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<p>UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA</p><p>Licenciatura em Letras e Inglês</p><p>Aluna: Karoline Bernardo Pereira</p><p>Matrícula: 1240204830</p><p>ENSAIO SOBRE O CONTO “O COBRADOR”,</p><p>DE RUBEM FONSECA</p><p>2024</p><p>“O Cobrador”, de Rubem Fonseca, é um conto que retrata a violência urbana e</p><p>a sensação de injustiça social. O narrador, que também é o protagonista, é um homem</p><p>revoltado com as desigualdades da sociedade e sente que foi privado de tudo ao longo</p><p>de sua vida. Ele decide, então, “cobrar” aquilo que acredita lhe ser de direito, iniciando</p><p>uma jornada de violência como forma de retribuição ao que considera as injustiças</p><p>que sofreu, um verdadeiro justiceiro.</p><p>O protagonista não tem nome e expressa ódio por tudo e todos que, segundo</p><p>ele, fazem parte do sistema opressor. Ele começa a cometer crimes como</p><p>assassinatos e roubos, mas não o faz por necessidade material; seu objetivo é cobrar</p><p>o que a sociedade lhe negou, como felicidade, riqueza e poder. A violência que ele</p><p>emprega é gratuita e simbólica, representando sua revolta e uma tentativa de exercer</p><p>controle em um mundo que o marginalizou. Para Deleuze (1991), esse sentimento</p><p>revoltante é uma força disruptiva que abre novos caminhos de experiência.</p><p>A escolha narrativa de apresentar o protagonista como um narrador em</p><p>primeira pessoa, utilizando uma espécie de “câmera” para ampliar as cenas do</p><p>cotidiano, desempenha um papel fundamental na construção de tensão e no</p><p>envolvimento emocional do leitor. Essa estratégia narrativa é eficaz porque transforma</p><p>o leitor em testemunha direta da violência e do caos, criando uma sensação de</p><p>proximidade e, ao mesmo tempo, de desconforto.</p><p>Ao descrever os acontecimentos como se o leitor estivesse acompanhando</p><p>uma câmera em movimento, Fonseca coloca o protagonista como alguém que</p><p>observa e relata, detalhando cada cena com precisão. O narrador não apenas</p><p>descreve as suas ações violentas, mas também os sentimentos que o motivam,</p><p>levando o leitor a uma imersão completa na mente perturbada do personagem, como</p><p>no trecho “Apontando o revólver para o peito dele comecei a aliviar o meu coração”.</p><p>A ideia de “ampliar” o cotidiano funciona como um mecanismo para mostrar a violência</p><p>que permeia as camadas da sociedade, mas que muitas vezes é ignorada ou invisível.</p><p>Essa perspectiva aproxima o leitor do mundo do narrador, intensificando a</p><p>sensação de ameaça. O leitor, como um espectador passivo, é colocado diante de</p><p>uma realidade brutal, mas reconhecível.</p><p>Ao longo do conto, o narrador não mostra arrependimento ou empatia, e a</p><p>narrativa gira em torno de reflexões filosóficas sobre o direito de revidar contra uma</p><p>sociedade excludente e desigual. O conto questiona a moralidade e os limites da</p><p>justiça pessoal, colocando em foco o desespero e a raiva de quem se sente à margem</p><p>da vida.</p><p>Daí aparece Ana, uma personagem que ajuda o Cobrador a compreender de</p><p>forma mais profunda a injustiça social. Vinda de uma família rica, ela decide seguir o</p><p>caminho inverso e passa a levar uma vida marginal ao lado dele. Com sua influência,</p><p>a raiva pessoal do Cobrador, antes voltada apenas para atos de violência impulsiva,</p><p>começa a se direcionar para um conflito mais político, com o potencial de gerar</p><p>transformação social. Enquanto antes seus atos eram apenas manifestações de ódio</p><p>fruto de uma condição social injusta, com Ana essa revolta ganha nome e um</p><p>propósito político, culminando na ideia de assassinar o Governador. A relação entre</p><p>os dois aprofunda os desdobramentos sociais da narrativa, e o Cobrador, que antes</p><p>buscava vingança sem um objetivo maior, agora canaliza sua raiva e sentimento de</p><p>injustiça para a esfera política e a luta por transformação social.</p><p>Em suma, segundo Deleuze (1991), o sujeito moderno é uma figura em crise,</p><p>cuja identidade está sujeita a fluxos de forças e desejos externos, sendo moldado por</p><p>estruturas sociais, políticas e econômicas. Ao amplificar as cenas do cotidiano, Rubem</p><p>Fonseca transforma o comum em algo ameaçador, forçando o leitor a olhar mais de</p><p>perto a violência, a injustiça e o caos que permeiam a sociedade. Essa abordagem</p><p>mantém o leitor atento, inquieto e reflexivo, fazendo de “O Cobrador” uma obra</p><p>marcante e instigante.</p><p>Referências</p><p>DELEUZE, Gilles. A lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1991.</p><p>FONSECA, Rubem. O Cobrador. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1979.</p>