Prévia do material em texto
<p>Autor: Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello</p><p>Colaboradoras: Profa. Cristiane Furlaneto</p><p>Profa. Christiane Mazur Doi</p><p>Princípios de Sistemática</p><p>e Biogeografia</p><p>Professor conteudista: Luiz Henrique Cruz de Mello</p><p>Doutor em Ciências (Paleontologia), mestre em Ciências (Paleontologia), especialista em Formação em Educação</p><p>a Distância e bacharel em Ciências Biológicas. Professor titular da UNIP e especialista em sistemática de invertebrados</p><p>marinhos fósseis, atuando como pesquisador, educador e professor universitário. Lecionou na Unesp/Bauru e na</p><p>Universidade Federal de Sergipe.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>M527p Mello, Luiz Henrique Cruz de.</p><p>Princípios de Sistemática e Biogeografia / Luiz Henrique Cruz de</p><p>Mello. – São Paulo: Editora Sol, 2024.</p><p>148 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Biodiversidade. 2. Biogeografia. 3. Ecologia. I. Título.</p><p>CDU 574.9</p><p>U519.69 – 24</p><p>Profa. Sandra Miessa</p><p>Reitora</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini</p><p>Vice-Reitora de Administração e Finanças</p><p>Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia</p><p>Vice-Reitor de Extensão</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora das Unidades Universitárias</p><p>Profa. Silvia Gomes Miessa</p><p>Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal</p><p>Profa. Laura Ancona Lee</p><p>Vice-Reitora de Relações Internacionais</p><p>Prof. Marcus Vinícius Mathias</p><p>Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária</p><p>UNIP EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto</p><p>Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. M. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes</p><p>Projeto gráfico: Revisão:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto Vitor Andrade</p><p>Talita Lo Ré</p><p>Sumário</p><p>Princípios de Sistemática e Biogeografia</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8</p><p>Unidade I</p><p>1 O TAMANHO DA BIODIVERSIDADE .......................................................................................................... 11</p><p>1.1 Primeiros pensamentos sobre a diversidade da vida ............................................................. 12</p><p>1.2 Lineu e a revolução na sistemática ............................................................................................... 20</p><p>1.3 Reinos e domínios biológicos .......................................................................................................... 23</p><p>1.4 Qual é o tamanho da biodiversidade? ......................................................................................... 29</p><p>2 ABORDAGENS PARA O ESTUDO DA DIVERSIDADE ............................................................................ 31</p><p>2.1 Diversidade biológica e noções de classificação ...................................................................... 31</p><p>2.2 Fundamentos de taxonomia e estudo das regras de nomenclatura taxonômica ...... 32</p><p>2.2.1 Estrutura das coleções científicas .................................................................................................... 33</p><p>2.3 Chaves dicotômicas de identificação ........................................................................................... 39</p><p>2.4 Definição do parentesco entre os seres vivos ........................................................................... 40</p><p>2.4.1 Sistemática filogenética ....................................................................................................................... 41</p><p>2.4.2 PhyloCode .................................................................................................................................................. 42</p><p>3 FUNDAMENTOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA............................................................................... 45</p><p>3.1 Estudo dos caracteres ......................................................................................................................... 45</p><p>3.1.1 Homologias e analogias ....................................................................................................................... 46</p><p>3.1.2 Plesiomorfias, apomorfias, simplesiomorfias e sinapomorfias ............................................. 48</p><p>3.2 Estudo dos agrupamentos filogenéticos .................................................................................... 51</p><p>3.2.1 Representação dos agrupamentos .................................................................................................. 51</p><p>3.2.2 Grupos monofiléticos ............................................................................................................................ 54</p><p>3.2.3 Grupos merofiléticos ............................................................................................................................. 56</p><p>3.2.4 Homoplasias: paralelismos e reversões .......................................................................................... 57</p><p>4 CONSTRUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CLADOGRAMAS .................................................................... 59</p><p>4.1 Construção de cladogramas ............................................................................................................ 59</p><p>4.1.1 Definição do grupo de interesse ....................................................................................................... 61</p><p>4.1.2 Levantamento dos caracteres e suas variações .......................................................................... 62</p><p>4.1.3 Polarização dos estados dos caracteres ......................................................................................... 63</p><p>4.1.4 Codificação dos estados dos caracteres ........................................................................................ 68</p><p>4.1.5 Construção da matriz de caracteres ............................................................................................... 68</p><p>4.1.6 Conversão da matriz de caracteres em cladograma ................................................................ 70</p><p>4.2 Interpretação de cladogramas ........................................................................................................ 72</p><p>4.2.1 Leitura de cladogramas ........................................................................................................................ 72</p><p>4.2.2 Relação do cladograma com a classificação ............................................................................... 76</p><p>Unidade II</p><p>5 LOCALIZAÇÃO DA BIODIVERSIDADE ........................................................................................................ 81</p><p>5.1 Aspectos históricos .............................................................................................................................. 82</p><p>5.2 Contribuições importantes ............................................................................................................... 83</p><p>6 FUNDAMENTOS DE BIOGEOGRAFIA ........................................................................................................ 91</p><p>6.1 Bases da biogeografia ......................................................................................................................... 93</p><p>6.2 Dispersão</p><p>purpurata (espécie de orquídea). Nunca devemos nos referir a uma espécie apenas pelo</p><p>epíteto específico porque a mesma palavra pode ser usada em mais de uma espécie.</p><p>As categorias taxonômicas são úteis para dar a ideia de hierarquia à classificação, conforme definido</p><p>por Lineu. Várias delas são obrigatórias, ou seja, devem estar presentes em todas as classificações.</p><p>Organizadas da mais abrangente para a menos abrangente, temos as seguintes categorias obrigatórias:</p><p>reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie (figura a seguir). As categorias de coorte (entre classe</p><p>e ordem) e tribo (entre família e gênero) são bastante usadas, embora não sejam obrigatórias.</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>Figura 14 – Exemplo de classificação completa de uma variedade de formiga</p><p>Observação</p><p>De acordo com a organização hierárquica das categorias taxonômicas,</p><p>a espécie é a menor categoria obrigatória.</p><p>É importante saber que existem categorias facultativas (ou não obrigatórias) que serão usadas</p><p>de acordo com a necessidade do taxonomista. Geralmente elas têm os prefixos super, sub ou infra</p><p>acrescentados às categorias obrigatórias (por exemplo, subclasse, infraclasse e superclasse). Apesar de a</p><p>espécie ser a menor categoria obrigatória, existe a categoria facultativa de subespécie.</p><p>Agora você já sabe como nomear uma espécie. E as outras categorias? Também obedecem a regras?</p><p>Sim, mas são regras diferentes daquelas usadas para as espécies. De gênero até reino a nomenclatura é</p><p>monomial, ou seja, formada apenas por uma palavra, geralmente de origem latina ou latinizada.</p><p>O gênero é a única dessas categorias que ainda precisa ser escrita com destaque na frase, da mesma</p><p>maneira realizada para a espécie. O nome usado será o mesmo do epíteto genérico usado para a espécie.</p><p>Por exemplo, na espécie Homo sapiens o gênero é Homo.</p><p>Observação</p><p>Uma dica importante: o epíteto genérico pode ser abreviado em uma</p><p>frase ou classificação desde que o gênero já tenha sido escrito antes</p><p>por extenso. Por exemplo: O gênero Canis apresenta três espécies bem</p><p>conhecidas: C. lupus, C. familiaris e C. latrans.</p><p>37</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Nas categorias supragenéricas (acima de gênero) não existem regras para a definição dos nomes</p><p>usados, mas existem recomendações. Algumas categorias têm sufixos próprios, ou seja, o final da palavra</p><p>indica qual categoria ela está representando, conforme o quadro a seguir. Quando nosso contato com as</p><p>classificações aumenta, é frequente observarmos exemplos de exceções a essas regras e recomendações.</p><p>Isso acontece porque muitos nomes usados hoje foram propostos antes da formalização dos códigos de</p><p>nomenclatura. Essa antiguidade faz com que sejam nomes consagrados e tradicionais, permanecendo</p><p>em suas versões originais.</p><p>Quadro 3 – Sufixos usados em categorias taxonômicas</p><p>Categoria Sufixo</p><p>Superfamília</p><p>-oidea</p><p>(por exemplo, Hominoidea)</p><p>Família</p><p>-idae (se lê “ide”)</p><p>(por exemplo, Hominidae)</p><p>Subfamília</p><p>-inae (se lê “ine”)</p><p>(por exemplo, Homininae)</p><p>Tribo</p><p>-ini</p><p>(por exemplo, Hominini)</p><p>Observação</p><p>Atenção! Na botânica as terminações são diferentes porque seguem</p><p>outro código de nomenclatura.</p><p>Observando o quadro anterior é possível entender outra recomendação nomenclatural chamada</p><p>tipificação. Segundo ela, os níveis de infratribo até superfamília devem ter seus nomes baseados no</p><p>nome de seu gênero tipo. Por exemplo, gênero Homo tipifica a tribo Hominini, subfamília Homininae etc.</p><p>Você talvez estranhe algumas classificações cujos nomes tenham três palavras, mas saiba que isso</p><p>pode acontecer basicamente em duas situações. Uma delas é quando se tratar de uma subespécie.</p><p>Nesse caso o nome contém a nomenclatura binomial normal da espécie mais um epíteto subespecífico</p><p>colocado no final, que deve ser escrito em destaque e com todas as letras minúsculas. Por exemplo, uma</p><p>subespécie de abelha encontrada na Amazônia recebeu o nome de Plebeia alvarengai peruvicola.</p><p>Outro caso em que são usadas três palavras para o nome é na representação de um subgênero. No</p><p>caso, o epíteto subgenérico ficará entre parênteses e com a letra inicial maiúscula, sendo posicionado</p><p>logo após o epíteto genérico. Por exemplo, o verme sipúnculo Phascolosoma (Edmondsius) pectinatum.</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>Embora seja mais raro, é possível formar um nome científico com quatro</p><p>palavras. Basta se referir a uma subespécie de um subgênero. Por exemplo,</p><p>o verme Phascolosoma (Edmonsius) pectinatum pectinatum.</p><p>Outra situação bastante comum de se observar em trabalhos científico é o uso do autor do nome</p><p>seguido do ano da publicação da descrição original. Por exemplo, ao lermos Apis mellifera Linnaeus,</p><p>1758, devemos entender que a espécie Apis melífera foi proposta por Linnaeus em 1758. O autor está</p><p>retratado por seu último sobrenome (no caso do exemplo é Carolus Linnaeus). Repare que o autor e</p><p>o ano não estão destacados do texto e é assim que deve ser. Essa representação não é obrigatória em</p><p>todos os textos, alguns autores colocam apenas na primeira vez que a espécie aparece no texto.</p><p>Em uma situação semelhante, existe um pequeno detalhe que faz uma grande diferença na</p><p>interpretação. Em alguns casos o autor e o ano estão entre parênteses, como no exemplo Phascolosoma</p><p>stephensoni (Stephen, 1942). Isso indica um caso particular de mudança de gênero taxonômico após</p><p>um estudo de revisão taxonômica. Originalmente, Stephen havia descrito Physcosoma stephensoni em</p><p>1942. Contudo, estudos taxonômicos realizados por Wesenberg-Lund em 1963 consideraram nulo o</p><p>gênero Physcosoma e transferiram todas as suas espécies para o gênero Phascolosoma. A maneira de</p><p>simbolizar toda essa alteração é colocando o autor e o ano da descrição original entre parênteses.</p><p>Aliás, você poderá um dia ter o prazer de descrever uma espécie ou subespécie. Como proceder</p><p>nesse caso? Na publicação original dessa nova espécie ainda não se usa o formato de autor e ano, mas</p><p>sim a indicação espécie nova após o nome da espécie (podemos abreviar para sp.n). Só quando essa</p><p>espécie for citada (por você ou por outro cientista) em uma próxima publicação é que o autor e o ano</p><p>serão colocados.</p><p>Por fim, um erro muito recorrente é o uso de sp. e algumas variantes dessa abreviatura. Quando</p><p>queremos nos referir a uma espécie indeterminada da qual só conseguimos identificar a qual gênero</p><p>ela pertence, devemos colocar a abreviatura sp. logo após o epíteto genérico. Por exemplo, se em uma</p><p>coleta encontrarmos um dente fossilizado que sabemos que não é de ser humano moderno, mas de um</p><p>ancestral próximo, podemos nos referir a esse dente como pertencendo a uma espécie indeterminada</p><p>de ser humano, ou seja, Homo sp. Importante notar que sp. não deve ser destacado e tem o ponto no</p><p>final. Casos derivados desse tipo de abreviatura são usados para várias espécies indeterminadas (spp.),</p><p>uma subespécie indeterminada (ssp.) e várias subespécies indeterminadas (sspp.)</p><p>Observação</p><p>Você já ouviu falar em tautonímia? Ela representa o uso de um mesmo</p><p>nome para duas categorias taxonômicas diferentes e subordinadas,</p><p>por exemplo, Phascolosoma (Phascolosoma); Rattus rattus; Homo</p><p>sapiens sapiens.</p><p>39</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>2.3 Chaves dicotômicas de identificação</p><p>Durante os estudos sobre a diversidade biológica, o biólogo precisará identificar os seres vivos coletados</p><p>e nem sempre conseguirá fazer isso apenas baseado em sua memória ou, como se costuma dizer, “de</p><p>cabeça”. Para essas situações existem as chaves de classificação ou de identificação, que são úteis tanto</p><p>no campo quanto no laboratório. As primeiras são usadas quando se deseja classificar um organismo em</p><p>nível de gênero ou superior. Já as chaves de identificação são usadas na identificação de espécies.</p><p>Existem vários tipos de chave, mas o mais comum é do tipo dicotômico. É um engenhoso sistema</p><p>que usa duas possibilidades (por isso dicotômico) para cada característica que se observa no espécime</p><p>examinado. Cada uma delas deve indicar um novo passo na análise: pode ser a identificação</p><p>do</p><p>organismo, apresentando a espécie a qual ele deve ser atribuído; outra possibilidade é a indicação de</p><p>uma nova característica a ser observada. Acompanhe essa dinâmica com a ajuda da chave dicotômica</p><p>de identificação de plantas do Cerrado apresentada por Mahmoud et al. (2009) (figura a seguir).</p><p>Figura 15 - Exemplo de chave dicotômica de identificação de plantas do cerrado.</p><p>Fonte: Mahamoud et al. (2009, p. 11).</p><p>Imagine que você está em um trabalho de campo no bioma Cerrado e precisa fazer um levantamento</p><p>de dados da flora local. O procedimento deve começar com a localização de um exemplar que você</p><p>queira identificar.</p><p>Em seguida, comece a leitura da chave de identificação (quadro anterior) pela característica 1.</p><p>Nesse momento você vai avaliar se o exemplar que está identificando é (a) uma palmeira ou (b) uma</p><p>árvore/arbusto. Se você afirmou ser uma palmeira, siga para a característica 2, indicada no final da linha.</p><p>Se você afirmou ser uma árvore/arbusto, siga para a característica 3, acentuada no final da linha. Siga o</p><p>mesmo procedimento quantas vezes forem necessárias até conseguir a identificação desejada.</p><p>Apenas para exemplificar, considere que a planta que você pretende identificar é uma árvore/arbusto</p><p>(e não uma palmeira), então siga para a característica 3. Essa característica apresenta como possibilidades</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>“Número de limbo mais que 1” (a) ou “Número de limbo 1” (b). Após um exame rápido, você identifica</p><p>que o seu exemplar tem mais do que 1 limbo, e isso leva à característica 4.</p><p>Essa característica tem como possibilidades “Disposição dos folíolos digitada” (a) ou “Disposição dos</p><p>folíolos pinada ou bipinada” (b). Após outro exame rápido, você identifica que o seu exemplar atende a</p><p>possibilidade (a), e isso leva à característica 5.</p><p>Essa nova característica apresenta como possibilidades “Filotaxia alterna e ápice do limbo retuso” (a)</p><p>ou “Filotaxia oposta ou suboposta” (b). Após mais um exame, você identifica que o seu exemplar tem</p><p>filotaxia alterna, e isso leva à identificação de Eriotheca gracilipes. Pronto. Seu trabalho está concluído</p><p>para esse espécime. Repita o mesmo procedimento para os demais.</p><p>Algumas dessas chaves usam características morfológicas de fácil observação nos exemplares e</p><p>podem ser adotados até mesmo por pessoas sem muita experiência. No entanto, em muitos casos essas</p><p>chaves se destinam aos especialistas de determinadas áreas (carcinólogos, entomólogos, botânicos), o</p><p>que significa que, na maioria das vezes, tem termos que requerem um conhecimento mais profundo</p><p>sobre a morfologia do grupo objeto de estudo. Existem muitas chaves dicotômicas disponíveis em</p><p>periódicos, teses, livros e outras publicações que podem ser usadas por qualquer pessoa. A busca por</p><p>elas normalmente ocorre por categoria taxonômica de um grupo específico (gêneros de Clorophytas) ou</p><p>por tipo de organismo de um ecossistema (anfíbios do Cerrado).</p><p>Saiba mais</p><p>Vale a pena observar as chaves online de identificação de plantas do</p><p>Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp.</p><p>Disponível em: https://shre.ink/rE39. Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>2.4 Definição do parentesco entre os seres vivos</p><p>A biologia vinha se desenvolvendo lentamente desde a época de Lineu. Contudo, pouco depois</p><p>da metade do século XIX, toda a comunidade científica foi apresentada a um novo modo de pensar e</p><p>de encarar os seres vivos. Em 1859 Charles Darwin publicou seu famoso trabalho sobre a origem das</p><p>espécies e revelou ao mundo a teoria da evolução. Paralelamente a Darwin, Alfred Russel Wallace</p><p>também revelou as mesmas ideias sobre a origem de novas espécies e como teria ocorrido a evolução</p><p>dos seres vivos ao longo da história da Terra.</p><p>Pensando bem, a maneira de se fazer sistemática na época de Darwin era a mesma desde a época de</p><p>Aristóteles; passando por Lineu, ou seja, os grupos de seres vivos eram criados a partir de comparações</p><p>morfológicas que o sistemata julgava serem importantes, de acordo com suas convicções e seus</p><p>próprios critérios. Se outro sistemata trabalhasse com os mesmos organismos, ele poderia ter uma visão</p><p>diferente sobre o significado das semelhanças morfológicas e assim criar novos grupos. Uma maneira</p><p>41</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>de representar esses grupos era por meio de uma árvore evolutiva (ou árvore filogenética). Além disso,</p><p>a palavra filogenia foi criada para expressar justamente essa história de proximidade entre todos ou</p><p>entre alguns seres vivos.</p><p>A teoria da evolução trouxe um modo alternativo de tratar esses assuntos. De maneira bem resumida,</p><p>essa teoria destaca a ideia de que todos os seres vivos teriam evoluído de maneira lenta e gradual a partir</p><p>de um único ancestral que existiu há milhões/bilhões de anos. Portanto, desse ponto de vista, todos os</p><p>organismos que já existiram ou que ainda existem no planeta teriam certo grau de parentesco (mais</p><p>próximo ou mais distante). Assim, aquilo que antes era apenas um grupo baseado em características</p><p>morfológicas passou a envolver uma relação de parentesco, demonstrando a evolução desses seres.</p><p>Dentro do contexto evolutivo, a ideia de parentesco era muito boa, mas havia um problema: como</p><p>recuperar essas relações de parentesco de uma forma científica? Estava claro que a sistemática biológica</p><p>também precisaria incorporar os novos conceitos evolutivos.</p><p>2.4.1 Sistemática filogenética</p><p>De 1859 a 1950 os sistematas fizeram muitas tentativas para criar métodos científicos que</p><p>conseguissem unir de maneira satisfatória a sistemática e a evolução, porém sem grande sucesso. Logo</p><p>perceberam que as classificações deveriam ter como base a semelhança das características (morfológicas,</p><p>moleculares, ecológicas etc.) compartilhadas entre os organismos. Em outras palavras, isso significa que</p><p>para um grupo ser válido na classificação ele deveria ser formado por espécies que tivessem traços</p><p>em comum por terem sido herdados do ancestral de todas elas. Esse tipo de característica é chamado</p><p>de homóloga.</p><p>Observação</p><p>Homologia é um dos conceitos fundamentais da biologia, considerado</p><p>um conceito unificador. Refere-se à herança de características (iguais</p><p>ou não) pelas espécies a partir de ancestrais em comum e, por isso, tais</p><p>características podem ser comparadas.</p><p>Pronto. A base teórica já estava criada; o próximo passo seria encontrar uma maneira científica</p><p>eficiente de resgatar essa história em comum dos seres vivos. Ao longo do século XX foram propostas</p><p>algumas iniciativas que tiveram esse objetivo; elas ficaram conhecidas como correntes de ideias (ou teorias</p><p>taxonômicas). De todas, duas merecem mais destaque pelo modo como utilizam os princípios evolutivos.</p><p>Uma das correntes ficou conhecida como taxonomia evolutiva (ou taxonomia evolutiva</p><p>tradicional), criada por George G. Simpson e Ernst Mayr e com seu ápice na década de 1940. Embora</p><p>ainda usasse fundamentos da taxonomia de Lineu, revolucionou ao incorporar princípios evolutivos</p><p>como a descendência comum e a quantidade de modificações evolutivas adaptativas. Entre os princípios</p><p>defendidos por seus apoiadores estavam a origem evolutiva única e a presença de características</p><p>adaptativas singulares nas espécies.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>A fenética foi uma das escolas de sistemática que ganharam</p><p>relevância durante um período. Era baseada na matemática e buscava</p><p>representar todas as características de um ser por meio de valores que</p><p>poderiam ser comparados.</p><p>Enquanto a taxonomia evolutiva dominava o pensamento científico, entre as décadas de 1950 e</p><p>1960 surgiu a sistemática filogenética (ou cladística), que ganhou seu espaço e até hoje é usada</p><p>como base para as classificações. Criada em 1960 pelo entomólogo alemão Willi Hennig, apenas em</p><p>1966 foi traduzida para o inglês. Pode ser conceituada como uma metodologia científica confiável para</p><p>a recuperação da história evolutiva dos seres vivos a partir do estudo de suas características, buscando</p><p>identificar as variantes dessas características que representam novidades evolutivas (chamadas</p><p>apomorfias ou características apomórficas) e que são herdadas dos ancestrais. Baseia-se em princípios</p><p>fundamentais da biologia como evolução biológica e homologia.</p><p>Observação</p><p>Apomorfia é um termo próprio da cladística usado para expressar as</p><p>novidades evolutivas das espécies. Por exemplo, se um ancestral tem olhos</p><p>azuis e a partir deles surgem linhagens com olhos de outra cor (verdes), essa</p><p>nova cor representa uma novidade evolutiva, portanto uma apomorfia.</p><p>2.4.2 PhyloCode</p><p>Engana-se quem pensa que a sistemática filogenética é uma metodologia estática, parada no tempo.</p><p>Pelo contrário, desde a sua popularização, na década de 1960, ela tem passado por atualizações para</p><p>produzir resultados cada vez mais confiáveis e de forma mais rápida. O desenvolvimento de hardwares</p><p>e softwares e a utilização de ferramentas estatísticas são exemplos das contribuições recebidas pela</p><p>cladística ao longo do tempo. Atualmente, a metodologia cladística predomina nos trabalhos de</p><p>taxonomia e sistemática, mas uma grande revisão da taxonomia estava sendo trabalhada desde o final</p><p>dos anos 2000 e foi apresentada ao mundo na metade do ano de 2020. Trata-se do PhyloCode, ou</p><p>Código Internacional de Nomenclatura Filogenética, acompanhado do Phylonyms: o primeiro trata das</p><p>regras; o segundo, de exemplos da aplicação dessas regras.</p><p>Esse novo código não altera a construção e interpretação dos cladogramas (figura a seguir), mas</p><p>propõe alterações na maneira de criar as classificações a partir deles. Segundo o Phylocode, devemos</p><p>abandonar as categorias taxonômicas tradicionais e usar apenas duas categorias: espécie e clado.</p><p>Essa nova proposta está baseada, exclusivamente, nos conceitos filogenéticos e, portanto, na história</p><p>evolutiva dos seres vivos, e os clados são a representação da história evolutiva compartilhada por</p><p>alguns organismos.</p><p>43</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Pela taxonomia tradicional</p><p>Classe Reptilia</p><p>Ordem Crocodilia</p><p>Ordem Dinosauria</p><p>Classe Aves</p><p>Pela taxonomia filogenética</p><p>(Phylocode)</p><p>Clado archosauria</p><p>Clado dinosauria</p><p>Clado saurischia</p><p>Clado aves</p><p>Phytosauria Pterosauria</p><p>Dinossauros</p><p>ornitisquios</p><p>Dinossauros</p><p>saurisquios AvesCrocodilia</p><p>Archosauria</p><p>Dinossauria</p><p>Saurischia</p><p>Aves</p><p>Figura 16 – Exemplos da aplicação da taxonomia lineana tradicional e da taxonomia filogenética (ou PhyloCode)</p><p>Observando o exemplo da figura anterior, nota-se que a matéria-prima, ou seja, o cladograma, é o</p><p>mesmo, o que muda é sua interpretação. A taxonomia tradicional, herança de Lineu, exige que sejam</p><p>criados nomes para cada categoria taxonômica obrigatória (de reino até espécie) e, se necessário, também</p><p>para categorias facultativas (como subordem, subfamília etc.). Cada uma delas deve corresponder a um</p><p>grupo monofilético. Para a taxonomia filogenética, os grupos monofiléticos continuam sendo essenciais,</p><p>mas a única indicação de nome que deve existir é a dos clados (os próprios grupos monofiléticos).</p><p>O desenvolvimento do PhyloCode ocorreu porque se reconheceu que a classificação baseada em</p><p>categorias hierárquicas que predomina atualmente não é adequada para governar os nomes dos clados.</p><p>Clados e espécies são as entidades que formam a árvore da vida e, por isso, são muito importantes.</p><p>Especialmente os clados devem ter uma estrutura confiável: não deve mudar ao longo do tempo e</p><p>deve permitir o armazenamento e a recuperação de informações com eficiência e facilidade. Você deve</p><p>imaginar que isso já era feito com as categorias taxonômicas tradicionais, mas não. Como são muitas</p><p>categorias relacionadas (espécie, gênero, família etc.), quando se altera uma delas as outras também</p><p>podem ser afetadas, e as informações ficam escondidas nessa complexa estrutura.</p><p>De acordo com seus propositores, o PhyloCode está sustentado pelos seguintes princípios: referência,</p><p>clareza, singularidade, estabilidade, contexto filogenético, liberdade taxonômica e ausência de jurisprudência.</p><p>Assim, fornece as regras que permitem dar nomes aos clados representando claramente a filogenia.</p><p>Portanto, tem como único objetivo a nomenclatura de clados, e não a substituição dos nomes existentes.</p><p>Ao ser comparado com a nomenclatura tradicional, podem ser observadas semelhanças e diferenças.</p><p>Algumas similaridades são:</p><p>• ambos têm o mesmo objetivo principal, que é o de fornecer métodos eficientes de nomear táxons</p><p>e zelar pelos nomes escolhidos;</p><p>• ambos usam a regra da prioridade, baseada na data de publicação para considerar um nome válido.</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Para saber mais sobre essa nova proposta de classificação, consulte:</p><p>Disponível em: https://shre.ink/rEjY. Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>Por outro lado, algumas distinções são:</p><p>• é independente do sistema hierárquico e não requer o uso de hierarquia;</p><p>• o único tipo de táxon existente é o clado que é o produto da evolução e que tem uma existência</p><p>objetiva independentemente de seus nomes;</p><p>• os clados são definidos por espécies, espécimes e apomorfias;</p><p>• o estabelecimento de um nome no PhyloCode necessita de uma publicação e um registro,</p><p>servindo para criar uma base confiável de dados que irá diminuir as confusões e os conflitos entre</p><p>nomes iguais.</p><p>Como toda proposta científica, o PhyloCode não está livre de críticas. Estudos têm mostrado que</p><p>ele tem sido usado em pesquisas de diversas áreas, como zoologia, botânica, ficologia, micologia e</p><p>ecologia. Sem dúvida, a maior parte dos trabalhos está associada às áreas de sistemática e taxonomia,</p><p>discutindo-se a funcionalidade desse código. Apesar do potencial de mudança e inovação, sua aceitação</p><p>pela ciência tem se mostrado relativamente baixa e ainda gera muitas discussões.</p><p>Saiba mais</p><p>Duas boas fontes de informações adicionais sobre o PhyloCode são:</p><p>PRADO, D. C. S. Uma investigação cienciométrica sobre o impacto da</p><p>proposta PhyloCode na literatura científica. BS thesis. Paraná: Universidade</p><p>Tecnológica Federal do Paraná, 2021. Disponível em: https://shre.ink/rEq3.</p><p>Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>QUEIROZ, K.; CANTINO, P. International code of phylogenetic nomenclature</p><p>(PhyloCode). EUA: CRC Press, 2020. Disponível em: https://shre.ink/rESY. Acesso</p><p>em: 20 dez. 2023.</p><p>45</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>3 FUNDAMENTOS DE SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA</p><p>A sistemática filogenética, ou cladística, tem se mostrado a maneira mais eficiente de reconstruir</p><p>as relações de parentesco entre os seres vivos desde 1966. Devido à sua importância e ao seu significado</p><p>científico, agora serão apresentados os fundamentos que fornecem credibilidade e funcionalidade a</p><p>essa metodologia. Contudo, é vital considerar que o conjunto de informações fornecido não encerrará</p><p>o assunto. Pelo contrário, serão abordados apenas os temas indispensáveis para que você, aluno,</p><p>compreenda o pensamento cladístico, sua base metodológica e sua aplicabilidade. Pronto? Então</p><p>mãos à obra!</p><p>3.1 Estudo dos caracteres</p><p>O objetivo da cladística pode ser resumido como a criação de árvores evolutivas que representam</p><p>a história evolutiva (ou filogenia) de um conjunto de táxons. Esses táxons podem ser espécies, gêneros</p><p>etc., atuais ou extintos. Mas como podemos reconstruir essa história? Como acessar essa memória</p><p>evolutiva dos seres vivos? Esse é um dos pontos principais da metodologia cladística.</p><p>Para se alcançar esse objetivo é necessário identificar os caracteres (singular: caráter ou caractere),</p><p>ou seja, certas características dos organismos que possam ser comparadas e apresentem variações entre</p><p>as espécies analisadas.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Imagine que você vai fazer um estudo cladístico com cinco espécies de borboletas para saber as relações</p><p>filogenéticas entre elas. Um exemplo de caractere possível é a forma das asas, porque todas as cinco</p><p>espécies têm asas, embora com pequenas diferenças. É uma característica comparável e tem variação. Por</p><p>outro lado, um exemplo de caractere não viável é o número de asas, porque todas as borboletas têm quatro</p><p>asas. Logo, esse traço é comparável, mas não apresenta variação.</p><p>Qual</p><p>tipo de característica pode ser analisado? Existe algum fator limitante? Partindo do princípio</p><p>de que um caractere é qualquer característica que pode ser usada para estudar a variação dentro das</p><p>espécies e entre elas, praticamente não existe limite para essa análise. As características podem ser</p><p>morfológicas (forma da folha, quantidade de patas), cromossômicas (número e tipo dos cromossomos),</p><p>moleculares (número de pares de base de um gene) e, menos frequentemente, ecológicas (hábito</p><p>alimentar) ou comportamentais (tem cuidado parental). Estudos recentes mostram que a bioquímica</p><p>comparada pode ser aplicada a alguns fósseis, além de organismos atuais. Estruturas variáveis nos ossos</p><p>e no tegumento (penas, pelos e escamas) são ótimas fontes de informação e têm sido usadas para</p><p>investigar a filogenia entre os vertebrados.</p><p>Na prática os limites acabam aparecendo. Pode ser uma questão de tecnologia, porque alguns</p><p>laboratórios ou centros de pesquisa podem não ter o equipamento certo para identificar a característica.</p><p>Ou pode ser um limite do próprio material, como ocorre com os fósseis, que na maioria das vezes só</p><p>permitem usar algumas poucas características biométricas e anatômicas (medidas morfológicas).</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>Agora que já sabemos o que pode ou não ser uma característica válida para comparação, existe mais</p><p>um critério fundamental que deve ser respeitado: as características devem ser homólogas.</p><p>3.1.1 Homologias e analogias</p><p>O conceito de homologia é essencial na biologia, especialmente nas áreas que utilizam comparação</p><p>morfológica. Portanto, não é um conceito exclusivo da cladística, mas podemos considerar que é a base</p><p>dessa metodologia.</p><p>Mas o que é, de fato, homologia? Esse conceito se aplica a características presentes em táxons</p><p>diferentes e que foram herdadas por eles de um ancestral comum a todos. Importante notar que sempre</p><p>se refere a estruturas e/ou caracteres, nunca a táxons. Portanto, é correto dizer que a asa de uma</p><p>mariposa é homóloga à de uma borboleta. Por outro lado, é errado dizer que uma mariposa é homóloga</p><p>a uma borboleta.</p><p>Vamos acrescentar alguns elementos históricos. Darwin já usava estruturas homólogas como fonte</p><p>de evidência de descendência comum. Richard Owen (1804-1892) definiu homologia como o mesmo</p><p>órgão, em organismos diferentes, sujeito a toda variação de forma e função. Essa definição é usada até</p><p>hoje e serve bem para fixar a ideia. A figura a seguir também traz uma representação bastante comum</p><p>de homologia.</p><p>Ser humano</p><p>Legenda</p><p>Úmero</p><p>Rádio/ulna</p><p>Carpo,</p><p>metacarpo</p><p>e falanges</p><p>Cavalo Morcego Boto Rã</p><p>Figura 17 – Representação de estruturas homólogas (membros anteriores) em vertebrados</p><p>Adaptada de: Hickman Jr. et al. (2016, p. 106).</p><p>O esqueleto dos membros dos vertebrados é um bom exemplo de homologia porque é possível</p><p>observar que os ossos mantêm estruturas e padrões de conexão típicos, apesar de estarem modificados</p><p>para cumprirem diferentes funções. Também é possível identificar que estruturas homólogas não</p><p>precisam ser idênticas ou semelhantes na forma e/ou na função. O que importa realmente é que essas</p><p>estruturas tenham sido herdadas de um ancestral comum. Portanto, uma outra forma de interpretar</p><p>47</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>homologia é considerando a similaridade de caracteres como resultado de ancestralidade comum. Assim,</p><p>podemos entender que homologias são resultado de evolução e de relações de parentesco.</p><p>Observação</p><p>Darwin desenvolveu a ideia de que os seres humanos descendem</p><p>dos mesmos ancestrais de grandes macacos e outros animais. Ela foi</p><p>considerada desrespeitosa por muitas pessoas na época. A conclusão surgiu</p><p>a partir de comparações anatômicas que mostraram homologia entre os</p><p>seres humanos e os outros primatas e que só poderia ser explicada pela</p><p>descendência comum.</p><p>A sequência de acontecimentos é mais ou menos assim: ao longo da evolução novas características</p><p>são geradas e transmitidas adiante para as novas gerações. Logo, sempre que uma nova variante de</p><p>uma característica surge em uma linhagem evolutiva estamos diante do nascimento de uma nova</p><p>homologia. Essa novidade evolutiva pode seguir o caminho da perpetuação, sendo passada de geração</p><p>em geração, ou pode desaparecer, quando uma espécie é extinta. Quando nós conseguimos identificar o</p><p>padrão formado pelo compartilhamento de homologias entre as espécies, pode-se conhecer os parentes</p><p>mais próximos que participaram dessa parte da história evolutiva da vida.</p><p>A natureza é tão incrível que nos reserva surpresas. Nem sempre a semelhança observada nos</p><p>caracteres apresenta uma ancestralidade comum. A evolução biológica ocorre de maneira aleatória e,</p><p>ao longo desse processo, podem aparecer características similares em linhagens totalmente diferentes e</p><p>distantes. Quando isso acontece, devemos chamar essa semelhança aparente de analogia ou homoplasia</p><p>e lembrar que ela não representa parentesco próximo. Esse é um elemento que traz dificuldades para os</p><p>sistematas porque, muitas vezes, são difíceis de serem identificados.</p><p>Um exemplo de analogia é a endotermia. Entre os vertebrados, a endotermia está presente nas aves</p><p>e nos mamíferos. Os mais desavisados poderiam interpretar essa condição como homologia; contudo,</p><p>de acordo com os estudos, essa condição apareceu separadamente em linhagens ancestrais de aves e</p><p>mamíferos, e isso faz da endotermia um caso de analogia.</p><p>Observação</p><p>Endotermia é a capacidade de manter a temperatura do corpo elevada</p><p>e constante independentemente da temperatura do ambiente.</p><p>Agora que o conceito foi acentuado, resta saber como identificar uma homologia na prática. Esse</p><p>é um processo que exige cuidado e experiência do pesquisador. Em algumas situações é mais fácil.</p><p>Por exemplo, podemos conceber os olhos de uma abelha homólogos aos de um besouro? Sim, porque</p><p>ambos são insetos e, por mais diferentes que sejam, seus ancestrais já tinham olhos e passaram essa</p><p>característica adiante. Agora, podemos considerar os olhos de uma abelha homólogos aos de uma lula?</p><p>48</p><p>Unidade I</p><p>Nesse caso, a resposta não é tão evidente, exige uma investigação mais profunda: deve-se identificar</p><p>um ser que possa representar o ancestral comum entre moluscos e artrópodes.</p><p>Em um estudo cladístico, as homologias que são estabelecidas no início da investigação são chamadas</p><p>de hipóteses primárias de homologia. Nesses casos, o que está sendo definido é que foram feitas</p><p>observações das estruturas e, pelo que foi concluído, elas correspondem a homologias. Portanto, essas</p><p>são propostas iniciais que serão testadas mais tarde, durante o desenvolvimento do estudo. Seguindo</p><p>esse raciocínio, alguns critérios podem ser usados para definir essas hipóteses de homologia, como:</p><p>• estruturas semelhantes em espécies diferentes;</p><p>• estruturas com a mesma posição relativa em espécies distintas;</p><p>• em estudos embriológicos, estruturas diferentes que surgem do mesmo grupo de células.</p><p>3.1.2 Plesiomorfias, apomorfias, simplesiomorfias e sinapomorfias</p><p>Já está claro que identificar homologia é um fator vital em um estudo cladístico, haja vista a relação</p><p>desse conceito com a evolução e com os elos de parentesco. Agora chegou o momento de entender</p><p>como ela ajuda a definir as relações de parentesco entre os táxons.</p><p>Em toda relação de parentesco (entre dois ou mais táxons) pode ser traçada a relação ancestral</p><p>descendente. Por exemplo, se quisermos identificar a relação de parentesco entre duas espécies</p><p>quaisquer de samambaias, sabemos que elas são descendentes de um mesmo ancestral. Talvez você esteja</p><p>pensando: mas qual é esse ancestral? Dependendo da situação, há como fazer um estudo evolutivo ou</p><p>paleontológico e identificar esse ancestral. Contudo, para a metodologia cladística essa identidade não</p><p>é relevante, já que o que importa é o pressuposto evolutivo segundo o qual todas as espécies descendem</p><p>de um único ancestral.</p><p>Continuando o raciocínio, esse ancestral por definição já tinha as características que estão expressas</p><p>nos táxons atuais.</p><p>Com a evolução, algumas dessas características podem ter se mantido as mesmas,</p><p>podem ter mudado pouco ou ter mudado muito (figura a seguir). Assim, observando o resultado da</p><p>evolução, podemos identificar séries de transformação expressas por uma condição primitiva (original,</p><p>que esteve presente no ancestral) e uma ou mais condições novas, também chamadas de novidades</p><p>evolutivas ou condições derivadas. A condição primitiva recebe o nome de plesiomorfia; a condição</p><p>derivada recebe o nome de apomorfia.</p><p>49</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Ancestral</p><p>Caractere na</p><p>condição original</p><p>Apomorfia</p><p>Descendente #2</p><p>Evolução</p><p>Caractere herdado</p><p>e modificado</p><p>Descendente #1</p><p>Plesiomorfia</p><p>Caractere herdado</p><p>e mantido</p><p>Figura 18 – Representação de relação ancestral-descendente e da plesiomorfia</p><p>(estrela de quatro pontas) e apomorfia (estrela de cinco pontas)</p><p>A aplicação desses conceitos pode ser vista no seguinte exemplo. Se considerarmos a evolução</p><p>dos amniotas, vamos encontrar atualmente vários tipos de répteis além dos mamíferos e das aves. Os</p><p>mamíferos surgiram a partir de um grupo de répteis sinapsídeos que tinham seu corpo coberto em</p><p>grande parte por escamas. Estas se modificaram ao longo da evolução e se transformaram nos pelos dos</p><p>mamíferos. Portanto, ao compararmos as escamas de um réptil atual com os pelos de um mamífero atual</p><p>podemos concebê-las estruturas homólogas. Em segundo lugar, considerando a série de transformação</p><p>(escama – pelo), podemos definir escama como uma plesiomorfia e pelo como uma apomorfia.</p><p>A definição da condição (primitiva ou derivada) é um fator decisivo no estabelecimento das relações</p><p>de parentesco. O objetivo da metodologia cladística é formar agrupamentos com os táxons que tenham</p><p>o parentesco mais próximo. Mas como agrupar esses táxons? O diferencial da cladística foi ter usado o</p><p>seguinte critério: devem ser agrupados os táxons que tiverem características derivadas em comum, ou</p><p>seja, aqueles que compartilharem apomorfias (figura a seguir).</p><p>50</p><p>Unidade I</p><p>Ancestral</p><p>Caractere na c</p><p>ondição original</p><p>Plesiomorfia</p><p>Descendente #2</p><p>Descendente #3</p><p>Descendente #4Evolução Caractere modificado e herdado</p><p>por 3 descendentes</p><p>Descendente #1</p><p>Sinapomorfia</p><p>Caractere herdado</p><p>e mantido</p><p>Figura 19 – Representação de relação ancestral-descendente e de</p><p>apomorfia (estrela de cinco pontas) compartilhada por três táxons</p><p>Observe a figura anterior. Ela é semelhante à figura 18, mas em vez de ter apenas dois descendentes,</p><p>agora existem quatro. Note que os descendentes #2, #3 e #4 têm a mesma característica derivada</p><p>(estrela de cinco pontas), enquanto o descendente #1 manteve a estrela com quatro pontas presente no</p><p>ancestral. Por essa configuração, a estrela de quatro pontas continua sendo a plesiomorfia, e a de cinco</p><p>pontas é a apomorfia. Só que essa apomorfia está exposta em três táxons (#2, #3 e #4). Quando uma</p><p>apomorfia é compartilhada por dois ou mais táxons, ela passa a ser chamada de sinapomorfia.</p><p>Ancestral</p><p>Caractere na</p><p>condição original</p><p>Simplesiomorfia</p><p>Descendente #1</p><p>Descendente #5</p><p>Descendente #6</p><p>Evolução</p><p>Caractere modificado</p><p>e herdado</p><p>Descendente #2</p><p>Apomorfia</p><p>Caractere primitivo herdado</p><p>por 3 descendentes</p><p>Figura 20 – Representação de relação ancestral-descendente e de plesiomorfia</p><p>(estrela de quatro pontas) compartilhada por três táxons</p><p>A figura anterior expressa outra situação. Somente um descendente (#2) tem a apomorfia; como</p><p>está presente em apenas um táxon, não pode ser chamada de sinapomorfia. Por outro lado, quando</p><p>observamos os descendentes #1, #5 e #6, vemos que todos herdaram a característica na condição</p><p>primitiva. Logo, por ser a condição primitiva e estar presente em dois ou mais táxons, ela deve ser</p><p>51</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>chamada de simplesiomorfia. Tome cuidado, não se pode formar agrupamentos de táxons usando</p><p>simplesiomorfias. Em casos como ilustrado na figura 20, identificar uma simplesiomorfia serve apenas</p><p>para caracterizar os táxons envolvidos.</p><p>Ainda na figura 20, é possível observar que o descendente #2 é o único que tem a apomorfia.</p><p>Quando essa situação acontece, a condição é chamada de autapomorfia, ou seja, apomorfia de um</p><p>só táxon. Essa condição não permite formar agrupamento, afinal de contas, só um táxon tem essa</p><p>característica. Por outro lado, é uma informação importante porque ajuda a retratar muito bem aquele</p><p>táxon, haja vista que somente ele tem tal caraterística.</p><p>Observação</p><p>A presença de pelos pode ser considerada uma sinapomorfia de</p><p>todos os mamíferos.</p><p>3.2 Estudo dos agrupamentos filogenéticos</p><p>Em um estudo cladístico, as relações de parentesco são indicadas por meio de agrupamentos, isto é,</p><p>pela união de dois ou mais táxons usando, pelo menos, uma sinapomorfia em cada grupo. Os gráficos</p><p>usados para representar esses agrupamentos são os cladogramas.</p><p>3.2.1 Representação dos agrupamentos</p><p>Todas as relações de parentesco resultantes de estudos cladísticos são expressas por meio de gráficos</p><p>ramificados chamados cladogramas ou árvores filogenéticas (figura 21). A palavra cladograma deriva</p><p>do conceito de clado, que significa um grupo filogenético. Embora haja alguma variação no formato</p><p>(figura 22), todos os cladogramas costumam apresentar os mesmos elementos (figura 21):</p><p>• Táxons terminais: são os seres vivos escolhidos para participar do estudo cladístico; aparecem</p><p>como nomes de espécies, de gêneros ou outras categorias taxonômicas; ficam nas extremidades</p><p>do cladograma.</p><p>• Ramos: são as linhas que formam o cladograma e expressam o caminho evolutivo a partir</p><p>dos ancestrais.</p><p>• Nós: estão representados pelos cruzamentos entre os ramos e indicam a posição dos ancestrais.</p><p>52</p><p>Unidade I</p><p>Ramos</p><p>Táxons</p><p>A B C D E</p><p>Nós</p><p>Figura 21 – Representação de um cladograma e seus elementos. Círculos indicam</p><p>os nós. As letras representam os táxons e as linhas expressam os ramos</p><p>A</p><p>B</p><p>C</p><p>D</p><p>E</p><p>Figura 22 – Representação de dois cladogramas com formatos</p><p>diferentes, mas expressando as mesmas relações de parentesco</p><p>Observação</p><p>Alguns consideram árvore filogenética e cladograma como sinônimos,</p><p>isso não é totalmente correto. Embora as árvores filogenéticas sejam feitas</p><p>a partir de cladogramas, acrescentam outras informações, como a idade ou</p><p>o tempo de origem dos grupos estudados.</p><p>Por meio dos cladogramas, podemos identificar as relações de parentesco entre os seres vivos e</p><p>formar grupos (monofiléticos) que servirão de base para a criação de uma classificação. Essas relações</p><p>de parentesco são expressas na forma de um parentesco mais próximo ou um parentesco mais</p><p>53</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>distante, tendo como critério de proximidade a presença de um ancestral (nó) comum aos táxons. Na</p><p>figura 22, podemos ver que os táxons C e D são os que têm o parentesco mais próximo porque têm um</p><p>ancestral (nó) só deles, ou seja, a partir desse ancestral surgem os ramos de C e D, que formam um clado.</p><p>Em seguida, é possível ver que o táxon E é o parente mais próximo do clado {CD}, pois compartilham</p><p>um ancestral só deles. Na sequência aparece B, que é o parente mais próximo do clado {E{CD}}, pois</p><p>compartilham o mesmo ancestral. Finalmente, aparece A, que é o único parente do clado {B{E{CD}}},</p><p>pois compartilham o mesmo ancestral.</p><p>Assim, quando observamos uma classificação feita com base cladística, temos a certeza de que</p><p>todas as categorias (isto é, gênero, família, ordem, classe, filo) representam a história evolutiva daqueles</p><p>táxons de uma maneira cientificamente confiável.</p><p>Todos nós passamos pelo momento de aprender a ler na infância; começamos reconhecendo as</p><p>vogais, depois as consoantes, os sons, as sílabas formadas ao juntarmos letras e, finalmente, as palavras.</p><p>Ainda hoje, de vez em quando, encontramos alguma palavra que não sabemos pronunciar corretamente</p><p>ou cujo significado desconhecemos. Com cladogramas acontece algo semelhante. As informações</p><p>acentuadas (figura 21) nos introduzem ao mundo dos cladogramas e, reconhecendo esses</p><p>poucos</p><p>elementos, seremos capazes de “ler” qualquer um.</p><p>Vamos treinar um pouco observando o cladograma a seguir e a classificação criada a partir dele.</p><p>Amniota</p><p>Diapsida</p><p>ArchosauriaTestudinesLepidosauria</p><p>Squamata</p><p>Mamíferos Tuataras Outros lagartos</p><p>Lagartos-</p><p>monitores Serpentes Tartarugas</p><p>Presença de uma</p><p>abertura anterior ao</p><p>olho, órbita em forma</p><p>de triângulo invertido,</p><p>moela muscular</p><p>Machos com hemipênis,</p><p>características de esqueleto</p><p>Crânio com</p><p>um único par</p><p>de aberturas</p><p>temporais laterais</p><p>Crânio sinápsido Crânio anápsido</p><p>Crânio diápsido</p><p>Abertura temporal lateral</p><p>Abertura temporal dorsalBetaqueratina na epiderme,</p><p>características do crânio</p><p>Membranas extraembrionárias - âmnio, córion</p><p>e alantoide; pulmões ventilados por pressão</p><p>negativa, via musculatura intercostal</p><p>Abertura temporal lateral</p><p>Órbita Órbita</p><p>Órbita</p><p>Fenda cloacal transversal, a pele descartada em</p><p>uma única peça, característica de esqueleto</p><p>Perda dos dois pares</p><p>de aberturas temporais</p><p>característicos dos crânios</p><p>diápsidos, plastrão e carapaça</p><p>derivados de ossos dérmicos</p><p>e fusionados a elementos do</p><p>esqueleto axial</p><p>Crocodilianos Aves</p><p>Synapsida</p><p>Figura 23 – Cladograma dos amniotas</p><p>Fonte: Hickman Jr. et al. (2016, p. 540).</p><p>54</p><p>Unidade I</p><p>O cladograma da figura anterior expressa as relações de parentesco entre os vertebrados atuais</p><p>conhecidos como amniotas. Compare a descrição a seguir com a figura 23 e você conseguirá identificar</p><p>os parentes mais próximos. Para facilitar sua compreensão, repare que acima das imagens há nomes</p><p>referentes aos clados identificados na análise.</p><p>• Na direita, podemos ver que os crocodilianos e as aves são mais próximos entre si do que com</p><p>qualquer outro animal analisado; essa relação é mostrada a você por meio do clado que contém</p><p>apenas esses dois táxons, identificado como Archosauria; a interpretação é que, há milhões de</p><p>anos, as duas linhagens tiveram um ancestral comum.</p><p>• No meio da figura, os lagartos monitores e as serpentes também denotam uma relação</p><p>parecida; contudo, você pode notar que, seguindo para a esquerda, esse pequeno grupo sofre o</p><p>acréscimo de outro táxon identificado como “outros lagartos”; juntos, esses três táxons formam o</p><p>clado Squamata.</p><p>• Seguindo ainda mais para a esquerda, os Squamatas se ligam aos tuatara e formam o clado</p><p>Lepidosauria.</p><p>• Em uma primeira análise, as tartarugas não têm parentesco próximo com nenhum outro amniota,</p><p>estando isoladas entre os dois grupos anteriores e sendo chamadas de Testudines. Contudo, uma</p><p>observação atenta do cladograma permite identificar um grande clado formado por (da esquerda</p><p>para a direita) Lepidosauria, Testudines e Archosauria e que recebeu o nome de Diapsida.</p><p>• Isolado na esquerda e sem parentesco próximo com algum dos táxons analisados, estão os</p><p>mamíferos, identificados na figura como Sinapsida.</p><p>Essa é a descrição do cladograma e a interpretação das relações de parentesco contidas nele. As</p><p>informações que estão colocadas ao longo dos ramos do cladograma da figura 23 correspondem a</p><p>características daquele táxon ou do clado.</p><p>3.2.2 Grupos monofiléticos</p><p>Quando dois ou mais táxons possuem pelo menos uma característica em comum consideramos que</p><p>eles compartilham apomorfias (que passam a se chamar sinapomorfias) e, por isso, formam um clado.</p><p>Em cladística eles são chamados de grupos monofiléticos e indicam relação de parentesco próxima e</p><p>história evolutiva a partir de uma origem comum. Sendo assim, grupos monofiléticos são definidos por</p><p>sinapomorfias.</p><p>Todo cladograma é um grupo monofilético por definição. Para identificar um grupo monofilético</p><p>dentro de um cladograma, devemos aplicar a definição: grupo monofilético é formado pelo ancestral e</p><p>todos os seus descendentes. A ideia de todos não pode ser flexibilizada para alguns. Para identificar os</p><p>grupos, basta seguir os passos da figura 24: a) encontre um ancestral; b) siga todos os ramos que partem</p><p>dele; c) considere como integrantes do grupo monofilético todos os táxons que estão ligados a esses</p><p>ramos (os descendentes). Observe com atenção as figuras a seguir.</p><p>55</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>AA BB CC</p><p>1</p><p>DD EE</p><p>Grupo monofilético {CD}</p><p>Figura 24 – Cladogramas com cinco táxons terminais. O círculo indicado pelo numeral 1 representa</p><p>um ancestral e C e D são seus descendentes. Logo, {C,D} formam um grupo monofilético</p><p>Grupo monofilético {CD}</p><p>A B C D E</p><p>Grupo monofilético {E{CD}}</p><p>A B C D E</p><p>Grupo monofilético {B{E{CD}}}</p><p>A B C D E</p><p>Grupo monofilético {A{B{E{CD}}}}</p><p>A B C D E</p><p>a b</p><p>c d</p><p>Figura 25 – Cladogramas com cinco táxons terminais e indicação dos quatro grupos monofiléticos possíveis</p><p>A identificação dos grupos monofiléticos é a base da interpretação de cladogramas. Esses grupos</p><p>servem de fundamentação para a construção da classificação dos táxons estudados, pois toda categoria</p><p>taxonômica usada (gênero, família etc.) tem que corresponder a um grupo monofilético.</p><p>56</p><p>Unidade I</p><p>Lembrete</p><p>Uma classificação tem que utilizar as categorias taxonômicas na</p><p>sequência correta, da menor para a maior: espécie, gênero, família, ordem,</p><p>classe e filo.</p><p>3.2.3 Grupos merofiléticos</p><p>O conceito de grupo merofilético (e suas variações) tem que ser analisado com cuidado porque</p><p>expressa um erro. Embora seja preciso, sua representação corresponde a um erro de classificação. Grupo</p><p>merofilético é aquele formado por um ancestral, mas nem todos os seus descendentes (pode faltar um</p><p>ou vários). A dúvida é: por que alguém que conhece a metodologia cladística e tem a chance de identificar</p><p>um grupo monofilético vai escolher justamente um grupo merofilético? Esse é o caso, ninguém vai fazer</p><p>isso. Contudo, esse tipo de agrupamento pode aparecer quando consultamos as classificações antigas</p><p>realizadas sem a metodologia cladística. Acompanhe a figura a seguir e a sua descrição.</p><p>Revisão sistemática de Matos</p><p>(2020) baseada em cladística</p><p>Aa</p><p>bi</p><p>s</p><p>Ba</p><p>bi</p><p>s</p><p>Ca</p><p>bi</p><p>s</p><p>Da</p><p>bi</p><p>s</p><p>Ea</p><p>bi</p><p>s</p><p>Classificação (Silva, 1958)</p><p>Família Babisidade</p><p>Família Aabisidade</p><p>Gênero Babis</p><p>Gênero Aabis</p><p>Gênero Eabis</p><p>Gênero Cabis</p><p>Gênero Dabis</p><p>Figura 26 – Confronto de uma classificação antiga feita</p><p>sem a metodologia cladística e um cladograma</p><p>A figura anterior traz duas situações hipotéticas envolvendo classificação. À esquerda há uma</p><p>representação da classificação hipotética para cinco táxons quaisquer. Ela está correta do ponto de</p><p>vista nomenclatural, mas foi feita sem a aplicação da metodologia cladística. Nela podemos identificar</p><p>a proposta de duas famílias (Babisidae e Aabisidae), a primeira com três táxons (Babis, Cabis e Dabis) e a</p><p>segunda com dois (Aabis e Eabis). Hoje essa classificação só é considerada correta se os clados propostos</p><p>(as duas famílias) forem grupos monofiléticos.</p><p>Contudo, como saber isso se o trabalho original não usou a cladística? Para tirar essa prova, devemos</p><p>realizar uma revisão sistemática dos cinco táxons usando a metodologia cladística. No exemplo da</p><p>57</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>figura 26 isso foi feito por Matos em 2020 e o resultado está exposto no cladograma da direita. Para</p><p>validar e aceitar a proposta de 1958 como correta, as famílias da classificação de 1958 devem estar</p><p>representadas como grupos monofiléticos no cladograma.</p><p>Aproveite para exercitar a identificação de grupos monofiléticos estudada anteriormente.</p><p>Os gêneros Babis, Cabis e Dabis aparecem em sequência no cladograma, mas eles não formam um</p><p>grupo monofilético. Se buscarmos o ancestral desses três gêneros, veremos que ele será ancestral de</p><p>Eabis também. Portanto, a família Babisidae, como foi proposta em 1958, não corresponde a um grupo</p><p>monofilético porque deixou de fora um dos descendentes do ancestral do grupo; por isso ela é considerada</p><p>um grupo merofilético, assim, deve ser feita uma nova classificação para corrigir esse erro histórico.</p><p>Portanto, é possível entender que um grupo merofilético aparece quando analisamos classificações</p><p>antigas e que não foram baseadas em cladística. Ao ser identificado, esse</p><p>erro deve ser corrigido para</p><p>representar um grupo monofilético.</p><p>A variedade mais comum de grupo merofilético é o grupo parafilético. Vários exemplos de</p><p>classificação de animais foram considerados grupos parafiléticos e precisaram ser corrigidos. Um deles</p><p>pode ser visualizado na figura 23. Se você perguntar para várias pessoas quais são os tipos de répteis,</p><p>a maioria irá indicar as tartarugas, as cobras, os lagartos, os crocodilos e até os dinossauros. Todavia, é</p><p>quase certo que nenhuma irá incluir as aves ou mesmo os mamíferos nesse grupo. Há alguns anos, as</p><p>três classes de amniotas eram Reptilia, Aves e Mammalia. Agora junte essa informação com os conceitos</p><p>analisados há pouco.</p><p>Para serem ponderados nomes válidos em uma classificação, cada uma dessas classes deve</p><p>corresponder a um grupo monofilético. É aí que recorremos à figura 23. Nela é possível identificar que</p><p>as aves têm um ancestral em comum com os crocodilianos, formando o grupo Archosauria. Além disso,</p><p>esse grupo tem ancestral em comum com Testudines e com Lepidosauria. Ou seja, para julgarmos a</p><p>classe Reptilia válida, temos que incluir nela as aves. Caso isso não seja aceito, a classe Reptilia será</p><p>considerada um grupo parafilético. A solução encontrada pelos zoólogos foi abandonar o nome Reptilia</p><p>na classificação e usar outros nomes menos tradicionais e que pudessem acomodar as aves entre seus</p><p>ancestrais reptilianos.</p><p>3.2.4 Homoplasias: paralelismos e reversões</p><p>Como já tivemos contato com mais elementos da cladística, chegou a hora de retomarmos o conceito</p><p>de homoplasia e definir as suas variações. Homoplasia (ou analogia) é um nome genérico usado sempre</p><p>que há características semelhantes que surgiram independentemente, sem terem sido herdadas de um</p><p>ancestral direto. O exemplo da endotermia em aves e mamíferos já foi usado anteriormente neste</p><p>livro-texto.</p><p>Contudo, nem toda homoplasia é igual. A característica semelhante pode ser classificada como uma</p><p>apomorfia ou uma plesiomorfia, dependendo da interpretação evolutiva realizada, ou seja, dependendo</p><p>da série de transformação que foi definida para essa particularidade. Se as características semelhantes</p><p>são consideradas apomorfias, a homoplasia é do tipo paralelismo (figura a seguir).</p><p>58</p><p>Unidade I</p><p>A B C D E</p><p>Condição derivada</p><p>(apomorfia)</p><p>Condição primitiva</p><p>(plesiomorfia)</p><p>Figura 27 – Cladograma com a representação de características primitivas</p><p>e derivadas indicando a ocorrência de paralelismo entre A, C e D</p><p>Na figura anterior podemos ver que a plesiomorfia está representada pelo quadrado. Essa condição</p><p>é herdada pelos táxons B e E. O surgimento da condição derivada (apomorfia) quadrado com seta é a</p><p>sinapomorfia que define o clado {CD}. Ainda, podemos ver que o táxon A também tem a apomorfia,</p><p>mas quando buscamos sua origem vemos que ela nasceu no próprio táxon A, já que o seu ancestral</p><p>tinha a condição primitiva. Nesse caso, a semelhança da apomorfia expressa por A, C e D é um caso</p><p>de paralelismo.</p><p>Por outro lado, quando as características semelhantes são consideradas plesiomorfias, a homoplasia</p><p>é do tipo reversão (figura a seguir).</p><p>X Y Z W V</p><p>Condição derivada</p><p>(apomorfia)</p><p>Condição primitiva</p><p>(plesiomorfia)</p><p>Figura 28 – Cladograma com a representação de características primitivas</p><p>e derivadas indicando a ocorrência de reversão no táxon W</p><p>Na figura anterior, nota-se que a plesiomorfia está representada pelo quadrado. Essa condição é</p><p>herdada pelos táxons X e W. O surgimento da condição derivada (apomorfia) quadrado com seta já</p><p>é observada a partir do táxon Y, estando também em Z e V. Isso significa que o ancestral comum a</p><p>Y{V{ZW}} já expressava essa apomorfia. Contudo, W, que está no meio desse clado, denota a condição</p><p>primitiva, ou seja, a condição derivada foi revertida para a condição primitiva. Nesse caso, a semelhança</p><p>da plesiomorfia expressa por X e W é um caso de reversão.</p><p>59</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>4 CONSTRUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CLADOGRAMAS</p><p>Desde o seu nascimento (1950), a sistemática filogenética tem evoluído. A teoria passou a adotar</p><p>conceitos que não usava no início. A metodologia se uniu, por exemplo, à bioestatística para demonstrar</p><p>cada vez mais a confiabilidade de seus resultados. A tecnologia também evoluiu, permitindo acessar</p><p>novas informações (como sequenciamento) e realizar análises cada vez mais complexas. Apesar de tudo</p><p>isso, o cladograma continua sendo o resultado fundamental dos estudos cladísticos e a base para a</p><p>criação das classificações.</p><p>Nesse cenário, os computadores e os softwares contribuíram imensamente, aumentando a</p><p>capacidade e a rapidez das comparações e oferecendo opções de análises cada vez mais completas.</p><p>Desde a década de 1990, quando os computadores se tornaram mais acessíveis e mais difundidos, foram</p><p>desenvolvidos programas que recebem as informações e produzem os cladogramas em poucos cliques.</p><p>Saiba mais</p><p>Para saber mais sobre programas usados em cladística (como PAUP,</p><p>MacClade, Hennig 86, Tree Gardener, NEXUS etc.), visite:</p><p>Disponível em: https://shre.ink/rEjZ. Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>Então significa que o trabalho do sistemata foi substituído pelo da máquina? Felizmente não, o</p><p>sistemata ainda é peça vital no estudo cladístico. Dele parte a ideia do que estudar; ele ainda dedica muito</p><p>de seu tempo à escolha, à procura e à análise das características que serão comparadas; ele transforma</p><p>as informações biológicas em uma linguagem que o software aceite; e, sobretudo, é o sistemata que</p><p>coloca sua visão e sua experiência na interpretação dos resultados.</p><p>Pensando em todos esses aspectos, e buscando apresentar a você o desenvolvimento de um</p><p>estudo cladístico, acentuaremos a seguir as informações básicas sobre as etapas da construção de</p><p>um cladograma.</p><p>Este livro-texto não pretende abordar todas as informações sobre o tema. Assim, serão trabalhados</p><p>conceitos simples com base em exemplos igualmente simples.</p><p>4.1 Construção de cladogramas</p><p>Antes de investigar a construção de um cladograma, é importante ter a ideia correta do que ele</p><p>representa e de sua função. Cladogramas expressam hipóteses de relações filogenéticas, ou seja, as</p><p>características comparadas permitem contar uma história (cladograma) sobre as relações de parentesco</p><p>entre os táxons estudados. Todavia, existe um detalhe relevante: a quantidade de táxons estudada</p><p>60</p><p>Unidade I</p><p>afeta diretamente a quantidade de hipóteses possíveis de relação entre eles. Vamos trabalhar um pouco</p><p>mais essa ideia.</p><p>O que se busca em um estudo cladístico é: a) estabelecer as relações de parentesco e b) formando</p><p>grupos que c) obedeçam à organização de ancestral-descendente. Observe e analise a figura a seguir.</p><p>Descendente</p><p>AA</p><p>A A</p><p>AA</p><p>B</p><p>B</p><p>B</p><p>Ancestral</p><p>B</p><p>C C</p><p>C C</p><p>B</p><p>Figura 29 – Relações de parentesco possíveis entre alguns táxons</p><p>Na figura anterior, a primeira imagem da esquerda não representa um cladograma porque não faz</p><p>sentido discutir as relações de parentesco de apenas um táxon (se só existe ele, ele vai ser parente de</p><p>quem?). A segunda imagem (dois táxons) expressa o único cladograma possível para os táxons A e B.</p><p>Não existe outra hipótese possível a não ser que A seja o parente mais próximo de B.</p><p>Por sua vez, a terceira imagem reúne os quatro cladogramas da direita. De acordo com eles, para os</p><p>táxons A, B e C existem quatro hipóteses de relações de parentesco. Em uma delas, os três táxons são</p><p>descendentes diretos do ancestral; em outra, A e B são parentes mais próximos; em outra, A e C</p><p>são parentes mais próximos; na última, B e C são os parentes mais próximos.</p><p>Portanto, fazendo as relações possíveis, podemos observar que:</p><p>• não existe cladograma para um táxon;</p><p>• existe apenas um cladograma possível para dois táxons quaisquer;</p><p>• existem quatro cladogramas possíveis para três táxons quaisquer.</p><p>As possibilidades de cladogramas aumentam muito a cada táxon acrescentado. Para quatro táxons,</p><p>serão 16 cladogramas possíveis; para cinco, 105 cladogramas possíveis; para seis, 945; para sete, 10.395</p><p>e assim por diante.</p><p>61</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Se temos muitas possibilidades de hipóteses filogenéticas, como saber qual é a correta? Essa é</p><p>uma questão de filosofia da ciência e de método científico. Nunca iremos saber, de fato, qual hipótese</p><p>representa o que de verdade aconteceu na evolução daqueles táxons estudados simplesmente porque</p><p>não existe como recuperar esse registro de maneira completa. Serão as características examinadas</p><p>durante a análise que darão maior apoio a uma dessas hipóteses em detrimento das demais. Assim, a</p><p>escolha de uma das hipóteses é uma questão de probabilidade.</p><p>4.1.1 Definição do grupo de interesse</p><p>Todo estudo cladístico começa com uma hipótese científica sobre as relações de parentesco entre</p><p>táxons. A partir dessa questão inicial serão definidos quantos táxons serão estudados e quais serão eles.</p><p>Conforme foi acentuado anteriormente, não é possível construir um cladograma para um táxon.</p><p>Para dois já é possível, mas já sabemos a resposta antes mesmo de fazer o estudo (os dois táxons são</p><p>parentes mais próximos entre si). A partir de três já é possível fazer uma investigação completa.</p><p>E o número máximo? Em teoria ele não existe; devemos fazer um estudo cladístico com todas as</p><p>espécies. Todavia, nesse caso existem outras limitações, como ter acesso a todas essas espécies, o tempo</p><p>enorme que seria envolvido na análise das características, a capacidade de processamento para todos</p><p>esses dados etc. Na prática, o que se observa é a atuação de especialistas em determinadas famílias ou</p><p>superfamílias que trabalham dentro desses limites. Alguns sistematas acabam usando informações de</p><p>vários outros para apresentarem uma proposta cladística para uma ordem ou classe.</p><p>Sobre a identidade dos táxons, eles podem ser desde espécies até filos inteiros, mas essa escolha</p><p>também depende de algumas situações. Não se pode (ou pelo menos não é comum) misturarmos</p><p>duas ou mais categorias taxonômicas, isto é, os estudos são só sobre espécies, só sobre gêneros etc.</p><p>A segunda consideração é sobre a representação desse táxon. Temos que lembrar que cada táxon terá</p><p>suas características estudadas em detalhes. Ao escolhermos espécies como táxons, estaremos estudando</p><p>as particularidades de cada espécie em especial.</p><p>Contudo, ao escolhermos um gênero ou outra categoria maior, o estudo das características fica mais</p><p>difícil, pois essas categorias podem ser expressas por mais de uma espécie. Por exemplo, em um gênero</p><p>formado por cinco espécies, qual delas terá as particularidades analisadas? E as outras quatro espécies</p><p>não terão suas características representadas? Assim, os estudos cladísticos geralmente são feitos a partir</p><p>de espécies.</p><p>Definidos o número de táxons e suas identidades, temos o que se chama grupo interno da análise,</p><p>ou seja, os táxons para os quais queremos definir as relações de parentesco.</p><p>62</p><p>Unidade I</p><p>4.1.2 Levantamento dos caracteres e suas variações</p><p>Essa parte do estudo costuma ser a mais demorada e exige muito conhecimento prático e teórico.</p><p>A metodologia cladística se baseia na comparação de características homólogas, sejam elas morfológicas,</p><p>moleculares, fisiológicas etc. Estudos baseados em informações morfológicas têm longas listas de</p><p>características que são examinadas.</p><p>Não existe uma quantidade mínima nem máxima de características que devem ser usadas, deve-se</p><p>usar todas que forem possíveis, porque é a interpretação do conjunto de características que estabelece</p><p>as relações de parentesco e uma maior ou menor confiabilidade no cladograma.</p><p>Imagine um estudo que usa dez características na análise; ele vai resultar em um cladograma. Outro</p><p>estudo que use essas dez marcas mais cinco outras poderá reforçar esse resultado ou propor nova hipótese</p><p>de parentesco. Assim, quanto mais atributos forem usados, menor a chance de os resultados obtidos</p><p>serem contestados por análises posteriores. Alguns estudos moleculares usam genes muito específicos</p><p>que são sequenciados; alguns genes pequenos podem ter uma centena de pares de base e cada um é</p><p>interpretado como um caractere diferente. Nesse caso, o estudo teria uma centena de caracteres.</p><p>Observação</p><p>Sequenciamento é a identificação da sequência de nucleotídeos do</p><p>gene, representado por meio de pares de bases (pb) nitrogenadas.</p><p>Uma regra inviolável é que todas as características usadas devem ser homologias. Além disso,</p><p>cada uma escolhida deve estar representada, pelo menos, de duas maneiras diferentes entre os táxons</p><p>(figura 30). Vale lembrar que a característica é também chamada de caractere e as suas variações são</p><p>denominadas estados.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Em um estudo de dez espécies de primatas, todos têm cinco dedos em cada pé. Assim, a característica</p><p>“número de dedos nos pés” não é válida para o estudo porque não varia entre os táxons. Por outro lado,</p><p>se a qualidade escolhida for “cor do tufo de pelos na testa” e pelo menos uma das espécies tiver tufo</p><p>branco enquanto as outras nove têm tufo preto, essa característica poderá ser usada.</p><p>Uma mesma estrutura pode ser usada quantas vezes foram necessárias em uma análise, mas sempre</p><p>representando um caractere diferente com seus estados (figura 30). Por exemplo, se a estrutura escolhida</p><p>for uma folha de angiosperma dicotiledônia, podemos usar como caracteres o formato, o comprimento,</p><p>a largura, a posição da maior largura, o aspecto da borda, a quantidade de nervuras, a nervura central</p><p>tocando a extremidade da folha, o comprimento do pecíolo, as tricomas etc. As chances são muitas e</p><p>irão depender do empenho, da necessidade e das possibilidades do sistemata.</p><p>63</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Caractere</p><p>Asas Ausentes, presentes</p><p>Comportamento das asas Estendidas; recolhidas</p><p>Tipo de peças bucais Ausentes, mastigadoras, picadora, sugadora</p><p>Desenvolvimento Ametábolo; holometábolo; hemimetábolo</p><p>Estados</p><p>Th</p><p>ys</p><p>an</p><p>ur</p><p>a</p><p>Od</p><p>on</p><p>at</p><p>a</p><p>Ep</p><p>he</p><p>m</p><p>er</p><p>op</p><p>te</p><p>ra</p><p>Or</p><p>th</p><p>op</p><p>te</p><p>ro</p><p>de</p><p>a</p><p>He</p><p>m</p><p>ip</p><p>te</p><p>ro</p><p>de</p><p>a</p><p>Ho</p><p>lo</p><p>m</p><p>et</p><p>ab</p><p>ol</p><p>a</p><p>Figura 30 – Apresentação de alguns caracteres e seus estados para alguns táxons de insetos</p><p>Fonte: Hickman Jr. et al. (2016, p. 426).</p><p>Todos os caracteres e seus estados precisam ser organizados para serem usados na sequência do estudo.</p><p>A maneira como essa ordenação será feita é uma escolha pessoal do sistemata. Uma forma bastante</p><p>comum e funcional é criar uma tabela na qual cada linha conterá as informações de cada caractere</p><p>(figura 30). Na primeira coluna é colocada a descrição do caractere; na segunda, fixam-se os estados.</p><p>No exemplo da figura 30 podem ser vistos quatro caracteres. O primeiro tem apenas dois</p><p>estados (ausentes-presentes); o segundo também tem dois estados (estendidas-recolhidas);</p><p>o terceiro tem quatro (ausentes-mastigadoras-picadoras-sugadoras); e o quarto tem três</p><p>(ametábolo-holometábolo-hemimetábolo). Um cuidado importante que o sistemata deve ter é o de</p><p>sempre usar termos precisos para retratar o caractere e os estados. Adjetivos como grande, pequeno,</p><p>torto, comprido etc. devem ser evitados.</p><p>4.1.3 Polarização dos estados dos caracteres</p><p>Os caracteres escolhidos e analisados serão apenas descritivos se não for realizada a etapa de</p><p>polarização. É por meio dela que se estabelece o sentido da evolução de cada um. Para fazer isso,</p><p>deve-se pensar em cada caractere como uma série de transformação na qual um de seus estados será o</p><p>plesiomórfico e o(s) outro(s) o(s) apomórfico(s). O estado plesiomórfico é aquele primitivo (original), que</p><p>estava presente no ancestral comum a todos os táxons em estudo. O estado apomórfico é a novidade</p><p>evolutiva (derivada), ou seja, a transformação do estado primitivo. Quando temos apenas os estados,</p><p>64</p><p>Unidade I</p><p>sem a polarização, todas as opções de transformação são possíveis. Ao definirmos a polarização do</p><p>caractere, estamos interpretando o sentido da evolução (figura a seguir).</p><p>Caractere</p><p>Asas Ausentes, presentes</p><p>Sem polarização - possibilidades</p><p>Asas ausentes</p><p>Asas presentes</p><p>Asas presentes</p><p>Asas ausentes</p><p>Estados</p><p>Com</p><p>polarização - sentido evolutivo definido</p><p>Asas ausentes</p><p>(plesiomorfia)</p><p>Asas presentes</p><p>(apomorfia)</p><p>Figura 31 – Representação de um caractere e as possibilidades de interpretação para a evolução de seus estados</p><p>Na situação ilustrada na figura anterior, o caractere asas tem dois estados (ausentes-presentes). Sem</p><p>definir a polarização, existem duas possibilidades para a evolução dessa característica: a) o ancestral</p><p>não tinha asas e elas apareceram em descendentes ao longo da evolução; ou b) o ancestral era alado e</p><p>a asa desapareceu nos descendentes ao longo da evolução. A princípio, as duas opções são igualmente</p><p>possíveis. Contudo, na metodologia cladística é necessário que se defina o sentido. Após a polarização,</p><p>foi definido que o ancestral tinha asas e elas foram perdidas em seus descendentes (figura anterior).</p><p>Situações em que o caractere tem três ou mais estados também devem passar pela polarização</p><p>(figura seguir), porém existem mais possibilidades de combinações.</p><p>Caractere</p><p>Desenvolvimento Ametábolo; Holometábolo; Hemimetábolo</p><p>Estados</p><p>Sem polarização - possibilidades</p><p>Ametábolo</p><p>Ametábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Ametábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Ametábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Holometábolo</p><p>Ametábolo</p><p>Hemimetábolo</p><p>Ametábolo</p><p>Com polarização - sentido evolutivo definido</p><p>Ametábolo</p><p>(plesiomorfia)</p><p>Hemimetábolo</p><p>(apomorfia)</p><p>Holometábolo</p><p>(apomorfia)</p><p>Figura 32 – Representação de um caractere e as possibilidades</p><p>de interpretação para a evolução de seus estados</p><p>65</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>No entanto, o grande ponto que ainda precisa ser explicado é: como é feita a polarização? O ideal</p><p>seria que pudéssemos voltar ao passado e observar a condição original e no que ela se transformou,</p><p>mas isso é impossível. Assim, devemos buscar meios cientificamente confiáveis de acessar essa evolução</p><p>em cada caso.</p><p>Em alguns materiais os fósseis ajudam bastante, porque a condição primitiva estará presente nas</p><p>formas mais antigas e extintas. Em outros casos a própria morfologia da estrutura já dá uma pista,</p><p>especialmente quando os estados do caractere expressam estágios intermediários entre a condição</p><p>plesiomórfica e a condição apomórfica.</p><p>Também podemos recorrer à embriologia nos amparando na famosa frase: “a ontogenia recapitula</p><p>a filogenia” (figura 33). Essa ideia está pautada em observações de que características ancestrais muitas</p><p>vezes aparecem durante um período do desenvolvimento embrionário. Um exemplo clássico mostra que</p><p>vertebrados, como aves e humanos, têm fendas e arcos branquiais durante um curto período de seu</p><p>desenvolvimento embrionário, e essa marca é herdada de nossos ancestrais peixes.</p><p>Peixe Salamandra Tartaruga Galinha Humano</p><p>Figura 33 – Comparação entre os embriões de diferentes vertebrados</p><p>mostrando semelhança no início de seu desenvolvimento</p><p>Fonte: Hickman Jr. et al. (2016, p. 170).</p><p>66</p><p>Unidade I</p><p>Contudo, se prestarmos atenção, perceberemos que nesses casos pode haver limitações. No estudo</p><p>de dinossauros é praticamente impossível usar comparação embriológica, e a comparação morfológica</p><p>também é limitada.</p><p>Pensando nessas dificuldades, foi incorporado ao método cladístico a definição da polarização por</p><p>comparação com o grupo externo. O grupo externo é formado por um ou mais táxons que não pertençam</p><p>ao grupo interno, mas que tenham alguma proximidade filogenética para facilitar as comparações. Por</p><p>exemplo, se o objetivo é estudar as relações filogenéticas entre espécies de uma família de samambaias,</p><p>pode-se escolher como grupo externo uma ou mais espécies de samambaias de outra família. Ele é</p><p>criado e usado no estudo cladístico com o único objetivo de permitir a comparação das características</p><p>analisadas e ajudar na polarização. Não estamos interessados nas relações de parentesco entre esses</p><p>táxons e, inclusive, não precisam nem aparecer no cladograma. O nome grupo externo existe porque</p><p>esses táxons sempre ficam de fora do grupo monofilético formado pelos táxons do grupo interno</p><p>(figura a seguir).</p><p>Grupo</p><p>externo</p><p>Grupo interno</p><p>monofilético</p><p>A B C D E</p><p>Figura 34 – Representação do grupo externo e grupo interno em um cladograma</p><p>Após muitos estudos e análises, a funcionalidade do grupo externo se mantém até hoje. Seu uso está</p><p>fundamentado no fato de que a condição (estado) do caractere que também estiver presente no</p><p>grupo externo será considerada a plesiomorfia, indicando o sentido da evolução da característica.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Usaremos um exemplo fictício para facilitar o entendimento e para a realização das etapas de</p><p>construção de um cladograma. Todos os caracteres terão apenas dois estados.</p><p>Os seres a seguir formam o grupo interno (figura a seguir). Ao estudar sua morfologia, foram</p><p>identificados seis caracteres e seus estados que permanecem não polarizados.</p><p>67</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Aliens aliens Aliens pleno</p><p>Caractere</p><p>1 - Forma das antenas Larga (raio), fina (filamentosa)</p><p>2 - Largura das pernas Larga (maior que 1 mm); fina (até 0,9 mm)</p><p>3 - Cor dos olhos Preta; branca</p><p>4 - Comprimento das asas Longa (ultrapassa o abdome); curta (não ultrapassa o abdome)</p><p>5 - Ferrão Ausente; presente</p><p>6 - Forma da cabeça Pontiaguda; retangular</p><p>Estados</p><p>Aliens nula Aliens bios Aliens flan Aliens lux</p><p>Figura 35 – Representação do grupo interno e as características usadas na análise</p><p>A comparação com o grupo externo permite que cada caractere seja polarizado e seus estados</p><p>organizados de acordo com a evolução. As plesiomorfias foram identificadas com P e as apomorfias</p><p>com A (figura a seguir).</p><p>Caractere</p><p>1 - Forma das antenas (A) Larga (raio);(P) fina (filamentosa)</p><p>2 - Largura das pernas (P) Larga (maior que 1 mm); (A) fina (até 0,9 mm)</p><p>3 - Cor dos olhos (P) Preta; (A) branca</p><p>4 - Comprimento das asas (A) Longa (ultrapassa o abdome); (P) curta (não</p><p>ultrapassa o abdome)</p><p>5 - Ferrão (P) Ausente; (A) presente</p><p>6 - Forma da cabeça (P) Pontiaguda; (A) retangular</p><p>Estados</p><p>Grupo externo</p><p>Aliens plenoAliens aliens Aliens nula Aliens bios Aliens flan Aliens lux</p><p>Figura 36 – Representação do grupo interno, grupo externo e das características com seus estados já polarizados</p><p>68</p><p>Unidade I</p><p>4.1.4 Codificação dos estados dos caracteres</p><p>Concluída a análise das características e a organização da tabela com os caracteres polarizados,</p><p>chegou a hora de fazer a codificação. Essa etapa consiste na conversão das informações descritivas</p><p>para um código numérico sequencial iniciando sempre no 0 (zero). É uma etapa que exige atenção e é</p><p>importante para a continuidade da análise.</p><p>As plesiomorfias são sempre indicadas por 0. As apomorfias são indicadas por 1, 2, 3 etc. dependendo</p><p>da quantidade de estados e da ordem em que aparecem na evolução. Quando um caractere tem só dois</p><p>estados (ausente e presente), terá apenas os códigos 0 e 1. Quando ele tiver três estados (branco, preto e</p><p>azul), terá os códigos 0, 1 e 2, e assim sucessivamente. Devemos fazer o mesmo procedimento para cada</p><p>caractere e todos deverão ter, pelo menos, o 0 e o 1.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Ao realizarmos a codificação das características ilustradas na figura 36, a informação fica organizada</p><p>da seguinte maneira (quadro a seguir):</p><p>Quadro 4 – Lista de caracteres usados no</p><p>estudo; estados polarizados e codificados</p><p>Caractere Estados</p><p>1- Formas das antenas</p><p>(0) Fina (filamentosa)</p><p>(1) Larga (raio)</p><p>2- Largura das pernas</p><p>(0) Larga (maior que 1 mm)</p><p>(1) Fina (até 0,9 mm)</p><p>3- Cor dos olhos</p><p>(0) Preta</p><p>(1) Branca</p><p>4- Comprimento das asas</p><p>(0) Curta (não ultrapassa o abdome)</p><p>(1) Longa (ultrapassa o abdome)</p><p>5- Ferrão</p><p>(0) Ausente</p><p>(1) Presente</p><p>6- Forma da cabeça</p><p>(0) Pontiaguda</p><p>(1) Retangular</p><p>4.1.5 Construção da matriz de caracteres</p><p>É a última etapa da organização das informações. A maioria das matrizes usadas em cladística tem</p><p>a mesma estrutura de colunas e linhas: na primeira coluna ficam todos os táxons, e na primeira linha</p><p>ficam números indicativos dos caracteres analisados (quadro a seguir).</p><p>69</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Quadro 5 – Estrutura de uma matriz de caracteres</p><p>1 2 3 4</p><p>Táxon A</p><p>Táxon B</p><p>Táxon C</p><p>Táxon D</p><p>Observação</p><p>As matrizes de caracteres são reservatórios das informações coletadas</p><p>durante a análise e são o ponto de partida para a construção de cladogramas</p><p>à mão ou utilizando softwares.</p><p>A matriz será preenchida pelos números gerados na etapa de codificação dos caracteres. Para iniciar,</p><p>devemos completar as informações da coluna referente ao primeiro caractere colocando a informação</p><p>para todos os táxons. Em seguida, repete-se o processo para todos os caracteres da matriz.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Com as características codificadas (quadro 4) e os táxons escolhidos (figura 35), podemos continuar</p><p>a preencher a matriz. O procedimento é sempre o mesmo:</p><p>Pergunta 1</p><p>O táxon Aliens aliens na característica 1 (forma das antenas) tem qual estado codificado?</p><p>Resolução: 0. Colocamos o 0 no cruzamento da linha do táxon Aliens aliens com a coluna da</p><p>característica 1 (tabela a seguir).</p><p>Tabela 1 – Matriz de caracteres completa com todas</p><p>as informações dos caracteres para todos os táxons</p><p>1 2 3 4 5 6</p><p>Aliens aliens 0 1 1 1 0 0</p><p>A. pleno 1 0 0 0 0 1</p><p>A. nula 0 0 1 0 1 0</p><p>A. bios 0 0 1 0 1 0</p><p>A. flan 0 1 1 1 0 0</p><p>A. lux 1 0 0 0 0 1</p><p>70</p><p>Unidade I</p><p>Pergunta 2</p><p>O táxon A. pleno na característica 1 (forma das antenas) tem qual estado codificado?</p><p>Resolução: 1. Coloca-se o 1 no cruzamento da linha do táxon A. pleno com a coluna da característica 1</p><p>(tabela anterior)</p><p>Esse procedimento deve ser feito até acabarem todos os seis táxons. Na sequência, repetem-se</p><p>os mesmos passos, mas agora para a característica 2, e assim sucessivamente até a última. Ao final,</p><p>a matriz estará completa (tabela anterior). Sempre é necessário ter muita atenção no preenchimento da</p><p>matriz e, se possível, conferir o resultado algumas vezes.</p><p>4.1.6 Conversão da matriz de caracteres em cladograma</p><p>A conversão de uma matriz em cladograma usa como conceito básico a realização de agrupamentos</p><p>definidos por sinapomorfias. Fazendo uma revisão rápida, podemos lembrar que sinapomorfias são</p><p>apomorfias compartilhadas por dois ou mais táxons. Logo, o procedimento básico nessa etapa consiste</p><p>em percorrer cada característica da matriz buscando reunir dois ou mais táxons que compartilham</p><p>essa apomorfia.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Faremos agora a construção de um cladograma com base na matriz de caracteres acentuada na</p><p>tabela 1. Vale lembrar que esse é um exemplo hipotético e simples, o foco é facilitar a apresentação do</p><p>método e seu aprendizado. Apesar da simplificação, a base é a mesma empregada nas situações reais</p><p>mais complexas.</p><p>A leitura da coluna do primeiro caractere mostra que A. pleno e A. lux são os únicos táxons que têm o</p><p>número 1 (figura 37), ou seja, os dois compartilham essa apomorfia (portanto, é uma sinapomorfia). Isso</p><p>resultou na representação dos dois táxons agrupados no primeiro cladograma parcial. Por convenção,</p><p>deve-se indicar a sinapomorfia colocando-se no cladograma o número do caractere analisado. O mesmo</p><p>resultado é observado para o caractere 6.</p><p>Repetindo o procedimento na coluna do caractere 2, observamos que existe uma sinapomorfia</p><p>unindo A. aliens e A. flan, por isso são agrupados em outro cladograma parcial. O mesmo resultado é</p><p>observado para o caractere 4.</p><p>No caractere 3 observa-se uma situação diferente: os táxons A. aliens, A. nula, A. bios e A. flan devem</p><p>ser unidos por compartilharem uma sinapomorfia. O caractere 5 aponta para a união entre A. nula e A. bios.</p><p>71</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>3 51</p><p>A. pleno A. lux</p><p>A. nula</p><p>A. nula A. bios</p><p>A. bios</p><p>A. flanA. aliens</p><p>2</p><p>A. aliens A. aliens A. pleno A. luxA. flan A. flan</p><p>4 6</p><p>A. pleno</p><p>A. lux</p><p>A. nula</p><p>A. bios</p><p>A. flan</p><p>A liens aliens</p><p>1</p><p>1</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>1</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>1</p><p>1</p><p>2</p><p>0</p><p>0</p><p>1</p><p>1</p><p>1</p><p>1</p><p>3</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>1</p><p>1</p><p>4</p><p>0</p><p>0</p><p>1</p><p>1</p><p>0</p><p>0</p><p>5</p><p>1</p><p>1</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>0</p><p>6</p><p>Figura 37 – Etapas de conversão de uma matriz de caracteres</p><p>em cladogramas parciais representativos de cada caractere</p><p>Contudo, o cladograma final precisa reunir todos os táxons estudados e mostrar as relações de</p><p>parentesco entre eles. Para tal, devemos reunir os cladogramas parciais em um só cladograma contendo</p><p>todos os grupos (figura a seguir).</p><p>6</p><p>1</p><p>A. pleno</p><p>A. pleno</p><p>A. pleno</p><p>A. aliens</p><p>A. nula A. bios</p><p>A. lux</p><p>2</p><p>2</p><p>6</p><p>4</p><p>5</p><p>3</p><p>1</p><p>A. aliens</p><p>A. aliens</p><p>A. flan</p><p>A. flan</p><p>4</p><p>A. aliens A. flan</p><p>A. lux</p><p>A. lux</p><p>5</p><p>A. nula</p><p>A. nula</p><p>A. bios</p><p>A. bios</p><p>A. flan</p><p>3</p><p>Figura 38 – Composição do cladograma final a partir dos cladogramas parciais</p><p>72</p><p>Unidade I</p><p>É importante reforçar que esse foi um exercício controlado desde a proposta do grupo interno até a</p><p>construção da matriz de caracteres. Isso corresponde a um artifício didático que visa facilitar o processo</p><p>de ensino-aprendizagem. No entanto, as situações reais podem ser bem mais complexas. Por exemplo, é</p><p>bastante frequente o uso de caracteres com três ou mais estados. O procedimento para os agrupamentos</p><p>não muda muito, mas é necessário um cuidado maior na interpretação da evolução dos estados.</p><p>Outro caso que pode ser diferente é no conflito entre grupos gerado pelos chamados caracteres</p><p>incongruentes. Nessas situações, agrupamentos diferentes usam um mesmo táxon, o que causa</p><p>uma inconsistência nas relações de parentesco.</p><p>Um estudo cladístico é uma atividade que promove grande aprendizado e também permite o</p><p>exercício de conceitos e habilidades diversas. Ao conhecer as etapas de um estudo desse tipo, desde a</p><p>escolha dos táxons até a construção do cladograma, você aprende os tipos de materiais que podem ser</p><p>usados, os tipos de informações que podem ser analisadas, o efeito da evolução sobre as características,</p><p>o significado de cada característica para a evolução do grupo, entre muitos outros aspectos.</p><p>4.2 Interpretação de cladogramas</p><p>Um estudo cladístico não serve apenas para satisfazer um interesse de um sistemata. Seus resultados</p><p>são úteis para toda a biologia, em diferentes áreas, sempre que se discute algum aspecto evolutivo.</p><p>Assim, mais importante do que saber fazer um cladograma é saber lê-lo.</p><p>O tipo de informação que se extrai de um cladograma é muito útil para diferentes áreas da biologia,</p><p>como paleontologia, evolução, biogeografia, zoologia e botânica.</p><p>4.2.1 Leitura de cladogramas</p><p>Ao estudar um cladograma, muitas informações importantes podem ser extraídas, mas precisamos</p><p>estar preparados para identifica-las. As principais noções estão organizadas a seguir.</p><p>Reconhecimento das relações de parentesco</p><p>O parentesco mais próximo (ou o maior parentesco) ocorre entre os descendentes de um mesmo</p><p>ancestral. Isso está representado pelos ramos (as linhas) que surgem a partir de um nó formando</p><p>dicotomias ou politomias (figura a seguir).</p><p>73</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>A</p><p>1</p><p>5</p><p>4</p><p>3</p><p>2</p><p>B C D E F G</p><p>Figura 39 – Cladograma com politomia (1) e dicotomias (2, 3, 4, 5)</p><p>No cladograma da figura anterior, podemos ver uma politomia a partir do ancestral 1 de onde</p><p>surgem os táxons A, B, C. Esses três táxons têm parentesco mais próximo entre si do que com qualquer</p><p>outro analisado. A partir de todos os outros ancestrais (2, 3, 4, 5) só existem dicotomias. Os táxons E, F</p><p>são os que têm parentesco mais próximo porque estão ligados ao ancestral 5. O táxon com parentesco</p><p>mais próximo ao grupo {EF} é G, pois eles estão ligados ao ancestral 4. Em seguida, o táxon com</p><p>parentesco mais próximo ao grupo {G{EF}} é D, pois estão ligados ao ancestral 3. Por fim, o grupo {AB} é</p><p>o parente mais próximo do grupo D{G{EF}}, pois estão ligados ao ancestral 2.</p><p>Reconhecimento dos grupos monofiléticos</p><p>Ao mesmo tempo que se faz a leitura das relações de parentesco, já é possível ir organizando os</p><p>grupos monofiléticos. Uma dica importante para não esquecer de nenhum é lembrar que a quantidade</p><p>de grupos monofiléticos é a mesma dos ancestrais. Assim, na figura 40 é possível ver a indicação</p><p>e localização dos cinco grupos monofiléticos.</p><p>Lembrete</p><p>Um grupo monofilético é aquele formado pelo ancestral</p><p>.................................................................................................................................................. 93</p><p>6.2.1 Tipos ............................................................................................................................................................. 95</p><p>6.2.2 Mecanismos .............................................................................................................................................. 97</p><p>6.2.3 Rotas ............................................................................................................................................................ 99</p><p>6.2.4 Barreiras à dispersão ............................................................................................................................102</p><p>6.3 Biogeografia histórica ......................................................................................................................103</p><p>6.4 Padrões biogeográficos ....................................................................................................................108</p><p>Unidade III</p><p>7 TEORIAS BIOGEOGRÁFICAS .......................................................................................................................120</p><p>7.1 Teoria dos refúgios florestais pleistocênicos ...........................................................................120</p><p>7.2 Teoria da neutralidade ......................................................................................................................123</p><p>7.3 Teoria dos nichos ecológicos .........................................................................................................125</p><p>7.4 Teoria da biogeografia de ilhas .....................................................................................................126</p><p>8 ECOLOGIA DA PAISAGEM...........................................................................................................................130</p><p>8.1 Níveis de análise ecológica .............................................................................................................130</p><p>8.2 Elementos da paisagem ...................................................................................................................131</p><p>8.3 Análise da integridade da paisagem ..........................................................................................133</p><p>8.3.1 Perda e fragmentação de habitats ................................................................................................ 133</p><p>8.3.2 Efeito de borda e ecótonos .............................................................................................................. 136</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>A biologia é tradicionalmente conhecida como a ciência que estuda a vida; a vida, até onde chega</p><p>nosso conhecimento, é uma exclusividade da Terra. Podemos considerar, portanto, que conhecer a</p><p>vida é conhecer uma parte importante do planeta. Assim, a vida dos organismos e sua evolução estão</p><p>intimamente relacionadas aos elementos da Terra. Nesse contexto, podemos conceber no conhecimento</p><p>biológico diferentes aspectos envolvendo os seres vivos. Podemos investigar a origem desses seres no</p><p>tempo e no espaço e assim conhecer as relações de parentesco geradas ao longo da evolução desde</p><p>o ancestral mais remoto. A evolução biológica, por si só, é um tema de grande interesse para a ciência,</p><p>auxiliando-nos a identificar os mecanismos responsáveis pelas modificações dos seres vivos e a geração</p><p>da biodiversidade. A estrutura desses seres também é passível de investigação, havendo interesse pelos</p><p>sistemas, órgãos, tecidos, células e organelas. Outro aspecto que pode ser investigado pela biologia é o</p><p>papel dos seres vivos no planeta, com quem interagem, como se reproduzem, como se alimentam, como</p><p>vivem, entre tantos outros aspectos. Enfim, a biologia cuida da caracterização da vida em todos os seus</p><p>aspectos. Vale lembrar que, entre esses seres vivos, estamos nós, seres humanos.</p><p>Os aspectos mencionados fazem parte de um arcabouço de conhecimento dominado atualmente</p><p>pela ciência e que está, dia a dia, em expansão. A ciência como um todo, e a biologia fazendo parte</p><p>dela, evoluiu gradativamente desde os primórdios da humanidade. Em alguns momentos essa evolução</p><p>foi mais lenta, em outros foi mais rápida, em outros, ainda, inexistiu. Ao longo desse tempo inúmeros</p><p>personagens contribuíram com informações, técnicas e teorias que compuseram o conhecimento atual.</p><p>Nas ciências biológicas, um tema que sempre chamou a atenção, desde os nossos ancestrais nômades,</p><p>foi a biodiversidade. Muita coisa já foi desvendada ao longo dos séculos, mas ainda hoje cientistas ao</p><p>redor do mundo dedicam esforços a entender essa característica tão particular da vida.</p><p>Assim, esta disciplina tem como objetivo apresentar aos alunos duas abordagens que ajudam a</p><p>compreender a biodiversidade: a sistemática biológica e a biogeografia. Em outras palavras, serão</p><p>elencadas aos alunos informações sobre a classificação dos seres vivos e sua distribuição pelo nosso</p><p>planeta. A partir desses conhecimentos, os alunos terão a base necessária para, ao longo do curso,</p><p>aproveitar melhor cada um dos temas estudados. Todas essas informações ajudam a compor um</p><p>conhecimento amplo sobre a vida, muito útil na carreira profissional do biólogo, bacharel ou licenciado.</p><p>A unidade I tratará dos conceitos, métodos e teorias que ajudaram a entender o tamanho da</p><p>diversidade biológica atual e do passado. Para tanto, serão acentuadas informações sobre os primórdios</p><p>dos estudos sobre a diversidade de vida e as correntes de pensamento que foram sendo desenvolvidas ao</p><p>longo dos séculos. Em seguida, serão ilustradas algumas ferramentas úteis no estudo da biodiversidade,</p><p>e uma dessas ferramentas será detalhada levando-se em conta a sua importância e representatividade</p><p>hoje. A união de todas essas informações permitirá ao aluno compreender meios de identificar e</p><p>quantificar a biodiversidade.</p><p>A unidade II irá iniciar a caracterização da biogeografia como uma ciência que desvenda a</p><p>distribuição dos seres vivos no planeta. Para auxiliá-lo nessa tarefa, serão apresentados os mecanismos</p><p>e os padrões de distribuição dos seres vivos.</p><p>8</p><p>Por fim, mas não menos importante, a unidade III encerra esse conjunto de informações sobre a</p><p>biodiversidade acentuando teorias que tentam explicar as distribuições dos seres vivos ao longo do</p><p>tempo e como as ações antrópicas podem afetar essa distribuição.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A Terra é formada por elementos que são agrupados em quatro conjuntos, por alguns chamados</p><p>de esferas do planeta: hidrosfera, litosfera, atmosfera e biosfera. Embora todos sejam importantes e</p><p>interajam entre si, nesta disciplina a de mais interesse é a biosfera, pois corresponde aos seres vivos e,</p><p>consequentemente, a nós mesmos.</p><p>Descrever e interpretar a biosfera não é tarefa fácil e compete, principalmente, à biologia fazer isso.</p><p>A vida – objeto de estudo da biologia – desperta grande interesse e estimula uma grande quantidade de</p><p>pesquisas em diversas áreas. Um dos temas preferidos dos cientistas é a biodiversidade, em especial, no</p><p>que diz respeito a sua origem (passado), suas características (presente) e seu futuro. Mas desde quando</p><p>esse tema vem sendo estudado? Quais são os responsáveis pela composição do conhecimento atual na</p><p>área? Quais são as teorias que promoveram avanços importantes nessa área? Para responder essas e</p><p>outras perguntas, deve-se voltar ao passado remoto, conhecer o presente e se preocupar com o futuro</p><p>do planeta e da vida.</p><p>De acordo com o renomado biólogo evolucionista do século XX, Theodosius H. Dobzhansky: “Nada</p><p>na biologia faz sentido exceto à luz da evolução”. Uma mostra disso é a explicação sobre a biodiversidade</p><p>segundo a qual toda a variedade de formas de vida conhecidas atualmente, e aquelas já extintas, tiveram</p><p>uma origem comum e sofreram alterações ao longo do tempo. Um marco nesse tema, sem dúvida</p><p>nenhuma, foi a teoria proposta por Charles</p><p>e todos os</p><p>seus descendentes.</p><p>74</p><p>Unidade I</p><p>A</p><p>1</p><p>5</p><p>4</p><p>3</p><p>2</p><p>B C D E F G 5 grupos monofiléticos (= 5 ancestrais)</p><p>1. {ABC}</p><p>2. {ABC}{D{G{EF}}}</p><p>3. D{G{EF}}</p><p>4. G{EF}</p><p>5. {EF}</p><p>Figura 40 – Cladograma com a indicação de todos os grupos monofiléticos possíveis</p><p>Outra informação relevante sobre a identificação dos grupos monofiléticos diz respeito à posição</p><p>dos táxons nesse grupo. Os táxons estão unidos por relações de parentesco, assim, afirmar que E e F</p><p>formam um grupo monofilético (figura anterior) tem o mesmo significado que dizer que F e E formam</p><p>um grupo monofilético. A figura a seguir traz mais exemplos.</p><p>A B C D E F G B A C D F E G</p><p>C B A G F E D D F E G C A B E F G D B C A</p><p>B C A D G E F</p><p>Figura 41 – Diferentes cladogramas mostrando exatamente as mesmas relações de parentesco</p><p>Na figura anterior, embora todos os cladogramas acentuados sejam graficamente diferentes, eles</p><p>são iguais filogeneticamente, já que apresentam exatamente as mesmas relações de parentesco e</p><p>grupos monofiléticos.</p><p>75</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Identificação das sinapomorfias</p><p>Um cladograma não está completo se não tiver as sinapomorfias indicadas de alguma maneira.</p><p>Geralmente, elas estão expressas nos próprios ramos, logo antes dos ancestrais, na forma de números</p><p>(figura 38) ou descrições resumidas (figura 23). Se a opção for pela indicação numérica, o cladograma</p><p>deve vir acompanhado de uma tabela ou lista com informações mais detalhadas. Como o comprimento</p><p>dos ramos não está indicando o tempo de evolução das características, então não importa se a marcação</p><p>da sinapomorfia acontece mais próxima ou mais distante do ancestral.</p><p>Quando duas ou mais sinapomorfias precisam ser representadas para o mesmo grupo monofilético,</p><p>pode-se optar por colocar os números isolados (-1; -2; -3 etc.) ou em sequência, apenas separados por</p><p>vírgulas (-1, 2, 3 etc.).</p><p>Observação</p><p>Os grupos monofiléticos são sempre definidos por uma ou mais</p><p>sinapomorfias.</p><p>Interpretação da evolução das características</p><p>Outra noção importante para a leitura de um cladograma é a respeito da evolução das características.</p><p>Quando uma sinapomorfia é marcada, ela está expressando apenas a condição apomórfica. E a condição</p><p>plesiomórfica? Ela não está registrada, mas está subendentida.</p><p>Vamos pensar em um caractere com dois estados. O ponto onde está indicada a sinapomorfia marca</p><p>o seu surgimento na evolução; logo, antes dela só existia a condição plesiomórfica. Graficamente, o</p><p>significado é semelhante; do ponto indicativo da sinapomorfia seguindo em direção aos táxons, todos</p><p>que estiverem no caminho também terão a apomorfia (figura a seguir). A partir do ponto da sinapomorfia,</p><p>só que na direção oposta, todos terão a plesiomorfia.</p><p>A B C D E F G</p><p>Plesiomorfia</p><p>presente em A, B, C</p><p>Sinapomorfia 1</p><p>(apomorfia presente</p><p>em D, E, F, G)</p><p>Figura 42 – Cladograma com indicação das partes afetadas pela plesiomorfia e pela apomorfia</p><p>76</p><p>Unidade I</p><p>Situações envolvendo caracteres com três ou mais estados serão interpretadas da mesma maneira,</p><p>só que após a indicação da primeira sinapomorfia haverá outra(s) indicação(ões) de sinapomorfia.</p><p>Observação</p><p>Os ramos representam a evolução lenta e gradual que caracteriza o</p><p>processo de anagênese e o desenvolvimento de uma linhagem. Já os nós</p><p>indicam os ancestrais e os momentos de rápida evolução que marcam</p><p>eventos de cladogênese, gerando duas ou mais linhagens distintas.</p><p>4.2.2 Relação do cladograma com a classificação</p><p>Conforme destacado anteriormente, a sistemática atual é toda baseada na metodologia cladística,</p><p>e qualquer proposta de classificação só é aprovada quando acompanhada do estudo cladístico e de um</p><p>cladograma. Mas como enxergar uma classificação a partir de um cladograma?</p><p>A resposta é relativamente simples. Todo táxon usado em uma classificação deve corresponder a um</p><p>grupo monofilético. Portanto, esses grupos devem estar representados no cladograma (figura a seguir).</p><p>Essa ideia é complementar ao que foi tratado anteriormente ao diferenciarmos os grupos monofiléticos</p><p>dos parafiléticos.</p><p>Pa</p><p>nth</p><p>era</p><p>pa</p><p>rdu</p><p>s</p><p>Can</p><p>is l</p><p>atr</p><p>an</p><p>s</p><p>Can</p><p>is l</p><p>up</p><p>us</p><p>Tax</p><p>ide</p><p>a t</p><p>axu</p><p>s</p><p>Lu</p><p>tra</p><p>lu</p><p>tra Ordem carnivora</p><p>Família felidae</p><p>Gênero panthera</p><p>Espécie panthera pardus</p><p>Família mustelidae</p><p>Gênero taxidea</p><p>Espécie taxidea taxus</p><p>Gênero lutra</p><p>Espécie lutra lutra</p><p>Família canidae</p><p>Gênero canis</p><p>Espécie canis latrans</p><p>Espécie canis lupus</p><p>Figura 43 – Relação entre o cladograma e a classificação gerada a partir dele</p><p>77</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Resumo</p><p>Nesta unidade você conheceu melhor os aspectos importantes da</p><p>biodiversidade. A biodiversidade envolve cerca de 1,5 milhão de espécies,</p><p>mas segundo estimativas essa á apenas uma fração do total. Por isso, o</p><p>trabalho de taxonomistas e sistematas é muito essencial.</p><p>A taxonomia e a sistemática são as áreas da biologia encarregadas de</p><p>organizar a biodiversidade, identificando, contando e agrupando as espécies</p><p>à medida que são estudadas. Aliás, essa prática pode ter começado com</p><p>nossos ancestrais mais antigos em sua luta pela sobrevivência no mundo</p><p>selvagem. Com o passar do tempo, importantes filósofos, como Aristóteles,</p><p>deram sua contribuição e ajudaram a construir esse conhecimento.</p><p>Daquela época até hoje, a sistemática passou por revoluções. Algumas</p><p>delas serviram para criar regras e organizarem a classificação. Talvez a figura</p><p>mais notável desse contexto tenha sido Lineu, que criou a nomenclatura</p><p>binomial e a classificação usando categorias hierárquicas, além de escrever</p><p>livros completos sobre a biodiversidade conhecida em sua época.</p><p>Uma nova revolução ocorreu após a proposição da teoria da evolução,</p><p>por C. Darwin. Com esse novo modo de enxergar as espécies, os sistematas</p><p>se viram obrigados a incorporar esses conceitos em suas práticas. Muitas</p><p>tentativas aconteceram ao longo de quase cem anos, mas foi apenas em</p><p>1950 que Willi Hennig criou a sistemática filogenética, considerada uma</p><p>metodologia científica e confiável de estudar as relações de parentesco</p><p>entre os seres vivos. Os resultados foram tão importantes que a cladística</p><p>hoje é a base de toda a proposta de classificação.</p><p>A metodologia cladística está pautada na interpretação evolutiva de</p><p>características homólogas e na criação de grupos monofiléticos definidos</p><p>por sinapomorfias compartilhadas. Sua principal representação é o</p><p>cladograma, que resume graficamente as relações de parentesco entre os</p><p>seres e permite acompanhar a evolução de cada característica analisada.</p><p>Nas classificações baseadas nos cladogramas, cada categoria usada deve,</p><p>obrigatoriamente, corresponder a um grupo monofilético.</p><p>78</p><p>Unidade I</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Vimos, no livro-texto, que Carl von Linné (Carolous Linnaeus, 1707-1778), conhecido</p><p>como Lineu, foi um botânico e naturalista sueco da Universidade de Uppsala com grande habilidade</p><p>para coletar e classificar organismos.</p><p>Figura 44 – Carl von Linné (Carolous Linnaeus, 1707-1778)</p><p>Disponível em: https://shre.ink/rELL. Acesso em: 19 dez. 2023.</p><p>Em relação às ideias de Lineu, avalie as afirmativas.</p><p>I – Uma das contribuições de Lineu foi o desenvolvimento de um sistema de classificação que levava</p><p>em conta informações sobre a geração dos seres e suas semelhanças.</p><p>II – Na obra Systema naturae (Sistema da natureza), Lineu tenta representar a ordem natural dos</p><p>elementos bióticos e abióticos dos ambientes: animais, plantas e minerais.</p><p>III – Hoje, não usamos em circunstância nenhuma os procedimentos de Lineu de dividir o reino</p><p>animal em espécies nem adotamos regras de nomenclatura binomial.</p><p>79</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I e II, apenas.</p><p>B) I e III, apenas.</p><p>C) II e III, apenas.</p><p>D) I, apenas.</p><p>E) I, II e III.</p><p>Resposta correta: alternativa A.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: Lineu desenvolveu um sistema de classificação que levava em conta informações</p><p>sobre a geração dos seres e suas semelhanças. Um exemplo disso é a sua classificação dos</p><p>vegetais</p><p>baseada nas flores.</p><p>II – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: as principais ideias de Lineu, incluindo sua metodologia para a classificação, foram</p><p>acentuadas na obra Systema naturae, onde ele tenta representar a ordem natural dos elementos bióticos</p><p>e abióticos dos ambientes: animais, plantas e minerais. Nela, há classificações de animais e de plantas</p><p>para as quais o autor usou a morfologia como critério de comparação e de agrupamento, ou seja, os</p><p>grupos eram formados por seres com grandes semelhanças morfológicas.</p><p>III – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: Lineu propôs alguns procedimentos que são usados até hoje, como a divisão do reino</p><p>animal em espécies e as regras de nomenclatura binomial. A primeira palavra corresponde ao gênero e</p><p>a segunda palavra é o epíteto específico (ou seja, o que identifica a espécie naquele gênero). É curioso</p><p>observar que muitos dos nomes de espécies criados por Lineu são válidos até hoje, como pode ser visto</p><p>pela nossa própria espécie (isto é, Homo sapiens).</p><p>80</p><p>Unidade I</p><p>Questão 2. Vimos que todo material coletado para fins taxonômicos e sistemáticos deve ser depositado</p><p>em uma coleção científica (como uma coleção de vertebrados) em uma instituição responsável (como</p><p>um museu), que zelará pela sua conservação e regular o seu uso e a sua exposição.</p><p>Em relação a esse tema, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.</p><p>I – Toda coleção científica começa com um neótipo.</p><p>porque</p><p>II – A partir dos exemplares do neótipo, será indicada toda a linhagem tipo que representará essa</p><p>espécie na coleção.</p><p>Assinale a alternativa correta:</p><p>A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.</p><p>B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.</p><p>C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.</p><p>D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.</p><p>E) As asserções I e II são falsas.</p><p>Resposta correta: alternativa E.</p><p>Análise da questão</p><p>Toda coleção científica começa com um hipodigma, e não com um neótipo. A partir dos exemplares</p><p>do hipodigma, será indicada toda a linhagem tipo que representará essa espécie na coleção. O local</p><p>onde foram coletados esses exemplares é considerado a localidade tipo. Os espécimes que estiverem</p><p>em melhores condições de preservação morfológica e de coloração farão parte da série sintípica (todos</p><p>esses espécimes são chamados de síntipos).</p><p>R. Darwin (figura a seguir) e Alfred R. Wallace no século XIX.</p><p>Contudo, as investigações e reflexões sobre evolução biológica e a geração de diversidade biológica</p><p>começaram muitos séculos antes, na Grécia antiga.</p><p>Figura 1 – Charles R. Darwin</p><p>Disponível em: https://shre.ink/rRc8. Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>9</p><p>Assim, para conhecermos a diversidade de vida, é necessário entender quais são seus componentes,</p><p>como estão organizados e como interagem para definir suas características e a dinâmica que usaram</p><p>para atingir os pontos mais distantes do planeta. Contudo, devemos lembrar que esses componentes se</p><p>modificam ao longo do tempo, gerando novas formas de vida. Esta disciplina nos dá a oportunidade de</p><p>observar a biologia em um contexto histórico e, assim, acompanhar os esforços que foram sendo feitos</p><p>para conseguirmos quantificar e classificar os seres vivos.</p><p>Na tentativa de construir uma visão mais interativa e completa da biologia e de seus principais</p><p>componentes teóricos, iniciaremos o estudo da classificação biológica e dos padrões de distribuição dos</p><p>seres vivos pelo planeta.</p><p>11</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Unidade I</p><p>1 O TAMANHO DA BIODIVERSIDADE</p><p>Uma questão fundamental que todo biólogo ou estudante de biologia deve fazer (e buscar uma</p><p>resposta) é: o que é biodiversidade? Esse conhecimento é vital para entender o nosso planeta, avaliar os</p><p>eventuais estragos e planejar futuros processos de recuperação. Afinal de contas, fica mais difícil preservar</p><p>o que não se conhece. Portanto, é possível considerar que a biodiversidade permite diversas reflexões.</p><p>O significado mais divulgado que você pode encontrar estabelece que a biodiversidade, ou</p><p>diversidade biológica, é o total de espécies que existem hoje e que estão povoando todos os tipos de</p><p>ambientes, desempenhando papéis únicos na natureza e contribuindo para o correto funcionamento</p><p>dos ecossistemas. Se você já havia pensado por esse ponto de vista, está totalmente correto. Contudo,</p><p>essa ideia pode ser adaptada para se incorporar a diferentes visões.</p><p>Pode-se tratar, por exemplo, das muitas espécies no mundo que estão diminuindo suas populações</p><p>e outras que se aproximam da extinção. Nesse contexto, uma constatação interessante é a de que</p><p>muitos locais no planeta perdem espécies para a extinção e, ao mesmo tempo, esses mesmos lugares</p><p>passam por importantes aumentos de biodiversidade. Como isso é possível? O que pode parecer uma</p><p>contradição para você nada mais é do que o número de extinções sendo compensado pelo número de</p><p>espécies exóticas (não nativas) que estão sendo introduzidas no ambiente de forma natural ou levadas</p><p>pelo ser humano.</p><p>Para exemplificar essa situação, pode-se observar os resultados de um estudo realizado em uma ilha.</p><p>Ambientes insulares (ilhas) são particularmente interessantes para a temática evolutiva e biogeográfica</p><p>porque são ecossistemas limitados em recursos e em biodiversidade e que podem ser facilmente afetados</p><p>por alterações naturais (como queimadas, secas) ou causadas pelo homem (colonização da ilha e sua</p><p>alteração). Outros aspectos desses ambientes serão tratados depois.</p><p>Cientistas realizaram levantamentos em ilhas pelo mundo buscando avaliar o número de pássaros</p><p>e plantas vasculares nativos que ainda existiam por lá, o de espécies nativas que já foram extintas e o</p><p>de espécies não nativas. De acordo com os resultados, o número de espécies de pássaros extintas foi</p><p>semelhante ao de espécies que foram introduzidas e se naturalizaram (passaram a viver de maneira</p><p>natural no novo ambiente). Portanto, pode-se considerar que houve uma substituição de espécies, mas</p><p>sem mudar radicalmente o valor da biodiversidade. Já para as plantas, o número de plantas exóticas</p><p>introduzidas foi muito maior do que a quantidade de plantas extintas, chegando a ter, em alguns casos,</p><p>o dobro das plantas nativas. Isso ocorre, por exemplo, na Nova Zelândia.</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>Toda essa situação parece muito estranha aos olhos de profissionais que têm como uma de suas</p><p>tarefas mais importantes a conservação dos ecossistemas e dos seres vivos. De fato, as atividades</p><p>humanas estão causando um declínio mundial de espécies, já que muitas dessas atividades levam a</p><p>extinções. Contudo, frequentemente esse mesmo ser humano pode não alterar a riqueza de espécies ou,</p><p>até mesmo, causar o aumento dessa riqueza em escala local em muitas partes do mundo.</p><p>Note, aluno, que todas essas informações só foram obtidas em locais que passaram por estudos</p><p>de biodiversidade, onde foi possível saber quantos e quais seres vivos existiam ali. Portanto, conhecer</p><p>a biodiversidade é essencial.</p><p>Estudos realizados ao longo das últimas duas décadas avaliaram que cerca de 44% das espécies</p><p>vegetais e 35% de vertebrados (exceto os peixes) do mundo são endêmicas de 25 áreas consideradas hot</p><p>spots que cobrem uma parte pequena da superfície terrestre. Embora seja pouco em comparação com</p><p>todo o restante do planeta, o conhecimento dessa informação sobre a distribuição espacial da riqueza</p><p>em espécies faz parte de nossa preparação para a definição de esforços de conservação em uma escala</p><p>ampla (global) ou mais restrita (regional e local).</p><p>Afinal de contas, biodiversidade é sinônimo de riqueza de espécies? Muitas vezes a definição de</p><p>biodiversidade que é divulgada equivale à de riqueza em espécies. No entanto, ela pode ser estudada</p><p>em diferentes contextos. Por exemplo, podemos considerar no conceito de biodiversidade a diversidade</p><p>genética dentro de espécies, reconhecendo o valor de subpopulações e subespécies geneticamente</p><p>distintas. Em outros contextos mais amplos, podemos incluir na biodiversidade a variedade</p><p>de comunidades presentes em uma região, como os pântanos, desertos, ambientes florestais etc.</p><p>Nos tópicos iniciais deste livro-texto, a biodiversidade será tratada como riqueza de espécies e serão</p><p>destacadas formas de identificar, organizar e quantificar essa diversidade. Nos capítulos finais, tratando</p><p>de biogeografia, o significado vai depender do contexto e da abordagem.</p><p>1.1 Primeiros pensamentos sobre a diversidade da vida</p><p>O conhecimento da diversidade de vida e de seu tamanho depende da exímia realização de taxonomia</p><p>e sistemática. Você, leitor, pode entender taxonomia como o ramo da biologia que nomeia e descreve</p><p>os seres vivos usando informações morfológicas, genéticas, bioquímicas etc. De maneira complementar,</p><p>a sistemática se ocupa da classificação desses seres vivos identificados pela taxonomia.</p><p>Há autores que consideram que a taxonomia foi uma das primeiras profissões – se não tiver sido</p><p>a primeira – dos seres humanos, mesmo antes das primeiras civilizações existirem. Mas como isso foi</p><p>possível? O desenvolvimento de uma taxonomia de sobrevivência teria ocorrido pela necessidade dos</p><p>seres humanos, desde os primórdios de sua existência, de sobreviverem no mundo natural, tarefa que</p><p>seria impossível sem o mínimo de conhecimento sobre os elementos vivos da natureza (figura a seguir).</p><p>13</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Figura 2 – Antiga população amazônica demonstrando interação com elementos naturais</p><p>Fonte: Eduardo (2006, p. 18).</p><p>Algumas informações úteis para os nossos ancestrais seriam sobre frutos comestíveis, cogumelos</p><p>e raízes venenosas, os animais que poderiam servir de alimento e aqueles que poderiam representar</p><p>ameaça, como escorpiões, abelhas e algumas cobras. Conforme os seres humanos foram evoluindo e</p><p>desenvolvendo suas culturas – linguagem falada e escrita – as informações sobre a natureza começaram</p><p>a ser transmitidas e registradas nas paredes de cavernas (figura a seguir) e em outros materiais como</p><p>papiro ou placas de barro. Assim, animais e vegetais acabaram ganhando nomes e a taxonomia começou</p><p>a se desenvolver.</p><p>Figura 3 – Exemplo de pintura rupestre como registro da biodiversidade</p><p>Fonte: Gombrich (2000, p. 38).</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>Parte da taxonomia de sobrevivência continua sendo realizada ainda</p><p>hoje por povos originários em diferentes partes do mundo.</p><p>Representantes</p><p>da etnia Hanunoos, das Filipinas, têm um ou mais nomes diferentes para</p><p>cada uma das 1600 espécies de plantas identificadas pelos cientistas nas</p><p>florestas onde habitam. Por sua vez, nativos da Nova Guiné têm 136 nomes</p><p>diferentes para as 137 espécies de aves da região. Todos esses nomes foram</p><p>criados antes mesmo do contato com cientistas.</p><p>Com o passar do tempo, os seres vivos deixaram de ser identificados apenas com esses objetivos</p><p>práticos. A partir desse ponto da história humana, alguns povos começaram a tratar as questões da</p><p>natureza com uma visão mais ampla, avaliando o papel que esses elementos desempenham em nossa</p><p>vida e no próprio planeta. As pessoas que se dedicavam a essa nova visão da natureza eram os pensadores</p><p>e os filósofos da antiguidade clássica, principalmente na Grécia.</p><p>Existiram muitas correntes filosóficas na Grécia antiga, cada uma com sua própria visão e interpretação</p><p>da natureza e dos seres vivos. Infelizmente, aluno, foge um pouco do contexto da atual disciplina tratar</p><p>dessas correntes filosóficas. Entretanto, faremos uma rápida contextualização para chegarmos até a</p><p>principal figura para a biologia: Aristóteles (384-83 a.C.-322 a.C.).</p><p>Figura 4 – Aristóteles, para muitos o pai da biologia</p><p>Fonte: Kraut et al. (2011, capa).</p><p>15</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Você já deve saber que a filosofia grega antiga deve grande parte de seu desenvolvimento e projeção</p><p>a três personagens: Sócrates, Platão e Aristóteles (figura anterior). Sem dúvida, eles foram grandes</p><p>pensadores que ajudaram a construir a filosofia como ela é hoje. Mas eles não foram os únicos, porque</p><p>antes deles muitos outros, como Tales de Mileto, Pitágoras, Leucipo de Mileto, Demócrito de Abdera,</p><p>Heráclito de Éfeso, Parmênides e Empédocles de Agrigento deram importantes contribuições em áreas</p><p>como a matemática, a física e a própria filosofia, muito embora haja poucos registros dessas colaborações.</p><p>Esses e outros filósofos são conhecidos como pré-socráticos por serem anteriores a Sócrates.</p><p>Sócrates (470-399 a.C.) é considerado um dos fundadores de filosofia e suas contribuições formaram</p><p>a base da filosofia grega, com diferenças marcantes em relação a filósofos anteriores (os pré-socráticos).</p><p>Foi responsável por trabalhar questões éticas e não tinha interesse pelo conhecimento da natureza,</p><p>já que valorizava as ideias e o raciocínio. Assim, não discutiu questões relacionadas aos fenômenos</p><p>naturais nem realizou investigações dos elementos naturais.</p><p>Por sua vez, Platão (428-348 a.C.) seguiu mais ou menos a linha de Sócrates, seu professor.</p><p>Também se preocupou mais com questões dos seres humanos como a alma, que considerava imortal,</p><p>transcendental e separada da natureza. De seu ponto de vista, a salvação de uma pessoa só poderia ser</p><p>alcançada quando ela compreendesse os reais valores (ou seja, a verdade, a beleza e a bondade) por</p><p>meio da matemática e da dialética. Para ele, havia diferença bem marcante entre o mundo das ideias e</p><p>dos sentidos e, até por essa visão, a filosofia deveria ser tratada apenas no campo teórico, abandonando</p><p>o mundo sensível e a experiência concreta. Em outras palavras, estudos práticos e contato com o meio</p><p>natural não faziam parte de sua atuação.</p><p>Passamos, agora, para Aristóteles. Dos três expoentes da filosofia grega, foi ele quem mais contribuiu</p><p>para o desenvolvimento de várias áreas da biologia. Aliás, para alguns autores, foi ele quem, em todo</p><p>o mundo, influenciou a maneira de se fazer filosofia e ciência por mais tempo. Ele foi aluno de Platão,</p><p>mas discordava de alguns pontos fundamentais defendidos por ele, como a explicação da natureza por</p><p>meio de duas dimensões independentes (material e a ideia essencial). Assim, fez uma reinterpretação</p><p>da natureza, explicando os elementos e fenômenos do seu jeito, defendendo a necessidade do contato</p><p>direto com o meio ambiente. Suas primeiras observações biológicas foram feitas na ilha de Lesbos</p><p>(Grécia) em companhia do naturalista Teofrasto.</p><p>Agora você deve estar se perguntando: qual é a contribuição de Aristóteles em relação ao</p><p>conhecimento sobre os seres vivos? Foram muitas. Ele criou o Liceu de Atenas, onde formou e manteve</p><p>coleções de animais em pose de movimento, uma biblioteca, um laboratório e um museu de animais e</p><p>plantas de diferentes regiões.</p><p>Por essas iniciativas, percebe-se que a visão de mundo de Aristóteles era muito completa e concreta.</p><p>Para ele as coisas seriam formadas por três características: substância, essência e acidente. Ainda</p><p>de acordo com suas conclusões, os quatro elementos defendidos por Empédocles (século V a.C.) para</p><p>explicar o mundo natural deveriam incluir mais um, chamado éter, que existiria no espaço e nos corpos</p><p>celestes. Outra ideia interessante defendida por ele era a de que todos os materiais tinham seu lugar</p><p>natural, ou seja, locais que definiram suas características. Por exemplo, os materiais mais pesados</p><p>estariam relacionados ao interior da Terra e os mais leves à atmosfera.</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>A teoria dos quatro elementos primordiais, ou seja, terra, água, ar e</p><p>fogo, foi usada por muitos séculos, espalhando-se pela Europa. Esses quatro</p><p>elementos formariam todos os seres terrestres. O quinto, chamado de éter</p><p>ou quintessência, estaria nos corpos celestes.</p><p>Ao longo de sua vida Aristóteles também explorou as diferenças e semelhanças entre os animais.</p><p>Estudou as aves e usou a similaridade ou distinção entre elas para agrupar as espécies. Por exemplo,</p><p>todas as aves têm penas e bicos, mas é possível encontrar diferenças nessas estruturas quando</p><p>comparamos algumas espécies. Outro aspecto interessante observado por Aristóteles foi que, em uma</p><p>mesma ave, algumas estruturas diferentes podem apresentar uma condição semelhante. Por exemplo,</p><p>aves com pescoço longo têm pernas longas, enquanto aves com pescoço curto têm pernas curtas.</p><p>Diversos autores consideram que, por meio dos estudos sobre os animais, Aristóteles ajudou a criar a</p><p>sistemática biológica, a zoologia e a própria biologia comparada. Entre as suas realizações estão diversas</p><p>observações e experimentos que foram capazes de investigar aspectos como a vida em uma colmeia</p><p>(funções e comportamentos dos diferentes membros), assim como a anatomia e fisiologia de diversos</p><p>animais. Em seus registros há referências a cerca de 500 espécies investigadas. Elaborou, inclusive,</p><p>classificações para esses animais usando uma lógica binária.</p><p>Uma de suas classificações mais abrangentes destacava a finalidade de cada organismo no planeta</p><p>usando como critério o princípio vital de cada um (a alma). As categorias eram as seguintes:</p><p>• Plantas: apenas se nutrem e se reproduzem.</p><p>• Animais: estão um nível acima das plantas, pois além de se nutrirem e se reproduzirem, podem</p><p>se locomover e têm sensibilidade.</p><p>• Ser humano: o estágio mais alto foi conquistado porque tem todas as características dos animais</p><p>e, ainda, tem a razão.</p><p>Essa parece uma classificação muito simples para hoje, mas é importante considerar todo o contexto.</p><p>Para Aristóteles não existia o acaso e cada ser vivo tinha um papel no cosmos. Para ele, as espécies eram</p><p>eternas e imutáveis, e toda a diversidade de seres vivos podia ser subdividida em tipos naturais discretos</p><p>e estáveis no tempo e no espaço.</p><p>Em suas discussões no livro Historia animalium, Aristóteles afirma que todo animal tem quatro</p><p>características que conduzem a sua história, ou seja, explicam seu papel na natureza. São elas: vida (seus</p><p>modos de vida); atividades; traços de caractere; e suas partes.</p><p>Outras classificações usaram como critério o modo de vida. As divisões foram: social/solitário,</p><p>terrestre/aquático/voador, carnívoro/frugívoro/onívoro, caçador/coletor/armazenador, construtor/não</p><p>construtor, subterrâneo/superficial e noturno/diurno. Percebemos que essas informações tratam de</p><p>onde, como e quando um animal realiza suas várias atividades, como alimentação e reprodução.</p><p>17</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Essa maneira de Aristóteles</p><p>organizar as informações sobre os seres vivos, criando grupos, ficou</p><p>conhecida como método lógico binário. Por meio dele os animais e as plantas foram colocados em</p><p>grandes categorias (ou classes) que podiam ser divididas em subcategorias (ou subclasses). A menor</p><p>de todas as categorias seria a de espécie, que não poderia mais ser dividida. Ao ser considerado uma</p><p>espécie, aquele ser vivo automaticamente ganhava a condição de ser eterno (que sempre existiu e</p><p>sempre existirá) e imutável, as duas condições fundamentais de todas as espécies.</p><p>Alguns exemplos dessa prática de classificação binária aristotélica são:</p><p>• Critério: geração de novos seres</p><p>— classificação: vivíparos (sem ovos) e ovíparos (com ovos);</p><p>• Critério: presença de sangue</p><p>— classificação: sanguíneos (enemas) e não sanguíneos (anemas);</p><p>• Critério: presença de vértebras</p><p>— classificação: vertebrados ou invertebrados.</p><p>Você já viu essas categorias (classe, subclasse e espécie) em algum lugar, não é mesmo? Essas mesmas</p><p>palavras são usadas ainda hoje nas classificações dos seres vivos. A taxonomia e a sistemática atuais</p><p>continuam usando elementos da lógica aristotélica adaptados para a realidade científica atual. Isso</p><p>pode ser comprovado quando observamos as chaves dicotômicas de identificação de táxons (figura a</p><p>seguir) e reconhecemos as dicotomias (ou padrão binário) usadas para se chegar a uma identificação.</p><p>Figura 5 – Exemplo de chave de identificação de insetos da ordem Diptera</p><p>Fonte: Shimabukuro et al. (2011, p. 401).</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>Desde a Grécia antiga muitos filósofos e naturalistas (os pré-cientistas da natureza) dedicaram suas</p><p>vidas e carreiras à geração de informação sobre a biodiversidade de suas épocas. Além dos estudos</p><p>anatômicos e fisiológicos, registravam os locais de ocorrência dos seres vivos, identificavam espécies e</p><p>formavam agrupamentos com elas. Com o passar do tempo, foram feitos muitos esforços para resumir</p><p>a informação da diversidade biológica e, cada vez mais, identificar os grupos reais (chamados de grupos</p><p>naturais) e aqueles que eram criados pela imaginação humana (grupos não naturais) seguindo critérios</p><p>pouco confiáveis.</p><p>Por exemplo, usando o critério da presença de vértebras é possível criar um grupo com sapos, tubarões,</p><p>tigres e araras por mais diferentes que esses animais sejam. Contudo, não existe um critério morfológico</p><p>consistente para colocar em um mesmo grupo cangurus, libélulas, samambaias e cianobactérias (a não</p><p>ser o fato de que são todos seres vivos). Este último, portanto, não pode ser considerado um grupo real</p><p>(natural). De lá para cá, encontrar a melhor maneira de estabelecer os grupos naturais tem sido uma</p><p>busca constante na biologia.</p><p>Entre tantos estudiosos que se esforçaram ao longo do tempo para decifrar a organização da</p><p>natureza, alguns merecem destaque pela quantidade e qualidade dos estudos realizados. Um deles foi</p><p>Andrea Cesalpino, importante botânico italiano (século XVI) que publicou De plantis (1583), obra que</p><p>organizou as plantas conforme a lógica binária, desde a divisão inicial entre plantas lenhosas (com</p><p>madeira) e não lenhosas. Embora hoje os critérios de classificação das plantas sejam mais detalhados, o</p><p>trabalho de Cesalpino apresenta uma grande relevância histórica.</p><p>Outros estudos botânicos importantes fizeram descrições detalhadas de grupos de plantas. Entre</p><p>as principais obras podem ser citadas: De historia stirpium (1542), de Leonhart Fuchs, com a descrição</p><p>e ilustração de 500 espécies; Pinax theatri botanici (1623), de Gaspard Bauhin; e Methodus plantarum</p><p>nova (1682), de John Ray.</p><p>Esse último naturalista ultrapassou os limites da botânica e fez excelentes estudos também em</p><p>zoologia. Como se não bastasse, procurou reavaliar a maneira de se fazer as classificações e propôs</p><p>modificações no método a ser usado. Para ele, a classificação biológica deveria ter uma organização</p><p>hierárquica que começaria no nível de espécie e, a partir daí, poderíamos formar os agrupamentos das</p><p>espécies em gêneros, dos gêneros em famílias e daí por diante. Mais uma vez você deve estar pensando</p><p>que já viu esse método sendo aplicado nas classificações atuais: e você está certo! Hoje os sistematas</p><p>usam um método parecido. Na época de John Ray essa proposta representou uma grande novidade,</p><p>mudando muito a maneira como as classificações eram realizadas.</p><p>Na parte da zoologia, acentua-se o trabalho de Alberto Magno, teólogo e naturalista alemão do</p><p>século XIII que escreveu uma importante e abrangente descrição de animais denominada De animalibusi,</p><p>contendo informações detalhadas sobre grupos de aves. Fato curioso é que ele considerou os morcegos</p><p>como aves. Em outro livro seu, as baleias e os peixes também foram colocados no mesmo grupo.</p><p>Outro naturalista, de origem francesa, merece destaque por seus estudos com animais. Trata-se</p><p>de Pierre Belon (1517-1564), que se dedicou a desvendar diferentes aspectos da história natural das</p><p>aves. Seu trabalho não se limitou a descrições da morfologia desses animais, avançando bastante na</p><p>19</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>comparação do esqueleto das aves com o esqueleto humano (figura a seguir). Muitos consideram esse</p><p>o início da anatomia comparada.</p><p>I I</p><p>K</p><p>K</p><p>L</p><p>L</p><p>M</p><p>M</p><p>xN</p><p>N</p><p>O</p><p>O</p><p>P P</p><p>Q Q</p><p>R</p><p>S</p><p>ST</p><p>T</p><p>V</p><p>V</p><p>VX</p><p>X</p><p>Y</p><p>Y</p><p>Z</p><p>Z</p><p>&</p><p>&</p><p>AA</p><p>AA</p><p>DD</p><p>CC</p><p>BB</p><p>H</p><p>H</p><p>G</p><p>G</p><p>F</p><p>F</p><p>B</p><p>R</p><p>D</p><p>D</p><p>C</p><p>C</p><p>B</p><p>A</p><p>AB</p><p>Figura 6 – Comparação entre os esqueletos de ave e ser humano conforme interpretação de Pierre Belon</p><p>Fonte: Minelli (2009, p. 4).</p><p>Em certo momento da história, teve início na Europa um movimento cultural chamado enciclopedismo,</p><p>quando os naturalistas participantes buscavam sintetizar e registrar em grandes obras com muitos</p><p>volumes (enciclopédias) o máximo de características culturais e naturais de seus povos. Naquela época,</p><p>o naturalista italiano Ulisse Aldrovandi (1522-1605) organizou uma dessas obras grandiosas, com cerca</p><p>de 7 mil páginas, reunindo tudo o que já havia sido escrito sobre temas zoológicos até a sua época.</p><p>Contudo, poucas novidades foram acrescentadas pelo autor.</p><p>Outra contribuição veio de Conrad Gessner (1516-1565). Sua obra Nomenclator aquantilium</p><p>animantium apresentou uma classificação com 17 ordens de animais aquáticos, e 11 delas eram de</p><p>peixes que podiam ser diferenciados a partir da forma do corpo e detalhes do esqueleto. As seis ordens</p><p>restantes reuniam os cetáceos (incluindo focas e tartarugas marinhas), os cefalópodes, os crustáceos,</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>os testáceos (para os moluscos com conchas), os insetos (contendo vermes marinhos, isópodes e</p><p>cavalo-marinho) e os zoófitos (para os corais e semelhantes).</p><p>Tanto em botânica quanto em zoologia, todos os esforços de classificação dos seres vivos realizados</p><p>até o começo do século XVIII perderam muito de sua importância científica devido aos trabalhos</p><p>desenvolvidos pelo naturalista Carolus Linnaeus, conhecido como Lineu.</p><p>1.2 Lineu e a revolução na sistemática</p><p>Até o século XVIII a Europa era o local onde se faziam mais investigações sobre a natureza, era o</p><p>berço da chamada ciência moderna. Contudo, durante muitos séculos, uma atmosférica religiosa se</p><p>desenvolveu por lá e comandou não apenas a Igreja, como também a sociedade e seus ramos artísticos,</p><p>culturais e científicos. Prova disso foi o julgamento por heresia, no século XVII, sofrido por Galileu Galilei</p><p>que o colocou em prisão domiciliar e o obrigou a desmentir o que ele havia apresentado como descrição</p><p>do universo: o heliocentrismo.</p><p>Paralelamente a isso, naturalistas e cientistas estavam buscando explicações para alguns fenômenos</p><p>naturais e algumas questões ainda controversas, por exemplo, o significado dos fósseis e as extinções.</p><p>A continuação dessa história você já pode imaginar... Algumas dessas explicações contrariavam a visão</p><p>de natureza imposta pela Igreja, na qual as espécies eram eternas e imutáveis. Apesar das perseguições,</p><p>esse momento da história da biologia foi vital para o que veio a seguir, com o desenvolvimento de</p><p>muitos ramos novos e novas</p><p>visões de mundo.</p><p>Nesse clima opressor surgiram naturalistas que procuravam explicar a ordem natural das coisas,</p><p>compreendendo como a natureza estava organizada. Um desses principais nomes foi Carl von Linné</p><p>(Carolous Linnaeus, 1707-1778). Conhecido hoje como Lineu (figura 7), ele foi um botânico e naturalista</p><p>sueco da Universidade de Uppsala, com exímia habilidade para coletar e classificar organismos. Uma</p><p>grande contribuição sua foi o desenvolvimento de um sistema de classificação que levava em conta</p><p>informações sobre a geração dos seres e suas semelhanças. Exemplo disso é a sua classificação dos</p><p>vegetais baseada nas flores. Vale lembrar que isso tudo estava acontecendo mais de 2 mil anos depois</p><p>das primeiras classificações biológicas realizadas por Aristóteles.</p><p>21</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Figura 7 – Carolus Linnaeus</p><p>Fonte: Hickman Jr. et al. (2016, p. 203).</p><p>Observação</p><p>Além de suas atuações na classificação biológica, que lhe valeram o</p><p>título de pai da taxonomia moderna, Lineu ajudou a fundar a Academia</p><p>Real das Ciências da Suécia e participou da criação da escala Celsius (ou</p><p>centígrada) de temperatura, tão usada até hoje.</p><p>As principais ideias de Lineu, incluindo sua metodologia para a classificação, foram retratadas na</p><p>obra Systema naturae (Sistema da natureza), onde tenta representar a ordem natural dos elementos</p><p>bióticos e abióticos dos ambientes: animais, plantas e minerais. Nela há classificações de animais e</p><p>plantas para as quais o autor usou a morfologia como critério de comparação e de agrupamento, ou</p><p>seja, os grupos eram formados por seres com grandes semelhanças morfológicas.</p><p>Em seu livro, também acentuou alguns procedimentos que são usados até hoje, como a divisão do</p><p>reino animal em espécies e as regras de nomenclatura binomial (figura 8). A primeira palavra corresponde</p><p>ao gênero e a segunda palavra é o epíteto específico (ou seja, o que identifica a espécie naquele gênero).</p><p>É curioso observar que muitos dos nomes de espécies criados por Lineu são válidos até hoje, como pode</p><p>ser visto pela nossa própria espécie (isso é, Homo sapiens).</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>Como esse tipo de nomenclatura é a regra da taxonomia hoje, com certeza você já leu nomes</p><p>científicos escritos dessa maneira. É tão comum que nós não percebemos o significado dessa mudança</p><p>na época em que foi proposta. Antes disso os nomes científicos não eram padronizados e, muitas vezes,</p><p>eram descritivos e longos. A situação ficava pior quando pessoas de países diferentes queriam se referir</p><p>a uma mesma espécie. No país A ela tinha um nome e no país B outro nome. Com a padronização</p><p>introduzida por Lineu, os nomes tornaram-se os mesmos em todos os países, sempre com duas</p><p>palavras e em latim.</p><p>A) Lobo – Canis lupus</p><p>B) Coiote – Canis latrans</p><p>C) Cachorro – Canis familiaris</p><p>Figura 8 – Denominação das espécies segundo a nomenclatura binomial.</p><p>Três espécies diferentes que pertencem a um mesmo gênero (Canis)</p><p>Disponível em: A) https://shre.ink/rEGU; B) https://shre.ink/rEG1;</p><p>C) https://shre.ink/rEhY. Acesso em: 20 dez. 2023.</p><p>Observação</p><p>Uma espécie sempre deve ser escrita com as duas palavras que formam o</p><p>seu nome. Se só a primeira for usada, diz respeito apenas ao gênero, e não à</p><p>espécie. Se só a segunda for usada, não há nenhum significado sistemático.</p><p>As contribuições de Lineu não pararam por aí. A partir dessa categoria básica (isso é, espécie), ele</p><p>propôs uma sequência de agrupamentos cada vez mais inclusivos, começando pela categoria de gênero,</p><p>depois ordem, classe e assim por diante. Essa organização mostrava sua visão a partir de um novo</p><p>critério de organização do mundo biológico e ficou conhecida como classificação hierárquica. Em linhas</p><p>gerais, é o mesmo procedimento usado até hoje (quadro 1).</p><p>É essencial que você saiba que as contribuições de Lineu, embora tenham sido vitais para o</p><p>desenvolvimento da sistemática atual, não permanecem inalteradas até hoje. Agora faremos um recorte</p><p>na linha do tempo para tratar de outros temas importantes, mas em breve a história da sistemática terá</p><p>sequência e seu estado atual será apresentado.</p><p>23</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Quadro 1 – Classificação da espécie humana (Homo sapiens)</p><p>seguindo as categorias hierárquicas</p><p>Categoria taxonômica Nome do táxon</p><p>Reino* Animalia</p><p>Filo* Chordata</p><p>Subfilo Craniata</p><p>Classe* Mammalia</p><p>Subclasse Eutheria</p><p>Ordem* Primates</p><p>Subordem Anthropoidea</p><p>Família* Hominidae</p><p>Gênero* Homo</p><p>Espécie* Homo sapiens</p><p>(*) indica as categorias obrigatórias</p><p>Observação</p><p>A palavra táxon (táxons, no plural) é usada para se referir a qualquer</p><p>uma das categorias de classificação.</p><p>1.3 Reinos e domínios biológicos</p><p>Todo o caminho percorrido pelos filósofos, naturalistas e cientistas desde a Grécia antiga até a Europa</p><p>do século XVIII e XIX construiu um conhecimento sobre a biodiversidade. Inicialmente, as propostas</p><p>colocaram os seres vivos em apenas dois grupos: reino animal e vegetal. Contudo, o tempo foi passando,</p><p>a tecnologia se aperfeiçoou e ficou claro que essa classificação tinha limitações. Por exemplo, os fungos</p><p>já foram colocados no reino vegetal e no animal. Todavia, têm características próprias e precisam de um</p><p>reino só para eles. A microscópica Euglena tem flagelo e se move como os animais, mas tem clorofila e</p><p>faz fotossíntese como as plantas. Além disso, inicialmente, bactérias foram atribuídas ao reino vegetal.</p><p>Cientes desses desafios, muitos estudiosos buscaram maneiras cada vez mais precisas de identificar</p><p>as diferenças entre os seres vivos e têm usado essas características na classificação. Um passo importante</p><p>para essa melhoria ocorreu na segunda metade do século XX, quando muitas técnicas de análise de dados</p><p>biológicos (como cromatografia, eletroforese, PCR) foram desenvolvidas e revolucionaram a biologia,</p><p>permitindo um conhecimento biológico mais apurado na escala macroscópica e, principalmente,</p><p>microscópica (isto é, celular e molecular).</p><p>Com isso, foi atingido um outro nível na taxonomia e sistemática. As características macroscópicas</p><p>foram complementadas (e até confirmadas) pelas de bases moleculares, ou seja, a diferenciação entre os</p><p>seres passou a ser feita por meio de características invisíveis a olho nu (sequência de bases nitrogenadas</p><p>do DNA) e as classificações se tornaram mais precisas. A partir da utilização dessas informações, foram</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>propostas várias tentativas de classificação biológica, entre as quais merecem destaque os trabalhos de</p><p>Haeckel, Chatton, Copeland, Wittaker, Woese et al. e Cavalier-Smith, conforme o quadro a seguir.</p><p>Quadro 2 – Comparação entre as principais propostas de classificação</p><p>Linnaeus</p><p>(1735)</p><p>2 reinos</p><p>Haeckel</p><p>(1866)</p><p>3 reinos</p><p>Chatton</p><p>(1925)</p><p>2 impérios</p><p>Copeland</p><p>(1938)</p><p>4 reinos</p><p>Whittaker</p><p>(1969)</p><p>5 reinos</p><p>Woese et al.</p><p>(1977)</p><p>6 reinos</p><p>Woese</p><p>et al.</p><p>(1990)</p><p>3 domínios</p><p>Cavalier-Smith</p><p>(2004)</p><p>6 reinos</p><p>Não</p><p>tratados</p><p>Protista</p><p>Prokaryota Monera Monera</p><p>Eubacteria Bacteria</p><p>Bacteria</p><p>Archaebacteria Archaea</p><p>Eukaryote</p><p>Protoctista</p><p>Protista Protista</p><p>Eucarya</p><p>Protozoa</p><p>Chromista</p><p>Plantae Plantae</p><p>Fungi Fungi Fungi</p><p>Plantae Plantae Plantae Plantae</p><p>Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia</p><p>Adaptado de: Nicolau (2017, p. 21).</p><p>Por meio dessas propostas, podemos notar alguns avanços em nosso conhecimento sobre os seres</p><p>vivos e como usamos essas informações para melhorar a classificação. Ao examinarmos o quadro</p><p>anterior, é possível notar que, apesar de existirem alguns nomes diferentes, o que mudou ao longo do</p><p>tempo foram os agrupamentos feitos e representados pela quantidade de reinos.</p><p>Em 1735 Lineu considerava apenas dois reinos para os seres vivos: Plantae e Animalia. Muito tempo</p><p>depois, a invenção do microscópio nos permitiu ter contato com seres microscópicos (unicelulares</p><p>ou multicelulares) que não se encaixavam nos reinos de Lineu. Assim, foi preciso criar mais um,</p><p>chamado Protozoa, para acomodar esses novos seres, reforma feita por Ernst Haeckel em 1866 (quadro</p><p>anterior). Haeckel ainda</p><p>conseguiu diferenciar entre essas formas microscópicas algumas que teriam</p><p>maior semelhança com as plantas e essas foram colocadas no reino Plantae. Conforme seus critérios,</p><p>as formas unicelulares com movimento, além de bactérias e cianobactérias, foram fixadas no reino</p><p>Protista (figura a seguir). Sua classificação ficou eternizada na forma de uma árvore com os ramos</p><p>correspondendo aos grupos de seres vivos.</p><p>25</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Figura 9 – A árvore de Haeckel. Representação da classificação proposta pelo naturalista Ernest Haeckel</p><p>Fonte: Nicolau (2017, p. 22).</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>Os organismos microscópicos que representaram a novidade na classificação de Haeckel continuaram</p><p>sendo investigados e puderam ser diferenciados entre seres procariontes (ou procariotos; pro, antes, e</p><p>karyon, núcleo; células sem núcleo individualizado) e eucariontes (ou eucariotos; eu, bom ou verdadeiro,</p><p>células com núcleo individualizado). Essa nova forma de ver os seres microscópicos mexeu com</p><p>a classificação.</p><p>Em 1925 Édouard Chatton criou a categoria de império acima da categoria de reino e considerou</p><p>os seres vivos como pertencentes aos impérios Prokaryota e Eukaryota baseado nas diferenças entre as</p><p>células, e este último reunia os reinos Protista, Plantae e Animalia. Alguns anos mais tarde, em 1938,</p><p>foi a vez de Herbert Copeland propor a classificação com quatro reinos (quadro 2): Monera (para os</p><p>procariontes), Protista (ou Protoctista para os eucariontes unicelulares), Plantae e Animalia.</p><p>Posteriormente, Robert Whittaker interpretou como relevantes as diferenças entre os fungos e</p><p>os demais seres vivos e criou uma categoria só para eles: em 1969 propôs o reino Fungi em uma</p><p>classificação com cinco reinos (quadro 2). Em sua pesquisa, Whittacker reconheceu a importância dos</p><p>tipos de nutrição como característica norteadora da classificação. Para ele, o reino Plantae era composto</p><p>de multicelulares autotróficos; o reino Animalia, de multicelulares heterotróficos; o reino Fungi, de seres</p><p>multicelulares saprófitas como os bolores, leveduras e fungos que obtêm seu alimento por absorção; o</p><p>reino Protista, de unicelulares eucariontes, como protozoários e algas unicelulares; e o reino Monera, de</p><p>unicelulares procariontes.</p><p>Com o desenvolvimento das pesquisas moleculares a partir da década de 1970, surgiram muitos</p><p>estudos de comparação de genes, de RNA e de DNA. Essas informações foram rapidamente incorporadas</p><p>às classificações, ganhando grande destaque. Assim, o critério de semelhança genética passou a ser</p><p>mais importante, ou pelo menos mais confiável, do que o de semelhanças morfológicas, bioquímicas,</p><p>comportamentais, entre outras.</p><p>Baseados nessas informações, os pesquisadores começaram a perceber que os procariontes (reino</p><p>Monera) eram formados por células tão distintas entre si quanto os procariontes eram diversos das</p><p>células eucariontes, e isso motivou a proposta de dois grupos bem diferentes. Em 1977 Carl Woese e</p><p>seus colaboradores apresentaram a proposta de uma classificação com seis reinos (quadro 2), dividindo</p><p>o reino Monera em Eubacteria (eu, bom ou verdadeiro, e bacteria, bactéria; bactérias verdadeiras)</p><p>e Archaebacteria (archae, antiga, bactérias antigas). Completava a lista de reinos os já consagrados</p><p>Protistas, Plantae e Animalia.</p><p>Nesse novo cenário teve destaque o trabalho amplo realizado por Lynn Margulis nas décadas de</p><p>1970 e 1980. Essa pesquisadora usou dados moleculares de ultraestruturas e os conhecimentos trazidos</p><p>pela teoria da endossimbiose sequencial (figura 10) para tentar organizar a classificação dos seres vivos.</p><p>Hoje existem informações sobre DNA, RNA e membranas que confirmam ter sido essa a origem das</p><p>mitocôndrias e dos cloroplastos, duas importantes organelas celulares.</p><p>27</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>A Sistema interno</p><p>de menbranas</p><p>Célula</p><p>eucariótica</p><p>ancestral</p><p>Endossimbiose</p><p>Miticôndria</p><p>Célula eucariótica</p><p>com mitocôndria</p><p>Célula eucariótica</p><p>com cloroplastos</p><p>Endossimbiose</p><p>Cloroplasto</p><p>Bactéria fotossintética</p><p>Bactéria</p><p>aeróbica</p><p>E D C</p><p>B C</p><p>Figura 10 – Representação do processo de endossimbiose que deu origem à mitocôndria e ao cloroplasto</p><p>Fonte: Hickman Jr. et al. (2016, p. 29).</p><p>Observação</p><p>Segundo a teoria da endossimbiose sequencial, a origem e evolução</p><p>das células eucariontes ocorreu quando procariontes maiores fagocitaram</p><p>procariontes menores, mas estes não foram digeridos e passaram a viver</p><p>dentro dos seus “predadores” em uma relação de simbiose.</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>Usando essas informações, Lynn Margulis e Karlene Schwartz apresentaram uma proposta de</p><p>classificação para os seres vivos com cinco reinos, voltando a usar o nome Protoctista (depois trocado</p><p>por Protista) para agrupar algas (unicelulares e multicelulares) e eucariontes unicelulares heterótrofos.</p><p>Usaram o reino Monera como sendo formado pelos sub-reinos Eubacteria e Archaea. Completando os</p><p>grupos, havia os reinos Plantae (para as plantas terrestres), Fungi e Animalia.</p><p>No início da década de 1990, após cerca de 20 anos de desenvolvimento dos estudos genéticos e</p><p>moleculares, a diferenciação entre os grupos de moneras não progrediu. Já em 1990, o mesmo Carl Woese</p><p>e seus colaboradores apresentaram uma classificação um pouco mais simples, baseada não em reinos,</p><p>mas sim em domínios (categorias taxonômicas acima de reino). Agrupou todos os eucariontes em um</p><p>único domínio chamado Eucarya e os procariontes foram distribuídos nos domínios Archaea e Bacteria.</p><p>A divisão ficou assim: domínios Bacteria (bactérias verdadeiras), Archaea (procariontes que diferem de</p><p>bactérias em estrutura da membrana e sequências de RNA ribossômico) e Eucarya (todos os eucariontes)</p><p>(quadro 2). Além do uso de dados moleculares, essa proposta já foi baseada na metodologia cladística.</p><p>A metodologia cladística, ou sistemática filogenética, corresponde a uma metodologia confiável para a</p><p>identificação do parentesco entre os seres vivos. Surgiu em 1950 e atualmente é a principal ferramenta</p><p>da sistemática.</p><p>Observação</p><p>Archaea significa antigo e a palavra foi usada para reunir os procariontes</p><p>chamados de extremófilos, ou seja, que vivem em ambientes extremos</p><p>(por exemplo, com temperaturas muito altas ou ricos em metano ou enxofre).</p><p>Em 2004 uma nova proposta de classificação foi difundida por Thomas Cavalier-Smith, voltando</p><p>a representar a estrutura de seis reinos, mas com grupos reinterpretados, portanto, com novos nomes</p><p>(quadro 2). Ela foi baseada na metodologia cladística e considerou Bacteria e Archaea reunidos no reino</p><p>Bacteria. Também fez a reinterpretação dos protistas e passou a concebê-los como dois reinos distintos</p><p>(Protozoa e Chromista). Fungi, Plantae e Animalia permaneceram inalterados.</p><p>Analisando os textos científicos brasileiros, é possível identificar a utilização de duas propostas. Uma</p><p>delas é a proposta de três domínios de Woese, que tem um caráter mais geral. A outra classificação</p><p>(figura 10) tem como novidade um grande detalhamento para os eucariontes, sendo anunciada por</p><p>Sandra Baldauf em 2003 e modificada em 2007. Nela são acentuados sete grandes reinos: Opisthokonta,</p><p>Amoebozoa, Rhizaria, Archaeplastida, Alveolata, Stramenopila e Discicristados, além de outro grupo</p><p>dentro de Excavados, que inclui formas amitocondriadas. Os grupos menores que compõem cada um</p><p>dos reinos estão detalhados na figura a seguir.</p><p>29</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Archaeplastida</p><p>Rh</p><p>iza</p><p>ria</p><p>Am</p><p>eb</p><p>oz</p><p>oa</p><p>Mesomicetozoa</p><p>Coan</p><p>ofla</p><p>gela</p><p>dos</p><p>An</p><p>im</p><p>ais</p><p>M</p><p>icr</p><p>os</p><p>po</p><p>ríd</p><p>ea</p><p>Fu</p><p>ng</p><p>i</p><p>Nu</p><p>cl</p><p>ea</p><p>rií</p><p>de</p><p>os</p><p>Opistocontes</p><p>Unicontes</p><p>Acantamebas</p><p>Amebas tubulinídeasAmebas flabelinídeas</p><p>Dictyostelia</p><p>Myxogastria</p><p>Protostelia</p><p>Arch</p><p>amoeba</p><p>Theca</p><p>moeba</p><p>Mayo</p><p>rell</p><p>a</p><p>Polycistínea</p><p>Toxopodida</p><p>Acantharea</p><p>Gromia</p><p>Foraminífera</p><p>Amebas euglifídeas</p><p>Cercomonades</p><p>Chlorarachniophyta</p><p>PhaeodariaDesmothoracida</p><p>Estramenópilos</p><p>Acti</p><p>no</p><p>ph</p><p>ryi</p><p>íde</p><p>os</p><p>Bico</p><p>soecí</p><p>deos</p><p>Oomice</p><p>tos</p><p>Diatomáceas</p><p>Crisofíceas</p><p>Algas marrons</p><p>Xantofíceas</p><p>Eustigmatales</p><p>Pelagophyceae</p><p>LabirintulídeosOpalinídeos</p><p>Criptófita</p><p>Amebas acrasídeasHeteroloboseaEuglenídeos</p><p>Disc</p><p>icr</p><p>ist</p><p>ad</p><p>os</p><p>Excavados</p><p>Jacobídeos</p><p>Diplomônades</p><p>Retortamônades</p><p>Tricomônades</p><p>Parabasalídeos</p><p>Oxim</p><p>ônades</p><p>M</p><p>alaw</p><p>im</p><p>onas</p><p>Tripanossomas</p><p>Leishm</p><p>anias</p><p>Haptófitas</p><p>Raphidophyceae</p><p>(14 grupos de algas com</p><p>clorofilas a +c)</p><p>Cromalveolados</p><p>AlveoladosRhodophyta</p><p>Ci</p><p>lia</p><p>do</p><p>s Ap</p><p>ico</p><p>mple</p><p>xo</p><p>s</p><p>Grup</p><p>o m</p><p>ari</p><p>nh</p><p>o 2</p><p>Gr</p><p>up</p><p>o</p><p>m</p><p>ar</p><p>in</p><p>ho</p><p>1</p><p>Di</p><p>no</p><p>fla</p><p>ge</p><p>la</p><p>do</p><p>sPrasinofíceas</p><p>Plantas terrestres</p><p>Charophyta</p><p>Chlorophyta</p><p>Glaucophyta</p><p>Figura 11 – Árvore filogenética representativa da proposta de classificação dos eucariontes</p><p>Adaptada de: Fehling, Stoecker e Bauldaf (2007, p. 78).</p><p>Em termos mundiais o que se observa é que alguns países optaram por usar a classificação em três</p><p>reinos, enquanto outros optaram pela classificação em seis domínios.</p><p>1.4 Qual é o tamanho da biodiversidade?</p><p>Afinal de contas, para começar a explorar a biodiversidade, uma pergunta precisa ser respondida, ou</p><p>pelo menos investigada. Qual o seu tamanho, ou seja, quantas espécies existem no mundo? A resposta</p><p>não é simples.</p><p>De acordo com a WWF (World Wildlife Foundation), não se sabe exatamente quantas espécies</p><p>existem no mundo, mas estimativas apresentam valores entre 10 e 50 milhões, embora até 2023 apenas</p><p>cerca de 1,5 milhão de espécies tenham sido identificadas, classificadas e catalogadas pela ciência.</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Total de espécies</p><p>Invertebrados</p><p>Descritas</p><p>Número de táxons (em milhão)</p><p>Número estimado</p><p>Outros</p><p>Fungos</p><p>Cordados</p><p>Plantas</p><p>0 21 3 4 5 6 7</p><p>Figura 12 – Os números da biodiversidade real e estimada por grupos</p><p>Em 1993, Nigel E. Stork publicou um artigo no qual considerou números realistas por volta dos 5 a</p><p>15 milhões de espécies no total, e afirmou que valores muito maiores do que esses seriam difíceis de</p><p>se provar. Em uma pesquisa publicada em 2005, Thomas Lewinsohn e Paulo Prado conceberam, apenas</p><p>para o Brasil, uma estimativa de 170 mil a 210 mil espécies já conhecidas, e algo entre 1,4 e 2,4 milhões</p><p>o total para o país (Mantovano, 2020).</p><p>Observação</p><p>Quando se discute biodiversidade, é necessário diferenciar espécie de</p><p>espécime. A primeira é uma categoria de classificação, a segunda é um</p><p>sinônimo de indivíduo. Em uma sala com dez pessoas há uma espécie</p><p>e dez espécimes.</p><p>Em 2011, Camilo Mora e colaboradores apresentaram novos valores. Para eles, os números estariam</p><p>por volta de 8,7 milhões de espécies de seres eucariontes. Destacaram ainda que, após 250 anos</p><p>de classificação dos seres vivos sendo feita de maneira organizada e após cerca de 1,2 milhão de</p><p>espécies descritas, cerca de 86% das espécies terrestres e 91% das espécies dos oceanos ainda devem</p><p>ser desconhecidas.</p><p>Em recente contribuição, Brendan Larsen (2017) e colaboradores revolucionaram a visão sobre o</p><p>tema. Em seu artigo de 2017, eles comentaram que os números estimados de espécies variam muito</p><p>(cerca de 2 milhões até aproximadamente 1 trilhão). Contudo, pelos levantamentos e projeções feitos</p><p>por esses autores, os números devem estar entre 1 e 6 bilhões de espécies. O aumento nos valores em</p><p>relação a outros mais conservadores ocorreu porque os autores avaliaram que as bactérias são muito</p><p>numerosas e corresponderiam a cerca de 70-90% de todas as espécies.</p><p>Muitos outros estudos poderiam ser citados para que você, aluno, tirasse uma conclusão sobre esse</p><p>tema. Contudo, o que se percebe é que a diversidade de vida é um dos aspectos mais controversos de</p><p>nosso planeta. Apesar disso, conhecer esse número, ou ter uma boa aproximação dele, está entre as</p><p>questões mais fundamentais da ciência. Mas, pelo menos por enquanto, a resposta continua um enigma.</p><p>31</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>2 ABORDAGENS PARA O ESTUDO DA DIVERSIDADE</p><p>2.1 Diversidade biológica e noções de classificação</p><p>Após analisar os temas estudados até agora, nota-se o quanto a biologia caminhou para chegar</p><p>até o estágio atual de conhecimento sobre a diversidade biológica. Percebe-se, ainda, que dois pontos</p><p>importantes na classificação biológica são as regras e a organização; só por meio da classificação</p><p>podemos ter a dimensão da diversidade.</p><p>Todos apoiam a preservação da biodiversidade global. Contudo, você já pensou que para entender</p><p>melhor a situação ambiental da Terra é preciso conhecer melhor os processos ecológicos e saber que</p><p>espécies participam deles? Não sabemos sequer quantas espécies animais e vegetais existem na Terra.</p><p>Falar sobre diversidade biológica só faz sentido se for acompanhada de uma classificação consistente.</p><p>Podemos fazer uma associação lógica: se todo biólogo precisa saber sobre diversidade, logo todo biólogo</p><p>precisa saber sobre sistemática (ou pelo menos ter noção de aspectos importantes). Quer dizer, então,</p><p>que todo biólogo tem que ser taxonomista e/ou sistemata? Não, porém precisa ter em sua formação a</p><p>introdução aos elementos dessas duas áreas tão relevantes.</p><p>Todavia, o que se nota em nível mundial é o abandono dessas duas áreas da biologia. Cada vez menos</p><p>alunos/profissionais se interessam em seguir carreira desenvolvendo estudos taxonômicos e sistemáticos.</p><p>É bem verdade que a biologia é uma ciência extremamente ampla, e a classificação biológica compete pela</p><p>atenção dos estudantes com áreas aparentemente mais atraentes como genética, biologia molecular,</p><p>sustentabilidade, entre tantas outras.</p><p>Em seu artigo, Anthony Raw (2003) apresentou essa relação de maneira interessante. Segundo</p><p>ele, se confiarmos em algumas estimativas sobre a biodiversidade teremos um total de 10 milhões de</p><p>espécies no planeta, das quais aproximadamente 1,4 milhão conhecidas. Portanto, isso significa que</p><p>cerca de 86% das espécies ainda precisam ser descobertas, identificadas e classificadas, o que representa</p><p>um enorme campo de atuação para recém-formados e biólogos. Essa situação indica que a sistemática</p><p>deveria voltar a receber a atenção que merece.</p><p>Raw (2003) ainda destaca que há muito tempo o ensino de sistemática biológica nas universidades</p><p>faz parte de um círculo vicioso no qual os biólogos não têm contato com a sistemática durante a sua</p><p>formação; por isso, não têm ideia do que essa área envolve e não a valorizam; se não a valorizam, não</p><p>atuam nesse segmento; se não atuam, não há motivo para ensinar na universidade e, assim, os novos</p><p>alunos não têm contato com ela.</p><p>É importante propagar a ideia de encararmos a taxonomia/sistemática como profissão, estimulando</p><p>os alunos a se especializarem nessa área que está carente de bons profissionais, sobretudo nesses</p><p>tempos modernos de rápida perda de biodiversidade. Já faltam taxonomistas para todos os grupos de</p><p>seres vivos, situação que só vem piorando, tanto que em 1995 especialistas estimaram que até 2014</p><p>os taxonomistas estariam extintos nos Estados Unidos. Obviamente isso não se concretizou, mas serviu</p><p>de alerta para a grave situação.</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>2.2 Fundamentos de taxonomia e estudo das regras de nomenclatura</p><p>taxonômica</p><p>Não se pode afirmar que fazer taxonomia é fácil. É uma área da biologia que está baseada na</p><p>aplicação de regras desenvolvidas há séculos e aprimoradas desde então. Todas as regras para a realização</p><p>da taxonomia e sistemática estão reunidas nos chamados Códigos Internacionais de Nomenclatura,</p><p>havendo edições específicas para zoologia, botânica, bactérias, vírus e plantas cultivadas. Veja a seguir</p><p>como é a divisão dos códigos de nomenclatura.</p><p>• Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas: até 2011 era chamado</p><p>de Código Internacional de Nomenclatura Botânica (ICBN); é o conjunto de regras e recomendações</p><p>que governam a nomenclatura científica de todos os organismos tradicionalmente tratados como</p><p>algas, fungos e plantas, tanto atuais como fósseis, incluindo cianobactérias, fungos quitrídios,</p><p>oomicetos, bolor limoso e protistas fotossintetizantes. É regulado pela International Association</p><p>for Plant Taxonomy.</p><p>• Código Internacional de Nomenclatura Zoológica: é o conjunto de regras e recomendações que</p><p>regulam a nomenclatura</p><p>científica de todos os animais, atuais ou extintos, bem como sua resolução</p><p>de problemas nomenclaturais. Ainda, o conceito de animal se aplica a todos os metazoários</p><p>(Metazoa) e aos protistas, que são tratados pelos especialistas como animais com propósitos de</p><p>nomenclatura. É regulado pela International Commission on Zoological Nomenclature.</p><p>• Código Internacional de Nomenclatura para Plantas Cultivadas: é o conjunto de regras e</p><p>recomendações que comandam a nomenclatura científica de plantas cultivadas. É controlado</p><p>pela International Society for Horticultural Science.</p><p>• Código Internacional de Nomenclatura para Procariontes: anteriormente chamado de Código</p><p>Internacional de Nomenclatura de Bactérias (ICNB), é o conjunto de regras e recomendações que</p><p>guiam a nomenclatura científica de procariontes. É presidido pela International Committee on</p><p>Systematics of Prokaryotes.</p><p>• Código Internacional de Classificação e Nomenclatura para Vírus: é o conjunto de regras</p><p>e recomendações que orientam a nomenclatura científica de vírus. É conduzido pela The</p><p>International Committee on Taxonomy of Viruses.</p><p>É essencial destacar que esses códigos de nomenclatura são obras complexas. Não se pretende aqui</p><p>apresentar a íntegra de nenhum deles, até porque fugiria do objetivo do livro-texto como um todo.</p><p>Contudo, a seguir serão acentuadas algumas regras de nomenclatura biológica gerais importantes para</p><p>que o biólogo consiga trabalhar com as demandas do dia a dia em estudos de diversidade. A maior</p><p>parte dos exemplos pode ser aplicada tanto à zoologia quanto à botânica. Quando necessário, serão</p><p>comentados casos particulares em cada uma dessas áreas. Para um conhecimento em pormenores ou</p><p>para tratar de casos mais específicos, deve-se consultar diretamente os textos originais dos códigos que</p><p>estão disponíveis na internet, inclusive em português.</p><p>33</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>2.2.1 Estrutura das coleções científicas</p><p>Todo material coletado para fins taxonômicos e sistemáticos deve ser depositado em uma coleção</p><p>científica (como coleção de vertebrados) dentro de uma instituição responsável (um museu) que irá</p><p>zelar pela sua conservação e regular o seu uso e exposição.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Imagine a seguinte situação. Você faz uma coleta de besouros (Hexapoda, Coleoptera) em um</p><p>fragmento de cerrado. Leva os espécimes coletados para o laboratório e, após uma rápida triagem,</p><p>identifica que existem 20 espécimes de uma variedade coletada que ainda não foi descrita. É uma</p><p>espécie nova. Como inserir essa nova espécie na coleção científica de sua instituição?</p><p>Talvez a resposta imediata seja: devemos dar um nome a essa nova espécie. Sim, isso vai acontecer,</p><p>mas não é o primeiro passo. Todos esses 20 indivíduos coletados representam o hipodigma, ou seja, o</p><p>conjunto de exemplares usados na descrição de uma nova espécie.</p><p>Toda coleção científica começa com um hipodigma. A partir desses exemplares será indicada</p><p>toda a linhagem tipo que irá representar essa espécie na coleção. O local onde foram coletados esses</p><p>exemplares é considerado a localidade tipo. Os espécimes que estiverem em melhores condições</p><p>(preservação morfológica e de coloração) farão parte da série sintípica (todos esses espécimes são</p><p>chamados de síntipos).</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>O local onde foram coletados os espécimes de um hipodigma servirá de referência para a espécie que</p><p>está surgindo. De maneira parecida, deverão ser escolhidos exemplares que representarão a espécie e</p><p>fundamentarão a descrição e a nomenclatura dessa nova espécie.</p><p>Entre os espécimes identificados como síntipos, deve-se fazer uma escolha importante: a do holótipo</p><p>(ou espécime tipo). Ele corresponde a um indivíduo do hipodigma que tem ótimas condições e pode</p><p>representar a nova espécie em termos morfológicos. É, portanto, um exemplar de referência e que dará</p><p>suporte ao nome da espécie, já que a descrição será feita a partir dele. Uma vez indicado o holótipo,</p><p>todos os demais do hipodigma são considerados parátipos.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Muitas vezes, no contato diário com as coleções científicas, observamos materiais coletados por</p><p>outras pessoas e que foram incorporados à coleção sem terem sido descritos formalmente. Nesses casos,</p><p>geralmente, não há a indicação de um holótipo, mas síntipos representando essa espécie ainda não</p><p>descrita. O que fazer?</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>A sequência de ações é a mesma indicada até agora, mas os nomes usados na série tipo são diferentes,</p><p>pois indicam um procedimento realizado muito tempo após a coleta do material.</p><p>Em casos de materiais depositados em coleções sem a indicação de holótipo, na prática o que se tem</p><p>são síntipos. Como eles ainda não representam uma espécie formalmente descrita, deverão passar pela</p><p>indicação de um espécime tipo, aos moldes do que foi descrito para o holótipo, só que ele receberá o</p><p>nome de lectótipo. Os síntipos restantes serão chamados de paralectótipos.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Ao longo da carreira de um taxonomista, infelizmente, problemas podem acontecer. Espécimes podem</p><p>ser extraviados, perdidos, destruídos etc. Exemplo disso ocorreu no incêndio do Museu Nacional (RJ)</p><p>em 2018, onde grande parte das coleções científicas lá depositadas foram consumidas pelo fogo.</p><p>Nos casos em que o holótipo/lectótipo tenha sido perdido/destruído, mas ainda restam parátipos/</p><p>paralectótipos, deve-se indicar um novo representante para a espécie.</p><p>Se um holótipo ou lectótipo for perdido por qualquer motivo, deve-se realizar a indicação de um</p><p>novo representante para a espécie escolhida entre os espécimes restantes (parátipos ou paralectótipos).</p><p>Esse novo indivíduo escolhido será chamado de neótipo.</p><p>Após esses procedimentos, deve-se acomodar o novo material na coleção. Isso é feito através</p><p>da indicação de um código de depositório. Geralmente, corresponde a uma sigla que identifica a</p><p>instituição/coleção e um número para cada espécime que será sua posição na coleção. Por exemplo,</p><p>a figura a seguir traz a informação de depositório para o holótipo como MUCV 26670. Isso significa que</p><p>o espécime está depositado na coleção científica do Museu da Universidad Central de Venezuela (MUCV)</p><p>com o número sequencial 26670.</p><p>Figura 13 – Exemplo de uso do código de depositório em publicação científica. Roeboides araguaito, holótipo</p><p>MUCV 26670, 87,3 mm CP, laguna na margem norte do rio Orinoco, ao norte do rio Araguaito, Delta Amacuro, Venezuela</p><p>Fonte: Lucena (2003, p. 292).</p><p>35</p><p>PRINCÍPIOS DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA</p><p>Será que toda essa nomenclatura é mesmo útil? Não resta dúvida. Além de cumprir as formalidades</p><p>para criação de uma coleção científica e descrição de nova espécie, essa nomenclatura facilita a</p><p>comunicação entre os taxonomistas e organiza as informações sobre a diversidade.</p><p>Note, aluno, que até o momento foram descritos os procedimentos para incluirmos os espécimes</p><p>coletados em uma coleção científica. Todavia, para isso estar completo, ele precisa estar identificado.</p><p>Desde 1901 a nomenclatura binomial criada por Lineu foi adotada como procedimento padrão na</p><p>taxonomia. Para isso, deve-se obedecer aos seguintes passos:</p><p>• indicar duas palavras para cada nome de espécie; a primeira palavra será o epíteto genérico e a</p><p>segunda será o epíteto específico;</p><p>• essas palavras devem ser em latim ou latinizadas e, por isso, nunca são acentuadas;</p><p>• destacar o epíteto genérico com a inicial maiúscula;</p><p>• escrever o epíteto específico inteiramente com letras minúsculas;</p><p>• grafar o nome da espécie de maneira destacada em relação ao restante do texto, como itálico,</p><p>negrito sublinhado.</p><p>Observação</p><p>O tipo de destaque que se dá às letras do nome da espécie é de</p><p>livre escolha do autor da classificação. Geralmente se usa o itálico. Em</p><p>publicações (artigo, tese, livro), deve-se usar o que estiver definido em suas</p><p>orientações. É necessário manter o mesmo estilo do início ao fim do texto.</p><p>Alguns exemplos da aplicação dessas regras são: Ursus maritmus (urso polar), Homo sapiens (ser</p><p>humano), Laelia</p>