no texto da lei, em 45 dias após a publicação. Para saber mais sobre o Poder Legislativo federal, acesse o site do Congresso Nacional Agora que você já conhece um pouco mais sobre a elaboração das leis e a atri-buição dos Poderes, acompanhe a atuação do Poder Legislativo do Brasil, no seu estado e no seu município, e passe a contribuir com a Defesa dos Direitos. Nesta unidade, procuramos apresentar de maneira sintética a noção geral de Direito, do direito natural ao direito positivado. No entanto, vale destacar que o assunto não se esgota neste material e, por isso, indi- camos várias fontes de pesquisa. Nas unidades seguintes vamos abordar a Constituição Federal, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, políticas afirmativas e os desafios para o Serviço Social. Não deixe de acessar os materiais indicados no texto para complementar seus estudos e conhecer um pouco mais sobre os Diretos Sociais. Assim, você vai conhecendo e desenvolvendo suas habilidades para a atuação profissional. 26 1 Noção de Direito e Justiça. Teoria da Norma Jurídica: conceito de lei e norma jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição Federal. 1988, Disponível em http://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm BRASIL. Código Civil, 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm BRASIL. Código Civil, 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm COSTA, Alexandre Araújo. Introdução ao direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Ale- gre: S. A. Fabris, 2001. http://www.arcos.org.br/livros/introducao-ao-direito/ COTRIM, Gilberto Vieira. Direito e Legislação: Introdução ao Direito. 21 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 1997. 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