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Teologia para todos TEOLOGIA SISTEMÁTICA I Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 1 CRISTOLOGIA – A DOUTRINA DE CRISTO 1. A PESSOA DE CRISTO NO ANTIGO TESTAMENTO 1.1. O CONHECIMENTO DE CRISTO Na parte final de seu ministério terreno, Jesus Cristo perguntou aos seus discípulos: “Quem os homens dizem que o Filho do homem é?” Alguns pensavam ser ele João Batista, outros Elias ou Jeremias ou algum outro profeta. Mas, ele faz uma pergunta mais importante, uma pergunta pessoal: “E vocês, perguntou ele. Quem vocês dizem que eu sou?” Com esta pergunta, Jesus mostra que não está interessado nas várias ideias que já circulavam a respeito de quem ele era. O que ele pediu foi algo bem mais profundo, uma resposta de fé, que Pedro lhe oferece: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus é o Cristo, o Messias, o ungido há muito esperado, o mediador ordenado pelo Pai para ser o grande profeta, o sumo sacerdote e o eterno rei de seu povo. O humilhado e o exaltado. Ele é o Filho de Deus, que vive para sempre, a única fonte de vida. E esta resposta de Pedro é aprovada por Cristo: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus” (Mt 16.13- 20). O conhecimento de quem é Cristo é atribuído por ele mesmo à revelação, não a uma experiência mística, ou à especulação ou à curiosidade racional. Este conhecimento é atribuído totalmente ao milagre da revelação. “Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27). O que antes estava oculto, agora vem à luz. Jesus é o Ungido, o Filho de Deus, o salvador, que morreu na cruz, derramando seu sangue “em favor de muitos, para perdão de pecados” (Mt 26.28), que ressuscitou dentre os mortos, ascendendo aos céus, e que tem autoridade sobre tudo no céu e na terra (Mt 28.18-20). Por isso, todos os detalhes do estudo da pessoa e obra de Cristo dependem integralmente da revelação que o próprio Deus faz de si mesmo nas Escrituras. Como o próprio Cristo afirmou: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 2 de água viva. Ele estava se referindo ao Espírito, que mais tarde receberiam os que nele cressem” (Jo 7.38-39). Não podemos separar o que cremos acerca de Cristo, do que afirmamos sobre a Escritura. Tudo o que sabemos sobre Cristo é baseado na verdade da Escritura. Sem a Escritura não podemos ter conhecimento seguro e salvador de quem é Cristo Jesus. E só poderemos ter uma vida abundante, uma vida da qual fluam os “rios de água viva” do Espírito Santo, se aprendermos sobre Cristo nas Escrituras. Esta revelação da Escritura é um milagre, um dom gracioso, e não fruto da carne e sangue. 1.2. A PROMESSA DO REDENTOR “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar" (Gn 3.15). O livro de Gênesis inicia a sua narração de uma forma quase que poética e é interrompida por um momento dramático: a queda (Gn 3). A obra perfeita, a Criação de Deus, a sua obra-prima, criada do pó, à imagem e conforme a semelhança do Deus trino, torna-se manchada pelo pecado. Mesmo com a humanidade caída, pelo pecado de Adão, Deus promete a vinda do resgatador, do redentor, do messias, do descendente da mulher, o único ser humano que nascera sem o pecado de Adão, imaculado e santo (Gn 3.15, conhecido como “protoevangelho”, o primeiro anúncio da vinda de Cristo). Este redentor, o descendente da mulher, iria esmagar a cabeça da serpente, destruindo assim as suas obras, embora ele mesmo devesse sofrer em seu calcanhar. Toda a posterior história de Israel seria a história da preparação da nação para receber este ungido, o Messias. No Antigo Testamento, várias vezes aparece uma figura chamada de o Anjo do Senhor. Ele ajudou Agar no deserto, quando ela estava abandonada (Gn 16.7). Ele interveio quando Abraão estava pronto para sacrificar Isaque no altar (Gn 22.11). O Anjo do Senhor foi o protetor de Israel, na saída do Egito (Êx 14.19). E alguns textos não fazem distinção entre o Anjo do Senhor e o próprio Senhor. Assim, foi o Anjo do Senhor quem falou com Moisés na sarça ardente (Êx 3.2). Ele também apareceu diante de Gideão e o chamou para Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 3 ser juiz (Jz 6.11-18). Em Daniel 3, Sadraque, Mesaque e Abede- Nego se recusaram a adorar a imagem de ouro, construída por ordem de Nabucodonosor, e foram jogados numa fornalha de fogo. Quando eles caíram na fornalha, o rei ficou espantado ao ver um quarto homem, um que era semelhante a um filho dos deuses, segundo o que o próprio rei declarou. Comentaristas judeus entendem que foi um anjo, mas intérpretes cristãos entendem que o que ocorreu foi uma teofania, ou seja, um aparecimento de Deus. É claro que, ao identificar em alguns textos o Anjo do Senhor como sendo Deus, podemos entender que aconteceram várias teofanias no Antigo Testamento. As teofanias, que eram também formas humanas temporárias que Deus tomou, podiam ser vistas e tocadas, mas elas não eram uma humanidade substancial. Eram apenas aparente, para que houvesse comunicação com os outros homens, objetos da revelação divina, e logo que a revelação terminava, aquela aparência física desaparecia (FERREIRA, 2007). A esperança do redentor que viria um dia foi ampliada pelos profetas e nos Salmos, Em Isaías 7.14 encontramos uma profecia que a igreja primitiva entendeu como uma afirmação da divindade de Jesus: “Por isso o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel”. No seu contexto imediato, o texto se refere a um sinal dado, para que Acaz pudesse saber que os reis de Israel e Síria não teriam sucesso em sua guerra contra Judá. Uma virgem (‘almâh) teria um filho e o nome dele seria Emanuel (immãnü’ el). No entanto, as novas não são boas, pois o rei da Assíria virá para conquistar o povo de Judá e deixar a terra desolada (7.17- 8.8). Por outro lado, a profecia ofereceu a esperança de que a casa de Davi, apesar do desastre por vir, continuará. O significado de ‘almâh é, literalmente, uma moça, uma mulher jovem candidata ao casamento. Neste caso, o termo pressupõe que ela também é virgem. Assim, a Septuaginta traduz a palavra ‘almâh como “virgem” e Mateus a aplicou como uma profecia a respeito da concepção de Jesus (Mt 1.23). Isaías previu o nascimento daquele que teria os nomes: “Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6). O que interessa a respeito destes Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 4 adjetivos é que representam os atributos de Deus. A frase “Deus poderoso” (’êl gibbôr) poderia ser traduzida como “o Deus- homem forte”. Já “Pai de Eterno” obviamente é uma expressão que se refere a uma pessoa divina. Então, a promessa do Messias era a promessa da encarnação de uma pessoa divina. 2. A PESSOA DE CRISTO NO NOVO TESTAMENTO 2.1. A PROMESSA SE CUMPRE O nascimento de Jesus revela a qualidade excepcional de sua pessoa e vida. No centro da história de seu nascimento, está a mãe de Jesus, Maria. A respeito dela, devemos notar dois fatos. 1. Ela era virgem quando engravidou. O texto afirma claramente que ela ficou grávida por obra do Espírito Santo, e não de seu noivo, José. A Bíblia é explícita quanto a isto. Os dois ainda não tinham se relacionado sexualmente, quando ela “achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1.18). Quando Maria recebeu o anúncio do anjo Gabriel, ela respondeu: “Como acontecerá isso, se sou virgem?” (Lc 1.34). O Espírito Santo, através de uma obrasobrenatural, foi o agente da concepção de Jesus. 2. Maria respondeu com humildade e alegria à vontade do Senhor em sua vida. Ela louvou ao Senhor e o chamou de “meu Salvador” (Lc 1.46-47), mostrando que ela entendeu a sua própria necessidade, como pecadora. Ela sabia que o Messias também seria o seu salvador. O testemunho bíblico sobre a concepção virginal se toma mais forte à luz da reação de José à gravidez de Maria. Primeiro, isto mostra que a doutrina não provém de um povo ingênuo e ignorante. José sabia muito bem que virgens não podem engravidar e, por isso, “não querendo expô- la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente” (Mt 1.19). É provável que ele não quisesse expor Maria ao castigo exigido pelo adultério, mas, de qualquer maneira, para que ele cresse que a gravidez de Maria era uma concepção milagrosa, foi necessário que José recebesse a visita de um mensageiro de Deus, em sonho: “Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 5 disse: "José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo” (1.20). Nesse contexto, é interessante notar que Mateus relata que foi o anjo que veio do Senhor quem usou a profecia de Isaías 9.14 em conexão com o nascimento de Jesus. Isso não foi uma invenção de Mateus ou da igreja primitiva, mas sim, a interpretação que veio de Deus, dada através do anjo. É importante notar que, quando chegou a hora, Jesus nasceu como um bebê humano qualquer. Sua concepção foi sobrenatural, mas o nascimento foi normal. Ele era uma criança plenamente humana. Como qualquer recém-nascido, ele precisava de roupas, para não ficar com frio (Lc 2.12). Assim, sua mãe usou faixas, para cobri-lo. Sendo uma criança normal, ele cresceu física e intelectualmente (Lc 2.52). Depois, Jesus deu várias evidências da natureza física de sua existência humana. 2.2. A NATUREZA HUNAMA DE JESUS A humanidade de Jesus é vista, por exemplo, quando ele ficou cansado e parou na fonte de Jacó (Jo 4.6). Jesus também pediu água, mostrando que estava com sede (Jo 19.28). Os evangelhos sinóticos são claros, ao afirmarem que Jesus morreu de fato (Lc 23.46-55). Ao ser perfurado pela lança, saiu sangue e água do “lado de Jesus” (Jo 19.34). Assim, Jesus participou em carne e sangue, como todos nós, da vida (Hb 2.14) e da morte. Essa participação não era apenas aparente, mas era uma participação literal na natureza humana. Jesus demonstrou ter emoções comuns à humanidade. Ao ver Maria chorar por causa da morte do seu irmão, Lázaro, ele “agitou-se (tarassõ) no espírito e comoveu-se” (embrimaomai) (Jo 11.33 ARA). A palavra tarassõ descreve, por exemplo, a agitação da multidão em Tessalônica, após as acusações dos judeus contra Paulo (At 17.8). É o estado de alguém que está muito estressado. Já embrimaomai comunica uma preocupação intensa ou um sentimento de forte indignação. O autor não empregou palavras que fazem referência apenas às pessoas divinas, mas uma linguagem que descreve a reação de qualquer ser humano. Jesus chorou com seus amigos (Jo 11.35). Ele sentiu a mesma agitação em seu espírito, quando pensou na Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 6 traição de Judas (Jo 13.21). Jesus, então, teve emoções como um ser humano verdadeiro, o que ele, de fato, era. Jesus não só chorou, mas, como homem, deve ter rido também, nos momentos apropriados. Ele mostrou um certo humor e carinho ao dar o nome “filhos do trovão” aos irmãos Tiago e João (Mc 3.17). Fica claro que essa era uma descrição que se adequava à personalidade daqueles dois discípulos, mas era também um qualificativo dado com a intenção de fazer graça. Outra emoção que Jesus demonstrou foi a ira. Ele chamou os fariseus de “raça de víboras” (Mt 12.34). E quando purificou o templo, ele empregou até mesmo força, virando as mesas e expulsando os vendedores com um chicote de cordas (Jo 2.15). Fica evidente que Jesus era plenamente homem no fato de que, quando o Filho de Deus assumiu a natureza humana, ele se tomou uma alma vivente, e não apenas habitou num corpo humano. Pode- se ver isto pela maneira como ele participava das várias experiências da vida humana. Ele foi “tentado (peirazõ)... como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4.15). Em Hebreus 2.18, o autor usa a palavra peirazõ em referência a Jesus e aos cristãos, para mostrar que a tentação é igual para todos. A tentação de Jesus foi um apelo às suas necessidades físicas, como a fome, e o desejo legítimo de assumir seu reino. Hebreus 5.7-9 ensina que Jesus enfrentou uma tentação no Getsêmani (Lc 22.41-44), mas, apesar do horror da morte e da expiação que estava por vir, ele “aprendeu a obediência”. Jesus perseverou em meio à tentação e não pecou. Quando Jesus perguntou aos seus inimigos, “Qual de vocês pode me acusar de algum pecado?”, ninguém ousou responder (Jo 8.46). Segundo o testemunho do apóstolo, que andou com ele durante três anos, ele “não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca” (1Pe 2.22). Assim, Jesus “não tinha pecado” (2Co 5.21). Mesmo sendo plenamente humano, Jesus não teve uma natureza pecaminosa. Em Hebreus 7.26 encontramos uma série de palavras que destacam o fato de que Jesus era moralmente perfeito: “É de um sumo sacerdote como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 7 dos céus.” A força dessas palavras afasta toda possibilidade de que Jesus tivesse qualquer pecado. 2.3. NOMES, TÍTULOS E ATRIBUTOS DIVINOS Embora fosse plenamente humano, Jesus era mais do que somente humano. O Novo Testamento afirma a plena divindade de Jesus. Isto fica evidente ao se considerar alguns temas importantes aplicados a Jesus. Os autores do Novo Testamento citaram textos do Antigo Testamento sobre Deus, aplicando-os de forma consistente à pessoa de Jesus Cristo. Alguns exemplos são: • Seu trono é para sempre: (SI 45.6-7; 93.2 cf. Hb 1.18) • Ele enche o céu e a terra: (Jr 23.24 cf. Ef 4.10) • Ele é o criador (Gn.1.1 cf. Jo 1.1-3; Is 44.24; Cl 1.16) • O rei eterno (SI 145.13; Dn 7.14 cf. Lc 1.33) • O juiz de toda a terra (Gn 18.25; 2Co 5.10) • Nossa esperança (Sl. 39.7 1Tm 1.1) • Fonte de nossa força (Sl 119.28; Fl 4.13) • Único Salvador (Is 43.11; 49.26; Mt 1.21; 1Tm 1.15; At 15.11; Hb 5.9; 7.25) Os autores do Novo Testamento também atribuíram nomes divinos a Jesus. Ele foi chamado de • Deus (Mt 1.23; Jo 1.1; Rm9.5; Tt 1.3; 2.13) • Senhor (Mt 12.8; Mc 2.28; Rm 14.9) • “Senhor meu e Deus meu” (Jo 20.28) • Filho de Deus e Deus verdadeiro (1Jo 5.20) • Alfa e Ômega (Ap 1.8). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 8 Outros títulos que Jesus assumiu também eram cheios de significado. Messias (Christos, o ungido) Este título nos remete a alguém ungido para realizar uma missão que envolve redenção, julgamento e representatividade do próprio Deus (Is 45.1-7), referindo-se à expectativa escatológica (Dn 9.25- 26), assim como à expectativa de um redentor que inaugurasse um reino sem fim (Is 9.1-7). Por isso, o objetivo dos evangelhos sinóticos foi apresentar Jesus como o Messias. O título e conceito de Messias, historicamente falando, se não teologicamente, é o mais importante de todos os conceitos cristológicos, porque se tornou o modo central para designar a compreensão cristã da pessoa de Jesus. Isto é provado pelo fato de que Christos, que é propriamente um título designativo de ‘ungido’, tornou-se logo um nome próprio. Jesus tornou-se conhecido não só como Jesus, o Cristo ou Messias (At 3.20), mas como Jesus Cristoou Cristo Jesus. A indicação de Jesus como o Cristo é uma das evidências do seu tríplice ofício como profeta, sacerdote e rei. Senhor (kyrios) Essa palavra ocorre 715 vezes no Novo Testamento. Ela foi amplamente empregada por Lucas, sendo que no evangelho essa palavra é utilizada 101 vezes e em Atos, 107 vezes. Paulo a menciona 279 vezes, principalmente na epístola aos Romanos (44 vezes). O título kyrios é a designação mais frequente de Jesus no Novo Testamento, sendo o centro da mensagem de Paulo (2Co 4.5; 1Co 12.3). Devemos notar que o grego kyrios é a tradução dos quatro caracteres hebraicos usados para representar o nome de Deus, Yhwh (Javé), indicando que Jesus é o próprio Deus no exercício do domínio de toda a criação. O reconhecimento de que ‘Jesus é o Senhor’ (Rm 10.9) parece ter se tornado uma das primeiras confissões da fé cristã, servindo para distinguir entre os que creem e os que não creem em Jesus. Filho do Homem Jesus se intitulou Filho do Homem mais de 40 vezes e, a expressão ocorre cerca de 90 vezes, aparecendo quase que exclusivamente nos evangelhos sinóticos. Devemos Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 9 destacar que a expressão é atribuída por Jesus a si próprio, nunca pelos discípulos. O uso da expressão nos evangelhos sinóticos aplica-se a três situações na vida de Jesus: • O ministério terreno • A humilhação e morte • A vinda gloriosa no futuro, para inaugurar o reino de Deus. Os judeus aparentemente desconheciam o significado deste nome aplicado a um ser humano (Jo 9.35-36, 12.23, 34) pois, provavelmente, não havia conotação messiânica neste nome, mas, na verdade, uma alusão à própria divindade (Dn 7.13-14). Por último, o título Filho do Homem remete- nos à proclamação do caráter messiânico de Jesus e à plena identificação com a humanidade culpada. Filho de Deus Devemos notar que nos evangelhos sinóticos Jesus refere-se poucas vezes a Deus como Pai, cerca de aproximadamente 35 vezes, contra 106 vezes no evangelho de João. O propósito claro de João é tornar explícito o que os outros evangelistas deixam implícito. Esta afirmação aparece em João desde o início (Jo 1.14,32-34,49), ao passo que, nos sinóticos, os discípulos captam este conceito somente a partir da metade do ministério de Jesus (Mt 16.13-16). João também destaca Jesus como o único Filho de Deus (Jo 1.18; 3.16,18), e o significado desta ênfase é distinguir a natureza do relacionamento que Jesus tinha com o Pai da natureza dos relacionamentos com os outros filhos de Deus (Jo 20.17). Uma ênfase importante do Novo Testamento é que Jesus é o eterno Filho de Deus (Lc 1.35; At 13.32-33; Rm 1.3-4; Hb 1.3-5; Jo 17.5; 3.16; 1Jo 4.9; Mt 3.17). Logos Uma terminologia encontrada exclusivamente na literatura joanina (Jo 1.1; 1Jo 1.1; Ap 19.13). Podemos resumir os diversos significados empregados para a palavra logos: • Em Heráclito, os logos é o princípio cósmico eterno que traz ordem ao universo. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 10 • Para os filósofos estoicos, este mesmo princípio cósmico permeia todas as coisas e provê o padrão de conduta para o homem racional. • Para Filo, é a emanação divina que intermediou a criação do universo. • À luz do Antigo Testamento, seria a Palavra de Deus como poder criador e mantenedor de todas as coisas (Gn 1.3; SI 33.6,9), assim como a Sabedoria como personificação do poder de Deus (Pv 8.22-31), conceito paralelo ao de logos e Palavra de Deus. Este conceito também denota que o logos é o agente criador (Jo 1.3). Não a suprema fonte da criação, mas o agente por meio do qual Deus, que é a origem suprema, criou o mundo. João afirma que o logos se fez carne (Jo 1.14) ou, literalmente, “tabernaculou”. O apóstolo enfatiza que o próprio Deus, na pessoa do Verbo, entrou na história humana, não como uma espécie de fantasma, mas como um homem real, verdadeiro. Também é afirmado que o logos é revelador de vida (Jo 1.4); da luz (Jo 1.4-5); da graça (Jo 1.14); da verdade (Jo 1.14); da glória (Jo 1.14) e até mesmo do próprio Pai (Jo 1.18). Além dos nomes divinos, Jesus também tinha os atributos divinos. Ele era: • Eterno (Mt 28.20; Hb 1.8; 13.8) • Autoexistente (Jo 5.26; Cl 1.17) • Onisciente (Jo 1.48; 16.30) • Onipresente (Mt 18.20) • Imutável (Hb 13.8) • Onipotente (1Co 1.24; Ef 1.22; Mt 28.18) • Sábio (1Co 1.24) • Glorioso (Hb 1.3) • Verdadeiro (Jo 8.45) • Sem pecado (Jo 6.46; 1Pe 1.19). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 11 Ele também praticava obras que são atribuídas exclusivamente a Deus: • O criador (Jo 1.3; Cl 1.16; Hb 1.10) • O governador da criação (Jo 5.17; Hb 1.3) • O salvador que perdoa pecados (Mc 2.7; Mt 1.21) • Aquele que ressuscita os mortos (Jo 6.39). Portanto, o Novo Testamento declara que Jesus Cristo é digno de adoração. Ele aceitou a adoração dos discípulos (Mt 14.33), sendo digno de receber honra como se honra o Pai (Jo 5.23). Como Paulo afirmou, ele “é a imagem (eikõn) do Deus invisível” (Cl 1.15). A palavra eikõn significa imagem, retrato, algo que tem a mesma forma de outra coisa. Então, Paulo afirmou algo que jamais poderia ser dito de uma pessoa que não é verdadeiramente Deus. Em conclusão, Jesus é Deus “que se tornou carne” (Jo 1.14). 3. ANÁLISE HISTÓRICO COMPARATIVA Jesus Cristo se encontra entre as figuras mais populares da história da humanidade. Até as pessoas que contestam à fé cristã reconhecem a Jesus como uma espécie de profeta, ou líder religioso ou um homem sábio e digno de respeito. Na verdade, Jesus é tão estimado nas esferas religiosas que é comum as religiões citarem-no em seus ensinos e livros. Assim, afirmam que Jesus é: • O avatar da Nova Era • Um precursor do socialismo • Um mestre da ética do liberalismo • Um grande místico, etc. Embora existam, não é comum encontrar críticas acerca de seu caráter. O que é comum é a tentativa de se reinterpretar ou negar a divindade de Jesus, para torná-lo apenas mais um elemento da criação. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 12 3.1 HERESIAS ANTIGAS Nos primeiros cinco séculos, os pais da igreja lutaram para entender quem é Jesus Cristo, como revelado nas Escrituras. Ele é Deus? Ele é humano de fato? Como Jesus pode ser tanto humano como divino? Como essas duas naturezas se relacionam na pessoa de Cristo? Em vários concílios ocorridos nesta época, a igreja chegou a conclusões que se tornaram padrão para a fé cristã. As heresias antigas sobre a pessoa de Cristo podem ser agrupadas da seguinte forma: Negação da humanidade de Jesus Cristo: • Docetismo: acreditava que Jesus Cristo não foi plenamente encarnado na carne, pois a matéria é intrinsecamente má. • Apolinarianismo: defendia a divindade de Cristo, sacrificando sua real humanidade. Em Cristo, a alma divina tomou o lugar da alma humana. • Eutiquianismo: pensava que a natureza divina de Cristo absorveu a natureza humana. Cristo teria apenas uma natureza após a união, a divina, revestida da carne humana. Negação da divindade de Jesus Cristo: • Ebionismo: promovia a ideia de que Jesus era um profeta extraordinário, que se identificava com os pobres, mas não era Deus, sendo filho natural de Maria e José. • Adocionismo: entendia que Jesus era um homem tão submisso ao Pai, que o Pai o adotou com o seu Cristo e Salvador dos homens. Jesus teria se tornado Cristo e agora possuía uma posição exaltada e divina. • Arianismo: ensinava que Jesus era apenas uma criatura, não o Deus eterno. A frase que resume essa heresia é: “houve um tempo quando Cristo não era”. Negação da união pessoal de Cristo. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 13 Nestorianismo: Negavam que Mariafosse a mãe de Jesus, firmando que Maria não deu à luz ao verdadeiro Deus. Antes, ela deu à luz o Jesus humano, cuja humanidade devia ser entendida como separada e distinta da sua natureza divina. Maria seria "Portadora de Cristo” ou "Portadora da Humanidade”. O corpo de Cristo teria pertencido à natureza humana e não à divina. Negação da distinção entre o Pai e o Filho • Sabelianismo: cria na noção de que só existe uma Pessoa divina, Deus Pai, que se manifesta nas três formas - Pai, Filho e Espírito. Deus é uma pessoa que se transformou no processo da história. • Modalismo: entendia que Deus apresentou-se em três modos, mas não existe eternamente como três pessoas. O gráfico a seguir ajuda a visualizar as falsas concepções sobre a pessoa de Cristo que acabamos de considerar. Extraído de H. Wayne House, Teologia cristã em quadros. A fim de tentar resolver os problemas levantados pelas controvérsias sobre a pessoas de Cristo, um grande concílio eclesiástico foi convocado para reunir na cidade de Calcedônia, próximo de Constantinopla (ou a moderna Istambul), de 8 de outubro a 1º de novembro, em 451 d.C. A afirmação resultante, chamada Definição de Calcedônia, posicionou-se contra o apolinarismo, o nestorianismo e o eutiquianismo. Ela é considerada Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 14 a definição padrão da ortodoxia do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo desde aquela época por todos os grandes ramos do cristianismo: catolicismo, o protestantismo e a ortodoxia oriental. Credo de Calcedônia: Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da virgem Maria. Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, inseparáveis e indivisíveis; a distinção das naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos pais nos transmitiu (GRUDEM, 2011). 4. ANÁLISE APOLOGÉTICA Entre todas as doutrinas, a mais contestada é a doutrina da divindade de Cristo. A razão é óbvia. Sem essa doutrina, não existe a fé cristã nem a salvação. As seitas e as diversas falsas religiões não podem ficar de pé, se o ensino bíblico sobre Jesus for afirmado. Neste bloco, trataremos os ataques mais comuns a essa doutrina essencial. 4.1. O NASCIMENTO VIRGINAL A doutrina do nascimento virginal é baseada em apenas duas referências bíblicas explícitas — Mateus 1.18-25 e Lucas 1.26-38. Há outras passagens no Novo Testamento que alguns alegam sugerir ou pressupor o nascimento virginal, e existe a profecia de Isaías 7.14 que é citada por Mateus (1.23). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 15 Desde a época de Jesus, a doutrina do nascimento virginal foi desafiada. Alguns judeus responderam ao discurso de Jesus contra eles: “Nós não somos filhos ilegítimos. O único Pai que temos é Deus" (Jo 8.41). Dá para entender nas entrelinhas que eles estavam dizendo algo do tipo: “não somos bastardos (como você)!” Em outras palavras, a história das circunstâncias da gravidez da Maria deveria ser conhecida, com o resultado previsível. Eles sabiam que virgens não ficam grávidas, e presumiram que, se Jesus não era filho de José, então deveria ser filho de alguém com quem Maria teve relações sexuais. Com certeza, não era nada fácil aceitar a noção do nascimento virginal. O desafio contemporâneo vem principalmente da teologia liberal e dos incrédulos que negam a existência de milagres. Assim, a negação do nascimento virginal faz parte, tipicamente, da negação da divindade de Cristo. Uma das maneiras prediletas dos céticos atacarem a fé é acusando as crenças cristãs de serem uma cópia de outras religiões antigas. Este tipo de argumentação é encontrado em muitos sites ateístas e céticos na internet, mas nem tanto nos livros acadêmicos atuais, como no passado. A razão é óbvia: a maioria dos eruditos reconhece que a evidência não apoia tais acusações. A ideia de que os primeiros cristãos usaram as lendas e mitos das religiões pagãs é insustentável, porque as tradições pagãs, tipicamente, afirmam algum tipo de união sexual entre os deuses e as mulheres, que dão à luz os seus filhos, semideuses. Os supostos paralelos são poucos, quando comparados às contradições. Por exemplo, no mundo antigo o mitraísmo era uma das muitas religiões que competiam com a fé cristã pela devoção do povo. Os críticos contemporâneos diziam que a história do nascimento virginal, juntamente com outros detalhes da vida de Cristo, eram cópias das lendas de Mitra. Mas, os estudos acadêmicos mais recentes demonstraram que as semelhanças são superficiais, e que a mais provável conclusão é que foram os adeptos do mitraísmo que copiaram a história de Jesus — e não o contrário. Essa conclusão é a mais provável, já que as pesquisas mostram que o mitraísmo evoluiu durante aqueles séculos. Os elementos do mitraísmo que tinham semelhança com a fé cristã só aparecem em documentos posteriores ao primeiro século. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 16 Mesmo que outras religiões tivessem lendas de nascimentos virginais, isso não seria prova de influência alguma. Seria necessário mostrar o contato entre estas religiões e estabelecer a probabilidade de alguma influência literária nos textos. Mas, como Erickson afirma, não há nenhum motivo para questionar a integridade dos textos bíblicos que afirmam o nascimento virginal: Notamos, primeiro, a integridade básica das duas passagens pertinentes. Ambas as referências explícitas (Mt 1.18-25 e Lc 1.26-38), e especificamente Mateus 1.20-21 e Lucas 1.34, são parte integrante da narrativa na qual elas acontecem; elas não são inserções ou interpolações. Além disso, pode ser discutido que os dois relatos do nascimento de Jesus, embora claramente independentes um do outro, são semelhantes em tantos pontos (inclusive quanto à virgindade da Maria) que temos que concluir que nesses pontos ambos utilizam independentemente uma narrativa comum, mais antiga que qualquer um deles (ERICKSON,1997). Os textos que narram o nascimento virginal são poucos. Contudo, a evidência favorece uma tradição bem antiga na memória da igreja primitiva. Lucas pesquisou as informações de seu evangelho na comunidade da igreja primitiva, e é provável que ele mesmo tivesse falado com Maria. Assim, as informações vieram da fonte mais confiável possível. Enfim, não há motivo para negar o nascimento virginal, a não ser que haja um preconceito contra a possibilidade de milagres. Isto é mais uma questão filosófica. Para quem aceita a existência de Deus, crer no nascimento virginal se torna uma consequência lógica. 4.2. A IMPECABILIDADE DE CRISTO Seria possível que Jesus pecasse? Sua tentação foi genuína ou somente uma farsa? Podemos resumir, da seguinte forma, os argumentos usados pelos defensores da pecabilidade de Jesus: 1. Por ter uma verdadeira natureza humana, Jesus era capaz de pecar 2. Por ter sido realmente tentado, como o homem é tentado, Jesus era capaz depecar 3. A tentativa exige a predisposição ao pecado Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 17 4. Se Jesus foi realmente um segundo Adão, ele teria que ser capaz de pecar 5. A afirmação “Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus” (Mt 19.17; Mc 10.18; Lc 18.19) sugere que Jesus seria capaz de pecar 6. O batismo de Jesus, feito por João, sugere que Jesus era capaz de pecar. 7. Hebreus 5.7-8 sugere que Jesus não era sempre obediente, portanto, era capaz de pecar. Podemos fazer as seguintes críticas àqueles que defendem esta posição: 1. Afirmam que Cristo é menos do que Deus. 2. Afirmam a possibilidade de conflito entre as suas duas naturezas santas. 3. Pregam um outro Cristo. 4. Facilitam o aparecimento de outras heresias. Portanto, podemos concluir que não há qualquer argumento forte na Escritura que dê base para a crença na pecabilidade de Cristo. Por outro lado, as Escrituras dão testemunho da impecabilidade de Cristo. Podemos observar isso no testemunho dos apóstolos (Jo 6.69; Hb 4.15; 7.26; 9.14; 1Pe 2.22; 1Jo 3.5; 2Co 5.21), no testemunho de Cristo (Jo 8.46) e no testemunho dos incrédulos (Mt 27.4, 19; Lc 23.41). Por essa razão, precisamos atribuir a Cristo não somente integridade natural, mas também perfeição moral, isto é, impecabilidade. Isso “significa não apenas que Cristo pode evitar o pecado (potuit non peccare), e que de fato evitou, mas também que lhe era impossível pecar (non potuit peccare), devido à ligação essencial entre as naturezas humana e divina”. Apesar de Jesus ter-se feito pecado representativamente (2Co 5.21), entretanto, estava livre tanto do pecado hereditário como do pecado real. Por isso, de acordo com o ensino bíblico, Jesus Cristo não era passível de cometer pecado (non posit peccare), possuindo, portanto, a impecabilidade. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 18 Vejamos os seguintes argumentos para a impecabilidade de Cristo: 1. O fato de Jesus Cristo ser Deus, possuindo o atributo da santidade, torna-o absolutamente impecável, pois o pecado sugere o fato de que sua natureza poderia ser alterada, o que o colocaria na mesma posição do ser, como os seres humanos, uma criatura passível de mudança. Nesse caso, Deus deixaria de ser Deus. 2. O fato de Jesus Cristo ser Deus, possuindo o atributo de onisciência, aponta também para a sua impecabilidade, pois a onisciência o livra de pecar. 3. O fato de Jesus Cristo ser Deus, possuindo o atributo de onipotência, aponta para o fato de ser impossível que Jesus Cristo pudesse pecar. 4. O fato de Jesus Cristo ser Deus, possuindo o atributo de onipresença, aponta para o fato de ele não ser passível de pecar. 5. O fato de Jesus Cristo ser uma pessoa única que tem um desejo onipotente de fazer a vontade do Pai implica que ele é impecável (Jo 4.34; 5.30; 6.38;). 6. O fato de Jesus ter sido enviado como oferta e sacrifício em lugar dos homens implica que ele é impecável 7. As próprias afirmações que Jesus fez de si mesmo apontam para a sua impecabilidade. Podemos afirmar que Cristo não somente não pecou, mas que ele não poderia pecar, em virtude de quem ele é e do que veio fazer. Por outro lado, devemos destacar que as tentações de Cristo foram reais, embora fossem insuficientes para vencê-lo, pois a natureza divina torna a pecabilidade impossível. Mas, será que uma pessoa que não cai em tentação é, de fato, tentada? Podemos argumentar que a pessoa que resiste à tentação conhece todo o poder da tentação. A impecabilidade de Cristo “aponta para uma tentação muito mais intensa, não menos intensa”. Alguém que cede à tentação não sente todo o seu poder, pois cede enquanto a tentação ainda não chegou à sua força total, não chegou ao seu extremo. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 19 Somente o homem que não cede a uma tentação, “no que diz respeito àquela tentação em particular, é impecável, conhece aquela tentação em toda sua extensão” (ERICKSON,1997). Mas, uma pessoa que não peca é realmente humana? Como Erickson destaca, “se dissermos não, estamos sustentando que o pecado faz parte da essência da natureza humana”. Indo um pouco além, “tal concepção deve ser considerada uma heresia por qualquer pessoa que creia que a humanidade foi criada por Deus, já que Deus seria então a causa do pecado, o criador de uma natureza essencialmente má”. Segundo as Escrituras, o pecado não faz parte da essência da natureza humana. Erickson destaca que a pergunta correta é: somos tão humanos quanto Jesus? “Pois o tipo de natureza humana que cada um de nós possui não é a natureza humana pura. A verdadeira humanidade criada por Deus foi, no nosso caso, corrompida e danificada. No fim, só houve três seres humanos puros: Adão e Eva, antes da queda — e Jesus”. (ERICKSON,1997). Após a queda, os seres humanos não passam de versões corrompidas da humanidade. Como Ericskson conclui: “Jesus não é apenas tão humano quanto nós; ele é mais humano. Nossa humanidade não é um padrão pelo qual possamos medir a dele. Sua humanidade, verdadeira e não adulterada, é o padrão pelo qual nós seremos medidos”. 5. A DIVINDADE DE JESUS Se você acha difícil acreditar em Deus, recomendo veemente que não comece sua busca com questões filosóficas sobre a existência e natureza de Deus, mas que inicie essa busca com Jesus de Nazaré. John Stott. Vimos que o Novo Testamento afirma as chamadas provas clássicas da divindade, que estudamos na aula anterior. Cristo Jesus tem os nomes divinos, assim como também tem os atributos divinos, realiza as obras de Deus e é digno de adoração. Jesus é o eterno Filho de Deus, que assumiu uma natureza humana para nossa redenção. São várias as questões que precisamos considerar, ao sistematizar o ensino da Bíblia a respeito de Jesus. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 20 Jesus Cristo é a revelação final de Deus. Aquele que quer conhecer qualquer tema da espiritualidade e devoção verdadeira deve conhecer a Jesus, em quem toda a plenitude da divindade habita corporalmente (Cl 2.9). E a formulação clássica da pessoa de Cristo inclui três proposições que a exegese do Novo Testamento revela. Em Cristo, temos duas naturezas em uma só pessoa, ou seja: • Cristo é verdadeiramente Deus • Cristo é verdadeiramente humano • Cristo é uma só pessoa Há nele duas naturezas, divina e humana, claramente distintas e substancialmente diferentes, mas “inconfundíveis e imutáveis, indivisíveis e inseparáveis”. 5.1 JESUS É DEUS Diante do testemunho das Escrituras, somos confrontados pelo antigo problema: ou Jesus é Deus ou um mentiroso ou um lunático (Aut deus aut homo malus). Uma pessoa que reivindique ser o Deus Criador todo-poderoso não pode ser um grande mestre de ética e espiritualidade. Normalmente, ao encontrarmos uma pessoa que diz ser Deus, nós a colocamos num hospital psiquiátrico ou a denunciamos como mentirosa e fraude. Não a aceitamos como uma pessoa sábia e bondosa. Não devemos tratar Jesus de forma diferente. Ele ou merece nossa compaixão como louco, nosso desprezo como uma fraude ou nossa adoração como Deus verdadeiro. O argumento pode ser resumido como se segue: • Ou Jesus ensinou falsidades, e por isto, era um mentiroso. • Ou Jesus ensinou falsidades nas quais acreditava, e por isto, era louco. • Ou Jesus ensinou a verdade, e assim era e é Deus. Foi Atanásio (296–373 d.C.) quem contribuiu grandemente para a doutrina da divindade de Cristo e sua argumentação é resumida da seguinte maneira pelo autor Alister McGrath: Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 21 Em primeiro lugar, somente Deus é capaz de salvar. Somente Deus pode vencer o poder do pecado e trazer aos pecadoresà vida eterna. Os seres humanos são pecadores e necessitam de redenção. Só que, por todos estarem debaixo do pecado, nenhum ser humano pode salvar outro ser humano. Apenas o Criador pode redimir seres humanos. Como Atanásio escreveu: “Uma criatura não podia unir a criatura a Deus; uma parte da criação não pode alcançar a salvação à criação, ela mesma tendo necessidade de salvação. (...) Uma criatura não teria podido criar. Uma criatura não podia de modo algum nos resgatar” (MCGrath, 2010). Tendo enfatizado que somente Deus pode salvar, Atanásio elaborou um argumento que não pode ser refutado pelo arianismo. O Novo Testamento confessa Jesus como salvador. Com Atanásio, enfatizamos que apenas Deus pode salvar. Assim, o único caminho possível é crer que Jesus é o Deus encarnado, que salva pecadores. McGrath resume a lógica do argumento de Atanásio da seguinte forma: 1. Nenhuma criatura pode redimir uma outra criatura. 2. De acordo com Ário, Jesus Cristo é uma criatura. 3. Portanto, de acordo com Ário, Jesus Cristo não pode redimir a humanidade. McGrath apresenta um segundo argumento de Atanásio que toma por base as afirmações da Escritura: 1. Somente Deus pode salvar. 2. Jesus Cristo salva. 3. Portanto, Jesus Cristo é Deus. Como conclui McGrath, a salvação, para Atanásio, envolve a intervenção divina. Deus assumiu a condição humana, com a finalidade de redimi-la. Como os antigos diziam, ele se tornou aquilo que somos, para que pudesse fazer de nós aquilo que ele é. Deus Filho, verdadeiro Deus com o Pai e o Espírito Santo, em graça, uniu sua natureza divina à natureza humana no mistério da encarnação. Somente tal humilhação por amor de nós poderia salvar pecadores e renová-los à imagem de Deus. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 22 Em segundo lugar, os cristãos adoram e oram a Jesus Cristo, e estes são aspectos centrais dos cultos cristãos. Seguindo o resumo que McGrath faz do pensamento de Atanásio, aprendemos que, se Jesus Cristo fosse uma criatura, então os cristãos seriam culpados por adorar a criatura em vez do Criador — em outras palavras, os cultos cristãos seriam idolatria e blasfêmia. Os cristãos são totalmente proibidos de adorar qualquer pessoa ou coisa, com exceção de Deus. Atanásio argumentou que Ário era culpado de transformar a adoração e a oração em algo sem sentido. Por isso, os cristãos estão corretos ao adorar a Jesus Cristo porque, ao fazê-lo, eles o reconhecem por aquilo que ele é, o Deus encarnado, “filho unigênito de Deus e nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstanciai ao Pai, por quem foram feitas todas as coisas”. Então, como tantas vezes ocorreu na história da igreja, a expressão lex orandi lex credendi (a regra da oração determina a regra da fé) é determinante no debate sobre a divindade de Cristo, enfatizando a importância da adoração e da oração para a construção da fé cristã (FERREIRA, 2007). Implicações da divindade de Cristo: 1. Podemos ter conhecimento real de Deus. Jesus disse: " Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14.9). Enquanto os profetas vinham trazendo uma mensagem de Deus, Jesus era Deus. Se quisermos saber como é o amor de Deus, a santidade Deus, o poder de Deus, só precisamos olhar para Cristo. 2. A redenção está à nossa disposição. A morte de Cristo é suficiente para todos os pecadores de todos os tempos, pois quem morreu não foi um mero homem finito, mas um Deus infinito. Ele, a Vida, o Doador e o Mantenedor da vida, que não precisava morrer, morreu. 3. Deus e a humanidade foram religados. Não foi um anjo ou um homem que veio da parte de Deus para nós, mas o próprio Deus cruzou o abismo criado pelo pecado. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 23 4. É correto adorar a Cristo. Ele não é apenas o mais elevado das criaturas, mas é Deus no mesmo sentido e no mesmo grau que o Pai. Ele merece, tanto quanto o Pai, nosso louvor, nossa adoração e nossa obediência. Um dia, todos vão reconhecer quem é Jesus. Os que acreditam na divindade de Cristo já reconhecem quem ele é e agem de acordo. 5.2 A HUMANIDADE DE JESUS 5.2.1 O VERBO SE FEZ CARNE Existe menos controvérsia em relação à humanidade de Jesus do que em relação à sua divindade, mas este tópico é igualmente importante por alguns motivos: • Se Jesus não tivesse assumido uma real humanidade, não poderia haver salvação. A validade e aplicação da obra realizada na cruz dependem da realidade de sua humanidade, assim como a sua eficácia depende da genuinidade da sua divindade. • Se Jesus não fosse um ser humano real, não poderia realizar o tipo de intercessão que o sacerdote deve fazer em favor daqueles que ele representa (Hb 2.17). • Se Jesus era humano, tendo sido tentado como os homens são, então ele pode compreender e ajudar os homens em suas lutas (Hb 2.18; 4.15-16). A Bíblia afirma que o Verbo se fez carne (Jo 1.14; 1Jo 1.1). “A encarnação do Verbo não foi uma teofania. Foi uma forma humana definitiva e permanente que o Verbo tomou para si. A encarnação lhe trouxe um corpo real que podia não somente ser visto e ouvido, mas também tocado, e que veio a ser passível de sofrimento, morte e ressurreição” (FERREIRA, 2007). Jesus tinha corpo humano, tendo nascido de mulher. Ele experimentou fome, dor, cansaço e todas as outras sensações físicas comuns ao homem (Hb 2.14) Após sua ressurreição, ele negou que fosse um fantasma (Lc 24.38). Jesus experimentou emoções tais como ira, medo, alegria, pesar. Ele foi tentado, mas não pecou (Hb 4.14-16). Sua Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 24 natureza humana foi plena e completa. Ele não apenas parecia ser humano, era humano de fato, mas sem pecado. A afirmação da real humanidade de Cristo é importante por outra razão. Assim como Adão deu origem a uma raça desobediente e fadada à morte, Cristo também pode ser considerado o iniciador de uma humanidade nova e redimida. A humanidade, que estava representativamente presente em Adão, recebeu a oportunidade de ter um novo início em Cristo, o segundo Adão (Rm 5. 12-21). Como Ireneu de Lion escreveu, no século II: Veio para salvar a todos mediante a sua pessoa, todos, digo, os que por sua obra, renascem em Deus, crianças, meninos, adolescentes, jovens e adultos. Eis porque passou por todas as idades, tomando-se criança com as crianças, santificando as crianças; com os adolescentes se fez adolescente, santificando os que tinham esta mesma idade e tomando- se ao mesmo tempo para elas o modelo de piedade, de justiça e de submissão. Jovem com os jovens, tornou-se seu modelo e os santificou para o Senhor; da mesma forma se tornou adulto entre os adultos, para ser em tudo o mestre perfeito, não somente quanto à exposição da verdade, mas também quanto à idade, santificando ao mesmo tempo os adultos e tornando-se também modelo para eles. E chegou até a morte para ser o primogênito entre os mortos e ter a primazia em tudo, o iniciador da vida, anterior a todos e precedendo a todos (LION, citado por FERREIRA, 2007). Por sua desobediência, o primeiro Adão introduziu o pecado e a morte, mas, por sua obediência, o segundo Adão, Cristo, reintroduziu a graça e a vida eterna. O inimigo não teria sido vencido com justiça se não tivesse nascido de mulher o homem que venceu, pois fora por meio de uma mulher que ele dominara o homem, opondo- se a ele desde o princípio. Por este motivo é que o próprio Senhor declara ser o Filho do homem, recapitulando em si aquele primeiro homem, a partir do qual fora modelada a mulher. E assim como pela derrota de um homem nossa raça desceu para a morte, pela vitória de outro homem subimos novamente à vida, e, como a morte tinha triunfado sobre nós por um homem, assimtodos nós triunfamos da morte por um homem. O Senhor não teria recapitulado em si a antiga e primeira inimizade contra a serpente e não teria cumprido a promessa do Criador e nem o seu mandamento, se tivesse vindo de outro Pai. Mas, sendo Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 25 um só e idêntico aquele que, no princípio, nos modelou e, no fim, enviou seu Filho, o Senhor cumpriu verdadeiramente o seu mandamento nascendo de uma mulher, aniquilando o nosso adversário e completando no homem a imagem e semelhança com Deus (LION, citado por FERREIRA, 2007). Jesus conquistou o que foi perdido por Adão. Em um ambiente perfeito e sem pecado, Adão pecou, mas em um contexto hostil, dominado pelo pecado, Jesus foi perfeitamente obediente. Como redentor, ele se tornou o cabeça da nova humanidade, assumindo o lugar desta humanidade na obra de expiação. Mas, para que isto fosse realizado, ele teve de ficar livre da culpa e da corrupção do pecado. Para ser redentor, ele tinha de ser santo e inculpável, para que, assim, pudesse arrancar pessoas da maldição que estava sobre elas. A plena humanidade de Jesus Cristo é necessária para a plena redenção do homem. 5.2.2 A ENCARNAÇÃO A encarnação foi um evento milagroso que envolveu a união entre divindade e humanidade. Nessa união Deus provê tanto o componente humano como a encarnação. A encarnação aconteceu na concepção de Jesus. Ele não se tornou Cristo mais tarde. Não havia nenhum Jesus preexistente, em quem o Cristo tenha sido depositado após sua concepção. Existem poucos textos que falam do nascimento virginal, tais como Mateus 1.18-25, Lucas 1.26-38 e a profecia de Isaías 7.14. Mas, essa doutrina foi confessada na igreja, desde o início, sendo mencionada nos antigos credos e, posteriormente, em todas as confissões de fé protestantes e católicas. A veracidade da doutrina é estabelecida nas seguintes considerações: A doutrina do nascimento virginal estabelece a importância da encarnação como um evento sobrenatural. Na verdade, questionar a doutrina revela é um preconceito contra o sobrenatural. As objeções são tipicamente baseadas no pressuposto de que milagres não ocorrem. Em última análise, esta doutrina é a segurança da doutrina da ressurreição. O argumento poderia ser colocado da seguinte maneira: Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 26 • Se Cristo não tivesse nascido da virgem, por obra do Espírito, então ele não seria Deus. • Se Cristo não fosse Deus, então seu sacrifício não poderia ser expiatório. • Se Cristo não fosse Deus, e seu sacrifício não fosse expiatório, ele não teria ressuscitado. Um aspecto adicional desta doutrina é que o nascimento virginal permite uma participação tanto da feminilidade como da masculinidade na encarnação. Jesus expressa masculinidade, enquanto a feminilidade de Maria foi o veículo através do qual a encarnação foi realizada. Uma vez que a impecabilidade de Jesus não depende da concepção virginal, precisamos perguntar: se toda a raça humana está manchada pelo pecado original, Maria também não teria passado uma natureza pecaminosa para Jesus? Podemos destacar o que o anjo disse para Maria: “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado santo, Filho de Deus” (Lc 1.35). O texto aponta para o fato de que a influência do Espírito Santo foi tão poderosa e santificadora em seu efeito que não houve transmissão de pecado ou culpa de Maria para Jesus. Além disso, a vinda do Espírito sobre Maria também lembra o relato da criação. Assim como o primeiro Adão foi criado sem pecado, o segundo Adão, Jesus Cristo, também foi gerado pelo Espírito sem pecado, marcando assim o surgimento da nova criação. Podemos acrescentar que o nascimento virginal é uma prova da singularidade de Jesus, sendo uma evidência do poder e da soberania de Deus sobre a natureza. 5.3.3 IMPLICAÇÕES DA HUMANIDADE DE JESUS A doutrina da plena humanidade de Jesus tem grande significado para a fé e a teologia cristã: 1. A morte expiatória de Jesus pode de fato ter proveito para nós. Não foi alguém estranho à raça humana que morreu na cruz. Ele era um dos nossos e, portanto, poderia realmente oferecer um sacrifício em nosso favor. Assim como o sacerdote do Antigo Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 27 Testamento, Jesus foi um homem que ofereceu um sacrifício em favor de seus companheiros. 2. Jesus pode realmente ter empatia para conosco e interceder por nós. Ele experimentou tudo o que podemos sofrer. Quando sentimos fome, cansaço, solidão, ele compreende plenamente, pois ele mesmo passou por tudo isso (Hb 4.15). 3. Jesus não só nos disse o que é a verdadeira humanidade, como também a manifestou. 4. Jesus pode ser nosso exemplo. Ele não é algum superstar celestial, mas alguém que viveu onde vivemos. Podemos, portanto, voltar-nos para ele como a um modelo da vida cristã. Nele, vê-se que os padrões bíblicos de comportamento humano, que nos parecem tão difíceis de atingir, estão dentro da possibilidade humana. Evidentemente, é preciso haver plena dependência da graça de Deus. O fato de que Jesus viu necessidade de orar e de depender do Pai é uma indicação de que precisamos confiar igualmente nele. 5. A natureza humana é boa. Quando tendemos para o ascetismo, considerando a natureza humana e, em especial, a natureza física, algo inerentemente mau ou, pelo menos, inferior ao espiritual e imaterial, o fato de Jesus ter assumido sobre si toda a nossa natureza humana é um lembrete de que ser homem não é mau, é bom. 6. Deus não está distante da raça humana. Se pôde realmente viver entre nós por um tempo como uma verdadeiro humano, não é de surpreender que possa atuar e de fato atue no âmbito humano também hoje. Com João, nos alegramos porque a encarnação foi real e completa: "Aquele que é a Palavra tornou- se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1.14). 6. A UNIDADE DA PESSOA DE CRISTO 6.1 UNIÃO HIPOSTÁTICA Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 28 A união das duas naturezas, divina e humana, em Cristo é conhecida como união hipostática (de hypostasis). A encarnação é a união dessas duas naturezas, presentes em uma só pessoa, Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Escritura faz referência a uma pessoa, mas a duas naturezas (Jo 1.1-18; Rm 1.3-4) numa personalidade singular e não dividida. Em Filipenses 2.6-11 o uso da palavra “forma” (morphê) indica que a pessoa única, Jesus, tinha as duas naturezas. A expressão “união hipostática” destaca algumas verdades importantes: • O Filho de Deus é uma pessoa. • Essa pessoa é preexistente na pessoa eterna do Filho. • A união de suas duas naturezas, a divina e a humana, “surge do fato de que elas pertencem a uma e a mesma pessoa, o Filho encarnado”. • Essa uma e mesma pessoa, o Filho de Deus, “é o Agente por detrás de todas as ações do Senhor, o Porta-voz de todas as suas Palavras e o sujeito de todas as suas experiências”. Por causa da união hipostática, à pessoa única de Jesus Cristo deve ser atribuída toda a sua obra, não se atribuindo nada exclusivamente a uma das suas naturezas. “A Pessoa é o agente, e a natureza é o meio através do qual a Pessoa age. Por isso é dito que os milagres são operados por Jesus Cristo e os sofrimentos são suportados por Jesus Cristo. O que é próprio de cada natureza é atribuído à Pessoa do Redentor que é a que age” (FERREIRA, 2007). A presença das naturezas divina e humana em Jesus é explicitamente afirmada no Novo Testamento (Jo 1.14; Rm 1.2-5; Fp 2.6-11; 1Tm 3.16; Hb 2.14; 1Jo 1.1-3). E após a ressurreição, a união hipostáticapermanece para sempre (Mt 26.64; Jo 3.13; At 7.56). A união das duas naturezas significa que elas não atuaram independentemente. Jesus não exerceu sua divindade em certas ocasiões e sua humanidade em outras. Seus atos sempre eram atos da divindade e da humanidade. Os atributos divinos de Jesus estavam funcionalmente limitados pela sua humanidade, mas não reduzidos na sua essência. Ele ainda tinha poder para ser onisciente, onipresente, etc. O que temos é uma limitação circunstancial no exercício de seu poder e de suas capacidades. A união das duas Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 29 naturezas significa que a natureza humana de Cristo, desde o primeiro momento de sua existência, foi adornada com todos os tipos de dons, como por exemplo: A gratia unionis cum persona tou Logou (graça de união com a pessoa do Logos), isto é, a graça e a glória de estar unida ao Logos divino, também chamada gratia eminentiae (graça da eminência), pela qual a natureza humana é elevada acima de todas as criaturas e até se toma objeto de adoração. A gratia habitualis (graça habitual), que consiste daqueles dons do espírito, em particular os do intelecto, da vontade e de poder, pelos quais a natureza humana de Cristo foi exaltada acima de todas as criaturas inteligentes. Especialmente a impecabilidade de Cristo, o non posse peccare, deve ser mencionado aqui (BERKOF, 2012). Precisamos frisar: a iniciativa da encarnação veio de Deus e não do homem. Nosso problema em compreender a encarnação se deve ao fato de que, na realidade, estamos nos perguntando como um ser humano pode se tomar Deus, quando na verdade não é impossível para Deus se tomar homem. Como John Owen escreveu: “A glória das duas naturezas de Cristo numa única pessoa é tão imensa que o mundo incrédulo não pode ver a luz e a beleza que irradiam dela” (QWEN, 1989). Ao considerar a humanidade sem pecado como presente em Cristo, precisamos notar que, a definição de humanidade que muitas vezes é atribuída a Jesus é feita erroneamente, com base no entendimento que se tem da humanidade como corrompida pelo pecado, a humanidade surgida após a queda. Devemos lembrar que a doutrina do nascimento virginal estabelece que a humanidade de Jesus existia em sua forma mais plena, sem pecado ou iniquidade, como existia antes da queda, e esta nova humanidade marca o começo da nova criação na história da redenção. As duas naturezas em conjunto participaram plenamente na pessoa de Cristo. Ao ler os evangelhos, fica evidente que não houve uma oscilação entra as duas naturezas, mas uma ação conjunta (communicatio idiomatum). Daí Jesus ser, ao mesmo tempo, Deus e homem. Em outras palavras, o que a única pessoa, Jesus Cristo, experimentou, ele experimentou como Deus e homem. “Podemos apenas dizer que a doutrina da comunicação de atributos ensina que as propriedades de ambas as naturezas podem ser Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 30 atribuídas a uma Pessoa” (FERREIRA, 2007). Por isso, não é correto separar as duas naturezas, dizendo que “a natureza humana fez isto” ou “a natureza divina fez aquilo”, justamente porque tudo o que pertence a uma natureza sempre deve ser atribuído à pessoa de Jesus Cristo. A nossa resposta a essas perguntas sempre deve ser “Cristo disse isso” ou “Cristo fez aquilo”. Por um lado, Jesus Cristo foi batizado, chorou, sofreu e morreu. Só que nenhuma destas experiências pode ser atribuída apenas à sua natureza humana, mas à pessoa única de Cristo. Por outro lado, Jesus Cristo revela o Pai, ressuscitou, realizou milagres e reina. Igualmente, nenhuma destas experiências pode ser atribuída apenas à sua natureza divina, mas, igualmente, à pessoa única de Cristo, na qual duas naturezas estão unidas. Por isso, “tudo o que pertence e é típico de uma natureza deve ser atribuído inquestionavelmente à pessoa total”. A comunicação de atributos significa que as propriedades de ambas as naturezas, a humana e a divina, passaram a ser propriedades da pessoa única e, portanto, são atribuídas a Jesus Cristo. Por isto, se pode dizer que Jesus Cristo é todo-poderoso, onisciente, onipresente e assim por diante, mas também se pode dizer que ele é um homem real, de conhecimento e poder limitados, e sujeito às necessidades, dores e limitações humanas. “Mas devemos ter o cuidado de não entender a expressão no sentido de que alguma coisa peculiar à natureza divina foi comunicada ou transmitida à natureza humana, e vice-versa; nem que há uma interpretação das duas naturezas, com o resultado que o divino é humanizado e o humano é divinizado” (BERKOF, 2012). As duas naturezas são necessárias para a obra de redenção: • Como mediador era necessário que Jesus fosse tanto de dignidade igual ao Pai como capaz de plena empatia com a humanidade (Fp 2.6-11; Hb 2.17-18; 1Tm 2.5). • Para expiar nossos pecados ele tinha que ser homem, pois era necessário que um homem fosse sacrificado, uma vez que os homens são pecadores culpados. Por outro lado, ele também precisava ser Deus, considerando que só Deus pode sofrer e esgotar a ira infinita de Deus. • Ele continua sendo homem depois da ressurreição e, portanto, um representante e advogado do homem. Ele é o primeiro fruto da ressurreição, porque desde Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 31 que a morte veio por um homem, foi necessário que a ressurreição também viesse por um homem. Além disso, ele foi exaltado à direita do Pai e recebeu o nome que é sobre todo nome, Yahweh. Daí Cristo, no céu, manter a sua divindade eterna e a sua real humanidade. Por isto, uma aplicação da união hipostática é o fato de que Cristo, exatamente como existe agora, isto é, existindo em duas naturezas, divina e humana, é o objeto da nossa adoração. Deve-se ter em mente que a honra da adoração (honor adorationis) não pertence à natureza humana como tal, mas lhe pertence somente em virtude da sua união com o Logos divino, que em Sua própria natureza é adorabilis (digno de ser adorado). Devemos distinguir entre o objeto e a base desta adoração. O objeto do nosso culto é o Deus e homem Cristo Jesus, mas a base sobre a qual O adoramos é a pessoa do Logos (BERKOF, 2012). 7. A VIDA COM CRISTO Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais, que Deus fez entre vocês por intermédio dele, como vocês mesmos sabem (Atos 2.22). 7.1 O PROPÓSITO PARA A HUMANIDADE Embora fosse totalmente Deus, Jesus escolheu viver com as mesmas limitações que o homem enfrentaria assim que fosse redimido. Ele enfatizou esse ponto muitas vezes. Jesus se tornou o modelo para todos os que quisessem aceitar seu convite para uma vida de relacionamento restaurado com Deus. Ele fez milagres, maravilhas e sinais como um homem que tinha um relacionamento coreto com Deus, não porque era Deus. Se ele fez milagres porque era Deus, isso seria inatingível para nós. No entanto, se ele fez como homem, todo cristão tem a responsabilidade de buscar esse estilo de vida para si. Recuperar essa simples verdade muda tudo e torna possível a plena restauração do ministério de Jesus em sua Igreja. Quais eram a característica de sua humanidade? Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 32 • Ele não tinha nenhum pecado que o levasse a ficar separado do Pai. • Ele era totalmente dependente do poder do Espírito Santo, que trabalhava por intermédio dele. Quais são as características de nossa humanidade? • Somos pecadores limpos pelo sangue de jesus. Por meio de seu sacrifício, ele, de forma bem- sucedida, tratou do poder e do efeito do pecado para todos os que creem. Agora, nada pode nos separar do Pai. Resta apenas uma questão a ser resolvida. • Quanto estamos dispostosa viver na dependência do Espírito? A espinha dorsal da autoridade e do poder do reino encontra-se na comissão. Descobrir qual foi a comissão original e o propósito que Deus tinha para a humanidade pode ajudar a fortalecer nossa resolução de ter uma vida relevante para a transformação da história. Para encontrarmos essa verdade, é preciso voltar ao início. O homem foi criado à imagem de Deus e posto na expressão suprema de beleza e paz do Pai: o jardim do Éden. Fora desse jardim, a história era bem diferente. Não havia ordem nem benção, e era necessário um toque daquele a quem Deus delegou para fazer isso – Adão. Adão e Eva foram postos no jardim com uma missão: “Deus os abençoou, e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra” (Gn 1.28). Revelava-se a intenção de Deus: que tivessem filhos que também vivessem sob o seu governo, para assim estender as fronteiras do jardim (o governo do Senhor) pela simplicidade da devoção a Ele. Conforme Bill Johnson destaca: “Quanto maior o número de pessoas com relacionamento apropriado com Deus, maior o impacto de sua liderança” (JOHNSON, 2010). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 33 No entanto, no capítulo 1 de Gênesis, descobrimos que esse universo não era perfeito. Satanás se rebelara e fora expulso do céu; com ele, uma porção dos anjos caídos assumiu o domínio da terra. Fica óbvia a razão por que o restante do planeta precisava ser subjugado – ele estava sob a influência das trevas: “Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gn 1.2). Deus, com uma palavra, poderia ter o maligno e seu exército, mas, antes, escolheu derrotar as trevas delegando sua autoridade àqueles feitos à sua imagem que, por livre escolha, o amavam. O soberano Deus nos pôs no comando do planeta Terra: “Os mais altos céus pertencem ao Senhor, mas a terra ele a confiou ao homem” (Sl 115.16). A mais alta honra era ser escolhido, porque o amor sempre escolhe o melhor. Esse é o início de nossa criação. Criados à imagem de Deus para a intimidade, afim de que o domínio pudesse ser expresso por intermédio do amor. É com essa revelação que temos de aprender a caminhar como seus representantes, derrotando assim o “príncipe desse mundo”. 7.2 O RESGATE EM CRISTO A autoridade dos homens para governar foi confiscada quando Adão comeu o fruto proibido. Paulo disse: “Não sabem que, quando vocês se oferecem a alguém para lhe obedecer como escravos, tornam-se escravos daquele a quem obedecem: escravos do pecado que leva à morte, ou da obediência que leva à justiça?” (Rm 6.16). Nesse ato único a humanidade se tornou escrava do Maligno. Tudo o que Adão tinha, incluindo o título de propriedade do planeta e sua posição de governante, agora fazia parte do espólio de satanás. O plano predeterminado de Deus para a redenção foi, de imediato posto em ação: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar" (Gn 3.15). Jesus viria para resgatar tudo o que fora perdido. O plano de Deus para o governo do homem nunca deixou de existir. Cristo veio para receber a punição por nossos pecados e recuperar o que havia perdido. Lucas 19.10 afirma que Jesus veio “buscar e salvar o que havia perdido”. A humanidade não só se perdera no pecado, como perdera seu domínio sobre a terra. Jesus veio para resgatar ambas. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 34 Satanás tentou arruinar o plano ao fim dos quarenta dias de jejum feito por Jesus. Ele sabia que não era digno da adoração de Jesus e que Jesus veio para resgatar a autoridade da qual o homem abriu mão. Então lhe disse: “Eu lhe darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se você me adorar, tudo será seu" (Lc 4.6,7). Observe as palavras dele: “porque me foram dados”. Satanás não poderia roubá-los, pois lhe foram cedidos quando Adão abandonou o governo de Deus. Na verdade, ele ofereceu a Jesus um atalho para recuperar as chaves da autoridade que o homem perdeu quando pecou. Jesus rejeitou esse atalho e se recusou a lhe dar qualquer honra. Jesus não abriu mão de seu propósito, pois veio para morrer. O Pai queria que Satanás fosse derrotado pelo homem, o ser feito à sua imagem. Jesus aquele que poderia derramar seu sangue para redimir a humanidade, esvaziou-se de seus direitos como Deus e assumiu as limitações humanas. Satanás foi derrotado por um homem – o Filho do homem que tinha um relacionamento correto com Deus. Agora, à medida que as pessoas recebem a obra de Cristo na cruz para a salvação, tornaram-se completos nessa vitória. Jesus derrotou o demônio com uma vida sem pecado, derrotou-o em sua morte ao pagar por nossos pecados com seu sangue e, mais uma vez, na ressureição, ao ascender triunfante com as chaves da morte e do inferno em suas mãos. Jesus, ao redimir o homem, recuperou o que este havia perdido. Ele declarou: “Foi- me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão [...]” (Mt 28.18,19). Em outras palavras: Consegui tudo de volta. Agora usem isso e reivindiquem a humanidade para mim. Nessa passagem, Jesus cumpre a promessa que fizera a seus discípulos quando disse: “Eu lhe darei as chaves do Reino dos céus; o que você ligar na terra terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus" (Mt 16.19). O plano original não fora abortado, mas realizado de uma vez por todas na ressurreição e ascensão de Jesus. Assim, seríamos completamente restaurados ao plano de governo de Deus como pessoas feias à sua imagem. E, como tal, aprenderíamos a impelir a vitória obtida no Calvário: “Em breve o Deus da paz esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês. A graça de nosso Senhor Jesus seja com vocês” (Rm 16.20). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 35 Nascemos para governar – sobre a criação, sobre as trevas -, para saquear o inferno e estabelecer o governo de Jesus onde quer que preguemos o evangelho do Reino. Reino quer dizer: domínio do Rei. Segundo o propósito original de Deus, o homem deveria governar sobre a criação. Agora que o pecado entrou no mundo. A criação foi contaminada pelas trevas, como: doenças, espíritos aflitos, pobreza, desastres naturais, influencia demoníaca etc. Embora nosso governo ainda seja sobre a criação, o foco agora é a exposição e a destruição das obras de Satanás. Temos de dar o que recebemos para alcançar esse fim: “Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Mt 10.8). Se verdadeiramente recebemos poder ao ter um encontro com o Deus de poder, estamos preparados para compartilhar isso. A invasão de Deus em situações impossíveis acontece por intermédio de pessoas que receberam poder do alto e aprenderam a liberá-lo nas circunstâncias da vida. 7.3 NOSSA IDENTIDADE “[...] porque neste mundo somos como ele” (1Jo 4.17) A vida cristã não se encontra na cruz. Nós a encontramos por causa da cruz. É o poder da ressurreição que energiza o cristão. Isso diminui o valor da cruz? De forma alguma. O sangue derramado do Cordeiro imaculado lavou-nos e retirou de nossa vida o poder do pecado. NÃO TEMOS NADA SEM A CRUZ! Todavia, ela não é o fim – é o início, a entrada para a vida cristã. Até mesmo para Jesus, ela era algo que deveria ser suportado a fim de obter a alegria que lhe fora proposta! (Hb 12.2). Jesus foi o servo sofredor que se dirigiu à cruz. No entanto, triunfalmente ressuscitou, ascendeuaos céus e foi glorificado. Na revelação de Jesus Cristo, João o descreve da seguinte forma: “Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como a lã, tão brancos quanto a neve, e seus olhos eram como chama de fogo. Seus pés eram como o bronze numa fornalha ardente e sua voz como o som de muitas águas” (Ap 1.14,15). A declaração de Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 36 que “somos como ele” é muito mais abrangente do que poderíamos imaginar; em especial, à luz da descrição glorificada de Jesus em Apocalipse 1. todavia, o Espírito Santo foi enviado especificamente para esse propósito a fim de que “cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). O Espírito Santo veio com a tarefa suprema no período perfeito. Durante o ministério de Jesus, afirmou-se: “Até então o Espírito ainda não tinha sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7.39). O Espírito Santo conforta-nos, dá-nos dons, lembra-nos do que Jesus disse e reveste-nos com poder. No entanto, faz tudo isso para nos tornar semelhantes a Jesus. Essa é a missão primária. Portanto, porque o Pai não o enviou até Jesus ser glorificado? Porque sem Jesus em seu estado glorificado não haveria modelo celestial do que deveríamos ser! Assim como o escultor olha um modelo e esculpe na argila, também o Espírito olha para o Filho glorificado e molda-nos à sua imagem. Por que nesse mundo somos como ele é. Por que isso é importante? Por que muda tudo profundamente nosso senso de identidade e de propósito. Jesus tornou-se pobre para que eu fosse rico. Ele sofreu com chicotadas para me libertar da aflição e tornou-se pecado para que eu pudesse ser justiça para Deus (2Co 5.21). Então, por que eu deveria tentar ser como ele era quando sofreu para que eu pudesse tornar-me como ele é? Nesse ponto, a realidade da ressureição tem de entrar em jogo em nossa vida – temos de descobrir o poder da ressurreição para todos que creem (Ef 1.21; 3.20). 8. JESUS HISTÓRICO 8.1 A BUSCA DO JESUS HISTÓRICO Tanto o deísmo inglês quanto o Iluminismo alemão desenvolveram a tese de que havia uma séria divergência entre o Jesus real da história e a interpretação do Novo Testamento sobre seu significado. De acordo com essa tese, sob o perfil que o Novo Testamento apresentava, a saber, o de um redentor sobrenatural da humanidade, encontrava-se um mero ser humano, um sábio mestre iluminado. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 37 Embora a primeira ideia fosse algo inconcebível para o racionalismo iluminista, a segunda não o era. Esta perspectiva, desenvolvida com especial rigor pelo filósofo alemão Reimarus (1694—1768), sugeria ser possível desvendar, nos relatos do Novo Testamento acerca de Jesus, um Jesus mais comum, mais humano e que estaria mais de acordo com o novo espírito iluminista. E assim, teve início a busca do “Jesus histórico”, mais real e mais provável. O Iluminismo acreditava que nessa busca se encontrava a chave para a aceitação de Jesus no contexto de uma religião natural racional. A autoridade moral de Jesus residia na qualidade de seus ensinamentos e em sua personalidade religiosa, e não na inaceitável tese ortodoxa de que ele era Deus encarnado. Esta é a premissa que embasa a famosa “busca do Jesus histórico”. Reimarus defendia a tese de que havia uma diferença radical entre as crenças e intenções de Jesus e aquelas sustentadas pela igreja apostólica. De acordo com Reimarus, a linguagem e as imagens que Jesus usava em relação a Deus eram as de um judeu visionário e apocalíptico, pois continham uma referência e uma relevância extremamente limitadas em termos cronológicos e políticos. Portanto, Jesus aceitava a expectativa messiânica dos judeus de libertação do domínio romano e acreditava que Deus o ajudaria nessa tarefa. De acordo com Reimarus, o clamor por seu abandono na cruz representava que Jesus havia finalmente percebido o fato de que estivera iludido e equivocado quanto a sua expectativa. Entretanto, Reimarus alegava que os discípulos não estavam preparados para deixar as coisas nesse estado. Portanto, eles haviam criado a ideia de uma “redenção espiritual”, em substituição à visão política e concreta de Jesus com respeito à libertação de Israel do domínio estrangeiro. Assim, os discípulos inventaram a tese da ressurreição de Jesus para disfarçar o embaraço causado por sua morte. Em consequência disso, também inventaram doutrinas totalmente ignoradas por Jesus, como a de sua morte como expiação por nossos pecados, acrescentando-as ao texto bíblico para que este se adequasse a suas crenças. Desse modo, afirmava que o Novo Testamento, da forma como existe hoje, está repleto de acréscimos e adulterações. A igreja primitiva escondeu de nós o Jesus histórico e real, Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 38 substituindo-o pela figura do Cristo da fé, que redimiu a humanidade de seus pecados (MCGRATH, 2010). Embora Reimarus tenha conquistado pouquíssimos adeptos em sua época, ele havia levantado algumas questões que seriam de importância fundamental no futuro. Mostrou-se particularmente de enorme relevância sua nítida distinção entre a figura real do Jesus histórico e a figura fictícia do Cristo da fé. A busca resultante do “Jesus histórico” surgiu como resultado imediato da crescente suspeita do racionalismo de que o perfil de Cristo, traçado no Novo Testamento, era, na verdade, uma criação dogmática. Essa corrente acreditava ser possível reconstruir a figura histórica real de Jesus, livrando-o da roupagem dogmática com que os apóstolos o haviam revestido. No século XIX, o teólogo alemão Heinrich Eberhard Gottlob Paulus atacou a doutrina ortodoxa de Cristo. Como vários outros teólogos desta época, Paulus alegava que sua razão para isso era fazer uma defesa em favor do cristianismo verdadeiro. Paulus é conhecido por suas tentativas de explicar os milagres de Cristo sem referência ao sobrenatural. Em meados do século XIX, David Friedrich Strauss escreveu Das Leben Jesu, um livro que introduziu o conceito de mito na crítica dos evangelhos. Strauss propunha eliminar o impasse entre os conservadores, que consideravam os evangelhos como narrativas históricas verídicas, e os racionalistas que, apesar de afirmarem que os milagres eram algo como uma fraude ou engano, também aceitavam os evangelhos como documentos basicamente históricos. Segundo Strauss, os livros do Novo Testamento não foram escritos pelos apóstolos, mas por pessoas no século II, que não foram testemunhas oculares dos eventos presentes no Novo Testamento. Strauss disse que o alvo dos escritores não era contar uma história, mas, por meio da literatura mitológica, comunicar a noção do homem- deus, o fato de que o divino é expresso na humanidade. Assim, ele afirmou que a encarnação é um símbolo da divindade da própria humanidade. Por dois séculos, estudiosos tentaram reconstruir o Jesus da história, porém, sem muitos resultados positivos. O Jesus reconstruído pelos filósofos e liberais parecia mais o fruto da obstinação dos mesmos do que de uma séria pesquisa científica. O trabalho de R. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 39 Bultmann e K. Barth pôs um fim honroso à “busca” agonizante e declarou-a uma empreitada inútil. Bultmann convenceu toda uma geração de estudiosos de que o Jesus histórico estava tão soterrado debaixo dos mitos criados pela Igreja Primitiva que os teólogos deveriam abandonar as esperanças de achá-lo e dedicar-se ao Cristo da fé. A chamada Busca do Jesus histórico tem sua origem no século XIX e tem se desenvolvido desde então. Craig Evans, professor de Novo Testamento no Acadia Divinity College resume com precisão o desenvolvimento da pesquisa do Jesushistórico: A antiga “Busca do Jesus Histórico” (às vezes, denominada “busca do século XIX”), foi lançada quando acadêmicos começaram a questionar as intenções de Jesus. Os escritos de Hermann Samuel Reimarus, publicações póstumas (1774-1778), defendiam que Jesus tentara se estabelecer como rei político terrestre de Israel. A tese provocante levou a novas leituras críticas dos Evangelhos. As reviravoltas da antiga “Busca” foram comentadas e avaliadas com eloquência por Albert Schweitzer, com o que se tornou, ele mesmo, um clássico: The Quest for the Historical Jesus. O surgimento da crítica formal nos anos de 1920, cujos primeiros praticantes pensavam que grande parte do material dos evangelhos não fosse derivada de Jesus, mas tivesse origem na igreja, levou muitos a abandonar tal Busca; foi considerada historicamente impossível – e teologicamente ilegítima, conforme alguns teólogos. Mas uma Nova Busca, procurando encontrar a ligação entre o Jesus histórico e o “Cristo da fé”, foi iniciada na década de 1950; depois ainda, na década de 1980, veio outra fase, agora chamada de “Terceira Busca” (EVANS, 2009). 8.2 O “SEMINÁRIO DE JESUS” A ideia pela busca do “Jesus histórico” não desapareceu. Um grupo de 75 estudiosos de diversas orientações religiosas reuniram-se nos Estados Unidos e fundaram o "Seminário de Jesus" (The Jesus Seminar), com o objetivo de levar adiante a "busca do verdadeiro Jesus." Seus pressupostos são basicamente os mesmos dos que empreenderam a "busca" antes deles, ou seja, que o retrato de Jesus que temos nos Evangelhos é uma caricatura produzida em grande parte pelo que D. F. Strauss chamou no século XIX de "mito." Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 40 O "Seminário de Jesus” tem feito declarações bizarras com relação ao Novo Testamento, lançando dúvidas sobre 82% daquilo que os Evangelhos atribuem a Jesus. Um de seus membros, John Dominic Crossan, foi tão longe a ponto de negar a ressurreição, declarando que Jesus fora sepultado numa cova rasa, escavada por cães! Mas o assim chamado Seminário de Jesus não fala em favor do Jesus real. Existem, pelo menos, seis razões para essa conclusão. 1. O grupo errado. O Seminário de Jesus, criado em 1985, é composto "estudiosos", em grande maioria, da ala radical. Alguns são ateus, e outros não são nem mesmo estudiosos (um deles é produtor de cinema). Robert Funk, ateu e fundador do grupo, reconheceu a natureza radical de sua obra quando afirmou: "Estamos pondo à prova aquilo que é mais sagrado para milhões e, por consequência, estaremos constantemente à beira da blasfêmia. 2. A motivação errada. Como o próprio grupo admite, seu objetivo é criar um Jesus "fictício” o que envolve a desconstrução da antiga imagem de Jesus nos evangelhos e a reconstrução de uma que atenda ao homem moderno. Em vista disso, ninguém deveria olhar para sua obra em busca do Jesus real. Eles estão fazendo um Jesus à sua própria imagem. Além disso, sua obra está manchada pela declarada busca de publicidade. Eles admitiram: "Vamos tentar realizar nossa obra à vista de todos. Não apenas vamos honrar a liberdade de informação, mas também insistiremos na revelação pública de nossa obra”. Sendo mais claro, o Seminário de Jesus procurou publicidade desde o início. 3. Os livros errados. A alternativa do Seminário de Jesus baseia-se, em parte, em um hipotético "Evangelho de Q" [do alemão Quelle, que significa fonte] e em um Evangelho de Tomé, do século II, escrito por gnósticos. Além de tudo isso, o Seminário apela para um não existente Marcos secreto. O resultado é que o Evangelho de Tomé, apócrifo e do século II, é considerado mais autêntico do que Marcos e João, mais antigos. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 41 4. As pressuposições erradas. Suas conclusões estão baseadas em pressuposições radicais, uma das quais é a sua injustificada rejeição aos milagres. Se Deus existe, então os milagres são possíveis. Consequentemente, qualquer rejeição aos milagres é uma rejeição à existência de Deus. À luz de seu ateísmo implícito, não seria de surpreender que eles rejeitem o Jesus dos evangelhos. Além disso, suas conclusões estão baseadas na pressuposição infundada de que o cristianismo foi influenciado por religiões de mistério. Isso não seria possível, pois, os autores monoteístas judaicos das Escrituras não teriam usado fontes pagãs politeístas e não poderiam depender de fontes posteriores ao seu tempo. 5. As datas erradas. Eles presumem datas posteriores injustificadas para os quatro evangelhos (provavelmente entre os anos 70 e 100 d.C.). Ao fazerem isso, acreditam que são capazes de criar tempo suficiente para concluir que o Novo Testamento é composto por mitos sobre Jesus. No entanto, isto é contrário aos fatos. O Novo Testamento é antigo e contém fonte de material ainda mais antiga. 6. As conclusões erradas. Destruída a base para o Jesus real dos evangelhos, o Seminário de Jesus não tem um acordo real sobre quem Jesus realmente foi: um cínico, um sábio, um reformador judeu, um feminista, um mestre-profeta, um profeta social radical ou um profeta escatológico. Não há surpresa em considerar-se que alguma coisa feita pelo grupo errado, que faz uso do procedimento errado, baseada nos livros errados, fundamentada em pressuposições erradas e que emprega as datas erradas chegue à conclusão errada! A "busca do Jesus histórico" empreendida pela erudição liberal continuará. Não precisamos ser profetas para predizer que não o acharão. Ele já está diante dos seus olhos, nas páginas dos Evangelhos, mas os seus pressupostos liberais impedem-nos de vê-lo. 9. A ESSÊNCIA DA FÉ CRISTÃ 9.1 O SIGNIFICADO DA RESSURREIÇÃO Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 42 O cristianismo é a fé de que Jesus Cristo nasceu de uma virgem, morreu para expiar nossos pecados e ressuscitou dentre os mortos. Tal fé repousa nesses milagres que envolvem a vida de Jesus: “O Novo Testamento encara Cristo à luz da ressurreição, e se nós articulamos a nossa teologia a partir da perspectiva da fé, não podemos senão fazer o mesmo. Considerar a ressurreição como uma questão aberta é em si um juízo contra a fé” (FERREIRA, 2007). Assim, a ressurreição é parte central da proclamação da igreja desde o período apostólico. A esperança da futura ressurreição dos cristãos depende da ressurreição de Cristo, pois, por meio dela, Jesus venceu a morte, para que pudéssemos participar da vitória que, com sua própria morte, ele assegurou para todos nós (1Co 15.17, 54-55; Rm 4.25; 1Pe 1.3, 21). Por sua ressurreição, podemos ter a certeza de que seremos ressuscitados em sua vinda. A sua ressurreição sinaliza o início da sua exaltação: “O que se tornou maldito por nossa causa é o que foi abençoado pelo Pai. O que foi pregado na cruz é o Filho, em quem o Pai se compraz. O rejeitado da terra é o coroado do céu. [...] Ele é o justo que foi pregado na cruz e entregue à morte. A ressurreição é a inversão divina da sentença que o mundo impôs a Jesus (BAVINCK, 2001). A ressurreição de Cristo consistiu em que, nele, a natureza humana foi restaurada “à sua original força e perfeição e até mesmo elevada a um nível superior.” Em 1Coríntios 15.42-44, Paulo declara “que, no futuro, o corpo do crente será incorruptível, isto é, já não haverá possibilidade de ele sofrer decadência; será glorioso, o que significa que resplandecerá de fulgor celestial; será poderoso, isto é, cheio de energia e, talvez, de novas faculdades; e será espiritual, o que não significa ser imaterial, mas adaptado ao seu respectivo espírito; o corpo do crente será um perfeito instrumento do espírito” (BERKHOF,2002). Nos evangelhos, aprendemos que o corpo de Jesus passou por uma notável mudança, de forma que ele não podiaser reconhecido com facilidade; podia aparecer e desaparecer de repente (Lc 24.31, 36; Jo 20.13, 19; 21.7). Ainda assim, o corpo de Cristo era físico e real (Lc 24.39). Ele foi revestido de novas características, perfeitamente ajustadas ao seu futuro ambiente celestial. E, pela ressurreição, ele se tornou o espírito vivificante (1Co 15.15). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 43 Devemos destacar que, diferente de outras pessoas, as quais, segundo as Escrituras, foram ressuscitadas dos mortos, Cristo ressurgiu por seu poder (Jo 11.25; 10.18; 2.19-21). A ressurreição, porém, não foi realizada com a participação única de Cristo Jesus. Nas Escrituras, sua ressurreição é atribuída, frequentemente, ao poder de Deus (At 2.24, 32; 3.26; 5.30; Rm 6.4; 1Co 6.14; Gl 1.1; Ef 1.20; 1Pe 1.3). E, se a ressurreição pode ser chamada obra de Deus, segue-se que o Espírito Santo também agiu nessa ressurreição (Rm 1.4; 8.11). “A Trindade é responsável pela ressurreição de Jesus Cristo; o Pai, o Filho e o Espírito Santo manifestam seu poder na ressurreição de Cristo; por isso, o Novo Testamento com mais frequência atribui a ressurreição ao poder divino, sem mencionar a pessoa de Deus” (FERREIRA, 2007). Segundo Berkhof, podemos destacar três significados da ressurreição de Cristo: • Ela se constituiu numa declaração do Pai de que o último inimigo [a morte] tinha sido vencido. • A ressurreição foi um símbolo do que estava destinado aos membros do corpo de Cristo. • A ressurreição relacionou-se com a justificação, a regeneração e a ressurreição final dos crentes. A ressurreição foi o passo fundamental em sua exaltação — ele foi libertado da maldição que recaiu sobre ele por ter arcado voluntariamente com o pecado de toda a raça humana (ERICKSON, 1997). 9.2 A IMPORTÂNCIA DA RESSURREIÇÃO “A ressurreição de Cristo é o amém a todas as suas promessas.” John Boys A morte, o mais terrível inimigo do homem, não tem poder para reinar sobre o Senhor da vida. Essa verdade tem significado para você e para mim, aqui e agora, em pleno século XXI. Se você é um cristão, pode se alegrar no fato de que Cristo se levantou dos mortos como um conquistador, um campeão que vive para sempre, para reinar “com seus santos”. Isso se refere à promessa baseada em nosso batismo na morte e ressurreição em Cristo – é a nossa esperança e a razão e base de tudo o que cremos. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 44 Mas, e se não houve a ressurreição? E, se a ressurreição de Jesus Cristo é apenas um mito do primeiro século a ser ignorado ou marginalizado como uma questão secundária? As implicações dessa abordagem são devastadoras para o cristianismo. Vejamos o que Paulo escreveu em 1Co 15.16-19: “Pois, se os mortos não ressuscitam, nem mesmo Cristo ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda estão em seus pecados. Neste caso, também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, dentre todos os homens somos os mais dignos de compaixão.” Sem dúvida, se Jesus ainda está no túmulo, se Ele é perpetuamente o sofredor e nunca, o conquistador, então estamos desesperadamente perdidos. E, embora esse não seja o caso, vamos focalizar no hipotético “e, se” que Paulo presume temporariamente, em 1Co 15. “E, se a ressurreição fosse um mito? E, se Jesus Cristo ainda estivesse morto e no túmulo?” 1. Se Jesus não ressuscitou dos mortos, então, o pecado ganhou a vitória sobre Ele e continua a ser vitorioso sobre nós também. Se Jesus permaneceu no túmulo, então, quando você morrer haverá de permanecer morto. Além do mais, visto que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23), se você tivesse de permanecer morto, a morte e a punição eterna seriam o seu futuro. Uma das razões de confiarmos em Cristo é para perdão de pecados. Porque é do pecado que precisamos ser salvos. “Cristo morreu pelos nossos pecados” e “foi sepultado, e… ressuscitou ao terceiro dia” (1Co 15.3-4). Se Cristo não ressuscitou, sua morte foi em vão, sua fé nEle seria sem sentido, e seus pecados ainda seriam contados contra você e não haveria nenhuma esperança de vida espiritual. 2. E se não há ressurreição, então, “também os que dormiram em Cristo estão perdidos” (v. 18). Isso significa que todo santo do Antigo Testamento, todo santo do Novo Testamento, e todo santo desde que Paulo escreveu estaria sofrendo em tormento neste exato momento. Todo e qualquer crente, em todas as eras, também estaria no inferno. Sua fé teria sido em vão, seus pecados não teriam sido perdoados, e seu destino seria a condenação. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 45 3. À luz das outras consequências, a última é bem óbvia: “Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, dentre todos os homens somos os mais dignos de compaixão” (v.19). Sem a ressurreição de Cristo, a salvação e as bênçãos que ela traz, o cristianismo seria sem sentido e lamentável. Sem a ressurreição não teríamos o Salvador, o perdão e o evangelho, jamais teríamos a fé significativa, nem a vida, e nunca poderíamos ter esperança por alguma dessas coisas. Se o cristão não tem um Salvador, senão Cristo; um Redentor, senão Cristo; e um Senhor, senão Cristo; e, se Cristo não é ressurreto, Ele não está vivo; nesse caso, a nossa vida cristã é sem vida. Nós nada teríamos para justificar nossa fé, nosso estudo bíblico, nossa pregação ou testemunho, nossa adoração e serviço de culto a Ele, e nada para justificar nossa esperança nesta vida ou na próxima. Mas, Deus sim ressuscitou “dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por causa das nossas transgressões, e ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4.24-25). Porque Cristo vive, nós também viveremos (Jo 14.19). “O Deus dos nossos antepassados ressuscitou Jesus, a quem os senhores mataram, suspendendo- o num madeiro. Deus o exaltou, colocando-o à sua direita como Príncipe e Salvador, para dar a Israel arrependimento e perdão de pecados” (At 5.30-31). Paulo encerra a terrível seção “e, se”, dizendo: “Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo as primícias dentre aqueles que dormiram” (1Co 15.20). Como Paulo disse, no final de sua vida, “porque sei em quem tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2Tm 1.12). Então, não esqueça a ressurreição; alegre-se nela e glorie-se nela, pois Ele ressuscitou de fato. 9.3 A ASCENSÃO DE CRISTO 9.3.1 A CONSUMAÇÃO DA RESSURREIÇÃO Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 46 A ascensão não aparece nas páginas da Escritura de maneira tão patente como se dá com a ressurreição. Isso porque, provavelmente, a ressurreição foi o verdadeiro ponto decisivo da vida de Jesus, e não a ascensão. Em certo sentido pode-se dizer que a ascensão foi o complemento e a consumação da ressurreição. A transição de Cristo para a vida na glória começou na ressurreição e foi aperfeiçoada na ascensão. Não significa que a ascensão é destituída de significado independente. Mas, embora as provas bíblicas da ascensão não sejam tão abundantes como as da ressurreição, são mais que suficientes. Lucas, declara que a ascensão de Jesus (At 1.9-11; Lc 24.50-53) ocorreu quarenta dias após a ressurreição e que os apóstolos a testemunharam. Marcos se refere a ela em 16.19. Jesus falou muitas vezes dela, antes da Sua morte (Jo 6.62; 14.2, 12; 16.5, 10, 17, 28; 17.5; 20.17). Paulo se refere repetidamente a ela (Ef 1.20; 4.8-10; 1 Tm 3.16) e a epístola aos Hebreus chama a atenção para os eu significado (1.3; 4.14; 9.24). Pode-se descrever a ascensão como a subida visível da pessoa do mediador da terra ao céu, segundo Sua natureza humana.Foi uma transição local, de um lugar para outro. Naturalmente, isto implica que o céu, como a terra, é um lugar. Mas a ascensão de Jesus não foi apenas uma transição de um lugar para outro; incluiu também mais uma mudança da natureza humana de Cristo. Essa natureza passou então para a plenitude da glória celeste e foi perfeitamente adaptada à vida do céu. Alguns estudiosos de tempos recentes consideram que o céu é uma condição, e não um lugar, e daí não concebem a ascensão em termos locais. Eles admitem que houve um elevar-se momentâneo de Cristo aos olhos dos doze, mas consideram isto somente como um símbolo da elevação da nossa humanidade a uma ordem espiritual muito superior à nossa vida presente. A concepção local, porém, é favorecida pelas seguintes considerações: • O céu é descrito na Escritura como um lugar de habitação de seres criados. Todos estes seres se relacionam de algum modo com o espaço; somente Deus está acima de todas as relações espaciais. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 47 • O céu e a terra são repetidamente colocados em justaposição na Escritura. Deste fato se pode concluir que, se um deles é um lugar, o outro terá que ser um lugar também. • A Bíblia nos ensina a pensar no céu como um lugar. Várias passagens dirigem o nosso pensamento para cima, ao céu, e para baixo, ao inferno (Dt 30.12; Js 2.11; Sl 139.8; Rm 10.6,7). Isto não teria sentido, se ambos não devessem ser considerados como locais, em algum sentido da palavra. • O ingresso do Salvador no céu é retratado como uma subida. Os discípulos veem Jesus ascendendo até que uma nuvem o intercepta e O oculta da vista deles. O mesmo evento está presente na mente do escritor de Hebreus: “Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos” (4.14). Qual a importância de Cristo ter não só ressuscitado dos mortos, mas também ascendido ao céu? 1. O peso da vitória de Cristo Uma coisa é dizer que Cristo está vivo; outra, que ele é também vitorioso. O peso dessa vitória é demonstrado em sua ascensão. A declaração-chave nesse sentido encontra-se em Efésios: “Quando ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros” (4.8). O quadro aqui é o de inimigos capturados e parece estar relacionado com as palavras em Colossenses 2.15: “Tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. Os céus através do qual Cristo ascendeu são também retratados como a esfera de Satanás — “o príncipe do poder do ar” (Ef 2.2) — e de várias outras forças malignas — “as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef 6.12). Mas Cristo ascendeu acima deles, levando-os cativos. Assim, 0 movimento de Cristo em direção ao céu com os cativos sob si encena o peso de sua vitória. Cristo obteve vitória completa sobre o pecado e a morte e sobre todas as forças malignas — Satanás e seus anjos. Jesus Cristo ascendeu alto! Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 48 2. Nossa elevação em Cristo A ascensão de Cristo refere-se não só à magnitude da vitória de Cristo, mas também ao fato de que somos elevados nele. Natureza humana elevada. Uma vez que Cristo não renunciou à sua natureza humana ao voltar para o céu, mas ascendeu num corpo glorificado, isso significa, antes de tudo, o fato extraordinário de que a natureza humana já foi elevada à glória do céu. A natureza humana nunca foi mais gloriosa; pois, num sentido muito além de tudo o que possa ter havido antes, Deus está agora unido à nossa humanidade, não sobre a terra, mas no céu. O corpo de Cristo é glorioso e Nele a natureza humana atingiu seu ápice. A máxima glorificação do homem é a glorificação do corpo de Jesus Cristo. Crentes elevados. Isso leva a outra verdade extraordinária, a saber, que aqueles que estão em Cristo já foram espiritualmente elevados ao céu, pois, diz Paulo: “Vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3.3). Isso só se refere à nossa vida em Cristo. Sem ele, permanecemos totalmente parte da terra; com ele, somos elevados ao céu. Toda a nossa vida deve assumir um feitio diferente. Isso não significa que esta vida terrena não seja importante ou deva ser desprezada — aliás, ela possui muito valor —, mas nunca devemos permitir que ela nos domine. Aliás, da perspectiva de nossa cidadania celestial, podemos olhar para as coisas da terra, vê-las dentro de seu valor limitado e certamente não ser dominados por elas. Essa vida até pode ser chamada “a vida ascendida”. É uma vida vitoriosa de afirmar nossa condição celestial e viver constantemente de acordo com essa realidade. Pensamentos e sentimentos elevados. Uma vez que também somos criaturas da terra, o desafio de nossa condição celestial é que devemos estar elevando constantemente os pensamentos e sentimentos para as coisas de cima. Paulo declara: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. [pois vocês morreram...]” (Cl 3.2). É de fato irreal fixar a mente em coisas inferiores quando se está morto. A realidade terrena ainda permanece como tentação contínua de se desviar desse foco celestial. A solução clara para a pessoa em Cristo que conhece sua condição celestial é voltar-se Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 49 deliberadamente das coisas da terra para fixar a mente, o coração, os sentimentos nas coisas de cima. Assim elevando a vida em direção ao céu e fixando-a de maneira suprema em Cristo, em quem se esconde nossa vida, as coisas da terra que de outro modo parecem tão sedutoras e tentadoras só podem desaparecer. 9.3.2 EXALTADO Devemos ter em mente que, hoje, Jesus está vivo e atuante. Após a sua ascensão, Cristo está nos céus, à direita de Deus — e este é o terceiro passo da sua exaltação. Aquele que se humilhou às profundezas foi agora exaltado às alturas. Cristo que ascendeu ao céu está agora assentado na glória. O termo teológico que iremos utilizar para designar esse estágio da exaltação de Cristo, será “sessão”. Ela é empregada aqui no sentido de “ato de assentar” ou “ato de estar assentado.” Assim, a sessão de Cristo é importantíssima em nossa consideração, pois diz respeito à localização e esfera presentes do Senhor exaltado. Embora isso seja oculto de nossos olhos, pela direção da Escritura e pelo discernimento de fé, podemos encontrar muito significado para o entendimento de nosso mundo e nossa época. A sessão de Cristo é com frequência mencionada em conjunção imediata com sua morte e ressurreição. No dia de Pentecoste, depois de falar da morte e sepultamento de Jesus, Pedro proclamou: “Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus [...]” (At 2.32,33). Paulo declara: “Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus [...]” (Rm 8.34). Em outra parte, Paulo diz que Deus exerceu seu poder, “ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais” (Ef 1.20). O livro de Hebreus, com sua ênfase no sacrifício de Cristo como Sumo Sacerdote, passa diretamente desse ato para a sessão: “Depois de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas” (Hb 1.3); “Quando este sacerdote acabou de oferecer, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou- se à direita de Deus” (10.12). Isso só significa que tudo desde a morte de Cristo na cruz, em auto-humilhação, aponta adiante, para a altura de sua exaltação: a sessão de nosso Senhor Jesus Cristo. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 50 A realidade da sessão de Cristo é basicamente um dado derevelação bíblica. Nós a aceitamos acima de tudo com base no testemunho da Escritura. Além disso, diferentemente da ressurreição e da ascensão, não houve testemunhas oculares a quem possamos recorrer, pois mesmo os que viram Jesus em sua ressurreição e ascensão não o viram mais (At 1.9). É bem significativo que dois outros relatos bíblicos retratem uma visão do Espírito Santo, não do começo da sessão de Jesus, mas de sua continuação. O primeiro encontra-se no clímax extraordinário do testemunho de Estêvão logo antes de seu martírio: “Estevão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: ‘Vejo os céus abertos e 0 Filho do homem em pé, à direita de Deus” (At 7.55,56). Em segundo lugar, há o relato de João que entrou no céu “no Espírito” (Ap 4.1,2) e viu o trono de Deus rodeado por quatro criaturas e os tronos dos anciãos (Ap 4.4-11). Depois disso, João viu “um Cordeiro, que parecia ter estado morto, em pé, no centro do trono, cercado pelos quatro seres viventes e pelos anciãos” (Ap 5.6). Embora nem um nem outro sejam relatos de uma testemunha ocular física (ou natural) — Estêvão estava “cheio do Espírito Santo”, e João, “no Espírito” —, eles de fato prestam um testemunho vivo da sessão contínua de Cristo à direita de Deus. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 51 PNEUMATOLOGIA - A DOUTRINA DO ESPÍRITO SANTO. Desde o Dia de Pentecoste, o Espírito Santo tem exercido na terra uma atividade fora do comum, especialmente nos últimos dois séculos. Esta gloriosa verdade é para nós muito significante, porque além de testemunhar da nossa própria experiência, corresponde à nossa concepção à luz das profecias, de que a manifestação abundante do Espírito Santo é um dos sinais distintos da iminente volta de Jesus. A obra crescente do Espírito Santo em nossos dias destaca a importância do estudo a respeito da Terceira Pessoa da Trindade. É uma necessidade imperiosa conhecermos não apenas a doutrina, mas o que o Espírito Santo pode e quer fazer em nós e por nós. É também pelo poder do Espírito Santo que a igreja de Cristo pode triunfar dos poderes satânicos. Por isso convém-nos conhece-lo na sua plenitude. 1. DEUS ESPÍRITO SANTO O Espírito Santo é um em essência com o Pai e com o Filho, é pessoa divina. 1) É o Espírito da verdade. 2) Atuou na criação do mundo e inspirou os homens a escreverem as Sagradas Escrituras. 3) Ele ilumina os homens e os capacita a compreenderem a verdade divina. 4) No dia de Pentecostes, em cumprimento final da profecia e das promessas quanto à descida do Espírito Santo, ele se manifestou de maneira singular, quanto os primeiros discípulos foram batizados no Espírito, passando a fazer parte do Corpo de Cristo que é a Igreja. Suas outras manifestações, constantes no livro Atos dos Apóstolos, confirmam a evidência de universalidade do dom do Espírito Santo a todos os que crêem em Cristo. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 52 5) O recebimento do Espírito Santo, sempre ocorre quando os pecadores se convertem a Jesus Cristo, que os integra, regenerados pelo Espírito, à igreja. 6) Ele dá testemunho de Jesus Cristo e o glorifica. 7) Convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo. 8) Opera a regeneração do pecador perdido. 9) Sela o crente para o dia da redenção final. 10) Habita no crente. 11) Guia-o em toda a verdade. 12) Capacita-o para obedecer à vontade de Deus. 13) Distribui dons aos filhos de Deus para a edificação do Corpo de Cristo e para o ministério da Igreja no mundo. 14) Sua plenitude e seu fruto na vida do crente constituem condições para uma vida cristã vitoriosa e testemunhante. 2. A DIVINDADE DO ESPÍRITO SANTO Se, porventura, a personalidade e a divindade do Espírito Santo parecem vagas para um crente, isso não é devido a qualquer falha do Texto Sagrado, para representar a Terceira Pessoa como tal. No que diz respeito à Escritura, o Espírito Santo é apresentado em conexão com todas as ações e características que pertencem às pessoas divinas. Numa análise PRÉ – PENTECOSTAL – reconhecemos que o Espírito Santo preexistia como a terceira pessoa da divindade, e nessa qualidade esteve sempre Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 53 ativo, mas o período que antecedeu ao dia de Pentecoste não foi a época de sua atividade especial. O período do Antigo Testamento foi de preparação e espera. Encontramos uma notável diferença existente em Suas ministrações no Antigo e no Novo testamentos. Ele é referido por 88 vezes no Antigo Testamento, e mais de metade desse número de vezes somente no livro de Atos, enquanto que em todo o N.T. ele é mencionado mais de 03 vezes para cada referência que lhe é feita no Antigo. Durante esse período pré-Pentecostal, o Espírito descia sobre os homens apenas temporariamente, afim de inspirá-los para algum serviço especial, e deixava- os quando essa tarefa ficava terminada. No período PÓS – PENTECOSTAL – que se estende do dia de Pentecoste até os nossos dias, pode ser chamado legitimamente de dispensação do Espírito. Após o dia de Pentecoste, por meio do Espírito Santo, Deus veio para habitar nos homens. Ele vem para permanecer. O dia de Pentecoste marcou o raiar de um novo dia nas relações entre o Espírito Santo e a humanidade. Ele veio para habitar na Igreja. A Igreja, o verdadeiro corpo de Cristo, habitado pelo Espírito Santo de Deus, é tão indestrutível como o Trono de Deus. O Espírito Santo é uma Pessoa Divina e nunca deve ser visto como um espírito criado (o que negaria a sua divindade) ou, como a mera presença ou poder de Deus (o que negaria a sua personalidade). Ele é chamado Espírito Santo porque a Sua natureza é eterna e essencialmente santa, e Ele é o autor de toda a santidade no homem. O Espírito Santo é Deus e é também uma Pessoa. Ele não é uma energia impessoal, uma mente fria, sem personalidade, sem coração. Ele é uma pessoa porque é capaz de sentir conosco as agonias da nossa existência e porque Ele tem uma mente que pensa, e pensa de maneira livre! Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 54 Há, inúmeros títulos atribuídos ao Espírito Santo na Bíblia e cada um deles nos revela um aspecto da Sua pessoa ou obra. Há títulos que revelam o Seu relacionamento com o Pai (Espírito de Deus - Mateus 3.16), Seu relacionamento com o Filho (Espírito de Cristo - Romanos 8.9), Seus atributos (Hebreus 9.14; Romanos 1.4) e Sua obra (João 14.17; Romanos 8.2,15; Hebreus 10.29). 3. ETIMOLOGIA Pneumatologia. Do grego (pneumatos = Espírito) + (Lógos = revelação;palavra; discurso; doutrina; raciocínio). O termo significa, então, “doutrina do Espírito (Santo)”. 3.1 - Importância da Pneumatologia. O estudo do Espírito Santo de Deus é importante devido a Quem Ele é (sua pessoa), o que Ele fez e ainda fará (sua obra): a) Sua Pessoa - O Espírito Santo é Deus e aquilo que se conhece verdadeiramente de Deus é o alicerce da fé cristã. b) Sua Obra - Enquanto o mundo parece somente associar o Espírito Santo ao fanatismo religioso, Ele se mantém ativo em todas as áreas da vida. Ele é o Criador, também trabalha na providência, na natureza, na política, nos talentos humanos, na salvação e no crescimento espiritual. Ele inspirou a Bíblia e agora ilumina nossas mentes para que possamos entendê-la. Sua vinda ao mundo era tão necessária para a nossa salvação quanto a vinda de Cristo. Sem o Espírito nossa crença é vazia e não temos prova de nossa salvação (Romanos 8.9). O Espírito Santo nos dá vida física, espiritual e ressurreta (Jó 33.4; João 3.5; Romanos 8.11) O Espírito Santo é o autor de tudo que é bom e agradávelem nossa existência (Gálatas 5.19-22). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 55 Quando atentamos para a pneumatologia devemos submeter-nos às Escrituras como a nossa única regra de fé e prática. Especialmente no estudo da obra do Espírito Santo onde muitos têm feito de sua própria experiência a autoridade final. Outros afirmam, em nome do Espírito Santo de Deus, terem recebido revelações extra-Bíblicas e passam a ensinar heresias destruidoras. Em oposição a esse tipo de atitude o apóstolo Paulo foi enfático: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema.”. (Gálatas 1.8) 4. DIFICULDADES NA COMPREENSÃO DO ESPÍRITO SANTO Embora o estudo do Espírito Santo seja especialmente importante, nossa compreensão é em geral mais incompleta e confusa nesse ponto que na maioria das outras doutrinas. Um dos motivos para isso é que temos na Bíblia menos revelações explicitas acerca do Espírito Santo do que encontramos acerca do Pai e do Filho. Em parte, talvez isso se deva ao fato de que uma grande fatia do ministério do Espírito Santo consiste em proclamar e glorificar o Filho (João 16.14). Em contraste com outras doutrinas, não há discussões sistemáticas acerca do Espírito Santo. Na prática, a única discussão ampla é o discurso de Jesus em João 14-16. Na maior parte das ocasiões em que o Espírito Santo é mencionado, ele está relacionado a outro assunto. Outro problema é a falta de um quadro concreto de figuras. Deus Pai é compreendido de forma bem razoável, por causa da figura do pai que é familiar a todos. O Filho não é de difícil conceituação porque realmente apareceu em forma humana, foi observado e teve sua historia registrada. Mas o Espírito é intangível e difícil de visualizar. Para complicar, há uma terminologia infeliz da King James (tradução da Bíblia para o inglês) que se refere ao Espírito Santo como o “Holy Ghost” (Fantasma Santo). Muitas pessoas que cresceram usando essas versões da Bíblia entendem o Espírito Santo como alguma coisa por baixo de um lençol branco. Na segunda metade do século XX, surgiram controvérsias consideráveis acerca da atividade do Espírito Santo. Por conseguinte, existe alguma relutância em Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 56 discutir sobre o Espirito Santo, por medo de que tal discussão possa criar dissensões. Uma vez que os pentecostais dão tanta importância ao Espírito Santo, certos não-pentecostais, receosos de serem identificados com os pentecostais, evitam totalmente tocar no assunto. Aliás, enquanto em certos círculos “cristão carismático” é um rótulo de prestígio, em outros é um estigma. 5. O ESPÍRITO SANTO COMO UM SELO Um selo é usado para afirmar propriedade. A presença do Espírito em um indivíduo é à prova de que o mesmo pertence a Deus. O selo também confirma algo como sendo genuíno ou autêntico. Nós encontramos um exemplo disso no ministério terrestre de nosso Senhor (João 6.27, Isaías 42.1-4). O crente genuíno é reconhecido pelo fato de ser habitado pelo Espírito. (1João 3.24). O principal conceito do selo é a segurança. Veja isso nos seguintes textos: 2Timóteo 2.19, Mateus 27.66, Apocalipse 20.3. Compare Apocalipse 7.4; 14.1. Os filhos de Deus estarão selados até o dia da redenção (Efésios 4.30). Paulo poderia apresentar algo além da preservação dos crentes até o retorno do seu Senhor, e em qual momento eles receberiam a glorificação? Note que este selo está tão seguro que em vez de ameaçar os Efésios falando da perda da segurança, Paulo incita-os à santidade devido a própria segurança. 5.1. O selo Em Efésios 1.13, entendemos que o próprio Espírito Santo é o selo. Esse é um fato importante porque alguns tentam ensinar que nós estamos selados pelo trabalho do Espírito, ao invés da presença da sua pessoa. 5.2. A natureza do selo Aqueles que ensinam que o crente está selado por um trabalho especial do Espírito fazem com que Ele seja um selo experimental (capaz de ser experimentado). Eles Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 57 confundem o "selar com o Espírito Santo" com o Seu trabalho na santificação e na segurança do crente. A Bíblia por outro lado nunca descreve o selo como uma experiência. O Espírito pode produzir experiências Cristãs, mas a sua presença é o selo. O ser selado com o Espírito não deve visto como uma experiência pessoal. 5.3. O objetivo do selo Se nós confundirmos o selo com a segurança então devemos acreditar que os crentes fracos ainda não foram selados. A Bíblia assume o selo de todo o crente (2Coríntios 1.22, Efésios 1.13 e 4.30). Isso é confirmado pelo fato de que ninguém é instruído a buscar o selo. Isso ainda é visto como um fato para todos os crentes regozijarem. 5.4. O propósito do selo São selados os cristãos para que sejam seguros. O selar é a base, não o conhecimento da segurança. O Espírito Santo é um selo maravilhoso por Seu poder (1João 4.4), e por Seu trabalho na salvação assegurando-nos que nunca nos deixará (Filipenses 1.6; João 7.38-39; 4.14; 14.16). 5.5. O tempo de ser selado Os crentes são selados quando eles recebem o Espírito. Isto acontece quando eles confiam em Cristo (Gálatas 3.14, João 7.38- 39; Efésios 1.14). 6. O ESPÍRITO SANTO COMO UM PENHOR Provando a nossa segurança o Espírito Santo não é visto somente como um selo mas também como o penhor (garantia) da nossa herança (Efésios 1.13-14, 2Coríntios 1.22 e 5.5). Um penhor é um pagamento que nos dá fundamento e confiança nas intenções do fornecedor. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 58 Um penhor é parte do todo. Nosso Salvador morreu para conquistar para nós todas as bênçãos espirituais (Efésios 1.3). Pela fé nós recebemos o Espírito Santo como um presente cortês que vem a nós pelo trabalho de Cristo (Atos 2.32-33; João 7.39). Um penhor é uma promessa da existência de um futuro. O penhor é uma promessa de que será efetuado o restante da compra ou será pago o seu preço ou o preço. Nosso Salvador comprou uma herança maravilhosa para nós (1Pedro 1.3- 4). Isto inclui um corpo glorificado e uma casa no céu. Nós podemos estar assegurados de que por nós temos o Espírito o restante da nossa herança está segura até que venha a nós (Efésios 1.13-14, Romanos 8.23). Uma vez determinado o penhor o doador não pode voltar atrás. Chamando o Espírito de “penhor” Deus oferece-nos a garantia da Sua intenção, que é glorificar o Seu povo. 7. O RELACIONAMENTO COM O ESPÍRITO SANTO Nenhuma experiência pessoal de profundidade com o Espírito Santo pode ser dogmatizada. Nenhum conhecimento ou experiência com o Espírito de Deus dever bloquear o exercício do amor, provocando distanciamento entre cristãos e cristãos. Ninguém é mais do que alguém neste assunto, já que somente o Espírito Santo é pessoa capaz de interpretar-se a si mesmo. Nenhum ensino sobre o Espírito Santo que contrarie a Bíblia tem qualquer validade. Nenhuma realidade na vida humana do salvo, tais como intelectualidade, curso de seminário teológico, lideranças eclesiásticas, experiência ministerial, anos de conversão - nada disso contribui autoridade infalível sobre o assunto Espírito Santo (1Coríntios 1.17,19; 2.4-5). Ninguém dá a última palavra sobre o Espírito Santo, a não ser Ele próprio (1Coríntios 2.10-12). Aquele que julga os irmãos em Cristo e deles se afasta por divergências da opinião a respeito do Espírito Santo, revela sua própria ignorância e limitação espiritual (João 1.6-7; 2.9-11; Romanos 13.8; 14.3,10,13; Efésios 4.2-6). Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 59 Só se pode aprofundar no relacionamento com o Espírito Santo: a) Quemjá teve genuína experiência de conversão; b) Deseja continuamente algo mais de Deus em sua vida (interesse perseverante); c) Conhece experimentalmente a morte diária na cruz (esvaziamento total); d) Busca tomar posse do poder da ressurreição (autoridade na vida interior), e) Tem por único objetivo a glória de Deus (revelação interior); f) Não conhece em sua vivência diária outro Senhor a não ser o Senhor Jesus (libertação interior); g) Penetra praticamente na consciência da vida corporativa de Cristo Jesus (realidade de participação). O relacionamento profundo com o Espírito Santo não é obra exterior - para ser reconhecido no corpo físico - com sensações, não é para destaque pessoal - ser visto por todos como uma pessoa espiritual, não é para vitórias humanas: posição, elogios, prosperidade e não é para conhecimento teórico Sensações, agitações, trabalho na Igreja nem sempre significam experiências profundas com Deus (1Coríntios 4.20; 2Coríntios 4.18). Experiências profundas com o Espírito de Deus nem sempre produzem contentamento pessoal e apoio geral. O contrário, muitas vezes, é realidade (Romanos 8.23; 2Coríntios 4.6-10,17; 5.2-5; 2Timóteo 3.12). Relacionamento profundo com o Espírito Santo nunca visa: destaque, elogios, prosperidade - mas despojamento, pois, relacionamento profundo com o Espírito Santo sem afastamento do pecado é ilusão (Romanos 6.2,6,11-12; Gálatas 5.16). Portanto, relacionamento profundo com o Espírito Santo é experimentar vitória interior sobre o pecado e sobre o ego, gozar tranquila e segura intimidade com Deus no Espírito sem objetivos externos, cooperar com o Espírito Santo em submissão total e voluntária e encontrar-se em Deus totalmente. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 60 8. OPERAÇÕES HISTÓRICAS DO ESPÍRITO SANTO ENTRE OS HOMENS 1. A operação do Espírito Santo, nos tempos do Antigo Testamento, era equivalente ao que sucede no período do Novo Testamento, pelo menos em termos gerais, excetuando o fato de que ele então não habitava permanentemente no crente, conforme sucede aos crentes do Novo Testamento. No Antigo Testamento apenas homens profundamente espirituais como reis (ou juízes), profetas e sacerdotes demonstravam possuir o dom do Espírito Santo por tempos mais dilatados que o comum. 2. Durante a vida terrena do Senhor Jesus, a operação do Espírito Santo era uma marca registrada de seu ministério para com os homens: “Então voltou Jesus para a Galiléia no poder do Espírito; e a sua fama correu por toda a circunvizinhança. ” (Lucas 4.14; cf. Atos 10.38). 3. Quando do encerramento de seu ministério terreno, Jesus prometeu que Ele mesmo rogaria ao Pai, a fim de que o dom do Espírito Santo fosse também concedido aos seus seguidores (João 14.16-17). 4. No dia de Pentecoste, o Espírito Santo desceu sobre todos os que estavam reunidos no cenáculo, em um total de cerca de 120 pessoas (Atos 1.15). Não há de se duvidar que essa dádiva do Espírito Santo envolveu mais que os apóstolos, segundo fica subentendido no trecho de Atos 2.14-17 e Joel 2.28-32. 5. O restante da história diz respeito a como esse dom se expandiu a ponto de abarcar todos os povos; tanto aos judeus (evidentemente através da imposição de mãos, como método principal – ver Atos 8.17 e 9.17) como aos gentios (sem imposição de mãos, mas assim que exerceram fé – ver Atos 10.44 e 11.15-18). 9. A NATUREZA DO ESPÍRITO SANTO Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 61 O Espírito Santo não é uma força impessoal. A Bíblia deixa claro de várias maneiras que o Espírito Santo é uma pessoa distinta do Pai e do Filho e não uma mera influência ou operação divina, e, portanto, dotado de intelecto, emoção, autoconsciência e autodeterminação. O Espírito Santo é um ser vivo, dotado de personalidade própria, não sendo meramente uma influência ou emanação de Deus. Antes, é uma pessoa, claramente divina, que faz parte da trindade da divindade (Ver João 14.16-17,26; 16.7-15 e Mateus 28.19). O pronomes pessoais aplicados ao Espírito Santo são masculinos (João 15.26; 16.7,8,13,14), muito embora o vocábulo grego (pneuma) seja substantivo neutro. O termo masculino (parákletos) é aplicado ao Espírito Santo (João 14.16-17) como sendo outro Consolador igual a Cristo. O Espírito Santo possui características pessoais como inteligência (1Coríntios 2.10- 11; Romanos 8.27), vontade (1Coríntios 12.11), amor (Romanos 15.30), bondade (Neemias 9.20) e tristeza (Efésios 4.30; Isaías.63.10). Além de características pessoais o Espírito Santo também possui atos pessoais: Ele investiga minuciosamente (1Coríntios 2.10), Ele fala (Apocalipse 2.7; Gálatas 4.6; João 15.26), Ele intercede (Romanos 8.26), Ele ensina (João 14.26), Ele guia (João 16.12-14; Neemias 9.20), Ele chama (Atos 13.2; 20.28). 10. IMPLICAÇÕES DA DOUTRINA DO ESPÍRITO SANTO 1) O Espírito Santo é uma pessoa, não uma força vaga. Portanto, ele é alguém com quem podemos ter um relacionamento pessoal, alguém a quem podemos e devemos orar. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 62 2) O Espírito Santo, sendo plenamente divino, deve receber a mesma honra e respeito que dispensamos ao Pai e ao Filho. É apropriado adorá-lo como adoramos a eles. Não se deve pensar que ele seja em algum sentido inferior a eles em essência. 3) O Espírito Santo é um com o Pai e o Filho. Sua obra é a expressão e a execução do que os três planejaram juntos. Não há tensão entre as três pessoas ou suas atividades. 4) Deus não está distante. No Espírito Santo, o Deus Triúno chega perto de nós, tão perto que, de fato, entra em cada pessoa que crê. Deus é até mais íntimo de nós agora que na encarnação. Por meio da operação do Espírito, ele de fato torna-se o Emanuel, “Deus conosco”. 5) O Espírito Santo é livre para agir da maneira que quiser. Mas Ele nunca fará nada que contrarie Sua Palavra. Nenhum ato do Espírito Santo poderá ser contrário à Sua natureza e aos Seus atributos divinos “porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz.” (1Coríntios 14.33). 11. OS NOMES DO ESPÍRITO SANTO No Antigo Testamento o Espírito Santo era mais conhecido como sendo o “Espírito de Deus”. Já nas páginas do Novo Testamento o Espírito Santo é chamado de: a) Espírito de Deus Romanos 8.14 b) Espírito de Cristo Romanos 8.9 c) Espírito do Pai Mateus 10.20 d) Espírito do Senhor 2Coríntios 3.17 e) Espírito Santo Atos 2 f) Espírito de sabedoria e revelação Efésios 1.17 g) Espírito de poder, de amor e bom senso 2Timóteo 1.7 h) Espírito de adoção ou de oração Romanos 8.15 Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 63 i) Espírito de santificação Romanos 1.4 j) Espírito de vida Romanos 8.10 k) Espírito de mansidão 1Coríntios 4.21 l) Espírito de consolo Atos 9.31 m) Espírito da glória 1Pedro 4.14 n) Espírito de selagem, garantia da vida eterna Efésios 1.13-14 o) Espírito de todas as bênçãos carismáticas cristãs 1Coríntios 12.4 p) Espírito da verdade João 14.27; 15.27; 16.13 q) (Parákletos = Consolador) João 14.16 Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 64 APÊNDICE PARA CARISMÁTICOS E PENTECOSTAIS 1. DIFERENÇA ENTRE TALENTOS E DONS Talentos são habilidades naturais herdadas ou adquiridas. É algo inato. A palavra “talento”, do latim talentum, denota “inclinação, desejo de fazer, de realizar”. O termo serve como sinônimo para a “capacidade de criar, produzir com arte”, bem como para a “habilidade para realizar determinada atividade”. Os talentos nascem com o indivíduo e podem ser desenvolvidos com estudo, dedicação e persistência. Porém, quando o talento não é conhecido, não é possível desenvolvê-lo,ou seja, ele se transforma em um recurso inutilizado ou subutilizado. Não devemos confundir a palavra “talento” com o termo “talento” registrado na parábola de mesmo nome (a ‘parábola dos talentos’, cf. Mateus 25.15-30). No texto bíblico, a palavra “talento” vem do grego (tálanton) e significa “balança”, “peso arredondado”, “soma de dinheiro” em ouro, prata, bronze ou ferro. No Antigo Testamento cada talento, do hebraico (kikkar), era equivalente a 20,4kg de um desses metais. Depois passou a ser uma unidade monetária que equivalia a 6.000 denários (um denário era a diária de um trabalhador rural). Ou seja, o talento era uma unidade de medida. O talento judaico era equivalente a 34 quilos de alguma coisa – normalmente prata. Sendo assim, no contexto específico do texto bíblico citado acima, talento nada tem a ver com as habilidades ou qualidades pertencentes a alguém. Os talentos diferem dos dons, que são ofertados. O termo “dom”, do hebraico (mattath), significa “dádiva, oferta, presente”. No Novo Testamento o vocábulo “dom”, do grego (charísma), significa “efeito, resultado, fruto” [da Graça de Deus]. O vocábulo “graça” por sua vez, vem do grego (charís), e denota “favor que alguém recebe sem qualquer mérito próprio”. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 65 No caso dos dons espirituais, eles são virtudes que distinguem certos cristãos e os capacitam a servir a Igreja de Cristo. O dom não pode ser comprado ou adquirido por méritos próprios. É tão somente fruto da Graça. Os talentos e dons espirituais diferem entre si em para quem são dados e quando. Uma pessoa – independentemente de sua crença em Deus – recebe talento natural como resultado de uma combinação da genética (alguns têm a habilidade natural para música, arte ou matemática) e ambiente (crescendo em uma família musical vai ajudar o desenvolvimento do talento em música), ou simplesmente porque Deus quis favorecer certas pessoas com certos talentos (por exemplo, Bezalel em Êxodo 31.1-6). Mesmo que exista algum componente genético, qualquer talento depende de três atitudes para atingir sua plenitude: treinamento, disciplina e perseverança. Os dons espirituais são dados aos cristãos pelo Espírito Santo (cf. Romanos 12.3, 6) no mesmo tempo em que colocam sua fé em Cristo para obter perdão de seus pecados. Naquele momento, o Espírito Santo dá ao novo crente os dons espirituais que deseja que aquele crente tenha (cf. 1Coríntios 12.11). Para resumir as diferenças entre dons espirituais e talentos, podemos afirmar que talento é resultado de genética e/ou treinamento, enquanto que o dom espiritual é resultado do poder do Espírito Santo. Talvez essa afirmação produza certa confusão na mente de algumas pessoas pelo fato delas, na maioria das vezes, erroneamente substituírem o termo “talento” pela expressão “dom natural” – sendo que a proposição correta é “habilidade natural”. Qualquer pessoa, cristã ou não, pode possuir certo talento enquanto que apenas os cristãos possuem dons espirituais. Embora ambos, talentos e dons espirituais, devam ser usados para a glória de Deus e para ministrar uns aos outros, os dons espirituais se focalizam nesses serviços apenas, enquanto que os talentos podem ser usados para objetivos completamente não espirituais. No inconsciente coletivo das pessoas que se dizem evangélicas, comumente se opera a ideia de que nós precisamos buscar o Espírito Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 66 Santo o tempo inteiro. Da mesma forma é difundida a ideia de que nós precisamos entrar constantemente na presença de Deus – uma contradição pois, só entra na presença de Deus, quem está fora dela. Isso porque não dá para entrar já estando dentro. Como podemos buscar o Espírito Santo se Ele já habita em nós (cf. Romanos 8.9, 11; 1Coríntios 3.16; 6.19)? Além disso, precisamos aprender que não se entra e sai da presença de Deus, mas se anda e se vive na presença dEle. Não se busca o Espírito Santo, mas se tem, porque Ele está habitando em nós. No dom espiritual sentimos a ação do Espírito Santo operando em nós, por nós e através de nós. Sentimos, ao realizar aquilo que é dom, que as forças não são nossas e por isso não nos enfadamos ou desanimamos; percebemos que é Deus quem está agindo e que nada poderíamos fazer sem Ele. Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (cf. Romanos 11.29). Porém, quando o crente está em pecado, em rebeldia, ele não conseguirá desenvolver plenamente o seu dom. Ele pode continuar fazendo tudo na obra, menos usar com eficácia o poder de Deus. O dom sem unção se torna apenas em uma habilidade que não produz vida. 2. OS DONS DO ESPÍRITO SANTO. O Espírito Santo concede certos dons especiais aos crentes dentro do corpo de Cristo. Nos escritos de Paulo, há três listas distintas de tais dons; existe também uma lista breve em 1Pedro. Alguns desses dons referem-se à algumas funções básicas exercidas na igreja. Outros dons referem-se à habilidades especiais. Não fica claro, porém, se esses dons são dados desde o nascimento ou se são capacitações recebidas em algum momento posterior ou ainda uma combinação de ambos. Além disso, alguns dons, tais como fé e serviço, são qualidades ou atividades que se esperam de todos os cristãos. Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 67 Um ponto muito importante a se considerar é já que nenhuma das listas inclui todos os dons encontrados nas outras listas, pode-se entender que, em conjunto, não esgotem todos os dons espirituais possíveis. Essas listas, portanto, em separado ou em conjunto, são ilustrações dos vários dons que Deus tem concedido à igreja. Logo abaixo vemos as listas com os dons do Espírito Santo: Romanos 12.6-8 - Profecia, ministério, ensino, exortação, contribuição, liderança, misericórdia. 1Cor 12.4-11 - Sabedoria, conhecimento, fé, cura, operação de milagres, profecia, discernimento de espíritos, variedades de línguas, interpretação de línguas Efésios 4.11 - Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres 1Pedro 4.11 - Falar, servir. É vedado o acréscimo de outros “dons”, bem como suas respectivas nomenclaturas, se esses “dons” não forem ratificados e referendados explicitamente por alguma passagem bíblica doutrinária. Não podemos nos esquecer da instrução deixada pelo apóstolo Paulo, de que não devemos “ir além do que está escrito” (cf. 1Coríntios 4.6). Por exemplo: ao contrário do que é amplamente difundido por aí, não existe “dom de orar”, uma vez que, segundo as Sagradas Escrituras, o ato de orar não é dom, mas mandamento dirigido a todo cristão (cf. 1Tessalonicenses 5.17) e cuja prática pode – e deve – ser aprendida (cf. Lucas 11.1-4). É muito importante que notemos algumas observações feitas pelo apóstolo Paulo, tanto sobre a natureza dos dons como sobre a maneira pela qual eles são exercidos. Essas observações aparecem em 1Coríntios 12 e 14. Vejamos: 1) Os dons espirituais são concedidos para o corpo (a igreja). Eles são para edificação de todo o corpo, não meramente para o prazer ou o enriquecimento dos Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 68 indivíduos que os possuem. Os dons do Espírito Santo são sempre usados para edificação e benefício de outra pessoa – com exceção do “dom de línguas” que recebe atenção especial do apóstolo Paulo no momento em que ele escreve à Igreja em Corinto (cf. 1Coríntios 12.7; 14.5,12). 2) Nenhuma pessoa, sozinha, possui todos os dons espirituais (cf. 1Coríntios12.14- 21), nem acontece de um dos dons ser concedido a todas as pessoas (cf. 1Coríntios12.28-30). Por conseguinte, os membros da igreja precisam uns dos outros, sendo mutuamente edificados. 3) Todos os dons espirituais são importantespara a edificação do Corpo de Cristo (cf. 1Coríntios12.22-26). 4) O Espírito Santo distribui os vários dons a quem lhe apraz (cf. 1Coríntios 12.11). 5) Ser cheio do Espírito não é tanto uma questão de obter mais do Espírito Santo, mas de Ele possuir controle absoluto sobre a nossa vida. 3. O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO E O REVESTIMENTO DE PODER Em primeiro lugar, vamos tratar da expressão correta do termo, pois muitas pessoas questionam sobre qual seria a expressão correta: “batismo com o Espírito Santo” ou “batismo no Espírito Santo”. A regência correta é com a preposição “com”: batismo com Espírito Santo. Do mesmo modo: batismo com água, batismo com fogo etc. Exemplos da Bíblia: “E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; não sou digno de levar as suas sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo.” (Mateus 3.11) Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 69 “E eu não o conhecia, mas o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo.” (João 1.33) “Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias.” (Atos 1.5) Emprega-se a preposição “em” quando se quer determinar o lugar onde alguém é batizado. Por exemplo: batismo nas águas, batismo no rio, batismo na igreja etc. Exemplo: “E eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados.” (Mateus 3.6). O batismo com o Espírito Santo conforme o Novo Testamento é teologicamente sinônima de regeneração e novo nascimento, sendo equivalente à obra da conversão. São terminologias sinônimas para definir o mesmo acontecimento. Você pode chamar a mesma experiência de novo nascimento, regeneração, conversão ou batismo com o Espírito Santo. São termos diferentes para descrever o mesmo acontecimento íntimo. A segunda experiência que, pode ou não ser acompanhada pelo ato de falar em outras línguas, tratamos como sendo um “revestimento de poder”, do grego (dýnamis), que permite ao homem testemunhar de Cristo com maior ousadia e autoridade: “E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder.” (Lucas 24.49) Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 70 “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (Atos 1.8) O revestimento de poder é algo marcante e inconfundível na vida do cristão. O episódio que ocorreu em Atos foi um evento único e serviu para que a Igreja se espalhasse pelo mundo (temos como exemplo disso os cretenses e os romanos). Há um só batismo (em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo): “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.” (1Coríntios 12.13). Esse versículo define biblicamente o batismo com o Espírito Santo. É a obra do Espírito pela qual Ele une todos os cristãos no corpo vivo de Cristo. A palavra “todos” aqui é fundamental, pois, se não se é crente quem não seja batizado dessa forma, essa obra do Espírito Santo deve acontecer na conversão. Os discípulos citados em Atos 19, não eram cristãos, mas sim, discípulos de João: “E sucedeu que, enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, tendo passado por todas as regiões superiores, chegou a Éfeso e, achando ali alguns discípulos, disse-lhes: Recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes? E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo. Perguntou-lhes, então: Em que sois batizados, então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo disse: Certamente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo. E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam.” (Atos 19.1- 6) Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 71 Quando o texto fala de receber o Espírito Santo, refere-se ao recebimento do Seu poder: “Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João, os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo. (Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido, mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus.) Então, lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo.” (Atos 8.14- 17). É preciso estudar a Bíblia tendo em mente uma visão panorâmica, pois não existem “Palavras” de Deus. A Bíblia é a Palavra do Espírito Santo. E o Espírito Santo não pode contradizer Ele mesmo. A evidência de falar em línguas não pode ser imposta como regra (o Senhor Jesus andava sempre no poder do Espírito Santo e nunca falou em línguas): “Ora, vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular. E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente, apóstolos, em segundo lugar, profetas, em terceiro, doutores, depois, milagres, depois, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas. Porventura, são todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? São todos operadores de milagres? Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas? Interpretam todos?” (1Coríntios 12.27-30) A Igreja em Corinto dava muito valor aos dons espirituais (principalmente línguas e profecia) e desconsideravam o cultivo do amor, visto que havia dissensões entre eles: “Portanto, procurai com zelo os melhores dons; e eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos... E ainda que tivesse o dom de profecia, ...” (1Coríntios 12.31 / 1Coríntios 13.1-2) Os exemplos bíblicos só têm autoridade quando amparados por uma ordem (mandamento) da própria Palavra. Existe uma regra hermenêutica que não pode ser Curso Básico de Teologia “Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15 72 quebrada: “intérprete a experiência pessoal à luz da Escritura, e não a Escritura à luz da experiência pessoal”. Deve haver certo julgamento por parte do cristão em relação ao falar em línguas: “Mas, se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado. (...) E falem dois ou três profetas, e os outros julguem.” (1Coríntios 14.24,29). 4. IMPLICAÇÕES DA OBRA DO ESPÍRITO SANTO 1) Os dons que possuímos nos são concedidos pelo Espírito Santo. Devemos reconhecer que não são nossas próprias realizações. O propósito deles é que sejam usados no cumprimento de seu plano. 2) O Espírito Santo fortalece os crentes na vida e no serviço cristão. As incapacidades pessoais não devem nos deter nem desencorajar. 3) O Espírito Santo é sábio e soberano ao dispensar seus dons a igreja. A posse ou a ausência de determinado dom não é motivo de orgulho ou pesar. Seus dons não são prêmios para os que os buscam ou se qualificam para eles. 4) Nenhum dos dons é para todos e nenhuma pessoa possui todos os dons. A comunhão do corpo é necessária para o pleno desenvolvimento espiritual de cada cristão. 5) Podemos crer que o Espírito Santo nos dará entendimento da Palavra de Deus e nos guiará ao conhecimento da sua vontade para nós. 6) É correto dirigir orações ao Espírito Santo, assim como ao Pai e ao Filho, bem como ao Deus Triúno. Em tais orações devemos agradecer-Lhe pela obra singular que realiza em nós e, em especial, devemos pedir-lhe que continue a realizá-la.