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<p>O que é globalização?</p><p>De acordo com o geógrafo brasileiro Milton Santos, os territórios geográficos são articulados por meio de redes de transporte, comerciais, informacionais, entre outras, formadas por pontos fixos e interligadas através de fluxos que possuem diversas hierarquias e complexidades. Com o fenômeno da globalização, essas redes que já existiam foram intensificadas, sendo possível dizer que as redes – ou, pelo menos, muitas delas – ganharam um maior alcance e abrangência no espaço geográfico mundial. Todavia, o acesso e o poder de difusão dessas redes dependem das diferentes hierarquias nas sociedades, constituídas pelo poder econômico ou político. Assim, quem possui mais recursos ou poder possuir uma maior possibilidade de usufruir da estrutura das redes geográficas.</p><p>Em uma sociedade globalizada, os fluxos econômicos e informacionais passam por uma intensa internacionalização, de modo que, cada vez mais, as características locais estão vinculadas a processos e ritmos globais. É comum encontrarmos como definição de globalização a noção de redução do espaço-tempo, devido ao encurtamento das distâncias promovido pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação que permitem que informações do mundo inteiro circulem de forma instantânea e que as mercadorias produzidas em diversas partes do globo estejam disponíveis no mercado mundial. Outra questão presente nas definições é a da expansão do modo de produção, dos modos de vida e da cultura capitalistas que promovem uma uniformização do mundo, onde muitas cidades são semelhantes, a maioria das populações vivem em contextos urbanos, trabalham de modos semelhantes e consomem produtos semelhantes nos seus cotidianos. Há muitas discussões a respeito da homogeneização e universalização da vida e, ao mesmo tempo sobre as resistências locais e adaptações locais a essas mudanças que muitas vezes chegam de maneira bastante impositiva.</p><p>História e avanço da globalização</p><p>Apesar de não ser um fenômeno apenas econômico, para compreender o avanço da globalização é necessário entender os movimentos no desenvolvimento do capitalismo, as teorias econômicas que justificaram e deu a esse sistema socioeconômico características deferentes em distintos períodos.</p><p>Teorias Econômicas do capitalismo</p><p>· Liberalismo: Surgido no século XVIII, defende a livre-iniciativa, a propriedade privada e a mínima intervenção estatal. Adam Smith, um dos principais teóricos, introduziu a ideia da "mão invisível" do mercado, que significa deixar que a autorregulação do mercado (oferta/demanda) conduz à eficiência econômica. O liberalismo predominou até a Primeira Guerra Mundial, mas a crise de 1929 trouxe questionamentos sobre essa abordagem, já que passou-se cada vez mais a acreditar que para sair da crise era necessário a intervenção do Estado.</p><p>· Keynesianismo: Desenvolvido por John Maynard Keynes na década de 1930, essa teoria econômica sugere que o Estado deve intervir na economia para promover por meio de grandes obras de infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas, etc.) o emprego e o consumo, especialmente em tempos de crise. Além do investimento em infraestrutura Keynes propôs que o Estado deveria investir na formação de um Estado de bem-estar social (Welfare State) para apoiar a população e estabilizar a economia, isto é, que o Estado investisse em serviços básicos como saúde e eduacação para que a população liberasse sua renda para o consumo, criando assim, maior demanda por produtos que incentivaria a criação de indústrias. Essa abordagem foi dominante nas décadas de 1950 e 1960 e foi responsável por criar a chamada ‘American way of life’ (estilo de vida americano). Porém, nos anos 1970, quando os gastos com a montagem do Estado de bem-estar social e o ganho de negociação dos trabalhadores levaram ao endividamento estatal, ao aumento da inflação e à diminuição da taxa de lucros das empresas houve o esgotamento dessa teoria.</p><p>· Neoliberalismo: Emergiu no final dos anos 1940, com Friedrich Hayek argumentando pela redução da intervenção estatal. Ganhou força nos anos 1970, em resposta a crises econômicas, defendendo menor participação do Estado na economia, reduzindo ou eliminando regulamentações e barreiras alfandegárias, promovendo privatizações e a abertura dos mercados. Essa teoria prioriza a liberdade de mercado, mas também gera preocupações sobre a concentração de poder econômico e o aumento do desemprego, especialmente em países em desenvolvimento.</p><p>Fases do capitalismo</p><p>Essas etapas mostram como o capitalismo se adaptou às mudanças sociais, tecnológicas e econômicas ao longo da história.</p><p>1. Capitalismo Comercial: Este estágio ocorreu entre os séculos XV ao XVIII, caracterizado pelas Grandes Navegações, pelo mercantilismo e pelo estabelecimento de colônias que enriqueceram as monarquias europeias por meio do comércio e exploração. A burguesia mercantil surgiu, e o acúmulo de riquezas era medido pela posse de metais preciosos. O Estado tinha um papel central, regulando a economia com protecionismo. Ele permitiu a acumulação de capital que foi utilizado por parte da burguesia para investir em indústrias, gerando a Revolução Industrial (1760).</p><p>2. Capitalismo Industrial: A Primeira Revolução Industrial, de 1760 a 1830, marcou a transição para um sistema produtivo baseado em máquinas (manufatura para a maquinofatura) e trabalho assalariado, especialmente nos setores têxtil, siderúrgico (metais) e naval. A industrialização aumentou a produtividade e a necessidade de matéria-prima, intensificando o comércio global. Gradualmente a ciência começou a ser incorporada no aperfeiçoamento produtivo (novos procedimentos e máquinas mais produtivos) e a produção começou a exigir maiores volumes de investimento de capital, limitando, assim, a possibilidade de investir apenas aos grandes burgueses, o que fez reduzir a concorrência e aumentar a concentração de renda.</p><p>3. Capitalismo Financeiro: No século XIX, a Segunda Revolução Industrial trouxe inovações tecnológicas que ampliaram o papel dos bancos na economia que eram os financiadores e investidores das empresas. O capital industrial, comercial, agrícola e o do setor de serviços, passou a se confundir com o bancário. A concentração de capital, provocou o surgimento de grandes empresas que formaram monopólios, oligopólios e trustes, reduzindo a possibilidade de concorrência, um dos preceitos da doutrina liberal. As empresas tornaram-se grandes corporações e muitas passaram a operar como multinacionais, refletindo a concentração de capital e a redução da concorrência.</p><p>Durante o século XIX e início do XX, a necessidade de obtenção de matérias-primas e expansão de mercados consumidores, bem como a concorrência entre os países europeus, causou o Imperialismo, que causou o neo-colonialismo, uma nova forma de colonização que não objetivava povoar novos espaços como durante a colonização portuguesa e espanhola, mas sim, adentrar novos territórios, principalmente na África e Ásia para adquirir matérias-primas, utilizar mão de obra barata, se aproveitar da falta de regulamentações do Estado e criar novos mercados consumidores para os seus produtos. Assim, a disputa europeia produziu a partilha da África, processo que culminou na Primeira Guerra Mundial (1914).</p><p>4. Capitalismo Informacional: Após a Segunda Guerra Mundial, a economia globalizou-se com a Terceira Revolução Industrial, também chamada de Revolução Técnico- Científica, que enfatizou o conhecimento e a informação. Setores de alta tecnologia, como informática e biotecnologia, ganharam destaque, enquanto o setor de serviços (terciarização da economia) cresceu, especialmente em países desenvolvidos, em resposta à modernização industrial e à relocação de fábricas para lugares com mão de obra mais barata.</p><p>Monopólio: quando uma única empresa produz um produto ou fornece um serviço.</p><p>Oligopólio: quando um pequeno número de empresas domina um determinado mercado, controlando os preços e as condições de comercialização de um produto ou serviço.</p><p>Trustes: fusão</p><p>ou união entre duas empresas de um mesmo ramo ou de áreas diferentes da economia, constituindo uma única companhia ou um grupo de associados de maior porte.</p><p>A divisão internacional do trabalho nas diferentes etapas do capitalismo</p><p>· Revolução Industrial e DIT: A DIT surgiu com a Revolução Industrial, destacando a interdependência econômica entre países industrializados e não industrializados. Os primeiros, mais ricos, se tornaram centros de produção, enquanto os segundos, geralmente colônias, eram fornecedores de matéria-prima e consumidores de produtos industrializados.</p><p>· Capitalismo Financeiro e Imperialismo: O capitalismo comercial, caracterizado pelo mercantilismo, foi substituído pelo financeiro e pelo imperialismo, que visava controlar recursos e formar novos mercados consumidores sem necessariamente povoar as regiões dominadas. Este novo tipo de dominação foi justificado por muitos europeus como uma "ajuda" ao desenvolvimento dos povos colonizados, como se os europeus estivessem levando a civilização para os espaços colonizados. Tratou-se também da fase da Segunda Revolução Industrial, que trouxe avanços tecnológicos e mudanças nas localizações das fábricas para países periféricos em busca de mão de obra barata e vantagens econômicas. Apesar de produzirem bens, essas indústrias eram controladas por multinacionais que repatriavam lucros.</p><p>· Desigualdade Técnica: A industrialização na Europa e nos EUA levou a uma concentração de capital e tecnologia, criando desigualdades significativas em relação a outros países. As potências industriais expandiram suas infraestruturas em regiões periféricas, mas a desigualdade técnica persiste.</p><p>· DIT Atual: Alguns autores compreendem que vivenciamos atualmente a chamada Quarta Revolução Industrial, que focaliza a melhoria dos processos informacionais e tem relação com a automatização de fábricas, inteligência artificial, internet das coisas (tudo em rede), etc. Na DIT contemporânea, os países centrais continuam a exportar produtos de alto valor agregado e tecnologia, enquanto os países periféricos mantêm seu papel de fornecedores de matérias-primas e mercados consumidores, refletindo uma dinâmica desigual e dependente. Países como o Brasil, por exemplo, exporta grandes quantidades de produtos primários (agropecuária) e alguns produtos industrializados de menor complexidade, o que nas últimas décadas, desde os anos 2000, aumentou a sua balança comercial. Contudo, mesmo tendo entrado no ranking das maiores economias do mundo, o seu papel na DIT não se alterou.</p><p>Um diferencial da atual DIT é que ela conta com a maior influência e participação de agentes econômicos localizados em deferentes lugares, interligados por uma estrutura global de redes e fluxos. Assim, dentro de um mesmo país, pode ocorrer a concorrência entre os lugares, que se distinguem de acordo com o papel que cada um ocupa no sistema produtivo internacional. Tal configuração pode levar à exclusão de países, regiões ou mesmo lugares abandonados pelo capital. Portanto, a globalização gera fragmentações, ou seja, apenas alguns lugares são inseridos na rede global da economia capitalista.</p><p>Globalização, mundialização e glocalização</p><p>Muitos autores criticam o aspecto muito propagado da universalização, uniformização e homogeneização da vida numa sociedade globalizada, apontando as fragmentações, adaptações locais e desigualdades que a globalização perpetua. Segundo Milton Santos,</p><p>Fala-se por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das distâncias - para aqueles que realmente podem viajar - também se difunde a noção de tempo e espaço contraídos. É como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. [...] Fala-se, igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil.</p><p>SANTOS, Milton. Globalização como farsa. In SANTOS, Milton. Por uma outra globalização ...</p><p>Quando o assunto é a difusão de uma cultura global, outros autores como Renato Ortiz, preferem utilizar o termo mundialização para expressar o fenômeno das manifestações culturais numa cultura global. Para ele,</p><p>[...] Há na ideia de globalização uma conotação que nos sugere uma certa unicidade. Quando falamos de uma economia global, nos referimos a uma estrutura única, subjacente a toda e qualquer economia [...] a esfera cultural não pode ser considerada da mesma maneira. Uma cultura mundializada não implica o aniquilamento das outras manifestações culturais, ela cohabita [...] convive com outras visões de mundo, estabelecendo entre elas hierarquias, conflitos e acomodações (ORTIZ, 1994, p. 26 - 29).</p><p>Nessa mesma linha de pensamento o autor Roland Robertson criou o conceito de glocalização que indica as interrelações e conexões entre essas duas dimensões (global e local) que se manifestam simultaneamente na sociedade contemporânea na qual as culturas são cada vez mais glocalizadas. Contudo, não podemos esquecer que a imposição de uma cultura hegemônica, baseada na produção e consumo capitalistas, possui grande força impositiva, e que afeta, mesmo com as resistências e adaptações, as culturas locais.</p><p>image1.png</p><p>image2.png</p><p>image3.png</p><p>image4.png</p>