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<p>Indaial – 2019</p><p>Direito Penal i</p><p>Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa</p><p>1a Edição</p><p>Copyright © UNIASSELVI 2019</p><p>Elaboração:</p><p>Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa</p><p>Revisão, Diagramação e Produção:</p><p>Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI</p><p>Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri</p><p>UNIASSELVI – Indaial.</p><p>Impresso por:</p><p>L788d</p><p>Lixa, Ivone Fernandes Morcilo</p><p>Direito penal I. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa. – Indaial:</p><p>UNIASSELVI, 2019.</p><p>197 p.; il.</p><p>ISBN 978-85-515-0370-6</p><p>1. Direito penal. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.</p><p>CDD 341.43</p><p>III</p><p>aPresentação</p><p>Caro, acadêmico, a punição e castigo é um dos grandes dilemas que</p><p>envolve a existência humana. Ao longo da história, nas diversas culturas e</p><p>textos sagrados, encontramos explicações e justificativas para o controle das</p><p>condutas consideradas desviantes/indesejáveis e/ou criminosas. Crime e</p><p>punição estão no cerne da moral, da religião e dos debates filosóficos buscando</p><p>valorar condutas humanas e enaltecendo ou condenando ações e sentimentos.</p><p>Várias são as compreensões acerca do que é crime: legal (comportamento</p><p>punido pelo código penal); moral (quando o comportamento é ofensivo aos valores</p><p>sociais); política (quando o poder instituído, através dos que dele se apropriam,</p><p>viola direitos a fim de ser mantido); entre outras. Entretanto, no contexto de</p><p>nossa disciplina, vamos nos central na questão jurídica penal, ou seja, a definição</p><p>de crime, seus elementos caracterizadores e punibilidade sob a perspectiva do</p><p>Direito. Portanto, nosso estudo será de um dos campos do Direito que é o Direito</p><p>Penal, composto por um conjunto de normas que descrevem (tipificam) os crimes</p><p>e estabelece sanções (penas) pela sua infração. Como se observa, trata-se de um</p><p>campo específico do Direito que trata do crime e da pena.</p><p>Delimitando nosso campo de estudo, nosso objetivo será o estudo</p><p>do Direito Penal Parte Geral prevista no “Código Penal” – expressão mais</p><p>utilizada para nominar o Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, que</p><p>tem por título “Código Penal brasileiro”. Mais especificamente, nosso estudo</p><p>se limitará aos arts. 1º ao 31 do referido Código e terá como temáticas centrais:</p><p>Introdução ao Direito Penal, Teoria da Norma Penal e Teoria do Crime.</p><p>Para tanto organizamos o estudo em três unidades. A Unidade 1 tem</p><p>como objeto principal a análise e discussão acerca dos fundamentos do Direito</p><p>Penal, cujos objetivos são os de compreender e identificar os conceitos de</p><p>Direito Penal relacionando-o com os demais campos do saber jurídico. São</p><p>objetivos desta unidade também individualizar e conceituar os princípios</p><p>gerais do Direito Penal; compreender e discutir as fontes do Direito Penal;</p><p>discutir a especificidade da norma penal. Ela está dividida em três tópicos,</p><p>quais sejam: Tópico 1: conceito, objeto e características do Direito Penal; Tópico</p><p>2: os princípios do Direito Penal e Tópico 3: a norma penal no tempo e espaço.</p><p>Na Unidade 2 o estudo centra-se na Teoria do Crime objetivando-se</p><p>compreender o crime como fato jurídico e teorias penais da ação criminosa;</p><p>identificar, conceituar e classificar os diferentes tipos de crime e sujeitos</p><p>envolvidos (autor e vítima), bem como os aspectos subjetivos do crime, quais</p><p>sejam, dolo e culpa. Para atingirmos tais objetivos, dividimos a unidade em</p><p>três tópicos. O Tópico 1: analisa e problematiza o conceito de crime, as teorias</p><p>acerca do crime e elementos caracterizadores. Tópico 2: analisa os sujeitos do</p><p>crime – autor e vítima – e tipo de crime. No Tópico 3: apresenta especificamente</p><p>a discussão acerca dos elementos subjetivos do delito – dolo e culpa –</p><p>diferenciando-os e analisando as implicações na imputação e penalização.</p><p>IV</p><p>Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto</p><p>para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há</p><p>novidades em nosso material.</p><p>Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é</p><p>o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um</p><p>formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.</p><p>O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova</p><p>diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também</p><p>contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.</p><p>Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,</p><p>apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade</p><p>de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.</p><p>Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para</p><p>apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto</p><p>em questão.</p><p>Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas</p><p>institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa</p><p>continuar seus estudos com um material de qualidade.</p><p>Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de</p><p>Desempenho de Estudantes – ENADE.</p><p>Bons estudos!</p><p>NOTA</p><p>Finalmente, na Unidade 3, estudaremos os conceitos e características</p><p>da antijuridicidade e concurso de pessoas na prática de delitos. Para</p><p>explorarmos melhor os temas, dividimos nossa discussão em três tópicos.</p><p>Tópico 1: Antijuridicidade – conceitos, excludentes de ilicitude, estado de</p><p>necessidade e legítima defesa. Tópico 2: concurso de pessoas – conceito e</p><p>teorias. Finalmente, no Tópico 3: A coautoria – analisando conceito e distintas</p><p>espécies de participação na prática do delito.</p><p>A proposta desse livro é contribuir para sua formação acadêmica,</p><p>possibilitando o desenvolvimento de habilidades e competências que</p><p>auxiliem em sua atuação profissional.</p><p>Estaremos sempre juntos nessa jornada!</p><p>Bons estudos!</p><p>Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa</p><p>V</p><p>Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos</p><p>materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais</p><p>os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais</p><p>que possuem o código QR Code, que é um código</p><p>que permite que você acesse um conteúdo interativo</p><p>relacionado ao tema que você está estudando. Para</p><p>utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos</p><p>e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar</p><p>mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!</p><p>UNI</p><p>VI</p><p>VII</p><p>UNIDADE 1 – FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL .............................................................. 1</p><p>TÓPICO 1 – CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL ................ 3</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3</p><p>2 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL ..................................................................................................... 4</p><p>2.1 DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO ............................................ 5</p><p>2.2 DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E DIREITO PENAL ADJETIVO ..................................... 6</p><p>2.3 DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL ................................................. 7</p><p>3 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS RAMOS JURÍDICOS ........................... 7</p><p>3.1 DIREITO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL ............................................................... 8</p><p>3.2 DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL ........................................................... 10</p><p>3.3 DIREITO PRIVADO E DIREITO PENAL .................................................................................. 11</p><p>3.4 DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................................ 12</p><p>4 CRIMINOLOGIA E A FUNÇÃO ÉTICA DO DIREITO PENAL ............................................. 13</p><p>4.1 CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL ..................................................................................... 14</p><p>RESUMO</p><p>(2003), as regras como normas</p><p>exigem, permitem ou proíbem algo em termos definidos, sem admitir qualquer</p><p>exceção. Não obstante tal conceito, deve-se considerar os princípios como</p><p>fundamento das regras, uma vez que estas expressam e viabilizam os valores</p><p>prescritos nos princípios.</p><p>Exemplo:</p><p>O art. 1º do Código Penal dispõe: “Não há crime sem lei anterior que o</p><p>defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Tal regra expressa o princípio da</p><p>legalidade ou da reserva legal, segundo o qual a criação dos tipos incriminadores</p><p>e suas respectivas penas está submetida à lei formal anterior, funcionando como</p><p>exigência de segurança jurídica e garantia individual.</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>23</p><p>UNI</p><p>As normas jurídicas são gênero do qual princípios e regras são espécies.</p><p>Princípios, no Direito Penal, são limitadores do poder punitivo do Estado.</p><p>Regras são normas de conduta e definem o limite entre o lícito e o ilícito. Já os princípios</p><p>são mandados de otimização (segundo Robert Alexy) e, portanto, devem ser aplicados com</p><p>a máxima efetividade possível.</p><p>3 AS DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS</p><p>Nos lembra Robert Alexy (2002) que a distinção entre Regras e Princípios</p><p>não é nova e, apesar disso, imperam confusão e polêmica acerca de sua frequente</p><p>utilização. Lembra Alexy que há uma grande variedade de critérios de distinção,</p><p>tais como valores, terminologia etc. Embora os critérios de distinção entre regras</p><p>e princípios sejam numerosos, o da generalidade é o mais utilizado. Segundo tal</p><p>critério, os princípios são normas de um alto grau de generalidade, enquanto as</p><p>regras possuem baixo grau de generalidade.</p><p>Para Alexy, um ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios</p><p>é que os princípios são normas que ordenam a realização de algo em maior ou</p><p>menor medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.</p><p>Portanto, são mandados de otimização que estão caracterizados pelo fato de</p><p>que podem ser cumpridos em diferentes graus e seu cumprimento não depende</p><p>apenas das condições reais, mas também jurídicas. Já as regras são normas que</p><p>apenas podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito</p><p>exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos.</p><p>Resume Alexy (2002, p. 90) que “toda norma ou é uma regra ou é um</p><p>princípio”.</p><p>A seguir vamos estabelecer algumas diferenças para melhor compreendermos</p><p>a diferença entre regras e princípios.</p><p>3.1 DIFERENÇAS QUANTO À HIERARQUIA</p><p>A primeira grande diferença entre estas duas espécies de normas jurídicas</p><p>está na hierarquia, uma vez que os princípios constituem expressões de valores</p><p>fundamentais de qualquer ramo do Direito e, por essa razão, em um conflito</p><p>aparente entre regras e princípios, estes são superiores àquelas.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>24</p><p>Exemplificando: entre o conflito, o princípio da insignificância ou de</p><p>bagatela e o tipo penal descrito no art. 155 do CP (furto simples), considerando o</p><p>caso concreto, embora a conduta seja típica à luz da regra legal, levando em conta</p><p>as condições particulares de realização do delito, a personalidade do agente e a</p><p>lesão ao bem jurídico tutelado a conduta deve ser considerada atípica, uma vez</p><p>que o princípio se sobrepõe à regra.</p><p>UNI</p><p>O princípio da insignificância nasce da concepção de que não se deve criminalizar</p><p>comportamentos que causem lesões insignificantes aos bens jurídicos protegidos, e por tal</p><p>razão, são consideradas materialmente atípicas.</p><p>3.2 DIFERENÇAS QUANTO AO CONTEÚDO</p><p>Outro elemento diferenciador está no conteúdo. Os princípios expressam</p><p>valores ou finalidades a serem atingidas, enquanto as regras descrevem condutas</p><p>que devem ser observadas.</p><p>Pode-se exemplificar com a seguinte situação: A CF em seu art. 5º, inciso</p><p>XLVI, estabelece que a “lei regulará a individualização da pena”. O CP em seu art.</p><p>59, caput determina que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta</p><p>social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,</p><p>bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente</p><p>para a reprovação e prevenção do crime. Observe que o princípio ínsito na norma</p><p>constitucional impõe uma diretriz a ser seguida. Já a norma penal orienta como o</p><p>magistrado deverá fixar a pena na sentença condenatória.</p><p>3.3 DIFERENÇA QUANTO À ESTRUTURA FORMAL</p><p>Tal diferenciação é muito fácil de ser estabelecida. As regras descrevem fatos</p><p>e atribuem uma consequência. Exemplificando: art. 121 do CP: Matar alguém: Pena</p><p>– reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Já o princípio expressa valores e concepções</p><p>de diversas formas, a exemplo do art. 5º, LVII da CF, que anuncia: “ninguém será</p><p>considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>25</p><p>3.4 DIFERENÇA QUANTO À APLICAÇÃO</p><p>No tocante à aplicação das normas jurídicas, as regras são aplicadas pelo</p><p>critério da subsunção, que é “enquadrar’ ou “inserir” o caso concreto à norma legal</p><p>em abstrato. É a adequação de uma conduta ou fato concreto à norma jurídica.</p><p>Os princípios são aplicados utilizando-se o critério da ponderação, que é</p><p>uma técnica que utiliza a proporcionalidade como forma de raciocínio jurídico,</p><p>considerando: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.</p><p>Preleciona Barcellos (2008, p. 57-58) que a ponderação se estrutura em três</p><p>etapas: primeira etapa, deverão ser identificados os comandos normativos ou as</p><p>normas relevantes em colisão; na segunda, o intérprete deverá proceder à análise</p><p>dos fatos e premissas do caso concreto, considerando os valores, interesses e</p><p>necessidades em questão; por fim, como última fase, deve o intérprete valorar</p><p>a importância dos bens jurídicos em confronto, mediante as consequências e</p><p>impactos concretos da decisão.</p><p>3.5 DIFERENÇAS QUANTO AO IMPEDIMENTO DO</p><p>RETROCESSO</p><p>Como os princípios estabelecem conceitos ideais de justiça, uma vez</p><p>garantida sua efetividade, não se admite seu retrocesso, por representar um autêntico</p><p>anacronismo. É o que se conhece como “efeito cliquet”, expressão utilizada por</p><p>alpinistas e define o movimento de “ir para cima”. No campo jurídico, a origem da</p><p>nomenclatura é francesa, para designar o entendimento o Conselho Constitucional</p><p>reconhece que o princípio da vedação de retrocesso (chamado de "effet cliquet")</p><p>se aplica inclusive em relação aos direitos de liberdade, significando que não é</p><p>possível a revogação total de uma lei que protege as liberdades fundamentais sem</p><p>a substituir por outra que ofereça garantais com eficácia equivalente.</p><p>Pode-se dar como exemplo a pena de morte. Os países que aboliram a</p><p>pena de morte, segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 4º, 3,</p><p>ela não pode ser restabelecida. O mesmo ocorre no Brasil, uma vez que estabelece</p><p>a CF em seu art. 5º, inciso XLVII:</p><p>Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,</p><p>garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a</p><p>inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança</p><p>e à propriedade, nos termos seguintes:</p><p>[...]</p><p>XLVII – não haverá penas:</p><p>a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>26</p><p>Assim sendo, tal postulado, como cláusula pétrea, os direitos fundamentais</p><p>apenas podem ser ampliados, uma vez que são conquistas irreversíveis, podendo</p><p>apenas avançar no sentido de ampliar juridicamente sua tutela.</p><p>EM SÍNTESE:</p><p>PRINCÍPIOS REGRAS</p><p>São hierarquicamente superiores às regras. São inferiores aos princípios, a eles se sujeitando.</p><p>São a expressão de valores ou finalidades a</p><p>serem atingidos. Descrevem condutas a serem observadas.</p><p>Contêm enunciados e expressão de ideias. Contêm descrição de fato e atribuição de</p><p>consequência.</p><p>Os princípios são aplicados positivamente, como</p><p>orientação a ser seguida, ou negativamente, para</p><p>anular uma regra que os contradiga.</p><p>As regras são aplicadas mediante</p><p>subsunção.</p><p>Possuem alto grau de abstração e vagueza. As regras são dotadas de maior concreção.</p><p>Têm baixa densidade normativa. Contêm maior densidade normativa.</p><p>São dotados de plasticidade ou poliformia, pois</p><p>se adaptam a diferentes situações e acompanham</p><p>a evolução social.</p><p>Não são revestidos de plasticidade ou poliformia,</p><p>embora admitam alteração interpretativa.</p><p>Sua generalidade coloca-se no sentido de</p><p>compreenderem uma série indefinida de</p><p>aplicações (possuem um leque maior de</p><p>incidência).</p><p>Sua generalidade corresponde à incidência a um</p><p>número indeterminado de fatos e atos.</p><p>O conflito entre princípios exige uma solução</p><p>conciliadora, de modo a se verificar qual caráter</p><p>preponderante no caso concreto, valendo-se o</p><p>intérprete de uma ponderação.</p><p>O conflito entre regras e princípios impõe uma</p><p>solução radical (“tudo ou nada”), que pode se</p><p>dar de duas maneiras: considerando uma delas</p><p>a regra e a outra a exceção ou aplicando-se uma</p><p>e invalidando-se a outra.</p><p>FONTE: Estefan e Gonçalves (2012, p. 99)</p><p>4 PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO PENAL</p><p>Como você já deve ter percebido, em relação a princípios, não há que se falar</p><p>em hierarquia, uma vez que todos possuem relevância e se equivalem. Lembre-se de</p><p>que os princípios, por serem mandados de otimização, devem ser concretizados ao</p><p>máximo e, portanto, não há que se falar em supremacia de um em relação a outro.</p><p>Entretanto, a doutrina constitucional entende que há princípios consagrados</p><p>pela Magna Carta que, enquanto normas, sobrepõem-se, materialmente, a qualquer</p><p>outra norma. Considerando os princípios constitucionais penais, há supremacia de</p><p>três princípios que constituem os pilares centrais do Direito Penal. São eles:</p><p>• Princípio da Dignidade Humana: art. 1º, inc. III.</p><p>• Princípio da Legalidade: art. 5º, inc. XXXIX.</p><p>• Princípio da Culpabilidade: art. 5º, inc. LVII.</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>27</p><p>Estes são os princípios considerados estruturantes do Direito Penal a</p><p>partir dos quais derivam outros princípios, tais como o da humanidade da pena,</p><p>retroatividade da lei mais benéfica, intervenção mínima, do ne bis in idem etc.</p><p>Observe a figura a seguir que tenta reproduzir a relação normativa do</p><p>Direito Penal.</p><p>FIGURA 4 – RELAÇÃO HIERÁRQUICA – NORMAS E PRINCÍPIOS</p><p>Princípios</p><p>Estruturantes</p><p>Princípios</p><p>Derivados</p><p>Regras</p><p>FONTE: A autora</p><p>4.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA</p><p>Embora o princípio da dignidade humana não seja exclusivamente penal,</p><p>este é o princípio que ocupa posição privilegiada no ordenamento jurídico,</p><p>considerado fundamento primeiro da ordem política e jurídica brasileira, ao lado</p><p>de outros princípios anunciados no art. 1º da Magna Carta.</p><p>A dignidade humana é uma qualidade ou atributo inerente a todo ser</p><p>humano e, portanto, credor de respeito e consideração por parte de seus semelhantes.</p><p>UNI</p><p>Para o jurista Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana é:</p><p>“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo</p><p>respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um</p><p>complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e</p><p>qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições</p><p>existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação</p><p>ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os</p><p>demais seres humanos” (SARLET, 2001, p. 60).</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>28</p><p>Não é demais lembrar os motivos históricos que fizeram da dignidade</p><p>humana princípio nuclear da ordem jurídica das nações modernas, e</p><p>particularmente da brasileira. No período pós-guerra, as dramáticas experiências</p><p>de extermínio de seres humanos pelos regimes totalitários, a dignidade humana</p><p>tornou-se a finalidade maior e fundamento do Estado, que, no dizer de Canotilho</p><p>(1993, p. 225), significa “o reconhecimento do Homo noumenon, ou seja, do</p><p>indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste</p><p>sentido, a República é uma organização política que serve ao homem, não o</p><p>homem que serve aos aparelhos político-organizatórios”.</p><p>Com certeza, não é difícil entender porque a Constituição Federal, em seu art.</p><p>5º, XLVII, veda a aplicação de penas cruéis, trabalhos forçados ou banimentos!! Há</p><p>que se punir, porém, é vedado ao Estado o tratamento degradante, cruel ou vexatório.</p><p>Os tribunais pátrios têm consagrado em suas decisões a dignidade</p><p>humana, a exemplo da concessão de prisão domiciliar concedida a paciente em</p><p>grave estado de saúde, como no caso do Habeas Corpus 135489, em que o presidente</p><p>do STF, ministro Ricardo Lewandowski, deferiu liminar para conceder prisão</p><p>domiciliar a idosos presos preventivamente, por considerar que o encarceramento</p><p>poderia agravar o quadro de saúde do acusado, vítima de grave enfermidade</p><p>cardíaca, e teve como fundamento o artigo 318 do Código de Processo Penal</p><p>(CPP) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016).</p><p>Ainda a proibição de recolhimento de presos em contêiner, como entendeu</p><p>o STJ:</p><p>Trata-se de prisão desumana, que abertamente se opõe a textos</p><p>constitucionais, igualmente a textos infraconstitucionais, sem</p><p>falar dos tratados e convenções internacionais sobre direitos</p><p>humanos", concluiu o relator do caso no STJ, ministro Nilson</p><p>Naves. Ele observou que a Constituição federal garante aos</p><p>presos o direito à integridade física e também moral e que a</p><p>prisão em contêineres é uma prática ilegal.</p><p>"Isso é impróprio e odioso, ou não é caso de extrema ilegalidade?</p><p>É cruel, disso dúvida não tenho eu: entre nós, entre nós e entre</p><p>tantos e tantos povos cultos, não se admitem, entre outras</p><p>penas, penas cruéis", afirmou Naves.</p><p>O ministro protestou em relação à nova finalidade dada aos</p><p>contêineres. "Pois se tal já resultou em reclamação, reclamo eu</p><p>também. Reclamo e protesto veementemente, porquanto em</p><p>contêiner se acondiciona carga, se acondicionam mercadorias</p><p>etc. Lá certamente não se devem acondicionar homens e</p><p>mulheres", disse Naves.</p><p>Dignidade humana. Os ministros da 6ª Turma concordaram que</p><p>a prisão em contêiner fere a dignidade do ser humano. Apesar</p><p>de reconhecerem que o ideal seria o acusado aguardar em</p><p>local prisional adequado, os ministros concluíram que presos</p><p>não podem permanecer em local considerado tão degradante</p><p>(ESTADÃO, 2010, s.p.).</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>29</p><p>4.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE</p><p>O princípio da legalidade, também conhecido como princípio da reserva</p><p>legal, é o postulado que impede a arbitrariedade do Estado. Consagrado na</p><p>fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege, frase clássica do Direito Penal</p><p>moderno, serviu de inspiração ao constituinte brasileiro que a reproduziu no art.</p><p>5°, XXIX, da Magna Carta: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena</p><p>sem prévia cominação legal”, redação semelhante dada ao art. 1° do CP.</p><p>A origem do princípio da legalidade relaciona-se à Charta Magna Libertatum,</p><p>imposta em 1215 ao Rei João Sem Terra, que se tornou o documento histórico</p><p>que limitou o poder da monarquia na Inglaterra, impedindo o poder absoluto</p><p>e arbitrário. Na modernidade, foi incorporado na Declaração dos Direitos do</p><p>Homem e do Cidadão em 1789, no art. 8º: “A lei apenas deve estabelecer penas</p><p>estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força</p><p>de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.</p><p>No Brasil, a Constituição Imperial de 1824, primeira constituição</p><p>brasileira, já previa em seu art. 179, n.I: “Nenhum Cidadão pode ser obrigado</p><p>a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei”. Desde então,</p><p>tem sido o princípio da legalidade incorporado nas sucessivas constituições e</p><p>legislações brasileiras.</p><p>Desde o princípio da reserva legal, garantia dos cidadãos frente ao poder</p><p>punitivo, derivam outros corolários, tais como:</p><p>• lex escripta: a lei penal há de ser escrita.</p><p>• lex populi: há de ser uma lei emanada do parlamento (com</p><p>representantes</p><p>eleitos pelo povo).</p><p>• lex certa: o crime não pode ser vago, logo a lei deve ser pautada na taxatividade,</p><p>na certeza.</p><p>• lex clara: assim também, deve ser clara ao entendimento de qualquer um do</p><p>povo; há de ser inteligível.</p><p>• lex determinata: a lei deve descrever fatos passíveis de comprovação em juízo</p><p>e possíveis de serem perpetrados.</p><p>• lex rationabilis: a lei penal há de ser pautada na razoabilidade.</p><p>• lex estricta: a lei penal deve ser interpretada restritivamente.</p><p>• lex praevia: é a própria anterioridade da lei penal.</p><p>Importante:</p><p>Como não há crime nem pena sem lei prévia, é vedada a retroatividade</p><p>da lei mais grave (lex gravior), por tal razão, a lei penal não retroage, salvo para</p><p>beneficiar o réu (art. 5°, XL, CR). A irretroatividade da lei penal mais gravosa</p><p>atinge tanto as tipificações legais como as sanções penais que lhes correspondem.</p><p>A proibição de retroatividade ganha especial relevância quando do estudo da lei</p><p>penal no tempo, como adiante veremos.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>30</p><p>Ainda, como não há crime nem pena sem lei escrita (Nullum crimen, nulla</p><p>poena sine lege scripta), é vedada, em matéria penal, a utilização do costume como</p><p>fonte de criminalização de condutas ou punibilidade.</p><p>Outra derivação que se extrai da legalidade é a analogia in malam partem</p><p>(em desfavor do réu). A analogia é a aplicação da lei a fatos semelhantes sem</p><p>expressa previsão legal. Trata-se de um método de integração do ordenamento</p><p>jurídico.</p><p>Como técnica jurídica, há duas espécies de analogia:</p><p>• in malam partem: que é aquela em prejuízo do agente por criar um tipo penal ou</p><p>agravar a punição já existente.</p><p>• in bonam partem: que é a que amplia a liberdade individual realizada em</p><p>benefício do agente.</p><p>A analogia in bonam partem não é vedada, embora seu reconhecimento</p><p>exija ampla fundamentação quanto à sua pertinência ao caso concreto.</p><p>Cuidado: Analogia não se confunde com interpretação extensiva.</p><p>ATENCAO</p><p>Analogia é um método interpretativo utilizado em casos de lacuna (não</p><p>existência de previsão legal), existência de omissão legal. Já a interpretação extensiva</p><p>é um método de interpretação em que se extrai, se amplia o máximo possível, seu</p><p>sentido e alcance. Em caso de interpretação extensiva, há previsão legal.</p><p>O exemplo clássico é caso de invasão de domicílio. A CF estabelece em seu</p><p>art. 5º, XI: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar</p><p>sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,</p><p>ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Porém,</p><p>não se pode entender o termo “casa” apenas em seu sentido literal. Escritórios,</p><p>consultórios também são abarcados por essa proteção. Ora, sendo assim, um</p><p>escritório de advocacia, por exemplo, goza da mesma inviolabilidade que a casa</p><p>do dentista, ainda que não conste expressamente no diploma legal. E, em assim</p><p>sendo, se alguém ingressar, sem justo motivo, no escritório, cometerá o crime</p><p>de invasão de domicílio, não sendo possível alegar violação à taxatividade</p><p>penal (neste caso, a interpretação extensiva do termo "casa" é utilizada para</p><p>proteção de um bem jurídico, buscando-se o maior sentido possível da norma).</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>31</p><p>4.3 O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE</p><p>Nulla poena sine culpa (não há crime sem culpabilidade). Trata-se de um</p><p>dos princípios basilares do Direito Penal, uma vez que a criminalização imputada</p><p>a alguém não pode resultar de mero capricho ou “intuição”. A culpabilidade,</p><p>embora não sendo requisito do crime, é pressuposto necessário e inafastável para</p><p>a aplicação da pena.</p><p>Como os demais princípios já estudados, o princípio da culpabilidade é</p><p>agasalhado no texto constitucional. Estabelece o art. 5º, inc. LVII da CF: “ninguém</p><p>será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.</p><p>Tal enunciado contempla simultaneamente: a presunção da inocência (princípio de</p><p>natureza processual penal) e da culpabilidade (princípio de natureza penal).</p><p>Embora atualmente a culpabilidade seja fundamento de pena e não de</p><p>crime, até meados do século XX a concepção era distinta. Considerava-se que</p><p>a culpabilidade tinha como elemento a imputabilidade, sendo dolo e culpa</p><p>suas espécies. Paulatinamente foi-se compreendendo a culpabilidade como</p><p>a possibilidade de atribuir pena a um sujeito imputável, com a capacidade de</p><p>compreender o caráter ilícito de sua conduta, e, de acordo com as circunstâncias</p><p>em que se encontrava, era razoável se exigir que agisse de acordo com o que</p><p>determina a lei. Em tais condições o sujeito poderá ser responsabilizado, portanto,</p><p>passível de penalização.</p><p>UNI</p><p>A Teoria Psicológica da Culpabilidade representada por Franz von Liszt surgiu</p><p>entre o final do século XIX e início do século XX, atrelada aos conceitos da Teoria Causalista</p><p>da Ação. Para esta teoria, o dolo e a culpa constituíam modalidades da culpabilidade e a</p><p>imputabilidade já era um de seus pressupostos.</p><p>A imputabilidade é a capacidade psíquica do agente em compreender o caráter</p><p>ilícito de determinado comportamento e a condição para que seja passível de punição, caso</p><p>não venha a agir de modo diverso conforme o direito.</p><p>Culpabilidade não é um conceito estritamente jurídico, mas também</p><p>social, uma vez que a formação de juízo de culpabilidade pressupõe considerar a</p><p>reprovação da conduta de um indivíduo de acordo com as exigências sociojurídicas.</p><p>Atualmente o Código Penal brasileiro considera a culpabilidade como</p><p>juízo de reprovação quando, ao ocorrer fato típico e antijurídico, o agente for</p><p>imputável (arts. 26 a 28 do CP), compreender o caráter ilícito do fato (art. 21 do</p><p>CP) e dele se exigir conduta diversa (art. 22 do CP).</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>32</p><p>Desde tal concepção, observe-se, estritamente legal, o princípio da</p><p>culpabilidade deve ser compreendido como elemento necessário para imposição</p><p>de pena, preenchidos os seguintes requisitos:</p><p>• Imputabilidade.</p><p>• Compreensão do caráter ilícito do fato.</p><p>• Exigibilidade de conduta diversa.</p><p>Como você já deve ter compreendido, a culpabilidade possui dupla</p><p>dimensão: é elemento de reprovabilidade do ato praticado pelo agente e de</p><p>reprovabilidade do comportamento praticado. Este último serve para dosar,</p><p>quantificar e determinar o rigor da pena. É o que se colhe dos arts. 29 e 59 do CP.</p><p>Cabe ainda destacar que cabe exclusão de culpabilidade em casos de</p><p>equívoco, quando o agente agiu podendo ser tanto erro de tipo e erro de proibição.</p><p>Erro de tipo é quando o sujeito age de maneira incorreta, porém entende que</p><p>o ato é diverso. Exemplo: “A” deixa o carro no estacionamento lotado de um</p><p>supermercado. Ao retornar, confunde o local em que deixou seu automóvel e</p><p>ingressa em outro semelhante ao seu. Ainda, “B”, motorista de UBER atende a</p><p>um passageiro “C” que portava uma mala com 5 k de cocaína. Portanto, neste</p><p>caso, “A” desconhecia o conteúdo da mala e tratando-se de erro de tipo.</p><p>Erro de proibição ocorre quando um indivíduo não tem conhecimento</p><p>acerca da ilicitude da ação ou omissão praticada, embora tenha consciência do</p><p>ato. É previsto no art. 21 do CP e se caracteriza quando o agente acredita que</p><p>sua conduta é admitida pelo direito. Embora sendo conduta típica, o agente</p><p>desconhece sua ilegalidade. Exemplo clássico: um soldado se perde de seu</p><p>pelotão sem saber que a paz foi celebrada e mata um “inimigo”, uma vez que em</p><p>situação de guerra matar inimigo é uma ação lícita.</p><p>EM SÍNTESE:</p><p>O princípio da culpabilidade tem como efeitos:</p><p>1. Proibição da responsabilidade penal objetiva – pena imposta sem que o fato tenha sido praticado</p><p>dolosa ou culposamente.</p><p>2. Proibição da imposição da pena sem os elementos da culpabilidade – imputabilidade, potencial</p><p>consciência da ilicitude do ato e exigibilidade de conduta diversa.</p><p>3. Relevância às modalidades de erro jurídico-penal como excludentes – erro de tipo ou erro de</p><p>proibição.</p><p>4. Graduação da pena segundo o grau de censurabilidade</p><p>do ato praticado.</p><p>5 PRINCÍPIOS DECORRENTES</p><p>Como já afirmado acima, dos princípios nucleares ou basilares ou</p><p>estruturantes do Direito Penal, que são Dignidade da Pessoa Humana; Legalidade</p><p>e Culpabilidade, derivam princípios que, como já afirmado, embora não sejam</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>33</p><p>hierarquicamente inferiores, uma vez que princípios sempre se equivalem, são</p><p>corolários, decorrentes, e norteiam não apenas a produção da norma penal, como</p><p>sua interpretação e aplicação. São eles:</p><p>• Princípio da Retroatividade Benéfica da Lei Penal</p><p>Decorre do princípio da legalidade, uma vez que a lei penal deve ser</p><p>anterior ao crime e à pena previamente instituída, segundo o disposto na CF no</p><p>art. 5º, inc. XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Portanto,</p><p>a lei apenas retroage em benefício do réu, uma vez que amplia a garantia de</p><p>liberdade individual, além de justificar-se como medida de isonomia, isto é,</p><p>seria descabido e inadmissível alguém cumprir uma pena por um ato que não</p><p>é mais considerado criminoso, isto porque haveria sujeitos praticando a mesma</p><p>ação ou omissão fora do cárcere e em plena liberdade, sem nenhuma punição!!!</p><p>Sem dúvida, estaria sendo vulnerado o princípio da isonomia. Lembre-se do</p><p>enunciado do art. 5º da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de</p><p>qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no</p><p>País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à</p><p>propriedade [...]”.</p><p>Salienta-se ainda que a retroatividade da lei mais benéfica alcança também</p><p>as normas processuais (tempus regit actum). É o que estabelece o art. 2º do CPP:</p><p>Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de</p><p>considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos</p><p>penais da sentença condenatória (Redação dada pela Lei nº 7.209, de</p><p>11.7.1984).</p><p>Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o</p><p>agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença</p><p>condenatória transitada em julgado (Redação dada pela Lei nº 7.209,</p><p>de 11.7.1984).</p><p>Assim sendo, também o ato processual deve ser regido pela lei vigente em</p><p>seu tempo, independentemente de ser mais ou menos rigorosa.</p><p>Em casos de leis mistas, as que possuem elementos processuais e penais,</p><p>não retroagirão, salvo se beneficia, respeitando-se sempre a coisa julgada.</p><p>• Princípio da Insignificância ou da Bagatela</p><p>No Estado Democrático de Direito, o Direito Penal deve ser fundado</p><p>na Dignidade da Pessoa Humana e deve tão somente intervir na liberdade dos</p><p>cidadãos para coibir atos que tenham causado danos significativos aos bens</p><p>jurídicos tutelados pelo Direito. Por esta razão, as condutas que causem lesões</p><p>ínfimas ou insignificantes aos bens penalmente tutelados são consideradas</p><p>atípicas materialmente.</p><p>O princípio da insignificância não é causa excludente de punibilidade,</p><p>mas, própria tipicidade (material). Ou seja, o fato é punível, mas a insignificância</p><p>de lesão do bem jurídico protegido é causa de excludente de punibilidade.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>34</p><p>Como você já deve ter compreendido, se ocorre o fato típico (descrito em</p><p>lei), o que se impõe é a sanção por parte do Estado. Entretanto, se há excludente de</p><p>punibilidade, o fato não deixa de ser típico e ilícito, apenas sobre ele não incide a pena</p><p>prevista, portanto, não se trata de atipicidade, mas sim de excludente de punibilidade.</p><p>UNI</p><p>Lembre-se de que culpabilidade é a valoração jurídica e social que responsabiliza</p><p>o sujeito imputável, ou seja, aquele que é capaz de compreender o caráter ilícito de</p><p>determinada conduta e nas circunstâncias em que se encontrava, era razoável exigir que agisse</p><p>conforme determina a lei. Desta definição jurídica, extraem-se os três elementos essenciais da</p><p>culpabilidade: Imputabilidade, Potencial Consciência da Ilicitude e Exigibilidade de Conduta</p><p>Diversa. Ausente um destes elementos, está presente a excludente de culpabilidade.</p><p>A doutrina e jurisprudência pátria entendem que o princípio da</p><p>insignificância tem o condão de afastar a tipicidade material do fato quando:</p><p>a) A conduta produz mínima lesão ou ofensa ao bem jurídico protegido.</p><p>b) Há ausência de periculosidade social na conduta.</p><p>c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.</p><p>d) Inexpressividade da lesão jurídica.</p><p>Presente um desses elementos, descaracteriza-se o aspecto material do</p><p>tipo penal e a conduta passa a ser atípica, não restando consequência penal.</p><p>DICAS</p><p>Vale a pena fazer uma pesquisa jurisprudencial acerca de decisões dos tribunais</p><p>pátrios acerca do tema, que é bastante discutido, por exemplo, em casos de posse de drogas</p><p>para uso próprio. Pesquise no site do STF ou STJ.</p><p>• Princípio do Fato</p><p>O Estado, único ente politicamente legítimo para exercer o ius puniendi,</p><p>não pode punir condutas meramente subjetivas, ou seja, que não se concretizem</p><p>na realidade, uma vez que o mero pensamento, conjecturas, que não se traduzem</p><p>no mundo exterior, não são passíveis de punição.</p><p>Ninguém pode ser punido pelo simples fato de pensar – Cogitationis</p><p>poenam nemo patitur.</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>35</p><p>Se considerarmos o inter criminis (“caminho” do crime), na fase da</p><p>cogitação (fase de idealização), por ser mera ideia sem qualquer lesividade a bem</p><p>jurídico, não há que se falar em existência de crime, sequer na forma tentada.</p><p>Os antigos romanos já afirmavam: "ninguém pode ser punido</p><p>exclusivamente pelos seus pensamentos". Assim sendo, mesmo sendo um</p><p>pensamento ignóbil e condenável, não se impõe punição, por se tratar de</p><p>mera cogitação.</p><p>• Princípio da Alteridade ou Transcendentalidade</p><p>Como bastante destacado, o Direito Penal apenas deve ocupar-se de</p><p>comportamentos que produzam lesões em bens alheios. É o caso, por exemplo,</p><p>da tentativa de suicídio. Embora sendo uma conduta que mereça atenção, sob o</p><p>ponto de vista social e político, o suicida fracassado não pode ser punido, uma</p><p>vez que seria um despropósito sofrer um processo criminal, pois poderia ter</p><p>renovado e justificado para novamente buscar exterminar sua própria vida!</p><p>É ainda o caso de consumo individual de droga em recinto particular.</p><p>Neste contexto não se coloca em risco o bem jurídico protegido (saúde coletiva),</p><p>portanto, não é conduta revestida de tipicidade.</p><p>• Princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos</p><p>Os bens jurídicos tutelados penalmente são definidos e protegidos pela</p><p>ordem constitucional e o Direito Penal, no Estado Democrático de Direito, não</p><p>pode tutelar valores morais, religiosos, éticos ou ideológicos.</p><p>A função e limites de intervenção do Direito Penal são definidos pelos</p><p>bens jurídicos tutelados, uma vez que a incidência punitiva do Estado apenas se</p><p>justifica nas hipóteses em que há lesão a bens jurídicos, uma vez que refletem</p><p>valores relevantes para a vida social.</p><p>Nesta esteira de pensamento, a consequência é que há um limite material</p><p>para ação punitiva e o Estado não pode tipificar, criminalizar meras atitudes éticas,</p><p>morais ou religiosas, salvo as que causem lesão a bens dotados de proteção jurídica.</p><p>A obediência a tal princípio impõe-se tanto ao Estado como ao legislador,</p><p>pois ambos possuem como tarefa afastar da tutela penal valores que não podem</p><p>a ele serem inseridos, tais como moral, ética, religião ou ideologia.</p><p>• Princípio da Ofensibilidade ou Lesividade</p><p>Considerando o princípio nullum crimen sine injuria, apenas são passíveis</p><p>de punição as condutas que lesionem ou coloquem em risco bens juridicamente</p><p>tutelados. Colhe-se desse princípio que há exigência de um resultado jurídico ou</p><p>normativo da conduta, excluindo-se perigo abstrato ou presumido.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>36</p><p>Este princípio é objeto de debate jurisprudencial, por haver o</p><p>reconhecimento de crimes de perigo abstrato ou presumido em alguns casos,</p><p>como nos crimes de trânsito.</p><p>UNI</p><p>O Código de Trânsito brasileiro (LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997)</p><p>estabelece</p><p>no art. 306:</p><p>Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência</p><p>de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela</p><p>Lei nº 12.760, de 2012)</p><p>Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a</p><p>permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.</p><p>Observe que expressamente a lei admite perigo em abstrato, sendo irrelevante se houve ou</p><p>não lesão a bem jurídico tutelado, nesta hipótese, não importa o resultado.</p><p>• Princípio da Intervenção Mínima (Subsidiariedade ou Fragmentariedade)</p><p>Contemporaneamente não resta dúvida de que o Direito Penal deve ser a</p><p>ultima ratio, ou seja, o último recurso utilizado para o controle social, uma vez que</p><p>atinge o direito fundamental da liberdade individual.</p><p>O direito é um sistema normativo que possui inúmeros ramos e institutos</p><p>jurídicos com respostas adequadas e eficientes para solucionar conflitos cotidianos</p><p>sem a necessidade de recorrer-se ao Direito Penal.</p><p>Sem dúvida, vive-se um tempo em que, por razões diversas, o Direito Penal</p><p>acabou por ocupar lugar central na solução dos conflitos cotidianos, gerando-se</p><p>uma autêntica paranoia ou patologia penal, o que, segundo inúmeros pensadores</p><p>do direito, pode gerar uma ineficiência no próprio sistema punitivo.</p><p>UNI</p><p>Princípio da Intervenção Mínima:</p><p>Princípio segundo o qual a intervenção do Direito Penal só se justifica quando fracassam</p><p>as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do Direito.</p><p>TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>37</p><p>• Princípio da Adequação Social</p><p>Segundo Hans Welzel (1904-1977), jurista alemão e pensador do direito,</p><p>a ação terá sempre um sentido social e as adequadas, sob o ponto de vista social,</p><p>são as de acordo com a ordem historicamente estabelecida.</p><p>A adequação social significa que as condutas devem ser dentro dos limites</p><p>da vida social, sendo este um parâmetro para o legislador.</p><p>Porém, não significa que condutas que são toleradas por grupos ou setores</p><p>sociais sejam adequadas. É, por exemplo, o que ocorre com a “pirataria”, conduta</p><p>largamente praticada. A “pirataria” é violação de direitos autorais, segundo o</p><p>disposto no art. 184 do CP. “Violar direitos de autor e os que lhe são conexos</p><p>(Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003). Pena – detenção, de 3 (três) meses</p><p>a 1 (um) ano, ou multa (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)”.</p><p>• Princípio do Ne Bis In Idem</p><p>“Não duas vezes a mesma coisa”. É um princípio legado do direito romano</p><p>e faz parte da tradição democrática do Direito Penal, sendo um corolário do ideal</p><p>de justiça, pois determina que ninguém pode ser punido pelo mesmo fato duas</p><p>vezes. Trata-se, por outras palavras, da vedação da dupla incriminação penal.</p><p>UNI</p><p>“Uma vez imposta e executada a sanção, esgota-se a função da pena, de tal</p><p>modo que a renovação do apenamento pelo mesmo ato constituiria punição gratuita e</p><p>infundada, fazendo do Direito Penal instrumento de vingança, e não de Justiça” (ESTEFAM;</p><p>GONÇALVES, 2012, p. 138).</p><p>Embora o princípio non bis in idem não esteja expressamente previsto na</p><p>CF, é consagrado e garantido no sistema jurídico penal de um Estado Democrático</p><p>de Direito, uma vez que se soma a demais princípios.</p><p>Com base no mesmo princípio, determina o art. 42 do CP que “computam-</p><p>se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão</p><p>provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação</p><p>em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior” (Redação dada</p><p>pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Trata-se do instituto da detração que determina o</p><p>desconto da pena imposta em sentença do período em que o réu permaneceu sob</p><p>custódia provisoriamente, não importa a que título, cabendo tal dedução ao juiz</p><p>da execução penal.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>38</p><p>• Princípio da Humanidade</p><p>Como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, as</p><p>sanções devem sempre ser aplicadas observando um tratamento humanizado</p><p>aos sujeitos apenados.</p><p>Por esta razão, pelo disposto na CF no art. 5º, III e XLVII, é vedada a tortura</p><p>e tratamento desumano ou/e degradante, pena de morte, pena perpétua, cruéis,</p><p>de banimento ou trabalhos forçados.</p><p>EM SÍNTESE:</p><p>FIGURA 5 – PRINCÍPIOS DERIVADOS</p><p>FONTE: A autora</p><p>da Humanidade</p><p>da Retroatividade da lei</p><p>mais benéfica</p><p>da Insignificância</p><p>do Fato</p><p>da Alteridade</p><p>da Exclusiva Proteção</p><p>de Bens Jurídicos</p><p>da Ofensibilidade ou</p><p>Lesividade</p><p>da Interação Mínima</p><p>da Adequação Social</p><p>Ne Bis In Idem</p><p>Pr</p><p>in</p><p>cí</p><p>pi</p><p>os</p><p>D</p><p>er</p><p>iv</p><p>ad</p><p>os</p><p>39</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• Ao se falar em norma penal há que se considerar que “norma” é gênero</p><p>composto por duas espécies disitintas: regras e princípios.</p><p>• O Direito Penal, assim como demais ramos do Direito, é composto por</p><p>princípios basilares, ou estruturantes, quais sejam: o da Dignidade Humana;</p><p>da Legalidade e o da Culpabilidade, dentre outros. Embora não explícitos tais</p><p>princípios devem nortear tanto o legislador para a produção da norma penal,</p><p>como para o judiciário enquanto aplicador.</p><p>• Dos princípios basilares ou estruturantes derivam outros princípios, chamados</p><p>também de decorrentes. Assim como os princípios estruturantes servem para</p><p>orientar o legislador e o intérprete da norma penal.</p><p>40</p><p>1 Considere o texto a seguir e responda à questão proposta.</p><p>“O Direito Penal sofre, no Estado liberal, dificuldades para sua legitimação</p><p>enquanto recurso capaz de apresentar soluções justas e aceitáveis para</p><p>importantes conflitos sociais. Reconhece-se que tal tarefa é difícil, na medida</p><p>em que este ramo do direito dispõe de meios que, postos à disposição do Estado,</p><p>podem ser manipulados em seu favor, tornando difícil a justificação moral e</p><p>política do sistema criminal. Por isso mesmo, há quem afirme que Constituição</p><p>e Direito Penal, durante longos anos, caminharam em sentidos opostos, na</p><p>medida em que a palavra “Constituição” evoca proteção da liberdade, e</p><p>Direito Penal, ao contrário, denota restrições aos direitos. É de ressaltar, no</p><p>entanto, que o Estado moderno assimilou, em seu percurso, novas conquistas</p><p>do Iluminismo, assentando seu ordenamento jurídico sobre os princípios da</p><p>ilustração de forma a dispor de um modelo jurídico penal liberal e garantidor.</p><p>Assim, é possível afirmar, embora não haja absoluta coincidência histórica,</p><p>em razão de períodos de convivência de um direito, ainda cruel, com formas</p><p>de governo já restringidas pelas liberdades dos súditos, que a constituição do</p><p>direito criminal restringido em seu arbítrio caminhou associada à contenção</p><p>de exercício do poder estatal. [...]</p><p>O pós-positivismo jurídico, a seu turno, ao restabelecer uma relação entre</p><p>direito e ética, toma, como valor básico da ordem jurídica, o metaprincípio</p><p>da dignidade humana no qual se assentam outros valores igualmente</p><p>lastreados no respeito à pessoa. Assim, a modernidade ocidental, orientada</p><p>por este superprincípio, não só o insere no texto constitucional para que</p><p>haja o reconhecimento de sua normatividade, mas dele faz defluir outros</p><p>que lhe dão substancialidade. O reconhecimento jurídico da dignidade da</p><p>pessoa humana como valor positivado na Constituição tem desdobramentos</p><p>expressivos nos subsistemas normativos internos. A preservação do valor</p><p>da pessoa e o asseguramento de seus direitos essenciais passam a constituir</p><p>os ideais perseguidos pelos sistemas jurídicos liberais, aos quais se alinha,</p><p>necessariamente, o Direito Penal na tentativa de sua legitimação. A subsunção</p><p>a esta meta é o caminho mais promissor para justificar seu exercício quando se</p><p>imiscui, coercitivamente, na esfera de liberdade de outrem”.</p><p>MINAHIM, Maria Auxiliadora. Legitimação do direito penal por princípios reconhecidos e</p><p>inseridos nas constituições dos estados democráticos de direito. In: Revista da Faculdade</p><p>Mineira de Direito. v. 20. n.40|70. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/</p><p>Direito/article/viewFile/17978/13356>.</p><p>Pergunta-se:</p><p>O Direito Penal, no Estado Democrático de Direito, enfrenta como grande</p><p>desafio justificar a punição tendo como limite os direitos fundamentais.</p><p>A inovação, no sistema jurídico punitivo contemporâneo, é a contenção do</p><p>direito de punir do Estado desde a ordem democrática. Pergunta-se: como</p><p>é possível assegurar direitos fundamentais e simultaneamente punir as</p><p>condutas criminosas?</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>41</p><p>2 O princípio da legalidade ou princípio da reserva legal, historicamente,</p><p>funciona como limitador da arbitrariedade do Estado. Tem como postulado</p><p>central a afirmação de que não há crime sem uma lei prévia que o defina.</p><p>Acerca do conceito do princípio da legalidade, é CORRETO afirmar:</p><p>a) ( ) É a capacidade mental do agente de entendimento do caráter ilícito do</p><p>fato no momento da ação ou da omissão.</p><p>b) ( ) Constitui-se em juízo de censura que incide sobre a vontade do agente</p><p>responsável por um fato típico e ilícito, e tem como objetivo aferir a</p><p>necessidade de imposição de pena.</p><p>c) ( ) A oposição entre o ordenamento jurídico vigente e um fato típico</p><p>praticado por alguém capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens</p><p>jurídicos penalmente protegidos.</p><p>d) ( ) A obrigatoriedade de obediência às formas e aos procedimentos</p><p>exigidos na criação da lei penal e, principalmente, na elaboração de seu</p><p>conteúdo normativo.</p><p>3 Considere a seguinte situação: um homem, maior de idade e capaz, foi</p><p>preso em flagrante por ter subtraído de um supermercado uma garrafa de</p><p>cachaça. A ação delituosa foi vista pelo sistema de vídeo do estabelecimento,</p><p>o que permitiu aos seguranças recuperarem o produto e deterem o infrator</p><p>no estacionamento, quando então foi constatado que o produto subtraído</p><p>equivalia a pouco menos de um sexto do salário mínimo vigente na época.</p><p>Durante a investigação, foi constado que o acusado possuía duas condenações</p><p>transitadas em julgado por fato semelhante e respondia por mais três ações</p><p>penais em curso também por furto. Considerando tal situação hipotética,</p><p>assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) O acusado necessariamente deverá ser absolvido com base no princípio</p><p>da insignificância, uma vez que o valor do objeto subtraído era ínfimo e</p><p>foi restituído ao supermercado.</p><p>b) ( ) Por ter sido a ação aparentemente delituosa monitorada pelo sistema de</p><p>segurança do supermercado com o objetivo de impedir a concretização</p><p>do crime de furto, trata-se de crime impossível e, por via de consequência,</p><p>trata-se de conduta atípica.</p><p>c) ( ) Embora sendo a lesão ao bem jurídico penalmente protegido ínfima,</p><p>os antecedentes do agente constituem fator a ser considerado para</p><p>a consideração judicial do princípio da insignificância a fim de</p><p>despenalizar a conduta.</p><p>d) ( ) Por não ter ocorrido a consumação do delito, aplica-se, no caso em</p><p>apreço, a descriminalização da conduta em homenagem ao princípio</p><p>da insignificância.</p><p>4 Considere as afirmações a seguir:</p><p>I- A prática constante de comportamentos contrários à lei penal, ainda que</p><p>insignificantes, pode implicar na perda da caracterização de bagatela</p><p>desses comportamentos.</p><p>42</p><p>II- O direito penal brasileiro não admite a imposição, como pena, de trabalhos</p><p>forçados.</p><p>III- O princípio da legalidade não se aplica às medidas de segurança, uma vez</p><p>que não possuem natureza de pena.</p><p>IV- Ainda que se trate de tentativa delituosa, considera-se como lugar do</p><p>crime não só aquele onde o agente tenha praticado os atos executórios,</p><p>mas também onde deveria produzir os resultados.</p><p>Sobre as afirmações acima, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As afirmações I, II e III estão corretas.</p><p>b) ( ) As afirmações I e II estão corretos.</p><p>c) ( ) As afirmações II e III estão corretas.</p><p>d) ( ) As afirmações I, III e IV estão corretas.</p><p>43</p><p>TÓPICO 3</p><p>NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>UNIDADE 1</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>A partir do estudo até aqui realizado, você provavelmente concluiu que o</p><p>Direito Penal é composto por um conjunto de normas de natureza e características</p><p>próprias, chamadas de normas penais. Uma das distinções relevantes das normas</p><p>penais é que definem o que é crime e, como consequência, impõem uma sanção,</p><p>uma pena, ou em casos específicos, uma medida de segurança.</p><p>Entretanto, as normas penais são complexas e distintas. Neste último</p><p>tópico compreenderemos as principais diferenças das normas penais. Procure</p><p>estar atento para o fato de que, de acordo com a natureza e característica da</p><p>norma, as consequências punitivas serão distintas.</p><p>Ainda, neste último tópico discutiremos um aspecto bastante relevante: a</p><p>lei penal no tempo e espaço. Você poderá constatar que desde tal compreensão</p><p>haverá discussão acerca da eficácia normativa.</p><p>Estude com atenção este tópico uma vez que possibilitará a você</p><p>compreender a aplicação da norma no caso concreto.</p><p>2 AS NORMAS PENAIS</p><p>Como já inicialmente discutido, o Direito Penal é composto por um</p><p>complexo sistema normativo distribuído no Código Penal brasileiro (Decreto-</p><p>Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940) e em leis extravagantes (conjunto de</p><p>leis relativas à matéria penal em vigor com caráter suplementar que está fora do</p><p>Código). Em geral, a norma penal, como toda norma jurídica, é um preceito, um</p><p>comando, seguido de sanção. O preceito – comando de fazer ou deixar de fazer</p><p>algo – e a sanção formam uma unidade lógica.</p><p>A norma penal é aquela que define determinada ação ou omissão como</p><p>ilícita e prevê uma sanção que deverá ser imposta àquele que praticar a conduta</p><p>definida pela norma. Portanto, em geral, a norma penal é incriminadora, pois</p><p>define uma conduta e comina uma pena. É o conceito mais conhecido de norma</p><p>penal e é, pode-se dizer, a norma penal por excelência. Por exemplo, o art. 123</p><p>do CP que trata do infanticídio, que prevê: “Matar, sob influência do estado</p><p>puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2</p><p>(dois) a 6 (seis) anos”.</p><p>44</p><p>Entretanto, ainda há normas penais que são as permissivas justificantes,</p><p>permissivas exculpantes, explicativas e complementares. Estas são normas que</p><p>ampliam o sistema penal através de princípios gerais e disposições sobre os</p><p>limites e ampliação das normas incriminadoras.</p><p>As permissivas justificantes são as que têm como finalidade afastar a</p><p>ilicitude da conduta, por exemplo, o art. 24 do CP – estado de necessidade, que,</p><p>como se verá melhor adiante, é a situação em que se justifica a ação ou omissão</p><p>pela necessidade diante do caso concreto. Portanto, a norma penal justificante</p><p>torna lícita uma conduta aparentemente ilícita.</p><p>As normas permissivas exculpantes são aquelas que se destinam a eximir</p><p>de culpa o agente, por exemplo, o art. 28: “Não excluem a imputabilidade penal</p><p>(...) § 1 º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente</p><p>de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente</p><p>incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com</p><p>esse entendimento”.</p><p>As normas penais explicativas são as que se destinam a explicar um</p><p>conceito, ao exemplo do art. 327: “Considera-se funcionário público, para os</p><p>efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce</p><p>cargo, emprego ou função pública”.</p><p>Já as normas complementares são as que se destinam a estabelecer</p><p>princípios gerais para a adequada aplicação penal, por exemplo, o art. 59: “O juiz,</p><p>atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade</p><p>do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como</p><p>ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente</p><p>para reprovação e prevenção do crime”.</p><p>FIGURA 6 – SÍNTESE</p><p>FONTE: <https://goo.gl/LzgJGJ>. Acesso em: 1 abr. 2019.</p><p>CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS</p><p>NORMAS</p><p>Incriminadoras</p><p>Não Incriminadoras</p><p>Preceito Primário</p><p>Preceito Secundário</p><p>Permissiva</p><p>Explicativas, finais ou</p><p>complementares</p><p>Justificantes</p><p>Exculpantes</p><p>45</p><p>Ainda, há normas que necessitam de complemento para compreender</p><p>a extensão de seu</p><p>conteúdo. São as normas penais em branco. É preciso um</p><p>complemento que delimite a extensão de sua aplicação, não sendo possível a</p><p>aplicação da norma sem que se consulte com outro dispositivo legal. Portanto,</p><p>é a lei que depende de outro ato normativo para que tenha sentido por ser seu</p><p>conteúdo incompleto.</p><p>Veja o exemplo do art. 33 da Lei nº 11.343/06:</p><p>Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,</p><p>vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer</p><p>consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou</p><p>fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em</p><p>desacordo com determinação legal ou regulamentar:</p><p>Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500</p><p>(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.</p><p>Por evidente que é sabido que é crime vender droga. Porém, o que é</p><p>droga? Maconha é droga? Cerveja é droga? Para incriminar alguém por vender</p><p>droga, é preciso saber o que é droga e tal definição não pode ser deixada a</p><p>cargo do julgador. Por tal razão, há um rol das drogas proibidas, para fins</p><p>de incidência do art. 33, na Portaria n. 344/98/MS, que define, por exemplo,</p><p>o THC (tetra-hidrocarbinol), composto da família dos fenóis, como substância</p><p>alucinógena presente na maconha. Por isso, é considerado tráfico de drogas o</p><p>seu comércio. Observe que o art. 33, por si só, não é aplicável, necessitando de</p><p>complemento, e por esta razão, afirma-se que é norma penal em branco.</p><p>A doutrina costuma classificar as normas penais em branco em: a) normas</p><p>penais em branco em sentido lato (homogêneas ou impróprias); b) normas penais</p><p>em branco em sentido estrito (heterogêneas ou próprias). Normas penais em</p><p>branco homogêneas são aquelas em que o complemento advém da mesma fonte</p><p>legislativa que editou a norma que requer esse complemento para a sua exata</p><p>compreensão dimensional. Ex: Art. 237 do CP dispõe que "Contrair casamento,</p><p>conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta". Os</p><p>impedimentos que provocam a nulidade absoluta estão elencados no art. 1521 do</p><p>Novo Código Civil.</p><p>É considerada heterogênea, ou em sentido estrito, a norma penal em</p><p>branco que tem o seu complemento oriundo de fonte diversa daquela que</p><p>a editou. Ex: Art. 28 da Lei nº 11.343/06: “Quem adquirir, guardar, tiver em</p><p>depósito, transportar ou trazer consigo sem autorização ou em desacordo com</p><p>determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: [...]”. E</p><p>dispõe o Parágrafo único do art. 1º da referida lei: “Para fins desta lei, consideram-</p><p>se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência,</p><p>assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente</p><p>pelo Poder Executivo da União”.</p><p>46</p><p>Em assim sendo, nota-se que, para saber qual substância está em desacordo</p><p>com a lei, será necessário consultar listas elaboradas pelo Poder Executivo.</p><p>Norma penal imperfeita é aquela que, para saber a penalidade imposta</p><p>pela sua violação, o legislador faz com que se verifique uma outra norma penal.</p><p>Um exemplo de norma penal imperfeita é o art. 1º da Lei nº 2.889/56, que define</p><p>e pune o crime de genocídio. O art. 1º está assim redigido: “Quem com intenção</p><p>de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, racial ou religioso, como tal:</p><p>Será punido: Com as penas do art. 121, §2º, do Código Penal, no caso da letra a”.</p><p>FIGURA 7 – NORMA PENAL EM BRANCO</p><p>FONTE: <https://files.passeidireto.com/257be25c-a67f-41a6-a51a-0b259083e50b/257be25c-</p><p>a67f-41a6-a51a-0b259083e50b.jpeg>. Acesso em: 1 abr. 2019.</p><p>3 CARACTERÍSTICAS DA NORMA PENAL</p><p>Assim como as normas jurídicas em geral, as normas penais possuem</p><p>características específicas, dentre as quais destacam-se:</p><p>• Exclusividade: por ser a norma penal a única no ordenamento jurídico que</p><p>possui como característica descrever uma conduta ilícita e impor uma pena aos</p><p>que a violem.</p><p>• Imperativa: por se submeter obrigatoriamente a pena ao que cometer o ato tipificado</p><p>como ilícito. Todas normas penais são imperativas, mesmo as não incriminadoras.</p><p>• Generalidade: a norma penal se destina a todos em igual situação.</p><p>• Abstratividade: por se aplicarem independentemente do número de casos. Por</p><p>exemplo, o art. 121 caput: Matar alguém. Não importa o tipo de morte ou o</p><p>número de pessoas.</p><p>• Impessoalidade: a norma penal é elaborada para punir eventos futuros e não é</p><p>dirigida a pessoa determinada.</p><p>TÓPICO 3 | NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>47</p><p>3.1 LEI PENAL NO TEMPO</p><p>Estabelece o art. 2º do CP que: “Ninguém pode ser punido por fato que</p><p>lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e</p><p>os efeitos penais da lei condenatória. Parágrafo único: A lei posterior, que de</p><p>qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos, ainda que decididos por</p><p>sentença transitada em julgado”.</p><p>Como se deduz do artigo supra, a regra geral é de irretroatividade da</p><p>norma penal in pejus, com absoluta impossibilidade de a lei penal retroagir para,</p><p>de qualquer modo, prejudicar o agente, exceto quando, de qualquer modo, a lei</p><p>vier a favorecê-lo, segundo o disposto na Magna Carta em seu art. 5º, inciso XL –</p><p>“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.</p><p>Predomina, em matéria penal no tempo, o princípio tepus regit actum, ou</p><p>seja, a lei aplicável ao fato é a vigente ao tempo do fato. Mas quando uma lei</p><p>penal passa a ter vigência e eficácia? No momento em que entra em vigor, e desde</p><p>aí é aplicável ao fato.</p><p>Em assim sendo, com a entrada em vigor a lei estará apta a produzir seus</p><p>efeitos, assim permanecendo até sua revogação (art. 2º LICC). Segundo o art. 1º</p><p>LICC, salvo disposição contrária, a lei entra em vigor em todo o país 45 dias</p><p>depois de oficialmente publicada.</p><p>O lapso temporal entre a publicação e vigência da lei recebe o nome</p><p>de vacatio legis, que pode ser ampliado ou reduzido segundo previsão expressa</p><p>feita pelo legislador.</p><p>A revogação da lei penal pode ser de duas formas:</p><p>• Revogação expressa: ocorre quando lei posterior declara expressamente a</p><p>revogação da anterior.</p><p>• Revogação tácita: embora a lei não declare expressamente que a lei anterior foi</p><p>revogada, existe incompatibilidade entre elas.</p><p>IMPORTANTE</p><p>• costumes não revogam lei penal (art. 2º § 1º LICC).</p><p>• revogação parcial denomina-se derrogação; revogação total denomina-se ab-rogação.</p><p>48</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>A lei é elaborada para regular situações que ocorram durante o seu período</p><p>de vigência (da entrada em vigor até sua revogação). Porém, excepcionalmente, é</p><p>possível a aplicação de uma lei a situações que ocorreram fora do seu período de</p><p>vigência, tratando-se de extra-atividade da lei, de acordo com o art. 2º parágrafo</p><p>único do Código Penal: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente,</p><p>aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória</p><p>transitada em julgado”.</p><p>SÃO DUAS ESPÉCIES DE EXTRA-ATIVIDADE:</p><p>• Retroatividade: ocorre quando a lei é aplicada antes do início de sua vigência;</p><p>tal se dá quando a posterior for mais benéfica.</p><p>• Ultra-atividade: ocorre quando a lei é aplicada após a cessação de sua vigência;</p><p>tal se dá quando a lei posterior é mais gravosa e a anterior mais benéfica,</p><p>devendo, pois, esta ser aplicada, ainda que já revogada.</p><p>A ultra-atividade dá-se quando a lei, mesmo revogada, continua a regular</p><p>os fatos ocorridos durante sua vigência, porque a lei mais benéfica ao agente</p><p>deve ser aplicada, mesmo que já revogada.</p><p>A Constituição Federal reconhece no art. 5º, inc., XL, como garantia</p><p>fundamental o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Desse</p><p>modo, o advento de lei penal mais favorável ao acusado impõe sua imediata</p><p>aplicação, ainda que após o trânsito em julgado da condenação.</p><p>Porém, verificando-se a lex mitior, literalmente “lei mais suave” no</p><p>confronto de leis, deverá ser feita análise do caso concreto a norma mais benéfica,</p><p>podendo haver, nestes casos, conforme a situação, retroatividade da regra nova</p><p>ou ultra-atividade</p><p>da norma antiga.</p><p>A retroatividade é a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no</p><p>tempo a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor</p><p>para beneficiar o agente.</p><p>UNI</p><p>Novatio legis in mellius, terminologia empregada quando há a publicação de</p><p>uma nova lei que revoga outra anteriormente em vigência e vem a beneficiar o acusado,</p><p>será sempre retroativa e aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que</p><p>tenham sido decididos por sentença condenatória já transitada em julgado.</p><p>Novatio legis in pejus, refere-se à lei mais severa que a anterior e não tem aplicação no</p><p>Direito Penal brasileiro ante ao princípio da retroatividade da lei penal benigna.</p><p>TÓPICO 3 | NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>49</p><p>3.1.1 Conflitos de Leis Penais no Tempo</p><p>(Conflito Intertemporal)</p><p>Dá-se conflito de leis penais no tempo quando um delito vier a ser</p><p>cometido durante a vigência de uma lei e esta é revogada posteriormente,</p><p>havendo necessidade de se decidir qual a aplicável, no caso.</p><p>Em regra geral, o conflito intertemporal é resolvido pela aplicação de</p><p>dois princípios: irretroatividade da lei mais severa e retroatividade da lei mais</p><p>benéfica, ambos presentes no art. 2º parágrafo único do Código Penal e art. 5º XL</p><p>da Constituição Federal.</p><p>DEVE-SE APLICAR SEMPRE A LEI MAIS BENÉFICA PARA O AGENTE.</p><p>ATENCAO</p><p>Hipóteses em que ocorre o conflito de leis penais no tempo</p><p>• abolitio criminis – ocorre quando lei posterior deixa de considerar infração</p><p>um fato que anteriormente era punido; aqui se aplica a lei posterior, em</p><p>função do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. É a chamada</p><p>descriminalização, por ter o fato anteriormente considerado infração passar a</p><p>ser indiferente ao Direito Penal.</p><p>• novatio legis in mellius – a lei posterior que de qualquer modo favorecer o</p><p>agente deverá ser aplicada aos fatos anteriores, mesmo havendo sentença</p><p>condenatória transitada em julgado (art. 2º parágrafo único CP).</p><p>• novatio legis in pejus – neste caso há duas leis penais em conflito: a anterior (mais</p><p>benigna) e a posterior (mais severa); aplica-se o princípio da irretroatividade</p><p>da lei mais severa, devendo a primeira, então, continuar a ser aplicada (ela será</p><p>ultra-ativa, ou seja, será aplicada mesmo que já revogada).</p><p>• novatio legis incriminadora – ocorre quando lei posterior passa a considerar</p><p>típico (sob o aspecto penal) o que antes era um indiferente penal; por tratar-se</p><p>de lei mais severa, inclusive por força do princípio da legalidade, é irretroativa.</p><p>3.1.2 Eficácia das Leis Penais Temporárias e Excepcionais</p><p>Lei temporária é aquela criada para vigorar durante período de tempo certo</p><p>e determinado. Já a lei excepcional é a elaborada para disciplinar as situações que</p><p>ocorrem durante período típico, por exemplo, guerra ou calamidade, vigorando</p><p>somente enquanto durar a situação de excepcionalidade.</p><p>50</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>De acordo com o art. 3º do Código Penal, as leis excepcionais ou temporárias</p><p>aplicam-se ao ato praticado durante sua vigência, embora decorrido o período de</p><p>sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram.</p><p>Art. 3º do CP: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o</p><p>período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-</p><p>se ao fato praticado durante sua vigência”.</p><p>Portanto, é a lei editada em razão de situações excepcionais cuja vigência</p><p>é limitada pela duração da aludida situação que levou à edição do diploma legal.</p><p>Tais leis são autorrevogáveis ou de vigência temporária, isso porque trazem</p><p>fixado, em seu texto, o momento em que deixarão de ser aplicáveis; entretanto,</p><p>embora revogadas, serão aplicadas aos casos ocorridos durante sua vigência.</p><p>UNI</p><p>LEMBRE-SE DO ART. 4º DO CP: Considera-se praticado o crime no momento</p><p>da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.</p><p>• NORMA PENAL NO ESPAÇO</p><p>Tal conceito deve ser compreendido a partir do art. 5º § 1º e 2º do CP:</p><p>Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de</p><p>direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º – Para</p><p>os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as</p><p>embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do</p><p>governo brasileiro, onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves</p><p>e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que</p><p>se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-</p><p>mar. § 2º – É também aplicável à lei brasileira aos crimes praticados a</p><p>bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada,</p><p>achando-se àquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço</p><p>aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.</p><p>Trata-se do princípio da territorialidade que afirma que a lei penal apenas</p><p>pode ser aplicada no espaço (território) do Estado que a criou, não atendendo à</p><p>nacionalidade do sujeito ativo ou passivo do delito ou do titular do bem jurídico</p><p>penalmente tutelado.</p><p>Entretanto, tal critério não é absoluto, uma vez que a lei estrangeira será</p><p>aplicada em crimes praticados em parte ou total em nosso território, quando</p><p>assim exigirem tratados e convenções internacionais (Intraterritorialidade/de</p><p>fora para dentro).</p><p>TÓPICO 3 | NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>51</p><p>É importante considerar o conceito de extensão do território nacional.</p><p>Vejamos:</p><p>Princípio do Pavilhão ou da Bandeira: As embarcações e aeronaves são</p><p>extensões do território do país em que estiverem registradas (bandeira). Os navios</p><p>e aeronaves de guerra são extensões do território nacional. Assim, os crimes</p><p>cometidos no interior deles terão aplicação das leis dos respectivos países. Isto</p><p>não se aplica aos delitos praticados fora das embarcações pelos tripulantes. Neste</p><p>caso, estarão sujeitos à jurisdição penal do Estado em cujo território se encontram.</p><p>Navios e Aeronaves Públicas ou Privadas: Os navios oficiais (chefe de</p><p>Estado/representantes diplomáticos) são considerados extensões do território</p><p>nacional (mesmo comando do Princípio do Pavilhão). Já aos navios privados</p><p>(mercantes ou de propriedade privada) em mar de território estrangeiro aplica-se a</p><p>lei do país estrangeiro em alto-mar, e em mar territorial brasileiro, a lei brasileira é</p><p>a aplicável.</p><p>Há situações em que a legislação brasileira não tem incidência, são eles:</p><p>• Imunidades diplomáticas: não pode ser preso nem processado sem autorização</p><p>de seu país. As sedes diplomáticas não são extensões do território do país, mas</p><p>são invioláveis (embaixador, corpo técnico da embaixada, familiares do agente</p><p>diplomático, chefes de Estado estrangeiro que visitam o país, os empregados</p><p>particulares não gozam de imunidade).</p><p>• Imunidades dos parlamentares: garantia dos parlamentares para o exercício</p><p>de suas funções. Previstas no artigo 53 da Constituição Federal: “Os deputados</p><p>e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,</p><p>palavras e votos”. A imunidade é irrenunciável, entretanto, não alcança os</p><p>parlamentares licenciados para ocupar outro cargo.</p><p>Ainda, as imunidades previstas para os parlamentares:</p><p>• Imunidade material ou inviolabilidade parlamentar: os deputados e senadores</p><p>são invioláveis, civil e penalmente, nos crimes de opinião (verbi gratia, injúria,</p><p>difamação, calúnia, entre outros), quando praticados no exercício de suas</p><p>funções (art. 53, caput da Constituição Federal).</p><p>• Imunidade formal: imunidade que garante a quem está no exercício de mandato</p><p>eletivo a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou ser processado sem</p><p>autorização de sua casa legislativa respectiva.</p><p>O art. 7º do CP trata da extraterritorialidade, ou seja, da aplicação da lei</p><p>penal brasileira a fatos criminosos ocorridos em territórios de outros Estados.</p><p>52</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:</p><p>(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>I - os crimes:</p><p>(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei</p><p>nº 7.209, de 1984)</p><p>b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado,</p><p>de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia</p><p>mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela</p><p>Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela</p><p>Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;</p><p>(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela</p><p>Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de</p><p>propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam</p><p>julgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que</p><p>absolvido ou condenado no estrangeiro. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso</p><p>das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei</p><p>nº 7.209, de 1984)</p><p>c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a</p><p>extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a</p><p>pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não</p><p>estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei</p><p>nº 7.209, de 1984)</p><p>§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra</p><p>brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo</p><p>anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)</p><p>Pena cumprida no estrangeiro (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>Para a doutrina dominante, o Princípio da Extraterritorialidade, em</p><p>síntese, consiste na lei penal aplicada fora do Brasil. A jurisdição, como regra</p><p>geral, pelo respeito ao princípio da soberania, é sempre territorial e não pode</p><p>ser exercida no território de outro Estado, salvo em virtude de lei permissiva,</p><p>emanada de direito internacional costumeiro ou convencional.</p><p>TÓPICO 3 | NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>53</p><p>O Princípio da Extraterritorialidade apresenta os seguintes tipos:</p><p>• Incondicionada: a lei brasileira será aplicada, ainda que o agente seja absolvido</p><p>ou condenado no exterior, ou seja, não se subordina a qualquer condição. São</p><p>os previstos no artigo 7º, inciso I, a, b, c e d do Código Penal.</p><p>• Condicionada: são as hipóteses previstas no inciso II e § 3º. Para a lei brasileira</p><p>ser aplicada nestes casos faz-se necessário que satisfaça os requisitos previstos</p><p>no artigo 7º, § 2º, a, b e § 3º:</p><p>Para a aplicação do Princípio da Extraterritorialidade, são necessários os</p><p>seguintes princípios:</p><p>• Princípio da Nacionalidade ou Personalidade Ativa (art. 7º, II, b, CP): a lei do</p><p>Estado do autor do crime é aplicada em qualquer lugar em que o crime tenha</p><p>ocorrido, ou seja, a lei brasileira é aplicada em razão da nacionalidade do autor</p><p>do crime (sujeito ativo).</p><p>• Princípio da Nacionalidade ou Personalidade Passiva (art. 7º, § 3º, CP): a</p><p>lei brasileira é aplicada ao crime praticado por estrangeiro contra brasileiro.</p><p>Importa a nacionalidade do sujeito passivo.</p><p>• Princípio da Defesa Real ou Proteção (art. 7º, I, a, b, c): importa à nacionalidade</p><p>do bem jurídico. Aplica-se a lei brasileira ao crime cometido fora do Brasil, que</p><p>afete interesse nacional.</p><p>• Princípio da Justiça Universal ou da Universalidade da Justiça Cosmopolita (art.</p><p>7º, I, d, II, CP): Direito de todos os países em punir qualquer crime.</p><p>• Princípio da Representação (art. 7º, II, c, CP): a lei brasileira será aplicada aos</p><p>crimes cometidos no estrangeiro em aeronaves e embarcações privadas, desde</p><p>que não sejam julgados no local do crime.</p><p>54</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR</p><p>A fim de melhor fixar os conteúdos estudados, segue um breve texto</p><p>complementar para leitura e reflexão:</p><p>Com o início de 2017, resolvi que escreverei regularmente ensaios breves</p><p>e objetivos sobre a Parte Geral do Direito Penal, com base na obra escrita em</p><p>coautoria com o Prof. Leonardo Schmitt de Bem, publicada pela Editora Saraiva,</p><p>cuja segunda edição está a caminho (Lições Fundamentais de Direito Penal, Parte</p><p>Geral. São Paulo: Saraiva. 2016. 1056 págs.). A recepção que o livro obteve, perante</p><p>alunos e professores, de graduação e pós, além de citações em decisões judiciais,</p><p>inclusive no STF, estimulou-me a interagir mais com os leitores interessados</p><p>nos temas do Direito Penal. Para iniciar a série de ensaios, tratarei da função do</p><p>Direito Penal no Estado democrático de direito e, a partir daqui, tentarei esboçar</p><p>todos os tópicos da Parte Geral, que abrange a teoria da lei penal, a teoria do</p><p>delito e a teoria da pena.</p><p>Ao contrário do que muitos ensinam, a função do Direito Penal não é</p><p>promover a punição máxima a todo e qualquer infrator da lei. O ponto de partida</p><p>deste ensaio é o Direito Penal como controle social formal e instrumento mais</p><p>repressivo à disposição do Estado. Para que haja uma convivência harmônica entre</p><p>os membros de uma comunidade, há a necessidade de regras de comportamento.</p><p>Essas regras visam ao mínimo de respeito entre todos com o fim de evitar conflitos.</p><p>Num Estado democrático, tais regras devem preservar ao máximo a liberdade</p><p>das pessoas, que podem fazer o que bem entendem, desde que respeitados os</p><p>limites dos demais. Ou seja, se eu quiser fazer algo que não interfira em direito de</p><p>outrem, o Estado não deve se intrometer na minha liberdade.</p><p>Os instrumentos de controle social são os meios pelos quais essas regras</p><p>são estipuladas. Esse “controle” do comportamento das pessoas é realizado pela</p><p>imposição de regras mínimas, que emergem da família, da escola, do condomínio,</p><p>do trabalho, da igreja, entre outros. Em cada instância da vida há regras que devem</p><p>ser cumpridas. Quando o Estado é o responsável pelas regras – normalmente por</p><p>meio de leis – costuma-se dizer que há o exercício do controle social FORMAL.</p><p>Dentre os instrumentos de controle social formal, encontra-se o Direito Penal,</p><p>considerado o mais severo e repressor de todos. Ora, as leis penais estipulam</p><p>sanções que podem privar uma pessoa de sua liberdade e, em qualquer caso,</p><p>estigmatizar o condenado. Por mais branda que possa ser uma sanção penal (por</p><p>exemplo, a pena de multa ou a prestação de serviços à comunidade), o condenado</p><p>ficará estigmatizado como um “criminoso”, independentemente do dano</p><p>causado por seu comportamento. Em conclusão: quanto mais comportamentos</p><p>criminalizados, menor a liberdade das pessoas.</p><p>Diante das drásticas consequências pessoais do uso da lei penal, somente</p><p>poderá ser aceitável, no Estado democrático de direito, um Direito Penal MÍNIMO,</p><p>legítimo apenas quando houver um comportamento efetivamente perigoso</p><p>TÓPICO 3 | NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>55</p><p>ou lesivo a um interesse social relevante. Quer dizer, não se pode criminalizar</p><p>qualquer comportamento humano errado se este não for minimamente ofensivo</p><p>a um interesse social relevante. Por mais reprovável que seja uma conduta, se não</p><p>houver um mínimo de ofensividade, o conflito deverá ser resolvido por outros</p><p>meios de controle social. Nesse sentido, destacamos três princípios fundamentais</p><p>do Direito Penal: ofensividade,</p><p>subsidiariedade e proporcionalidade.</p><p>Segundo o princípio da ofensividade, só pode ser crime o comportamento</p><p>que represente um perigo efetivo ou um dano a um interesse social relevante,</p><p>doravante denominado BEM JURÍDICO. Condutas meramente imorais ou com</p><p>perigo pífio, bem como lesões insignificantes não podem ser criminalizadas.</p><p>Por exemplo, pensar em agredir uma pessoa não pode ser crime, pois o simples</p><p>pensamento é inofensivo; da mesma forma, um furto de pequeno valor também</p><p>é irrelevante. Em complemento, o princípio da subsidiariedade impõe o uso de</p><p>todos os demais meios de controle social antes de abrir mão do Direito Penal. Isto</p><p>é, o Estado só pode resolver conflitos quando não puder fazê-lo por outros meios.</p><p>Exemplificando: quando um cônjuge trai o outro, o problema entre eles deve ser</p><p>resolvido pelo Direito Civil, não pelo Direito Penal. Basta lembrar que, até 2005, o</p><p>adultério era considerado crime no Brasil, o que permitia ao Estado intrometer-se</p><p>indevidamente num problema restrito ao casal. Por fim, e sem esgotar todos os</p><p>princípios, as medidas de natureza criminal devem ser proporcionais ao perigo</p><p>ou ao dano causado ao bem jurídico. Deve haver relevância e adequação da norma</p><p>penal ao conflito no caso concreto. Quanto mais reprovável o comportamento</p><p>lesivo, maior deve ser a consequência penal. É por isso que alguns crimes permitem</p><p>a suspensão do processo, enquanto outros impõem penas mais rigorosas</p><p>Finalmente, resta-nos responder: qual a função do Direito Penal? Podemos</p><p>dizer que o Direito Penal tem uma função de proteção dos bens jurídicos mais</p><p>relevantes contra os ataques perigosos ou lesivos de terceiros. Se não houver um</p><p>bem jurídico a ser protegido, não poderá haver crime. Ademais, também é função</p><p>do Direito Penal limitar o poder punitivo do Estado. Em outras palavras, o Direito</p><p>Penal traça os limites da repressão penal, para evitar que o Estado seja arbitrário</p><p>e autoritário, impondo um padrão de comportamento contrário à vontade das</p><p>pessoas com a restrição da liberdade de agir.</p><p>MARTILELLI, João Paulo Orsini. A função do direito penal no estado democrático de direito: breves</p><p>palavras. Disponível em: <jpomartinelli.jusbrasil.com.br/artigos/417394319/a-funcao-do-direito-</p><p>penal-no-estado-democratico-de-direito-breves-palavras>. Acesso em: 1 abr. 2019.</p><p>56</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• As normas penais possuem natureza e características próprias das quais</p><p>decorrem consequências tanto para a tipificação da ação como para sanção.</p><p>• As leis penais devem ser interpretadas e aplicadas ao caso concreto de acordo</p><p>com a temporalidade, uma vez que predomina o princípio de que a lei que se</p><p>aplica é aquela vigente na época. Porém há particularidades de acordo com o</p><p>tempo de vigência da norma que devem ser consideradas.</p><p>• Como regra geral, as leis penais devem ser aplicadas aos crimes cometidos</p><p>no território nacional. Entretanto, há que se compreender o que é “território</p><p>nacional”, que é um sentido não apenas geográfico, mas político.</p><p>57</p><p>1 Considere as seguintes afirmações:</p><p>I- Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime.</p><p>II- Praticado um fato que, posteriormente, a lei defina como crime, o seu autor</p><p>pode ser punido se ainda não tiver ocorrido a prescrição.</p><p>III- Se o autor de um fato está respondendo a processo por contravenção penal e,</p><p>posteriormente, a lei venha a definir esse fato como crime, a denúncia pode</p><p>ser aditada para que o agente responda de acordo com a nova classificação.</p><p>IV- Mesmo que a lei nova deixe de incriminar certa conduta, antes definida</p><p>como crime, o réu continua a responder ao processo, porque quando</p><p>praticou o fato a lei assim o considerava.</p><p>a) ( ) Apenas a afirmação I está correta.</p><p>b) ( ) Apenas as afirmações I e III estão corretas.</p><p>c) ( ) Apenas a afirmação IV está correta.</p><p>d) ( ) Apenas as afirmações III e IV estão corretas.</p><p>2 João foi condenado a pena de 6 (seis) anos de reclusão, pena mínima prevista</p><p>para o delito que cometeu, em regime fechado. A sentença transitou em julgado.</p><p>Posteriormente entrou em vigor nova legislação que reduziu a pena mínima</p><p>para 4 (quatro) anos do delito praticado. Após o trânsito em julgado da sentença</p><p>e promulgação de lei nova mais benéfica, João foi preso e começou a cumprir a</p><p>pena privativa de liberdade. Neste caso, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) João tem direito à redução da pena que lhe foi imposta com fundamento</p><p>no novo mínimo estabelecido pela nova lei.</p><p>b) ( ) João não tem direito à redução da penal porque a nova lei entrou em</p><p>vigor após o trânsito em julgado da sentença condenatória.</p><p>c) ( ) João não tem direito à redução da pena em decorrência do princípio da</p><p>anterioridade, que determina a aplicação da lei penal à época do fato</p><p>delituoso.</p><p>d) ( ) Apenas seria possível a redução da pena se João estivesse preso já</p><p>cumprindo a pena ao tempo de entrada em vigor da nova lei mais benéfica.</p><p>3 Sobre a aplicação da lei penal, considere as seguintes afirmações:</p><p>I- A lei penal excepcional ou temporária não se aplica ao fato praticado</p><p>durante sua vigência.</p><p>II- Considera-se, para efeito da lei penal, o momento da ação ou omissão</p><p>criminosa, mesmo sendo outro o momento do resultado.</p><p>III- A lei penal brasileira não se aplica aos crimes contra o patrimônio da</p><p>União, Distrito Federal, Estados e Municípios se praticados no estrangeiro.</p><p>IV- Aplica-se a lei penal brasileira apenas a estrangeiros residentes ou</p><p>naturalizados.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>58</p><p>Escolha a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) Apenas a afirmação II está correta.</p><p>b) ( ) Apenas estão corretas as afirmações II e IV.</p><p>c) ( ) Apenas estão corretas as afirmações III e IV.</p><p>d) ( ) Apenas está correta a afirmação IV.</p><p>4 Considere a seguinte situação hipotética:</p><p>No dia 01/02/2015 Pedro foi preso em flagrante por estar comercializando cloreto</p><p>de etila (lança-perfume), substância considerada entorpecente por portaria</p><p>do Ministério da Saúde vigente na época. Ocorre que em 25/03/2015 houve a</p><p>publicação de nova portaria do Ministério da Saúde excluindo o cloreto de etila</p><p>como substância entorpecente. Posteriormente, em 24/04/2016 foi publicada nova</p><p>Portaria do Ministério da Saúde novamente incluindo a referida substância como</p><p>entorpecente.</p><p>Nesta situação é CORRETO afirmar que:</p><p>a) ( ) Ocorreu abolito criminis e Pedro deveria ter sido colocado em liberdade</p><p>em 25/03/2015.</p><p>b) ( ) Por ter sido retificada a portaria publicada em 25/03/2015, não há que se</p><p>falar em abolitio criminis.</p><p>c) ( ) Pedro deverá ser mantido preso para o cumprimento da pena, por se</p><p>tratar de crime contra a saúde pública, caso em que não se aplica o</p><p>princípio da retroatividade da lei mais benéfica.</p><p>d) ( ) Por se tratar de crime hediondo, não se admite o abolitio criminis.</p><p>59</p><p>UNIDADE 2</p><p>TEORIA DO CRIME</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>Esta unidade tem por objetivos:</p><p>• compreender o aspecto formal e material do crime: fato e teorias penais</p><p>da ação;</p><p>• identificar, conceituar e classificar os diferentes tipos de crime;</p><p>• compreender os sujeitos envolvidos com o crime;</p><p>• discutir os aspectos e elementos subjetivos do crime.</p><p>Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade</p><p>você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo</p><p>apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>TÓPICO 2 – SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>TÓPICO 3 – ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>TÓPICO 4 – DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO E ERRO</p><p>DE PROIBIÇÃO</p><p>60</p><p>61</p><p>TÓPICO 1</p><p>CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>A Teoria do Crime é o núcleo dogmático do direito penal e ponto de</p><p>partida para os juristas diante do caso concreto, tendo como finalidade identificar</p><p>se se está diante ou não de um fato criminoso.</p><p>As discussões acerca da Teoria do Crime têm sido sempre presentes</p><p>historicamente na construção da ciência penal, exatamente porque, o grande</p><p>desafio</p><p>DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 18</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 19</p><p>TÓPICO 2 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL ................................................................... 21</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 21</p><p>2 COMPREENDENDO PRINCÍPIOS E REGRAS ......................................................................... 21</p><p>3 AS DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS ................................................................. 23</p><p>3.1 DIFERENÇAS QUANTO À HIERARQUIA ............................................................................. 23</p><p>3.2 DIFERENÇAS QUANTO AO CONTEÚDO ............................................................................. 24</p><p>3.3 DIFERENÇA QUANTO À ESTRUTURA FORMAL ............................................................... 24</p><p>3.4 DIFERENÇA QUANTO À APLICAÇÃO ................................................................................. 25</p><p>3.5 DIFERENÇAS QUANTO AO IMPEDIMENTO DO RETROCESSO ..................................... 25</p><p>4 PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO PENAL ...................................................................... 26</p><p>4.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA ............................................................................ 27</p><p>4.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .............................................................................................. 29</p><p>4.3 O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE ....................................................................................... 31</p><p>5 PRINCÍPIOS DECORRENTES ....................................................................................................... 32</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 39</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 40</p><p>TÓPICO 3 – NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO ................................................................ 43</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 43</p><p>2 AS NORMAS PENAIS ...................................................................................................................... 43</p><p>3 CARACTERÍSTICAS DA NORMA PENAL ................................................................................ 46</p><p>3.1 LEI PENAL NO TEMPO .............................................................................................................. 47</p><p>3.1.1 Conflitos de Leis Penais no Tempo (Conflito Intertemporal) ........................................ 49</p><p>3.1.2 Eficácia das Leis Penais Temporárias e Excepcionais ..................................................... 49</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 54</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 56</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 57</p><p>sumário</p><p>VIII</p><p>UNIDADE 2 – TEORIA DO CRIME ................................................................................................. 59</p><p>TÓPICO 1 – CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS ................................................... 61</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 61</p><p>2 CONCEITO ......................................................................................................................................... 61</p><p>3 CONDUTA .......................................................................................................................................... 64</p><p>4 TEORIAS DA AÇÃO ........................................................................................................................ 67</p><p>4.1 TEORIA FINALISTA DA AÇÃO ................................................................................................ 69</p><p>4.2 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO ...................................................................................................... 70</p><p>5 AÇÃO E ILICITUDE ......................................................................................................................... 71</p><p>5.1 CONSCIÊNCIA E ILICITUDE .................................................................................................... 71</p><p>5.2 EMBRIAGUEZ ............................................................................................................................. 73</p><p>5.3 CULPABILIDADE DIMINUÍDA ................................................................................................ 74</p><p>5.4 INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ........................................................................ 75</p><p>5.5 ERRO DE PROIBIÇÃO ................................................................................................................ 76</p><p>5.6 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR ....................................................................................... 77</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 78</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 79</p><p>TÓPICO 2 – SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME .................................................................. 81</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 81</p><p>2 SUJEITOS DA CONDUTA TÍPICA ............................................................................................... 81</p><p>2.1 OBJETO DO CRIME ..................................................................................................................... 83</p><p>2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ............................................................................................... 84</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 93</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 94</p><p>TÓPICO 3 – ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA................................... 97</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 97</p><p>2 DO CRIME DOLOSO ....................................................................................................................... 97</p><p>2.1 AS TEORIAS SOBRE O DOLO ................................................................................................... 99</p><p>2.2 ESPÉCIES DE DOLO .................................................................................................................... 100</p><p>2.3 DO CRIME CULPOSO ................................................................................................................. 102</p><p>2.4 A PREVISIBILIDADE ................................................................................................................... 104</p><p>2.5 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA CULPA: IMPRUDÊNCIA,</p><p>NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA ................................................................................................... 106</p><p>2.6 ESPÉCIES DE CULPA .................................................................................................................. 106</p><p>3 CRIME QUALIFICADO PELO</p><p>é identificar, na prática, os elementos presentes no caso concreto a fim de</p><p>concluir, sem sombra de dúvida, se há configuração de delito ou não.</p><p>Por outras palavras, para a afirmação que determinada se conduta é ou</p><p>não crime, há que identificar e compreender o conceito de crime, os sujeitos e</p><p>tipos do crime bem como os aspectos subjetivos do crime.</p><p>Nessa unidade serão discutidos os conceitos essenciais na configuração</p><p>de delito.</p><p>2 CONCEITO</p><p>“Crime” é um fenômeno que pode ser conceituado desde distintas</p><p>concepções e categorias uma vez que crime, criminalidade e criminalização são</p><p>questões complexas. Entretanto, no âmbito do estudo do Direito Penal, “crime” é</p><p>um conceito jurídico e definido desde diferentes categorias conceituais:</p><p>• Conceito material: é a categoria ou conceito que se ocupa com a essência</p><p>do fenômeno, compreendendo os elementos necessários e relevantes da</p><p>conduta a fim de identificar e caracterizar ou não a relevância sócio jurídica do</p><p>comportamento a fim de classificá-lo como criminoso.</p><p>Desde tal conceito define-se crime como:</p><p>Toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente</p><p>definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens</p><p>jurídicos considerados fundamentais para a paz e convívio social (LENZA,</p><p>2012, p. 265, grifos nossos). Por outras palavras, trata-se de uma conduta</p><p>antijurídica, contrária ao justo, que lesa um bem juridicamente protegido.</p><p>• Conceito formal: busca definir crime desde as consequências jurídicas</p><p>cominadas. É o indicador técnico operacional que permite identificar o ilícito</p><p>penal dentro do ordenamento jurídico.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>62</p><p>Exemplificando: Compare os seguintes dispositivos legais</p><p>Art. 389 do Código Civil:</p><p>Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização</p><p>monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.</p><p>Art. 129 do Código Penal:</p><p>Ofender a integridade corporal ou saúde de outrem:</p><p>Pena: detenção, de três meses a um ano.</p><p>Observe que no art. 389 do CC – inadimplemento contratual – não há a</p><p>previsão de sanção, de pena. Portanto, o inadimplemento contratual não pode</p><p>ser considerado crime, porque não é uma conduta definida em lei como crime,</p><p>embora sendo relevante juridicamente no campo civil e não criminal.</p><p>Já o art. 129 do CP – lesão corporal – prevê sanção para a conduta, portanto,</p><p>é uma conduta definida em lei como crime, porque além de lesar um bem jurídico</p><p>relevante – integridade física – é definida em lei como conduta criminosa.</p><p>Desde tal conceito vamos compreendendo porque crime é um fato típico.</p><p>Fato Típico é a conduta humana que se “molda” perfeitamente aos</p><p>elementos previsto na lei penal. Portanto, a característica de um crime é ser um</p><p>fato típico. Ação ou omissão descrita na lei penal.</p><p>A tipicidade é o trabalho do jurista que analisa a conduta em suas</p><p>múltiplas faces de modo a verificar, com absoluta certeza a relação fiel, perfeita</p><p>e absoluta entre a conduta e o tipo penal existente. Esse raciocínio é o que se</p><p>chama “relação de tipicidade”.</p><p>• Conceito analítico: preocupa-se em identificar, ordenar e sistematizar os</p><p>elementos e a estrutura do crime, de forma a permitir a aplicação técnica e</p><p>racional do Direito Penal. Portanto, o conceito analítico permite qualificar uma</p><p>conduta humana como crime considerando se a ação ou omissão é típica,</p><p>antijurídica e culpável.</p><p>Partindo do conceito analítico, chega-se a uma das máximas do Direito</p><p>Penal: crime é uma ação ou omissão humana, típica antijurídica e culpável.</p><p>Observe que os conceitos se complementam. O crime considerado tão somente</p><p>como ação ou omissão (conduta) proibida por lei, sob a qual incide uma sanção</p><p>(conceito formal) é insuficiente, uma vez que restaria em aberto o elemento</p><p>valorativo. O conceito material que define crime como ação ou omissão que</p><p>contraria valores ou interesses do grupo social e exige sua proibição com ameaça</p><p>de punição vem a complementar o conceito formal.</p><p>Entretanto, é desde o conceito sistemático do delito, aquele que divide</p><p>a conduta em seus elementos buscando identificar se possuem, em conjunto,</p><p>características essenciais do crime, é o que possibilita ao jurista concluir de forma</p><p>inequívoca acerca da tipicidade da conduta.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>63</p><p>Desde os conceitos formal, material e analítico, pode-se identificar os</p><p>elementos essenciais de uma conduta criminosa respondendo as seguintes</p><p>indagações diante do fato:</p><p>1- A conduta é humana?</p><p>2- A conduta identifica-se de maneira inequívoca com algum tipo penal?</p><p>3- A conduta é antijurídica ou possui alguma justificação admitida pelo Direito</p><p>Penal (como, por exemplo, legítima defesa ou qualquer outra excludente de</p><p>culpabilidade)?</p><p>4- O autor, pessoa que cometeu o crime, possui plena capacidade de entender o</p><p>que fez ou está fazendo? Tem capacidade de se autodeterminar? (É imputável?)</p><p>Caso todas as respostas sejam afirmativas, ou seja, se o fato é típico, a</p><p>conduta é antijurídica e o autor culpável se estará diante de um crime.</p><p>Síntese</p><p>Crime é um fato típico – comportamento humano que se molda perfeitamente</p><p>e sem dúvida aos elementos do modelo previsto na lei penal.</p><p>Portanto, a primeira característica do crime é ser um fato típico, des crito, como</p><p>tal, numa lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a</p><p>um modelo de fato contido numa norma penal incriminadora. Ou seja, se há</p><p>nexo de causalidade.</p><p>Antijurídico – conduta que fere o valor social protegido juridicamente. A</p><p>antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o</p><p>ordenamento jurídico.</p><p>Nem todo fato típico é antijurídico. Ex.: “matar alguém” (art. 121 CP) é</p><p>fato típico. Entretanto, não será antijurídico se o agente praticar a conduta</p><p>em estado de necessidade, em legítima defesa etc. Portanto, não há, nessas</p><p>hipóteses, crime.</p><p>A legítima defesa ocorre quando seu autor pratica um fato típico, previsto em</p><p>lei como crime, para repelir a injusta agressão de outrem a um bem jurídico</p><p>seu ou de terceiro. Tal agressão deve ser proveniente de ato humano, caso</p><p>contrário, poderá se caracterizar como estado de necessidade. E, assim como</p><p>no estado de necessidade, a legítima defesa também pressupõe uma agressão</p><p>atual ou iminente (prestes a ocorrer).</p><p>Culpável – a culpabilidade é a relação entre a vontade do agente e a vontade</p><p>da norma. Não é característica, aspecto ou elemento do crime, e sim condição</p><p>para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta.</p><p>Para que se possa afirmar que determinado acontecimento da vida é um crime,</p><p>deve debruçar-se sobre o fato e suas circunstâncias, analisando-o, decompô-</p><p>lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre</p><p>o fato e o tipo existe relação de adequação exata, fiel, perfeita, completa,</p><p>total e absoluta. Se é justificável ou não, sob o ponto de vista jurídico. E,</p><p>finalmente, se é culpável.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>64</p><p>3 CONDUTA</p><p>A conduta – ação ou omissão – é um elemento essencial sob o aspecto</p><p>objetivo do delito. São excluídos do âmbito da conduta os movimentos chamados</p><p>de “reflexos” uma vez que estão fora do domínio da vontade do sujeito. São</p><p>movimentos que independem do impulso psíquico – do “querer”, da “vontade”</p><p>–, a exemplo de quem, por sofrer uma convulsão danifica coisa alheia não pratica</p><p>crime. Portanto, a conduta criminalmente relevante é a que possui o elemento</p><p>volitivo. Também devem ser excluídas as condutas ou movimentos executados</p><p>sob coação exterior, irresistível e absoluta. A ação ou omissão praticada sob</p><p>coação irresistível e absoluta não é conduta penalmente relevante.</p><p>Quem pratica ação ou omissão através de coação a qual não pôde resistir</p><p>não pratica conduta típica. O ato não é seu, mas do coator. Ao contrário, a coação</p><p>moral não ilide a conduta porque, embora com a vontade viciada, há a conduta.</p><p>Para o Direito Penal, os elementos que devem compor a conduta são:</p><p>•</p><p>Exteriorização do pensamento: através de um movimento corpóreo ou</p><p>abstenção indevida de um movimento. Isso significa que o direito penal não</p><p>pune o pensamento ou mera cogitação por mais imoral, reprovável, que</p><p>seja. Cogitationis poenam nemo patitur – ninguém pode sofrer pena pelo</p><p>pensamento.</p><p>• Consciência: apenas entram na esfera da ilicitude penal os atos conscientes. Se</p><p>a conduta é praticada sem a consciência do que se faz, o ato não é ilícito.</p><p>• Voluntariedade: a conduta deve refletir um ato voluntário, isto é, produto de</p><p>uma vontade consciente. Como já visto, os atos “reflexos” ou coação moral</p><p>irresistível são penalmente irrelevantes.</p><p>Deve-se entender como “conduta”, o comportamento consubstanciado no</p><p>verbo núcleo do tipo penal. Ex.: “matar” (art. 121 CP), “sequestrar” (art. 148 CP)</p><p>etc. Conforme o núcleo do tipo penal, a conduta pode ser composta por um só ato</p><p>ou de vários (esses são os chamados atos plurissibsistentes). Ex.: “matar” é uma</p><p>conduta que pode ser exercida por uma única conduta – um disparo de arma</p><p>de fogo, por exemplo – ou por várias, como inúmeros golpes com instrumento</p><p>contundente na cabeça da vítima até produzir traumatismo fatal.</p><p>Há crimes que só podem ser praticados por meio de um único ato. Por</p><p>exemplo, a injúria verbal (art. 140 CP). Esses são os crimes unisubsistentes ou</p><p>monossubsistentes que são os crimes que não admitem a forma tentada.</p><p>As formas de condutas são duas: ação e omissão. Ação é a conduta positiva</p><p>e se manifesta através de um movimento corpóreo facere). A maioria dos tipos</p><p>penais descreve condutas positivas. São as chamadas condutas comissivas, por</p><p>serem proibitivas. É o caso, por exemplo, do homicídio (CP, art. 121), furto (CP,</p><p>art. 155), roubo (CP, art. 157), apropriação indébita (CP, art. 168), estelionato</p><p>(CP, art. 171), estupro (CP, art. 213), ato obsceno (CP, art. 233) etc.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>65</p><p>Omissão é a conduta negativa, a que consiste na abstenção de um</p><p>movimento (non facere). Nos crimes omissivos, há na norma penal mandamento</p><p>imperativo, como por exemplo, o art. 135 do CP (crime de omissão de socorro):</p><p>Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança</p><p>abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e</p><p>iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:</p><p>Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Há normas de condutas comissivas e omissivas: as condutas comissivas são</p><p>as que não atendem a preceitos proibitivos (a norma mandava não fazer e o agente fez), as</p><p>condutas omissivas não atendem a mandamentos imperativos (a norma mandava agir e o</p><p>agente se omitiu).</p><p>Da conduta omissiva – omissão penalmente relevante</p><p>Como já deve ter concluído, a conduta humana não se limita apenas ao</p><p>exercício de uma atividade final positiva (o fazer), mas também na sua omissão.</p><p>A omissão é uma forma independente de conduta humana, regida pela vontade</p><p>dirigida a um fim. A norma jurídica sempre protege determinado bem jurídico e</p><p>quando impõe a realização de uma conduta positiva, a omissão dessa imposição</p><p>legal produz lesão à norma e ao bem jurídico protegido, configurando-se, assim,</p><p>uma conduta omissiva.</p><p>As formas de condutas omissivas são:</p><p>• Crimes omissivos próprios: quando inexiste o dever jurídico de agir. Nesses</p><p>casos, há ausência de um segundo elemento da omissão, que é a norma impondo</p><p>o que deveria ser feito. Havendo a inexistência do quod debeatur – quem deve –,</p><p>aquele que tem a obrigação, a omissão perde relevância causal e o omitente –</p><p>aquele que pratica a omissão – apenas praticará crime se houver tipo incriminador</p><p>descrevendo a omissão como infração formal ou de mera conduta. Exemplo: o</p><p>art. 269 do CP: “deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja</p><p>notificação é compulsória. Pena: detenção, de 6 meses a dois anos, e multa”. Em</p><p>resumo, os crimes omissivos próprios são os que exigem uma atividade do agente,</p><p>no sentido de salvaguardar um bem jurídico e sendo desconsiderado por omissão</p><p>produz o ajuste da conduta omissiva à situação tipificada. São também chamados</p><p>de crimes de mera conduta, porque o tipo penal sequer faz referência ao resultado</p><p>naturalístico. Basta tão somente que o sujeito tenha se omitido indevidamente,</p><p>independentemente de qualquer modificação da realidade exterior.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>66</p><p>• Crimes omissivos impróprios: são também denominados comissivos por</p><p>omissão. São os que o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez</p><p>o que deveria ter feito. Nesse caso, há uma norma penal que prevê o que o</p><p>omitente deveria fazer, e, por essa razão, a omissão tem relevância causal.</p><p>Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples</p><p>conduta, mas pelo resultado produzido, exceto se a ele não puder ser imputado</p><p>dolo ou culpa. Exemplo: Art. 135 do CP: “Deixar de prestar assistência, quando</p><p>possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à</p><p>pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou</p><p>não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de</p><p>um a seis meses, ou multa”.</p><p>• Crime omissivo por comissão: embora parte da doutrina não reconheça</p><p>esse tipo de crime, deve-se mencioná-lo. Nesse tipo de crime, há uma ação</p><p>provocadora da omissão. Exemplo: o professor em sala de aula impede que</p><p>um aluno, que está passando mal, seja socorrido. Se ele morrer, o professor</p><p>responderá pela morte por crime omissivo por comissão.</p><p>• Participação por omissão: ocorre quando o omitente, tendo o dever jurídico</p><p>de evitar o resultado, concorre para ele ao quedar-se inerte. Nesse caso,</p><p>responderá como partícipe. Quando não existe o dever de agir não se fala em</p><p>participação por omissão, mas em conivência (crime silenti) ou participação</p><p>negativa, hipótese em que o omitente não responde pelo resultado, mas por</p><p>sua mera omissão (CP, art. 135).</p><p>Síntese: a maior parte dos doutrinadores consideram como requisitos da</p><p>omissão analisar se o omitente tinha poder, nas circunstâncias, para executar a</p><p>ação exigida, considerando os seguintes requisitos:</p><p>• conhecimento da situação típica;</p><p>• consciência, por parte do omitente, de seu poder de ação para a execução da</p><p>ação omitida;</p><p>• Possibilidade real, física, de levar a efeito a ação exigida.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Se o obrigado não estiver em condições de na situação levar a efeito essa tarefa,</p><p>poderá servir-se de um terceiro, também obrigado, ou não, a cumpri-la. Na presença de tais</p><p>circunstâncias, verifica-se, então que o omitente tinha a real possibilidade de agir, ou seja,</p><p>poder para executar a ação exigida, e não o fez, caracterizando-se, assim, a conduta omissiva.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>67</p><p>Crimes de conduta mista</p><p>São crimes de conduta mista aqueles em que o tipo penal descreve</p><p>uma conduta inicialmente positiva, mas a consumação se dá com uma omissão</p><p>posterior. Por exemplo (art. 169 CP) “Art. 169 – Apropriar-se alguém de coisa</p><p>alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza: Pena –</p><p>detenção, de um mês a um ano, ou multa”.</p><p>Observe que inicialmente a conduta é positiva, a coisa veio a seu poder</p><p>por erro, porém, o agente apropria-se como sua. Portanto, a consumação deu-se</p><p>por sua omissão em não entregar a coisa a quem de direito pertencia.</p><p>4 TEORIAS DA AÇÃO</p><p>Você já deve ter concluído que a conduta é a condição necessária para a</p><p>existência de um crime, como afirma o conhecido adágio jurídico: Nullum Crimen</p><p>Sine Actione – nulo é o crime sem uma ação.</p><p>A conduta humana é a pedra angular da Teoria do Crime. É com</p><p>base nela que se formulam todos juízos que compõem o conceito de</p><p>crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. A tipicidade é a</p><p>adequação da conduta com a norma; a antijuridicidade é o juízo de</p><p>reprovação da conduta, e a culpabilidade é o juízo de reprovação sobre</p><p>o autor da conduta (BRANDÃO, 2010, p.</p><p>135).</p><p>Nas concepções herdadas do século XIX, anteriores à concepção causal-</p><p>naturalista, não se considerava a conduta humana isoladamente como crime. Não se</p><p>encontra manual ou doutrinador que se dedicava à análise da conduta separadamente.</p><p>É possível que não havia preocupação com a conduta em si por ser considerado algo</p><p>muito óbvio, não sendo esta categoria considerada isolada, uma vez que o crime era</p><p>concebido de maneira estática e a análise se centrava no resultado posterior.</p><p>Nessa fase, o importante era o mero aspecto formal. Ou seja, o importante</p><p>era definir se o agente era ou não responsável pela superveniência de um</p><p>acontecimento contrário à lei. Predominava, portanto, a Teoria da Imputação</p><p>Objetiva. Trata-se de uma concepção que tem os primeiros conceitos elaborados</p><p>desde o pensador Hegel. Até que em 1970, Claus Roxin aperfeiçoa tal Teoria,</p><p>dando-lhe os contornos atuais.</p><p>A Teoria da Imputação tem por finalidade analisar o tipo objetivo,</p><p>estabelecendo-se uma relação de causalidade meramente formal. É uma condição</p><p>mínima a ela agregando-se outras de forma a verificar se o resultado pode ou não</p><p>ser imputado ao autor, porém, com o desenvolvimento do direito penal e de seus</p><p>princípios, essa concepção foi sendo abandonada e superada, agregando-se outros</p><p>elementos, quais sejam: a antijuridicidade e a qualidade culposa ou dolosa da ação.</p><p>Embora sejam várias as Teorias da Ação, no âmbito do presente estudo</p><p>serão destacadas apenas três: Teoria Causal ou Naturalista da Ação, Teoria</p><p>Finalista da Ação e Teoria Social da Ação.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>68</p><p>DICAS</p><p>Você poderá estudar outras teorias em diversos sites. Sugere-se o seguinte:</p><p><https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/631/r148-05.pdf?sequence=4>.</p><p>“Teorias da Conduta no Direito Penal” de Cláudio Brandão.</p><p>Teoria causal-naturalista da ação</p><p>No século XIX, já com o Estado Constitucional alemão e consolidação</p><p>do Estado de Direito, Franz von Liszt (1851-1919), professor de direito penal, foi</p><p>pioneiro na transposição dos métodos e conceitos do positivismo científico para o</p><p>direito penal. Sua contribuição foi de elaborar uma nova concepção de prevenção,</p><p>remodelando o direito penal alemão.</p><p>Segundo Liszt o direito penal deve sempre orientar-se segundo o fim,</p><p>o objetivo a que se destina e deve ter uma utilidade, um efeito útil. Dentre as</p><p>inúmeras contribuições de Liszt, contribui para a elaboração da teoria causal-</p><p>naturalista da teoria do delito. Como produto da concepção positivista que</p><p>colocava em xeque todas as ciências humanas e culturais, dentre as quais o direito</p><p>penal, o crime, e por via de consequência, a conduta, passa a ser reduzida à mera</p><p>causalidade (relação efeito-causa).</p><p>O pioneiro no conceito de conduta na perspectiva do causalismo foi Franz</p><p>von Liszt, para quem:</p><p>Ação é […] o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança</p><p>do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade</p><p>não há ação, não há injusto, não há crime: cogitationis poenam nemo</p><p>patitur. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma</p><p>mudança operada no mundo exterior, sem um resultado. Destarte são</p><p>dados dois elementos de que se compõe a ideia de ação e, portanto,</p><p>a de crime: ato de vontade e resultado. A estes dois elementos deve</p><p>se acrescer a relação necessária, para que eles formem um todo, a</p><p>referência do resultado ao ato (LISZT, 2003, p. 217-218).</p><p>Isto é, para tal concepção, a conduta humana era definida como um</p><p>movimento corporal voluntário que figurava como causa de um efeito, consistente</p><p>na modificação no mundo exterior, ou resultado naturalístico. Mais tarde,</p><p>o próprio Liszt (2003, p. 205) complementa essa ideia, definindo a ação como</p><p>“conduta voluntária no mundo exterior; causa voluntária ou não impediente de</p><p>uma modificação no mundo exterior”. Portanto, inclui o conceito de omissão.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>69</p><p>Para a Teoria causal ou naturalista a ação é produzida por movimentos</p><p>musculares produzidos por impulso cerebral, provocando alteração no</p><p>mundo exterior.</p><p>A ação seria mera exteriorização do pensamento que modifica a realidade exterior.</p><p>Para tal Teoria não importa a essência da ação para o fim da responsabilização</p><p>penal, mas sim a possibilidade de atribuir a essa ação um resultado cujo</p><p>desvalor se sobrepõe ao da ação.</p><p>FONTE: LENZA, Pedro. Direito penal esquematizado. Parte Geral. São Paulo: Ed. Saraiva,</p><p>2012, p. 299.</p><p>4.1 TEORIA FINALISTA DA AÇÃO</p><p>A Teoria Finalista da Ação foi elaborada pelo alemão Hans Welzel,</p><p>principalmente em sua obra Studien zur System des Strafrechts (Estudos para</p><p>o Sistema de Direito Penal), publicada em 1939. Em sua teoria, Welzel buscava</p><p>romper com o direito penal nazista, buscando revalorizar o caráter ético-social</p><p>do direito penal.</p><p>Considerava ser necessário modificar a própria dogmática penal, através</p><p>do estabelecimento de limites, “estruturas lógico-objetivas”, ao legislador. A</p><p>conduta humana, como pedra angular do conceito analítico de crime, seria a mais</p><p>importante dessas estruturas, de maneira que essa nova visão realista demandava</p><p>sua reelaboração conceitual.</p><p>Na visão finalista, o direito penal, em relação ao seu objeto “conduta”,</p><p>realiza, a valoração negativa de um ato, não alterando o objeto, mas fornecendo</p><p>dados ao intérprete para compreendê-la como crime.</p><p>A concepção finalista distingue-se da causalista porque nesta se utiliza a</p><p>ideia de ato de vontade, já na finalista se considera o ato de conhecimento, que</p><p>para Zaffaroni (2015, p. 409) “é o que se limita a fornecer dados ao observador,</p><p>sem alterar o objeto enquanto ‘matéria de mundo’. Esta distinção é válida dentro</p><p>de uma teoria realista do conhecimento, que parte da base de que o objeto existe</p><p>fora de nós e antes de nosso conhecimento”.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Saiba mais:</p><p>Para a Teoria Finalista a ação é a conduta humana consciente e voluntária dirigida para uma</p><p>finalidade. Para tal teoria ação e finalidade são conceitos inseparáveis e por essa razão o ser</p><p>humano é conhecedor das causas que podem desencadear um processo que dirige um</p><p>comportamento que sempre busca atingir um fim.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>70</p><p>Para doutrinadores essa Teoria tem consequências. A primeira delas</p><p>é relacionada à estrutura do delito, uma vez que quando se afirma que a ação</p><p>humana tem seu fundamento na vontade dirigida a um fim, quer-se dizer, na</p><p>verdade, que o dolo, como elemento subjetivo, é integrante da ação.</p><p>O dolo e a culpa passam, portanto, a estar inclusos na tipicidade. Em assim</p><p>sendo, funde-se a noção de tipo complexo, composto de tipo objetivo (a adequação</p><p>da conduta à norma) e tipo subjetivo. Portanto, há um desvalor – valoração negativa</p><p>– pessoal do agente que se manifesta pelo dolo de tipo ou pela culpa.</p><p>4.2 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO</p><p>A Teoria Social da Ação tem sua origem em 1932, a partir de Eberhard</p><p>Schmidt, que buscou inserir uma nova visão ao conceito causalista, libertando-o</p><p>do excessivo positivismo. Essa teoria possui várias vertentes, que ora prestam a</p><p>defender o finalismo, ora defendem o causalismo.</p><p>A ideia central é buscar a síntese da relação entre o comportamento humano</p><p>e o mundo circundante, compreendendo que toda ação é um comportamento</p><p>socialmente relevante. Essa noção de relevância social da conduta humana é a</p><p>“pedra angular” encontrada nas mais variadas vertentes.</p><p>Em síntese, essa teoria foi concebida buscando superar o conceito finalista</p><p>agregando um elemento relevante e até então inexistente ao conceito da ação, qual</p><p>seja, a relevância social. Tal concepção não encontrou muitos adeptos exatamente pelo</p><p>receio de que, por exemplo, os costumes sociais possam se sobrepor a uma lei penal.</p><p>SÍNTESE:</p><p>• Teoria causal ou naturalista – conduta é a ação humana voluntária que</p><p>produz modificação no mundo exterior, um resultado previsto em lei</p><p>como infração penal, independente de dolo ou culpa.</p><p>• Teoria finalista – conduta é um comportamento humano voluntário</p><p>dirigido para um fim.</p><p>• Teoria</p><p>da ação social – conduta é o comportamento humano voluntário,</p><p>socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Saiba mais:</p><p>A Teoria Social da Ação entende que a ação é a conduta positiva socialmente relevante, que</p><p>pode ser dominada pela vontade e dirigida a uma finalidade.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>71</p><p>5 AÇÃO E ILICITUDE</p><p>Para a Teoria do Delito um elemento relevante é a consciência por parte</p><p>do agente da antijuridicidade de sua conduta, de sua ação ou omissão. Como</p><p>já discutido em nossos estudos, a ilicitude da conduta é decorrente também da</p><p>reprovação moral e ética por parte do grupo social, o que confere maior ou menor</p><p>grau de lesão a bens jurídicos tutelados.</p><p>Entretanto, a definição ou precisão de “consciência” do agir do indivíduo</p><p>não é uma questão simples para o Direito em geral e o Penal em particular. É uma</p><p>tarefa árdua para o intérprete do Direito diante do caso concreto adequar o fato,</p><p>circunstâncias e conduta do agente à previsão normativa.</p><p>Compreender o ilícito é o elemento essencial para a criminalização da conduta,</p><p>a fim de ser verificada a possibilidade de putabilidade ou imputabilidade do infrator.</p><p>A seguir será realizado um breve estudo acerca dessa temática a fim de</p><p>melhor esclarecer o significado de “consciência de ilicitude”.</p><p>5.1 CONSCIÊNCIA E ILICITUDE</p><p>Compreender o ilícito é pré-requisito necessário para um fato da realidade</p><p>seja considerado crime, tal qual está disposto nos artigos 21 e 26 do CP. Sendo a</p><p>ilicitude uma valoração, lembra Zaffaroni (2015) que, para fins legais, exige-se a</p><p>consciência da ilicitude do fato. Portanto, há que se estar atento às circunstâncias</p><p>pessoais e sociais que incidem diretamente sobre a compreensão do ilícito.</p><p>Por outras palavras, “O grau de esforço que o sujeito devia ter feito para</p><p>internalizar os valores jurídicos e motivar-se neles é inverso ao grau de exigibilidade</p><p>e, em consequência, ao de reprovabilidade” (ZAFFARONI, 2015, p. 332).</p><p>Em assim, o “conhecer” ou mesmo a “possibilidade de conhecer” a</p><p>antijuridicidade de um ato é elemento suficiente para se estabelecer a culpabilidade,</p><p>não sendo necessário que se tenha conhecimento acerca da penalização.</p><p>Desde tal pressuposto tem-se o conceito de imputabilidade que é,</p><p>na esfera penal, a capacidade de culpabilidade definida por exclusão dos</p><p>elementos que a legislação penal considera como fonte de inimputabilidade e</p><p>previsto no art. 26 do CP:</p><p>É isento de pena o agente que, por doença mental ou</p><p>desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao</p><p>tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender</p><p>o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse</p><p>entendimento (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>Redução de pena</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>72</p><p>Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois</p><p>terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental</p><p>ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não</p><p>era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou</p><p>de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação</p><p>dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>Menores de dezoito anos</p><p>IMPORTANTE</p><p>Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, uma vez que mesmo o</p><p>sujeito inimputável responde por suas ações.</p><p>Os critérios de inimputabilidade ou culpabilidade diminuída são</p><p>considerados a partir de três bases:</p><p>• Biológica: responsabilidade condicionada à neurotipicidade.</p><p>• Psicológica: relacionada à capacidade do agente compreender a ilicitude do</p><p>fato e orientar sua ação a partir da apreciação.</p><p>• Biopsicológico: apenas se exclui a responsabilidade se a neuroatipicidade gera</p><p>consequências psicológicas, impedindo o entendimento ético-jurídico ou a</p><p>autodeterminação do agente no momento da ação.</p><p>A legislação penal brasileira opta por uma concepção biopsicológica para</p><p>a inimputabilidade, considerando o sistema puramente biológico para menores</p><p>de dezoito anos. Menores de idade, por presunção constitucional (art. 228 CF e</p><p>art. 27 CP), são considerados incapazes de culpabilidade, bastando a verificação</p><p>da idade para que seja excluída a culpabilidade.</p><p>Para Zaffaroni (2015) devem ser consideradas suas hipóteses de</p><p>inimputabilidade, que, em seu entender, estão contempladas no caput do</p><p>art. 26 do CP:</p><p>• Inexigibilidade de entendimento por incapacidade psíquica.</p><p>• Inexigibilidade de adequação da conduta à compreensão da antijuridicidade.</p><p>Para o referido penalista, ambas condições decorrentes da concepção</p><p>biopsicológica, à exemplo da psicopatia:</p><p>Se por psicopata consideramos a pessoa que tem uma atrofia absoluta</p><p>e irreversível de seu sentido ético, […] então ele não terá capacidade</p><p>para compreender a antijuridicidade de sua conduta […] [q]uem</p><p>possui uma incapacidade total para entender valores, embora os</p><p>conheça, não pode entender a ilicitude (ZAFFARONI, 2015. p. 135).</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>73</p><p>A legislação penal brasileira ainda considera no inciso I do art. 28 do CP</p><p>que não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão. Entende-se por</p><p>emoção a intensa perturbação afetiva, já por paixão temos o significado de estado</p><p>afetivo capaz de dificultar ou diminuir a capacidade do indivíduo de controle.</p><p>Deve-se estar atento a este inciso, no que tange à emoção, visto que,</p><p>é abordado em outros artigos do Código Penal. Ex.: quando o agente estiver</p><p>sob o domínio de violenta emoção (art. 121, § 1º, CP); ou sob a influência de</p><p>forte emoção (art. 65, III, c, CP). Entretanto, no caso do art. 121, § 1º se o agente</p><p>cometer crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta</p><p>provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Já no</p><p>art. 65, III, c, aponta que sob o a influência de violenta emoção a pena poderá ser</p><p>atenuada em razão da circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,</p><p>embora sem expressa previsão legal.</p><p>IMPORTANTE</p><p>A partir desta redação dada pelo Código Penal há a permissão de punição dos</p><p>chamados crimes passionais, que são aqueles motivados por intensa emoção ou paixão, até a</p><p>década de 1980 frequentemente alegados sobretudo em casos de assassinatos de mulheres.</p><p>DICAS</p><p>Sugere-se que você leia os julgados dos tribunais pátrios acerca do tema no site do TJ.</p><p>5.2 EMBRIAGUEZ</p><p>Estabelece a legislação penal:</p><p>Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:</p><p>Embriaguez</p><p>II- a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de</p><p>efeitos análogos (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>§ 1 º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,</p><p>proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou</p><p>da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato</p><p>ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Redação dada</p><p>pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>74</p><p>§ 2 º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,</p><p>por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não</p><p>possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de</p><p>entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com</p><p>esse entendimento (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>Embriaguez completa e acidental é causa excludente ou de diminuição</p><p>de responsabilidade penal, por impedir o agente de compreender a ilicitude</p><p>e/ou capacidade de orientação. Entretanto, o ébrio que se embriaga dolosa ou</p><p>culposamente tem sua vontade equiparada à vontade livre e consciente.</p><p>Observe que o que se discute, nesse caso, é a circunstância em que o agente</p><p>se encontra inimputável no momento da ação, abrangendo inclusive o momento</p><p>em que o agente era imputável quando deu início ao processo causal que levou à</p><p>ação ilícita e típica.</p><p>Modalidades de embriaguez:</p><p>• Não acidental: intencional ou culposa; não afasta a pena, seja completa ou</p><p>incompleta.</p><p>• Acidental: caso fortuito ou força maior; resulta em isenção de pena, quando</p><p>completa, ou redução, quando incompleta.</p><p>• Preordenada: agente se embriaga para praticar a conduta. É a actio libera in</p><p>causa por excelência, resultando em agravação de pena.</p><p>• Habitual ou patológica: resulta em inimputabilidade ou culpabilidade diminuída.</p><p>5.3 CULPABILIDADE DIMINUÍDA</p><p>Como já lembrado, estabelece o parágrafo único do art. 26 do CP: “pena</p><p>pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de</p><p>saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era</p><p>inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de</p><p>acordo com esse entendimento”.</p><p>Esse é um caso de previsão legal que cria uma espécie de “zona cinzenta”</p><p>entre a culpabilidade plena e a inimputabilidade, mas, na visão de Zaffaroni (2015),</p><p>não deve ser usada como justificativa para a adoção de medidas de segurança de</p><p>duração indeterminada. A adoção literal das medidas como descritas pelo art. 98</p><p>do CP resultaria, para o jurista argentino, em violação do princípio da legalidade;</p><p>uma vez que as medidas de segurança devem ser aplicadas quando limitadas por</p><p>uma interpretação restritiva baseada na Constituição e nos tratados internacionais</p><p>de Direitos Humanos.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>75</p><p>5.4 INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA</p><p>Um dos elementos relevantes para a formação da culpabilidade penal</p><p>é a exigibilidade de comportamento. Entretanto, prevê a legislação penal duas</p><p>circunstâncias explícitas de inexigibilidade de conduta diversa:</p><p>• Coação moral irresistível.</p><p>• Obediência hierárquica.</p><p>Para doutrinadores, inexigibilidade de conduta diversa não é uma causa</p><p>específica de inculpabilidade, mas sim a descrição de todo e qualquer fator que</p><p>exclua a culpabilidade, sendo relevante a análise das circunstâncias relativas ao</p><p>fato. Os casos que tipicamente chamados de “inexigibilidade de conduta diversa”</p><p>seriam, então, situações diversas que justificam a redução da autodeterminação,</p><p>mas embora sejam tratados legalmente como casos diferenciados, a evolução</p><p>doutrinária e positiva permite considerar “coação moral irresistível” como</p><p>categoria penal autônoma.</p><p>Coação Moral Irresistível é definida como a situação que atua sobre a</p><p>vontade do sujeito de forma a impor determinado comportamento e assim, há</p><p>redução do poder de escolha do agente. Observe que é caso distinto de coação</p><p>física irresistível, pois nesse caso subsiste à vontade, embora viciada.</p><p>Bitencourt (2018) considera estado de necessidade coativo como a situação</p><p>em que o agente é levado a um conflito de interesses em consequência da coação</p><p>irresistível de outra pessoa. Se, os bens jurídicos em conflito possuem valores</p><p>jurídicos distintos, a proteção do bem de maior valor é um fator de justificação,</p><p>mas, quando esse não é o caso, sustenta o autor, a ação seria exculpada e não</p><p>justificada. A culpabilidade só é excluída se a coação for de fato irresistível, o que</p><p>exige, nas palavras de Bitencourt, um mal efetivamente grave e iminente.</p><p>Obediência Hierárquica, prevista no art. 22 do CP, determina que</p><p>é eximido de pena o agente que atua em estrita obediência a ordem, não</p><p>manifestamente ilegal, de superior hierárquico.</p><p>A categoria “obediência hierárquica” é definida pela doutrina como uma</p><p>relação exclusivamente de direito público, o que excluiria a hierarquia privada.</p><p>Bitencourt (2018), entretanto, questiona tal conceito com base em dois aspectos:</p><p>• O efeito de inexigibilidade de conduta diversa resultante de ordens vindas de</p><p>um superior.</p><p>• O vício que as ordens, mesmo de um superior privado, introduzem na vontade</p><p>do agente.</p><p>Desde tal perspectiva, a interpretação de obediência hierárquica</p><p>introduz um elemento de responsabilidade penal objetiva incompatível com o</p><p>Estado Democrático de Direito, ao punir um agente motivado por uma vontade</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>76</p><p>não livre. Para a doutrina, em geral, a obediência, nessas circunstâncias,</p><p>caracterizaria um erro de proibição invencível, chamado por Damásio de Jesus,</p><p>destacado penalista brasileiro, de “obediência hierárquica putativa”.</p><p>Considera-se que não cumpridos os requisitos do artigo 22 do CP, é</p><p>possível que o agente seja eximido de culpa em circunstâncias bem específicas.</p><p>Porém, se um subordinado conhece a ilegalidade da ordem, mas se recusa em</p><p>cumpri-la resultaria em um mal igual ou maior ao acusado, a obediência à ordem</p><p>ilegal, por parte da doutrina, é vista como um caso de estado de necessidade,</p><p>restando afastada a culpabilidade quando o agente, por suas circunstâncias, não</p><p>teria como se precaver da ilegalidade da ordem.</p><p>Mesmo que não seja afastada a culpabilidade (ou a antijuridicidade) na</p><p>obediência de ordens, o art. 65, III, c, segunda parte, estabelece como atenuante</p><p>genérica o cumprimento de ordem de autoridade superior. Bitencourt (2018)</p><p>estabelece distinção importante entre os funcionários civis e militares: estes, ao</p><p>contrário daqueles, sequer podem questionar a legalidade de uma ordem, tendo</p><p>em vista o dever legal de obediência e a existência do crime de insubordinação no</p><p>Código Penal Militar. Assim, não sendo uma ordem manifestamente criminosa,</p><p>responde pelo crime eventualmente decorrente apenas o autor da ordem, desde</p><p>que ela seja cumprida dentro dos estritos limites.</p><p>5.5 ERRO DE PROIBIÇÃO</p><p>Erro de proibição se refere à antijuridicidade da conduta. Pode ser</p><p>invencível, quando a devida diligência, devido cuidado não seria suficiente para</p><p>que o agente compreendesse a antijuridicidade, ou vencível, em caso contrário.</p><p>O erro de proibição invencível elimina a culpabilidade, pois impede que</p><p>se possa exigir do agente a compreensão da antijuridicidade. O impedimento</p><p>pode ser decorrente da impossibilidade de conhecimento dessa antijuridicidade</p><p>ou, mesmo em casos de erro de compreensão, da impossibilidade de internalizar a</p><p>norma conhecida, o que impede/inibe a autodeterminação do sujeito.</p><p>Recorrendo a Zaffaroni (2015, p. 362):</p><p>O erro que afeta o conhecimento da antijuridicidade pode</p><p>ser direto quando recai sobre o conhecimento da norma proibitiva</p><p>(um sujeito ignora que trocar a fechadura de um imóvel para impedir</p><p>a entrada do legítimo possuidor é delito); ou indireto, quando recai</p><p>sobre a permissão da conduta. […] O erro de compreensão é aquele</p><p>que afeta a compreensão da antijuridicidade, mas não o conhecimento:</p><p>o indígena que masca coca desde criança e não pode internalizar a</p><p>norma que proíbe a sua posse.</p><p>Na legislação penal, o erro de proibição é previsto no art. 21, caput, do CP:</p><p>O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do</p><p>fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um</p><p>sexto a um terço (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS</p><p>77</p><p>Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se</p><p>omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível,</p><p>nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência (Redação dada pela</p><p>Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>Coação irresistível e obediência hierárquica (Redação dada pela Lei nº</p><p>7.209, de 11.7.1984).</p><p>No artigo supra, estabelece-se a isenção de pena para o erro inevitável e a</p><p>diminuição para erros evitáveis.</p><p>5.6 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR</p><p>“Fortuito” é o imprevisível, quando não, inevitável. É o que ocorre sem ser</p><p>esperado e por força estranha ao ser humano, não podendo, assim, ser impedido,</p><p>como por exemplo desastre ambiental ou mesmo um tsunami! Já “força maior”</p><p>há um resultado previsível, mas que o agente não pôde evitar.</p><p>Tanto caso fortuito como força maior são condições que estabelecem</p><p>limites negativos para a responsabilidade penal subjetiva, por constituírem</p><p>circunstâncias em que o agente não deve ser punido pelo resultado. Portanto,</p><p>como consequência, há a exclusão da conduta e o fato será atípico.</p><p>FIGURA 1 – CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR</p><p>FONTE: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/imagens-2015/</p><p>casofortuitoeforcamaior.jpg/@@images/aff09cd9-40b4-40a0-afd2-effa7a45f81f.jpeg>.</p><p>Acesso em: 2 abr. 2019.</p><p>CASO FORTUITO</p><p>E FORÇA MAIOR</p><p>SÃO EVENTOS IMPREVISÍVEIS</p><p>E INEVITÁVIES QUE NÃO</p><p>GERAM INDENIZAÇÃO</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>78</p><p>IMPORTANTE</p><p>Na esfera civil caso fortuito e força maior não geram indenizações. Na esfera</p><p>penal limitam a responsabilidade subjetiva.</p><p>79</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• “Crime” é um fenômeno que comporta distintas definições, porém na dimensão</p><p>jurídica, é um conceito específico.</p><p>• Um dos pressupostos necessários para a caracterização de crime é a conduta</p><p>do agente – ação ou omissão – ser penalmente relevante.</p><p>• Ao longo da história do Direito Penal um dos grandes esforços foi o de elaborar</p><p>uma teoria acerca da ação penal, cada qual estabelecendo pressupostos para</p><p>compreender objetivamente a ação delituosa.</p><p>• Para que uma conduta seja considerada criminosa há como pressuposto</p><p>necessário o agente ter consciência da ilicitude de seu agir. Nesse aspecto há</p><p>distintas variáveis a serem compreendidas diante do caso concreto a fim de ser</p><p>determinada a culpabilidade ou inimputabilidade do agente.</p><p>80</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>1 De forma majoritária, a doutrina e jurisprudência pátria, de acordo com o</p><p>conceito analítico, crime é definido como:</p><p>a) ( ) Fato típico e antijurídico.</p><p>b) ( ) Fato antijurídico e culpável.</p><p>c) ( ) Fato típico antijurídico e culpável.</p><p>d) ( ) Fato típico, antijurídico, culpável e punível.</p><p>2 Nexo de causalidade, elemento nuclear do conceito de crime, consiste</p><p>no “elo” entre a conduta e o resultado típico. Em relação à relação de</p><p>causalidade, assinale a afirmação CORRETA:</p><p>a) ( ) Não há crime sem resultado.</p><p>b) ( ) A omissão não pode ser causa de um resultado.</p><p>c) ( ) Fato típico e nexo de causalidade decorrem de caso fortuito.</p><p>d) ( ) A ocorrência de um crime independe do resultado.</p><p>3 Desde o princípio nullum crimen sine conducta, “crime” é uma conduta típica,</p><p>antijurídica e culpável. Considerando tal princípio, avalie as seguintes afirmações:</p><p>I- A conduta compreende o fato humano voluntário e o involuntário.</p><p>II- A conduta envolve a ação e a omissão, mas esta última apenas tem relevância</p><p>quando o omitente deveria e poderia agir para evitar o resultado.</p><p>III- As condutas atípicas possuem relevância para o Direito Penal.</p><p>IV- Apenas possui relevância penal as condutas voluntárias.</p><p>Analisando as assertivas acima, escolha a afirmação CORRETA.</p><p>a) ( ) As afirmações I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) A afirmação II e IV está correta.</p><p>c) ( ) As afirmações III e IV estão corretas.</p><p>d) ( ) As afirmações I, III e IV estão corretas.</p><p>4 São elementos do fato típico:</p><p>a) Conduta, resultado, relação de causalidade e tipicidade.</p><p>b) Conduta, resultado, relação de causalidade e culpabilidade.</p><p>c) Conduta, resultado, antijuridicidade e culpabilidade.</p><p>d) Conduta, resultado, nexo de causalidade e antijuridicidade.</p><p>81</p><p>TÓPICO 2</p><p>SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Após os estudos realizados você já deve ter concluído que, apesar da</p><p>complexidade do fenômeno “crime”, é possível afirmar que formalmente é</p><p>definido como fato típico, antijurídico e culpável. Em síntese, “crime” é a conduta</p><p>valorada juridicamente à qual, como consequência, é imputada uma sanção.</p><p>Para além da mera definição formal, há que se compreender os elementos</p><p>nucleares e definidores do crime: sujeito e objeto. Considera-se sujeito ativo o</p><p>autor da infração penal, discutindo-se a possibilidade de pessoa jurídica poder</p><p>configurar no polo ativo da ação penal. É o ente ou pessoa a quem é imputada a</p><p>sanção decorrente do ilícito praticado.</p><p>Já o sujeito passivo é o ente ou pessoa sobre a qual recai as consequências</p><p>do ato infracional. Você verá que há delitos em que, obrigatoriamente, há uma</p><p>pluralidade de sujeitos passivos.</p><p>O objeto do crime é o bem jurídico, interesse ou valor protegido pela</p><p>norma penal, podendo ser coisa ou pessoa.</p><p>A seguir faremos uma análise um pouco mais detalhada acerca desses</p><p>elementos essenciais do crime, que possuem variações e especificidades a serem</p><p>melhor estudadas.</p><p>2 SUJEITOS DA CONDUTA TÍPICA</p><p>Como já estudado, o Direito Penal apenas pode dirigir seus comandos</p><p>ou normas legais ao ser humano, pois tão somente o homem é capaz de executar</p><p>ações dirigidas para um fim de maneira consciente. Portanto, o Direito Penal,</p><p>e por via de consequência, a norma penal, tem como um de seus elementos</p><p>estruturais a voluntariedade humana, por ser a conduta (ação ou omissão), no</p><p>sentido jurídico penal, exclusiva do ser humano.</p><p>A capacidade da ação, de culpabilidade, exige a presença de uma</p><p>vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que</p><p>somente o ser humano pode ter (BITENCOURT, 2018, p. 286).</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>82</p><p>Portanto, como regra geral, apenas pode ser sujeito ativo de uma conduta</p><p>típica o ser humano.</p><p>Há que se considerar que com o advento da Constituição Federal de 1988,</p><p>passou a considerar-se a responsabilidade penal de pessoa jurídica, particularmente</p><p>pelo disposto no art. 225, § 33º e Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998, que instituiu a</p><p>possibilidade de cometimento de crime ambiental por uma pessoa jurídica, porém</p><p>tratam-se de crimes específicos que não serão tratados no presente estudo.</p><p>Sujeito ativo ou agente é a pessoa definida da norma penal como</p><p>possível autora do ilícito penal que, via de regra, é a pessoa física, o sujeito que</p><p>realiza a ação ou omissão típica, nos delitos culposos ou dolosos, aquele que</p><p>pratica ação ou omissão prevista no tipo legal.</p><p>Sujeito ativo da conduta típica é a pessoa humana que pratica o fato</p><p>tipificado na lei penal, isolada ou conjuntamente com outros autores (coautoria).</p><p>Assim, o conceito de sujeito ativo não se limita apenas ao que pratica o núcleo da</p><p>figura típica (“o” que subtrai, “o” que furta, “o” que mata etc.,), mas também o(s)</p><p>partícipe(s) que contribui(em) de qualquer forma, objetiva ou subjetivamente,</p><p>com a consecução da ação delituosa.</p><p>Há delitos, como os crimes omissivos próprios e impróprios, em que o sujeito</p><p>ativo deverá ser qualificado, ocupar determinada condição ou qualidade, para</p><p>caracterizar-se como sujeito ativo. Ex.: ser funcionário público para praticar peculato;</p><p>ser mulher grávida para praticar o aborto. São os “crimes próprios” que se contrapõem</p><p>aos crimes comuns nos quais o sujeito ativo poderá ser qualificado ou não.</p><p>Sujeito passivo do crime – o ofendido ou vítima – é o titular direito do</p><p>bem jurídico tutelado – protegido – pela norma penal. Lembre-se de que o Estado</p><p>é o sujeito passivo em todo crime por ser o Direito Penal ramo do Direito Público,</p><p>sendo, portanto, sujeito passivo variável aquele sobre o qual recai materialmente</p><p>a ação ou omissão criminosa.</p><p>Em síntese:</p><p>Sujeito passivo constante (geral, genérico, formal, mediato ou indireto) é o</p><p>Estado, titular do jus puniendi.</p><p>Sujeito passivo variável (particular, material, acidental, eventual ou direto)</p><p>é a pessoa física (crimes contra a pessoa, por exemplo) ou jurídica (crimes</p><p>contra o patrimônio, por exemplo) vítima da lesão ou ameaça de lesão.</p><p>O sujeito passivo também pode ser indeterminado (coletividade – crimes</p><p>contra a saúde pública – e família, por exemplo).</p><p>Ainda podem ser sujeitos passivos o nascituro, o incapaz e o Estado</p><p>(crimes contra a administração pública, por exemplo). Apesar de ser atualmente</p><p>discutível, não podem ser sujeitos passivos, no âmbito criminal, o animal, a planta</p><p>e o ser inanimado.</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>83</p><p>2.1 OBJETO DO CRIME</p><p>Objeto jurídico do crime é o bem, valor ou interesse protegido pela norma</p><p>penal e utilizado para classificar o crime: a vida no homicídio; a integridade física</p><p>na lesão corporal; a dignidade sexual no crime de estupro; o patrimônio no crime</p><p>de furto; a honra no crime de injúria e/ou difamação etc.</p><p>Objeto jurídico do crime é um ente relevante penalmente cuja</p><p>titularidade pode ser individual e/ou coletiva e que deve ser protegido para</p><p>garantir a convivência social humana</p><p>harmonizada com os princípios gerais do</p><p>Direito e com a ordem constitucional do Estado Democrático de Direito.</p><p>Penalmente há a lesão de um bem jurídico quando ocorre uma relação de</p><p>causalidade entre a ação típica e o valor protegido pela norma penal.</p><p>Objeto jurídico genérico é o bem protegido no título da Lei Penal.</p><p>Objeto jurídico específico é o bem jurídico especificado em cada capítulo.</p><p>Objeto jurídico individual tem como titular o indivíduo.</p><p>Objeto jurídico transindividual é o que tem como titularidade o grupo ou a</p><p>coletividade.</p><p>Objeto material (substancial) do crime.</p><p>É a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a ação criminosa. É o objeto da</p><p>conduta criminosa. Trata-se do objeto real (da experiência) atingido diretamente</p><p>pela ação ou omissão do sujeito.</p><p>Por outras palavras, o objeto material ou da ação é o ser animado ou</p><p>inanimado – pessoa ou coisa (animal) – sobre o qual incide a ação do autor que</p><p>pratica uma conduta típica prevista pela norma penal e cuja descrição pertence</p><p>um resultado objetivo.</p><p>Objeto material é diferente de instrumento do crime (meio usado para o</p><p>crime) e de corpo de delito (vestígios deixados pelo crime).</p><p>Em alguns casos, o objeto material pode coincidir com o sujeito passivo</p><p>do crime (homicídio, por exemplo).</p><p>Há crimes nos quais não há objeto material como por exemplo o ato</p><p>obsceno (art. 223 CP).</p><p>IMPORTANTE</p><p>Objeto material do crime não se confunde com objeto jurídico do crime.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>84</p><p>2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES</p><p>Conhecer a classificação dos delitos é um tema essencial para o Direito</p><p>Penal por permitir compreender os distintos tipos penais e identificar os critérios</p><p>utilizados por doutrinadores e pela jurisprudência, embora com algumas</p><p>divergências. O objetivo principal é o de conhecer a classificação legal e doutrinária</p><p>das infrações penais.</p><p>Inicialmente há que se diferenciar crimes ou delitos de contravenções</p><p>(classificação bipartida adotada pelo direito penal brasileiro). Em geral, os juristas</p><p>brasileiros entendem que não há uma diferença qualitativa ou substancial entre</p><p>crime e contravenção, porém, contravenção é compreendida, em geral, como</p><p>crime menor, menos grave quando considerado o bem ou interesses jurídicos</p><p>violados pela conduta infracional.</p><p>Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) toda conduta tipificada</p><p>previamente na legislação penal como ilícitas é uma infração penal, que pode ser</p><p>de duas categorias: crime e contravenção, de acordo com a gravidade. Crimes</p><p>são considerados infrações penais mais graves, as contravenções são aquelas</p><p>classificadas como mais leves.</p><p>A principal diferença entre elas é justamente a duração das penas e a</p><p>possibilidade de punição por tentativa, que apenas cabe no caso dos crimes. Para</p><p>os crimes, a lei prevê prisão de reclusão ou detenção, que pode chegar a até 30 anos.</p><p>Eles podem ter natureza dolosa (com intenção) ou culposa (sem intenção). Para</p><p>este tipo de infração penal são previstos três tipos de pena: privativa de liberdade,</p><p>restritiva de direitos e multa. No caso das contravenções mais leves, a legislação</p><p>prevê duas punições: pena de prisão simples, que pode chegar no máximo a 5</p><p>anos e é cumprida sem rigor penitenciário, e multa.</p><p>Por exemplo: prática de jogo do bicho e direção perigosa de veículo são</p><p>exemplos de contravenção.</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>85</p><p>FIGURA 2 – CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL</p><p>FONTE: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/</p><p>imagem/2018/04/6e45685a7e113cde10481dbe6515a0f5.jpg>. Acesso em: 2 abr. 2019.</p><p>Crime</p><p>Mais grave</p><p>Punições:</p><p>• Pena privativa da liberdade</p><p>• Pena restritiva de direitos</p><p>• Multa</p><p>*Penas de até 30 anos</p><p>Exemplos:</p><p>Homicídio, latrocínio, roubo</p><p>Contravenção</p><p>Menos grave</p><p>Punições:</p><p>• Pena de prisão simples</p><p>• Multa</p><p>*Penas de, no máximo, 5 anos</p><p>Exemplos:</p><p>Jogo do bicho, direção perigosa de veículo</p><p>Outro ponto relevante é diferenciar a classificação doutrinária e legal dos</p><p>crimes.</p><p>• Qualificação legal: qualificação do fato é o nomen juris da infração; qualificação</p><p>da infração é o nome dado à prática do fato: crime ou contravenção.</p><p>• Qualificação doutrinária: é o nome dado ao crime pela doutrina, resultado de</p><p>um trabalho científico sobre o tema.</p><p>Feitas tais considerações, iniciaremos breve estudo acerca da classificação</p><p>dos crimes, considerando as concepções doutrinárias, particularmente dos</p><p>doutrinadores Damásio de Jesus, Magalhães Noronha e Mirabete, além do</p><p>entendimento jurisprudencial dominante.</p><p>Crimes comuns e crimes especiais</p><p>Crimes comuns são aqueles previstos pelo Direito Penal Comum. Já os</p><p>especiais são aqueles definidos no Direito Penal Especial.</p><p>Crime comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoa. Ex.:</p><p>homicídio, furto, estelionato etc.</p><p>Crime próprio é o que só pode ser cometido por determinada categoria de</p><p>pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal.</p><p>Os crimes próprios são os que podem exigir do sujeito uma particular condição</p><p>jurídica (acionista, funcionário público); profissional (comerciante, empregador,</p><p>empregado, médico, advogado); de parentesco (pai, mãe, filho); ou natural</p><p>(gestante, homem). Portanto, os crimes próprios são limitados ao “círculo”, ou</p><p>“âmbito” de atuação do autor. Os crimes próprios são chamados também de</p><p>crimes de mão própria ou de atuação pessoal porque apenas o autor, por sua</p><p>condição jurídica ou qualidade, poderá praticá-lo.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>86</p><p>Crimes de dano e de perigo</p><p>Damásio de Jesus (2016) define crime de dano os que só se consumam</p><p>com a efetiva lesão do bem jurídico e os crimes de perigo os que se consumam tão</p><p>só com a possibilidade do dano.</p><p>Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem</p><p>jurídico. Ex.: homicídio, lesões corporais etc.</p><p>Crimes de perigo são os que se consumam tão só com a possibilidade do dano. Ex.:</p><p>perigo de contágio venéreo (art. 130, caput); rixa (art. 137); incêndio (art. 250) etc.</p><p>O perigo pode ser:</p><p>a) presumido ou concreto.</p><p>b) individual ou comum (coletivo).</p><p>Perigo presumido (ou abstrato) é o considerado pela lei em face de determinado</p><p>comportamento positivo ou negativo. É a lei que o presume juris et de jure. Não</p><p>precisa ser provado. Resulta da própria ação ou omissão. Ex.: o fato de “deixar</p><p>de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança</p><p>abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida”, que se encontra</p><p>ao desamparo, constitui crime de omissão de socorro (art. 135).</p><p>O perigo é presumido. Decorre da simples inércia do sujeito. Perigo concreto</p><p>é o que precisa ser provado. Ex.: no art. 134 há a definição legal do crime de</p><p>exposição ou abandono de recém-nascido. O perigo, no caso, não é presumido,</p><p>mas, ao contrário, precisa ser investigado e comprovado.</p><p>Perigo individual é o que expõe ao risco de dano o interesse de uma só pessoa</p><p>ou de um limitado número de pessoas. É o resultado dos crimes contra a</p><p>incolumidade individual. Ex.: perigo de contágio venéreo (art. 130).</p><p>Perigo comum (ou coletivo) é o que expõe ao risco de dano interesses jurídicos</p><p>de um número indeterminado de pessoas. Constitui o resultado dos crimes</p><p>contra a incolumidade pública. Ex.: incêndio (art. 250). Perigo atual é o que</p><p>está ocorrendo, como no estado de necessidade (“Considera-se em estado de</p><p>necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual...” — art. 24).</p><p>Perigo iminente é o que está prestes a desencadear-se (o art. 132 do CP</p><p>emprega a expressão “perigo iminente”).</p><p>Perigo futuro (ou mediato) é o que, embora não existindo no presente, pode</p><p>advir em ocasião posterior.</p><p>FONTE: JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. Vol. 1. 32. ed. São Paulo: Ed. Saraiva,</p><p>2016, p. 229.</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>87</p><p>Em síntese, crime de dano apenas se consuma com a efetiva lesão ao</p><p>bem jurídico visado, por exemplo, lesão ao patrimônio, à integridade física</p><p>etc. Já os crimes de perigo, a ação delituosa se consuma com o mero perigo</p><p>criado potencialmente para</p><p>o bem jurídico protegido, os que se exaurem com a</p><p>probabilidade de dano.</p><p>Crimes materiais, crimes formais e crimes de mera conduta</p><p>Como já estudado, a ação delituosa tem como elemento o resultado.</p><p>Porém há que se distinguir o resultado em dois sentidos:</p><p>• Sentido naturalístico: quando o resultado é a modificação do mundo exterior</p><p>que tem como causa um agir ilícito humano.</p><p>• Sentido normativo: o resultado se identifica com a lesão ao interesse tutelado</p><p>pela norma (concepção jurídica). Para Damásio de Jesus (2016, p. 230) para a</p><p>concepção de resultado normativo não há crime sem resultado, uma vez que</p><p>todo delito produz dano ou perigo de dano a um bem jurídico que ou é causado</p><p>pela conduta, ou coincide cronologicamente com ela.</p><p>Crimes materiais ou de resultado descreve a conduta cujo resultado</p><p>integra o tipo penal, ou seja, para sua consumação é necessária a produção de</p><p>um dano efetivo. Portanto, são os crimes cujos elementos são a conduta humana</p><p>e a modificação da realidade exterior. A não ocorrência do resultado caracteriza a</p><p>tentativa. Nos crimes materiais ação e resultado são cronologicamente distintos,</p><p>como por exemplo, no caso de homicídio ou furto.</p><p>Crimes formais também descrevem um resultado, porém não necessita</p><p>verificar-se para ocorrer a consumação, bastando a ação do agente e a vontade de</p><p>concretizá-lo, configurando o dano potencial. Por exemplo os crimes de ameaça</p><p>ou injúria verbal. Nos crimes formais, considera-se que o legislador antecipa sua</p><p>consumação satisfazendo-se com a mera e simples ação do agente.</p><p>UNI</p><p>NOS CRIMES FORMAIS A CONSUMAÇÃO ANTECEDE OU É INDIFERENTE AO</p><p>EVENTUS DAMINI – RESULTADO DO DANO.</p><p>Crimes de mera conduta definem-se como os que a norma penal descreve</p><p>tão somente o comportamento do agente, sem a preocupação com o resultado,</p><p>como é o caso dos crimes de desobediência ou invasão de domicílio.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>88</p><p>Distinguem-se os crimes formais dos de mera conduta. Estes são sem</p><p>resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a</p><p>consumação a sua produção. No crime de mera conduta o legislador</p><p>só descreve o comportamento do agente. Ex.: violação de domicílio</p><p>(art. 150), desobediência (art. 330) e reingresso de estrangeiro expulso</p><p>(art. 338). No crime formal o tipo menciona o comportamento e o</p><p>resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Ex.:</p><p>crimes contra a honra, ameaça, divulgação de segredo, violação de</p><p>segredo profissional etc. No crime material o tipo menciona a conduta</p><p>e o evento, exigindo a sua produção para a consumação. Ex.: homicídio,</p><p>infanticídio, aborto, participação em suicídio, lesão corporal, furto,</p><p>roubo etc. (JESUS, 2016, p. 230).</p><p>Crimes instantâneos e permanentes</p><p>Como a própria expressão sugere, crimes instantâneos são os que se</p><p>exaurem, completam-se, em um só momento ocorrendo a consumação em um</p><p>único instante sem continuidade temporal. Como observado pela doutrina</p><p>e jurisprudência, brevidade não significa rapidez, mas, no caso de crimes</p><p>instantâneos, a consumação se realiza em um só instante.</p><p>Crimes permanentes são aqueles que o dano ou perigo se prolonga ao</p><p>longo do tempo. Se caracteriza pela circunstância de poder a consumação cessar</p><p>a qualquer momento por vontade do agente, “até quando quiser o sujeito”, como</p><p>diz a doutrina.</p><p>O crime permanente, portanto, apresenta duas fases:</p><p>• Fase de realização do fato descrito pela lei, de natureza comissiva;</p><p>• Fase de manutenção do estado danoso ou perigoso, de caráter omissivo.</p><p>Atente para a importante consideração de Damásio de Jesus (2016):</p><p>Ocorre, porém, que há muitos crimes permanentes que consistem em pura</p><p>omissão, pelo que não se pode falar em fase inicial comissiva.</p><p>Ex.: deixar de pôr em liberdade um louco restabelecido.</p><p>Por outro lado, a continuidade dessa situação pode dar-se através de ação,</p><p>como, p. ex., com atos de vigilância no sentido de impedir o agente a fuga da</p><p>vítima, de reiteração de ameaças etc.</p><p>O crime permanente pode atingir bens jurídicos materiais ou imateriais.</p><p>O crime permanente divide-se em:</p><p>a) crime necessariamente permanente;</p><p>b) crime eventualmente permanente.</p><p>No primeiro, a continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial a sua</p><p>configuração. Ex.: sequestro.</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>89</p><p>No segundo, a persistência da situação antijurídica não é indispensável e, se</p><p>ela se verifica, não dá lugar a vários crimes, mas a uma só conduta punível.</p><p>Ex.: usurpação de função pública (CP, art. 328).</p><p>No crime necessariamente permanente, o prolongamento da conduta está</p><p>contido na norma como elemento do crime. No eventualmente permanente, o</p><p>crime, tipicamente instantâneo, prolonga a sua consumação, como no exercício</p><p>abusivo de profissão.</p><p>Ao lado dos crimes instantâneos e permanentes há os instantâneos de efeitos</p><p>permanentes. São os crimes em que a permanência dos efeitos não depende</p><p>do agente.</p><p>Ex.: homicídio, furto, bigamia etc. São crimes instantâneos que se caracterizam</p><p>pela índole duradoura de suas consequências.</p><p>FONTE: JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte Geral. Vol. 1. 32. ed. São Paulo: Ed. Saraiva,</p><p>2016, p. 234.</p><p>Crime continuado</p><p>Define o art. 71 do CP:</p><p>Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois</p><p>ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,</p><p>maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser</p><p>havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só</p><p>dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em</p><p>qualquer caso, de um sexto a dois terços.</p><p>O crime continuado é definido pelo art. 71 do CP e se caracteriza por ser</p><p>uma espécie de “favor legal” ao infrator que comete vários delitos. Entretanto,</p><p>deverão ser cumpridas as condições do mencionado dispositivo legal, e em assim</p><p>sendo, por razões de política criminal, os fatos serão considerados como único.</p><p>Para ser reconhecida tal modalidade, é exigida uma pluralidade de</p><p>condutas sucessivas no tempo, que ocorrem de forma periódica e se constituem</p><p>em delitos da mesma espécie, ou seja, ofendem ao mesmo bem jurídico tutelado</p><p>pela norma. As condições de tempo, lugar, maneira ou outras semelhanças</p><p>permitem compreender que os posteriores seriam a continuação do primeiro.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>90</p><p>UNI</p><p>O parágrafo único destaca hipótese que a doutrina denomina como crime</p><p>continuado específico, na qual a prática de crime doloso, contra vítimas diferentes, cometidos</p><p>com violência ou grave ameaça à pessoa, autoriza o aumento da pena até o triplo, exigindo-</p><p>se, para tanto, que sejam consideradas a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a</p><p>personalidade do agente.</p><p>Algumas outras classificações relevantes</p><p>CRIMES PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS: Damásio de Jesus (2016, p. 236)</p><p>define crimes principais como aqueles que “existem independentemente</p><p>dos outros”. Crimes acessórios são aqueles que “pressupõem outros”. Como</p><p>exemplo, o mesmo autor cita o furto (principal) e receptação (acessório).</p><p>CRIMES CONDICIONADOS E INCONDICIONADOS: crimes</p><p>condicionados são os que têm a punibilidade condicionada a um fato</p><p>exterior e posterior à consumação. Incondicionados os que não subordinam a</p><p>punibilidade a tais fatos.</p><p>CRIMES SIMPLES E COMPLEXOS: crime simples é o que apresenta tipo penal</p><p>único. “Delito complexo é a fusão de dois ou mais tipos penais” (JESUS, 2016). São</p><p>simples os crimes em que o tipo é único e ofendem apenas um bem jurídico. São</p><p>complexos os crimes que encerram dois ou mais tipos em uma única descrição</p><p>legal (sentido estrito) ou os que, em uma figura típica, abrangem um tipo simples,</p><p>acrescido de fatos e circunstâncias que, em si, não são típicos sentido amplo.</p><p>CRIME PROGRESSIVO: segundo Damásio (2016, p. 239), o crime progressivo</p><p>ocorre quando “o sujeito, para alcançar a produção de um resultado mais</p><p>grave, passa por outro menos grave”.</p><p>DELITO PUTATIVO: o delito putativo ocorre quando “o agente considera</p><p>erroneamente que a conduta realizada por ele constitui</p><p>crime, quando, na</p><p>verdade, é um fato atípico. Só existe na imaginação do sujeito” (JESUS, 2016,</p><p>p. 239). Para Damásio de Jesus (2016) são três os tipos de delito putativo:</p><p>• delito putativo por erro de proibição: ocorre quando o agente supõe violar</p><p>uma norma penal que na verdade não existe. “Falta tipicidade a sua conduta,</p><p>pois o fato não é considerado crime” (JESUS, 2016, p. 239).</p><p>• delito putativo por erro de tipo: há a errônea suposição do agente e esta não</p><p>recai sobre a norma, mas sobre os elementos do crime. “O agente crê violar</p><p>uma norma realmente existente, mas à sua conduta faltam elementares de</p><p>tipo” (JESUS, 2016, p. 239).</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>91</p><p>• delito putativo por obra de agente provocador (crime de flagrante</p><p>provocado): “ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente</p><p>à prática de um crime, ao mesmo tempo que toma providências para que o</p><p>mesmo não se consuma” (JESUS, 2016, p. 239).</p><p>CRIME PROVOCADO: quando o agente é induzido à prática de um crime</p><p>por terceiro, muitas vezes policial, para que se efetue a prisão em flagrante.</p><p>Tem-se entendido que havendo flagrante por ter sido o agente provocado pela</p><p>Polícia, há crime impossível.</p><p>CRIME IMPOSSÍVEL: Descrito pelo art. 17 do Código Penal: “Não se pune a</p><p>tentativa, quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade</p><p>do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Este crime pressupõe que sejam</p><p>absolutas a ineficácia e a impropriedade. Quando o dispositivo se refere à</p><p>ineficácia absoluta do objeto, deve-se entender que o meio é inadequado,</p><p>inidôneo, ineficaz para que o sujeito possa obter o resultado pretendido.</p><p>CRIME CONSUMADO E TENTADO: Segundo o Código Penal, há o crime</p><p>consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal</p><p>(art.14, I)”. Portanto, o crime está consumado quando o tipo está inteiramente</p><p>realizado, ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo penal abstrato</p><p>descrito na lei penal.</p><p>Há o crime tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma, por</p><p>circunstâncias alheias à vontade do agente” (art. 14, II). A tentativa é a realização</p><p>incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei. Na tentativa há prática</p><p>do ato de execução, mas não chega o sujeito à consumação por circunstâncias</p><p>alheias a sua vontade.</p><p>CRIME FALHO: É a denominação que se dá à tentativa perfeita ou acabada,</p><p>em que o sujeito faz tudo quanto está ao seu alcance para consumar o crime,</p><p>mas o resultado não corre por circunstâncias alheias a sua vontade.</p><p>CRIMES UNISSUBSISTENTES E PLURISSUBSISTENTES: Ensina-nos</p><p>Damásio de Jesus (2016, p. 244): “crime unissubsistente é o que se realiza com um</p><p>só fato. Crime plurissubsistente é o que se perfaz com vários atos”. O primeiro</p><p>não admite tentativa (v.g.: injúria); o plurissubsistente sim (v.g. homicídio). No</p><p>crime unissubsistente “conduta é una”. O crime plurissubsistente “é composto</p><p>de vários atos, que integram a conduta, ou seja, existem fases que podem ser</p><p>separadas, fracionando-se o crime” (JESUS, 2016, p. 244).</p><p>CRIMES DE DUPLA SUBJETIVIDADE PASSIVA: “São crimes que têm,</p><p>em razão do tipo, dois sujeitos passivos” (JESUS, 2016, p. 244). Pode-se citar</p><p>como exemplo a violação de correspondência; os dois sujeitos passivos são o</p><p>destinatário e o remetente.</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>92</p><p>A classificação dada por Júlio Mirabete (2015) diverge da conceituada por</p><p>Damásio de Jesus. O exemplo citado acima, Mirabete (2015) classifica como crime</p><p>plurissubjetivo passivo. Segundo ele, este tipo de crime “demanda mais de um</p><p>sujeito passivo na infração” (MIRABETE, 2015, p. 242) (Mirabete fala ainda de</p><p>crimes unissubjetivos, “aquele que pode ser praticado por uma só pessoa”) e</p><p>crimes plurissubjetivos (“aquele que, por sua conceituação típica, exige dois ou</p><p>mais agentes para a prática da conduta criminosa” (MIRABETE, 2015, p. 242).</p><p>CRIME EXAURIDO: Damásio (2016, p. 244) define crime exaurido como “aquele</p><p>que depois de consumado atinge suas últimas consequências. Estas podem</p><p>constituir um indiferente penal ou condição de maior punibilidade”. Um crime é</p><p>exaurido quando “após a consumação, que ocorre quando estiverem preenchidos</p><p>no fato concreto o tipo objetivo, o agente o leva a consequências mais lesivas”.</p><p>CRIMES DE CONCURSO NECESSÁRIO: Segundo Damásio de Jesus (2016,</p><p>p. 245), crimes de concurso necessário “são os que exigem mais de um sujeito”.</p><p>O autor divide este tipo de crime em coletivos (os que têm como elementar o</p><p>concurso de várias pessoas-art. 288) e bilaterais (exigem o encontro de duas</p><p>pessoas, mesmo que uma não seja culpável).</p><p>CRIMES DOLOSOS, CULPOSOS E PRETERDOLOSOS: Há o crime doloso</p><p>“quando o sujeito quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (CP art.</p><p>18, I). Mirabete (2015) contribui para o entendimento deste tipo de crime ao</p><p>dizer que no crime doloso não devemos apenas analisar o objetivo que o agente</p><p>quis alcançar, mas também a conduta do autor. Esta conduta é dividida em</p><p>duas partes: interna e externa. Na interna, analisamos o pensamento do autor:</p><p>ele se propõe a um fim, prepara os meios para a execução deste fim e, por fim,</p><p>considera os efeitos do fim pretendido. A conduta externa é a exteriorização da</p><p>conduta, uma atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a</p><p>normal e usual capacidade humana de previsão (MIRABETE, 2015).</p><p>Há o crime culposo “quando o sujeito deu causa ao resultado por imprudência,</p><p>negligência ou imperícia” (CP art. 18, II). Nos crimes culposos não há a</p><p>preocupação com o fim da conduta; o que importa não é o fim do agente, mas</p><p>o modo e a forma imprópria com que atua.</p><p>Crime preterdoloso ou preterintencional “é aquele em que a ação causa um</p><p>resultado mais grave que o pretendido pelo agente” (CP art. 18, II).</p><p>É considerado crime misto aquele em que há uma conduta que é dolosa, por</p><p>dirigir-se a um fim típico, e que é culposa pela causação de outro resultado que</p><p>não era objeto do crime fundamental pela inobservância do cuidado objetivo.</p><p>Há no dolo no antecedente e culpa no consequente.</p><p>TÓPICO 2 | SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME</p><p>93</p><p>CRIMES SIMPLES, PRIVILEGIADOS E QUALIFICADOS: Seguindo o conceito</p><p>dado por Damásio de Jesus (2016, p. 236) crime simples “é o descrito em sua forma</p><p>fundamental. É a figura típica simples, que contém os elementos específicos do</p><p>delito”. Mirabete ainda completa essa definição ressaltando que em seu conteúdo</p><p>subjetivo não há “circunstância que aumente ou diminua sua gravidade”.</p><p>O crime é considerado qualificado quando o legislador, depois de descrever</p><p>a figura típica fundamental, agrega circunstâncias que aumentam a pena,</p><p>segundo Damásio de Jesus (2016). Há ainda os crimes chamados privilegiados.</p><p>Segundo a definição de Mirabete (2015, p. 260), estes “existem quando ao tipo</p><p>básico a lei acrescenta circunstância que o torna menos grave, diminuindo, em</p><p>consequência, suas sanções”.</p><p>CRIME SUBSIDIÁRIO: É a norma penal que tem natureza subsidiária em</p><p>relação a outra. Segundo Damásio (2016, p. 248), “a norma principal exclui a</p><p>aplicação da secundária”.</p><p>94</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• Sendo o crime, formalmente, a violação da norma penal, substancial ou</p><p>materialmente é a lesão a um bem por ela tutaldo. Em assim, sendo, há sempre</p><p>um sujeito passivo formal, que é o Estado, e é aquele que sofre a lesão ao bem</p><p>jurídico protegido, que é o sujeito passivo material. Já o sujeito ativo é o autor</p><p>do delito, podendo ser um ou mais sujeitos em coautoria.</p><p>• Objeto do delito é aquilo (bem ou interesse ou pessoa) contra o qual se dirige a</p><p>conduta humana delituosa.</p><p>• Há uma clara diferenciação entre crime e contravenções. Quanto aos crimes há</p><p>classificação de acordo com os elementos essenciais da norma penal, estrutura</p><p>e conteúdo, o que permite classificar o crime em diversas espécies.</p><p>95</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>1 Acerca do sujeito ativo e passivo da infração penal considere as seguintes</p><p>afirmações:</p><p>I- Dependendo das condições físicas ou psíquica nem todas</p><p>as pessoas</p><p>podem ser sujeito passivo do crime.</p><p>II- O sujeito passivo do crime não é o titular do bem jurídico ameaçado pela</p><p>conduta criminosa.</p><p>III- Sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta descrita em lei.</p><p>IV- A capacidade penal do sujeito ativo, o inimputável é o que não possui</p><p>capacidade penal.</p><p>Assinale a afirmação CORRETA:</p><p>a) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.</p><p>b) ( ) As afirmações III e IV estão corretas.</p><p>c) ( ) As afirmações I e II estão corretas.</p><p>d) ( ) As afirmações I, II e III estão corretas.</p><p>2 Sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta típica. Via de regra, o</p><p>sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, independentemente de condições ou</p><p>qualidades. Já o sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado</p><p>de lesão. Portanto, o sujeito passivo é sempre um sujeito determinado sobre</p><p>o qual recai a lesão praticada pelo sujeito ativo.</p><p>Tal afirmação está:</p><p>a) ( ) Correta.</p><p>b) ( ) Errada.</p><p>3 Considere a seguinte situação: Marcos, servidor público municipal, no</p><p>exercício de sua função, acabou por apropriar-se de uma quantia pertencente</p><p>aos cofres do município. Em assim agindo, violou o art. 312 do Código Penal</p><p>que tipifica o crime de peculato. É CORRETO afirmar que a Marcos pode ser</p><p>imputado um crime funcional próprio porque:</p><p>a) ( ) Praticou conduta que exige ter sujeito passivo em condição ou qualidade</p><p>especial.</p><p>b) ( ) A qualidade de funcionário público é o pressuposto à realização do crime.</p><p>c) ( ) O bem jurídico lesado é o erário público daí decorrendo sua particularidade.</p><p>d) ( ) Como crime funcional próprio é considerado crime comum porque</p><p>pode ter como sujeito passivo qualquer pessoa.</p><p>96</p><p>4 Acerca dos crimes instantâneos, considere as seguintes afirmações:</p><p>I- São aqueles cuja consumação se exaure em uma única conduta.</p><p>II- Produzem efeitos prolongados ao longo do tempo.</p><p>III- Não produzem efeitos prolongados no tempo.</p><p>IV- São os crimes cuja consumação exige qualidade especial do agente.</p><p>Assinale a assertiva CORRETA:</p><p>a) ( ) As afirmações I e III estão corretas.</p><p>b) ( ) As afirmações III e IV estão corretas.</p><p>c) ( ) As afirmações I, II e III estão corretas.</p><p>d) ( ) As afirmações III e IV estão corretas.</p><p>97</p><p>TÓPICO 3</p><p>ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO</p><p>E CULPA</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>A concepção psicológica, relevante para ser estabelecido o nexo – elo –</p><p>entre o fato e o agente, tem na culpabilidade seu elemento nuclear. Tal vínculo</p><p>apresenta-se sob a forma de culpa ou de dolo. Não basta tão somente a previsão</p><p>(elemento intelectivo) do agente se desacompanhada da vontade (elemento</p><p>volitivo), como também não basta a vontade se desacompanhada de previsão.</p><p>Pressuposto necessário da culpabilidade é a imputabilidade que é a</p><p>capacidade do agente entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de</p><p>acordo com esse entendimento (art. 26 do CP).</p><p>Como se pode facilmente concluir, a concepção psicológica acabou por quase</p><p>confundir-se com a normativa e, por essa razão, o elemento psicológico-normativo</p><p>da culpa passou a ser considerado como a soma de consciência e vontade para ser</p><p>atingido um fim previamente desejado que sabe, o agente, ser injusto.</p><p>São três os elementos da culpabilidade:</p><p>• A imputabilidade como pressupostos que possibilita ao agente saber que o</p><p>fato praticado é contrário ao dever.</p><p>• O elemento psicológico-normativo que estabelece o nexo entre a conduta e o</p><p>evento sob a forma de dolo ou culpa.</p><p>• A exigibilidade, nas circunstâncias concretas que rodeiam e condicionam o</p><p>fato, um agir conforme o dever.</p><p>Portanto, dolo e culpa são conceitos essenciais para o estudo do crime.</p><p>2 DO CRIME DOLOSO</p><p>Nas doutrinas clássicas dolo é definido como consciência – previsão</p><p>– e vontade do fato conhecido como contrário ao dever. O conceito de dolo</p><p>é pressuposto necessário para a definição de crime doloso. Para Fernando</p><p>Capez (2010, p.153) dolo “é a vontade e a consciência de realizar os elementos</p><p>constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa</p><p>humana de realizar a conduta”.</p><p>98</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>Como regra geral, os crimes são sempre dolosos. Porém, desde tal</p><p>afirmativa não se deve considerar como culpa o que, na realidade, é dolo e vice-</p><p>versa, uma vez que são distintas as punições para esses crimes.</p><p>Como preleciona Damásio E. de Jesus (2016, p. 290):</p><p>O dolo deve abranger os elementos da figura típica. Assim, para</p><p>que se possa dizer que o sujeito agiu dolosamente, é necessário</p><p>que seu elemento subjetivo tenha – se estendido às elementares e</p><p>às circunstâncias do delito. Toda figura típica contém uma série de</p><p>elementos que, relacionados com a conduta culpável do agente,</p><p>ensejam a aplicação da pena.</p><p>São dois os elementos que devemos considerar como</p><p>importantes: a vontade livre (elemento volitivo de realizar esse fato) e a</p><p>consciência (conhecimento do fato-que constitui a ação típica).</p><p>A vontade consiste na execução da ação típica. A consciência abrange a</p><p>ação e a omissão do agente, que é tipificada pela norma penal, compreendendo</p><p>assim o resultado. A doutrina penal entende que age dolosamente quem pratica</p><p>a ação consciente e voluntariamente. Nessa mesma linha de raciocínio, dolo é</p><p>a vontade e representação do resultado, mas, também é a consciência de agir</p><p>contrário ao dever ético-jurídico, compreendendo o agente que é a ação ilícita.</p><p>A modalidade culposa do tipo penal apenas ocorrerá quando houver</p><p>previsão legal, conforme entendimento do parágrafo único do atrigo 18 do</p><p>Código Penal que diz: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido</p><p>por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.</p><p>Portanto: o dolo é a regra e a culpa, exceção prevista em lei. No dizer de</p><p>Eugênio Raul Zaffaroni e J. Henrique Pierangeli (2015, p. 482): “O dolo é o elemento</p><p>formador (base) do tipo subjetivo e, frequentemente, o único componente do tipo</p><p>subjetivo nos casos em que o tipo não requer outros”.</p><p>Age dolosamente aquele que atua com conhecimento ou ciência de que</p><p>seu agir é ilícito ou antijurídico.</p><p>A teoria finalista da ação, o dolo é elemento subjetivo do tipo, que integra</p><p>a conduta omissiva ou comissiva, sendo que a ação ou omissão não constitui</p><p>simples forma natural de comportamento. É necessária a observância da meta, do</p><p>resultado, que o agente deseja obter da conduta, que é o fim descrito no próprio</p><p>tipo. Ainda, o estado de consciência do agente de que seu agir e o resultado são</p><p>descritas legalmente como ilícitas.</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>99</p><p>UNI</p><p>A Teoria Finalista da Ação, formulada na Alemanha por Hans Welzel na década</p><p>de 1930, tem como preceito fundamental o estudo do crime como atividade humana.</p><p>Para a Teoria Finalista, deve-se observar a intenção e a finalidade objetivada pelo autor para</p><p>que possa a conduta ser imputada a ele, contrapondo-se à Teoria Causalista ou Teoria Clássica.</p><p>A ação ou omissão combinada com o dolo ou com a culpa (resultado de não observância do</p><p>dever objetivo de cuidado) são para a Teoria Finalista da Ação os elementos para a composição</p><p>da conduta.</p><p>FONTE: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2148295/no-que-consiste-a-teoria-finalista-da-acao</p><p>-leandro-vilela-brambilla>. Acesso em: 3 abr. 2019.</p><p>Para os elementos objetivos ou descritivos, que compõem o tipo normal,</p><p>basta a vontade de realizar a conduta típica ou consentir voluntariamente que</p><p>esta se realize, ou seja, agir com dolo.</p><p>É necessário tão somente que o sujeito conheça os elementos objetivos</p><p>(verbo, sujeito passivo etc.). O tipo doloso implica sempre a produção de um</p><p>resultado, aliada à vontade de causá-lo; é a vontade consciente em realizar a</p><p>conduta descrita no tipo penal. Esta intenção de obter o resultado para o Código</p><p>Penal é o dolo, que ocorre ou quando o agente quer o resultado (dolo direto), ou</p><p>quando assume o risco de produzi-lo, (dolo eventual).</p><p>UNI</p><p>LEMBRE-SE: Elementos do tipo doloso:</p><p>a) ação voluntária e consciente;</p><p>b) resultado voluntário (ou</p><p>RESULTADO ............................................................................. 109</p><p>3.1 CRIME PRETERDOLOSO ........................................................................................................... 109</p><p>3.2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE ......................................................................... 110</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 112</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 113</p><p>TÓPICO 4 – DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO E</p><p>ERRO DE PROIBIÇÃO................................................................................................. 115</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 115</p><p>2 DISTINÇÃO ENTRE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO .......................................... 116</p><p>3 FORMAS DE ERRO DE TIPO ......................................................................................................... 117</p><p>3.1 ERRO DE TIPO ESSENCIAL ...................................................................................................... 118</p><p>3.2 ERRO DE TIPO ACIDENTAL .................................................................................................... 119</p><p>3.3 ERRO DE PROIBIÇÃO ................................................................................................................ 120</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 122</p><p>RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 124</p><p>AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 125</p><p>IX</p><p>UNIDADE 3 – ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS .......127</p><p>TÓPICO 1 – ANTIJURIDICIDADE ...................................................................................................129</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129</p><p>2 CONCEITO DE ANTIJURIDICIDADE ........................................................................................129</p><p>2.1 CLASSIFICAÇÃO ..........................................................................................................................131</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135</p><p>AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136</p><p>TÓPICO 2 – EXCLUDENTES DE ILICITUDE .................................................................................139</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................139</p><p>2 CONCEITO DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE .............................................................................139</p><p>2.1 EXCESSO PUNÍVEL ......................................................................................................................145</p><p>3 ESTADO DE NECESSIDADE ..........................................................................................................148</p><p>3.1 ATUALIDADE DO PERIGO ........................................................................................................148</p><p>3.2 INEVITABILIDADE DO PERIGO E INEVITABILIDADE DA LESÃO .................................149</p><p>3.3 INVOLUNTARIEDADE NA CAUSA DO PERIGO .................................................................149</p><p>3.4 INEXIGIBILIDADE DO SACRIFÍCIO DO BEM AMEAÇADO .............................................150</p><p>3.5 CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICADORA DA CONDUTA .............................150</p><p>4 EXCLUSÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE ...........................................................................151</p><p>5 LEGÍTIMA DEFESA...........................................................................................................................153</p><p>5.1 REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA ......................................................................................154</p><p>5.1.1 Agressão injusta, atual ou iminente ...................................................................................154</p><p>5.1.2 Moderação dos meios necessários ......................................................................................157</p><p>5.2 CLASSIFICAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA .............................................................................159</p><p>5.3 OFENDÍCULOS .............................................................................................................................161</p><p>6 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL ....161</p><p>6.1 INTERVENÇÕES MÉDICAS E CIRÚRGICAS ..........................................................................162</p><p>6.2 VIOLÊNCIA ESPORTIVA ............................................................................................................163</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................165</p><p>AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................166</p><p>TÓPICO 3 – CONCURSO DE PESSOAS ..........................................................................................167</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167</p><p>2 CONCEITO DE CONCURSO ..........................................................................................................167</p><p>3 TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS ........................................................................170</p><p>3.1 TEORIA MONISTA OU UNITÁRIA DA PARTICIPAÇÃO ................................................170</p><p>3.2 TEORIA DUALISTA ......................................................................................................................171</p><p>3.3 TEORIA PLURALISTA .................................................................................................................172</p><p>3.4 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ................................................172</p><p>4 ESPÉCIES DE PARTICIPAÇÃO ......................................................................................................174</p><p>5 REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS ...................................................................175</p><p>6 AUTORIA .............................................................................................................................................176</p><p>6.1 TEORIA UNITÁRIA ......................................................................................................................177</p><p>6.2 TEORIA RESTRITIVA ...................................................................................................................178</p><p>6.3 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO .............................................................................................178</p><p>6.4 TEORIA EXTENSIVA ....................................................................................................................178</p><p>7 AUTORIA MEDIATA ........................................................................................................................179</p><p>7.1 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES .................................................180</p><p>7.2 TIPOS DE AUTORIA .....................................................................................................................181</p><p>7.3 REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS .................................................................181</p><p>consentido, no dolo eventual);</p><p>c) consciência do nexo causal entre ação e resultado;</p><p>d) consciência dos elementos do tipo.</p><p>2.1 AS TEORIAS SOBRE O DOLO</p><p>São três as teorias sobre do dolo. Teoria da vontade, da representação e</p><p>do assentimento ou consentimento. Dessas três teorias, a teoria da vontade e a do</p><p>assentimento são norteadoras da figura do dolo no Código Penal, quais sejam, a teoria</p><p>da vontade, no dolo direto, e a teoria do assentimento, em relação ao dolo eventual.</p><p>100</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>• Teoria da vontade</p><p>Para a teoria da vontade o dolo é a vontade dirigida ao resultado, não de</p><p>violar a lei, mas de realizar a ação. Ou seja, quem realiza o fato deve conhecer os</p><p>atos e sua significação e o autor deve sempre estar disposto a produzir o resultado.</p><p>É importante que o agente tenha a consciência do fato e da mesma forma a</p><p>vontade de causar o resultado. Segundo Francesco Carrara (1887, p. 313), vontade “é</p><p>a intenção mais ou menos perfeita de praticar um fato que se sabe ser contrário à lei”.</p><p>• Teoria do assentimento ou consentimento</p><p>Tal concepção teórica, de maneira distinta da teoria da vontade, defende</p><p>que o dolo é, ao mesmo tempo, vontade e representação (previsão do resultado</p><p>como certo ou provável). Portanto, de acordo com esta teoria, o dolo é a vontade</p><p>que, mesmo não dirigida diretamente ao resultado possível ou provável, consente</p><p>na sua ocorrência (assume o risco de produzi-lo).</p><p>2.2 ESPÉCIES DE DOLO</p><p>A doutrina tem considerado diversas espécies de dolo. Entretanto,</p><p>considerando “dolo” como gênero, duas são as principais espécies:</p><p>• Dolo direto ou imediato: dá-se quando o agente quer produzir o resultado.</p><p>• Dolo indireto ou mediato: O dolo indireto é aquele em que a vontade do agente</p><p>não é exatamente definida, não se dirige a um resultado certo e determinado.</p><p>Formas do dolo indireto:</p><p>a) Dolo eventual (o agente não quer produzir o resultado, mas, com sua</p><p>conduta, assume o risco de fazê-lo).</p><p>b) Dolo alternativo (o agente quer produzir um ou outro resultado, como</p><p>matar ou ferir). Dolo eventual.</p><p>Dolo eventual se caracteriza sempre que o agente, embora não querendo</p><p>diretamente a realização do tipo, o aceite como possível ou mesmo como provável,</p><p>assumindo o risco da produção do resultado.</p><p>Entretanto, como salientam Zaffaroni e Pierangeli (2015, p. 487), o dolo</p><p>eventual não exige que a “previsão da causalidade ou da forma em que se</p><p>produza o resultado seja detalhada”, bastando somente que o resultado seja</p><p>possível ou provável.</p><p>O agente não deseja o resultado, pois se assim ocorresse, não seria dolo</p><p>eventual, e sim direto.</p><p>O agente prevê que é possível causar aquele resultado, mas a vontade de</p><p>agir é mais forte, que o compele e ele prefere assumir o risco a desistir da ação.</p><p>Não há uma aceitação do resultado em si, há a sua aceitação como probabilidade,</p><p>como possibilidade.</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>101</p><p>Na clássica lição de Damásio de Jesus em parecer emitido sobre o caso</p><p>do índio Pataxó queimado em Brasília no ano de 1997, situação que suscitou</p><p>enorme discussão. Afirmou Damásio: Entre desistir da conduta e poder causar o</p><p>resultado, este se mostra indiferente.</p><p>UNI</p><p>Essa afirmação foi feita pelo jurista no famoso caso ocorrido em Brasília na</p><p>madrugada posterior à comemoração pelo Dia do Índio, em 19 de abril de 1997, que chocou</p><p>todo o Brasil.</p><p>Por volta das 5h30 de domingo, à época, 20 de abril, cinco amigos deixavam o Centro</p><p>Comercial Gilberto Salomão com um carro Monza preto, após uma noitada. Na parada de</p><p>ônibus da 703 Sul, estacionaram o veículo para "brincar". No local, dormia o cacique da tribo</p><p>Pataxó Hã-hã-Hãe Galdino Jesus dos Santos, 44 anos.</p><p>O quinteto, que morava no Plano Piloto, era formado por Antônio Novely Vilanova, na época</p><p>com 19 anos, Max Rogério Alves, 19, Tomás Oliveira de Almeida, 19, Eron Chaves Oliveira, 18</p><p>e G.A.J., 17, estava munido com álcool e fósforos. Eles utilizaram o material para queimar vivo</p><p>o indígena, que visitava Brasília pela segunda vez.</p><p>O cacique foi transportado debilitado e, após laudo médico, constatou-se que ele teve 95%</p><p>do corpo consumido por queimaduras de 2º e 3º grau. Depois de um dia de luta, o índio não</p><p>resistiu e morreu no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Na segunda-feira seguinte, 22</p><p>de abril de 1997, Galdino faleceu por insuficiência renal, provocada pela desidratação de seu</p><p>corpo. O mau funcionamento dos rins afetou os demais órgãos.</p><p>O sepultamento de Galdino ocorreu na cidade baiana de Pau-Brasil. No peito, o cacique</p><p>carregou uma cruz vermelha, com a qual foi enterrado. Mesmo na hora do adeus, amigos da</p><p>tribo não deixaram a revolta de lado. "Eles nos chamam de selvagens, mas são uns verdadeiros</p><p>animais (sic), relatou ao Correio o cacique Wilson Pataxó, naquele ano de 1997.</p><p>FONTE:<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/04/20/interna_</p><p>cidadesdf,675182/morte-do-indio-galdino-em-brasilia-completa-21-anos-hoje.shtml>.</p><p>Acesso em: 16 abr. 2019.</p><p>Conforme o disposto no inc. I do art. 18 do CP: “Diz-se o crime doloso</p><p>quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. A segunda</p><p>parte do inciso trata do dolo eventual. Por outras palavras, caracteriza-se o crime</p><p>doloso quando o agente quer algo diverso e não um fim direto, mas, prevendo</p><p>que possa ocorrer o resulto o aceita.</p><p>Encontram-se, na jurisprudência e doutrina, casos de homicídios em que se</p><p>considera ter um réu agido como dolo eventual: desferir pauladas na vítima, a fim</p><p>de com um ela manter relações sexuais, estuprando-a em seguida e provocando-</p><p>lhe morte em consequência dos golpes desferidos; atirar em outrem para assustá-</p><p>lo; atropelar ciclista e, em vez de deter a marcha do veículo, acelerá-lo, visando</p><p>arremessar ao solo a vítima que caíra sobre o carro, praticar o militar a “roleta</p><p>russa”, acionando por vezes revólver carregado com um só cartucho e apontando-o</p><p>sucessivamente a cada um de seus subordinados, para experimentar a sorte deles.</p><p>102</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o</p><p>resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo, antevê o resultado, mas</p><p>age. A possibilidade de ocorrência do resultado não é motivo para deixar de</p><p>praticar a conduta.</p><p>O autor tem consciência da realização do tipo legal se praticar a conduta</p><p>e se conforma com isso. Embora não desejando o resultado age. Também age</p><p>com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de um dos elementos do</p><p>tipo, arrisca-se em concretizá-lo. Damásio E. de Jesus (2016, p. 291) exemplifica de</p><p>maneira a esclarecer a distinção entre dolo direito e dolo eventual:</p><p>O agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando</p><p>com outra pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode</p><p>também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade,</p><p>prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente que este</p><p>último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro.</p><p>Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora</p><p>não queira o evento.</p><p>Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por</p><p>dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o</p><p>segundo, a título de dolo eventual.</p><p>2.3 DO CRIME CULPOSO</p><p>“Culpa”, considerado como elemento do tipo, significa, penalmente, a</p><p>inobservância do dever de diligência, de cuidado objetivo. Na vida social há a</p><p>obrigação de não produzir danos a terceiros, sendo, portanto, típica a conduta</p><p>que não é de acordo com o que é de se esperar de alguém, em determinada</p><p>circunstância, dotado da capacidade de discernimento e prudência.</p><p>A conduta culposa é típica quando o agente, naquela circunstância, não</p><p>age com o cuidado necessário que é de se esperar do sujeito comum. Assim,</p><p>o elemento primeiro que se verifica a fim de verificar a tipicidade culposa é o</p><p>elemento objetivo: a conduta.</p><p>Culpa, em um primeiro momento, exige que se examine, desde um juízo</p><p>prévio de valor, qual seria o cuidado que se exige de uma pessoa</p><p>prudente e com</p><p>capacidade de discernimento diante de uma situação concreta. Desde tal exame</p><p>é que se verifica se ela está presente ou não, uma vez que há uma previsibilidade</p><p>objetiva para o agir social e pode-se comparar se o cuidado genérico esperado</p><p>coincide ou não com a conduta do sujeito, uma vez que há um dever genérico de</p><p>cuidado que se impõe a todo sujeito. Se ele não se conduziu da forma imposta</p><p>pelo dever de cuidado, o fato é típico.</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>103</p><p>FIGURA 3 – DOLO E CULPA</p><p>FONTE: <https://direitodetodos.com.br/wp-content/uploads/2013/07/Dolo-e-culpa-300x251.jpg>.</p><p>Acesso em: 3 abr. 2019.</p><p>Dolo é a conduta</p><p>voluntária e intencional de alguém</p><p>que, praticando ou deixando de praticar</p><p>uma ação, objetiva um resultado ilícito</p><p>ou causar dano a outrem.</p><p>Culpa é a conduta</p><p>voluntária, porém descuidada de um</p><p>agente, que causa um dano involuntário,</p><p>pervisível ou previsto, a outrém.</p><p>DIFERENÇAS</p><p>DOLO</p><p>CULPA</p><p>UNI</p><p>DOLO X CULPA:</p><p>Dolo é a conduta voluntária e intencional de alguém que, praticando ou deixando de praticar</p><p>uma ação, objetiva um resultado ilícito ou causar dano a outrem. O dolo exige a intenção de</p><p>praticar o ato, como este objetivar o resultado danoso.</p><p>Culpa é a conduta voluntária, porém descuidada de um agente, que causa um dano</p><p>involuntário, previsível ou previsto, a outrem. Na “culpa” o agente tem a vontade de praticar</p><p>o ato lícito, de acordo com as normas, mas não toma os cuidados adequados ao homem</p><p>médio (cuidados normais) e, por imprudência, negligência ou imperícia, provoca um dano,</p><p>que apesar de ser previsível, não era o seu desejo.</p><p>Portanto, dolo e culpa são condutas voluntárias, contudo, o “dolo” desde o início tem caráter</p><p>ilícito, pois o seu objetivo é causar um resultado contrário às normas, um dano; ao passo</p><p>que a “culpa” se inicia com uma conduta lícita e atinge um resultado ilícito sem a intenção</p><p>do agente.</p><p>No “dolo” o agente quer a ação e o resultado ilícito. Na “culpa” ele quer a ação, porém por</p><p>descuido, atinge o resultado danoso.</p><p>Resumindo, diz Damásio de Jesus (2016, p. 338):</p><p>Numa primeira fase, devemos examinar qual o cuidado exigível de</p><p>uma pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta</p><p>do sujeito. Encontraremos o cuidado objetivo necessário, fundado na</p><p>previsibilidade objetiva. Vamos comparar esse cuidado genérico com</p><p>a conduta do sujeito, i. e., a conduta imposta pelo dever genérico de</p><p>cuidado com o comportamento do sujeito. Se ele não se conduziu da</p><p>forma imposta pelo cuidado no tráfico o fato é típico.</p><p>104</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>São elementos do fato típico culposo:</p><p>• Conduta humana voluntária, de fazer ou não fazer.</p><p>• Inobservância do cuidado objetivo (imputação objetiva) manifestada na</p><p>imprudência, negligência ou imperícia.</p><p>• Previsibilidade objetiva.</p><p>• Ausência de previsão.</p><p>• Resultado involuntário.</p><p>• Nexo de causalidade.</p><p>• Imputação objetiva.</p><p>• Tipicidade.</p><p>Passaremos a seguir a analisar a culpabilidade, considerando que se há de</p><p>observar se o agente agiu na intenção de impedir o resultado segundo seu poder</p><p>individual, se constatou a diligência pessoal possível segundo suas próprias</p><p>aptidões. Caso assim não tenha feito se constata a reprobabilidade, levando à</p><p>culpabilidade, sendo a antijurdicidade resultado da tipicidade da conduta.</p><p>A doutrina conceitua crime culposo como a conduta voluntária (ação ou</p><p>omissão) que produz um resultado antijurídico, não querido, mas previsível (culpa</p><p>inconsciente), e excepcionalmente previsto (culpa consciente), que podia, com a devida</p><p>atenção, ser evitado. A culpa (em sentido estrito), como forma de culpabilidade, está</p><p>fundada na previsibilidade do resultado, tendo aí o elemento fundamental.</p><p>Embora a ação dos crimes culposos também contenha em si a vontade</p><p>dirigida a um fim, este está fora do tipo. Não há, no crime culposo, vontade</p><p>dirigida ao resultado, sendo a conduta típica culposa indicada de forma genérica.</p><p>Há crime culposo quando o agente, por meio de negligência, imprudência</p><p>ou imperícia, viola o dever de cuidado, atenção ou diligência a que estava</p><p>obrigado, e causa um resultado típico.</p><p>2.4 A PREVISIBILIDADE</p><p>A previsibilidade condiciona um dever de cuidado, já que aquele que não</p><p>pode prever não tem o dever de cuidado e não pode, assim, violá-lo. O agente,</p><p>portanto, deve prever o resultado segundo suas aptidões pessoais, na medida do</p><p>seu entendimento individual.</p><p>Para que haja a culpabilidade, é necessário que o resultado seja</p><p>previsível para o agente. Portanto, a condição mínima e primeira de culpa, em</p><p>sentido estrito, é a previsibilidade.</p><p>O tipo subjetivo culposo é composto por dois elementos: o aspecto</p><p>volitivo (vontade de realizar a conduta) e o aspecto cognoscitivo (possibilidade</p><p>de conhecer o perigo que a conduta cria para os bens jurídicos alheios e de prever</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>105</p><p>a possibilidade do resultado conforme esse conhecimento – previsibilidade).</p><p>Para que haja a culpabilidade, é necessário que o resultado seja previsível para o</p><p>agente. Damásio E. de Jesus (2016, p. 339) utiliza um bom exemplo para esclarecer</p><p>o que é a previsibilidade exigida pela lei:</p><p>Se alguém toma um carro com a finalidade de fazer uma longa viagem,</p><p>ele sabe que pode sofrer um acidente, mas não é essa a previsibilidade</p><p>de que trata a lei. Trata-se de uma previsibilidade atual, nas</p><p>circunstâncias do momento da realização da conduta. Se o sujeito foi</p><p>capaz de prever o resultado, desloca-se do campo da culpa para o dolo.</p><p>A previsibilidade dá-se na forma objetiva – quando se questiona</p><p>a possibilidade de se antever o resultado por uma pessoa prudente e de</p><p>discernimento – e subjetiva – quando questionada a possibilidade de resultado</p><p>considerando as aptidões pessoais do sujeito.</p><p>A previsibilidade objetiva é a possibilidade de qualquer pessoa, com</p><p>prudência mediana, ou homem comum ou médio, prever o resultado. Esclarece</p><p>Mirabete (2015, p. 144):</p><p>A rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos</p><p>pelo homem (inclusive de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas</p><p>do automóvel que está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa</p><p>previsibilidade em abstrato que se fala. Se não se interpreta o critério de</p><p>previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado</p><p>lesivo sempre seria atribuído ao causador. Não se pode confundir o dever</p><p>de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer,</p><p>com o poder de previsão. Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos</p><p>delitos culposos os resultados que estão fora de previsibilidade objetiva</p><p>de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só</p><p>teria sido evitado por pessoa extremamente prudente. Assim só é típica a</p><p>conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de</p><p>ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens.</p><p>Portanto, a previsibilidade objetiva é a possibilidade de ser antevisto</p><p>o resultado, nas condições em que o agente esteja vivenciando. Quando há</p><p>a possibilidade de ser antevisto qualquer fato, objetivamente é previsível o</p><p>resultado. Entretanto, como nem tudo pode ser previsível, exige-se que o homem</p><p>comum anteveja o que normalmente possa acontecer dentro das circunstâncias</p><p>que o rodeiam, devendo ser essa previsibilidade atual e presente no momento da</p><p>realização da conduta.</p><p>A previsibilidade subjetiva decorre do dever do agente, dadas suas</p><p>circunstâncias particulares, prever o resultado segundo suas aptidões pessoais,</p><p>na medida do seu entendimento individual. Aqui na previsibilidade subjetiva,</p><p>espera-se que o agente haja de modo a evitar que determinado fato possa vir</p><p>acontecer, segundo os seus conhecimentos particulares. Por outras palavras, se</p><p>exige a previsão do resultado, com base naquilo que o agente conhece. Para que</p><p>ocorra a previsibilidade subjetiva, é necessária a condição que ela ocorra de acordo</p><p>com a capacidade de previsão de cada indivíduo em sua particular condição.</p><p>106</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA</p><p>DO CRIME</p><p>2.5 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA CULPA:</p><p>IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA</p><p>As formas de culpa encontram-se descritas no art. 18, II do CP.</p><p>A culpa pode manifestar-se de distintas maneiras que demonstram a</p><p>inobservância, por parte do agente, do cuidado necessário. São elas: imprudência,</p><p>negligência e a imperícia.</p><p>• Imprudência: é a prática de um fato perigoso.</p><p>• Negligência: é a ausência de precaução, cuidado ou indiferença em relação ao</p><p>ato praticado.</p><p>• Imperícia: é a fata de aptidão para o exercício de uma atividade ou profissão.</p><p>FIGURA 4 – NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA</p><p>Negligência</p><p>Imperícia</p><p>Imprudência</p><p>Ato de se omitir, não fazer,</p><p>agir de forma desleixada,</p><p>desatenciosa.</p><p>Agir com ignorância, falta</p><p>de qualificação técnica,</p><p>teórica ou prática</p><p>Agir de forma diversa da</p><p>esperada, correta, sem</p><p>precaução, sem cautela</p><p>FONTE: <http://twixar.me/lwB1>. Acesso em: 3 abr. 2019.</p><p>2.6 ESPÉCIES DE CULPA</p><p>Como vimos, a culpa está relacionada à previsibilidade de um resultado</p><p>danoso e a vontade do agente na ocorrência deste, o que difere do crime doloso,</p><p>no qual o agente não apenas prevê o resultado danoso, como também o deseja,</p><p>tendo sua vontade dirigida para que se concretize.</p><p>Já compreendendo tal diferenciação e conceituação, passaremos a tratar,</p><p>brevemente, das espécies de culpa.</p><p>Culpa consciente</p><p>Na modalidade de culpa consciente, o resultado é previsto pelo agente</p><p>que não espera que ocorra ou que possa evitá-lo. É o que se denomina também</p><p>de culpa com previsão.</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>107</p><p>A previsão, por ser elemento do dolo, encontra-se excepcionalmente neste</p><p>tipo de culpa. O agente prevê o resultado, mas erroneamente acredita que este</p><p>não ocorra. A culpa consciente, ou culpa com representação, surge quando o</p><p>sujeito é capaz de prever o resultado, ele o prevê, porém não tem convicção de</p><p>sua produção; ele confia que sua ação conduzirá tão somente ao resultado que</p><p>pretende, o que só não ocorre por erro no cálculo ou erro na execução.</p><p>Para Bittencourt (2017, p. 250): “Há culpa consciente, também chamada</p><p>culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que</p><p>estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas confia convictamente que ele</p><p>não ocorra”.</p><p>Porém, a mera previsão do resultado, por si só, não caracteriza que o</p><p>agente agiu com culpa consciente; faz-se necessário que ele tenha possuído</p><p>também, ao momento da ação, a consciência acerca da infração ao dever de</p><p>cuidado. A principal característica é a confiança que o agente possui quanto à</p><p>inexistência do resultado desfavorável, não se devendo confundi-la com uma</p><p>mera expectativa em fatores aleatórios ou casuais.</p><p>Portanto, o agente, mesmo prevendo o resultado, não acredita que ocorra,</p><p>nem tampouco assume o risco de produzi-lo nem permanece indiferente a ele.</p><p>Apesar de prevê-lo, confia o agente que não ocorrerá.</p><p>O Código Penal brasileiro equipara a culpa consciente à inconsciente,</p><p>designando a mesma pena abstrata para ambos os casos.</p><p>Culpa inconsciente</p><p>Essa modalidade de culpa diz respeito às situações em que o agente deveria</p><p>agir com previsibilidade e não o faz, ocasionando um resultado que ele não desejava</p><p>e nem previu, quando deveria estar alerta. Ou seja, às situações em que o resultado</p><p>danoso ocorreu devido à imprudência, imperícia e negligência do agente.</p><p>Na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora</p><p>previsível. É a culpa comum, que se manifesta pela imprudência, negligência ou</p><p>imperícia.</p><p>Culpa própria e culpa imprópria</p><p>A culpa própria é aquela espécie de culpa também conhecida como</p><p>comum, em que o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. Aqui</p><p>o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo.</p><p>Na modalidade de culpa imprópria, também conhecida como culpa por</p><p>assimilação, por extensão ou por equiparação, o agente age com dolo nos erros</p><p>de caso vencível, nas descriminantes putativas, responde por um crime culposo.</p><p>108</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>Assim, em tais circunstâncias, o agente quer o resultado em razão de sua</p><p>vontade encontrar-se viciada por um erro que, com mais cuidado certamente</p><p>poderia ter sido evitada. Damásio de Jesus (2016, p. 344), exemplifica da seguinte</p><p>maneira a culpa imprópria:</p><p>Suponha-se que o sujeito seja vítima de crime de furto em sua residência</p><p>em dias seguidos. Em determinada noite, arma-se com um revólver</p><p>e se posta de atalaia, à espera do ladrão. Vendo penetrar um vulto em</p><p>seu jardim, levianamente (imprudentemente, negligentemente) supõe</p><p>tratar-se do ladrão. Acreditando estar agindo em legítima defesa de</p><p>sua propriedade, atira na direção do vulto, matando a vítima. Prova-</p><p>se, posteriormente, que não se tratava do ladrão contumaz, mas de</p><p>terceiro inocente. O agente não responde por homicídio doloso, mas sim</p><p>por homicídio culposo. Note-se que o resultado (morte da vítima) foi</p><p>querido. O agente, porém, realizou a conduta por erro de tipo, pois as</p><p>circunstâncias indicavam que o vulto era do ladrão. Trata-se de erro de</p><p>tipo vencível ou inescusável, pois se ele fosse mais atento e diligente, teria</p><p>percebido que não era o ladrão, mas terceiro inocente (um parente, p. ex.).</p><p>Enquanto o erro de tipo escusável exclui o dolo e a culpa, o inescusável</p><p>afasta o dolo, subsistindo a culpa. Por isso, o sujeito responde por</p><p>crime culposo (homicídio culposo, no caso) e não doloso, aplicando-se</p><p>o disposto no art. 20, § 1º, do CP.</p><p>Entende-se que, se o crime é inevitável, o agente é isento de pena.</p><p>Entretanto, se o crime é evitável, o agente deve responder pelo crime cometido,</p><p>como culposo ainda que se tenha agido dolosamente, ou seja, a conduta é dolosa</p><p>só que punida com as penas correspondentes ao crime culposo.</p><p>FIGURA 5 – CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO</p><p>FONTE: <http://direito.folha.uol.com.br/uploads/2/9/6/2/2962839/6666493.jpg?441>.</p><p>Acesso em: 3 abr. 2019.</p><p>Não quer cometer o crime, não quer gerar o resultado, mas</p><p>acaba gerando o resultado por causa de circunstância alheia à</p><p>sua vontade e sobre qual não tinha controle</p><p>Não quer cometer o crime ou gerar o resultado, mas</p><p>assume o risco</p><p>Quer cometer o crime e gerar o resultadoDolo direto</p><p>Dolo eventual</p><p>Não quer cometer e não assume o crime ou gerar o</p><p>resultado mas acaba causando o resultado porque agiu com</p><p>imprudência, neglicência ou imperícia</p><p>Não quer cometer e não assume o crime ou gerar o resultado</p><p>mas, consciente do risco, age acreditando que irá evitá-lo.Culpa consciente</p><p>Culpa (inconsciente)</p><p>Fatalidade / Acidente</p><p>C</p><p>ri</p><p>m</p><p>e</p><p>C</p><p>ul</p><p>po</p><p>so</p><p>C</p><p>ri</p><p>m</p><p>e</p><p>do</p><p>lo</p><p>so</p><p>N</p><p>ão</p><p>é</p><p>d</p><p>el</p><p>ito</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>109</p><p>3 CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO</p><p>São chamados crimes qualificados pelo resultado aqueles que a lei comina</p><p>pena mais severa no caso de ocorrer um resultado mais grave do que o descrito no tipo.</p><p>Segundo os doutrinadores, o crime qualificado pelo resultado abrange</p><p>dois momentos: o primeiro denominado fato antecedente e o segundo conhecido</p><p>como fato consequente, quando se produz o resultado agravador.</p><p>Dispõe o art. 19 do Código Penal: “Pelo resultado que agrava especialmente</p><p>a pena, só responde o agente que houver causado ao menos culposamente”.</p><p>Portanto, entende-se que o agente somente responderá pelo crime</p><p>qualificado pelo resultado quando atuar com culpa, ao menos em sentido estrito,</p><p>com relação ao evento acrescido ao tipo fundamental.</p><p>Normalmente utilizou-se o legislador de parágrafo em que inscreve as</p><p>expressões “se resulta lesão corporal de natureza grave”, ou “morte” etc. Esse</p><p>resultado mais grave do que o contido no tipo básico pode ocorrer por dolo direto</p><p>(se o agente assume o risco de produzi-lo), por culpa (se o agente não prevê o</p><p>resultado mais grave ou, prevendo-o não aceita como provável), ou unicamente</p><p>pela existência do nexo causal (quando não há dolo ou culpa do agente).</p><p>3.1 CRIME PRETERDOLOSO</p><p>O preterdolo é uma das modalidades do crime qualificado pelo resultado.</p><p>Explica Mirabete</p><p>(2015, p. 153-154): “O crime preterdoloso é um crime</p><p>misto, em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e</p><p>que é culposa pela causação de outro resultado que não era objeto do crime</p><p>fundamental pela inobservância do cuidado objetivo”.</p><p>Esse tipo consiste num fato em que há dolo no antecedente (conduta do</p><p>tipo básico) e culpa no consequente (resultado mais grave).</p><p>O exemplo clássico de crime preterdoloso é aquele em que o agente agride</p><p>a vítima com um soco, vindo esta a falecer, por ter tropeçado e batido com a</p><p>cabeça em uma pedra enquanto caía devido ao soco que recebeu.</p><p>Tal situação se enquadra no art. 129, parágrafo 3º do Código Penal – Lesão</p><p>Corporal Seguida de Morte: Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o</p><p>agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo. Pena – reclusão,</p><p>de 4 a 12 anos.</p><p>Neste caso há, portanto preterdolo, porque o resultado excedeu</p><p>culposamente a intenção.</p><p>110</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>Para que o agente possa responder pelo resultado qualificador, é preciso</p><p>que este, embora previsível, não tenha sido previsto pelo agente. O resultado</p><p>mais grave, dispõe a lei, pode ser doloso, culposo, ou ser proveniente de caso</p><p>fortuito. Se o agente quis o resultado mais grave, o dolo terá abrangido todas as</p><p>consequências do fato, nada havendo a observar.</p><p>Entretanto, pode ocorrer o resultado mais grave por outra figura penal</p><p>autônoma, mudando-se o título do crime. Se o resultado mais grave ocorreu</p><p>por caso fortuito, sem dolo e nem culpa do agente, não responderá ele pelo tipo</p><p>agravado, em consequência do art. 19 do CP.</p><p>3.2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE</p><p>A distinção entre dolo eventual e culpa consciente é muito estreita e, não</p><p>raras vezes, difícil diante do caso concreto, e, por esta razão, há necessidade de</p><p>sabermos diferenciá-los sob pena de possíveis injustiças.</p><p>A consideração hipotética do resultado como possível e a segurança de</p><p>que não ocorra são conjecturas íntimas do sujeito, que não podem ser conhecidas</p><p>diretamente, mas somente deduzidas a partir das circunstâncias do fato, que</p><p>poderão ou não confirmar a existência daqueles elementos necessários para</p><p>configuração de dolo eventual. Se não conduzem seguramente a esta conclusão,</p><p>e a dúvida se mantém, deve-se admitir a solução menos severa, que se configura</p><p>a consciente.</p><p>Observemos o exemplo de Hans Welzel, citado por Bittencourt (2017, p. 238):</p><p>Se o agente, prevendo, embora, o resultado, espera sinceramente que</p><p>este não ocorra, não se pode falar de dolo, mas só de culpa. É a culpa</p><p>com previsão ou consciente. Um empregado de fazenda provoca</p><p>involuntariamente o incêndio de um celeiro cheio de feno, onde, ao</p><p>fim do dia, tinha ido fumar o seu cachimbo, prevendo, embora, que</p><p>daí resultasse o fogo. Se ele esperou sinceramente que tal resultado</p><p>não ocorresse e por isso aventurou-se ao ato imprudente, o seu caso</p><p>é de culpa com previsão. Se, porém, por causa de uma rusga com o</p><p>patrão, por exemplo, pouco se lhe dava que esse resultado previsto</p><p>ocorresse ou não, o que se configura é o dolo eventual.</p><p>Portanto, a culpa consciente se diferencia do dolo eventual no caso</p><p>exemplificativo porque embora o agente admite a produção do resultado, o evento</p><p>lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume o risco de produzi-lo.</p><p>Já na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não assume o</p><p>risco nem ele lhe é tolerável o indiferente. O evento lhe é previsto, mas confia em</p><p>sua não produção.</p><p>Na prática a diferenciação é bastante complicada, e gera embates jurídicos.</p><p>Saber se o agente foi impulsionado pelo dolo ou pela culpa, no momento da ação</p><p>praticada em desacordo com os preceitos legais, é de suma importância para o</p><p>TÓPICO 3 | ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA</p><p>111</p><p>Direito Penal. Decidindo-se se houve dolo ou culpa, estar-se-á decidindo também,</p><p>indiretamente, se a conduta do agente merece uma maior ou menor reprimenda</p><p>por parte do Estado. Como prevê o CP, a pena para homicídio culposo, ao</p><p>caracterizar tal fato como culpa consciente, é de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos</p><p>(CP, art. 121, § 3º). Já para a condição de homicídio doloso a ser caracterizado</p><p>como dolo eventual, a pena será de no mínimo 6 (seis) a 20 (vinte) anos (CP, art.</p><p>121, caput), tendo ainda seus atenuantes e agravantes.</p><p>A maior relevância, sem dúvida, é se verificar se o agente quis assumir o</p><p>risco do evento e se entre a previsão do próprio evento e a sua aceitação por parte</p><p>do agente subsistia ou não uma relação de contradição. Se o agente atua numa</p><p>situação de indiferença em relação à produção do evento, assumindo o risco do</p><p>evento ou esperando que ele se verifique, o dolo eventual deve ser admitido, mas</p><p>se atua esperando que o evento não ocorra, o dolo deve ser excluído e admitido</p><p>a culpa consciente.</p><p>A distinção de dolo eventual e culpa consciente para a maioria dos</p><p>doutrinadores é no sentido de que o evento deverá ser considerado intencional</p><p>quando se puder provar que o agente teria igualmente agido ainda que tivesse</p><p>previsto o evento como consequência do agir. Se verificar, ao contrário, que o</p><p>agente em tal hipótese teria abstido de agir, o dolo deve ser excluído para admitir</p><p>a culpa consciente.</p><p>112</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• Um dos elementos que compõe a conduta, é, segundo a Teoria da Vontade, o</p><p>dolo, considerado como a vontade ou intenção dirigida para a prática de uma</p><p>ação delituosa. O dolo exige como requisitos considerar “quem” o realiza – que</p><p>deve conhecer os atos e suas consequências jurídicas – e a disposição/vontade</p><p>de produzir o resultado.</p><p>• O dolo possui como elementos ou requisitos necessários: a consciência da</p><p>conduta e do resultado; a consciência da relação causal objetiva entre a conduta</p><p>e o resultado e a vontade para realizar a conduta e produzir o resultado. Sendo</p><p>que, a partir de tais elementos, analisados no caso concreto são definidas</p><p>diferentes espécies de dolo.</p><p>• Já a culpa, no caso de delitos culposos, possui os mesmos elementos que os</p><p>dolosos – imputabilidade, potencial de consciência da antijuridicidade da</p><p>conduta e exigibilidade de conduta diversa, na primeira fase – intenção – há que</p><p>se verificar o cuidado necessário e exigível de uma pessoa comum e prudente –</p><p>bem como o discernimento diante da situação concreta. Sendo que ao final da</p><p>análise, há que se verificar se o agente agiu segundo seu poder individual, para</p><p>impedir o resultado, segundo suas condições e potenciais.</p><p>113</p><p>1 Paulo, firmemente decidido a matar Paula, sua namorada, a leva para um</p><p>passeio em um lago distante. Eis que no meio do lago, antes que Paulo</p><p>pudesse perpetrar seu plano, repentinamente Paula se desequilibra caindo</p><p>no lago. Paulo se mantém inerte sem socorrer a namorada, embora sendo</p><p>exímio nadador e possuir à embarcação coletes e bote salva-vidas. No caso</p><p>descrito, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) Paulo deve responder por homicídio doloso por omissão.</p><p>b) ( ) Paulo deve responder por crime de omissão de socorro, qualificado</p><p>pela morte da vítima.</p><p>c) ( ) Paulo não deve ser punido ser sua conduta atípica.</p><p>d) ( ) Paulo deve responder por homicídio culposo agravado pela omissão de</p><p>socorro.</p><p>2 Estabelece o art. 269 do CP: “Deixar o médico de denunciar à autoridade</p><p>pública doença cuja notificação é compulsória”. O delito previsto em tal</p><p>artigo trata-se de:</p><p>a) ( ) Crime que não admite concurso de pessoas e tampouco admite tentativa.</p><p>b) ( ) Crime omissivo puro, crime próprio e de mera conduta.</p><p>c) ( ) Crime de perigo que admite tentativa.</p><p>d) ( ) Crime formal e comissivo por omissão.</p><p>3 O art. 129, § 3º, do Código Penal tipifica o crime de lesão corporal seguida de</p><p>morte (“se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o</p><p>resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”). Tal previsão legal caracteriza:</p><p>a) ( ) Hipótese exclusiva de crime culposo.</p><p>b) ( ) Hipótese exclusiva de dolo direito.</p><p>c) ( ) Hipótese</p><p>de autêntico crime preterdoloso.</p><p>d) ( ) Hipótese de dolo eventual.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>114</p><p>115</p><p>TÓPICO 4</p><p>DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO</p><p>E ERRO DE PROIBIÇÃO</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Neste tópico, o objetivo é compreender, de maneira concisa, a distinção</p><p>entre os institutos penais relativos a erro: erro de tipo e erro de proibição. Trata-</p><p>se de um estudo relevante, pois, não raramente encontramos na doutrina e</p><p>jurisprudência confusão no momento de distinguir tais institutos, sendo certo</p><p>que as consequências materiais advindas dessa diferenciação são enormes.</p><p>Tecnicamente há que se partir da distinção entre erro e ignorância. A</p><p>ignorância é o desconhecimento total acerca de determinado objeto, enquanto</p><p>erro é o falso conhecimento ou falsa percepção acerca do objeto. Portanto, o erro é</p><p>a falsa representação da realidade; enquanto ignorância é a falta de conhecimento</p><p>sobre a realidade.</p><p>Erro, em Direito Penal, corresponde a uma falsa percepção da realidade.</p><p>Embora os termos “erro” e “ignorância” possam ser considerados distintos em alguns</p><p>ramos do direito, como no Civil, em matéria penal são tomados como sinônimos.</p><p>No campo penal existem duas modalidades de erro jurídico-penal, ambas</p><p>capazes de interferir na responsabilidade criminal do agente: erro de tipo (art. 20</p><p>do CP) e erro de proibição (art. 21 do CP). Tais espécies foram incorporadas em</p><p>nosso Código Penal por intermédio da Reforma da Parte Geral de 1984 e vieram</p><p>em substituição às antigas fórmulas: erro de fato e erro de direito.</p><p>Antes da Reforma de 1984 do Código Penal brasileiro, o erro de fato era</p><p>previsto no art. 17, excluía o dolo e, por via de consequência, a culpabilidade. Para</p><p>erro de direito, não havia escusa – error júris nocet – seria, eventualmente uma</p><p>atenuante, conforme era previsto no art. 48 nº III do antigo Código. Tal concepção</p><p>era defeituosa e os Tribunais acabaram por construir nova conceituação que</p><p>culminaram com a consolidação da atual conceituação.</p><p>116</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>2 DISTINÇÃO ENTRE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO</p><p>Inicialmente, é fundamental compreender a grande diferença entre o</p><p>erro de tipo e o erro de proibição, consagrados nos arts. 20 e 21 do Código Penal</p><p>respectivamente, a saber:</p><p>Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime</p><p>exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em</p><p>lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>[...]</p><p>Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude</p><p>do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de</p><p>um sexto a um terço.</p><p>Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se</p><p>omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível,</p><p>nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.</p><p>Observe que no erro de tipo, a falsa percepção do agente recai sobre a</p><p>realidade que o circunda; vale dizer, ele não capta corretamente os eventos que</p><p>ocorrem ao seu redor. O sujeito se confunde, trocando um fato por outro.</p><p>Desde tais diferenciações, por exemplo, age em erro de tipo a pessoa</p><p>que, ao sair de um supermercado, dirige-se ao estacionamento e, diante de um</p><p>automóvel idêntico ao seu, mesma cor e modelo, nele ingressa e, com sua chave, o</p><p>aciona e deixa o local. Observe que a pessoa não captou com precisão a realidade</p><p>que está diante de si. Sem perceber, leva embora coisa alheia móvel. Evidente que</p><p>se o verdadeiro dono do veículo visse a cena, certamente acreditaria ser vítima de</p><p>um furto. O motorista desatento, entretanto, não tem consciência de que conduz</p><p>automóvel de outra pessoa, já acredita dirigindo seu próprio veículo. Neste caso,</p><p>o sujeito opera em erro de tipo.</p><p>Nesse caso, a falsa percepção da realidade incidiu sobre um dado fático</p><p>previsto como elementar do tipo penal do art. 155 do CP. O agente desconhecia que</p><p>o bem era “coisa alheia” e acreditava, de boa-fé, que se tratava de “coisa própria”.</p><p>No erro de proibição, todavia, o agente tem plena percepção da realidade</p><p>a seu redor. Não há confusão mental sobre o que está acontecendo diante de si. O</p><p>sujeito, portanto, sabe exatamente o que faz. Seu erro recai sobre a compreensão</p><p>acerca de uma regra de conduta.</p><p>Em outras palavras, o agente sabe o que faz, só não sabe que o que faz</p><p>é proibido.</p><p>Por exemplo: uma pessoa encontra um celular valioso na rua, pega-o e sai</p><p>à procura do dono. Não o encontra. Apesar da tentativa em restituí-lo ao legítimo</p><p>proprietário, decide ficar com o objeto, acreditando no dito popular: “achado não</p><p>é roubado”. O sujeito, nesse caso, tem plena noção de que está se apoderando de</p><p>um objeto pertencente a terceiro, mas acredita, de boa-fé, que não está fazendo</p><p>nada de errado, pois agiu no sentido de encontrar o dono, porém, sem êxito.</p><p>TÓPICO 4 | DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO</p><p>117</p><p>O sujeito embora tenha perfeita compreensão da realidade, desconhece a</p><p>existência de uma proibição contida no art. 169, parágrafo único, II, do CP define</p><p>como crime o ato de se apropriar de coisa achada. De acordo com a norma penal,</p><p>aquele que encontra um objeto perdido deve restituí-lo ao dono ou, em até quinze</p><p>dias, entregá-lo à autoridade.</p><p>Portanto, pode-se dizer que no erro de tipo o equívoco recai sobre dados</p><p>da realidade e, no erro de proibição, a ignorância atinge a noção acerca do</p><p>caráter ilícito do ato praticado.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Não se deve confundir erro de proibição com desconhecimento da lei, o qual</p><p>é incapaz de isentar alguém do dever de cumpri-la (ignorantia legis neminem excusat – art.</p><p>21, 1ª parte, do CP). Isto porque a maioria da população nunca compulsou lei alguma, muito</p><p>menos o Código Penal.</p><p>Em síntese:</p><p>• Se a pessoa subtrai coisa de outra, acreditando ser sua, encontra-se em erro de</p><p>tipo não sabe que subtrai coisa alheia.</p><p>• Se crê ter o direito de subtrair coisa alheia, como no clássico exemplo do credor</p><p>em relação ao devedor inadimplente, há erro de proibição.</p><p>3 FORMAS DE ERRO DE TIPO</p><p>O Erro de Tipo pode apresentar-se de duas formas, quais sejam, o erro</p><p>“essencial” e “acidental”.</p><p>O erro essencial sempre exclui o dolo, pois retira do sujeito a capacidade</p><p>de perceber que comete o crime. Subdivide-se em erro de tipo incriminador (CP,</p><p>art. 20, caput) e erro de tipo permissivo (CP, art. 20, § 1º).</p><p>O erro acidental não beneficia o agente, justamente por não impedir o</p><p>sujeito de se dar conta de que pratica o delito. Compreende o erro sobre o objeto</p><p>material (CP, art. 20, § 3º), o erro na execução (CP, arts. 73 e 74) e o erro sobre o</p><p>nexo causal (não previsto expressamente em lei).</p><p>118</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>3.1 ERRO DE TIPO ESSENCIAL</p><p>Ocorre o erro essencial quando ele recai sobre elementares, qualificadoras,</p><p>causas de aumento de pena e agravantes, ficando-as excluídas se o erro foi</p><p>escusável. Portanto, nesta forma, o agente não tem plena consciência ou nenhuma</p><p>de que está praticando conduta típica. Portanto, quando há falsa noção de</p><p>realidade que não permite ao agente perceber que comete crime.</p><p>São os seguintes exemplos (LENZA, 2012, p. 322):</p><p>A pessoa que tem em mãos um cigarro de “maconha”, que recebeu</p><p>de terceiro para consumo próprio, acreditando (de boa-fé) cuidar-se</p><p>de um cigarro comum, equivoca-se sobre um elemento (a natureza</p><p>da substância) previsto como elementar de tipo penal (art. 28 da Lei</p><p>nº 11.343/2006). Esse equívoco a impede de perceber que pratica,</p><p>objetivamente, o delito de porte de droga para consumo pessoal.</p><p>Há erro essencial, porquanto retirava do agente a possibilidade de</p><p>compreender que cometia uma infração penal (ex.: motorista distraído</p><p>adentrava em carro de outrem, idêntico ao seu; pessoa que portava</p><p>arma de fogo verdadeira pensando ser de brinquedo; aquele que tinha</p><p>em sua residência recipiente contendo pó branco, acreditando ser talco</p><p>em vez de cocaína).</p><p>Em todos os exemplos de erro haverá exclusão de dolo tornando-se a</p><p>conduta fato atípico, segundo o disposto no art. 20, caput.</p><p>Entretanto, deve-se frisar que a atipicidade</p><p>resultante do erro de tipo nem</p><p>sempre será absoluta, sendo relativa em alguns casos. Será atípica quando há</p><p>inexistência de qualquer infração cometida na conduta, porém relativa a conduta</p><p>em que há descaracterização de um crime, mas subsistência de outro.</p><p>Exemplo: Se uma pessoa ofende a dignidade de outra desconhecendo que</p><p>se trata de um funcionário público no exercício de sua função não responde pelo</p><p>crime de desacato (CP, art. 331). Porém o agente responderá por crime de injúria</p><p>(CP, art. 140), uma vez que, apesar do erro, tinha pleno conhecimento de que</p><p>ofendia a honra de alguém (o suficiente para a caracterização da injúria).</p><p>Nesse caso, o erro de tipo provocou a atipicidade relativa da conduta (ou</p><p>atipicidade em relação ao desacato), porém o sujeito poderá ser responsabilizado</p><p>pela injúria.</p><p>O erro essencial se desdobra em duas modalidades:</p><p>• Escusável ou Invencível (previsto no art. 20, “caput”, 1º parte): quando o resultado</p><p>ocorre, mesmo que o agente tenha praticado todo cuidado necessário. Quando,</p><p>naquela situação, qualquer pessoa de mediana prudência e discernimento, agiria</p><p>da mesma forma. Ocorrendo esta modalidade, se exclui o dolo e também a culpa.</p><p>Exemplos: Um caçador atira contra um arbusto, matando uma pessoa que se</p><p>fazia passar, de modo verossímil, por animal bravio. O motorista distraído</p><p>TÓPICO 4 | DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO</p><p>119</p><p>confunde seu automóvel com o de outrem no estacionamento, ingressando</p><p>num veículo absolutamente idêntico ao seu e, com sua própria chave, consegue</p><p>abri-lo, acrescentando-se ao fato a circunstância de que seu verdadeiro carro</p><p>fora guinchado e o outro estacionara exatamente no mesmo local.</p><p>• Vencível ou Inescusável (previsto no art. 20, 1º parte, CP): se dá quando o</p><p>agente, no caso concreto, em não agindo com a cautela necessária e esperada,</p><p>acaba atuando abruptamente cometendo o crime que poderia ter sido evitado.</p><p>Ocorrendo essa modalidade de erro de tipo, há a exclusão do dolo, porém</p><p>subsiste a culpa. Portanto o agente responde por crime culposo se existir a</p><p>modalidade culposa, em decorrência do Princípio da Excepcionalidade do</p><p>Crime culposo. Para alguns doutrinadores, essa modalidade é a de “culpa</p><p>imprópria”. É excepcional, não seguindo os regramentos da modalidade</p><p>comum, motivo pelo qual, admite-se tentativa.</p><p>Exemplo: Usando o mesmo caso do caçador, suponha que tenha atirado</p><p>contra uma pessoa a poucos metros porque retirou os óculos de grau de uso</p><p>obrigatório. Nesse caso, o agente, embora sem agir com dolo, foi descuidado e</p><p>responde por homicídio culposo.</p><p>3.2 ERRO DE TIPO ACIDENTAL</p><p>O erro acidental recai sobre circunstâncias secundárias do crime. Ocorre</p><p>quando a falsa percepção da realidade incide sobre dados irrelevantes da figura</p><p>típica, devendo o agente responder por crime, porque o erro não o beneficia. Está</p><p>previsto nos arts. 20, § 3º, 73 e 74 do CP.</p><p>Esse erro possui várias espécies, a saber:</p><p>Erro sobre o objeto material que pode ser erro sobre pessoa ou coisa</p><p>• Erro sobre o objeto: o agente supõe estar praticando a conduta contra o objeto</p><p>material que deseja, mas por erro acaba atingindo outro.</p><p>Exemplo: Uma pessoa querendo furtar um aparelho de televisão que se encontra</p><p>em embalagem fechada, entra na loja da vítima, porém, leva um computador.</p><p>Observe que o erro do agente é acidental e irrelevante, respondendo assim pelo</p><p>crime de furto.</p><p>• Erro “in persona”: o agente com sua conduta criminosa visa certa pessoa, mas</p><p>por erro de representação, acredita ser aquela em que efetivamente deseja atingir.</p><p>Exemplo: “Paulo” entra em sua casa e encontra sua filha ferida chorando que</p><p>lhe diz que foi violenta pelo vizinho “Pedro”. De arma em punho vai à procura</p><p>do agressor de sua filha e encontra “João” que é sósia do criminoso e atira</p><p>matando-o. O autor dos disparos se confundiu com a vítima visada (Pedro)</p><p>pela semelhança física. Houve erro, porém isso não o impediu de perceber que</p><p>estava matando alguém.</p><p>120</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>Erro na execução ou “aberratio ictus” (desvio no golpe ou erro no golpe):</p><p>Ocorre quando o agente por execução imperfeita acaba atingindo um</p><p>terceiro que, em regra, não fazia parte do seu “animus”. Ou seja, quando se</p><p>verifica inabilidade do sujeito ou acidente no emprego dos meios executórios</p><p>fazendo com que se atinja pessoa ou bem diverso do pretendido, respondendo o</p><p>agente pelo fato como se houvesse atingido a quem ou o que pretendia.</p><p>Exemplo: José, um desastrado, resolve matar seu irmão. Quando este</p><p>passa pelo local esperado José atira, mas por erro de pontaria, acaba por atingir</p><p>a namorada do irmão que estava ao seu lado. Havendo resultado único, o agente</p><p>responde por um só crime, mas levando-se em conta as condições da pessoa a</p><p>quem queria atingir.</p><p>Por outras palavras, o Código Penal determina que, como princípio básico</p><p>para os casos de aberratio ictus, seja adotada regra semelhante a do erro sobre</p><p>a pessoa, previsto no art. 20, § 3º, do CP. Dispõe o texto legal: “Quando, por</p><p>acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a</p><p>pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse</p><p>praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste</p><p>Código (primeira parte do art. 73 do CP)”.</p><p>Resultado diverso do Pretendido ou “aberratio delicti”</p><p>No aberratio delicti o erro do tipo ocorre quando o agente quer atingir</p><p>determinado bem jurídico, mas acaba por atingir outro diferente do pretendido.</p><p>Na aberratio ictus o agente atinge pessoa diferente da qual pretendia.</p><p>Exemplo: Suponha que Júnior, movido por raiva pretenda atingir a</p><p>vidraça da casa de seu vizinho, mas por erro de pontaria acaba por acertar a</p><p>cabeça de José que acaba sofrendo lesões. Neste caso, o equívoco do agente nos</p><p>meios executórios fez com que atingisse bem jurídico distinto do pretendido. Ou</p><p>seja, atinge a integridade corporal ao invés do patrimônio. Júnior, de acordo com</p><p>o art. 74 do CP, primeira parte, responde pelo resultado produzido, imputando-</p><p>lhe lesões culposas, tipo penal que absorve a tentativa de dano.</p><p>Entretanto, se ocorrer duplo resultado, ou seja, atinge a vidraça e pessoa,</p><p>o agente responde por crime de dano consumado em concurso formal com crime</p><p>de lesões corporais culposas.</p><p>3.3 ERRO DE PROIBIÇÃO</p><p>Na discriminante putativa por erro de proibição, o agente sabe exatamente</p><p>o que está fazendo, tendo consciência de toda situação, entretanto desconhece</p><p>que a lei proíbe sua conduta. Tem para si que age de maneira correta, mas na</p><p>verdade sua ação é vedada pela legislação penal. Também é chamado de erro de</p><p>proibição indireto.</p><p>TÓPICO 4 | DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO</p><p>121</p><p>Como já vimos, dispõe o art. 21, caput, CP: “O desconhecimento da lei</p><p>é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se</p><p>evitável, poderá diminuir a pena de um sexto a um terço”.</p><p>Perceba que é de suma importância que tenhamos uma ideia exata da</p><p>distinção entre a ignorância da lei e ausência de conhecimento da ilicitude. É</p><p>evidente que é por vezes impossível, até para nós operadores do direito, saber o</p><p>que é permitido ou que é proibido. Entretanto, nosso CP, na primeira parte do</p><p>art. 21 foi fiel à regra de que o desconhecimento da lei não é escusável. Ou seja, se</p><p>o agente desconhece a lei que proíbe abstratamente aquele comportamento, essa</p><p>ignorância não o exime de responsabilidade.</p><p>Se fosse possível alegar o desconhecimento da lei, para alguém excursar-</p><p>se da responsabilidade, não haveria possibilidade positiva de aplicação, tantas</p><p>seriam as desculpas de desconhecimento.</p><p>E síntese, ocorre erro de proibição quando o agente sabe o que faz, porém</p><p>desconhece que a lei proíbe sua atitude. Por exemplo: Pedro é intimado por um</p><p>oficial de justiça a entregar seu automóvel que foi penhorado. Por erro, Pedro</p><p>acredita que a diligência é injusta e reage impedindo o trabalho do oficial de</p><p>justiça em imaginária legítima defesa da propriedade. O erro,</p><p>nesse caso, não</p><p>decorre da incorreta compreensão das circunstâncias do fato, mas por supor não</p><p>ser correta a apreensão de seu bem móvel particular.</p><p>Neste caso, aplica-se o disposto no art. 21 do CP: “se o erro é invencível,</p><p>há exclusão de culpabilidade, se vencível, não há exclusão de culpabilidade e sim</p><p>diminuição de pena”.</p><p>FIGURA 6 – SÍNTESE</p><p>FONTE: A autora</p><p>Erro Jurídico Penal</p><p>Erro de Tipo:</p><p>recai sobre a</p><p>situação fática</p><p>Erro de Proibição:</p><p>falsa compreensão sobre a</p><p>ilicitude de uma conduta</p><p>122</p><p>UNIDADE 2 | TEORIA DO CRIME</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR</p><p>DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTE DE TRÂNSITO</p><p>Pierpaolo Cruz Bottini</p><p>A distinção entre culpa consciente e dolo eventual tem ocupado não apenas</p><p>as pautas acadêmicas, mas também o noticiário nacional. Trágicos acidentes de</p><p>trânsito decorrentes de graves violações das normas de cuidado, com vítimas fatais,</p><p>trazem a discussão sobre a natureza dos delitos dos motoristas: homicídio doloso ou</p><p>culposo? Dolo eventual ou culpa consciente? A competência para o julgamento é do</p><p>juiz singular (culpa consciente) ou do Tribunal do Júri (dolo eventual)? A resposta</p><p>a tais questões exige um retorno à dogmática e aos conceitos desenvolvidos pelas</p><p>escolas e juristas em busca de definições que orientem o intérprete das normas</p><p>penais. O ato típico do delito é composto por aspectos objetivos – conduta descrita</p><p>na norma penal – e subjetivos. Neste último plano verifica-se se o resultado – ou a</p><p>periculosidade — é fruto da vontade final (dolosos) do agente, do agir imprudente</p><p>(culposos), ou está ligado àquela zona de consciência cinzenta que caracteriza o</p><p>dolo eventual e a culpa consciente. E aqui surgem os problemas, justamente nesta</p><p>fronteira imprecisa entre o dolo eventual e a culpa consciente, conceitos de difícil</p><p>definição diante da complexidade de “reproduzir linguisticamente de maneira</p><p>adequada um fenômeno psicologicamente sutil”. Mas a identificação de critérios</p><p>que revelem os contornos de tal sutileza é importante porque existem reflexos</p><p>práticos fundamentais ligados à natureza de cada instituto, como a definição</p><p>do tipo penal – com grandes diferenças de pena em abstrato – e da competência</p><p>para o julgamento. As teorias que buscam diferenciar dolo eventual da culpa</p><p>consciente são variadas, mas podemos destacar três: a teoria da indiferença, a</p><p>teoria da representação e a teoria objetiva do risco. Para a teoria da indiferença –</p><p>defendida por Engish e parte dos autores brasileiros – o dolo eventual se caracteriza</p><p>pela indiferença do autor quanto à lesão ao bem jurídico, enquanto que na culpa</p><p>consciente a causação do resultado é considerada inaceitável pelo agente. Assim,</p><p>o condutor de um veículo agirá com dolo eventual se constatada sua indiferença</p><p>quanto ao resultado morte de qualquer pedestre ou motorista. Critica-se tal teoria</p><p>pelo reducionismo do dolo eventual. Em muitos casos, o agente tem o efetivo</p><p>desejo que o resultado lesivo não ocorra, que a causação da morte ou lesão não</p><p>aconteçam, mas prevê tal possibilidade e continua com seu comportamento. É</p><p>o caso do motorista que viola as normas de trânsito, percebe a possibilidade de</p><p>atropelar alguém, mas deseja sinceramente que nada ocorra, que ninguém entre</p><p>em seu raio de ação e se machuque. Não há indiferença, no entanto, existe dolo</p><p>eventual porque há aceitação do risco. Outra teoria é a da representação – Schröder e</p><p>Schmidhäuser – para a qual o dolo eventual é caracterizado pela percepção do risco</p><p>pelo agente. Assim, se o condutor do veículo percebe – ao ultrapassar os limites de</p><p>velocidade – que cria um risco e é possível a eventual lesão ou morte de alguém em</p><p>decorrência daquele comportamento, haverá dolo eventual, independentemente</p><p>de sua vontade em relação a tal resultado – seja indiferença, seja certeza de que</p><p>nada ocorrerá. A mera representação da possibilidade de uma lesão já basta para</p><p>o dolo eventual. A crítica à teoria decorre aqui de sua abrangência, pois estende</p><p>demais o conceito de dolo eventual. Basta a percepção da criação do risco para</p><p>o dolo eventual, mesmo que o condutor tenha certeza de que nada vai acontecer</p><p>TÓPICO 4 | DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO</p><p>123</p><p>devido a sua habilidade ou ao fato de ter tomado cuidados para evitar o resultado</p><p>lesivo. Roxin usa um exemplo singular para ilustrar a questão. O artista de circo</p><p>que atira facas em sua assistente sabe da possibilidade de acertá-la, mas confia na</p><p>não ocorrência do resultado devido a sua perícia no manejo dos instrumentos. Se,</p><p>por uma tragédia, uma das facas lesiona ou mata a assistente, não há dolo eventual,</p><p>mas culpa consciente, porque ausente qualquer aceitação ou vontade de resultado,</p><p>mas apenas uma representação de possibilidade, insuficiente para transformar a</p><p>tragédia ou a imprudência em dolo. A teoria do risco vê no grau de violação da</p><p>norma de cuidado o critério para a distinção entre culpa consciente e dolo eventual.</p><p>Para este pensamento, o comportamento muito imprudente, que ultrapasse</p><p>intensamente o risco permitido, já revela dolo eventual, independente do que quer</p><p>ou pensa o autor. É a construção adotada por parte significativa da jurisprudência:</p><p>“Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do</p><p>agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. Faz-se</p><p>imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da</p><p>mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente" (STF, HC</p><p>91.159). A proposta de afastar completamente a mente do autor, o aspecto subjetivo</p><p>para diferenciar o dolo eventual da culpa consciente não parece acertada porque</p><p>transforma em dolosa qualquer conduta que viole normas de cuidado e cause um</p><p>resultado. Qualquer imprudência que resulte na lesão ou morte de alguém será</p><p>dolosa se o juiz não perscrutar a mente do autor. Em síntese, a diferença entre</p><p>culpa consciente e dolo eventual não reside no grau de risco criado, nem apenas</p><p>no conhecimento dos riscos nem na indiferença em relação aos bens jurídicos, mas</p><p>na agregação de todos os elementos apontados. Tanto no dolo eventual quanto na</p><p>culpa consciente o agente deve criar um risco não permitido e perceber que cria</p><p>este risco. Em ambos o condutor sabe que viola normas de cuidado. Mais do que</p><p>isso, em ambos o agente não quer o resultado, não deseja a lesão do bem jurídico.</p><p>Ou seja, não há indiferença em relação à possibilidade de causar um resultado, mas</p><p>uma sincera vontade de preservar o bem jurídico. A distinção é: na culpa consciente</p><p>o agente – por algum motivo – tem certeza que não ocorrerá o resultado, enquanto</p><p>que no dolo eventual o autor tem dúvidas sobre isso e mesmo assim continua</p><p>agindo. Assim, o condutor que percebe que está em alta velocidade, mas acredita</p><p>que, devido a sua habilidade e perícia ao volante, evitará qualquer colisão, está em</p><p>culpa consciente. Já o motorista que sabe que anda acima da velocidade permitida</p><p>e representa/percebe a possibilidade de causar um acidente, tem dolo eventual,</p><p>mesmo que deseje ou tenha esperança de não lesionar outrem. O espaço entre confiar</p><p>e desejar separa o dolo eventual da culpa consciente. Não se nega a dificuldade de</p><p>encontrar tais elementos no processo penal, mas se quisermos manter um conceito</p><p>de delito relacionado com a intenção do agente e uma ideia de Direito Penal como</p><p>um conjunto de normas motivadoras e não um instrumento de imputação aleatória</p><p>de resultados, não devemos abrir mão dos aspectos subjetivos, que embora sutis e</p><p>de difícil revelação, são a garantia de uma dogmática mais humana.</p><p>(Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi</p><p>membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário</p><p>de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça).</p><p>FONTE: <https://www.conjur.com.br/2011-ago-09/direito-defesa-dolo-eventual-culpa-consciente-</p><p>acidente-transito>. Acesso em: 3 abr. 2019.</p><p>124</p><p>RESUMO DO TÓPICO 4</p><p>Neste tópico, você aprendeu</p><p>que:</p><p>• Há clara distinção entre erro de tipo e erro de proibição. Erro de tipo,</p><p>propriamente dito é aquele em que o agente se equivoca quanto ao um elemento</p><p>que constitui o tipo penal. Já o erro de proibição ocorre quando o agente não</p><p>“vê” a conduta como delituosa, ao contrário, a entende lícita.</p><p>• O erro de tipo é, de maneira geral, a falsa percepção da realidade no que diz</p><p>respeito à realidade que circunda a ação praticada pelo agente. Por outras</p><p>palavras, o agente compreende mal a realidade, havendo distintas classificações</p><p>de erro de tipo.</p><p>• No erro de proibição a prática delituosa recai na potencial consciência</p><p>acerca da ilicitude da conduta. Por outras palavras, o agente sabe o que faz,</p><p>mas desconhece a ilegalidade do ato praticado, sendo que o afastamento da</p><p>culpabilidade depende de ser o erro escusável ou inescusável.</p><p>125</p><p>1 O proprietário de um veículo ao sair do supermercado dirige-se ao</p><p>estacionamento e se apodera de um automóvel que pertence a terceiro</p><p>supondo ser seu por absoluta semelhança de modelo e cor dos automóveis.</p><p>Tal conduta se configura como:</p><p>a) ( ) Crime impossível.</p><p>b) ( ) Erro de proibição.</p><p>c) ( ) Crime culposo.</p><p>d) ( ) Erro de tipo.</p><p>2 Dolores é empregada doméstica e, durante seu trabalho na casa de seus</p><p>patrões, tomou para si um objeto que supunha ser seu. A conduta de Dolores</p><p>se configura como:</p><p>a) ( ) Erro de tipo.</p><p>b) ( ) Erro de proibição.</p><p>c) ( ) Crime impossível.</p><p>d) ( ) Erro de objeto.</p><p>3 Paula trabalhava como diarista fazendo limpezas quinzenais na casa de</p><p>Ângela. Certo dia Paula é chamada para auxiliar a patroa que havia realizado</p><p>uma grande festa de final de ano, e, enquanto trabalhava, encontrou uma</p><p>bolsa em um sofá da sala. Como estava sozinha subtraiu o objeto pensando</p><p>que havia sido esquecido por uma convidada. Entretanto, Paula ao chegar em</p><p>sua casa acaba reconhecendo a bolsa que lhe pertencia e havia sido esquecida</p><p>naquele local na semana anterior. A ação de Paula se caracteriza como:</p><p>a) ( ) Crime putativo.</p><p>b) ( ) Furto, na forma tentada.</p><p>c) ( ) Crime impossível.</p><p>d) ( ) Roubo.</p><p>4 João e Paulo juntos bebiam em um bar da cidade quando repentinamente</p><p>se inicia uma discussão sobre futebol. João, enfurecido e objetivando atingir</p><p>Paulo, desfere contra ele um disparo de arma de fogo que atingiu o alvo</p><p>desejado, porém também acerta uma terceira pessoa que estava no lugar</p><p>vindo ambas vítimas a falecerem. No caso em apreço trata-se da modalidade:</p><p>a) ( ) Erro sobre a pessoa.</p><p>b) ( ) Aberratio ictus.</p><p>c) ( ) Aberratio criminis.</p><p>d) ( ) Erro por culpa exclusiva de terceiro.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>126</p><p>127</p><p>UNIDADE 3</p><p>ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E</p><p>CONCURSO DE PESSOAS</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>Esta unidade tem por objetivos:</p><p>• distinguir os conceitos de antijuridicidade e ilegalidade, entendendo a</p><p>antijuridicidade como a categoria penal mais importante para a definição</p><p>de crime;</p><p>• identificar as causas de justificação ou de exclusão de ilicitude de uma</p><p>conduta, aparentemente considerada típica;</p><p>• compreender o conceito de concurso de pessoas na esfera do direito penal</p><p>a fim de identificar as diferentes formas de concursos e tipos de crime em</p><p>que ocorrem;</p><p>• discutir os fundamentos teóricos que permitem identificar as distintas</p><p>concepções de concurso de pessoas quando do cometimento de uma in-</p><p>fração penal.</p><p>Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles</p><p>você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo</p><p>apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – ANTIJURIDICIDADE</p><p>TÓPICO 2 – EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>TÓPICO 3 – CONCURSO DE PESSOAS</p><p>128</p><p>129</p><p>TÓPICO 1</p><p>ANTIJURIDICIDADE</p><p>UNIDADE 3</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Identificar um ato humano como crime depende da relação da conduta</p><p>com o que é estabelecido na lei penal, e é desta relação que se compreende se o</p><p>agir é antijurídico ou ilícito. A importância de saber estabelecer adequadamente</p><p>esta relação é a mais importante no Direito Penal, pois a antijuridicidade ou</p><p>ilicitude é a essência do crime.</p><p>Sendo o crime a violação de uma proibição legal sob a ameaça de uma</p><p>punição, a antijuridicidade é o juízo de um desvalor que se atribui à conduta</p><p>contrária ao Direito.</p><p>Neste tópico será discutido o que é antijuridicidade e sua diferença com o</p><p>conceito de ilegalidade. Serão identificadas as distintas formas de antijuridicidade</p><p>com o objetivo de compreender de que forma a norma penal estabelece um juízo</p><p>de valor acerca das condutas humanas o que justifica a imposição de uma pena</p><p>àquele que comete um ilícito.</p><p>2 CONCEITO DE ANTIJURIDICIDADE</p><p>Antijuridicidade, para os penalistas brasileiros, é considerada</p><p>como sinônimo de ilicitude, sendo utilizado com mais frequência o termo</p><p>“antijuridicidade” para designar relação de contrariedade do fato humano com</p><p>o ordenamento jurídico (ilicitude formal), quando há, pela conduta, exposição a</p><p>perigo de dano ou lesão a um bem jurídico tutelado (ilicitude material).</p><p>Observa-se que a relação entre a conduta e a contrariedade à norma</p><p>jurídica é uma criação jurídico-penal relevante para a caracterização do crime.</p><p>Por outras palavras, a antijuridicidade é a categoria penal mais importante para</p><p>a definição do crime.</p><p>Vejamos algumas definições de antijuridicidade:</p><p>Para Marques (2002, p. 130), antijuridicidade é “a contradição do fato,</p><p>eventualmente adequado ao modelo legal, com a ordem jurídica. Não basta,</p><p>portanto, para haver crime, que uma conduta humana corresponda materialmente</p><p>ao tipo que a lei descreve: é preciso, além disso, que constitua a lesão a um</p><p>interesse juridicamente protegido”.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>130</p><p>Para Reale (1971, p. 11) “a antijuridicidade constitui uma qualidade do</p><p>comportamento, qualidade atribuível ao comportamento através de um juízo de</p><p>valor objetivo consistente na apreciação de sua contrariedade ao direito”.</p><p>No entender de PRADO (1999), há que se considerar que o elemento</p><p>conceitual do delito – a ilicitude – manifesta-se para além da contrariedade de um</p><p>fato ao conjunto do ordenamento jurídico, sendo também um juízo de ilicitude.</p><p>O juízo da tipicidade decorre da perfeita subsunção (enquadramento) do fato</p><p>ao tipo legal, enquanto que o juízo da ilicitude decorre da inexistência de uma</p><p>norma permissiva para a conduta. É, portanto, um juízo de desvalor sobre uma</p><p>conduta típica.</p><p>Na clássica definição de Hans Welzel (apud TUBENCHLAK, 1980, p. 38,</p><p>grifo nosso): “A antijuridicidade é indicada pelo tipo. Sobre as condutas que a</p><p>ele se encaixam, recai a presunção de serem antijurídicas. Não existem tipos</p><p>antijurídicos, mas realizações antijurídicas do tipo”.</p><p>Por ser, a antijuridicidade, um juízo de desvalor definido pela vida social</p><p>e não pela norma penal, a definição da antijuridicidade da conduta há que ser</p><p>considerada objetivamente, isto é, considerando o caso concreto uma vez que não</p><p>há que se perguntar se o agente tinha consciência de que agiu de forma contrária</p><p>ao Direito, mas sim se a conduta objetivamente colocou em risco ou violou um</p><p>bem ou interesse protegido juridicamente.</p><p>Embora ilicitude e antijuridicidade sejam relacionadas, são elementos</p><p>distintos do crime, tal qual a lição do ilustre penalista Heleno Fragoso (2006, p. 145):</p><p>É injusto o comportamento que, na condição especial em que se</p><p>apresenta, não corresponde à concepção do ideal social de uma</p><p>comunidade de homens livres, o que se determina indagando-</p><p>se se o comportamento constitui justo meio para justo fim. É</p><p>evidente que a própria lei pode ser injusta, mas até prova em</p><p>contrário deve presumir-se que o legislador somente proíbe</p><p>comportamentos injustos. Mas não é possível declarar-se a</p><p>invalidade do direito vigente injusto, de modo que a fórmula</p><p>visa, em última análise, estabelecer um critério para os casos de</p><p>justificação ou exclusão da antijuridicidade.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Se o crime é uma violação à norma legal, a antijuridicidade é um juízo de valor</p><p>negativo ou um desvalor ínsito na proibição</p><p>legal que atribui à conduta humana a qualidade</p><p>de ser contrária ao Direito, conferindo-lhe o caráter de rechaçado pelo ordenamento jurídico.</p><p>TÓPICO 1 | ANTIJURIDICIDADE</p><p>131</p><p>A antijuridicidade é uma inferência que deve expressar juízo de valor ao</p><p>responder às seguintes questões:</p><p>• A conduta humana foi contrária ao exigido pelo Direito?</p><p>• O agente poderia ou não se ter omitido de praticar tal conduta?</p><p>Observe que a antijuridicidade é juízo de valor e o Direito regula condutas</p><p>e não juízos. Em não sendo regulada pelo Direito, a antijuridicidade não é</p><p>elemento do crime, mas sua essência.</p><p>Síntese:</p><p>• Sendo o crime um conceito jurídico, a antijuridicidade constitui elemento</p><p>nuclear e fundamental do crime.</p><p>• O antijurídico é o que é contrário ao Direito que se define desde a vida social,</p><p>uma vez que tem como essência a ofensa a valores tutelados pela norma.</p><p>• A antijuridicidade é juízo de valor relativo ao fato, a conduta, considerando</p><p>as exigências da ordem jurídica em sua totalidade, não havendo, portanto,</p><p>antijuridicidade exclusivamente penal, admitindo-se no Direito o ilícito penal</p><p>e o ilícito civil.</p><p>• A antijuridicidade possui, necessariamente, um conteúdo valorativo que é dado</p><p>pela lesão ou ofensa a valores – bens, necessidades ou interesses – protegidos</p><p>pela norma jurídica.</p><p>FIGURA 1 – ANTIJURIDICIDADE</p><p>Fonte: A autora</p><p>A ANTIJURICIDADE DA CONDUTA DEVE SER</p><p>APRECIADA OBJETIVAMENTE DIANTE DAS</p><p>CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO</p><p>ANALISANDO SE HÁ LESÃO A BEM JURÍDICO</p><p>PROTEGIDO SEM LEVAR EM CONTA SE O</p><p>AGENTE TINHA OU NÃO CONSCIÊNCIA DE</p><p>QUE AGIA DE FORMA CONTRÁRIA AO DIREITO.</p><p>2.1 CLASSIFICAÇÃO</p><p>A doutrina penal classifica a antijuridicidade em:</p><p>• Antijuridicidade formal e material:</p><p>A antijuridicidade formal define-se como a contrariedade à norma</p><p>de Direito, a contrariedade do fato à norma e está contida na conduta típica.</p><p>Considerando que a ilicitude é definida desde às exigências sociais, devendo</p><p>a norma penal estabelecer uma “linha divisória” entre os fatos puníveis e não</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>132</p><p>puníveis, o Direito elenca os interesses, valores e bens tutelados juridicamente.</p><p>Isto significa dizer que a antijuridicidade formal está contida na ação/conduta</p><p>típica, uma vez que há contradição entre o fato e a norma.</p><p>FIGURA 2 – ANTIJURIDICIDADE FORMAL</p><p>FONTE: A autora</p><p>ANTIJURICIDADE FORMAL:</p><p>CONTRADIÇÃO ENTRE A</p><p>CONDUTA E A NORMA LEGAL</p><p>Já a antijuridicidade material ou substancial não é a mera contradição</p><p>entre o fato e a norma, mas entre o fato e os valores, interesses, bens e necessidades</p><p>existenciais da vida humana coletiva, que possibilitam a estabilidade e permanência</p><p>da vida social e tutelados pelo Direito. Diferentemente da antijuridicidade formal,</p><p>na material há a contradição entre o fato e os interesses que merecedores de tutela</p><p>jurídica em uma dada sociedade.</p><p>FIGURA 3 – ANTIJURIDICIDADE MATERIAL</p><p>FONTE: A autora</p><p>ANTIJURICIDADE MATERIAL:</p><p>LESÃO OU PERIGO DE LESÃO AO</p><p>BEM JURÍDICO PROTEGIDO PELA</p><p>NORMA LEGAL</p><p>Para Muñoz Conde (1988, p. 87):</p><p>[...] a essência da antijuridicidade é a ofensa a um bem jurídico</p><p>protegido pela norma que se torna infringida com a realização da</p><p>ação. Na medida em que não ocorra essa ofensa ao bem jurídico não</p><p>há que se falar de antijuridicidade, por mais que aparentemente ou</p><p>formalmente exista uma contradição entre a norma e a ação.</p><p>Há que se considerar com o devido cuidado a caracterização de</p><p>antijuridicidade, tanto formal como material, para não se incorrer no erro</p><p>de considerar normas morais ou culturais como jurídicas por si só. Embora a</p><p>antijuridicidade seja elemento de crime e os valores sociais fonte substancial do</p><p>Direito Penal, devem ser sempre considerados critérios de interpretação do órgão</p><p>julgador diante do caso concreto.</p><p>TÓPICO 1 | ANTIJURIDICIDADE</p><p>133</p><p>• Antijuridicidade objetiva e subjetiva:</p><p>Como herança do pensamento alemão, particularmente de Rudolf von</p><p>Jhering (1818-1892), considera-se antijuridicidade objetiva um juízo de valor que</p><p>incide sobre a conduta em si, uma vez que, como já estudado, a conduta típica</p><p>exige, além dos elementos objetivos, que definem a culpabilidade, os externos,</p><p>que são os efeitos na realidade.</p><p>Evidentemente a antijuridicidade externa – o fazer ou deixar de fazer</p><p>– apenas se manifesta quando impulsionado por uma vontade que determina</p><p>a culpabilidade, e é esta vontade inicial a primeira fase que se define como</p><p>antijuridicidade subjetiva. Já em um segundo momento há o juízo da ação em si,</p><p>o querer e fazer, que define a antijuridicidade objetiva.</p><p>Tal classificação está relacionada a duas grandes teorias do crime.</p><p>A antijuridicidade subjetiva relacionada à Teoria Clássica ou causalista e a</p><p>antijuridicidade objetiva à Teoria Finalista.</p><p>Lembre-se de que a Teoria Finalista da Ação, elaborada na Alemanha</p><p>por Hans Welzel, na década de 1930, tem como preceito fundamental que o</p><p>crime é uma atividade humana e que, portanto, na caracterização do crime há</p><p>que se considerar a intenção e finalidade objetivada pelo agente a fim de, a ele,</p><p>ser imputada uma sanção. Para a Teoria Finalista da Ação, a ação ou omissão</p><p>combinam-se com dolo ou culpa para definir os elementos que compõem a</p><p>conduta criminosa.</p><p>• Antijuridicidade genérica e específica:</p><p>Conforme já estudado, a ilicitude possui relação com a tipicidade. Ou seja,</p><p>o crime pressupõe a existência do tipo penal, uma vez que é este que contém os</p><p>elementos referentes à ilicitude da conduta.</p><p>A antijuridicidade genérica é a que corresponde na contraposição entre o</p><p>fato e a norma abstrata, por meio de afronta ou lesão a um bem jurídico. É a que</p><p>está situada fora do tipo legal incriminador. É o dolo natural, sem que tenha a</p><p>necessidade, para sua caracterização, de ser discutida a ilicitude do fato.</p><p>Já a antijuridicidade específica é a ilicitude contida em determinados tipos</p><p>penais nos quais se utiliza os termos “sem justa causa” (arts. 153 e 154 do CP),</p><p>“indevidamente” (art. 151 do CP), “salvo quando a lei permite” (art. 345 do CP).</p><p>Em tais casos, a tipicidade e antijuridicidade se fundem em um só juízo, uma vez</p><p>que a antijuridicidade já faz parte do tipo penal. Por esta razão, conclui Lenza (2012,</p><p>p. 387), “A chamada antijuridicidade específica nada mais é do que uma designação</p><p>equivocada a determinados elementos normativos de alguns tipos penais”.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>134</p><p>FIGURA 4 – CLASSIFICAÇÕES DA ANTIJURIDICIDADE</p><p>FONTE: A autora</p><p>an</p><p>tij</p><p>ur</p><p>id</p><p>ic</p><p>id</p><p>ad</p><p>e</p><p>Formal: contrariedade do fato à norma.</p><p>Material: contrariedade entre o fato e os interesses tutelados.</p><p>Objetiva: é o juízo de valor sobre a ação.</p><p>Subjetiva: consciência acerca do agir contrario ao direito.</p><p>Genérica: contraposição geral entre o fato e a norma.</p><p>Específica: é a ilicitude restrita a tipos penais específicos.</p><p>Sendo a antijuridicidade uma das faces do crime, e, por esta razão, sempre</p><p>reflete uma contradição entre a ação e a ordem jurídica, sempre haverá um juízo</p><p>normativo para a tipificação da conduta, uma vez que, no Estado Democrático de</p><p>Direito, o sujeito apenas pode ser apenado se a conduta for considerada, além de</p><p>típica, também antijurídica, ou seja, contrária a ordem jurídica.</p><p>135</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• “Antijuridicidade” é um dos conceitos essenciais do crime, uma vez que para</p><p>se afirmar que há um crime há a necessidade de, obrigatoriamente, existir uma</p><p>conduta humana que corresponda ao tipo descrito na lei penal que protege um</p><p>bem jurídico lesado.</p><p>• A antijuridicidade pode ser formal ou material. A antijuridicidade formal</p><p>é a contrariedade do fato à norma o que constitui uma conduta típica. Já a</p><p>antijuridicidade material é a contradição entre a conduta humana e os valores,</p><p>bens e necessidades protegidas juridicamente.</p><p>• A Teoria Finalista da Ação, bastante difundida no Direito Penal brasileiro, o</p><p>crime é uma atitude humana que deve obrigatoriamente ter uma intenção,</p><p>uma finalidade objetiva. Desta maneira, ao se falar em crime, devem estar</p><p>combinados os elementos que compõem a conduta criminosa e a intenção do</p><p>agente, se culposa ou dolosa.</p><p>136</p><p>1 Antijuridicidade ou ilicitude é definida como a contrariedade do fato com o</p><p>ordenamento jurídico e ocorre quando há risco de dano a um bem jurídico</p><p>tutelado. A ilicitude, especificamente, é considerada objetivamente uma</p><p>forma de agir contrária ao Direito. Considerando tal afirmação assinale a</p><p>afirmação CORRETA.</p><p>a) ( ) Uma conduta é ilícita quando fere um bem jurídico independente de</p><p>ferir a norma jurídica penal.</p><p>b) ( ) A ilicitude possui relação direta com a tipicidade, enquanto a</p><p>antijuridicidade independe da legalidade.</p><p>c) ( ) Aquele que realiza com sua conduta um fato típico, realiza,</p><p>potencialmente, um comportamento dotado de antijuridicidade.</p><p>d) ( ) Ilicitude e antijuridicidade são conceitos jurídicos penais autônomos.</p><p>2 A vida social é permeada por valores que são protegidos pelo Direito.</p><p>Quando uma atitude, ou agir humano, coloca em risco, viola um bem</p><p>ou interesse juridicamente protegido, coloca-se em questão se a conduta</p><p>constitui em si um meio ou fim justo. Considerando tal afirmação, assinale</p><p>a afirmação CORRETA.</p><p>a) ( ) A antijuridicidade é definida como um desvalor social ínsito na</p><p>proibição legal.</p><p>b) ( ) Antijuridicidade não é conceito jurídico e sim social.</p><p>c) ( ) Sendo o crime um conceito jurídico sua definição independe da</p><p>antijuridicidade.</p><p>d) ( ) Antijuridicidade não é elemento constitutivo de crime e sim pressuposto</p><p>de penalização.</p><p>3 A antijuridicidade pode ser formal ou material. A antijuridicidade formal</p><p>está contida na ação típica, enquanto a antijuridicidade material está contida</p><p>na própria ação que coloca em risco ou lesa bem jurídico protegido pela</p><p>norma. Considerando tal afirmação assinale a alternativa CORRETA.</p><p>a) ( ) Na antijuridicidade formal há a contradição entre a conduta e os</p><p>interesses e valores sociais tutelados.</p><p>b) ( ) A antijuridicidade material é a contradição entre fato e valores tutelados.</p><p>c) ( ) Antijuridicidade não é elemento constitutivo de crime.</p><p>d) ( ) Apenas a antijuridicidade formal é elemento constitutivo de crime.</p><p>4 A definição de um crime pressupõe a existência de um tipo penal.</p><p>Especificamente a antijuridicidade é a ilicitude contida em determinados</p><p>tipos penais que sempre reflete uma contradição entre a ação e a ordem</p><p>jurídica. Considerando a diferença entre antijuridicidade genérica e</p><p>específica, assinale a afirmação CORRETA:</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>137</p><p>a) ( ) Antijuridicidade genérica é a contraposição do fato à norma e está fora</p><p>do tipo penal.</p><p>a) ( ) A antijuridicidade genérica independe do dolo natural, mas sim do tipo</p><p>penal.</p><p>a) ( ) Antijuridicidade específica não está contida nos tipos penais, mas sim</p><p>nos valores sociais.</p><p>a) ( ) Antijuridicidade genérica e específica diferenciam-se na tipificação</p><p>legal penal.</p><p>138</p><p>139</p><p>TÓPICO 2</p><p>EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>UNIDADE 3</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>“Ilicitude” é definida como a contrariedade de uma conduta com o Direito</p><p>causando a ofensa a um bem jurídico. É, portanto, a contradição entre o fato e a</p><p>lei penal.</p><p>Entretanto, deve-se levar em consideração que há condutas que são típicas,</p><p>previstas em lei como criminosas, porém, em casos em que o agente pratica a ação</p><p>em estado de necessidade, legítima defesa ou estrito cumprimento de dever legal</p><p>no exercício regular de direito, segundo o previsto no art. 23 do Código Penal,</p><p>não há crime, pois há exclusão de ilicitude.</p><p>Neste tópico serão estudados cada uma das distintas causas de exclusão de</p><p>ilicitude, buscando-se entender como, em determinadas situações, uma conduta</p><p>não é considerada crime por não estar o agente praticando um fato típico.</p><p>2 CONCEITO DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE</p><p>As normas penais, enquanto instrumentos jurídicos de garantia social em</p><p>circunstâncias especialíssimas, permitem ao homem voltar seu comportamento</p><p>contra os bens, necessidades e valores humanos, que, em situações normais, deveria</p><p>proteger. A afronta ao justo, em situações comuns consideradas injustas, pode ser</p><p>excepcionalmente admitida por normas denominadas permissivas chamadas de</p><p>causas de exclusão de ilicitude, também conhecidas como causas de justificação,</p><p>justificativas excludentes, eximentes, discriminantes ou excludentes de ilicitude.</p><p>A excludente de ilicitude resulta da construção histórica penal de um</p><p>determinado grupo social, uma vez que, ao longo do tempo, a dinâmica cultural</p><p>e valorativa redefine as diversas formas de proteção de direitos, estabelecendo as</p><p>excludentes de ilicitude.</p><p>A luta pela sobrevivência, pelo poder e dominação são marcas da história</p><p>humana e justificadoras da criação do Direito Penal como instrumento político</p><p>jurídico de controle. Transformando-se, ao longo do tempo, de vingança divina</p><p>para vingança privada, até modernamente para vingança pública estatal, foi-se</p><p>elaborando o conceito de excludente de ilicitude.</p><p>140</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>Para Bitencourt (2018) a etapa da vingança divina é resultado da forte</p><p>influência da religião para os povos da antiguidade. O princípio que domina essa</p><p>concepção é a busca da recomposição entre os humanos e a divindade ofendida</p><p>pelo crime cometido, sendo esta a razão da punição com crueldade, uma vez que</p><p>o castigo deve ser proporcional à grandeza do deus ofendido. A legislação que</p><p>caracteriza tal etapa é, por exemplo, o Código de Manu.</p><p>IMPORTANTE</p><p>O Código de Manu, escrito por volta de 1500 a.C., e escrito em versos na</p><p>antiga cultura hindu, teria sido escrito por Manu, o pai da humanidade. Segundo uma</p><p>lenda, Sarasvati foi a primeira mulher, criada por Brahma da sua própria essência e substância.</p><p>Desposou-a e do casamento nasceu Manu, criador do mais popular código de leis reguladoras</p><p>da convivência social. Segundo a cultura brâmane, Manu, progênie de Brahma, é o mais antigo</p><p>legislador do mundo – apesar do Código de Hamurabi ser mais antigo que o de Manu, em</p><p>pelo menos 1500 anos, não se trata de um verdadeiro código no sentido técnico da palavra,</p><p>mas de uma coletânea de normas que abrange vários assuntos e preceitos. Redigido em</p><p>forma poética as regras no Código de Manu são expostas em versos.</p><p>Cada regra consta de dois versos cuja metrificação, segundo os indianos, teria sido inventada</p><p>por um santo eremita chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C. Existem estudos</p><p>indicando que, originalmente, o Código era composto por mais de cem mil dísticos (grupo</p><p>de dois versos) e que, através de manipulações e cortes feitos em épocas diferentes, tenham</p><p>sido reduzidos para tornar a leitura integral do texto menos cansativa; nas edições hoje</p><p>conhecidas constam 2.685 dísticos distribuídos em 12 livros. O Código dispõe sobre castigos</p><p>físicos, a exemplo dos seguintes artigos:</p><p>[...]</p><p>Art. 277º Se ele levantou a mão ou um bastão sobre o superior, deve ter a mão cortada; se</p><p>em um movimento de cólera lhe deu um pontapé, que seu pé seja cortado.</p><p>[...]</p><p>Art. 280º Se ele o pega pelos cabelos, pelos pés, pela barba, pelo pescoço, ou pelos testículos,</p><p>que o rei lhe faça cortar as duas mãos sem hesitar.</p><p>FONTE: <https://docplayer.com.br/29825268-Manusrti-codigo-de-manu-200-a-c-e-200-d-</p><p>c-nota-introdutoria.html>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Da vingança divina assiste-se à passagem em diferentes momentos nas</p><p>distintas sociedades, passou-se para a vingança privada que poderia envolver</p><p>desde um indivíduo até o grupo social, com sangrentas guerras, levando, muitas</p><p>vezes, à eliminação absoluta dos grupos o que fez surgir como alternativa, por</p><p>exemplo, a conhecida Lei de Talião.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>141</p><p>Para Bitencourt (2018, p. 30):</p><p>[...] para evitar a dizimação das tribos, surge a lei de talião, determinado</p><p>a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por</p><p>dente. Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre</p><p>infrator e vítima, representando,</p><p>7.4 FORMAS DE PARTICIPAÇÃO ....................................................................................................181</p><p>7.5 ALGUMAS DIFERENCIAÇÕES IMPORTANTES....................................................................182</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................183</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................192</p><p>AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................193</p><p>REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................195</p><p>X</p><p>1</p><p>UNIDADE 1</p><p>FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:</p><p>• compreender e identificar os conceitos fundamentais do Direito Penal;</p><p>• relacionar o Direito Penal com os demais campos do conhecimento</p><p>jurídico;</p><p>• individualizar e conceituar os princípios do Direito Penal;</p><p>• identificar as fontes do Direito Penal;</p><p>• interpretar a norma penal;</p><p>• aplicar a lei penal no tempo e espaço.</p><p>Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você</p><p>encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>TÓPICO 2 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>TÓPICO 3 – NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO</p><p>2</p><p>3</p><p>TÓPICO 1</p><p>UNIDADE 1</p><p>CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO</p><p>DIREITO PENAL</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Ao iniciarmos o estudo em qualquer área do conhecimento o ponto de</p><p>partida é compreendermos o que exatamente vamos estudar, ou seja, qual é nosso</p><p>objeto de reflexão e análise e é exatamente isto que faremos nessa primeira unidade.</p><p>Desde o conceito de Direito Penal, compreendendo-o como um sistema</p><p>normativo, compreenderemos os elementos centrais que compõe o Direito</p><p>Penal, buscando responder às seguintes questões: o que é Direito Penal? Qual</p><p>sua função? Qual sua relação com os demais campos do Direito? Quais seus</p><p>fundamentos e princípios basilares? Quando e como pode ser aplicado? Estas são</p><p>algumas das questões que vamos compreender e discutir nesta primeira unidade</p><p>e momento inicial de estudo. Veremos nesta unidade que o Direito Penal é um</p><p>sistema normativo de controle formal, composto por regras e princípios jurídicos</p><p>que constituem um campo específico do Direito Público. Essencialmente o Direito</p><p>Penal estabelece as ações consideradas como crimes e a elas, como consequência,</p><p>imputa uma pena ou medida de segurança.</p><p>Concebendo o Direito como um sistema normativo, ou seja, como um</p><p>todo coerente e harmônico e não um emaranhado de normas desconexas, há que</p><p>se compreender o Direito Penal em sua interrelação com os demais campos do</p><p>Direito, particularizando e caracterizando a norma penal. Analisaremos a norma</p><p>penal desde uma perspectiva contemporânea, considerando o Direito Penal em</p><p>sintonia com os princípios e fundamentos éticos do Estado Democrático de Direito.</p><p>Aprofundando o conceito de crime, desde uma perspectiva causal-explicativa,</p><p>encontraremos na Criminologia, uma fonte de compreensão crítica e analítica das</p><p>condições de criminalização e as funções do sistema punitivo. Verificaremos que o</p><p>Direito Penal seria um saber inócuo e abstrato, sem condições de por si só, responder</p><p>de maneira efetiva a complexa questão do crime e criminalidade. Por essa razão,</p><p>apenas analisando o sistema normativo penal à luz da Política Criminal e Poder</p><p>Judiciário, é que visualizaremos o que é “Direito Penal”.</p><p>Vamos lá!</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>4</p><p>2 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL</p><p>O Direito Penal é definido como o ramo do Direito Público composto</p><p>por um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado.</p><p>Ocupa-se em estudar: os valores fundamentais sobre os quais se assentam as bases</p><p>de convivência social (bens jurídicos), os fatos e/ou condutas que os violam e as</p><p>normas jurídicas (princípios e regras jurídicas) destinadas a proteger e garantir</p><p>tais valores através da imposição de penas e medidas de segurança.</p><p>Há um certo consenso entre os penalistas acerca da conceituação de</p><p>Direito Penal. Para Bitencourt (2008), Direito Penal apresenta-se como um</p><p>conjunto de normas jurídicas que determinam que ações são consideradas como</p><p>crimes e lhes imputa a pena – esta como consequência do crime –, ou a medida de</p><p>segurança. Já para Luiz Régis Prado (2008), é o setor ou parcela do ordenamento</p><p>jurídico público que estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-</p><p>lhes determinadas consequências jurídicas – penas ou medidas de segurança.</p><p>Enquanto sistema normativo, integra-se por normas jurídicas (mandamentos e</p><p>proibições) que criam o injusto penal e suas respectivas consequências. Nucci</p><p>(2008) assevera que o Direito Penal é o corpo de normas jurídicas voltadas à</p><p>fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo as infrações penais e</p><p>as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.</p><p>Em síntese, o Direito Penal ou Direito Criminal, como preferem alguns,</p><p>define as infrações penais (crimes, delitos e contravenções), cominando pena na</p><p>hipótese de descumprimento dos preceitos estabelecidos.</p><p>Como Direito Público, sua atuação independe da vontade do ofendido,</p><p>constituindo dever e função do Estado intervir e impor sanção, cabendo somente</p><p>ao Estado a penalização.</p><p>DICAS</p><p>• Sendo ramo do Direito Público, o Direito Penal tutela valores que interessam à coletividade</p><p>e são indisponíveis. Portanto, não pode o sujeito particular ofendido dispor da ação penal,</p><p>desistindo ou mesmo perdoando o autor de um delito.</p><p>• Possui caráter primário ou constitutivo (não acessório) e autônomo e não meramente</p><p>sancionatório.</p><p>• É de caráter positivo, sendo sua principal fonte o jus positum – Direito positivo.</p><p>• É valorativo e imperativo, ou seja, valora condutas e impõe ao agente a obrigação de fazer</p><p>ou deixar de fazer algo.</p><p>• É sancionatório, porque reage com uma sanção, pena, àquele que violou o preceito legal.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>5</p><p>É o Direito Penal um sistema de controle social formalizado, constituído</p><p>por um conjunto de regras e princípios que formam um campo específico do</p><p>ordenamento jurídico destinado a proteger bens jurídicos relevantes, e é a forma</p><p>mais dura de intervenção do Estado na vida coletiva e individual, e por esta razão,</p><p>apenas se justifica em situações para as quais os demais ramos do Direito são</p><p>ineficientes. Em assim sendo, significa que o Direito Penal deve intervir na vida</p><p>coletiva e/ou individual tão somente quando outras intervenções jurídicas não</p><p>penais falharem ou forem ineficazes, devendo funcionar apenas subsidiariamente</p><p>(princípio da subsidiariedade), intervindo minimamente na criminalização de</p><p>condutas (princípio da intervenção mínima), atuando ultima ratio na solução de um</p><p>conflito ou problema social. A razão para que o Direito Penal seja assim considerado</p><p>é porque a intromissão do Estado na esfera penal é de privação ou restrição de</p><p>liberdade, bem jurídico fundamental no Estado Democrático de Direito.</p><p>Mas, afinal, o que são os bens jurídico-penais? Para o penalista Roxin</p><p>(1997), bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o</p><p>indivíduo, considerando tais bens a finalidade maior da vida social. Pode-se então</p><p>considerar como bens jurídicos valores e/ou interesses relevantes e significativos</p><p>para a vida humana, tanto individual como coletiva.</p><p>Embora sendo a religião e a moral bens jurídicos relevantes e também</p><p>protegidos, é vedado ao Direito em geral, e ao Penal em particular, a intervenção</p><p>no âmbito moral, religioso e ético, e todas as demais esferas da vida íntima das</p><p>pessoas, determinando condutas morais e/ou religiosas, uma vez que possui como</p><p>de certa forma, a primeira tentativa</p><p>de humanização da sanção criminal.</p><p>Nos primórdios da civilização o Código de Hamurabi, elaborado por volta do</p><p>ano 1772 a.C., adotando o que ficou conhecido como lei de Talião, previa no art. 209:</p><p>“se alguém bate numa mulher livre e faz a abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto. Se</p><p>essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”. No mesmo sentido o texto bíblico</p><p>em Levítico (24:17), no Velho Testamento, compilação das antigas escrituras hebraicas,</p><p>determina: “Todo aquele que matar um outro ser humano será também executado”,</p><p>evidenciando, assim, que a punição vai assumindo caráter retributivo e proporcional.</p><p>Na cultura ocidental, com o passar do tempo, chega-se à vingança pública,</p><p>com o advento da Lei das XII Tábuas, criada em torno de 451 a.C. na antiga Roma,</p><p>quando o poder público assume o poder deve manter a ordem e a segurança</p><p>social, com a finalidade de garantir a segurança do soberano pela aplicação</p><p>da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, a vingança</p><p>pública substitui a vingança privada.</p><p>Nesta etapa, é na Lei das XII Tábuas, segundo Lima (1982, p. 46), que</p><p>vamos encontrar o primeiro registro de excludente de ilicitude, a legítima defesa:</p><p>“Se um ladrão durante o dia se defender com arma, que a vítima peça socorro em</p><p>altas vozes e se, depois disso, mata o ladrão, que fique impune”.</p><p>Historicamente, a legítima defesa é a excludente de ilicitude mais antiga</p><p>que se conhece, reconhecida em todos os tempos e por todos os povos, e, segundo</p><p>sua concepção, é justo impedir pela força a violação injusta e iminente de um</p><p>interesse tutelado.</p><p>Já nos aproximando do Brasil e dando um “salto histórico”, na fase</p><p>republicana, em 1940 foi promulgado o Código Penal, através do Decreto-lei n°</p><p>2.848, de 7 de dezembro de 1940, que passou a vigorar em 1° de janeiro de 1942.</p><p>Tal código, chegando até os dias atuais com inúmeras alterações, é</p><p>um estatuto jurídico de natureza estritamente repressiva, elaborado desde a</p><p>concepção, segundo a qual a pena privativa de liberdade é o meio privilegiado</p><p>para controle do crime. Portanto, o núcleo central da lógica punitiva brasileira é</p><p>a privação de liberdade, consolidando, ao longo do tempo, uma política criminal</p><p>essencialmente restritiva de direitos fundamentais.</p><p>Originalmente, o Código Penal (BRASIL, 1940, s.p.) dispunha no art. 19:</p><p>Art. 19. Não há crime quando o agente pratica o fato:</p><p>I- em estado de necessidade;</p><p>II- em legítima defesa;</p><p>III- em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de</p><p>direito.</p><p>142</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>O art. 20 dispunha sobre o conceito de estado de necessidade,</p><p>estabelecendo:</p><p>Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para</p><p>salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia</p><p>de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas</p><p>circunstâncias, não era razoável exigir-se.</p><p>§ 1° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal</p><p>de enfrentar o perigo.</p><p>§ 2° Embora reconheça que era razoável exigir-se o sacrifício do</p><p>direito ameaçado, o juiz pode reduzir a pena, de um a dois terços</p><p>(BRASIL, 1940, s.p.).</p><p>A legítima defesa foi contemplada como conceito específico no art. 21:</p><p>Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos</p><p>meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito</p><p>seu ou de outrem.</p><p>Parágrafo Único. O agente que exceder culposamente os limites da</p><p>legítima defesa, responde pelo fato, se este é punível como crime</p><p>culposo (BRASIL, 1940, s.p.).</p><p>Observe que a lei regulava a aplicação do parágrafo único somente em</p><p>relação à legítima defesa, que passa a ser aplicado junto com as demais excludentes</p><p>apenas com a Reforma Penal de 1969.</p><p>O Código Penal de 1969, em seu art. 27, previa as hipóteses de excludentes</p><p>de ilicitude e, seguindo-se nos artigos 28 e 29, as definições das excludentes de</p><p>estado de necessidade e legítima defesa, possuindo a seguinte redação:</p><p>Art. 27. Não há crime quando o agente pratica o fato: (exclusão de</p><p>crime)</p><p>I– em estado de necessidade;</p><p>II– em legítima defesa;</p><p>III– em estrito cumprimento do dever legal;</p><p>IV– em exercício regular de direito.</p><p>Art. 28. Considera-se estado de necessidade quem pratica um mal</p><p>para preservar direito seu ou alheio de perigo certo e atual, que não</p><p>provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado,</p><p>pela sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal</p><p>evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.</p><p>(Estado de necessidade como excludente do crime)</p><p>Art. 29. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente</p><p>dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a</p><p>direito seu ou de outrem. (Legítima defesa) (BRASIL, 1969, s.p.).</p><p>Observe que o artigo 25 tratava os casos de estado de necessidade como</p><p>excludente da culpabilidade. Ainda dispunha sobre a legítima defesa, tratando</p><p>mais casuisticamente e com maior clareza o excesso na reação, mais tolerante</p><p>quantitativamente em apená-lo, e mais atento aos limites humanos em certas</p><p>circunstâncias, prevendo como escusável o excesso decorrente do medo, da</p><p>surpresa ou da perturbação de ânimo em face da situação. E assim legislava:</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>143</p><p>Art. 25. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio</p><p>ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou</p><p>afeição, contra o perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de</p><p>outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao</p><p>direito protegido, desde que não era razoavelmente exigível conduta</p><p>diversa (BRASIL, 1969, s.p.).</p><p>Entretanto, este código foi revogado ainda no mesmo ano, mantendo-se</p><p>em vigor o Código Penal de 1940 até a reforma ocorrida em 1984, que se deu</p><p>em função de exigências históricas. Na década de 1980, a sociedade brasileira se</p><p>transformara. Se de um lado avançava uma mentalidade mais humanizadora que</p><p>tratou de criar medidas penais para os crimes de pequena relevância, deixando o</p><p>encarceramento apenas para crimes relevantes, respeitando direitos fundamentais.</p><p>Por outro lado, o Brasil assiste a um aumento na violência urbana com entrada em</p><p>cena do crime organizado, exigindo, atualmente, repensar a lógica penal punitiva</p><p>desde a ótica democrática e garantista. A partir dessa reforma as excludentes de</p><p>ilicitude passaram a ser disciplinadas da seguinte forma:</p><p>Exclusão da ilicitude</p><p>Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:</p><p>I- em estado de necessidade</p><p>II- em legítima defesa</p><p>III- em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de</p><p>direito.</p><p>Excesso punível</p><p>Parágrafo Único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,</p><p>responderá pelo excesso doloso ou culposo (BRASIL, 1984, s.p.).</p><p>Também foram reguladas as excludentes de estado de necessidade e</p><p>legítima defesa, da seguinte forma:</p><p>Art. 24. Considera-se estado de necessidade quem pratica o fato para</p><p>salvar de perigo atual, quem não provocou por sua vontade, nem</p><p>podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício,</p><p>nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.</p><p>§ 1° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal</p><p>de enfrentar o perigo.</p><p>§ 2° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a</p><p>pena poderá ser reduzida de um a dois terços.</p><p>Ainda, se define a legítima defesa como:</p><p>Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente</p><p>dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a</p><p>direito seu ou de outrem (BRASIL, 1984, s.p.).</p><p>Observa-se que, além de passar a denominar de “excludentes de ilicitude”,</p><p>a lei estende o excesso punível para todas as excludentes.</p><p>144</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>Em síntese, a conduta humana será típica, criminalmente, quando a lei penal a</p><p>descreve como sendo um delito. Entretanto, essa ilicitude ou antijuridicidade, consistente</p><p>na</p><p>relação de contrariedade entre a conduta típica do autor e o ordenamento jurídico, pode ser</p><p>suprimida, desde de que, no caso concreto, estejam presentes uma das hipóteses previstas</p><p>no artigo 23 do Código Penal, quais sejam:</p><p>I- o estado de necessidade;</p><p>II- a legítima defesa;</p><p>III- o estrito cumprimento do dever legal o exercício regular de</p><p>direito (BRASIL, 1984, s.p.).</p><p>ATENCAO</p><p>O estado de necessidade e a legítima defesa estão conceituados nos artigos</p><p>24 e 25 do Código Penal, merecendo destaque apenas o estrito cumprimento do</p><p>dever legal e o exercício regular de um direito, como excludentes da ilicitude ou</p><p>da antijuridicidade.</p><p>A expressão “estrito cumprimento do dever legal”, por si só, basta para</p><p>justificar que tal conduta não é ilícita, ainda que se constitua típica. Isto porque,</p><p>se a conduta decorre do cumprimento de um dever legal, ela está de acordo com</p><p>a lei, não podendo, por isso, ser contrária a ela.</p><p>Por outras palavras, se há um dever legal na ação do autor, esta não pode</p><p>ser considerada ilícita, contrária ao ordenamento jurídico.</p><p>O exercício regular de um direito, como excludente da ilicitude, também</p><p>quer evitar a antinomia nas relações jurídicas, posto que, se a conduta do autor</p><p>decorre do exercício regular de um direito, ainda que ela seja típica, não poderá</p><p>ser considerada antijurídica, já que está de acordo com o direito.</p><p>Há que se assinalar que apesar de ser a previsão legal ser bastante</p><p>abrangente, admite-se a existência de causas supra legais – não previstas em</p><p>lei – de exclusão de ilicitude com emprego da analogia in bona partem, suprindo</p><p>eventuais situações não contempladas no texto legal, à exemplo do que ocorre em</p><p>relação ao consentimento do ofendido nos tipos penais em que o bem jurídico é</p><p>disponível (exemplo, Art. 163 do CP) e o sujeito passivo, pessoa capaz.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>145</p><p>FIGURA 5 – QUADRO SÍNTESE: EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/836965911977288708/?nic=1>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>2.1 EXCESSO PUNÍVEL</p><p>Define-se o excesso como a desnecessária intensificação de uma conduta</p><p>inicialmente legítima. Assim, uma pessoa, pode, em princípio, agir em situação de</p><p>legítima defesa, estado de necessidade etc., porém exagere, ultrapasse o limite da</p><p>ação necessária para repelir a injusta agressão e, em vez disso, comete um crime</p><p>doloso ou culposo conforme a natureza e extensão do dano (art. 23, parágrafo</p><p>único, do CP).</p><p>Apesar de o Código Penal se referir ao excesso nas formas dolosa e</p><p>culposa, admite-se tal figura sem que se possa atribuir o exagero a título de dolo</p><p>ou culpa, desde que desnecessária a intensificação da conduta legítima a partir de</p><p>suas causas. Em tal hipótese pode-se admitir:</p><p>• Excesso consciente (ou voluntário): quando o agente tem plena noção/</p><p>consciência de que a conduta está sendo além do que o necessário para repelir</p><p>uma agressão inicialmente injusta.</p><p>◦ Exemplo: a vítima teve seu celular furtado por um ladrão e, conseguindo</p><p>dominá-lo e recuperado a res furtiva, conscientemente, e movido por raiva, o</p><p>agride a pauladas causando sua morte. Considere que, inicialmente, a conduta</p><p>se caracteriza como legítima, porém, acaba por praticar excesso doloso.</p><p>• Excesso inconsciente (ou involuntário): ocorre quando há uma avaliação ou</p><p>compreensão inadequada da realidade (erro de tipo) e o sujeito ultrapassa os</p><p>limites do que seria uma excludente de ilicitude sem ter ciência disso. Neste</p><p>caso, há que se avaliar se o erro de tipo, por ele cometido, foi evitável ou não.</p><p>Considera-se evitável, ou vencível, o erro em que uma pessoa de discernimento</p><p>e prudência comum, na mesma situação, age de maneira diversa.</p><p>◦ Exemplo: suponha a mesma situação anterior de um ladrão que furta o celular.</p><p>Por equívoco, pensa que o ladrão não está totalmente dominado e, sendo mais</p><p>forte, o agride fisicamente causando fraturas ósseas. Em tal situação o agente</p><p>responde pelo excesso produzido por culpa, caso exista previsão legal.</p><p>146</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>Em não raras vezes pode ocorrer excesso por medo. E o clássico exemplo é</p><p>de um senhor idoso que reage a um assalto feito com uma arma de brinquedo e, por</p><p>medo, reage agredindo o assaltante com sua bengala. Mesmo o agressor desmaiado,</p><p>ainda movido por medo, continua a agressão vindo a matar o assaltante. Neste</p><p>caso, o medo provocou alteração no estado psíquico do idoso a tal ponto que o</p><p>levou a cometer o excesso. Trata-se em caso de legítima defesa subjetiva.</p><p>IMPORTANTE</p><p>Há na doutrina e jurisprudência casos em que se diferenciam o excesso intensivo</p><p>do excesso extensivo. Ocorre excesso intensivo ou excesso nos meios quando há exagero</p><p>indevido na reação. O excesso extensivo ou excesso na causa quando há, proporcionalmente,</p><p>menor valoração no direito protegido do que o atingido pela repulsa empregada. Exemplo: a</p><p>vítima de agressão ao patrimônio – furto de celular – tira a vida do agressor.</p><p>DICAS</p><p>Há casos famosos em que se foi discutido judicialmente o excesso, como o triste</p><p>episódio envolvendo a apresentadora de TV Ana Hickmann. Sobre o caso, sugere-se a leitura</p><p>disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI271550,21048-O+caso+Ana+Hickm</p><p>ann+e+o+excesso+na+legitima+defesa. Após a leitura reflita e considere o estudo realizado.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>147</p><p>FIGURA 6 - QUADRO SÍNTESE: EXCLUDENTES E EXCESSO PUNÍVEL</p><p>FONTE: <https://www.pinterest.at/pin/306385580885865059/>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>“Art. 24/CP</p><p>Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar</p><p>de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro</p><p>modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,</p><p>não era razoável exigir-se".</p><p>Art. 25/CP</p><p>Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios</p><p>necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou</p><p>de outrem.</p><p>“Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, não raras vezes</p><p>devem agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para</p><p>assegurar o cumprimento da lei (em sentido lato). Essa intervenção redunda</p><p>em agressão a bens jurídicos como a liberdade de locomoção, a integridade</p><p>física e até mesmo a própria vida. Dentro de limites aceitáveis, tal intervenção</p><p>é justificada pelo estrito cumprimento do dever legal” – Rogério Sanches</p><p>desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta</p><p>autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. Essa excludente da</p><p>antijuridicidade vem amparada pelo art. 23, II do CP, que emprega a</p><p>expressão direito em sentido amplo.</p><p>IMPRUDÊNCIA</p><p>Ato de agir perigosamente,</p><p>com falta de moderação ou</p><p>precaução.</p><p>Comportamento de</p><p>precipitação, de falta de</p><p>cuidados.</p><p>IMPERÍCIA</p><p>Falta de habilidade,</p><p>experiência ou destreza;</p><p>incompetência.</p><p>NEGLIGÊNCIA</p><p>Termo que designa falta de</p><p>cuidado ou de aplicação</p><p>numa determinada situação,</p><p>tarefa ou ocorrência.</p><p>ESPÉCIES SUPRALEGAIS</p><p>ESPÉCIES LEGAIS</p><p>SUPRALEGAL</p><p>Que está acima da</p><p>legalidade da lei, ou</p><p>que não pode ser por</p><p>esta julgada.</p><p>148</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>3 ESTADO DE NECESSIDADE</p><p>Para melhor compreensão do disposto no artigo 24 do CP, qual seja a</p><p>definição da excludente de ilicitude “estado de necessidade”, colhe-se a definição</p><p>de Nucci ( 2019, p. 238), nos seguintes termos: “[... ] é o sacrifício de um interesse</p><p>juridicamente protegido, para salvar de perigo atual e inevitável o direito do</p><p>próprio agente ou de terceiros, desde que outra conduta, nas circunstâncias</p><p>concretas, não era razoavelmente exigível”.</p><p>Considera-se em estado de necessidade quem pratica um ato criminoso para</p><p>salvaguardar de perigo atual, direito próprio, ou de terceiros, cujo sacrifício em face</p><p>das circunstâncias, não era razoável exigir-se. Por outras palavras, há o estado de</p><p>necessidade quando alguém, para salvar um bem jurídico próprio ou de terceiro</p><p>exposto a perigo atual, sacrifica outro bem jurídico.</p><p>Portanto, não age contra a ordem</p><p>jurídica o agente que está a lesar direito de outrem para salvar o seu ou de terceiros.</p><p>Há que se assinalar que colocar em risco ou ofender bem jurídico alheio</p><p>é uma faculdade e não um direito ou obrigação. Sob estado de necessidade não</p><p>há obrigação para nenhum dos sujeitos envolvidos na possibilidade de sacrificar</p><p>bens jurídicos. De tal particularidade decorre a possiblidade de confronto de</p><p>estado de necessidade com estado de necessidade.</p><p>Entretanto, a caracterização do estado de necessidade é pressuposta a</p><p>existência de um direito próprio ou de terceiro a ser salvo ou defendido mediante</p><p>o sacrifício de outrem. Porém, a regra não é irrestrita, uma vez que, não há que se</p><p>falar em estado de necessidade aquele que fere ou sacrifica bem de outrem para</p><p>proteger bem juridicamente não protegido, uma vez que é clara a disposição</p><p>legal que se admite como pressuposto da excludente de estado de necessidade</p><p>a existência de um direito em ameaça.</p><p>Assim, admite-se apenas a excludente prevista no artigo 24 do CP, quando</p><p>da presença dos seguintes requisitos:</p><p>3.1 ATUALIDADE DO PERIGO</p><p>Atual, no sentido do art. 24 do CP, deve ser entendido como o que está</p><p>acontecendo, diz respeito à situação presente. Assim, não se pode fazer valer</p><p>do uso da excludente o agente que estiver sob perigo incerto, passado ou ainda</p><p>futuro ou pela mera probabilidade de ofensa ou lesão ao bem jurídico em questão.</p><p>Definem Zaffaroni e Pierangeli (2015, p. 279) como “perigo” algo mais que</p><p>a mera probabilidade de um mal, devendo haver uma probabilidade iminente. E</p><p>esclarecem:</p><p>[...] o requisito da existência de um perigo atual para um bem</p><p>jurídico de maior importância deve vincular-se com a inexistência</p><p>de outro meio de evitá-lo. A ‘atualidade’ do perigo indica que não</p><p>existe, de momento, outro meio de evitá-lo, mas tampouco que</p><p>exista um lapso temporal por vir, que criasse a possibilidade do</p><p>meio, por enquanto inexistente, surgir ou apresentar-se disponível.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>149</p><p>3.2 INEVITABILIDADE DO PERIGO E INEVITABILIDADE DA</p><p>LESÃO</p><p>A existência do estado de necessidade é a inevitabilidade do perigo, assim</p><p>como também inevitável a lesão ao bem jurídico de terceiro, não sendo possível</p><p>se esquivar ou fugir. Porém, há que se estar atento para o fato de que o agente</p><p>deve agir de forma a causar o menor estrago ou dano possível ao bem ou interesse</p><p>de terceiro, sob pena de agindo em excesso, seja culposo ou doloso, não sendo</p><p>possível admitir a excludente em tal circunstância.</p><p>Trata-se do denominado excesso punível, previsto no parágrafo único do</p><p>artigo 23 do CP, sendo que a ação realizada deve constituir o único meio para</p><p>evitar e salvaguardar o bem jurídico em perigo e que seja utilizado o meio menos</p><p>lesivo nesta proteção.</p><p>A inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado, está relacionada</p><p>ao Princípio da Razoabilidade ou da Ponderação dos bens jurídicos, conforme</p><p>preleciona Bitencourt (2018, p. 279-280), “o princípio da razoabilidade é o que</p><p>permite afirmar, com segurança, que quando o bem sacrificado for de valor superior</p><p>ao preservado, será inadmissível o reconhecimento do estado de necessidade”.</p><p>Quando se indaga acerca das circunstâncias que indicam a razoabilidade</p><p>ou ponderação, a inexigibilidade de outra conduta poderá excluir a culpabilidade.</p><p>Isto significa que, em determinada circunstância, não se pode exigir que o agente</p><p>aceite a lesão ou sacrifique o bem jurídico ameaçado, entretanto, o bem jurídico</p><p>defendido, deve ser maior ou, ao menos, igual ao bem jurídico violado. Não</p><p>sendo assim, o agente não incidirá nessa excludente de ilicitude, mas poderá,</p><p>conforme caso concreto, excluir a sua culpabilidade, conforme cuidadosa análise</p><p>do caso concreto.</p><p>3.3 INVOLUNTARIEDADE NA CAUSA DO PERIGO</p><p>Outro elemento relevante e que compõe a estrutura do instituto penal é</p><p>a impossibilidade de relação do emprego do estado de necessidade por aquele</p><p>que deu causa do perigo. Contudo, trata-se de uma discussão difícil e bastante</p><p>controversa, pois o entendimento doutrinário não é pacífico, podendo-se</p><p>encontrar considerações variadas.</p><p>Autores como Zaffaroni e Pierangeli (2015, p. 323) entendem que:</p><p>“Obviamente, não existe necessidade quando a situação foi provocada</p><p>intencionalmente, posto que a conduta típica que provoca a necessidade não</p><p>pode ficar atípica pela própria situação de necessidade que ela cria”.</p><p>Entretanto, em que pese possível discussão, o entendimento predominante</p><p>nos Tribunais brasileiros é o de não reconhecimento da excludente somente</p><p>quando incorreu o agente em dolo na produção do perigo.</p><p>150</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>3.4 INEXIGIBILIDADE DO SACRIFÍCIO DO BEM AMEAÇADO</p><p>É um elemento relevante considerar a relação do bem jurídico ameaçado</p><p>com o qual se sacrifica, a fim de sopesar o "confronto" de valoração entre ambos.</p><p>Porém, esta comparação não há de ser feita sob rigor extremo de valoração</p><p>dos bens em questão, uma vez que, ao se considerar valores de bens jurídicos,</p><p>sempre há uma graduação, ou seja, uma escala valorativa, que deve considerada</p><p>e colocada à luz quando da análise e arguição do estado de necessidade.</p><p>É o que se denomina de condição preponderante da modalidade do estado</p><p>de necessidade justificante.</p><p>3.5 CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICADORA DA</p><p>CONDUTA</p><p>Apenas há situação de excludente se o agente tinha consciência da</p><p>situação de perigo e se agiu com a vontade dirigida a salvaguardar o bem jurídico</p><p>ameaçado. O que significa dizer que esta é a condição que justifica e legitima a</p><p>conduta praticada que permite não contrária ao direito.</p><p>FIGURA 7 – ESTADO DE NECESSIDADE</p><p>FONTE: <http://juridiquei.com.br/excludentes-de-ilicitude.html>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Exemplo clássico de estado de necessidade: suponha que você está em</p><p>um passeio de barco com amigos em uma praia. De repente algo dá errado e o</p><p>barco começa a afundar. Todos entram em pânico e você vê que há apenas uma</p><p>boia de salvamento. Você corre para pegar a boia, mas outra pessoa chega antes e</p><p>pega a boia. O barco está quase afundando totalmente. Ou você luta para pegar a</p><p>boia ou irá morrer afogado. Neste caso o direito lhe permite tomar a boia à força</p><p>mesmo que isso venha causar a morte do terceiro que está na posse da boia. Por</p><p>quê? Neste caso estão presentes os requisitos que caracterizam a excludente de</p><p>Estado de Necessidade.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>151</p><p>4 EXCLUSÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE</p><p>Por força expressa de lei, não poderá alegar estado de necessidade o</p><p>agente que tem o dever legal de enfrentar o perigo, como preceitua o parágrafo</p><p>1º do artigo 24 do CP. São os indivíduos que, em razão da função ou ofício, tem o</p><p>dever legal de enfrentar o perigo, não lhes sendo lícito sacrificar o bem de terceiro</p><p>para a defesa do seu próprio.</p><p>Elenca-se policiais civis e militares, o bombeiro, o guarda de penitenciária,</p><p>o soldado, dentre outros.</p><p>Entretanto, para a análise de exclusão, há uma questão fundamental a ser</p><p>respondida: se a lei fala em dever legal, o que se dizer do que se acha sob dever</p><p>jurídico? Como a lei fala em dever legal, há que se compreender o dever que</p><p>nasce em decorrência da lei, o que permite compreender “dever legal” em sentido</p><p>latu, absolvendo o conceito de “dever jurídico”.</p><p>É o que se apreende da exposição de motivos da parte geral do código</p><p>de 1940, que não foi alterada pela Reforma de 1984, que dispõe: a abnegação em</p><p>face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico.</p><p>Porém, apesar da obrigação, o direito não pode exigir qualquer ato de heroísmo</p><p>ou sacrifício direitos fundamentais.</p><p>Requisitos para caracterização de estado de necessidade:</p><p>• Situação de perigo real, atual ou iminente.</p><p>• Perigo inevitável.</p><p>• Inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado.</p><p>• Não estar em situação de garante – não pode invocar estado de necessidade o que tem o</p><p>dever legal de enfrentar o perigo.</p><p>• Não ter sido o agente o</p><p>causador ou provocador da situação de perigo.</p><p>É possível para a proteção de um bem jurídico, o sacrifício de outro bem jurídico de igual ou</p><p>menor importância, entretanto, em caso de sacrifício de bem jurídico de maior importância,</p><p>por falta de proporcionalidade, há que se considerar, com extremo cuidado, a situação</p><p>particular, uma vez que ninguém pode invocar estado de necessidade para proteger bem</p><p>jurídico de menor importância com o sacrifício de bem jurídico de maior importância. A</p><p>lei prevê, em tais casos, a redução de 1/3 a 2/3 para pessoas não favorecidas com o estado</p><p>de necessidade, mas que estavam em situação semelhante a outra em que o estado de</p><p>necessidade poderia ser invocado.</p><p>ATENCAO</p><p>152</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>FIGURA 8 - QUADRO SÍNTESE: ESTADO DE NECESSIDADE</p><p>FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/f7/9e/e8/f79ee84860234060b62571e8ee651c3c.jpg>.</p><p>Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Perigo Atual:</p><p>é o perigo que já existe, que</p><p>já está presente, subsiste e</p><p>persiste.</p><p>Perigo Iminente:</p><p>é aquele perigo que ainda</p><p>não existe, mas está em vias de</p><p>existir.</p><p>se o perigo é iminente, é bem</p><p>provável que o mal possa</p><p>ser evitado de maneira</p><p>diversa da prática de</p><p>conduta lesiva a interesse</p><p>juridicamente protegido. E</p><p>tal como já mencionamos,</p><p>é imprescindível para a</p><p>invocação do estado</p><p>de necessidade, a</p><p>inevitabilidade do perigo</p><p>por outro meio</p><p>Art. 188. Não constituem atos ilícitos:</p><p>I- os praticados em legítima defesa ou no exercício</p><p>regular de um direito reconhecido;</p><p>II- a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a</p><p>lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.</p><p>Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será</p><p>legítimo somente quando as circunstâncias o</p><p>tornarem absolutamente necessário, não excedendo os</p><p>limites do indispensável para a remoção do perigo.</p><p>Todo aquele que age em estado de necessidade</p><p>encontra-se amparado por uma justificativa</p><p>legal, embora pratique conduta lesiva.</p><p>É imprescindível que o agente não tenha o</p><p>dever legal de enfrentar o perigo.</p><p>MESMO AGINDO LEGALMENTE, O ESTADO DE</p><p>NECESSIDADE GERA PARA O AGENTE O DEVER</p><p>DE INDENIZAR.</p><p>Art. 929 do CC:</p><p>“Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II</p><p>do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á</p><p>direito à indenização do prejuízo que sofreram”.</p><p>Somente em um único caso o estado de necessidade retira</p><p>do agente o dever de indenizar: quando a vítima tiver sido</p><p>a própria causadora do perigo.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>153</p><p>5 LEGÍTIMA DEFESA</p><p>A legítima defesa é um instituto dos mais antigos no direito e se constitui</p><p>em excludente de antijuridicidade de um fato típico. Portanto, é consagrada</p><p>pelo direito, como legítima, a reação contra conduta reprovável de terceiro, uma</p><p>vez que tem como elemento subjetivo o animus defendendi, ou seja, a intenção de</p><p>defesa legítima.</p><p>Conforme o disposto no art. 23 do CP, a legítima defesa é a causa de exclusão</p><p>de culpabilidade prevista no inciso II e regulada pelo mesmo ordenamento no</p><p>art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios</p><p>necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”</p><p>(BRASIL, 1984, s.p.).</p><p>Tal instituto penal é definido, no entender de Nucci (2019, p. 245) como “a</p><p>defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra</p><p>direito próprio ou de terceiros, usando, para tanto, moderadamente, os meios</p><p>necessários”. E complementa, o referido autor:</p><p>Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir as</p><p>agressões a direito seu ou de outrem, substituindo a atuação da</p><p>sociedade ou do Estado, que não pode estar em todos os lugares ao</p><p>mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisa</p><p>ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e</p><p>dinâmico (NUCCI, 2019, p. 246).</p><p>Das teorias que explicam e fundamentam a legítima defesa, no</p><p>ordenamento penal brasileiro destacam-se:</p><p>• Teoria subjetiva: que considera como causa de exclusão de culpabilidade, e</p><p>encontra como justificação, a “perturbação” do ânimo da pessoa agredida ou</p><p>nos motivos determinantes do agente agressor que permite conferir licitude ao</p><p>ato daquele que se defende.</p><p>• Teoria objetiva: a teoria objetiva considera a legítima defesa como excludente</p><p>de antijuridicidade e funda-se na existência de um direito inerente e primário</p><p>ao ser humano de defender-se. Desde tal ótica, embora tenha o ser humano</p><p>transferido ao Estado o monopólio da proteção de bens jurídicos, quando, da</p><p>impossibilidade do ente estatal em fazê-lo, o cidadão comum legitimamente</p><p>pode retomá-lo.</p><p>Entretanto, como todo campo do direito, sobretudo no âmbito do direito</p><p>penal, há limites – requisitos – para repelir o mal injusto e grave. Nasce daí a</p><p>necessidade de existência de requisitos para a caracterização da legítima defesa.</p><p>154</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>FIGURA 9 – DIFERENÇA ENTRE LEGÍTIMA DEFESA E JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS</p><p>FONTE: <https://pbs.twimg.com/media/DP-jA1yW0AElmDE?format=jpg&name=small>.</p><p>Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>5.1 REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA</p><p>Constituem requisitos da legítima defesa:</p><p>• a reação a uma agressão atual ou iminente e injusta;</p><p>• a defesa de um direito próprio ou alheio;</p><p>• a moderação no emprego dos meios necessários à repulsa; e</p><p>• o elemento subjetivo.</p><p>FIGURA 10 – LEGÍTIMA DEFESA</p><p>FONTE: <http://twixar.me/fls1>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>5.1.1 Agressão injusta, atual ou iminente</p><p>“Agressão” é um termo sinônimo de “ataque”, ou seja, de uma conduta</p><p>humana que coloca em perigo ou lesa bens jurídicos tutelados. Portanto, não se</p><p>trata de mera “provocação”, uma vez que agir lesando bem jurídico alheio em</p><p>reação a mera provocação implica responder por crime, podendo, tão somente,</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>155</p><p>em casos particulares, ser reconhecida em seu favor uma atenuante genérica</p><p>(CP, art. 65, III, b) ou uma causa de redução de pena, como se dá nos crimes de</p><p>homicídio e lesão corporal dolosos (CP, arts. 121, § 1º, e 129, § 4º).</p><p>Atente-se ao fato que a agressão deve ser feita de um ser humano,</p><p>cabendo em casos de ataques de animais, em tese, o estado de necessidade, salvo</p><p>se o animal é provocado por um agente para ferir alguém, sendo usado por sua</p><p>condição de irracionalidade como instrumento de agressão.</p><p>Importante diferenciar:</p><p>• Agressão ativa: quando a ação é comissiva.</p><p>• Agressão passiva: quando o agente se omite e mantém, ou promove, uma agressão</p><p>injusta. O clássico exemplo é o carcereiro que, mesmo com alvará de soltura, mantém o</p><p>apenado preso. Neste caso, a omissão do agente é despropositada pois, aparentemente e</p><p>presumidamente seu agir é lícito, uma vez que está revestido de autoridade pública, devendo</p><p>o apenado recorrer à autoridade pública e meios adequados para fazer cessar a agressão.</p><p>ATENCAO</p><p>A agressão injusta é a agressão ilícita, devendo ser apreciada</p><p>objetivamente não importando se o agressor tinha ou não consciência de seu</p><p>injusto comportamento. Desde tal consideração, parte-se da premissa de que</p><p>existem agressões justas, ou seja, legítimas e amparadas pelo direito, como, por</p><p>exemplo, a prisão em flagrante, neste caso não se aplicando a legítima defesa.</p><p>No entender de Hungria (1978, p. 295):</p><p>A agressão [...] deve ser injusta, isto é, representar uma conduta</p><p>proibida ou desautorizada pelo direito. Não é necessário que constitua</p><p>um injusto penal: basta que seja contrária ao direito in generi. Não</p><p>entra em linha de conta a ação, embora que prejudicial ao agredido</p><p>e moralmente reprovável, não revista o cunho de injuricidade</p><p>[antijuridicidade].</p><p>A legítima defesa apenas se aplica como adequada reação a uma injusta</p><p>agressão. Quanto ao requisito de atualidade aplica-se o critério cronológico,</p><p>temporal. Ou seja, o núcleo da conduta é a prevenção, seja para evitar um dano,</p><p>repelir uma agressão ou fazê-la cessar, ou impedir sua consumação. Com tal</p><p>requisito o que se</p><p>busca impedir é a “legitimação da vingança”, uma vez que</p><p>apenas cabe ao Estado a persecutio criminis.</p><p>• Agressão atual: é aquela que ainda não foi concluída, mas se for prolongada no</p><p>tempo poderá produzir danos ou ofensa a bens jurídicos tutelados.</p><p>156</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>• Agressão iminente: é a que não foi iniciada, porém está prestes a acontecer,</p><p>sendo inadmissível a demora em sua repulsa.</p><p>Em ambos os casos, tanto agressão atual como iminente, deverá ocorrer</p><p>a legítima defesa de forma imediata à agressão ou quando do conhecimento</p><p>dela, a fim de ser evitado um mal maior. Justifica-se a reação à lesividade da</p><p>agressão ou/e exposição do perigo que possa ser evitado quando o Estado não</p><p>poder intervir em tempo hábil. Se o dano já ocorreu e é irremediável e irredutível,</p><p>caberá a persecução penal propriamente dita e não a legítima defesa. Se o dano é</p><p>futuro e não iminente, caberá informar a autoridade pública, uma vez que, caso</p><p>fosse autorizada a legítima defesa futura, se estaria a legitimar o medo.</p><p>A legítima defesa é um instituto que busca a proteção de direito e não se</p><p>confunde com vingança, tampouco com o medo da agressão, uma que, caso o</p><p>direito os legitimasse, estaria outorgando ao cidadão o jus ad bellum (direito de</p><p>guerrear), retirando do Estado o jus puniedi, uma vez que aquele que faz justiça</p><p>com as próprias mãos comete o crime de exercício arbitrário das próprias razões,</p><p>à luz do art. 345 do CP, que dispõe:</p><p>Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer</p><p>pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:</p><p>Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da</p><p>pena correspondente à violência.</p><p>Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se</p><p>procede mediante queixa (BRASIL, 1984, s.p.).</p><p>FIGURA 11 - VOCÊ DEVE SE PERGUNTAR</p><p>FONTE: A autora</p><p>Seria possível legítima defesa da legítima defesa?</p><p>Poderia ser admitida a legítima defesa de alguém</p><p>que inicialmente foi agressor?</p><p>A resposta é não.</p><p>Um agressor nunca poderá agir sob o amparo da excludente da legítima</p><p>defesa. Entretanto, admitem-se outras possibilidades, quais sejam:</p><p>• Legítima defesa real contra legítima defesa putativa.</p><p>• Legítima defesa putativa contra legítima defesa putativa.</p><p>Destaca-se que a excludente de legítima defesa se aplica na defesa de</p><p>direito próprio ou alheio, apenas podendo invocar a excludente aquele que</p><p>estiver agindo na defesa de bem ou interesse protegido.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>157</p><p>A norma penal ao utilizar a palavra “terceiro” se refere, não necessária a</p><p>alguém conhecido, já que esta é uma previsão legal que tem como fundamento</p><p>a solidariedade social, admitindo-se que “terceiro” poderá ser pessoa física ou</p><p>jurídica, uma vez que sempre age representada por alguém.</p><p>Para Nucci (2019), a hipótese de legítima defesa de terceiro não depende,</p><p>necessariamente, do consentimento do agredido, desde que se trate de bem</p><p>indisponível, como a vida. Chama atenção o referido doutrinador que para bem</p><p>disponível, como o patrimônio, se possível, é relevante o consentimento da vítima.</p><p>Ainda outra questão controvertida que provocou, em passado não muito</p><p>distante, grandes controvérsias e que o atual estágio jurídico e político brasileiro</p><p>está pacificado, é o caso da legítima defesa da honra em casos de adultério.</p><p>Quanto a este tema, embora a legítima defesa da honra é um direito</p><p>fundamental e inviolável, conforme o art. 5º, inciso X da Constituição Federal,</p><p>é importante assinalar que em relação a “infidelidade” conjugal prevalece o</p><p>entendimento de que “adultério”, que deixou de ser crime em 2005, serve mais</p><p>para encobrir assassinato de mulheres do que a defesa de direito legítimo, uma</p><p>vez que existem meios jurídicos mais adequados e menos danosos de colocar</p><p>fim a uma sociedade conjugal. Sequer atualmente se admite “lavar a honra com</p><p>sangue” matando-se o traidor.</p><p>Portanto, não há que se falar em legítima defesa na conduta do(a)</p><p>cônjuge ou companheiro(a) em casos de “traição amorosa”, apenas em situações</p><p>específicas podendo-se admitir atenuante de violenta emoção ou relevante valor</p><p>moral ou social (CP, art. 65, III, c, última parte).</p><p>Em assim sendo, não há que se falar em legítima defesa da honra em</p><p>casos de o que, remotamente, considerava-se adultério.</p><p>5.1.2 Moderação dos meios necessários</p><p>A reação deverá sempre ser orientada pelo uso dos meios eficazes e</p><p>suficientes para repelir a injusta agressão, causando o menor dano possível,</p><p>devendo haver proporcionalidade entre a defesa empreendida e o ataque sofrido.</p><p>Evidente que o agente utilizará o meio disponível que encontrar, porém,</p><p>deverá ser hábil, ou seja, recurso capaz de impedir ou obstar o ataque. Porém,</p><p>embora a ponderação não pode ser exigida de quem está sendo atacado, há</p><p>que se considerar o caso concreto. Em assim sendo, é uníssono no direito penal</p><p>brasileiro, que a aferição do meio utilizado ser ou não moderado, não há que ser</p><p>rigorosa, mas, sim deve ser analisado à luz das circunstâncias, a diferença física</p><p>entre agressor e agredido etc.</p><p>158</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>NOTA</p><p>A moderação, portanto, é definida como a proporcionalidade da reação que</p><p>deve ser na medida do necessário e suficiente para repelir o ataque à injusta agressão.</p><p>• Situação especial: commodus dissus (a saída mais cômoda).</p><p>O “afastamento discreto” ocorre quando a vítima de agressão inicial tinha</p><p>a possibilidade de fugir do local a fim de evitar o embate e não o faz, admite-se a</p><p>reação como legítima defesa, uma vez que o sujeito não está obrigado a retirar-se</p><p>ileso evitando o ataque.</p><p>É célebre a frase: “A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da</p><p>prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou animais de sangue frio”.</p><p>FIGURA 12 - QUADRO SÍNTESE: LEGÍTIMA DEFESA</p><p>FONTE: <https://files.passeidireto.com/2367a07c-805b-434f-b4c2-28d67bb3da8d/2367a07c-</p><p>805b-434f-b4c2-28d67bb3da8d.jpeg>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>NÃO EXACERBAR</p><p>NO REVIDE E SIM</p><p>NEUTRALIZAR A</p><p>AÇÃO PERNICIOSA</p><p>DE FORMA</p><p>SUFICIENTE,</p><p>MODERADA</p><p>Art. 25/CP</p><p>Entende-se como legítima</p><p>defesa quem, usando</p><p>moderadamente dos meios</p><p>necessários, repele injusta</p><p>agressão, atual ou iminente, a</p><p>direito seu ou de outrem.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>159</p><p>5.2 CLASSIFICAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA</p><p>Não é demais lembrar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito</p><p>detendo apenas o monopólio da força a fim de coibir a autotutela. Porém, como já</p><p>esclarecido neste tópico, existem situações excepcionais que autorizam o cidadão</p><p>comum a utilizar-se dos meios necessários para proteger bens próprios ou de</p><p>terceiros, que é o instituto da legítima defesa.</p><p>Embora sendo múltiplas as situações em que é possível a incidência da</p><p>legítima defesa, o direito penal pátrio classifica a legítima defesa em:</p><p>• Legítima defesa recíproca: é a possibilidade de legítima defesa contra legítima</p><p>defesa, o que não é admitido pelo direito, salvo em caso de putativa.</p><p>◦ Exemplo: se, depois de Rolando Lero ter sido agredido injustamente por</p><p>Roberto Silvério, age em legítima defesa, Roberto não pode arguir legítima</p><p>defesa para voltar a agredir Rolando, porque este está agindo amparado</p><p>pelo direito.</p><p>• Legítima defesa contra agressão de inimputáveis: é considerada cabível uma</p><p>vez que inimputáveis podem agir voluntária e ilicitamente, embora não sejam</p><p>culpáveis.</p><p>◦ Exemplo: considere a seguinte notícia divulgada pela imprensa:</p><p>Na quinta-feira dia 2 de junho de 2016, a Policia Militar matou um</p><p>menor de idade de 10 anos, o menor tinha furtado um carro junto com outro</p><p>menor de 11 anos. Os fatos dados pela versão dos policiais e de testemunhas</p><p>é que por volta das 19h os policiais estavam patrulhando quando avistaram</p><p>um veículo furtado com duas pessoas dentro, porém durante aproximação</p><p>da viatura da Policia Militar ao carro furtado o garoto que conduzia o veículo</p><p>perdeu o controle e bateu num ônibus. Quando iam abordar os menores,</p><p>os policiais foram recebidos a tiros pelos menores de idade. Os policiais</p><p>defenderam-se trocando tiros foi quando o menor de idade de 10 anos foi</p><p>atingido na cabeça e morreu. O menor de11 anos foi detido e apreendido, foi</p><p>encontrado no carro um revólver calibre 38. Segundo a Polícia Civil, o menor</p><p>de 11 anos confessou que ele e o comparsa menor de 10 anos se conheciam e</p><p>o objetivo de ambos era assaltar um edifício, porém desistiram ao verem um</p><p>carro com o vidro aberto, então decidiram furtar o veículo. A polícia informou</p><p>que o menor de 11 anos admitiu que ele e o comparsa menor de 10 anos</p><p>dispararam tiros contra os policiais. Todavia como é menor de idade o garoto</p><p>de 11 anos acabou sendo liberado da Delegacia na companhia de sua mãe, pois</p><p>a idade mínima de internação na Fundação Casa é de 12 anos. A Fundação</p><p>aplica medidas socioeducativas para menores infratores.</p><p>FONTE: <https://direitopazeamor.wordpress.com/tag/inimputavel/>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Nesse caso específico, os agentes da Polícia Militar, lamentavelmente,</p><p>agiram sob o pálio da legítima defesa, mesmo sendo os agressores inimputáveis.</p><p>160</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>• Legítima defesa putativa: pode ocorrer em diversas situações. Trata-se de</p><p>reação a agressão imaginária e é uma modalidade de erro.</p><p>◦ Exemplo: Antônio Carlos, agente penitenciário, servidor exemplar,</p><p>cumpridor de normas, em um dia de trabalho na Cadeia Pública de Curaçá</p><p>– Ba, no momento do "confere" (contagem de presos) para fechamento</p><p>da Casa, ouve do interno Jéferson Santana de Jesus, vulgo "Jéferson</p><p>Mata Rindo" que "isso vai acabar" e que "o gostoso é lá fora". Antônio,</p><p>imediatamente, acreditando ser um ameaça direta e um ato de indisciplina,</p><p>retira Jéferson do pavilhão de origem e o conduz até o pavilhão de disciplina</p><p>comunicando o fato ao superior imediato em seguida. É instaurado</p><p>procedimento administrativo disciplinar contra o interno que, enquanto</p><p>aberto para apuração, impede o Diretor da Unidade de emitir certidão de</p><p>conduta carcerária positiva. Ao final do procedimento é reconhecida a falta</p><p>grave de Jéferson tendo como resultado o interrompimento do prazo para</p><p>progressão do regime carcerário. Os anos passam e Jéferson cumpre a sua</p><p>reprimenda voltando ao convívio social. Num dado dia, em uma avenida</p><p>movimentada da cidade, Antônio caminha com sua família quando vê</p><p>um homem do outro lado da rua de aparência familiar de terno e gravata</p><p>acenando e gritando "Ô seu funcionário" "Seu funcionário", "lembra de</p><p>mim?" e vai na direção de Antônio e coloca a mão dentro do paletó dizendo</p><p>"eu tenho um negócio aqui para o senhor", foi aí que Carlos lembrou-se que</p><p>era Jéferson, ex-interno de onde trabalha, assim saca sua arma institucional</p><p>regulamentada e efetua três disparos na altura do tórax de Jéferson que cai</p><p>morto. Posteriormente foi verificado que Jéferson trazia no bolso do seu</p><p>paletó uma pequena bíblia de bolso, na cor azul, que ganhara dos Gideões</p><p>Internacionais e queria dá-la de presente ao servidor como prova de perdão</p><p>que aprendera na sua recente conversão ao Cristianismo.</p><p>Observe que nas condições em que ocorreu o homicídio Antônio agiu,</p><p>sob a excludente da legítima defesa putativa, supondo que Jéferson iria matá-lo,</p><p>considerando a situação já vivenciada entre ambos e ter Jéferson um histórico de</p><p>periculosidade.</p><p>• Legítima defesa sucessiva: é a hipótese em que alguém se defende do excesso</p><p>de legítima defesa.</p><p>◦ Exemplo: “Zé Maluco” e “Pau de Dar em Doido” estão em uma festa no</p><p>carnaval. No “empurra-empurra”, “Zé Maluco” acaba desferindo um</p><p>soco em “Pau de Dar em Doido”, que consegue se esquivar, mas revida</p><p>e “Zé Maluco” cai no chão sacando um canivete que carrega na cintura.</p><p>Rapidamente, “Pau de Dar em Doido” desarma “Zé Maluco” fazendo cessar</p><p>a injusta agressão que seria perpetrada por este.</p><p>• Legítima defesa contra provocação: é inadmissível no Direito brasileiro, uma</p><p>vez que a provocação (insulto, ofensa ou desafio) não é, por si só, suficiente e</p><p>justificável para gerar o requisito legal (injusta agressão).</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>161</p><p>FIGURA 13 - GESTO</p><p>FONTE: <https://thumbs.dreamstime.com/b/gesto-isolado-da-crian%C3%A7a-do-menino-que-</p><p>mostra-o-punho-19956270.jpg>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>O gesto sugere “chamar para briga”. Tal ato, por si só, não é motivo para</p><p>justificar a legítima defesa.</p><p>5.3 OFENDÍCULOS</p><p>O termo “ofendículo” significa “obstáculo”, “impedimento”, que no</p><p>sentido jurídico significa aparato ou objeto utilizado para defender bem jurídico.</p><p>São ofendículos, por exemplo, cacos de vidros em muros, lanças com pontas nas</p><p>cercas, cercas elétricas, arame farpado ao redor dos muros etc.</p><p>A utilização de aparatos facilmente percebidos por agressores pode ser</p><p>considerada como exercício regular de um direito. Porém, aparatos ocultos ou</p><p>dissimulados é discutível, uma vez que pode ocorrer ferimentos ou danos em</p><p>terceiros inocentes.</p><p>Caso um assaltante venha a se ferir ao tocar a maçaneta de uma porta</p><p>eletrificada, aplica-se o instituto da legítima defesa. Mas se for o caso de cerca</p><p>eletrificada em área de fácil acesso a crianças, caso produza danos, responderá</p><p>por eles.</p><p>6 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO</p><p>CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL</p><p>Como anteriormente, “estrito cumprimento do dever legal ou exercício</p><p>regular de direito” encontra-se previsto no art. 23, inciso III do CP, como causa</p><p>excludente de ilicitude, também denominada juridicamente como causa de</p><p>justificação da conduta do agente. Por outras palavras, trata-se de causa justificante</p><p>que torna a ação do agente lícita ou permitida. As causas de justificação contêm</p><p>um preceito autorizante ou permissivo. Podem ser definidas como sendo “particulares</p><p>situações diante das quais um fato, que de outro modo seria delituoso, não o é porque a</p><p>lei o impõe ou o consente” (PRADO, 2010, p. 121).</p><p>162</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>O que age em estrito cumprimento de dever legal cumpre o determinado</p><p>pelo ordenamento jurídico. Diferentemente de estado de necessidade e legítima</p><p>defesa, o CP não define o que é estrito cumprimento do dever legal ou exercício</p><p>regular do direito. Entretanto, a conceituação é dada pela doutrina, como a de</p><p>Capez (2002, p. 368), que assim define como "estrito cumprimento do dever</p><p>legal": é a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato</p><p>típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos exatos</p><p>limites dessa obrigação.</p><p>Portanto, a lei não pode punir quem cumpre um dever que ela impõe.</p><p>Desde tal perspectiva, é relevante atentar para as duas expressões: "dever legal"</p><p>e "cumprimento estrito". Como se define "dever legal"? Como já afirmado e a</p><p>própria expressão sugere, é uma obrigação imposta por lei, cumprindo sua</p><p>obrigação. Em síntese, a conduta, embora típica é lícita, uma vez que há um dever</p><p>derivado direta ou indiretamente de "lei".</p><p>Por "lei", há que se entender não apenas a lei penal, mas também a civil,</p><p>comercial, administrativa etc. Não é necessário, também, que esta obrigação esteja</p><p>imposta textualmente no corpo de uma lei stricto sensu. Pode constar de decreto,</p><p>regulamento ou qualquer ato administrativo infralegal, desde que "originários</p><p>de lei", no sentido amplo. No mesmo sentido entendem-se as decisões judiciais,</p><p>que são normas emanadas do Poder Judiciário, ente estatal.</p><p>E ainda, como define "cumprimento estrito"? É quando a lei impõe</p><p>determinada obrigação, impondo limites, parâmetros, para que tal obrigação</p><p>seja cumprida. Vale afirmar que a lei só obriga ou impõe dever até certo ponto,</p><p>e o agente obrigado só deve proceder até a este exato limite imposto pela lei.</p><p>Desta forma, exige-se que o agente tenha atuado dentro dos rígidos limites do</p><p>que obriga a lei ou determina a ordem que procura executar o comando legal.</p><p>Para além dos limites ou parâmetros legais não há que se falar na excludente</p><p>incorrendo em abuso ou excesso.</p><p>6.1</p><p>INTERVENÇÕES MÉDICAS E CIRÚRGICAS</p><p>Trata-se de uma prática autorizada pelo Estado e realizada de acordo</p><p>com meios e regras admitidas. Por evidente, que seu exercício exige condições</p><p>especiais condições de preparação técnica e a exigência de habilitação especial,</p><p>uma vez que cabe reconhecer o atos e procedimentos profissional médico como</p><p>legítimos e sua prática regularmente comporta, com os riscos a ela inerentes.</p><p>Salvo as hipóteses de irregularidade dolosa ou culposa suas ações não podem</p><p>resultar em incriminação.</p><p>TÓPICO 2 | EXCLUDENTES DE ILICITUDE</p><p>163</p><p>DICAS</p><p>Sobre o interessante tema da responsabilidade penal médica há uma vasta</p><p>literatura na área jurídica. Sugere-se a leitura do texto Responsabilidade penal e civil do</p><p>médico, de Ariosvaldo de Campos Pires. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/</p><p>index.php/revista/article/download/1187/1120.</p><p>6.2 VIOLÊNCIA ESPORTIVA</p><p>Esportes, como futebol, boxe, luta livre e tantos outros assemelhados,</p><p>podem resultar em danos para os esportistas. Desde que haja obediência irrestrita</p><p>às regras definidas não há crime, uma vez que há a excludente de exercício regular</p><p>de direito. Damásio de Jesus (2011, p. 443) afirma que o “Estado, por evidente,</p><p>não autoriza ferir ou matar, mas aquele que pratica esporte em que normalmente</p><p>podem ocorrer danos, mas age de acordo com as regras determinadas, não comete</p><p>ato ilícito”. Lembrando que as práticas desportivas devem ser autorizadas e</p><p>fiscalizadas pelo Poder Público.</p><p>Acerca da figura “estrito cumprimento do dever legal”, o exemplo</p><p>clássico é o do policial que priva um assaltante de sua liberdade ao prendê-lo</p><p>em flagrante delito.</p><p>Por evidente que o policial não comete o crime de constrangimento ilegal</p><p>ou abuso de autoridade, pois, por força do art. 292 do CPP:</p><p>[...] se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em</p><p>flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e</p><p>as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para</p><p>defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto</p><p>subscrito também por duas testemunhas (BRASIL, 1941, s.p.).</p><p>Portanto, neste caso, o policial preenche o requisito de dever legal</p><p>eximindo-o de cometer crime.</p><p>Como nas excludentes de ilicitude, o estrito cumprimento do dever legal</p><p>exige que o agente tenha consciência de que age sob essa causa de justificação.</p><p>Ou seja, o agente que praticou a conduta típica deve ter consciência que agiu</p><p>querendo praticar a ação imposta por lei. Deve ter consciência que cumpria um</p><p>dever imposto pela lei.</p><p>Praticam conduta típica sob a proteção da causa excludente de ilicitude</p><p>do estrito cumprimento de dever legal:</p><p>164</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>• Como autores da conduta: funcionários públicos (lato sensu) e particulares</p><p>que exercem função pública (jurado, perito, mesário da Justiça Eleitoral) – uma</p><p>vez que agem por ordem da lei.</p><p>• Como coautores ou partícipes: qualquer pessoa que atue em conjunto com um</p><p>funcionário público, que seja reconhecida a excludente para este e que tenha</p><p>consciência de que também está agindo sob o albergue da causa de justificação.</p><p>FIGURA 14 - QUADRO SÍNTESE: ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL</p><p>FONTE: <https://www.passeidireto.com/arquivo/6203793/excludentes-de-ilicitude-estrito-</p><p>cumprimento-de-um-dever-legal>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>APESAR DE TODO CRIME, COMO REGRA, SER CONSIDERADO ATO ILÍCITO, EXISTEM ALGUMAS SITUAÇÕES EM QUE, MESMO</p><p>PRATICANDO UMA CONDUTA EXPRESSAMENTE PROIBIDA POR LEI, O AGENTE NÃO SERÁ CONSIDERADO CRIMINOSO</p><p>Existe uma discussão doutrinária acerca</p><p>da possibilidade de o particular praticar,</p><p>como autor, uma conduta típica acobertado</p><p>pela excludente do estrito cumprimento de</p><p>dever legal. Ex.: art 1.634,I “compete aos</p><p>pais, quanto à pessoa dos filhos menores,</p><p>dirigir-lhes a criação e a educação”</p><p>“OS AGENTES PÚBLICOS, NO DESEMPENHO DE</p><p>SUAS ATIVIDADES, NÃO RARAS VEZES DEVEM</p><p>AGIR INTERFERINDO NA ESFERA PRIVADA DOS</p><p>CIDADÃOS, EXATAMENTE PARA ASSEGURAR</p><p>O CUMPRIMENTO DA LEI (EM SENTIDO LATO).</p><p>ESSA INTERVENÇÃO REDUNDA EM AGRESSÃO</p><p>A BENS JURÍDICOS COMO A LIBERDADE</p><p>DE LOCOMOÇÃO, A INTEGRIDADE FÍSICA E</p><p>ATÉ MESMO A PRÓPRIA VIDA. DENTRO DE</p><p>LIMITES ACEITÁVEIS, TAL INTERVENÇÃO É</p><p>JUSTIFICADA PELO ESTRITO CUMPRIMENTO</p><p>DO DEVER LEGAL” Rogério Sanches</p><p>QUEM PODE PRATICAR A CONDUTA?</p><p>COMO AUTORES – FUNCIONÁRIOS E</p><p>PARTICULARES QUE EXERCEM A FUNÇÃO</p><p>PÚBLICA (JURADO, PERITO, MESÁRIO DA</p><p>JUSTIÇA ELEITORAL)</p><p>COMO CO-AUTORES – QUALQUER PESSOA,</p><p>INCLUSIVE PARTICULARES, DESDE QUE</p><p>ATUE EM CONJUNTO COM UM FUNCIONÁRIO</p><p>PÚBLICO, QUE SEJA RECONHECIDA A</p><p>EXCLUDENTE PARA ESTE E QUE TENHA</p><p>CONSCIÊNCIA DE QUE ESTÁ AGINDO SOB O</p><p>ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL</p><p>São os destinatários do inciso</p><p>III do artigo 23: os agentes do</p><p>Poder Público, os servidores</p><p>do Estado.</p><p>Se houver excesso, o agente</p><p>responderá por este a título de</p><p>dolo ou culpa.</p><p>(COSTA, JÚNIOR, 2000).</p><p>A conceituação de estrito</p><p>cumprimento de dever legal</p><p>não foi dada pelo CP, restando</p><p>a doutrina tal papel. De</p><p>maneira sintética, pode-se</p><p>conceituar al excludente legal</p><p>de ilicitude como: a lei não</p><p>pode punir a quem cumpre</p><p>um dever que ela impões</p><p>(ARAÚJO, 2009).</p><p>DEVER LEGAL</p><p>obrigação imposta por lei, significando que</p><p>o agente, ao atuar tipicamente, não faz</p><p>anda mais do que “cumprir uma obrigação”.</p><p>165</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• Ilicitude é definida como a contradição entre o agir de um agente e a previsão</p><p>legal, tendo-se como consequência a lesão a um bem jurídico. Entretanto, em</p><p>situações específicas, determinadas em lei, alguém pode praticar um ato ilícito</p><p>sem que seja considerado crime.</p><p>• São consideradas excludentes de ilicitude, segundo o art. 23 do CP: estado</p><p>de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou no</p><p>exercício regular de direito.</p><p>• Estado de Necessidade ocorre quando alguém se encontra em situação de</p><p>perigo e pratica uma conduta para se salvar ou salvar alguém do perigo atual</p><p>ou iminente.</p><p>• Legítima Defesa é definida como o uso moderado dos meios necessários para</p><p>se colocar fim a uma agressão injusta, devendo se comprovar a real existência</p><p>do perigo.</p><p>• Estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito é quando o</p><p>indivíduo pratica uma conduta típica em função de sua profissão. É, portanto,</p><p>uma obrigação que decorre da lei.</p><p>166</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>1 Leia o texto a seguir, de Marcelo Pertille, e responda às questões propostas:</p><p>EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA</p><p>A exigibilidade de conduta diversa deve ser vista como a</p><p>possibilidade que se abre no sentido de se cobrar do agente uma postura</p><p>diferente em relação ao fato típico e ilícito que perpetrou. Para que o agente</p><p>seja culpável, além de imputável e inserido em contexto que lhe permita</p><p>atingir a consciência sobre a ilicitude de sua conduta, também a situação</p><p>fática na qual está submetido deve mostrar que seu rol de escolhas não</p><p>estava excepcionalmente restringindo, sendo, por isso, possível exigir que</p><p>tivesse tido comportamento conforme o direito. Ou seja, a exigibilidade</p><p>de conduta diversa considera os fatos paralelos à conduta e apenas se</p><p>constatado que o agente teve livre atuação no processo de escolha deverá</p><p>ser responsabilizado. De outro ponto, diagnosticado que o agente agiu</p><p>de modo típico e ilícito porque não tinha liberdade de escolha, tem-se</p><p>desproporcional puni-lo pelo comportamento que não invoca culpabilidade</p><p>diante da certeza de que qualquer outra conduta, ainda que possível,</p><p>mostra-se inexigível.</p><p>Assim, é fundamental ter em mente os institutos trazidos pelo</p><p>Código Penal que permitem concluir situações onde fica afastada a</p><p>exigibilidade de conduta diversa e que, por consequência, provocam</p><p>dirimente de culpabilidade, isentando o agente de pena. Então, são causas</p><p>legais de inexibilidade de conduta diversa a coação moral irresistível e</p><p>a obediência hierárquica.</p><p>FONTE: <https://emporiododireito.com.br/leitura/exigibilidade-de-conduta-diversa-</p><p>licao-19>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Considerando o texto e o estudo realizado, responda às seguintes questões:</p><p>a) A inexigibilidade de conduta diversa é uma das causas de exclusão de</p><p>ilicitude ou causa de justificação da ilicitude. A condição fática é elemento</p><p>relevante para a caracterização de tal excludente?</p><p>b) No Direito Penal pátrio como são definidas as excludentes de ilicitude?</p><p>167</p><p>TÓPICO 3</p><p>CONCURSO DE PESSOAS</p><p>UNIDADE 3</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Existem situações específicas em que duas ou mais pessoas somam esforços,</p><p>concorrem, para o cometimento de um ato ilícito, porém, o chamado “Concurso</p><p>de Pessoas”, como verá, não é tão simples na prática, havendo divergências e</p><p>entendimentos distintos acerca dos fundamentos que justificam a classificação do</p><p>tipo de concurso e, por via de consequência, diferenciação na aplicação da pena.</p><p>Para se afirmar que há concurso, é necessária a existência de determinados</p><p>elementos, tais como pluralidade de condutas, relevância causal de cada</p><p>participação, liame subjetivo ou vínculo entre os agentes e, por fim, identidade</p><p>da infração entre todos os participantes.</p><p>Veremos, neste último tópico, que existem requisitos caracterizadores do</p><p>concurso, o que na prática forense, é fundamental identificar e caracterizar diante</p><p>do caso concreto.</p><p>2 CONCEITO DE CONCURSO</p><p>Embora o Código Penal se refira, na Parte Especial, às condutas praticadas</p><p>por um único agente, em não raras vezes o que ocorre é a associação de dois ou</p><p>mais agentes concorrendo para a execução de um evento criminoso, decorrendo,</p><p>deste consórcio, o concurso de delinquentes, também conhecido como concurso</p><p>de pessoas, concurso de agentes, coautoria ou participação.</p><p>Originalmente, o Código Penal de 1940 estabelecia em seu art. 25, sobre a</p><p>denominação de pena da coautoria que: “quem, de qualquer modo, concorresse</p><p>para o crime incidia nas penas a ele cominadas” (BRASIL, 1940, s.p.). Dessa</p><p>maneira, buscava-se resolver a questão do concurso de pessoas desde a teoria</p><p>da equivalência dos antecedentes então adotada para a apuração do nexo de</p><p>causalidade, igualando assim, todos os antecedentes causais do crime, sem</p><p>distinção de tratamento entre os integrantes da empreitada criminosa.</p><p>É evidente que quando se reúnem várias pessoas num consórcio para a</p><p>prática delituosa, nem todos colaboram de maneira equânime para o resultado final</p><p>e, neste caso, não seria justo o tratamento então dado pelo legislador, uma vez que,</p><p>todos sofreriam a mesma penalidade igualmente, independente da colaboração</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>168</p><p>de cada um para o delito. Por esta razão, o Código Penal de 1969, compreendendo</p><p>que a expressão “coautoria” não poderia ser utilizada para designar o concurso</p><p>eventual de criminosos, por ser, uma vez que, na prática, apenas uma espécie</p><p>do gênero “codelinquência”, passando-se a utilizar a terminologia “concurso de</p><p>agentes”, e assim, a tipificação tornou-se mais abrangente.</p><p>Porém, a expressão “concurso de agentes” não foi recepcionada como</p><p>adequada por ser considerada, na época, muito abrangente e, como você já deve</p><p>ter concluído, na esfera do Direito Penal há que se ter muito rigor com o termo que</p><p>qualifica um delito. Por esta razão na reforma penal de 1984 foi eleita a expressão</p><p>“concurso de pessoas”.</p><p>Na clássica definição de Mirabete (2019, p. 223), concurso de pessoas</p><p>é “[...] a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma</p><p>infração penal”. Trata-se de uma união de esforços com o objetivo de praticar um</p><p>ato infracional que, por sua particularidade, possui importantes diferenciações</p><p>nas distintas modalidades em que pode ocorrer, tais como concurso necessário,</p><p>coautoria, participação, autoria colateral etc.</p><p>FIGURA 15 - ENTENDA AS DIFERENÇAS ENTRE: AUTOR/COAUTOR E PARTÍCIPE</p><p>FONTE: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/</p><p>edicao-semanal/autoria-participacao/@@images/0ff28c72-9e4c-4a5f-93d6-a1e9df511b0c.jpeg>.</p><p>Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>É importante diferenciar os crimes de concurso necessário, chamados</p><p>crimes plurissubjetivos dos crimes unissubjetivos.</p><p>• Crime unissubjetivo (monossubjetivo, unilateral): é aquele que pode ser</p><p>praticado por uma só pessoa, embora nada impeça a coautoria ou participação,</p><p>por poder ser cometido individualmente. Assim, se duas pessoas decidem</p><p>praticar juntamente, por exemplo, um homicídio contra determinada pessoa,</p><p>ambas efetuando disparos de arma de fogo contra a vítima, ambas são coautoras</p><p>(modalidade de concurso de agentes) do homicídio. Nesta modalidade,</p><p>portanto, pode haver o chamado crime de concurso eventual.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>169</p><p>• Crime plurissubjetivo (coletivo, de concurso necessário): é aquele que, por</p><p>sua conceituação típica, exige dois ou mais agentes para a prática da conduta</p><p>criminosa. São mais conhecidos como crimes de concurso necessário, uma vez</p><p>que só se caracterizam se houver o concurso exigido na lei, como, por exemplo,</p><p>o delito de associação para o tráfico previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006</p><p>(Lei Antidrogas), que pressupõe a união de pelo menos duas pessoas para a</p><p>prática delitiva.</p><p>FIGURA 15 – QUADRO SÍNTESE: CRIMES PLURISSUBJETIVOS</p><p>FONTE: <https://www.ed-entendeudireito.com.br/conteudo/crimes-plurissubjetivos>.</p><p>Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>Espécies de crimes plurissubjetivos: considerando a finalidade para a</p><p>qual se dá a união dos infratores, os crimes plurissubjetivos são classificados em:</p><p>• Crimes de concurso necessário de condutas paralelas: são os aqueles em que os</p><p>agentes somam esforços com o objetivo de um resultado criminoso comum. O</p><p>exemplo mais característico é o do crime de quadrilha ou bando, descrito no art. 288</p><p>do Código Penal (BRASIL, 1984), em que a lei prevê como ilícito penal a associação</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>170</p><p>de quatro ou mais pessoas para o fim de cometer, reiteradamente, crimes. Observe</p><p>que, neste caso, não resta dúvida que há um pacto entre os integrantes da quadrilha</p><p>no sentido de somarem esforços paras a prática de delitos.</p><p>• Crimes de concurso necessário de condutas convergentes: são os que as</p><p>condutas se fundem em uma só produzindo imediatamente o resultado ilícito.</p><p>Antes da promulgação da Lei n. 11.106/2005 (BRASIL, 2005), que revogou o</p><p>crime de adultério, este era o exemplo mais utilizado pela doutrina. Atualmente,</p><p>costuma-se dar como exemplo o crime de bigamia, ressalvando-se, porém, que</p><p>só haverá o concurso se houver má-fé por parte do cônjuge ainda solteiro, ou</p><p>seja, se ele tiver ciência de que o parceiro já é casado e, ainda assim, contrair</p><p>matrimônio. A bigamia está descrita no art. 235 do Código Penal e a pena</p><p>para aquele que ainda não era casado é menor, nos termos do art. 235, § 1º, do</p><p>Código Penal (BRASIL, 1984).</p><p>• Crimes de concurso necessário de condutas contrapostas: são os que os</p><p>envolvidos agem uns contra os outros. O clássico exemplo é o crime de rixa</p><p>(art. 137 do CP), cuja configuração pressupõe a recíproca e concomitante troca</p><p>de agressões entre, no mínimo, três pessoas (BRASIL, 1984).</p><p>FIGURA 17 – ESPÉCIES DE CRIMES QUANTO AO CONCURSO DE PESSOAS</p><p>Espécies de Crimes quanto ao</p><p>Concurso de Pessoas</p><p>Crimes Plurissubjetivos</p><p>(Concurso Necessário)</p><p>1. de condutas paralelas;</p><p>2. de condutas convergentes;</p><p>3. de condutas contrapostas.</p><p>Crimes Unissubjetivos</p><p>(Monossubjetivos)</p><p>FONTE: A autora</p><p>3 TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS</p><p>Como considerado, há concurso de pessoas quando, para o cometimento</p><p>de uma mesma infração penal, duas ou mais pessoas somam esforços para atingir</p><p>o fim colimado. Porém, a questão que se discute é se, na prática, o concurso</p><p>constitui um ou vários delitos. Buscando responder a tal problemática foram</p><p>elaboradas algumas teorias que são classificadas em: Teoria Monista, Teoria</p><p>Dualista e Teoria Pluralista.</p><p>3.1 TEORIA MONISTA OU UNITÁRIA DA PARTICIPAÇÃO</p><p>Para tal teoria, o crime, ainda que praticado por várias pessoas em</p><p>colaboração, continua único, indivisível. Assim, todo aquele que concorre para</p><p>o crime responde integralmente por ele, uma vez que o crime é o resultado da</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>171</p><p>conduta de cada um e de todos, indistintamente. Neste caso, não se distingue,</p><p>entre as várias categorias de pessoas, autor, partícipe, instigador, cúmplice etc.,</p><p>uma vez que todos são considerados autores ou coautores do delito.</p><p>Esta foi a teoria adotada pelo Código Penal de 1940 ao estatuir em seu art.</p><p>25 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este</p><p>cominadas” (BRASIL, 1940, s.p.). Tal concepção, conforme já acima considerado,</p><p>parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado,</p><p>de onde se conclui que toda a pessoa que contribui para a sua produção, por ele</p><p>deve responder integralmente.</p><p>A Reforma Penal de 1984, ao dispor no art. 29 que “quem, de qualquer</p><p>modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de</p><p>sua culpabilidade” (BRASIL, 1984, s.p.), permite compreender que permanece</p><p>no Direito Penal pátrio a Teoria Monista, uma vez que, assim como o disposto</p><p>anterior, dispôs haver um só crime e que todos por ele respondem, o que suscita</p><p>duras críticas, particularmente pela dificuldade de ser estabelecida a equivalência</p><p>das condições para se aplicar a pena, como pondera Raúl Zaffaroni (2002, p. 665),</p><p>que afirma que “quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas</p><p>a este cominadas, na medida de sua culpabilidade“, não pode ser entendido</p><p>que todos os que concorrem para o crime são autores, e sim, que todos os que</p><p>concorrem têm, a princípio, a mesma pena estabelecida para o autor.</p><p>A solução apresentada pelo legislador é a primeira parte do parágrafo</p><p>2º do mesmo dispositivo, onde está asseverado que “Se algum dos concorrentes</p><p>quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste” (BRASIL,</p><p>1940, s.p.), exatamente porque, se algum dos concorrentes quis participar de um</p><p>crime menos grave do que o que efetivamente foi praticado pelos demais, não</p><p>se pode admitir de forma simplista que adotou a teoria monista, sendo exceção</p><p>prevista para ser estabelecida uma dosagem de pena de acordo com a efetiva</p><p>participação e eficácia causal da conduta de cada partícipe, na medida.</p><p>3.2 TEORIA DUALISTA</p><p>Para os adeptos da Teoria Dualista, nos casos de condutas delituosas</p><p>praticadas em concurso, existem dois crimes independentes:</p><p>• Para aqueles que realizam o verbo, a atividade principal ou a conduta típica</p><p>propriamente dita emoldurada no ordenamento jurídico, ditos autores.</p><p>• Para aqueles que agem de maneira secundária no evento delituoso, sem</p><p>conformar a sua conduta com a figura nuclear descrita no tipo objetivo, são os</p><p>ditos partícipes.</p><p>Portanto, para tal entendimento, existe no crime uma ação principal</p><p>praticada pelo autor que executa o verbo da figura típica e uma ação secundária</p><p>e acessória, que é praticada pelos partícipes que são os que integram o plano</p><p>criminoso, instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito sem, contudo, agir</p><p>com um comportamento central e executivamente típico.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>172</p><p>3.3 TEORIA PLURALISTA</p><p>Para tal teoria, a pluralidade de agentes caracteriza, na prática, um</p><p>concurso de ações distintas e, como consequência, produzem uma pluralidade de</p><p>delitos, o que permite afirmar que cada participante contribui com uma conduta</p><p>específica e individualizada, com um elemento subjetivo, uma intenção própria,</p><p>havendo tantos crimes quantos forem os partícipes do fato delituoso. E, desta</p><p>forma, cada agente comete um delito autônomo e próprio.</p><p>A dificuldade é a de que cada um dos agentes envolvidos no delito seriam,</p><p>na realidade, sujeitos autônomos? A resposta dificilmente será positiva uma vez</p><p>que todos os atos praticados convergem para uma mesma finalidade e produzem</p><p>um único resultado.</p><p>3.4 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO</p><p>Atualmente, o Código Penal brasileiro claramente adota a concepção dualista,</p><p>também denominada como restritiva, diferenciando autoria de participação, tanto a</p><p>participação de menor importância como a participação impunível.</p><p>Vejamos: ao dispor no art. 29, parágrafo 1º, pela redação dada pela Lei nº</p><p>7.209/84, que: “Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída</p><p>de um sexto a um terço” (BRASIL, 1984, s.p.), pode-se afirmar que abriga o instituto</p><p>penal da participação de menor importância; e da participação impunível.</p><p>Entretanto, o CP brasileiro considera relevante a participação quando a</p><p>execução do ato delituoso é praticada com a manipulação de terceiro que não</p><p>possui capacidade de discernimento servindo aos propósitos do mandante. É a</p><p>chamada Teoria de Domínio do Fato.</p><p>Exemplo: alguém entrega veneno a uma criança e pede que coloque no</p><p>copo da vítima. Na realidade, a conduta principal foi praticada por um “autor</p><p>mediato” que é aquele que, embora não tenha praticada a conduta típica, foi o</p><p>que manipulou o executor.</p><p>Evidente que a Teoria do Domínio do Fato requer prudência em sua</p><p>aplicação, como esclarece Lenza (2012, p. 404):</p><p>Por outro lado, a teoria do domínio do fato não pode ser aceita em sua</p><p>integralidade porque não é possível identificar com clareza, em grande</p><p>número de casos, quando uma pessoa tem ou não o controle completo</p><p>da situação. Quando o mandante, por exemplo, contrata uma pessoa</p><p>para matar a vítima, o executor contratado pode fugir com o dinheiro,</p><p>ser preso antes de cometer o crime, ou, por outro lado, cometer delito</p><p>mais grave do que o combinado. Em nenhum desses casos, o mandante</p><p>tinha pleno controle da situação. Por isso, não pode ser considerado</p><p>autor. O mesmo se diga em relação ao mentor intelectual. Ademais, a</p><p>teoria do domínio do fato é totalmente inaplicável aos crimes culposos,</p><p>pois, nesta modalidade de infração penal, as pessoas não querem o</p><p>resultado, não se podendo falar em controle dos demais envolvidos.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>173</p><p>Para o Direito Penal brasileiro, portanto, há clara diferenciação entre autor</p><p>e partícipe, reconhecendo como formas de concurso de pessoas a coautoria e a</p><p>participação.</p><p>• Coautoria: quando duas ou mais pessoas, conjuntamente, praticam a conduta</p><p>descrita no tipo penal. Há que se considerar que, em geral, o tipo penal é</p><p>composto por uma única conduta – “matar”, “roubar” etc. –, porém há delitos</p><p>em que podem ocorrer “divisões de tarefas” entre os envolvidos. Exemplo:</p><p>no crime de estupro, há necessidade de violência ou grave ameaça para que</p><p>a vítima fique subjugada contra sua vontade a praticar o ato sexual. Neste</p><p>caso há a possibilidade da participação de distintos sujeitos que, agindo em</p><p>coautoria, a vítima seja dominada e subjugada ao ato sexual.</p><p>• Participação: é a modalidade de concurso em que o partícipe não realiza o</p><p>ato de execução descrito no tipo penal, mas, de qualquer modo, concorre</p><p>intencionalmente para a realização do crime. Exemplo: fornecer informações</p><p>sobre o cotidiano e rotina da vítima para que ocorra o sequestro. O partícipe</p><p>tem plena consciência da finalidade da ação do autor e contribui para que se</p><p>efetive e, por esta razão, responde pelo mesmo crime que o autor.</p><p>FIGURA 18 – DIFERENÇAS ENTRE AUTOR, COAUTOR E PARTÍCIPE</p><p>FONTE: <https://www.entendeudireito.com.br/single-post/2019/07/12/Concurso-de-pessoas>.</p><p>Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>174</p><p>4 ESPÉCIES DE PARTICIPAÇÃO</p><p>Para a doutrina penal brasileira há duas modalidades de participação:</p><p>• Participação moral ou psíquica: que é tão importante como a participação física.</p><p>Pode se dar por induzimento, quando o agente “faz surgir” a ideia do crime</p><p>para outra pessoa, ou instigação quando o partícipe “reforça”, “incentiva” a</p><p>intenção criminosa que já existe no sujeito.</p><p>• Participação física ou material: ocorre quando o “auxílio” é no sentido de</p><p>“colaborar” diretamente para o delito, sem conduto</p><p>praticar a conduta típica,</p><p>servindo de importante “acessório” para cometer o crime. Exemplo: fornecer</p><p>arma para o cometimento de homicídio.</p><p>Em síntese: a participação moral se dá pelo instigamento ou induzimento</p><p>e a participação material ocorre através do auxílio ao autor do delito do crime,</p><p>facilitando ou prestando assistência ao autor sem participar diretamente da</p><p>execução. A participação material pode ocorrer tanto nos atos preparatórios</p><p>como executórios.</p><p>É complexa, na prática, a questão das condutas delituosas em concurso</p><p>tanto moral como material. Para solucionar o intrincado caso de concurso</p><p>de pessoas há que se compreender adequadamente o nexo de causalidade</p><p>analisando-se o vínculo subjetivo dos agentes com o delito praticado.</p><p>Como o direito penal brasileiro adota a concepção segundo a qual</p><p>é imprescindível o elemento subjetivo, a vontade consciente de produzir o</p><p>resultado, há concurso de pessoas desde a idealização até a consumação do delito,</p><p>respondendo o ao autor ou partícipe na medida de sua culpabilidade.</p><p>Portanto, há que se compreender claramente o elemento subjetivo que</p><p>se traduz na vontade e consciência em participar de um delito. Não apenas a</p><p>contribuição causal objetiva, mas a subjetiva que contribuiu para a consumação</p><p>material do delito e não se podendo falar em concurso quando não há nexo causal</p><p>ou liame subjetivo.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>175</p><p>QUADRO 1 - ASPECTOS IMPORTANTES DO CONCURSO DE PESSOAS NA MODALIDADE</p><p>DE PARTICIPAÇÃO</p><p>Conceito de participação</p><p>e alcance</p><p>Modalidade de concurso de pessoas que pune aquele que não realiza</p><p>ato executório da infração penal, mas de qualquer outro modo</p><p>concorre para o crime.</p><p>Para que seja possível a punição, deve ser aplicada a regra de</p><p>extensão do art. 29 do CP, que atribui ao partícipe a mesma pena</p><p>do autor do delito.</p><p>De acordo com a teoria unitária (ou monista), adotada por nossa</p><p>legislação, o partícipe incorre no mesmo crime do autor do delito,</p><p>salvo exceções previstas na Parte Especial do Código ou na hipótese</p><p>de cooperação dolosamente distinta.</p><p>Além disso, se for de menor importância a participação, a pena pode</p><p>ser reduzida de 1/6 a 1/3.</p><p>Natureza jurídica da</p><p>participação Conduta acessória à do autor.</p><p>Teorias a respeito do</p><p>caráter acessório da</p><p>participação</p><p>a) acessoriedade mínima;</p><p>b) acessoriedade limitada (é a adotada);</p><p>c) acessoriedade extremada;</p><p>d) hiperacessoriedade.</p><p>Não identificação do autor</p><p>do crime Não impede a punição do partícipe.</p><p>Não são puníveis</p><p>a) participação posterior ao crime: pode eventualmente configurar</p><p>outro delito (receptação, favorecimento pessoal ou real, ocultação</p><p>de cadáver etc.);</p><p>b) conivência: em razão da inexistência de dever jurídico de evitar</p><p>o resultado;</p><p>c) participação inócua: pois em nada contribui para o crime.</p><p>São puníveis</p><p>a) a participação por omissão;</p><p>b) a participação em crimes omissivos próprios e impróprios;</p><p>c) participação de menor importância (embora a pena seja diminuída</p><p>de 1/6 a 1/3, nos termos do art. 29, § 1º, do CP).</p><p>Impossibilidade de</p><p>participação em crimes</p><p>culposos</p><p>Entende-se que qualquer incentivo a uma conduta culposa constitui</p><p>também ato de imprudência, razão pela qual o sujeito é considerado</p><p>autor, e não partícipe do crime. Note-se, portanto, que a conduta é</p><p>punível, mas não na modalidade de participação.</p><p>FONTE: Lenza (2012, p. 411)</p><p>5 REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS</p><p>A chamada codelinquência, ou coautoria, é um fenômeno cada vez mais</p><p>comum, sobretudo com o aumento das ações do chamado crime organizado, seja</p><p>para divisão de tarefas, ou garantir a impunidade, ou garantir o êxito da ação</p><p>criminosa, ou satisfazer a todos com o produto do crime, enfim, são inúmeras</p><p>as razões que motivam a coautoria e participação. O desafio é o de encontrar</p><p>instrumentos eficientes e seguros para a justa aplicação da pena diante do caso</p><p>concreto.</p><p>Como deve ter concluído para a configuração do concurso de pessoas são</p><p>indispensáveis os seguintes elementos:</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>176</p><p>• Pluralidade de participantes e de condutas: é o principal elemento para</p><p>a caracterização de concurso de pessoas. É necessário compreender que,</p><p>evidentemente, nem todos agentes participam da mesma forma nem na mesma</p><p>importância para o resultado delituoso, porém, cada qual contribui para o</p><p>crime e, por esta razão, todos respondem pelo mesmo tipo penal.</p><p>• Relevância causal da conduta: evidente que a conduta delituosa, sob o ponto de</p><p>vista objetivo, é necessária a existência de nexo de causalidade entre a conduta</p><p>e o resultado. Como consequência, aquele que não integra a relação causal não</p><p>pode ser responsabilizado, uma vez que há a necessidade de eficácia causal</p><p>entre o comportamento de cada um dos agentes e o resultado.</p><p>• Vínculo subjetivo: outro elemento relevante é a consciência entre os distintos</p><p>agentes participantes da conduta delituosa que cooperam para uma finalidade</p><p>ou ação comum. Portanto, não basta o agente agir com dolo ou culpa, é necessário</p><p>que exista uma relação subjetivo, de intenção, entre todos os participantes da</p><p>empreitada criminosa. Destaca-se que o mero conhecimento ou suposição de</p><p>que não é punível como participação por não se constituir em conduta típica.</p><p>• Identidade do fato: por fim, um elemento necessário para a caracterização</p><p>do concurso de pessoas é que a infração penal cometida seja única, uma vez</p><p>que é indispensável que todos somem esforços para a consecução de um fim</p><p>delituoso comum.</p><p>6 AUTORIA</p><p>Para o direito penal brasileiro, é pacífico o entendimento de que a relação do</p><p>sujeito ativo com a conduta típica, como regra geral, ocorre em duas modalidades:</p><p>autoria ou participação. Autoria não se restringe somente a quem pratica pessoal</p><p>e diretamente o fato devendo, mas, também, aquele que serve de outrem como</p><p>instrumento para realizar a figura típica, a exemplo da autoria mediata.</p><p>NOTA</p><p>Autor, em princípio, é o sujeito que executa a conduta expressa pelo verbo típico</p><p>da figura delitiva. É o que mata, provoca aborto, induz alguém a suicidar-se, constrange,</p><p>subtrai, sequestra, destrói, seduz ou corrompe, praticando o núcleo do tipo. É também autor</p><p>quem realiza o fato por intermédio de outrem (autor mediato) ou comanda intelectualmente</p><p>o fato (autor intelectual).</p><p>FONTE: JESUS, D. Direito penal: parte geral. 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. p. 448.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>177</p><p>Portanto, autoria pode ser:</p><p>• Individual se o autor pessoalmente realiza todas as etapas do fato típico.</p><p>• Mediata se o autor a prática se utilizando de outra pessoa como instrumento.</p><p>• Coletiva ou em forma de coautoria se vários autores conjuntamente realizam</p><p>todas as características do fato típico.</p><p>• Colateral quando, de maneira excepcional, vários autores, sem que um saiba</p><p>dos outros, realiza a mesma figura típica.</p><p>Ainda, há a possibilidade de que mais de uma pessoa, de forma voluntária</p><p>e consciente, sem praticar os atos descritos na figura típica, coopere para a sua</p><p>realização, quer induzindo, quer instigando ou auxiliando o seu autor ou autores.</p><p>Considerando as distintas possibilidades, várias são as teorias que buscam</p><p>diferenciar autoria de participação, quais sejam: Teoria Unitária; Teoria Restritiva,</p><p>Teoria Extensiva e Teoria do Domínio do Fato.</p><p>6.1 TEORIA UNITÁRIA</p><p>Para tal teoria, autor é todo aquele que colabora para o resultado criminoso.</p><p>Também é conhecida como Teoria Monista para a qual não há diferenciação entre</p><p>autor, coautor e partícipe.</p><p>Se tal teoria tem, como vantagem, a facilidade de aplicação da lei penal</p><p>ao caso concreto, por outro, traz o grave inconveniente de considerar qualquer</p><p>contribuição causal como autoria, nivelando, todos os sujeitos envolvidos na ação</p><p>típica, sem considerar a importância e as diferenças entre as contribuições de caráter</p><p>objetivo e subjetivo que cada um deu para a lesão do bem jurídico. A aparente</p><p>simplicidade da Teoria Unitária carrega em si uma gama exacerbada de injustiças,</p><p>função a proteção de tais bens jurídicos e não ser um instrumento de controle na</p><p>esfera íntima de crença religiosa ou convicção moral.</p><p>Há que se assinalar que o controle social é exercido por um conjunto de</p><p>instituições (escola, igrejas, associações, entre outras), estratégias (aceitação,</p><p>valorização pessoal, entre outras) e ações (formas específicas de agir) que objetivam</p><p>estabelecer limites e padrões de comportamento social, criando normas e aplicando</p><p>sanções (não jurídicas) para os “desvios” em relação aos padrões estabelecidos.</p><p>Em relação aos demais ramos do Direito, o Direito Penal é preventivo, isto</p><p>é, tem por objetivo impedir a prática de delitos através de uma prevenção geral e</p><p>genérica, dirigida a todos os cidadãos, impondo, a partir do devido processo legal e</p><p>demais garantias legais e constitucionais, a sanção prevista. Por ser o Direito Penal</p><p>a expressão máxima do poder coercitivo do Estado, a norma penal é um imperativo</p><p>que atribui à pena a função de prevenir delitos e proteger bens jurídicos.</p><p>2.1 DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO</p><p>Entende-se como Direito Penal objetivo o conjunto de normas jurídicas</p><p>(regras e princípios) que descrevem os crimes (infrações penais) e impõem como</p><p>consequência sanções (penas ou medidas de segurança).</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>6</p><p>Já o Direito Penal subjetivo é o direito de punir – jus puniendi – exercido</p><p>exclusivamente pelo Estado, coibindo-se, assim, a vingança privada. Trata-se do</p><p>ius imperium, poder de império do Estado. Divide-se em:</p><p>• Ius puniendi in abstracto (ou primário) – surge com a criação da norma penal</p><p>e é a prerrogativa do Estado de poder exigir de todos os destinatários que se</p><p>abstenham de praticar a ação ou omissão definida no preceito legal.</p><p>• Ius puniendi in concreto (ou secundário) – é o que nasce, em geral, com o</p><p>cometimento da infração penal, surgindo daí o poder-dever do Estado de</p><p>exigir que o infrator se sujeite à sanção prevista.</p><p>DICAS</p><p>Portanto: é no momento em que ocorre a infração que é possível a punição em</p><p>concreto, uma vez que é quando ocorre a possibilidade jurídica de ser imposta uma sanção</p><p>penal. O Direito Penal objetivo é a norma penal em si e o Direito Penal subjetivo é a expressão</p><p>do poder/faculdade do Estado de elaborar e fazer cumprir as normas, executar as decisões</p><p>do Poder Judiciário. Por consequência, o ius puniendi, Direito Penal subjetivo, é a decisão</p><p>político-criminal que, com base na norma penal, declara punível um fato, imputando uma</p><p>sanção a seu autor.</p><p>2.2 DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E DIREITO PENAL ADJETIVO</p><p>O Direito Penal substantivo ou material é o Direito Penal objetivo, ou seja,</p><p>o conjunto de normas (regras e princípios) que definem as infrações penais e</p><p>impõem sanções (penas ou medidas de segurança).</p><p>O Direito Penal Adjetivo ou formal é o Direito Processual Penal, que possui</p><p>como finalidade determinar a maneira como deve ser aplicado o Direito Penal.</p><p>FIGURA 1 – DIREITO PENAL MATERIAL E DIREITO PENAL FORMAL</p><p>FONTE: A autora</p><p>Direito Penal</p><p>Material</p><p>(normas</p><p>penais)</p><p>Direito Penal</p><p>Formal</p><p>(processo</p><p>penal)</p><p>Direito</p><p>Penal</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>7</p><p>2.3 DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL</p><p>A denominação Direito Penal Comum é utilizada para designar o Direito</p><p>Penal aplicável pela justiça comum, de modo geral, a todas as pessoas, enquanto o</p><p>Direito Penal Especial é aquele ramo do Direito Penal que se encontra sob a jurisdição</p><p>especial que rege somente a conduta de um determinado grupo de pessoas.</p><p>O Direito Penal Comum tem como fundamento o Código Penal e as diversas</p><p>leis penais extravagantes, como a Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006), Código de</p><p>Trânsito (Lei nº 10.826/2003), Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), entre outras.</p><p>O Direito Penal Especial é aquele que se encontra sob a responsabilidade</p><p>de justiça especializada. Em nosso ordenamento é o caso da chamada justiça</p><p>castrense ou militar, a qual se incumbe de aplicar as normas previstas no Código</p><p>Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969).</p><p>Há que se esclarecer que não se pode confundir Direito Penal Especial</p><p>com Parte Especial do Direito Penal, que é aquela referenciada no próprio Código</p><p>Penal, como o Direito Penal Econômico, Direito Penal Empresarial, Direito</p><p>Penal do Consumidor etc. Observe que estas áreas não são autônomas, apenas</p><p>caracterizam estudo com objeto específico e possuem legislações específicas, sem</p><p>que haja Justiça ou Tribunal Especializado, como é o caso da Justiça Militar.</p><p>FIGURA 2 – DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL</p><p>FONTE: A autora</p><p>Direito Penal:</p><p>ramo do direito público cujas</p><p>normas visam a proteção de</p><p>bens jurídicos, punindo fatos</p><p>que os violam</p><p>Direito Penal Subjetivo:</p><p>Direito do Estado de</p><p>punir</p><p>Direito Penal Comum:</p><p>aplicado pela justiça</p><p>comum a todos os</p><p>cidadãos</p><p>Direito Penal Especial:</p><p>aplicado pela Justiça</p><p>especial (CPM)</p><p>Direito Penal Objetivo:</p><p>normas penais</p><p>3 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS</p><p>RAMOS JURÍDICOS</p><p>Compreender o Direito Penal em sua complexidade não significa limitar-</p><p>se à ordem normativa, à legislação penal em si, mas também conhecer a Ciência</p><p>Penal, que se constitui em um conjunto de conhecimentos acerca do sistema</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>8</p><p>normativo penal (regras e princípios penais), que é chamada Dogmática Penal.</p><p>O termo “dogmática” deve ser compreendido como o conjunto do saber jurídico</p><p>penal que possui função analítica e problematizadora acerca do direito positivo</p><p>penal criado pelo Estado. A Dogmática Penal trata-se de uma ciência que, a partir</p><p>das normas positivas, discute os valores e finalidades das normas, permitindo a</p><p>seu aplicador (Estado-Juiz) decidir de maneira justa e equânime, evitando, assim,</p><p>a arbitrariedade e o casuísmo.</p><p>Segundo o penalista Muñoz Conde (2001), a Dogmática Penal possui</p><p>uma importante função no Estado Democrático de Direito, que é a de garantir</p><p>a proteção dos direitos fundamentais do cidadão frente ao poder arbitrário do</p><p>Estado, pois, embora este tenha limites estabelecidos pela ordem constitucional,</p><p>é necessário o controle de tais limites.</p><p>Portanto, o Direito Penal, enquanto saber científico, não é apenas mera</p><p>contemplação ou memorização das normas penais, mas trata-se do campo de</p><p>direito dinâmico e permanente inter-relação com outros campos da Ciência</p><p>Jurídica, como a seguir analisaremos brevemente, considerando apenas alguns,</p><p>dentre os vários, campos específicos do Direito e sua relação com o Direito Penal.</p><p>3.1 DIREITO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL</p><p>Sem dúvida, a relação do Direito Penal com o Direito Constitucional é</p><p>inegável e basilar. Considerando a Constituição Federal como o fundamento do</p><p>ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito e ápice do sistema</p><p>jurídico, todas as normas obrigatoriamente estão vinculadas e subordinadas aos</p><p>ditames constitucionais.</p><p>Tal enlace coloca-se no plano vertical, de maneira que todos os setores</p><p>do ordenamento jurídico devem retirar seu fundamento de validade</p><p>formal e material, da Constituição, servindo esta como fonte primeira</p><p>e limite insuperável de sua atuação (LENZA, 2012, p. 44).</p><p>Na perspectiva contemporânea de Direito, o Direito Constitucional</p><p>condiciona e norteia todos os ramos do Direito e, em particular, o Direito Penal, por</p><p>duas razões: 1. Os bens jurídicos tutelados encontram-se insculpidos na Magna Carta</p><p>como Direitos Fundamentais, cabendo ao Estado a tarefa de protegê-los; 2. O Direito</p><p>Penal, enquanto instrumento de controle social, facultando ao Estado a imposição de</p><p>restrições a direitos fundamentais (vida, liberdade, patrimônio etc.), e esta ingerência</p><p>deve ser em conformidade e sob o controle dos princípios constitucionais penais, que</p><p>são indisponíveis e inegociáveis mesmo para o ente estatal.</p><p>Os direitos fundamentais constituem, neste sentido, o núcleo central de</p><p>legitimação e limite de ação do Estado, que deve obedecer aos princípios políticos</p><p>e jurídicos da ordem democrática,</p><p>por ser óbvio que todo aquele que contribui para o delito é também autor.</p><p>Zaffaroni e Pierangeli (2015, p. 644), analisando de forma crítica a Teoria</p><p>de Autor Único, são bem mais contundentes. Segundo eles, “não se pode afirmar</p><p>que todo causador é autor”, porque não ficaria em pé nenhum dos princípios</p><p>básicos do direito penal, e porque iria cair no ridículo de considerar autor quem</p><p>não apresenta caracteres típicos nem mesmo caracteres naturais para sê-lo: o</p><p>farmacêutico que entrega substância abortiva seria autor de aborto. Isto determina</p><p>a necessidade de se distinguir entre autores e partícipes.</p><p>Portanto, há uma problemática no nivelamento entre todos os participantes,</p><p>não apenas pela aparente simplicidade com que trata o tema, mas não considera</p><p>a complexidade dos delitos especiais como os delitos de mão própria. Ainda,</p><p>praticar a conduta descrita no tipo é diferente de “favorecer” ou contribuir</p><p>atipicamente para a realização do delito, havendo a necessidade de diferenciar</p><p>autoria de participação.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>178</p><p>6.2 TEORIA RESTRITIVA</p><p>O pressuposto de tal teoria é a de que nem todos os intervenientes no</p><p>crime são autores, admitindo-se como autor aquele que realiza a conduta típica</p><p>descrita no tipo legal. Apenas é autor (ou coautor) o que pratica o verbo do núcleo</p><p>do tipo, ou seja, o que mata, rouba, subtrai etc.</p><p>Para tal concepção, realizar a conduta típica é diferente de favorecer ou</p><p>instigar sua realização, sendo que somente a atitude do autor é a que pode ser</p><p>considerada típica, devendo o legislador especificar se as formas de participação</p><p>são puníveis e relevantes. E em assim sendo, deve a norma penal estabelecer as</p><p>distintas formas de participação.</p><p>6.3 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO</p><p>Esta teoria parte da tese de que autor é aquele que tem o controle final do</p><p>fato. É aquele que decide sobre sua prática, interrupção e circunstâncias (“se”,</p><p>“como” e “onde” se pratica o delito). Trata-se, portanto de uma teoria relacionada</p><p>com a conduta e não com o resultado, não podendo ser considerada nem objetiva</p><p>nem subjetiva, mas, se poderia dizer, mista.</p><p>Vale a pena lembrar que a teoria do domínio do fato tem sua aplicação</p><p>restrita aos crimes dolosos em face do conceito restritivo de autor que adotou,</p><p>não se podendo esquecer de que somente nos crimes dolosos se pode falar em</p><p>domínio final do fato, até porque, a principal característica dos crimes culposos é</p><p>exatamente a perda deste domínio.</p><p>6.4 TEORIA EXTENSIVA</p><p>Para tal conceito o fundamento é a equivalência das condições. Portanto,</p><p>é autor todo aquele que contribui com alguma causa para o resultado. Assim,</p><p>instigador e cúmplice são igualmente autores, já que esta teoria não distingue a</p><p>importância da contribuição causal de cada um no evento. Para muitos autores,</p><p>tal teoria se confunde com a Teoria Unitária.</p><p>De qualquer maneira, para esta teoria, os partícipes são autores e, portanto,</p><p>as normas a seu respeito, são causas de atenuação da pena. Assim, os preceitos</p><p>especiais sobre a participação, que estabelece pena diferenciada para instigadores</p><p>e cúmplices, constitui apenas causa de restrição ou limitação da punibilidade,</p><p>mas todos, indistintamente, são autores.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>179</p><p>IMPORTANTE</p><p>O Código Penal brasileiro, ao estabelecer no art. 29, caput, que incorre nas penas</p><p>cominadas ao crime quem, de qualquer modelo, para ele concorre, adotou a Teoria Unitária.</p><p>Se alguém auxilia ou incentiva, por exemplo, outra pessoa a matar alguém, ambas cometem</p><p>o crime de homicídio.</p><p>7 AUTORIA MEDIATA</p><p>Como já deve ter compreendido, autor não é apenas o que realiza</p><p>diretamente a ação típica descrita na lei, mas quem consegue a execução através</p><p>de pessoa que atua sem culpabilidade.</p><p>Porém há que se diferenciar o autor mediato, que é o que se vale de um</p><p>terceiro que age sem dolo, que age atipicamente ou que age justificadamente,</p><p>para praticar a figura típica. A autoria mediata tem como principal característica a</p><p>utilização de outra pessoa como instrumento que realiza a ação típica em posição</p><p>de subordinação ao controle do autor mediato, porém há que se afirmar que não</p><p>há autoria mediata nos casos:</p><p>• Em que o terceiro utilizado não é instrumento e sim autor plenamente</p><p>responsável.</p><p>• Nos crimes de mão própria.</p><p>• Nos crimes especiais próprios que exigem autores com qualificação especial.</p><p>• Nos crimes culposos em razão de não existir a vontade construtora do</p><p>acontecimento.</p><p>Entretanto, afirmar que as principais hipóteses de autoria mediata</p><p>decorrem:</p><p>• De erro.</p><p>• De coação irresistível.</p><p>• Do emprego de pessoas inimputáveis.</p><p>• Nos casos do emprego de terceiro que age justificadamente sob o amparado de um</p><p>excludente de criminalidade provocada deliberadamente pelo autor mediato.</p><p>Síntese geral:</p><p>Após analisar cuidadosamente a figura a seguir, salientamos os principais</p><p>conceitos e diferenciações tratadas. Esperamos que lhe facilite para fixar o</p><p>conteúdo estudado.</p><p>UNIDADE 3 | ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS</p><p>180</p><p>FIGURA 18 – QUADRO SÍNTESE: CONCURSO DE PESSOAS</p><p>FONTE: <https://files.passeidireto.com/86e23955-b454-4933-9457-c2e2509689a4/86e23955-</p><p>b454-4933-9457-c2e2509689a4.jpeg>. Acesso em: 16 set. 2019.</p><p>7.1 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES</p><p>• Espécies de crime quanto ao concurso de pessoas:</p><p>◦ De concurso eventual ou monossubjetivos: os que podem ser praticados</p><p>por um ou mais agentes. São a maioria dos crimes previstos no Código Penal</p><p>brasileiro.</p><p>◦ De concurso necessário ou plurissubjetivos: são os que só podem ser</p><p>praticados por uma pluralidade de agentes. Exemplo: bando, rixa, quadrilha</p><p>etc.</p><p>◦ São classificados em:</p><p>- Crimes de condutas paralelas: quando as ações praticadas se auxiliam</p><p>mutuamente visando a um resultado comum. É quando os agentes somam</p><p>esforços para um objetivo idêntico.</p><p>- Crimes de condutas convergentes: quando as condutas se encontram</p><p>somente após o início da execução do delito.</p><p>- Crimes de condutas contrapostas: quando as condutas são praticadas</p><p>umas contra as outras, sendo os agentes ao mesmo tempo autores e vítimas.</p><p>• Espécies de concurso de pessoas:</p><p>◦ Concurso necessário: refere-se aos crimes plurissubjetivos que exigem, pelo</p><p>menos o concurso de duas pessoas. É, portanto, de coautoria obrigatória.</p><p>◦ Concurso eventual: refere-se aos crimes monossubjetivos que podem ser</p><p>praticados por um ou mais agentes. Se cometidos por duas ou mais pessoas</p><p>haverá coautoria ou participação, a depender da forma como os agentes</p><p>praticam o delito.</p><p>TÓPICO 3 | CONCURSO DE PESSOAS</p><p>181</p><p>• Formas de concurso de pessoas:</p><p>◦ Coautoria: são coautores todos agentes que, em colaboração recíproca</p><p>e visando ao mesmo fim, somam esforços para a realização da conduta</p><p>principal. Na coautoria os agentes conjuntamente realizam o núcleo verbal</p><p>do tipo. Não cabe coautoria em crimes omissivos próprios.</p><p>◦ Participação: partícipe é quem concorre para que o autor ou coautores realizem</p><p>a conduta típica. É aquele que sem cometer a conduta prevista no núcleo do</p><p>verbo do tipo, concorre de alguma forma para a realização do resultado. A</p><p>natureza jurídica da participação é relacionada com a Teoria da Acessoriedade,</p><p>uma vez que a participação é uma conduta acessória à do autor.</p><p>7.2 TIPOS DE AUTORIA</p><p>• Autoria mediata: autor mediato é aquele que se serve de terceira pessoa para</p><p>realizar para ele a conduta típica como um instrumento. E pode resultar em:</p><p>◦ Ausência de capacidade penal da pessoa da qual o autor mediato se serve. É o</p><p>caso de uso de inimputáveis.</p><p>◦ Coação moral irresistível. Se a coação for física, haverá autoria imediata,</p><p>desaparecendo a conduta do coato.</p><p>◦ Provocação de erro de tipo escusável. Por exemplo, quando o autor mediato induz</p><p>o agente a matar um inocente, fazendo-o crer que estava em legítima defesa.</p><p>◦ Obediência hierárquica: o autor da ordem sabia que esta é ilegal, mas se</p><p>aproveita do desconhecimento de seu subordinado.</p><p>7.3 REQUISITOS PARA O CONCURSO</p><p>como estudaremos mais detalhadamente no</p><p>próximo tópico. Lembrando o consagrado constitucionalista Konrad Hesse (1983),</p><p>a Constituição é que estabelece os pressupostos de criação, vigência e execução</p><p>do ordenamento jurídico e constitui o elemento unificador do sistema normativo.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>9</p><p>Luigi Ferrajoli (2002) lembra que o modelo clássico positivista reduzia</p><p>a validade normativa à sua vigência, considerando-a tão somente produto</p><p>legislativo, sem considerar-se o conteúdo valorativo das normas produzidas.</p><p>Entretanto, nos estados constitucionais contemporâneos, tal concepção é</p><p>insuficiente e inadmissível. Para Ferrajoli, o Direito em geral e o Direito Penal</p><p>em particular, no Estado Democrático Constitucional, vinculam-se a princípios</p><p>políticos e jurídicos éticos que delimitam os parâmetros valorativos de produção,</p><p>interpretação e aplicação das normas jurídicas, devendo declarar-se inválidas as</p><p>normas que violam direitos fundamentais.</p><p>DICAS</p><p>Portanto, uma determinada norma pode ter vigência (formal), observando-</p><p>se apenas o critério de legitimidade jurídica formal, mas não ter validade (material) por</p><p>estar em desconformidade com significados ou conteúdos normativos delimitados</p><p>constitucionalmente. No Estado absolutista, validade e vigência eram equivalentes. O Estado</p><p>Democrático de Direito caracteriza-se justamente por essa possível divergência. A validade</p><p>das normas exige conformidade com os valores estabelecidos por outras normas superiores</p><p>a elas. Uma teoria juspositivista contemporânea como a de Kelsen não faz essa distinção,</p><p>pois, para o autor, todo Estado é um Estado de Direito, equivalendo-se vigência e validade. A</p><p>possibilidade de invalidade de uma norma vigente se abre diante da recusa dessa premissa,</p><p>em que por muito tempo se afirmou que o ordenamento jurídico é um todo completo e</p><p>coerente, desprovido de lacunas.</p><p>Em um Estado Absoluto, a resposta à questão “quando e como punir?” é muito simples:</p><p>“quando e como queira o soberano”. Já no Estado Democrático de Direito, são normas</p><p>constitucionais que oferecem as respostas aos problemas do “quando” e do “como”. Para</p><p>Ferrajoli, dependendo do caráter vinculante das respostas, um sistema será mais ou menos</p><p>garantista, mais ou menos de “direito”.</p><p>FONTE: SALAH, H. K. Introdução aos fundamentos do direito penal. Disponível em: <http://</p><p>www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7411>.</p><p>Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>O Direito Penal contemporâneo deve ser assentado, portanto, em princípios</p><p>fundamentais, próprios do Estado Democrático de Direito, e tem como base o</p><p>expresso na Magna Carta. Porém, por serem normas prescritas de forma imperativa,</p><p>em não raras vezes tanto o órgão julgador como o legislador produzem e aplicam</p><p>normas que afrontam a ordem democrática e constitucional. Criando um paradoxo.</p><p>Entretanto, como lembra o próprio Ferrajoli (2002), há na prática uma grande</p><p>contradição entre as normas produzidas e reproduzidas com os princípios e valores</p><p>constitucionais, mas a realização do modelo é um projeto a ser perseguido e efetivado.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>10</p><p>Lembra Ferrajoli:</p><p>Se as lutas pelos direitos são o veículo necessário mediante o qual se</p><p>afirmam necessidades vitais insatisfeitas, é essencialmente graças a elas</p><p>que se produzem as mudanças progressivas na esfera do direito positivo:</p><p>do reconhecimento constitucional de novos direitos fundamentais à</p><p>elaboração de novas garantias legais para direitos já reconhecidos,</p><p>das evoluções da jurisprudência às solicitações de responsabilidade</p><p>política pela violação dos direitos já garantidos. E é precisamente nesta</p><p>capacidade de mudar ou de influenciar a legislação, a jurisdição, o</p><p>governo e a administração que consistem a força e o sucesso de uma luta</p><p>social; por outro lado, é signo de esterilidade ou de fraqueza a sua falta</p><p>de saídas, ou pior, de objetivos institucionais, idôneos, a garantirem e a</p><p>estabilizarem as instâncias em formas jurídicas positivas (2002, p. 871).</p><p>A íntima e vital relação entre Direito Penal e Direito Constitucional é o</p><p>que permite a funcionalidade axiológica do sistema normativo, uma vez que as</p><p>normas penais apenas possuem validade e obrigam quando orientadas segundo</p><p>os fins dos valores constitucionais consagrados, conferindo sentido de justiça ao</p><p>controle punitivo do Estado.</p><p>3.2 DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL</p><p>A relação entre Direito Processual Penal e Direito Penal é muito estreita.</p><p>De acordo com Tourinho Filho (2011, p. 54), Direito Processual Penal é constituído</p><p>pelo conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito</p><p>Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos auxiliares, bem</p><p>como a persecução penal.</p><p>Portanto, enquanto o Direito Penal é constituído por normas que definem</p><p>condutas criminosas e cominam as sanções correspondentes, o Processo Penal é o</p><p>“instrumento” através do qual a pena é imposta, sendo ambos complementares,</p><p>uma vez que o ius puniendi – direito do Estado de punir – somente pode ser</p><p>exercido através do ius persequendi – meio formal de exercício do direito de punir.</p><p>Frise-se: no Estado Democrático de Direito não há como aplicar uma</p><p>pena senão pelo devido processo legal, due process of law –, segundo o disposto</p><p>no art. 5º, inc. LIV da CF, ao determinar que “ninguém será privado de sua</p><p>liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.</p><p>A ocorrência de um delito desencadeia para o poder público o dever</p><p>de punir o agente, tornando realidade a sanção cominada à infração cometida.</p><p>Entretanto, para que isso aconteça, o Estado deve necessariamente recorrer ao</p><p>Poder Judiciário, através de um procedimento formal e solene, que assegure o</p><p>contraditório e ampla defesa, a fim de demonstrar a culpabilidade do agente,</p><p>podendo ou não o Estado impor pena ou, se for o caso, medida de segurança.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>11</p><p>3.3 DIREITO PRIVADO E DIREITO PENAL</p><p>Embora o Direito seja um sistema normativo unitário com inter-relações</p><p>internas e externas, que possui todos os ramos do ordenamento jurídico mútuos,</p><p>complexas e intrincadas implicações, cada campo específico mantém autonomia.</p><p>No caso do Direito Privado não é diferente, a exemplo do Direito Civil.</p><p>De acordo com o Código Civil, entende-se por ilícito:</p><p>a) O ato de alguém que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,</p><p>viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186).</p><p>b) O exercício abusivo de um direito por seu titular, quando exceder</p><p>manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela</p><p>boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187).</p><p>As penas previstas a estes vão desde a obrigação de reparar o dano, a</p><p>imposição de multa, a rescisão contratual, a nulidade do ato ou negócio jurídico,</p><p>até, em caráter excepcional, a decretação da prisão coercitiva, quando se tratar</p><p>de dívida de alimentos, obedecendo ao disposto no art. 528 do CPC, que é</p><p>a única hipótese por dívida admitida pela CF (art. 5º LXVVII), uma vez que a</p><p>jurisprudência colocou fim à possibilidade de depositário infiel.</p><p>Ainda, em casos de indenização civil ex-delicto que acompanham a condenação</p><p>na esfera penal e a tutela de institutos do Direito Civil, por exemplo, a propriedade</p><p>em casos de furto, roubo, dano etc., ou mesmo nos contratos e negócios privados.</p><p>FIGURA 3 – ANÁLISE DO ATO ILÍCITO – ESFERA CIVIL OU CRIMINAL?</p><p>FONTE: <https://cdn-images-1.medium.com/max/800/1*ZuQKwNF8BhEq2cONo5zkXw.png>.</p><p>Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>Para casos de infrações chamadas de “menor potencial ofensivo”, atualmente</p><p>as chamadas contravenções penais e crimes cuja pena máxima não exceda a dois</p><p>anos (Lei nº 9.099/95), ocorre o “devido processo legal consensual”, em que, por</p><p>meio de uma transação penal, é possível a aplicação de pena alternativa.</p><p>A relação entre Direito Penal e Direito Processual</p><p>Penal é tão próxima que</p><p>se pode concluir afirmando que o segundo é a força, a energia potencial para que</p><p>aquele se concretize.</p><p>ESFERA PENAL</p><p>ESFERA CIVIL</p><p>ABUSO DE</p><p>DIREITO</p><p>PRÓPRIO</p><p>VIOLAÇÃO</p><p>DE DIREITO</p><p>ALHEIO</p><p>CRIME</p><p>ATO ILÍCITO</p><p>Lato Sensu</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>12</p><p>Há clara diferença entre ilícito civil e ilícito penal. Na esfera civil, embora</p><p>seja reconhecida a conduta ou ato pela norma civil como ilícito, não há crime,</p><p>havendo ainda diferenças bastante claras. A responsabilidade penal é sempre</p><p>individual e personalíssima (art. 5º, inc. XLV da CF), enquanto no Direito civil</p><p>é admitia a responsabilidade por ato de terceiros, como no caso de pais que</p><p>respondem por seus filhos menores, do empregador ou comitente por seus</p><p>empregados e prepostos, entre outros.</p><p>DICAS</p><p>Sugere-se como leitura complementar os seguintes sites:</p><p><https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/16730/Il%C3%ADcito_Civil_Il%C3%ADcito_Penal.pdf></p><p>e</p><p><http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1404>.</p><p>Acessos em: 28 mar. 2019.</p><p>3.4 DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO</p><p>Para Celso Bandeira de Mello (2011), Direito Administrativo é o ramo</p><p>do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e</p><p>órgãos que a exercem. É composto, portanto, por regras e princípios que regem</p><p>o funcionamento e organização da administração pública e sua relação com</p><p>particulares no exercício do interesse público.</p><p>São muitos os pontos de contato entre o Direito Penal e o Administrativo.</p><p>Por exemplo, a tutela penal da Administração Pública (Título XI da Parte Especial</p><p>do CP), os efeitos extrapenais da condenação, dentre os quais há a perda do cargo,</p><p>função ou mandato eletivo (art. 92, I, do CP) e ainda, a pena restritiva de direitos,</p><p>como a proibição de atividade, cargo ou função pública, bem como mandato</p><p>eletivo (art. 47, II, do CP).</p><p>UNI</p><p>Para melhor compreensão, leia um texto sobre essa temática, acessando o link a</p><p>seguir: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_</p><p>id=11132>. Acesso em: 29 mar. 2019.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>13</p><p>Como se observa, o Direito Administrativo também prevê sanções,</p><p>porém de caráter disciplinar, relacionadas à prática de atos ilícitos na esfera da</p><p>administração pública. Portanto, tais sanções não são penas, uma vez que as</p><p>sanções penais exigem a prática de crime e a submissão a processo penal, que</p><p>deve obedecer aos princípios do contraditório e ampla defesa.</p><p>EM SÍNTESE:</p><p>Relação do Direito Penal com alguns ramos do Direito</p><p>Direito Constitucional</p><p>• A supremacia política e jurídica constitucional fundamenta o Direito Penal.</p><p>• Os bens jurídicos tutelados encontram-se insculpidos na Magna Carta como Direitos</p><p>Fundamentais, cabendo ao Estado a tarefa de protegê-los.</p><p>• O Direito Penal, enquanto instrumento de controle social, faculta ao Estado a imposição de restrições</p><p>a direitos fundamentais (vida, liberdade, patrimônio etc.), e esta ingerência deve ser em conformidade</p><p>e sob o controle dos princípios constitucionais penais, que são indisponíveis e inegociáveis.</p><p>Direito Processual Penal</p><p>• O Direito Penal não é autoexecutivo, ou seja, é um direito de coação indireta cuja concretização</p><p>depende do devido processo legal.</p><p>• O Processo Penal é o instrumento através do qual o Direito Penal torna-se efetivo.</p><p>Direito Privado</p><p>• Embora sejam esferas jurídicas distintas, o conceito de ilícito civil é mais amplo que o penal,</p><p>uma vez que este implica a existência de crime – violação a bens jurídicos fundamentais à</p><p>sociedade e apenada gravemente.</p><p>• Apesar da independência das esferas Civil e Penal, há efeitos recíprocos.</p><p>Direito Administrativo</p><p>• Os ilícitos penal e administrativo não se confundem, uma vez que ao primeiro com graves sanções.</p><p>• A responsabilidade penal e a administrativa são independentes, mas a condenação penal pode</p><p>gerar efeitos na esfera administrativa, como perda de cargo ou função.</p><p>4 CRIMINOLOGIA E A FUNÇÃO ÉTICA DO DIREITO PENAL</p><p>O Direito Penal inegavelmente é um instrumento de controle social que</p><p>padroniza e molda comportamentos. Por sua natureza, o Direito Penal não possui</p><p>uma perspectiva causal-explicativa do crime, encontrando na Criminologia a</p><p>fonte de compreender criticamente as condições de criminalização e as funções</p><p>do sistema punitivo – social, cultural e político – e penal – Direito Penal, Política</p><p>Criminal e Poder Judiciário.</p><p>A função da Criminologia é fornecer elementos para ações públicas de</p><p>prevenção geral (ações de bem-estar social e individual, reorientação do sistema de</p><p>educação, planejamento urbano e habitacional etc.) e sociais, tomando por objeto o</p><p>sistema punitivo, é necessário que se identifique e individualize os elementos que</p><p>o compõem, de forma a construir e a propor novas concepções acerca da violência</p><p>(individual, institucional e estrutural), indo além da perspectiva unitária tradicional</p><p>e reducionista (interpessoal: criminoso, vítima, pena, punição). Portanto, são</p><p>importantes elementos tanto para o legislador penal como para o jurista que deve</p><p>aplicar a norma penal no caso concreto, dando efetividade ao Direito Penal.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>14</p><p>Como você já deve ter percebido, o Direito Penal é um sistema normativo</p><p>que valora bens e condutas humanas relevantes para a vida social e, portanto,</p><p>interagindo de maneira dinâmica com os valores éticos sociais positivando-os e</p><p>dando sentido jurídico, com a finalidade de protegê-los.</p><p>4.1 CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL</p><p>O Direito Penal contemporâneo é resultado das concepções iluministas</p><p>europeias do século XVIII, que passaram a tratar a questão do crime essencialmente</p><p>como ente jurídico, buscando integrar o agir delitivo com a previsão legal processual,</p><p>situando a Criminologia distante do Direito Penal, privilegiando o último. Desde</p><p>tal perspectiva, portanto, o Direito Penal é concebido como saber normativo,</p><p>valorativo e finalista – essencialmente abstrato –, preocupado tão somente com a</p><p>coibição do delito como fenômeno individual e/ou coletivo, de natureza repressiva.</p><p>UNI</p><p>“Iluminismo” é um movimento construído entre os séculos XVII e XVIII por</p><p>pensadores que, na esfera penal, pregavam a reforma das leis e administração do modelo</p><p>punitivo. Com a obra de Hugo Grotis sobre o direito natural (de iuris ac pacis) em 1625, as ideias</p><p>políticas começam a ser revistas, dando início à luta sobre os fundamentos do direito penal</p><p>do Estado entendendo que a pena deve ter um fundamento racional. A evolução prossegue</p><p>com as obras de Puffendorf, Thomasius e Cristhian Wolff, jusnaturalistas que fundaram o</p><p>direito do Estado na razão, combatendo o direito romano e o canônico, bem como opondo-</p><p>se ao princípio da retribuição reconhecendo o fim da pena na utilidade comum.</p><p>O grande marco do Iluminismo no campo penal foi a obra de César Beccaria</p><p>publicada em Milão em 1764, Dei delliti delle e pene. Um pequeno livro que se tornou o</p><p>símbolo da reação liberal ao desumano sistema então vigente.</p><p>A obra de Beccaria reflete a forte influência dos enciclopedistas Montesquieu e</p><p>Rosseau cujas ideias Beccaria acolhe, reproduz e desenvolve. Parte da concepção de “contrato</p><p>social”, afirmando que a finalidade da pena é apenas a de evitar que o criminoso cause novos</p><p>males e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde</p><p>na absoluta necessidade. Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo</p><p>sequer o juiz ter o poder de interpretá-las, opondo-se, dessa forma, ao arbítrio que prevalecia</p><p>na justiça penal. Combateu a pena de morte, a tortura, o processo inquisitório, defendendo a</p><p>aplicação de penas certas, moderadas e proporcionais ao dano causado à sociedade.</p><p>FONTE:<https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/a-historia-as-ideias-direito-penal.htm>.</p><p>Acesso em: 29 mar. 2019.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>15</p><p>Em</p><p>síntese, para o Direito Penal, o problema do crime se encerra com a</p><p>aplicação e execução da pena, não interessando as razões e fatores relacionados</p><p>ao fenômeno do crime. Nas palavras de Orlando Soares (2003), criminólogo</p><p>brasileiro clássico, o Direito Penal é um saber inócuo e abstrato que nada tem</p><p>podido realizar no campo da prevenção do crime e tratamento do criminoso,</p><p>porque na verdade só cuida da repressão do delito. Desde tal constatação é</p><p>possível afirmar que seria utópico compreender e prevenir o crime somente</p><p>através do Direito Penal, exigindo-se estabelecer diálogo com outros campos do</p><p>conhecimento, particularmente com a Criminologia.</p><p>Em sentido lato, Criminologia pode ser definida como saber acerca da</p><p>questão do crime, suas causas, características, natureza, bem como fatores</p><p>relacionados com o criminoso e a criminalização.</p><p>UNI</p><p>Vejamos algumas definições clássicas de Criminologia:</p><p>[...]</p><p>Nelson Hungria diz que a Criminologia é o “estudo experimental do fenômeno do crime, para</p><p>pesquisar-lhe a etiologia e tentar sua debelação por meios preventivos”.</p><p>Jean Pinatel define a Criminologia como “a ciência que tem por objeto fundamental</p><p>coordenar, confrontar e comparar os resultados obtidos pelas ciências criminológicas para</p><p>lograr uma síntese sistemática”.</p><p>[...]</p><p>Jean Merquiset entende a Criminologia como “o estudo do crime como fenômeno social e</p><p>individual de suas causas e de sua prevenção”.</p><p>Kinberg diz que a Criminologia é “a ciência que tem por objeto não somente o fenômeno</p><p>natural da prática do crime, como também o fenômeno da luta contra o crime”.</p><p>Martin Wofgang pondera que o termo Criminologia deve ser empregado para designar o</p><p>corpo de conhecimento científico sobre o crime.</p><p>[...]</p><p>O criminólogo austríaco Roland Grassberger define a Criminologia como “o sistema das</p><p>ciências auxiliares do Direito Penal sobre as causas, prova e prevenção do crime. Enrique</p><p>Cury, penalista chileno, conceitua a Criminologia como “a ciência causal-explicativa do delito”.</p><p>FONTE: FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton. Criminologia Integrada. São Paulo: Ed.</p><p>RT, 2012, pp.36 e 37.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>16</p><p>Em que pesem as distintas definições, a Criminologia, diferentemente do</p><p>Direito Penal, é uma ciência empírica acerca do crime, sua gênese, fornecendo</p><p>elementos acerca das causas do delito e dos fatores relacionados ao delinquente.</p><p>A Criminologia possui um objeto próprio de investigação – o crime na sua</p><p>complexidade, os sujeitos envolvidos (criminoso, vítima e sociedade) –, métodos de</p><p>investigação e um sólido conjunto de conhecimentos elaborados ao longo de séculos</p><p>de investigações e problematizações. Em assim sendo, é sua tarefa não apenas</p><p>acumular e divulgar dados ou números sobre o crime, mas obter dados, discuti-los,</p><p>sistematizá-los e interpretá-los desde marcos teóricos adequados com a finalidade de</p><p>contribuir para a construção de políticas criminais adequadas e efetivas.</p><p>Enquanto o Direito Penal possui uma perspectiva causal-explicativa do</p><p>fenômeno da criminalidade, cuja função do saber criminológico é a de subsidiar e</p><p>legitimar a política criminal que orienta ações de prevenção e repressão ao crime,</p><p>permitindo adotar um horizonte mais amplo e crítico, permite compreender as</p><p>condições de criminalização engendradas a partir do sistema punitivo e seus</p><p>mecanismos de controle e dominação. Desta forma, é conferida à Criminologia</p><p>a função de problematizar este sistema como parte de um conjunto sociopolítico</p><p>articulado de exercício de poder, permitindo uma compreensão crítica em relação</p><p>ao próprio Direito Penal.</p><p>Mas qual a razão da valorização central do Direito Penal em relação à</p><p>Criminologia na formação acadêmica?</p><p>O Direito Penal, como parte da Dogmática Jurídica, funciona como um</p><p>sistema (teórico e conceitual) coerente, uniforme e previsível, que aparentemente</p><p>teria a capacidade de evitar a arbitrariedade do Estado contra o cidadão, garantindo</p><p>a segurança jurídica (elemento essencial do discurso justificador do Direito</p><p>Moderno). Portanto, o Direito Penal constrói uma legitimidade técnica racional</p><p>para imputar a responsabilidade penal; ou seja, possui o condão de “vincular as</p><p>decisões à lei e à conduta do autor de um fato-crime, objetiva e subjetivamente</p><p>considerada em relação a este o exorcizar, por esta via, a submissão do imputado</p><p>à arbitrariedade judicial (ANDRADE, 1997, p. 27).</p><p>Em assim sendo, a Dogmática Penal (fundamento e justificativa técnica</p><p>racional do Direito Penal) serve de instrumento punitivo, que divorciado da</p><p>Criminologia transforma-se num mero decisionismo arrogante despojado de</p><p>vínculo com a realidade.</p><p>Entretanto, o Direito Penal exerce sua função de controle através de</p><p>um subconjunto de normas articuladas institucionalmente: Direito Processual</p><p>Penal, Organização Judiciária, Execução Penal etc. A ação orientada e sucessiva</p><p>das distintas instituições (desde a Polícia Judiciária com função investigativa</p><p>até o “estabelecimento” prisional), cada qual obedecendo a limites e funções</p><p>previamente definidas (legislações específicas) compõe o Sistema Penal. Trata-se</p><p>de uma institucionalização do controle punitivo.</p><p>TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL</p><p>17</p><p>Analisando criticamente a relação tradicional entre Direito Penal e</p><p>Criminologia, que acabou por tornar a Criminologia como saber “auxiliar”,</p><p>afirma Vera Regina de Andrade (1997, p. 103):</p><p>Com efeito, enquanto a Dogmática do Direito Penal, definida como</p><p>"Ciência" normativa, terá por objeto as normas penais e por método</p><p>o técnico-jurídico, de natureza lógico-abstrata, interpretando e</p><p>sistematizando o Direito Penal positivo (mundo do DEVER-SER) para</p><p>instrumentalizar sua aplicação com "segurança jurídica", a Criminologia,</p><p>definida como Ciência causal-explicativa, terá por objeto o fenômeno</p><p>da criminalidade (legalmente definido e delimitado pelo Direito Penal)</p><p>investigando suas causas segundo o método experimental (mundo do</p><p>SER) e subministrando os conhecimentos antropológicos e sociológicos</p><p>necessários para dar um fundamento "científico" à Política Criminal ,</p><p>a quem caberá, a sua vez, transformá-los em "opções" e "estratégias"</p><p>concretas assimiláveis pelo legislador (na própria criação da lei penal) e</p><p>os poderes públicos, para prevenção e repressão do crime.</p><p>Podemos então concluir que o crime, enquanto fenômeno complexo, carrega</p><p>em si distintos elementos – fato criminoso, o criminoso, a vítima, a política criminal,</p><p>a punição etc. – que são objeto de estudo de distintos campos das chamadas</p><p>Ciências Criminais, que podem ser divididas em Ciências Criminais Histórico-</p><p>Filosóficas (História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito Penal</p><p>Comparado); Ciências Criminais Causais-Explicativas (Criminologia, Antropologia</p><p>Criminal, Sociologia Criminal, Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise</p><p>Criminal); Ciências Jurídico-Repressivas (Direito Penal, Direito Processual Penal e</p><p>Direito Penitenciário); Ciências Criminais Auxiliares (Penologia, Política Criminal,</p><p>Medicina Legal, Psiquiatria Forense, Estatística Criminal etc.).</p><p>A relação entre Direito Penal e Criminologia é inegável, uma vez que o</p><p>saber criminológico contribuiu de maneira eficaz para a fixação de estratégias</p><p>– políticas criminais – de enfrentamento às causas da criminalidade e fatores</p><p>criminológicos, fornecendo elementos cientificamente elaborados para um Direito</p><p>Penal humanizador e eficiente, assegurando uma lógica punitiva assentada em</p><p>uma perspectiva além do binômio crime-pena.</p><p>18</p><p>Neste tópico, você aprendeu que:</p><p>• “Crime” é um conceito jurídico e está relacionado com a previsão normativa</p><p>estabelecida pelo Código Penal.</p><p>• O Direito Penal é um dos sistemas normativos que compõem o Direito e</p><p>como tal, possui interrelação com os demais ramos do Direito devendo ser</p><p>compreendido em sua sistematicidade.</p><p>• A compreensão do crime e do processo de criminalização não pode ser</p><p>compreendida somente pelo Direito Penal,</p><p>mas sobretudo pela Criminologia que</p><p>estuda os fatores subjacentes ao fenômeno do crime para além da mera legalidade.</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>19</p><p>1 O Direito Penal é ramo do Direito Público composto por um conjunto de</p><p>normas que têm por finalidade regular o poder punitivo do Estado. Desde</p><p>tal afirmação, é CORRETO afirmar que:</p><p>a) ( ) O Direito Penal é composto por normas não jurídicas que se ocupam do</p><p>controle das ações criminosas, impondo sanções.</p><p>b) ( ) As normas penais são as que determinam ações consideradas crimes e</p><p>imputam as penas ou medidas de segurança, portanto, criam o injusto</p><p>penal e suas respectivas consequências.</p><p>c) ( ) As normas penais fixam os limites das ações éticas e morais que regem a</p><p>vida social.</p><p>d) ( ) O Direito Penal, enquanto ramo do Direito Público, não tutela bens</p><p>jurídicos particulares, como a propriedade individual.</p><p>2 Considere as afirmações a seguir:</p><p>I- Ao conjunto de normas jurídicas que descreve os crimes e impõe sanções</p><p>(medida de segurança ou penas), entende-se como Direito Penal objetivo.</p><p>II- O Jus Puniendi é o Direito Penal Subjetivo, constituído de normas que garantem</p><p>à vítima o Direito a justa reparação pela violação a bem jurídico tutelado.</p><p>III- O direito de punir é exercido somente pelo Estado, que é o ente jurídico legítimo</p><p>para exigir que os cidadãos se abstenham de praticar determinadas condutas.</p><p>IV- O Direito Penal objetivo é a norma penal em si e o Direito Penal subjetivo é</p><p>a expressão do poder do Estado de fazer cumprir as normas e executar as</p><p>decisões do Poder Judiciário.</p><p>Assinale a afirmação CORRETA:</p><p>a) ( ) As afirmações I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) As afirmações I, II e IV estão corretas.</p><p>c) ( ) As afirmações I, III e IV estão corretas.</p><p>d) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.</p><p>3 O Direito Penal é composto por dois tipos de normas: 1. as normas que</p><p>definem as infrações penais e impõem sanções (Direito Penal Substantivo);</p><p>2. as que possuem como finalidade definir a maneira de como se aplicar o</p><p>próprio Direito Penal (Direito Penal Adjetivo). O artigo 157 do CP estabelece:</p><p>Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou</p><p>violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade</p><p>de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Quanto ao tipo, É</p><p>CORRETO afirmar que tal norma penal:</p><p>a) ( ) Trata-se de norma ao Direito Penal Substantivo ou Material.</p><p>b) ( ) Trata-se de norma de Direito Especial que apenas se aplica aos sujeitos</p><p>que praticam tal conduta.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>20</p><p>c) ( ) Trata-se de norma de Direito Penal Adjetivo ou Formal, porque há</p><p>necessidade da formalização do ato infracional.</p><p>d) ( ) Trata-se de medida de segurança aplicada aos inimputáveis.</p><p>4 Contemporaneamente, no Brasil, o Direito Penal assenta-se em princípios</p><p>fundamentais próprios do Estado Democrático de Direito, o que garante</p><p>que as normas penais válidas são as que se orientam segundo os valores</p><p>constitucionalmente definidos. Desde tal perspectiva, é CORRETO afirmar:</p><p>a) ( ) O Direito Constitucional estabelece a função valorativa (axiológica) ao</p><p>Direito Penal, garantindo pressupostos para a criação e aplicação da lei</p><p>penal.</p><p>b) ( ) As normas penais são criadas e aplicadas segundo os princípios</p><p>morais e éticos da sociedade, independentemente do modelo político</p><p>constitucional vigente.</p><p>c) ( ) Para garantir a validade da norma penal, na perspectiva contemporânea,</p><p>basta sua vigência.</p><p>d) ( ) Não há normas penais inválidas.</p><p>21</p><p>TÓPICO 2</p><p>OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL</p><p>UNIDADE 1</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico</p><p>brasileiro em geral passa a ser assentado em princípios fundamentais, próprios</p><p>do Estado Democrático de Direito, superando-se assim a concepção legalista do</p><p>Direito. Contemporaneamente compreende-se todo o sistema normativo a partir</p><p>da harmonização à Constituição não apenas no plano formal, como também no</p><p>plano material. Por outras palavras, há que se tratar a norma penal em consonância</p><p>com os valores expressos, implícita ou explicitamente, na Magna Carta, uma vez</p><p>que os valores e princípios constitucionais devem servir de orientação tanto para</p><p>a interpretação da norma como para sua criação.</p><p>Este deve ser o marco jurídico para se pensar o Direito no século XXI,</p><p>exigindo-se do jurista em geral a concretização e promoção dos valores e princípios</p><p>constitucionalmente afirmados.</p><p>Neste tópico o objetivo será o de compreender o conceito de princípios</p><p>jurídicos, bem como identificar os que servem de fundamento do Direito Penal</p><p>brasileiro, uma vez que o estudo de qualquer ramo do Direito deve ser iniciado</p><p>pelo entendimento da lógica e coerência do ordenamento jurídico.</p><p>2 COMPREENDENDO PRINCÍPIOS E REGRAS</p><p>No atual estágio da Ciência do Direito, os princípios não são considerados</p><p>como meras aspirações ou mesmo idealizações, mas possuem força normativa.</p><p>As normas jurídicas são as formas através das quais o direito se expressa,</p><p>criando, modificando ou extinguindo direitos. Genericamente pode-se afirmar</p><p>que a norma jurídica é uma prescrição cujo objetivo é estabelecer o agir humano,</p><p>individual ou coletivamente, de forma a garantir ou realizar direitos.</p><p>Como você já deve ter estudado, a norma jurídica difere-se da norma</p><p>moral ou religiosa, uma vez que as normas ou preceitos jurídicos possuem uma</p><p>natureza coercitiva – impõem-se obrigatoriamente aos sujeitos – e são elaboradas</p><p>a partir das relações sociopolíticas e culturais. A norma jurídica é um produto</p><p>histórico e político que se concretiza pela interpretação diante do caso concreto e</p><p>não se confunde com texto legal, com enunciado jurídico, uma vez que a norma é</p><p>a afirmação do direito cujo sentido exprime valores.</p><p>UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL</p><p>22</p><p>Para o clássico pensador brasileiro Ferraz Junior (2006), para esclarecer</p><p>o que é o termo “norma jurídica”, via de regra, deve-se compreendê-lo sob</p><p>três aspectos: o propositivo, o prescritivo e o comunicacional. O primeiro,</p><p>ou seja, norma jurídica como proposição, é o sentido relacionado ao “dever</p><p>ser” do comportamento humano, portanto, estabelece um imperativo que se</p><p>pode formular na seguinte estrutura lógica: uma proposição hipotética ligada</p><p>condicionalmente a uma sanção (“se” ocorrer A “deverá” ser imposto “B”; ou</p><p>ainda; se “fulano” cometer a conduta “X”, deverá ser aplicada a pena “Y”).</p><p>Para o referido autor, sob a dimensão prescritiva, as normas são atos de uma</p><p>vontade impositiva que disciplina condutas, sendo, sob tal aspecto, imperativos ou</p><p>comandos de uma “vontade institucionalizada”, que em nosso caso é o Estado,</p><p>único ente político legítimo para prescrever normas jurídicas. Já na dimensão</p><p>comunicacional, a norma jurídica institui uma comunicação – troca de mensagens</p><p>entre indivíduos – estabelecendo relações de subordinação e coordenação.</p><p>Sem adentrar na complexa conceituação de norma jurídica, pode-se</p><p>afirmar que as normas jurídicas são significações construídas a partir dos textos</p><p>positivados e estruturados, das necessidades e valores humanos e dos bens</p><p>protegidos juridicamente.</p><p>Entretanto, há que se destacar que as normas jurídicas se expressam por meio</p><p>de regras e princípios e, em assim sendo, o sistema normativo deve ser compreendido</p><p>como um conjunto de regras e princípios, sendo estes o fundamento daquelas.</p><p>Como se costuma dizer, os princípios são como “núcleos” em torno dos quais as</p><p>regras “gravitam”. Os princípios são expressões de valores fundamentais da vida</p><p>social concretizados na Constituição e atuam como expressões ideais de justiça. Já as</p><p>regras são normas jurídicas que obrigam, permitem ou proíbem algo, sendo que sua</p><p>aplicação depende da “subsunção” – “encaixe” perfeito – do fato ou da conduta ao</p><p>que nela está previsto. Assim, se o fato ou conduta corresponde ao que está descrito</p><p>na regra, ela será aplicada e sua consequência é considerada válida.</p><p>Para o pensador português Canotilho</p>