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<p>IMUNOLOGIA</p><p>Felipe Valle Fortes Rodrigues</p><p>Conceitos básicos</p><p>em imunologia</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve aprender os seguintes tópicos:</p><p> Reconhecer os elementos formadores da resposta imune.</p><p> Determinar quais eventos/agentes ativam a resposta imune.</p><p> Estabelecer parâmetros de diferenciação das respostas imunes inata</p><p>e adaptativa.</p><p>Introdução</p><p>O termo imunidade, derivado do latim immunis (isento), foi adotado</p><p>para designar essa proteção naturalmente adquirida contra doenças</p><p>como sarampo. O surgimento da imunologia como disciplina estava</p><p>intimamente ligado ao desenvolvimento da microbiologia. O trabalho</p><p>de Pasteur, Koch, Metchnikoff e muitos outros pioneiros dos estudos e</p><p>descobertas de bactérias, fungos e parasitas resultaram na rápida iden-</p><p>tificação de novos agentes infecciosos.</p><p>O impacto de imunização contra doenças infecciosas, como coquelu-</p><p>che, difteria e varíola, pode ser percebido quando refletimos sobre o fato</p><p>de que essas doenças, que eram causas significativas de mortalidade e</p><p>morbidade, estão agora tidas como erradicadas. De fato, é justo discutir</p><p>que o impacto da vacinação e saneamento no bem-estar e na expectativa</p><p>de vida dos seres humanos está no topo entre os avanços científicos.</p><p>Na segunda parte do século XX, a imunologia começou a transcen-</p><p>der seus limites iniciais relacionados à microbiologia e a tornar-se mais</p><p>abrangente, correlacionando-se com diversas outras ciências. O estudo</p><p>dos mecanismos de defesa imunológica ainda é uma importante área</p><p>de pesquisa, e os imunologistas estão envolvidos em uma gama ainda</p><p>mais ampla de áreas, tais como, controle de diferenciação do tecido,</p><p>transplante, imunoterapia do câncer, entre outras (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Neste capítulo, você aprenderá sobre os elementos formadores da</p><p>resposta imune, os eventos/agentes que ativam a resposta imune e</p><p>parâmetros de diferenciação das respostas imunes inata e adaptativa.</p><p>Origem e vigilância</p><p>A imunologia pode ser compreendida como o estudo da defesa do corpo contra</p><p>a infecção. Estamos continuamente expostos a microrganismos, muitos dos</p><p>quais são patogênicos. O mecanismo celular pelo qual o corpo contrapõe a</p><p>infecção por esse patógeno, como ele é identifi cado e eliminado são processos</p><p>e mecanismos abordados pela imunologia que estudamos para entender as</p><p>defesas do nosso organismo.</p><p>A resposta e a detecção inicial são realizadas pela imunidade inata através</p><p>de várias células distintas capazes de reconhecer alguns organismos. Já a res-</p><p>posta de máxima especificidade é realizada pela imunidade adaptativa, a qual</p><p>produz anticorpos específicos contra alvos selecionados nos microrganismos</p><p>e ainda é capaz de gerar memória imunológica.</p><p>Os seres humanos e outros mamíferos vivem em um mundo densamente povoado</p><p>por microrganismos patogênicos e não patogênicos e que contém uma vasta gama</p><p>de substâncias tóxicas ou alergênicas que podem ameaçar a homeostase corporal</p><p>humana. A comunidade de microrganismos inclui também os organismos benéficos</p><p>e comensais, que o hospedeiro deve tolerar e manter sob controle, a fim de manter o</p><p>funcionamento normal dos tecidos e órgãos. Os patogênicos possuem uma coleção</p><p>diversificada de mecanismos pelos quais se replicam, disseminam e ameaçam as</p><p>funções normais do hospedeiro. Ao mesmo tempo que o sistema imunológico está</p><p>eliminando microrganismos patológicos e proteínas tóxicas ou alergênicas, deve</p><p>evitar respostas que produzam danos excessivos nos tecidos próprios ou que possam</p><p>eliminar microrganismos benéficos e comensais. Além disso, nosso ambiente contém</p><p>uma enorme variedade de barreiras imunológicas que desafiam o hospedeiro por</p><p>uma ampla seleção de mecanismos.</p><p>Conceitos básicos em imunologia2</p><p>O sistema imunológico usa uma matriz complexa de mecanismos de pro-</p><p>teção para controlar e, geralmente, eliminar organismos invasores e toxinas.</p><p>Genericamente, o sistema imune baseia-se na detecção de características</p><p>estruturais que marcam como alvo um determinado elemento estranho ao</p><p>organismo (antígeno), sumariamente determinando-o como distinto das células</p><p>próprias. Essa discriminação é essencial para permitir que o organismo elimine</p><p>a ameaça sem danificar seus próprios tecidos. O reconhecimento de antígenos</p><p>ocorre porque os receptores do nosso sistema imune reconhecem e ligam-se</p><p>a partes determinadas desses agentes externos ou agressores. Dessa forma, a</p><p>especificidade contra esses agentes, que podemos chamar de proteína ativadora,</p><p>ou antígeno, é uma característica-chave. Por exemplo, a imunização contra o</p><p>vírus da poliomielite protege apenas contra poliomielite, não contra o vírus</p><p>H1N1 da gripe (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019). O</p><p>sistema imunológico é tão importante para a existência da vida humana que,</p><p>quando suprimido, leva a infecções oportunistas por microrganismos que</p><p>normalmente não seriam considerados patogênicos.</p><p>A formação celular do nosso sistema imunológico começa quando uma</p><p>célula-tronco hematopoiética, presente na medula óssea, diferencia-se em célula</p><p>progenitora mieloide comum ou na progenitora linfoide comum. O progenitor</p><p>linfoide comum se diferencia nas principais populações de linfócitos maduros:</p><p>células B, células T, células natural killer (NK).</p><p>É importante pensar sobre como as funções e como todos os prota-</p><p>gonistas do sistema imune são determinados. Inicialmente, quando se</p><p>pesquisava e ainda não havia nomenclatura atribuída às células NK, por</p><p>exemplo, somente via-se ao microscópio células que atacavam bactérias.</p><p>Com a melhoria da tecnologia, novas descobertas aconteceram e foram-se</p><p>atribuindo marcadores de superfície, ou seja, um conjunto de caracterís-</p><p>ticas que as células expressam em sua membrana e que as caracterizam.</p><p>Os marcadores de superfície, também chamados de CD (do inglês cluster of</p><p>diferentiation), associam a presença daquela proteína na membrana a várias</p><p>características celulares, como função, origem, estágio de diferenciação,</p><p>possível interação com outras células; assim, o conjunto de CD determina</p><p>várias características da célula, concedendo sua identidade. É assim que</p><p>pesquisadores e professores do mundo todo podem identificar células</p><p>diferentes, pois elas possuem o mesmo CD ou um mesmo padrão de CD</p><p>(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>3Conceitos básicos em imunologia</p><p>Nosso sistema imune normalmente mantém microrganismos comensais sob controle,</p><p>assim como microrganismos que já combatemos corriqueiramente. Em alguns casos,</p><p>o sistema imune se torna comprometido, como quando temos uma baixa muito</p><p>grande em seus números (por exemplo, durante uma quimioterapia) ou estamos</p><p>combatendo grandes infecções (como o caso de sepse), e podemos ter infecções</p><p>por esses organismos normalmente controlados, as chamadas infecções oportunistas.</p><p>Para saber mais sobre esse assunto, no artigo científico do link a seguir, você encontra</p><p>informações de relevância clínica a respeito de infecções oportunistas.</p><p>https://qrgo.page.link/T63jv</p><p>Células-tronco mieloides (Figura 1) dão origem a diferentes formas de</p><p>granulócitos. Células da linhagem de granulócitos que desempenham funções</p><p>imunes proeminentes incluem neutrófilos, monócitos, macrófagos, eosinófilos,</p><p>basófilos e mastócitos. Em nós, humanos, plaquetas liberam moléculas que</p><p>agem favorecendo algum processo ou comunicação celular — chamamos esses</p><p>elementos de mediadores, e eles são vitais no processo imune e expandem sua</p><p>função além de seu papel na hemostasia.</p><p>Neutrófilos produzem grandes quantidades de espécies reativas de oxigênio</p><p>que são citotóxicas para diversos microrganismos. Eles também produzem</p><p>enzimas que parecem participar na remodelação e no reparo dos tecidos</p><p>após a lesão. Os neutrófilos se acumulam em grandes quantidades em locais</p><p>de infecção bacteriana e lesão tecidual e possuem capacidades fagocíticas</p><p>proeminentes que lhes permitem sequestrar microrganismos e antígenos</p><p>particulados internamente, onde podem ser destruídos e degradados.</p><p>Assim,</p><p>fica claro que desempenham um papel importante na depuração de patóge-</p><p>nos microbianos e no reparo de lesões teciduais (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Os eosinófilos são facilmente reconhecidos pelos grânulos citoplasmáticos</p><p>proeminentes que contêm moléculas tóxicas e enzimas que são particularmente</p><p>ativas contra parasitas.</p><p>Já os mastócitos e basófilos desempenham papéis importantes na</p><p>indução da resposta imune alérgica. São eles que respondem ao pólen e a</p><p>outros alérgenos na sua rinite alérgica. Células fagocíticas da linhagem de</p><p>monócitos/macrófagos também desempenham papéis-chave na resposta</p><p>Conceitos básicos em imunologia4</p><p>imune, pegando partes de organismos invasores, processando-os por pro-</p><p>teólise, reduzindo a peptídeos fragmentados e apresentando-os através</p><p>de MHC. A apresentação de antígenos pelas células da imunidade inata é</p><p>parte fundamental na sua comunicação com a imunidade adaptativa — é</p><p>assim que células dendríticas ativam os linfócitos T. Nessa mesma linha-</p><p>gem, temos células de Langerhans na epiderme, células de Kupffer no</p><p>fígado e células da microglia no sistema nervoso central. Dentre as células</p><p>apresentadoras de antígeno, a mais impactante é a célula dendrítica, que</p><p>está presente na maioria dos tecidos do corpo e concentrada nos tecidos</p><p>linfoides secundários (gânglios linfáticos) (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Figura 1. Demonstração da gênese a partir da medula.</p><p>Fonte: Lopes (2017, documento on-line).</p><p>5Conceitos básicos em imunologia</p><p>A especificidade da resposta imune é resultante da forma de reconhecimento</p><p>dos linfócitos, que, após o contato com um ativador, sofre edição gênica para</p><p>produzir um receptor que reconhece aquele peptídeo; assim, o sistema imune</p><p>age como se ele fosse um vigilante ao receber a foto de um alvo a ser combatido.</p><p>Portanto, os linfócitos com receptores específicos para o antígeno-alvo são</p><p>ativados em condições normais de homeostase (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Além disso, como podemos ser expostos aos mesmos patógenos mais de uma</p><p>vez, nosso corpo precisa ser capaz de responder mesmo anos após o primeiro</p><p>contato ao antígeno. Dessa forma, a evolução nos concedeu a capacidade de</p><p>desenvolver memória imunológica, o que significa que uma ou mais exposições</p><p>a um determinado antígeno provocam progressivamente respostas melhores.</p><p>A maioria das imunizações envolve administração repetida do composto</p><p>imunizante, com o objetivo de estabelecer uma resposta protetora duradoura.</p><p>O aumento da magnitude e duração da resposta do sistema imunológico pela</p><p>exposição repetida ao mesmo antígeno se deve à proliferação de linfócitos</p><p>específicos para o antígeno após cada exposição.</p><p>O número de células respondentes permanecerá aumentado mesmo após o</p><p>combate daquele antígeno e seu desaparecimento do nosso sistema. Portanto,</p><p>sempre que o organismo é exposto novamente àquele antígeno em particular,</p><p>há uma população de linfócitos específicos prontamente disponíveis para</p><p>ativação e, como consequência, o tempo necessário para resposta será mais</p><p>curto e a magnitude da resposta será maior (MURPHY, 2014; ABBAS; LI-</p><p>CHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Determinando os atores principais</p><p>do sistema imunológico</p><p>Um conceito-chave para defi nir como o sistema imune funciona é o conceito</p><p>de antígenos e sua apresentação, sejam ele próprios ou não, os quais se ligam</p><p>a receptores celulares e/ou anticorpos. Para serem capazes de envolver os</p><p>elementos da imunidade específi ca, os antígenos devem ser processados e</p><p>apresentados às células imunes. Isso ocorre através das moléculas chama-</p><p>das complexo principal de histocompatibilidade (MHC, do inglês, major</p><p>histocompatibility complex). Quando falamos exclusivamente do sistema</p><p>de reconhecimento presente nos humanos, o MHC é chamado de HLA</p><p>pelo sistema de reconhecimento de antígenos leucocitários (é a abreviação</p><p>para human leukocyte antigen). A apresentação do antígeno é mediada por</p><p>Conceitos básicos em imunologia6</p><p>moléculas de MHC de classe I e as moléculas de classe II encontradas na</p><p>superfície de células apresentadoras (APC, do inglês antigen presenting</p><p>cells) e algumas outras células. As moléculas do MHC de classe I e classe</p><p>II são similares: elas fornecem peptídeos curtos à superfície celular e devem</p><p>ser reconhecidas por células T CD8+ (citotóxicas) e CD4+ (auxiliares), res-</p><p>pectivamente. A diferença é que os peptídeos são originários de diferentes</p><p>fontes: endógenas ou intracelulares para o MHC classe I, e exógenas ou</p><p>extracelulares para o MHC classe II. Há também a chamada apresentação</p><p>cruzada, na qual os antígenos exógenos podem ser apresentados por moléculas</p><p>MHC classe I. Os antígenos endógenos também podem ser apresentados pelo</p><p>MHC classe II quando degradados por autofagia (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Moléculas de MHC classe I são expressas pelas células nucleadas e são</p><p>montadas diretamente no retículo endoplasmático (RE). As proteínas, tanto</p><p>próprias quanto patogênicas, após serem processadas pelo proteassomo, têm</p><p>seus peptídeos translocados para o RE, associados ao MHC de cIasse I, for-</p><p>mando o complexo MHC-peptídeo e enviando para a membrana da célula.</p><p>Existem diferentes proteassomas que geram peptídeos para a apresentação da</p><p>classe I do MHC: o proteassoma 26S, que é expresso pela maioria das células;</p><p>o imunoproteassoma, que é expresso por muitas células do sistema imune; e</p><p>o proteassoma, expresso pelas células epiteliais do timo. O reconhecimento</p><p>de MHC-1 é interpretado por linfócitos T citotóxicos e células natural killer,</p><p>permitindo vigilância dentro da célula e a detecção de eventos importantes,</p><p>como infecção viral.</p><p>Complexos MHC de classe I na membrana celular são cíclicos, sendo</p><p>internalizados no endossomo e podem ser apresentados por moléculas de</p><p>MHC de classe II, que são expressas por APC, tais como células dendríticas,</p><p>macrófagos. Moléculas da classe II do MHC se ligam a peptídeos oriundos de</p><p>proteínas degradadas na via endolítica. Desse modo, microrganismos invasores</p><p>são fagocitados e têm seus antígenos apresentados. O MHC de classe II é ligado</p><p>aos peptídeos no complexo de Golgi e transportado para a membrana celular</p><p>para apresentar os antígenos para linfócitos, como o T CD4+. Ao contrário</p><p>do MHC classe I, as moléculas do MHC de classe II não se dissociam da</p><p>membrana. Os mecanismos de controle da ciclagem do MHC de classe II na</p><p>membrana envolvem ubiquitinação para, então, depois, serem internalizados</p><p>e reciclados (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Os linfócitos são as principais células que podem reconhecer o antígeno e</p><p>produzir um anticorpo a fim de eliminar os alvos. Os linfócitos B são as únicas</p><p>células do corpo capazes de produzir anticorpos. Os linfócitos B reconhecem</p><p>7Conceitos básicos em imunologia</p><p>os antígenos extracelulares e são diferenciados em plasmócitos, produtores</p><p>de anticorpos. Dessa forma, podemos traçar um paralelo simplificado em que</p><p>a célula apresentadora de antígeno mostra o alvo para a célula B, e ela marca</p><p>os alvos para serem eliminados, principalmente pelos linfócitos T. As células</p><p>T existem em vários subtipos e subconjuntos funcionalmente significativos.</p><p>As células NK são definidas morfologicamente como grandes linfócitos gra-</p><p>nulares e são distintas pela ausência do receptor específico de célula T (T cell</p><p>receptor — TCR). Eles reconhecem sua célula infectada por microrganismo ou</p><p>tumor-alvos usando uma coleção complexa de receptores ativadores e inibidores</p><p>da superfície celular (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>O sistema imune também apresenta componentes solúveis, os quais podem</p><p>ligar-se aos microrganismos e ajudar na sua fagocitose, atrair mais células</p><p>para combater uma infecção ou ainda eliminar diretamente os patógenos.</p><p>As citocinas são as proteínas secretadas por algumas células envolvidas nos</p><p>processos regenerativos ou inflamatórios e são os agentes de processos das</p><p>imunidades inata e adaptativa.</p><p>As citocinas servem como mensageiras entre</p><p>células, de modo que o equilíbrio entre essas mensagens pró-inflamatórias</p><p>ou anti-inflamatórias influencia o comportamento das células naquele lo-</p><p>cal. As interleucinas, abreviadas como IL-número, por exemplo IL-10, são</p><p>citocinas secretadas pelos linfócitos. É importante frisar que as citocinas</p><p>são transitórias e não são armazenadas por longos períodos no tecido. Uma</p><p>vez necessárias, as ILs são sintetizadas e secretadas buscando um efeito</p><p>(por exemplo, IL-1 são potentes pró-inflamatórias, enquanto IL-10 têm forte</p><p>efeito anti-inflamatório).</p><p>Em uma lesão, há um processo fisiológico que envolve um conjunto de</p><p>células e substâncias como citocinas e interleucinas tanto para combater bacté-</p><p>rias quanto para promover a regeneração da lesão. É importante compreender</p><p>que interleucinas e quimiocinas, em geral, não funcionam como uma chave</p><p>de liga e desliga: existe um equilíbrio na função das células naquele local e</p><p>o deslocamento desse equilíbrio leva aos processos de resolução do processo</p><p>inflamatório e ao retorno do tecido a sua homeostase; tomando novamente</p><p>um exemplo de contexto de uma lesão, inicialmente, temos um ambiente</p><p>pró-inflamatório ou com processo infeccioso, focado mais no combate de</p><p>patógenos, enquanto já no final migra-se para um equilíbrio que busca a</p><p>resolução da lesão, diminuindo, mas não cessando, a função combativa do</p><p>sistema imune. Além disso, as citocinas podem ter ação sistêmica, ou endócrina,</p><p>parácrina ou autócrina (MURPHY, 2014).</p><p>As células do sistema imune não estão presentes em grande número em</p><p>todos os locais o tempo todo. Nossas células atuam como se estivessem em</p><p>Conceitos básicos em imunologia8</p><p>estado de constante vigilância e, quando necessário, pedem reforços, que</p><p>podem vir através da multiplicação ou de um processo chamado quimio-</p><p>taxia. Durante a quimiotaxia, uma célula deve determinar a direção geral</p><p>da fonte do sinal e se orientar para ele. Isso é possível pois as células são</p><p>muito sensíveis a pequenas diferenças nas concentrações de quimiotáticos,</p><p>elementos que exercem quimiotaxia. A regulação da força de adesão é</p><p>essencial para permitir a movimento, sendo vital para o extravasamento</p><p>e intravasamento de células através do tecido, o que ocorre durante o</p><p>processo quimiotáxico. A regulação da adesão celular e a polarização do</p><p>formato da célula não apenas estabiliza a passagem de uma célula entre</p><p>outras, mas também fornece as forças de tração que movem uma célula da</p><p>circulação através do endotélio para o tecido conjuntivo. Outros fatores</p><p>solúveis são os anticorpos e os elementos do sistema complemento, que</p><p>consiste em uma série de proteínas que circulam na forma de precurso-</p><p>res inativos. No entanto, uma vez ativado, cada componente pode atuar</p><p>como uma proteína que ativa a próxima em uma reação em cascata e que</p><p>também desempenha várias funções, como quimiotaxia, aumento de</p><p>efeito dos anticorpos e lise de microrganismos (MURPHY, 2014; ABBAS;</p><p>LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>No link a seguir, você encontrará um artigo que revisa o processo de cicatrização de</p><p>ferimentos, com várias informações sobre como a inflamação e o sistema imune são</p><p>importantes.</p><p>https://qrgo.page.link/zM6yZ</p><p>Imunidade natural e imunidade adquirida</p><p>A proteção do organismo contra agentes infecciosos envolve muitos mecanismos,</p><p>que são subdivididos em não específi cos e específi cos. Os inespecífi cos são</p><p>similares e genericamente aplicáveis a muitos organismos patogênicos diferentes,</p><p>enquanto os específi cos têm seu efeito dirigido para um antígeno específi co ou</p><p>um microrganismo específi co. As defesas inespecífi cas, via de regra, são capazes</p><p>de uma resposta rápida, chamada de imunidade inata ou natural, de modo que</p><p>9Conceitos básicos em imunologia</p><p>os indivíduos saudáveis nascem com ela e a manifestam como primeira linha</p><p>de resposta de defesa. Elas incluem: barreiras mecânicas, como a integridade da</p><p>epiderme e das membranas mucosas; barreiras físico-químicas, como a acidez do</p><p>fl uido estomacal; presença de substâncias antimicrobianas, como, por exemplo,</p><p>a lisozima presente em secreções externas, muito importante na proteção dos</p><p>olhos e algumas defensinas, substância antimicrobiana que protege os epitélios</p><p>contra patógenos invasores; presença de células com capacidade fagocitária,</p><p>células dendríticas e as NK; presença das proteínas citocinas que orientam as</p><p>células da imunidade inata; presença de proteínas mediadoras da infl amação,</p><p>entre elas, as que compõem o sistema complemento.</p><p>As respostas imunes inatas são a primeira linha de defesa contra patógenos</p><p>invasores e dependem da capacidade do corpo de reconhecer características</p><p>conservadas de patógenos que não estão presentes no hospedeiro não infectado.</p><p>Esses incluem muitos tipos de moléculas nas superfícies de bactérias, parasi-</p><p>tas e fungos e o material genético de alguns vírus. Muitas dessas moléculas</p><p>específicas de agentes patogênicos são reconhecidas por proteínas receptoras</p><p>do tipo Toll. Nos vertebrados, essas moléculas de superfície também ativam o</p><p>complemento, um grupo de proteínas sanguíneas que atuam juntas para romper</p><p>a membrana do microrganismo, atraindo para fagocitose por macrófagos e</p><p>neutrófilos e para produzir resposta inflamatória por quimiotaxia. As células</p><p>fagocíticas usam uma combinação de enzimas degradativas, peptídeos anti-</p><p>microbianos e espécies reativas de oxigênio para matar esses seres invasores</p><p>(DELVES et al., 2010).</p><p>Alguns microrganismos resistem à defesa inicial, sendo necessários para</p><p>sua destruição de mecanismos mais específicos, em que se destaca a imuni-</p><p>dade adquirida ou adaptativa. Como regra, essa resposta é induzida durante a</p><p>vida do indivíduo como parte da complexa sequência de eventos envolvendo</p><p>reconhecimento e apresentação de antígeno. As APC liberam moléculas sina-</p><p>lizadoras que desencadeiam uma resposta inflamatória e começam a reunir as</p><p>forças do sistema imune adaptativo. Células infectadas com vírus produzem</p><p>interferons, que induzem uma série de respostas celulares para inibir a repli-</p><p>cação viral e ativar as atividades de morte exercidas pelas células NK e dos</p><p>linfócitos T citotóxicos.</p><p>Assim, o segundo conjunto de respostas constitui a resposta imune adaptativa.</p><p>Como o sistema adaptativo é composto de um pequeno número de células com</p><p>especificidade mais alta, as células que respondem devem proliferar depois de</p><p>encontrar o antígeno para obter números suficientes e montar uma resposta</p><p>efetiva. Assim, a resposta adaptativa geralmente tem efeito temporalmente após</p><p>a resposta inata na defesa do hospedeiro. Uma característica fundamental da</p><p>Conceitos básicos em imunologia10</p><p>resposta adaptativa é que ela produz células de vida longa que persistem em um</p><p>estado aparentemente inativo, mas que podem reexpressar funções efetoras rapi-</p><p>damente após outro encontro com seu antígeno específico. Isso fornece à resposta</p><p>adaptativa a capacidade de manifestar memória imunológica, permitindo que ela</p><p>contribua de maneira proeminente para uma resposta mais eficaz do hospedeiro</p><p>quando eles são encontrados uma segunda vez (CRUVINEL et al., 2010).</p><p>Correlacionando-se o funcionamento do sistema imune como um todo,</p><p>incluindo a interação da imunidade inata com a adaptativa, da apresentação</p><p>de antígenos a resposta efetora, didaticamente nesse momento introdutório,</p><p>você pode pensar em etapas sequenciais separadas de introdução, sequência e</p><p>efeito (Quadro 1). O primeiro estágio (indução) envolve um uma população de</p><p>células com receptores específicos capazes de reconhecer um antígeno ou um</p><p>fragmento gerado por células apresentadoras de antígeno (APC). A proliferação</p><p>e a diferenciação de linfócitos que respondem ao antígeno são geralmente</p><p>reforçadas por sistemas de amplificação envolvendo APC e subpopulações de</p><p>células T especializadas (T CD4+ e CD8+) e seguidas pela produção de molé-</p><p>culas efetoras (anticorpos) ou pela diferenciação de células efetoras (células</p><p>que direta ou indiretamente</p><p>medeiam a eliminação de elementos indesejáveis)</p><p>(MESQUITA JUNIOR et al., 2010). O resultado final, portanto, é a eliminação</p><p>do microrganismo ou composto que desencadeou a reação imune (MURPHY,</p><p>2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).</p><p>Introdução Sequência Efeito</p><p>Células APCs e linfócitos APC e linfócitos T</p><p>auxiliares</p><p>Anticorpos/com-</p><p>plemento; linfóci-</p><p>tos T citotóxicos;</p><p>macrófagos</p><p>Mecanismos Processamento e/</p><p>ou apresentação de</p><p>antígeno; reconhe-</p><p>cimento por recep-</p><p>tores específicos em</p><p>linfócitos</p><p>Libertação de cito-</p><p>quinas; sinais media-</p><p>dos pela interação</p><p>entre moléculas de</p><p>membrana celular</p><p>Lise mediada por</p><p>complemento;</p><p>fagocitose;</p><p>citotoxicidade</p><p>Consequências Ativação de linfóci-</p><p>tos T e B</p><p>Proliferação e dife-</p><p>renciação de linfóci-</p><p>tos T e B</p><p>Neutralização</p><p>de toxinas/vírus/</p><p>microrganismos</p><p>Quadro 1. Visão genérica da ativação imune</p><p>11Conceitos básicos em imunologia</p><p>ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. 9. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Elsevier, 2019.</p><p>CRUVINEL, W. M. et al. Sistema imunitário: Parte I. Fundamentos da imunidade inata</p><p>com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta inflamatória. Revista</p><p>Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 50, n. 4, p. 434-447, ago. 2010. Disponível em:</p><p>http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042010000400008&ln</p><p>g=en&nrm=iso. Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>DELVES, P. J. et al. Roitt: fundamentos de imunologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-</p><p>gan, 2010.</p><p>LOPES, R. J. Cientistas criam receita para fabricar sangue. São Paulo, 2017. Disponível em:</p><p>https://panoramafarmaceutico.com.br/2017/05/29/laboratorio-segue-na-lideranca/.</p><p>Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>MESQUITA JUNIOR, D. et al. Sistema imunitário: parte II: fundamentos da resposta imu-</p><p>nológica mediada por linfócitos T e B. Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 50,</p><p>n. 5, p. 552-580, out. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_</p><p>arttext&pid=S0482-50042010000500008&lng=en&nrm=isso. Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>MURPHY, K. M. Imunobiologia de Janeway. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.</p><p>Leituras recomendadas</p><p>BALBINO, C. A.; PEREIRA, L. M.; CURI, R. Mecanismos envolvidos na cicatrização: uma</p><p>revisão. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 27-51, jan./mar.</p><p>2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-</p><p>-93322005000100004&lng=en&nrm=isso. Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>Conceitos básicos em imunologia12</p><p>MACEDO, D. P. C. et al. Infecções oportunistas por leveduras e perfil enzimático dos</p><p>agentes etiológicos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 42,</p><p>n. 2, p. 188-191, abr. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_</p><p>arttext&pid=S0037-86822009000200019&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>NAOUM, P. C. Avanços tecnológicos em hematologia laboratorial. Revista Brasileira</p><p>de Hematologia e Hemoterapia, São José do Rio Preto, v. 23, n. 2, p. 111-119, ago. 2001.</p><p>Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-</p><p>-84842001000200010&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 11 out. 2019.</p><p>WATCH how immune cells attack and eliminate viruses and bacteria Next Observer 1.</p><p>[S. l.: s. n.], 2019. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Découvrir et mesurer le Monde</p><p>by Philip Dervis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bzOd2GbsbJQ.</p><p>Acesso em: 11 out. 2019.</p>