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<p>Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago</p><p>Profa. Luciana Helena Mariano Lopes Mattos</p><p>Profa. Silmara Cristina Ramos Quintana</p><p>Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella</p><p>Profa. Christiane Mazur Doi</p><p>Direitos da Criança,</p><p>do Adolescente e</p><p>da Pessoa Idosa</p><p>Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago /</p><p>Luciana Helena Mariano Lopes Mattos / Silmara Cristina Ramos Quintana</p><p>Daniela Emilena Santiago</p><p>Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica</p><p>contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual</p><p>Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). É docente na Universidade Paulista (UNIP).</p><p>Luciana Helena Mariano Lopes Mattos</p><p>Graduada em Serviço Social pela Pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), especialista em direitos sociais e</p><p>competências profissionais pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em políticas sociais pela Unicsul. Tem ampla</p><p>experiência na área de Serviço Social, com ênfase em política social e políticas públicas, assistência social, territorialidade,</p><p>sociojurídico e terceiro setor. Atualmente, trabalha no terceiro setor como assistente social no sistema sociojurídico,</p><p>junto a um serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. É docente na Universidade Paulista (UNIP).</p><p>Silmara Cristina Ramos Quintana</p><p>Graduada em Serviço Social (1983) e em Pedagogia (2018), especialista em psiquiatria e psicologia de adolescentes,</p><p>psicodrama pedagógico, psicopedagogia, orientação educacional e para o mundo do trabalho. Mestre em políticas</p><p>públicas para adolescentes em conflito com a lei. Experiência na política de assistência social, proteção social básica e</p><p>especial de média complexidade. Facilitadora de práticas restaurativas. Atuou em conselhos municipal dos direitos da</p><p>criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, Conselho da Assistência Social. Docente no Ensino Superior nas</p><p>modalidades presencial e a distância, com experiência na gestão de cursos nas duas modalidades.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>U519.72 – 24</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>S235d Santiago, Daniela Emilena.</p><p>Direitos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa. / Daniela</p><p>Emilena Santiago; Luciana Helena Mariano Lopes; Silmara Cristina</p><p>Ramos Quintana. – São Paulo: Editora Sol, 2024.</p><p>180 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Ação social. 2. Política social. 3. Pessoa idosa. I. Mattos, Luciana</p><p>Helena Mariano Lopes. II. Quintana, Silmara Cristina Ramos. III. Título.</p><p>CDU 362</p><p>Profa. Sandra Miessa</p><p>Reitora</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini</p><p>Vice-Reitora de Administração e Finanças</p><p>Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia</p><p>Vice-Reitor de Extensão</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora das Unidades Universitárias</p><p>Profa. Silvia Gomes Miessa</p><p>Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal</p><p>Profa. Laura Ancona Lee</p><p>Vice-Reitora de Relações Internacionais</p><p>Prof. Marcus Vinícius Mathias</p><p>Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária</p><p>UNIP EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto</p><p>Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. M. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes</p><p>Projeto gráfico: Revisão:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto Aline Ricciardi</p><p>Vera Saad</p><p>Sumário</p><p>Direitos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8</p><p>Unidade I</p><p>1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO SUJEITO</p><p>SOCIAL DE DIREITO ................................................................................................................................................9</p><p>1.1 A infância em civilizações antigas ................................................................................................ 10</p><p>1.2 A infância no Renascimento – séculos XIV-XVI ....................................................................... 11</p><p>1.3 A infância no período de colonização pelos portugueses ................................................... 12</p><p>1.4 A infância no período filantrópico-higienista (1874-1924) ............................................... 13</p><p>1.5 A infância no período assistencial (1924-1964) .................................................................... 21</p><p>1.6 A infância na fase institucional (1964-2000) ........................................................................... 27</p><p>2 AS ESPECIFICIDADES DA ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE ........................................ 34</p><p>2.1 A proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ......................................... 34</p><p>2.1.1 A primazia da proteção integral – medidas protetivas e socioeducativas ...................... 40</p><p>2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SUAS DIVERSIDADES ............................................................ 48</p><p>2.2.1 Crianças e adolescentes com deficiência ...................................................................................... 48</p><p>2.2.2 Crianças e adolescentes indígenas .................................................................................................. 49</p><p>2.2.3 Crianças e adolescentes em situação de rua ............................................................................... 49</p><p>2.2.4 Crianças e adolescentes com um de seus pais privados de liberdade ............................. 50</p><p>2.2.5 Crianças e adolescentes negras ........................................................................................................ 51</p><p>2.2.6 Crianças e adolescentes quilombolas ............................................................................................. 51</p><p>3 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA PESSOA IDOSA ............................................................................. 52</p><p>3.1 Envelhecimento .................................................................................................................................... 52</p><p>3.2 Envelhecimento ativo ......................................................................................................................... 61</p><p>3.3 Envelhecimento no Brasil ................................................................................................................. 65</p><p>3.4 A população brasileira e a dinâmica demográfica ................................................................ 68</p><p>3.5 Direitos conquistados pelas pessoas idosas a partir da Constituição de 1988 ........... 78</p><p>3.5.1 Política Nacional da Pessoa Idosa .................................................................................................... 93</p><p>3.5.2 Estatuto da Pessoa Idosa ..................................................................................................................... 96</p><p>4 A SINGULARIDADE DA PROTEÇÃO FRENTE A SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS</p><p>DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ..............................................................................................................102</p><p>4.1 Violação de direitos e violências contra criança e adolescente ......................................102</p><p>relatório ainda constatou que as Febems também não dispunham de recursos suficientes para</p><p>enfrentar a questão, o que confirma o caráter de descaso que foi dado às políticas sociais brasileiras</p><p>(Rizzini; Pilotti, 2009).</p><p>Ao fim da CPI, foi recomendada ao presidente da República a criação do Sistema de Proteção do Menor,</p><p>o que implicaria a criação de um ministério extraordinário, coordenando os demais órgãos envolvidos, e</p><p>que teria apoio financeiro de um Fundo Nacional de Proteção do Menor, com autonomia administrativa</p><p>e financeira cuja função seria mobilizar a comunidade em relação ao assunto. Estimulava-se, assim,</p><p>uma ação integrada entre governo-empresa-comunidade no sentido de promover “o recolhimento dos</p><p>menores abandonados que perambulam pelas ruas das nossas principais cidades – principalmente nas</p><p>regiões metropolitanas, densas de marginalização social” (Rizzini; Pilotti, 2009, p. 315).</p><p>No entanto, esse projeto não foi concretizado. A Funabem permaneceu no atendimento à “questão</p><p>do menor” e, após a reforma ocorrida em 1974, a entidade passou a ser subordinada ao Ministério da</p><p>Previdência e Assistência Social (MPAS).</p><p>Em 1967, a Lei n. 5.258 estabeleceu o Sistema de Recolhimento Provisório, que abrigava os menores de</p><p>18 anos que cometiam infrações penais. Também havia uma lei que dispunha sobre as condições</p><p>para o trabalho de menores entre 12 e 14 anos, os quais não poderiam receber menos que um salário</p><p>mínimo mensal.</p><p>Durante os anos 1970, travaram-se intensos debates jurídicos entre juristas do Rio de Janeiro e de</p><p>São Paulo sobre a definição das bases do direito do menor.</p><p>Em 1973, o estado de São Paulo resolveu criar a Fundação Paulista de Promoção Social do Menor</p><p>(Promenor), trazendo a importância da participação comunitária, ou seja, ações que setores organizados</p><p>da sociedade poderiam empreender a fim de complementar as iniciativas governamentais, assim como</p><p>a sua mobilização para a formulação e a execução de políticas públicas.</p><p>Em 1979, foi aprovada a revisão do Código de Menores, que era configurado na doutrina da situação</p><p>irregular, mas que trazia em seu bojo uma roupagem doutrinária de proteção aos direitos da criança</p><p>para que fosse assegurada a ela a satisfação de todas as suas necessidades, em seus aspectos gerais,</p><p>incluindo aqueles já relacionados no documento da ONU.</p><p>31</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>De acordo ao art. 1º do Código de Menores de 1979, essa legislação dispunha sobre assistência,</p><p>proteção e vigilância a menores até 18 anos que se encontrassem em situação irregular e, em casos</p><p>expressos, a menores entre 18 e 21 anos. As medidas de caráter preventivo, no entanto, poderiam se</p><p>aplicar a quaisquer menores de 18 anos de idade, independentemente de sua situação (Brasil, 1979).</p><p>A lei definia em situação irregular o menor:</p><p>I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução</p><p>obrigatória, ainda que eventualmente;</p><p>Il – vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou</p><p>pelo responsável;</p><p>III – em perigo moral;</p><p>IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos</p><p>pais ou do responsável;</p><p>V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar</p><p>ou comunitária;</p><p>VI – autor de infração penal (Brasil, 1979).</p><p>Por um lado, tal legislação mantinha a idade penal em 18 anos, por outro, dispunha de mecanismos</p><p>nos quais o menor acusado de delitos, mesmo sem provas, era passível de detenção, a não ser que</p><p>sua família designasse um advogado para defendê-lo. Seguiu-se a mesma política filantrópica e</p><p>assistencialista das legislações anteriores, com quase nenhuma modificação no Código de 1927, o que</p><p>mostra que não houve à época mudança expressiva quanto ao conceito de infância.</p><p>Segundo o art. 14, eram medidas aplicáveis aos menores:</p><p>I – advertência;</p><p>II – entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de</p><p>responsabilidade;</p><p>III – colocação em lar substituto;</p><p>IV – imposição do regime de liberdade assistida;</p><p>V – colocação em casa de semiliberdade;</p><p>VI – internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico,</p><p>hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado (Brasil, 1979).</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>É no Título II, capítulo II, “Da apuração da infração penal”, que se encontram as orientações sobre a</p><p>aplicabilidade de medidas aos autores de infração penal. Uma vez apresentado à autoridade competente</p><p>um menor de 10 anos, a lei pareceria sugerir a não determinação de penalidade.</p><p>O novo Código de Menores (1979) e o menor em situação de risco ganharam visibilidade no início dos</p><p>anos 1980. Com isso, a concentração do poder de decisão sobre os destinos dos menores nas mãos</p><p>dos juízes teve vida curta.</p><p>Frente às estatísticas sociais, que retratavam uma realidade alarmante – revelando cerca de</p><p>30 milhões de abandonados e marginalizados –, novos atores políticos entraram em cena nesse período.</p><p>Houve reivindicação dos direitos de cidadania para as crianças e os adolescentes por parte de</p><p>movimentos sociais.</p><p>Os anos 1980 tornaram-se mais pródigos em relação à política social, tendo em vista que foi</p><p>promulgada a Constituição Federal (CF). Por meio da carta constitucional, definiu-se que as políticas</p><p>sociais de saúde, educação, assistência social e previdência social seriam de responsabilidade do</p><p>Estado e direito de todo cidadão brasileiro.</p><p>A partir da CF, delimitou-se a composição da seguridade social, composta de uma série de ações e</p><p>serviços integralizados entre as políticas sociais de saúde, assistência social e previdência social. Essas</p><p>políticas passaram, então, a integrar o rol de serviços que são de primazia do Estado, e não dependeriam</p><p>apenas da caridade de grupos particulares.</p><p>A CF incorporou vários dispositivos que garantiram a defesa dos direitos do cidadão, por isso ficou</p><p>conhecida como a Constituição Cidadã. Em seu art. 227, conseguiu regulamentar a proteção dos direitos</p><p>da criança e do adolescente, designando-os como sujeitos de direitos e com absoluta prioridade, não</p><p>menores, protegendo-os de qualquer forma de abuso.</p><p>O art. 227 ainda promoveu o ECA, abrigando sob sua tutela não mais apenas a criança em situação</p><p>social de risco, mas toda “pessoa em fase de desenvolvimento [...]” (Silva, 1997, p. 34-35).</p><p>Os direitos das crianças foram fixados nos arts. 227, 228, 229 da CF. Nessa década houve vários</p><p>projetos de atendimento à criança, os quais articulavam as instâncias estatal e pública, que iam contra</p><p>a estratégia de internação e repressão.</p><p>Em 1989 foi redigida a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, adotada pela</p><p>Resolução n. L 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo em vista a necessidade de</p><p>garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica em todos os ciclos de vida,</p><p>em virtude de sua condição de hipossuficiente, imaturidade física e mental, e ponderando que em todos</p><p>os países do mundo existiam crianças vivendo em condições extremamente adversas e necessitando</p><p>de proteção.</p><p>33</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Essa convenção foi ratificada pelo Brasil. Nesse contexto, as pressões sociais pela democratização</p><p>e pelo reconhecimento dos direitos das crianças promoveram, em julho de 1990, a criação do Estatuto</p><p>da Criança de do Adolescente (ECA), que revogou o Código de Menores de 1979, rompendo com seus</p><p>paradigmas e a lei de criação da Funabem, adotando a doutrina de proteção integral, que reconhece a</p><p>criança e o adolescente como sujeitos de direitos, cidadãos, e não mais objeto de intervenção do Estado.</p><p>Dois anos mais tarde, sob um novo paradigma jurídico, político e administrativo, o ECA (Brasil, 1990)</p><p>vem reafirmando essa defesa, considerando o atendimento a esses sujeitos como parte integrante das</p><p>políticas sociais, muito embora ainda hoje sua aceitação esteja longe de ser uma unanimidade. Após o</p><p>ECA, surgiram os conselhos municipais de direito (CMDCA) e os conselhos tutelares (CT)</p><p>e, com eles, a</p><p>necessidade de revisão de princípios relativos às políticas de assistência.</p><p>Nos anos 1980, o foco foi a problemática da construção de uma concepção de infância com</p><p>novos paradigmas que completassem em todas as áreas o atendimento da criança e do adolescente,</p><p>o que resultou no art. 227 da CF e os princípios básicos da Declaração dos Direitos da Criança,</p><p>conteúdo que foi ratificado pelo ECA. Assim, substituiu-se a doutrina da situação irregular pela</p><p>doutrina da proteção integral, inserindo a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado</p><p>dentro da garantia de direitos da infância.</p><p>Saiba mais</p><p>Para ter uma visão geral sobre esses períodos, assista ao filme:</p><p>O MENINO que não queria nascer. Direção: Estela Renner. Brasil: Maria</p><p>Farinha Filmes, 2013. 8 min.</p><p>Com essas perspectivas, a criança e o adolescente passaram da condição de meros destinatários</p><p>de ordens dos adultos a sujeitos de direitos, sendo-lhes atribuídas algumas garantias, prerrogativas e</p><p>direitos concernentes aos institutos antes pertencentes a direitos somente de adultos.</p><p>A palavra sujeito traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e</p><p>íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem</p><p>ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar das decisões que</p><p>lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau</p><p>de desenvolvimento.</p><p>Em 2006, com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), a palavra sujeito</p><p>traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de</p><p>personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres</p><p>passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo</p><p>ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento.</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>Entretanto, de acordo com o PNCFC (BRASIL, [s.d.]), o fato de terem direitos significa que são</p><p>beneficiários de obrigações por parte de terceiros. A família, a sociedade e o Estado, dessa forma, precisam</p><p>propiciar condições para o seu pleno desenvolvimento no seio de uma família e de uma comunidade.</p><p>Eles são, antes de tudo e na sua essência, para além de meros atos de generosidade, beneficência,</p><p>caridade ou piedade, o cumprimento de deveres para com a criança e o adolescente e o exercício da</p><p>responsabilidade da família, da sociedade e do Estado.</p><p>Segundo Oliva (2009), no Brasil, o tratamento destinado às crianças e aos jovens só encontrou</p><p>grandes modificações no final da década de 1980 com o fim da ditadura militar e o grande movimento</p><p>envolvendo a sociedade civil organizada na mobilização pelo reconhecimento dos direitos da criança e</p><p>do adolescente, reflexo de um movimento internacional.</p><p>As crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos universalmente reconhecidos, não apenas</p><p>de  direitos comuns aos adultos, mas além destes. Assim, são detentores de direitos especiais,</p><p>provenientes de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, consolidado com a adoção</p><p>pela ONU, em Assembleia Geral na Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil e pela</p><p>quase totalidade dos países hoje existentes no mundo.</p><p>De acordo com Oliva (2009), houve muitos avanços com o ECA, o que ficou demonstrado em algumas</p><p>das capitais brasileiras analisadas que incorporaram seus princípios ao seu planejamento. Porém, num</p><p>país com tantas diferenças e contrastes culturais, o gestor municipal deve estar atento para perceber</p><p>as peculiaridades locais, adequando estratégias e ações adaptadas à realidade da infanto-adolescência,</p><p>reconhecendo-os, no lugar que merecem, como novos sujeitos de direitos.</p><p>2 AS ESPECIFICIDADES DA ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE</p><p>2.1 A proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente</p><p>A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de</p><p>1990, teve um papel importante na construção e na efetivação da proteção à criança e ao adolescente,</p><p>a qual trouxe o embasamento legal para a criação e a reforma de toda e qualquer norma reguladora,</p><p>no campo da família e no embasamento de processos de reforma administrativa, de execução de</p><p>políticas, programas, serviços e ações públicas. A Convenção assegura as duas prerrogativas maiores que</p><p>a sociedade e o Estado devem conferir à criança e ao adolescente, para operacionalizar a proteção dos</p><p>seus direitos humanos: cuidados e responsabilidades.</p><p>Esse documento destaca os direitos subjetivos de crianças e adolescentes quanto à liberdade,</p><p>à dignidade, à integridade física (psíquica e moral), à educação, à saúde, à proteção no trabalho, à</p><p>assistência social, à cultura, ao lazer, ao desporto, à habitação, a um meio ambiente de qualidade e traz</p><p>outros direitos individuais indisponíveis, sociais, difusos e coletivos (ONU, 1989).</p><p>Em seu preâmbulo, a Convenção define os direitos da criança num sentido realmente próximo</p><p>da Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1959), apenas como direito a uma proteção especial:</p><p>35</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>“a criança tem necessidade de uma proteção especial e de cuidados especiais, notadamente de uma</p><p>proteção jurídica, antes e depois de seu nascimento” (ONU, 1989).</p><p>Todavia, em outros pontos, a Convenção (ONU, 1989) avançou e acresceu a esse direito à proteção</p><p>especial outros tipos de direitos que só podem ser exercidos pelos próprios beneficiários: o direito à liberdade</p><p>de opinião (art. 12), à liberdade de expressão (art. 13), à liberdade de pensamento, de consciência e de religião</p><p>(art. 14), à liberdade de associação (art. 15). Trata-se de direitos que pressupõem certo grau de capacidade,</p><p>de responsabilidade, isto é, que implicam sujeitos de direitos como titulares. As crianças e os adolescentes</p><p>são seres essencialmente autônomos, mas com capacidade limitada de exercício da sua liberdade e dos seus</p><p>direitos (Brasil, 1990).</p><p>A fim de regulamentar todos os direitos elencados pela Convenção destacada anteriormente, em</p><p>13 de julho de 1990, foi promulgada a Lei n. 8.069, conhecida como ECA, já mencionada anteriormente.</p><p>Como vimos, o ECA revogou o antigo Código de Menores, que era centrado na repressão e na</p><p>discriminação da infância pobre, e trouxe inovações, introduzindo a doutrina da proteção integral.</p><p>Dessa maneira, o Estatuto mudou a concepção de criança e de adolescente. A concepção histórica</p><p>de menor abandonado e delinquente foi questionada, e este passou a ser considerado sujeito de direitos,</p><p>pois vivia em um Estado Democrático de Direito, em condição peculiar de desenvolvimento, já que ainda</p><p>estaria em processo de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Assim, passou a ser</p><p>tratado com prioridade absoluta.</p><p>A CF, em seu art. 227, trata do segmento infantojuvenil, acentuando que é “[...] dever da família, da</p><p>sociedade e do Estado assegurar à criança os seus direitos com absoluta prioridade” (Brasil, 1988).</p><p>O ECA reforçou o papel da família na vida da criança e do adolescente como elemento primordial</p><p>no processo de proteção integral e como um dos objetivos vitais do sistema de promoção e defesa</p><p>dos direitos da criança e do adolescente. Reforçou, ainda, que cabe ao poder público e à sociedade a</p><p>complexa tarefa de governar suas crianças.</p><p>O Estatuto também introduziu algumas mudanças no conteúdo, no método e na gestão das ações</p><p>destinadas à criança e ao adolescente. Criou-se, portanto, a doutrina da proteção integral, prevendo-se</p><p>nova perspectiva ao tratamento dispensado a crianças e adolescentes, significando reconhecer que,</p><p>perante a lei, todo e qualquer jovem merece atenção especial do Estado, da família e da sociedade,</p><p>sendo dever de todos observar a legislação, especificamente voltada à garantia do bem-estar e do</p><p>desenvolvimento saudável desse público.</p><p>A introdução da doutrina de proteção</p><p>integral gerou mudanças expressivas na essência da</p><p>formulação das políticas sociais, que passaram a abranger as políticas sociais básicas, como educação,</p><p>saúde, habitação, lazer, profissionalização e outras, consideradas direito de todos e dever do Estado; as</p><p>políticas de assistência social, voltadas para o atendimento compensatório a todos que dela necessitem;</p><p>as políticas de proteção especial, que envolvem crianças e adolescentes em situação de risco pessoal</p><p>e social; e as políticas de garantias, que atendem a crianças e adolescentes envolvidos em conflitos</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>de natureza jurídica. O conjunto articulado dessas ações configura o que denominamos sistema de</p><p>garantias de direitos.</p><p>Considerando o postulado, todas as políticas públicas voltadas ao amparo, à assistência e à</p><p>inclusão social dessas crianças e adolescentes devem considerar sua condição peculiar de “pessoa em</p><p>desenvolvimento”, devendo ser tratadas com absoluta prioridade, como já mencionado.</p><p>Entende-se que todo trabalho social destinado a essa população deve estar baseado na noção de</p><p>cidadania e emancipação. Isso significa que a criança e o adolescente não poderão mais ser tratados</p><p>como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. As ações devem ter</p><p>caráter emancipatório, capazes de transformar crianças e adolescentes em sujeitos históricos, capazes</p><p>de manejar seu próprio destino, respeitando suas potencialidades e limitações em cada fase de seu</p><p>desenvolvimento pessoal e social.</p><p>Com a adoção da nova doutrina da proteção integral, que repercutiu tanto na CF como na criação do</p><p>ECA (Brasil, 1990), o Poder Judiciário considerou por bem implantar varas especializadas no atendimento</p><p>à garantia dos direitos da criança e do adolescente.</p><p>Essa doutrina incorporada pelo ECA tem como princípio que todas as crianças e os adolescentes</p><p>desfrutem dos mesmos direitos, com obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento,</p><p>rompendo definitivamente as ideias preceituadas pelos Juizados de Menores e pelo Código de Menores</p><p>a respeito da noção de direito e justiça.</p><p>O direito à vida e à saúde tem como objetivo eliminar ou diminuir a mortalidade infantil e envolve o</p><p>desenvolvimento biopsicossocial, de modo a dar à criança e ao adolescente uma oportunidade de vida.</p><p>Por conta dos dispositivos tratados, criaram-se ações para garantir a efetivação desses direitos,</p><p>como acompanhamento pré-natal pelo SUS; possibilidade de o mesmo médico acompanhar o parto;</p><p>a alimentação do recém-nascido; a oportunidade de alimentação do recém-nascido por presidiárias</p><p>ou mesmo por mães no mercado de trabalho. Os direitos fundamentais devem ser acessados desde</p><p>o pré-natal (direito à vida). Assegura-se, também, o direito pós-parto como inerente ao processo da</p><p>primeira infância.</p><p>O Estatuto da Primeira Infância, criado em 2016, reafirma a prioridade absoluta nas atenções</p><p>e a  responsabilidade do Estado em estabelecer políticas, planos, programas, projetos e serviços que</p><p>assegurem  a proteção integral. Nas disposições preliminares, dispõe para quem essa lei se aplica,</p><p>explicitando quanto aos direitos fundamentais inerentes à pessoa, sem prejuízos da proteção integral.</p><p>Fomenta a participação da criança na formulação de políticas públicas e nas ações que lhe dizem</p><p>respeito. Destaca-se que as políticas também devem incluir o apoio à família (orientações). Elucida</p><p>a preocupação com a criança desde a gestação, devendo a gravidez ser devidamente acompanhada,</p><p>garantindo o direito a um acompanhante no período pós-parto (Brasil, 2016).</p><p>O ECA traz a corresponsabilidade da família no cuidado, sendo dever da família, da comunidade,</p><p>da sociedade em geral e do poder público assegurar a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à</p><p>37</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito</p><p>e à liberdade de convivência familiar e comunitária.</p><p>O direito à dignidade é um dos que atua na proteção da integridade da criança e do adolescente</p><p>contra tratamentos desumanos, violentos, aterrorizantes, vexatórios e constrangedores.</p><p>Houve algumas mudanças ligadas à condição de sujeitos de direitos, podendo-se exemplificar duas</p><p>situações: uma relacionada à idade da infância, quando foi definida a fase de criança (0 a 12 anos</p><p>incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos incompletos), o que foi baseado em estudos biológico e</p><p>sociais, respeitando sempre seu desenvolvimento; e outra relacionada à substituição do termo menor,</p><p>que se ligava à questão do abandono e da delinquência na infância, por criança e adolescente, em</p><p>âmbito geral.</p><p>No que se referia às garantias básicas de crianças e adolescentes, o ECA estabeleceu três: respeito aos</p><p>direitos e garantias fundamentais; proteção integral; acesso aos instrumentos necessários para a efetivação</p><p>de direitos.</p><p>A proteção integral da criança e do adolescente tem por escopo garantir que uma pessoa, com</p><p>menos de 18 anos, possa exigir e ter assegurados quaisquer direitos inerentes do ser, ou seja, mesmo que</p><p>não atingido seu desenvolvimento mental e psíquico completamente, essa pessoa tem direito à vida, à</p><p>saúde, à educação, à liberdade, ao respeito, à cultura e a viver com dignidade (Brasil, 1990).</p><p>O ECA enfatiza a importância dos vínculos familiares e comunitários – diferentes dos grandes</p><p>internatos –, prevendo uma série de medidas, que, articuladas, visam principalmente à manutenção</p><p>e ao fortalecimento desses vínculos. Prima pelo direito à convivência familiar e comunitária e, dentro</p><p>dessa perspectiva, tem-se como exemplo o fato de a carência de recursos materiais não constituir causa</p><p>de perda ou suspensão do poder familiar.</p><p>A lei é clara quando explicita que o atendimento em instituição deve ser realizado de forma</p><p>individualizada e em pequenos grupos, com características familiares. Fixa o direito à convivência</p><p>familiar como um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, determinando que os esforços</p><p>das políticas devem visar ao fortalecimento dos vínculos com a família de origem (Brasil, 1990).</p><p>Ao priorizar a convivência familiar, o ECA estabelece políticas de atendimento articuladas, procurando</p><p>garantir que toda criança seja criada em sua família e, excepcionalmente, em família substituta. Assim,</p><p>as medidas previstas para tal são aquelas que constam no art. 101, cabendo ao Conselho Tutelar garantir</p><p>que elas sejam efetivamente aplicadas. Porém, em casos excepcionais e de violação de direitos, é prevista</p><p>a aplicação de medidas de proteção de acolhimento institucional.</p><p>Tais medidas devem ser aplicadas em ordem crescente, conforme a gravidade da infração e da</p><p>capacidade do adolescente em cumprir a proferida medida socioeducativa. Pode-se ainda aplicar as</p><p>seguintes ações protetivas, de maneira prévia, complementar ou substitutiva às anteriores.</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>Art. 101.</p><p>I – encaminhamento aos pais ou responsáveis;</p><p>II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;</p><p>III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de Ensino</p><p>Fundamental;</p><p>IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à</p><p>criança e ao adolescente;</p><p>V – requisição de tratamento médico psicológico ou psiquiátrico, em regime</p><p>hospitalar ou ambulatorial;</p><p>VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e</p><p>tratamento a alcoólatras e taxicômanos;</p><p>VII – acolhimento institucional;</p><p>VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;</p><p>IX – colocação em família substituta (Brasil, 1990).</p><p>Quanto ao acolhimento institucional, tal medida de proteção, juntamente com o acolhimento familiar,</p><p>são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para a reintegração familiar ou,</p><p>não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.</p><p>A legislação reconhece a importância da família e da comunidade para o desenvolvimento da criança.</p><p>Assim, a pobreza não é motivo para o afastamento entre pais e filhos, devendo o Estado incluir a</p><p>família em programas sociais que garantam a sobrevivência e a manutenção desta sem que os direitos</p><p>das crianças e dos adolescentes sejam abdicados.</p><p>A questão da internação, ou seja, do recolhimento de adolescentes em instituições, foi um elemento</p><p>importante no rompimento com o estigma de “menor” e da doutrina de situação irregular no ECA. A</p><p>partir da concepção da criança e do adolescente como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento,</p><p>o ECA instaura um novo paradigma: a partir dele, não se refere ao autor de ato infracional como</p><p>delinquente, pervertido ou criminoso, termos presentes em legislações anteriores.</p><p>Considera-se para fins jurídicos e sociais a criança e o adolescente autores de ato infracional como</p><p>em situação de conflito com a lei. Houve importante mudança também a respeito da confusão com o</p><p>público adulto, pois a criança e o adolescente não devem ser considerados criminosos, vetando-se sua</p><p>permanência em instituições penitenciárias ou policiais voltadas à população adulta.</p><p>39</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>O art. 112 do ECA define como medidas socioeducativas a advertência, a obrigação de reparar o dano;</p><p>a prestação de serviços à comunidade; a liberdade assistida; a inserção em regime de semiliberdade; a</p><p>internação em estabelecimento educacional, além de outras medidas de proteção (Brasil, 1990).</p><p>A advertência consiste em uma repreensão verbal ao adolescente, que será lavrada em um termo</p><p>próprio, podendo ser aplicada sempre que o ato infracional for de menor gravidade.</p><p>A reparação dos danos causados apenas será imposta nas situações de atos infracionais que</p><p>ocasionarem prejuízos materiais. Essa reparação pode se dar a partir da restituição da coisa, do</p><p>ressarcimento do dano ou da compensação do prejuízo de outra forma.</p><p>A prestação de serviços à comunidade pode ser exercida de variadas formas, preferencialmente</p><p>junto a entidades assistenciais, e não pode ultrapassar o prazo máximo de seis meses de duração.</p><p>A liberdade assistida consiste no acompanhamento do adolescente por pessoa capacitada. Essa</p><p>medida, composta pela orientação de um agente, possui o prazo mínimo de seis meses e visa impedir</p><p>que o adolescente pratique novos atos infracionais.</p><p>Por sua vez, a semiliberdade funciona como um regime de transição da medida de internação e</p><p>autoriza que o adolescente pratique atividades em ambiente externo. Não possui um prazo específico</p><p>de duração e deve ser revista a cada seis meses.</p><p>Finalmente, a internação é a medida socioeducativa mais grave, por isso considerada excepcional e</p><p>breve, e conduz o adolescente à custódia em estabelecimento próprio. O prazo máximo dessa medida é</p><p>de três anos, que, assim que concluídos, determinam a imediata colocação do adolescente em liberdade.</p><p>Independentemente da medida aplicada, é sempre possível a remissão (perdão), que pode ser</p><p>autorizada pelo Ministério Público, antes de iniciado o processo, ou pelo juiz de direito, quando o</p><p>processo já estiver em curso.</p><p>Segundo o art. 106 do ECA, “nenhum adolescente autor de ato infracional será privado de sua</p><p>liberdade senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade jurídica</p><p>competente”. O art. 110 acentua que fica “impossibilitada a apreensão de adolescente senão mediante o</p><p>devido processo legal” (Brasil, 1990).</p><p>Observação</p><p>A internação antes da sentença só poderá ser determinada pelo prazo</p><p>máximo de 45 dias e só deve ser aplicada em extrema necessidade.</p><p>Com a promulgação do ECA, superou-se a situação irregular, promovendo-se uma doutrina</p><p>de proteção integral, colocando a criança como centro das atenções, tornando-a mais visível para</p><p>a sociedade.</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>De fato, o ECA representa uma inovação no campo da proteção infantojuvenil. Em sintonia com o</p><p>marco regulatório internacional, o ECA e os esforços que vêm sendo empreendidos por sua regulação,</p><p>expressos no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e no Plano Nacional de</p><p>Convivência Familiar e Comunitária, constituem um significativo passo na proposição dos diversos planos</p><p>e programas em várias frentes de direitos ameaçados ou violados, como trabalho infantil, exploração</p><p>sexual e violência doméstica. Contudo, ainda há contradição, porque os tempos difíceis em que vivemos</p><p>são de profundo ataque aos direitos no país.</p><p>2.1.1 A primazia da proteção integral – medidas protetivas e socioeducativas</p><p>Segundo Marques (2019), o sistema de garantias de direitos consiste num importante instrumento</p><p>capaz de transformar a realidade social de crianças e adolescentes. Entretanto é absolutamente</p><p>necessário, a partir de uma nova consciência, perseguir ações e tratamentos que levem à ressocialização</p><p>em vez de seguir com práticas que visem unicamente a repressão e punição.</p><p>As medidas socioeducativas previstas no ECA são aplicáveis aos adolescentes que cometerem atos</p><p>infracionais, ou seja, atos análogos ao crime e à contravenção penal.</p><p>Portanto, deve-se notar as medidas socioeducativas como resposta do Estado à prática do</p><p>ato infracional cometido por adolescentes, visando a não reincidência destes ao cometimento de</p><p>novas infrações.</p><p>Com a CF de 1988 iniciou-se uma nova fase política no Brasil, pautada pela democracia e o respeito</p><p>à dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o tratamento dispensado às crianças e aos adolescentes</p><p>sofreu profundas mudanças, agora tendo por fundamento a doutrina da proteção integral.</p><p>O ECA prevê em seu bojo diversas medidas socioeducativas, expressas no art. 112: a advertência, a</p><p>obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a inserção em regime de semiliberdade,</p><p>a internação em estabelecimento educacional e a liberdade assistida.</p><p>O ECA incorpora na prática o conjunto de normas do ornamento jurídico com o objetivo de</p><p>proteção integral da criança e do adolescente, considerando que são pessoas em desenvolvimento,</p><p>bem como titulares de direitos. Assim, prevê as chamadas medidas socioeducativas aplicadas pelo juiz</p><p>aos adolescentes que incidirem na prática de atos infracionais. Possuidoras de caráter pedagógico, tais</p><p>medidas não visam punir os jovens, mas reeducá-los para o convívio em sociedade.</p><p>De acordo Veronese (apud Marques, 2019), o verdadeiro desafio enfrentado pelo ECA é regulamentar</p><p>e efetivar as normas constitucionais a fim de garantir que as premissas e princípios da doutrina da</p><p>proteção integral não sejam simplesmente “letra morta”.</p><p>Desse modo, não há que se falar em reduzir a maioridade penal tendo em vista o encarceramento</p><p>em massa de adolescentes. A diminuição da violência passa pela implementação de um conjunto de</p><p>atividades pedagógicas prescritas pelo ECA, que têm o condão de reeducar o jovem infrator em vez</p><p>de simplesmente apartá-lo da sociedade, punindo-o com o encarceramento.</p><p>41</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Em sua pesquisa, Marques (2019) traz à luz, por meio da Constituição e do ECA, a maioridade penal,</p><p>em que considerou que a redução vai em contrário à prioridade absoluta concedida às crianças e aos</p><p>adolescentes pelo art. 227 da CF, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e na doutrina</p><p>da proteção integral.</p><p>Salienta que as medidas socioeducativas são instrumentos mais aptos e dignos para promover a</p><p>ressocialização de adolescentes autores de ato infracional, não devendo sair de seu alcance os maiores</p><p>de 14 e menores de 18 anos de idade pela falha do Estado em acompanhar os avanços legislativos,</p><p>implementando políticas que assegurem a efetivação dos direitos conquistados pelos adolescentes,</p><p>conforme disposto no ECA (1990).</p><p>Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou</p><p>contravenção penal.</p><p>Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos</p><p>às medidas previstas nesta Lei.</p><p>Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do</p><p>adolescente à</p><p>data do fato.</p><p>Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas</p><p>previstas no art. 101.</p><p>Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente</p><p>poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:</p><p>I - advertência;</p><p>II - obrigação de reparar o dano;</p><p>III - prestação de serviços à comunidade;</p><p>IV - liberdade assistida;</p><p>V - inserção em regime de semi-liberdade;</p><p>VI - internação em estabelecimento educacional;</p><p>VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.</p><p>§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade</p><p>de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação</p><p>de trabalho forçado.</p><p>§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão</p><p>tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.</p><p>Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.</p><p>Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112</p><p>pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade</p><p>da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.</p><p>Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova</p><p>da materialidade e indícios suficientes da autoria (Brasil, 1990).</p><p>O PNCFC constitui um marco nas políticas públicas no Brasil ao romper com a cultura da</p><p>institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o paradigma da proteção integral e da</p><p>preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo ECA.</p><p>A manutenção dos vínculos familiares e comunitários, como abordado no ECA, reforça o papel</p><p>da família na vida da criança e do adolescente como elemento imprescindível dentro do processo</p><p>de proteção integral e fundamenta para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e</p><p>cidadãos, está diretamente relacionada ao investimento nas políticas públicas de atenção à família.</p><p>O PNCFC</p><p>é resultado de um processo participativo de elaboração conjunta, envolvendo</p><p>representantes de todos os poderes e esferas de governo, da sociedade</p><p>civil organizada e de organismos internacionais, os quais compuseram</p><p>a Comissão Intersetorial que elaborou os subsídios apresentados ao</p><p>Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – Conanda e</p><p>ao Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS (AEW-PR, 2024).</p><p>Rememorando os avanços percorridos após a CF, o plano se constitui como um marco nas</p><p>políticas públicas brasileiras, pois foi a partir dele que se rompeu com a cultura da institucionalização</p><p>de crianças e adolescentes, fortalecendo a proteção integral e a preservação de vínculos familiares</p><p>e comunitários preconizados pelo ECA. A manutenção desses vínculos são elementos vitais para a</p><p>estruturação de crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos, muito relacionada ao investimento</p><p>nas políticas públicas de atenção à família.</p><p>O PNCFC se consolidou como um grande instrumento para o planejamento de ações para a reversão</p><p>do quadro de violações do direito à convivência familiar e comunitária, determinando que estados e</p><p>municípios elaborem planos próprios de atendimento a fim de planejar suas ações e estratégias para a</p><p>efetivação dos direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária.</p><p>43</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Assim, o PNCFC estabelece objetivos gerais, competências e atribuições para a implementação, o</p><p>monitoramento e a avaliação de cada um dos entes federativos, além de um plano de ação com previsão</p><p>de ações, responsabilidades e tempo previsto para a execução.</p><p>O plano traz como diretrizes:</p><p>•	 Centralidade da família nas políticas públicas.</p><p>•	 Primazia da responsabilidade do Estado no fomento de políticas integradas de apoio à família.</p><p>•	 Reconhecimento das competências da família na sua organização interna e na superação de</p><p>suas dificuldades.</p><p>•	 Respeito à diversidade étnico-cultural, à identidade e orientação sexual, à equidade de gênero e</p><p>às particularidades das condições físicas, sensoriais e mentais.</p><p>•	 Fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem adulto na elaboração de seu</p><p>projeto de vida.</p><p>•	 Garantia dos princípios de excepcionalidade e provisoriedade dos programas de famílias</p><p>acolhedoras e de acolhimento institucional de crianças e de adolescentes.</p><p>•	 Reordenamento dos programas de acolhimento institucional, adoção centrada no interesse da</p><p>criança e do adolescente.</p><p>A convivência familiar e comunitária é um direito fundamental de crianças e adolescentes garantido</p><p>pela CF (Brasil, 1988, art. 227) e pelo ECA. Em seu art. 19, o ECA (Brasil, 1990) estabelece que toda criança</p><p>e adolescente tem direito a ser criado e educado por sua família e, na falta desta, por família substituta.</p><p>Observação</p><p>Esgotadas todas as possibilidades, a colocação em família substituta</p><p>por meio de decisão judicial é a melhor medida para a proteção e o</p><p>desenvolvimento de crianças e adolescentes.</p><p>O direito à convivência familiar e comunitária é tão importante quanto o direito à vida, à saúde, à</p><p>alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade.</p><p>A CF diz que a “família é a base da sociedade” e que compete a ela, ao Estado, à sociedade em geral</p><p>e às comunidades “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais”</p><p>(Brasil, 1988, arts. 226-227).</p><p>A família é evidenciada como base nos novos aparatos legais, entendida como sendo a “entidade</p><p>familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes” (Brasil, 1988, art. 226, § 4).</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>Tais definições colocam a ênfase na existência de vínculos de filiação legal, de origem natural ou adotiva,</p><p>independentemente do tipo de arranjo familiar onde essa relação de parentalidade e filiação estiver</p><p>inserida. Em outras palavras, não há uma caracterização específica para família, não importando o tipo</p><p>de família, nuclear, monoparental, reconstituída etc.</p><p>Lembrete</p><p>O vínculo de parentalidade/filiação respeita a igualdade de direitos dos</p><p>filhos, independentemente de sua condição de nascimento.</p><p>A família se apresenta como núcleo de referência e de proteção social, sendo, desde o seu</p><p>nascimento, o principal núcleo de socialização da criança. Diante de sua condição social e de existência,</p><p>esta pode expor seus membros a situações de vulnerabilidade social e imaturidade, protegendo-os</p><p>ou desprotegendo-os.</p><p>Como a família é a referência para seus membros, a relação entre os pais ou substitutos é vital para a</p><p>constituição do sujeito, seu desenvolvimento afetivo, aquisições, condição de saúde e desenvolvimento</p><p>físico e psicológico. A família é o melhor lugar para o desenvolvimento da criança e do adolescente.</p><p>Mesmo sendo um núcleo de proteção e cuidado, nem sempre as famílias possuem recursos (sociais,</p><p>materiais, afetivos, protetivos), pode se tornar um espaço de conflito, abusos e de violação de direitos.</p><p>Nessas situações, medidas de apoio à família deverão ser tomadas para assegurar o direito da criança e do</p><p>adolescente de se desenvolver no seio de uma família, prioritariamente a de origem e, excepcionalmente,</p><p>a substituta.</p><p>O § 8º do art. 226 da CF também determina que o Estado deve dar assistência aos membros da</p><p>família e impedir a violência dentro dela. O art. 229 diz que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar</p><p>os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou</p><p>enfermidade” (Brasil, 1988).</p><p>Quando a família, em vez de proteger a criança e o adolescente, violar seus direitos, uma das medidas</p><p>previstas no ECA (Brasil, 1990, art. 101) para impedir a violência e a negligência contra eles é o</p><p>acolhimento institucional. Essa decisão é aplicada pelo Conselho Tutelar por determinação judicial e</p><p>implica a suspensão temporária do poder familiar sobre crianças e adolescentes em situação de risco</p><p>e no seu afastamento de casa.</p><p>De acordo com os arts. 22 e 24 do ECA (Brasil, 1990), a medida extrema de suspensão do poder</p><p>familiar deverá ser aplicada apenas nos casos em que, injustificadamente, os pais ou responsáveis</p><p>deixarem de cumprir os deveres de sustentar e proteger seus filhos, quando crianças e adolescentes</p><p>forem submetidos a abusos ou maus-tratos ou devido ao descumprimento de determinações judiciais.</p><p>Nos casos de violação, aplicam-se medidas de proteção especial, prevista no ECA e definida como</p><p>“provisória e excepcional” (Brasil, 1990, art. 101, § único).</p><p>45</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>O PNCFC adotou o termo “acolhimento institucional” para designar os programas de abrigo em</p><p>entidade como aqueles que atendem crianças e adolescentes que se encontram sob medida protetiva</p><p>de abrigo, aplicadas nas situações dispostas no art. 98 do ECA.</p><p>O acolhimento institucional deve ser uma medida excepcional e provisória, e o ECA obriga que se</p><p>assegurem a “preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta quando esgotados</p><p>os recursos de manutenção na família de origem” (arts. 92 a 100). Nessa hipótese, a lei prevê que a</p><p>colocação em família substituta se dê em definitivo, por meio da adoção ou, provisoriamente, via tutela</p><p>ou guarda (arts. 28 a 52), sempre por decisão judicial (Brasil, 1990).</p><p>Os serviços de acolhimento institucional são descritos pela tipificação nacional dos serviços</p><p>socioassistenciais – CNAS, 2009 e 2014 –, a qual promoveu importantes avanços para a política</p><p>de assistência social como um todo, redefinindo suas competências, descrevendo os serviços, o</p><p>público-alvo e seus objetivos.</p><p>A tipificação nacional estabelece os serviços de acolhimento institucional como proteção social</p><p>especial de alta complexidade, dentro da PNAS, que ofertam</p><p>Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias</p><p>e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de</p><p>garantir proteção integral.</p><p>A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos</p><p>costumes, às tradições e à diversidade: ciclos de vida, arranjos familiares,</p><p>raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual (Sigas, 2017).</p><p>Entre os serviços de acolhimento institucional, são previstos os equipamentos específicos</p><p>para crianças e adolescentes, nas seguintes modalidades: Abrigo Institucional, Casa-Lar, Família</p><p>Acolhedora, República.</p><p>O CNAS e o Conanda (2009) aprovaram a Resolução Conjunta n. 1 iniciando a proposta de</p><p>regulamentação dos serviços, rompendo com a lógica da institucionalização.</p><p>O processo de reordenamento e expansão qualificada dos serviços de acolhimento ganhou força</p><p>em 2013 a partir das Resoluções n. 15 e n. 17 da CIT e sua posterior aprovação pelo CNAS, através das</p><p>Resoluções CNAS n. 23 e n. 31, de 2013.</p><p>Fundamentando-se nas diferentes legislações, normativas e resoluções que regem a proteção social</p><p>especial de alta complexidade e a oferta de serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, foram</p><p>fixados princípios a serem prezados na execução das ações:</p><p>•	 Excepcionalidade do afastamento do convívio familiar.</p><p>•	 Provisoriedade do afastamento do convívio familiar.</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>•	 Preservação e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.</p><p>•	 Garantia de acesso, respeito à diversidade e não discriminação.</p><p>•	 Oferta de atendimento personalizado e individualizado.</p><p>•	 Garantia de liberdade de crença e religião.</p><p>•	 Respeito à autonomia da criança, do adolescente e do jovem.</p><p>Tais princípios são essenciais para garantir a crianças e adolescentes o direito de viver em um</p><p>ambiente que lhes ofereça suporte, proteção, cuidado, viabilizando o desenvolvimento pleno de</p><p>seus potenciais.</p><p>Crianças e adolescentes em situação de acolhimento muitas vezes provêm de um ambiente familiar</p><p>conflituoso e violador. A situação do acolhimento, ainda que para sua proteção, promove o rompimento</p><p>de relações familiares, comunitárias e de sua rotina, interrompendo sua vida. Tal rompimento pode</p><p>levar a um prejuízo para seu desenvolvimento, sendo necessário um trabalho minucioso do serviço</p><p>de acolhimento para atender as especificidades do sujeito em desenvolvimento, a fim de afiançar a</p><p>segurança de acolhida e trabalho com as famílias de origem de crianças e adolescentes em situação de</p><p>acolhimento.</p><p>Observação</p><p>Se o acolhimento de uma criança ou um adolescente for resultante de</p><p>situação de violência e violação de direitos, o caso deverá ser encaminhado</p><p>diretamente ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).</p><p>As propostas operacionais do PNCFC estão organizadas em quatro eixos estratégicos:</p><p>Eixo 1 – Análise da situação e sistemas de informação</p><p>O Eixo 1 consiste em:</p><p>•	 Aprofundamento do conhecimento em relação à situação familiar de crianças e adolescentes,</p><p>identificando os fatores que favorecem ou ameaçam a convivência familiar e comunitária</p><p>(levantamento de dados, realização de pesquisas).</p><p>•	 Mapeamento e análise das iniciativas de apoio sociofamiliar, programas de famílias acolhedoras,</p><p>acolhimento institucional e adoção e sua adequação aos marcos legais.</p><p>•	 Aprimoramento e valorização da comunicação entre os sistemas de informação sobre crianças,</p><p>adolescentes e família.</p><p>47</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Eixo 2 – Atendimento</p><p>Já o Eixo 2 é composto por:</p><p>•	 Articulação e integração entre as políticas públicas de atenção a crianças, adolescentes e famílias</p><p>para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária.</p><p>•	 Sistematização e difusão de metodologias de trabalho com famílias e comunidades.</p><p>•	 Ampliação e estruturação da oferta de serviços de apoio sociofamiliar que contribuam para o</p><p>empoderamento das famílias.</p><p>•	 Reordenamento dos serviços de acolhimento institucional e implementação de programas de</p><p>famílias acolhedoras.</p><p>•	 Ampliação e execução de programas e serviços de preparação de adolescentes e jovens, em</p><p>acolhimento institucional, para a autonomia.</p><p>•	 Fortalecimento de vínculos familiares de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa,</p><p>sobretudo privativas de liberdade, bem como de filhos com pais privados de liberdade.</p><p>•	 Articulação entre os serviços de acolhimento institucional e o SGD, em particular o Judiciário, de</p><p>modo a evitar o esquecimento de crianças e adolescentes nessas instituições.</p><p>•	 Aprimoramento dos procedimentos de adoção nacional e internacional, garantindo a prevalência</p><p>da adoção nacional em relação à adoção internacional.</p><p>•	 Capacitação e assessoramento aos municípios para a implementação de ações de apoio</p><p>sociofamiliar, reordenamento institucional, reintegração familiar, famílias acolhedoras e</p><p>alternativas para preparação de adolescentes e jovens para a autonomia.</p><p>•	 Consolidação de uma rede nacional de identificação e localização de crianças e adolescentes</p><p>desaparecidos e de pais e responsáveis.</p><p>Eixo 3 – Marcos normativos e regulatórios</p><p>O Eixo 3 se caracteriza por:</p><p>•	 Parametrização e regulamentação dos programas de apoio sociofamiliar, de acolhimento familiar</p><p>e institucional (abrigo em entidade) e de apadrinhamento.</p><p>•	 Regulamentação e aplicação dos conceitos de excepcionalidade e provisoriedade.</p><p>•	 Regulamentação de programas e serviços de acolhimento familiar.</p><p>•	 Aprimoramento de instrumentos legais de proteção social que ofereçam alternativas e a</p><p>possibilidade do contraditório à suspensão ou a destituição do poder familiar.</p><p>48</p><p>Unidade I</p><p>Eixo 4 – Mobilização, articulação e participação</p><p>O Eixo 4 envolve:</p><p>•	 Estratégias de comunicação social para mobilização da sociedade (adoções necessárias,</p><p>acolhimento familiar, direito à convivência familiar, controle social das políticas públicas etc.) e</p><p>afirmação de novos valores.</p><p>•	 Mobilização e articulação para a garantia da provisoriedade e excepcionalidade do acolhimento</p><p>institucional.</p><p>•	 Produção e divulgação de material de orientação e capacitação.</p><p>•	 Articulação e integração de ações</p><p>entre as três esferas de Poder.</p><p>•	 Garantia de recursos para viabilização do plano.</p><p>•	 Segundo a consideração do MDS, a previsão de implementação de ações no período 2007-2015.</p><p>Em 2018, a necessidade de atualizar o PNCFC passou a ser enfatizada pelo Movimento Nacional</p><p>Pró-Convivência Familiar e Comunitária e tornou-se prioridade para os Ministérios e Secretarias.</p><p>•	 Realização de seis estudos que permitiram identificar avanços no período, desafios e perspectivas</p><p>futuras, com o objetivo de subsidiar os trabalhos para sua atualização, etapa em curso. Os estudos</p><p>foram apresentados ao Conanda, ao CNAS, outras Secretarias Nacionais de diversos Ministérios,</p><p>Organizações da Sociedade Civil e de instituições com expertise na área, além de serem amplamente</p><p>divulgados em lives realizadas no Canal da Rede Suas no Youtube.</p><p>•	 O objetivo de trabalhar de forma colaborativa na elaboração do Plano de Ação do Plano Nacional</p><p>de Convivência Familiar e Comunitária – com objetivos, ações, metas e responsáveis. Para tanto,</p><p>foram realizadas 15 oficinas e reuniões preparatórias que contaram com relatos de boas práticas</p><p>nacionais e até internacionais.</p><p>•	 Aprimoramento dos resultados dos trabalhos nas oficinas colaborativas. Os próximos passos</p><p>envolvem a atualização do documento do PNCFC como um todo, seu encaminhamento ao</p><p>Conanda e ao CNAS e sua disponibilização para consulta pública.</p><p>2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SUAS DIVERSIDADES</p><p>2.2.1 Crianças e adolescentes com deficiência</p><p>Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, publicada pelo Ministério da</p><p>Saúde (Brasil, 2018), ao se analisarem os dados da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef),</p><p>pelo menos 10% das crianças nascem ou adquirem algum tipo de deficiência de natureza física, mental,</p><p>intelectual ou sensorial – com repercussão no desenvolvimento neuropsicomotor. Por outro lado, cerca</p><p>49</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>de 70% a 80% das sequelas podem ser evitadas ou minimizadas por meio de condutas e procedimentos</p><p>simples de baixo custo e de possível operacionalização com diagnóstico oportuno e medidas preventivas</p><p>adequadas em todos os níveis de atenção à saúde.</p><p>A introdução dessas medidas preventivas deve ser compromisso prioritário dos gestores estaduais e</p><p>municipais, a começar pela garantia da oferta das triagens neonatais universais: teste do pezinho (triagens</p><p>biológicas), orelhinha (triagem auditiva neonatal), olhinho (triagem ocular neonatal – teste do reflexo</p><p>vermelho) e teste do coraçãozinho (triagem de cardiopatias congênitas críticas – oximetria de pulso).</p><p>2.2.2 Crianças e adolescentes indígenas</p><p>A Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas tem como propósito garantir o acesso à atenção</p><p>integral à saúde, de acordo com os princípios e as diretrizes do SUS, contemplando a diversidade</p><p>social, cultural, geográfica, histórica e política, de modo a favorecer a superação dos fatores que</p><p>tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência</p><p>entre os brasileiros, reconhecendo o direito desses povos à sua cultura (Brasil, 2018).</p><p>Entre os principais agravos que acometem a população infantil indígena, se encontram as doenças</p><p>respiratórias, desnutrição e outras deficiências nutricionais, saúde bucal, doenças diarreicas e</p><p>doenças infectoparasitárias (DIP).</p><p>2.2.3 Crianças e adolescentes em situação de rua</p><p>A pesquisa sobre crianças e adolescentes em situação de rua, realizada em 2011, em 17 capitais</p><p>brasileiras, aponta que há, aproximadamente, 24 mil crianças e adolescentes dormindo e/ou trabalhando</p><p>nas ruas (Brasil, 2018).</p><p>Essas crianças enfrentam dificuldades para acessar os serviços de saúde, entre os quais se destacam a</p><p>vergonha de procurar ajuda, dificuldades em relação ao autocuidado e em relação à adesão aos</p><p>tratamentos, mesmo tendo os serviços disponíveis na saúde: Consultório na Rua, Caps, Capsad e Capsi</p><p>e da Assistência Social, o Creas Pop têm como característica o atendimento da população adulta em</p><p>situação de rua (Brasil, 2018). E muitas vezes há resistências em atender crianças e adolescentes.</p><p>As diretrizes da Atenção Básica convergem com as da atenção psicossocial, com o propósito de</p><p>trabalhar a redução de danos, de forma transversal ao cuidado integral de saúde.</p><p>Portanto, a saída da rua é um processo a ser construído que envolve o restabelecimento de laços</p><p>familiares fragilizados ou rompidos. Porém, a alternativa, em última instância, pode ser os serviços de</p><p>acolhimento. Enquanto isso ocorre, a criança deve ter a saúde e a dignidade asseguradas.</p><p>Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), as crianças em</p><p>situação de rua estão mais expostas a traumas e violências em geral, ao consumo de álcool e outras</p><p>drogas, a relações sexuais precoces e às doenças sexualmente transmissíveis.</p><p>50</p><p>Unidade I</p><p>Assim, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm importante papel na prevenção de novos casos</p><p>de crianças e adolescentes nas ruas antes do rompimento dos laços familiares, por meio da equipe de</p><p>Saúde da Família (ESF), que está mais próxima das comunidades, podendo identificar (busca ativa)</p><p>famílias com crianças ou adolescentes que começam a passar dias na rua, seja no próprio bairro de</p><p>moradia, seja na região central da cidade.</p><p>É importante destacar que a família também merece cuidados, portanto a escuta sem julgamento é</p><p>fundamental, considerando que, em geral, essas famílias também podem estar enfrentando dificuldades,</p><p>como desemprego, uso abusivo de álcool, drogas, ou doença grave na família etc. (Brasil, 2018).</p><p>Assim, é importante contar com o envolvimento de outros membros da família ampliada, avós,</p><p>irmãos, colegas, tios, padrinhos, vizinhos, e outros atores que tenham algum vínculo com a família, para</p><p>que ela se sinta envolvida pela rede de apoio social de cuidado e proteção.</p><p>Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicados em março de 2020 são de</p><p>221.869 como número estimado de pessoas que vivem hoje nas ruas no Brasil, com aumento de 139%</p><p>quando comparado com os de setembro de 2012 (SBC, [s.d.]).</p><p>De acordo com os dados disponibilizados por Natalino (2020) da ONG Visão Mundial, organização</p><p>que atua no Brasil desde 1975, são mais de 70 mil crianças em situação de rua no país. Segundo o</p><p>estudo, 51% das crianças têm seus direitos bruscamente violados.</p><p>Assim, investir no cuidado infantil e no seu acesso de forma qualificada é o passo mais importante</p><p>para gerar oportunidades de sair da pobreza.</p><p>2.2.4 Crianças e adolescentes com um de seus pais privados de liberdade</p><p>A situação de crianças cujos pais se encontram privados de liberdade tem sido foco de preocupação,</p><p>considerando o crescente número de crianças acompanhando suas mães nos estabelecimentos</p><p>prisionais, submetidas a um ambiente inadequado e insalubre ou em sofrimento devido ao rompimento</p><p>do vínculo de convivência familiar de forma brusca com a mãe ou pai que cometeu delito.</p><p>Assim, é direito da criança, em qualquer idade, a proteção à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e</p><p>dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, ao esporte e lazer, ao pleno desenvolvimento</p><p>como sujeito de diretos e pessoa em condição peculiar de formação para a cidadania (Brasil, 2018).</p><p>A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema</p><p>Prisional (Pnaisp), mediante a Portaria Interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014 (Brasil, 2014c), prevê</p><p>a inclusão das unidades prisionais no território da Rede de Atenção à Saúde e a implantação de UBS nos</p><p>estabelecimentos penais, com a inserção de uma equipe multiprofissional composta minimamente por</p><p>cinco profissionais de nível superior: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e cirurgião-dentista;</p><p>e um profissional de nível médio: técnico de enfermagem.</p><p>51</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Essa equipe desenvolve ações de promoção da saúde, prevenção,</p><p>tratamento e recuperação</p><p>de doenças e agravos em todos os ciclos de vida, em especial das mães privadas de liberdade e de</p><p>suas crianças.</p><p>2.2.5 Crianças e adolescentes negras</p><p>Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a população</p><p>negra apresenta indicadores socioeconômicos desfavoráveis em relação às outras. Reconhecidamente</p><p>é a mais suscetível a algumas doenças e agravos prevalentes, estas podem ser adquiridas em condições</p><p>desfavoráveis, como a desnutrição, a anemia ferropriva, o sofrimento psíquico, o estresse, a depressão,</p><p>entre outros.</p><p>Portanto, observa-se que as iniquidades vividas pela população negra causam impactos negativos na</p><p>saúde e no desenvolvimento saudável da criança, daí a importância de investir em ações intersetoriais</p><p>no território, articuladas com as demais políticas públicas sociais, além da atenção integral à saúde, na</p><p>Atenção Básica, complementada na Rede de Atenção à Saúde e da formação e educação permanente</p><p>para trabalhadores de saúde, incorporando as reivindicações dos movimentos sociais, dos fóruns de</p><p>participação popular e controle social.</p><p>2.2.6 Crianças e adolescentes quilombolas</p><p>De acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a</p><p>população quilombola é reconhecida como remanescentes das comunidades dos quilombos. “Os grupos</p><p>étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações</p><p>territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão</p><p>histórica sofrida” (Brasil, 2003, art. 2º). Estima-se que há, aproximadamente, 3 mil comunidades</p><p>quilombolas em todo o território nacional.</p><p>Em pesquisa realizada (Brasil, 2008), existem aproximadamente 200 mil crianças quilombolas com</p><p>idade entre 0 a 5 anos. Trata-se de universo significativo de meninos e meninas em desenvolvimento,</p><p>que necessitam de inclusão nas políticas sociais.</p><p>Assim, apesar dos esforços governamentais por meio do Programa Brasil Quilombola, Decreto n. 4.887,</p><p>de 20 de novembro de 2003, para garantir sua participação nos programas federais, crianças e famílias</p><p>quilombolas ainda encontram dificuldades de acesso e discriminação positiva nas políticas públicas</p><p>integrais (Brasil, 2018). Sua condição de invisibilidade social gera grande preocupação, principalmente</p><p>pelo alto índice de mortalidade infantil, de prematuridade, de desnutrição e de doenças infecciosas.</p><p>52</p><p>Unidade I</p><p>3 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA PESSOA IDOSA</p><p>Destacando o poema “Quando eu tiver setenta anos”, de Paulo Leminski (1994):</p><p>Destaque</p><p>quando eu tiver setenta anos</p><p>então vai acabar esta adolescência</p><p>vou largar da vida louca</p><p>e terminar minha livre-docência</p><p>vou fazer o que meu pai quer</p><p>Começar a vida com passo perfeito</p><p>vou fazer o que a minha mãe deseja</p><p>aproveitar as oportunidades</p><p>de virar um pilar da sociedade</p><p>e terminar meu curso de direito</p><p>então ver tudo em sã consciência</p><p>Quando acabar esta adolescência</p><p>A percepção da idade é subjetiva. Para muitos, ter 50 anos é já ter “virado a curva”, gíria que significa</p><p>estar próximo ou a caminho da morte, sem direito a emoções positivas. Para outros, é iniciar uma fase</p><p>nova da vida; e há quem diga que se trata de um período para continuar a vida de forma tranquila,</p><p>buscando viver da melhor forma possível.</p><p>A seguir, será traçado um panorama geral da pessoa idosa, inclusive no Brasil, a fim de elucidar os</p><p>avanços legais para esse segmento.</p><p>3.1 Envelhecimento</p><p>O ser humano, como todo o ser vivo, nasce, cresce, envelhece e morre, trata-se de um processo</p><p>natural de sua vivência.</p><p>A infância e a adolescência estão relacionadas às questões de produtividade e dependência. Na</p><p>juventude e na idade adulta, o ser humano se torna produtivo, gozando de autonomia. Uma última</p><p>etapa, antes da morte, é a velhice.</p><p>O termo velhice é um conceito que surgiu após as revoluções burguesas e a Revolução Industrial,</p><p>época em que só havia interesse pela população economicamente ativa, que dispusesse de vigor</p><p>físico para trabalhar. Quando essas pessoas não podiam mais exercer suas funções com o avançar da</p><p>idade, passavam a ser consideradas velhas pela sociedade, em especial para o mercado de trabalho.</p><p>Esse momento, associado à chegada da aposentadoria, faz com que muitas vezes o indivíduo, com a</p><p>perda do papel de trabalhador, deixe ou reduza os seus relacionamentos com a comunidade, já que</p><p>passa boa parte de seu tempo no ambiente de trabalho.</p><p>53</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Ao longo da história, a velhice foi vista de diferentes maneiras, conforme a cultura e os hábitos de</p><p>vida de cada povo. Há algumas sociedades em que os velhos não são apreciados, porém há outras em</p><p>que são muito valorizados.</p><p>As pessoas idosas na Grécia antiga eram muito respeitadas. Naquela época, homenageava-se a</p><p>pessoa idosa, com o neto recebendo o nome do avô. Todavia, no atual sistema capitalista, o que se</p><p>vê é o preconceito e desrespeito à pessoa idosa, que é considerada inútil, incapaz. Esse fato acaba</p><p>influenciando a negação da velhice e o culto à juventude.</p><p>Para Oliveira (1999, p. 23), terceira idade é uma fase na qual se encontra “toda pessoa que esteja</p><p>numa alta faixa etária, em que se evidenciam mudanças naturais e específicas de ordem física e psíquica”.</p><p>Observação</p><p>A expressão terceira idade surgiu na França em 1962 em virtude da</p><p>introdução de uma política de integração social da velhice visando à</p><p>transformação da imagem das pessoas envelhecidas.</p><p>Bee (1997, p. 516) afirma não existir um consenso para determinar a faixa etária que compõe a</p><p>terceira idade; considera que terceira idade estará situada acima dos 60 anos. “O período da velhice é o</p><p>último período da fase de vida humana”. A autora deixa claro que a velhice existe, apesar de ser vista e</p><p>percebida de forma diferente por cada indivíduo.</p><p>O envelhecimento é parte inerente do processo da vida, assim como a infância, a adolescência e a</p><p>maturidade, é marcado por mudanças biopsicossociais específicas, associadas à passagem do tempo. No</p><p>entanto, esse fenômeno varia de indivíduo para indivíduo; pode ser determinado geneticamente ou ser</p><p>influenciado pelo estilo de vida, pelas características do meio ambiente e pela situação social.</p><p>A abordagem do conceito de envelhecimento inclui a análise de aspectos culturais, políticos</p><p>e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas simbólicos que permanecem na história</p><p>da sociedade.</p><p>O envelhecimento é compreendido como um processo vitalício, intimamente ligado aos padrões de</p><p>vida e saúde. Contudo, vale salientar que fatores socioculturais definem o olhar que a sociedade tem</p><p>sobre a pessoa idosa e o tipo de relação que ela estabelece com esse segmento populacional.</p><p>Lembrete</p><p>O envelhecimento é um processo; a velhice, uma fase da vida; o velho;</p><p>a pessoa idosa, o resultado final.</p><p>54</p><p>Unidade I</p><p>O termo velho estava fortemente associado aos sinais de decadência física e incapacidade produtiva,</p><p>sendo utilizado para designar, de modo pejorativo, sobretudo, os velhos pobres.</p><p>Na década de 1960, o termo começou a desaparecer da redação dos documentos oficiais franceses,</p><p>que o substituíram por pessoa idosa, menos estereotipado. Ao mesmo tempo, o estilo de vida das camadas</p><p>médias começou a se disseminar para todas as classes de aposentados, que passaram a assimilar as</p><p>imagens de uma velhice associada à arte do bem viver; então, apareceu o termo terceira idade, que</p><p>tornou pública e legitimou a nova sensibilidade investida sobre os jovens e respeitados aposentados.</p><p>O termo velho está associado a designações de negatividade, como o indivíduo que não tinha um</p><p>estatuto social. Neri (2002), por sua vez, relata que os velhos são quase sempre vistos como consumidores</p><p>de verbas públicas. Envelhecer é considerado um processo universal, dinâmico, progressivo, lento e</p><p>gradual, sendo atrelado a fatores genéticos, biológicos, sociais, ambientais, psicológicos e culturais.</p><p>Observação</p><p>O termo velho pode significar a condição de inválido, mas há raízes</p><p>ligadas, por exemplo, à pobreza, à alimentação, à moradia e à saúde durante</p><p>as diferentes fases da vida.</p><p>Pode-se dizer que ser velho é tornar-se velho, ou melhor, que envelhecer significa tornar-se mais</p><p>velho. Com essa expressão, entende-se que a pessoa viveu ou está vivendo há muitos anos, já que só</p><p>envelhece aquele que vive.</p><p>Considerando velhice e envelhecimento como realidades heterogêneas, estudiosos afirmam as</p><p>possíveis variações em sua concepção e vivência conforme tempos históricos, culturas, classes sociais,</p><p>histórias de vida pessoais, condições educacionais, estilos de vida, gêneros, profissões e etnias etc. É</p><p>consenso entre os pesquisadores que é vital compreender que tais processos são o acúmulo de fatos</p><p>anteriores, em permanente interação com dimensões diversas da vida.</p><p>Desse modo, coexistem diferentes imagens de velhos na sociedade contemporânea. Nesse contexto,</p><p>a teoria das representações sociais, cuja contribuição tem sido significativa para compreender</p><p>diversos fenômenos, apresenta-se como um referencial importante para o estudo dos significados</p><p>atribuídos ao envelhecimento e à pessoa idosa. Essa teoria foi elaborada pelo psicólogo romeno Serge</p><p>Moscovici, com o intuito de explicar e compreender a  realidade social, considerando a dimensão</p><p>histórico-crítica-indissociação entre o individual e o social.</p><p>Ao explorar as representações sociais de uma pessoa idosa, promove-se o contato com imagens e</p><p>conteúdo, e elas expressam, de certa forma, suas necessidades psicossociais, aspectos determinantes</p><p>na construção de um planejamento de ações em prol de um envelhecimento saudável e bem-sucedido.</p><p>55</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>O modo de envelhecer depende de como o curso de vida de cada pessoa,</p><p>grupo etário e geração é estruturado pela influência constante e interativa</p><p>de suas circunstâncias histórico-culturais, da incidência de diferentes</p><p>patologias durante o processo de desenvolvimento e envelhecimento, de</p><p>fatores genéticos e do ambiente ecológico (Neri; Cachione, 1999, p. 121).</p><p>Entre as questões que cercam o envelhecimento, agravadas em sociedades excludentes e desiguais,</p><p>a saúde ocupa um lugar estratégico pelo seu forte impacto sobre a qualidade de vida das pessoas idosas</p><p>e por ser alvo de estigmas e preconceitos em relação à velhice reproduzidos socialmente.</p><p>Os fatores determinantes do envelhecimento, em nível da população de um país, são,</p><p>fundamentalmente, ditados pelo comportamento de suas taxas de fertilidade e, de modo menos</p><p>importante, de suas taxas de mortalidade. Para que uma população envelheça, é necessário, primeiro,</p><p>que haja uma queda da fertilidade.</p><p>Santos (2010), ao conceituar pessoa idosa, defende que ela pode ser vista sob dois prismas, a depender</p><p>do país em que está localizada. O autor ainda acentua:</p><p>O conceito de pessoa idosa é diferenciado para países em desenvolvimento</p><p>e para países desenvolvidos. Nos primeiros, são consideradas idosas aquelas</p><p>pessoas com 60 anos e mais; nos segundos, são idosas as pessoas com 65 anos</p><p>e mais. Essa definição foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas,</p><p>por meio da Resolução n. 39/125, durante a Primeira Assembleia Mundial das</p><p>Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, relacionando-se com</p><p>a expectativa de vida ao nascer e com a qualidade de vida que as nações</p><p>propiciam aos seus cidadãos (Santos, 2010, p. 1).</p><p>Para Agustini (2003, p. 25),</p><p>não existe um ser “pessoa idosa” [...] é apenas um termo social que não</p><p>tem realidade humana. O que não impede que descrevam com seus usos</p><p>e costumes, seu temperamento, seus defeitos. Tudo isso projeta, para os</p><p>mais jovens, uma imagem de velhice bastante ameaçadora, incapaz de</p><p>corresponder a um ideal atingível, como acontece em outras civilizações e</p><p>em outras culturas. Esse ideal de ego que envelhece adquire um aspecto de</p><p>bicho-papão do ego, contra o qual vai se quebrar mais de um espelho.</p><p>O envelhecimento da população é um fenômeno mundial nos países desenvolvidos. Destacam-se</p><p>alguns fatores que contribuem para tal:</p><p>•	 Queda de mortalidade.</p><p>•	 Grandes conquistas do conhecimento médico.</p><p>56</p><p>Unidade I</p><p>•	 Urbanização adequada das cidades.</p><p>•	 Melhoria nutricional.</p><p>•	 Elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental, tanto em residências como no trabalho.</p><p>•	 Avanços tecnológicos.</p><p>O crescimento da população idosa está intimamente ligado a dois processos: à alta fecundidade no</p><p>passado, ocorrida sobretudo nos anos 1950 e 1960, e à redução da mortalidade.</p><p>A vida da pessoa idosa faz parte de um processo natural de seu envelhecimento, por fatores genéticos,</p><p>fragilização (natural com o avanço da idade), levando-o a um estado de incapacidade e dependência de</p><p>outrem para os cuidados de atividades simples, do cotidiano.</p><p>O estatuto da velhice é imposto ao ser humano pela sociedade à qual</p><p>pertence, sendo influenciado pelos valores culturais, sociais, econômicos e</p><p>psicológicos de uma sociedade que determina o papel e o status que o velho</p><p>terá (Silva, 2003, p. 96).</p><p>Em processos de envelhecimento, a família se torna partícipe e tem um papel vital para proteger</p><p>e assegurar o direito da pessoa idosa, sendo uma alternativa no sistema de suporte informal às</p><p>pessoas idosas.</p><p>A família, como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento; há diferenças</p><p>quanto aos parâmetros culturais, mas as raízes são universais. A qualidade de vida e o suporte familiar</p><p>são essenciais. Não importa se a pessoa idosa mora sozinha ou divide o espaço com um familiar, sempre</p><p>deve-se considerar seu bem-estar, além de questões como economia, lazer, educação e saúde.</p><p>Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder</p><p>público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito</p><p>à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao</p><p>trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência</p><p>familiar e comunitária (Brasil, 2003).</p><p>Assim, Duarte e Alencar (2008) acentua que a família é a centralidade no âmbito da sobrevivência</p><p>material, uma vez que há a ausência de direitos sociais. É nessa instituição que os indivíduos tendem a</p><p>buscar recursos para lidar com as situações adversas, como desemprego, doença e velhice.</p><p>Destaca-se a relação do Estado, da família e da pessoa idosa conforme a visão de Mioto (apud</p><p>Rezende, 2012, p. 53), que compreende haver três interpretações:</p><p>57</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>1. Vê a família numa perspectiva de perda de autonomia, de funções e da</p><p>própria capacidade de ação. Em contrapartida, vê um Estado cada vez mais</p><p>intrusivo, cada vez mais regulador da vida privada.</p><p>2. Pensa que a invasão do Estado na família tem se realizado através não de</p><p>uma redução de funções, mas, ao contrário, de uma sobrecarga de funções.</p><p>3. Vê o Estado como um recurso para a autonomia da família em referência</p><p>à parentela e à comunidade, e autonomia dos indivíduos em relação à</p><p>autoridade da família.</p><p>Outro aspecto relevante do processo de envelhecimento está relacionado às questões de aspecto</p><p>cronológico, biológico, psicológico e social, conforme versa Oliveira (1999).</p><p>O aspecto cronológico está ligado à passagem do tempo, e este explicita a transição do novo para o</p><p>velho, marcada pelo desgaste, por mudanças de comportamentos e expectativas. Portanto, a infância, a</p><p>adolescência, a maturidade e a velhice constituem diferentes momentos, que supõem formas e dimensões</p><p>distintas de encarar e interpretar os acontecimentos que ocorrem ao longo da vida do indivíduo.</p><p>Observação</p><p>A maioria dos conceitos de velhice recai sobre o tempo de vida de cada</p><p>indivíduo. Quanto mais se avança em anos, menos tempo se possui para viver.</p><p>A perspectiva cronológica da velhice é relativa, devendo ser considerada a partir da individualidade</p><p>de cada um, suas características especiais, seus interesses e necessidades,</p><p>desmistificando o estereótipo</p><p>da pessoa idosa apenas segundo a faixa etária. Ainda é marcada por uma série de estágios que se</p><p>organizam em torno de características físicas, psicológicas e sociais, os quais se relacionam com o</p><p>processo de vivência pessoal e social da vida adulta.</p><p>Assim, é possível afirmar que as pessoas envelhecem de forma coerente com a história de sua vida.</p><p>Lembrete</p><p>A idade cronológica serve apenas como marcador da idade objetiva.</p><p>A idade cronológica, portanto, é o tempo transcorrido a partir de um momento específico: a data de</p><p>nascimento do indivíduo.</p><p>Por sua vez, o aspecto biológico está ligado ao envelhecimento físico, formado pelos três estágios</p><p>vivenciados pelos indivíduos. O primeiro deles é a juventude, época de progresso, desenvolvimento e</p><p>evolução; o segundo é a fase adulta e de maturidade, período de estabilização e equilíbrio; e o terceiro</p><p>é a velhice, época de regressão.</p><p>58</p><p>Unidade I</p><p>O envelhecer biológico compreende progressivas e complexas alterações na composição celular,</p><p>na estrutura e na função dos tecidos, no endurecimento do sistema neuromuscular e na redução da</p><p>capacidade de integração do sistema orgânico. É processo multifatorial, abrangendo desde o nível</p><p>molecular ao morfofisiológico, com importante modulação do meio sobre o conteúdo genético,</p><p>influenciado por modificações psicológicas, funcionais e sociais que ocorrem com o passar do tempo.</p><p>Uma vez que o organismo passa por mudanças caracterizadas por crescimento, desenvolvimento,</p><p>maturidade e, por fim, senilidade, o envelhecer representa um amplo problema biológico. Ou seja,</p><p>esse processo é marcado pela perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo.</p><p>No aspecto social, evidencia-se a questão da utilidade social do indivíduo em processo de</p><p>envelhecimento. A sociedade confere a esse indivíduo o status de inutilidade, relacionando-o à questão</p><p>econômica e social.</p><p>O processo de envelhecimento é marcado, portanto, por fatores socioeconômicos, ambientais e de</p><p>saúde, sendo influenciado não apenas pela idade, mas, em grande medida, pelo modo como o indivíduo</p><p>vive e as relações que estabelece.</p><p>Nesse aspecto, destaca-se que há uma série de preconceitos sociais marginalizando a pessoa</p><p>idosa e afastando-a do convívio social, não valorizando sua experiência, o que gera a incapacidade de</p><p>reconhecimento do valor de sua própria velhice.</p><p>Quanto aos aspectos psicológicos, a etapa de vida velhice é marcada por mudanças no sistema</p><p>nervoso central, na capacidade sensorial e perceptual e na habilidade de organizar e utilizar</p><p>informações. Existem influências externas, como expectativas culturais e fatores ambientais, que vão</p><p>refletir sobre a inteligência e a aprendizagem.</p><p>O envelhecimento fisiológico, portanto, é definido como um conjunto de alterações que ocorrem no</p><p>organismo humano e implica a perda progressiva da reserva funcional, sem comprometer as necessidades</p><p>básicas de manutenção da vida. Em contrapartida, o envelhecimento patológico denomina-se como</p><p>conjunto de alterações que ocorrem no organismo por causa de doenças e do estilo de vida que o</p><p>indivíduo teve até essa fase.</p><p>Entende-se que as doenças (senilidade) associadas às perdas fisiológicas (senescência) em idade</p><p>avançada poderão levar à insuficiência de órgãos, à incapacidade funcional e ao óbito.</p><p>Do ponto de vista sociocultural, o envelhecimento reflete uma inter-relação de fatores individuais,</p><p>sociais e econômicos, fruto de educação, trabalho, experiência de vida e cultura. A sociedade determina a</p><p>cada idade funções adequadas que o indivíduo deve desempenhar, como estudo, trabalho, matrimônio e</p><p>aposentadoria. A forma como o indivíduo se autodefine depende das referências dadas pela cultura</p><p>e pela sociedade, isto é, o indivíduo é receptor e emissor de valores que podem ser modificados. Hoje</p><p>as pessoas idosas vivenciam um momento de mudança cultural cujas referências transformam-se: a</p><p>pessoa idosa começa a exercer um papel como ator social, e as expectativas do envelhecimento e da</p><p>velhice alcançam novas dimensões.</p><p>59</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>A dimensão social refere-se aos papéis e aos hábitos que a pessoa, ao longo do seu ciclo vital,</p><p>assume na sociedade e na família, a partir de um padrão culturalmente estabelecido. O envelhecimento</p><p>agregado à vulnerabilidade social pode, muitas vezes, manifestar-se pela diminuição ou perda do papel</p><p>desempenhado por longos anos, na esfera familiar, social e profissional.</p><p>Sob o prisma do contexto mundial, o envelhecimento tornou-se um fenômeno novo, e mesmo os</p><p>países mais ricos e poderosos não estão preparados ou adaptados para tal realidade. No tocante ao</p><p>envelhecimento populacional, os países desenvolvidos diferem substancialmente dos subdesenvolvidos,</p><p>já que os mecanismos que levam a tal envelhecimento são distintos.</p><p>Na Europa, por exemplo, o aumento na expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial</p><p>à época em que ocorreram importantes conquistas do conhecimento médico em meados do século</p><p>passado. Um excelente exemplo é a redução da mortalidade por tuberculose. Nos Estados Unidos, no</p><p>início do século anterior, a taxa de mortalidade por essa doença era de 194 mortes para cada 100 mil</p><p>indivíduos em um ano.</p><p>Em países do terceiro mundo, por outro lado, o aumento substancial na expectativa de vida ao</p><p>nascimento foi ser observado a partir de 1960. Desse período até 2020, as estimativas são de um</p><p>crescimento bastante acentuado; “a expectativa média de vida ao nascimento no terceiro mundo nesses</p><p>60 anos terá aumentado mais de 23 anos, atingindo 68,9 anos em 2020” (Hoover; Siegel, 1986, p. 133).</p><p>Segundo Berzins (2003, p. 19-33),</p><p>o Japão é o país que possui maior expectativa de vida ao nascer. No período</p><p>correspondente entre 2000 a 2005, a expectativa era de 81,5 anos. Estima-se</p><p>que, entre 2045 a 2050, a esperança de vida ao nascer suba para 88 anos. Já</p><p>o país com a menor expectativa de vida, no período entre 2000 a 2005, era</p><p>Botsuana, localizado ao sul da África, sendo esta de apenas 36,1 anos. Entre</p><p>2045 e 2050, estima-se que o país com menor esperança de vida seja Serra</p><p>Leoa, com 61,5 anos.</p><p>Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), caso o processo de envelhecimento da população</p><p>mundial permaneça num ritmo acelerado, a previsão para 2050 é que a quantidade de pessoas idosas</p><p>supere a de menores de 14 anos, fato que seria inédito.</p><p>A ONU (2002) ainda acentua o seguinte:</p><p>O número global de pessoas idosas – com 60 ou mais anos de idade – está</p><p>projetado para aumentar de 962 milhões em 2017 para 1,4 bilhão em 2030</p><p>e 2,1 bilhões em 2050, quando todas as regiões do mundo, exceto a África,</p><p>terão quase um quarto ou mais de suas populações com 60 anos de idade</p><p>ou mais. Em 2100, o número de pessoas idosas pode alcançar 3,1 bilhões.</p><p>60</p><p>Unidade I</p><p>A população com 60 anos ou mais está crescendo a uma taxa de cerca de</p><p>3% por ano. Globalmente, a população com 60 anos ou mais está crescendo</p><p>mais rápido que todos os grupos etários mais jovens. Atualmente, a Europa</p><p>tem a maior porcentagem de população com 60 anos ou mais (25%).</p><p>A Organização Mundial de Saúde (OMS) evidencia que nas próximas décadas a “população mundial</p><p>com mais de 60 anos vai passar dos atuais 841 milhões para 2 bilhões até 2050, tornando as doenças</p><p>crônicas e o bem-estar da terceira idade novos desafios de saúde pública global” (ONU, 2014).</p><p>Segundo a OMS,</p><p>o aumento da longevidade se deve, especialmente nos países de alta renda,</p><p>principalmente ao declínio nas mortes por doenças cardiovasculares – como</p><p>acidente vascular cerebral e doença cardíaca isquêmica –, passando por</p><p>intervenções simples e de baixo custo para reduzir o uso do tabaco e a</p><p>pressão arterial elevada (ONU, 2014).</p><p>Observação</p><p>Segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 1970 e 2025, espera-se</p><p>um crescimento de 223%, 694 milhões idosos. Em 2025, serão 1,2 bilhões,</p><p>e até 2050 haverá 2 bilhões, sendo 80% nos países em desenvolvimento”</p><p>(OMS,</p><p>4.2 Demandas por atendimento: violência e maus-tratos contra a pessoa idosa ..........107</p><p>Unidade II</p><p>5 REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL .....................................................................................................................116</p><p>5.1 Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) .....................119</p><p>6 A INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA ATENÇÃO À CRIANÇA E</p><p>AO ADOLESCENTE .............................................................................................................................................126</p><p>6.1 Política de assistência social ..........................................................................................................129</p><p>6.2 Política de educação .........................................................................................................................133</p><p>6.3 Política de saúde .................................................................................................................................136</p><p>6.3.1 Saúde da criança e do adolescente ..............................................................................................141</p><p>6.3.2 Saúde mental ....................................................................................................................................... 142</p><p>7 INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTOS PARA PESSOA IDOSA</p><p>NO BRASIL ............................................................................................................................................................144</p><p>8 INTERDISCIPLINARIDADE PARA ATENÇÃO A CRIANÇA, ADOLESCENTE E</p><p>PESSOA IDOSA .................................................................................................................................................148</p><p>8.1 O papel do assistente com a criança, adolescente e a pessoa idosa .............................148</p><p>8.2 O papel do psicólogo com a criança, adolescente e a pessoa idosa .............................150</p><p>8.3 A intervenção interdisciplinar ......................................................................................................153</p><p>8.3.1 O papel do assistente social na alta complexidade .............................................................. 155</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>A trajetória da proteção social no Brasil está intimamente ligada à da formação das políticas sociais</p><p>e seus inúmeros desdobramentos.</p><p>Proteger crianças e adolescentes cujos direitos estejam ameaçados, de forma que possam desfrutar</p><p>do direito a viver junto à sua família e à comunidade, é um grande desafio.</p><p>Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA), acentuou-se o quão importante</p><p>é apoiar a convivência familiar e comunitária, destacando o caráter de brevidade e excepcionalidade na</p><p>aplicação da medida de proteção e, no caso de adolescentes, as medidas socioeducativas.</p><p>Pensando nos ciclos de vida, há também uma nova trajetória a ser traçada, que separa segmentos</p><p>extremos, como é o caso de pessoas idosas. O envelhecimento é parte desse processo de vivência e pode</p><p>ser conceituado como um conjunto de modificações morfológicas, bioquímicas, fisiológicas e psicológicas,</p><p>as quais determinam a perda progressiva da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente.</p><p>As questões do envelhecimento no Brasil evidenciam um avanço quanto às legislações e à necessidade</p><p>de estabelecer políticas de proteção social.</p><p>Para tal, o estudo deste livro-texto será iniciado a partir da evolução sócio-histórica da criança</p><p>e do adolescente, avaliando-se a trajetória de uma teoria da situação irregular a uma teoria da</p><p>proteção integral.</p><p>Nesse sentido, será enfatizada a condição peculiar de desenvolvimento, bem como a garantia de</p><p>proteção integral ofertada pelas medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes.</p><p>Serão examinadas as questões do cuidado e da proteção para a pessoa idosa. E, por fim, a atuação em</p><p>rede de proteção intersetorial e interdisciplinar.</p><p>8</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Inicialmente, será estudado o percurso da trajetória da criança e do adolescente como sujeitos</p><p>sociais de direitos. Para tal, será feito um panorama geral da trajetória dessa formação, a fim de</p><p>subsidiar a compreensão da criação dos sistemas de proteção social e de garantia de direitos destinadas</p><p>a segmentos específicos, tais como criança, adolescente e pessoa idosa.</p><p>As políticas intersetoriais serão exploradas a partir dos marcos da Constituição Federal (CF) de 1988</p><p>e das legislações subsequentes. Após acentuar as bases que fundamentam a origem da formação da</p><p>criança como sujeitos sociais de direito será abordada a trajetória específica da proteção social junto</p><p>de crianças, adolescentes e pessoas idosas. Essa análise será feira a partir de uma revisão sócio-histórica</p><p>até a contemporaneidade.</p><p>Serão destacadas a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para a criança e para o</p><p>adolescente, as legislações que atendem esse segmento e a primazia da proteção integral prevista pelo</p><p>ECA. Subsequentemente, serão elencadas as legislações, a exemplo do Plano Nacional de Convivência</p><p>Familiar e Comunitária.</p><p>Trataremos de políticas de proteção social para pessoas idosas, destacando a ação intersetorial</p><p>das políticas públicas na efetivação da proteção social para a pessoa idosa. Os desdobramentos do</p><p>envelhecimento no aspecto biopsicossocial e a demanda por direitos, o atendimento e os cuidados</p><p>também serão ponderados.</p><p>Serão analisadas as questões de intersetorialidade das políticas públicas na atenção à criança,</p><p>ao adolescente e à pessoa idosa. Nesse contexto, serão abordados os diversos serviços, programas e</p><p>projetos correlatos. A proteção contra situações de violação de direitos da criança, do adolescente e</p><p>da pessoa idosa receberá atenção especial.</p><p>Bons estudos!</p><p>9</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Unidade I</p><p>1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO</p><p>SUJEITO SOCIAL DE DIREITO</p><p>Segundo Magalhães,</p><p>Quando recolhemos um pequeno ser atiradom sozinho nas tumultuosas</p><p>maretas dos refolhos sociais, vítimas de pais indignos ou de taras</p><p>profundas, não é ele que nós protegemos, são as pessoas honestas</p><p>que defendemos; quando tentamos voltar a saúde física ou moral</p><p>seres decadentes e fracos, ameaçados pela contaminação do crime, é a</p><p>própria sociedade que defendemos contra agressões das quais, para ela</p><p>mesma, o abandono das crianças constitui uma ameaça ou um presságio</p><p>(Magalhães apud Rizzini, 1995, p. 133).</p><p>É apresentado um panorama geral da infância e da juventude no país. Inicialmente são abordadas</p><p>as questões sócio-históricas da visibilidade e da invisibilidade, os principais fatos de mudanças nesse</p><p>segmento e as respostas em forma de políticas sociais ao longo da história.</p><p>A infância é considerada um período importante na vida do ser humano para a qual há várias definições,</p><p>com modos específicos de sentimentos, ações e comportamentos que devem ser compreendidos</p><p>respeitando as diferentes culturas de determinado tempo e espaço, mencionando, ainda, a troca de</p><p>conhecimentos que se estabelecem entre crianças, adolescentes e adultos.</p><p>Quanto ao tempo e ao espaço da infância, deve-se considerar as relações históricas, políticas e</p><p>culturais de cada sociedade, que acabam por produzir diferentes transformações na construção da visão</p><p>da criança e do adolescente e, consequentemente, no modo de tratá-los.</p><p>A infância deve ser desenvolvida, analisada e contextualizada dentro da sociedade na qual</p><p>está inserida.</p><p>Historicamente, verifica-se que a evolução tanto da concepção da infância quanto de sua legislação</p><p>pertinente é a ligação entre o desenvolvimento infantil e o modo de tratar a criança e o espaço que ela</p><p>ocupa em âmbito familiar e social.</p><p>No Brasil, foi no começo do século XX que a infância passou a ser conhecida e construída como um</p><p>período da vida em que o ser humano tem necessidades específicas dessa fase.</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>1.1 A infância em civilizações antigas</p><p>As grandes</p><p>2005, p. 8).</p><p>No processo de envelhecimento, há várias contribuições, tais como o desenvolvimento tecnológico</p><p>e científico, principalmente da medicina, a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade, a</p><p>melhoria dos setores de infraestrutura sanitária, a entrada da mulher no mercado de trabalho.</p><p>Mesmo esses fatores sendo comuns em várias sociedades, a manifestação do processo de</p><p>envelhecimento ocorre de diferentes formas entre os países. Nos países chamados desenvolvidos,</p><p>o envelhecimento da população se apresentou de forma lenta e contínua.</p><p>No bloco dos chamados países desenvolvidos, tal processo se deu de</p><p>forma lenta, ao longo de mais de cem anos. Países como a Inglaterra,</p><p>por exemplo, iniciaram o processo de envelhecimento de sua população,</p><p>ainda em curso, após a Revolução Industrial, no período áureo do Império</p><p>Britânico, dispondo de recursos necessários para fazer frente às mudanças</p><p>advindas desta informação demográfica. Atualmente, alguns destes países</p><p>apresentam inclusive um crescimento negativo da sua população, com taxas</p><p>de natalidade mais baixas que as de mortalidade (Veras, 2003, p. 6).</p><p>61</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Observe o trecho a seguir:</p><p>Em 2002, quase 400 milhões de pessoas com 60 anos ou mais viviam no</p><p>mundo em desenvolvimento. Até 2025, este número terá aumentado para</p><p>aproximadamente 840 milhões, o que representa 70% das pessoas na</p><p>terceira idade em todo o mundo (OMS, 2005, p. 11).</p><p>Em termos de regiões, mais da metade da população de pessoas mais velhas vive na Ásia. Esse</p><p>percentual da Ásia aumentará ainda mais, enquanto a participação da Europa na população mundial</p><p>mais velha diminuirá.</p><p>Na maior parte do mundo desenvolvido, o envelhecimento da população foi um processo gradual</p><p>acompanhado de crescimento socioeconômico constante durante muitas décadas e gerações. Já</p><p>nos países em desenvolvimento, esse processo de envelhecimento está sendo reduzido há duas ou</p><p>três décadas. Assim, enquanto os países desenvolvidos se tornaram ricos antes de envelhecerem, os</p><p>países em desenvolvimento envelheceram antes de obterem um aumento substancial em sua riqueza</p><p>(Kalache; Keller, 2000).</p><p>O envelhecimento nos países em desenvolvimento é acompanhado por mudanças dramáticas</p><p>nas estruturas e nos papéis da família, assim como nos padrões de trabalho e na migração. Fatores</p><p>como urbanização, migração de jovens para cidades à procura de trabalho, famílias menores e mais</p><p>mulheres tornando-se força de trabalho formal significam que menos pessoas estão disponíveis para</p><p>cuidar de pessoas mais velhas quando necessário.</p><p>Para a OMS (2005), é necessário interpretar o envelhecimento ativo para obter êxito.</p><p>3.2 Envelhecimento ativo</p><p>O envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Permite que</p><p>as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida,</p><p>e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades;</p><p>ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessário.</p><p>O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade</p><p>de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente</p><p>incapacitadas e que requerem cuidados.</p><p>A abordagem do envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos</p><p>das pessoas mais velhas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e</p><p>autorrealização estabelecidos pela ONU.</p><p>Com esse cenário, as políticas sociais de saúde, o mercado de trabalho e a educação entenderam a</p><p>necessidade de apoiar a questão a fim de diminuir mortes prematuras em estágios da vida altamente</p><p>produtivos, bem como subtrair as deficiências associadas às doenças crônicas na terceira idade. Se os</p><p>62</p><p>Unidade I</p><p>indivíduos participarem ativamente de aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da sociedade,</p><p>em atividades remuneradas ou não, e na vida doméstica, familiar e comunitária, os gastos com</p><p>tratamentos médicos e serviços de assistência médica diminuiriam substancialmente.</p><p>Programas e políticas de envelhecimento ativo reconhecem a necessidade de incentivar e equilibrar</p><p>responsabilidade pessoal (cuidado consigo mesmo), ambientes amistosos para a faixa etária e</p><p>solidariedade entre gerações. Ainda destacam as famílias e os indivíduos como corresponsáveis em</p><p>planejar e auxiliar no preparo para a velhice.</p><p>O envelhecimento ativo depende de uma diversidade de fatores determinantes que envolvem</p><p>indivíduos, famílias e países. Estes aplicam-se à saúde de pessoas de todas as idades. Por exemplo,</p><p>há evidências de que o estímulo e as relações afetivas seguras na infância influenciam a capacidade</p><p>individual de aprendizagem e de convívio em sociedade durante todos os estágios posteriores da vida.</p><p>O emprego, que é um fator determinante por toda a vida adulta, tem grande influência sobre a</p><p>preparação, sob o aspecto financeiro, do indivíduo para a velhice.</p><p>Observação</p><p>Os fatores determinantes podem ser transversais, formados pela</p><p>cultura e pelo gênero; relacionados aos sistemas de saúde e serviço social,</p><p>bem como aos comportamentais; e relacionados a aspectos pessoais, ao</p><p>ambiente físico, social e econômico.</p><p>A cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela nossa forma de envelhecer, pois</p><p>influencia todos os outros fatores determinantes do envelhecimento ativo.</p><p>Os valores culturais e as tradições interferem muito no modo como uma sociedade encara as pessoas</p><p>idosas e o processo de envelhecimento. Quando as sociedades atribuem sintomas de doença ao processo</p><p>de envelhecimento, elas têm menor probabilidade de oferecer serviços de prevenção, detecção precoce e</p><p>tratamento apropriado.</p><p>A cultura também é determinante no modo como as demais gerações convivem com a pessoa em</p><p>processo de envelhecimento.</p><p>A questão de gênero é considerada como primordial no entendimento dos determinantes de</p><p>envelhecimento e bem-estar de homens e mulheres. Evidencia o papel que eles ocupam na sociedade,</p><p>seu status social.</p><p>No tocante à questão de saúde e serviço social enquanto fatores determinantes, são necessárias</p><p>ações integradas a fim promover a saúde, prevenir doenças e proporcionar o acesso equitativo e de</p><p>qualidade ao cuidado primário e de longo prazo.</p><p>63</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Para tal, são efetivadas ações de promoção em saúde e prevenção de doenças, pois, na medida em</p><p>que a população envelhece, a demanda por medicamentos que retardem e tratem doenças crônicas,</p><p>aliviem a dor e melhorem a qualidade de vida vai continuar a aumentar.</p><p>São ações de promoção em saúde e prevenção de doenças ações coletivas como prevenção primária,</p><p>a exemplo de campanhas contra o tabagismo; secundária, como é o caso de constatação precoce de</p><p>doenças; terciária, que já é o próprio tratamento.</p><p>Nesse percurso, enquadram-se as questões de cuidado e assistência a longo prazo.</p><p>Segundo a OMS, a assistência a longo prazo é definida como um</p><p>sistema de atividades empreendidas por cuidadores informais (família,</p><p>amigos e/ou vizinhos) e/ou profissionais (de serviços sociais e de saúde) a</p><p>uma pessoa não plenamente capaz de se cuidar, para que esta tenha a melhor</p><p>qualidade de vida possível, de acordo com suas preferências individuais, com</p><p>o maior nível possível de independência, autonomia, participação, satisfação</p><p>pessoal e dignidade humana (OMS, 2000a).</p><p>Portanto, a assistência em longo prazo abrange sistemas de apoio informais e formais. Estes podem</p><p>incluir uma ampla variedade de serviços comunitários (saúde pública, cuidados básicos, tratamento</p><p>domiciliar, serviços de reabilitação e tratamento paliativo), assim como tratamento institucional em</p><p>asilos e hospitais para doentes terminais. Os sistemas formais referem-se também aos tratamentos que</p><p>interrompem ou revertem o curso da doença e da deficiência.</p><p>Os fatores determinantes comportamentais</p><p>se relacionam ao estilo de vida e seus hábitos, como</p><p>opção ou não pelo tabagismo, álcool e outras drogas; realização de atividades físicas; opção por</p><p>alimentação saudável.</p><p>Por sua vez, os fatores determinantes associados a aspectos pessoais se relacionam a questões</p><p>biológicas e de genética por causa de sua grande influência sobre o processo de envelhecimento. Este</p><p>representa um conjunto de processos geneticamente determinados e pode ser definido como uma</p><p>deterioração funcional progressiva e generalizada, resultando em uma perda de resposta adaptativa às</p><p>situações de estresse e em um aumento no risco de doenças ligadas à velhice.</p><p>Há evidências de que a longevidade humana tende a ocorrer em famílias. Portanto, a influência da</p><p>genética no desenvolvimento de problemas crônicos, como diabete, doença cardíaca, mal de Alzheimer</p><p>e certos tipos de câncer, varia bastante entre os indivíduos. Para muitas pessoas, comportamentos como</p><p>não fumar, habilidade de enfrentar problemas e uma rede de amigos e parentes próximos pode modificar</p><p>efetivamente a influência da hereditariedade no declínio funcional e no aparecimento da doença.</p><p>Os fatores psicológicos, que incluem a inteligência e a capacidade cognitiva (por exemplo, a aptidão</p><p>de resolver problemas e de se adaptar a mudanças e perdas), são indícios fortes de envelhecimento</p><p>ativo e longevidade. Durante o processo de envelhecimento normal, algumas capacidades cognitivas</p><p>64</p><p>Unidade I</p><p>(inclusive a rapidez de aprendizagem e memória) diminuem, naturalmente, com a idade. Contudo, essas</p><p>perdas podem ser compensadas por ganhos em sabedoria, conhecimento e experiência. O declínio no</p><p>funcionamento cognitivo é provocado por desuso (falta de prática), doenças (como depressão), fatores</p><p>comportamentais (como consumo de álcool e medicamentos), psicológicos (falta de motivação, de</p><p>confiança e baixas expectativas) e fatores sociais (solidão e o isolamento) mais do que o envelhecimento</p><p>em si. Nesse quesito, destacam-se fatores psicológicos como autossuficiência, autoeficiência e superação</p><p>de adversidade.</p><p>Os fatores determinantes relacionados ao ambiente físico podem representar a diferença entre a</p><p>independência e a dependência para todos os indivíduos. Eles envolvem questões de moradia (urbana</p><p>ou rural); acessibilidade; moradia segura, que abrange a localização, incluindo a proximidade de</p><p>membros da família; serviços e transporte, o que pode significar a diferença entre uma interação</p><p>social positiva e o isolamento. Os padrões de construção devem levar em conta as necessidades de</p><p>saúde e de segurança da pessoa idosa, como os obstáculos nas residências, que devem ser corrigidos</p><p>ou removidos para evitar quedas.</p><p>Observação</p><p>Em muitos países em desenvolvimento, a proporção de pessoas idosas</p><p>vivendo em cortiços e favelas tem aumentado. Pessoas idosas vivem nesses</p><p>lugares sob o risco de isolamento social e com saúde precária.</p><p>Já os fatores determinantes quanto ao ambiente social, ou seja, a necessidade de apoio social</p><p>adequado, são importantes para não aumentar a mortalidade, a morbidade e os problemas psicológicos,</p><p>incluindo diminuição da saúde e do bem-estar em geral. O rompimento de laços pessoais, solidão e</p><p>interações conflituosas são as maiores fontes de estresse, enquanto relações sociais animadoras e</p><p>próximas são fontes vitais de força emocional.</p><p>As pessoas idosas apresentam maior probabilidade de serem expostas a perdas, são mais vulneráveis</p><p>à solidão, ao isolamento social e a ter um menor grupo social. O isolamento social e a solidão na</p><p>velhice estão ligados a um declínio de saúde tanto física como mental.</p><p>Quanto aos fatores econômicos, três aspectos têm um efeito particularmente relevante sobre o</p><p>envelhecimento ativo: a renda, o trabalho e a proteção social.</p><p>As políticas de envelhecimento ativo precisam se cruzar com projetos mais amplos para reduzir</p><p>a pobreza em todas as idades. Os pobres de todas as idades apresentam um risco maior de doenças</p><p>e deficiências e as pessoas idosas estão particularmente vulneráveis. A ausência de renda ou</p><p>renda hipossuficiente afetam seriamente o acesso a alimentos nutritivos, à moradia adequada e a</p><p>cuidados de saúde.</p><p>Enquanto proteção social, a família se coloca com uma via de proteção, provendo parte do auxílio</p><p>para as pessoas idosas. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência</p><p>65</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>entre as gerações no mesmo ambiente muda, exige-se cada vez mais que os países desenvolvam</p><p>mecanismos de proteção social às pessoas idosas incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhas</p><p>e vulneráveis. Em países em desenvolvimento, as pessoas idosas que precisam de assistência tendem a</p><p>confiar na ajuda da família, em transferências de serviços informais e em economias pessoais.</p><p>Observação</p><p>Países como a África do Sul e a Namíbia possuem uma pensão nacional</p><p>para a velhice, sendo os benefícios fonte de renda de muitas famílias pobres</p><p>e das pessoas idosas.</p><p>Em países desenvolvidos, as medidas de seguridade social podem incluir pensão para a</p><p>velhice, aposentadoria por motivos ocupacionais, incentivos para a poupança voluntária, fundos</p><p>compulsórios de poupança e programas de seguro para deficiências, doenças, tratamentos a longo</p><p>prazo e desemprego.</p><p>Todavia, ainda em alguns países menos desenvolvidos, as pessoas idosas tendem a se manter</p><p>economicamente ativas na velhice pela necessidade, responsabilizam-se pela administração do lar e</p><p>pelo cuidado com crianças, de forma que os adultos jovens possam trabalhar fora de casa.</p><p>3.3 Envelhecimento no Brasil</p><p>No Brasil, pode-se dizer que o marco inicial da construção da categoria social velhice remonta ao ano</p><p>de 1890, quando foi fundado no Rio de Janeiro o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada. Em 1909,</p><p>foi inaugurado nessa instituição um pavilhão para velhos não desamparados (Groissman, 1999). Esses</p><p>eventos assinalaram uma desvinculação da noção de velhice das noções de mendicância, vadiagem,</p><p>pobreza e desamparo, o que ocorria desde a abolição da escravatura.</p><p>Em paralelo, se nos remetermos às questões de institucionalização da pessoa idosa, o olhar para o</p><p>envelhecimento no Brasil na data de 1790.</p><p>Segundo Lima (2005, p. 26), a primeira instituição destinada as pessoas idosas Brasil foi uma</p><p>chácara construída em 1790 para acolher soldados portugueses que</p><p>participaram da campanha de 1792 e que, naquela ocasião, encontravam-se</p><p>“avançados em anos e cansados de trabalhos”, que, pelos seus serviços</p><p>prestados, “se faziam dignos de uma descansada velhice”. A chamada casa dos</p><p>inválidos foi construída por decisão do 5º Vice-Rei, Conde de Resende, que,</p><p>contrariando todas as normas da época, cria esta instituição, inspirando-se</p><p>na obra de Luís XIV (Hôtel des Invalides), destinada aos heróis [...]. Como</p><p>podemos ver, a primeira instituição criada no Brasil era restrita a soldados</p><p>militares, e não à velhice em geral. Com a vinda da Família Real Portuguesa,</p><p>em 1808, a casa que abrigava essas pessoas foi “cedida” ao médico particular</p><p>do Rei e os internos foram transferidos para a Casa de Santa Misericórdia.</p><p>66</p><p>Unidade I</p><p>As instituições de longa permanência tinham o objetivo de cuidar de pessoas com idade avançada,</p><p>dignas de um envelhecimento saudável e com cuidados. Nesse aspecto, destaca-se o papel de cuidado</p><p>da Casa de Santa Misericórdia, que se refere a uma forma de serviço de hospitalização que ocorria ainda</p><p>na época colonial.</p><p>Os asilos, como eram chamadas as instituições nesse período, tinham por objetivo prevenir as</p><p>situações de mendicância, pois o número de pessoas envelhecidas das ruas aumentava.</p><p>Em 1961, foi fundada a primeira sociedade científica brasileira no campo da velhice, a Sociedade</p><p>Brasileira de Geriatria. Esta, em 1978, começou a acolher também os não médicos, por isso passou a se</p><p>chamar Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).</p><p>No fim dos anos 1960, o Serviço Social do Comércio (Sesc) começou a desenvolver</p><p>um trabalho</p><p>pioneiro com pessoa idosa por meio de programas de preparação para a aposentadoria, de</p><p>divulgação científica sobre cuidados com a saúde no envelhecimento, de lazer, de atividades físicas</p><p>e de educação para pessoas da terceira idade nos mesmos moldes dos que existiam na Europa.</p><p>Em 1982, foi fundada a Associação Nacional de Gerontologia (ANG), congregando principalmente</p><p>profissionais da área social.</p><p>Diante dos avanços dos processos de envelhecimento, num contexto contemporâneo, o Brasil</p><p>vem ganhando o título de um país com uma população jovem que está passando por um processo de</p><p>envelhecimento nos últimos anos.</p><p>No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de</p><p>vida ao nascer é de 68 anos (Veras, 2003).</p><p>Tal condição era justificada por conta de precariedade das condições sanitárias, alta taxa de</p><p>mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. Com o avanço da medicina e a melhoria da qualidade</p><p>de vida, a mortalidade infantil diminuiu e, consequentemente, a expectativa de vida aumentou. Assim,</p><p>o envelhecimento populacional atingiu vários países, exigindo políticas para cuidar e abrir espaço para</p><p>esse novo contingente populacional.</p><p>Desde os anos 1940, é entre a população idosa que são observadas as taxas mais altas de crescimento</p><p>populacional, e, já na década de 1950, esse crescimento superou 3% ao ano, chegando a 3,4% entre</p><p>1991 e 2000 (Veras, 2003).</p><p>De acordo com Santos e Silva (2013, p. 362), o crescimento da população idosa no Brasil, portanto,</p><p>foi uma consequência da “diminuição da fecundidade, da redução da mortalidade da população e do</p><p>aumento da expectativa de vida”.</p><p>Segundo Rodrigues (2001, p. 149), foi no início da década de 1970 que “começou a surgir um número</p><p>significativo de idosos em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do</p><p>setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso”.</p><p>67</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Em decorrência,</p><p>na década de 1970, precisamente no ano de 1976, por inspiração e</p><p>coordenação do gerontólogo Marcelo Salgado e com o apoio do então</p><p>ministro da Previdência e Assistência Social, Luiz Gonzaga do Nascimento e</p><p>Silva, realizaram-se três seminários regionais, em São Paulo, Belo Horizonte</p><p>e Fortaleza, e um nacional, em Brasília, [...] buscando um diagnóstico para</p><p>a questão da velhice em nosso país e apresentar as linhas básicas de uma</p><p>política de assistência e promoção social do idoso (Rodrigues, 2001, p. 150).</p><p>No Brasil,</p><p>são consideradas pessoas idosas, segundo o marco legal estabelecido na</p><p>Política Nacional do Idoso (1994) e no Estatuto da Pessoa Idosa (2003), os</p><p>indivíduos de 60 anos ou mais. Esse marco legal abrange uma população que</p><p>tem pela frente um intervalo vital maior do que trinta anos. Por exemplo, no</p><p>último censo, o IBGE constatou que já temos quase 30 mil pessoas com mais</p><p>de 100 anos no país, sendo 2/3 delas mulheres (Brasil, 2004, p. 17).</p><p>O Estatuto assegura o direito de todas as pessoas envelhecerem com dignidade e respeito. Dispõe</p><p>sobre a responsabilidade do Estado na garantia de segurança, saúde e a obrigação de formulação de</p><p>novas políticas públicas:</p><p>Art. 8º. O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um</p><p>direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.</p><p>Art. 9º. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à</p><p>saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um</p><p>envelhecimento saudável e em condições de dignidade (Brasil, 2003).</p><p>Envelhecer em nossa sociedade é uma expressão da questão social a ser discutida com muito cuidado,</p><p>dado o momento em que vivemos.</p><p>O processo de envelhecimento é algo comum a todos e com ele surgem as complicações biológicas.</p><p>Esse processo torna a pessoa idosa um sujeito em situação de risco, portanto, um cidadão com</p><p>necessidade de atenção especial.</p><p>O Brasil é um país que envelhece a passos largos. Apesar de iniciativas do governo federal nos anos</p><p>1970 voltadas para pessoas idosas, apenas em 1994 foi instituída uma política nacional que atende esse</p><p>grupo. Antes, as ações governamentais tinham cunho caritativo e filantrópico. Nos anos 1970, foram</p><p>criados benefícios não contributivos, como as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda</p><p>mensal vitalícia para os necessitados urbanos e rurais com mais de 70 anos que não recebiam benefício</p><p>da Previdência Social (Teixeira, 2008).</p><p>68</p><p>Unidade I</p><p>Como observa Neri (2007), diante do crescimento do segmento da pessoa idosa no Brasil e do</p><p>consequente surgimento de suas demandas em diversas esferas, foram fixados os instrumentos legais</p><p>de proteção às pessoas idosas com o objetivo de garantir, por exemplo, o direito à igualdade e superar a</p><p>marginalização da pessoa idosa na sociedade.</p><p>Especialmente nas décadas de 1980 e 1990, o envelhecimento em nosso país acarretou uma</p><p>inversão na pirâmide etária brasileira. Antes, a base da pirâmide era representada pela população</p><p>jovem, considerada a mais numerosa. Passando a assumir uma nova forma, a população adulta vem</p><p>aumentando gradativamente para a população mais velha. Há alguns anos, o Brasil era caracterizado</p><p>como um país de jovens, mas hoje o cenário é outro.</p><p>De acordo com a síntese de indicadores sociais divulgada pelo IBGE, a esperança de vida ao nascer,</p><p>no Brasil, cresceu três anos no período entre 1999 e 2009. Em 1999, a esperança de vida do brasileiro</p><p>correspondia a 70 anos, em 2009, subiu para 73,1 anos (IBGE, 2010).</p><p>No que se refere à esperança de vida ao nascer, para as mulheres, o índice passou de 73, 9 para</p><p>77 anos. Já para os homens, a evolução foi de 66,3 para 69,4, confirmando maior esperança de vida</p><p>para o sexo feminino (IBGE, 2010).</p><p>A população de pessoas idosas é a que mais cresce no Brasil, configurando um fenômeno novo e</p><p>desafiador para a sociedade, para as famílias e para os governos. Para ilustrar, no início do século XX, a</p><p>esperança de vida do brasileiro não passava dos 33,5 anos, chegando aos 50 na metade desse mesmo</p><p>século. Em 2011, o nível de idade chegou a 74,8 anos, sendo que as mulheres estão vivendo sete anos a</p><p>mais do que os homens (IBGE, 2010).</p><p>3.4 A população brasileira e a dinâmica demográfica</p><p>Camarano (2023) aborda as mudanças demográficas no mundo, pois elas precisam ser exploradas</p><p>para melhor entendimento do fenômeno e de suas implicações em outros fenômenos sociais (pressões</p><p>trazidas pelo avanço da digitalização e da pandemia de Covid-19).</p><p>Para compreender a evolução demográfica atual, é preciso racionalizar o que está ocorrendo e</p><p>também como as teorias estruturam o pensamento sobre o objeto de análise.</p><p>Para além, entre outros fenômenos, é possível observar a formação de diferentes formatos de</p><p>família, o crescimento de mães e pais solteiros e uniões homoafetivas, sintomas da sociedade atual.</p><p>A estruturação, a regularidade no comportamento dos indivíduos e nas relações que mantemos é tratada</p><p>como estrutura social (Camarano, 2023, p. 5). Em outra visão, mais detalhada, o que nós fazemos é</p><p>considerado estrutura.</p><p>O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com Dourado et al. (2021), foi idealizado</p><p>para enfatizar que as pessoas e suas capacidades devem ser o melhor critério a fim de avaliar o</p><p>desenvolvimento de um país, estado ou município, não apenas o crescimento econômico. Ele é aferido</p><p>a partir da média geométrica entre índices que medem cada um dos seguintes fatores considerados</p><p>69</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>pontos-chave no desenvolvimento humano: ter uma vida longa e saudável, adquirir conhecimentos e</p><p>ter um padrão de vida decente (Rodrigues; Lima, 2020).</p><p>Pandemias, a mais recente vivenciada no período de 2020 até 2022, o Covid-19, raramente afetam</p><p>as pessoas de forma uniforme. A maior incidência se dá junto às populações mais pobres e de maneira</p><p>mais drástica. Considerando que as populações mais pobres são mais propensas a ter</p><p>condições crônicas,</p><p>isso as coloca em maior risco de mortalidade.</p><p>Torkian e colaboradores (2020) afirmam que os resultados obtidos fornecem</p><p>evidências limitadas de que o nível de desenvolvimento dos países pode</p><p>influenciar diretamente a morbidade e mortalidade por Covid-19 e que</p><p>o motivo de tal associação é difícil de determinar devido à natureza do</p><p>estudo desenvolvido (Dourado et al., 2021, p. 2).</p><p>Como os países com IDH mais elevado têm uma maior expectativa de vida, a população idosa</p><p>dessas nações é maior. Uma vez que o grupo das pessoas idosas é o mais vulnerável às formas</p><p>graves da infecção pelo SARS-CoV-2. Esse fato faz com que a mortalidade seja maior onde o IDH for</p><p>mais elevado.</p><p>De acordo com Marcolin (2022), o objetivo da pesquisa realizada era explanar e discutir a importância</p><p>dos direitos e das políticas públicas no enfrentamento das vulnerabilidades da população idosa,</p><p>particularizando o contexto da pandemia da Covid-19. Para tanto, inicialmente, contextualiza-se o</p><p>processo de envelhecimento, demarcando os direitos da pessoa idosa, para, na sequência, explicitar a</p><p>pandemia da Covid-19, seus impactos na vida da pessoa idosa, discutindo a importância dos direitos</p><p>e das políticas públicas sociais no enfrentamento das vulnerabilidades.</p><p>Por meio dos gráficos seguintes, analisados por Marcolin (2022), é possível observar</p><p>comparativamente em duas projeções (anos 2020 e 2060) a quantidade de pessoas por gênero e por</p><p>idade, em três faixas subdivididas em 0 a 19 anos, 20 a 59 anos e acima dos 60 anos, denotando uma</p><p>alteração significativa da pirâmide etária no Brasil devido ao crescimento da população idosa.</p><p>70</p><p>Unidade I</p><p>90+ anos</p><p>85 a 89 anos</p><p>80 a 84 anos</p><p>75 a 79 anos</p><p>70 a 74 anos</p><p>65 a 69 anos</p><p>60 a 64 anos</p><p>55 a 59 anos</p><p>50 a 54 anos</p><p>45 a 49 anos</p><p>40 a 44 anos</p><p>35 a 39 anos</p><p>30 a 34 anos</p><p>25 a 29 anos</p><p>20 a 24 anos</p><p>15 a 19 anos</p><p>10 a 14 anos</p><p>5 a 9 anos</p><p>0 a 4 anos</p><p>90+ anos</p><p>85 a 89 anos</p><p>80 a 84 anos</p><p>75 a 79 anos</p><p>70 a 74 anos</p><p>65 a 69 anos</p><p>60 a 64 anos</p><p>55 a 59 anos</p><p>50 a 54 anos</p><p>45 a 49 anos</p><p>40 a 44 anos</p><p>35 a 39 anos</p><p>30 a 34 anos</p><p>25 a 29 anos</p><p>20 a 24 anos</p><p>15 a 19 anos</p><p>10 a 14 anos</p><p>5 a 9 anos</p><p>0 a 4 anos</p><p>MulheresHomens MulheresHomens</p><p>0,1%</p><p>0,2%</p><p>0,3%</p><p>0,4%</p><p>0,4% 0,7%</p><p>0,7% 1,0%</p><p>1,1% 1,4%</p><p>2,4%</p><p>1,9%1,6%</p><p>2,1%</p><p>2,5%</p><p>2,9% 3,1%</p><p>3,1%</p><p>3,6%</p><p>3,9%</p><p>4,0%</p><p>4,0% 4,0%</p><p>4,1%</p><p>4,1%</p><p>3,3%</p><p>3,8%</p><p>3,8% 3,7%</p><p>3,4%</p><p>3,4%</p><p>3,4%3,6%</p><p>3,5%</p><p>3,6%</p><p>2,8%</p><p>4,0%4,1%</p><p>0,7% 1,6%</p><p>1,0% 1,5%</p><p>1,7% 2,3%</p><p>2,4% 3,0%</p><p>2,8% 3,2%</p><p>3,4% 3,6%</p><p>3,5% 3,6%</p><p>3,4% 3,4%</p><p>3,2% 3,2%</p><p>3,1% 3,0%</p><p>3,0% 2,9%</p><p>2,8% 2,8%</p><p>2,7% 2,6%</p><p>2,6% 2,5%</p><p>2,5% 2,4%</p><p>2,3% 2,2%</p><p>2,2% 2,1%</p><p>2,1% 2,0%</p><p>3,1% 3,4%</p><p>Gráfico 1 Gráfico 2</p><p>Figura 3 – Pirâmide etária do Brasil em 2020 (com % da população total, por sexo – gráfico 1);</p><p>pirâmide etária do Brasil em 2060 (com % da população total, por sexo – gráfico 2)</p><p>Fonte: Marcolin (2022, p. 19).</p><p>Em outra demonstração gráfica, Marcolin (2022) observa que o crescimento registrado e projetado</p><p>é impressionante no período de 150 anos, sendo que o ritmo do envelhecimento na segunda metade</p><p>do século XX, que ainda se dava de forma lenta, se transformou em crescimento acelerado ao longo do</p><p>século XXI, conforme dados do IBGE.</p><p>Entretanto Marcolin (2022) apresenta evidências importantes quanto ao processo do envelhecimento,</p><p>considerando que este depende da qualidade de vida (premissas do Envelhecimento Ativo1 formulado</p><p>pela OMS). Portanto, para proporcionar melhorias da qualidade de vida da pessoa idosa, é preciso</p><p>garantir a otimização das oportunidades de saúde, participação, segurança e aprendizagem.</p><p>Com base nas reflexões apresentadas, podemos inferir que o envelhecimento global causa um</p><p>aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo. Ao mesmo tempo que o envelhecimento</p><p>da população é um dos maiores triunfos da humanidade, traz consigo grandes desafios.</p><p>De acordo Marcolin (2022), é importante refletir que, embora os direitos tenham sido instituídos</p><p>em prol da proteção à pessoa idosa, ainda persistem várias violações nessa parcela da população, como</p><p>assinala Marcolin (2022, p. 30):</p><p>71</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Pessoas idosas têm direitos enunciados e definidos, mas a violação desses</p><p>direitos é um dos principais obstáculos à inserção social da pessoa idosa, com</p><p>destaque para a discriminação e o preconceito. A luta contra a discriminação</p><p>é fundamental num processo de educação para o envelhecimento e sobre</p><p>o envelhecimento e a velhice. É preciso romper o silêncio sobre a velhice</p><p>e abrir espaços na escola, na família, nas pesquisas e na sociedade para se</p><p>falar abertamente dessa questão (Marcolin, 2022, p. 30).</p><p>Porém pode-se evidenciar com base no exposto que o Estatuto da Pessoa Idosa é uma grande</p><p>conquista na esfera dos direitos à pessoa idosa, mas a sua implementação precisa avançar para que</p><p>de fato seja concretizado o sistema de garantias proposto. Há muitos desafios ao olhar o modelo de</p><p>sociedade que se pauta pela primazia dos interesses econômicos, já que a população idosa está:</p><p>estreitamente vinculada à transformação do nosso modelo de produção</p><p>econômica, assim como de criação de aposentadorias recompensadoras,</p><p>benefícios sociais adequados, programas de conservação da saúde,</p><p>estruturas institucionais compensadoras da perda de sociabilidade, formas</p><p>de preservação da autonomia vital e assistência progressiva e evolutiva, na</p><p>medida da perda da capacidade e funções biológicas (Marcolin, 2022, p. 30).</p><p>Segundo o Marcolin (2022), de acordo com Brasil (2020)</p><p>os dados da Covid-19 no período de julho (2020) apontam que entre as</p><p>pessoas com 80 anos ou mais 18,8% dos infectados morreram, comparado</p><p>a 12% entre as pessoas idosas de 70 a 79 anos e 10% entre aqueles</p><p>de 60 a 69 anos.</p><p>Os óbitos pela Covid-19 têm afetado o tempo vivido pelos brasileiros e o crescimento da população</p><p>idosa em curto e médio prazo.</p><p>Embora os óbitos estejam concentrados nas idades avançadas, o aumento das taxas de mortalidade</p><p>da população idosa já está provocando um impacto tanto na expectativa de vida ao nascer como na das</p><p>demais idades.</p><p>A pandemia de Covid-19 determinou centenas de milhares de mortes, trazendo drásticas</p><p>consequências para a saúde da população e, principalmente, para as pessoas idosas, que são as mais</p><p>afetadas:</p><p>tal vulnerabilidade se justifica por alterações decorrentes da senescência</p><p>ou senilidade, sendo que aqueles que apresentam comorbidades prévias</p><p>têm maior probabilidade de complicações da doença bem como maior</p><p>possibilidade de sequelas pós-infecção (Chen et al., 2020). Também uma</p><p>das explicações para as maiores taxas de mortalidade por Covid-19 entre</p><p>idosos diz respeito à própria dificuldade de acesso e disponibilidade</p><p>72</p><p>Unidade I</p><p>de serviços de saúde, além das evidências do alto e desigual impacto</p><p>da pandemia na saúde, relacionado às questões de renda e da falta de</p><p>cuidados (Marcolin, 2022, p. 30).</p><p>Marcolin (2022) observa outras consequências, entre elas as causadas pelo isolamento social no que</p><p>diz respeito à saúde física e mental da população idosa devido à limitação da liberdade e do convívio</p><p>social. Com isso, os períodos de distanciamento social, mudanças na rotina e a diminuição da prática de</p><p>atividades físicas e atividades da vida diária também foram comprometidas, causando grande impacto</p><p>na saúde mental.</p><p>E diante do isolamento social, muitos se viram solitários, considerando que nem todas as pessoas</p><p>idosas têm acesso à tecnologia digital, que, para alguns, pode minimizar a falta ou ausência de</p><p>convivência social.</p><p>Assim, de acordo com Marcolin (2022), com base nesses breves apontamentos acerca da pandemia,</p><p>pode-se concluir que a crise do coronavírus potencializou vulnerabilidades e desigualdades já existentes,</p><p>além de desencadear novas situações e desafios, particularmente no que concerne a populações e</p><p>grupos mais suscetíveis, como é o caso das pessoas idosas.</p><p>O envelhecimento populacional é a transformação da estrutura etária que acontece em decorrência</p><p>do aumento da proporção de pessoa idosa no conjunto da</p><p>população e a consequente diminuição da</p><p>proporção de jovens. Durante mais de 500 anos, o Brasil teve uma estrutura etária rejuvenescida, porém</p><p>esse quadro se modificou no decorrer do século XXI.</p><p>De acordo com o IBGE (2022), em consonância com os resultados do Censo Demográfico</p><p>2022, o número de pessoas com 65 anos cresceu 57,4% na população do país em 12 anos. O total</p><p>de pessoas dessa faixa etária chegou a cerca de 22,2 milhões de pessoas (10,9%) em 2022 contra</p><p>14 milhões (7,4%) em 2010 (IBGE Educa, 2024).</p><p>Por outro lado, o total de crianças com até 14 anos de idade decresceu 12,6%, mudando de</p><p>45,9 milhões (24,1%) em 2010 para 40,1 milhões (19,8%) em 2022 (IBGE Educa, 2024).</p><p>73</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>100 anos ou mais</p><p>95 a 99 anos</p><p>90 a 94 anos</p><p>85 a 89 anos</p><p>80 a 84 anos</p><p>50 a 54 anos</p><p>45 a 49 anos</p><p>40 a 44 anos</p><p>35 a 39 anos</p><p>30 a 34 anos</p><p>25 a 29 anos</p><p>20 a 24 anos</p><p>15 a 19 anos</p><p>10 a 14 anos</p><p>5 a 9 anos</p><p>0 a 4 anos</p><p>0</p><p>2022 - Homens 2022 - Mulheres</p><p>2010 - Homens 2010 - Mulheres</p><p>0 112 23 34 45 5</p><p>75 a 79 anos</p><p>70 a 74 anos</p><p>65 a 69 anos</p><p>60 a 64 anos</p><p>55 a 59 anos</p><p>Figura 4 – População residente no Brasil (%) segundo sexo e grupo de idade, em 2010 e 2022</p><p>Fonte: IBGE Educa (2024).</p><p>Em 1980, a população brasileira com 65 anos ou mais representava 4,0%. Em 2022, esse grupo</p><p>atingiu 10,9%, o maior registro nos Censos Demográficos. Já a proporção de crianças com até 14 anos,</p><p>que era de 38,2% em 1980, caiu para 19,8% em 2022 (IBGE Educa, 2024).</p><p>Segundo a gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, Izabel Marri, ao longo do</p><p>tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos</p><p>no Brasil. Essa mudança no formato da pirâmide etária passa a ser visível a partir dos anos 1990 e a</p><p>pirâmide etária do Brasil perde, claramente, seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao</p><p>longo dos anos é a redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta e também</p><p>do topo da pirâmide até 2022 (Gomes; Britto, 2023).</p><p>74</p><p>Unidade I</p><p>1980</p><p>1991</p><p>2000</p><p>2010</p><p>2022</p><p>38,2 57,7 4,0</p><p>34,7 60,4 4,8</p><p>29,6 64,5 5,9</p><p>24,1 68,5 7,4</p><p>19,8 69,3 10,9</p><p>De 0 a 14 anos De 15 a 64 anos 65 anos ou mais</p><p>Figura 5 – Proporção da população residente no Brasil, segundo grupos de idade (%),</p><p>por grupos etários específicos, de 1980 a 2022</p><p>Fonte: IBGE Educa (2024).</p><p>Ao avaliar as proporções desses grupos etários específicos por grandes regiões, a região Norte é a</p><p>mais jovem entre as demais, com 25,2% de sua população com até 14 anos, seguida pelo Nordeste, com</p><p>21,1%. O Sudeste e o Sul têm estruturas mais envelhecidas, com 18% e 18,2% de jovens de 0 a 14 anos,</p><p>e 12,2% e 12,1% de pessoas com 65 anos ou mais, respectivamente (Gomes; Britto, 2023).</p><p>A região Centro-Oeste apresenta uma estrutura intermediária, sendo a sua distribuição etária</p><p>próxima da média do país.</p><p>A idade mediana divide uma população em 50% mais jovens e 50% mais velhos. No Brasil, de 2010</p><p>a 2022, a idade mediana aumentou de 29 para 35 anos, refletindo o envelhecimento da população.</p><p>Nas cinco grandes regiões, houve crescimento: Norte (de 24 para 29 anos), Nordeste (de 27 para</p><p>33 anos), Sudeste (de 31 para 37 anos), Sul (de 31 para 36 anos) e Centro-Oeste (de 28 para 33 anos)</p><p>(Gomes; Britto, 2023).</p><p>75</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>AM</p><p>23</p><p>AM</p><p>27</p><p>RR</p><p>23</p><p>RR</p><p>26</p><p>AC</p><p>22</p><p>AC</p><p>27</p><p>AP</p><p>22 AP</p><p>27</p><p>RO</p><p>26</p><p>RO</p><p>32</p><p>PA</p><p>24</p><p>PA</p><p>29</p><p>MA</p><p>24</p><p>MA</p><p>20</p><p>TO</p><p>25</p><p>TO</p><p>31</p><p>MT</p><p>27</p><p>MT</p><p>32GO</p><p>29</p><p>GO</p><p>34</p><p>ES 29 ES 36</p><p>MG</p><p>30</p><p>MG</p><p>36MS</p><p>28</p><p>MS</p><p>33</p><p>DF 28 DF 34</p><p>SE 26 SE 33</p><p>AL 25 AL 32</p><p>PE 28 PE 34</p><p>PB 28 PB 34</p><p>RN 28 RN 34</p><p>BA</p><p>28</p><p>BA</p><p>35</p><p>PI 27 PI 34</p><p>CE 27 CE 33</p><p>PR</p><p>30</p><p>PR</p><p>35</p><p>SP</p><p>31</p><p>SP</p><p>36</p><p>SC 30 SC 35</p><p>RS</p><p>32</p><p>RS</p><p>38</p><p>RJ 32 RJ 37</p><p>2010 Idade mediana</p><p>22 anos 38 anos 2022</p><p>Brasil 35Brasil 29</p><p>Figura 6 – Idade mediana da população residente no Brasil,</p><p>por unidades de Federação, em 2010 e 2022</p><p>Fonte: IBGE Educa (2024).</p><p>Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população,</p><p>com alta de 57,4% frente a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população. É</p><p>o que revelam os resultados do universo da população do Brasil desagregada por idade e sexo, do Censo</p><p>Demográfico 2022. Essa segunda apuração do Censo mostra uma população de 203.080.756 habitantes,</p><p>com 18.244 pessoas a mais do que na primeira apuração (Gomes; Britto, 2023).</p><p>TerritórioCrescimento populacional</p><p>População: 203.080.756 pessoas</p><p>250 M</p><p>200 M</p><p>150 M</p><p>100 M</p><p>50 M</p><p>1872 18901900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2022</p><p>Área: 8.51.418 km2</p><p>Densidade demográfica:</p><p>23.86 hab/km2</p><p>Mais de 20 milhões de pessoas</p><p>10 milhões a 20 milhões de pessoas</p><p>5 milhões a 10 milhões de pessoas</p><p>1 milhão a 5 milhões de pessoas</p><p>Menos de 1 milhão de pessoas</p><p>Figura 7 – População brasileira em 2022</p><p>Disponível em: https://rb.gy/lj1koj. Acesso em: 18 jan. 2024.</p><p>76</p><p>Unidade I</p><p>Do total da população residente no país, 51,5% (104.548.325) eram mulheres e 48,5% (98.532.431)</p><p>eram homens, ou seja, havia cerca de 6 milhões de mulheres a mais do que homens em 2022, como</p><p>explica Izabel Marri, gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, em reportagem</p><p>para a Agência IBGE de Notícias (Gomes; Britto, 2023):</p><p>A maior incidência de homens nas primeiras idades é uma consequência</p><p>do maior nascimento de crianças do sexo masculino em relação àquelas do</p><p>sexo feminino. O maior contingente de homens diminui com a idade devido</p><p>à sobremortalidade masculina, mais intensa na juventude devido às mortes</p><p>por causas externas (Gomes; Britto, 2023).</p><p>Observação</p><p>Envelhecimento ativo expressa o processo de otimização das</p><p>oportunidades de saúde, participação e segurança, objetivando melhoria</p><p>na qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas.</p><p>O envelhecimento atinge principalmente a parcela da população que vive de modo muito vulnerável.</p><p>O impacto dessa nova “ordem demográfica” no Brasil, associado a fatores como subdesenvolvimento,</p><p>falta de assistência, condições de saúde e lazer, são aspectos necessários para o bem viver de uma</p><p>população e exigem que os aparatos de atenção e proteção social sejam repensados.</p><p>Cada vez mais as pessoas mais velhas têm sido vistas como contribuintes para o desenvolvimento.</p><p>Assim, as habilidades para melhorar suas vidas e sua sociedade devem ser transformadas em políticas e</p><p>programas em todos os níveis.</p><p>A compreensão da longevidade como conquista da humanidade requer um redirecionamento das</p><p>ações do Estado destinadas ao segmento social da pessoa idosa e a todas as gerações.</p><p>Diante desse quadro, as necessidades da população da pessoa idosa, cujo contingente populacional</p><p>cresce em ritmo bastante acelerado no Brasil, passam a ser compreendidas como uma das expressões da</p><p>questão social contemporânea.</p><p>Isto requer do Estado e governos o redimensionamento da agenda pública</p><p>e dos investimentos, de forma a superar ações pontuais e localizadas, por</p><p>políticas públicas de alcance social, com demarcação orçamentária concreta,</p><p>e diretrizes institucionais nos diversos níveis administrativos que compõem</p><p>a República Federativa (Silva, 2012, p. 206).</p><p>Ficar velho no século XXI não será semelhante a envelhecer no século XX. Por um lado, os direitos</p><p>já adquiridos são questionados diante do processo de transição demográfica, da política neoliberal de</p><p>redução dos direitos sociais e da mudança nas condições de vida da família e da sociedade. Por outro,</p><p>há organizações e mobilização para assegurar direitos e pô-los em prática e uma presença ativa da</p><p>pessoa idosa na família e na sociedade.</p><p>77</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Tal situação denota que o processo de envelhecimento brasileiro vem passando por profundas</p><p>desigualdades sociais, com diferentes formas de envelhecer. Estão presentes nesse processo os aspectos</p><p>culturais, sociais, econômicos e políticos, fatores determinantes de acesso a bens e serviços sociais</p><p>disponibilizados, revelando uma situação de exclusão de grande parte</p><p>da população idosa dos bens</p><p>essenciais à existência humana (Silva, 2016).</p><p>A satisfação das necessidades individuais de homens e mulheres idosas representa um dos grandes</p><p>desafios da agenda pública, pois supõe considerar as especificidades de cada gênero. A conquista da</p><p>longevidade traz um importante dado quanto ao envelhecimento, sobretudo o processo de feminização</p><p>do envelhecimento, uma vez que as mulheres estão em maioria em todas as regiões do mundo</p><p>(Silva, 2016).</p><p>As condições estruturais e econômicas são responsáveis pelas desigualdades entre os sexos,</p><p>implicando situações que alteram as condições de renda, saúde e a própria dinâmica familiar, exigindo</p><p>demandas por políticas públicas e prestação de serviços de proteção social (Berzins, 2003, p. 28). De</p><p>acordo com a autora, viver mais não tem sido necessariamente sinônimo de viver melhor.</p><p>Observação</p><p>Mesmo sendo as mulheres que vivem mais, elas estão mais expostas a</p><p>situações de violências, discriminações, salários inferiores (em comparação</p><p>aos dos homens) e dupla jornada de trabalho, além da solidão.</p><p>Segundo Veras (2003, p. 8),</p><p>as desigualdades sociais não podem ser atribuídas meramente ao sexo,</p><p>mas também à classe social e à raça. As pessoas pertencentes às classes</p><p>sociais menos aquinhoadas e a certos grupos étnicos e raciais, tanto</p><p>mulheres quanto homens, são mais suscetíveis de vivenciar o desemprego,</p><p>subemprego, emprego instável de baixos salários, do que as brancas de</p><p>classes mais abastadas. Em suma, a classe social e a raça são estratificadores</p><p>primários da vida das pessoas, tanto quanto o sexo.</p><p>Todo cidadão tem direito ao envelhecimento, e a proteção desse direito engloba o compartilhamento</p><p>de responsabilidades entre a família, o Estado e a sociedade.</p><p>Lembrete</p><p>Envelhecer com cidadania é regra básica no acesso aos direitos humanos</p><p>como direitos de cidadania, e esta não tem idade.</p><p>78</p><p>Unidade I</p><p>O direito a envelhecer com dignidade é um direito humano básico que se fundamenta na</p><p>compreensão da velhice como uma etapa natural da existência humana, o que requer atenção</p><p>prioritária, cuidados e assistência; embora sejam direitos sociais já reconhecidos, ainda não são</p><p>necessariamente efetivados.</p><p>3.5 Direitos conquistados pelas pessoas idosas a partir da Constituição</p><p>de 1988</p><p>Segundo Silva (2016), a existência de um instrumento legal no Brasil vem confirmar esses direitos</p><p>retratados neste livro-texto. De fato, trata-se de um grande avanço para uma sociedade que se</p><p>desenvolveu sem atentar para a importância de um princípio básico de civilidade, que é valorizar a</p><p>sabedoria dos mais velhos e proteger as suas necessidades. No entanto, apesar do marco legal e suas</p><p>medidas de efetivação, há muito o que percorrer para que tais ações sejam concretizadas.</p><p>A III Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe,</p><p>realizada em 2012, ressalta as obrigações dos Estados com relação ao envelhecimento com dignidade</p><p>e direitos, sobretudo na obrigação de procurar erradicar as múltiplas formas de discriminação</p><p>baseando-se no recorte de gênero. Nesse sentido, recomenda-se:</p><p>a. Prevenir, sancionar e erradicar todas as formas de violência contra as</p><p>mulheres idosas, incluindo a violência sexual;</p><p>b. Promover o reconhecimento do papel que as pessoas idosas desempenham</p><p>no desenvolvimento político, social, econômico e cultural de suas comunidades,</p><p>destacando as mulheres idosas;</p><p>c. Assegurar a incorporação e a participação equitativa de mulheres</p><p>e homens idosos no desenho e na aplicação das políticas, dos programas e</p><p>planos que lhes dizem respeito;</p><p>d. Garantir o acesso equitativo de mulheres e homens idosos na Previdência</p><p>Social e em outras medidas de proteção social, principalmente quando eles</p><p>não gozem dos benefícios da aposentadoria;</p><p>e. Proteger os direitos sucessórios de mulheres viúvas e idosas, em especial</p><p>os direitos de propriedade e de posse (Cepal, 2012, p. 16).</p><p>No Brasil, o sistema de proteção social destinado ao segmento social da pessoa idosa se encontra</p><p>estruturado em termos de mecanismos legais que visam garantir proteção social básica e especial, através</p><p>de políticas de seguridade social, além de outras políticas setoriais que visam assegurar bem-estar aos</p><p>cidadãos que atingem a velhice.</p><p>Os direitos das pessoas idosas já estão estabelecidos no sistema legal e os avanços já alcançados</p><p>em relação à proteção da pessoa idosa são frutos de pressões sociais nacionais e internacionais. Tais</p><p>direitos foram consubstanciados na legislação brasileira, na Constituição Federal (CF), reafirmados na Lei</p><p>Orgânica de Assistência Social (Loas), reforçados na Política Nacional do Pessoa Idosa (PNI) e no Estatuto</p><p>da Pessoa Idosa.</p><p>79</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>No entanto, são grandes os desafios para fazer frente à mudança no perfil demográfico brasileiro,</p><p>que, como em todo o mundo, se depara com um crescimento acelerado no número de pessoas idosas.</p><p>Estudos em diversos países indicam que até o século XIX, quando o trabalhador chegava na velhice,</p><p>era expulso do seu local de trabalho, ou seja, abandonado à própria sorte, pois não possuía um amparo</p><p>devido para prover a sua subsistência em idade mais avançada (Beauvoir apud Ottoni, 2012).</p><p>Em países desenvolvidos, buscou-se a manutenção do papel social e a reinserção das pessoas</p><p>idosas, sendo a questão da renda resolvida por meio de sistemas de seguridade social. Nos países</p><p>em desenvolvimento e no Brasil, várias questões ficaram pendentes, como a pobreza e a exclusão da</p><p>população anciã; somente após muitas décadas, o Brasil começou a tomar medidas para compensar</p><p>a situação de descaso com a população idosa (Beauvoir apud Ottoni, 2012).</p><p>Sobre o início do sistema de proteção brasileiro das pessoas idosas, existem relatos durante o período</p><p>colonial de que o Estado patrimonial português incorporou ao seu projeto de colonização práticas</p><p>assistencialistas através da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que era uma instituição assistencial</p><p>a pessoas idosas, e somente em 1888 (Decreto n. 9.912-A), os trabalhadores dos Correios passaram a</p><p>ter direito à aposentadoria. Para isso, deveriam ter 30 anos de trabalho e, no mínimo, 60 anos de idade</p><p>(Brasil, 1888).</p><p>No século XX, foram iniciadas as políticas previdenciárias estatais para trabalhadores privados. Em</p><p>1919, criou-se o seguro de acidentes do trabalho e, em 1923, a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs),</p><p>a qual foi regulamentada pela Lei Eloy Chaves (Brasil, 1923).</p><p>A legislação buscava disciplinar o direito à pensão e também a possibilidade de organização das</p><p>caixas de socorro para outras categorias de trabalhadores. Assim, a Lei Eloy Chaves obrigou a criação</p><p>de CAPs para determinadas categorias de trabalhadores, não apenas caixas de socorro. Nesse novo</p><p>formato, as CAPs recebiam a contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e do Estado e buscavam</p><p>socorrer os trabalhadores em momentos de dificuldade, como doenças, acidentes ou mesmo pela idade.</p><p>As primeiras CAPs criadas foram a de ferroviários e a de marítimos (Behring; Boschetti, 2010).</p><p>À época, foram garantidas novas conquistas para a classe trabalhadora, como autorização de</p><p>pensões e férias no período, ao menos no que concerne ao aspecto legal. Em 1891, criou-se a lei que</p><p>regulamentava o trabalho infantil e, em 1911, a lei que reduzia a jornada de trabalho para 12 horas</p><p>diárias. Por fim, no ano de 1919, inaugurou-se a lei que regulamentava os acidentes de trabalho cuja</p><p>responsabilidade passou a ser do empregador.</p><p>Observação</p><p>Foi a partir de 1930 que o Estado e também os trabalhadores passaram</p><p>a se interessar pelo sistema previdenciário brasileiro.</p><p>80</p><p>Unidade I</p><p>Vargas desenvolveu um governo de regime ditatorial e assentado no militarismo. Contudo, é a partir</p><p>de seu governo que tivemos as primeiras ações do Estado compreendidas como política social.</p><p>Behring e Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entenderam que esse seria o primeiro estágio da</p><p>política</p><p>social brasileira, compreendido pelas autoras como o período de introdução da política social</p><p>no Brasil. Todavia, essa política social não seria extensiva a todos os que dela necessitavam (como é</p><p>esperado hoje), mas especialmente idealizada para atender a classe trabalhadora brasileira.</p><p>Assim, em 1930, temos a criação do Ministério do Trabalho e, em 1932, da Carteira de Trabalho (CTPS).</p><p>Então, consolidou-se uma série de direitos e proteções para a classe trabalhadora: regulação dos</p><p>acidentes de trabalho; ampliação das aposentadorias e pensões; auxílio-doença; auxílio-maternidade;</p><p>auxílio-família; seguro-desemprego.</p><p>Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e em 1932, a Carteira</p><p>de Trabalho, a qual passa a ser documento da cidadania no Brasil: eram</p><p>portadores de alguns direitos aqueles que dispunham de emprego</p><p>registrado em carteira. Essa é uma das características do desenvolvimento</p><p>do Estado social brasileiro: seu caráter corporativo e fragmentado,</p><p>distante da perspectiva da universalização de inspiração beveridgiana</p><p>(Behring; Boschetti, 2010, p. 106).</p><p>Entretanto, grande parte da população brasileira não trabalhadora ou sem registro em carteira</p><p>permanecia à margem do acesso aos direitos.</p><p>Cabe destacar que a partir da Era Vargas, houve uma ampliação significativa das CAPs, o que</p><p>motivou a consolidação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões Sociais (IAPs). Por meio das CAPs,</p><p>o empregado contribuía com uma parcela mensal do seu salário enquanto estava na ativa, como</p><p>acontece na aposentadoria privada.</p><p>Os IAPs eram a congregação de várias CAPs de acordo com a categoria de trabalhadores. O primeiro</p><p>IAP criado foi o dos marítimos, em 1933. Esses institutos não estavam restritos a prestar cuidado</p><p>aos segmentos de trabalhadores desvalidos por meio da concessão de pensões sociais, mas também</p><p>prestando cuidados à saúde e empréstimos para a classe trabalhadora alcançar a casa própria.</p><p>O Estado não possuía uma política social de saúde, logo, tinha acesso à saúde apenas quem contribuía</p><p>com algum instituto. O Estado apenas organizava campanhas sanitárias para conter endemias e epidemias,</p><p>portanto, atuava de forma pontual e residual. Quem tinha necessidade de atendimento médico e não</p><p>estava vinculado a nenhum instituto deveria procurar as Santas Casas, instituições mantidas pela Igreja</p><p>Católica que prestavam atenção a doentes e pessoas em situação de rua.</p><p>Em 1930, o país já possuía uma política de bem-estar social, com previdência, educação, saúde</p><p>e habitação. Nesse ano, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as Caixas foram</p><p>substituídas pelos Institutos de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas);</p><p>nestes, estados e sindicatos detinham maior autonomia na gestão de recursos (Simões apud Ottoni, 2012).</p><p>81</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>No ano de 1934, foi instituída uma constituição cujo art. 121 se referia à categoria idosa, “[...]</p><p>instituição de previdência, mediante atribuição igual da União, do empregador e do empregado,</p><p>a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos campos de acidente de trabalho ou por morte”,</p><p>e assegurava alguns direitos para esta categoria (Brasil, 1934).</p><p>Na Constituição de 1934, encontramos a expressão dessa pactuação social no que se refere à velhice</p><p>e à infância como uma situação que merecia favor, com apoio das instituições de caridade para a</p><p>pessoa idosa e entidades de filantropia. No entanto, os direitos das pessoas idosas só foram claramente</p><p>mencionados quando houve inserção produtiva da pessoa no trabalho industrial.</p><p>Os direitos da pessoa idosa foram inscritos na Constituição de 1934 (Brasil, 1934, art. 121, item h)</p><p>como direitos trabalhistas, na implementação da Previdência Social “a favor da velhice”, com contribuição</p><p>tripartite do empregador, do empregado e da União, numa clara referência à transição industrial. Ao se</p><p>tornar improdutivo, o sujeito era considerado velho a partir do pressuposto de sua exclusão da esfera</p><p>do trabalho, como operário.</p><p>Naquela época, o trabalhador rural não tinha direitos trabalhistas, pois ficava na esfera do “aluguel</p><p>de mão de obra”, sob a tutela da oligarquia rural (Faleiros, 2008). Reafirma-se na Constituição de 1937</p><p>(art. 137) o seguro de velhice para o trabalhador, na lógica do seguro pré-pago, mas garantido pelo Estado.</p><p>Na Constituição de 1934, o amparo aos desvalidos previa serviços especializados e “animação de</p><p>serviços sociais” (Brasil, 1934, art. 138), dentro da visão eugênica e higienista, de socorro às famílias de</p><p>prole numerosa e no combate “aos venenos sociais”.</p><p>Em ambas as Constituições, pode-se invocar a proteção do Estado para a subsistência e educação</p><p>de sua prole numerosa, mas a de 1937 assinalou que esse recurso cabia aos “pais miseráveis”</p><p>(Brasil, 1937, art. 127).</p><p>A Constituição de 1946 não incorporou o conceito de seguridade social, e os trabalhadores rurais</p><p>permaneceram excluídos e com continuidade do modelo filantrópico. No art. 157, a Constituição de</p><p>1946 (Brasil, 1946) dispõe sobre a formulação de previdência “contra as consequências da velhice”,</p><p>ampliando a ideia de um seguro social somente para trabalhadores industriais.</p><p>Em 1960 foi promulgada a Lei n. 3.807, a chamada Lei Orgânica da Previdência Social, que previa</p><p>35 anos de contribuição para obter a aposentadoria integral aos 55 anos de idade (Brasil, 1960). Grandes</p><p>pressões sindicais conseguiram a aposentadoria por tempo de serviço em 1962, sem limite de idade.</p><p>Já durante o período de redemocratização, entre 1946 e 1964, foi definido o perfil das políticas</p><p>públicas de assistência social para as pessoas idosas (Escobar, 2010). Depois do golpe militar de 1964,</p><p>a política econômica favoreceu o tripé (Estado, multinacionais e burguesia nacional), com forte</p><p>participação do Estado na economia, mas com repressão aos movimentos sociais e sindicais e arrocho</p><p>salarial, conforme relata Faleiros (1995).</p><p>82</p><p>Unidade I</p><p>Com a publicação do Livro branco da previdência social, o governo criticou a pluralidade dos</p><p>institutos e forçou a unificação da Previdência Social, já prevista na Lei Orgânica. Assim, a Constituição</p><p>de 1967 já falava de previdência social “nos casos de velhice” (Brasil, 1960, art. 158).</p><p>Nessas Constituições (de 1934 e 1946), contemplou-se a assistência à maternidade, à infância e à</p><p>adolescência. É no bojo do sistema previdenciário que ficou garantida a assistência à saúde, a alguns</p><p>benefícios pecuniários e a pensões, que são regulamentados por lei, mas dentro da esfera contributiva.</p><p>Para os não contribuintes, prevaleceu o modelo filantrópico, no qual era exigido o atestado de pobreza</p><p>para ser atendido.</p><p>Nesse contexto, destaca-se o Sesc, uma entidade patronal, financiada pelos trabalhadores e</p><p>consumidores, com atividades iniciadas em 1963, através de centros de convivência abertos as pessoas</p><p>idosas, fora do âmbito filantrópico, religioso ou estatal. Essa atividade com pessoa idosa representou, no</p><p>entanto, um espaço de consideração da velhice como um momento da vida, como uma esfera especial,</p><p>embora destinada a trabalhadores e seus dependentes, e não à população em geral (Faleiros, 1995).</p><p>Nesse mesmo período, vários grupos e movimentos suscitavam o estabelecimento de atenções</p><p>diferenciadas ao segmento da pessoa idosa, como era o caso do grupo de convivência do Sesc</p><p>na década de 1960. Assim, destacaram-se duas iniciativas de impacto no desenvolvimento das</p><p>políticas brasileiras para a população idosa.</p><p>A primeira foi a criação da SBGG, em 1961. Um de seus objetivos era estimular iniciativas e</p><p>obras sociais de amparo à velhice e cooperar com outras organizações interessadas em atividades</p><p>educacionais, assistenciais e de pesquisas relacionadas com geriatria e gerontologia.</p><p>A segunda teve início em 1963, por iniciativa do Sesc, dada a sua preocupação com o desamparo</p><p>e a solidão entre as pessoas idosas. Consistiu de um trabalho com um pequeno grupo de comerciários</p><p>na cidade</p><p>de São Paulo. A ação do Sesc revolucionou o trabalho de assistência social à pessoa idosa,</p><p>sendo decisiva na deflagração de uma política dirigida a esse segmento.</p><p>Lembrete</p><p>A velhice passou de questão filantrópica e privada para pública, quando</p><p>a inclusão de direitos é feita por meio da incorporação do direito do</p><p>trabalhador, e não do direito da pessoa de envelhecer.</p><p>Em 1966, ocorreu a unificação do regime previdenciário por meio da congregação dos IAPs, com</p><p>a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Desde então, os trabalhadores perderam</p><p>totalmente a capacidade de gestão de sua aposentadoria, o que passou a ser controlado pelo Estado.</p><p>Em 1967, o INPS assumiu também as intervenções necessárias para os casos de trabalhadores que se</p><p>envolviam em acidentes de trabalho. No mesmo ano foi ampliada a possibilidade de aposentadoria</p><p>para os trabalhadores rurais, com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).</p><p>83</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Este, no entanto, exigia dos trabalhadores apenas algumas taxas provenientes do preço do que cada um</p><p>comercializava (Behring; Boschetti, 2010; Couto et al., 2010).</p><p>Nos anos 1970, em plena ditadura, a Lei n. 6.119 instituiu a Renda Mensal Vitalícia, que fixava o</p><p>valor de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído, ao menos um</p><p>ano, para a Previdência. Acentua-se que havia críticas ao sistema, guerrilha e perda de legitimidade do</p><p>modelo autoritário.</p><p>O período da ditadura militar foi uma época de expansão do Estado na área social; o governo</p><p>procurava ter apoio social da população, por isso adotou certas medidas sociais nas áreas de saúde,</p><p>educação, habitação e também conferiu nova configuração às tradicionais políticas de segurança,</p><p>justiça e promoção humanas.</p><p>Saiba mais</p><p>Para saber mais sobre o período estudado, são indicados os</p><p>seguintes filmes:</p><p>O APITO da panela de pressão. Direção: Sérgio Tufik. Brasil: DCE Livre da</p><p>USP; DCE Livre da PUC, 1977. 26 min.</p><p>GETÚLIO Vargas. Direção: Nei Sroulevich. Brasil: Zoom Cinematográfica,</p><p>1974. 76 min.</p><p>JANGO. Direção: Silvio Tendler. Brasil: Caliban Produções</p><p>Cinematográficas; Embrafilme, 1984. 117 min.</p><p>Na mesma década, por meio da Portaria n. 82, foi assinada pelo Ministério do Trabalho e da</p><p>Previdência Social a primeira medida de assistência às pessoas idosas, sendo restrita aos beneficiários</p><p>do sistema previdenciário.</p><p>A velhice despossuída, dependente historicamente da ação caritativa dos indivíduos, das Santas</p><p>Casas de Misericórdia, foi contemplada, alguns meses após, com a renda mensal vitalícia pela Lei</p><p>n. 6.179/1974. No mesmo ano, houve a separação da Previdência do Trabalho pelo Estado, criando-se</p><p>o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) – Lei n. 6062/74 (Haddad apud Escobar, 2010).</p><p>Portanto, foi no início da década de 1970 que começou a surgir um número significativo de pessoas</p><p>idosas em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o</p><p>que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social da pessoa idosa.</p><p>Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência Social, composto pela Legião Brasileira de Assistência</p><p>Social, pela Funabem e pela Central de Medicamentos. Esse Ministério também incorporou a Empresa de</p><p>84</p><p>Unidade I</p><p>Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Essa estrutura foi transmutada e, em 1977,</p><p>foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas). Assim, houve a agregação de</p><p>ações relacionadas à saúde, à previdência social e à assistência social por meio do Sinpas e dos serviços</p><p>prestados na área de abrangência desse sistema.</p><p>Nessa associação entre previdência, assistência e saúde, impôs-se uma forte</p><p>medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e</p><p>especializado, em detrimento da saúde pública, em estreita relação com o</p><p>incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares,</p><p>orientados pela lucratividade (Behring; Boschetti, 2010, p. 137).</p><p>Não havia ações definidas e específicas, mas sim uma série de ações combinadas e organizadas por</p><p>meio do Sinpas.</p><p>O INPS, em 1974, uma das primeiras iniciativas do governo federal na prestação de assistência à</p><p>pessoa idosa, consistiu em ações preventivas realizadas em centros sociais do INPS e da sociedade civil,</p><p>bem como de internação custodial dos aposentados e pensionistas do INPS. No fim dos anos 1970, as</p><p>pessoas idosas começaram a se organizar em associações, chamando a atenção de outras instâncias,</p><p>como foi o caso do Ministério da Saúde.</p><p>O primeiro programa de assistência a pessoa idosa surgiu em 1975 por iniciativa do INPS. Intitulado</p><p>PAPI (Programa de Assistência à Pessoa Idosa), visava à organização e formação de “grupos de</p><p>convivência” para pessoas idosas vinculadas ao sistema previdenciário. Esses encontros aconteciam nos</p><p>postos de serviços do INPS e se desenvolveram por todo o Brasil nos dois anos seguintes.</p><p>A partir da reforma da Previdência Social em 1977 e da criação do Sinpas, a questão da assistência à</p><p>pessoa idosa no Brasil passou a ser de responsabilidade da LBA, que atuava em dois níveis: direto e indireto.</p><p>O direto era executado pela equipe técnica da LBA, contando com 2 mil unidades de atendimento em</p><p>todo o território brasileiro. Nesses locais, eram distribuídos alimentos e havia a concessão de próteses,</p><p>órteses, materiais e documentos. Já no nível indireto, realizavam-se convênios com as instituições</p><p>que abrigavam pessoas idosas, pagando um valor per capita por certa quantidade de vagas para essas</p><p>pessoas idosas.</p><p>Em 1979, a Portaria n. 82/1974 foi revogada pela Portaria n. 25, de 9 de novembro de 1979, quando,</p><p>então, as pessoas idosas não previdenciárias passaram também a contar com a assistência social.</p><p>Na década de 1980, foram criadas várias associações e federações de aposentados e pensionistas,</p><p>as quais ganharam grande visibilidade, despertando em aposentados e pensionistas a consciência de</p><p>seus direitos.</p><p>Em 1982, surgiram as primeiras universidades da terceira idade. Durante a década, houve a expansão</p><p>dos grupos de convivência articulados a várias organizações, mas somente em 1990, no contexto</p><p>democrático, foi organizada a Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap), que se lançou na luta</p><p>pelos valores das aposentadorias, pelos direitos sociais e pela cidadania da pessoa idosa (Rodrigues, 2006).</p><p>85</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Observação</p><p>A crise da ditadura, causada pela pressão da Igreja, de movimentos</p><p>sociais, intelectuais e empresários que se viam engessados, expressou um</p><p>processo de “abertura lenta, gradual e segura” para mudanças estruturais.</p><p>Até meados da década de 1980, as políticas do governo federal para a população idosa consistiam</p><p>apenas no provimento de renda e serviços médicos especializados, predominando a visão de</p><p>vulnerabilidade e dependência desse segmento da população. Quanto à questão do cuidado com</p><p>a pessoa idosa frágil, os esforços eram no sentido de enfatizar que o cuidado deveria ser feito pela</p><p>família. Mudanças paulatinas na visão da pessoa idosa como um indivíduo frágil ocorreram ao longo</p><p>dos anos 1980, por influência de um debate internacional.</p><p>O Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento (1982) trouxe mudanças expressivas, e o</p><p>Brasil passou a incorporar esse tema de forma mais assertiva em sua agenda política. O momento</p><p>coincidiu com o período de redemocratização do país, o que possibilitou um amplo debate por ocasião</p><p>do processo constituinte, resultando na incorporação do tema no capítulo referente às questões</p><p>sociais do texto constitucional de 1988.</p><p>Observação</p><p>O Plano (1982) versa sobre saúde e nutrição; proteção de consumidores</p><p>de pessoas idosas; habitação e meio ambiente; família, bem-estar</p><p>social; segurança de renda; emprego; educação; e coleta e análise de</p><p>dados de pesquisa.</p><p>Ainda em 1982, foi realizada a I Assembleia Mundial sobre</p><p>o Envelhecimento, organizada pela ONU,</p><p>a qual ocorreu em Viena, marcando um importante momento de atenção à pessoa idosa, pois nesse</p><p>encontro foram traçadas as diretrizes acerca do Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, sendo</p><p>o teor do texto publicado em 1983, na cidade de Nova Iorque.</p><p>A partir da década de 1980, as políticas destinadas à população idosa no Brasil se centraram na</p><p>garantia de renda e de assistência social para as pessoas em risco social.</p><p>O grande avanço em políticas de proteção social às pessoas idosas brasileiras ocorreu apenas com</p><p>a CF. Assim, introduziu-se o conceito de seguridade social e foi criada uma rede de proteção social,</p><p>que deixaria de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social-trabalhista e assistencialista,</p><p>passando a adquirir uma conotação de direito de cidadania.</p><p>86</p><p>Unidade I</p><p>A CF instaurou um percurso de mudanças e avanços ao tratar de todos os segmentos sociais.</p><p>Estabeleceu-se uma gama de direitos sociais, os quais dizem respeito à proibição de diferenças de</p><p>salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.</p><p>A CF pondera sobre a proteção jurídica à pessoa idosa, a qual impõe à família, à sociedade e ao</p><p>Estado o dever de amparar as pessoas idosas. Também fixou a denominação de seguridade social, um</p><p>conceito amplo de proteção social, compreendendo “um conjunto integrado de iniciativas dos poderes</p><p>públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência</p><p>social” (Brasil, 1988, art. 194).</p><p>Observação</p><p>Nas Constituições anteriores, as pessoas idosas só foram reconhecidas</p><p>como trabalhadores fora do mercado ou desvalidos.</p><p>No capítulo da “Seguridade Social”, são tratadas questões específicas a respeito da “maior idade”, o</p><p>que constitucionalmente favoreceu e incentivou a elaboração de legislação complementar a respeito de</p><p>pessoa idosa e melhorias em sua condição de vida (Brasil, 1988).</p><p>Os direitos da pessoa idosa estão presentes nos vários capítulos da CF, considerando a mudança de</p><p>paradigma da pessoa idosa assistido para o ativo, da pessoa idosa improdutiva, excluída do mercado</p><p>de trabalho, para o sujeito de direitos como pessoa. Antes, os cuidados com as pessoas idosas eram</p><p>exclusivamente voltados para a família; depois, a pessoa idosa passou a ser protegida pelo Estado e</p><p>pela sociedade, e a pessoa idosa marginalizada passou a ser a pessoa participante. Esses direitos se</p><p>fazem presentes nos capítulos da assistência, da família, do trabalho e da previdência, considerando</p><p>tanto a cobertura de necessidades (de forma não contributiva) como em decorrência da contribuição e</p><p>do trabalho.</p><p>A Constituição Federal de 1988 não se limitou apenas a apresentar</p><p>disposições genéricas nas quais pudessem ser incluídos os idosos. Mas,</p><p>ao se observar o artigo 229, que estabelece aos filhos maiores o dever</p><p>de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, bem</p><p>como o artigo 230, que estipula que a família, a sociedade e o Estado têm</p><p>o dever de amparar as pessoas idosas. Assegurando sua participação na</p><p>comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes</p><p>o direito à vida, surpreende o enorme avanço na área de proteção aos</p><p>direitos dos idosos, dado pelo constituinte de 1988 ao contemplar os</p><p>idosos, garantindo assim a sua cidadania (Cielo; Vaz, 2009, p. 34).</p><p>O direito à vida não engloba apenas a longevidade, mas envelhecer com dignidade, respeito, proteção</p><p>e assistência social.</p><p>87</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>No que se refere ao direito à liberdade, ele deve ser propiciado à pessoa idosa por meio de</p><p>providências reais por parte do Estado e da sociedade, principalmente a independência familiar</p><p>e social, através de prestações previdenciárias e assistenciais eficazes.</p><p>O direito à igualdade deve ser garantido às pessoas idosas nas mesmas condições de outras pessoas.</p><p>Quanto ao direito à cidadania, sua importância está em permitir à pessoa idosa a capacidade de analisar</p><p>e compreender a realidade política e social, criticar e atuar sobre ela.</p><p>A pessoa idosa deve ser contemplada com todas as demais garantias constitucionais, em especial</p><p>aquele que não tem condições econômicas para se manter, (Brasil, 1988, art. 201). A legislação isenta</p><p>as pessoas idosas do imposto sobre a renda recebida, garante a ele o direito ao seguro social, ou</p><p>aposentadoria, de acordo idade, sexo e tipo de trabalho que exerce (urbano rural).</p><p>Observação</p><p>Os direitos da pessoa idosa representam uma questão política.</p><p>O impacto do envelhecimento está fazendo com que haja um incentivo ao requerimento da</p><p>aposentaria numa idade mais avançada, o que está explícito no caput do art. 201. Cada vez mais os</p><p>governos estão considerando não o conceito de improdutividade, mas o de idade avançada, ou seja, a</p><p>maior longevidade.</p><p>A CF assegura ainda a prestação de assistência social às pessoas idosas, art. 203, V, e art. 204. Garante</p><p>ainda um salário mínimo mensal à pessoa idosa que comprove não possuir meios de prover a própria</p><p>manutenção ou por sua família. O benefício é concedido e pago pelo INSS, é pessoal, intransferível, não</p><p>podendo ser acumulado a qualquer outro benefício concedido pela Previdência Social. Inicialmente, o</p><p>benefício era vitalício, mas com a entrada em vigor da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social – 1993),</p><p>o direito a ele termina se a família adquire condições de cuidar do assistido ou se ele próprio passa a ser</p><p>capaz de prover o seu sustento. Por essa razão, tal benefício deve ser revisto a cada dois anos, podendo</p><p>ser suspenso.</p><p>A pessoa idosa abrigada em asilo, mesmo sem qualquer custo para ela, tem direito ao benefício de</p><p>prestação continuada, e os dirigentes de tais instituições podem atuar como procuradores com o INSS.</p><p>A CF trouxe o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteção social alterasse o seu</p><p>enfoque estritamente assistencialista, passando a ter uma conotação ampliada de cidadania.</p><p>A CF prevê que a assistência social deve ser descentralizada e participativa, com coordenação</p><p>e normas gerais de competência da esfera federal, mas com “a coordenação e a execução dos</p><p>respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a doze entidades beneficentes e de</p><p>assistência social”. Está clara a “participação da população por meio de organizações representativas,</p><p>na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”, ou seja, as pessoas idosas</p><p>também são protagonistas da política de assistência. São sujeitos políticos, portanto, cidadãos</p><p>politicamente ativos (Brasil, 1988, art. 204).</p><p>88</p><p>Unidade I</p><p>Por falta de recursos financeiros, impedindo a contratação de cuidadores especializados para atender</p><p>no ambiente familiar, os cuidados da pessoa idosa geralmente são realizados por um membro da família;</p><p>em sua grande maioria, uma mulher que reside no mesmo domicílio ou próximo do domicílio das</p><p>pessoas idosas é quem fica responsável por essa tarefa (Kuchemann, 2012).</p><p>No Brasil, é possível identificar vários marcos legais que transformaram o cenário sobre a questão do</p><p>envelhecimento: a CF e a PNI (1994). Na década de 1990, no âmbito do governo federal, instituíram-se</p><p>programas de benefícios que foram ampliados significativamente pelo Programa Bolsa-Família,</p><p>expandido em 2004, com uma cobertura social que atende, com pelo menos um benefício, oito de cada</p><p>dez pessoas idosas no Brasil.</p><p>Após a CF, criaram-se várias políticas e programas nacionais de saúde e direito das pessoas idosas,</p><p>além de políticas e programas internacionais, conforme destacado a seguir.</p><p>•	 Política Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994). Segundo seu art. 1º, é</p><p>preciso “[...] assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia,</p><p>integração e participação efetiva na sociedade“ (Brasil, 1994).</p><p>•	 Programa Nacional de Cuidadores das Pessoas Idosas (Portaria Interministerial</p><p>MPAS/MS</p><p>n. 5.153, de 7 de abril de 1999). Cria alternativas que proporcionem às pessoas idosas melhor</p><p>qualidade de vida.</p><p>•	 Advertências e recomendações sobre usos de medicamentos (Lei n. 8.926, de 9 de agosto de 1994).</p><p>Esta torna obrigatória a inclusão, nas bulas de medicamento, de advertências e recomendações</p><p>sobre seu uso por pessoas com mais de 65 anos.</p><p>•	 Acompanhante hospitalar de pacientes (Portaria MS/GM n. 280, de 8 de abril de 1999). Torna</p><p>obrigatória em todos os hospitais a presença do acompanhante de pacientes maiores de 60 anos,</p><p>quando internados.</p><p>•	 Normas de funcionamento de serviços de atenção à pessoa idosa no Brasil (Portaria MPAS/Seas</p><p>n. 73, de 10 de maio 2001). Estabelece normas de funcionamento de serviços de atenção à pessoa</p><p>idosa no Brasil.</p><p>•	 Normas para cadastramento de centros de referência em assistência à saúde da pessoa idosa</p><p>(Portaria MS/SAS n. 249, de 16 de abril de 2002). Aprova normas referentes ao cadastramento de</p><p>centros de referência em assistência à saúde da pessoa idosa.</p><p>•	 Redes estaduais de assistência à saúde da pessoa idosa (Portaria MS/GM n. 702, de 16 de abril de</p><p>2002). Cria mecanismos para organização e implantação de redes estaduais de assistência à saúde</p><p>da pessoa idosa.</p><p>89</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>•	 Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento da osteoporose (Portaria MS/SAS</p><p>n. 470, de 24 de julho de 2002). Contém o conceito geral da doença e esquemas terapêuticos</p><p>preconizados para o tratamento da osteoporose.</p><p>•	 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento (ONU, 2002). Criado com o objetivo de</p><p>garantir que, em todas as partes, a população possa envelhecer com segurança e dignidade.</p><p>•	 Programa de Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer (Portaria MS/GM n. 703, de 16 de</p><p>abril de 2002). Determina que o tratamento da doença de Alzheimer deve ser realizado conforme</p><p>o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas publicados pela Secretaria de Assistência à Saúde.</p><p>•	 Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003). Além de assegurar os direitos à</p><p>população idosa, garantindo prioridades e proporcionando seu bem-estar, determina penas para</p><p>crimes realizados contra as pessoas idosas.</p><p>•	 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (Decreto n. 5.109, de 17 de junho de 2004). Dispõe</p><p>sobre a composição, a estruturação, as competências e o funcionamento desse conselho (CNDI).</p><p>•	 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004). Estipula princípios e diretrizes</p><p>para promover a atenção à saúde da mulher na terceira idade.</p><p>•	 Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa. Criado pela Subsecretaria</p><p>de Direitos Humanos (2005), fixa ações de prevenção e enfrentamento da violência contra a</p><p>pessoa idosa.</p><p>•	 Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria n. 2.528/2006). Objetiva recuperar, manter</p><p>e promover a autonomia e a independência da pessoa idosa, direcionando medidas coletivas e</p><p>individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS.</p><p>•	 Pacto pela Saúde 2006 (Portaria MS/GM n. 399, de 23 de fevereiro de 2006). Nesse documento,</p><p>a saúde da pessoa idosa aparece como uma das seis prioridades pactuadas entre as três esferas</p><p>de governo.</p><p>•	 Política Nacional de Atenção Básica – PNAB (Portaria MS/GM n. 648, de 29 de março de 2006).</p><p>Dispõe a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa</p><p>de Saúde da Família. A saúde da pessoa idosa é uma das áreas definidas como estratégicas para a</p><p>operacionalização da Atenção Básica no que se refere à atuação em todo o território nacional.</p><p>•	 Dia Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 11.433, de 28 de dezembro de 2006). Institui o dia 1º de</p><p>outubro como o Dia Nacional da Pessoa Idosa.</p><p>•	 Benefício de Prestação Continuada – BPC (Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007).</p><p>Regulamenta o BPC da assistência social devido à pessoa idosa.</p><p>90</p><p>Unidade I</p><p>•	 Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (Portaria MS/SAS</p><p>n. 221, de 18 de abril de 2008). Na lista, constam doenças comuns em pessoas idosas, tais como</p><p>pneumonia, hipertensão e diabetes.</p><p>•	 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Portaria MS/GM n. 1944, de 28 de</p><p>agosto de 2009). Está alinhada com a Política Nacional de Atenção Básica e com as estratégias</p><p>de  humanização em saúde.</p><p>•	 Plano de Ação sobre a Saúde das Pessoas Idosas, incluindo o envelhecimento ativo e saudável,</p><p>promovido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Washington, 2009. Nesse plano,</p><p>abordam-se as necessidades de saúde cada vez maiores da população, que está envelhecendo</p><p>rapidamente na América Latina e no Caribe.</p><p>•	 Fundo Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 12.213, de 20 de janeiro de 2010). Institui o financiamento</p><p>de programas e as ações relativas à pessoa idosa.</p><p>•	 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a Doença de Parkinson (Portaria MS/SAS n. 228,</p><p>de 11 de maio de 2010). O protocolo contém o conceito geral da doença e os critérios de</p><p>inclusão/exclusão de pacientes no tratamento.</p><p>•	 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Doença de Alzheimer (Portaria</p><p>MS/SAS n. 491, de 24 de setembro de 2010). Traz o conceito geral da doença de Alzheimer, os</p><p>critérios de diagnóstico, os critérios de inclusão e de exclusão.</p><p>•	 Programa Nacional de Imunizações (Portaria n. 3.318, de 28 de outubro de 2010). Institui, em</p><p>todo o território nacional, os calendários de vacinação da criança, do adolescente, do adulto e da</p><p>pessoa idosa.</p><p>A CF e suas revisões posteriores representam um pacto de direitos para os idosos. Por um lado, há</p><p>pressão do neoliberalismo e da longevidade, por outro, ascensão dos movimentos sociais, da aliança</p><p>de vários setores do Estado com esses movimentos e das representações de um envelhecimento ativo,</p><p>digno e participativo.</p><p>O Brasil está vivenciando uma transição para o reconhecimento, no contexto democrático, dos</p><p>direitos da pessoa idosa enquanto sujeito de direitos à cobertura das necessidades, à dignidade, à</p><p>velhice, à proteção e ao protagonismo (Faleiros, 2008). A CF foi consolidada, rompendo-se com uma</p><p>representação de velhice sem produção e incapaz, com um dispositivo filantrópico para as pessoas idosas.</p><p>Lembrete</p><p>A CF 1988 assegurou e regulamentou os direitos da pessoa idosa por</p><p>meio da Loas (Brasil, 1993).</p><p>91</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>É preciso destacar que a CF evidenciou a cobertura das necessidades por meio da proteção social,</p><p>exposta pela seguridade social. A seguridade, na própria legislação, está definida como direito à</p><p>assistência, à previdência e à saúde, com ações dos poderes públicos e da sociedade, que devem</p><p>conformar um conjunto integrado (Brasil, 1988, art. 194).</p><p>A proteção social, no âmbito da assistência social, implica a garantia de renda e de serviços</p><p>especializados, conforme a Loas (2003) e a PNAS (2004).</p><p>De acordo com a Loas, em seu art. 2º, a assistência social tem entre seus objetivos a proteção</p><p>“à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (inciso I) e “a garantia de um salário</p><p>mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e à pessoa idosa que comprovem</p><p>não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” (Brasil, 2017).</p><p>Entre os benefícios mais importantes proporcionados pela CF, destaca-se o BPC, regulamentado</p><p>em seu art. 20, que consiste no repasse de um salário mínimo mensal dirigido às pessoas idosas e às</p><p>portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central</p><p>de elegibilidade a incapacidade para o trabalho com o objetivo da universalização dos benefícios, a</p><p>inclusão social (Gomes, 2011).</p><p>A proteção se efetiva pela garantia de renda às pessoas idosas mais pobres. No entanto, o</p><p>conceito de proteção envolve não somente a renda, como serviços,</p><p>civilizações de maneira geral compreendiam a infância como propriedade do pai, a</p><p>criança era objeto, serva exclusiva da vontade dele.</p><p>Na Grécia antiga, era explícito o tratamento de inferioridade aplicado às crianças. “Aristóteles</p><p>descreveu a criança como um ser irracional, portador de uma avidez próxima da loucura, com capacidade</p><p>natural para adquirir razão do pai ou do educador” (Lima, 2001, p. 11-12).</p><p>No sistema social grego, apenas os meninos poderiam alcançar o título de cidadão. As mulheres,</p><p>independentemente da idade, deveriam, sob o comando do chefe da família, ocupar-se apenas das</p><p>atividades domésticas, do culto ao lar.</p><p>Em razão das guerras e conquistas militares que marcaram a civilização grega, os meninos,</p><p>quando atingiam a puberdade, eram separados de suas famílias para ingressar em um rígido sistema</p><p>de educação. Eram-lhes ministradas atividades que cultuavam o corpo e a mente, quase sempre com</p><p>intenções militares. Os jovens tinham uma relação de submissão ao seu mestre (este, um cidadão</p><p>grego, muito mais velho), com quem mantinham relações íntimas.</p><p>No Império Romano, o pátrio poder era absoluto. O filho não emancipado poderia, pela simples</p><p>vontade de seu pai, ser vendido, ou mesmo morto, uma vez que era sua propriedade.</p><p>Na Idade Média, o modo de produção era o feudalismo, no qual a família era, igualmente,</p><p>comandada pelo pai, o chefe da família. Observou-se, num primeiro momento, que a figura da criança e</p><p>do adolescente não estava presente na estrutura social medieval, ou seja, não havia distinção clara das</p><p>peculiaridades da criança e do adulto, reservando-lhes a posição de “adultos em miniatura”. Não havia</p><p>sentimento quanto à infância, ou seja, as crianças não eram consideradas.</p><p>O destino das crianças estava traçado de acordo com a sua casta social. Aos filhos dos servos, era</p><p>certa a função de dar continuidade dos serviços dos pais em atendimento aos mesmos senhores feudais.</p><p>Os filhos dos senhores, por sua vez, deveriam passar por um austero sistema religioso e educacional,</p><p>para, em seguida, concretizarem o casamento comercializado pelos pais. Os jovens que não observassem</p><p>os costumes eram recriminados socialmente e tidos como cristãos infiéis.</p><p>A Idade Moderna ficou marcada pelo fim do sistema feudal e o início do mercantilismo. As mudanças</p><p>sociais desse período permitiram maior espaço para a infância na sociedade.</p><p>Enquanto durante toda a Idade Média apenas o filho primogênito herdava nomes e títulos, carregando</p><p>sozinho a responsabilidade de perpetuação da família, e as filhas eram destinadas aos conventos ou ao</p><p>casamento; ao longo da Idade Moderna, a situação dos demais filhos foi, aos poucos, sendo equilibrada.</p><p>Nessa sociedade a educação tornou-se um dos pontos importantes na vida da criança, pois ela</p><p>prorroga a duração da infância. Todavia, até o século XVII, a escolarização foi monopólio do sexo</p><p>11</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>masculino. Às meninas eram destinados os ensinamentos domésticos, e até mesmo aquelas de famílias</p><p>nobres eram semianalfabetas (Aries, 1981, p. 189-190).</p><p>Assim, o destino das meninas era o casamento, e a infância feminina era mais curta em relação</p><p>à masculina.</p><p>A Idade Moderna se iniciou com a Tomada da Bastilha (1789) e está presente até hoje. A partir dessa</p><p>época, a criança e o adolescente ficaram em destaque na sociedade, ocupando, de um lado, a posição</p><p>de mão de obra barata e, de outro, o de impulsionadores da economia, na medida em que compreendem</p><p>importante público de consumo.</p><p>O sistema educacional obtém notoriedade dentro da sociedade contemporânea, porém no início a</p><p>escola se assemelhava a um centro de correção de caráter.</p><p>A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma</p><p>infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX</p><p>resultou no enclausuramento total no internato. A solicitude da família, da Igreja, dos moralistas</p><p>e dos administradores privou a criança da liberdade que ela gozava entre os adultos. Infligiu-lhe o</p><p>chicote, a prisão, em suma, as correções reservadas aos condenados das condições mais baixas</p><p>(Aries, 1981, p. 277-278).</p><p>A divisão e a organização do trabalho, típicas do sistema capitalista, implicaram novas atribuições a</p><p>crianças e adolescentes, tornando-os fontes de exploração e consumo.</p><p>A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra após a segunda metade do século XVIII, teve como</p><p>grande reflexo social a exploração do trabalho operário, em especial o trabalho infantil. Crianças muito</p><p>novas eram submetidas a extensas jornadas de trabalho, mais de quinze horas diárias, sendo expostas a</p><p>inúmeros acidentes.</p><p>1.2 A infância no Renascimento – séculos XIV‑XVI</p><p>No Renascimento (meados do século XIV e fim do século XVI), não havia o conceito específico de</p><p>infância, ela era considerada um período de transição sem importância, não havia instituições escolares</p><p>e os educadores ministravam aulas em lugares públicos, igrejas, mercados, praças etc. para grupos de</p><p>estudantes que não se dividiam por idade.</p><p>No decorrer do século XVII, a escolarização foi iniciada devido ao surgimento da escola, o processo</p><p>era caracterizado em turma ou série, as crianças foram separadas dos adultos e enclausuradas em</p><p>espaços chamados de quarentena. Entretanto o conceito de infância ainda não era claro, somente no</p><p>final do século começou a mudar em decorrência da Igreja, da família no processo de escolarização, das</p><p>descobertas sobre as práticas de higiene e de vacinação, que aumentaram a expectativa de vida.</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>A evolução na percepção da criança foi adquirindo sentido devido à preocupação relativa à saúde</p><p>física e à higiene, reduzindo a mortalidade infantil. Com isso, ela se torna destaque e é reconhecida</p><p>merecedora de orientação e educação.</p><p>1.3 A infância no período de colonização pelos portugueses</p><p>Segundo Melo (2020), oficialmente, a história do Brasil começa com o seu “descobrimento” em 1500,</p><p>apenas 30 anos depois se iniciaria o processo de colonização pelos portugueses, no qual um número</p><p>majoritário de homens e algumas mulheres se dispuseram a aventurar-se nas águas do Atlântico rumo</p><p>ao “Novo Mundo”, entretanto muitos desconhecem que:</p><p>nas embarcações lusitanas do século XVI havia certa quantidade de crianças</p><p>na tripulação, as crianças subiam a bordo somente na condição de grumetes</p><p>ou pajens, como órfãs do rei enviadas ao Brasil para se casar com os súditos</p><p>da Coroa ou como passageiros embarcados em companhia dos pais ou de</p><p>algum parente. Essas crianças navegavam em condições extremamente</p><p>adversas; ao longo da viagem, sofriam abusos sexuais de marujos rudes</p><p>e violentos. Muitas eram levadas como escravas por navios piratas, sendo</p><p>entregues à prostituição e, quando não, acabavam morrendo de exaustão.</p><p>A viagem era marcada por uma dramática história de violência sexual,</p><p>trabalhos forçados e riscos constantes de falecimento, sendo poucas as</p><p>crianças que sobreviviam e chegavam ao Brasil (Melo apud Ramos, 2015, p. 19).</p><p>Nesse período era evidente que essas crianças tinham fragilidades. Apesar de necessitarem de</p><p>cuidados e proteção, já enfrentavam o inverso do tratamento merecido, pois não eram vistas como</p><p>crianças, e sim adultos em corpos infantis, caracterizando um retrato real da ausência da percepção do</p><p>adulto sobre a infância no mundo ocidental.</p><p>Durante o período de colonização, tivemos uma realidade um tanto diferente, com novos personagens</p><p>históricos, agora não pajens ou grumetes, mas as crianças autóctones e os missionários jesuítas que,</p><p>sob a ideologia missionária, evangelizadora, educacional e assistencialista, dedicavam-se à infância</p><p>indígena. Nos primeiros anos da chegada dos jesuítas ao Brasil, o ensino das crianças era uma das</p><p>primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus.</p><p>De acordo com o Melo (2020), a instrução a crianças e adolescentes “da terra” veio acompanhada de</p><p>inúmeros desafios, haja vista que os processos</p><p>que devem ser prestados de</p><p>forma integrada, descentralizada e participativa, não só para o enfrentamento da pobreza como para</p><p>“provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais”</p><p>(Brasil, 1988, art. 2º).</p><p>De acordo com a Loas, em seu art. 1º:</p><p>A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política</p><p>de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais,</p><p>realizada através de um conjunto integrado de ações, de iniciativa pública</p><p>e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas</p><p>(Brasil, 1993).</p><p>Assim, a assistência social se coloca no patamar de igualdade, ou seja, sem contrapartidas ou</p><p>contribuições prévias. Como política não contributiva, é constituída como uma obrigação do Estado</p><p>em prol dos necessitados, que devem alcançar um patamar de vida mais digna. Deve haver estímulo</p><p>à integração ao mercado de trabalho e, assim, tentar reduzir as situações de desemprego, a falta de</p><p>qualificação profissional, a deficiência e a falta de lazer (Leite, 2011).</p><p>Os benefícios de assistência social são um direito de quem dela necessitar, independentemente de</p><p>contribuição à seguridade social, conforme prevê o art. 203, V (Brasil, 1988). A regulamentação desse</p><p>benefício foi efetivada pela Lei n. 8.742/1993, conhecida como Loas, e pelo Decreto n. 1.744/1995,</p><p>dispositivos que fixaram os seguintes requisitos para concessão: ser portador de deficiência ou ter</p><p>idade mínima de 65 anos (se a renda familiar mensal for inferior a um quarto do salário mínimo);</p><p>92</p><p>Unidade I</p><p>não estar vinculado a nenhum regime de Previdência Social e não receber benefício de espécie alguma,</p><p>salvo o de assistência médica, e comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem</p><p>de tê-la provida por sua família (Brasil, 1993).</p><p>No art. 23 da Loas (Brasil, 1993), reafirma-se a proteção, por meio de serviços que nada mais são do</p><p>que “atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para</p><p>as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nesta lei”, inclusive</p><p>“programas de amparo às pessoas que vivem em situação de rua” (incluído pela Lei n. 11.258, de 2005).</p><p>A proteção se vincula a um sistema de garantias de direitos, com participação da sociedade e dos</p><p>sujeitos de direitos.</p><p>Observação</p><p>Na PNAS de 2004, a proteção é definida como segurança de rendimento,</p><p>autonomia, convívio ou vivência familiar, cuidados e serviços e de projetos</p><p>em rede.</p><p>A proteção se dispõe em rede e supõe um sistema, embora sistema e rede sejam formas distintas de</p><p>organização, como já estudamos neste livro-texto.</p><p>A Loas assinala ainda que “os programas serão definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência</p><p>Social, obedecidos os objetivos e princípios que regem esta lei, com prioridade para a inserção profissional</p><p>e social” (Brasil, 1993, art. 24).</p><p>Nos últimos anos, as instituições governamentais brasileiras, organismos da sociedade civil e</p><p>movimentos sociais conquistaram uma gama de leis, decretos, propostas e medidas que estabeleceram</p><p>direitos voltados para a pessoa idosa, referenciados pelas diretrizes internacionais – Plano de Ação</p><p>Internacional sobre o Envelhecimento (ONU, 2002). Contabilizam-se conquistas democráticas</p><p>importantes, como a criação do CNDPI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, 2002) e a</p><p>elaboração e publicação do Estatuto da Pessoa Idosa (2003), que regulamenta os direitos das pessoas</p><p>com idade igual ou superior a 60 anos.</p><p>Entre 2006 e 2011, foram realizadas no Brasil três conferências nacionais de direitos da pessoa idosa,</p><p>que contaram, de forma progressiva, com uma expressiva participação da sociedade civil e do governo.</p><p>Em relação à definição de políticas públicas e planos setoriais propostos de forma conjunta (governo</p><p>e sociedade), destacam-se:</p><p>•	 Política Nacional de Prevenção a Morbimortalidade por Acidentes e Violência (2001).</p><p>•	 Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (2004).</p><p>•	 Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (2006).</p><p>•	 II Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (2007).</p><p>93</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>De forma concomitante, busca-se o fortalecimento da Rede Nacional de Proteção e Defesa dos</p><p>Direitos da Pessoa Idosa por meio das seguintes ações: Programa Bolsa-Família, Programa Brasil Sem</p><p>Miséria e Programa Minha Casa Minha Vida. Em resposta às demandas da sociedade civil, o governo</p><p>federal propõe uma série de serviços e programas de atendimento às pessoas idosas. A fim de dar voz</p><p>às vítimas que tiveram e têm seus direitos violados, foi implantado em 2011 o módulo pessoa idosa do</p><p>Disque Direitos Humanos (DDH 100).</p><p>Conforme Silva (2007), o direito da pessoa idosa deve ser compreendido de forma abrangente, não</p><p>apenas como políticas para os maiores de 60 ou 65 anos, mas de maneira que todos possam ter direitos,</p><p>sendo que a pessoa idosa deve ter o direito de envelhecer, de manter-se vivo, o direito à integração e</p><p>à independência, os direitos a novos padrões de mercado, consumo, trabalho e também direitos que</p><p>devem ser gozados antes da velhice e para que cada indivíduo tenha a capacidade de preparar-se para</p><p>o futuro com dignidade e respeito.</p><p>3.5.1 Política Nacional da Pessoa Idosa</p><p>A CF, em seu art. 230, inovou ao exigir a efetiva proteção à pessoa idosa por parte do Estado, da</p><p>sociedade e da família. A velhice digna é um direito humano fundamental, trata-se de expressão do</p><p>direito à vida com dignidade.</p><p>Instituída pela Lei n. 8.842/1994 (Brasil, 1994) e regulamentada pelo Decreto n. 1948/1996, a</p><p>PNI ampliou significativamente os direitos das pessoas idosas, já que, desde a Loas, as prerrogativas</p><p>de atenção a esse segmento haviam sido garantidas de forma restrita. De fato, surgiu num cenário de</p><p>crise no atendimento à pessoa idosa, exigindo uma reformulação em toda estrutura disponível</p><p>de responsabilidade do governo e da sociedade civil (Costa, 1996).</p><p>Essa política está norteada por cinco princípios:</p><p>I – a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar à pessoa idosa</p><p>todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade,</p><p>defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;</p><p>II – o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo</p><p>ser objetivo de conhecimento e informação para todos;</p><p>III – a pessoa idosa não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;</p><p>IV – a pessoa idosa deve ser o principal agente e o destinatário das</p><p>transformações a serem efetivadas através dessa política;</p><p>V – as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as</p><p>contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas</p><p>pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na aplicação dessa lei</p><p>(Brasil, 1994, art. 3º).</p><p>94</p><p>Unidade I</p><p>Ao analisar os princípios, pode-se afirmar que a lei atende à moderna concepção de assistência</p><p>social como política de direito, o que implica não apenas a garantia de uma renda, mas também vínculos</p><p>relacionais e de pertencimento que assegurem mínimos de proteção social, visando à participação, à</p><p>emancipação e à construção da cidadania e de um novo conceito social para a velhice.</p><p>Ainda segundo esses princípios, combinam-se as dimensões de assegurar direitos e de exercer o</p><p>protagonismo ou a participação na definição de políticas de envelhecimento.</p><p>Portanto, a PNI veio normatizar os direitos sociais das pessoas idosas, garantindo autonomia,</p><p>integração e participação efetiva como instrumento de cidadania. Tem como objetivo criar condições</p><p>para  promover a longevidade com qualidade de vida, colocando em prática ações voltadas não</p><p>apenas para os que estão velhos, mas também para aqueles que vão envelhecer, procurando impedir</p><p>qualquer forma de discriminação contra a pessoa idosa, pois ela é a principal agente e a destinatária das</p><p>transformações a serem efetivadas através dessa política.</p><p>A lei é composta de 22 artigos, estruturados nos seguintes capítulos:</p><p>•	 Capítulo 1 – “Da Finalidade”.</p><p>•	 Capítulo 2 – “Dos Princípios e das Diretrizes”.</p><p>•	 Capítulo 3 – “Da Organização e Gestão”.</p><p>•	 Capítulo 4 – “Das Ações Governamentais”.</p><p>•	 Capítulo 5 – “Do Conselho Nacional”.</p><p>•	 Capítulo 6 – “Das Disposições Gerais”.</p><p>A finalidade da lei é assegurar os direitos sociais da pessoa idosa, criando condições para promover</p><p>sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (Brasil, 1994, art. 1º).</p><p>Para a PNI, é considerada idosa a pessoa maior de 60 anos de idade (art. 2º). Ela reafirma os preceitos</p><p>elencados pela CF, elegendo a família, a sociedade e o Estado como responsáveis pela efetiva participação</p><p>da pessoa idosa na comunidade, bem como na defesa de sua dignidade e bem-estar e direito à vida</p><p>(Brasil, 1994, art. 3º, I).</p><p>A PNI é explícita quanto ao processo de envelhecimento como um fenômeno social. Assim, todos</p><p>devem ter informações sobre esse processo (Brasil, 1994, art. 3º, II).</p><p>95</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Leia a seguir as diretrizes a serem observadas pelos responsáveis (família, sociedade e Estado):</p><p>Art. 4º.</p><p>I – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio da</p><p>pessoa idosa que proporcionem sua integração às demais gerações;</p><p>II – participação da pessoa idosa, através de suas organizações representativas,</p><p>na formulação, na implementação e na avaliação de políticas, planos,</p><p>programas e projetos a serem desenvolvidos;</p><p>III – priorização do atendimento a pessoa idosa através de suas próprias</p><p>famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção das pessoas idosas</p><p>que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência;</p><p>IV – descentralização político-administrativa;</p><p>V – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e</p><p>gerontologia e na prestação de serviços;</p><p>VI – implementação de sistema de informações que permita a divulgação da</p><p>política, dos serviços oferecidos, dos planos, dos programas e dos projetos</p><p>em cada nível de governo;</p><p>VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de</p><p>informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais</p><p>do envelhecimento;</p><p>VIII – priorização do atendimento a pessoa idosa em órgãos públicos e</p><p>privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família;</p><p>IX – apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao</p><p>envelhecimento.</p><p>Parágrafo único. É vedada a permanência de portadores de doenças que</p><p>necessitem de assistência médica ou de enfermagem permanente em</p><p>instituições asilares de caráter social (BRASIL, 1994).</p><p>A PNI foi publicada no governo Itamar Franco e regulamentada pelo Decreto n. 1.948. Nesse</p><p>decreto, foram estabelecidas as funções de cada órgão implicado na PNI, numa ótica de competências</p><p>gerenciais, cabendo ao então MPAS coordenar essa política.</p><p>96</p><p>Unidade I</p><p>O Decreto n. 1.948/1996 (Brasil, 1996a) esvazia, de certo modo, importantes diretrizes de participação</p><p>previstas na PNI, como se destaca a seguir, assinalando-se aquelas presentes na lei e não contempladas</p><p>no referido decreto:</p><p>•	 A participação da pessoa idosa e a integração intergeracional (o decreto menciona apenas o</p><p>estímulo ao ingresso na universidade).</p><p>•	 A participação da pessoa idosa, de sua família e de entidades na formulação de políticas (o</p><p>decreto menciona apenas o estímulo à participação da pessoa idosa no controle social dos</p><p>conselhos de saúde).</p><p>•	 A descentralização político-administrativa.</p><p>•	 A adequação de currículos (o decreto menciona apenas a inclusão de disciplinas de gerontologia</p><p>e geriatria nos currículos dos cursos superiores).</p><p>•	 A implementação de um sistema de informação para divulgar a política para pessoa idosa.</p><p>•	 A execução dos conselhos da pessoa idosa (o decreto remete-se apenas ao Conselho Nacional</p><p>da Seguridade Social e aos conselhos setoriais, aos quais compete, no âmbito da seguridade, a</p><p>formulação, a coordenação, a supervisão e a avaliação da PNI).</p><p>Assim, o decreto foi, de certa forma, um retrocesso à lei de 1994.</p><p>A proteção social se coloca como direito e garantia da longevidade e da dignidade, mas entra em</p><p>contradição com o desmonte neoliberal do Estado de direito. A adequação das instituições à realidade</p><p>do envelhecimento está ocorrendo de forma muito lenta e ainda faltam condições para a aplicação da</p><p>legislação. Essa legislação possibilita a consciência da cidadania em todas as idades, mas precisa ser</p><p>efetivada no pacto federativo e na intersetorialidade com trabalhos em rede.</p><p>3.5.2 Estatuto da Pessoa Idosa</p><p>Criado pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, estabelece prioridade absoluta às normas</p><p>protetivas à pessoa idosa, elencando novos direitos e definindo vários mecanismos específicos</p><p>de proteção, que vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas</p><p>condições de vida até a inviolabilidade física, psíquica e moral.</p><p>O Estatuto assegura e regulamenta os direitos a todos os cidadãos a partir dos 60 anos de idade,</p><p>fixando deveres e medidas de punição. É a forma legal de maior potencial da perspectiva de proteção e</p><p>regulamentação dos direitos da pessoa idosa.</p><p>97</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Observe a seguir o que a lei evidencia:</p><p>Art. 1º. É instituído o Estatuto da Pessoa Idosa, destinado a regular os direitos</p><p>assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.</p><p>Art. 2º. A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes</p><p>à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei,</p><p>assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades</p><p>e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu</p><p>aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de</p><p>liberdade e dignidade (Brasil, 2003).</p><p>Em suas normas, encontram-se preceitos amplamente debatidos pela sociedade, revelando um</p><p>caráter protetivo dos direitos fundamentais da parcela da população com idade igual ou superior a</p><p>60 anos, cuja situação sempre foi extremamente precária, por exemplo, obtenção de aposentadoria,</p><p>dificuldade de transportes ou falta de recursos básicos para sobrevivência, como moradia, saúde, lazer</p><p>e educação (Mendonça, 2008).</p><p>O Estatuto corrobora os princípios que nortearam as discussões sobre os direitos humanos</p><p>da  pessoa idosa. Trata-se de uma conquista para a efetivação de tais direitos, especialmente por</p><p>tentar proteger e formar uma base para a reivindicação de atuação de todos (família, sociedade e</p><p>Estado) para o amparo e o respeito às pessoas idosas.</p><p>No art. 3º, destacam-se as obrigações familiares e sociais em relação à pessoa idosa.</p><p>É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Estado</p><p>assegurar à pessoa idosa a efetivação dos direitos à vida, à educação,</p><p>à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à</p><p>cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e</p><p>comunitária (Brasil, 2003).</p><p>O grande avanço do Estatuto está na previsão do estabelecimento de crimes e sanções</p><p>administrativas para o não cumprimento dos ditames legais, cabendo ao Ministério Público agir para</p><p>a sua garantia.</p><p>No art. 4º, ressalta-se que é proibido qualquer tipo de discriminação, violência, negligência ou</p><p>crueldade que atinja ou afronte os direitos da pessoa idosa, seja por ação, seja por omissão, e, se isso</p><p>acontecer, há punição prevista em lei. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão responsabilizados,</p><p>sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas; essa responsabilidade não é apenas criminal, mas também</p><p>civil (Brasil, 1993).</p><p>De acordo com Freitas (2006), após a promulgação do Estatuto, passou a ser mandatória pelos</p><p>profissionais de saúde a comunicação à autoridade competente de qualquer suspeição ou confirmação de</p><p>98</p><p>Unidade I</p><p>maus-tratos testemunhados (art. 19) por eles, com consequências judiciais e administrativas em caso de</p><p>não prestarem as</p><p>devidas informações.</p><p>Os arts. 8º e 9º versam sobre o direito à vida, fixando a obrigatoriedade do Estado em garantir</p><p>à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde por meio de políticas sociais públicas que permitam um</p><p>envelhecimento saudável e digno: “[...] é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida</p><p>e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e</p><p>em condições de dignidade” (Brasil, 2003).</p><p>O Estatuto busca, portanto, a promoção e a regularização dos direitos da pessoa idosa em seus</p><p>desdobramentos, tais como a saúde, a assistência e a educação, que passam a ser consideradas prioridade</p><p>diante desse segmento.</p><p>No art. 10 são assegurados à pessoa idosa, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos,</p><p>individuais e sociais, contidos na CF e demais leis, a liberdade, o respeito e a dignidade (Brasil, 2003).</p><p>O Estatuto destaca a participação na vida familiar, comunitária e política como uma dimensão do</p><p>direito à liberdade, mas é preciso considerar que a experiência e o exercício da política implicam o direito</p><p>de votar e de ser votado, de ser politicamente ativo, de intervir nas organizações e nas manifestações</p><p>políticas. Fica evidente nessa lei a descentralização das políticas para o envelhecimento, com maior peso</p><p>para as municipalidades, inclusive na criação dos conselhos de direitos da pessoa idosa.</p><p>O Estatuto veio priorizar tanto seu atendimento de um modo geral, como também aquela clientela</p><p>que já apresenta algum grau de dependência. É com essas ações fundamentais de prevenção secundária,</p><p>de reabilitação, de promoção da saúde, além do cuidado e do tratamento, que é possível garantir melhor</p><p>qualidade de vida para pessoas idosas na vida em família e em sociedade.</p><p>De acordo com Freitas (2006), os casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra a</p><p>pessoa idosa serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos</p><p>seguintes órgãos:</p><p>•	 Autoridade policial.</p><p>•	 Ministério Público.</p><p>•	 Conselho Municipal da Pessoa Idosa.</p><p>•	 Conselho Estadual da Pessoa Idosa.</p><p>•	 Conselho Nacional da Pessoa Idosa.</p><p>99</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>No que diz respeito à assistência social, acentua-se:</p><p>Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 anos, que não possuam meios para</p><p>prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado</p><p>o benefício mensal de um salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da</p><p>Assistência Social (Loas).</p><p>Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família</p><p>nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda</p><p>familiar per capita a que se refere a Loas (Brasil, 2003).</p><p>O resultado imediato desse artigo foi a redução da idade mínima para o requerimento do benefício</p><p>assistencial de 67 para 65 anos, o que foi implantado já em 2004. Em resumo, o BPC tem a função de</p><p>repor renda para os que perderam a capacidade laborativa.</p><p>Segundo Veras, “A questão social da pessoa idosa, face à sua dimensão, exige uma política ampla</p><p>e articulada entre os vários órgãos de governo e organização não governamental” (Veras, 2003, p. 14).</p><p>Assim, com o aumento da expectativa de vida, criaram-se novas demandas para as políticas públicas.</p><p>No que diz respeito à saúde, podem surgir algumas doenças crônicas, tornando-se necessário mais</p><p>atenção e cuidados no âmbito familiar. É preciso haver investimentos e políticas públicas na área da saúde.</p><p>Conforme a PNAS de 1998, diante do progressivo envelhecimento populacional, pode-se esperar</p><p>uma redução na demanda de serviços de saúde materno-infantil e um aumento da demanda por</p><p>benefícios previdenciários e assistenciais para o segmento da pessoa idosa.</p><p>A evolução da taxa de dependência de idosos aponta para a absoluta</p><p>necessidade de adequar as políticas sociais a um contexto marcado por</p><p>uma população envelhecida. Dentre os problemas a serem inevitavelmente</p><p>gerados por esse processo, tem enorme importância aqueles referentes</p><p>ao sistema de previdência social e ao benefício de prestação continuada</p><p>(PNAS, 1998, p. 35).</p><p>Diante das limitações das políticas sociais e de sua deficiência em garantir os direitos estabelecidos,</p><p>grande parte da atenção à pessoa idosa recai sobre a família, que também tem suas limitações pela</p><p>redução do número de filhos, pela inserção de seus membros no trabalho ou no estudo, e, ainda,</p><p>pelo desemprego.</p><p>Apesar das mudanças na família, as pessoas idosas com 60 anos ou mais ainda são pessoas de</p><p>referência em 64,1% dos domicílios, sendo cônjuges em 23,8% e em outra condição em 12,1%</p><p>(IBGE, 2010). A longevidade junto à família e os novos papéis a serem exercidos pelos seus membros</p><p>implicam maior atenção à fragilidade e à dependência do segmento pessoa idosa e, por consequência,</p><p>o aumento do estresse. Assim, as famílias se apresentam com menos possibilidade de cuidado, em</p><p>contradição às expectativas dos textos legais.</p><p>100</p><p>Unidade I</p><p>Quanto ao direito, em especial os direitos específicos das pessoas idosas, pode-se relacionar o</p><p>atendimento preferencial, imediato e individualizado em órgãos públicos e privados prestadores de</p><p>serviços à população; o direito de ser bem cuidado e atendido por sua própria família, em detrimento</p><p>à internação em asilos; o direito de receber pensão alimentícia de seus familiares e, na ausência</p><p>destes, de ter suas necessidades básicas satisfeitas pelo governo; o direito de receber do poder público,</p><p>gratuitamente, medicamentos e outros recursos relativos ao tratamento de saúde; o direito de não ser</p><p>discriminado nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade etc.</p><p>O direito das pessoas idosas depende das políticas públicas, que têm por finalidade estabelecer</p><p>metas e encaminhar soluções para resolver problemas sociais nas mais diversas áreas, como educação,</p><p>saúde, assistência social, habitação, lazer, transporte, segurança e meio ambiente. Tais atividades devem</p><p>relacionar o diagnóstico e o planejamento, bem como a execução e a avaliação de ações e políticas</p><p>fixadas pelo governo nas esferas federal, estadual e municipal, de prestação de serviços para a sociedade</p><p>em geral e para as pessoas idosas.</p><p>A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, sendo-lhe asseguradas</p><p>todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental e seu</p><p>aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social.</p><p>No que tange às questões ao seu direito à saúde, a pessoa idosa tem direito a atendimento</p><p>preferencial no SUS e acesso à distribuição gratuita de próteses e remédios, principalmente os de uso</p><p>contínuo. Quanto à saúde privada, os planos de saúde não podem ajustar as mensalidades utilizando</p><p>como critério a idade.</p><p>Em situações específicas como a internação, a pessoa idosa tem direito à acompanhante, pelo tempo</p><p>determinado pelo profissional de saúde que o atende. Toda pessoa idosa goza do direito a tratamento</p><p>sem violência ou abandono. Para tal, o Estatuto torna claro que nenhuma pessoa idosa poderá ser</p><p>objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão (Brasil, 2003).</p><p>Lembrete</p><p>Nos casos de pessoas idosas submetidas a condições consideradas</p><p>desumanas, privação de alimentação e de cuidados indispensáveis, também</p><p>há previsão de penalidade.</p><p>O Estatuto inicia um diálogo no tocante às instituições de longa permanência como uma estratégia</p><p>de atendimento à pessoa idosa.</p><p>Art. 35. Todas as entidades de longa permanência, ou casa-lar, são obrigadas</p><p>a firmar contrato de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada.</p><p>§ 1º. No caso de entidades filantrópicas, ou casa-lar, é facultada a cobrança</p><p>de participação da pessoa idosa no custeio da entidade.</p><p>101</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>§ 2º. O conselho municipal da pessoa idosa ou o conselho municipal da</p><p>assistência social estabelecerá a forma de participação prevista no § 1º,</p><p>que não poderá exceder a 70%</p><p>de qualquer benefício previdenciário ou de</p><p>assistência social percebido pela pessoa idosa.</p><p>§ 3º. Se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu representante legal firmar</p><p>o contrato a que se refere o caput deste artigo (Brasil, 2003).</p><p>O art. 46 do Estatuto (Brasil, 2003) acentua que o acolhimento de pessoas idosas em situação de</p><p>risco social, por adultos ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica, para os efeitos legais.</p><p>O Estatuto ainda preceitua:</p><p>Art. 49. As entidades que desenvolvam programas de institucionalização de</p><p>longa permanência adotarão os seguintes princípios:</p><p>I – preservação dos vínculos familiares;</p><p>II – atendimento personalizado e em pequenos grupos;</p><p>III – manutenção da pessoa idosa na mesma instituição, salvo em caso de</p><p>força maior;</p><p>IV – participação da pessoa idosa nas atividades comunitárias, de caráter</p><p>interno e externo;</p><p>V – observância dos direitos e garantias das pessoas idosas;</p><p>VI – preservação da identidade da pessoa idosa e oferecimento de ambiente</p><p>de respeito e dignidade.</p><p>Parágrafo único. O dirigente de instituição prestadora de atendimento</p><p>à pessoa idosa responderá civil e criminalmente pelos atos que praticar</p><p>em detrimento a pessoa idosa, sem prejuízo das sanções administrativas</p><p>(Brasil, 2003).</p><p>Para a pessoa idosa em condição de institucionalizado, as entidades deverão primar pelo acesso</p><p>e pleno gozo dos direitos das pessoas idosas. Os dirigentes das instituições de atendimento serão</p><p>responsáveis civil e criminalmente pelos atos praticados contra as pessoas idosas sob seus cuidados,</p><p>sendo sujeitos a penalidades.</p><p>O Estatuto também garante à pessoa idosa o direito à moradia digna, no âmbito de sua família, ou</p><p>desacompanhado desta, quando ele assim desejar, ou em instituição pública ou privada. Estabelece</p><p>regras de funcionamento e outros direitos no tocante à habitação nos arts. 37 e 38. Descreve que</p><p>102</p><p>Unidade I</p><p>programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos deverão conceder-lhe</p><p>prioridade na aquisição de imóvel para moradia, observando a acessibilidade à pessoa idosa,</p><p>com reserva de 3% das unidades e critérios de financiamento, de acordo com os rendimentos de</p><p>aposentadoria ou pensão (Brasil, 2003).</p><p>Diante desse prisma, é obrigatória a reserva de 30% das unidades residenciais para pessoas idosas</p><p>nos programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos.</p><p>É assegurado a pessoa idosa o acesso à justiça, com prioridade na tramitação dos processos e</p><p>procedimentos e na execução dos atos de diligências judiciais em que configure como parte ou</p><p>interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 anos em qualquer instância; a prioridade não</p><p>cessará com a morte do beneficiário, estendendo-se em favor do cônjuge ou companheiro (Brasil, 2003).</p><p>Apesar da importância dos aspectos explícitos no Estatuto, Neri (2007), ao analisar as políticas</p><p>de atendimento aos direitos da pessoa idosa expressos nesse marco legal, concluiu que o documento</p><p>é revelador de uma ideologia negativa da velhice, na qual o envelhecimento é compreendido por perdas</p><p>físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica, dependendo, principalmente, do estilo de vida e</p><p>do ambiente ao qual a pessoa idosa foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e de sua maturidade.</p><p>Assim, Neri (2007) ressalta que políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações</p><p>indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos</p><p>e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação às pessoas idosas. A consideração</p><p>dos direitos das pessoas idosas deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de</p><p>cidadãos de todas as idades à proteção social quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade.</p><p>O Estatuto representa uma mudança, pois amplia o sistema protetivo dessa camada da sociedade,</p><p>caracterizando verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material, tendo em vista a</p><p>sua relevância para a sociedade atual e para a futura, sendo extremamente necessária a conscientização</p><p>da população no sentido de respeitar os direitos, a dignidade e a sabedoria de vida desse público tão</p><p>vulnerável e até bem pouco tempo desprezado pela sociedade (Mendonça, 2008).</p><p>Em julho de 2022, o Estatuto do Idoso alterou a nomenclatura para Estatuto da Pessoa Idosa, pela</p><p>Lei n. 14.423 de 2022. Seu conteúdo se manteve, mas todos os serviços, programas, projetos, benefícios</p><p>e o atendimento passaram a ser realizados considerando a nova nomenclatura – Pessoa Idosa.</p><p>4 A SINGULARIDADE DA PROTEÇÃO FRENTE A SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE</p><p>4.1 Violação de direitos e violências contra criança e adolescente</p><p>A Unicef visa a proteção de crianças e adolescentes contra as violências. Dando visibilidade ao tema,</p><p>influencia mudanças na legislação e nas políticas públicas e apoia serviços de prevenção e resposta</p><p>à violência.</p><p>103</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Analisa que as violências contra crianças e adolescentes são um fenômeno complexo e multifacetado,</p><p>ligado a fatores culturais, sociais e econômicos. São praticadas em qualquer contexto geográfico, em</p><p>qualquer classe social, em qualquer idade, e podem partir de pessoas próximas e da confiança das</p><p>crianças e adolescentes.</p><p>No Brasil, as violências atingem milhares de meninos e meninas cotidianamente, comprometendo sua</p><p>qualidade de vida e seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Assim observa-se a importância</p><p>de  entender os conceitos de violências contra crianças e adolescentes para conseguir identificá-las,</p><p>preveni-las e responder a elas.</p><p>Os tipos de violências contra crianças e adolescentes são variados e muitas vezes apresentam</p><p>conceitos diversos. Para facilitar a compreensão do que constitui uma violência, costumamos nos basear</p><p>pelo que diz a legislação nacional, em especial a Lei n. 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida). Assim, a</p><p>área de proteção de crianças e adolescentes contra as violências da Unicef trabalha para:</p><p>(1) dar visibilidade ao tema da violência, por meio da produção e</p><p>disseminação de conteúdo, da realização de diálogos nacionais e locais e</p><p>a realização de advocacy e parcerias com diversos setores; (2) ofertar apoio</p><p>técnico especializado em nível nacional e local; (3) promover a melhoria</p><p>dos serviços públicos de prevenção e resposta às violências por meio do</p><p>fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos, por exemplo, em sua</p><p>atuação nos municípios inscritos no Selo UNICEF e nas capitais participantes</p><p>das #AgendaCidadeUNICEF (UNICEF, [s.d.]).</p><p>Na área de proteção contra as violências, essas ações incluem a realização de ações e/ou campanhas</p><p>para a prevenção das violências, a criação de um mecanismo de coordenação intersetorial para o</p><p>atendimento integrado de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e de seus</p><p>documentos norteadores, e a promoção do uso do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência</p><p>(Sipia) pelos conselheiros tutelares.</p><p>Para que os municípios tenham condições de realizar essas ações e alcançar o resultado de prevenção</p><p>e resposta às violências, a Unicef oferta apoio técnico por meio de capacitações, produção de materiais,</p><p>disseminação de informações, ações de mobilização e tira dúvidas.</p><p>Diante da complexidade das violências que impactam crianças e adolescentes, a proposta da</p><p>#AgendaCidadeUNICEF é atuar em grandes cidades brasileiras e construir uma iniciativa que integre</p><p>ações e políticas de proteção contra as violências.</p><p>A proposta é que os municípios construam uma agenda positiva ancorada em ações de educação,</p><p>de saúde integral e bem-estar de crianças e adolescentes, de participação cidadã de adolescentes, de</p><p>fortalecimento de mecanismos de proteção e de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens com</p><p>o intuito de quebrar o ciclo da pobreza, exclusão, racismo e violência.</p><p>104</p><p>Unidade I</p><p>Para contribuir com essas ações, é preciso</p><p>que todos façam a sua parte, assim é importante</p><p>reconhecer a multidimensionalidade e a multifatoriedade das situações de vulnerabilidade e violência,</p><p>compreendendo como fatores pessoais, sociais, econômicos, culturais e territoriais influenciam</p><p>essas situações.</p><p>Isso é fundamental para desnaturalizar a violência contra crianças e adolescentes e para promover</p><p>ações de prevenção que sejam eficazes. Além disso, é preciso fortalecer o SGD para responder às</p><p>violências contra crianças e adolescentes de maneira eficiente.</p><p>Conclui que a prevenção deve andar lado a lado com a resposta às violências contra crianças</p><p>e adolescentes, uma vez que uma visa coibir que novos casos aconteçam, enquanto a outra busca</p><p>solucionar incidentes já ocorridos. Logo, prevenção e resposta se complementam e mostram-se</p><p>igualmente importantes na proteção de crianças e adolescentes contra as violências.</p><p>Com a pandemia do Covid-19, houve um aumento nos casos de violação dos direitos da criança</p><p>e do adolescente. Quem geralmente denuncia essas violações são professores e cuidadores, mas com</p><p>escolas e creches fechadas, as crianças e os adolescentes passaram a ficar em casa trancados com seus</p><p>agressores, sendo necessárias redes comunitárias e vizinhos para ajudarem nas denúncias.</p><p>Em 2020, o Governo Federal mostrou alguns desses dados: a maioria das vítimas são do sexo</p><p>feminino e cerca de 55% negras e 42% brancas. A negligência é o maior fator de violação desses</p><p>direitos, em 39% dos casos. A proporção de denúncias é de 41,3 por 100 mil habitantes. Os estados</p><p>mais populosos estavam no topo da lista: São Paulo com 20,4 mil denúncias, Minas Gerais com</p><p>10,6 mil, Rio de Janeiro com 9 mil e Bahia com 4,5 mil, constaram os maiores números de denúncias</p><p>feitas (Marketing amigos do HC, 2023).</p><p>Segundo o Instituto Alana (2022), os dois anos de pandemia de Covid-19 impactaram a vida de</p><p>crianças e dos adolescentes, muitas foram afetadas em diversas escalas, gerando inúmeros desafios no</p><p>que diz respeito à garantia de seus direitos. Vimos o aumento da pobreza, da fome e de questões de</p><p>saúde mental.</p><p>Esse resultado ocasionou o impacto na redução do desempenho escolar e a quebra da convivência</p><p>familiar e social. O Brasil entrou negativamente em evidência no cenário mundial da pandemia, sendo</p><p>o segundo país com mais mortes por Covid-19 de crianças na faixa de 0 a 9 anos.</p><p>Os dados apresentados pelo Instituto Alana e o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário</p><p>(Cepedisa) mostraram que os impactos para essa população poderiam ter sido minimizados não fosse a</p><p>má gestão da pandemia.</p><p>105</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>As implicações dessa gestão ineficiente estão reunidas no Dossiê Infâncias e Covid-19, em que</p><p>é possível compreender quais foram as medidas efetivas adotadas para proteger esse público com</p><p>absoluta prioridade durante a pandemia, os resultados apresentados estão a seguir.</p><p>O governo federal deixou ações de enfrentamento à pandemia voltadas para</p><p>as crianças por último. Elas tiveram seu direito à saúde negado, quando</p><p>deveriam ser a prioridade. Ainda, elas possuem o direito de ser protegidas</p><p>contra uma doença que pode levar à morte e deixar sequelas. A saúde</p><p>individual e coletiva é uma condição para que elas tenham acesso a outros</p><p>direitos, como à educação e à convivência em sociedade”, destaca Ana</p><p>Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana (Alana, 2022).</p><p>Segundo o instituto, o dossiê, principalmente no que se refere ao desenvolvimento integral de</p><p>crianças e adolescentes, demostrou que os impactos atingiram o acesso a serviços de saúde, à proteção</p><p>contra outras doenças, à saúde mental, à educação, entre outros destacados na publicação.</p><p>Entretanto, os impactos não distribuem por igual as crianças em situação de vulnerabilidade,</p><p>especialmente crianças e adolescentes negros, residentes em comunidades periféricas, indígenas e</p><p>quilombolas, cujas famílias se encontram em situação de pobreza, foram mais expostos à Covid-19.</p><p>Segundo Pedro Hantung, diretor de políticas e direitos das crianças do Instituto Alana, os dados</p><p>apresentados não são inéditos, mas, observados em conjunto, buscam oferecer um panorama</p><p>dos  impactos da pandemia nos direitos das crianças e adolescente. Assim, o registro do que ocorreu</p><p>nesses cerca de 18 meses de pandemia é valioso para a reflexão presente e futura (Alana, 2022).</p><p>Já os dados do governo federal, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio</p><p>do Disque 100, registram mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro</p><p>primeiros meses de 2023. O aumento é de 68% em relação ao mesmo período do ano passado, há</p><p>maior participação da sociedade na mobilização e denúncia. Sendo a casa da vítima, do suspeito ou</p><p>de familiares o pior cenário, com quase 14 mil violações (Brasil, 2023a).</p><p>A divulgação dos números integra as ações da campanha do 18 de maio – Dia Nacional de Combate</p><p>ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, do Ministério dos Direitos Humanos e</p><p>da Cidadania (MDHC). Com o tema “Faça bonito. Proteja nossas crianças e adolescentes”, o objetivo da</p><p>iniciativa é promover a data e sensibilizar a sociedade para ações preventivas e pedagógicas (Brasil, 2023a).</p><p>Assim, é necessária a contribuição de toda a sociedade para prevenir e enfrentar os crimes que</p><p>assolam a infância e a adolescência.</p><p>O pedido de colaboração feito pelos profissionais da Segurança Pública com atuação em Sergipe é</p><p>compartilhado pelo Governo Federal:</p><p>106</p><p>Unidade I</p><p>Denunciem casos de violações contra crianças e adolescentes. O Disque 100</p><p>pode ser acionado por meio de ligação gratuita, WhatsApp (61)99611-0100,</p><p>site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), videochamada</p><p>em Língua Brasileira de Sinais (Libras), aplicativo Direitos Humanos Brasil,</p><p>Telegram (Alves Júnior, 2023).</p><p>Outra iniciativa é a Campanha Faça Bonito, que ocorre de forma digital e divulga postagens sobre</p><p>como identificar abusos por meio de mudanças de comportamentos, incentivo ao diálogo e como as</p><p>crianças e os adolescentes podem se proteger de possíveis ameaças.</p><p>Tem-se assim um universo de violação de direitos e violência contra criança e adolescente, tais como</p><p>(PÊGO, 2014):</p><p>•	 Negligência: tipo de violência doméstica que pode se manifestar pela ausência dos cuidados</p><p>físicos, emocionais e sociais em função da condição de desassistência da qual a família é vítima.</p><p>Pode ser expressão de um desleixo.</p><p>•	 Abuso/violência física: atos de agressão praticados pelos pais e/ou responsáveis que podem ir de</p><p>uma palmada até o espancamento.</p><p>•	 Abuso/violência psicológica: manifestam-se na depreciação da criança ou do adolescente pelo</p><p>adulto, por humilhações, ameaças, impedimentos, ridicularizações, que minam a sua autoestima.</p><p>•	 Abuso/violência sexual: geralmente praticados por adultos que gozam da confiança da criança</p><p>ou do adolescente, tendo também a característica de, em sua maioria, serem incestuosos.</p><p>•	 Trabalho infantil: imbuído à condição de pobreza em que vivem suas famílias, necessitam da</p><p>participação dos filhos para complementar a renda familiar, resultando no processo de vitimização.</p><p>Os dados apresentados mostram que a casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os</p><p>piores cenários, com quase 14 mil violações. Ainda nos quatro primeiros meses do ano, foram registradas</p><p>763 denúncias e 1,4 mil violações sexuais ocorridas na internet. Em todo o ambiente virtual, houve</p><p>registros de exploração sexual, com 316 denúncias e 319 violações; estupro, com 375 denúncias e</p><p>378 violações; abuso sexual físico, com 73 denúncias e 74 violações; e violência sexual psíquica, com</p><p>480 denúncias e 631 violações (Albuquerque, 2023).</p><p>Na casa da vítima ou na casa onde reside a vítima e o suspeito, os números são ainda maiores.</p><p>Houve 837 denúncias e 856 violações de exploração sexual; de estupro, sendo 4,3 mil denúncias e</p><p>4,4 mil violações; 1,4 mil denúncias e 1,4 mil violações de abuso sexual</p><p>físico; e 2,7 mil denúncias</p><p>e 3,5 mil violações de violência sexual psíquica. No total, 5,7 mil denúncias e 10,3 mil violações</p><p>(Fraga, 2023).</p><p>Já na casa de familiares, de terceiro ou do suspeito, os casos de exploração sexual tiveram</p><p>304 denúncias e 312 violações registradas; sendo de estupro, 1,5 mil denúncias e 1,5 mil violações;</p><p>107</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>abuso sexual físico, 480 denúncias e 487 violações; e violência sexual psíquica, com 898 denúncias e</p><p>1,1 mil violações. O total é de 1,8 mil denúncias e 3,5 mil violações (Fraga, 2023).</p><p>Também constam entre os cenários das violações sexuais: berçário e creche; instituições de</p><p>ensino; estabelecimentos comerciais; de saúde; órgãos públicos; transportes públicos; vias públicas;</p><p>instituições financeiras; eventos e ambientes de lazer, esporte e entretenimento; local de trabalho da</p><p>vítima ou do agressor; táxi; transporte de aplicativo.</p><p>Os dados mostram que ainda há muito para fazer na prática, apesar de existirem legislações que</p><p>asseguram a proteção e os direitos da criança e do adolescente e que todas as ações e divulgações</p><p>contribuem para prevenir e sanar a violência contra as crianças e adolescentes.</p><p>4.2 Demandas por atendimento: violência e maus‑tratos contra a pessoa</p><p>idosa</p><p>A fragilidade da pessoa idosa pode piorar em situações de abandono ou quando vive sozinha, ficando</p><p>exposta a agressões e a crimes como furto.</p><p>Uma forma bastante comum de violência (especialmente contra mulheres) é o abuso da pessoa</p><p>idosa, cometido por membros da família ou por acompanhantes formais conhecidos da vítima.</p><p>Os maus-tratos contra pessoas idosas ocorrem em famílias de todos os níveis econômicos. Sua</p><p>escala aumenta com mais frequência em sociedades que experimentam problemas econômicos e</p><p>desorganização social, quando a taxa de crime e de exploração tendem a crescer.</p><p>As pessoas idosas tornam-se mais vulneráveis à violência quando precisam de mais cuidados</p><p>físicos ou apresentam dependência física ou mental. Quanto maior a dependência, maior o grau de</p><p>vulnerabilidade. O  convívio familiar estressante e cuidadores despreparados agravam essa situação.</p><p>Apenas recentemente os maus-tratos contra as pessoas idosas passaram a ser reconhecidos como</p><p>violência doméstica.</p><p>Conforme a Rede Internacional para a Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, esse abuso é “um ato</p><p>único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento</p><p>em que haja uma expectativa de confiança, que cause danos ou angústia a uma pessoa mais velha”</p><p>(AEA, 1995).</p><p>Ainda de acordo com a Rede Internacional de Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, a OMS elencou</p><p>alguns tipos de violências: abuso físico ou maus-tratos físicos, em que há o uso da força física para</p><p>obrigar as pessoas idosas a fazer algo que não desejam, para feri-los, provocar dor, incapacidade ou</p><p>morte; abuso ou maus-tratos psicológicos, representando agressões verbais ou gestuais com o intuito</p><p>de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar do convívio social (AEA, 1995).</p><p>108</p><p>Unidade I</p><p>Os maus-tratos contra pessoas idosas incluem abuso físico, sexual, psicológico, financeiro, inclusive</p><p>negligência. Por exemplo: negligência (exclusão social e abandono); violação (de direitos humanos,</p><p>legais e médicos); privação (de escolhas, decisões, status, dinheiro e respeito) (OMS, 2005).</p><p>O abuso a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos e uma causa relevante de lesões, doenças,</p><p>perda de produtividade, isolamento e desespero. Em geral, em todas as culturas, é pouco denunciado.</p><p>Combater e reduzir os maus-tratos contra pessoa idosa demandam uma abordagem multisetorial,</p><p>multidisciplinar, que envolve vários atores sociais e instâncias governamentais, órgãos de defesa.</p><p>Nesse contexto, é importante destacar alguns conceitos.</p><p>•	 Negligência: recusa de cuidados necessários as pessoas idosas por parte de responsáveis familiares</p><p>ou institucionais.</p><p>•	 Autonegligência: conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela</p><p>recusa de prover cuidados necessários a si mesmo.</p><p>•	 Abandono: ausência ou deserção de responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de</p><p>prestarem socorro a uma pessoa idosa que precise de proteção e assistência.</p><p>•	 Abuso financeiro: exploração imprópria ou ilegal ou ao uso não consentido pela pessoa idosa de</p><p>seus recursos financeiros e patrimoniais.</p><p>•	 Abuso sexual: ato ou jogo sexual utilizando pessoas idosas.</p><p>Lembrete</p><p>A violência contra a pessoa idosa se define como qualquer ato, único ou</p><p>repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente de</p><p>confiança, que cause dano ou incômodo à pessoa idosa.</p><p>Conceitualmente, existem três fatores determinantes:</p><p>•	 Um vínculo significativo e pessoal que gera expectativa e confiança.</p><p>•	 O resulto de uma ação, dano ou o risco significativo de dano.</p><p>•	 A intencionalidade ou não intencionalidade.</p><p>109</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>A violência é um fenômeno mundial e existe desde o início da civilização.</p><p>A violência existe desde os tempos primordiais e assumiu novas formas à</p><p>medida que o homem construiu as sociedades. Inicialmente foi entendida</p><p>como agressividade instintiva, gerada pelo esforço do homem para sobreviver</p><p>na natureza. A organização das primeiras comunidades e, principalmente, a</p><p>organização de um modo de pensar coerente, que deu origem às culturas,</p><p>gerou também a tentativa de um processo de controle da agressividade</p><p>natural do homem (Souza, 2010, p. 1).</p><p>A OMS (Brasil, 2014b) define a violência contra a pessoa idosa:</p><p>São ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando</p><p>a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o</p><p>desempenho de seu papel social. A violência acontece como uma quebra</p><p>de expectativa positiva por parte das pessoas que a cercam, sobretudo dos</p><p>filhos, dos cônjuges, dos parentes, dos cuidadores, da comunidade e da</p><p>sociedade em geral.</p><p>Para Minayo (2005, p. 48), “o maltrato à pessoa idosa é um ato (único ou repetido) ou omissão que</p><p>lhe cause danos ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.</p><p>Para a autora, a violência contra a pessoa idosa é um dilema universal e as pessoas idosas mais</p><p>vulneráveis à violência são os dependentes física e mentalmente, em especial aqueles que apresentam</p><p>agravantes como esquecimento, confusão mental, incontinência e dificuldades de locomoção</p><p>(Minayo, 2005).</p><p>A pesquisadora define a natureza da violência e a divide da seguinte forma:</p><p>As violências contra as pessoas idosas se manifestam de forma:</p><p>(a) estrutural, aquela que ocorre pela desigualdade social e é naturalizada</p><p>nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação;</p><p>(b) interpessoal, nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e</p><p>(c) institucional, na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais</p><p>pelo Estado e pelas instituições de assistência, maneira privilegiada de</p><p>reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo</p><p>e de discriminação (Minayo, 2005, p. 48).</p><p>A violência contra pessoas idosas é uma violação aos direitos humanos e é uma das causas mais</p><p>importantes de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e desesperança.</p><p>110</p><p>Unidade I</p><p>Essa violência pode ser visível ou invisível: a primeira envolve mortes e lesões; a segunda abrange</p><p>lesões que não machucam o corpo, mas provocam sofrimento, desesperança, depressão e medo.</p><p>Os custos da violência contra pessoas idosas, ainda que não estejam suficientemente documentados,</p><p>têm implicações diretas e indiretas.</p><p>Os custos diretos podem estar associados a prevenção e intervenção, assim como a prestação de</p><p>serviços, processos jurídicos, assistência institucional e programas de prevenção, educação e intervenção.</p><p>Os custos indiretos referem-se a questões como menor produtividade, baixa qualidade de vida, dor e</p><p>sofrimento emocional, perda de confiança e</p><p>autoestima, incapacidades e morte prematura.</p><p>Observação</p><p>A violência contra a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos.</p><p>Enfrentar a violência à pessoa idosa requer um enfoque multidisciplinar.</p><p>Há múltiplas situações, condutas, sintomas e sinais que podem levar a suspeitas da existência de</p><p>violência. A própria queixa por parte da pessoa idosa é um dos indicadores mais sensíveis e específicos,</p><p>comum a todos os tipos de violências.</p><p>O Brasil começou a tratar do assunto apenas nas duas últimas décadas devido ao aumento do</p><p>número da população idosa no país, que tornou irreversível a sua presença em todos os âmbitos da</p><p>sociedade. Houve crescimento no protagonismo de movimentos realizados pela própria população</p><p>idosa ou por instituições aliadas, seja em associações de aposentados, nos conselhos específicos ou em</p><p>movimentos políticos, sociais e de direitos.</p><p>Essas ações repercutiram tanto na promulgação da Política Nacional da Pessoa Idosas (1994) como</p><p>no Estatuto da Pessoa Idosa (2003), os quais serão estudados a seguir.</p><p>A Lei n. 12.461 (Brasil, 2011), que reformulou o art. 19 do Estatuto, Lei n. 10.741 (Brasil, 2003),</p><p>ressaltou a obrigatoriedade da notificação dos profissionais de saúde, de instituições públicas</p><p>ou privadas, às autoridades sanitárias quando constatarem casos de suspeita ou confirmação de</p><p>violência contra pessoas idosas, bem como a sua comunicação aos seguintes órgãos: autoridade</p><p>policial; Ministério Público; Conselho Municipal da Pessoa Idosa; Conselho Estadual da Pessoa</p><p>Idosas; Conselho Nacional da Pessoa Idosa.</p><p>111</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Resumo</p><p>Discutiu-se a trajetória da construção da doutrina de proteção</p><p>integral para crianças e adolescentes e o reconhecimento da criança</p><p>e do adolescente enquanto sujeitos de direitos. Assim, foi estudado o</p><p>percurso de formação e construção sócio-histórica da política da criança</p><p>e do adolescente.</p><p>Posteriormente, abordou-se a questão da atenção a crianças e</p><p>adolescentes  por meio dos seguintes períodos: a infância no período</p><p>da colonização pelos portugueses; a infância em civilizações antigas;</p><p>o século XIV – XVI, marcado pelo Renascimento; o período higienista,</p><p>assistencial caritativo (1554-1874), marcado pelas primeiras iniciativas</p><p>de atenção ao “menor”; o filantrópico (1874-1924), com destaque para</p><p>a ação de higienistas e filantropos no controle de doenças; o assistencial</p><p>(1924-1964), acentuado por muitas mudanças legais, como o Código</p><p>de Menores de 1927 e instituições de atendimento, a exemplo do SAM</p><p>(1941); o institucional (1964-1990), época de expansão do número de</p><p>instituições de atendimento, como a Funabem.</p><p>Foi abordada a trajetória da infância e juventude e da proteção social no</p><p>Brasil, como também a criança e suas diversidades (pessoa com deficiência,</p><p>indígenas, situação de rua, privadas de liberdade, negras, quilombolas).</p><p>Além do direito da criança e dos adolescentes na saúde, saúde mental,</p><p>educação e assistência social.</p><p>A década de 1990 se iniciou com a mudança de paradigma, de</p><p>doutrina de situação irregular para doutrina de proteção integral, que foi</p><p>promovida pelo ECA. Com o ECA, foram criadas políticas de atendimento</p><p>específicas, considerando-se situações de vivência, medidas de proteção,</p><p>ações socioeducativas, planos e programas, todos sendo operacionalizados</p><p>através de uma rede de atendimento.</p><p>Por meio de uma breve retrospectiva histórica, foram elencadas as</p><p>principais formas de intervenção, constituídas para oferecer à população</p><p>do país o socorro a suas necessidades básicas, parte da organização</p><p>econômica e política do Brasil, desde o regime colonial até os dias atuais.</p><p>Por meio das legislações que asseguram os direitos da criança</p><p>e adolescentes, foram significativos para mudanças de paradigmas,</p><p>consequentemente em atitudes da sociedade, porém ainda estamos</p><p>112</p><p>Unidade I</p><p>caminhando para maior segurança, com a elaboração e efetividade do SGD,</p><p>por meio do sistema (SGDCA) e (PNCFC)</p><p>Também foi abordada a primazia da proteção integral (medidas</p><p>protetivas e socioeducativas), na atenção à criança e ao adolescente,</p><p>especialmente a proteção frente à situação de violência.</p><p>Conceituaram-se o envelhecimento e os processos envolvidos nesse</p><p>segmento. Ao longo da história humana, a velhice foi vista de diferentes</p><p>maneiras, conforme a cultura e os hábitos de vida de cada povo.</p><p>Parte inerente do processo da vida, o envelhecimento é marcado por</p><p>mudanças biopsicossociais específicas. No entanto, esse fenômeno varia</p><p>de indivíduo para indivíduo, podendo ser determinado geneticamente ou</p><p>influenciado pelo estilo de vida, pelas características do meio ambiente e</p><p>pela situação social.</p><p>A abordagem do conceito envelhecimento inclui a análise de aspectos</p><p>culturais, políticos e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas</p><p>simbólicos da sociedade.</p><p>O envelhecimento ativo depende de vários fatores determinantes,</p><p>que envolvem indivíduos, famílias e países. Eles podem ser transversais,</p><p>formados pela cultura e pelo gênero, envolvendo os sistemas de saúde e de</p><p>serviço social, aspectos comportamentais, o ambiente físico, o ambiente</p><p>social e o ambiente econômico.</p><p>Destacou-se que o envelhecimento ativo aumenta a expectativa de</p><p>uma vida saudável e de qualidade, inclusive para as pessoas que são frágeis,</p><p>fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados.</p><p>Para estudar o envelhecimento no Brasil, foram analisados dados</p><p>estatísticos, que evidenciaram uma inversão da pirâmide etária. Constatou-se</p><p>que houve avanço quanto às legislações e inserção de políticas de proteção</p><p>social.</p><p>Traçou-se um panorama da construção de políticas de atenção que</p><p>primam pelos direitos das pessoas idosas no Brasil antes e após a Constituição</p><p>Federal de 1988.</p><p>113</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Acerca do tema “a trajetória do reconhecimento da criança e do adolescente enquanto</p><p>sujeitos de direito”, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.</p><p>I – O período assistencial caracterizou-se pelo aumento do número de leis que tinham como</p><p>finalidade abranger a maioria dos aspectos da assistência à infância, sob o bojo da Declaração dos</p><p>Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959.</p><p>porque</p><p>II – Nesse período, foram criadas a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem,</p><p>que tinham seus objetivos voltados exclusivamente para o atendimento de crianças e de</p><p>adolescentes que cometessem atos infracionais.</p><p>É correto afirmar que:</p><p>A) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção justifica a primeira.</p><p>B) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção não justifica a primeira.</p><p>C) A primeira asserção é verdadeira, e a segunda asserção é falsa.</p><p>D) A primeira asserção é falsa, e a segunda asserção é verdadeira.</p><p>E) As duas asserções são falsas.</p><p>Resposta correta: alternativa E.</p><p>Análise da questão</p><p>A primeira asserção é falsa. Apesar de o início do período assistencial (1924) ter sido caracterizado</p><p>pelo aumento no volume de leis que tinham por objetivo cobrir o máximo possível dos aspectos ligados</p><p>à assistência à infância, a Declaração dos Direitos da Criança foi subscrita pela Assembleia Geral das</p><p>Nações Unidas somente 35 anos depois (1959).</p><p>A segunda asserção é falsa, pois a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem</p><p>foram criadas no período institucional (1964-1990); seus objetivos não se limitavam ao atendimento</p><p>de crianças e adolescentes que cometessem atos infracionais, eles também eram voltados às crianças e</p><p>adolescentes que vivenciassem situação de vulnerabilidade social.</p><p>114</p><p>Unidade I</p><p>Questão 2. Leia o texto a seguir.</p><p>Acolhimento Institucional</p><p>No PNCFC, adotou-se o termo Acolhimento Institucional para designar os programas de abrigo em</p><p>entidade, definidos no Art. 90, Inciso IV, do ECA, como aqueles que atendem crianças e adolescentes</p><p>que se encontram sob medida protetiva de abrigo, aplicadas nas</p><p>situações dispostas no Art. 98.</p><p>Segundo o Art. 101, Parágrafo Único, o abrigo é uma medida provisória e excepcional, não implicando</p><p>privação de liberdade. O Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes pode ser oferecido em</p><p>diferentes modalidades como: Abrigo Institucional para pequenos grupos, Casa Lar e Casa de Passagem.</p><p>Independentemente da nomenclatura, todas estas modalidades de acolhimento constituem “programas</p><p>de abrigo”, previstos no artigo 101 do ECA, inciso VII, devendo seguir os parâmetros dos artigos 90, 91,</p><p>92, 93 e 94 (no que couber) da referida Lei.</p><p>Todas as entidades que desenvolvem programas de abrigo devem prestar plena assistência à criança</p><p>e ao adolescente, ofertando-lhes acolhida, cuidado e espaço para socialização e desenvolvimento.</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/3cyyvnfj. Acesso em: 16 dez. 2023 (com adaptações).</p><p>Com base no termo “Acolhimento Institucional” adotado pelo Plano Nacional de Convivência Familiar</p><p>e Comunitária (PNCFC) para denominar os programas de abrigo em entidades e nas modalidades e</p><p>características dos serviços de acolhimento para crianças, adolescentes e jovens, assinale com V as</p><p>afirmativas verdadeiras e com F as afirmativas falsas:</p><p>( ) O público constituído por jovens de 18 a 21 anos deve ser, em termos de acolhimento,</p><p>encaminhado para o serviço intitulado “República”, em número de até seis jovens por unidade.</p><p>( ) O serviço denominado “Família acolhedora” prevê, como capacidade de atendimento, até</p><p>20 crianças e adolescentes.</p><p>( ) Para que o serviço “Casa-lar” possa ser oferecido em unidades residenciais, é necessário que pelo</p><p>menos uma pessoa ou um casal trabalhe como educador ou cuidador residente.</p><p>( ) O “Abrigo Institucional” é o serviço oferecido em sistema de autogestão ou cogestão, com</p><p>capacidade de atendimento para até seis jovens por unidade, destinado somente a adolescentes.</p><p>( ) O serviço destinado prioritariamente a jovens egressos de serviços de acolhimento para crianças</p><p>e adolescentes é o “Casa-lar”, uma vez que permite a gradual autonomia de seus moradores.</p><p>115</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>A sequência correta das marcações, de cima para baixo, é</p><p>A) V – F – V – V – F.</p><p>B) F – V – F – V – F.</p><p>C) V – F – V – F – F.</p><p>D) F – F – V – V – F.</p><p>E) V – V – F – V – F.</p><p>Resposta correta: alternativa C.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>De acordo com a tipificação nacional dos serviços socioassistenciais (CNAS, 2009), o serviço de</p><p>acolhimento institucional denominado “República” é previsto para o público de jovens de 18 a 21 anos</p><p>e deve ter capacidade de atendimento de até seis jovens por unidade.</p><p>O serviço de acolhimento intitulado “Família Acolhedora”, voltado para crianças e adolescentes</p><p>(0 a 18 anos), tem como capacidade de atendimento uma criança ou um adolescente para cada família,</p><p>exceto no caso de grupos de irmãos, que devem ficar juntos na mesma família acolhedora.</p><p>Os diferenciais do serviço de acolhimento “Casa-lar” são a presença de um educador ou cuidador</p><p>residente e o menor número de crianças e adolescentes acolhidos (até dez crianças e adolescentes</p><p>por unidade).</p><p>O serviço de acolhimento denominado “Abrigo Institucional” é inserido na comunidade em áreas</p><p>residenciais, deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e é voltado para o atendimento de até</p><p>20 crianças e adolescentes.</p><p>A “República” é o serviço que se destina majoritariamente a jovens egressos de serviços de acolhimento</p><p>para crianças e adolescentes, permite a gradual autonomia de seus moradores e funciona em sistema</p><p>de autogestão.</p><p>Fonte: CNAS. Resolução Conjunta n. 1, de 18 de junho de 2009. Aprova o documento Orientações Técnicas:</p><p>Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, 2009.</p><p>que envolviam a instrução aos indígenas encontrariam</p><p>primeiramente dificuldades de comunicação e alteridade cultural.</p><p>Assim, os jesuítas enxergaram nas crianças indígenas uma espécie de tábula rasa capazes de</p><p>aprender os conceitos cristãos mais facilmente que os índios adultos, visavam tirá-las do paganismo e</p><p>discipliná-las, inculcando-lhes normas e costumes cristãos, como o casamento monogâmico, a confissão</p><p>dos pecados, o medo do inferno. Convertendo-as e disciplinando-as, haveria “futuros súditos dóceis” do</p><p>Estado português e que ainda influenciariam a conversão dos adultos às estruturas sociais e culturais</p><p>recém-importadas.</p><p>13</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Desenvolveram-se novos olhares para a criança, eram um papel em branco, fruto das novas</p><p>concepções de infância que surgiam na Europa, construindo também o conceito de infância no Brasil,</p><p>que viria acompanhado das influências do velho mundo. Tais influências atuavam fortemente nas</p><p>políticas educacionais e assistencialistas da Igreja para a infância ameríndia e portuguesa.</p><p>Nos primeiros anos do período colonial, apesar de um dos marcos ser a implantação da educação</p><p>(embora de cunho cristão), durante muito tempo, foram percebidas disparidades gritantes no tratamento</p><p>direcionado a crianças de dois grupos sociais distintos: as de famílias de elite e as de origem pobre.</p><p>1.4 A infância no período filantrópico‑higienista (1874‑1924)</p><p>Esse período corresponde ao fim do Brasil Império e à República Velha (1874-1922):</p><p>A intensa imigração estrangeira para o Brasil suscitou a criação de</p><p>diversas sociedades científicas, que trabalharam, sobretudo, no controle</p><p>das doenças epidêmicas e na ordenação dos espaços públicos e coletivos,</p><p>inclusive escolas, internatos e prisões. Nesse período deu-se a supremacia</p><p>do médico sobre o jurista no tratamento dos assuntos referentes ao</p><p>amparo à criança [...] (Silva, 1997, p. 34-35).</p><p>Na República Velha, os asilos mantiveram-se e ainda foram criados outros, conforme destacado</p><p>no excerto:</p><p>A República herda do Império dezesseis instituições asilares para a</p><p>infância no Rio de Janeiro, e entre 1889 e 1930 são criadas quatorze</p><p>instituições de tipo asilos, abrigos, orfanatos, escolas para abandonados</p><p>e seis instituições ligadas à saúde da criança (dispensários, policlínicas,</p><p>instituições de assistência à saúde), sendo do Estado o Abrigo de Menores</p><p>e a Escola 15 de Novembro no Rio de Janeiro, o Instituto João Pinheiro, em</p><p>Minas Gerais, e o Instituto Disciplinar, em São Paulo (Faleiros apud Rizzini;</p><p>Pilotti, 2009, p. 42).</p><p>Couto et al. (2010) relatam que a República Velha demarca mais de uma mudança na organização</p><p>política. Ela funda também alterações na organização econômica do Brasil.</p><p>Em sua análise, Couto et al. (2010) dizem que, com o avanço das forças produtivas em nosso país,</p><p>relacionadas ao desenvolvimento capitalista, já não havia mais como o Estado ser representado pelo</p><p>Império. Note-se que o fato de vivenciar a organização política imperial ainda deixava o Brasil com uma</p><p>vinculação direta a Portugal, o que dificultava o livre-comércio da produção capitalista. Assim, a República</p><p>era condição imprescindível para dar sequência ao desenvolvimento capitalista brasileiro.</p><p>Desse modo, partindo das definições de Couto et al. (2010), pode-se concluir que temos na República</p><p>Velha a instituição do sistema capitalista de produção. Ainda nesse período, as atividades agrícolas eram</p><p>referência na economia do país. A adesão ao sistema capitalista de produção não resultou, no entanto,</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>na superação das atividades agrícolas. Mas foi a partir de então que a imagem do burguês, gestada</p><p>durante o Império, assumiu relevância na sociedade brasileira. Como nesse período foram criadas as bases</p><p>iniciais do processo de industrialização, a figura do industriário ou burguês assumiu grande destaque.</p><p>O processo de industrialização estimulou ainda a urbanização de alguns dos principais centros de</p><p>comércio. Como as indústrias e os empregos estavam em determinadas regiões centrais, houve grande</p><p>trânsito das pessoas para esses locais. Com isso, ocorreu progressiva ampliação da população urbana em</p><p>detrimento da que residia na zona rural.</p><p>Em relação à organização política, foi nesse aspecto que ocorreram mais mudanças, pois, a partir</p><p>da República, não haveria mais a figura do imperador, da Corte e dos representantes do Estado, tão</p><p>comuns no período antecessor. O comum é que também na República Velha o poder seria privilégio dos</p><p>segmentos mais abastados economicamente; depois, haveria a figura do presidente.</p><p>Durante a República Velha, houve ausência por parte do Estado quanto à intervenção organizada</p><p>junto aos segmentos sociais empobrecidos. Assim, a ação propriamente dita ocorreu pela caridade</p><p>privada e a ação da Igreja Católica, sendo mantida a prática que já vinha sendo executada durante os</p><p>períodos da Colônia e do Império. Nesse momento houve significativa ampliação das Rodas dos Expostos</p><p>e também das Santas Casas, que se tornaram instituições hegemônicas (Araújo; Souza; Faro, 2010).</p><p>As Rodas assim como as Santas Casas foram mantidas durante muitos anos em nosso país. Como</p><p>exemplo de acolhimento, instaura-se no período colonial um asilo para atender pessoas idosas, criado por</p><p>indicação do conde Resende, com o objetivo de acolher apenas aqueles que tinham servido na chamada</p><p>Guarda Nacional, similar ao Exército. Essa instituição localizava-se no Rio de Janeiro, que no momento</p><p>era a capital do país, e recebeu o nome de Casa dos Inválidos. Com o tempo, essa instituição começou</p><p>a atender outras pessoas idosas e também a cobrar pelos serviços. Existe até hoje e é especialmente</p><p>destinada a atender pessoas idosas ricas, dado o valor cobrado (Araújo; Souza; Faro, 2010).</p><p>Saiba mais</p><p>Para ampliar o conhecimento sobre o exposto, recomenda-se o seguinte</p><p>curta-metragem:</p><p>RODAS dos expostos. Direção: Maria Emília Azevedo. Brasil: Synapse</p><p>Produções Ltda, 2001. 20 min.</p><p>15</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Veja o texto. Trata-se de uma descrição da intervenção nas Rodas dos Expostos:</p><p>Destaque</p><p>A infância pobre e estigmatizada na Roda dos Expostos</p><p>Há aproximadamente cem anos, autoridades diagnosticaram o “problema da infância”,</p><p>uma grave questão social brasileira. Trata-se do grande número de crianças em estado de</p><p>miséria ou abandono, principalmente nas grandes cidades.</p><p>O diagnóstico, porém, não era novo: há mais de trezentos anos, desde o início do</p><p>período colonial, meninos e meninas de diferentes raças e idades já vinham sendo</p><p>colocados à margem da sociedade. As circunstâncias variavam, mas os motivos eram</p><p>quase sempre os mesmos, isto é, abandono e orfandade vinculados à pobreza, à</p><p>escravidão ou aos códigos morais, que não admitiam mães solteiras. O histórico da</p><p>assistência ao “problema da infância” no país é, portanto, tão antigo como o próprio</p><p>problema – e, de certa forma, como o próprio Brasil.</p><p>Em meados do século XVI, o início do processo colonial europeu na América valia-se</p><p>de dois “argumentos” para submeter populações nativas: a pólvora e a Bíblia. Pela guerra,</p><p>soldados e colonos dizimavam as tribos inimigas, onde também obtinham a necessária</p><p>mão de obra escrava para suas obras e plantações. Em paralelo, o trabalho de catequese</p><p>dos jesuítas ocupava-se das tribos aliadas – os índios “mansos”, eles próprios já então</p><p>também entendidos, de certa forma, como um povo “infantilizado”. Nesse início da</p><p>história, foram os padres que primeiro se ocuparam das crianças índias, abandonadas</p><p>depois que seus pais haviam sido mortos ou escravizados.</p><p>Os jesuítas não recebiam apenas índios, mas também os filhos e as filhas de colonos,</p><p>bem como mestiços pobres. Todos eram alvo da catequese jesuítica e, eventualmente,</p><p>do ensino do idioma escrito e de ofícios considerados condizentes a sua condição social.</p><p>Segundo a lei, as crianças abandonadas, incluídas nesse contingente, deveriam ser</p><p>acolhidas pela municipalidade,</p><p>mas essa difícil tarefa foi em grande parte assumida pela</p><p>Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.</p><p>“Nos séculos XVI e XVII, tanto as câmaras municipais como as misericórdias prestaram</p><p>alguma assistência a crianças abandonadas e enjeitadas, adotando ambas a ‘colocação’</p><p>destes em casa particulares, onde deveriam ser cuidados e amamentados por amas de</p><p>leite até 3 anos, mediante pagamento”, afirma a mestra em Serviço Social, Eva Faleiros.</p><p>O século XVIII, porém, iria assistir não apenas ao grande crescimento das cidades – mas</p><p>também, em paralelo, ao aumento no número de crianças abandonadas, superando em</p><p>muito a assistência que as câmaras ou Casas De Misericórdia podiam oferecer. Começava,</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>então, a prática de abandonar recém-nascidos em locais públicos – eram os expostos,</p><p>que só podiam contar com a compaixão das famílias que os encontravam.</p><p>Era uma questão de “sorte”: cronistas da época contam que muitas crianças</p><p>abandonadas nas ruas e estradas, e não assistidas a tempo, morriam até mesmo devoradas</p><p>por animais.</p><p>Em 1726, o vice-rei Vasco Meneses determinou que todas as crianças expostas fossem</p><p>abrigadas em asilos. Foi a partir daí que a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro</p><p>adotou o sistema da Roda, já utilizado na Europa desde a Idade Média, que iria funcionar</p><p>por mais de duzentos anos. Outras rodas seriam instaladas nas casas de assistência do</p><p>Rio, Salvador e do Recife nas décadas seguintes. Até o fim do segundo reinado, seriam</p><p>treze em funcionamento em todo o país.</p><p>Embora tenha se tornado um mecanismo tristemente famoso, a Roda era a maior</p><p>esperança de sobrevivência para os “enjeitados e expostos”. Tratava-se do “dispositivo</p><p>onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida</p><p>ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro</p><p>interior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava.</p><p>A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma</p><p>cordinha, com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser</p><p>abandonado, e o expositor furtivamente se retirava do local sem ser identificado”, explica</p><p>a presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, Maria Luiza Marcílio.</p><p>O Rio chegou a ter até mesmo uma “Casa da Roda”, depois chamada “Casa dos</p><p>Expostos”, hoje Educandário Romão de Mattos Duarte, uma homenagem ao seu fundador.</p><p>“O atendimento a números tão elevados de bebês era possibilitado pelo sistema da</p><p>criação externa por amas de leite, contratadas pela Santa Casa de cada cidade”, informam</p><p>Irma Rizzini – pesquisadora na área de História da Educação – e Irene Rizzini – diretora</p><p>do Ciespi. “A criação coletiva de crianças pequenas nas Casas de Expostos, em um período</p><p>anterior às descobertas de Pasteur e da microbiologia, resultava em altíssimas taxas de</p><p>mortalidade. A amamentação artificial era um risco sério para as crianças, obrigando</p><p>as instituições a manterem em seu quadro de pessoal amas de leite, responsáveis pela</p><p>amamentação de um grande número de lactentes”, afirmam. Era comum que escravas,</p><p>alugadas por seus proprietários, fossem empregadas nesta tarefa.</p><p>Frequentemente, era deixado um bilhete junto à criança, em geral escrito pela mãe,</p><p>no qual constavam algumas informações: nome do bebê, se foi ou não batizado e data</p><p>de nascimento. “Nos bilhetinhos, os familiares da criança expunham os motivos que os</p><p>levaram a procurar o hospital; neles, o abandono é apresentado como um paradoxal</p><p>gesto de amor, uma maneira de proteger o menino ou a menina que corria risco de</p><p>vida”, afirma Renato Pinto Venâncio, doutor em História do Brasil Colônia e historiador</p><p>especialista na Roda dos expostos. Algumas vezes, esses dados eram acompanhados de</p><p>17</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>pedidos de perdão – reforçando que a prática, embora comum, também podia ser um</p><p>peso na consciência.</p><p>Machado de Assis, na crônica “Pai contra mãe”, expressa esse sentimento a partir</p><p>da literatura, quando conta a história de um jovem casal que aguarda ansiosamente</p><p>a chegada de um filho, mas a difícil situação financeira apresenta um futuro diferente</p><p>do esperado: “Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o</p><p>conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia</p><p>haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para</p><p>beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular...”.</p><p>Havendo bilhete acompanhando a criança enjeitada ou não, dados sobre a criança</p><p>eram anotados em livros de registros das casas de assistência. Alguns deles ainda existem</p><p>e dão uma ideia das condições em que as crianças chegavam. Como neste termo, extraído</p><p>do livro Educandário Romão de Mattos Duarte, de Dahas Zarur, de 1843:</p><p>“Às duas horas da tarde lançaram na Roda uma menina crioula, que tinha dois meses</p><p>de idade, muito enferma, com as orelhas furadas; no pescoço, uma enfiadura (espécie de</p><p>colar) de missangas, com duas figas de pau”.</p><p>Problemas físicos eram registrados em detalhes:</p><p>“Às nove horas da noite lançaram na Roda uma menina que parece branca,</p><p>recém-nascida, com dois dedos na mão esquerda, outros dois no pé direito” (1843).</p><p>E às vezes eram depositados na Roda dos falecidos, não chegando a sobreviver para</p><p>receber a assistência:</p><p>“Às nove horas da noite foi lançado na Roda o cadáver de um menino de cor parda,</p><p>que parece ter três dias de nascido. Sendo examinado pelo doutor, diz este que é falecido</p><p>de desvaído (não socorrido). Veio vestido com uma camisa de cambrainha” (1864).</p><p>“A Roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida,</p><p>sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou</p><p>e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só</p><p>foi extinta definitivamente na década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a</p><p>chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da Roda</p><p>dos enjeitados”, afirma Marcos Freitas, doutor em História e Filosofia da Educação pela</p><p>PUC-SP e professor do Departamento de Educação da Unifesp. Ainda assim, avalia o</p><p>pesquisador, “essa instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a Roda</p><p>dos expostos foi praticamente a última instituição de assistência à criança abandonada</p><p>em todo o Brasil”.</p><p>Fonte: Lyra; Oliveira (2010).</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Esse texto foi propositalmente escolhido porque as Rodas foram as instituições que mais se</p><p>expandiram em nosso país. Hoje temos alguns lugares que querem recuperar essa prática.</p><p>Como você compreende o suposto desejo de reviver essa instituição? Repense, reflita e argumente</p><p>sobre o assunto.</p><p>Lembrete</p><p>Na República Velha, houve uma intervenção voltada à legislação para</p><p>regulamentar o trabalho.</p><p>Esse período foi marcado por omissão, repressão e paternalismo na proteção à infância, e as iniciativas</p><p>ficavam por conta do setor privado.</p><p>No que se refere ao trabalho infantil, o Estado o apoiava, qualificando-o como mão de obra útil</p><p>nessa época. Em 1891 foi criada uma lei referente ao trabalho de menores que impedia esse tipo de</p><p>trabalho; embora não tenha sido regulamentada na época, permitia o trabalho de crianças, limitando</p><p>apenas a idade e a carga horária.</p><p>A extinção da escravidão em 1888 trouxe expressiva alteração no panorama social brasileiro: a</p><p>crescente onda imigratória – a industrialização e urbanização aceleradas estavam inserindo o país no</p><p>cenário mundial como um lugar de grandes possibilidades de realizações econômicas. No entanto,</p><p>mesmo com o fim do período escravocrata e do regime monárquico, a sociedade ainda mantinha forte</p><p>mentalidade rural e agrária, embora percebendo fazer-se necessário repensar aquele quadro social, no</p><p>qual ainda predominavam os senhores de terras e os escravos.</p><p>Observação</p><p>A República Velha tem seu início estimado a partir de 1889.</p><p>No século XX,</p><p>entraram em cena com toda a força os higienistas e os filantropos frente à necessidade</p><p>incontestável dos preceitos higiênicos e da importância dos médicos nas instituições. Inicialmente, esse</p><p>período foi marcado pela distinção entre filantropia e caridade, porém, com o passar dos anos, os</p><p>seus discursos foram afinados e os conflitos superados, visto que ambas tinham o mesmo objetivo: a</p><p>preservação da ordem social.</p><p>Os conhecimentos sobre higiene e o controle sobre doenças infectocontagiosas ganhavam em</p><p>todo o mundo a atenção dos médicos, inclusive no Brasil, devido ao aumento das doenças tropicais,</p><p>um real perigo às populações que adentravam áreas urbanas. Os higienistas perceberam que, sendo a</p><p>19</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>família o alvo a ser atingido na profilaxia das doenças, a criança representava a ponte ideal de acesso</p><p>a ela (Rizzini, 1995, p. 108).</p><p>Em torno da metade do século XIX, os médicos brasileiros já mostravam nítida preocupação com</p><p>a infância. Atentavam para os altos índices de mortalidade infantil dos asilos e das casas da Roda,</p><p>procurando descobrir os motivos do fenômeno na tentativa de minimizá-lo. Nessa época, fundaram-se</p><p>as bases da puericultura no Brasil. Apesar disso, a necessidade de um reordenamento político e social</p><p>na nascente República somado ao recrudescimento das mazelas da infância abandonada fizeram</p><p>oscilar os discursos políticos entre a defesa da criança e a defesa da sociedade contra a criança, vista</p><p>como uma ameaça à ordem pública.</p><p>Foi nessa época que a sociedade iniciou as discussões sistemáticas sobre a responsabilidade do poder</p><p>público na formulação de políticas sociais voltadas para a infância.</p><p>Assim, a judicialização da infância nesse período foi notória, baseando-se na ideia da necessidade</p><p>do Estado de intervir para educar e corrigir as crianças, a fim de se transformarem em cidadãos úteis</p><p>e produtivos, tudo em nome da paz social. Foi nesse tempo que nasceu o termo menor, referindo-se</p><p>“à criança em risco social e normalmente acompanhada de outro adjetivo, que podia ser: delinquente,</p><p>abandonado, desvalido, vicioso etc.” (Rizzini, 1995, p. 115).</p><p>No fim do século XIX, era crescente o número de crianças abandonadas no Rio de Janeiro e a</p><p>criminalidade infantojuvenil era cada vez maior. Embora os avanços científicos e sociais destacassem a</p><p>necessidade da oferta da educação infantil no lugar da repressão, mesmo assim, foi promulgado às pressas</p><p>o Código Criminal de 1890, o qual rebaixou a idade penal de 14 para 9 anos, reduzindo em 5 anos a fixada</p><p>pelo Código Criminal de 1830. Tal medida foi justificada como sendo necessária para “salvar o menor” e</p><p>atuava através de ações coercitivas e correcionais, aparentemente de aplicação mais fácil, rápida e eficaz</p><p>que as educacionais.</p><p>Segundo o Código de 1890, não eram considerados criminosos os menores de 9 anos completos</p><p>e os maiores de 9 e menores de 14 anos que “obrassem sem discernimento”. Dessa maneira, o</p><p>discernimento, tal como poderia ser entendido a partir da lei, enquanto idade da razão, levou à prisão</p><p>muitas crianças, as quais cumpriram pena de prisão disciplinar em estabelecimentos industriais.</p><p>Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14 que tiverem obrado com</p><p>discernimento serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes,</p><p>pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda</p><p>a idade de 17 anos (Brasil, 1890).</p><p>Conforme o art. 49, nesses estabelecimentos deveriam ser recolhidos os menores de até 21 anos</p><p>de idade; o art. 400, por sua vez, anunciou a intenção e a necessidade de criar novas colônias penais</p><p>em ilhas marítimas ou nas fronteiras do território nacional. A recuperação desses jovens dar-se-ia pela</p><p>disciplina de uma instituição de caráter industrial, no qual o trabalho seria o principal recurso para</p><p>enquadrar, no regime produtivo vigente, aqueles menores (Brasil, 1890).</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>Na verdade, o que havia por trás disso era uma tentativa de fazer trabalhar o ex-escravo ou imigrante</p><p>numa época de transição para o capitalismo, e as novas relações de produção assumiam uma conotação</p><p>utilitarista e civilizadora. Para pôr em prática essa visão, era necessário reprimir a ociosidade, o que</p><p>significava a condenação de crianças que perambulavam nas ruas. Assim, elas eram recolhidas na Casa</p><p>de Detenção do Rio de Janeiro e colocadas junto de presos adultos. Embora o Código de 1830 já previsse</p><p>a separação entre jovens delinquentes e adultos nas prisões, isso não era observado porque não havia</p><p>instituições com essa finalidade, misturando-se ali presos adultos, crianças delinquentes e também</p><p>aquelas que eram simplesmente abandonadas.</p><p>No início do século XX, era clara a demanda para que se aprovasse legislação voltada especificamente</p><p>para o menor de idade e que o Estado assumisse a responsabilidade na proteção e defesa da criança.</p><p>O tema tornou-se objeto de preocupação em diversos países, tendo sido amplamente discutido nos</p><p>congressos internacionais sobre direito criminal.</p><p>Pesquisas dessa época revelaram que era preciso definir critérios para classificar os menores a fim de</p><p>dar-lhes o tratamento adequado. Acreditando ser o internamento a medida mais coerente e que salvaria</p><p>a dignidade social, era necessário que houvesse uma lei que atendesse a questão de regulamentação a</p><p>partir das seguintes fases: classificar, recolher e internar as crianças. Surgiram então alguns projetos de</p><p>lei que tratavam da criança sob essa nova abordagem dicotomizadora: a abandonada e a delinquente;</p><p>projetos esses que, durante as duas primeiras décadas do século XX, iriam desdobrar-se em inúmeras</p><p>leis e decretos.</p><p>Em 1903, foi criada a Escola Correcional. Essa instituição, os asilos e os orfanatos tinham o objetivo</p><p>de treinar os “menores” abandonados e recolhidos para encaminhá-los ao trabalho. Os “delinquentes”</p><p>eram tratados com repressão, “integrar pelo trabalho ou dominar pela repressão eram as estratégias</p><p>dominantes” (Faleiros, apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 43). Os juristas lutavam para suprimir o critério do</p><p>discernimento na aplicação de penas a menores que definia a inimputabilidade até os 9 anos de idade.</p><p>Em 1906, atento ao perigo em potencial que representavam as crianças entregues ao ócio e o</p><p>conhecimento de que seria a infância a época ideal para moldar sua personalidade, surgiu o projeto do</p><p>senador Alcindo Guanabara, o qual tratava da regulamentação da “infância moralmente abandonada</p><p>e delinquente”. Seus principais pontos eram o controle da autoridade judiciária sobre o menor em</p><p>situação de abandono, podendo essa autoridade colocá-lo sob a sua “proteção”; dispositivos para</p><p>suspensão/devolução do pátrio poder e medidas de prevenção e tratamento, com a previsão de criação</p><p>de instituições de prevenção para os moralmente abandonados e de reforma para os delinquentes.</p><p>A idade penal seria alterada de 9 para 12 anos e entre a faixa de 12 a 17 anos, segundo o critério</p><p>do discernimento.</p><p>Assim, as crianças eram recolhidas, classificadas e encaminhadas para as escolas de prevenção ou de</p><p>reforma, conforme a execução do ato praticado, com ou sem discernimento.</p><p>Despontaram no cenário brasileiro os reformatórios e as casas de correção, ou seja, a</p><p>infância/adolescência desvalida estaria nas mãos dos tribunais, que na passagem do século XIX para</p><p>21</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>o XX, trouxe a ideia de um “novo direito”, pautando-se numa justiça que “revelasse a reeducação, em</p><p>detrimento da punição”.</p><p>Embora esses projetos procurassem tratar de múltiplos aspectos da assistência à infância, a legislação</p><p>efetivamente promulgada em 1927 parece ter aproveitado “recortes” desses projetos, por exemplo:</p><p>nova regulamentação da casa de detenção; reorganização do ensino da Escola Quinze de Novembro</p><p>(internato de referência da época); criação de patronatos agrícolas; regulamentação da assistência a</p><p>menores abandonados e delinquentes; e reorganização da Justiça Federal.</p><p>Em</p><p>5 de janeiro de 1921, foi promulgada a Lei n. 4.242, que tratava da assistência e proteção de</p><p>“menores abandonados” e “menores delinquentes”, sendo regulamentada em 1923 por um decreto. Para a</p><p>lei, os jovens autores ou cúmplices de crime ou contravenção eram considerados “menores delinquentes”,</p><p>se tornaram imputáveis até os 14 anos, não valendo mais a teoria do discernimento, de 1890.</p><p>Desse modo, a idade mínima para responder criminalmente passou a ser de 14 anos.</p><p>O art. 24 da Lei n. 4.242 afirmava o seguinte:</p><p>O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de fato qualificado</p><p>crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de espécie</p><p>alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas,</p><p>registrando-as, sobre o fato punível e seus agentes, o estado físico, mental e</p><p>moral do menor, e a situação social, moral e econômica dos pais, ou do tutor,</p><p>ou de pessoa em cuja guarda viva (Brasil, 1890).</p><p>A infância e a adolescência tornaram-se caso de segurança nacional, competindo à polícia fazer</p><p>a “limpeza das ruas”, retirando elementos considerados indesejáveis à sociedade, recolhendo-os em</p><p>delegacias especiais para abrigar menores enquanto aguardavam encaminhamento judicial. Tal prática</p><p>também persistiu até a década de 1980, sendo questionada pelo advento da nova legislação.</p><p>Nessa época, o uso do termo menor já estava estabelecido, designava aquela criança cuja família</p><p>mostrava-se incapaz de educá-la segundo os padrões vigentes, tornando-a por isso passível de sofrer</p><p>intervenção judiciária. Assim, infere-se que a ideologia do Estado tutelar surgiu com esse emaranhado</p><p>legal, cuja cultura atualmente ainda permeia a ideologia de técnicos e juristas.</p><p>1.5 A infância no período assistencial (1924‑1964)</p><p>A partir de 1923, houve um aumento no volume de leis que procuravam cobrir o máximo possível</p><p>todos os pontos relativos à assistência à infância.</p><p>Em 1923, bojo da reorganização do Poder Judiciário, surgiu a figura do juiz de menores, cuja</p><p>atribuição seria administrar o problema do menor.</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>Em 1927, pautando-se na doutrina da situação irregular, foi instituído o Código de Menores.</p><p>Segundo essa mesma doutrina, os menores tornavam-se sujeitos de direito apenas no momento em</p><p>que se encontrassem em estado de patologia social, o que era definido na mesma lei.</p><p>O Código de Menores apresentava amplo espectro de assuntos, pois sua intenção era resolver o</p><p>problema dos menores, embora com dispositivos de marcante tutela sobre eles. Assim, embora os</p><p>menores de 14 anos estivessem imunes a qualquer tipo de processo penal, sua vida e a de sua família</p><p>seriam devassadas, conforme fosse julgado necessário.</p><p>Um ponto interessante a observar nesse código é o dispositivo que tratava da internação de menores</p><p>abandonados, pervertidos ou que estivessem “em perigo de o ser”, o que se baseava nas eventuais</p><p>desconfianças ou suspeitas de alguma autoridade para que o menor fosse privado de sua liberdade</p><p>(Rizzini, 1995).</p><p>Observação</p><p>O Código de Menores de 1927 foi a primeira lei brasileira de proteção</p><p>para crianças e adolescentes.</p><p>Estudiosos como Behring, Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entendem que a única</p><p>legislação mais voltada para a assistência social foi o Código de Menores, aprovado em 1927. Esse</p><p>documento propunha ações e intervenções junto a crianças e adolescentes, na época conhecidos</p><p>com a denominação “menor”, sendo marcadas pelo caráter extremamente punitivo, ou seja: “[...]</p><p>o famoso Código de Menores, de conteúdo claramente punitivo da chamada delinquência juvenil”</p><p>(Behring; Boschetti, 2010, p. 80).</p><p>Durante a República Velha, houve uma série de eventos, mudanças econômicas e culturais que</p><p>prepararam o país para o surgimento de uma nova ordem econômica e política, que influenciou</p><p>substancialmente a política social, inclusive a de assistência social.</p><p>A imagem da criança e do adolescente como potenciais trabalhadores surgiu em meados do</p><p>século XIX, mesmo contrariando o Código de Menores, que definia o início do trabalho aos 12 anos.</p><p>Diante dessa situação, o governo começou a implantar as escolas de ensino profissionalizante, mas</p><p>quem realmente assumiu essa função foram os empresários, em especial, no início dos anos 1940, com</p><p>a abertura do Senai e do Senac.</p><p>23</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Figura 1 – Crianças trabalhadoras na fábrica de sapatos</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/mryfet7t. Acesso em: 10 jan. 2024.</p><p>Durante os anos 1930, todas as medidas corretivas e educativas aplicadas à criminalidade infantil</p><p>estavam ligadas à pobreza, apontada como a principal causa desse mal por alguns juristas. Nesse sentido,</p><p>a questão acabou sendo redirecionada de um enfoque jurídico para outro, agora social. Em 1938,</p><p>fundou-se o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), cujo objetivo era “suprimir os sofrimentos</p><p>causados pela pobreza e pela miséria” (Rizzini, 1995, p. 137).</p><p>Assim, em 1941, foi criado o Serviço de Assistência a Menores (SAM), com a finalidade de assistir aos</p><p>menores desvalidos, transviados e delinquentes. Os adolescentes transviados, segundo a compreensão</p><p>da época, eram aqueles considerados como tendo problemas que os levariam a cometer algo que</p><p>contrariasse os valores da sociedade; eram também denominados delinquentes. Acreditava-se que o</p><p>pobre, ou o desvalido, era uma criança ou um adolescente propenso a cometer algum ato ilícito. Então</p><p>foi fixada uma forma de compreensão que relacionava a prática tida como assistencial à possibilidade</p><p>de moldar as pessoas conforme a ordem social estabelecida (Rizzini, 2004).</p><p>Devido a essa prática, no SAM, tanto havia crianças e adolescentes que cometiam atos infracionais</p><p>como os pertencentes a famílias pobres. Isso porque se acreditava que o pobre era propenso a cometer</p><p>atos infracionais. Os atendidos nesse sistema eram penalizados com uma política pautada na agressão</p><p>e em práticas extremamente severas. Rizzini (2004) intitula a expressão “o famigerado SAM” por</p><p>causa do grau de penalização comum nas práticas desse serviço. No caso, imaginava-se que, por meio</p><p>dessa prática, seria possível moldar a personalidade dos atendidos.</p><p>Rizzini (2004) relata que havia ainda pais e mães que acreditavam que seria melhor deixar os filhos</p><p>nessas instituições, assim como era comum em relação às Rodas dos Expostos. Entende-se que isso</p><p>era potencializado porque o SAM criou uma série de educandários. Neles, os atendidos permaneciam</p><p>segregados e sem qualquer atividade educativa. O SAM acabou sendo um depósito de crianças e</p><p>adolescentes, já que nesses espaços, como vimos, eram atendidos tanto os que cometiam atos infracionais</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>quanto os que eram pobres, sem qualquer metodologia específica de ação. Os atendidos simplesmente</p><p>eram deixados aos cuidados do SAM.</p><p>Em 1944, o SAM já contava com trinta e três educandários, sendo quatro oficiais, estes somente</p><p>para o sexo masculino. Uma década depois, pelo processo de expansão nacional, os estabelecimentos</p><p>particulares articulados com o SAM eram em número de 300.</p><p>Após duas décadas de sua fundação, o SAM foi considerado uma fábrica de delinquentes por alguns</p><p>juízes, sendo altamente criticado, visto como um sistema desumano, ineficaz e perverso por permanecer</p><p>com superlotação, falta de higiene e falta de cuidados. Contudo, o Supremo Tribunal Federal se</p><p>pronunciou contra a situação e nomeou em 1963 uma comissão para reformular o SAM. Entretanto tal</p><p>medida não funcionou e foi criada uma comissão para encaminhar à Câmara um projeto que propunha</p><p>a extinção do SAM e a criação de um novo órgão que tivesse autonomia.</p><p>Lembrete</p><p>O SAM foi criado em 1941 pelo então presidente Getúlio Vargas.</p><p>A situação da infância abandonada continuava crescente. No início dos anos 1940, diagnosticou-se</p><p>(novamente) o problema dos menores como sendo de cunho basicamente assistencial e a delinquência</p><p>infantil como consequência do abandono material e moral das crianças. No entanto, embora o discurso</p><p>permanecesse</p><p>o mesmo, os tempos estavam mudando: o novo Código Penal de 1940, ao estender a</p><p>idade penal para 18 anos, acabou criando uma situação de fato, em que urgiam medidas mais rápidas</p><p>e práticas.</p><p>Assim, promulgou-se um decreto em 1944 para efetivar uma reorganização jurídico-social do sistema</p><p>de assistência, atribuindo novas funções ao SAM e subordinando-o ao Executivo, porém articulado com</p><p>o juiz de menores. Isso foi o estopim para que até o fim dos anos 1950, fossem travadas intermináveis</p><p>discussões entre juristas: uns defendiam o juizado judicial, outros, o juizado executivo. Houve uma</p><p>extenuante querela sobre a concepção de menor: se objeto de direito ou sujeito de direito.</p><p>Por conta dessas questões, foi promulgada em 1957 uma lei que atualizava o instituto da adoção,</p><p>criando instrumentos de administração de subsídios à família, programas de colocação familiar,</p><p>legitimação adotiva e de adoção. O espírito da lei parecia finalmente caminhar na direção de uma maior</p><p>justiça social para a infância e as ideias sobre como tratá-la eram muitas.</p><p>Em 1959, uma portaria passou a dispor sobre a colaboração da sociedade civil na assistência social</p><p>prestada pelo SAM, tratando da criação de uma rede de creches, escolas maternais e parques infantis.</p><p>No entanto havia um consenso no seio da sociedade: a necessidade da extinção do SAM, dado o alarde</p><p>que a imprensa fazia sobre a criminalidade envolvendo menores egressos daquela instituição.</p><p>Em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), cujo estatuto previa o amparo a vários</p><p>aspectos da miserabilidade social, como a educação popular, a saúde, a alimentação e a habitação.</p><p>25</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>Seu maior intuito foi de oferecer viabilidade concreta ao que era posto na Constituição de 1937 e no</p><p>Decreto n. 525 (1938). Inicialmente, foi presidida por Darcy Vargas, esposa do então presidente. Isso</p><p>trouxe uma carga histórica à instituição, que desde então foi presidida pelas esposas dos presidentes.</p><p>Para tal, deve-se destacar o patrocínio da Confederação Nacional da Indústria e da Associação Comercial</p><p>do Brasil, o apoio das senhoras da caridade, mulheres pertencentes às classes sociais mais abastadas da</p><p>sociedade e que atuavam em práticas caritativas junto à sociedade.</p><p>A LBA, em suas protoformas iniciais, buscava atender as famílias dos pracinhas (soldados)</p><p>envolvidos com a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo declarado era “[...] promover as necessidades</p><p>das famílias cujos chefes hajam sido mobilizados, e, ainda, prestar decidido concurso ao governo em</p><p>tudo que se relaciona ao esforço da guerra” (Iamamoto; Carvalho, 2001, p. 257).</p><p>Esses autores relatam que essa entidade, na verdade, era usada como um mecanismo para justificar</p><p>a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, ou seja, um mecanismo que possibilita mostrar que o</p><p>país cuidava de seus soldados e de suas famílias. Os soldados envolvidos diretamente com a guerra,</p><p>quando retornavam, eram atendidos com programas de lazer, como cantinas e espetáculos, já as</p><p>famílias tinham atendimento por meio de benefícios, por exemplo, a concessão de cestas básicas.</p><p>A prática voltada aos soldados e a seus familiares fez com que a LBA montasse uma quantidade</p><p>enorme de escritórios em todo o país. Consta que no ano de sua criação, só no Rio de Janeiro, tenham</p><p>sido montados mais de 100 postos de atendimento.</p><p>Segundo Fonseca e Almeida (2016), a Divisão de Maternidade e Infância e a Divisão de Serviço</p><p>Social eram os braços ativos da LBA no campo assistencial e materno-infantil porque executoras de</p><p>políticas assistenciais, especialmente para a infância, com destaque para aquelas identificadas com a</p><p>puericultura e com o combate à desnutrição infantil, no caso da primeira, e o apoio à sopa escolar,</p><p>à realização de variadas ações de assistência aos pobres e ao relacionamento com instituições assistenciais</p><p>da sociedade civil, sob a responsabilidade e execução da segunda.</p><p>A LBA, desde a sua origem, sempre teve pés nos dois campos, público e privado, e assim se afirmou</p><p>no território das atenções dirigidas à criança e à pobreza das classes populares, destinatários centrais de</p><p>suas ações, tanto em termos estaduais quanto nacionalmente.</p><p>Considerando as características estruturais da LBA enquanto organização – concentração de</p><p>poder decisório nas instâncias hierárquicas superiores, dirigismo, capilaridade, combinação com as</p><p>organizações filantrópicas da sociedade civil e acentuada territorialização de seus escritórios pelo</p><p>interior do Estado – as políticas implantadas pela LBA em São Paulo seguiram vias de interiorização</p><p>ou foram concebidas para alcançar determinados segmentos da população, compreendidos e</p><p>representados como problemas sociais, em áreas urbanas e rurais do interior.</p><p>Na Segunda Guerra Mundial, a mulher brasileira se sacrificava em nome da pátria, cedendo seus</p><p>pais, seus filhos, seus maridos, seus noivos e, ainda, disponibilizando-se para trabalhar pela vitória</p><p>do país na LBA, compondo o batalhão feminino, onde se alistaram no serviço de costura, na defesa</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>passiva-antiaérea, na alimentação, são as samaritanas socorristas, as auxiliares e visitadoras sociais e as</p><p>educadoras sociais.</p><p>Assim, trabalhavam para a instituição, transformando-se numa das modas no período da guerra,</p><p>criada pelas e para as mulheres, aumentando consideravelmente o número de madrinhas conquistadas</p><p>pela LBA. Conduzindo condutas, comportamentos e formas de atuação e de participação, passaram a</p><p>ter o papel de madrinhas dos e para os soldados, sendo escritoras de cartas, de modo a ampará-los no</p><p>front com palavras de conforto e apoio.</p><p>Segundo Fonseca (2016), vê-se claramente pelos cartazes os mecanismos criados pela LBA em</p><p>função da guerra para a participação feminina e que teve nos ideais de cooperação, no conceito de luta</p><p>pela vitória do país, os ingredientes para o surgimento de educação e moda na Segunda Guerra Mundial,</p><p>novos comportamentos, novas atitudes e condutas femininas. Inseridas na luta, na LBA, em nome da</p><p>guerra, as mulheres aprenderam que o conflito mundial é uma questão de gênero, que envolve tanto o</p><p>masculino quanto o feminino e, para ambos, significa aprendizado.</p><p>Segundo Simili (2007), a história da assistência foi da LBA ao Suas por meio da Carta Magna de 88,</p><p>saindo da característica esmolada para histórias de lutas, grandes conquistas, para um sistema único no</p><p>país, o Suas-Sistema Único de Assistência Social, que garante proteção social para os cidadãos que dele</p><p>precisarem.</p><p>Assim, muitas mudanças contribuíram para que os municípios brasileiros tivessem acesso aos serviços</p><p>da assistência social e para que milhares de pessoas saíssem da linha de pobreza. Entretanto sabemos</p><p>que melhorias ainda são necessárias, como a definição de um percentual mínimo de repasse para o Suas</p><p>e educação das pessoas para o entendimento da importância dessas políticas públicas.</p><p>Ao analisarmos a extinção da LBA, podemos ver que fora criada por Darcy Vargas, esposa de Getúlio</p><p>Vargas, para dar suporte às famílias dos brasileiros que foram para a guerra. Ela foi a grande mentora da</p><p>Legião, por isso o assistencialismo da época é comumente chamado de primeiro-damismo.</p><p>Portanto a Assistência era vista como um Estado de benevolência, e não de direito, por ser</p><p>associado na época aos pobres, à caridade, e não a formar pautas políticas. Distribuíam de tudo, desde</p><p>próteses à comida.</p><p>Segundo Portábilis (2024), depois de certo tempo, a LBA passou a atender as expressões da pobreza,</p><p>buscando assim contemplar os objetivos para os quais fora criada. A mudança motivou a ampliação</p><p>das unidades em todo o território nacional, fazendo com que a organização recorresse a comandos</p><p>nos estados e nos municípios, firmando parcerias com instituições particulares e públicas, por meio de</p><p>convênios conseguiam verbas vultosas para o desenvolvimento das ações.</p><p>A Legião da Boa Vontade (LBV) foi a grande instituição executora de assistência social</p><p>no Brasil</p><p>durante muitos anos, sendo extinta em meados da década de 1990, quando a então primeira-dama,</p><p>Rosane Collor, foi acusada de mau uso do recurso destinado a essa entidade.</p><p>27</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>1.6 A infância na fase institucional (1964‑2000)</p><p>A década de 1960 inaugurou-se sob o impacto causado pela Declaração dos Direitos da Criança,</p><p>aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959. Confrontando as disputas jurídicas havidas</p><p>até então, a Declaração passou a considerar a criança como sendo sujeito de direitos, atribuindo ao</p><p>Estado e à sociedade o dever de garanti-los, quais sejam: direito à saúde, educação, profissionalização,</p><p>ao lazer e à segurança social. O Brasil parecia direcionar-se a uma política de bem-estar social, pois</p><p>nesse período estavam sendo discutidas amplas reformas de base.</p><p>À época, novamente, crianças e adolescentes foram motivo de segurança nacional, e as Forças</p><p>Armadas assumiram a questão da assistência à infância em 1964 (período ditatorial). Competia ao</p><p>governo militar a intervenção e normalização da sociedade, para tanto, haveria a necessidade de “velar</p><p>para que a massa crescente de menores abandonados não viesse a transformar-se em presa fácil de</p><p>consumismo e das drogas, associados no empreendimento de desmoralização e submissão nacional”</p><p>(Rizzini; Pilotti, 2009, p. 126).</p><p>Frente a isso, criou-se a Funabem e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Tais</p><p>instâncias mantiveram e aprimoraram o modelo carcerário e repressivo do início da década anterior,</p><p>entrando em crise somente quando os militares cederam lugar aos primeiros governos democráticos.</p><p>Saiba mais</p><p>Para ampliar seus conhecimentos, assista ao seguinte filme:</p><p>O CONTADOR de histórias. Direção: Luiz Vilaça. Brasil: Warner Bros,</p><p>2009. 110 min.</p><p>Nos estados, foram criadas as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (Febems).</p><p>A função da instituição era:</p><p>Art. 5. Formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor,</p><p>mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, a</p><p>coordenação e a fiscalização das entidades que executem essa política (Brasil</p><p>apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 300).</p><p>A Funabem tinha o trabalho orientado para atender crianças e adolescentes que cometessem</p><p>algum ato infracional e que tivessem vivenciado situação de vulnerabilidade social. Eram considerados</p><p>como tais os moradores em situação de rua, tidos como pessoas com risco potencial para cometer atos</p><p>infracionais, e crianças e adolescentes pertencentes a famílias pobres. De acordo com Rizzini (2004),</p><p>após o primeiro ano de funcionamento da instituição, apenas 5% dos atendidos tinham cometido atos</p><p>infracionais, e a grande demanda provinha de moradores em situação de rua e de famílias pobres.</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>Apesar de a Funabem ter nascido de um movimento de oposição ao sistema</p><p>repressivo anterior, ela se integra no sistema repressivo e tecnocrático</p><p>da ditadura com um sistema centralizador que se ramifica nos estados</p><p>através das Febens [...] (Faleiros apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 90).</p><p>Figura 2 – Menores na Febem</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/3ej9vmc3. Acesso em: 10 jan. 2024.</p><p>Os princípios fixados na política da Funabem eram os seguintes: prioridade para programas de</p><p>assistência à família e colocação em lares substitutos; criação de instituições com características de  ida</p><p>familiar; e respeito às peculiaridades das comunidades das diversas regiões do país. Apesar disso, a Política</p><p>de Segurança Nacional elevou o menor à categoria de problema de segurança nacional, alegando que</p><p>tal segmento estava pondo em risco a ordem pública, pois estava envolvido em várias ações criminosas.</p><p>Assim, apesar das boas intenções das diretrizes norteadoras da Funabem, postergou-se a implantação</p><p>desse novo modelo de política social: em vez de normas que regulamentassem as prioridades eleitas</p><p>como finalidades pela fundação, a legislação trataria de assuntos que inibissem a conduta antissocial</p><p>do menor, por exemplo: proibição de elaboração e circulação de publicações que tratassem de temas de</p><p>crimes, terror ou violência, além da incitação à prática autoritária, com medidas de adoção de castigos</p><p>físicos aos internados.</p><p>As práticas internas da instituição reproduziam a lógica do regime militar vigente na época: repressão,</p><p>confinamento e violência. A internação mostrou-se mais uma vez como um sistema degradante e que</p><p>agravou a situação de milhares de crianças/adolescentes brasileiros, produzindo e reproduzindo entre</p><p>eles a marginalidade.</p><p>Rizzini (2004) relata que a Funabem foi criada para substituir o SAM, do qual herdou todos os bens</p><p>móveis e imóveis, e a utilização de práticas punitivas e coercitivas, além da combinação de atendimento</p><p>em um mesmo espaço de adolescentes pobres, moradores de rua e de envolvidos com ato infracional.</p><p>29</p><p>DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA</p><p>O serviço foi executado, sobretudo, por meio do acolhimento dos atendidos em instituições, na maioria</p><p>das vezes de regime fechado.</p><p>Becher (2011), analisando de forma crítica a Funabem, revela que essa instituição foi organizada</p><p>pelo Estado apenas para poder atender aos objetivos do regime militar, à frente do poder na época. A</p><p>prática de recolhimento de crianças e de adolescentes que haviam cometido ato infracional e dos que</p><p>eram tidos como propensos a isso, como crianças e adolescentes pobres e ainda aqueles que residiam</p><p>na rua, era analisada como uma medida de segurança nacional, aliás, palavra comum nos governos de</p><p>ditadura política.</p><p>Observação</p><p>Havia a culpabilização da família pelo “estado de abandono do menor”,</p><p>ou seja, a ideia de proteção à infância era, antes de tudo, proteção</p><p>contra a família.</p><p>Muitas famílias buscavam internar seus filhos em idade escolar na Funabem, desejando um local</p><p>seguro, onde eles pudessem estudar, se alimentar, serem educados. A preocupação era garantir a</p><p>formação escolar e profissional dos filhos, e o uso da instituição para controle dos filhos rebeldes era de</p><p>incidência muito pequena.</p><p>Em síntese, a falta de recursos era um dos elementos determinantes das internações.</p><p>A proposta da Funabem de atendimento à criança e ao adolescente considerados menores era pautada</p><p>em campanhas preventivas e na descentralização de suas atividades, mas não obteve bons resultados,</p><p>aumentando o número de internações. Diante desse quadro, foi instaurada uma Comissão Parlamentar</p><p>de Inquérito (CPI), que ficou conhecida como a CPI do Menor. Esta funcionou como um laboratório de</p><p>pesquisas e busca de soluções para os problemas relacionados ao menor (Rizzini; Pilotti, 2009).</p><p>Se o Estado brasileiro conseguiu ou não manter a ordem esperada? Pode-se responder que não, visto</p><p>que seus mecanismos de controle começaram a dar sinais de esgotamento a partir de meados da década</p><p>de 1970. Mas o fato é que essa instituição foi marcada pela prática agressiva e extremamente coercitiva.</p><p>Após a criação dessas entidades, somente a partir da Constituição de 1969 que o Estado brasileiro</p><p>voltou a pensar e a refletir sobre a assistência social, quando foi determinado que o Estado devia prestar</p><p>assistência à maternidade, à infância, à adolescência e à pessoa com deficiência. Contudo, isso só se</p><p>consolidou no âmbito legal, porque não houve ações que colocassem em prática o que estava disposto</p><p>na Constituição.</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>A Funabem foi criada com o objetivo de formular e implantar a Política</p><p>Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM).</p><p>A CPI apresentou em 1976 um diagnóstico revelando que havia no Brasil cerca de 25 milhões de</p><p>menores carentes e/ou abandonados, ou seja, um terço da população infantojuvenil. Diante desse quadro,</p><p>cabia ao órgão competente, nesse caso, a Funabem, a implementação da PNBEM. No entanto, até aquele</p><p>momento, a entidade não apresentava condições para solucionar essa questão, que encontrava as suas</p><p>raízes na péssima distribuição da riqueza produzida socialmente.</p><p>O</p>

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