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<p>A fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger, embora compartilhando uma base comum, diferem significativamente em seus objetivos, métodos e ênfases. Aqui estão algumas das principais diferenças:</p><p>Objetivos e Foco</p><p>Edmund Husserl:</p><p>A fenomenologia de Husserl é essencialmente um método para investigar a estrutura da consciência e as essências dos fenômenos. Ele buscava uma ciência rigorosa que pudesse descrever e analisar a experiência direta e imediata, eliminando pressupostos teóricos ou metafísicos. Husserl estava interessado em como os objetos se apresentam à consciência (a intencionalidade) e como podemos descrever essas aparições de maneira pura.</p><p>Martin Heidegger:</p><p>Heidegger, por outro lado, transformou a fenomenologia em uma investigação ontológica, focando não apenas na consciência, mas na própria questão do ser. Ele se distanciou da abordagem descritiva de Husserl e direcionou sua atenção para a existência humana (Dasein) e sua relação com o ser. Heidegger estava mais interessado em como o ser humano entende e se relaciona com o ser e a existência, em vez de apenas descrever as estruturas da experiência consciente.</p><p>Método</p><p>Edmund Husserl:</p><p>Husserl desenvolveu o método da "redução fenomenológica" ou "epoché", que envolve suspender ou colocar entre parênteses todas as crenças e preconceitos sobre a existência do mundo externo para se concentrar na pura experiência da consciência. Essa abordagem visa atingir uma "intuição essencial" dos fenômenos, examinando-os como aparecem na consciência, sem a interferência de pressupostos externos.</p><p>Martin Heidegger:</p><p>Heidegger criticou a redução fenomenológica de Husserl por não ir longe o suficiente. Ele propôs uma abordagem que rejeita a suspensão das crenças sobre a existência do mundo e, em vez disso, investiga a experiência do ser no mundo (ser-no-mundo). Heidegger introduziu a "hermenêutica da facticidade", que envolve a interpretação das estruturas fundamentais da existência humana em seu contexto concreto e histórico. Ele acreditava que o ser não pode ser compreendido em isolamento, mas sempre em relação ao mundo e à temporalidade.</p><p>Ênfase na Temporalidade</p><p>Edmund Husserl:</p><p>Embora Husserl reconhecesse a importância do tempo, ele o via como uma das muitas estruturas da consciência a serem analisadas. Seu foco estava mais nas estruturas intencionais e na maneira como os fenômenos aparecem à consciência.</p><p>Martin Heidegger:</p><p>Para Heidegger, a temporalidade é central para a compreensão do ser. Ele argumentava que a existência humana é fundamentalmente temporal, e que o ser deve ser compreendido através da temporalidade. A temporalidade está intrinsecamente ligada à nossa compreensão e experiência do ser, moldando como nos projetamos no futuro, nos relacionamos com o passado e vivemos no presente.</p><p>Relação com o Mundo</p><p>Edmund Husserl:</p><p>Husserl via a consciência como intencional e direcionada aos objetos no mundo, mas seu foco era na descrição dessas intenções e nas essências dos fenômenos. Ele mantinha uma certa separação entre a consciência e o mundo.</p><p>Martin Heidegger:</p><p>Heidegger rejeitou a separação entre sujeito e objeto implícita na fenomenologia de Husserl. Ele propôs que o ser humano está sempre já inserido no mundo, uma condição que ele chamou de ser-no-mundo. Para Heidegger, a existência humana é essencialmente relacional, e o mundo não é apenas um conjunto de objetos, mas um campo de significados e possibilidades com os quais o Dasein interage de maneira prática e significativa.</p><p>O QUE É DASEIN?</p><p>"Dasein" é um termo central na filosofia de Martin Heidegger, introduzido em sua obra mais conhecida, "Ser e Tempo" (Sein und Zeit), publicada em 1927. Literalmente traduzido do alemão, "Dasein" significa "ser-aí" ou "ser-no-mundo". No contexto da filosofia de Heidegger, Dasein se refere especificamente à existência humana. Heidegger usa esse termo para destacar a particularidade do ser humano em relação a outras formas de ser.</p><p>Características do Dasein:</p><p>1. Ser-no-Mundo (In-der-Welt-sein):</p><p>O Dasein está sempre já inserido em um contexto, vivendo e interagindo com o mundo de maneira prática e significativa. Não existe uma separação entre o sujeito e o mundo; ao invés disso, o Dasein está intrinsecamente ligado ao seu entorno.</p><p>2. Intencionalidade e Relação com o Mundo:</p><p>Diferente de objetos inanimados ou seres vivos sem consciência reflexiva, o Dasein tem a capacidade de se relacionar intencionalmente com o mundo. Ele percebe, interpreta e dá sentido às coisas ao seu redor.</p><p>3. Temporalidade:</p><p>A existência do Dasein é profundamente temporal. Heidegger argumenta que a estrutura do ser do Dasein é moldada pela temporalidade, significando que o Dasein está sempre projetado no tempo, considerando o passado, o presente e o futuro. Essa temporalidade influencia a maneira como o Dasein entende e se relaciona com o mundo.</p><p>4. Cuidado (Sorge):</p><p>O Dasein se caracteriza pelo cuidado. Isto significa que ele está sempre preocupado com seu próprio ser e com o ser das coisas ao seu redor. Cuidado implica uma preocupação fundamental com a própria existência e com a maneira como se vive.</p><p>5. Autenticidade e Inautenticidade:</p><p>Heidegger diferencia entre modos autênticos e inautênticos de existir. A inautenticidade ocorre quando o Dasein se conforma às expectativas e normas sociais sem refletir sobre seu próprio ser e escolhas. A autenticidade, por outro lado, é alcançada quando o Dasein confronta sua própria finitude e vive de acordo com sua verdadeira compreensão de si mesmo, aceitando a responsabilidade por suas escolhas e ações.</p><p>6. Ser-para-a-Morte (Sein-zum-Tode):</p><p>A consciência da mortalidade é um aspecto crucial do Dasein. Heidegger argumenta que a consciência da morte é uma das condições fundamentais que moldam a existência humana. O reconhecimento da finitude é o que possibilita uma vida autêntica, pois leva o Dasein a refletir sobre o significado e propósito de sua vida.</p><p>Exemplos de Dasein</p><p>1. Tomada de Decisões Importantes:</p><p>Quando uma pessoa enfrenta uma decisão significativa, como escolher uma carreira, terminar um relacionamento ou mudar de cidade, o Dasein se manifesta. Nessas situações, a pessoa está consciente de sua liberdade de escolha e da responsabilidade que vem com essa liberdade. O confronto com a escolha e a reflexão sobre as consequências revelam a natureza do Dasein como um ser que se projeta no futuro.</p><p>2. Momentos de Crise Existencial:</p><p>Durante crises existenciais, como a perda de um ente querido, uma doença grave ou um evento traumático, o Dasein se torna especialmente evidente. Esses momentos forçam a pessoa a confrontar a realidade de sua finitude e a refletir sobre o significado e o propósito de sua vida. A consciência da morte e a finitude destacam a condição do Dasein como ser-para-a-morte.</p><p>3. Engajamento Autêntico em Atividades:</p><p>Quando uma pessoa está profundamente envolvida em uma atividade que considera significativa, como criar arte, realizar um trabalho que ama ou cuidar de outra pessoa, o Dasein se manifesta. Nessas atividades, a pessoa experimenta um sentido de autenticidade, vivendo de acordo com suas próprias crenças e valores, em vez de seguir cegamente as expectativas sociais.</p><p>4. Reflexão Filosófica ou Espiritual:</p><p>Durante a reflexão filosófica ou prática espiritual, quando a pessoa pondera sobre questões fundamentais da existência, da moralidade ou do ser, o Dasein se torna evidente. Essas práticas envolvem a exploração do ser e a busca por uma compreensão mais profunda da própria existência e do mundo ao redor.</p><p>O que é e o que a ONTOLOGIA HEIDEGGERIANA propõe?</p><p>A ontologia heideggeriana é uma parte central da filosofia de Martin Heidegger, que se concentra na questão do ser, ou ontologia. Heidegger propõe uma investigação fundamental sobre o que significa "ser" e como a existência humana (ou Dasein) está relacionada a esse conceito. Ele desafia a tradição filosófica ocidental que, desde Platão e Aristóteles, tem tratado o ser de maneira abstrata e muitas vezes separada da experiência cotidiana.</p><p>Heidegger argumenta que a compreensão</p><p>tradicional do ser precisa ser revisada. Para ele, o ser não é apenas um conceito abstrato ou uma mera característica das coisas, mas algo que deve ser entendido a partir da existência humana concreta e diária. Ele introduz o conceito de Dasein, que pode ser traduzido como "ser-aí" ou "ser-no-mundo". O Dasein é o ser que tem uma compreensão do ser e que se preocupa com sua própria existência.</p><p>Um dos pontos centrais da ontologia heideggeriana é a ideia de que o ser só pode ser compreendido a partir da perspectiva do Dasein, pois somos os únicos seres que questionam o que significa existir. Heidegger destaca a importância da temporalidade e da historicidade na nossa compreensão do ser, afirmando que o ser humano está sempre projetado no tempo, sendo o passado (já que somos moldados por nossa história), o presente (onde fazemos nossas escolhas), e o futuro (para onde nos projetamos e direcionamos nossas ações).</p><p>Outro conceito crucial na ontologia heideggeriana é o de "ser-no-mundo" (In-der-Welt-sein). Isso sugere que o ser humano está sempre já inserido em um contexto de relações e significados, não existindo de forma isolada. Para Heidegger, as coisas no mundo só fazem sentido em relação ao Dasein, e nossa interação com o mundo é sempre prática e contextualizada.</p><p>Heidegger também discute a noção de "angústia" (Angst), que difere do medo. A angústia é uma experiência fundamental que revela a nossa relação com o ser, destacando a nossa liberdade e a possibilidade de nada ter significado absoluto. Essa experiência é central para entender nossa existência autêntica, pois nos confronta com a realidade de nossa liberdade e finitude.</p><p>Em resumo, a ontologia heideggeriana propõe uma abordagem radicalmente nova para a filosofia do ser, centrada na existência concreta e temporal do ser humano. Heidegger sugere que a filosofia deve retornar às questões mais básicas sobre a existência e o ser, examinando-as a partir da perspectiva do Dasein e de sua relação com o mundo e o tempo. Essa abordagem transformou significativamente a filosofia contemporânea, influenciando áreas como a fenomenologia, a existencialismo, e até mesmo a psicoterapia fenomenológica.</p><p>Ludwig Binswanger e Medard Boss são dois dos principais representantes da psicoterapia fenomenológica, ambos influenciados por Martin Heidegger, mas cada um desenvolveu suas ideias de maneiras distintas. Aqui estão algumas das proximidades e afastamentos entre a fenomenologia de Binswanger e Boss:</p><p>Proximidades</p><p>1. Influência de Heidegger:</p><p>Ambos foram profundamente influenciados pela filosofia existencial de Martin Heidegger, especialmente seus conceitos de ser-no-mundo (Dasein) e a ênfase na experiência direta e imediata do ser humano.</p><p>2. Abordagem Fenomenológica:</p><p>Tanto Binswanger quanto Boss utilizaram a fenomenologia como método para compreender a experiência subjetiva dos pacientes. Eles procuravam entender o mundo vivido (Lebenswelt) dos indivíduos em vez de rotulá-los com diagnósticos psiquiátricos tradicionais.</p><p>3. Ênfase na Existência:</p><p>Ambos centraram seus trabalhos na existência humana, enfatizando a importância de compreender as experiências individuais e a forma como os indivíduos se relacionam com o mundo ao seu redor.</p><p>4. Crítica ao Modelo Biomédico:</p><p>Binswanger e Boss criticaram os modelos biomédicos tradicionais da psiquiatria por serem reducionistas. Eles acreditavam que tais modelos não capturavam a complexidade da experiência humana.</p><p>Afastamentos</p><p>1. Enfoque Terapêutico:</p><p>Binswanger: Desenvolveu a Daseinsanalyse (análise existencial), que se concentra na compreensão do ser-no-mundo do paciente. Ele estava mais focado na estrutura existencial da psique humana e na análise dos modos de ser dos pacientes.</p><p>Boss: Desenvolveu a Daseinsanalyse com uma ênfase mais prática na terapia, aplicando diretamente os conceitos de Heidegger à prática clínica. Ele estava interessado em como as pessoas viviam suas vidas e se relacionavam com o mundo de uma forma mais prática e menos teórica.</p><p>2. Interpretação de Heidegger:</p><p>Binswanger: Embora inspirado por Heidegger, Binswanger misturou as ideias de Heidegger com a fenomenologia de Edmund Husserl e a psicologia de Freud, criando uma abordagem única que integrava várias influências.</p><p>Boss: Seguiu uma interpretação mais estrita e direta das ideias de Heidegger, evitando misturá-las com outras teorias psicológicas. Ele se esforçou para aplicar as ideias heideggerianas diretamente na prática clínica.</p><p>3. Abordagem ao Inconsciente:</p><p>Binswanger: Incluiu conceitos freudianos em sua prática, reconhecendo a importância do inconsciente na experiência humana.</p><p>Boss: Foi mais crítico em relação à psicanálise freudiana e se distanciou da ideia do inconsciente, preferindo focar na consciência e na experiência imediata do ser-no-mundo.</p><p>4. Metodologia:</p><p>Binswanger: Usava estudos de caso detalhados para ilustrar suas ideias e enfatizava uma compreensão mais narrativa e descritiva das experiências dos pacientes.</p><p>Boss: Preferia uma abordagem mais estruturada e prática, aplicando diretamente os conceitos heideggerianos na terapia para ajudar os pacientes a compreender e modificar suas maneiras de ser.</p>