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<p>LUCIENE PESSOTTI E NELSON PÔRTO RIBEIRO</p><p>(ORGANIZADORES)</p><p>Riode Janeiro</p><p>2011</p><p>A ÇÃ A IA GA A AÉIA</p><p>Copyright © 2011</p><p>Todos os direitos são reservados, no Brasil por :</p><p>LUCIENE PESSOTTI E NELSON PÔRTO RIBEIRO</p><p>PoD Editora</p><p>Rua do Catete, 90 / 202 • Catete – Rio de Janeiro</p><p>Tel. 21 2236-0844 • www.podeditora.com.br</p><p>atendimento@podeditora.com.br</p><p>Capa & Diagramação:</p><p>Control C – Impressos sob Demanda</p><p>Impressão e Acabamento:</p><p>Control C – Impressos sob Demanda</p><p>Nenhuma parte desta publicação pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer</p><p>meio ou forma, seja mecânico, fotocópia, gravação, nem apropriada ou estocada</p><p>em banco de dados sem a expressa autorização dos autores.</p><p>Os AUTORES responsabilizam-se</p><p>inteiramente pela originalidade e in-</p><p>tegridade do conteúdo da sua</p><p>OBRA, bem como isentam a EDI-</p><p>TORA de qualquer obrigação judi-</p><p>cial decorrente da violação de direi-</p><p>tos autorais ou direitos de imagem</p><p>contidos na OBRA, que declaram,</p><p>sob as penas da Lei, ser de sua única</p><p>e exclusiva autoria.</p><p>L766c</p><p>Pessotti, Luciene -</p><p>A construção da cidade portuguesa na América / Luciene Pessotti, Nelson</p><p>Pôrto Ribeiro - Rio de Janeiro: PoD, 2011.</p><p>170p. : il.</p><p>Ilustrado</p><p>Anexos</p><p>Inclui bibliografia</p><p>Conteúdo: Arquitetura, urbanismo, história da arte</p><p>ISBN 978-85-62331-85-5</p><p>1. A construção da cidade portuguesa na América. I. Título. Nelson Pôrto</p><p>Ribeiro.</p><p>10-4771. CDD: 647</p><p>CDU: 647</p><p>17.03.11 23.03.11 021130</p><p>AEEAÇÃ</p><p>Os textos da presente obra tiveram sua origem no “ II Seminário do Urbanismo Colonial: A</p><p>construção da cidade portuguesa na América” acontecido no Auditório do Centro de Artes da Univer-</p><p>sidade Federal do Espírito Santo em 09 e 10 de junho de 2009 e organizado pelo Programa de</p><p>Pós-Graduação emArtes desta instituição, Linha de Pesquisa ‘Patrimônio eCultura’.</p><p>Trata-se de um evento científico para o qual os palestrantes são convidados e o critério que</p><p>tem norteado nossos convites é o de procurar reunir importantes pesquisadores da área do urba-</p><p>nismo e da construção urbana luso-brasileira, sejam arquitetos, engenheiros, historiadores, ou</p><p>geógrafos, que trabalham emcentros universitários de pesquisa dos dois lados doAtlântico, pois</p><p>entendemos que a ciência hoje, para alcançar seus objetivos, deve ser feita em parceria com</p><p>pesquisadores de outras partes domundo, procurando-se constituir projetos colaborativos condu-</p><p>zidos por equipes multinacionais.</p><p>Agradecemos a participação de todos os autores que se dispuseram a vir a Universidade</p><p>Federal doEspírito Santo, emVitória, colaborar para que o nosso evento acontecesse – sendo que</p><p>alguns desses autores, é preciso realçar, fizeram longa viagem de ida e volta de Portugal ao Brasil</p><p>– e reputamos a eles grande parte do sucesso que onosso evento teve, não apenas na atração do</p><p>expressivo público presente nas sessões, mas, sobretudo no alto nível atingido nas palestras profe-</p><p>ridas e nos debates subseqüentes.</p><p>O “II Seminário do Urbanismo Colonial: A construção da cidade portuguesa na América” alcança seu</p><p>objetivo ao reunir nesta obra o resultado das pesquisas sobre a relevante temática da formação</p><p>urbana do Brasil no período colonial, cujas cidades remanescentes se constituem num rico acervo</p><p>do patrimônio luso-brasileiro.</p><p>Finalizando, gostaríamos de dedicar a presente publicação àmemória de nosso querido amigo</p><p>e notável pesquisador da história da cidade, notadamente do Rio do Janeiro, ProfessorMaurício</p><p>de Almeida Abreu, que nos deu o prazer de estar conosco quando da primeira realização deste</p><p>evento em 2008.</p><p>Vitória, julho de 2011.</p><p>Osorganizadores.</p><p>7</p><p>UMÁIO</p><p>Apresentação........................................................................................................................................................5</p><p>A cor (das cidades portuguesas) antes do moderno. Perplexidades, descobertas recentes e investigações em curso ...... 9</p><p>José Aguiar</p><p>Inventariar para Valorizar e Proteger ................................................................................................................... 25</p><p>Paulo Ormindo de Azevedo</p><p>A última década, novos rumos. Balanço da historiografia sobre urbanização no Brasil-Colônia.</p><p>A contribuição dos estudos regionais recentes. ...................................................................................................... 31</p><p>Beatriz P. Siqueira Bueno</p><p>Capela de São João Batista - Carapina Grande, Serra – ES. Reconstrução como Restauração da Imagem ............... 41</p><p>Cristina Coelho</p><p>Diretrizes arquitetônicas e ordenamentos urbanos nas missões jesuíticas dos Guarani.............................................53</p><p>Luiz Antônio Bolcato Custódio</p><p>Repovoamento e urbanização do Brasil no século XVIII ......................................................................................... 69</p><p>Maria Helena Ochi Flexor</p><p>A arquitetura e esfera pública. O Palácio Anchieta e o sítio fundador de Vitória/ES1 .............................................. 91</p><p>Clara Luiza Miranda</p><p>Patrimônio ambiental urbano de Vitória: inventário e reflexões acerca das rupturas e permanências coloniais na</p><p>contemporaneidade .......................................................................................................................................... 105</p><p>Luciene Pessotti</p><p>Atores da construção civil na província do Espírito Santo do século XIX. ................................................................ 125</p><p>Nelson Pôrto Ribeiro</p><p>Os modelos urbanos brasileiros das cidades portuguesas .................................................................................... 151</p><p>Manuel C. Teixeira</p><p>9</p><p>A COR (DAS CIDADES PORTUGUESAS) ANTES DO MODERNO.</p><p>PERPLEXIDADES, DESCOBERTAS RECENTES E INVESTIGAÇÕES EM CURSO*</p><p>José Aguiar**</p><p>«Inside this house was a whole world, a very particular kind of world,</p><p>a very clean, clear and orderly universe. (…) There is a kind of white that is</p><p>more than white, and this was that kind of white. There is a kind of white</p><p>that repeals everything that is inferior to it, and that is almost everything.</p><p>This was that kind of white. There is a kind ofwhite that is not created by</p><p>bleach but itself is bleach. This was that kind of white. This white was</p><p>aggressively white. It did its work on everything around it, and nothing</p><p>escaped. Some would hold the architect responsible. He was a man, it is</p><p>said, who put it about that his work was “minimalist”, that is mission was</p><p>to strip bare and tomake pure, architecturally speaking, that his spaceswere</p><p>“very direct” and “very clear”, that in them there was “no possibility of</p><p>lying” because “they are just what they are.” He was lying, of course, telling</p><p>big white lies (…).»</p><p>David Batchelor, Chromophobia, Reaktion Books, 2000, p. 10</p><p>1. Padece a arquitetura contemporânea de cromofobia?1. Padece a arquitetura contemporânea de cromofobia?1. Padece a arquitetura contemporânea de cromofobia?1. Padece a arquitetura contemporânea de cromofobia?1. Padece a arquitetura contemporânea de cromofobia?</p><p>É mais que pacífico dizer-se que a cor integra e é elemento fulcral dos que caracterizam,</p><p>humanizando, o espaço urbano e arquitetônico, tornando-o reconhecível e identificável. É tam-</p><p>bémcoerente assumir-se que amanipulaçãoda cor é imprescindível à coerência das intervenções</p><p>sobre a cidade existente, enquanto instrumento de (re)conformação e (re)desenho da própria</p><p>imagem urbana, tanto no quadro de ações de conservação como da inserção mais (ou menos)</p><p>consonante de novas arquiteturas.</p><p>Dito isso é verdadeiramente anômala a forma como literalmente hoje desconhecemos esse</p><p>poderoso meio expressivo da arquitetura, desprezando os contributos da cor para a conformação</p><p>e organização do espaço humanizado e humanizante.</p><p>Na arquitetura contemporânea continua perene o primado dominimalismo, do homogêneo,</p><p>do monocromático e, mais que todas as cores, a do etéreo branco – ao que se contrapõe o</p><p>fauvismo de umpós-moderno quase desesperado (ou exasperado) –, isto quando de hámuito se</p><p>sabe que as catedrais eram pintadas, tanto quanto os templos do classicismo, de policromáticas</p><p>6 Vide fichas reproduzidas em</p><p>DAIFUKU, Hiroshi. Monument</p><p>conservation programmes in</p><p>Preserving and restoringPreserving and restoringPreserving and restoringPreserving and restoringPreserving and restoring</p><p>monuments and historicmonuments and historicmonuments and historicmonuments and historicmonuments and historic</p><p>buildingsbuildingsbuildingsbuildingsbuildings. Paris: Unesco, 1972,</p><p>p. 31-42.</p><p>30</p><p>Cada umdesses subitens, se em estado satisfatório, valia 100 pontos. Em seguida eram dadas</p><p>notas aos subitens, segundo uma escala de estado bom, medíocre e ruim. Cada uma dessa notas</p><p>correspondia a um determinado número de pontos, que eram subtraídos dos 100 pontos originais</p><p>do subitem analisado. Impusemo-nos, por outro lado, incluir obrigatoriamente plantas baixas e de</p><p>situação, fotos do volume frontal, da fachada posterior, interiores e detalhe relevante, quando</p><p>existia.</p><p>A ficha do IPCE de sitio era ainda mais simplificada que a de monumento e tivemos que</p><p>introduzir uma série de fichas suplementares com fotos e plantas analisando a localização do sítio</p><p>na cidade, sua delimitação, época das construções, grau de proteção dos imóveis, numero de</p><p>pavimentos e uso do solo. O sitio urbano era descrito obrigatoriamente sob quatro facetas: geo-</p><p>gráfica, histórica, socioeconômica e urbanística. Introduzimos também, no verso, um quadro</p><p>sinóptico com dados sobre evolução político-administrativa, territorial e demográfica da cidade.</p><p>Namesma planilha estão reunidos dados sobre o sítio inventariado, como superfície e composi-</p><p>ção da população, nmero de imóveis e praças, uso do solo e edifícios relevantes. As normas</p><p>executivas do IPAC-Ba estão descritas no final do 2º volume da serie7.</p><p>O IPAC-Ba, realizado entre 1973 e 2002, sob enormes dificuldades logísticas e administra-</p><p>tivas, cobriu todo o estado da Bahia, com uma extensão de 567.700 km2, território maior que</p><p>o da Espanha, arrolando 18 centros históricos e 1.065 imóveis de valor cultural reunidos e</p><p>publicados em sete volumes8. Além de seu pioneirismo no país, esse inventário foi muito além</p><p>das especificações do IPEC contribuindo para a criação de uma nova referência neste campo e</p><p>continua a ser o único inventário de patrimônio edificado exaustivo de um estado brasileiro9.</p><p>7Normas de Execução do IPAC in</p><p>IPIPIPIPIPAAAAAC-BC-BC-BC-BC-BA,A,A,A,A, vvvvvol I I ,ol II,ol I I ,ol II,ol I I , RRRRReconcaeconcaeconcaeconcaeconcavvvvvooooo,,,,,</p><p>I parteI parteI parteI parteI parte. Salvador: Bahia, Sec. da</p><p>Industria e Comercio, 2ª Ed., 1982,</p><p>pp. 269-279.</p><p>8 Os bens culturais estão assim dis-</p><p>tribuídos: Vol. I – Salvador, 135</p><p>monumentos, Vol. II – Recôncavo</p><p>I, dois centros históricos e 107</p><p>monumentos, Vol. III –</p><p>Recôncavo II, cinco centros his-</p><p>tóricos e 150 monumentos, Vol.</p><p>IV – Litoral Sul, sete centros his-</p><p>tóricos e 169 monumentos, Vol. V</p><p>– Chapada Diamantina, quatr o</p><p>centros históricos e 165 monu-</p><p>mentos, Vol. VI – S. Francisco e</p><p>Extremo Oeste, 159 monumen-</p><p>tos, Vol. VII – Região Pastoril,</p><p>180 monumentos.</p><p>9 AZEVEDO, Paulo Ormindo. Inven-</p><p>tário como Instrumento de Prote-</p><p>ção: a experiência pioneira do</p><p>IPAC-Bahia, in MOTTA, Lia e SIL-</p><p>VA, Ma. Beatriz Resende (Org.)</p><p>Inventários de IdentificaçãoInventários de IdentificaçãoInventários de IdentificaçãoInventários de IdentificaçãoInventários de Identif icação.</p><p>Rio de Janeiro: IPHAN, 1988.</p><p>31</p><p>*Faculdade de Arquitetura e Urba-</p><p>nismo - USP.</p><p>1 REIS FILHO, Nestor Goulart. “No-</p><p>tas sobre a evolução dos estu-</p><p>dos de História da Urbanização e</p><p>do Urbanismo no Brasil”. Cader-</p><p>nos de Pesquisa do LAP, n. 29.</p><p>2 LEPETIT, Bernard. Por uma nova</p><p>história urbana. São Paulo:</p><p>EDUSP, 2001. Seleção de textos,</p><p>revisão crítica e apresentação de</p><p>Heliana Angotti Salgueiro.</p><p>3 CALABI, Donatella. “A história ur-</p><p>bana na Itália e na Europa” In:</p><p>PONTUAL, Virgínia e LORETTO,</p><p>Rosane. Cidade, território e urba-</p><p>nismo: um campo conceitual em</p><p>construção. Olinda: CECI, 2009.</p><p>pp. 39-53.</p><p>4 REIS FILHO, Nestor Goulart. Con-</p><p>tribuição ao Estudo da Evolução</p><p>Urbana do Brasil (1500-1720) .</p><p>São Paulo: Pioneira, 1968. 2a. ed.</p><p>2001.</p><p>5 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes</p><p>do Brasil. São Paulo: Livraria José</p><p>Olympio, 1936. É apenas na 2a.</p><p>edição, publicada em 1948, que o</p><p>capítulo “O passado agrário” é</p><p>desmembrado em dois outros –</p><p>A ÚLTIMA DÉCADA, NOVOS RUMOS.</p><p>BALANÇO DA HISTORIOGRAFIA SOBRE URBANIZAÇÃO NO BRASIL-COLÔNIA.</p><p>A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS REGIONAIS RECENTES.</p><p>Beatriz P. Siqueira Bueno*</p><p>1. A primeira geração1. A primeira geração1. A primeira geração1. A primeira geração1. A primeira geração</p><p>Os estudos de História da Urbanização e do Urbanismo no Brasil têm início apenas há 50</p><p>anos1 (LAP n. 29); são, portanto, muito recentes. Não se trata de uma peculiariedade brasileira.</p><p>Como disseramBernard Lepetit2 e Donatella Calabi3, este campo de investigação na França e na</p><p>Itália também se consolidou nos anos 1950, contemporaneamente ao Brasil, momento de</p><p>metropolização das cidades e dos primeiros passos do planejamento urbano. Em meados do</p><p>século XX, lá e cá, é compreensível a eleição do passado urbano como objeto de estudo em</p><p>perspectiva histórica, com vistas a pensar o presente e planejar o futuro.</p><p>O hoje clássico Contribuição ao Estudo da Evolução Urbana do Brasil (1500-1720)4, tese de livre-</p><p>docência deNestorGoulart Reis Filho, defendida em1964 e publicada</p><p>em 1968, é nosso texto inaugural, dado que o capítulo “O Semeador</p><p>e o Ladrilhador”, do livro Raízes do Brasil 5 de Sérgio Buarque de</p><p>Holanda (1936/1947), tinha mais umcaráter ensaístico, não chegan-</p><p>do a configurar um campo de investigação específico. Ao falar em</p><p>História da Urbanização - e não emHistória do Urbanismo ouHis-</p><p>tória da Cidade -, Nestor Goulart delimitou um campo de investiga-</p><p>ção dotado de uma perspectiva teórico-metodológica muito clara,</p><p>para a qual certamente contribuiu sua dupla formação emArquitetu-</p><p>ra e Urbanismo e em Ciências Sociais, bem como seu gosto particu-</p><p>lar pela História, com perfil quase de arqueólogo. Partindo de evi-</p><p>dências materiais, Nestor propôs estudar a questão em perspectiva</p><p>histórica e sistêmica, enfatizando as lógicas da política de colonização</p><p>e urbanização e seus produtos no tempo longo, conceituando o cará-</p><p>ter de cada núcleo em meio à rede urbana, em escalas geográficas</p><p>diversas – do regional ao intercontinental. Sistema e rede urbana são,</p><p>aliás, palavras-chaves na teoria de Nestor Goulart. Muito além de</p><p>meros artefatos, encarados na sua dimensão puramentemorfológica,</p><p>a arquitetura, a cidade e o território são entendidos como configura-</p><p>ções espaciais de relações sociais. Como bom sociólogo, Nestor</p><p>Goulart leva muito a sério os atores, seus desígnios, suas articulações</p><p>conscientes e inconscientes, seus jogos ideológicos, para explicar as</p><p>configurações assumidas tanto na escala da rede quanto na escala do</p><p>espaço intra-urbano. A sociedade, na teoria de Goulart, não é com-</p><p>preendida como uma categoria inerte, mas rica em “degradés” soci-</p><p>ais (escravos, camadas médias, oligarquia) e contradições. Nesse uni-</p><p></p><p>verso, o urbanismo é entendido como configuração das relações sociais no espaço intra-urbano,</p><p>bem com o intervenção na cidade existente ou projeto para concepção de novos espaços. Para</p><p>tanto, desde o início, tal perspectiva teórica se ampara na estratégia metodológica de reunião e</p><p>interpretação de amplas séries documentais primárias, sobretudo cartográficas e iconográficas,</p><p>resultando em 1964 no Catálogo de Iconografia das vilas e cidades do Brasil Colonial (1500-1720) e, em</p><p>2000, no livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial6.</p><p>2. A segunda geração2. A segunda geração2. A segunda geração2. A segunda geração2. A segunda geração</p><p>A geração seguinte deu outra enorme contribuição. Menciono aqui os trabalhos de Murillo</p><p>Marx, dos anos 1980 e 1990, com foco na Igreja como grande parceiro da Coroa portuguesa na</p><p>colonização doBrasil, lançando luz sobre outros agentes modeladores do espaço urbano – Nosso</p><p>chão: do sagrado ao profano (1989)7 -, sobre a rede eclesiástica de capelas e freguesias e sobre a</p><p>questão fundiária pré e pós Lei de Terras (1850) – Cidade</p><p>no Brasil, terra de quem? (1991)8 - e, como</p><p>bom etimólogo, sobre os conceitos de época, tão negligenciados até Cidade no Brasil, em que termos?</p><p>(1999)9. Nesta segunda geração, incluem-se os trabalhos das</p><p>brasilianistas Roberta Delson – New towns for colonial Brazil. Spacial</p><p>and social planning of the eighteenth century (1979)10 - e Elizabeth</p><p>Kuznesof –Household economy and urban development: São Paulo, 1765</p><p>to 1836 (1986)11 -, com preocupações centradas no processo de</p><p>urbanização do séculoXVIII. Delson explorou particularidades da</p><p>política de colonização nas diversas regiões daAmérica Portuguesa</p><p>e Kuznesof destacou o papel dos atores sociais urbanos e da econo-</p><p>mia urbana na composição das riquezas no Brasil, até então visto</p><p>exclusivamente como uma retaguarda rural dos mercados urbanos</p><p>europeus, sob a égide de uma oligarquia rural. A partir de Kuznesof</p><p>foi possível entrever a dinâmica econômica das atividades urbanas,</p><p>inaugurando assim uma nova linha de investigação hoje explorada</p><p>por pesquisadores como João Fragoso – Homens de grossa aventura.</p><p>Acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1998)12 - e</p><p>Junia Furtado – Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do</p><p>comércio nas Minas setecentistas (1999)13.</p><p>Integram esta segunda geração de pesquisadores sintonizados</p><p>com a questão da História da Urbanização uma série de líderes</p><p>regionais. Desses, destacamos: Benedito Lima de Toledo e Carlos</p><p>Lemos (SP); Fania Fridman,Maurício de Abreu, Giovana Rosso del</p><p>Brenna e Margareth da Silva Pereira (RJ); José Luiz Mota Menezes</p><p>(PE); José Liberal de Castro (CE); Paulo Ormindo de Azevedo,</p><p>Maria Helena Flexor, Mário Mendonça e Pedro Vasconcelos (BA);</p><p>e Gunther Weimer (RS). Estes intelectuais iniciaram importantes</p><p>investigações regionais, com base em levantamentos de campo e</p><p>farta documentação primária, contribuindo para o debate geral, as-</p><p>sim como para a formação de uma nova geração de pesquisadores</p><p>nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Arquitetura e Ur-</p><p>banismo então recém-criados, sobretudo, nas universidades federais</p><p>dos seus respectivos estados.</p><p>6 REIS FILHO, Nestor G. Imagens</p><p>de Vilas e Cidades do Brasil Colo-</p><p>nial [Colaboradores: Paulo Bruna</p><p>e Beatriz P. S. Bueno]. São Paulo:</p><p>FAPESP/ EDUSP, 2000.</p><p>7 MARX, Murillo. Nosso chão: do</p><p>sagrado ao profano. São Paulo:</p><p>EDUSP, 1989.</p><p>8 MARX, Murillo. Cidade no Brasil,</p><p>terra de quem? São Paulo: EDUSP/</p><p>NOBEL, 1991.</p><p>9 MARX, Murillo. Cidade no Brasil</p><p>em que termos? São Paulo:</p><p>NOBEL, 1999.</p><p>10 DELSON, Roberta. New towns for</p><p>colonial Brazil. Spacial and social</p><p>planning of the eighteenth century.</p><p>Ann Arbor: Syracuse University,</p><p>University Microfilms Internacio-</p><p>nal, 1979. 2a. ed. 1997.</p><p>11 KUZNESOF, Elizabeth. Household</p><p>economy and urban development:</p><p>São Paulo, 1765 to 1836. Boulder,</p><p>CO: Westview, 1986.</p><p>12 FRAGOSO, João. Homens de gros-</p><p>sa aventura. Acumulação e hie-</p><p>rarquia na praça mercantil do Rio</p><p>de Janeiro. 2a. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Civilização Brasileira, 1998. Tese</p><p>defendida na UFF, em 1990.</p><p>13 FURTADO, Junia. Homens de ne-</p><p>gócio: a interiorização da metró-</p><p>pole e do comércio nas Minas</p><p>setecentistas. São Paulo:</p><p>HUCITEC, 1999.</p><p>33</p><p>Tais perspectivas floresceram e deixaram inúmeros filhotes, cujos trabalhos vêm preenchen-</p><p>do lacunas historiográficas e definindo novas possibilidades temáticas e metodológicas, que nos</p><p>parece oportuno aqui divulgar. Este será portanto o tema da minha fala: as contribuições da</p><p>última década no âmbito da História da Urbanização no Brasil.</p><p>3. O “estado da arte” no ano 20003. O “estado da arte” no ano 20003. O “estado da arte” no ano 20003. O “estado da arte” no ano 20003. O “estado da arte” no ano 2000</p><p>Em 1999/2000, por ocasião das Comemorações dos Descobri-</p><p>mentos Portugueses, reiniciou-se, comvigor, o intercâmbio entre Bra-</p><p>sil e Portugal, estimuladopor uma série de eventos, exposições e publi-</p><p>cações14 –Colectânea deEstudosUniversoUrbanísticoPortuguês -1415-1822</p><p>(1998), Revista Oceanos no. 41 – A construção do Brasil urbano (2000),</p><p>Bibliografia Ibero-Americana da História do Urbanismo e da Urbanística -</p><p>1415-1822 (2000), Actas do Colóquio Internacional Universo Urbanístico</p><p>Português -1415-1822 (2001), A praça na cidade portuguesa (2001), A</p><p>construção da cidade brasileira (2004).</p><p>Reuniões científicas preparatórias e opróprio Colóquio Internacional</p><p>Universo Urbanístico Português – 1415-1822 (Coimbra 1999) - capitanea-</p><p>do por Renata Araújo, Walter Rossa e Helder Carita -, bem como o</p><p>Colóquio Portugal-Brasil: A praça na cidade portuguesa (Lisboa 1999), o</p><p>Colóquio A representação da cidade de origem portuguesa na cartografia histórica</p><p>(Rio de Janeiro 2000) e o Colóquio A construção do Brasil Urbano ( Ciclo</p><p>de Conferências do Convento – Estudos Gerais da Arrábida 2000),</p><p>orquestradosporManuelTeixeira, em2000, forneceramo “estadoda</p><p>arte” daquelemomento. Estimulados pormestres como JoséAugusto</p><p>França, José Eduardo Horta Correia e Rafael Moreira, entre outros,</p><p>àquela altura,Araújo,Rossa eTeixeira – compondogruposdistintos -</p><p>estavam escrevendo sobre o Brasil e intuíram sobre a necessidade de</p><p>revitalizarumintercâmbiohá muito interrompido.</p><p>Nos anos 2000, foi possível perceber a existência de pesquisas</p><p>em andamento15 sobre quase todos os estados brasileiros – Fania</p><p>Fridman e Fernanda Bicalho (RJ); Renata Araújo, Jussara da Silveira</p><p>Derenji e Luís Alexandre Rodrigues (AM ); Ana Cristina Braga e</p><p>EdilsonNazaré Dias Motta (Ilha de Marajó); Dora Alcântara, Cris-</p><p>tovãoDuarte e Ananias AlvesMartins (MA); RomeuDuarte Junior</p><p>(CE); Maria Helena Flexor (BA); Renata Araújo (MT); Cláudia</p><p>Damasceno Fonseca, Til Pestana (Diamantina) e Pedro Alcântara</p><p>(MG); Nestor Goulart (SP); Lisete Assen de Oliveira (SC); e Luís</p><p>FernandoRhoden e LuizAntônioBolcatoCustódio (RS). José Luiz</p><p>Mota Menezes, Paulo Ormindo de Azevedo, Murillo Marx, Roberta</p><p>Delson e José Pessoa, embora tenham importantes trabalhos sobre</p><p>urbanização, urbanismo e arquitetura, participaramdos eventos tra-</p><p>tando de questões mais gerais referentes ao tema, e eu, desde 1993,</p><p>inaugureiminha incursão sobre a questão do desenho e dos desígni-</p><p>os da cartografia dos engenheiros militares16, bem como sobre a</p><p>formação e a cultura profissional dosmesmos, objetos de estudo da</p><p>14ARAÚJO, Renata; CARITA, Helder.</p><p>Colectânea de Estudos Universo</p><p>Urbanístico Português -1415-</p><p>1822. Lisboa: CNCDP, 1998.</p><p>ROSSA, Walter. Revista Oceanos</p><p>[A construção do Brasil urbano],</p><p>no. 41. Lisboa: CNCDP, 2000.</p><p>ARAÚJO, Renata e ROSSA,</p><p>Walter (coords.). Bibliografia</p><p>Ibero-Americana da História do</p><p>Urbanismo e da Urbanística -</p><p>1415-1822. Lisboa: CNCDP, 2000.</p><p>ARAÚJO, Renata, CARITA, Helder</p><p>e ROSSA, Walter (coords.). Actas</p><p>do Colóquio Internacional Univer-</p><p>so Urbanístico Português -1415-</p><p>1822. Lisboa: CNCDP, 2001.</p><p>TEIXEIRA, Manuel. A praça na</p><p>cidade portuguesa. Lisboa: Livros</p><p>Horizonte, 2001.</p><p>TEIXEIRA, Manuel. A construção</p><p>da cidade brasileira. Lisboa: Li-</p><p>vros Horizonte, 2004.</p><p>15Certamente não eram as únicas</p><p>nos seus respectivos estados,</p><p>mas aquelas cujos pesquisado-</p><p>res foram contatados por Rossa,</p><p>Araújo, Carita e Teixeira.</p><p>16BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira.</p><p>Desenho e Desígnio: o Brasil dos</p><p>engenheiros militares. OceanosOceanosOceanosOceanosOceanos</p><p>[A constr[A constr[A constr[A constr[A construção do Brução do Brução do Brução do Brução do Brasil urasil urasil urasil urasil ur-----</p><p>bano].bano].bano].bano].bano]. Lisboa: CNCDP, 41: 40-58,</p><p>jan.-mar. 2000; BUENO, Beatriz</p><p>Piccolotto Siqueira. Desenho eDesenho eDesenho eDesenho eDesenho e</p><p>Desígnio: o Brasil dos enge-Desígnio: o Brasil dos enge-Desígnio: o Brasil dos enge-Desígnio: o Brasil dos enge-Desígnio: o Brasil dos enge-</p><p>nheiros militares (1500-nheiros militares (1500-nheiros militares (1500-nheiros militares (1500-nheiros militares (1500-</p><p>1822).1822).1822).1822).1822). Tese de doutorado apre-</p><p>sentada à FAUUSP, 2001 (2ª versão</p><p>– 2003); BUENO, Beatriz Piccolotto</p><p>Siqueira. “Desenhar (projetar) em</p><p>Portugal e Brasil nos séculos XVI-</p><p>XVIII”. Cadernos de PesquisaCadernos de PesquisaCadernos de PesquisaCadernos de PesquisaCadernos de Pesquisa</p><p>do Lapdo Lapdo</p><p>Lapdo Lapdo Lap,,,,, n. 36. São Paulo: LAP/</p><p>FAUUSP, pp. 1 – 45, jul.-dez. 2002;</p><p>BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira.</p><p>“Decifrando mapas: sobre o con-</p><p>ceito de território e suas vinculações</p><p>com a cartografia”. Anais do Mu-Anais do Mu-Anais do Mu-Anais do Mu-Anais do Mu-</p><p>seu Paulista: História e Cul-seu Paulista: História e Cul-seu Paulista: História e Cul-seu Paulista: História e Cul-seu Paulista: História e Cul-</p><p>turturturturtura Maa Maa Maa Maa Material,terial,terial,terial,terial, v.12. São Paulo:</p><p>Museu Paulista-USP, pp.193 - 234,</p><p>jan.-dez. 2004.</p><p>34</p><p>minha tese de doutorado, então em andamento, defendida na FAUUSP em2001, a ser publicada</p><p>pela EDUSP em 2010.</p><p>Hoje, posso assegurar, que as raras lacunas ali observadas foram cobertas por estudos con-</p><p>cretizadas na última década.</p><p>4. O “estado da arte” na última década4. O “estado da arte” na última década4. O “estado da arte” na última década4. O “estado da arte” na última década4. O “estado da arte” na última década</p><p>De cunhomais teórico, na última década, destacam-se os trabalhos de fôlego deAmilcar Torrão</p><p>Filho – Paradigma do caos ou cidade da conversão?: a cidade colonial naAmérica portuguesa e o caso da São Paulo</p><p>na administração doMorgado deMateus (1765-1775) (IFCH-UNICAMP2004)17 - e deGeorge Alexan-</p><p>dre Ferreira Dantas - A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil (EESC - 2009)18 -,</p><p>referentes àHistória daHistoriografia sobre Urbanização eUrbanismo noBrasil-Colônia. Ambos</p><p>investigam as indagações que motivaram a constituição de uma espécie de “lugar comum” que</p><p>persegue nossa historiografia até o presente – a questão do “desleixo” versus “ordem”que insiste em</p><p>orientar as comparações das estratégias de colonização dos espanhóis e dos portugueses naAmérica.</p><p>Amilcar Torrão, com olhar de historiador e amparado pela orientação teórico-metodológica de</p><p>Maria StellaBresciani, esmiuça as sementes e motivaçõesdoensaiodeSérgioBuarque (1936/1947)</p><p>que inaugurou as metáforas do “semeador” e do “ladrilhador”, configurando arquétipos de um</p><p>modo de ser, de agir, herdado culturalmente na sociedade. Além disso, percorre e classifica as</p><p>numerosas teses que nortearam nossa historiografiamais clássica - “tese da desordem e do desleixo”</p><p>liderada por SérgioBuarque, “tese da ordempragmática” deNestor-Delson-Rossa-Ormindo-Teixeira-</p><p>Flexor, “tese da cidade construtora da nacionalidade” de Plínio Salgado, “tese da organicidademedi-</p><p>eval” de Paulo Santos, “tese da espacialidade barroca” de Giovana Rosso del Brenna, “tese da</p><p>cidade comoelementodeordenamento civil e eclesiástico”deRichardMorse-CaioBoschi-Murillo</p><p>Marx. Talvez aí resida seu aspecto limitante, dado que a obra desses autores nem sempre se presta</p><p>aos enquadramentos realizados.Demesma natureza, semo afã classificador do primeiro, na linha da</p><p>NovaHistória Cultural destaca-se o trabalho deGeorgeDantas, que busca desvendar um problema</p><p>historiográfico, fruto da sobreposição de teses e argumentos de genealogia difusa, que consagram</p><p>uma representação negativa da cidade colonial brasileira. Tem como objetivo identificar, discutir e</p><p>analisar as bases formativas e as diferentes matrizes do pensamento que informaram e inf luencia-</p><p>ram a construção historiográfica sobre a cidade do período colonial no</p><p>Brasil, descortinando lugares e fundos-comuns.GeorgeDantas, como</p><p>arquiteto, tem foco mais dirigido para a historiografia oriunda desses</p><p>profissionais. Alémdisso, à historiografia sobre urbanização e urbanis-</p><p>mo, George Dantas acrescenta o papel dos viajantes do século XIX,</p><p>dosmédicos eengenheiros sanitaristasda1a. República (1889-1930) e</p><p>da historiografia sobre a ArquiteturaModerna dos anos 1950/1960 -</p><p>embebida da ideologia do plano (Bruand,Mindlin,Goodwin) - na cons-</p><p>trução de uma narrativa negativa sobre a cidade colonial no Brasil.</p><p>No que diz respeito aos estudos regionais, Renata Araújo, que</p><p>havia concluído uma belíssima dissertação de mestrado sobre a</p><p>Amazônia no século XVIII em 1992 (publicada em 1998) –As cida-</p><p>des da Amazônia no Século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão19 -, finali-</p><p>zou seu doutorado sobre oMatoGrosso em 2000, na Universidade</p><p>Nova de Lisboa – A urbanização do Mato Grosso no século XVIII. Dis-</p><p>curso e método”. Mato Grosso também mereceu contribuição do</p><p>17TORRÃO FILHO, Amilcar. Paradigma</p><p>do caos ou cidade da conversão?</p><p>São Paulo na administração do</p><p>Morgado de Mateus (1765-1775).</p><p>São Paulo: Annablume, 2007.</p><p>TORRÃO FILHO, Amilcar. A arquite-</p><p>tura da alteridade: a cidade luso-</p><p>brasileira na literatura de viagem</p><p>(1783-1845). Tese de Dfoutorado –</p><p>IFCH- UNICAMP, 2008.</p><p>18George Alexandre Ferreira Dantas.</p><p>A formação das representações so-</p><p>bre a cidade colonial no Brasil. Tese</p><p>de Doutorado: EESC, 2009.</p><p>19ARAÚJO, Renata. As cidades da</p><p>Amazônia no Século XVIII. Belém,</p><p>Macapá e Mazagão. Porto: FAUP,</p><p>1998.</p><p>35</p><p>geógrafo Carlo Eugênio Nogueira - Nos sertões do poente. Conquista e colonização do Brasil Central</p><p>(FFLCH-USP 2008) - sob a orientação de Antonio Carlos Robert de Moraes, autor do clássico</p><p>Bases da formação territorial do Brasil. O território colonial brasileiro no “longo” século XVI (2000).</p><p>Com omesmo rigor, Cláudia Damasceno Fonseca, sob a orientação inicial de Bernard Lepetit</p><p>(inmemoriam), concluiunaÉcole desHautesÉtudes en Sciences Socialessua tesede doutorado sobreMinas</p><p>Gerais, em 2001, publicada em 2003 – Des terres aux villes de l’or. Pouvoirs et territoires urbains au Minas</p><p>Gerais (Brésil,XVIIIe siècle)20. SobreMinas, comfocomaisdirecionadoparaa interpretaçãocartográfica</p><p>das dinâmicas e lógicas da rede de caminhos e vilas do ouro, Fernanda Borges de Moraes21, sob a</p><p>orientação de Carlos Lemos, defendeu outra preciosa tese – A rede urbana das minas coloniais na</p><p>urdidura do tempo e do espaço (FAUUSP, 2005). Por outro lado, na pers-</p><p>pectivadaHistóriaCultural, RodrigoAlmeidaBastos investigou a na-</p><p>tureza específica do urbanismo colonial, com base nos conceitos e</p><p>categorias estéticas coevos aoperíodo.Na sua dissertação demestrado</p><p>-Aarte do urbanismo conveniente: o decoro na implantaçãode novas povoações em</p><p>Minas Gerais na primeira metade do século XVIII (UFMG, 2003)22, sob</p><p>profunda influência de João Adolfo Hansen, advogou pela</p><p>reconstituição histórica dos preceitos e regimes retóricos contemporâ-</p><p>neos às produções artísticas do período. Segundo ele, o caminho aber-</p><p>to pelas “belas letras” promete ser bastante proveitoso também às</p><p>demais artes. Como foco no conceito de “decoro”, explorouAtas de</p><p>Câmara e outros documentos de época em busca do discurso que</p><p>justificava a implantação de novas povoações ou a intervenção na</p><p>cidade existente, mostrando que núcleos aparentemente sem</p><p>ordenamento, ou semplano,mereciamcuidados urbanísticos sim, sob</p><p>a égide das noções de decoro e conveniência. Evitando anacronismos, a</p><p>chave de investigação proposta por Rodrigo Bastos me parece das</p><p>mais salutares, merecendo estudos afins em outros contextos. Certa-</p><p>mente, constitui-se embalizametodológica para orientação dos estu-</p><p>dos sobreourbanismocolonial.</p><p>Sobre a Capitania de Goiás, destaca-se a tese de doutorado de</p><p>Deusa Maria Rodrigues Boaventura – Urbanização em Goiás no século</p><p>XVIII -, defendida na FAUUSP, em 200723.</p><p>A região Nordeste também vem merecendo importantes</p><p>contribuições.</p><p>A Universidade Federal de Alagoas conta com um grupo de</p><p>estudos coordenado porMaria Angélica Silva.</p><p>NasUniversidadesFederaisdaBahia, doCeará,daParaíbae doRio</p><p>GrandedoNorte, destacam-seos trabalhosdeClóvisRamiro JucáNeto</p><p>sobreoCeará–AurbanizaçãodoCeará setecentista.As vilas deNossaSenhora</p><p>daExpectação do Icó e de SantaCruzdoAracati (2006)24 -, deMariaBerthilde</p><p>Moura Filha25 sobreFilipéia deNossa Senhora das Neves (Paraíba), de</p><p>Rubenilson Teixeira26 sobre a Capitania do Rio Grande doNorte e de</p><p>JulianoLoureiro de Carvalho27 sobre a urbanização na Paraíba.</p><p>Com foco na economia do gado e do algodão, em pleno sertão</p><p>nordestino, inserem-seos trabalhosdeDamião EsdrasAraújoArraes</p><p>20FONSECA, Cláudia Damasceno.</p><p>Des terres aux villes de l’or.</p><p>Pouvoirs et territoires urbains au</p><p>Minas Gerais (Brésil, XVIIIe</p><p>siècle). Lisboa: Fundação</p><p>Calouste</p><p>Gulbenkian, 2003.</p><p>21MORAES, Fernanda Borges. A rede</p><p>urbana das minas coloniais na</p><p>urdidura do tempo e do espaço.</p><p>Tese de Doutorado, FAUUSP, 2005.</p><p>22BASTOS, Rodrigo Almeida. A arte</p><p>do urbanismo conveniente: o de-</p><p>coro na implantação de novas po-</p><p>voações em Minas Gerais na pri-</p><p>meira metade do século XVIII.</p><p>Dissertação de Mestrado, UFMG,</p><p>2003.</p><p>23BOAVENTURA, Deusa Maria</p><p>Rodrigues. Urbanização em Goiás</p><p>no século XVIII. Tese de Doutora-</p><p>do, FAUUSP, 2007.</p><p>24JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro. A ur-</p><p>banização do Ceará setecen-tista.</p><p>As vilas de Nossa Senhora da</p><p>Expectação do Icó e de Santa Cruz</p><p>do Aracati. Tese de Doutorado,</p><p>UFBA, 2007.</p><p>25MOURA FILHA, Maria Berthilde de</p><p>Barros Lima e. De Filipéia à</p><p>Paraíba. Uma cidade na estraté-</p><p>gia de colonização do Brasil. Sé-</p><p>culos XVI-XVIII. Tese de Douto-</p><p>rado em História da Arte - Facul-</p><p>dade de Letras da Universidade</p><p>do Porto, 2004. Orientador: Joa-</p><p>quim Jaime Ferreira Alves.</p><p>26TEIXEIRA, Rubenilson. De la ville</p><p>de Dieu à la ville des hommes. La</p><p>sécularisation de l’espace urbain</p><p>dans le Rio Grande do Norte. Tese</p><p>de Doutorado – EHESS, 2002.</p><p>Orientador: Alain Musset.</p><p>27CARVALHO, Juliano Loureiro de.</p><p>Formação territorial da mata</p><p>paraibana, 1755-1808. Disserta-</p><p>ção de Mestrado – UFBA, 2008.</p><p>36</p><p>(mestrado em estágio inicial na FAUUSP) sobre a rede urbana de Pernambuco, bem como de</p><p>Nathália Maria Montenegro Diniz sobre as trilhas e as fazendas de gado - Velhas Fazendas das</p><p>ribeiras do Seridó (Mestrado FAUUSP, 2008) e Paisagem Cultural Sertaneja: as fazendas de gado do ser tão</p><p>nordestino (Doutorado em andamento FAUUSP) - e de Olavo Pereira da Silva Filho – Carnaúba,</p><p>pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy (2007) – sobre as fazendas de gado do Piauí. A</p><p>interiorização da colonização começa, portanto, a ser contada sobum outro prisma, somando-se</p><p>o ciclo do gado ao já amplamente explorado ciclo da mineração. Finalmente o sertão nordestino</p><p>vem ganhando luz ao merecer a atenção desses pesquisadores.</p><p>Espírito Santo conta com a tese de doutorado de Luciene Pessotti28,A geopolítica do sagrado.A</p><p>participação da Igreja Católica na conformação urbana da Vila de Nossa Senhora da Vitória – ES (século</p><p>XVI ao XIX) (2005).</p><p>A Capitania de São Paulomereceu especial atenção de Amilcar Torrão e, mais recentemente,</p><p>de Fernanda Derntl –Método e Arte: a criação urbana na Capitania de São Paulo (1765-1822) (douto-</p><p>rado em andamento, FAUUSP), ambos com foco no processo de urbanização no período do</p><p>Morgado de Mateus.</p><p>Rio de Janeiro conta com as contribuições recentes de Nireu Cavalcanti – O Rio de Janeiro</p><p>setecentista. A vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte (2004) -, Fernanda</p><p>Bicalho – A cidade e o Império. O Rio de Janeiro no século XVIII (FFLCH-USP 2003) -, Maurício de</p><p>Abreu e Ronald Raminelli – Viagens Ultramarinas. Monarcas, vassalos e governo à distância (2008).</p><p>Além disso o Atlas de Centros Históricos do Brasil (2008) de José Pesssoa vem a contribuir, e</p><p>muito, na visualização aerofotogramétrica de cidades e centros históricos contemporâneos, desta-</p><p>cando aspectos do legado urbanístico e arquitetônico do nosso passado colonial, hoje em vias de</p><p>preservaçãopelos orgãos doPatrimônio.</p><p>Rio Grande do Sul também está merecendo estudo de Ana Lúcia Costa de Oliveira, sob a</p><p>orientação de GuntherWeimar, na linha dos outrora empreendidos por Luís Fernando Rhoden e</p><p>LuizAntônioBolcato Custódio.</p><p>Além disso, em seu mestrado – Paisagens no tempo: vilas litorâneas paulistas (FAUUSP, 2008) –,</p><p>Rubens Gianessella29 procurou lançar luz sobre uma nova seara, o papel da pré-existência, na</p><p>configuração da rede urbana colonial, dos indígenas e de seus aldeamentos na escolha da situação</p><p>geográfica e do sítio para implantação dos núcleos portugueses e, sobretudo, das alianças dos</p><p>portugueses com os nativos para garantir a sua sobrevivência num novo mundo. Este aspecto</p><p>vem sendo ignorado pela historiografia, que insiste em realizar os estudos de urbanização partin-</p><p>do do Brasil como um território virgem, uma folha em branco, sobre a qual a História só pôde ser</p><p>escrita a partir da chegada e sob a ótica dos portugueses. A linha de investigação inaugurada por</p><p>Gianessella se vale de contribuições clássicas e recentes, oriundas</p><p>douniversodoshistoriadores, arqueólogos, antropólogosegeógrafos,</p><p>com destaque para os trabalhos de John Monteiro e Pedro Paulo</p><p>Funari na UNICAMP.</p><p>Sobre os engenheiros militares e sua cartografia, boa parte das</p><p>dissertações e teses aqui mencionadas vem elucidando particulari-</p><p>dades regionais sobre a presença ou ausência desses profissionais e</p><p>o significado estratégico deles nas políticas de colonização e urbani-</p><p>zação. A análise do papel dos engenheirosmilitares perpassa as dis-</p><p>cussões sobre regiões específicas, mesmo quando eles aparentemente</p><p>28PESSOTTI, Luciene. A geopolítica</p><p>do sagrado. A participação da Igre-</p><p>ja Católica na conformação urba-</p><p>na da Vila de Nossa Senhora da</p><p>Vitória – ES (século XVI ao XIX).</p><p>Tese de Doutorado: UFBA, 2005.</p><p>Orientador: Pedro Vasconcelos.</p><p>29GIANESSELLA, Rubens. Paisa-</p><p>gens no tempo: vilas litorâneas</p><p>paulistas. Dissertação de</p><p>Mestrado: FAUUSP, 2008.</p><p>Orientador: Beatriz P. S. Bueno.</p><p>37</p><p>estão ausentes. Sua presença ou ausência sempre foi sinônimode interesse e projeto colonizador</p><p>mais ou menos dirigido. Vale a pena investigar as nuances dessa afirmação recorrente.</p><p>Ainda sobre os engenheirosmilitares, em textos publicados na RevistaDesígnio (2004)30 emais</p><p>recentemente nasAtas do I Seminário Urbcolonial (2009)31, venho procurando elucidar sua atuação</p><p>para além da arquitetura militar, do urbanismo e da cartografia, bem como a dimensão prática</p><p>dos conteúdos ministrados nas lições de teoria das Academias Militares. Enganam-se os que</p><p>pensam que estes profissionais apenas construíram fortificações, projetaram vilas e cidades e</p><p>foram exímios cartógrafos. Atuaram em campos tão diversos como a administração portuguesa</p><p>(como governadores de capitanias), as arquiteturas religiosa e civil, envolvendo-se em todas as</p><p>obras de infra-estrutura territorial e urbana patrocinadas pela Coroa. Além disso, mereceram</p><p>encomendas de particulares, sobretudo das irmandades laicas e ordens regulares.Nesses estudos,</p><p>tenho chamado a atenção para o papel dos outros profissionais da construção –mestres pedreiros</p><p>e mestres carpinteiros -, sua formação e universo de atuação. Na mesma linha inserem-se as</p><p>pesquisas de NelsonPorto.</p><p>Sobre o papel e a formação dos engenheiros militares, destacam-se também as importantes</p><p>contribuições de Mário Mendonça de Oliveira32 –As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça</p><p>do Brasil (2004) -, de Alfredo Henrique Caldas de Souza – Salvador: cabeça do Brasil. A participação da</p><p>engenharia militar na configuração de seu espaço urbano (séculoXVIII) (2003) - e deDulcyeneMaria Ribeiro</p><p>–A formação dos engenheirosmilitares. Azevedo Fortes, matemática e ensino da</p><p>engenharia militar no século XVIII em Portugal e no Brasil (Faculdade de</p><p>Educação - USP, 2009)33. Esta última, numa perspectiva da História</p><p>daMatemática, desconstrói o tratado “OEngenheiro Português” (1728/</p><p>1729).Nessa direção, insere-se ainda a tese de Wagner RodriguesVa-</p><p>lente, realizadanaFrançasob aorientaçãodeBruno Belhoste, intitulada</p><p>“Uma história da matemática escolar no Brasil (1730-1930)”34, focalizando</p><p>as referências matemáticas dos nossos “funcionários do urbanismo”</p><p>(expressãodeRenataAraújo) seiscentistas, setecentistas eoitocentistas,</p><p>desvendando peculiaridades do hermético universo da tratadística dos</p><p>engenheirosmilitarese padres jesuítas.</p><p>Na linha das investigações desenvolvidas por Fania Fridman –</p><p>Donos do Rio em nome do Rei (1999) – e Nireu Cavalcanti - O Rio de</p><p>Janeiro setecentista. A vida e a construção da cidade da invasão francesa até a</p><p>chegada da corte (2004) – venho realizando estudos sobre o mercado</p><p>imobiliário urbano no período colonial – Tecido urbano e mercado imobi-</p><p>liário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima Urbana de</p><p>1809 (2005) eAspectos do mercado imobiliário em perspectiva histórica: São</p><p>Paulo (1809-1950)</p><p>(2008). Trata-se de uma vertente pouco explora-</p><p>da pela historiografia e posso assegurar que a interpretação das Dé-</p><p>cimasUrbanas – primeiro imposto predial estabelecido para as vilas</p><p>e cidades brasileiras em 1809 – fornecem um retrato inédito da</p><p>tessitura da cidade colonial, lote a lote, permitindo identificar os pro-</p><p>prietários, os inquilinos, as tipologias, os usos e valores dos imóveis</p><p>urbanos. Numa perspectiva comparada, para além das Décimas do</p><p>Rio de Janeiro (1809-1812) e São Paulo (1809 e 1829), exploradas</p><p>30BUENO, Beatriz Piccolotto</p><p>Siqueira. “O ensino de arquitetura</p><p>nas aulas de engenharia militar da</p><p>Bahia no século XVIII”. Desígnio,</p><p>n.1. São Paulo: Anna Blume, pp.93</p><p>– 100, mar. 2004.</p><p>31BUENO, Beatriz Piccolotto</p><p>Siqueira. “Engenheiros militares:</p><p>atores na modelação do espaço</p><p>urbano”. In: SOUZA, Luciene</p><p>Pessotti e PORTO, Nelson. Urba-</p><p>nismo Colonial. Vilas e cidades de</p><p>matriz portuguesa. Rio de Janei-</p><p>ro: POD Editora, 2009.</p><p>32 OLIVEIRA, Mário Mendonça de.</p><p>As fortificações portuguesas de</p><p>Salvador quando cabeça do Brasil</p><p>Salvador: Fundação Gregório de</p><p>Mattos, 2004.</p><p>33RIBEIRO, Dulcyene Maria. A for-</p><p>mação dos engenheiros militares.</p><p>Azevedo Fortes, matemática e en-</p><p>sino da engenharia militar no sécu-</p><p>lo XVIII em Portugal e no Brasil.</p><p>Tese de Doutorado - Faculdade de</p><p>Educação - USP, 2009.</p><p>34VALENTE, Wagner Rodrigues.</p><p>Uma história da matemática es-</p><p>colar no Brasil (1730-1930). 2a.</p><p>ed. São Paulo: Anna Blume/</p><p>FAPESP, 2007.</p><p>38</p><p>por Nireu Cavalcanti e por mim35, mereceriam estudo as Décimas de outras vilas e cidades do</p><p>Brasil commetodologia semelhante. Ainda em andamento, sobminhaorientação,MargaridaAndrade</p><p>está realizando tese de doutorado sobre o caso de Fortaleza, sinal que as Décimas existem por</p><p>toda parte e precisam ser exploradas.</p><p>Nesse balanço historiográfico da última década, destacam-se também as contribuições</p><p>conceituais e temáticas de alguns pesquisadores estrangeiros, dentre eles LaurentVidal36.</p><p>Sem dúvida, esses novos temas, recortes e aprofundamentos realizados não teriam sido pos-</p><p>síveis sem a melhoria das condições materiais da pesquisa e o afã de investigadores regionais,</p><p>capazes de explorar a documentação local pouco acessível aos estudos mais gerais. Além disso,</p><p>importantes arquivos e bibliotecas relacionados ao universo colonial informatizaram suas cole-</p><p>ções, facilitando o acesso aos documentos e disponibizando-os em larga escala via internet. A</p><p>disponibilização de documentos textuais e das séries cartográficas e iconográficas on line, hoje,</p><p>facilita muito o trabalho dos pesquisadores. Neste aspecto, só para citar alguns exemplos, mere-</p><p>cem consulta:</p><p>Livro e CD – REIS FILHO, N.G. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial (2000).</p><p> Arquivo virtual de cartografia http://urban.iscte.pt (Manuel Teixeira)</p><p> Coleção deMapas da Fundação Biblioteca Nacional – RJ.</p><p> Coleção do Arquivo PúblicoMineiro – BH.</p><p> Projeto Resgate (ArquivoHistóricoUltramarino) (EstherCaldas Bertoletti)</p><p> Projeto Tesouros da BibliotecaNacional de Lisboa (João CarlosGarcia) – http://purl.pt/369/</p><p>1/cartografia.html</p><p> Mapas da Biblioteca Nacional de Lisboa (João Carlos Garcia) –</p><p>http://purl.pt/index/cart/PT/index.html</p><p> ProjetoNovaLusitânia (JoãoCarlosGarcia) –http://purl.pt/103/1/</p><p> ProjetoSIDCarta – Sistemade Informação para DocumentaçãoCartográfica:</p><p>o Espólio da Engenharia Militar Portuguesa (Centro de Estudos</p><p>Geográficos da Universidade de Lisboa/ Direcção dos Serviços de</p><p>Engenharia do Exército/ Instituto Geográfico do Exército) (Maria</p><p>HelenaDiase JoãoCarlosGarcia)– http://www.exercito.pt/bibliopac/</p><p> Livros organizados por Antonio Gilberto Costa – Cartografia da</p><p>conquista do território (2004), Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real</p><p>(2005) e Roteiro Prático de Cartografia: da América Portuguesa ao Brasil</p><p>Império (2007).</p><p> GARCIA, João Carlos Garcia (coord.). A mais dilatada vista do</p><p>mundo. Inventário da colecção cartográfica da Casa da Ínsua . Lisboa:</p><p>CNCDP, 2002.</p><p>Além disso, reuniões científicas têm se mostrado um fértil lugar</p><p>de trocas intelectuais. Destacam-se:</p><p> Seminários de História da Cidade e do Urbanismo (1990-2008)37</p><p> ANPUR</p><p> ANPUH</p><p> II URBColonial (2008 e 2009)</p><p>35BUENO, Beatriz Piccolotto</p><p>Siqueira. “Tecido urbano e merca-</p><p>do imobiliário em São Paulo:</p><p>metodologia de estudo com base</p><p>na Décima Urbana de 1809”.</p><p>Anais do Museu Paulista:Anais do Museu Paulista:Anais do Museu Paulista:Anais do Museu Paulista:Anais do Museu Paulista:</p><p>História e Cultura MaterialHistória e Cultura MaterialHistória e Cultura MaterialHistória e Cultura MaterialHistória e Cultura Material ,</p><p>v.13. São Paulo: Museu Paulista-</p><p>USP, pp.59 - 97, jan.jun. 2005.</p><p>BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira.</p><p>Aspectos do mercado imobiliário</p><p>em perspectiva histórica: São</p><p>Paulo (1809-1950). São Paulo:</p><p>FAUUSP, 2008.</p><p>36VIDAL, Laurent. “Sous le masque</p><p>du colonial. Naissances et</p><p>‘décadence’ d’une vila dans le</p><p>Brésil moderne: Vila Boa de Goiás</p><p>au XVIIIe siècle”. Annales –</p><p>Histoire, Sciences Sociales, 62e</p><p>année, no. 3, mai-jun 2007. pp.</p><p>577-606.</p><p>37Consultar DVD organizado por</p><p>José Tavares de Lira – SHCU 1990-</p><p>2008 -, reunindo as contribuições</p><p>dos dez Seminários de História da</p><p>Cidade e do Urbanismo.</p><p>39</p><p> II Encontro Cidades Latino Americanas do século XVI ao XIX (2006 e 2009)</p><p> III Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica (Rio de Janeiro e Ouro Preto)</p><p> II Seminário Iberoamericano de Cartografia (Buenos Aires e México – 2008)</p><p> Seminários Luso-brasileiros de História da Arte</p><p>É pouco o que se tem hoje em termos de sessões ou reuniões científicas exclusivas sobre</p><p>urbanização colonial, já que somos tantos pesquisadores e escolas.</p><p>Neste cenário, algumas questões mereceriam, a meu ver, aprofundamento em perspectiva</p><p>comparada, envolvendo estudos nas diversas regiões brasileiras:</p><p> Através dasDécimas Urbanas, investigar questões fundiárias, mercado imobiliário, atores e</p><p>usos do espaço urbano.</p><p> Através da cartografia e de dicionários corográficos, reconstituir a rede eclesiástica – capelas</p><p>e freguesias – para analisar o papel dessas povoações pré-existentes na orientação da política</p><p>de colonização daCoroa portuguesa.</p><p> Reconstituir a rede de tribos indígenas e a rede de aldeamentos e todo tipo de ocupação</p><p>preexistente à presença ibérica.</p><p> Reconstituir a rede demissões, aldeias e fazendas dos jesuítas e demais ordens religiosas.</p><p> Reconstituir a rede de caminhos e articulações inter-capitanias.</p><p> Reconstituir as fronteiras das capitanias e redimensionar os recortes dos estudos, envolvendo</p><p>por vezes diversos estados atuais.</p><p> Analisar o papel das vilas (termo e rossio) e cidades reais na rede urbana regional, nacional</p><p>e intercontinental.</p><p> Analisar a documentação camarária, que permite entrever os embates entre as normas</p><p>urbanísticas emanadas do poder central e a população.</p><p> Analisaros “funcionáriosdo urbanismo”paraalémdos engenheirosmilitares (governadores</p><p>de capitanias, ouvidores, capitães-mor,mestres construtores, almotacés, arruadores).</p><p> Analisar o papel do desenho cartográfico no processo de conhecimento, apossamento,</p><p>definição dos territórios e no projeto de vilas e cidades: do borrão às aguadas.</p><p> Na ausência de projetos, analisar os “desenhos por escrito” (feliz expressão cunhada por</p><p>FernandaDerntl) na fundação dos núcleos urbanos noBrasil, mostrando os descaminhos</p><p>entre teoria e prática.</p><p> Diferenciar as estratégias, lógicas e quadros técnicos mobilizados pela Coroa portuguesa</p><p>em áreas centrais e periféricas.</p><p> Estudaros atores sociais urbanos - degradés sociais, índices de riqueza e seu papel na economia</p><p>geral daColônia.</p><p> Analisar a natureza do Estado Português, do governo e da adminstração civil e eclesiástica</p><p>- instituições, organização territorial do antigo regime, centralidade/capitalidade (bispados,</p><p>comarcas, capitanias, municípios - circunscrições do conselho), na linha dos trabalhos</p><p>realizados sob a ótica doDireito noAntigo Regime, por AntónioManuelHespanha eAna</p><p>CristinaNogueira da Silva.</p><p> Analisarparticularidades da sociedadeportuguesa noAntigoRegime e da sociedade colonial,</p><p>na linha dos estudos</p><p>de JoséMattoso, NunoGonçaloMonteiro e Ana Paula Megiani.</p><p> Analisar aspectos da cultura, ciências e homens de estado em Portugal e Brasil no Século</p><p>das Luzes, na linha dos estudos de Ronald Raminelli e Iris Kantor.</p><p>40</p><p> Em dicionários etimológicos de época, levantar as significações de termos, conceitos e</p><p>categorias, na linha dos estudos de Murillo Marx e Rodrigo Bastos.</p><p>5. Urbanização e preservação5. Urbanização e preservação5. Urbanização e preservação5. Urbanização e preservação5. Urbanização e preservação</p><p>Para concluir, gostaria de salientar que esses estudos de urbanizaçãonão sãomerodiletantismo</p><p>de historiadores e arquitetos-urbanistas. Em geral, desenvolvem-se em resposta não apenas a</p><p>rituais de passagem acadêmicos, mas em função de demandas de inventário emanadas dos orgãos</p><p>de preservação do Patrimônio Cultural – federal ou regional -, dos quais muitos pesquisadores</p><p>são parte.</p><p>Inventários e pesquisas lançam luz nas lacunas, dando a medida da relevância daquilo que</p><p>outrora fora desprezado, seja por um viés ideológico restritivo da primeira geração do SPHAN,</p><p>seja por carência de documentação (àquela altura pouco acessível), seja pelo desconhecimento</p><p>daquelas realidades.</p><p>As Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais referentes à preservação do</p><p>Patrimônio Cultural e Natural, assim como os estudos sobre a urbanização, também são muito</p><p>recentes. Datam apenas da década de 1960, recomendações internacionais que extrapolam a</p><p>escala domonumento isolado, versando sobre a cidade histórica, as paisagens naturais e culturais</p><p>e o patrimônio construído vernáculo.</p><p>O conceito de Patrimônio Cultural - em voga a partir dos anos 1972 - e o conceito de Paisagem</p><p>Cultural - em voga desde 1995 -, requerem políticas e estratégias de preservação que articulem</p><p>áreas em geral maiores que as fronteiras jurídicas dos atuais municípios ou estados, bem como</p><p>instituições internacionais, federais, regionais e locais.</p><p>Para orquestrar políticas e estratégias de preservação envolvendo “rugosidades”38 (Milton San-</p><p>tos) configuradas na longa duração, a perspectiva sistêmica da História daUrbanização, tal como</p><p>teorizada por Nestor Goulart, me parece um caminho seguro a trilhar. A análise dos vestígios</p><p>materiais, das diversas camadas de tempos ali amalgamadas, em confronto com séries documen-</p><p>tais conexas – sobretudo cartográficas e iconográficas -, contribui na reconstituição das paisagens</p><p>culturais, envolvendo tempos, usos e significações diferentes das nossas, que requerem uma</p><p>resignificação a partir do presente.</p><p>Lançando luz a lacunas outrora não percebidas, a urbanização comocampode investigação é</p><p>assim, hoje, uma promessa na orientação de políticas e estratégias de preservação de áreas micro</p><p>e marco-regionais, envolvendo vários atores sociais e temporalidades. Para além do simples</p><p>diletantismo, temos muito adiscutir neste seminário, que coloca em destaque estas duas questões</p><p>– urbanização e preservação.</p><p>38SANTOS, Milton. A natureza do</p><p>espaço. Técnica e tempo. Ra-</p><p>zão e emoção. 4a. ed. São Pau-</p><p>lo: EDUSP, 2008.pp. 139-141.</p><p>41</p><p>CAPELA DE SÃO JOÃO BATISTA - CARAPINA GRANDE, SERRA – ES</p><p>RECONSTRUÇÃO COMO RESTAURAÇÃO DA IMAGEM</p><p>Cristina Coelho*</p><p>“Portadores de umamensagem espiritual do passado, as obras monu-</p><p>mentais de cada povo são atualmente o testemunho vivo de suas tradições</p><p>seculares. A humanidade, que cada dia toma consciência da unidade dos</p><p>valores humanos, as considera como patrimônio comum, e passando nas</p><p>gerações futuras, se reconhecesolidamente responsáveldesua conservação.</p><p>É seu dever transmiti-las com toda a riqueza de sua autenticidade.”</p><p>Carta de Veneza, 1964</p><p>A restauração da Capela de São João Batista de Carapina trata-se de uma experiência que</p><p>reuniu o Estado, a iniciativa privada e, principalmente, a comunidade local no resgate de impor-</p><p>tante referencial da cultura jesuítica no estado do Espírito Santo.</p><p>Datada de aproximadamente 1583, a Capela de São JoãoBatista constitui um importante teste-</p><p>munho das primeiras levas demissionários jesuíticos no Espírito Santo. Em situação privilegiada de</p><p>grande riqueza paisagística no planalto de Carapina, no município da Serra, de onde se vê toda a</p><p>cidade de Vitória e o Monte Mestre Álvaro desde seu vale, integra o Sítio Histórico de Carapina,</p><p>condição garantida em 1984 pelo Conselho Estadual de Cultura por</p><p>meio do ato de tombamento da capela e de área de proteção de entor-</p><p>no com raio de 500 metros em torno do bem tombado.</p><p>Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, a construção passou por</p><p>um grande período de abandono. Posteriormente, foi completamen-</p><p>Foto 1 – planalto de Carapina visto da Rodovia BR101 – contorno de Vitória. Em</p><p>destaque a capela / José Antônio Carvalho; 2 – vista aérea da região. Em destaque a</p><p>capela / Google Earth – julho 2009</p><p>*Arquiteta e urbanista graduada pelo</p><p>DAU/UFES em 1989; especialista</p><p>em Restauração de Edifícios e</p><p>Conjuntos Históricos pelo CECRE/</p><p>UFBa em 1993 e mestre em Ciên-</p><p>cias da Arquitetura, na área de</p><p>História e Preservação do</p><p>Patrimônio Cultural pelo PROARQ/</p><p>FAU/UFRJ em 2003. No ES, du-</p><p>rante toda a década passada e</p><p>início desta, atuou na restauração</p><p>de diversos monumentos</p><p>jesuíticos e como docente em</p><p>cursos de graduação em Arquite-</p><p>tura e Urbanismo nas cadeiras de</p><p>Projeto de Arquitetura e Patrimônio</p><p>Histórico. No RJ, de 2002 a 2008,</p><p>atuou junto à Prefeitura da Cidade</p><p>do Rio de Janeiro como coordena-</p><p>dora do Projeto de Revitalização</p><p>da Praça Tiradentes (Programa</p><p>Monumenta/MinC). Atualmente é</p><p>chefe do Núcleo de Educação</p><p>Patrimonial do Departamento de</p><p>Patrimônio Histórico da Casa de</p><p>Oswaldo Cruz – COC/FIOCRUZ e</p><p>membro suplente do Conselho</p><p>Municipal de Proteção do</p><p>42</p><p>te reformada e remodelada para servir de matriz da região, tendo sido definitivamente abandona-</p><p>da no início da década de 1980. A partir de então, veio sofrendo degradações e até agressões, que</p><p>culminaram com sua quase total demolição, no ano de 1992, quando restaram apenas “duas</p><p>paredes e uma torre”, esta resguardando frondosa árvore.</p><p>Graças à atuação da comunidade local, que muito lutou pela recuperação do monumento,</p><p>promoveu-se sua reconstrução durante o ano de 1995 no contexto da implantação do Terminal</p><p>Intermodal da Serra - TIMS, que tem o Planalto de Carapina e a Capela como panos de fundo.</p><p>A restauração, por sua vez, buscou devolver àquela comunidade, e ao Espírito Santo, um</p><p>referencial de grande importância, a partir de seus remanescentes e de consistente cadastramento</p><p>realizado anteriormente à sua demolição, restabelecendo a imagem que ainda se encontrava viva</p><p>namemória das pessoas. Utilizou-se, omais possível, a matéria preexistente que havia permane-</p><p>cido no local sob forma de escombros, garantindo ao mesmo tempo autenticidade aos trechos</p><p>remanescentes e aos completamentos, a qual pode ser atestada pela identificação das sutis dife-</p><p>renças entre o novo e o antigo que marcam a intervenção, as quais não ferem a imagem que</p><p>precisamente se pretendia restaurar.</p><p>Hoje, a capela é amplamente utilizada pela comunidade local e vem sendo, por ela, mantida.</p><p>Ela é aberta todos os dias para visitação e tem celebração todos os domingos às 8h da manhã,</p><p>alémde celebrações especiais emdatas religiosas, comoPáscoa eCorpusChristi. Essa programa-</p><p>ção é uma responsabilidade dividida entre as comunidades de São João, São Pedro e Santo André.</p><p>Foto 2 – vista aérea da região. Em destaque a capela / Google Earth – julho 2009</p><p></p><p>Foto 3 – fachada principal em 1980 / José Antônio Carvalho</p><p>Foto 4 – fachada principal em 1990 / Décio Coelho Duarte</p><p>44</p><p>1. O tombamento1. O tombamento1. O tombamento1. O tombamento1. O tombamento</p><p>Em fevereiro de 1981, o Departamento Estadual de Cultura solicitou ao Conselho Estadual</p><p>de Cultura o tombamento da Capela, em caráter de urgência, uma vez que havia o interesse, por</p><p>parte desse órgão, de inseri-la no Programa de Preservação de Bens Culturais da Fundação Pró-</p><p>memória, no biênio 81/82, para captação de recursos visando sua restauração.</p><p>No lento decorrer do processo, o antigo SPHAN foi consultado quanto à possibilidade de</p><p>tombamento do bem em instância federal. Mas o órgão negou tal solicitação por ele (o bem) já</p><p>estar destituídode suas características originais jesuíticas e fez, no entanto, algumas recomendações</p><p>quanto à proteção do entorno, entre outras.</p><p>Em fins de 1983, a capela teve seu tombamento aprovado no CEC, mas o decreto de</p><p>tombamento só foi publicado em Diário Oficial em março de 1984 com a delimitação de uma</p><p>áreade entorno a ser preservada, conformeorientaçãodoSPHAN,mas semdefinição dediretrizes</p><p>para utilização dessa área.</p><p>Em 1989, O CEC instituiu a Comissão Especial Pró-restauração da Capela São João Batista</p><p>de Carapina - formada por membros da comunidade local, da Prefeitura Municipal da Serra,</p><p>representantes de empresas locais emembrosdaCúriaMetropolitanadeVitória, doDepartamento</p><p>Estadual de Cultura e Do próprio CEC – com o objetivo de viabilizar a restauração do bem.</p><p>2. A capela – uma história2. A capela – uma história2. A capela – uma história2. A capela – uma história2. A capela – uma história</p><p>A aldeia de São João surgiu por volta de 1562, para fixação dos índios Maracaiaguaçu ao</p><p>norte da Vila de Vitória, e a construção da capela data de aproximadamente 1584. São João, assim</p><p>como outras aldeias, era às vezes de visita, às vezes de residência. No início do século XVII</p><p>passou a ser definitivamente de visita, devido ao desenvolvimento de Reis Magos, em Nova</p><p>Almeida, também no município da Serra. Fato que, em meados do século XVII, resultou no</p><p>abandono da aldeia de São João. Não se sabe, pois, qual teria sido a sua configuração original.</p><p>Supõe-se que fosse composta de nave e capela-mor construídas em alvenaria de pedra e cal, com</p><p>Foto 5 – inauguração da obra de reconstrução, julho de 1995 / Cristina Coelho</p><p>45</p><p>cobertura em telhas cerâmicas tipo capa-canal e fachada com frontão triangular reto. Escavações</p><p>realizadas na área, durante a restauração realizada em 1995, demonstraram a preexistência de</p><p>edificações vizinhas, possivelmente de residência, pelas fundações de pedra evidenciadas.</p><p>Não existem registros precisos de sua construção, mas a partir da análise de suas alvenarias,</p><p>formas e sistemas construtivos, além da relação das datas gravadas no edifício, foi possível esboçar</p><p>uma cronologia para as etapas de sua construção e/ou remodelação, esta muito comum nos</p><p>edifícios coloniais que chegamaté nós.</p><p>Acredita-se que em 1746 (data inscrita na parede sobre o arco cruzeiro, demolida em 1992) a</p><p>capela tenha sofrido grande reforma para sua reabilitação, após um século de abandono, com:</p><p> a reconstrução do arco cruzeiro, em tijolos cerâmicos sobre alvenaria de pedra, e possivel-</p><p>mente da capela-mor, mas não a que se arruinou nos anos 1980 – a parede do arco</p><p>cruzeiro não apresentava amarração nem com as paredes da nave nem com as da capela-</p><p>mor, que haviam ruído na década de 1980, estas de menor espessura que as anteriores;</p><p> asmodificações do frontão, que originalmente deveria ser triangular reto e recebeu curvas</p><p>ao gosto do barroco - estilo em voga na época -, e das vergas das janelas e portas, que</p><p>passaram a ser em arco abatido – foi possível observar claramente a emenda efetuada na</p><p>verga reta de madeira da porta principal para torná-la curva.</p><p>Em 1857, a capela foi elevada à categoria de freguesia, servindo dematriz até o fim do século</p><p>XIX, com o título de São João de Carapina, e passou a ser administrada pela Mitra Diocesana.</p><p>Nessa nova condição, sofreu outra grande reforma, supostamente, com:</p><p> a construção da torre sineira. A data de 1870, inscrita na parede lateral da torre, revela</p><p>muito provavelmente a data de sua construção. Essa suposição se deve às suas caracterís-</p><p>ticas construtivas e estilísticas que correspondemao estilo barroco, comas quinas chanfradas</p><p>e a cúpula em gomos;</p><p> a construção da capela-mor arruinada nos anos 1980. Suas alvenarias de pedra tinham espes-</p><p>sura menor que a do arco cruzeiro, com a qual não apresentava amarração.</p><p>Em alguma época posterior que não se pode precisar, provavelmente já no século XX, o</p><p>edifício foi acrescido de sacristia lateral à capela-mor. O sistema construtivo da sacristia em pau-</p><p>a-pique diferia completamente das demais alvenarias, em pedra e cal, presentes no edifício.</p><p>Nos levantamentos realizados em 1990, verificou-se, também, a existência de trechos de</p><p>alvenarias de tijolos cerâmicos furados, provavelmente resultantes de ações de conservação</p><p>conduzidas pelo proprietário da fazenda que a abrigava.</p><p>A capela esteve emuso, commissas semanais, até aproximadamente 1980, quando sua loca-</p><p>lização, isolada e relativamente afastada, começava a apresentar perigo para os fiéis. Apartir dessa</p><p>época, o edifício entra em pleno processo de degradação. Um levantamento arquitetônico realiza-</p><p>do pelo DEC em 1986 mostra que, nesta data, as paredes da sacristia já haviam ruído, permane-</p><p>cendo apenas sua estrutura de madeira e o telhado; a cobertura da nave já iniciava um processo</p><p>de arruinamento; o coro já havia caído, assim como os pisos elevados demadeira dos corredores</p><p>laterais, e a vegetação já tomava conta da torre sineira.</p><p>A degradação foi se agravando, como se verificou quando da realização de levantamentos</p><p>arquitetônico e fotográfico, quatro anos mais tarde. Nesta data, a capela-mor já havia ruído, assim</p><p>4646</p><p>como parte do telhado da nave, e a vegetação existente na torcomo parte do telhado da nave, e a vegetação existente na torre ganhara portere ganhara porte de árvore, cujasde árvore, cujas</p><p>raízes começavam a expulsar os esteios de madeira que compunham as ombreiras de portas eraízes começavam a expulsar os esteios de madeira que compunham as ombreiras de portas e</p><p>janelas.janelas.</p><p>O arruinameO arruinamento se impõe em 1992, entãonto se impõe em 1992, então, com a demolição quase total dos remanescentes da, com a demolição quase total dos remanescentes da</p><p>capela, quando restaram apenas duas paredes e uma torcapela, quando restaram apenas duas paredes e uma torre, fartamente sombreadas pela árvore are, fartamente sombreadas pela árvore a</p><p>elas incorporada a qual imperava na paisagem.elas incorporada a qual imperava na paisagem.</p><p>AíAí sese encerraencerra oo processoprocesso dede degradaçãodegradação conhecidoconhecido dada capela,capela, poispois oo crimecrime praticadopraticado foifoi</p><p>motivo suficiente para a reação de uma comunidade que se viu extirmotivo suficiente para a reação de uma comunidade que se viu extirpada de seu patrimônio. Deu-pada de seu patrimônio. Deu-</p><p>se, assim, a restauração que lhe devolveu forma. Hoje, ela (a capela) participa ativamente dose, assim, a restauração que lhe devolveu forma. Hoje, ela (a capela) participa ativamente do</p><p>cotidiano das pessoas que moram em Carapina Grande e mantém resgcotidiano das pessoas que moram em Carapina Grande e mantém resgatada e preservada parteatada e preservada parte</p><p>importante damemória doEspírito Santo noimportante damemória doEspírito Santo no tempo da Colônia.tempo da Colônia.</p><p>3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção3. O contexto da intervenção</p><p>A obra de restauração que devolveu, em 1995, a imagem recém mutilada da Capela de SãoA obra de restauração que devolveu, em 1995, a imagem recém mutilada da Capela de São</p><p>João BaJoão Batista àtista à paisagem, à comupaisagem, à comunidade denidade de Carapina GCarapina Grande erande e ao Espíritoao Espírito SantoSanto, se, se revelarevela comocomo</p><p>uma experiência ímpar de uma ação paruma experiência ímpar de uma ação participativa e, mais que isso, regida pela comunidade local eticipativa e, mais que isso, regida pela comunidade local e</p><p>de fato mais interessada.de fato mais interessada.</p><p>AA históriahistória dessadessa obraobra começacomeça emem 1990,1990, quandoquando desendesenvolvivolvi oo primeiroprimeiro projetoprojeto dede intervençãointervenção</p><p>para a capela, época em que atuava no Departamento de Patrimônio Histórico e</p><p>Cultural –para a capela, época em que atuava no Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural –</p><p>DPHC do então Departamento Estadual de Cultura – DEC. Nessa época, o monumento jáDPHC do então Departamento Estadual de Cultura – DEC. Nessa época, o monumento já</p><p>apresentava um trecho arruinado – correspondente à capela-mor e à sacristia – e já resguardavaapresentava um trecho arruinado – correspondente à capela-mor e à sacristia – e já resguardava</p><p>uma áruma árvore cravada na cúpula da torre. Restavore cravada na cúpula da torre. Restava-lhe a nave, a torre sineira e osva-lhe a nave, a torre sineira e os corredores lateraiscorredores laterais</p><p>de pé, parcialmentede pé, parcialmente descobertos.No entanto, omonumento aindamantinha rdescobertos.No entanto, omonumento aindamantinha relativa unidade, comelativa unidade, com</p><p>sua fachada principal ainda íntegra.sua fachada principal ainda íntegra.</p><p>Nessa época, foi desenvolvidoumexaustivo levantamento a partir deNessa época, foi desenvolvidoumexaustivo levantamento a partir de medições e fotografias,medições e fotografias,</p><p>além de pesquisa histórica e iconoalém de pesquisa histórica e iconográfica. Vale ressaltar que esse projeto, desde o iníciográfica. Vale ressaltar que esse projeto, desde o início, teve a, teve a</p><p>valiosavaliosa colaboraçãocolaboração dodo professorprofessor dodo antigo DFTantigo DFTA/UFESA/UFES JoséJoséAntônioAntônio Carvalho,Carvalho, autorautor dodo livrolivro</p><p>OColégio e asOColégio e as Residências dos Jesuítas noEspírito SantoResidências dos Jesuítas noEspírito Santo (Expressão e(Expressão e Cultura:1982), que disponibilizouCultura:1982), que disponibilizou</p><p>riquíssimo acervo de fotosriquíssimo acervo de fotos feitas por ele na década defeitas por ele na década de 1980, e auxiliou nas análises.1980, e auxiliou nas análises.</p><p>O projeto desenvolvido nessemomento propunha a consoliO projeto desenvolvido nessemomento propunha a consolidação e a restauração dos trechosdação e a restauração dos trechos</p><p>remanescentes, sem a reconstrução dosremanescentes, sem a reconstrução dos espaços arrespaços arruinadosuinados. Naquele momento, o uso previsto. Naquele momento, o uso previsto</p><p>reunia missas, retiros e reuniões comunitárias. Mas, como é muito comum, a execução da obrareunia missas, retiros e reuniões comunitárias. Mas, como é muito comum, a execução da obra</p><p>não foi viabilizada denão foi viabilizada de imediatoimediato..</p><p>Em 1992, fui aprovada para ingressar noCurso deEm1992, fui aprovada para ingressar noCurso de Especialização emConservação e Restau-Especialização emConservação e Restau-</p><p>ração de Edifícios e Conjuntos Históricos – CECRE-FAU/UFBa e resolvi levar esse projetoração de Edifícios e Conjuntos Históricos – CECRE-FAU/UFBa e resolvi levar esse projeto</p><p>comoobjeto de escomoobjeto de estudo, por acreditar quetudo, por acreditar que omesmo carecia deomesmo carecia de amadurecimento. Famadurecimento. Fez-se necessário,ez-se necessário,</p><p>então, atualizar os levantamentoentão, atualizar os levantamentos realizados dois anos antes. Ao regressar aos realizados dois anos antes. Ao regressar ao local, para minhalocal, para minha</p><p>surpresa, me deparei apenas com duas paredes e uma torre, esta com a árvore que havia sesurpresa, me deparei apenas com duas paredes e uma torre, esta com a árvore que havia se</p><p>tornado bastante frondosa. Por ummomento, tive dificuldade de reconhecer a capela a partirtornado bastante frondosa. Por ummomento, tive dificuldade de reconhecer a capela a partir dada</p><p>primeira imagem.Aome aproximar, fuiprimeira imagem.Aome aproximar, fui conseguindo identificá-la e até consegui vislumbrá-la naconseguindo identificá-la e até consegui vislumbrá-la na</p><p>sua totalidade a parsua totalidade a partir das suas novas ruínas. Nesse momento, não tive dúvidas domotivo que metir das suas novas ruínas. Nesse momento, não tive dúvidas do motivo que me</p><p>levou a elegê-la comolevou a elegê-la como objeto de estudo naobjeto de estudo na especializaçãoespecialização..</p><p>4747</p><p>AA partir dopartir do novo levantamento;novo levantamento; das teoriasdas teorias ee cartas patrimoniaiscartas patrimoniais às quaisàs quais fui apresentadafui apresentada</p><p>durante o curso; dos conhecimentos obtidos sobre técnicadurante o curso; dos conhecimentos obtidos sobre técnicas e sistemas tradicionais de construção;s e sistemas tradicionais de construção;</p><p>das orientações recebidas dedas orientações recebidas de especialistas de vários lugares doespecialistas de vários lugares do mundomundo, ao long, ao longo do desenvolvi-o do desenvolvi-</p><p>mento da monografia, e depois de muito pensarmento da monografia, e depois de muito pensar, desenvolvi novo projeto que contav, desenvolvi novo projeto que contava, em essên-a, em essên-</p><p>cia, com a resistência e acia, com a resistência e a teimosia - que eu acreditava que patrimônio devia ter – emteimosia - que eu acreditava que patrimônio devia ter – em não se deixarnão se deixar</p><p>abater ao desrespeito e a denúncia sobre o vandalismo que levou aabater ao desrespeito e a denúncia sobre o vandalismo que levou a capela à ruína quase total. Ocapela à ruína quase total. O</p><p>projeto previa, sim, a reconstrução integral de tudo o que havia se perdido desdeprojeto previa, sim, a reconstrução integral de tudo o que havia se perdido desde o abandono dao abandono da</p><p>capela no início da década de 1980, mas o fazia como um manifesto ao abandono e à agressãocapela no início da década de 1980, mas o fazia como um manifesto ao abandono e à agressão</p><p>sofrida deixando-lhe as cicatrizes aparentes. Os limites da ruína deveriam ficar aparentes e assofrida deixando-lhe as cicatrizes aparentes. Os limites da ruína deveriam ficar aparentes e as</p><p>novas alvenarias serem reconstruídas com menor espessura que as remanescentes. Asnovas alvenarias serem reconstruídas com menor espessura que as remanescentes. As</p><p>complementações deveriam se revelar atuais em técnica ecomplementações deveriam se revelar atuais em técnica e detalhes, e os materiais reproduziremdetalhes, e os materiais reproduzirem</p><p>sempre que possível os originais.sempre que possível os originais.</p><p>AquiAqui valevale lembrarlembrar queque aa capelacapela sese situavasituava emem terrasterras particularesparticulares (fazenda(fazenda dede gado)gado) atéaté oo inícioinício</p><p>dos anos 1990, quando foram desapropriadas para a implantação do Terminal Intermodal dados anos 1990, quando foram desapropriadas para a implantação do Terminal Intermodal da</p><p>Serra –Serra – TIMS (porto seco). Com isso, a capela passou aTIMS (porto seco). Com isso, a capela passou a um total estado de abandono.um total estado de abandono.</p><p>Ressalta-se, tambémRessalta-se, também, que o, que o primeiro projeto para oTIMSocupava grande área junto àRodo-primeiro projeto para oTIMSocupava grande área junto àRodo-</p><p>via BRvia BR 101 (Contorno101 (Contorno dede Vitória) envolvendoVitória) envolvendo totalmente atotalmente a capela, decapela, de modo quemodo que esta ficasseesta ficasse</p><p>dentro de área delimitada para o novo empreendimento e por ele controlada.dentro de área delimitada para o novo empreendimento e por ele controlada.</p><p>A demolição e, depois, oA demolição e, depois, o projeto de incorporação da capela em área controlada instigaramprojeto de incorporação da capela em área controlada instigaram</p><p>a comunidade, que não aa comunidade, que não a usavamais por apresentar riscosusavamais por apresentar riscos à segurança das pessoas. Conduzidaà segurança das pessoas. Conduzida</p><p>pela vereadora local Lourência Riani epela vereadora local Lourência Riani e outros líderes comunitários, a comunidade conseguiuoutros líderes comunitários, a comunidade conseguiu</p><p>Foto 6 – primeiro projeto do TIMS publicado no jornalFoto 6 – primeiro projeto do TIMS publicado no jornal local “local “Acorda Serra”, em 1993Acorda Serra”, em 1993</p><p>4848</p><p>junto à SEAMAjunto à SEAMA11 a garantia da restauração da capela como condicionante, entre outras, para aa garantia da restauração da capela como condicionante, entre outras, para a</p><p>obtenção da licença ambiental ao futuro empreendimentobtenção</p><p>da licença ambiental ao futuro empreendimentoo. Esta foi a primeira grande vitória da. Esta foi a primeira grande vitória da</p><p>comunidade local. A obra foi custeada pela Andrade Gutierrez Terminais Intercomunidade local. A obra foi custeada pela Andrade Gutierrez Terminais Intermodais – opera-modais – opera-</p><p>dora do TIMS.dora do TIMS.</p><p>A segunda grandeA segunda grande vitória foivitória foi a alteração da alteração do projetoo projeto do Tdo Terminal, por seus empreendeerminal, por seus empreendedores,dores,</p><p>para liberar a capela epara liberar a capela e garantir a presergarantir a preservação da área de entorvação da área de entorno domonumento, estabelecino domonumento, estabelecida emda em</p><p>seu decreto de tombamento. A exigência de alteração do projeto partiu da Câmara de Patrimônioseu decreto de tombamento. A exigência de alteração do projeto partiu da Câmara de Patrimônio</p><p>Histórico do Conselho Estadual de Cultura, que definiu, nestaHistórico do Conselho Estadual de Cultura, que definiu, nesta época, diretrizes de ocupação daépoca, diretrizes de ocupação da</p><p>área de proteção de entorno demodo aárea de proteção de entorno demodo a garantir a ambiência característica das edificações jesuíticasgarantir a ambiência característica das edificações jesuíticas</p><p>no litoral brasileirno litoral brasileiroo..</p><p>E a terceira grande vitória foi a contratação de projeto de valorização do Sítio Histórico deE a terceira grande vitória foi a contratação de projeto de valorização do Sítio Histórico de</p><p>Carapina, pela PrefeituraMunicipal da Serra,Carapina, pela PrefeituraMunicipal da Serra, cuja execução se encontra emcuja execução se encontra em vias de ser contratado.vias de ser contratado.</p><p>TTodasodas essasessas vitóriasvitórias culminam,culminam, porpor fim,fim, nono resgate daresgate da históriahistória de fde fundaçãoundação dodo bairro,bairro, queque vaivai</p><p>completar 450 anos em 2012. Representam, também, o fortalecimento dacompletar 450 anos em 2012. Representam, também, o fortalecimento da fé para os católicos,fé para os católicos,</p><p>pois muitos pais e mães dosmoradores atuais foram ali batizados, ou nela se casaram.O retornopois muitos pais e mães dosmoradores atuais foram ali batizados, ou nela se casaram.O retorno</p><p>das celebrações todos os domingos, dos batizados e dos momentos festivos da capela, é muitodas celebrações todos os domingos, dos batizados e dos momentos festivos da capela, é muito</p><p>importante no contexto social local para o fortalecimento das tradicionais relaçõeimportante no contexto social local para o fortalecimento das tradicionais relações de pertencimentos de pertencimento</p><p>aliali verificadasverificadas..</p><p>4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela4. A intervenção que devolveu a imagem da capela</p><p>A propostaA proposta de intervençãode intervenção teve comoteve como diretriz a recompodiretriz a recomposição volusição volumétrica do mmétrica do monumentoonumento,,</p><p>resgatando sua imagem e seusresgatando sua imagem e seus espaços, originais ou nãoespaços, originais ou não, precisamente aqueles que tinham ruído, precisamente aqueles que tinham ruído</p><p>ou sido arruinados em época recente, dos quaisou sido arruinados em época recente, dos quais se tinha registro e que também faziam parte dase tinha registro e que também faziam parte da</p><p>história do bem.Mas ela deixava aparentes as marcas da agressão sofrida, como uma cicatriz (oshistória do bem.Mas ela deixava aparentes as marcas da agressão sofrida, como uma cicatriz (os</p><p>limites da rlimites da ruína). Baseada numa postura crítica diante douína). Baseada numa postura crítica diante do momento político, a proposta visavmomento político, a proposta visava aa a</p><p>inibir a impunidade einibir a impunidade e devolver à comunidade o que lhedevolver à comunidade o que lhe havia sido roubado.havia sido roubado.</p><p>Mas logo no início de sua execução alguns pontos nele previstos foram revistoMas logo no início de sua execução alguns pontos nele previstos foram revistos, especialmen-s, especialmen-</p><p>te no que dizia respeito à proposta de manter os limites da ruína aparentes. A partir dete no que dizia respeito à proposta de manter os limites da ruína aparentes. A partir de</p><p>questionamentos como o de que a capela deveria carregar as marcas da agressão sofrida para oquestionamentos como o de que a capela deveria carregar as marcas da agressão sofrida para o</p><p>resto de sua vida, ou não, e de perceber mais cuidadosamente qual o desejo da comunidade,resto de sua vida, ou não, e de perceber mais cuidadosamente qual o desejo da comunidade,</p><p>consegui perceber que essa marca (cicatriz) não só seconsegui perceber que essa marca (cicatriz) não só se revelava como uma lembrança indesejadarevelava como uma lembrança indesejada</p><p>como poderia, e de fato iria, interferir demasiado ecomo poderia, e de fato iria, interferir demasiado e negativamente na imagem que precisamentenegativamente na imagem que precisamente</p><p>se pretendia recuperar.Esta foi praticamente a únicase pretendia recuperar.Esta foi praticamente a única alteraçãoproposta para oprojeto durante asalteração proposta para oprojeto durante as</p><p>obras. Assim, as novas alvenarias deveriam ter a mesma espessura das remanescentes eobras. Assim, as novas alvenarias deveriam ter a mesma espessura das remanescentes e as dife-as dife-</p><p>renças entre elas foram sutilizadas com arenças entre elas foram sutilizadas com a diferenciação das texturas de seus revestimentos, odiferenciação das texturas de seus revestimentos, o queque</p><p>já havia sidojá havia sido previsto.previsto.</p><p>A viabilizaçãoA viabilização da propostada proposta se deuse deu graças aosgraças aos consistentes leconsistentes levantamentos revantamentos realizados antesalizados antes dada</p><p>demolição de 1992 e à farta documentação fotográfica realizada há aproximadamente dez anosdemolição de 1992 e à farta documentação fotográfica realizada há aproximadamente dez anos</p><p>antes da elaboração do projeto e, porantes da elaboração do projeto e, portanto, antes da efetiva degradação.tanto, antes da efetiva degradação.</p><p>AA decisãodecisão sobresobre aa reconstruçãoreconstrução,, ouou nãonão,, foifoi bastantebastante difícildifícil ee angustiantangustiante.e.VáriosVários pontospontos foramforam</p><p>levantados e ponderados, dentre eles destaco osmaislevantados e ponderados, dentre eles destaco osmais relevantes:relevantes:</p><p> a ruína não tinha sido proa ruína não tinha sido produzida pelo tempo e sim peladuzida pelo tempo e sim pela mão domão do</p><p>homem, e omonumento se encontrava ainda vivohomem, e omonumento se encontrava ainda vivo namemória dasnamemória das</p><p>pessoas;pessoas;</p><p>11 Secretaria Estadual de Meio Am-Secretaria Estadual de Meio Am-</p><p>biente.biente.</p><p>49</p><p> a manutenção do monumento como ruína seria consolidar esse momento indesejável e</p><p>premiar o vandalismo;</p><p> a comunidade de Carapina se sentiu extirpada de seu maior bem;</p><p> a possibilidade de atribuir um uso ao edifício se mostrava fundamental para a garantia da</p><p>longevidade do bem, só alcançada com a manutenção permanente resultante da necessi-</p><p>dade de manter o espaço habitável. A falta de uso é precisamente o maior mal que pode</p><p>acometer ummonumento;</p><p> havia ummovimento consistente da comunidade para a recuperação domonumento que</p><p>levou, inclusive, a várias vitórias nesse sentido.</p><p>Uma vez decidido pela reconstrução, a pergunta era, como? Mais uma vez, vários pontos</p><p>foramlevantados:</p><p> promover a reconstrução literal ou a recomposição volumétrica? Referências e registros</p><p>existiam, mas era importante datar a intervenção;</p><p> com que sistema emateriais construtivos?Os escombros seriam ou não descartados após</p><p>minuciosa verificação, é claro?</p><p> como tratar os novos</p><p>elementos de modo a diferenciá-los dos antigos sem, no entanto,</p><p>perder a essência da obra original?</p><p>Enfim, muitos foram os questionamentos e interrogações. O projeto, porém, contemplou a</p><p>recomposição volumétrica, sendo as novas alvenarias executadas utilizando a pedra da própria</p><p>capela que se encontrava nomeio dos escombros, de modo a resgatar a ambiência, o frescor e o</p><p>espírito dos edifícios coloniais. No entanto, essas alvenarias deveriam diferir das remanescentes</p><p>pela textura do revestimento e pela espessura. As antigas tiveram seus revestimentos irregulares</p><p>mantidos e recuperados e as novas receberam rebocos lisos e desempenados.</p><p>Os elementos estruturais originalmente em tijolos, como arcos e vergas, foram propostos e</p><p>executados em concreto armado, assim como os elementos ornamentais que são pré-moldados.</p><p>Ambos receberam revestimento em argamassa.</p><p>As esquadrias de madeira seguiram os desenhos das originais, mas diferiram destas pelos</p><p>detalhes. As esquadrias das alvenarias remanescentes reproduziram os gonzos de madeira para</p><p>giro das portas e janelas; os fechos, sob forma de tramelas e travessas de madeira, e os marcos,</p><p>que são de seção quadrada formando as cercaduras dos vãos, estes resguardados por padieiras de</p><p>madeira. Já as esquadrias presentes nas novas alvenarias são dotadas de dobradiças e fechos</p><p>metálicos, atuais, e resguardadas por cercaduras de argamassa pintada. Além desses, todos os</p><p>elementos propostos para omonumento receberam tratamento diferenciado e, aomesmo tempo,</p><p>integrado aobem.</p><p>Foram desenvolvidos os projetos complementares de instalações elétricas e hidráulicas. Para</p><p>viabilizar o abastecimento de água na capela, a CESANlevou rede de água até o edifício, até então</p><p>inexistente. Um sistema de tratamento de esgoto foi projetado com fossa, filtro anaeróbio e</p><p>sumidouro.</p><p>O projeto estrutural contemplou a proposta de reforço e consolidação estrutural da torre,</p><p>cujas paredes apresentavam rachaduras verticais que ameaçavam sua estabilidade, com cinturões</p><p>em treliças metálicas que abraçam a torre em três níveis distintos evitando, assim, que a mesma</p><p>abrisse e desabasse.Esses cinturões são protegidos pelo reboco.</p><p>50</p><p>O grande desafio foi a remoção da árvore que já fazia parte do monumento com suas raízes</p><p>intensamente entranhadas na cúpula e alvenarias da torre. O trabalho foi feito com extremo</p><p>cuidado, após a inserção dos cinturões em volta da torre, demodo a evitar qualquer acidente. Na</p><p>cúpula, à medida que se tiravam as raízes, iam-se recompondo suas partes evitando, assim, o</p><p>desmonte generalizado da mesma.</p><p>A obrade restauração foi executada em 1995, a partir do projeto desenvolvido durante o curso</p><p>de especialização e alterações posteriores. Internamente, alguns elementos foram reproduzidos a</p><p>partir de fotos disponibilizadas pela comunidade comoaltar, púlpito, cancela etc.</p><p>A mão de obra, embora não especializada, foi selecionada cuidadosamente e recebeu, no</p><p>iníciodos trabalhos, orientações sobre como atuarnumpatrimôniohistórico.Oacompanhamento</p><p>especializado durante toda a execução da obra foi fundamental para o bom resultado alcançado.</p><p>Hoje,omonumentoéparticipante ativodavidadeCarapinaepassará, apartir daobradequalificação</p><p>da área do SítioHistórico, a integrarmais significativamente os circuitos turísticos da região.</p><p>5. Ficha Técnica5. Ficha Técnica5. Ficha Técnica5. Ficha Técnica5. Ficha Técnica</p><p> Patrocinador - ANDRADEGUTIERREZTERMINAIS INTERMODAIS</p><p> Fiscalização - CONSELHOESTADUALDECULTURA</p><p> Projeto de restauração - CRISTINACOELHO</p><p> Desenhos - LUIZ FURLANI</p><p> Projeto de consolidação estrutural da torre sineira - BETONPROJETOSE</p><p>CONSULTORIA LTDA</p><p> Projetos complementares - LEENGENHARIA LTDA</p><p> Arqueologia - CELSOPEROTA</p><p> Execução das obras - SIGNUSENGENHARIA LTDA</p><p>Foto 7 – a capela em obras. Na torre se pode notar os cinturões metálicos - 1995 / Cristina Coelho</p><p>51</p><p> CONSÓRCIOCEL</p><p> Colaboração - DEPARTAMETNOESTADUALDECULTURA–</p><p>DEC INSTITUTODOPATRIMÔNIOHISTÓRICOEARTÍSTICONACIONAL</p><p>– 6ªCoordenaçãoRegional</p><p> Orientadores (CECRE – UFBa) - LUIZ ANTÔNIO F.CARDOSO (BR),</p><p>MÁRIOMENDONÇADEOLIVEIRA (BR), SÍLVIA PUCCIONI (BR), CYRO</p><p>CORREALYRA (BR), LEONARDOBARRETODEOLIVEIRA (BR), ENGÊNIO</p><p>DEÁVILA LINS (BR), GIORGIOLOMBARDI (IT), DARKOPANDAKOVICH</p><p>(IT), BROWNMORTOM (USA)</p><p> Créditos - Texto: CRISTINACOELHO - Fotografia: Cristina Coelho,Décio Coelho</p><p>Duarte, José Antônio Carvalho</p><p> AgradecimentosEspeciais - Carol deAbreu,Valdir Castiglioni, José AntônioCarvalho,</p><p>Cyro Correa Lyra, Silvia Puccioni, Leonardo Barreto de Oliveira, Rosana Najjar</p><p>6. Referências Bibliográficas6. Referências Bibliográficas6. Referências Bibliográficas6. Referências Bibliográficas6. Referências Bibliográficas</p><p>BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Volumes 1 e 2. Editora Record, Rio de Janeiro:</p><p>1983</p><p>BRANDI, Cesari. Teoria de la restauración. Alianza Editorial, Madrid: 1988.</p><p>CARTADEVENEZA. Veneza, Itália: 1964.</p><p>CARVALHO, José Antônio. OColégio e as Residências dos Jesuítas no Espírito Santo. Expressão e Cultura, Rio</p><p>de Janeiro:1982.</p><p>CORONA&LEMOS, Eduardo e Carlos Alberto.Dicionário de Arquitetura Brasileira. AtshowBooks, Rio de</p><p>Janeiro: 1989.</p><p>D’AFONSECA, Silvia Pimenta. Um estudo sobre a constituição das argamassas de cal. Dissertação deMestrado</p><p>emArquitetura e Urbanismo da FAU/UFBa. Salvador/BA: 1982.</p><p>53</p><p>DIRETRIZES ARQUITETÔNICAS E ORDENAMENTOS URBANOS NAS MISSÕES JESUÍTICAS DOS GUARANI</p><p>LuizAntônioBolcatoCustódio*</p><p>Dedicado à Sandra JatahyPesavento.</p><p>1. Apresentação1. Apresentação1. Apresentação1. Apresentação1. Apresentação</p><p>Um dos pontos relevantes na historiografia arquitetônica originado durante a conquista e</p><p>colonização da América Latina é o que se refere às Missões da Província Jesuítica do Paraguai, a</p><p>Paraquária. AsMissões se constituíram a partir demúltiplos fatores, envolvendo atores comdife-</p><p>rentes aportes culturais e políticos. Ocuparam uma ampla e rica região geográfica subtropical</p><p>localizando-se, como um escudo, entre as fronteirasmóveis das coroas ibéricas, Portugal e Espanha.</p><p>Do lado europeu estavam representações da Igreja Católica e dos governos imperiais. NoNovo</p><p>Mundo, os povos indígenas de tradição amazônica, como os Guarani, além de alguns religiosos</p><p>criollos1.</p><p>Ao longo de um século e meio, até o estranhamento2 dos jesuítas se consolidou um sistema</p><p>articulado e cooperativo de povoados, as Reduções ou Doutrinas, onde a interação dos diferentes</p><p>agentes e seus aportes culturais -no tempo e no espaço- contribuíram para a estruturação de uma</p><p>configuração urbana, associada a uma organização social peculiar, a tipologia urbana missioneira,</p><p>objeto deste estudo.</p><p>2. Das terras, das gentes, das leis2. Das terras, das gentes, das leis2. Das terras, das gentes, das leis2. Das terras, das gentes, das leis2. Das terras, das gentes, das leis</p><p>A descoberta do NovoMundo e de novos caminhos para as Índias propiciou, além do início</p><p>da globalização, o surgimento de amplas polêmicas, commuitas variáveis, que transcenderam o</p><p>âmbito das nações diretamente interessadas.</p><p>A primeira referiu-se à posse – ao senhorio das terras – donde surgiu o argumento teocrático que</p><p>recorria ao papa, como uma autoridade supranacional, para a definição do domínio da terra,</p><p>dominus orbis. A homologação do Tratado de Tordesilhas (1494), com a repartição do Mar Oceano,</p><p>gerou reações de outras nações européias que se consideraram prejudicadas com tal decisão. A</p><p>segunda referiu-se aos povos nativos, à visão ou a representaçãodestas outras culturas, pelos europeus, na</p><p>chamada polêmica dos naturais, que debateu os direitos das gentes e as</p><p>justificativas das guerras justas –da escravidão e da encomenda- nas re-</p><p>lações entre a república dos espanhóis e a república dos índios.</p><p>Outro aspecto estrutural no estudo deste tema refere-se ao</p><p>ordenamento legal utilizado por espanhóis e portugueses para as Índias</p><p>Ocidentais e Orientais, resultado de decisões definidas no</p><p>enfrentamento de variáveis que se apresentaram para o governo, a</p><p>gestão e a administração destas novas possessões. O Direito Indiano foi</p><p>baseado</p><p>acrópoles (sublimada por Le Corbusier como símbolo de uma inteligência de desenho “puro” em</p><p>magníficamonocromia demármore).</p><p>O primado do racionalista branco parece recentemente adquirir</p><p>reforçada racionalidade perante os excessos cromáticos pós-moder-</p><p>nos, de gostos primários e imediatistas, que parece agora esgotar-se</p><p>num exibicionismo sem tino e talento (que hoje atinge e fere com</p><p>pedaços de reboco soltos os passantes, acidentados pela típica prefe-</p><p>rência do choque estético e absurdo desprezo pelo saber construir).</p><p>* Desenvolvido a partir de um artigo</p><p>anterior de título Cor, espaços pú-</p><p>blicos, o Moderno e a cidade his-</p><p>tórica. Publicado na Revista Ca-</p><p>dernos Edifícios, nº4. Lisboa:</p><p>LNEC, 2005</p><p>** Faculdade de Arquitectura da</p><p>Universidade Técnica de Lisboa.</p><p></p><p>Mas de onde proveio essa preferência, ou oposta condenação, ao branco? De onde tanto azar</p><p>nas tentativas de regresso à cor? David Batchelor, num recente livro de título Cromofobia, procu-</p><p>ra esclarecer a questão1. Para Batchelor, o trauma da relação da arquitetura contemporânea com</p><p>a cor tem nome, chama-o de “Cromofobia”, que define como uma permanente patologia da</p><p>cultura ocidental, na qual se verifica um longo e orquestrado esforço de purgar a arte e a arquite-</p><p>tura da inquietude da cor.</p><p>Desde Aristóteles, a nossa cultura parece eleger a linha e o traço como os mais elevados</p><p>representantes da qualidade do pensamento em arte. O desenho com o mais nobre nível de</p><p>expressão do pensar, sublimando a inteligência do abstrato por comparação com outras formas</p><p>de expressividade plástica. Ficou assim estabelecida, nas artes plásticas e na pintura, uma ordem</p><p>operativa hierarquizada que nos leva da “invenção”, através do “desenho”, ao “chiaroscuro” e,</p><p>apenas no fim, à “cor”.</p><p>Como ironicamente enfatiza Batchelor, na nossa cultura parece haver, portanto, uma longa</p><p>presunção de um “desenho-ordem” como oposto à mais diletante “cor-caos”, ou “cor-droga”,</p><p>que intoxica, que se toma como instável, e como tal podendo confundir ou desfocar. Uma “cor-</p><p>ameaça” a ponto de afetar a “clareza” do raciocínio, enfim: a cor tomada como um “submarino-</p><p>amarelo” que nos conduz à perda da “graça” (ou ao seu ganho, se partilharmos de perspectivas</p><p>transgressoras)2. Todos sabemos da longa e perene continuidade dessa luta.</p><p>Odiscursomoderno e a moral da cor em arquitetura, ou seja, para sermais preciso, a redução</p><p>do problema da cor à pseudo verdade expressiva dos próprios materiais, alicerça-se em grande</p><p>medida nas teorias de Ruskin (consulte-se o capítulo a “Lâmpada da Verdade” no “Sete lâmpadas</p><p>da arquitetura”3). Ruskin tomoumuito dos revestimentos em arquitetura (i.e. rebocos, pinturas e</p><p>consequentes técnicas ornamentais) como sinônimoda produção de indesejáveis “fingimentos”</p><p>que ocultavam, perturbando, a verdade de relação desejável entre concepção, produção e percep-</p><p>ção visual e imediata da materialidade (“verdade”) das formas. Importa realçar que essas qualifi-</p><p>cações de Ruskin sucedem no auge de uma campanha contra o espúrio do historicismo e do</p><p>ecletismo, em prol do regresso à verdade do gótico em pleno contexto romântico e “ruinista”.</p><p>Na verdade, nesta questão particular das relações de “verdade”, na relação construção vs</p><p>“forma”, Ruskin revela uma profunda ignorância quanto ao duplo papel de “camada sacrificial”</p><p>e de “camada de expressão” estética, que cabem e são inerentes à missão dos revestimentos na</p><p>construção e na definição de superfícies arquitetônicas históricas. Ou seja, na cultura da constru-</p><p>ção pré-industrial, que se baseava em grande medida na utilização de materiais porosos, aos</p><p>revestimentos cabia a missão não só de assegurar a durabilidade dos elementos tetônicos (as</p><p>alvenarias), aguentando os embates dos agentes da degradação e do tempo, sacrificando-se sem-</p><p>pre que necessário e depois refazendo-os, em consequência e ao gosto da moda do(s) tempo(s),</p><p>como tambémde assegurar soluções de comunicação arquitetural, e portanto fingindo, se neces-</p><p>sário, simulando pedra em falsas pilastras ou em quadros de vãos e, claro, recorrendo à cor como</p><p>sublinhado da permanência de um sentido de ordem, sempre ine-</p><p>rente à vestimenta da arquitetura, tal como ela se entendia antes da</p><p>modernidade.</p><p>Um entendimento da cor como algo de perigoso ou de trivial,</p><p>corruptor da séria cultura. Cor-corpo-estranho e, portanto, tomada</p><p>como algo de oriental, de feminino ou infantil - como diz Batcehelor</p><p>-, cor situada em arquitetura entre o vulgar e o patológico, como algo</p><p>1 BATCHELOR, D. Chromophobia.</p><p>Londres: Reaktion Books, 2000.</p><p>2 D. Batchelor, op. cit., p. 31</p><p>3 RUSKIN, J. The seven lamps of</p><p>architecture. Fac-simili da segun-</p><p>da edição de 1880. Nova Yorque:</p><p>Dover Publications, 1989.</p><p>11</p><p>de superficial, de suplementar, de não essencial e portanto decorativo - logo deordemcosmética.</p><p>Esta visão espúria da cor parece coerente com a nossa nacionalista preferência pelo tudo branco</p><p>(a Sul), ou pela “pedra à vista” (mais a Norte), que se tornou o paradigma visual do restauro no</p><p>EstadoNovo. Paradigma que, convenhamos, em grandemedida semanteve e acentuou quando</p><p>oModerno finalmente chegou e, com ele, os planos e regulamentosmonocromáticos e higienistas</p><p>típicos das décadas de 1950 a 1970.</p><p>Ocorrem-me a este propósito as palavras de Ludovico Quaroni que cito: “É provável que a</p><p>carência de cores puras, polidas, brilhantes, na pintura de cavalete ou de parede, nos rebocos, nas</p><p>tintas das telas, tenha orientado o gosto para a harmonia das ‘terras’, e esta seja uma das muitas</p><p>razões pelas quais a arquitetura do passado na Europa “resistia” ao tempo, quer dizer, era cada</p><p>vez mais bela à medida que passavam os anos, enquanto na arquitetura moderna vale a regra</p><p>inversa, a do novo, do perfeito, do polido”4.</p><p>2. A cor da cidade histórica e das suas mudanças2. A cor da cidade histórica e das suas mudanças2. A cor da cidade histórica e das suas mudanças2. A cor da cidade histórica e das suas mudanças2. A cor da cidade histórica e das suas mudanças</p><p>A constatação do impacto traumático da perda de cidade histórica coincide exatamente com</p><p>o início das políticas de salvaguarda centradas sobre a modificação das aci de áreas urbanas</p><p>históricas, ou seja com o lançamento das primeiras grandes operações de Ravalmn, tais como as</p><p>que A. Malroux promoveu em Paris, a partir de 1961, ou como as sistemáticas operações de</p><p>renovação desenvolvidas por alemães e austríacos depois da II Grande Guerra. O Ravalmn,</p><p>como método, baseia-se na promoção de operações massivas de limpeza e de repintura das</p><p>fachadas em zonas históricas, recorrendo a técnicas modernas (geralmente novos rebocos de</p><p>cimento Portland e pinturas comdispersões acrílicas e vinílicas) procurando alterar, pormeio da</p><p>renovação do aspecto, a decrepitude visual dos antigos tecidos urbanos.</p><p>ComoRavalmna cidade histórica, lida até aí como abandonada, velha e suja, surge rapidamen-</p><p>te nova, realçada, colorida e brilhante, capitalizando novos interesses e afetividades por parte do</p><p>grande público (umpoucomenos por parte dos mais eruditos), comóbvias repercussões e capitali-</p><p>zações políticas. Em grandemedida a operação “7ª Colina” com a repintura, festiva e Fauvista, do</p><p>eixo que ligava o Cais do Soudré ao Largo doRato, foi uma das nossasmais divulgadas dessas ações.</p><p>Nomundo da conservação, as dúvidasmetodológicas sobre o resultado do Ravalmn surgi-</p><p>ram quase imediatamente: o que era único e diverso, o que tinha a diversidade da estratificação</p><p>histórica, o pouco que ainda não eraModerno, parecia ressurgir agora igualizado, homogeneizado,</p><p>amalgamadopor pinturas industriais e soluções interpretativas que pouco tinhamque ver com as</p><p>diferentes e ricas possibilidades expressivas das superfícies,materiais e cromas originais.</p><p>Apesar de todas as suas limitações, importa não esquecer e até realçar que a constância</p><p>das artes e das técnicas tradicionais, sobretudo das artes ditas da cal, assegurava algo de</p><p>maravilhoso: as águas das chuvas, o vento e o sol, a transparência dessas tintas, a qualidade</p><p>dos seus pigmentos minerais, revelavam pouco</p><p>numa história vinculada a sucessivas ocupações territoriais</p><p>e conquistas por diferentes povos ou nações, e teve como referencial</p><p>oDireito Romano.Alémde um corpo legal tradicionalmentereferenciado</p><p>foi necessário institucionalizar estruturas estratégico-administrativas</p><p>*Arquiteto, Mestre em Planejamen-</p><p>to Urbano e Regional - UFRGS,</p><p>Professor Centro Universitário</p><p>Uniritter, Doutorando - Universi-</p><p>dade Pablo de Olavide, Sevilha.</p><p>1 Denominação dada aos filhos da</p><p>terra.</p><p>2 Documento A.G.I. - Indiferente ge-</p><p>neral 3087. Cópia del Real Decre-</p><p>to de 27 de Marzo de 1767 refe-</p><p>rente al Estranhamento de los re-</p><p>ligiosos de la Companhia de Jesus</p><p>de los Reinos de Índias.</p><p></p><p>peculiares para atender às novas questões sociais, econômicas e políticas geradas pelo novo con-</p><p>texto, tais, como os Conselhos das Índias e as Casas das Índias ou de Contratação.</p><p>Da mesma forma que as monarquias imperiais, também a Igreja Católica passou por amplas</p><p>transformações decorrentes da Reforma Protestante, marcadas pelo Concilio de Trento (1545-</p><p>1563), onde se reestruturaram fundamentos, princípios e procedimentos eclesiásticos, incluindo a</p><p>reorganização dos ritos litúrgicos.</p><p>No que se refere às relações entre Igreja e Estado neste contexto, cabe destacar que, tanto por</p><p>debilidade dos pontífices da época quanto pela política absolutista real, a Igreja se ligou intrinseca-</p><p>mente às duas coroas.Comocontrapartida à doação pontifíciade terras e gentes elas tinhamo encargo</p><p>de apoiar a evangelização e o estabelecimento da Igreja tanto nos territórios efetivamente ocupados ou</p><p>conquistados, quanto em qualquer povoação existente nas áreas repartidas, o que gerou o sistema de</p><p>Patronato Real na Espanha e em Portugal. Para tanto, também se instalavam nos novos territórios</p><p>representações hierarquizadas da IgrejaCatólica, assim comodas diferentes ordens religiosas tradi-</p><p>cionais do clero regular, tais como dominicanos, franciscanos, mercedários e capuchinhos ou dos</p><p>recémcriados jesuítas.Aorganização secular acompanhava no território as estruturas administrati-</p><p>vas imperiais e controlava os recursos do Patronato Real. As ordens religiosas se organizavam em</p><p>divisões territoriais próprias, emProvíncias, vinculadas às Províncias européias de origem –a espa-</p><p>nhola ou a portuguesa, do Superior Geral localizado emRoma, assim como da Igreja secular.</p><p>3. Dos ordenamentos urbanos3. Dos ordenamentos urbanos3. Dos ordenamentos urbanos3. Dos ordenamentos urbanos3. Dos ordenamentos urbanos</p><p>Dentre o conjunto de normas gerais definidas para as possessões ocidentais e orientais se inse-</p><p>rem orientações específicas que evidenciam políticas e estratégias urbanizadoras utilizadas tanto por</p><p>espanhóis quanto por portugueses. As duas nações se encontravam em processo de transição</p><p>entre um longo períodomedieval e as novas tecnologias e conceitos surgidos com aEraModerna.</p><p>Nos primeirosmomentos, nos territórios espanhóis doNovoMundo se iniciou um processo de</p><p>reestruturação territorial e urbana onde o Estado se concebia como um conglomerado de cidades,</p><p>com regularidade e uniformidade, implantando um sistema administrativo semelhante ao dametrópo-</p><p>le (Solano: XIX). No lado português, a administração da exploração colonial brasileira foi delega-</p><p>da inicialmente a particulares, por meio de contratos ou usando o regime de capitanias donatárias, já</p><p>adotados anteriormente, sem investimentos significativos da coroa, que concentrou maiores re-</p><p>cursos nas Índias Orientais (Boxer: 110).</p><p>Na legislação indiana do lado espanhol destacam-se as Novas Ordenações de Felipe II (1573) e a</p><p>Recopilação das Leis das Índias (1681), que organiza e revisa todos os ordenamentos legais expedidos</p><p>desde 1501, contemplando, entre outros títulos, diretrizes para processos de colonização e urba-</p><p>nização. No lado português, as Ordenações Manuelinas (1514) e as Filipinas, (1603) definindo as</p><p>atribuições dos Conselhos e as orientações específicas para criação de cidades, por meio de Cartas</p><p>Régias (Almeida: 148). Na prática, a ordenação cotidiana das estruturas urbanas, tinha participa-</p><p>ção demestres de obras e engenheiros-militares (Santos: 22). As Leis das Índias reiteram em suas</p><p>diretrizes para criação de cidades e novas povoações alguns dos princípios propostos noTratado</p><p>de Vitrúvio3, principalmente para escolha dos sítios e estruturação dos assentamentos. Nos anos</p><p>da união das Coroas Ibéricas (1580-1640) se ampliou consideravelmente a quantidade de enge-</p><p>nheiros militares italianos contratados para trabalhar em Portugal,</p><p>assim como o conjunto de traduções em espanhol dos principais</p><p>tratadosde arquitetura: Sérlio (1552),Vitrúvio (1582),Alberti (1582),</p><p>Vignola (1593), Paládio (1625), obras às quais os jesuítas também</p><p>tiveram acesso (Bueno: 167), (Gutiérrez: 2001).</p><p>3 Marcus Vitruvius Pollio (80/70 a.C.</p><p>– 23 a.C.) arquiteto, engenheiro e</p><p>escritor latino. Seu Tratado De</p><p>Architectura foi um texto fundador</p><p>para os autores do Renascimento.</p><p>55</p><p>4. A Paraquária4. A Paraquária4. A Paraquária4. A Paraquária4. A Paraquária</p><p>A Companhia de Jesus, ordem religiosa católica criada em 1540, no contexto da Contra</p><p>Reforma, pelo ex-soldado espanhol Inácio de Loyola, se estruturou rapidamente, por meio de</p><p>províncias, em regiões da Europa, América, África e Ásia.</p><p>Uma das características dos jesuítas era que seus preceitos nasceram a partir da prática, de</p><p>experiênciasmaturadas na ação concreta em campo, considerando o princípio de accomodatio como</p><p>uma adaptação necessária a pessoas, culturas e tempos. A mobilidade e a universalidade eram consi-</p><p>deradas como postulados elementares de uma ordem que moldou o seu modo de proceder numa</p><p>identidade múltipla e flexível, de acordo com as complexas e mutantes realidades enfrentadas</p><p>(Pavone: 15).ACompanhia exercia um sistema estruturadode coordenação, absolutamente regrado</p><p>e hierárquico, baseado na obediência cega.</p><p>Os jesuítas portugueses vieram para o Brasil em 1549, enquanto que os seus companheiros</p><p>espanhóis chegaram à América somente a partir de 1566, descendo ao Peru ainda no tempo de</p><p>Felipe II (1527-1598). Em 1585 chegam ao Paraguai, província à qual estavam vinculados, quan-</p><p>do a região ainda era território de evangelização franciscana. Devido à União Ibérica, em 1587</p><p>três padres convocados na Província do Brasil aportam no Paraguai. Em 1604 foi criada a Província</p><p>Jesuítica do Paraguai quecompreendiaumterritórioquehoje pertenceàArgentina,Uruguai, Paraguai,</p><p>Chile e Brasil, com sede em Córdoba. O primeiro provincial designado para o Paraguai foi o</p><p>PadreDiego de Torres Bollo4(1608 a 1615), que havia sido Superior na Redução de Juli, no Peru</p><p>(Furlong: 91).</p><p>O trabalhode evangelização se iniciou na regiãodoGuairá (1609), por solicitaçãodeHernando</p><p>Arias de Saavedra, governador do Rio da Prata e do Paraguai, para estancar o avance português.</p><p>Posteriormente, chegam às regiões do Itatim (1612), Uruguai (1619) e Tape (1629), em um</p><p>processo constante de assentamento e transmigração devido aos ataques dos bandeirantes paulistas.</p><p>Nesta região, iniciam com asmissões ambulantes e logo se implanta o sistema reducional, adotado</p><p>pelos franciscanos e aperfeiçoadopelos jesuítas.O sistema reducional se baseava na estruturação</p><p>de povoados onde viviam em caráter permanente padres e índios; em tese, semelhante aos prin-</p><p>cípios dos aldeamentos propostos porManuel daNóbrega para os jesuítas do Brasil. A freqüência</p><p>dos traslados forçados pelos ataques bandeiristas, de certa maneira favoreceu a organização inter-</p><p>na das reduções, uma vez que os índios perdiam o contato com seus lugares de origem, seus</p><p>hábitos e tendências, adaptando-se mais facilmente às orientações dos jesuítas (Mörner: 57). Ao</p><p>longo de cento e cinqüenta anos, quando da expulsão dos jesuítas da América, foi constituída uma</p><p>rede de trinta desenvolvidos povoados, caracterizados por uma organização social e uma estrutu-</p><p>ra urbano-arquitetônica peculiares.</p><p>5. A arquitetura jesuítica5. A arquitetura jesuítica5. A arquitetura jesuítica5. A arquitetura jesuítica5. A arquitetura jesuítica</p><p>Comoumaordemnova, os jesuítas necessitavamconsolidar</p><p>sua</p><p>imagem na prática, compondo alternativas arquitetônico-espaciais</p><p>próprias capazes de atender aos seus princípios operativos, ao cha-</p><p>mado modo nostro. No período inicial exerciam, ao mesmo tempo,</p><p>diferentes papéis: para as igrejas, geralmente construídas ex-novo, o</p><p>de contratante ou executor; para os colégios, noviciados ou residências</p><p>algumas vezes instalados em edifícios doados, o papel de usuários</p><p>4Diego de Torres Bollo (1551- 1638).</p><p>Filosofia em Ávila, Teologia em</p><p>Salamanca, 1582 Superior da Re-</p><p>sidência de Juli. Reitor dos colégi-</p><p>os de Quito (1592-3), Potosi</p><p>(1593-9). Primeiro provincial da</p><p>Província do Novo Reino (1604-</p><p>5) e do Paraguai (1607-15). Em</p><p>1603 publicou Relatione Breve.</p><p>56</p><p>(Micozzi, P.: 5). Necessitavam então adotar orientações arquitetônicas que expressassem o tom</p><p>modesto e severo que caracterizava a concepção do seu fundador, que defendia austeridade e simplici-</p><p>dade, sem luxo ou distrações. Estes princípios foram definidos na Ratione Aedificiorum que passou a</p><p>regrar a construção dos estabelecimentos da Ordem (Rodriguez, 2002:22), (Vallery-Radot: 6*),</p><p>(Custódio, 2008: 1)b.</p><p>Inicialmente as questões de arquitetura foram organizadas a partir</p><p>de uma clara dialética que correspondia à função dos edifícios: os</p><p>destinados ao culto deDeus -domus Dei- ou os destinados ao uso dos</p><p>homens, as casas5, residências6, colégios7 ou casas professas8, onde</p><p>os jesuítas moravam ou ensinavam (Micozzi, P.: 5). Com a expansão</p><p>da Ordem ao redor do mundo, a solução adotada para orientar, de</p><p>umamaneira centralizada e homogênea os projetos, foi a criação do</p><p>cargo de conselheiro de construções -consiliarius aedificorum, instalado</p><p>junto ao Superior Geral (1558), e o irmão coadjutor9 Giovanni</p><p>Tristano10 foi o primeiro conselheiro (Micozzi, P.: 5). Ele trabalhou</p><p>em inúmeras obras, recomendando sempre a construção de igrejas</p><p>de nave única -ad aula- em cruz latina, baseada na tradição basilical.</p><p>Colaborou com Jacopo Barozzi dito il Vignola11 na utilização desta</p><p>forma para a Igreja de Gesù, obra considerada como um marco</p><p>referencial ou arquétipo paramuitas edificações daOrdem. Tristano</p><p>foi substituído porGiuseppeValeriano12 e posteriormente pelos ma-</p><p>temáticos do Colégio Romano, Francesco de Rosis13, Christoph</p><p>Grienberger14 e Orazio Grassi15 .</p><p>A segundaCongregação jesuítica (1565) estabeleceuorientações</p><p>mais concretas para as edificações definindo que se remetessem a</p><p>Roma, ao Superior, as plantas e desenhos para avaliação, sem cuja</p><p>aprovação não poderiam ser construídas (Rodriguez, 2002:23). As</p><p>orientações aprovadas emTrento tambémcontribuírampara a for-</p><p>mulação de programas espaciais para a arquitetura da Companhia</p><p>tendo como responsável o Cardeal Carlo Borromeo16 que organi-</p><p>zou um manual denominado Instructiones Fabricae et Supellectilis</p><p>Ecclesiasticae (1577). As Instructiones apresentavam diretrizes gerais,</p><p>normas e formas sobre o modo de construir, ornamentar e mobili-</p><p>ar estruturas eclesiásticas, incorporando idéias de tratadistas, sem</p><p>prescindir da necessária orientação de arquitetos. Dentre os tratadistas</p><p>utilizados como referência pelos jesuítas estão, explicitamente,</p><p>Vitrúvio, Cataneo, Vignola, Palladio e Serlio (Gallegos: 1).</p><p>O quarto Superior Geral, Everardo Mercuriano (1573-1580)</p><p>compilou o Resumo das Constituições dos manuscritos de São Ignácio</p><p>para elaborar asRegras Comuns da Companhia, incluindo as normas</p><p>particulares para a arquitetura. Foi incentivada a utilização de proje-</p><p>tos-padrão feitos emRoma, buscando harmonizar e uniformizar as obras</p><p>na sede da Companhia assim como nas construções das províncias.</p><p>Eramenviadasàs Províncias,pelosProcuradores,conjuntosde plantas-</p><p>5Casa é o domicilio de jesuítas que</p><p>terminaram seus estudos e se de-</p><p>dicam a trabalhos apostólicos</p><p>(O’Neill et alli, 2001).</p><p>6Nas Constituições residência não</p><p>é uma casa determinada, mas o</p><p>fato de residir (O’Neill et alli, 2001).</p><p>7Colégio é a residência comunitária</p><p>de jesuítas formados e em forma-</p><p>ção (Constituições 289) (O’Neill</p><p>et alli, 2001).</p><p>8Casa professa. Domicílio onde de-</p><p>vem habitar os professos (Consti-</p><p>tuições 557s). (O’Neill et alli,</p><p>2001).</p><p>9No grau mais alto da estrutura</p><p>jesuítica estavam os professos dos</p><p>quatro votos […]. Abaixo deles</p><p>os professos dos três votos […],</p><p>como os coadjutores espirituais</p><p>[…]. O último nível era dos</p><p>coadjutores temporais, integrado</p><p>pelos leigos que desenvolviam</p><p>funções de apoio (Custódio,</p><p>2008:92)a.</p><p>10Giovanni Tristano. Arquiteto. N.</p><p>1515, Ferrara, Itália; m. 1575,</p><p>Roma, Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>11Jacopo Barozzi dito Vignola, ar-</p><p>quiteto e teórico italiano. Escre-</p><p>veu Regras das cinco ordens da</p><p>Arquitetura. N. 1507, perto de</p><p>Módena (Italia); m. 1573, Roma</p><p>(Itália).</p><p>12Giuseppe Valeriano. N. 1542,</p><p>L’Aquila, Itália; m. 1596, Nápoles,</p><p>Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>13De Rosis, Giovanni. Arquiteto. N.</p><p>1538, Como, Itália; m. 1610,</p><p>Roma, Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>14Grienberger, Christoph. Matemáti-</p><p>co. N. 1564, Hall, Áustria; m. 1636,</p><p>Roma, Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>15Grassi, Orazio. Matemático.</p><p>N.1583, Savona, Itália; m.1654,</p><p>Roma, Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>16Borromeo, Carlos. Cardeal. N.</p><p>1538, Arona, Italia; m. 1584, Mi-</p><p>lão, Itália (O’Neill et alli, 2001).</p><p>57</p><p>tipo ou plantas-comuns de igrejas de nave única, desenhadas por de Rosis (Benedetti: 75). O Supe-</p><p>rior Geral Claudio Acquaviva (1581-1615) com espírito mais flexível, abandonou esta orientação,</p><p>restabelecendo a decisão de enviar a Roma, em duas cópias, todos os projetos para aprovação,</p><p>proibindo as modificações posteriores (Vallery-Radot:8), (Custódio, 2008: 4)b.</p><p>Neste período, as obras jesuíticas a serem construídas nas províncias espanholas também</p><p>deveriam ser aprovadas pelo arquiteto real, Juan de Herrera, em Madrid, a quem a Companhia</p><p>recorreu em diversas ocasiões. (Rodríguez, 1976: 289). Na prática, pouco a pouco foi sendo formatada</p><p>uma tipologia edilícia para os principais programas da Ordem, que era o resultado tanto das</p><p>necessidades funcionais quanto expressando referências à obras emblemáticas, aos tratados de</p><p>arquitetura e à contribuição de profissionais de diferentes países. Com o tempo, a cúria romana</p><p>foi perdendo o controle sobre projetos e obras, não apenas na Europa, mas principalmente nos</p><p>territórios das Índias. NaEspanha algumas obras marcantes dos arquitetos Juan de Herrera, Juan</p><p>Bautista Villalpando e Bartolomé Bustamante se difundiram, influenciando novos projetos na</p><p>Itália e na América.</p><p>Basicamente duas tipologias de organização espacial se consolidaram no âmbito da Compa-</p><p>nhia: as igrejas, principalmente emplanta basilical e os colégios/ casas professas, estruturados ao</p><p>redor de pátios fechados, com porticados superpostos, numa visível combinação da tradição</p><p>beneditina com as tipologias de casas-palácio do Renascimento (Vallery-Radot: 45), (Benedetti:</p><p>92), (Burriera: 90).</p><p>Enquanto na Europa se avaliavam questões estilístico-funcionais, os missionários das Índias</p><p>Ocidentais -e seguramente os dasOrientais- apesar de estarem submetidos àsmesmas orientações</p><p>da Companhia se encontravam imersos em realidades muito diferentes, onde precisavam criar</p><p>outros tipos de espaços para cumprir sua missão. Na ocupação doNovoMundo se apresentaram</p><p>situações imprevistas que impuseram amplos desafios de criatividade e capacidade de adaptação</p><p>para congregar e assegurar a sobrevivênciados gentis convertidos.Os jesuítas buscavam obedecer ao</p><p>mesmo tempo às diferentes determinações ditadas pelas instâncias a que estavam subordinados -a</p><p>Coroa, a Igreja Católica e a própria Companhia- numa sucessão hierárquica triangulada entre Roma,</p><p>Madrid e as regiões do interior da América, com representações locais, nem sempre consertadas.</p><p>6. A arquitetura nas missões6. A arquitetura nas missões6. A arquitetura nas missões6. A arquitetura nas missões6. A arquitetura nas missões</p><p>NaAmérica, as duplas de companheiros de Jesus, alémde construir igrejas, colégios e residências,</p><p>também coordenaram o assentamento de povoados nativos inteiros -as reduções ou doutrinas- com</p><p>estruturas físicas adequadas para</p><p>abrigar populações relativamente extensas – de até seis mil</p><p>índios coordenados por doismissionários - densidades a que ambos não estavam acostumados a</p><p>enfrentar. No âmbito eclesiástico, as paróquias de índios denominavam-se doutrinas, entendidas</p><p>comoestruturas aprovadas e dotadas de PatronatoReal17. As reduções eram os povoados de índios</p><p>que se encontravam no início do processo de conversão, estágio anterior às doutrinas. Com o</p><p>tempo, todos os agrupamentos de índios cristianizados, organizados em povoados, passaram a se</p><p>denominar indistintamentecomo reduções ou doutrinas e os religiosos encarregados de sua conver-</p><p>são de padres, missionários ou doutrinadores (Hernández: 280). Além</p><p>dospovoados,outrosprogramas arquitetônicosseapresentaramcomo</p><p>indispensáveis de serem solucionados: as estâncias para criação de</p><p>gado e as oficinas de trabalho ou indústrias de diferentes naturezas,</p><p>os “obrajes”.</p><p>17 Documento ARSI, Paraq. 12,</p><p>174v. Usos y Costumbres comunes</p><p>a todas las doctrinas por el</p><p>Visitador Andrés Rada (1664).</p><p>58</p><p>De maneira geral todas as estruturas que corresponderam aos diferentes programas criados</p><p>regionalmente, utilizaramcomo referência características tipológicas que se consolidaramna Eu-</p><p>ropa, com igrejas ou capelas ocupando sempre local preponderante, ladeadas por estruturas</p><p>arquitetônicas lineares, construções em fita, muitas vezes alpendradas, organizadas ao redor de</p><p>pátios. A este núcleo básico da igreja-residência, inicialmente compátio único, tipo claustro, foram</p><p>adicionados outros componentes, comopátios de serviços, cemitérios, pomar, etc.</p><p>Apesar das plantas dos diferentes programas arquitetônicos utilizarem soluções recorrentes,</p><p>se observam nos resultados peculiaridades locais, fruto da contribuição cultural dos autores,</p><p>geralmente irmãos coadjutores, alguns dos quais arquitetos, além das diretrizes propostas nos</p><p>tratados de arquitetura disponíveis. Da mesma forma, também se observam contribuições dos</p><p>executores; no caso, dos Guarani, que tinham amplo conhecimento do meio onde habitavam,</p><p>participando de uma experiência edilícia que pode ser considerada resultado de uma interação</p><p>cultural ( Levington: 7).</p><p>É consenso entre os autores que tratam deste tema que a trajetória arquitetônica na Paraquária</p><p>se inicia pela utilização dos métodos construtivos tradicionais dos nativos. Eram estruturas apoia-</p><p>das em esteios de madeira com coberturas e vedações de fibras vegetais, reproduzindo, com</p><p>pequenas adaptações, as casas-grandes, habitações coletivas das famílias extensas, utilizadas tanto</p><p>para as residências -que nas Missões receberam subdivisões internas- quanto para os templos.</p><p>Nesta trajetória, pouco a pouco, vão sendo introduzidos outros materiais, como a pedra e os</p><p>tijolos, utilizados nas vedações,mantendo estruturas independentes feitas por grandes esteios de</p><p>madeira, às vezes aparentes, às vezes inseridos nas paredes. As estruturas das coberturas, de</p><p>forros e abóbadas de madeira das igrejas são cobertas por telhados estendidos, com alpendres</p><p>porticados.Nesta segunda etapa se introduzem elementos decorativos, integrados ou independen-</p><p>tes, por meio de relevos, pinturas e esculturas. Numa terceira etapa se iniciam as grandes constru-</p><p>ções estruturadas por paredes portantes em pedra, utilizando repertórios formais da arquitetura</p><p>européia. Desta última etapa, temos poucos remanescentes, devido à interrupção do processo</p><p>reducional.</p><p>7. Os ordenamentos urbanos no sistema reducional7. Os ordenamentos urbanos no sistema reducional7. Os ordenamentos urbanos no sistema reducional7. Os ordenamentos urbanos no sistema reducional7. Os ordenamentos urbanos no sistema reducional</p><p>De acordo com as ordenações espanholas, as modalidades de assentamentos urbanos previstas</p><p>para a república dos índios eram os povoados ou “pueblos” de índios (Solano: XXVII). Tanto as instru-</p><p>ções do Padre Diego de Torres Bollo (1609) para as primeiras povoações do Guairá, quanto as</p><p>descrições de Cardiel sobre os atributos que deveria ter um lugar para o estabelecimento de uma</p><p>redução reiteram princípios gerais semelhantes aos propostos pelas Leis das Índias (Furlong,</p><p>1962: 183) (Busaniche: 26). As reuniões periódicas dos padres com o Provincial também geravam</p><p>Ordens para todas as Reduções, documentos que abrangiam aspectos funcionais e práticos, definindo</p><p>atribuições e formas de comportamento de padres e índios18.</p><p>Como estratégia de conversão, os jesuítas sempre buscaram</p><p>utilizar referências culturais dos povos a serem cristianizados.</p><p>Os assentamentos tradicionais Guarani tinham uma organiza-</p><p>ção semelhante às descrições históricas dos Tupinambá, com</p><p>aldeamentos formados por algumas casas de parentes localiza-</p><p>18Documento ARSI, Roma,</p><p>Paraguay 12. 168. Ordenes para</p><p>todas las Reducciones, aprobados</p><p>por N. P. Genl, Jua, Paulo Oliva.</p><p>1690.</p><p>59</p><p>das em clareiras na floresta, nas proximidades de cursos d’água, que eram os principais</p><p>meios de conexão19.</p><p>No sistema reducional, as terras eram divididas em duas categorias de acordo com suas</p><p>finalidades: o tupambaé eo abambaé. O tupambaé, do guaraní Tupã -Deus e mbaé- propriedade. Este</p><p>conceito não surgiu com as reduções jesuíticas, uma vez que também foi usado pelos franciscanos</p><p>e se baseava num espaço tradicional espanhol, previsto no direito indiano -o ejido- referente às</p><p>terras comunitárias (Carbonell, 1992: 166). No tupambaé se produziambens para intercâmbio entre</p><p>reduções e para exportação ou pagamento de tributos. A produção era feita em regime de colabo-</p><p>ração denominado potyró ou mutirão. Já o abambaé, conceito composto por aba – índio e mbaé-</p><p>propriedade, referia-se às terras para uso particular, geralmente chácaras localizadas ao redor das</p><p>reduções (Custódio, 2002: 51).</p><p>Entre as diferentes descrições e iconografias sobre povoados de índios ou reduções é coinci-</p><p>dente a afirmação sobre a uniformidade das estruturas urbanas, em que a praça central -onde deve</p><p>começar a povoação- e a igreja, sempre exerceram o papel preponderante e organizador. As praças</p><p>das reduções, de certa maneira fazem referência aos espaços de convivência das aldeias Guarani</p><p>e as igrejas, às casas de reza ou de cerimônias.</p><p>O sistema reducional do Paraguai estruturou ao longo do tempo em seus povoados a tipologia</p><p>urbana missioneira que se consolidou com uma organização espacial padronizada e característica</p><p>(fig. 1). Esta tipologia se configura basicamente por dois conjuntos de edificações ordenadas ao</p><p>redor de uma praça quadrangular para onde convergiam duas ruas com acessos principais,</p><p>ortogonais entre si, que se cruzavam no meio da praça (fig. 2) (Custódio, 2002: 98). O primeiro</p><p>conjunto era uma estrutura fechada emurada, que ocupava um dos lados da praça. O segundo era</p><p>aberto, ocupando as três outras laterais.</p><p>O primeiroconjunto se compunha por edificações alinhadas que ocupavamoponto proeminente</p><p>do sitio, dominadas pela grande igreja com seu pórticoavançado, tendo de um lado o cemitério e do</p><p>outro, dois pátios, oda residência dospadres eodosdepósitos eoficinas.20Atrás deste bloco fechado</p><p>por muro de pedra com três varas de altura, ficava a quinta.21 O segundo conjunto se desenvolvia a</p><p>partir dosoutros três lados dapraça,ocupadosporpavilhões rodeadosporcorredores alpendrados,</p><p>utilizados para as residências dos índios, com todas as portas voltadas para a praça, para melhor</p><p>controlar os índios. Estes blocos, unidades de habitação coletiva se constituíam num elemento desconhe-</p><p>cido até então na estrutura urbana colonial, substituindo os quarteirões tradicionais por quarteirões-</p><p>ilhas (Gutiérrez, 1987: 132). A praça era o local de todo o tipo de</p><p>atividade pública, religiosa, cívica e esportiva. No centro da praça se</p><p>localizava uma coluna de pedra rematada por uma cruz, denominada</p><p>tronco (el rollo), onde eram amarrados os nativos que deveriam rece-</p><p>ber castigos, que eram públicos (Furlong, 1962: 376).</p><p>Numa das casas da praça, sem divisões internas, se instalava o</p><p>conselho municipal de caciques, o cabildo, coordenado por um</p><p>corregedor indígena (Armani: 103). Os componentes secundários da</p><p>estrutura</p><p>urbana podiam variar de posição entre as diferentes redu-</p><p>ções, obedecendo sempre ao esquema geral.</p><p>19De acordo com depoimento do Dr.</p><p>José Otávio Catafesto de Souza,</p><p>antropólogo (07/2009).</p><p>20Documento – BN. Carta de Anto-</p><p>nio Sepp al Padre Gullermo</p><p>Stingelhaim, Alta Alemanha,</p><p>(1701).</p><p>21Documento ARSI, Paraguay 12 -</p><p>168. Ordenes para todas las</p><p>Reducciones, aprobados por N. P.</p><p>Genl, Jua, Paulo Oliva. 1690, 2ª.</p><p>60</p><p>A peculiaridade administrativa e funcional do sistema jesuítico</p><p>propiciou a geração de estruturas arquitetônicas próprias nas redu-</p><p>ções, como o cotiguaçú,22uma casa destinada às mulheres recolhidas,</p><p>viúvas ou órfãs e a hospedaria ou tambo. As reduções ou doutrinas</p><p>da Paraquária se constituíram numa variante peculiar -um modelo</p><p>alternativo planificado e sistemático- dos povoados de índios previstos</p><p>nas disposições de Felipe II, com populações expressivas e progra-</p><p>mas arquitetônicos específicos (Viñuales: 122). A partir de uma or-</p><p>ganização social cotidianamente ritualizada, no espaço reducional se</p><p>desenvolveramasprincipaismanifestações artístico-culturais da época,</p><p>por meio da arquitetura, escultura e pintura, que constituíam o cená-</p><p>rio para as sofisticadas celebrações religiosas -festas e procissões</p><p>barrocas- acompanhadas commusica, danças e pelo teatro sacro.</p><p>8. As representações iconográficas8. As representações iconográficas8. As representações iconográficas8. As representações iconográficas8. As representações iconográficas</p><p>A circulação de desenhos, planos e projetos assim comoocorria</p><p>com toda a correspondência era formalmente regulamentada pelos</p><p>jesuítas, devendo ser encaminhadas duas cópias ao Superior Geral,</p><p>emRoma (Vallery-Radot: 8). Se por um lado existe uma quantidade</p><p>significativa demapas cartográficos, desconhecemos qualquer exem-</p><p>plar de plano ou projeto que possa ter sido utilizado para orientar a</p><p>construção de algum povoado da Paraquária23.</p><p>As iconografias urbanas conhecidas sobre as reduções podem</p><p>ser classificadas em duas categorias: as executadas por jesuítas e as</p><p>feitas por funcionários imperiais ou por viajantes. Dentre as consideradas</p><p>de autoria jesuítica, algumas têm caráter descritivo, como a denominada</p><p>planta tipo localizada no ARSI24 em Roma, que apresenta generica-</p><p>mente uma redução (fig. 3). Outras podem ser comparadas com as</p><p>correspondências edificantes, assim como o são asCartas Anuas25.Nestas</p><p>podem ser incluídas as versões da redução da Candelária, feitas a</p><p>partir da obra publicada por Peramás26 em seu exílio (1791). A</p><p>iconografia apresenta uma estrutura urbana em perspectiva, absolu-</p><p>tamente regular, como se fosse uma representação idealizada. Den-</p><p>tre as várias versões, uma se encontra no Arquivo do Itamaraty, Rio</p><p>de Janeiro (fig. 4) e uma outra, menos conhecida, na Biblioteca de</p><p>Villarqueimado27. Neste grupo também se incluem as duas variantes</p><p>do Povo de São João Batista que se encontramnoArquivo de Simancas</p><p>(fig. 5) e naBibliotecaNacional da França (fig. 6)28. Estas iconografias,</p><p>provavelmente feitas pelo mesmo autor, foram utilizadas para pro-</p><p>mover genericamente os povoados dos Sete Povos29 na tentativa de</p><p>impedir sua entrega aos portugueses. A cópia que se encontra em</p><p>Paris, possivelmente integrava o conjunto de planos dos arquivos</p><p>romanos que foram vendidos para a França (Vallery-Radot: 8).</p><p>22A necessidade de construção de</p><p>um cotiguaçú em cada doutrina foi</p><p>determinada em 1714 pelo Provin-</p><p>cial Luiz de Roca. (Carbonell, 2003:</p><p>133).</p><p>23A coleção mais abrangente refe-</p><p>rente à cartografia e iconografia</p><p>missioneira foi publicada, por</p><p>Ernesto Maeder e Ramón Gutierrez</p><p>no Atlas historico y urbano del nor-</p><p>deste argentino (Resistência, IIGH,</p><p>1994).</p><p>24O original encontra-se no ARSI,</p><p>Paraguay 14 - 082b, com o se-</p><p>guinte título: “Estos 30 pueblos</p><p>estaban de esta forma cuando</p><p>fueron a aquellas partes las Reales</p><p>Comisiones de la Línea divisoria</p><p>año 1754 et ultra.” Na parte late-</p><p>ral, uma descrição detalhada da</p><p>estrutura urbana.</p><p>25As cartas anuas eram correspon-</p><p>dências regulares obrigatórias en-</p><p>tre os Provinciais e o Superior.</p><p>26O Jesuíta espanhol e missionário</p><p>do Paraguai, o Pe. Manuel Peramás</p><p>(1732-1793) publicou La Repúbli-</p><p>ca de Platón y los Guaraníes .</p><p>KÜHNE, Eckart. Las misiones</p><p>Jesuíticas de Bolivia Martín Schmid</p><p>1694-1772. Pro Helvetia, Zürich,</p><p>Santa Cruz de la Sierra, Bolivia,</p><p>1996. p. 148. Cópia desta</p><p>iconografia se encontra na</p><p>Mapoteca do Arquivo do Itamaraty,</p><p>no Rio de Janeiro.</p><p>27Obra da Biblioteca de D. Cándido</p><p>de Oliva, Biblioteca de</p><p>Villarquemado, Teruel, Espanha,</p><p>publicada por Santiago Sebastián</p><p>no Archivo Español de Arte, nº.</p><p>119, Madrid, 1957.</p><p>28Doc. BNF GeC2769. “Pueblo de San</p><p>Juan que e uno de los del Uruguay</p><p>que se intentan entregar a Portu-</p><p>gal”- Publication: [SF]: [s.n] 1756.</p><p>29Pelo Tratado de Madrid (1750) os</p><p>Sete Povos das Missões deveri-</p><p>am ser trocados pela Colônia do</p><p>Sacramento. O plano de Simancas</p><p>foi encaminhado de Córdoba (Ar-</p><p>gentina), em 1753, por Joseph de</p><p>Barreda ao padre confessor real.</p><p>Documentos interceptados pelos</p><p>espanhóis. Doc. AGS - E7381-71.</p><p>61</p><p>Dentre asproduzidaspor funcionáriosou viajantes, está a coleção doArquivo do Itamaraty, Rio de</p><p>Janeiro, formada por vários planos urbanos efetuados pelos espanhóis quando da demarcação do</p><p>Tratado deLimites de Santo Ildefonso (1777). Desenhosfeitos comobjetivo de descreveros assen-</p><p>tamentos encontrados na zona de fronteira, dentre os quais o Plano de São João Batista (fig. 7). A</p><p>tipologia urbana era tão marcante que JoséMaria Cabrer30, utilizou uma estrutura padronizada e a</p><p>reproduziu para registrar as várias reduções que inventariou, independentemente das eventuais</p><p>diferenças de posição, que foram desconsideradas. Neste conjunto também se incluiria o Risco de</p><p>SãoMiguel (fig. 8), obra sem autoria definida executada por membros do exército português31. O original</p><p>encontra-se na BN, Manuscrito AMM 41 76/98. Seção Iconográfica ARC 24-3-6.</p><p>9. Epílogo9. Epílogo9. Epílogo9. Epílogo9. Epílogo</p><p>O tema da arquitetura produzida pelos jesuítas já foi objeto, em meados do século XX, de</p><p>longas e polêmicas discussões que buscavam avaliar a existência de um possível estilo jesuítico. A</p><p>base desta discussão pode ter sido originada pela distribuição das chamadas plantas tipo para</p><p>igrejas. Uma discussão que envolveu aspectos de forma e função. Elucidada documentalmente a</p><p>trajetória histórica, a conclusão a que se chegou foi a da existência de uma tipologia arquitetônica</p><p>jesuítica, ou seja, da repetição de um conjunto de características repetíveis e reconhecíveis como</p><p>integrantes de um mesmo grupo ou conjunto de ocorrências. Estudos posteriores trataram de</p><p>descrever e entender o processo de produção de elementos arquitetônicos isolados, buscando</p><p>identificar suas filiações formais à determinadas referências tipológicas emblemáticas, como é o</p><p>caso da Igreja del Gesù de Roma, um marco neste tema.</p><p>Esta discussão, de certa forma, também se ampliou fora da Europa onde outras variáveis</p><p>contribuíram na configuração da arquitetura jesuítica, além das referências e diretrizes. Dentre</p><p>elas estão o isolamento, osmateriais, amão de obra e as condições disponíveis, os novos progra-</p><p>mas. Estas variáveis geraram tipologias próprias, como as igrejasmissioneiras, com seus grandes</p><p>átrios cobertos, as unidades de habitação das reduções oumesmo as curiosas casas de viúvas e órfãs.</p><p>Por outro lado, no campo dos ordenamentos urbanos pode-se concluir que as diretrizes principais</p><p>foram ditadas mais por regramentos do Estado do que pelas diretrizes da Igreja. As minuciosas</p><p>disposições previstas nas Ordenações e nas Leis das índias, com descrição e determinações para</p><p>cada componente da estrutura urbana, foram, sem dúvida, tomadas como referência , mesmo que</p><p>não literalmente.</p><p>AOrdem Jesuítica não experimentouna Europa a construção de novos assentamentosurba-</p><p>nos uma vez que as fundações urbanas eram atribuições exclusivas das Coroas. Logo, não teve</p><p>para os povoados americanos o regramento e o controle utilizados</p><p>para as edificações.</p><p>Dentre as discussões ocorridas no campo urbano, colocam-se a</p><p>origem,</p><p>as referências e as influências que geraram esta tipologia</p><p>peculiar. É preciso separar, neste caso, questões de ordem funcional</p><p>das morfológicas. Funcionalmente, além da orientação oficial de reu-</p><p>nir os índios e separá-los dos espanhóis, temos algumas referências</p><p>fundamentais. No lado espanhol, o aprendizado de Juli, no Peru,</p><p>onde se estruturou o conceito do sistema reducional trazido para a</p><p>Paraquária pelo Padre Torres Bollo.No português, a experiência pre-</p><p>30José Maria Cabrer, engenheiro,</p><p>geógrafo e cartógrafo espanhol. In-</p><p>tegrante da segunda comissão</p><p>mista encarregada de demarcar a</p><p>linha de limites e as possessões</p><p>espanholas do Tratado de Santo</p><p>Ildefonso. Esteve na região entre</p><p>1784 e 1789 e deixou planos de</p><p>reduções, mapas e fortificações.</p><p>31O original encontra-se na BN, Ma-</p><p>nuscrito AMM 41 76/98. Seção</p><p>Iconográfica ARC 24-3-6.</p><p>62</p><p>cursora de Manuel da Nóbrega e de seu plano de formação de aldeamentos. A experiência</p><p>funcional, porém, foi dinâmica, sendo aperfeiçoada e transformada, na prática, pelos jesuítas e</p><p>seus conselhos de padres e índios. No campo morfológico, no entanto, as referências primárias</p><p>remontam aos conceitos idealizados na antiguidade por Vitrúvio, além de experiências posteriores</p><p>européias, com exemplos distintos de estruturas urbanas regulares. Estas referências vieram tanto</p><p>nas Leis e Ordenações, como na contribuição ou no repertório dos próprios padres provenientes</p><p>de diferentes países. Nesta linha também contribuiu o estruturado sistema de comunicação e</p><p>intercâmbio jesuítico, que difundia e promovia, metodicamente, entre seus pares, as experiências</p><p>e realizações em curso ao redor do mundo. O sistema reducional da Paraquária motivou grande</p><p>interesse, principalmente o europeu, por esta experiência que foi classificada como “utópica”.</p><p>10. Abreviaturas10. Abreviaturas10. Abreviaturas10. Abreviaturas10. Abreviaturas</p><p> AGI – ArquivoGeral das Índias (Sevilha).</p><p> AGS –ArquivoGeral de Simancas (Valadolid).</p><p> AGNA– ArquivoGeralNaçãoArgentina (Buenos Aires).</p><p> ARSI – Arquivo Romano S. I. (Companhia de Jesus - Roma).</p><p> BN – Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro).</p><p> BNF – Biblioteca Nacional da França (Paris).</p><p> IHSI – Instituto Histórico S. I. (Companhia de Jesus - Roma).</p><p> MRE –Ministério Relações Exteriores (Rio de Janeiro).</p><p>Referencias BibliográficasReferencias BibliográficasReferencias BibliográficasReferencias BibliográficasReferencias Bibliográficas</p><p>ALMEIDA, Cândido Mendes de. Código Phillipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por</p><p>mandado d’el Rei D. Filipe I. Brasilia: Senado Federal, 2004.</p><p>ARMANI, Alberto. Ciudad de Dios y Ciudad del Sol. México: Fondo deCulturaEconómica. 1996.</p><p>BENEDETTI, Sandro. Il “modo nostro” e la prima stagione dell’architettura gesuitica . 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Ilustrações</p><p></p><p>Fig. 3: Plano Tipo – Arquivo Companhia de Jesus - ARSI - Roma.</p><p>Fig. 4: Plano de Candelária – Arquivo MRE - Mapoteca do Itamaraty – Rio de Janeiro.</p><p>66</p><p>Fig. 6: Plano de São João Batista – Biblioteca Nacional da França - Paris.</p><p>Fig. 5: Plano de São João Batista – Arquivo de Simancas - Valadolid.</p><p>67</p><p>Fig. 7: Plano de São João Batista – Arquivo MRE - Mapoteca do Itamaraty – Rio de Janeiro.</p><p>Fig. 8: Risco de São Miguel – Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro</p><p>6969</p><p>RREPOVOAMENTOEPOVOAMENTO EE URBANIZAÇÃOURBANIZAÇÃO DODO BBRASILRASIL NONO SÉCULOSÉCULO XVIIIXVIII</p><p>MariaMaria HelenaHelena OchiOchi FFlexorlexor**</p><p>Entre o Tratado de Limites de Madri, de 1750, e o de Santo Ildefonso, de 1777, foiEntre o Tratado de Limites de Madri, de 1750, e o de Santo Ildefonso, de 1777, foi</p><p>desencadeada uma série de ações do governo luso em relação a seu reino e suas conquistas.desencadeada uma série de ações do governo luso em relação a seu reino e suas conquistas.</p><p>TransTranscorria ocorria o períodoperíodo dodo reinadoreinado dede DD.. JoséJosé II ee aa açãoação dede seuseuministroministro ee secretáriosecretário dede EstadoEstado dosdos</p><p>Negócios</p><p>do Reino, Sebastião José de CarNegócios do Reino, Sebastião José de Carvalho eMelo, o discutidíssimo Conde deOeiravalho eMelo, o discutidíssimo Conde deOeiras, depoiss, depois</p><p>Marquês de Pombal. Este ministro procurou desenvolver um programa de reorganizMarquês de Pombal. Este ministro procurou desenvolver um programa de reorganização econô-ação econô-</p><p>mica, social, administrativa, judicial, religiosa e,mica, social, administrativa, judicial, religiosa e, sobretudo, política em todo osobretudo, política em todo o reino. Freino. Foi Pombaloi Pombal</p><p>quem estendeu suas ações, auxiliado de perto por seu irmão, Francisco Xavier de Mendonçaquem estendeu suas ações, auxiliado de perto por seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça</p><p>Furtado, para fixar as fronteiras do Brasil e manter a unidade do território na América portugue-Furtado, para fixar as fronteiras do Brasil e manter a unidade do território na América portugue-</p><p>sa. Reputa-se que, só então, a metrópole resolveu tomar o controle tsa. Reputa-se que, só então, a metrópole resolveu tomar o controle total desse terotal desse território, pormeioritório, por meio</p><p>da interda intervenção direta, iniciando umvenção direta, iniciando um processo de repovoamento e urbanização.processo de repovoamento e urbanização.</p><p>Assim, pode-se citarAssim, pode-se citar, entre as mu, entre as muitas ações, oitas ações, o levantamento cartográfico e folevantamento cartográfico e formação de co-rmação de co-</p><p>missões de demarcação demissões de demarcação de limites em função dolimites em função do TTratado deMadri; criaçãoratado deMadri; criação do Tribdo Tribunal da Rela-unal da Rela-</p><p>ção noRio deçãonoRio de Janeiro e organização das capitanias subalternasJaneiro e organização das capitanias subalternas aoGrão-Pará eMaranhão, sediandoaoGrão-Pará eMaranhão, sediando</p><p>o governo em Belém, mais próxima da região amazônico governo em Belém, mais próxima da região amazônica, ponto nevrálgico ameaçado pelos esa, ponto nevrálgico ameaçado pelos espa-pa-</p><p>nhóis, alémdos ingleses, franceses enhóis, alémdos ingleses, franceses e holandeses, complemholandeses, complementada pela criaçãoda capitania deentada pela criaçãoda capitania de SãoSão</p><p>José doJosé do Rio NegRio Negro (Amazôro (Amazônia); construnia); construção deção de fortalezas;fortalezas; introduçãointrodução de sementesde sementes não-nativasnão-nativas ee</p><p>fomento à indústria extrativa nessa zona; melhoria da técnica agrícola -fomento à indústria extrativa nessa zona; melhoria da técnica agrícola - como uso de estrume ecomo uso de estrume e</p><p>arado -, importação de pretosarado -, importação de pretos para a regiãoNortepara a regiãoNorte e proibição de sua exportação. Continuou-se ae proibição de sua exportação. Continuou-se a</p><p>introdução de casais açorianos, madeirensesintrodução de casais açorianos, madeirenses11 e minhotos no Sul e em várias partes do Norte ee minhotos no Sul e em várias partes do Norte e</p><p>Nordeste; incentivou-se o boicote ao contrabando e desvios dosNordeste; incentivou-se o boicote ao contrabando e desvios dos</p><p>quintos com a reforquintos com a reforma da arrecadação dama da arrecadação da FazendaReal; promoFazendaReal; promoveu-veu-</p><p>se a moralização na venda dese a moralização na venda de ofícios, o incentivo ao comércio comofícios, o incentivo ao comércio com</p><p>as criações da Companhas criações da Companhia Geral do Grão Pará eMaranhãoia Geral do Grão Pará eMaranhão, Compa-, Compa-</p><p>nhia Geral de Pernambuco e Paraíba e Companhia de Pesca danhia Geral de Pernambuco e Paraíba e Companhia de Pesca da</p><p>Baleia nas costas do Brasil; a instalação de mesas de inspeção nosBaleia nas costas do Brasil; a instalação de mesas de inspeção nos</p><p>portos, abertura de caminhos e estradas para o comércio e intensifi-portos, abertura de caminhos e estradas para o comércio e intensifi-</p><p>cação deste entre as capitanias - como entre o Pará e Goiás e Matocação deste entre as capitanias - como entre o Pará e Goiás e Mato</p><p>Grosso, através dos rios amazônicos -, introduziram-se as medidasGrosso, através dos rios amazônicos -, introduziram-se as medidas</p><p>padrão de Lisboa e foi dada permissão para o comércio direto compadrão de Lisboa e foi dada permissão para o comércio direto com</p><p>Portugal.Portugal.</p><p>Por outro lado, houvPor outro lado, houve restrições como a proibiçãoe restrições como a proibição da busca deda busca de</p><p>ouro, do exercício dos ourives do ouro e da prata e fabricação deouro, do exercício dos ourives do ouro e da prata e fabricação de</p><p>sedas e algodões e, além dessas atitudes, promoveu-se a expulsãosedas e algodões e, além dessas atitudes, promoveu-se a expulsão</p><p>dos jesuítas, como estabelecimento de côngruas para osmissionári-dos jesuítas, como estabelecimento de côngruas para osmissionári-</p><p>os e seculares com função de vigários e consequente laicização dasos e seculares com função de vigários e consequente laicização das</p><p>aldeias, a recriação da aula de Engenharia do Pará, a mudança daaldeias, a recriação da aula de Engenharia do Pará, a mudança da</p><p>** Professora da Universidade Católi-Professora da Universidade Católi-</p><p>ca do Salvador – UCSal e Profes-ca do Salvador – UCSal e Profes-</p><p>sora Emérita da UFBa.sora Emérita da UFBa.</p><p>11 A criação da Capitania Geral dosA criação da Capitania Geral dos</p><p>Açores, em 1766, e o poder de D.Açores, em 1766, e o poder de D.</p><p>Antão Almada nas IlhasAntão Almada nas Ilhas</p><p>(MENEZES, Avelino de Freitas. Os(MENEZES, Avelino de Freitas. Os</p><p>Açores nas encruzilhadas do se-Açores nas encruzilhadas do se-</p><p>tecentos, 1740-1770; poderes etecentos, 1740-1770; poderes e</p><p>instituições. Ponta Delgada: Uni-instituições. Ponta Delgada: Uni-</p><p>versidade dos Açores, 1993. p.versidade dos Açores, 1993. p.</p><p>322), a criação de Nova Goa, na322), a criação de Nova Goa, na</p><p>Índia, de Nova Oeiras, em Ango-Índia, de Nova Oeiras, em Ango-</p><p>la, de Santo Antônio da Ilha dola, de Santo Antônio da Ilha do</p><p>Príncipe, e mesmo a ação do pri-Príncipe, e mesmo a ação do pri-</p><p>mo de Pombal, João de Almada emo de Pombal, João de Almada e</p><p>Melo, no Porto, ou a Real Vila deMelo, no Porto, ou a Real Vila de</p><p>Santo Antônio, às margens do RioSanto Antônio, às margens do Rio</p><p>Guadiana, nos Algarves, faziamGuadiana, nos Algarves, faziam</p><p>parte desse projeto.parte desse projeto.</p><p>7070</p><p>capital de Salvador para o Rio de Janeirocapital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763,, em 1763, com a finalidade de administrar a parte Sulcom a finalidade de administrar a parte Sul ee</p><p>região Oeste. Fez-se a incorporação de capitanias à Coroa e anexação de capitanias entre si.região Oeste. Fez-se a incorporação de capitanias à Coroa e anexação de capitanias entre si.</p><p>Efetuaram-se recenseamentos, visando ao conhecimento real de habitantes e quantidade de ho-Efetuaram-se recenseamentos, visando ao conhecimento real de habitantes e quantidade de ho-</p><p>mens válidos para o Serviço Real. Foram criados comarcas, ouvidorias e julgados com juizesmens válidos para o Serviço Real. Foram criados comarcas, ouvidorias e julgados com juizes</p><p>“meio ordinários” somados a Juntas de Justiça anexas às Ouvidorias, bem como tropas regulares,“meio ordinários” somados a Juntas de Justiça anexas às Ouvidorias, bem como tropas regulares,</p><p>auxiliares demilícia, com reforço eauxiliares demilícia, com reforço e reorganizaçãreorganização daso das ordenançasordenanças22. Extinguiu-se aCompanhia de.Extinguiu-se aCompanhia de</p><p>Privilegiados da Nobreza e criou-se a Escola de Nobres no Pará.Privilegiados da Nobreza e criou-se a Escola de Nobres no Pará.</p><p>Oque importaOque importa neste trabalho édizer que,neste trabalho édizer que, dentrodessas ações realizadaspelodentrodessas ações realizadaspelo ProjetoPombalinoProjetoPombalino,,</p><p>foram criados núcleosforam criados núcleos urbanos,mais precisamente vilas, para furbanos,mais precisamente vilas, para fixar os habitantes aoixar os habitantes ao solo. Portantosolo. Portanto,,</p><p>a criação dessas vilas se deu dentro de um programa político ampla criação dessas vilas se deu dentro de um programa político amplo. Não foi um fato isolado e nãoo. Não foi um fato isolado e</p><p>não</p><p>se dirigiu unicamente ao Brasil. Estenderam-se para ase dirigiu unicamente ao Brasil. Estenderam-se para a Índia, a África, bem como àsÍndia, a África, bem como às Ilhas Atlânti-Ilhas Atlânti-</p><p>cas e ao próprio território da metrópole. Toda atenção, no entanto, foi voltada para o Brasil.cas e ao próprio território da metrópole. Toda atenção, no entanto, foi voltada para o Brasil.</p><p>Dentro do programa foram criadas muitas vilas, que estáDentro do programa foram criadas muitas vilas, que está se procurando pontuar, e apenas umase procurando pontuar, e apenas uma</p><p>cidade. Como complemento damudança de capital doVice-Reinocidade. Como complemento damudança de capital doVice-Reino, e criação de um, e criação de um centro admi-centro admi-</p><p>nistrativo em Belém do Pará, transformou-se a povoação de Araticu, elevada a vila de Mocha,nistrativo em Belém do Pará, transformou-se a povoação de Araticu, elevada a vila de Mocha,</p><p>instalada em 1718, em cidade einstalada em 1718, em cidade e capital da capitania do Piauí, em 1761.capital da capitania do Piauí, em 1761.</p><p>A ideia dA ideia de que a mude que a mudança da cança da capitaapital do Vice-l do Vice-Reino pReino para o Rio dara o Rio de Janeie Janeiro teve cro teve como cauomo causa asa a</p><p>defesa das regiões auríferas fenece quando se percebe que,defesa das regiões auríferas fenece quando se percebe que, do grande número de vilas criadas entredo grande número de vilas criadas entre</p><p>1750 e 1777, Minas Gerais não teve um único arraial elevado a essa condição. Isso somou-se a1750 e 1777, Minas Gerais não teve um único arraial elevado a essa condição. Isso somou-se a</p><p>váriasváriasmedidmedidasas restrirestritivastivas àà exploexploraçãoraçãododometalmetal,, confuconfundidandida,, muitasmuitas</p><p>vezvezes,es, comcomseuseudecdeclínlínioiodadabusbuscacadodoourouroo ee esgesgotaotamenmentotodede suasuaexpexplo-lo-</p><p>ração. Em nome da defesa do território, através do povoamento, to-ração. Em nome da defesa do território, através do povoamento, to-</p><p>das as aldeias – jesuítas, carmelitas ou franciscanas -, com númerodas as aldeias – jesuítas, carmelitas ou franciscanas -, com número</p><p>suficiente de habitantes, foram elevadas a vila. Amudança da capitalsuficiente de habitantes, foram elevadas a vila. Amudança da capital</p><p>da Bahia para o Rioda Bahia para o Rio de Janeiro foi muito mais dede Janeiro foi muito mais de ordem administra-ordem administra-</p><p>tivo-estratégica do que em função do controle dos metais preciosostivo-estratégica do que em função do controle dos metais preciosos</p><p>saídos de Minas Gerais, que é a ideia normalmente defendida pelasaídos de Minas Gerais, que é a ideia normalmente defendida pela</p><p>historiografia brasileirahistoriografia brasileira33. O principal objetivo do Projeto Pombalino.O principal objetivo do Projeto Pombalino</p><p>era a defesa e administração de todo oera a defesa e administração de todo o território do Brasil.território do Brasil.</p><p>Segundo amaioria dos governantes, então indicados para auxili-Segundo amaioria dos governantes, então indicados para auxili-</p><p>ar na implantação doar na implantação do projetoprojeto, os portugueses, os portugueses que haviam chegadoque haviam chegado</p><p>ao Brasil antes do século XVIII, e que não viviam nos núcleao Brasil antes do século XVIII, e que não viviam nos núcleos urba-os urba-</p><p>nos de maior porte, haviam se adaptado ànos de maior porte, haviam se adaptado à vida dos índios, vivendovida dos índios, vivendo</p><p>errantes entregando-se à vadiagem e à preguiça, ao ponto de, desdeerrantes entregando-se à vadiagem e à preguiça, ao ponto de, desde</p><p>D. João V, se começar a proibir os “sítios volantes”D. João V, se começar a proibir os “sítios volantes”44 e a apontar ae a apontar a</p><p>necessidade de fazê-los viver em “sociedade civil”necessidade de fazê-los viver em “sociedade civil”55..</p><p>Foidada liberdadeaos índiosFoidada liberdadeaos índios66.Ao libertá-los, a.Ao libertá-los, a metrópoleordenoumetrópoleordenou</p><p>a elevação de antigas aldeias, as maiores a vilas e as menores, a lugaresa elevação de antigas aldeias, as maiores a vilas e as menores, a lugares</p><p>oupovoações, desmembrando-as de outras câmaras eoupovoações, desmembrando-as de outras câmaras e entregando suaentregando sua</p><p>administração aos índioadministração aos índios.Dependendoda localização, e tipodepopula-s.Dependendoda localização, e tipodepopula-</p><p>ção preeexistente, foram ainda criadas freguesias, aldeias e julgados.Oção preeexistente, foram ainda criadas freguesias, aldeias e julgados.O</p><p>objetivo, na prática, era civilizar, educar e obrigar os índios a falar aobjetivo, na prática, era civilizar, educar e obrigar os índios a falar a</p><p>língua portuguesa e integrá-los na sociedade dos brancos, numnúcleolíngua portuguesa e integrá-los na sociedade dos brancos, numnúcleo</p><p>urbano para, assim, povoar e tomarurbano para, assim, povoar e tomar conta do território.conta do território.</p><p>22 Regimento das Ordenanças de 30Regimento das Ordenanças de 30</p><p>de abril de 1758. CARTAS RÉGI-de abril de 1758. CARTAS RÉGI-</p><p>AS, Lº 60, fl. 484-497v.AS, Lº 60, fl. 484-497v.</p><p>33 MENDONÇA, Marcos Carneiro de.MENDONÇA, Marcos Carneiro de.</p><p>A primeira mudança da capital doA primeira mudança da capital do</p><p>Brasil. In: Revista do Instituto His-Brasil. In: Revista do Instituto His-</p><p>tórico e Geográfico Brasileiro, Riotórico e Geográfico Brasileiro, Rio</p><p>de Janeiro, v. 249, p. 414-423,de Janeiro, v. 249, p. 414-423,</p><p>out.-dez., 1960.out.-dez., 1960.</p><p>44 Culturas itinerantes.Culturas itinerantes.</p><p>55 FLEXOR, Maria Helena Ochi. A oci-FLEXOR, Maria Helena Ochi. A oci-</p><p>osidade, a vadiagem e a preguiçaosidade, a vadiagem e a preguiça</p><p>no século XVIII. In: Anais da XVIIno século XVIII. In: Anais da XVII</p><p>Reunião da Sociedade BrasileiraReunião da Sociedade Brasileira</p><p>de Pesquisa Histórica, São Paulo,de Pesquisa Histórica, São Paulo,</p><p>p. 157-164,1997.p. 157-164,1997.</p><p>66 Alvará com força de Lei de 6Alvará com força de Lei de 6 e 7 dee 7 de</p><p>junho de 1755 e Alvará de 8 dejunho de 1755 e Alvará de 8 de</p><p>maio de 1758. Este Alvará tenta-maio de 1758. Este Alvará tenta-</p><p>va reafirmar outras leis dadas an-va reafirmar outras leis dadas an-</p><p>teriormente pelos Reis portugue-teriormente pelos Reis portugue-</p><p>ses e não obedecidas: as de 1587,ses e não obedecidas: as de 1587,</p><p>1595, 1609, 1619, 1640, com al-1595, 1609, 1619, 1640, com al-</p><p>terações. AMARAL, Braz do. Li-terações. AMARAL, Braz do. Li-</p><p>mites do Estado da Bahia. Bahia:mites do Estado da Bahia. Bahia:</p><p>Imprensa Oficial do Estado, 1917.Imprensa Oficial do Estado, 1917.</p><p>v. 2, p. 226. 1917, p. 266; CARTASv. 2, p. 226. 1917, p. 266; CARTAS</p><p>RÉGIAS, 1757-1758, APEB, Lº 60,RÉGIAS, 1757-1758, APEB, Lº 60,</p><p>fl. 471, 474-475.fl. 471, 474-475.</p><p>7171</p><p>Dava-se liberdade aos índios, mas baseada nas teorias de Jean-Dava-se liberdade aos índios, mas baseada nas teorias de Jean-</p><p>JacqueJacquess RousseRousseau,au, sobresobre aa origemorigemee fundamfundamentoentodada desigdesigualdaualdadede en-en-</p><p>tre os homens, de acordo com a dissertação apresentada naAcademiatre os homens, de acordo com a dissertação apresentada naAcademia</p><p>deDijon, em1755deDijon, em175577 e, especialmente, na teoria da inocência dos primi-e, especialmente, na teoria da inocência dos primi-</p><p>tivostivos88. A liberdade dos índios ainda era fictícia, pois deviam est. A liberdade dos índios ainda era fictícia, pois deviam estar sujei-ar sujei-</p><p>tos ao “Directorio que se deve observar nas povoaçoens dos indiostos ao “Directorio que se deve observar nas povoaçoens dos indios</p><p>do Pará, e Maranhão enquanto SuaMajestade nãomandar o contrá-do Pará, e Maranhão enquanto SuaMajestade nãomandar o contrá-</p><p>rio”, de 1758rio”, de 1758 99, e que se tornou extensivo a todo o Brasil. Cláusulas, e que se tornou extensivo a todo o Brasil. Cláusulas</p><p>desse “Directório” já estavam inclusas noAlvará de 6 e 7 de junho dedesse “Directório” já estavam inclusas noAlvará de 6 e 7 de junho de</p><p>175517551010 que aplicava, entre os nativos, a prática corrente em algunsque aplicava, entre os nativos, a prática corrente em alguns</p><p>lugares daEuropa, elugares daEuropa, e dePortugal,</p><p>estabelecidapelasOrdenações, peladePortugal, estabelecidapelasOrdenações, pela</p><p>qual os filhosórfãosdequal os filhosórfãosde paismecânicos, oupais vivosdementes, devi-paismecânicos, oupais vivosdementes, devi-</p><p>am aplicar-se aos ofícios mecânicos ou trabalhar a soldada. “Omes-am aplicar-se aos ofícios mecânicos ou trabalhar a soldada. “Omes-</p><p>mo parece justo que se observe com os filhos de índios ainda quemo parece justo que se observe com os filhos de índios ainda que</p><p>tenham pays vivos, porque por dementes e pródigos se reputam go-tenham pays vivos, porque por dementes e pródigos se reputam go-</p><p>vernavernadosdos porpor DirectDirectoresores comocomo seusseus tutortutores”es”1111. Até que os indígenas. Até que os indígenas</p><p>fossem capazes de se inserir na sociedade civilizada, deviam ter umfossem capazes de se inserir na sociedade civilizada, deviam ter um</p><p>diretor em cada vila, ou aldeia, com funções mais de orientação ediretor em cada vila, ou aldeia, com funções mais de orientação e</p><p>instrução doinstrução do que de administração. Bondade e brandura foram insis-que de administração. Bondade e brandura foram insis-</p><p>tentemente recomendadas.Essas recomendaçõesestavamexplicitadastentemente recomendadas.Essas recomendaçõesestavamexplicitadas</p><p>na obra de Juan Solórzano Pereyra, o Direito Indiano, no qual foina obra de Juan Solórzano Pereyra, o Direito Indiano, no qual foi</p><p>baseadoo referidobaseadoo referido “Directorio”“Directorio” 1212..</p><p>Com a implantação do projeto, na realidade, ametrópole seguiaCom a implantação do projeto, na realidade, ametrópole seguia</p><p>as sugestões de Mendonça Furtado que mostrara, através de cartasas sugestões de Mendonça Furtado que mostrara, através de cartas</p><p>desde 1752, vontade de realizá-lo. Uma resposta doConde deOeirdesde 1752, vontade de realizá-lo. Uma resposta doConde deOeirasas</p><p>a esse seu irmão, de 14 dea esse seu irmão, de 14 de março de 1755, dizia que Suamarço de 1755, dizia que Sua MajestadeMajestade</p><p>resolvera “reduzir as Aldeyas, e Fazendas aresolvera “reduzir as Aldeyas, e Fazendas a Villas, e PovoaVillas, e Povoações Ci-ções Ci-</p><p>vis”vis”1313 e tomara “a mesma Rezolução a Respeito da liberdade dose tomara “a mesma Rezolução a Respeito da liberdade dos</p><p>Índios na conformidade de certa Doutrina de Solórzano”, permane-Índios na conformidade de certa Doutrina de Solórzano”, permane-</p><p>cendo ainda “em segredo esse negócio” até queMendonça Furtadocendo ainda “em segredo esse negócio” até queMendonça Furtado</p><p>se recolhesse ao Pará depois da viagem pelase recolhesse ao Pará depois da viagem pela região amazônicaregião amazônica1414..</p><p>Foi dada a liberdade deFoi dada a liberdade de comércio, e de bens individuais, aos índios,comércio, e de bens individuais, aos índios,</p><p>comvantagens eprêmios àqueles brancosque casassemcomcomvantagens eprêmios àqueles brancosque casassemcom índiasíndias1515,,</p><p>pois “não ficariamcominfâmia”, epois “não ficariamcominfâmia”, e foiproibidochamaremseus filhosfoiproibidochamaremseus filhos</p><p>de caboclos, igualando-os em tudo, teoricamentede caboclos, igualando-os em tudo, teoricamente1616, aos outros vassalos, aos outros vassalos</p><p>brancosbrancos1717. O mesmo se praticaria com relação às portuguesas que. O mesmo se praticaria com relação às portuguesas que</p><p>casassem com índios. Estavam proibidos, entretanto, de casar comcasassem com índios. Estavam proibidos, entretanto, de casar com</p><p>pretos e pretas cativospretos e pretas cativos1818 ou escolhê-los como padrinhos emadrinhasou escolhê-los como padrinhos emadrinhas</p><p>de batismo e confirmação. Ordenava-se, desde o início, a implantaçãode batismo e confirmação. Ordenava-se, desde o início, a implantação</p><p>da educaçãodos índios, comacriação, posteriormentda educaçãodos índios, comacriação, posteriormente, dasAulasRégiase, dasAulasRégias</p><p>e acrescentandoaeacrescentandoa instituiçãodosubsídioinstituiçãodosubsídio literárioliterário..</p><p>O principal interesse centrou-se nas regiões do Norte e do SulO principal interesse centrou-se nas regiões do Norte e do Sul</p><p>onde a questão de limites eramaisonde a questão de limites eramais frágil. Para oNorte foimandado,frágil. Para oNorte foimandado,</p><p>comoMinistroPlenipotenciáriocomoMinistroPlenipotenciário,, para execuçãodo tratadopara execuçãodo tratado e demar-e demar-</p><p>77APEB – Arquivo do Estado da Bahia,APEB – Arquivo do Estado da Bahia,</p><p>Secção Colonial, Antigo Índios,Secção Colonial, Antigo Índios,</p><p>maço 603, cad. 32, fl. 20v.maço 603, cad. 32, fl. 20v.</p><p>88ROUSSEAU, Jean-Jacques.ROUSSEAU, Jean-Jacques.</p><p>Discours sur l’origine et lesDiscours sur l’origine et les</p><p>fondemens de l’inegalité parmi lesfondemens de l’inegalité parmi les</p><p>hommes. Amsterdam: chez Mr.hommes. Amsterdam: chez Mr.</p><p>Michel Rey, 1755. Respondia àMichel Rey, 1755. Respondia à</p><p>questão proposta pela Academiaquestão proposta pela Academia</p><p>de Dijon: qual é a origem da desi-de Dijon: qual é a origem da desi-</p><p>gualdade entre os homens e se égualdade entre os homens e se é</p><p>autorizada pela lei natural. Vide bi-autorizada pela lei natural. Vide bi-</p><p>bliografia.bliografia.</p><p>99DIRECTORIO que se deve observarDIRECTORIO que se deve observar</p><p>nas povoaçoens dos índios do Pará,nas povoaçoens dos índios do Pará,</p><p>e Maranhão enquanto Sua Majes-e Maranhão enquanto Sua Majes-</p><p>tade não mandar o contrario, 1758.tade não mandar o contrario, 1758.</p><p>In: Boletim de Pesquisas da CEAM,In: Boletim de Pesquisas da CEAM,</p><p>Manaus. v. 3, n. 4, p. 85-126, jan-Manaus. v. 3, n. 4, p. 85-126, jan-</p><p>dez/84. Confirmado como Lei pelodez/84. Confirmado como Lei pelo</p><p>Alvará de 17 de agosto de 1758.Alvará de 17 de agosto de 1758.</p><p>Abolido em 1798 depois de muitosAbolido em 1798 depois de muitos</p><p>abusos. Vide também ALMEIDA,abusos. Vide também ALMEIDA,</p><p>Rita Heloísa de. O Diretório dos Ín-Rita Heloísa de. O Diretório dos Ín-</p><p>dios; um projeto de “civilização”dios; um projeto de “civilização”</p><p>no Brasil do século XVIII. Brasília:no Brasil do século XVIII. Brasília:</p><p>Editora Universidade de Brasília,Editora Universidade de Brasília,</p><p>1997. Apêndice.1997. Apêndice.</p><p>1010CARTA RÉGIA, 1757-1758, APEB,CARTA RÉGIA, 1757-1758, APEB,</p><p>Lº 60, fl. 474rv; Catálogo EduardoLº 60, fl. 474rv; Catálogo Eduardo</p><p>de Castro e Almeida, AHU – Arqui-de Castro e Almeida, AHU – Arqui-</p><p>vo Histórico Ultramarino, doc.vo Histórico Ultramarino, doc.</p><p>3.633.3.633.</p><p>1111ANNAES - ANNAES DA BIBLIOTHECAANNAES - ANNAES DA BIBLIOTHECA</p><p>NACIONAL DO RIO DE JANEIRO, RioNACIONAL DO RIO DE JANEIRO, Rio</p><p>de Janeiro, 1914, v. 32, p. 373.de Janeiro, 1914, v. 32, p. 373.</p><p>1212Trata-se de Juan Solórzano PereyraTrata-se de Juan Solórzano Pereyra</p><p>que, com base nas Leyes deque, com base nas Leyes de</p><p>Indias, grandes juristas e experi-Indias, grandes juristas e experi-</p><p>ência pessoal, foi o autor daência pessoal, foi o autor da Ðe laÐe la</p><p>Recedencia del Consejo de IndiasRecedencia del Consejo de Indias</p><p>sobre el de Flandes; politica india-sobre el de Flandes; politica india-</p><p>na sacada en lengua castelhanana sacada en lengua castelhana</p><p>de los dos tomos del Derecho yde los dos tomos del Derecho y</p><p>gobierno municipal de las Indiasgobierno municipal de las Indias</p><p>OccidentalesOccidentales. Madrid, 1629 (1º t),. Madrid, 1629 (1º t),</p><p>1639 (2º t), comumente conheci-1639 (2º t), comumente conheci-</p><p>do comodo como Política IndianaPolítica Indiana, com, com</p><p>segunda edição de 1647. Há umasegunda edição de 1647. Há uma</p><p>edição recente SOLÓRZANOedição recente SOLÓRZANO</p><p>PEREYRA, Juan.PEREYRA, Juan. Política indianaPolítica indiana..</p><p>Madrid: Biblioteca Castro, 1996.Madrid: Biblioteca Castro, 1996.</p><p>3t. Foi Ouvidor de Audiências no3t. Foi Ouvidor de Audiências no</p><p>Peru, por 17 anos (1609), fiscalPeru, por 17 anos (1609), fiscal</p><p>do Conselho da Fazenda, conse-do Conselho da Fazenda, conse-</p><p>lheiro do Conselho das Índias, fis-lheiro do Conselho das Índias, fis-</p><p>cal do Conselho de Castela.cal do Conselho de Castela.</p><p>72</p><p>cações de limites, iniciadas a partir de 1754, Francisco Xavier de</p><p>Mendonça Furtado19 que, desde logo, começou a informar ametró-</p><p>pole sobre os pormenores da verdadeira situação em que se encon-</p><p>trava a região, duzentos e cinquenta anos depois</p><p>do descobrimento</p><p>do Brasil20.</p><p>Um documento (incompleto), de 28 de setembro de 1758, do</p><p>Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), trazia a “Instrucção</p><p>para a diligencia de se erigirem em Villas as Aldeyas dos Índios”.</p><p>Esse documentomandava que a referida diligência principiasse de-</p><p>pois de publicadas as Leis, de 6 e 7 de junho de 1755, e Alvará de 8</p><p>de maio de 1758, que davam liberdade aos índios. Boa parte dessas</p><p>instruções já estava contida no “Diretório”21. As instruções foram</p><p>dadas a partir das descriçõesminuciosas das diversas regiões, feitas,</p><p>especialmente, pelos ouvidores e pessoas encarregadas de criar os</p><p>núcleos, exploradores e vigários22.</p><p>Dentro desse projeto português destaca-se a capitania da Bahia</p><p>que, se de um lado, perdeu a sede da capital do Vice-Reino, por</p><p>outro, teve incorporados ao seu território os das antigas capitanias</p><p>de Ilhéus e Porto Seguro. Incluía, ainda, parte doNorte da capita-</p><p>nia do Espírito Santo e toda a de Sergipe. Criaram-se comarcas e</p><p>cargos de ouvidores e a Bahia passou a ter, além da comarca do</p><p>Sul, ou de Jacobina, e a do Norte ou de Sergipe, as de Ilhéus,</p><p>Porto Seguro e Bahia propriamente dita, algumas das quais foram</p><p>criadas nessa época.</p><p>A esse tempo, foramenviadosos conselheiros JoséMascarenhas</p><p>Pacheco Pereira Coelho de Melo e Manuel Estevão de Almeida de</p><p>Vasconcelos Barberino. Sob a presidência doConde dos Arcos, D.</p><p>Marcos de Noronha, Vice-Rei do Brasil, e com o Desembargador</p><p>doTribunal daRelação, Antônio deAzevedoCoutinho, deviam for-</p><p>mar o Tribunal do Conselho de Ultramar, na Bahia, para</p><p>superintender a criação das vilas, já ordenadas em 1755 e compre-</p><p>endidas nas Cartas Régias de 8 e 19 de maio de 1758. Esta última</p><p>carta, dirigida ao Arcebispo da Bahia, participava que os</p><p>desembargadores vindos de Portugal, Barberino e Pacheco, traziam</p><p>jurisdição para constituir, tambémna Bahia, o Tribunal daMesa da</p><p>Consciência eOrdens para os negócios relativos ao provimento de</p><p>párocos nas novas paróquias nas vilas dos índios. Uma das observa-</p><p>ções feitas por este Conselho, a partir disso, era que o novo pároco</p><p>não devia ter amenor ingerência no governo político, caso contrário</p><p>“seria concorrer para o mesmo abuso dos jesuítas”, devendo-se</p><p>manter, para isso, ministros e magistrados civis nas novas vilas. A</p><p>Carta Régia, de 8 de maio, enviada ao Conde dos Arcos, também</p><p>insistia que não se devia permitir “por modo algum que os Religio-</p><p>sos, que até agora se arrogarão o governo secular das ditas Aldeias,</p><p>13Esta resolução estava contida no</p><p>Alvará de 6 de junho do mesmo</p><p>ano. CARTA RÉGIA, 1757-1758,</p><p>Lº 60, APEB, fl. 480v, fl. 482v.</p><p>14PARA O GOVERNADOR, Bibliote-</p><p>ca Nacional da Ajuda, Cota 54-IX-</p><p>27, n. 16, fl. 2; CARTA FAMILIAR,</p><p>Cod. 113.930, fl. 31rv.</p><p>15Entre os prêmios incluíam-se os</p><p>Hábitos da Ordem de Cristo.</p><p>16Diz-se teoricamente, pois passa-</p><p>dos muitos anos, 1803, acusava-</p><p>se a presença de 300 índios na vila</p><p>de Santarém, em “que entrão mui-</p><p>tas famílias de espécie degenera-</p><p>da com brancos portuguezes”.</p><p>BARROS, Francisco Borges de</p><p>(Org.) Diccionario geographico e</p><p>histórico da Bahia. Bahia: Impren-</p><p>sa Oficial da Bahia, 1923. p. 339.</p><p>17 Lei de 4 de abril de 1755 e Alvará</p><p>de 17 de abril de 1755. O mesmo</p><p>foi feito na Índia e China.</p><p>18 ANNAES, v. 32, p. 376.</p><p>19 Vide RODRIGUES, Maria Isabel da</p><p>Silva Reis Vieira. O governador Fran-</p><p>cisco Xavier de Mendonça Furtado,</p><p>1751-1759. Lisboa, 1997. v. 1. (Tese</p><p>de Mestrado, Universidade de Lis-</p><p>boa).</p><p>20Para as outras regiões também</p><p>foram mandados, ou mantidos,</p><p>homens de pulso e de confiança</p><p>de Pombal que permaneceram em</p><p>seus cargos por tempo superior</p><p>ao previsto legalmente. O próprio</p><p>Mendonça Furtado trabalhou na</p><p>região Norte de 1751 a 1759. Go-</p><p>mes Freire de Andrade já estava</p><p>no Rio de Janeiro, desde 1733, e</p><p>ali ficou até falecer em 1763. D.</p><p>Luís Antônio de Souza Botelho</p><p>Mourão, o Morgado de Mateus,</p><p>nomeado por decreto de 5 de ja-</p><p>neiro de 1765, permaneceu no</p><p>governo por dez anos (RIHGB, Rio</p><p>de Janeiro, Esp., v. 5, p. 351,</p><p>1957), bem como vários</p><p>ouvidores. Miguel Lobo Aires de</p><p>Carvalho foi ouvidor da comarca</p><p>de Sergipe de 1754 a 1769. O</p><p>Ouvidor José Xavier Machado</p><p>Monteiro, nomeado em 1766, fi-</p><p>cou em Porto Seguro de 10 para</p><p>11 anos (ANNAES, v. 32, p. 370).</p><p>Da mesma forma, também, fica-</p><p>ram no poder de 1766 a 1776 D.</p><p>73</p><p>tenhão nelle a menor ingerencia contra as prohibiçoens do Direito</p><p>Canonico, das Constituições Apostólicas e dos seusmesmos Institu-</p><p>tos de que sou Protector nos meus Reinos eDominios”...23.</p><p>Para aceleraros estabelecimentosdasvilas24,designaram-sevários</p><p>ministros. Assim, das aldeias do distrito da Capitania de Ilhéus foi</p><p>encarregadooOuvidor eCorregedordaComarcada Bahia,LuísFreire</p><p>Veras, quecriouOlivença (1758),Barcelos (1758) e Santarém(1758)25.</p><p>O Juiz de Fora daVila deCachoeira, JoséGomesRibeiro, com jurisdi-</p><p>çãoespecial, foi encarregadodeerigir SourenaaldeiadeNatuba (1759),</p><p>no distrito da freguesia de Itapicuru, daComarca daBahia.OOuvidor</p><p>e Corregedor da Comarca de Sergipe del Rey, Miguel de Aires Lobo</p><p>de Carvalho, encarregou-se de Pombal (1758), Mirandela (1760) e</p><p>Távora (1758)26. Ao Capitão-mor da capitania de Porto Seguro, Antô-</p><p>nio da Costa Souza27, e ao Manoel da Cruz Freire, coube Trancoso</p><p>(1759) e Vila Verde (1759)28 na mesma freguesia e comarca. A Fran-</p><p>ciscodeSales Ribeiro,Ouvidor e CorregedordaComarcado Espírito</p><p>Santo, coube Benavente29 e Nova Almeida nessa mesma Comarca.</p><p>Para o Juiz de Fora do Geral, do Cível e do Crime da Bahia, João</p><p>Ferreira de Bittencourt e Sá ficou Nova Abrantes (1758) que, por</p><p>estarmais próxima, foi a primeira vila a ser criadanodistritoda cidade</p><p>da Bahia (Salvador). Ficou faltando indicar ministro para a aldeia dos</p><p>índiosGrens, que seria Vila de Almada, na capitania de Ilhéus, por se</p><p>esperar informações sobre amesma. Essas foram as vilas criadas sob</p><p>as ordens do Conselho de Ultramar formado na Bahia.</p><p>Segundo Felisbelo Freire, ainda a Bitencourt e Sá, por resolução</p><p>domesmo Conselho, de 28 de setembro de 175830, foi incumbida a</p><p>fundação da vila de Nazareth, criada em 1761, no termo da vila de</p><p>Jaguaripe, distante três léguas domar, na aldeia da Pedra Branca.</p><p>Antes disso, para defender os limites aOeste, tinha sido funda-</p><p>da, por ordem da Carta Régia de 5 de dezembro de 1752, a vila de</p><p>São Francisco das Chagas, chamada da Barra do Rio Grande do</p><p>Sul, por solicitação de seus moradores31. Ao contrário das demais</p><p>vilas, esta tinha sido uma antiga missão de capuchos italianos, ou</p><p>alcantarinos, no termo da vila de Pambú. Foi instalada a 23 de</p><p>agosto do ano seguinte, pelo Ouvidor de Jacobina, Henrique Cor-</p><p>reia Lobato. Embora ficasse fora do “giro mineral”, constava, no</p><p>período, que por ali corria muito ouro em pó, extraviado das minas</p><p>de Paracatu e, por isso mesmo, estava infestado de contínuos latro-</p><p>cínios, homicídios, arrombamentos da cadeia e violências em geral.</p><p>Isso explica a solicitação dosmoradores para que, com a vila, hou-</p><p>vesse aplicação de justiça. Convém ressaltar que os próprios mora-</p><p>dores e autoridades podiam, como no caso de Barra, solicitar a</p><p>elevação de uma povoação ou freguesia à vila, partindo de um</p><p>núcleo já povoado.</p><p>Antão de Almada, na Capitania</p><p>Geral dos Açores (MENEZES, A.</p><p>F. Ob. cit., p. 26), e D. Francisco</p><p>de Souza Coutinho entre 1760 e</p><p>1770, em Angola (ARAÚJO, Re-</p><p>nata Malcher. As cidades da Ama-</p><p>zônia no século XVIII: Belém,</p><p>Macapá e Mazagão.Lisboa: FCSH/</p><p>UNL, 1992, t. 1, p. 102). Vide tam-</p><p>bém COSTA, Nelson. Gomes Freire,</p><p>vice-rei. In: Revista do Instituto</p><p>Geográfico e Histórico Brasileiro,</p><p>Rio de Janeiro, v. 255, p. 363-365,</p><p>abr.-jun. 1962.</p><p>21DIRECTÓRIO, Loc. cit.</p><p>22Vide AMARAL, Braz do. Ob. cit.,</p><p>v. 2, p. 198; Catálogo de Eduardo</p><p>de Castro e Almeida, AHU, Bahia,</p><p>doc. 2.666 e 2.698, 2.708, 2.710,</p><p>2.713, 2.715, 6.429; VIANA, Fran-</p><p>cisco e CAMPOS, José de Olivei-</p><p>ra. Estudos sobre a origem histó-</p><p>rica dos limites entre Sergipe e</p><p>Bahia. Bahia, 1892, p. 98, 101-</p><p>102; ANNAES, v. 32, p. 51-53, 54-</p><p>62, etc.</p><p>23AHU, Bahia, doc. 3.645, 3.634.</p><p>24 A Carta Régia, de 22 de julho de</p><p>1766, reafirmava as instruções para</p><p>o Governador e Capitão-General da</p><p>Bahia,</p><p>Conde de Azambuja, criar</p><p>vilas na Capitania. ANNAES, v. 32,</p><p>p. 353; v. 36, p. 145. Já em 8 de</p><p>outubro de 1758 a Bahia havia re-</p><p>cebido a Provisão de 8 de maio de</p><p>1758 e o texto das leis de 6 e 7 de</p><p>julho de 1755.</p><p>25Respectivamente nas aldeias de</p><p>N. Sra. da Escada, N. Sra. das</p><p>Candeias do Rio Maraú e Santo</p><p>André no Rio Serinhaem, freguesia</p><p>de Camamu A Carta Régia, de 10</p><p>de abril de 1763, no entanto, se</p><p>referia a cinco vilas na Comarca</p><p>de Ilhéus, sendo quatro</p><p>mandadas criar pelo seu primeiro</p><p>Ouvidor, Miguel de Aires Lobo de</p><p>Carvalho. AHU, Bahia, cx. 157,</p><p>doc. 26, 1963, avulsos, ms.</p><p>26Nas aldeias de Canabrava/Santa</p><p>Tereza, freguesia de Itapicuru,</p><p>Morcegos/Ascensão, na freguesia</p><p>de Geremoabo, pertencentes à</p><p>Comarca da Bahia e N. Sra. do</p><p>Socorro, na freguesia do Rio Real,</p><p>pertencente a Comarca de Sergipe</p><p>d’El Rey, respectivamente. A</p><p>74</p><p>Além das comarcas, vilas, povoações, lugares, aldeias, julgados foram criadas paróquias e fre-</p><p>guesias32 que, apesar de divisões da administração eclesiástica, funcionavam na prática, também,</p><p>como jurisdição civil tendo, inclusive, ordens reais para sua criação. Assim, criaram-se as freguesias</p><p>de São José da Barra (1752), N. Sra. deNazareth (1753), N. Sra. deNazareth (das Farinhas) (1753),</p><p>Santana de Tucano (1754), Santo Antônio de Caetité (1754), Santo Estevão do Jacuípe (1754), S.</p><p>JoãoBatista de SentoSé (1755), SantoAntônio dasCaravelas (1755),</p><p>Santana do Camisão (1755), N. Sra. da Conceição da Vila de Soure e</p><p>Santa Tereza de Pombal (1758), N. Sra. da Escada de Olivença e N.</p><p>Sra. dasCandeias deBarcelos (1758), SantoAntônioda Jacobina (1758),</p><p>Mirandela (1760) e várias outras.Nem sempre os limites da vila coin-</p><p>cidiam com os da freguesia – e nem jurisdições - e vice-versa. Tam-</p><p>bém não foram criadas necessariamente aomesmo tempo33.</p><p>Um relatório desse Tribunal do Conselho deUltramar dava no-</p><p>tícias ao Rei, a 22 de dezembro de 1758, sobre seus passos. Nas</p><p>primeiras sessões discutiram sobre o “modo de estabelecimento Po-</p><p>lítico, e Civil, das Aldeias de Índios, que V.Magestademandou erigir</p><p>em Villas”. Assentaram, também, que “deviam preceder informa-</p><p>ções verídicas, e individuaes das situações de cada huã das ditas</p><p>Aldeias, e da qualidade, e extensão das fazendas, que lhes ficão em</p><p>circuito declarando-se se estavão possuídas por alguem ou devollutas;</p><p>da qualidade, e número de cazaes de que se compõem aquelles po-</p><p>vos, declarando-se a differença que há entre elles e de civilidade, ou</p><p>cabedaes”..., conforme foi referido acima. Devido às dificuldades</p><p>que se encontrariam no estabelecimento das vilas, antes de ter as</p><p>informações, e por não haver pessoas que pudessem levantá-las e</p><p>outras que fossem fazer os estabelecimentos, se estipulou que, de-</p><p>pois de instalada a vila de Abrantes, se regularia o estabelecimento</p><p>das outras vilas e que, cada umdos informantes que fossemandado</p><p>para outra localidade, pudesse logo levar instruções, munido de ju-</p><p>risdição para a criação das vilas, devido às grandes distâncias em que</p><p>se encontravam. Isso deliberado passou-se, então, provisão a João</p><p>Ferreira de Bitencourt e Sá, Juiz de Fora da capital da Bahia, para</p><p>estabelecer a vila na Aldeia do Espírito Santo da Ipitanga, com o</p><p>nome de Nova Abrantes, desmembrada da Câmara de Salvador34.</p><p>Criada a vila discutiu-se longamente sobre se manter, ou não, os</p><p>rendeiros que ocupavam parte das terras de Abrantes. Essa discus-</p><p>são decorreu devido à voz corrente na Europa de que as terras na</p><p>América eram muito fracas e que o superpovoamento poderia cau-</p><p>sar falta de alimentos, rebatendo outros que seria a “mayor felicida-</p><p>de de qualquer Republica” ter muitos povoadores, sendo apregoado</p><p>no Reino da França, em 1756, por um político anônimo, o discurso</p><p>como título “Amigo dos Homens”, sobre a instalação de estranhos</p><p>aos territórios em processos de povoamento. Nessa discussão os</p><p>conselheiros invocaram a civilização dos primeiros gregos, dos ro-</p><p>última constituía a aldeia de Gerú,</p><p>corruptela de Algeru-assu, com o</p><p>nome de Nova Távora. Esse nome,</p><p>por Ordem Régia de 24 de abril de</p><p>1759, por causa do atentado a D.</p><p>José I, foi mudado para nova</p><p>Tomar. ANAIS DO ARQUIVO</p><p>PÚBLICO DA BAHIA, Bahia, v. 13,</p><p>1925, p. l 17.</p><p>7Foi nomeado adjunto de Manoel</p><p>da Cruz Freire por este ser “leigo”,</p><p>isto é, não era formado em direito,</p><p>nem tinha cargo de juiz de fora ou</p><p>ouvidor.</p><p>8Nas aldeias de São João e Espírito</p><p>Santo/Patatiba.</p><p>9Nas aldeias de Eriritiba e Reis</p><p>Magos.</p><p>0FREIRE, Fel isbelo. História</p><p>territorial do Brasil; Bahia, Sergipe,</p><p>Espírito Santo. Rio de Janeiro,</p><p>1906. v, 1. p. 168.</p><p>31O termo dessa vila constituía o</p><p>antigo sertão de Rodelas, onde</p><p>habitavam os índios Rodelas,</p><p>Acoroases e Mocoases.</p><p>32A Carta Régia, de 8 de maio de</p><p>1758, dirigida ao Arcebispo da</p><p>Bahia, ordenava se transformas-</p><p>se as missões em paróquias e</p><p>lhes nomeasse párocos com</p><p>côngrua. AHU, Bahia, cx. 158, doc.</p><p>12, 1763, ms. avulsos. Foram</p><p>mandadas cartas idênticas ao</p><p>Vice-Rei, Conde dos Arcos, e de-</p><p>mais governadores e capitães-ge-</p><p>nerais para que auxiliassem o Ar-</p><p>cebispo. Catálogo de Eduardo de</p><p>Castro e Almeida, AHU, Bahia, doc.</p><p>3.635, 3.637.</p><p>33Assim, as freguesias de N. Sra.</p><p>da Penha de Porto Seguro, S. João</p><p>Batista de Trancoso, N. Sra. da</p><p>Purificação de Prado, S. Bernardo</p><p>de Alcobaça, S. José de</p><p>Portalegre, matriz do Espírito Santo</p><p>de Vila Verde foram criadas só em</p><p>1795. FREIRE, F. Ob. cit., p. 186;</p><p>BARROS, F. B. de. Ob. cit., p. 16.</p><p>75</p><p>manos, dos bárbaros europeus e mesmo dos gregos sujeitos ao czar de “Moscovia”35, alegando</p><p>que só pelo contato é que os índios poderiam civilizar-se. Finalmente recorreram às leis reais</p><p>“mandando erigir Villas nestas Aldeas para que se governassem com inteira liberdade os seus</p><p>habitantes, igualando-os em tudo com os outrosVassallos, e athê promettrendo prêmios aos que</p><p>pela aliança do matrimonio se misturassem com os Índios pela Ley de 4 de Abril de 1755” 36.</p><p>Ainda achavam convenientíssimo que os índios perdessem seus nomes bárbaros, permitindo</p><p>confundirem-se com os outros vassalos em obediência às ordens régias. Determinava-se que</p><p>tirassemos nomes bárbaros das aldeias, trocando-os por outras das vilas civilizadas, “sendo con-</p><p>tra todas as suas Leys da Política dos estados, que nelles haja Villas a parte, de certas Nações, que</p><p>fação hum corpo diverso dos outros Povos, como reconheceo a Monarquia de Hespanha nas</p><p>Leys novíssimas porque igualou osAragoneses, Catalaens, Valencianos com todos osmaisVassallos</p><p>de Castella” 37.</p><p>Criadas algumas vilas, para Porto Seguro foi provido comoOuvidor o bacharel Tomé Couceiro</p><p>de Abreu pelo tempo de três anos. Recebeu a “Instrucção para o Ministro, que vay criar a nova</p><p>Ouvidoria da Capitania de Porto Seguro”38, datada de 30 de abril de 1763, com 18 itens, incum-</p><p>bindo-o, também, de criar vilas, e demarcar seus termos39, com base no “Directório” do Grão-</p><p>Pará eMaranhão. A instrução nº 9 recomendava que o ouvidor “nem pela imaginação”, devia deixar</p><p>“passar o objecto de ir fazer o descobrimento de Minas, mas antes</p><p>se deve aplicar muito seriamente, depois dos estabelecimentos das</p><p>novas Villas que puder erigir, e da educação dos seus novos Habi-</p><p>tantes; na cultura dos frutos para se sustentarem com abundancia,</p><p>não só osMercadores das mesmas terras, mas fazerem o commercio</p><p>delles para a Bahia e Rio de Janeiro” e, com seu produto, comprar</p><p>negros para aumentar as plantações. Esta recomendação, e a do pa-</p><p>rágrafo 17, eram insistentemente feitas e, inclusive, registradas junto</p><p>com os autos de elevação das vilas. Criou-se Belmonte (1765) ou</p><p>BeloMonte, peloOuvidor Tomé Couceiro de Abreu, na antiga po-</p><p>voação do RioGrande que também erigiu a vila de Prado (1764) no</p><p>sítio da barra do Jacurucu. Asmelhorias e planta desta última foram</p><p>feitas pelo ouvidor seguinte.</p><p>José JavierMachadoMonteiro, que substituiuCouceiro deAbreu</p><p>naOuvidoria de Porto Seguro,disse ter erigido três vilas emobservân-</p><p>cia às instruções que recebera da Secretaria de Estado: Vila Viçosa</p><p>(1768), padroeiraN. Sra. daConceição, distante domar um quarto de</p><p>légua àmargem do Rio Peroipe, Portalegre (1769), padroeiro S. José,</p><p>no</p><p>a pouco os tons anteriormente aplicados,</p><p>numa belíssima pátina - feita de expostas sobreposições. Aomesmo tempo permitiam assegu-</p><p>rar uma quase que natural integração da arquitetura, e da própria evolução cromática de</p><p>cada arquitetura individual, no contexto envolvente do lugar, com</p><p>sutis variações tonais de aquarela e grande heterogeneidade sen-</p><p>sorial e cromática que nenhuma tinta atual consegue atingir ou</p><p>ainda, sequer, simular.</p><p>4 QUARONI, L. Proyectar un edificio.</p><p>Ocho lecciones de arquitectura.</p><p>Tradução em castelhano do origi-</p><p>nal de 1977. Madrid: Xarait</p><p>Ediciones, 1980, p. 180.</p><p>12</p><p>E importa não esquecer que para a emoção do fruir da cidade histórica é fulcral esse primeiro</p><p>contato, visual, de apreciação da cor, na sua imediata revelação sensitiva através do olhar, para a</p><p>qual é também óbvia a importância das superfícies e texturas.</p><p>3. Em Portugal havia cor e o ornamento não era crime!3. Em Portugal havia cor e o ornamento não era crime!3. Em Portugal havia cor e o ornamento não era crime!3. Em Portugal havia cor e o ornamento não era crime!3. Em Portugal havia cor e o ornamento não era crime!</p><p>Na verdade e durante demasiado tempo,pensamos que a qualidade da expressão arquitetônica</p><p>dos revestimentos e superfíciesmais usuais emPortugal (provenientes das técnicas da cal), com a</p><p>evidente exceção dos azulejos e da ornamentação em pedra, era particularmente pobre e de</p><p>muito baixo nível artístico, isto por comparação comoutras realidades europeias (como a italiana).</p><p>Parecia termos de nos contentar com o usual branco da cal aérea rematado pelos amarelos-ocre</p><p>ou azuis, ou pela pedra, quando era mais rica a construção.</p><p>A sucessão, ainda relativamente recente, de uma série de estudos sobre revestimentos e as</p><p>descobertas entretanto ocorridas emdiversosmonumentos classificados (como, por exemplo, está</p><p>ainda acontecendo no Palácio Nacional de Sintra), sobre a imagem urbana de alguns centros</p><p>históricos (por exemplo os estudos de cor no âmbito da reconstrução pós-sismo na Ilha Terceira,</p><p>os projetos de cor da responsabilidade do Plano Integrado do Castelo em Lisboa, as intervenções</p><p>cromáticas emCentrosHistóricos da responsabilidade de gabinetes técnicos comooCRUARBdo</p><p>Porto, o GTL de Guimarães e o GCH de Évora etc.), têm vindo a alterar, por vezes de forma</p><p>verdadeiramente inesperada, essa restrita visão5.</p><p>Hoje sabemos que também em Portugal existiram (mas cada vez menos existem) revestimen-</p><p>tos e técnicas ornamentais de grande valor histórico e estético, expressando-se por vezes com</p><p>elevado nível artístico e típicas da cultura do mundomediterrâneo, que integramos. Coimbra teve</p><p>(e muitos já desapareceram) e Évora ainda tem extraordinários esgrafitos, que em nada ficam a</p><p>dever aos esgrafitos que nos levam de romaria a Segóvia, a Barcelo-</p><p>na, ou até a Florença.</p><p>A simulação de materiais nobres como a pedra, feita através de</p><p>argamassas cuja coloração se obtinha pela cuidadosa seleção dos</p><p>agregados e pelo controle das sua texturas, ou por técnicas de pintu-</p><p>ra de fingido, era extraordinariamente corrente nas nossas cidades</p><p>históricas e ainda hoje muito extensiva no Centro e Sul do país.</p><p>Os guarnecimentos de pasta de cal e pó de pedra em camadas</p><p>finais com a espessura de dois a três milímetros emuito lisas (muito</p><p>similares à aparência do estuque), por vezes pigmentados namassa,</p><p>abundavamnas nossas cidades, existindo exemplos, como emSintra,</p><p>onde simulavamos aparelhos de tijolo à vista, oumesmo a pedra e a</p><p>madeira (comono semi-destruídoChallet da Condessa d´Edla), por</p><p>vezes preenchendo também com policromia as paredes das villas</p><p>românticas espalhadas pela serra.</p><p>Os ornamentos exteriores em técnicas de “stucco”, com ornatos</p><p>simulando cantaria e relevos em pedra, por vezes intimamente arti-</p><p>culados com pinturas murais (a seco ou a fresco) eram extremamen-</p><p>te comuns do Norte ao Sul do País (visite-se a quase “esquecida”</p><p>Campo Maior, para se perceber o extraordinário nível artístico que</p><p>atingiram entre nós essas artes decorativas, ou leia-se a recente tese</p><p>5 AGUIAR, J. Estudos cromáticos</p><p>nas intervenções de conservação</p><p>em centros históricos. Bases para</p><p>a sua aplicação à realidade portu-</p><p>guesa, (tese elaborada no LNEC,</p><p>apresentada à Universidade de</p><p>Évora para obtenção do grau de</p><p>Doutor em Conservação do Patri-</p><p>mónio Arquitectónico). Évora: UE/</p><p>LNEC, 1999. Também publicado</p><p>como Aguiar, J., Cor e cidade his-</p><p>tórica. Estudos cromáticos e con-</p><p>servação do património, Porto,</p><p>Edições FAUP, 2003 (versão</p><p>corrigida e parcial da tese de</p><p>doutoramento, prólogo de Nuno</p><p>Portas).</p><p>6 MOREIRA DA SILVA, E. Técnicas</p><p>tradicionais de fingidos e de estu-</p><p>ques no Norte de Portugal.</p><p>Contributo para o seu estudo e</p><p>conservação . Dissertação de</p><p>Mestrado em Recuperação do</p><p>Património Arquitectónico e</p><p>Paisagístico. Évora: Universidade</p><p>de Évora, 2002.</p><p>13</p><p>de Eduarda Moreira da Silva sobre as técnicas tradicionais de fingidos e de estuques interiores e</p><p>exteriores noNorte de Portugal, para descobrir a relevância dessas soluções 6).</p><p>Temos até originais e muito interessantes simulações por pintura de azulejaria em fachadas</p><p>urbanas, já que os azulejos eram geralmente fabricados no litoral e, por tanto, muito caros no seu</p><p>transporte para o interior, pelo que eram fingidos recorrendo à pintura com estampilhas, simula-</p><p>ções das quais persistem hoje muito poucos exemplos (mesmo assim ainda visíveis em algumas</p><p>terras do interior comoÉvora, Reguengos, CasteloMendo, Crato etc.).</p><p>Frequentemente essas diferentes técnicas articulavam-se,misturando-se numa combinatória</p><p>de grande qualidade expressiva e estética.</p><p>O aumento dos estudos de cor em tecidos históricos (restituindo o conhecimento das sucessi-</p><p>vas estratigrafias da cor) prova também que em muitas pequenas vilas históricas, como por</p><p>exemplo na “alva”Monsaraz, a cor era muito frequente nas fachadas e que a monótona exclusi-</p><p>vidade do branco parece corresponder a ummito demasiado recente, produto de interpretações</p><p>estilisticamente seletivas e hiper-nacionalistas da história (a vontade de fazer o Sul corresponder a</p><p>umbrancomoçárabe e tomar oNorte como granítico, tetônico, em suma, Românico), ou prove-</p><p>niente de normas higienistasmais oumenos recentes (dos finais do séculoXIX ao higienismodo</p><p>Moderno).</p><p>4. Do valor das superfícies e revestimentos para a conservação do patrimônio urbano4. Do valor das superfícies e revestimentos para a conservação do patrimônio urbano4. Do valor das superfícies e revestimentos para a conservação do patrimônio urbano4. Do valor das superfícies e revestimentos para a conservação do patrimônio urbano4. Do valor das superfícies e revestimentos para a conservação do patrimônio urbano</p><p>Até o explodir da revolução industrial os revestimentos e as cores dependiam e expressavam</p><p>o forte enraizamento da cultura da construção no seu contexto geográfico e geológico.Osmate-</p><p>riais de cor (como os outros), provinham do próprio lugar, das suas terras, pedras e madeiras,</p><p>diferenciando commatizes específicos as arquiteturas (um ocre deMoura não é cromaticamente</p><p>igual a um ocre das terras de Évora).</p><p>Adicionalmente os revestimentos estratificama história sedimentadadas apresentaçõesvisu-</p><p>ais da arquitetura ao longo da história, constituindo provas materiais de primeira importância</p><p>sobre as modificações e evoluções nas formas de comunicação arquitetural.</p><p>São também provas tecnológicas de primeira importância: já que as distintas argamassas, na</p><p>análise dos seus constituintes e da sua técnica de execução e de aplicação, se tornam um importan-</p><p>te testemunho da história tecnológica e cultural a que deram rosto, esclarecendo (como já esclare-</p><p>ceram Pilar de Luxán e F. Borrego) o nível tecnológico do povo que as produziu, informando</p><p>sobre o comportamento e durabilidades daquelas construções perante omicro-ambiente específ i-</p><p>co a que pertencem e ao qual têm de resistir no futuro, dado precioso para a definição de futuros</p><p>critérios de intervenção7.</p><p>5. A cor tornou-5. A cor tornou-5. A cor tornou-5. A cor tornou-5. A cor tornou- se um interessante problema de projeto e uma questão fulcral</p><p>arraial do Mucuri, junto à barra do rio Mecurim, a dezoito léguas</p><p>da praia, a terceira Vila de Alcobaça (1772)40, padroeira S. Bernardo,</p><p>no arraial de Itanhem, junto à barra do rio desse nome. Deu início a</p><p>três aldeias, uma na enseada do rio Camujutiba, outra na barra do rio</p><p>de S.Mateus e a última junto aoRio Doce, pois eram lugares de terras</p><p>férteis e possibilitavam, através da estrada que abriu, comunicação</p><p>com a capitania do Espírito Santo. Pretendia, ainda, elevar uma quarta</p><p>juntoao rioCaim.Não pode levar issoa efeitopor falta depovoadores.</p><p>A povoação de São Mateus pertencia, nesse período, ao território da</p><p>34ANNAES DO ARQUIVO PUBLICO</p><p>DA BAHIA. De como viviam os</p><p>índios de Nova Abrantes do Espí-</p><p>rito santo. Bahia: Imprensa Oficial</p><p>do Estado, 1938. v. 26, p. 6, 8-9.</p><p>35Correspondia à Rússia.</p><p>36IDEM, p. 25, 27-28, 29, 32.</p><p>37IDEM, p. 31-32.</p><p>38AHU, Bahia, cx. 157, doc. 40.</p><p>1763, ms, avulsos.</p><p>39Esta incumbência não estava in-</p><p>cluída nas Ordenações Filipinas que</p><p>regiam a vida no mundo portugu-</p><p>ês. Mas, segundo essas mesmas</p><p>Ordenações, os ouvidores deviam</p><p>mandar fazer as benfeitorias públi-</p><p>cas e promover povoamento de</p><p>núcleos despovoados. ORDENA-</p><p>ÇÕES FILIPINAS. Lisboa: Funda-</p><p>ção Calouste Gulbenkian, 1985, Lº</p><p>1, p. 109, 114.</p><p>40Criada por Carta Régia de 3 de mar-</p><p>ço de 1755 só foi instalada em</p><p>1772. IBGE - Instituto Brasileiro</p><p>de Geografia e Estatística. Enci-</p><p>clopédia dos municípios brasilei-</p><p>ros. Rio de Janeiro: IBGE, 1958,</p><p>v. 29. p. 26. Teve seus limites</p><p>demarcados a 18 de outubro de</p><p>1773. BARROS, F. B. de. Ob. cit.,</p><p>p. 126.</p><p></p><p>Bahia. Em 13 de janeiro de 1769, uma representação dos Membros do Tribunal da Mesa de</p><p>Consciência eOrdens comunicava “que suposto fossemmandadas erigir emVillas comos nomes</p><p>de Nova Benavente e Nova Almeida, não consta até o prezente que o Ouvidor da Capitania do</p><p>Espirito Santo tenha executado esta diligencia, havendo-se-lhe expedido as ordens necessárias em</p><p>janeiro de 1759”41. Houve demora na criação dessas vilas devido, também, ao fato de diferirem as</p><p>jurisdições civil e eclesiástica da região. A civil pertencia à Bahia e a religiosa ao Rio de Janeiro.</p><p>A elevação de uma aldeia, ou povoação, em vila possuía ritual próprio. Para ilustrar este</p><p>trabalho foram tomados exemplos da Comarca de Porto Seguro e de cujas vilas se tem as plantas</p><p>originais, raras dentro do conjunto de núcleos criados no período em todo o Brasil. A criação,</p><p>medição e demarcação de Vila Viçosa deu-se, a 23 de outubro de 1768, pelo Ouvidor José</p><p>Machado Monteiro. Esse ato foi público e a ele concorreram as autoridades e povo e coube ao</p><p>ouvidor dirigir o ato da cerimônia. Todos os criadores de vilas seguiam omesmo cerimonial. Esse</p><p>cerimonial de implantação das vilas era bastante simbólico.</p><p>O ouvidor convocava, por editais, os habitantes da povoação e de vilas vizinhas para, no dia</p><p>exato, das sete para as oito horas da manhã, estar à frente das casas de sua aposentadoria para o</p><p>acompanharem no ato. Todos se encaminhavam ao lugar e sítio limpo, medido, demarcado para</p><p>terreno da praça, com as ruas já traçadas, e preparado com arcos e enfeites festivos, onde o</p><p>ouvidor levantava o pelourinho42 e aclamava a vila, com o chapéu na mão, dizendo, em voz alta</p><p>e inteligível: “Real-Real-Real, esta novaVila Viçosa pelo nosso Augusto e FidelíssimoMonarcha</p><p>D. José o primeiro, Rei de Portugal”, repetindo a frase por três vezes, ao “que immediatamente se</p><p>seguirão com grande jubilo, alegria e applauzo de todosmuitos e repetidos vivas comoutras varias</p><p>demonstrações de gosto e ao som de varios instrumentos festivos que para o mesmo applauzo</p><p>tinha convocado”43. Seguiam-se um Te Deum Laudamus, com ladainhas emúsica, emissa. De cada</p><p>um dos atos se fazia registro.</p><p>A planta das praças, ruas e travessas e suas medidas eram</p><p>“bem explicitadas, individuadas com seus nomes”, no livro de</p><p>provimentos da correição. Indicavam-se arruador da agulha e aju-</p><p>dantes da corda, picadores de mato, todos moradores do local,</p><p>para as medições. Estes deviam apresentar suas medidas, agulha e</p><p>corda para o ministro verificar se estavam corretos e dentro do</p><p>padrão.</p><p>O ouvidor delineva uma, duas praças ou três: uma ou duas</p><p>religiosas e a outra civil. Colocava nesta última o símbolo da</p><p>fundação, o pelourinho, declarando, como se viu, o nome da</p><p>nova vila. A partir desse ponto, ou de marco preexistente, de-</p><p>marcava o aro, ou os limites da vila, estabelecendo o seu termo,</p><p>devendo esses limites alcançar a propriedade dos índios, segun-</p><p>do os títulos de doações dados pelos monarcas anteriores. Como</p><p>ele, os ouvidores demarcavam o terreno das Casas de Câmara e</p><p>Cadeia, Igreja - caso não as tivessem - e as ruas, novas ou anti-</p><p>gas44 -, utilizando o plano ortogonal recomendado para essas</p><p>novas vilas. Na repartição das terras deixavam baldios para la-</p><p>vouras, e mais plantações, e quatro léguas em quadro para</p><p>patrimônio e rendimento do Conselho da Câmara. Em torno</p><p>41Catálogo de Eduardo de Castro e</p><p>Almeida, AHU, Bahia, doc. 4.791.</p><p>42DOCUMENTOS AVULSOS AD CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, 1769-1770,</p><p>AHU, cx. 44, doc. 8555,</p><p>microfilmes, rolo 41, APEB, ms.</p><p>43Em todas as vilas, o pelourinho,</p><p>por falta de pedra, foi feito de ma-</p><p>deira lavrada. Foram colocados</p><p>“pelourinhos em todas as villas,</p><p>ainda que de páo, bem lavrados 2</p><p>delles, com escada de pedra, pois</p><p>os que havia erão toscos indig-</p><p>nos”. ANNAES, v. 32, p. 372. Para</p><p>conservá-lo eram pintados com</p><p>tinta à óleo. Em 1772 o Ouvidor</p><p>notificava que havia feito outros</p><p>pelourinhos em todas as vilas por</p><p>serem “toscos e ridículos os que</p><p>tinhão”. ANNAES, Loc. cit., p. 308.</p><p>44 As ruas antigas, geralmente, ti-</p><p>nham 4 braças de largura e as</p><p>novas 6. AMARAL, B. do. Ob. cit.,</p><p>p. 281.</p><p>77</p><p>das vilas, mandavam reduzir a campo um largo espaço de matos para livrar os habitantes “de</p><p>assaltos do gentio, para viverem menos receosos dos seus nacionaes inimigos, para beneficio</p><p>dos ares, para afugentar as onças, para diminuir as cobras, para extinguir o mosquito que cá</p><p>morde muito e finalmente para creação dos gados no augmento dos pastos”. Os marcos, por</p><p>falta de pedra, foram feitos, também, com árvores de maior porte, tidas como sólidas e durá-</p><p>veis. Nas árvores esculpiam uma cruz “de forma que só não havia Memoria della tendo consu-</p><p>mo a dita árvore”45. Os limites do extremo sertão ficavam, em geral, semmarcação, devido ao</p><p>medo dos ataques dos índios, ou por falta de ferramentas para derrubar o mato. A extensão</p><p>dessas vilas era bastante grande, admitindo, pela própria configuração de sua forma, o aumento</p><p>a qualquer tempo. Para a de Nova Benavente, prevista para ser criada já em 1758, na capitania</p><p>do Espírito Santo, foram medidas “doze legoas de terra pela Costa de mar, com hum fundo</p><p>indefenido, pois se extremão pelos sertõens athé onde não podem penetrar, ficando o termo</p><p>desta Villa mais extenso, que os das maiores Cortes de toda a Europa”46.</p><p>Nos Provimentos e Instruções, de 1768, o Ouvidor da Comarca Machado Monteiro dizia</p><p>que, em Viçosa, balizou o traçado a partir do edifício da Igreja que já existia, ainda que tosca,</p><p>mas que não podia mudá-la de lugar por causa da pobreza da população. Dava, então, as</p><p>medidas desses logradouros e os nomes atribuídos às ruas. O adro comportava 360 palmos de</p><p>cumprimento por 200 de largura, “dentro de cujo circuito existe a igreja para se poder acres-</p><p>centar quanto o tempo o permitir ficando sempre á Roda separada das cazas, que lhe hão de</p><p>fazer boa perspectiva”.</p><p>A vila, alinhada ao longo do rio, com margem para cais, contava uma outra praça de 200</p><p>palmos “em quadro”, muito plana, onde desembocavam quatro ruas principais e duas travessas.</p><p>Segundo o ouvidor “para as Ruas lhe fiz em via Recta três alinhamentos, que todos discorrem de</p><p>Oeste para Leste, cada hú dividido pelas travessas em tres Ruas principais, que por todas fazem</p><p>estas o numero de nove”. Essas ruas foram chamadas doLira, daCobiça, doDesembargador, do</p><p>Brejo, Formosa, do Prado, doCampo, das Flores, rua Bela. As ruas que desembocavamna praça</p><p>mediam 280 palmos e as demais 370, todas, inclusive as travessas, com a largura de 30 braças. As</p><p>travessas,</p><p>em número de onze, foram designadas por travessa do Vigário, do Rio, do Cais, do</p><p>Coelho, das Laranjeiras, do Avelar, da Praça, do Cuidado, do Tabaco, do Fogo, da Cacimba. E</p><p>completava: “todos osRefferidos nomes lhes assigney, hús Respeitando aos Sitios, e outros a algús</p><p>particulares objectos”.</p><p>Previa a construção das Casas da Câmara e Cadeia, num dos lados da praça, e a das casas</p><p>dos moradores. Estas deviam ser feitas conforme os modelos estabelecidos. Podiam ter de</p><p>frente as medidas que pedissem, com os quintais nos fundos. O cumprimento destes seria de 70</p><p>palmos para os terrenos que saiam do adro da Igreja e 80 para os outros, “todos em via Recta”,</p><p>excetuando os das esquinas que teriam quintais menores, o “que lhes fica remunerado com a</p><p>maior e milhor vista das cazas”. E ordenava “e prohibo o dar se Licença para se fazerem fora</p><p>dos tais aRuamentos, ou Rossas, porque no cazo de estes todos se encherem dellas, se abrirão</p><p>para a parte do campo outros de novo pegados e pella mesma</p><p>Rectidão, e formalidade”47.</p><p>Os ouvidores aproveitavam os edifícios existentes, a maior parte</p><p>deles da propriedade dosmissionários e por serem osmais resistentes.</p><p>Serviam de sede da Casa de Câmara e Cadeia. Não havendo constru-</p><p>ções mais sólidas fazia-na construir de taipa. A Casa de Câmara e</p><p>45 ANNAES, v, 32, p. 309, 366.</p><p>46 IDEM, v. 26, p. 30.</p><p>47 DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, AHU, cx. 42,</p><p>doc. 7975, microfilme, rolo 40,</p><p>APEB.</p><p>78</p><p>Cadeia deViçosa ainda estava por erigir em1777, quando oOuvidorMachadoMonteiro noticiava</p><p>que “de igual fortaleza e pelomesmo risco (da de Porto Seguro) se vão apromptando osmateriaes</p><p>para as de Vila Viçosa”48.</p><p>Na mesma ocasião do levantamento do pelourinho elegia-se a invocação de seu orago, da</p><p>igreja e da vila. Indicavam e/ou construíam residência do pároco, deixando para este terreno e</p><p>espaço para suas lavouras.</p><p>A Casa de Câmara eCadeia, igreja, casa do pároco e dosmoradores eram os únicos edifícios</p><p>da maior parte das vilas. Segundo os componentes do Conselho de Ultramar, reunido na Bahia,</p><p>não havia esperança de poder haver nessas vilas Casa deMisericórdia ouHospital, tendo notícias</p><p>de que se “o missionário”, aqui se referindo a Abrantes, não socorresse os doentes, os índios os</p><p>deixavam, em total desamparo, morrer sozinhos.</p><p>Após as primeiras instalações, eram indicados diretor, capitão-mor, os oficiais de guerra e</p><p>ordenança, armavam os índios de pólvora e balas para se defender contra os inimigos que,</p><p>geralmente, assaltavam a aldeia para roubar as roças e ferramentas. Estabeleciam taxas de jornais</p><p>dos trabalhadores rurais e dos artífices e davam outras providências.</p><p>Toda a instalação das vilas era feita às custas da própria comunidade, a quem cabia, igualmen-</p><p>te, subsidiar a construção dos edifícios públicos, igreja e de suas casas. Isso explica por que a</p><p>maioria desses edifícios, nas regiões tratadas, só foi construída tardiamente49. O poder real só</p><p>pagava o ouvidor, tropa de linha e poucos outros funcionários, incluindo o vigário. Mesmo a</p><p>Câmara, depois de instalada, devia se auto-sustentar com as fintas, a que tinha direito, multas,</p><p>licenças, arrendamento das terras de seu patrimônio, aluguéis etc. Nos casos tratados na Bahia,</p><p>devido à suma pobreza dos índios, a Coroa arcou com as despesas de demarcação das terras e</p><p>medições, mesmo porque não havia precedido “requerimento dos Indios para este estabelecimen-</p><p>to”50. Isto quer dizer que, quando os moradores solicitavam a elevação de sua povoação à vila,</p><p>inevitavelmente deviam arcar com todas as despesas.</p><p>Como as demais construções, a maioria das igrejas era feita demateriais frágeis e foi necessá-</p><p>rio reedificá-las. Havendo igreja dos antigosmissionários, faziam inventário antes de entregá-la ao</p><p>novo pároco nomeado. Nas novas povoações, a Igreja, ao contrário demuitos núcleos anteriores,</p><p>aparecia depois de tomadas outras iniciativas. Era, no entanto, a primeira providência coletiva ao</p><p>se fundar uma vila, depois de se construir a Casa de Câmara e Cadeia. Em 1771, ao se referir à</p><p>vila de PortoAlegre,MachadoMonteirodizia ter providenciadopara que os habitantes trabalhas-</p><p>sem em roças alheias para poder comprar ferramentas e, depois,</p><p>usá-las nas suas próprias plantações e, ainda...”com o seu producto</p><p>erigirem a Egreja, que ainda hé coberta de palha, assim como ainda</p><p>o são as cazas delles”...51. Em 1777, omesmo ouvidor se comprome-</p><p>tia a “dar principio ainda que de tijolo por falta de pedra, asMatrizes</p><p>das Villas novas de Bellomonte, Prado, Alcobaça, Portalegre e S.</p><p>Matheus”, acrescentando ainda, “queme desanima a falta de artifices</p><p>e muitomais a nimia pobreza de seus povoadores, e quantome não</p><p>tem custado o fazel-os erigir de madeira e provel-os dos</p><p>indispensaveis, ainda que tenues, ornamentos para o culto divino,</p><p>sem ajuda alguma do erario regio”52.</p><p>Ao erigir Vila Viçosa, o ouvidor dera para a localidade as “leis</p><p>municipais, chamadasvulgarmente posturas”53, que estabeleciam os</p><p>48 ANNAES, v. 32, p. 325.</p><p>49 Podiam aceitar doações do Go-</p><p>vernador ou de proprietários parti-</p><p>culares ou ser feitas às custas do</p><p>próprio Ouvidor.</p><p>50 ANNAES, v. 26, p. 23.</p><p>51 IDEM, v. 32, p. 352.</p><p>52 IDEM, p. 325.</p><p>53 O vocábulo “uicipa” raramen-</p><p>te aparece na documentação do</p><p>século XVIII, já que a estrutura</p><p>municipal, com essa designação,</p><p>só foi montada a partir de 1828,</p><p>depois da Independência do Brasil.</p><p>79</p><p>deveres e direitos dos Juizes, Oficiais da Câmara e do povo, conforme os preceitos das Ordena-</p><p>ções Filipinas e práticas consensuais do Brasil.</p><p>A postura 21 rezava que “ninguém fará cazas alguãs no terrado do Logradouro da villa Sem</p><p>Licença da Câmara e ainda dentro do alinhamento das Ruas, sem se lhe hir medir com pena de</p><p>tres mil Reis, e de Se lhe demolir achandosse fora das medidas, ainda em piquena parte do</p><p>aRuamento, mas nas Rossas cada qual as poderá fazer aonde, e como quizer”. Repetia, em parte</p><p>as provisões do ouvidor54. Essas posturas eram válidas para as demais vilas fundadas e mesmo</p><p>para a própria sede da Comarca, Porto Seguro.</p><p>Criada a vila, de posse das leis, cumpriam as outras formalidades e elegiam juiz ordinário e de</p><p>órfãos, vereadores e procurador do Conselho da Câmara para o ano e os três anos seguintes.</p><p>Elegiam alcaide e porteiro, este para servir na Câmara e nos auditórios judiciais e, fazer as vezes,</p><p>também, de carcereiro. Os índios, segundo as leis e instruções dadas, tinham prioridade no gover-</p><p>no das vilas, preferindo os casados aos solteiros para as propriedades e serventias dos ofícios,</p><p>porém, os solteiros teriam prioridade a quaisquer outras pessoas, “de qualquer prerogativa e</p><p>condiçõens que sejam, ou destes Reynos ou do Brasil, ou de qualquer outra parte”, de sorte que</p><p>só osmoradores da vila deviam servir esses ofícios55. Havendo índio que soubesse ler e escrever,</p><p>ocupava o cargo de escrivão. Emmuitos casos foram indicados portugueses, tanto para escrivão</p><p>da Câmara, para Diretores, quanto para tabelião de notas, escrivão do judicial, de órfãos, de</p><p>alcaide, de acordo com as própriasOrdens Reais. Caberia a este ensinar os índios, com aptidão, a</p><p>ler e escrever para, depois, servir o ofício. Se houvesse português casado com índia, este teria</p><p>preferência para o cargo. Os brancos deveriam deixar o cargo assim que houvesse índio apto.</p><p>Segundo as instruções, caso os índios não possuíssem terras, seriam dadas propriedades na-</p><p>quelas partes previstas para a vila e seus confins56,mesmo tendo sesmeiros oudonatários, contanto</p><p>que não fosse “propriedade notavel, que se entende ser Engenho, ou alguã caza grande e nobre”.</p><p>Essas sesmarias não podiam ficar longe, mas se localizar ao redor da vila, na distância de até seis</p><p>léguas e nenhummorador poderia receber “mais do quemeia legoa em quadro”57. Com a funda-</p><p>ção de novas povoações, as sesmarias que se encontrassem no local escolhido perdiam a validade,</p><p>prevalecendo o bem comum, contra os interesses particulares, sendo os moradores, dentro do</p><p>terrenomarcado que não fossem índios, obrigados a se retirar no prazo de um ano. Os arrenda-</p><p>tários, sesmeiros e donatários tinham</p><p>dois anos para deixar a terra, tempo suficiente para colher</p><p>os frutos plantados.Os sesmeiros, no entanto, podiam recorrer à justiça para dar-lhes solução ou</p><p>conseguirem outra sesmaria. Fruto das discussões sobre esse assunto, na maior parte das vilas,</p><p>ficou estabelecido o convívio entre índios e brancos, mesmo porque, como se viu, obedeciam</p><p>ordens régias.</p><p>Por mais que se queira apontar o fracasso do projeto pombalino, deve-se notar que houve</p><p>mudanças no povoamento e urbanização do território. Em 1764, Couceiro de Abreu notificava</p><p>que os índios viviam em Trancoso e Vila Verde da mesma forma</p><p>como antes “debaixo de uma só palhoça 10, 12 e mais com seus</p><p>filhos e filhas”. Não havia pastos comuns, nem terras para rendi-</p><p>mento da Câmara. O terreno delimitado era tão pequeno que mui-</p><p>tos se queixavam não ter terra para lavrar, pois algumas que tinham</p><p>recebido já estavam cansadas e cheias de formigueiros, e outras eram</p><p>capoeiras. Não tinham diretor, mas apenas um escrivão com a obri-</p><p>gação de ensinar os meninos a ler e escrever. E concluía: “a estes</p><p>54DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, AHU, cx. 42,</p><p>doc 7974, microfilme, rolo 40,</p><p>APEB.</p><p>55ANNAES, v. 32, p. 288.</p><p>56Determinada pelo Alvará de 23 de</p><p>novembro de 1700.</p><p>57ANNAES, v. 32, p. 290-291.</p><p>80</p><p>incumbi por ora algumas advertências doDirectorio doMaranhão, de que vão dando boa conta,</p><p>dei plantas para a formalidade das Villas e hum d’estes dias vou dispôr o mais que me parecer</p><p>mais conforme as ordens de SuaMagestade e bem d’estas duas povoações”58. Nessemesmo ano</p><p>Couceiro deAbreu notificava que ia fazendo construir as casas e “huma e outra escóla, a que não</p><p>hia rapaz alguns, traz agora 90 e tantos divididos por ambas”59. Se não aproveitassem os ensinos</p><p>da escola, pelomenos ouviam e praticavam a língua portuguesa, como se viu, obrigatória a partir</p><p>de então.</p><p>Alguns anos depois, em 1771, dizia Machado Monteiro: “ha eschola em que aprendem ler e</p><p>escrever 80 meninos e por acazo não ha mestre ou official de officio mecanico, que deixe de ter</p><p>algum aprendiz e dos maiores os mais rusticos á soldada”. O produto desses pagamentos dos</p><p>rapazes devia ser aplicado no vestuário e o resto na compra de gado, ou de ferramentas para a</p><p>lavoura, telha e feitio de suas casas.</p><p>Porém, a conquista do índio era umobstáculo que os ouvidores transpunhamcomdificulda-</p><p>de.O próprio Couceiro deAbreu, em 1764, tentou fixar os índios da naçãoMenhãa na região do</p><p>Rio Doce. Prometeu-lhes um clérigo e os cargos da Câmara, quando a vila fosse instalada, “e para</p><p>que logo entrassem a fundar a sua habitação com a formalidade de Villa, mandei ir para aquelle</p><p>sitio hum homem de bom proposito e já conhecido d’elles, com huma fórma de planta, para que</p><p>por ella fosse regulado as cazas, que os ditos índios deviam de edificar; e que a cada um delles</p><p>desse terreno ao menos com seis quartos, hum que lhes servisse de sallinha, outro para os pais</p><p>dormirem, outro para os filhos, o 4º para as filhas, o 5º para cozinha e o 6º para terem os seus</p><p>effeitos”. Emoutro documento continuava:...”lhes assignei a seu contento, sitio para estabelece-</p><p>rem huma regular povoação, por haver fallecido o homem, que para esse fim e para os dirigir</p><p>havia mandado para o dito Rio, deixando-lhes recomendado que entrassem logo a fazer a casa</p><p>para o clerigo, que para lá havia de ir e depois della as suas, em que havião de viver com esta e</p><p>aquella formalidade que lhes deixei em um risco”. Executaram a casa do clérigo e mais cinco, mas</p><p>fugiram, no dia de São José, rio acima60. A maioria dos diretores, muitos deles escrivães, foi</p><p>sempre acusada de incompetentes, abusados, corruptos, defensores de seus próprios interesses e</p><p>outras coisas.</p><p>A faltade povoadores foi umdos grandesproblemas. Em1773Monteirodiziaque “impossivel</p><p>será o chegar a erigir as 3 que já referi” e já citadas anteriormente, e se lastimava que...”se erigi-</p><p>las me he facil, o povoa-las me he muito dificil 61. Queixava-se da constante fuga de índios e</p><p>degredados para a Comarca de Ilhéus e de suas inúteis “requisitorias para a prizão e retrocesso</p><p>delles”62, não contando com a colaboração doOuvidor daquela Comarca, Miguel Aires Lobo de</p><p>Carvalho. Essas povoações deveriam ser elevadas à vila, sendo indispensavelmente precisas para</p><p>a estrada, “que nas minhas Instrucções se me adverte faça abrir para comunicação, e comercio</p><p>dessa Capitania com a do Espirito Santo”, diziaMachadoMonteiro. Aí já tinha sido instalada uma</p><p>dúzia ou dúzia e meia de casais, mas a falta de gente impossibilitou a realização de suas implanta-</p><p>ções. Essa estrada era recomendada para ligar essas regiões ao Rio de Janeiro.</p><p>Além da falta de gente e de ferramentas, não havia mão de obra</p><p>especializada. Assim, era o povo, em especial os índios, que constru-</p><p>íram as vilas. Já o Ouvidor Couceiro de Abreu dava notícias dessa</p><p>atividade: “não me tenho descuidado da melhor forma da creação</p><p>das duas vilas novas de Trancoso e Villaverde, cujos Índios vão</p><p>fabricando as suas cazas com a formalidade que lhes dei”. Só em</p><p>58IDEM, p. 39.</p><p>59IDEM, p. 52.</p><p>60 IDEM.</p><p>61IDEM, p. 371.</p><p>62IDEM, p. 272, 277, 293, 324-325.</p><p>81</p><p>1772, naVila de Porto Seguro, e locaismais próximos, se empregavamão de obra especializada e</p><p>o ouvidor delegava o “risco” a outrém. As vilas menores, ou recém-criadas, continuavam, no</p><p>entanto, a ser construídas pelos próprios habitantes. Ao se referir à edificação das matrizes de</p><p>Belmonte e Portalegre, o Ouvidor Monteiro dizia textualmente que os “artifices foram os seus</p><p>mesmos povoadores, cada qual conforme a sua habilitação, por não terem pela suamuita pobreza</p><p>com que pagar os outros”. E, no ano seguinte, continuava a notificar que “por todas as villas se</p><p>augmentão á proporção das possibilidades dos habitantes, e para o que por falta de artífices as vão</p><p>fabricando pormãos de curiozos”. E ainda: “não achei em toda aCapitaniamais que 2 pedreiros,</p><p>que com outros 2, que acariciei de fóra e mais 4 degradados já chegão ao número de 8, mas taes</p><p>que eu fui o mestre da obra das cazas da Camara (de Porto Seguro) porque os da Bahia me</p><p>pedem por ella exorbitantissimo presso, com que querem compensar o virem para cá de tão</p><p>longe”63.</p><p>Pelos documentos do período, e por algumas passagens já referidas, verifica-se que, na região</p><p>de Porto Seguro, os próprios ouvidores foram os urbanistas, arquitetos e mestres de obra, e o</p><p>povo, na ausência de oficiais mecânicos especializados, o construtor. Coube a eles a organização</p><p>espacial dos núcleos urbanos programados e a expansão da rede urbana. Sendo essas regiões</p><p>extremamente pobres, e sem importância administrativa, dificilmente puderam contar com a</p><p>presença de engenheiros militares em suas obras públicas, e particulares. Esses engenheiros só</p><p>estiveram nas regiões mais importantes na época, como São José do Rio Negro, Belém, Salvador,</p><p>Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, por exemplo.</p><p>Segundo o que se ordenava, os edifícios se inseriram num espaço determinado, onde devia</p><p>predominar a uniformidade teórica, em nome da “boa perspectiva”. Deve-se ressaltar vários</p><p>tipos de plantas: um que aproveitou o traçado jesuítico preexistente, da grande praça ou terreiro</p><p>- civil e religiosa - de onde partiam as ruas perpendicularmente e a de plano ortogonal, rascunhada</p><p>expressamente para a implantação das vilas, comoPrado,Portalegre,</p><p>Viçosa,Alcobaça, na Capitaniade Porto Seguro. Uma terceira possi-</p><p>bilidade mostra a reurbanização de um núcleo irregular preexistente,</p><p>a exemplo de Barcelos na região Amazônica64.</p><p>Os núcleos, anteriores a 1735, em sua grandemaioria, eram irre-</p><p>gulares, pois, como simples povoações, postos avançados na boca</p><p>do sertão, pouso de viajantes, passagens de rios etc., nasceram es-</p><p>pontaneamente, sem alinhamentos, sem ordem. Uma vez transfor-</p><p>mados em vilas – incluindo os núcleos que já nasceram como tal -,</p><p>passaram a ter a interferência administrativa da Câmara que, neces-</p><p>sariamente, promovia os alinhamentos e vistorias, através de peritos</p><p>especialmente designados. Esses planos podiam ser perfeitamente</p><p>regulares ou de regularidade aparente. Desta última forma</p><p>era a</p><p>grande maioria dos traçados das vilas e cidades barrocas.</p><p>As plantas de regularidade aparente já aparecem no século XVI</p><p>e Salvador é um exemplo antológico, de traça barroca, determina-</p><p>da pelas diferenças de nível, contornos de níveis de elevação,</p><p>assimetria de ruas e travessas etc. O Projeto Pombalino, invariavel-</p><p>mente, adotou o plano ortogonal, obedecendo a centralidade da</p><p>praça civil ou religiosa, caracterizado pela racionalidade, regulari-</p><p>63IDEM, p. 52, 267, 273, 277.</p><p>64A retificação de ruas foi feita mes-</p><p>mo em núcleos antigos, dentro e</p><p>fora de muros medievais, no mes-</p><p>mo período no Reino. FERREIRA-</p><p>ALVES, Joaquim Jaime B. Os</p><p>Almadas e o urbanismo portuense.</p><p>In: Colóquio Lisboa Iluminista e o</p><p>seu tempo, Lisboa,, p. 151-158,</p><p>1998.</p><p>65Esse mesmo plano foi implantado</p><p>nos Algarves permitindo à Coroa</p><p>levantar, em cinco meses, a Vila</p><p>Real de Santo Antônio, às mar-</p><p>gens do rio Guadiana, em 1775,</p><p>substituindo a vila provisória catalã</p><p>de Santo Antônio de Arenilha.</p><p>CORREIA, José Eduardo Horta.</p><p>Vila Real de Santo António levan-</p><p>tada em cinco meses pelo Mar-</p><p>quês de Pombal. In: SANTOS,</p><p>Maria Helena Carvalho dos</p><p>(Coord.). Pombal revisitado. Lis-</p><p>boa: Estampa, 1984, p. 79.</p><p>82</p><p>dade, simetria, economia, clareza e simplicidade, de figuras geométricas perfeitas e instalado, de</p><p>preferência, em lugares planos, junto a rios ou beira do mar. Baseava-se no conhecimento</p><p>prático, experimentado65.</p><p>A regularidade, mesmo baseada num traçado empírico, foi adotada em toda a rede urbana</p><p>que então se estabelecia, especialmente nos dois últimos tipos66. Mesmo empírico, esse traçado</p><p>alicerçava-se numa experiência anterior, pelo menos ótica, das autoridades que fizeram os “ris-</p><p>cos” dos núcleos que fundaram.Essa experiência anterior era lusa, com traçado regular renascentista</p><p>“ponto de partida para o estudo da gênese dos traçados das cidades da América portuguesa e</p><p>espanhola”, segundo Paulo Santos67, baseada emVitrúvio, Alberti, Sérlio e Catâneo ou, ainda, nos</p><p>espanhóis André Garcia de Céspedes e frei Lorenzo de San Nicolás. Essas soluções, adotadas</p><p>também na baixa de Lisboa, como indicouNestor Goulart, “não teriam caráter tão circunstancial,</p><p>mas seriam fruto de uma consciência urbanística, comum, dos princípios construtivos portugue-</p><p>ses dessa época, que se vinham formando nas décadas anteriores” 68. Isso não está longe do</p><p>pensamento de Renata Araújo para quem “no conjunto da variedade formal do urbanismo por-</p><p>tuguês da expansão encontra-se a unidade que lhe advém da ‘escola’</p><p>que o criou, desenvolvida pelos engenheirosmilitares portugueses,</p><p>responsáveis por um método que, cremos, une o pragmatismo à</p><p>segurança teórica”... e identifica o conhecimento urbano como fru-</p><p>to de um saber acumulado “identificando o urbanismo com o pro-</p><p>cesso civilizador”69. E isso se nota nas palavras do Morgado de</p><p>Mateus, D. Luís Antônio Botelho Mourão de Souza, Governador e</p><p>Capitão-General da capitania de São Paulo, no período, sabia que</p><p>“uma das coisas que os paises mais adiantados costumam cuidar</p><p>atualmente é da simetria e harmonia das edificações que estão sur-</p><p>gindo em cidades grandes e pequenas, de modo que, da sua disposi-</p><p>ção resulte não só o conforto publicomas também o prazer, com os</p><p>quais as aglomerações se tornam mais atraentes e apropriadas, sa-</p><p>bendo-se da boa ordem comque essas edificações são dispostas, da</p><p>policia e cultura de seus habitantes”70.</p><p>É classificado como um traçadomoderno das cidades, necessi-</p><p>dade ideológica e prática do iluminismo, como utilizariaManuel da</p><p>Maia, em Lisboa, na reconstrução pós-terremoto, os engenheiros</p><p>FranciscoXavier do Rego, Francisco Pinheiro daCunha, no Porto,</p><p>Luís Serrão Pimentel,Manuel de AzevedoFortes, JosédeFigueiredo</p><p>Seixas, este último com seu “Tratado da Ruação para emenda das</p><p>ruas das cidades, vilas e lugares deste Reino”..., segundo Rafael</p><p>Moreira, datado da década de 1760, primeiro tratado do urbanismo</p><p>pombalinoconhecido71.</p><p>Também não se pode ignorar toda a tratadística e manuais es-</p><p>trangeiros, cujos escritos circulavam em Portugal, e da Academia</p><p>Portuguesa de Artes, de Roma, ativa até 1760. E basta ver os com-</p><p>ponentes da expedição da América portuguesa, encarregada das de-</p><p>marcações, dos quais dez eram portugueses e 24 estrangeiros, al-</p><p>guns dos quais intervieram na urbanização da Amazônia, como</p><p>66É interessante ver, por exemplo,</p><p>que o Quilombo Buraco do Tatu,</p><p>de 1764, nos arredores de Salva-</p><p>dor, seguia as mesmas normas.</p><p>67SANTOS, Paulo. Formação de ci-</p><p>dades no Brasil colonial. In: V Co-</p><p>lóquio Internacional de Estudos</p><p>Luso-Brasileiros. Coimbra, 1968,</p><p>p. 25.</p><p>68O autor aponta o parentesco des-</p><p>se conjunto lisboeta com a Bahia,</p><p>Belém, São Luis e Alcântara. Ne-</p><p>nhuma delas é obra do acaso.</p><p>REIS FILHO, Nestor Goulart. No-</p><p>tas sobre o urbanismo barroco no</p><p>Brasil. In: Cadernos de Pesquisa</p><p>do LAP, São Paulo, nº 3, p. 17,</p><p>nov.-dez. 1994.</p><p>69ARAÚJO, Renata Malcher. As ci-</p><p>dades da Amazônia no século XVIII;</p><p>Belém, Macapá e Mazagão. Por-</p><p>to: FAUP, 1998. p. 37.</p><p>70PORTARIA que levou o Dor Juiz de</p><p>Fora quando foi para Santos, Biblio-</p><p>teca Nacional, Lista 1, São Paulo,</p><p>15 set. 1766, p. 67-68v.</p><p>71Manuscrito de 150 fls. da Bibliote-</p><p>ca Nacional de Lisboa. Vide</p><p>MOREIRA, Rafael de Faria</p><p>Domingues. Uma utopia urbanísti-</p><p>ca pombalina: o “Tratado de</p><p>Ruação” de José de Figueiredo</p><p>Seixas. In: In: SANTOS, Maria He-</p><p>lena Carvalho dos (Coord.). Pom-</p><p>bal revisitado. Lisboa: Estampa,</p><p>1984, p.131-144.</p><p>83</p><p>Sambucetti, Sturm, Landi, Galluzzi, etc. Estes traziam toda uma carga de conhecimentos e que</p><p>mostrava as linhas de pensamento portuguêsmais moderno.</p><p>Vários estudiosos se dedicaram ao estudo desses “riscos”. Paulo Santos, ao se referir ao</p><p>desenho deMacapá, qualificou de traçado “monótono, estéril”, datando-o como sendo dos finais</p><p>do setecentos, sob influência da engenhariamilitar, que dava preferência pelos traçados ortogonais</p><p>nos projetos das povoações, citando, inclusive Vila Viçosa da Bahia,</p><p>de forma incorreta, como um dos exemplos. Baseou-se no levanta-</p><p>mento feito pelo 2º Tenente do Imperial Corpo de Engenheiros, em</p><p>1849, membro da Comissão de Exploração do Mucuri e</p><p>Jequitinhonha, ressaltando, que “os traçados ortogonais chegamao</p><p>ponto de invadir as aldeias de Índios”, vendo-os comode influência</p><p>hispânica ou, pelo menos, reforçados por essa influência, como</p><p>consequência dos contatos entre as duas Coroas por ocasião do Tra-</p><p>tado de Madrid72.</p><p>Muitos buscaram essas origens em épocas mais recuadas. Fer-</p><p>rão fez “uma perspectiva sobre a tradição do desenho urbano</p><p>regular português”73, remontando o período de romanização da</p><p>Península Ibérica, os primeiros vestígios de geometrização dos</p><p>aglomerados, passando pela Idade Média, identificando no sécu-</p><p>lo XV as construções em que esteve subjacente a utilização do</p><p>modelo urbano geometrizado. Enfatizou a época do quinhentos</p><p>como um dos períodos mais significativos da urbanística portu-</p><p>guesa em que se vulgarizou a utilização de modelos urbanos re-</p><p>gulares, já de desenho renascentista. Quase todos os modelos</p><p>apresentados pelo autor constituem o que aqui se chamou planos</p><p>com regularidade aparente, diferentes dos apontados como</p><p>ortogonais, com ruas e travessas absolutamente retas e paralelas</p><p>e com ângulos rigorosamente retos, em retícula, acrescentando a</p><p>regularidade arquitetônica.</p><p>Roberta Marx Delson74, desde 1979, tratou de estudar o século</p><p>XVIII, tanto para desfazer o mito de falta de planejamento urbano</p><p>noBrasil, quantoparaprovar a aplicaçãoprecocedomodelo retilíneo</p><p>como programa. Como a maioria dos autores tratou o Brasil como</p><p>se não participasse do mundo português, parte integrante do Rei-</p><p>no75. Buscou a origem do plano ortogonal já em 171676, quando a</p><p>povoação de Mocha teria sido elevada a vila, afirmando que, a par-</p><p>tir dessa data, as novas comunidades construídas no sertão estavam</p><p>subordinadas a um “protótipo de planejamento de vila”, segundo</p><p>um “plano diretor barroco, com ênfase em ruas retilíneas, praças</p><p>bem delineadas (amiúde orladas por fileiras de arvores plantadas</p><p>simetricamente) e numa uniformidade de elementos arquitetônicos”77.</p><p>Segundo a autora, este era o modelo adaptável a qualquer região</p><p>geográfica e que podia empregar a mão de obra indígena, não espe-</p><p>cializada, que teria no padrão de casa ummodelo multiplicável. Ten-</p><p>72SANTOS, P. Ob. cit., p. 64, ilustra-</p><p>ção VIII-C.</p><p>73FERRÃO, Bernardo José. Projecto e</p><p>transformação urbana do Porto na</p><p>época dos Almadas, 1758-1813;</p><p>uma contribuição para o estudo da</p><p>cidade pombalina, 3ed. Porto: FAUP,</p><p>1997. p. 38-69.</p><p>74DELSON, Roberta Marx. Novas vi-</p><p>las para o Brasil-Colônia: planeja-</p><p>mento espacial e social no século</p><p>XVIII. Tradução de Fernando de Vas-</p><p>concelos Pinto. Brasília: Alva-Ciord,</p><p>1997. 123p, A tradução de seu livro</p><p>não foi feita com muito cuidado, pre-</p><p>judicando, por vezes, os seus con-</p><p>ceitos. Por exemplo, confunde di-</p><p>reito com reto ou, mais precisa-</p><p>mente “vai endireitando” com reto.</p><p>Loc. cit., p. 29.</p><p>75Chama todo o período de urbaniza-</p><p>ção de que trata como processo de</p><p>europeização. DELSON, R. M. Ob.</p><p>cit., p. 49. Liberal de Castro deno-</p><p>minou projeto de lusitinização. CAS-</p><p>TRO, José Liberal de. Urbanização</p><p>pombalina no Ceará: a paisagem da</p><p>vila de Monte-mor o Novo d’América.</p><p>In: SALGUEIRO, Heliana Angotti</p><p>(Coord.). Paisagem e a Arte; a In-</p><p>venção da natureza, a Evolução do</p><p>Olhar. São Paulo:CBHA/CNPq/</p><p>FAPESP, 2000. Nota 1, p. 310, 311.</p><p>76Vide KNOX, Miridan Brito. O Piauí</p><p>na primeira metade do século XIX.</p><p>Rio de Janeiro: Projeto Petrônio</p><p>Portella, 1992. p. 16.</p><p>77Essas são características dos pla-</p><p>nos renascentistas.</p><p>78DELSON, R. M. Ob. cit., p. 4, 14.</p><p>Confunde, com freqüência vila e ci-</p><p>dade, paróquia e vila.</p><p>79Incluindo a designação de “plano</p><p>diretor” ai empregado</p><p>extemporaneamente. Refere-se</p><p>também a “cópias da legislação</p><p>de planejamento urbano”, em 1736,</p><p>e “código de planejamento urba-</p><p>no”. IDEM, p. 31, 32, 36.</p><p>84</p><p>toumostrar que todos os núcleos – incluindo povoados, aldeias e arraiais – foram precedidos de</p><p>“planosdiretores”78.</p><p>O planejamento era muito mais escrito que desenhado e as normas eram gerais para serem</p><p>adaptadas a cada situação. A interferência do engenheiro militar no planejamento dessas vilas não</p><p>mudou sua estrutura, apenas a tornou mais sofisticada, como se observou em Vila Bela da</p><p>Santíssima Trindade, plano de autoria do engenheiro Francisco Mota, ou Nova Mazagão, no</p><p>Pará, de autoria do engenheiromilitarDomenico Sambocetti.</p><p>A ausência do conceito de plano preestabelecido desfaz as afirmativas de alguns autores79.</p><p>Foram poucas as vilas e cidades do Brasil cujos “riscos e traças” vieram de Portugal com antece-</p><p>dência, como a de Salvador, dados a Tomé de Souza junto com seu Regimento. Poucos núcleos</p><p>tiveram engenheiros militares para planejá-los in loco e com antecipação. Além disso os arraiais,</p><p>lugares, povoações, aldeias não tiveramplanejamento algum80. Apenas algumas aldeias pombalinas</p><p>tiveram essa atenção. Só as vilas e cidadesmereciam a intervenção oficial no delineamento de sua</p><p>forma. Aquelas podiam ter intervenção quando eram elevados à condição dessas últimas. Essa é</p><p>umadiscussão que há muito se estabeleceu entre os estudiosos brasileiros e brasilianistas, histori-</p><p>adores, geógrafos, arquitetos, sociólogos, sem que se tivesse chegado a conclusões definitivas.De</p><p>fato, existiram inúmeros núcleos nascidos – e que cresceram – sem planejamento e de forma</p><p>desordenada.Adiferença estava justamente naquela existente entre uma povoação, arraial, aldeia</p><p>e uma vila ou cidade81, diferenciados por estatutos jurídicos.</p><p>A boa perspectiva e a regularidade do traçado, segundo essa nova concepção urbana, já</p><p>estavam contidos na Carta Régia, de 3 de março de 1755. Esse documento criava a capitania de</p><p>São José do Rio Negro, instalada como um terceiro governo no</p><p>Norte do Brasil, e mandava erigir em vila a aldeia de São Pedro,</p><p>administrada pelos carmelitas e mandava...”delinear as casas dos</p><p>moradores por linha recta com tanto que fiquem largas e direitas as</p><p>ruas”.... Já estabelecia, também a uniformidade arquitetônica ao</p><p>mandar que as...”casas sejão sempre fabricadas na mesma figura</p><p>uniforme pela parte exterior ainda que não valera na parte interior</p><p>as faça cada hum como lhe parecer”...82. Era a origem de Barcelos,</p><p>reurbanizada em1762, segundoDelson, por Felipe Sturm,membro</p><p>da Comissão de Demarcação83, mas, só em 1772, o Governador e</p><p>Capitão-General, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,</p><p>incumbia o engenheiro Francisco da Mota de dar novas formas</p><p>urbanísticas, aplicando as normas estabelecidas anteriormente. Com</p><p>as mesmas palavras vê-se as instruções dadas ao Ouvidor, Vitorino</p><p>Soares Barbosa, para instalar, em 1764, a Vila Real deMonte-mor o</p><p>Novo da América, na Capitania do Ceará, atendendo o determina-</p><p>do: “fazendo delinear as casas dosmoradores por linha reta, de sorte</p><p>que fiquem largas e direitas as ruas”...”com a obrigação de que as</p><p>ditas casas sejam sempre fabricadas na mesma figura uniforme, pela</p><p>parte exterior, ainda que na outra parte interior faça cada uma con-</p><p>forme lhe parece, para que desta sorte se conserve na mesma for-</p><p>mosura nas vilas e nas ruas delas amesma largura que se lhes assinar</p><p>nas fundações”84.</p><p>80Estes núcleos, em grande núme-</p><p>ro, é que deram a conotação pe-</p><p>jorativa ao Brasil, divulgada des-</p><p>de 1936 por Sérgio Buarque de</p><p>Holanda, nas suas Raízes do Bra-</p><p>sil , que, ao compará-lo com a</p><p>América espanhola dizia que nas-</p><p>ceu e cresceu sem planejamen-</p><p>to. HOLANDA, Sérgio Buarque de.</p><p>Raízes do Brasil, 3ed. Rio de Ja-</p><p>neiro: José Olímpio, 1956.</p><p>81Muitos autores confundem esses</p><p>tipos de núcleos urbanos com fre-</p><p>guesia ou paróquia que são divi-</p><p>sões administrativas eclesiásti-</p><p>cas.</p><p>82Cópia da Carta Régia de três de</p><p>março demil esete centos e</p><p>cincoenta esinco. In: DOCUMEN-</p><p>TOS AVULSOS DA CAPITANIA DA</p><p>BAHIA, 1771-1774, AHU, cx. 46,</p><p>doc. 8578, microfilme, rolo 43,</p><p>APEB.</p><p>83DELSON, R. M. Ob. Cit., p. 51-</p><p>52 .</p><p>84Cit. por CASTRO, J. L. de. Ob.</p><p>cit., p. 310.</p><p>85</p><p>A Carta Régia de 3 de março de 1755 precedeu aos planos de reforma de Lisboa ou da Real</p><p>Vilade SantoAntônio,nosAlgarves, e suas linhasmestras foram incluídas noDiretório dos índios</p><p>do Grão-Pará e Maranhão, e instruções decorrentes, tanto no que dizia respeito ao desenho da</p><p>vila, quanto das construções, e os planos, pré ou pós-estabelecidos, seguiam essas diretrizes. Às</p><p>Instruções, ordenando criar as vilas, se anexaram cópias da Carta Régia citada e se reproduziram</p><p>os itens que diziam respeito à forma do traçado urbano e das casas. A diferença entre os vários</p><p>traçados, que são poucas, foi ditada pela situação geográfica, número e condições econômicas de</p><p>seus povoadores. E oDiretório, somado às instruções dadas às diversas autoridades, encarregadas</p><p>de criar as vilas, são exemplos típicos de planejamento escrito.</p><p>Verifica-se, pois, que havia, comoobservouNestorGoulart, uma consciência comumque foi</p><p>colocada em efetiva prática no reinado de D. José I. Mas o plano ortogonal, com as mesmas</p><p>características já era preconizado desde a década de 1740, mas aplicado sistematicamente no</p><p>período pombalino.</p><p>Se se recuar no tempo, acham-se as mesmas instruções dadas por D. João V a D. Luis</p><p>Mascarenhas, Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, em 1746, para as obras</p><p>que foram executadas em 1752, na criação de Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso.</p><p>Essas instruçõesmandavam “delinear por linhas retas, a área para as cazas se edificarem deyxando</p><p>ruas largas e direytas” e determinava, também, que os moradores poderiam ter os terrenos, para</p><p>casas e quintais, que desejassem “nos lugares delineados e as ditas cazas em todo o tempo serão</p><p>feytas todas no mesmo perfil no exterior, ainda que no interior as fará cada morada a sua vonta-</p><p>de, de sorte que se conserve a mesmo formosura da terra e a mesma largura das ruas” 85. As</p><p>instruções já continhamos privilégios e isenções que seriam dados aosmoradores das vilas criadas</p><p>no período de Pombal. Outro exemplo, do mesmo período, a adotar esse padrão – retilinearidade</p><p>e igualdade externa da arquitetura -, é encontrado em Aracati, no Ceará, em ordem emitida em</p><p>1747. As instruções dirigidas ao Ouvidor, José de Faria, recomendavam que</p><p>se algum morador</p><p>do antigo povoado fosse erigir nova casa, devia reconstruí-la de “ forma a dar-lhe um contorno e</p><p>aparência equivalente aos das novas casas”. A mesma recomendação foi dada, nominando inclusive</p><p>Aracati, a Gomes Freire Andrade para a criação da vila do Rio Grande, no Rio Grande do Sul. A</p><p>segunda instalação de Mariana em Minas Gerais, em 174686, tinha iguais recomendações.</p><p>Parte dos colonos87 açorianos, destinados a Santa Catarina, foi</p><p>mandada para povoar o Rio Grande do Sul, do Rio de São Francis-</p><p>co do Sul até Cerro de São Miguel. Mandava-se que se fundassem</p><p>lugares, com cerca de 60 casais cada um, com um quarto de légua</p><p>em quadro. Devia-se dar, para cada lugar, meia légua em quadro</p><p>para assento e logradouros públicos. À praça destinavam-se 500 pal-</p><p>mos de fundo e, em umde seus lados, ficaria a Igreja. A rua, ou ruas,</p><p>se demarcariam ao cordel com largura ao menos de quarenta pal-</p><p>mos e “por elas e nos lados se porão as moradas, em boa ordem</p><p>deixando, entre umas e outras e por trás, lugar suficiente e repartido</p><p>para quintais, atendendo, assim, ao cômodo presente, como a pode-</p><p>rem ampliar-se as casas para o futuro”88. Este modelo, com casa</p><p>rodeada por quintal, foi raro no período.</p><p>Em todos os casos depara-se comumplanejamento moderno. E</p><p>omoderno, como se viu, baseava-se na regularidade do traçado que,</p><p>85SANTOS, P. Ob. cit., p. 58-59.</p><p>86Cit. por DELSON, R. M. Ob. cit. p.</p><p>24, 37.</p><p>87Aparecem com essa designação na</p><p>documentação.</p><p>88Ordem de 1747, registrada em</p><p>1750. REGISTO DAS ORDENS DE</p><p>SUA MAGESTADE para a situação</p><p>dos casais neste estabelecimento</p><p>(Santa Catarina). In: Anais do Ar-</p><p>quivo Histórico do Rio Grande. Por-</p><p>to Alegre: Arquivo do Rio Grande</p><p>do Sul/Instituto Estadual do Livro,</p><p>1977. p. 269.</p><p>89DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, 1768-1769,</p><p>AHU, cx. 43, doc. 7972, microfilme,</p><p>rolo 40, APEB.</p><p>86</p><p>como aconteceu com as casas, foi o padrão estabelecido para a</p><p>implantação de novas vilas, mais fácil de ser imposto e de se ade-</p><p>quar às localidades tão diversas em que foram eretas. A irregularida-</p><p>de dos riscos se opunha, então, à própria política urbanizadora que</p><p>trazia embutida no seu âmago o conceito de ordem.</p><p>Machado Monteiro afirmou categoricamente “a respeito da</p><p>fundação de villas”:...”erigi huma na Aldeia chamada do</p><p>Campinho, a que dei o nome de Villa Viçosa e de que remetto</p><p>planta, em tudo conforme o seu original, ainda que, por falta de</p><p>architecto, delineado pela minha rustica ideia e decifrada pela</p><p>minha penna”. Em fevereiro de 1769 dava conta ao Rei dos</p><p>serviços feitos e notificava que remetia “planta, em tudo confor-</p><p>me o seu original, ainda q[ue] por falta de Arquiteto delineado</p><p>pella minha Rústica idéia e decifrada pella minha rústica pena” 89.</p><p>O mesmo plano, com ligeiras modificações, foi válido para as</p><p>demais vilas implantadas na Bahia90.</p><p>Portanto, no caso estudado da Bahia, o ouvidor rascunhou uma</p><p>planta na qual se baseou para fazer as medições, elevação e aclama-</p><p>ção das vilas, com implantação do pelourinho, assento nos livros e</p><p>determinação dos principais edifícios. As plantas, enviadas ao Rei,</p><p>foram feitas posteriormente a todos os atos e seguiram, rigorosa-</p><p>mente, o determinado pela Carta Régia de 3 de março de 1755 e do</p><p>Diretório dado aos índios do Grão-Pará e Maranhão.</p><p>As casas, como várias vezes foram referidas, eram erigidas de</p><p>acordo commodelos preestabelecidos, semqueos edifícios estabe-</p><p>lecessem diferenciação social91. A imposição dos modelos devia-se</p><p>ao fato de ser, a maioria dos seus ocupantes índios que, até então,</p><p>viviamemmoradias coletivas, de estruturamuito diversa das unida-</p><p>des que se impunham.</p><p>Têm-se duas descrições de casas que, no geral, variam muito</p><p>pouco uma em relação a outra. A primeira foi dada aos índios de</p><p>toda a Comarca de Porto Seguro, através das Instruções, baseadas</p><p>no Diretório, que dispunha que todas as casas deviam ser cobertas</p><p>de telha, feitas por oficiais de carpinteiro e “por não haver pedra, de</p><p>madeira domelhor uzo do paiz” 92. Estabelecia as medidas externas</p><p>e internas, determinando como deviam ser as casas. Além da unifor-</p><p>midade arquitetônica, pelo menos externa, os documentos citados</p><p>estabeleciam uma coordenação dimensional, conforme notouNestor</p><p>Goulart, incluindo tamanho dos lotes, número e dimensões de jane-</p><p>las e portas, altura dos edifícios e dos pavimentos, por fora e por</p><p>dentro, relações com as construções vizinhas etc93.</p><p>O outromodelo padrão está inserido no documento que tratava</p><p>da criação da citada Vila Viçosa, datada de 1769. Percebe-se que os</p><p>Ouvidores trataram de destruir o módulo de composição formado</p><p>90Em 1770 Machado Monteiro notifi-</p><p>cava: “na nova Villa de Bello Monte</p><p>de que no anno de 1767 remetti tão</p><p>bem á Secretaria do Estado a planta</p><p>que lhe formei” (DOCUMENTOS</p><p>AVULSOS DA CAPITANIA DA BAHIA,</p><p>1769-1770, cx. 44, doc. 8215,</p><p>microfilme, rolo 41, APEB; ANNAES,</p><p>v. 32, p. 300);... “com o nome de</p><p>Villa Viçosa e orago de N. S. da Con-</p><p>ceição e de que remetti a planta dos</p><p>arruamentos que lhe risquei e de-</p><p>marquei”, 1770 (IDEM, p. 298-299).</p><p>“Já dei conta a V.M. daquellas que</p><p>de novo tinha erecto, remettendo os</p><p>borrões das plantas dos seus</p><p>arruamentos”, 1771 (IDEM, p. 255).</p><p>“Duas villas que de novo erigi”... “e</p><p>a que dei os nomes de Villa Viçoza e</p><p>de Portalegre”...”já remetti á Secre-</p><p>taria o borrão da planta, assim como</p><p>já fiz dos de Villa Viçosa. No prezente</p><p>anno trabalho por erigir outra na barra</p><p>do Rio de Itanham (Alcobaça), aon-</p><p>de achei 20 e tantos cazaes, que já</p><p>excedem de 90 e della tão bem farei</p><p>e remetterei planta”. “Remetto á Se-</p><p>cretaria de estado competente os</p><p>autos da erecção da de Alcobaça e a</p><p>V. Ex. o tosco, se bem coherente</p><p>mappa do seu terrapleno e</p><p>arruamentos, que a minha grosseira</p><p>curiosidade não soube melhor</p><p>debuchar”, 1774. Vide Catálogo de</p><p>Eduardo de Castro e Almeida, AHU,</p><p>Bahia, doc. 8578, 8.628.</p><p>91Isso não quer dizer que não hou-</p><p>vessem sinais de distinção entre</p><p>os moradores. Na vila de Santarém,</p><p>Comarca de Ilhéus, colocavam uma</p><p>cruz à porta da casa dos Oficiais.</p><p>Quanto menor a cruz, menor a pa-</p><p>tente. A maior era da residência da</p><p>Capitão-mór. BARROS, F. B. de. Ob.</p><p>cit., p. 338.</p><p>92ANNAES, v. 32, p. 376.</p><p>93REIS, Nestor Goulart. Notas sobre</p><p>o urbanismo no Brasil; primeira par-</p><p>te: período colonial. In: Cadernos de</p><p>Pesquisa do LAP, São Paulo, nº 8,</p><p>p. 52, jul.-ago. 1995.</p><p>94ANNAES, v. 32, p. 212-213.</p><p>95DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, 1768-1769,</p><p>AHU, cx. 42, doc. 7845, microfilme,</p><p>rolo 40, APEB.</p><p></p><p>por casas coletivas, ainda encontradas na maioria das aldeias jesuíticas, e edificar casas parapor casas coletivas, ainda encontradas na maioria das aldeias jesuíticas, e edificar casas para</p><p>abrigar uma única famíliaabrigar uma única família9494..</p><p>Nesse período, o Marquês de Lavradio, Governador e Capitão-General, notificava a metró-Nesse período, o Marquês de Lavradio, Governador e Capitão-General, notificava a metró-</p><p>pole de que na Bahia só havia um “oficial Enginheyro que não podia fazer todas as tarefas aopole de que na Bahia só havia um “oficial Enginheyro que não podia fazer todas as tarefas ao</p><p>mesmo tempo: ler na aula militar, examinar as fortificações e fazer os mais serviços”mesmo tempo: ler na aula militar, examinar as fortificações e fazer os mais serviços”9595. Isso. Isso</p><p>explica porque os Ouvidores Couceiro de Abreu e Machado Monteiro, casos raros entre asexplica porque os Ouvidores Couceiro de Abreu e Machado Monteiro, casos raros entre as</p><p>autoridades de sua posição na época, foram os autores dos riscos das plantas e promoveram oautoridades de sua posição na época, foram os autores dos riscos das plantas e promoveram o</p><p>povopovoamento das vilasamento das vilas em torno deem torno de Porto SeguroPorto Seguro, cabeça de, cabeça de sua Comarca.sua Comarca.</p><p>Nem todos os OuvidoresNem todos os Ouvidores tiveram a iniciativa deMachadoMonteirotiveram a iniciativa deMachadoMonteiro, mas as, mas as recomendaçõesrecomendações</p><p>da Carta, deda Carta, de 3 demarço de3 demarço de 1755, estavam no programa de todos os1755, estavam no programa de todos os administradores</p><p>do período.administradores do período.</p><p>TemTem-se o-se o exemplo de Tomé Couceiro de Abreu,exemplo de Tomé Couceiro de Abreu, que criouque criou as vilasas vilas de Belmontede Belmonte e Pradoe Prado e see se</p><p>refere aos planos que forneceu. Desta última foi Machado Monteiro, seu sucessor, que fez arefere aos planos que forneceu. Desta última foi Machado Monteiro, seu sucessor, que fez a</p><p>planta e promplanta e promoveu o povoamento. OOuvidor Feliciano RamosNobreMourãoveu o povoamento. OOuvidor Feliciano RamosNobreMourão, ao contrário, emo, ao contrário, em</p><p>correição de 1764, só visitou as povoações de Monforte, Soure, Salvaterra, Colares, Vila Novacorreição de 1764, só visitou as povoações de Monforte, Soure, Salvaterra, Colares, Vila Nova</p><p>Del ReyDel Rey, Sintra, Monçará, Sintra, Monçarás, Ourém e Bragança, na região amazônis, Ourém e Bragança, na região amazônica, entre janeiro e março, dandoca, entre janeiro e março, dando</p><p>apenas conta de casos relativos à justiça e, em especial, sobre a situação de cada vila e seusapenas conta de casos relativos à justiça e, em especial, sobre a situação de cada vila e seus</p><p>habitantes.habitantes.</p><p>Assim, dava notícias que as 53 moradas de casas de MonAssim, dava notícias que as 53 moradas de casas de Monçarás estavam cobertas de palha eçarás estavam cobertas de palha e</p><p>não se achavam “em boa ordem por estarem disformes as ruas”. Em Salvaterra acusava 42não se achavam “em boa ordem por estarem disformes as ruas”. Em Salvaterra acusava 42</p><p>moradas de casas que formavam uma praça “de que se compõem a dita villa sem mais ruas”,moradas de casas que formavam uma praça “de que se compõem a dita villa sem mais ruas”,</p><p>dizendo que “preciza mais que se façãdizendo que “preciza mais que se fação cazas de novo dosmoradores com seus quintaes cerco cazas de novo dosmoradores com seus quintaes cercadosados</p><p>para plantarem arpara plantarem arvores de frutas, e se utilizaremvores de frutas, e se utilizarem dellas as famílias” edellas as famílias” e reclamavreclamava ser convenientea ser conveniente</p><p>“que hum engenheyro delineace as ruas e formalidade das cazas para ser perfeito o prospecto“que hum engenheyro delineace as ruas e formalidade das cazas para ser perfeito o prospecto</p><p>publico e forpublico e formuzura da villa”.Mesmo Soure, considerada dasmelhores e bemmuzura da villa”.Mesmo Soure, considerada dasmelhores e bem situadas, dizia quesituadas, dizia que</p><p>tinha os mesmos problemas que as demais. Sobre todas elas deu notícias que os índios eramtinha os mesmos problemas que as demais. Sobre todas elas deu notícias que os índios eram</p><p>pobres e precisavam trabalhar para si, a fim depobres e precisavam trabalhar para si, a fim de poder construir suas casas e apontava a falta depoder construir suas casas e apontava a falta de</p><p>olarias em boa parte delasolarias em boa parte delas9696..</p><p>É preciso lembrar que todas as povoações, mesmo asÉ preciso lembrar que todas as povoações, mesmo as menores, estavam, desde 1756, contri-menores, estavam, desde 1756, contri-</p><p>buindo comos trêsbuindo comos três milhões de cruzados, o chamadoDonativoReal,milhões de cruzados, o chamadoDonativoReal, empregadona reconstruçãoempregadona reconstrução</p><p>de Lisboade Lisboa9797, adiando as providências para construção, adiando as providências para construção de seus próprios núcleos.de seus próprios núcleos.</p><p>Isso e as condições locais modificaramIsso e as condições locais modificaram planos e plantas. “Mas a respeito da factura dasplanos e plantas. “Mas a respeito da factura das</p><p>cazas”, dizia o Ouvidor Monteiro, em 1771, “ainda a metadecazas”, dizia o Ouvidor Monteiro, em 1771, “ainda a metade ou mais dosou mais dos seus moradoresseus moradores</p><p>vivem em cabanasvivem em cabanas, porque nem todos poderão pela sua pobreza entr, porque nem todos poderão pela sua pobreza entrar logo aar logo a trabatrabalhar nellaslhar nellas</p><p>e as que se tem feito e vão fazendo são das melhores do paiz peloe as que se tem feito e vão fazendo são das melhores do paiz pelo</p><p>uniforme da planta e riscouniforme da planta e risco que lhes dei”, referindo-se a Vila Viço-que lhes dei”, referindo-se a Vila Viço-</p><p>sasa9898. Antes de construir suas casas, da mesma for. Antes de construir suas casas, da mesma forma como notifi-ma como notifi-</p><p>cou o Ouvidor Nobre Mourão, em relação à Amazônia,cou o Ouvidor Nobre Mourão, em relação à Amazônia, os mora-os mora-</p><p>dores precisavam cuidar da lavoura para o alimento dedores precisavam cuidar da lavoura para o alimento de suas fa-suas fa-</p><p>mílias, ficando para depois, com os lucros dessa lavoura, a faturamílias, ficando para depois, com os lucros dessa lavoura, a fatura</p><p>das casas.das casas.</p><p>As descriAs descrições das vilções das vilas, feitas em 180as, feitas em 1803, mostr3, mostram que boa partam que boa partee</p><p>das casas ainda era de palha emuitos terredas casas ainda era de palha emuitos terrenos estavam devolutos.Masnos estavam devolutos.Mas</p><p>os traçadospermaneciam.Eéos traçadospermaneciam.Eé interessantenotarque,mesmoasaldei-interessantenotarque,mesmoasaldei-</p><p>as e lugares que foram instalados depois deas e lugares que foram instalados depois de 1750, embora não tives-1750, embora não tives-</p><p>9696CASTRO, Aluísio Fonseca de. Au-CASTRO, Aluísio Fonseca de. Au-</p><p>tos de devassa. In:tos de devassa. In: Anais do Ar-Anais do Ar-</p><p>quivo Público do Pará,quivo Público do Pará, Belém, v.Belém, v.</p><p>3, nº 11, p. 9-211, 1997. Os do-3, nº 11, p. 9-211, 1997. Os do-</p><p>cumentos publicados nessescumentos publicados nesses</p><p>Anais constituem Autos deAnais constituem Autos de</p><p>Correição e não de Devassa.Correição e não de Devassa.</p><p>9797DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-DOCUMENTOS AVULSOS DA CA-</p><p>PITANIA DA BAHIA, 1768-1769,PITANIA DA BAHIA, 1768-1769,</p><p>AHU, cx. 42, doc. 777-7813,AHU, cx. 42, doc. 777-7813,</p><p>Microfilme, rolo 40, APEB.Microfilme, rolo 40, APEB.</p><p>9898ANNAES, v. 32, p. 256.ANNAES, v. 32, p. 256.</p><p>8888</p><p>semo estatuto desemo estatuto de vila, seguiamomesmo traçado. Vvila, seguiamomesmo traçado. Veja-se a aldeia de SãoMigueleja-se a aldeia de SãoMiguel (1765) e o lug(1765) e o lugar dear de</p><p>Balsemão (1768), naAmazônia.Balsemão (1768), naAmazônia.</p><p>Quase no fim doQuase no fim do período estudadoperíodo estudado, os Ouvidores em, os Ouvidores em ato de correição, naturalistas ouato de correição, naturalistas ou</p><p>pessoas especialmente indicpessoas especialmente indicadas, davam notícias sobre a situação de cada lugar.adas, davam notícias sobre a situação de cada lugar. Esses relató-Esses relató-</p><p>rios permitem avaliar o programa pombalino, como aconteceu em Porto Seguro, com orios permitem avaliar o programa pombalino, como aconteceu em Porto Seguro, com o</p><p>Ouvidor José Xavier Machado MonteiroOuvidor José Xavier Machado Monteiro, entre os anos, entre os anos de 1772 e 1776. Depois dede 1772 e 1776. Depois de muitosmuitos</p><p>anos de peranos de permanência na região, apesar da idade avançada (63 anos), como dizia, Machadomanência na região, apesar da idade avançada (63 anos), como dizia, Machado</p><p>Monteiro continuavMonteiro continuava seu trabalho, mas queixando-se sempre da faltaa seu trabalho, mas queixando-se sempre da falta de bons oficiaisde bons oficiais mecâ-mecâ-</p><p>nicos e do pouco avanço nanicos e do pouco avanço na cobertura de telha das casas das diversas vilascobertura de telha das casas das diversas vilas por não contarpor não contar</p><p>com olarias e porcom olarias e por causa da pobreza doscausa da pobreza dos moradores. Apesar dissomoradores. Apesar disso, aumentou e, aumentou e melhorou asmelhorou as</p><p>vilavilas com constrs com construçõeuções novas e reedifs novas e reedificaçicações, aléões, além de executam de executar pontes e pontõer pontes e pontões, camins, caminhos ehos e</p><p>fontes, barcas para os grandes rios e canoas, e com isso notificava que “ja por terra se vadeiafontes, barcas para os grandes rios e canoas, e com isso notificava que “ja por terra se vadeia</p><p>toda a Capitania, quando anteriormente só setoda a Capitania, quando anteriormente só se podia fazer por mar”podia fazer por mar”9999..</p><p>Esse projeto fazia parte dos primeiros</p><p>passos queEsse projeto fazia parte dos primeiros passos que caracterizavamo liberalismo oitocentista ecaracterizavam o liberalismo oitocentista e</p><p>procurava fortificar o governo das câmaras e enfraquecer o poder eclesiástiprocurava fortificar o governo das câmaras e enfraquecer o poder eclesiástico,co, criando freguescriando freguesias,ias,</p><p>estabelecendo côngruas para osestabelecendo côngruas para os vigários, abrindo as companhias de comércio e abolindo a servvigários, abrindo as companhias de comércio e abolindo a servi-i-</p><p>dão dos índios. No fimdão dos índios. No fim da década de 70da década de 70 o projeto começava a encerrar-se devido, sobretudoo projeto começava a encerrar-se devido, sobretudo, às, às</p><p>dificuldades financeiras e políticas, mas muitas vilas tinham sido criadas e sobreviveram. Já sedificuldades financeiras e políticas, mas muitas vilas tinham sido criadas e sobreviveram. Já se</p><p>tinha implantado não só o projeto de repovoamento, mas também o de reurbanização que consa-tinha implantado não só o projeto de repovoamento, mas também o de reurbanização que consa-</p><p>grou o plano ortoggrou o plano ortogonal comomodelo.onal comomodelo.</p><p>Se, de umSe, de um ladolado, esse plano, esse plano teve influências de urbanistas europeus, de outro, foi frteve influências de urbanistas europeus, de outro, foi fr utouto</p><p>da assimilação das novas ideologias relativas às relações humanas, defendidas pelos france-da assimilação das novas ideologias relativas às relações humanas, defendidas pelos france-</p><p>ses e ases e absorvidas pelo iluminismo luso-espanhobsorvidas pelo iluminismo luso-espanhol. E, ainda,l. E, ainda, é resultado de umé resultado de um maior conhe-maior conhe-</p><p>cimento do direito dos indígenas, comcimento do direito dos indígenas, com base no direito natural dessabase no direito natural dessa raça, trabalhado porraça, trabalhado por</p><p>JuaJuan Soln Solórzórzano Peano Pereyreyra, Ora, Ouviuvidor ddor das Auas Audiêdiêncincias do Peas do Peru e leru e legisgisladlador do séor do séculculo XVIo XVII, quI, quee</p><p>atingiu a percepção lusa no século seguinte. Isso mostra que os portuguesatingiu a percepção lusa no século seguinte. Isso mostra que os portugueses não desconhe-es não desconhe-</p><p>ciam a política indigenistciam a política indigenista espanhola e, com isso, também, não desconheciam seu urbanis-a espanhola e, com isso, também, não desconheciam seu urbanis-</p><p>mo na América.mo na América.</p><p>AA urbaniurbanizaçãozação,, comcombasebase ememplanosplanosortogonaisortogonais,, tãotão comucomunsns nanaAméricAméricaa dede domíndomínioio espanhespanhol,ol,</p><p>já era encontrada no Brasil a partir de D. João V, mas com intensificação de uso, como regrajá era encontrada no Brasil a partir de D. João V, mas com intensificação de uso, como regra</p><p>preestabelecida, na segundametade do séculoXVIII.Opreestabelecida, na segundametade do séculoXVIII.O motivo principal estava fundado especi-motivo principal estava fundado especi-</p><p>almente na nova política portuguesa de voltar seus olhos para o Brasil, até então ocupados naalmente na nova política portuguesa de voltar seus olhos para o Brasil, até então ocupados na</p><p>Índia, e consequente prÍndia, e consequente promoção de seu repovoamento, reurbanização e defesa. Não sóMendonçaomoção de seu repovoamento, reurbanização e defesa. Não sóMendonça</p><p>Furtado, comoAlexandre deGusmão, um aoNorte e outro ao SulFurtado, comoAlexandre deGusmão, um aoNorte e outro ao Sul, viam no povoamento uma das, viam no povoamento uma das</p><p>grandes armasgrandes armas de defesa do território. Essa ideia estava no imaginá-de defesa do território. Essa ideia estava no imaginá-</p><p>rio de todos os governantes escolrio de todos os governantes escolhidos por Pombal nesse período.hidos por Pombal nesse período.</p><p>Portugal e EspanhaPortugal e Espanha100100 adotaram, no século XVIII, o conceitoadotaram, no século XVIII, o conceito</p><p>original de defender povoando (original de defender povoando (ut possedetis)ut possedetis), estabelecendo alterna-, estabelecendo alterna-</p><p>tivas para o desenvolvimento socioeconômitivas para o desenvolvimento socioeconômico americano. Pelo ladoco americano. Pelo lado</p><p>espanhol também se promoveu um plano de ocupação do solo,espanhol também se promoveu um plano de ocupação do solo,</p><p>tentando avançar as fronteiras com povoações de crioulos outentando avançar as fronteiras com povoações de crioulos ou es-es-</p><p>panhóis, especialmente galegos e canários. E a estrutura urbanapanhóis, especialmente galegos e canários. E a estrutura urbana</p><p>dos inúmeros povoados teve a praça quadrada como núcleo cen-dos inúmeros povoados teve a praça quadrada como núcleo cen-</p><p>tral e as rtral e as ruas regulares com lotes retangulares.uas regulares com lotes retangulares.</p><p>9999IDEM, p. 325, 372.IDEM, p. 325, 372.</p><p>100100GUTIERREZ, Ramón.GUTIERREZ, Ramón. ArquitecturaArquitectura</p><p>y urbanismo em Ibey urbanismo em Iberoamericaroamerica, 2ed., 2ed.</p><p>Espanha: Cátedra, 1992. p. 221.Espanha: Cátedra, 1992. p. 221.</p><p>101101 Santa Tecla, 1752, no Sul;Santa Tecla, 1752, no Sul;</p><p>Macapá, fortaleza de São José,Macapá, fortaleza de São José,</p><p>1764; Nossa Senhora dos Praze-1764; Nossa Senhora dos Praze-</p><p>res do Rio Iguatemi, 1774, forteres do Rio Iguatemi, 1774, forte</p><p>Coimbra, Rio Paraguai, 1775, forteCoimbra, Rio Paraguai, 1775, forte</p><p>do Príncipe da Beira, do riodo Príncipe da Beira, do rio</p><p>Guaporé, 1776.Guaporé, 1776.</p><p>8989</p><p>De maneira geral desfez-se a relação cidade-fortaleza, em especial em todo o circuito dasDe maneira geral desfez-se a relação cidade-fortaleza, em especial em todo o circuito das</p><p>aldeias transformadas em vilas. Essa relação peraldeias transformadas em vilas. Essa relação permaneceu nas fronteiras com as conquistas espa-maneceu nas fronteiras com as conquistas espa-</p><p>nholas ou lugares estratégicos na região amazônicanholas ou lugares estratégicos na região amazônica101101..</p><p>No caso da Bahia, por esse projeto, grande parte das vilas fundadas no litoral permitia aNo caso da Bahia, por esse projeto, grande parte das vilas fundadas no litoral permitia a</p><p>comunicação entre essa capitania e o Rio decomunicação entre essa capitania e o Rio de JaneiroJaneiro, além de ser, além de servir de defesa contra osvir de defesa contra os índiosíndios</p><p>bravios - aimorés, tamoios e pataxós -, que atacavam constantemente as povoações, partidos dobravios - aimorés, tamoios e pataxós -, que atacavam constantemente as povoações, partidos do</p><p>continente para o marcontinente para o mar102102. Ao mesmo tempo serviam de defesa do território contra os invasores. Ao mesmo tempo serviam de defesa do território contra os invasores</p><p>estrangeiestrangeiros, bem como eram postos avançados para as entradas do sertão, em busca deros, bem como eram postos avançados para as entradas do sertão, em busca de índiosíndios</p><p>para povoamento das fundações, de salitre e, em ultimo caso, do ouro.para povoamento das fundações, de salitre e, em ultimo caso, do ouro.</p><p>De qualquer forma, mostra-se que o que foi dito por Sergio Buarque de Holanda, eDe qualquer forma, mostra-se que o que foi dito por Sergio Buarque de Holanda, e</p><p>repetido por outros autoresrepetido por outros autores103103, não correspondia à verdade. Descobrir a, não correspondia à verdade. Descobrir a genealogia do dese-genealogia do dese-</p><p>nho dessas vilas demanda tempo, mas, a partir delas pode-se perfeitamente descobrir analo-nho dessas vilas demanda tempo, mas, a partir delas pode-se perfeitamente descobrir analo-</p><p>gias, partidas dos mesmos princípios que tinham como base a liberdade dos nativos, funda-gias, partidas dos mesmos princípios que tinham como base a liberdade dos nativos, funda-</p><p>mentados nos escrimentados nos escritos de Solórzano Pereyra e filósotos de Solórzano Pereyra e filósofos franceses, especialmfos franceses, especialmente J.ente J. JJ. Rousseau,. Rousseau,</p><p>que resultou na expulsão dos jesuítas, e outros religiosos, e a transformação das aldeiasque resultou na expulsão dos jesuítas, e outros religiosos, e a transformação das aldeias</p><p>missioneiras em vilas.missioneiras em vilas.</p><p>Não se pode</p><p>conhecer por completo as razões da criação desses núcleos urbanos, localiza-Não se pode conhecer por completo as razões da criação desses núcleos urbanos, localiza-</p><p>ção, tipologia, sem conhecer o seu ideário e tção, tipologia, sem conhecer o seu ideário e tipo de habitantes, pois podem explicar, inclusive, oipo de habitantes, pois podem explicar, inclusive, o</p><p>seu desenho. Solórzano mostrava a mentalidseu desenho. Solórzano mostrava a mentalidade e ideologia do seu tempo e que era, também, aade e ideologia do seu tempo e que era, também, a</p><p>dos portugueses. Era indiscutível, para Solórzano, e parados portugueses. Era indiscutível, para Solórzano, e para seus contemporâneos, a validade dasseus contemporâneos, a validade das</p><p>Sagradas Escrituras, projetada nomundo das ÍSagradas Escrituras, projetada nomundo das Índias Ocidentais, bem como os textos e livndias Ocidentais, bem como os textos e livros daros da</p><p>cultura jurídica. Era obra de Deus e prolongcultura jurídica. Era obra de Deus e prolongamento de um Reino cristão, no caso Castela, cujosamento de um Reino cristão, no caso Castela, cujos</p><p>fundamentos políticofundamentos políticos es e jurídicos se estendiam e aplicavam àjurídicos se estendiam e aplicavam à realidade descoberta daAmérica.realidade descoberta daAmérica.</p><p>Com esse conceito, dual e permanente, constituído por uma mesma teologia e uma mesmaCom esse conceito, dual e permanente, constituído por uma mesma teologia e uma mesma</p><p>cultura jurídica, se justificou ocultura jurídica, se justificou o descobrimentodescobrimento, a conquista para Castela, a conquista para Castela e seus Reis, de umase seus Reis, de umas</p><p>gentes e terras até então desconhecidas, e se assentaram as basesgentes e terras até então desconhecidas, e se assentaram as bases</p><p>para o governo de uma “república dos índios”, diferenciada, maspara o governo de uma “república dos índios”, diferenciada, mas</p><p>não independente dos cristãos que ali vnão independente dos cristãos que ali viviamiviam104104. Solórzano, a partir. Solórzano, a partir</p><p>de sua experiência vivida, propunha as adaptações cabíveis do di-de sua experiência vivida, propunha as adaptações cabíveis do di-</p><p>reito espanhol, do romano e do comum,reito espanhol, do romano e do comum, ou consuetudinárioou consuetudinário, aos, aos</p><p>índios, tendo em vista as inevitáveis desigualdades entre o velho eíndios, tendo em vista as inevitáveis desigualdades entre o velho e</p><p>o novoo novo, utilizando o causu, utilizando o causuísmo como método ou técnica.ísmo como método ou técnica.</p><p>Os encarregados da criação das vilas no Brasil estavam emOs encarregados da criação das vilas no Brasil estavam em</p><p>contato direto com a ideologia e as leis relativas a América espa-contato direto com a ideologia e as leis relativas a América espa-</p><p>nhola. Ocorrendo problemas quanto à posse da terra, ou direito denhola. Ocorrendo problemas quanto à posse da terra, ou direito de</p><p>prescriçãoprescrição, dos, dos índios da Vila deíndios da Vila de Abrantes, os membros do Tribu-Abrantes, os membros do Tribu-</p><p>nal de Ultramar, reunidos na Bahia, invonal de Ultramar, reunidos na Bahia, invocaram os “Doutores” e ascaram os “Doutores” e as</p><p>“encomiendas da América de Hespanha”, reputadas mais“encomiendas da América de Hespanha”, reputadas mais qualifi-qualifi-</p><p>cadas que as sesmarias da América portuguesa, por envolveremcadas que as sesmarias da América portuguesa, por envolverem</p><p>jurisdição territorial. Ou, ainda, diziam quejurisdição territorial. Ou, ainda, diziam que “todos os contractos“todos os contractos</p><p>feitos sem intervensão do ouvidor geral dos índios”feitos sem intervensão do ouvidor geral dos índios” deviam serdeviam ser</p><p>“nullos como referem os Authores que se“nullos como referem os Authores que se pratica na América depratica na América de</p><p>Hespanha”Hespanha”105105. Percebe-se, pois, que a base do ideário luso, nesse. Percebe-se, pois, que a base do ideário luso, nesse</p><p>projeto, era comum ao do mundo espanhol.projeto, era comum ao do mundo espanhol.</p><p>102102O plano era criar uma vila a cadaO plano era criar uma vila a cada</p><p>seis léguas, pelo litoral, para per-seis léguas, pelo litoral, para per-</p><p>mitir o trânsito entre as capitanias.mitir o trânsito entre as capitanias.</p><p>103103Por exemplo, SMITH, Robert. ThePor exemplo, SMITH, Robert. The</p><p>seventeenth and eighteenth-seventeenth and eighteenth-</p><p>century architecture of Brazil. In:century architecture of Brazil. In:</p><p>Actas do Colóquio Internacional deActas do Colóquio Internacional de</p><p>estudos Luso-Brasileirosestudos Luso-Brasileiros..</p><p>Nashville: Vanderbit UniversityNashville: Vanderbit University</p><p>Press, 1953. p. 109-110; IDEM.Press, 1953. p. 109-110; IDEM.</p><p>Arquitetura colonial.Arquitetura colonial. Salvador: Pro-Salvador: Pro-</p><p>gresso, 1955, p. 11; IDEM. Colo-gresso, 1955, p. 11; IDEM. Colo-</p><p>nial towns of spanish andnial towns of spanish and</p><p>portuguese América. In:portuguese América. In: JournalJournal</p><p>of the Society of Architecturalof the Society of Architectural</p><p>HistoriansHistorians, v. 14, nº 4, p. 1-12,, v. 14, nº 4, p. 1-12,</p><p>1956. Este autor considera a “de-1956. Este autor considera a “de-</p><p>sordem” dentro de modelos me-sordem” dentro de modelos me-</p><p>dievais.dievais.</p><p>104104 SOLÓRZANO PEREIRA, J. Ob.SOLÓRZANO PEREIRA, J. Ob.</p><p>Cit., t. 1, p. XXXVI, 164.Cit., t. 1, p. XXXVI, 164.</p><p>105105 IDEM, p. XLI.IDEM, p. XLI.</p><p>90</p><p>Todo oprocesso português baseava-se numa ideologia que o discurso do período deixa bas-</p><p>tante claro. Todas as referências são encontradas em Solórzano Pereyra, e que explica uma ligação</p><p>bastante aproximada com a América espanhola, que vai além da adoção de formas de desenho</p><p>urbano. Provavelmente a edição da “Política Indiana”, de Solórzano, que chegou aos portugueses,</p><p>foi a de 1736, acrescida de anotações de Ramirez de Valenzuela. O original é de 1629.</p><p>Faziam parte do seu ideário a brandura, no trato com os indígenas106. Criticava, sem piedade,</p><p>os excessos dos religiosos, a cobiça insaciável dos prelados, curas e religiosos regulares107. Tratou</p><p>da obrigação ao trabalho e abandono da ociosidade108, obrigação do uso da língua espanhola e</p><p>casamento combrancos109; educação e ensino dos filhos (dos caciques)110; liberdade e privilégios</p><p>dos índios111 e tratou dosmestiços112. Usou as definições de cidade deAristóteles e Cícero e, com</p><p>basenoConcílio Limense II, estabeleceuas diferenças entre aldeia,metrópole,município, “uebls”,</p><p>falando na redução dos índios a povoados copiosos e bem consertados, destacando as reduções,</p><p>povoações ou agregações, como mandava Sua Majestade Católica. Grande parte desse ideário</p><p>encontra-se no discurso do Diretório, dado aos índios do Grão-Pará e Maranhão e passado,</p><p>através de instruções, ao resto do Brasil por Sua Majestade Fidelíssima.</p><p>As grandes dimensões dos lotes, das praças, das zonas de lavoura tentaram reproduzir um</p><p>espaçomais largo para os indígenas, mas não foram suficientes. Os índios só obedeciam os limites</p><p>naturais. Amaioria foi atrás da liberdade. No ver de Spix e Martius, viajantes do oitocentos, a lei</p><p>que assegurava a liberdade dos índios, porém sob a guarda dos portugueses, foi desastrosa, pois</p><p>aqueles fugiam, sempre em maior número, para o interior das matas113. Mas uma das principais</p><p>causas explica-se devido às visões de mundo e culturas que diferiam radicalmente. Além disso,</p><p>deve-se contar com o terremoto de Lisboa, de 1755, que obrigou o Brasil remeter grandes quan-</p><p>tias para sua reconstrução, inclusive os pobres índios, segundo testemunho de MachadoMonteiro,</p><p>que argumentava que eles não podiam fazer suas casas nas novas vilas, pois tinham que</p><p>impreterivelmente contribuir com a referida construção.Além disso, faltavamão deobra qualifi-</p><p>cada, sem contar que a maioria dos índios, por vontade própria ou</p><p>incentivados por outros, fugia das vilas. Massarandupió e a Ilha de</p><p>Quiep foram refúgio dos índios deNovaAbrantes, quanto de todas</p><p>as aldeias que estavam em Porto Seguro e Ilhéus.</p><p>Emfunçãodesse edevários outros fatores, algunsdosquais foram</p><p>apontados, grande parte desses núcleos não se desenvolveu a contento e</p><p>foi</p><p>alvo de nova política de fixação de habitantes, promovida, entre</p><p>1794e1799quandoumnovoprojetode criaçãodevilas epovoamento</p><p>teve lugar.</p><p>106IDEM, t. I, livro II, cap. XXV, p.</p><p>528-543.</p><p>107IDEM, t. I, livro II, cap. XXVI, p.</p><p>544-557.</p><p>108IDEM, t. I, livro II. Cap. XXVII, p.</p><p>558-573.</p><p>109IDEM, t. l, Livro II, cap. I, p.</p><p>173-187 e cap. II, p. 188-194,</p><p>cap. XXIX, p. 594-606.</p><p>110 IDEM, t. l, Livro II, cap. XXX, p.</p><p>607-620.</p><p>111IDEM, t. l, Livro II, cap. XXIV, p.</p><p>511-527.</p><p>112SOLÓRZANO PEREIRA, J. Loc.</p><p>cit., t. 1, p. XXIV.</p><p>113VON SPIX, J.B. e VON MARTIUS,</p><p>C.F.P. Viagem pelo brasil. Tradu-</p><p>ção Lúcia Furquim Lahmeyes. Rio</p><p>de Janeiro: Imprensa Nacional,</p><p>1938. V. 1, p. 196.</p><p>91</p><p>A ARQUITETURA E ESFERA PÚBLICA.</p><p>O PALÁCIO ANCHIETA E O SÍTIO FUNDADOR DE VITÓRIA/ES1</p><p>Clara Luiza Miranda*</p><p>1. Introdução1. Introdução1. Introdução1. Introdução1. Introdução</p><p>Neste artigo, o conceito de esfera pública tem como base a concepção empregada no livro “A</p><p>CondiçãoHumana” deHannah Arendt2. Tendo como ponto de partida a Atenas clássica, esfera</p><p>pública é definida em antítese a esfera privada, que é a esfera da família (da oikos casa; nomia</p><p>regras), onde ocorre a produção e a reprodução. A ação, a liberdade, situam-se na esfera pública</p><p>para os gregos: “O ser político, o viver numa ‘polis’, significava que tudo era decidido mediante</p><p>palavras e persuasão, e não através de força ou violência.”</p><p>Entre os romanos, a urbe é o território de formação cívica – cidades e cidades-Estado – e se</p><p>distingueda civitas– reunião de famílias que compartilhamosmesmos deuses, amesma organiza-</p><p>ção social e as mesmas formas de produção.</p><p>Nocristianismo,o temoraosagradoseexpressa especialmentepela arquitetura, onde“umanítida</p><p>linhadivisória separaosdirigentes da Igreja dos fiéis”.Comoaumentoda influência da religião, opoder</p><p>requer um ambiente apropriado para demarcar hierarquia e reverência. Somente em alguns lugares,</p><p>construídos com arte, este sentido seria perceptível.Neles, o cristão resgata o valor da pedra3.</p><p>Se aplicar a este contexto os termos ação, labor e trabalho, que determinam a condição</p><p>humana segundo Hannah Arendt termos que definem a vida ativa em oposição à vida</p><p>contemplativa4 -, a ação, que é política por excelência, se restringe ao clero e aos senhores. Porém,</p><p>se naGrécia antiga a vida contemplativa se destina aos filósofos, no cristianismo ela é destinada a</p><p>todos, embora, talvez não se sejam comparáveis suas experiências</p><p>como “eterno”.</p><p>Neste contexto, não obstante os violentos contrastes entre o “mi-</p><p>nuto popolo” e o “popolo grasso” que residem nas cidades, é ativa a</p><p>contribuição de todos na sua construção. As cidades acumulam e se</p><p>convertem emobra (duração). “Sociedadesmuito opressivas foram</p><p>muito criadoras e muito ricas em obras”5. De acordo com Henri</p><p>Lefebvre, quando o produto (valor de troca) substitui a produção de</p><p>obras, nas relações sociais, a exploração substitui a opressão e a ca-</p><p>pacidade criadora desaparece6.</p><p>Como o objeto do ensaio consiste na abordagem do sítio de uma</p><p>edificação religiosa jesuítica, deve-se sublinhar que esta ordem religi-</p><p>osa está empenhada na prática de uma Igreja supranacional. En-</p><p>quanto o projeto colonial português no Brasil é alargar seu império e</p><p>a fé, esta possibilidade cristianizadora é permitida. Contudo, com o</p><p>tempo este projeto é implementado “nas folgas do sistema”.Enfim,</p><p>em duzentos anos, sucumbe devido à exploraçãomais sistemática da</p><p>colônia por parte dos portugueses.</p><p>* Professora Doutora do Centro de</p><p>Artes (Dau-Ppga-Ppgau) Ufes</p><p>1 Este texto faz parte da Pesquisa</p><p>Arquitetura e evolução urbana de</p><p>Vitória desde 1537, financiada pela</p><p>Facitec/PMV</p><p>2 ARENDT, Hannhah. A Condição Hu-</p><p>mana. Rio de Janeiro: Forense,</p><p>1994</p><p>3 SENNETT, Richard. Carne e Pedra.</p><p>Rio de Janeiro: Record, 2003.</p><p>4 ARENDT, Op. Cit. Ver cap. 1. O</p><p>labor é processo biológico; o tra-</p><p>balho é o resultado de um proces-</p><p>so cultural, sua lógica é a durabi-</p><p>lidade dos objetos. Vida</p><p>contemplativa denomina a expe-</p><p>riência com o eterno.</p><p>5 LEFEBRVE, Henri. O Direito à Ci-</p><p>dade. São Paulo: Centauro, 2001,</p><p>pp. 12-13.</p><p>6 Id. Ibid. p.14</p><p>92</p><p>Na fase açucareira (1570-1650), a capitania está inserida no sistema mercantilista. Grandes</p><p>proprietários, alguns cristãos-novos, dirigem seus negócios com “mão de ferro”7. São latifundiári-</p><p>os, que nem sempre residem na capitania, que têm interesses vinculados a grupos mercantis</p><p>europeus, dentre os quais estão os traficantes de escravos africanos, a força de trabalho.</p><p>Para a pequena população pobre, livre ou cativa, que vive entre o trabalho compulsório e a</p><p>Igreja, o processo de socialização é centrado na religião. Esta também é “a própria explicação</p><p>central da presença europeia” no local8.</p><p>Com as atividades religiosas de ensino, e a catequese nos aldeamentos, os jesuítas controlavam</p><p>o cotidiano de parte da população. Jesuítas e franciscanos incentivam a criação de confrarias para</p><p>combater as “murmurações” e a discórdia entre os moradores da vila. Estas se destinam aos</p><p>índios e aos negros para doutrinar a fé cristã. No século XVI, há cerca de dez confrarias e ordens</p><p>terceiras; no século seguinte elas são vinte9. Para asseverar o predomínio religioso no imaginário</p><p>popular local, observam-se marcas da devoção em todos os lugares, designando igrejas, cais,</p><p>fortes, largos10.</p><p>No sistema mercantilista, a exploração colonial concilia violência e escravidão. Este sistema</p><p>latifundiário pressupõe a vigência da “lei exemplar”, dizAlfredoBosi: lei, trabalho compulsório e</p><p>opressão são correlatos sob o escravismo colonial. A estrutura política “enfeixa” os interesses dos</p><p>proprietários rurais sob uma administração local exercida pelas câmaras dos “homens bons do</p><p>povo”. “Mas o seu raio de poder é curto”11. Alfredo Bosi adverte que “os historiadores têm</p><p>salientado a estreitamargemde ação das câmaras sob a onipresença</p><p>das Ordenações e Leis do Reino de Portugal”12. Pode-se verificar a</p><p>referida onipresença na capitania, sobretudomilitar, quando se pes-</p><p>quisa os manuscritos da capitania (entre 1585-1822)13.</p><p>No Brasil-Império, a capitania é mantida àmargem economica-</p><p>mente, assim como na época do ciclo do ouro. Contudo, na Repúbli-</p><p>ca, as elites da província fazem esforços de modernização infra-</p><p>estrutural e econômica. A vida pública se estabelece paulatinamente</p><p>na urbe laica. Neste período, a arquitetura ainda desempenha um</p><p>papel representacional fundamental, como superfície de contato dos</p><p>processos comunicacionais e base dos veículos de comunicação exis-</p><p>tentes.</p><p>No entanto, quando a vida pública poderia ter condições de se</p><p>estabelecer emVitória, face desdobramentos damodernidade, a “so-</p><p>ciedade local” é atingida pelos efeitos da restrição da esfera pública,</p><p>da introspecção privatista aomolde burguês. Emerge o predomínio</p><p>da administração burocrática, do empresariado, do trabalho anôni-</p><p>mo. Em vez da política e da ação, consolidam-se a dominação da</p><p>elite e os novos meios demanipulação da opinião pública14.</p><p>O status da arquitetura se consome pela propagação da esfera</p><p>pública através de novasmídias, especialmente as tecnologias da in-</p><p>formação e da comunicação. A arquitetura, que segundo Paul Virilio</p><p>se desenvolve com o avanço das cidades e a colonização de novas</p><p>terras, desde que esta conquista se conclui, introverte-se15. Esta sen-</p><p>tença de Virilio é antagônica com a deGiulio Carlo Argan, segundo</p><p>a qual entre arquitetura e cultura não há relação entre termos distin-</p><p>7VASCONCELLOS, José Gualberto</p><p>M. (org.). Vitória, trajetórias de</p><p>uma cidade. Vitória: FCCA; CDV,</p><p>1993, p. 28.</p><p>8 Id. Ibid.</p><p>9 ABREU, Carolina Frota de. o dese-</p><p>jo da Conquista. In.</p><p>VASCONCELLOS, João Gualberto</p><p>M. (org.). Vitória, trajetórias de</p><p>uma cidade. Vitória: FCCA; CDV,</p><p>1993, pp. 49-51.</p><p>10 Id. Ibid. p. 59.</p><p>11 BOSI, Alfredo. Dialética da Colo-</p><p>nização. São Paulo: Companhia</p><p>das Letras, 1992, pp. 19-20.</p><p>12 Id. Ibid. p. 20.</p><p>13 Documentos manuscritos avul-</p><p>sos da antiga Capitania do Espíri-</p><p>to Santo que estão sob a guarda</p><p>do Arquivo Histórico Ultramarino</p><p>em Lisboa, Portugal. Publicada sob</p><p>a coordenação acadêmica do prof.</p><p>João Eurípedes</p><p>para a conservaçãose um interessante problema de projeto e uma questão fulcral para a conservaçãose um interessante problema de projeto e uma questão fulcral para a conservaçãose um interessante problema de projeto e uma questão fulcral para a conservaçãose um interessante problema de projeto e uma questão fulcral para a conservação</p><p>Os problemas de planear ou projetar a cor em cidades e tecidos históricos (ou não) são dos</p><p>mais apaixonantes e complexos da urbanística contemporânea. Ava-</p><p>lie-se o desafio de uma ambição que pretende gerir uma miríade de</p><p>intervenções difusas, pontuais e não coincidentes no tempo, propos-</p><p>tas por um grande número de diferentes promotores (institucionais</p><p>ou privados), operando dentro de uma sociedade democrática, cada</p><p>vez mais multicultural e multi-étnica, perante naturais dificuldades</p><p>7 PILAR DE LUXÁN, M.; DORREGO,</p><p>F. Morteros antiguos y la</p><p>intervencion en el património. Em</p><p>Actas do Seminário Intervenção</p><p>no Património Práticas de Conser-</p><p>vação e Reabilitação. Porto: FEUP-</p><p>DGEMN, 2002.</p><p>14</p><p>na eficácia dos instrumentos de controle exercido por parte das tutelas e enormes pressões resul-</p><p>tantes do funcionamento das leis do mercado de uma economia aberta.</p><p>Num tempodito de pluralidades é quase inevitável a dificuldade de instaurar ou aceitar paradigmas</p><p>ordenadores. Isso conduz à procura demecanismos alternativos de legitimação projetual, que se vão</p><p>popularizandoemdiversos tipos: oprivilégiode argumentos artísticos (oprimadoda “arte” sobre a</p><p>construção, típico de um certo pós-moderno mais óbvio, popularesco e falho de argumentos); as</p><p>justificativas sociopolíticas (o – agora fora de moda? - apelo à democracia direta e à participação</p><p>popular, por exemplo); os argumentos contextuais (o Genius Locci comomotor doprojeto); as funda-</p><p>mentações tecnológicas (propondo o primado racionalista da construção sobre os argumentos artís-</p><p>ticos) etc. Compreende-se como, nesse atual e confuso quadro, a ecologia e a história adquiriram</p><p>hoje – pela sua óbvia premência -, pouco a pouco, uma nova legitimidade, enquanto argumentos e</p><p>primordiais justificativas de sustentação, ou da defesa, das decisões de projeto.</p><p>Compreende-se também a pobreza argumentativa de quem hoje continua a propor uma</p><p>pretensa liberdade criativa do projeto – que na verdade sempre foi limitada - e de “autores-heróis-</p><p>contra-tudo-e-contra-todos”, reduzindo o problema das escolhas a um pretenso combate, ou</p><p>antagonismo, entre a pusilânime necessidade da afirmação artística e idiossincrática do «eu-autor»</p><p>contra a regra, a ordem colectiva e as suas normas, como as que se fundam na disciplina da</p><p>cidade e na incorporação da sua cultura histórica, imediatamente tomadas como “castradoras”.</p><p>Dito de forma mais simples, percebem-se os fundamentos ideológicos de quemdiz do património</p><p>arquitetônico ser um arqui-inimigo impeditivo da “nova arquitetura” e que grita aos sete ventos:</p><p>faça-se patrimônio de hoje!</p><p>Ao ódio aos pretensos cerceamentos da criatividade criados pela salvaguarda quando esta é</p><p>norma pode sempre contrapor-se a não menor violência da casualidade nas decisões sobre</p><p>conservação e, claro, sobre a cor.</p><p>A nova cultura industrial, depois do tempo de opressivas culturas de massas, evoluiu para um</p><p>consumismo individualista permitido pela evolução da tecnologia e das lógicas comerciais, procurando</p><p>uma pretensa e ampla liberdade nas expressão das diferenças (a base dos relógios Swatch, símbolo</p><p>desta nova fase da cultura industrial e do seu design, é absolutamente igual,mas cada relógio parece</p><p>diferente e como tal parece possibilitar a individualidade ).As novas tintas industriais e asmáquinas</p><p>mágicas que as misturam (já ditos, na gíria, os “colormixes”), se por um lado parecem garantir o</p><p>nosso individualismoeauniversalizaçãodadiferença, acabamtambémporcontribuirparaaconstrução</p><p>deumanova realidade substancialmente artificial que afasta a cultura e a imagemdacidadehistórica</p><p>da cultura material do seu próprio território, na qual antes se fundava.</p><p>Édentrodesse processoqueasnossas cidadeshistóricasperdemhoje, demasiado rapidamente,</p><p>o seu Colore Loci 8, quer dizer, a antiga e intima relação existente entre a imagem e a cor da cidade e</p><p>as possibilidades concretas do seu próprio território (materiais, pigmentos, terras, areias, cais etc.).</p><p>Tornou-se também já tradicional o argumento de que a cor na cidade histórica é rapidamente</p><p>perecível e, portanto, não permanente, arbitrariedade que justificaria novas liberdades (ou novas</p><p>arbitrariedades). Este argumento é falso e todas as pesquisas desenvolvidas com algum rigor</p><p>científico provamque, apesar dasmudanças nos tempo enosmodos,</p><p>existia, sendo possível lê-la e restituí-la, uma cultura local da cor e</p><p>dos materiais que dão cor, numa sistemática local, numa linguagem</p><p>específica que tem uma gramática e os correspondentes dicionários</p><p>8 RAIMONDO, C. I piani del colore,</p><p>Manuale per la regolamentazione</p><p>cromatica ambientale. Rimini:</p><p>Maggioli Editore, 1987.</p><p>15</p><p>expressivos, tal e qual como na arquitetura da cidade existem e podem ser lidas (através da análise</p><p>morfo-tipológica) a inteligência condensada que no tempo liga (ou separou em ruptura) as</p><p>permanências essenciais.</p><p>Na verdade os autismos ou as decisões de renovação de pinturas e revestimentos que resultam</p><p>em poluição cromática duram dezenas de anos até serem resolvidos, implicando na maior parte</p><p>das vezes a perda definitiva de superfícies com interesse histórico. E quanto às questões da</p><p>liberdade, será que podemos considerar como mais livre, enquanto exercício de cultura ou de</p><p>cidadania, a escolha de alguém que se orienta por um catálogo comercial de um fabricante de</p><p>tintas com 20 ou 30 cores base (ou 200 ou 300), feitas com os pigmentos orgânicos dos mais</p><p>baratos - hoje vindos daAlemanha, amanhã, comsignificativamudança de tonalidades, provenientes</p><p>da China? Será essa escolhamais livre e coerente do que as escolhas de alguém que se oriente por</p><p>catálogos e combinatórias de cores (atlas cromáticos) estabelecidos em função de referências</p><p>locais ou regionais precisas, técnica e culturalmente fundados na especificidade daquele lugar e</p><p>incorporando uma representatividade histórica?</p><p>A construção gradual de um lugar da cor nas teorias de projeto para a cidade e arquiteturas</p><p>históricas foi lenta e marcada por duas vias significativas, uma de caráter mais metodológico e</p><p>culturalista, a outra preocupando-se sobretudo com a praxis e as implicações da disciplina do</p><p>restauro.</p><p>Foi sobretudo a partir da pós-modernidade dos anos 1980 que começaram a divulgar novas</p><p>abordagens ao problema de projetar a cor mais vinculadas aos valores do contexto e do habitat</p><p>humano.Afirma-se então uma pioneira geração de coloristas, entre os quais destacaria Jean-Philippe</p><p>Lenclos eAntalNemecsis9 e 10.Os métodospropostos, no entanto, sustentam-se emgrandemedida</p><p>no empirismo, baseando-se em análises e registros eminentemente impressivos, longe ainda das</p><p>necessidades de maior rigor no registro, na catalogação e na comunicação entre projeto e obra,</p><p>imprescindíveis às intervenções empatrimônio histórico.</p><p>Porter eMikellides, década emeia antes, iniciaram a sustentação</p><p>do projeto de cor como uma disciplina integrante em parte inteira do</p><p>projeto arquitetônico e doplaneamento urbano, domínio que se alargou</p><p>à arquitetura da paisagem e do território, numa amplitude à qual</p><p>Michael Lencaster daria a feliz designação de Colourscape11.</p><p>Um pouco em contracorrente a essas iniciativas centradas no</p><p>problema dométodo emprojeto, iniciaram-se na Itália e naÁustria,</p><p>isto em meados da década de 1970, abordagens fundamentadas</p><p>numa estreita articulação entre ciência, filosofia e arte, suportadas</p><p>por uma nova historiografia da arte que pela primeira vez se</p><p>preocupa com - ou que finalmente começa a conseguir ver e dar a</p><p>ver - o estudo das diversas modalidades artísticas e das expressões</p><p>das superfícies arquitetônicas exteriores, resolvidas com</p><p>revestimentos minerais (pinturas murais, stuccos ou rebocos</p><p>ornamentais, esgrafitos etc.).</p><p>Esta evolução acontece no quadro da incorporação das</p><p>Franklin Leal. Ver</p><p>site do Arquivo Público do Espírito</p><p>Santo.</p><p>14 ARENDT. Op. Cit. pp. 68-88</p><p>15 VIRILIO, Paul. Espaço Crítico. São</p><p>Paulo: Ed. 34, 1934.</p><p>93</p><p>tos, devido ao funcionamento da arquitetura dentro da entidade social e política que é a cidade, na</p><p>qual é significativa por ser forma representativa16. Este papel (funcionamento) que foi prerroga-</p><p>tiva da arquitetura é o que vai ser abordado a seguir.</p><p>2. No tempo dos jesuítas2. No tempo dos jesuítas2. No tempo dos jesuítas2. No tempo dos jesuítas2. No tempo dos jesuítas</p><p>“Essa terra é nossa empresa, e o mais gentio do mundo”.</p><p>Pe. Manuel da Nóbrega</p><p>O edifício do Colégio e Igreja de São Tiago construído pelos jesuítas constitui o lugar como</p><p>espaço fundador de Vitória, é uma obra feita para a perenidade. O “primeiro símbolo civilizador”</p><p>da vila demarca a paisagem, tornando-se a essência visível, visio dei.</p><p>Para Ignácio de Loyola, fundador da ordem dos jesuítas, a ascese, o esforço dos cristãos para</p><p>alcançarem a perfeição, tem como instrumentos a imaginação e os sentidos do corpo, desde que</p><p>regulados pelo aprendizado e pela disciplina. A salvação seria obtida através do esforço e da força</p><p>de vontade, não por meio de uma dádiva sobrenatural17.</p><p>A finalidade do homem era servir a Deus, salvando a sua alma. Os passos para atingir esses</p><p>fins relacionam-se ao “conhecimento do pecado”, a evangelização e omissionarismo. Isso estabe-</p><p>lece, no quadro da ética dos jesuítas, o domínio dos valores sensíveis e voluntários, reunindo a</p><p>prática religiosa e a obrigação de “viver no mundo”18. A vida reclusa entremeia-se com a vida</p><p>extra-muros.</p><p>A evangelização para os jesuítas é um imperativo. Então, partempara o novomundo, conju-</p><p>gando colonização religiosa e comercial, interesses religiosos e seculares, servindo também aos</p><p>reis à suamaneira. Os sentidos do corpo são convocados para a prática ascética. Demodo que o</p><p>corpo e o espaço circundante relacionam-se:</p><p>“a composição do lugar (...), consistirá em representar, com auxílio da</p><p>imaginação, o lugarmaterial onde se encontra o objeto que quero contemplar,</p><p>lugar material digo, como templo ou o monte onde se encontram Jesus</p><p>Cristo eNossa Senhora conformeomistério que escolhi para contemplação”19</p><p>Como“omundo é produto do seu desígnio”, o espaço é concebido e construído submetido ao</p><p>“projeto demundo” dos jesuítas, com aspecto cenográfico e estratégico desde “a escolha do sítio</p><p>adequado, a importância do pátio, o esmero decorativo do interior de sua igrejas, a valorização</p><p>dos objetos rituais”20.</p><p>A localização dos núcleos religiososdos jesuítas é decidida cuida-</p><p>dosamente. Um dos objetivos é atender o tráfego marítimo e fluvial</p><p>para o transporte de mercadorias entre as suas reduções: aldeias, ca-</p><p>sas, colégios e fazendas. Portanto, as edificações deveriam situar-se na</p><p>proximidade de leitos de rios ou de portos marítimos; em elevações</p><p>que permitissem ao mesmo tempo a defesa e a percepção de sua</p><p>posição. Implicava situar “de longe a Igreja e o colégio como agentes</p><p>donúcleourbano”21.</p><p>3. Colégio e Igreja de São Tiago3. Colégio e Igreja de São Tiago3. Colégio e Igreja de São Tiago3. Colégio e Igreja de São Tiago3. Colégio e Igreja de São Tiago</p><p>A localização da Igreja e Colégio de Vitória segue a risca essas</p><p>determinações. Localizado numpenhasco a sudoeste da ilha deVitó-</p><p>16 ARGAN, Giulio Carlo. História da</p><p>Arte como História da Cidade. São</p><p>Paulo: Martins Fontes, 1992.</p><p>17 OLIVEIRA, Beatriz S. Espaço e</p><p>Estratégia. Considerações sobre</p><p>a arquitetura dos Jesuítas no Bra-</p><p>sil. Rio de Janeiro: José Olympio</p><p>ed. 1988, p 44.</p><p>18 SEBE, José C. Os Jesuítas. São</p><p>Paulo: Brasiliense. 1982, p 34.</p><p>19 Ignácio de Loyola Apud. OLIVEI-</p><p>RA. Op. Cit. p. 47.</p><p>20 OLIVEIRA. op. cit. p. 47-8.</p><p>21 Idem. Ibidem. 34-8.</p><p>94</p><p>ria de frente para baía, estrategicamente posicionado em relação aos rios Marinho e SantaMaria,</p><p>canais de navegação para as entradas, aldeias e fazendas do sul e oeste da capitania.</p><p>Escolhido pelo Pe. Afonso Brás, o sítio físico foi considerado um lugar muito bem dotado,</p><p>pois constitui uma ponta demorro com vista para o mar, com espaço plano a frente, dominando</p><p>três quartas partes da região.Na parte plana e baixa posterior (oeste) os padres fizeram um pomar</p><p>(cerca), umportoparticular e umfortim.Aproximidade como portoproporcionavao entrosamento</p><p>com a vida social e um controle estrito da vida urbana.</p><p>O terreno abre-se a para leste, numa praça denominada terreiro, é um lugar que proporciona</p><p>a livre movimentação do povo do lugar. Não se prevê a urbanização ordenada do entorno. Esta</p><p>não era da alçada das ordens religiosas, além disso, terrenos importantes da vila são repartidos</p><p>entre diversas congregações religiosas22, entre estas: franciscanos, carmelitas.</p><p>O terreiro dos jesuítas dá lugar aos acontecimentos e festejos sociais, políticos e religiosos, que</p><p>exigiam espaço em seu entorno: procissões e encenações. O terreiro de Vitória, em seguida deno-</p><p>minado LargoAfonso Brás, é um importante local de encontro dosmoradores naquele período.</p><p>Ele possibilita a visão frontal da Igreja anexa ao colégio, quando esta é concluída. A unidade</p><p>isolada do edifício destaca-se no tecido urbano por sua regularidade e sua escala distinta da</p><p>vizinhança.</p><p>O assentamento urbano configura um tipo de ocupação tipicamente portuguesa, com seus</p><p>quarteirões em mosaico irregular. As ruas, estreitas e irregulares, se adaptavam à topografia aci-</p><p>dentada e tendem a se organizar a partir de ligações entre os pontosmais importantes, tais como:</p><p>o colégio e a Matriz, a Casa de Câmara e Cadeia.</p><p>A incorporação da vida pública no espaço dos jesuítas se iniciava pelo exterior do Colégio,</p><p>constituindo parte fundamental da esfera pública da vila, que se forja topologicamente em rela-</p><p>ções entre a parte baixa e alta da cidade. Pode-se presumir que a praça da parte alta é uma praça</p><p>para vida civil e religiosa enquanto a frente ao Porto dos Padres da parte baixa algo próximo a um</p><p>mercado.</p><p>22 COSTA, Lúcio. A Arquitetura dos Je-</p><p>suítas no Brasil. Rio de Janeiro. Re-Re-Re-Re-Re-</p><p>vista do Patrimônio Históri-vista do Patrimônio Históri-vista do Patrimônio Históri-vista do Patrimônio Históri-vista do Patrimônio Históri-</p><p>co Artístico Nacionalco Artístico Nacionalco Artístico Nacionalco Artístico Nacionalco Artístico Nacional . n. 26.</p><p>1997. pp.105-169. p. 107</p><p>Figura 1- Carta topográfica da barra e do Rio do Espírito Santo. 1767. Levantamento</p><p>de José Antônio Caldas, Engenheiro Militar e lente da Aula Régia da Bahia. 1- Vila de</p><p>Vitória; 2- Vila Velha (Espírito Santo). 3- Convento da Penha. Fonte: Recorte de mapa</p><p>do Arquivo Militar do Exército. Rio de Janeiro.</p><p>95</p><p>Figura 2- Prospecto da Vila Vitória em 1805. L- Cais das Colunas em frente à ladeira de</p><p>Padre Inácio e do Colégio e Igre ja São Tiago. I – Porto dos Padres. Original do</p><p>Engenheiro Militar José Pantaleão. Fonte: 5 DL Exército/ RJ</p><p>Figura 3. Legenda que consta na Planta da Vila de Vitória de 1764 do Engenheiro Militar José Antônio Caldas. Praças / 1 -</p><p>Da Matriz/ 2 - Da Misericórdia (antigo Largo Afonso Brás), denominado Terreiro pelos Jesuítas / 3 – Grande / 4 - Do</p><p>Mercado / 5 - Da Igrejinha / 6 - Do Carmo / 7 – Velha (antigo Pe lourinho)/ Igrejas / A - N. S. da Vitoria (Matriz) / B –</p><p>Misericórdia / C - S. Tiago (Colégio dos Jesuítas) / D - S. Gonçalo Garcia / E - S. Antonio Convento dos Franciscanos / F</p><p>- Ordem 3.ª de S. Francisco / G - N. S. do Carmo (Convento do Carmo) / H - Ordem 3.ª de N. S. do Carmo / I - S. Luzia</p><p>/ J - N. S. da Conceição (Igrejinha) / K - N. S. do Rosário / Edifícios Públicos / a – Palácio da Presidência e Tesouro / b</p><p>- Câmara Municipal / c - Cadeia / População / 6:000 almas. Fonte: Recorte de mapa do Itamaraty/RJ</p><p>96</p><p>O destaque do edifício em relação ao seu entorno também se dá pela busca de regularidade</p><p>geométrica e unidade do corpo do edifício, não obstante o programa de usos diversos que em síntese</p><p>comportam: o culto – igreja com coro e sacristia; o trabalho – oficinas e salas de aula; a residência</p><p>com seus cubículos e a enfermaria23. Cada um desses usos ocupa um quarto de uma</p><p>tipologia</p><p>denominada quadra, que é um “agregado das diversas dependências à volta de um pátio central”24.</p><p>Segundo depoimento de Brás Lourenço, que esteve em Vitória de 1559 a 1564, o templo e</p><p>a casa dos meninos inicial foi incendiado em 1562, e a igreja existente era “pobre, a qual nem</p><p>ornamentos nem retábulos, nem galetas tinha”. Em 1573, o templo é reconstruído e ampliado,</p><p>constando que apresenta nessa época: “mais de cem palmos de comprido, fora a capela, e</p><p>quarenta e cinco de largo, passando a ser de pedra e cal ali levados por toda gente principal,</p><p>que, com suas próprias mãos, ajudou a trazer pedras grandes para os alicerces” 25. No conjunto</p><p>construído de Vitória, constam duas torres, o que é incomum nas tipologias dos jesuítas no</p><p>Brasil26. Estas pontuam a paisagem, como índice da presença dos jesuítas.</p><p>No edifício construído, separa-se topologicamente a intimidade domonastério dos serviços</p><p>públicos. A residência, com sua circulação, ocupa o pavimento supe-</p><p>rior e as oficinas e a enfermaria situam-se nos pavimentos inferiores.</p><p>Com esse procedimento respeitam-se aspectos de hierarquia e de</p><p>posição na ética Jesuítica.</p><p>“O inferior se submete ao superior, em virtude de uma</p><p>certa harmonia e uma certa ordem. Só assim poderá ficar asse-</p><p>gurada a subordinação atual, e consequentemente também a</p><p>unidade e o amor, sem os quais em nossa sociedade, como</p><p>em outras corporações morais, torna-se impossível uma ad-</p><p>ministraçãoorganizada”27.</p><p>A quadra, abrigando essas dependências variadas, volta-se para</p><p>um pátio central, que constitui um “centro nervoso de trabalhos e</p><p>23 COSTA. Op. Cit.</p><p>24CARVALHO, José Antônio. A Ar-</p><p>quitetura dos Jesuítas no Espírito</p><p>Santo: O Colégio e as Residênci-</p><p>as. Belo Horizonte. BarrocoBarrocoBarrocoBarrocoBarroco. n.</p><p>12. pp. 127-40. 1983, p. 128</p><p>25ELTON. Elmo. VVVVVelhoselhoselhoselhoselhos TTTTTemplosemplosemplosemplosemplos</p><p>dedededede VVVVVitória & Outri tória & Outri tória & Outri tória & Outri tória & Outrososososos TTTTTemasemasemasemasemas</p><p>CapixabasCapixabasCapixabasCapixabasCapixabas. Vitória: Conselho Es-</p><p>tadual de Cultura,1987.</p><p>26Id. Ibid. p. 135</p><p>27Ignácio de Loyola Apud. OLIVEI-</p><p>RA. Op. Cit.</p><p>Figura 4. Antigo Terreiro, depois Largo da Misericórdia, renomeado Praça João</p><p>Clímaco, em 1906. Fonte: ELTON, E. LoLoLoLoLogggggrrrrradouradouradouradouradourososososos AntigAntigAntigAntigAntigos deos deos deos deos de VVVVVitóriaitóriaitóriaitóriaitória,</p><p>1988. Desenho de André Carloni.</p><p>97</p><p>atividades”28. O edifício tinha um aspecto fechado para o exterior, inclusive pela solidez de sua</p><p>aparência.Dessemodo cumpre o papel de uma fortaleza, resguardando os religiosos e a população</p><p>em caso de ataques. O pátio se fecha ao término das tarefas cotidianas. Também a Igreja é</p><p>rigorosamente controlada pelos padres, aberta apenas para o culto29. Essas práticas permitem a</p><p>clausura para exercer a oração metódica e o controle do espaço como todo.</p><p>A construção do Colégio e da Igreja prolonga-se por três séculos. Desde a fundação, os</p><p>alicerces são “lançados para resistir aos séculos, porque se destinavam ao perpétuo pastoreio das</p><p>almas”30. Os jesuítas vencem as “dificuldades do ambiente selvagem”, conjugando trabalho de</p><p>penitentes, catecúmenos e nativos convertidos31 para construir o edifício de pedra, cal, óleo de</p><p>baleia, madeira para forros, escadas e pisos. O conjunto do Colégio e Igreja é erigido em etapas.</p><p>Isso permite o uso da ala concluída enquanto se constrói outra ala, não impedindo o desenvolvi-</p><p>mento dos trabalhos dos padres.</p><p>Em 1584, o edifício tem sete cubículos. Na cerca observam-se laranjeiras, limeiras, acajás e</p><p>cidreiras32. Sobre os mesmos alicerces, no século XVIII, as obras prosseguem, constrói-se um</p><p>novo quarto da quadra, uma nova ala e seu corredor, em 1734, a enfermaria em 1742, a ala</p><p>contígua à Igreja em 1742.</p><p>Nãosepodeafirmarqual a épocaexatadaelevaçãoda Igreja. Amaioriadoshistoriadores assevera</p><p>que todo o conjunto da quadra está concluído em 1747. José Antônio Carvalho observa que:</p><p>“Vemos assim, que após ter ficado durante mais de 120 anos apenas</p><p>com a fachada, oColégio em40 anos foi concluído nas outras duas alas que</p><p>faltavampara a quadra e uma terceira, unida à igreja. E, após haver termina-</p><p>do a obra, a mais notável que o Espírito Santo teve até princípios deste</p><p>século, os Jesuítas só aproveitaram dela pouco mais de 12 anos.”</p><p>A unidade das partes funcionais, obtida pela quadra, inclui o tratamentoplástico do conjunto,</p><p>composição de aspecto maciço, regular, eminentemente prático. Este formalismo projeta-se para</p><p>o mundo sensível, direcionando as percepções e as ações humanas. O espaço, ordenado e</p><p>essencialista, configura-se num suporte para ações disciplinadas, vigilantes e laboriosas dos ho-</p><p>mens. Num paralelo, com a ascese e a obtenção da graça da salvação que exige rigor, vontade e</p><p>trabalho.</p><p>28CARVALHO, J. A. Op. Cit. p. 128-</p><p>29</p><p>29OLIVEIRA. Op. Cit. p. 66</p><p>30DERENZI, Luis Serafim. Histó-Histó-Histó-Histó-Histó-</p><p>ria do Palácio Anchieta.r ia do Palácio Anchieta.r ia do Palácio Anchieta.r ia do Palácio Anchieta.r ia do Palácio Anchieta. Vi-</p><p>tória: Secretaria de Educação e</p><p>Cultura - ES. 1971, p. 22-3</p><p>31Id. Ibid.</p><p>32CARVALHO. Op. Cit. p. 131</p><p>Figura 5. Palácio do Governo, a construção da escadaria é posterior a expulsão dos</p><p>jesuítas, foto de 1909. Fonte MONTEIRO, J. MensaMensaMensaMensaMensagggggem do Goem do Goem do Goem do Goem do Govvvvverererererno deno deno deno deno de</p><p>Jerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo Monteiro. 1908-12.</p><p></p><p>Os jesuítas acreditam que cada coisa no mundo deve se enquadrar ao lugar que lhe cabe33. A</p><p>clareza da morfologia do conjunto, o pragmatismo e a implantação são aspectos que conferem</p><p>com o programa de ação no mundo dos jesuítas. Os atributos de simplicidade, clareza, pureza</p><p>regularidade, solidez e unidade são imediatamente percebidos. O simbolismo requerido de hierar-</p><p>quia pela situação e posição no contexto da paisagem decorre dessa percepção imediata.</p><p>Representar é o papel dessa arquitetura, “estar em lugar de um outro”34. Enquanto ideia que</p><p>representa, o edifício constitui um signo, um argumento35, umamanifestação doVisio dei e doAd</p><p>Majorem Dei Gloriam pela convencionalidade da sua composição, que se situa na ética geral dos</p><p>jesuítas. Constituem um “estilo”, caracterizado pelo seu modo próprio de proceder desde a cons-</p><p>trução aomodo de habitá-la.</p><p>Os jesuítas configuram um estilo para se distinguirem da diversidade de temperamentos e</p><p>ocupações, constituindo um mens emodus societatis36. A ética legisladora dos jesuítas está difusa na</p><p>sua organização formal arquitetônica, que se torna uma forma re-</p><p>presentativa: “É preciso uma representação domundo em que haja</p><p>vazio, a fim de que o mundo tenha necessidade de Deus”37.</p><p>Na ética dos Jesuítas, o vazio relaciona-se à missão do homem</p><p>no uso de sua capacidade criativa: “eliminar tudo o que anula ou</p><p>impede o desenvolvimento da harmonia” e da solidariedade38. A</p><p>unidade do conjunto edificado proporciona “ver a realidade com</p><p>um olhar divino (visio dei) através “do sentido íntimo de cada coisa</p><p>captandoe atendendo-se ao essencial”39.</p><p>Para os jesuítas, a ordem e a formalidade constituem-se formas</p><p>representativas de sua vontade construtiva do mundo. “Criar, mo-</p><p>ver, transformar situações e ambiente, levando-os em direção a</p><p>Deus”40. Contudo, a intencionalidade e o espírito sãomais importan-</p><p>tes, submetem-se aos problemas de adaptação ou escassez domeio</p><p>ambiente original.</p><p>Os aspectos imediatamente percebidos da solidez e da regulari-</p><p>dade são pertinentes ao programa de ação dos jesuítas, porém ce-</p><p>dem (emparte) na decoração interna e nos detalhes à “expansividade</p><p>dobarroco”,deixando-se contaminar, emcertamedida,pela “volúpia</p><p>da imagem”41, quando celebravam a “maior glória de Deus”,42 A</p><p>Igreja de SãoTiago, no seu longo período de construção, exemplifica</p><p>rupturas como modelo essencialista original.</p><p>Pode-se dizer que existe um estilo jesuítico no Brasil, que mani-</p><p>festa um espírito ascético e severo43. E o Colégio e a Igreja de São</p><p>Tiago, com suas</p><p>singularidades44, satisfaz a este estilo, conotando sua</p><p>posição hierárquica social, política e religiosa mediante a ordem</p><p>edificada e a harmonia do conjunto. Aspectos dos quais é símbolo,</p><p>porque nos faz associar a forma significante aos efeitos representa-</p><p>tivosdesejados.</p><p>4. No tempo da cidade-capital4. No tempo da cidade-capital4. No tempo da cidade-capital4. No tempo da cidade-capital4. No tempo da cidade-capital</p><p>“As cidades latino-americanas renunciaram a simesmas para</p><p>identificarem-se com ametrópole européia”, Roberto Segre</p><p>33OLIVEIRA. Op. Cit. p. 61</p><p>34PEIRCE, Charles S. Os Pensa-Os Pensa-Os Pensa-Os Pensa-Os Pensa-</p><p>doresdoresdoresdoresdores. São Paulo: Abril Cultural.</p><p>2ª ed. 1980. p. 61</p><p>35A relação do signo com seu</p><p>interpretante, se dá em 3 aspec-</p><p>tos: o signo aparece em suas qua-</p><p>lidades; o signo representa a exis-</p><p>tência real do objeto e como argu-</p><p>mento, o signo representa seu</p><p>objeto em caráter de signo.</p><p>PEIRCE. Charles S. SemióticaSemióticaSemióticaSemióticaSemiótica.</p><p>São Paulo: Perspectiva, p. 53.</p><p>36OLIVEIRA, B. Op. Cit. p. 57</p><p>37WEIL, Simone. A Gravidade eA Gravidade eA Gravidade eA Gravidade eA Gravidade e</p><p>a Gra Gra Gra Gra Graçaaçaaçaaçaaça. São Paulo: Martins Fon-</p><p>tes, 1993, p. 12</p><p>38FERNANDES, J. O homem no pen-</p><p>samento jesuítico. In PEREIRA.</p><p>Margareth C. S. & CARVALHO. Ana</p><p>Maria F. A fA fA fA fA forororororma e a Imama e a Imama e a Imama e a Imama e a Imagggggem.em.em.em.em.</p><p>Arte e Arquitetura Jesuít icaArte e Arquitetura Jesuít icaArte e Arquitetura Jesuít icaArte e Arquitetura Jesuít icaArte e Arquitetura Jesuít ica</p><p>no Rio de Janeiro Colonial .no Rio de Janeiro Colonial .no Rio de Janeiro Colonial .no Rio de Janeiro Colonial .no Rio de Janeiro Colonial .</p><p>pp. 9-14, p. 12</p><p>39Id. Ibid.</p><p>40Id. Ibid. p. 13</p><p>41PEREIRA, Margareth. A ação dos</p><p>Jesuítas no Brasil Colonial e o Ima-</p><p>ginário Europeu sobre o Novo</p><p>Mundo. In PEREIRA. Margareth</p><p>C. S. & CARVALHO. Ana Maria F.</p><p>A forma e a Imagem. Arte eA forma e a Imagem. Arte eA forma e a Imagem. Arte eA forma e a Imagem. Arte eA forma e a Imagem. Arte e</p><p>Arquitetura Jesuít ica no RioArquitetura Jesuít ica no RioArquitetura Jesuít ica no RioArquitetura Jesuít ica no RioArquitetura Jesuít ica no Rio</p><p>de Janeiro Colonial.de Janeiro Colonial.de Janeiro Colonial.de Janeiro Colonial.de Janeiro Colonial. 1991, pp.</p><p>15-34.</p><p>42OLIVEIRA. Op. Cit. p. 56</p><p>43COSTA, Lúcio. Op. Cit.</p><p>44Essas singularidades são apon-</p><p>tadas no texto de José Antônio de</p><p>Carvalho. Op Cit.</p><p>99</p><p>A imagem bucólica da vila debruçada sobre omar vigora da colonização ao início da repúbli-</p><p>ca, quando passa a ser vista como ignóbil para expressar a modernidade e o desenvolvimento</p><p>econômico. A arquitetura colonial, desgastada pelo tempo e pelo descuido, representava o oposto</p><p>da “ordem e progresso”, levando ao desejo da mudança da fisionomia da cidade.</p><p>Na Primeira República, nos governos de Muniz Freire e de Jerônimo Monteiro, a cidade de</p><p>Vitória é transformada de acordo com as formas representativas de cidade-capital do século</p><p>XIX. Cidade-capital significa lugar que acumula capacidade administrativa, recursos, bens e</p><p>patrimônio, onde os capitais buscam tirar rentabilidade da concentração urbana45. Na República,</p><p>o edifício dos jesuítas, como Palácio do Governo, se converte em um dispositivo de interesses</p><p>privados imbricados na instância do Estado.</p><p>JerônimoMonteiro (1908-12) afirma a visão local de cidade-capital.A cidade émodernizada,</p><p>mas descaracterizada, beneficiando-se da prosperidade da produção do café, que é investida no</p><p>centro fundacional, buscando uma visualidade de estilos europeus de arquitetura. A vila colonial</p><p>portuguesa típica, que ignora, até o início do século, “os princípios da arte de construir (...) e de</p><p>viver”, enfim, busca o formalismo geométrico46 (frase de um engenheiro).</p><p>A arquitetura nesse período é produzida como opção de estilo, nos moldes doHistoricismo</p><p>Europeu. Esses estilos assimilavam amimese à comunicação das formas visíveis47, se confrontam</p><p>à arquitetura da cidade colonial, considerada sem ordem preestabelecida. “A ordem só chega com</p><p>a República”48.</p><p>O problema do estilo, nesse período, não diz respeito somente a uma aparência retórica,</p><p>envolve transformações estruturais e espaciais. Procurava-se resolver o problema da qualidade da</p><p>arquitetura mediante a importação de materiais, técnicas e profissionais. O protótipo histórico</p><p>europeu que substitui a fisionomia colonial é trazido concomitantemente commigrantes europeus</p><p>para oEstado doEspírito Santo.</p><p>A cultura dominantenesse período torna-se exigente de “estilo”</p><p>a fim de obter status. Busca-se a participação numa linguagem uni-</p><p>versal, obliterandoo passado, descaracterizandoseus signos.Modifi-</p><p>cam-se a forma, a espacialidade e os nomes dos lugares. Quando se</p><p>substitui o nome e o vocabulário, a coisa ou o referente, tendem a</p><p>desparecer do quadro mental coletivo.</p><p>GillesDeleuzediz: uma sociedade, umcamposocial não se contra-</p><p>diz, mas ele foge, e isto vem primeiro; depois é que se estrategiza49.</p><p>ConcordandocomDeleuzeanovaopção representativadaarquitetura</p><p>estabeleceosistemapolítico republicanosobre osescombrosdacolônia.</p><p>OEstado, o ensino laico e a imprensa substituemo sagrado como for-</p><p>mador do imaginário local. Constitui-se umnovo sistema produtivo ba-</p><p>seado no trabalho livre, mas agrícola, cujo excedente sustenta as refor-</p><p>mas urbanas do período, ensejando a passagem de um tipo de cidade</p><p>paraoutro, relacionada anovos circuitos comerciais e territoriais.</p><p>O estilo (Historicismo) como um valor atribuído afirma a lingua-</p><p>gem internacional, quevai estabelecer a representaçãodacidade-capi-</p><p>tal, de modernização do lugar e a conexão internacional da cultura.</p><p>Considera-se, com base em Luciano Patetta, o Historicismo e o</p><p>Ecletismo como um conjunto de experiências culturais, que possu-</p><p>45SOLÁ-MORALES, Ignasi.</p><p>Representaciones: De la Cidade-</p><p>capital a la Metropoli. In ESPUCHE,</p><p>Albert Garcia. Ciudades del glo-Ciudades del glo-Ciudades del glo-Ciudades del glo-Ciudades del glo-</p><p>bo al Satélitebo al Satélitebo al Satélitebo al Satélitebo al Satélite . Madri:</p><p>Electa,1994</p><p>46DERENZI. Biografia de umaBiografia de umaBiografia de umaBiografia de umaBiografia de uma</p><p>IlhaIlhaIlhaIlhaIlha. Rio de Janeiro: Pongetti, 1965</p><p>47ARGAN, Giulio Carlo. Clássico eClássico eClássico eClássico eClássico e</p><p>Anti ClássicoAnti ClássicoAnti ClássicoAnti ClássicoAnti Clássico. São Paulo:</p><p>Martins Fontes, 1999</p><p>48DERENZI. Op. Cit.</p><p>49A estratégia só poderá vir em se-</p><p>guida das linhas de fuga, às suas</p><p>conjugações, às suas orientações,</p><p>suas convergências e divergênci-</p><p>as. Deleuze aponta também neste</p><p>ponto, o desejo está precisamente</p><p>nas linhas de fuga, na conjugação</p><p>e na dissociação de fluxo. O dese-</p><p>jo se confunde com elas. DELEUZE,</p><p>Gilles. Désir et plaisir. MaMaMaMaMagggggazineazineazineazineazine</p><p>LittéraireLittéraireLittéraireLittéraireLittéraire. Paris, n. 325, oct,</p><p>1994, pp. 57-65.</p><p></p><p>em continuidade histórica50 e ideológica. Esses estilos são resultado de um ato de escolha do</p><p>projetista (um ato crítico, subjetivo). A escolha envolve uma postura moral, que permite aos</p><p>projetistas liberdade de interpretação e de caracterização. Nesse período, estabelece-se no campo</p><p>da arquitetura que há uma dialética constante entre as razões da arquitetura e razões éticas, sociais</p><p>e políticas, de acordo comArgan.</p><p>O quadro cultural doHistoricismo naEuropa é marcado pelo estabelecimento da burguesia,</p><p>que solicita conforto, higiene, funcionalidade e novidades, porém rebaixa “a produção artística e</p><p>arquitetônica ao nível damoda e do gosto”51. Para a clientela burguesa, esses “estilos” podem ser</p><p>considerados “imagens de desejos”, nos quais se busca sublimar “a imperfeição no produto soci-</p><p>al”52. O arquiteto adepto doHistoricismo conta comum sistema de regras e preceitos de compo-</p><p>sição e de decoro, que dispõe dosmais variados elementos, advindos de diversos períodos histó-</p><p>ricos e regiões geográficas53.</p><p>5. O Palácio Anchieta5. O Palácio Anchieta5. O Palácio Anchieta5. O Palácio Anchieta5. O Palácio Anchieta</p><p>Em1782, o patrimônio dos jesuítas é leiloado e o edifício</p><p>doColégio deVitória passa a abrigar</p><p>a sede da capitania. Além disso, abriga a residência do presidente, o liceu, a tesouraria, a adminis-</p><p>tração dos correios, armazéns de material bélico e a biblioteca pública, entre outros54. Os usos</p><p>heterogêneos envolvem crianças, soldados, funcionários públicos e autoridades. Não há água</p><p>encanada nem esgoto no edifício55.</p><p>Jerônimo Monteiro, ao assumir o cargo de presidente do estado em 1908, observa que o</p><p>estado do edifício não oferece condições para servir nem como residência nem como instalação</p><p>institucional moderna. Visando a conforto, higiene e melhoria no espaço, o presidente contrata o</p><p>engenheiro francês JustinNorbert para elaborar o projeto. JerônimoMonteiro explica-se:</p><p>“(...) em face do progressomaterial que (...) cada vezmais se</p><p>acentua na Vitória pela transformação que vai se operando no</p><p>aspecto da cidade, que renasce e se embeleza nas novas constru-</p><p>ções, que vão surgindo, não podia continuar o Palácio doGover-</p><p>no com sua ea feição conventual e em contraste com as linhas</p><p>de arquitetura dos edifícios novos e em fragrante infração das</p><p>posturas municipais”56.</p><p>O projeto inclui a transformação do espaço do Colégio e da</p><p>Igreja, além da escadaria de acesso à cidade alta, “dando à cidade</p><p>uma nova perspectiva, estranha ao colonialismo da colina, onde nas-</p><p>ceu verdadeiramente a cidade”57.</p><p>JustinNorbertutiliza o estiloLuizXVInoPalácio. SerafimDerenzi</p><p>diz que Norbert “projetou a obra dentro de seu espírito racial (...) no</p><p>estilo dos protótipos de Luiz XVI. É tranqüilamente sereno emonu-</p><p>mental”.</p><p>A reforma, iniciada em 1909, mantém a estrutura externa das</p><p>paredes do edifício anterior, sua projeção no terreno. Telhado, pisos,</p><p>acessos, dependências e fachadas são modificados, são inseridas ins-</p><p>talações hidráulicas, sanitárias e elétricas. O palácio com a incorpora-</p><p>ção da igreja ganha um terço a mais de espaço onde se alojam os</p><p>serviços da burocracia.</p><p>50PATETTA, Luciano. Considerações</p><p>sobre o Ecletismo na Europa. In.</p><p>FABRIS, Anateresa. EcEcEcEcEc letismoletismoletismoletismoletismo</p><p>na Arquitetura Brasi leira.na Arquitetura Brasi leira.na Arquitetura Brasi leira.na Arquitetura Brasi leira.na Arquitetura Brasi leira.</p><p>São Paulo: Studio Nobel: EDUSP.</p><p>1987, pp. 10-27 p. 10</p><p>51PATETTA. Op. Cit.</p><p>52BENJAMIN, Walter. Paris Capital</p><p>do Século XIX. São Paulo. Espa-Espa-Espa-Espa-Espa-</p><p>ço & Debatesço & Debatesço & Debatesço & Debatesço & Debates. n. 11. 1984. pp.</p><p>5-13</p><p>53PATETTA. Op. Cit. p. 14</p><p>54Cesar Marques, 1778 apud</p><p>DERENZI. História do Palá-História do Palá-História do Palá-História do Palá-História do Palá-</p><p>cio Anchietacio Anchietacio Anchietacio Anchietacio Anchieta. p. 37</p><p>55DERENZI. Ibid.</p><p>56MONTEIRO. Jerônimo. Mensa-Mensa-Mensa-Mensa-Mensa-</p><p>gem do Governo degem do Governo degem do Governo degem do Governo degem do Governo de</p><p>Jerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo MonteiroJerônimo Monteiro. 1908-12.</p><p>p. 132</p><p></p><p>As instalações sãoadequadas às exigências do serviço públicodoperíodo, organizam-seespaços</p><p>protocolares para o presidente e o novo regime político. Cria-se uma galeria dos ex-presidentes e</p><p>representantes da república. Salões denominados de Rosa e de Azul são destinados às recepções</p><p>oficiais e às audiências comautoridades, segundo as categorias sociais que pertenciam.A residência</p><p>do governador recebe um tratamento compatível comos requisitos de intimidade e conforto.</p><p>A reforma urbana de 1909 reafirma o sítio urbano como referência institucional e monumen-</p><p>tal58. Com essa reforma, a relação entre a parte baixa onde se situa o comércio e a parte alta</p><p>institucional ganha aspectos socializantes modernos. A vida pública daparte baixa (onde se confi-</p><p>gura o Porto de Vitória) se formava na convivência entre conhecidos: lojistas e moradores; e</p><p>estranhos - viajantes, marinheiros, imigrantes. Adiversidade e a complexidade social ampliam-se,</p><p>o lugar de encontro para negócios são as lojas e os bares nas proximidades da escadaria do Palácio,</p><p>e em outras praças como as da Rua da Alfândega, onde se discutia “política”.</p><p>No entorno do Palácio mantém-se o centro social da cidade, local de festividades cívicas.</p><p>Eventos que acontecem noLargo doColégio, amenizado pelo paisagismo pinturesco, desde o fim</p><p>do século XIX: “Quem quiser se divertir por hora e meia na Praça do Colégio, vá, pois temos ceia</p><p>(...) ó que pândega”59.As reformasnoentornodoPalácio favorecemospasseios ‘descomprometidos’</p><p>das famílias e dos jovens. Atividades que assimilam novos hábitos de sociabilidade e de decoro no</p><p>espaço público.</p><p>O tratamento da escadaria provê uma nova perspectiva para a baía, esta é projetada com</p><p>lances curvos, patamares intermediários, ornada com fontes e estátuas emmármore representan-</p><p>do alegorias sobre as estações do ano, figuras mitológicas, cascatas e conchas. A nova escadaria</p><p>enseja o alargamento da Rua 1º de Março, que desde o século XIX possui as mais importantes</p><p>casas comerciais deVitória. Esse espaço, característico comomercado, adquire higiene e decoro.</p><p>O Cais do Imperador, antigo Cais das Colunas, também é renomeadoMarechal Hermes.</p><p>Enquanto a fachada para aPraça JoãoClímaco se torna entrada de trabalho, a fachada de frente</p><p>para escadaria é monumentalizada. Como uma fachada principal simula uma inexistente simetria,</p><p>dividida em três faixas horizontais, coroadas por uma platibanda rematada por um frontão pontua-</p><p>do por uma águia. As cornijas marcam a separação entre os pisos e lajes. A nova roupagem da</p><p>57DERENZI. História do Palá-História do Palá-História do Palá-História do Palá-História do Palá-</p><p>cio Anchietacio Anchietacio Anchietacio Anchietacio Anchieta. p. 46</p><p>58Id. Ibid. p. 46-7</p><p>59SIQUEIRA, F. A. Memórias doMemórias doMemórias doMemórias doMemórias do</p><p>Passado, a Vitória atravésPassado, a Vitória atravésPassado, a Vitória atravésPassado, a Vitória atravésPassado, a Vitória através</p><p>de meio séculode meio séculode meio séculode meio séculode meio século. ACHIAMÉ,</p><p>Fernando. (edição e notas). Vitó-</p><p>ria: Florecultura, 1999. (original</p><p>1885). p. 46. A ceia era oferecida</p><p>a convidados pelo presidente da</p><p>província, após os atos cívicos e</p><p>religiosos.</p><p>Figura 6. Escadaria Bárbara Lindemberg e Palácio Anchieta, nos anos 40. Fonte</p><p>Biblioteca Central da Ufes</p><p></p><p>fachada adquire umamodulação falsa. Pois, a base sólida,manufaturadapaulatinamentepelos jesu-</p><p>ítas, impede a aplicação do procedimento de simetria e de umamodulação geométrica precisa.</p><p>Verifica-se na nova composição o procedimento da sobreposição de ordens para articular os</p><p>vários pisos da fachada, atribuindo do piso inferior ao superior uma ordem de crescente valor</p><p>simbólico. A solução da fachada de JustinNorbert, sobre um envasamento que simula alvenaria</p><p>com junta escavada, sobrepõe a ordem dórica e a ordem coríntia. Mantém o preceito vitruviano</p><p>da “aparência de função sustentadora” da base e pilastras, assinaladas pela ordem mais robusta</p><p>para mais esbelta60.</p><p>O estilo Luis XVI, como o Barroco, busca uma naturalização artificial da arquitetura, com</p><p>motivos vegetais e zoomórficos, visando a adquirir festividade ou cerimônia. O coríntio e os seus</p><p>motivos vegetais predominamna fisionomia do edifício doPalácio.Aordemé considerada comoa</p><p>mais elegante, leve, formosa e rica, republicana para os romanos, mas aristocrática para os france-</p><p>ses61. As figuras comoáguias, deuses mitológicos, motivos florais, elementos arquitetônicos acresci-</p><p>dos, designadas na Academia como orum (disposição adequada entre figura e ordem)62 fazem</p><p>parte de requerimentos programáticos que visam à mensagem que o edifício deve manifestar. “A</p><p>sugestão, o adorno, ametáfora e a analogia são as categorias dentro das quais a poética da arquitetu-</p><p>ra se converte numpotente instrumento de persuasão e, finalmente, em controle social”63.</p><p>A escolha do estilo Luis XVI é convencional para órgãos execu-</p><p>tivos do governo, quer expressar esse caráter monumental e</p><p>institucional. Contudo, a designação do estilo Luis XVI não deixa de</p><p>ser uma incoerência com a imagem republicana.</p><p>No palácio travestido de Luis XVI desapar777ecem as qualida-</p><p>des de severidade e simplicidade do edifício jesuítico. Porém, os</p><p>novos elementos decorativos são aplicados como uma clara opção</p><p>de léxico estilístico. Isso confere autonomia (eles significam por si</p><p>mesmos). O simbolismo desses elementos decorre do seu sistema</p><p>de caracterização.</p><p>Figura 7. Conjunto comercial na Praça Marechal Hermes, frontal ao Porto de Vitória,</p><p>nos anos 40. Fonte Élio Vianna/ DAUUfes, Fotógrafo Mazzei</p><p>60Sérlio apud. FORSSMAN, Eric.</p><p>Dórico, JónicoDórico, JónicoDórico, JónicoDórico, JónicoDórico, Jónico e Coríntio nae Coríntio nae Coríntio nae Coríntio nae Coríntio na</p><p>Arquitetura dos Séculos XVI-Arquitetura dos Séculos XVI-Arquitetura dos Séculos XVI-Arquitetura dos Séculos XVI-Arquitetura dos Séculos XVI-</p><p>XVIII.XVIII.XVIII.XVIII.XVIII. Lisboa: Presença. 1990.</p><p>p. 31</p><p>61FORSSMAN. Op. Cit. p. 82-3</p><p>62id.ibid. 181.</p><p>63TSONIS, Alexander, LEFAIVRE Liane</p><p>& BILODEAU, Denis. ElElElElEl</p><p>Classicismo en Arquitectura.Classicismo en Arquitectura.Classicismo en Arquitectura.Classicismo en Arquitectura.Classicismo en Arquitectura.</p><p>La Poética del Orden.La Poética del Orden.La Poética del Orden.La Poética del Orden.La Poética del Orden. Madri:</p><p>Hermann Blume, 1984</p><p>3</p><p>APraça JoãoClímaco já havia sido ampliada com a demoliçãodas construçõesvizinhas antes</p><p>de 1909. Nesta reforma, o edifício passa a dominar o espaço urbano reestruturado ao seu redor.</p><p>A inversão da entrada para frente da baía acentua a visibilidade para toda cidade e para o porto,</p><p>criando um waterfront. A entrada frontal adquire um sentido topológico central para toda região</p><p>(caput its).</p><p>O valor que o edifício e seu entorno adquirem na cidade, sobretudo, vem de uma nova</p><p>graduação topológica e das qualidades formais do espaço. O volume doedifício individualiza-se e</p><p>cresce com a desobstrução da vista, a remoção da ladeira frontal e desbaste da Rua Duque de</p><p>Caxias. Ou seja, a fruição do sítio pelo movimento dos transeuntes e as novas perspectivas da</p><p>cidade alta consolidam o edifício como um objeto destacado na paisagem, a escadaria funciona</p><p>como pedestal para ele, que atua como atrator da atenção e atribui valor para o edifíciomodifica-</p><p>do.Onovo espaço ornamentado tende ao apelo visual e ao “impulso ornamental”. A nova estru-</p><p>tura urbana resultante mostra que essa transformação não foi mera maquiagem.</p><p>As reformas da capital nos anos 1910 e 1920 (Governo de Florentino Avidos) expressam</p><p>anseio de participar domundo, após anos de isolamento econômico e político no período colonial</p><p>e imperial. As razões dessas escolhas podem ser questionadas, mas o espaço, com seus novos</p><p>aparatos, por algum tempo torna-se metáfora da graça, da beleza e domoderno. Oprocedimento</p><p>de superposição do ecletismo sobre a linguagem jesuítica enuncia que se busca um recomeço</p><p>sobre novas bases, para estabelecer umnovo estado das coisas. No Palácio Anchieta, o historicismo,</p><p>criticado pela vanguarda moderna, se torna símbolo da nova ordem republicana e de pompa,</p><p>representa o que há de mais moderno para a localidade na época.</p><p>Na destruição do espaço do passado colonialmantém-se alguns vestígios: o nome do Palácio</p><p>Anchieta, seu túmulo (?). A fundação dos jesuítas é descaracterizada, mas mantida. Afirma-se o</p><p>sítio escolhido pelos padres, seu papel na esfera pública, sua importância no contexto urbano.</p><p>Figura 8. Vista aérea do sitio do Palácio Anchieta cerca de 1960. As construções do</p><p>lado esquerdo da escadaria foram demolidas nos anos 1970. Foto Paulo Bonino.</p><p>Arquivo: SEDEC/PMV</p><p>4</p><p>6. Espaço público e esfera pública6. Espaço público e esfera pública6. Espaço público e esfera pública6. Espaço público e esfera pública6. Espaço público e esfera pública</p><p>Os projetos dessas gerações consolidamo espaço fundador da cidade, sobrepondo uma cultu-</p><p>ra sobre outra. Duas culturas que não são apegadas emmanter o preexistente, mas estão preocu-</p><p>padas em construir ou renovar, e em deixar sua marca no espaço.</p><p>A vontade dos jesuítas de viverem no mundo manifestava-se na esfera pública, os cidadãos</p><p>tinham acesso diário ao interior de sua edificação o pátio e suas dependências erampra cuidar,</p><p>educar e proteger. O terreiro e o porto, espaços públicos, eram para celebrar, viver, trabalhar,</p><p>circular, efetuar trocas.</p><p>O espaço do novo Palácio (1909-11) delimita a vida pública ao exterior, os espaços para</p><p>receber o público ganham protocolos de cerimônia (Salão Rosa e Azul), o executivo, a burocracia</p><p>e a residência separam-se em departamentos isolados entre si.</p><p>A exteriorização do estilo (Historicista) valoriza o meio urbano e celebra publicamente a</p><p>recíproca exposição das pessoas e do monumento, assim como as novas conexões entre os ho-</p><p>mens e a cidade (com esperança de menos subserviência do povo).</p><p>Embora o Palácio esteja incorporado à vida política e cultural nos anos 2000 (mantém a</p><p>função de sede do governo estadual e tornou-se museu), não há a reciprocidade entre público e</p><p>edifício relatada nos tempos dos jesuítas e na Primeira República.</p><p>A situação sociocultural encontra-se bastante alterada, o simbolismo e a importância que o</p><p>centro e seus principais edifícios encarnam na Primeira República perdem-se numa espécie de</p><p>descompromisso com a vida social ampla, que se manifesta na alienação espacial dos novos</p><p>espaços criados (shoppings, clubes exclusivos, condomínios fechados, espaços de controle e vigi-</p><p>lância), levando a experiência da complexidade se retirar do meio ambiente coletivo, público.</p><p>Assinala-se um processode crescente esvaziamento simbólicodo espaço urbano, que perde valor</p><p>como forma representativa em relação ao seu protagonismo no passado relatado.</p><p>Figura 9. Palácio do Governo nos anos 1940, Praça João Clímaco vista da Rua Duque</p><p>de Caxias. Foto Fábio Tancredi</p><p>5</p><p>PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO DE VITÓRIA: INVENTÁRIO E REFLEXÕES ACERCA DAS RUPTURAS E</p><p>PERMANÊNCIAS COLONIAIS NA CONTEMPORANEIDADE</p><p>Luciene Pessotti*</p><p>1. Introdução1. Introdução1. Introdução1. Introdução1. Introdução</p><p>Opresente artigo objetiva apresentar os primeiros resultados da pesquisa intitulada “Patrimônio</p><p>Ambiental Urbano de Vitória: Reflexões acerca das rupturas e permanências coloniais na</p><p>contemporaneidade”, que tem o apoio doCNPq.</p><p>As principais contribuições desta pesquisa são a identificação das permanências urbanas,</p><p>arquitetônicas e paisagísticas do período colonial na contemporaneidade e a reflexão sobre a</p><p>preservação desses importantes elementos que constituem o patrimônio ambiental urbano de</p><p>Vitória.</p><p>A cidade de Vitória foi um dos primeiros núcleos urbanos da América Portuguesa e em seu</p><p>espaço urbano e na configuração da sua paisagem é possível observar traços da tradição urbanís-</p><p>tica portuguesa, dematriz vernacular.</p><p>Apesar das inúmeras transformações pelas quais a cidade passou no século XX, ainda é</p><p>possível identificar elementos morfológicos dos séculos anteriores, período em que a Vila da</p><p>Vitória teve poucas alterações.</p><p>A partir da análise de mapas temáticos de síntese elaborados na ocasião do doutoramento</p><p>(SOUZA, 2005), e de outros documentos cartográficos, foi possível conjecturar sobre a evolução</p><p>urbana de Vitória, e analisar como seus principais elementos morfológicos configuraram traços</p><p>que são particulares na sua estrutura espacial.</p><p>O confronto e a sobreposição dosmapas temáticos de síntese, assim, como a inter-relação de</p><p>suas informações e dados com a base cartográfica contemporânea permite diferentes análises de</p><p>sua configuração espacial e de sua paisagem urbana.</p><p>Esses estudos permitem a reflexão sobre osmecanismos de preservação da paisagem urbana</p><p>na contemporaneidade, e sua aplicação na cidade de Vitória, notadamente, na área de estudo.</p><p>Embora, nos últimos anos, várias normas, diretrizes e leis vêm sendo utilizadas para a preser-</p><p>vação da paisagem e dos elementos que constituem o patrimônio ambiental urbano, visando à</p><p>preservação,portanto, não só de seus elementos físicos, mas abarcando sua dimensão cultural e a</p><p>relação da cidade com o território que a constitui na longa duração, observa-se que, ainda, se</p><p>operam transformações no espaço da cidade deVitória que comprometemapercepção</p><p>e integri-</p><p>dade de seus elementos constituintes.</p><p>Logo, a reflexão dessa questão, tendo como subsídios os resulta-</p><p>dos e contribuições das pesquisas e análises históricas, teórica e</p><p>morfológica, pode contribuir para a revisão de mecanismos de pre-</p><p>servação da paisagemurbana da área de estudo da cidade deVitória.</p><p>* Universidade Federal do Espírito</p><p>Santo. Programa de Pós-Gradua-</p><p>ção em Artes. Avenida Fernando</p><p>Ferrari, s/n. Centro de Artes.</p><p>lupessotti@yahoo.com.br</p><p>6</p><p>2. Vila da Vitória: desafios da pesquisa2. Vila da Vitória: desafios da pesquisa2. Vila da Vitória: desafios da pesquisa2. Vila da Vitória: desafios da pesquisa2. Vila da Vitória: desafios da pesquisa</p><p>As pesquisas realizadas nas últimas décadas sobre a Vila da Vitória são estudos de história</p><p>urbana que consideram as análises de seus aspectos geográficos, da morfologia do território,</p><p>econômicos, sociais, político-administrativos, douniversomental, da culturamaterial e do imaginário</p><p>para subsidiar a análise dos elementos morfológicos que definiram a estruturação de seu espaço</p><p>urbano nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX (SOUZA, 2000; SOUZA, 2005).</p><p>Logo, a análise da formaurbana da Vila daVitória, no período supracitado, reflete os diferentes</p><p>fenômenos e valores, mudanças, transformações e possíveis e diferentes formas de urbanização.</p><p>No âmbito das generalizações, a Vila da Vitória foi considerada durante muitos anos, por</p><p>diversos pesquisadores, uma vila em seu aspecto urbano e paisagístico, tal comoumburgomedieval,</p><p>com suas ruas tortuosas,moldadas no terreno, semplanejamento.Alémdisso, houve relatos que</p><p>a definiramcomopobre e suja, com seu casario simples, sua falta de praças, as ruas sem calçamento</p><p>e, por, fim, destacaram seus edifícios singulares, os templos religiosos.</p><p>A dispersão dos documentos coloniais que versam sobre Vitória e a dificuldade de relacioná-</p><p>la no contexto urbano colonial, ou melhor, de problematizar sua formação espacial a partir das</p><p>novas perspectivas teóricas do urbanismo lusitano de além-mar, ocasionou a repetição das assertivas</p><p>de estudiosos e historiadores que escreveram sobre a vila emmeados do século passado.</p><p>A capitania do Espírito Santo foi sempre retratada pela historiografia como uma das mais</p><p>atrasadas no contexto colonial, sendo sua sede, apontada por vezes, como Vila do Espírito Santo,</p><p>ouVilaNova, bem comoVila daVitória. Cabe restituir sua posição, não só no contexto geopolítico,</p><p>como tambémdar novo significado às repetidas afirmativas históricas, sob novas interpretações,</p><p>corrigindo distorções e colaborando para a redefinição de sua participação no processo de</p><p>colonização da América Portuguesa.</p><p>3. Localização da área de estudo3. Localização da área de estudo3. Localização da área de estudo3. Localização da área de estudo3. Localização da área de estudo</p><p>A cidade de Vitória é a capital do estado do Espírito Santo, com área territorial de 93, 381</p><p>km², uma das menores do Brasil, sendo que 40% de sua área é montanhosa, e não possui área</p><p>rural. Possui uma população de 314.042 habitantes.</p><p>Omunicipio é cercadopelaBaía de Vitória, formada por várias ilhas, sendoque, originalmente,</p><p>eram cinquenta,muitas das quais foram agregadas pormeio de aterro à ilhamaior, anteriormente</p><p>denominada de SantoAntônio.Algumas dessas ilhas estão amais de 1.100kmda costa, formadas</p><p>pelo arquipélago de Trindade eMartin Vaz, sendo as principais ilhas a de Trindade e a deMartin</p><p>Vaz, que somam uma área total de 10,4 km².</p><p>A cidade de Vitória, antiga Vila de Nossa Senhora da Vitória, é um dos núcleos urbanosmais</p><p>antigos do Brasil, tendo sido fundada, segundo a historiografia oficial, em 8 de setembro de 1551</p><p>(DERENZI, 1995).</p><p>A localização da Vila deNossa Senhora da Vitória está associada aos esforços empreendidos</p><p>pela Coroa Portuguesa para implementar o projeto colonial na capitania do Espírito Santo, tendo</p><p>como principal aliada a Igreja Católica.</p><p>Fracassadas as tentativas de implantar a Vila doEspírito Santo, primeira sede da capitania, no</p><p>sítio escolhido pelo donatário em 1535, os jesuítas iniciaram, por volta de 1550, a organização da</p><p>sede da Companhia em outro local, num sítio próximo à sede da fazenda na sesmaria de Duarte</p><p>Lemos, localizada numa ilha dentro da baía de Vitória.</p><p>7</p><p>A Vila da Vitória, situada dentro da barra, à cerca de uma légua de distância da primeira vila,</p><p>era mais defensável em virtude da existência de alguns obstáculos naturais desconhecidos pelos</p><p>estrangeiros.Amorfologiadosítiode implantaçãodasduas povoações</p><p>dos portugueses caracterizava-se por uma série de pequenas áreas</p><p>com acidentes geográficos (Figura 01).</p><p>A topografiadoterreno escolhidopossuíacaracterísticassingulares.</p><p>O local escolhido por Duarte Lemos foi um platô de</p><p>aproximadamente 20 metros de altitude, junto ao canal, com cerca</p><p>de 300 metros de comprimento, no eixo leste–oeste, por</p><p>aproximadamente 100 a 140 metros de largura, no eixo norte-sul,</p><p>sendo a maior cota a de 25 metros, que formava uma pequena</p><p>elevação quase central, com uma área de três a quatro hectares. O</p><p>maior eixo era paralelo à baía e nos seus extremos existiam duas</p><p>áreas baixias alagadiças, em consequência das elevações da maré,</p><p>que foram, posteriormente, chamadas de Campinho e Campo dos</p><p>Pelames, o primeiro a oeste, e o segundo a leste do platô,</p><p>respectivamente.</p><p>Neste platô se consolidou aVila da Vitória, hoje cidade deVitória.</p><p>A área de estudo compreende ao bairro denominado Centro de</p><p>Vitória, notadamente as regiõeschamadasCidadeAltaeCidadeBaixa,</p><p>e seu entorno.</p><p>4. Aspectos históricos e teóricos da consolidação urbana da Vila da4. Aspectos históricos e teóricos da consolidação urbana da Vila da4. Aspectos históricos e teóricos da consolidação urbana da Vila da4. Aspectos históricos e teóricos da consolidação urbana da Vila da4. Aspectos históricos e teóricos da consolidação urbana da Vila da</p><p>VitóriaVitóriaVitóriaVitóriaVitória</p><p>Sobre a origem da cidade de Vitória podemos destacar alguns</p><p>aspectos importantes, a saber, (1) sua contextualização político-</p><p>administrativa; (2) asmotivações fundacionais; e, (3) as características</p><p>morfológicas.</p><p>Sobre o primeiro aspecto, a contextualização político-</p><p>administrativa, ressalta-se que a Vila de Nossa Senhora da Vitória</p><p>foi a segundavilaorganizadanaCapitaniadoEspíritoSanto, conforme</p><p>citado, tendo em vista que a primeira, a Vila do Espírito Santo, foi</p><p>fundada em 1535, pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho, na</p><p>ocasião em que chega e toma posse de seu território, conforme carta</p><p>de doação assinada em 1534, em Évora, por D. João III. A segunda</p><p>vila surge como alternativa aos problemas de consolidação da</p><p>primitiva, tendo sido sua consolidação fruto da ação dos jesuítas que</p><p>se implantaram no local, organizando a vida social através das</p><p>atividades religiosas1. Assim, no século XVI foram organizados na</p><p>Capitania do Espírito Santo dois núcleos urbanos, e a partir deste</p><p>século a Vila da Vitória se consolidou como a principal no contexto</p><p>regional capixaba2.</p><p>Sobre as motivações fundacionais da Vila de Nossa Senhora</p><p>da Vitória, destaca-se sua posição privilegiada de defesa, pois, foi</p><p>1Conforme atesta a historiografia,</p><p>Vasco Fernandes Coutinho enfren-</p><p>tou na primeira sede da capitania,</p><p>a Vila do Espírito Santo, dificulda-</p><p>des para implementar as ativida-</p><p>des econômicas que fariam pros-</p><p>perar seu vilão fartovilão fartovilão fartovilão fartovilão farto, conside-</p><p>rando-se a feroz resistência dos</p><p>índios, a ameaça dos invasores</p><p>europeus, além, de uma popula-</p><p>ção branca escassa que não em-</p><p>penhou-se na defesa do território,</p><p>nem tampouco em seu desenvol-</p><p>vimento (SANTOS, 1968).</p><p>2A ilha era parcela da donataria de</p><p>Vasco Fernandes Coutinho. Logo</p><p>no início da exploração do territó-</p><p>rio o donatário faz a doação da</p><p>ilha como sesmaria a Duarte Le-</p><p>mos, que veio a ser confirmada</p><p>em 1540, em Lisboa, com a assi-</p><p>natura da escritura (OLIVEIRA,</p><p>1951). Em 1550, Duarte Lemos</p><p>doa uma parcela de chão de sua</p><p>sesmaria a Companhia de Jesus</p><p>que inicia a edificação de um tem-</p><p>plo e colégio. As atividades agrí-</p><p>colas iniciadas por Lemos, e as</p><p>atividades de cunho religioso</p><p>de-</p><p>sempenhada pelos jesuítas influ-</p><p>enciaram decididamente na fixa-</p><p>ção dos colonos na ilha, que sofri-</p><p>am com os ataques dos índios e</p><p>dos piratas. Com as constantes</p><p>ausências de Fernandes Coutinho</p><p>a população passa a se organizar,</p><p>consolidando uma pequena povo-</p><p>ação. No entanto, as prerrogati-</p><p>vas legais da administração colo-</p><p>nial impediam a criação de vilas</p><p>em sesmarias. Este impedimen-</p><p>to, entretanto, não inviabilizou a</p><p>consolidação da vida urbana na</p><p>ilha. No final do Século XVI, a Vila</p><p>da Vitória tinha parte de suas fun-</p><p>ções na ilha, pois, a documenta-</p><p>ção da época demonstra que al-</p><p>gumas providências eram resol-</p><p>vidas ora na ilha ora no continen-</p><p>te, onde foi fundada em 1535 a</p><p>primeira vila, que recebera o mes-</p><p>mo nome da capitania, Vila do</p><p>Espírito Santo (SOUZA, 2005).</p><p>8</p><p>implantada dentro do Rio Espírito Santo3, e possibilitava a defesa dos ataques que vinham por</p><p>mar. A nova vila foi implantada numa posição bem mais estratégica do que a Vila do Espírito</p><p>Santo e oferecia, portanto, melhores condições de defesa, abrigada e protegida pelos acidentes</p><p>geográficos da baía. Além dos condicionantes de defesa, o sítio da Vila da Vitória apresentou</p><p>outras características que atendiammelhor os objetivos damissão colonizadora, conformemode-</p><p>los urbanísticos utilizados pela Coroa Portuguesa (CARITA, 1998): presença de fontes para água</p><p>potável para a população e embarcações; e, terrenos próprios ao cultivo na vizinhança das vilas a</p><p>serem fundadas.</p><p>As característicasmorfológicas daVila daVitóriamerecem especial atenção, pois, amaior</p><p>parte das análises realizadas sobre seu espaço urbano apóia-se na lógica conceitual e teórica do</p><p>desleixo versus ordem, afirmando, portanto, que a vila foi estruturada e cresceu sem nenhum tipo</p><p>de planejamento.Tal perspectiva, na verdade, era aplicada à análise de toda a rede urbana colonial</p><p>no século passado e foi defendida por vários autores.Destaca-se a abordagemde SérgioBuarque</p><p>de Hollanda, sobre as formas urbanas das cidades fundadas pelos portugueses, em sua clássica</p><p>obra Raízes do Brasil, publicada em 1936, ao afirmar que “[...] as cidades que os portugueses construí-</p><p>ram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza e sua silhueta se enlaça na</p><p>linha da paisagem” (1995, p.76). Ou seja, o autor defende que não eram realizados projetos para a</p><p>fundação e expansão de vilas e cidades na América portuguesa: “Nenhum rigor, nenhum método,</p><p>sempre esse significativo abandono que exprime a palavra ‘desleixo’” (1995, p.76).</p><p>Desta forma, as descrições daVila daVitória ressaltam a peculiaridade de seu aspecto urbano</p><p>e paisagístico, apresentando-a tal como umburgomedieval, com suas ruas tortuosas, moldadas no</p><p>terreno, sem planejamento. Além disto, houve relatos que a definiram como pobre e suja, com seu</p><p>casario simples, sua falta de praças, as ruas sem calçamento e, por fim, destacavam seus principais</p><p>edifícios, os templos religiosos (MARTINS, 1995; SEPULCRI, 1993).</p><p>O aspecto urbano e paisagístico da Vila da Vitória é sempre comparado também as cidades</p><p>medievais portuguesas. Entretanto, conforme ressaltam Ribeiro (1994) e Rossa (2002), a seme-</p><p>lhança que se atribui entre as cidades coloniais brasileiras e as cidades medievais muçulmanas,</p><p>situadas no sul do território lusitano, devem considerar o processo histórico que lhe atribuiu uma</p><p>configuração espacial particular com diferentes influências.</p><p>As pesquisas que se tem realizado desde a década de 1990 (SOUZA, 2005) demonstram que</p><p>as característicasmorfológicas daVila de Nossa Senhora daVitória</p><p>estão associadas à tradição urbanística portuguesa, de matriz</p><p>vernacular, e ainda a algumas características dos modelos urbanos</p><p>utilizados no projeto colonial da Expansão. Estas referências foram</p><p>utilizadas em diferentes territórios, baseados numa cultura urbana,</p><p>cujas origens estão na ocupação grega, romana e mulçumana do</p><p>território de Portugal (ROSSA, 2002). As influências da cultura ur-</p><p>bana romana, segundo Teixeira (1999), influenciaram na inserção</p><p>de princípios urbanísticos da regularidade utilizados pela Coroa Por-</p><p>tuguesa, tais como, os de racionalidade e ordem, que se fizeram</p><p>sentir emÉvora, Beja e Braga, que possuem registros de uma estru-</p><p>tura regular ortogonal4.</p><p>Logo, podemos afirmar que a configuração espacial da Vila de</p><p>Nossa Senhora da Vitória seguiu uma das principais características</p><p>dourbanismo lusitano, ou seja, a excepcional flexibilidade com que a</p><p>3Até meados do século passado, a</p><p>baía de Vitória era tida como rio,</p><p>denominado Rio Espírito Santo,</p><p>como se atesta em várias carto-</p><p>grafias e documentos.</p><p>4Esta influência teria se dado não</p><p>só na organização de cidades,</p><p>mas, também por via eruditavia eruditavia eruditavia eruditavia erudita,</p><p>pois, em diversos momentos his-</p><p>tóricos o estado português inter-</p><p>veio na criação de cidades e ado-</p><p>tou este partido, tais como, nas</p><p>cidades medievais planejadas dos</p><p>séculos XIII e XIV; nas cidades</p><p>do século XVI e XVII com influên-</p><p>cia renascentista e, nas iluministas</p><p>do século XVIII (TEIXEIRA, 1999).</p><p>9</p><p>Coroa Portuguesa atuou nas fundações de além mar, permitindo sempre que se adaptassem as</p><p>característica e possibilidades locais as referências domodelo quinhentista de urbanização (CARITA,</p><p>1998).</p><p>Mas, é importante considerar que se os sítios fundacionais deveriam ter as mesmas</p><p>características, os condicionantes topográficos e a realidade que se moldava frente às dificuldades</p><p>encontradas, geraram na América Portuguesa um quadro urbano típico, e as fundações, neste</p><p>cenário, eram “[...] em tudo semelhante, em nada parecido” (PESSÔA, 2000, p.69).</p><p>Desta forma, aVila da Vitória, teve características morfológicas semelhantes a outros núcleos</p><p>fundacionais da América Portuguesa, e, singularidades dadas pela adaptação de seus elementos</p><p>morfológicos, de matriz vernacular portuguesa, ao território onde se consolidou, expressas em</p><p>sua paisagem urbana (SOUZA, 2005).</p><p>5. Aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa5. Aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa5. Aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa5. Aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa5. Aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa</p><p>Os estudos e pesquisas sobre a paisagem cultural avançaram muito nos últimos anos. As</p><p>contribuições de diferentes campos de conhecimento,notadamente da Geografia, da Arquitetura</p><p>e doUrbanismo trouxeram novos recursos teórico-metodológicos que permitem uma nova com-</p><p>preensão dos processos de formação da paisagem na longa duração e de sua preservação na</p><p>contemporaneidade.</p><p>Sendo assim, um aspecto relevante no estudo da paisagem é a noção de história e de sua</p><p>relação com o sujeito na construção desta paisagem. Ou seja, as pesquisas abordam a percepção</p><p>da paisagem sob nova perspectiva: a noção de paisagem humanizada. A compreensão da paisa-</p><p>gem considera a sua modelagem ao longo da história, o estudo do homem com o meio que o</p><p>cerca, e como o próprio homem intervém no meio a partir da paisagem que o circunda.</p><p>Milton Santos (1982) descreve, então, paisagem em sua dimensão social: “[...] tudo isto são</p><p>paisagens”, ou seja, os objetos naturais, as cidades, as plantações etc. Para Santos (1982) o traço</p><p>comum da paisagem “[...] é ser a combinação de objetos naturais e de objetos fabricados, isto é, objetos sociais</p><p>e ser o resultado da acumulação da atividade de muitas gerações”.</p><p>A contribuição da noção de história e da interação do homem com a paisagem ao longo da</p><p>história permitiu que aos estudos de percepção da paisagem avançassem com novas dimensões</p><p>de análise. Assim, os aspectos econômicos, sociais, culturais passam a ser abordados para uma</p><p>melhor compreensão das transformações da paisagem. A paisagem não se constitui como um</p><p>objeto imóvel de estudo: “A paisagem não tem nada de fixo, de imóvel, cada vez que a sociedade passa por</p><p>um processo de mudança... a paisagem se transforma para se adaptar às novas necessidades da sociedade”</p><p>(SANTOS, 1988).</p><p>Outro aspecto importante no estudo da paisagem cultural, conforme citado, é a sua dimensão</p><p>social, notadamente quando</p><p>abordamoso estudodas paisagens urbanas na longa duração. Sendo</p><p>a paisagem artificial aquela transformada pelo homem, pode-se afirmar que a paisagem “[...] é um</p><p>conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho,</p><p>volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea” (SANTOS, 1988).</p><p>Neste sentido, a contribuição do campo de conhecimento da Arquitetura e do Urbanismo,</p><p>amplia e relaciona o estudo da paisagem ao do espaço urbano estruturado na longa duração. O</p><p>conceito de patrimônio ambiental urbano , que relaciona o ambiente urbano ao meio natural</p><p>onde ele foi estruturado, pressupõe o estudo da paisagem e suas transformações.</p><p></p><p>A noção de patrimônio ambiental está relacionada ao processo de construção cultural, cons-</p><p>tantemente transformada pela interação do homem com seu habitat. Este processo de acumula-</p><p>ção sucessiva é denominado de construção cultural (DURHAM, 1984).</p><p>Desta forma, a paisagem urbana pode ser entendida como uma construção cultural, resultado</p><p>da produção do espaço a partir da intervenção humana. Sua construção está relacionada a adi-</p><p>ções e subtrações de objetos artificiais e naturais no espaço, estes suscetíveis as transformações</p><p>tecnológicas que podem alterar suas formas, perfis e a maneira de intervenção no próprio espaço,</p><p>pois, há um grande avanço nas soluções de engenharia que substituem as longas estradas que</p><p>circundam asmontanhas por túneis que transpõem estes obstáculos naturais.</p><p>Desta forma, a cidade pode conter diferentes elementos artificiais construídos em diferentes</p><p>momentos da história, e sua paisagem pode conter estes diferentes elementos, numa composição</p><p>heterogênea como testemunhos de épocas distintas. Conforme afirma Santos (1988, p.24) “[...]</p><p>suscetível a mudanças irr egulares ao longo do tempo, a paisagem é um conjunto de formas heterogêneas, de idades</p><p>diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas maneiras de produzir as coisas, de construir o</p><p>espaço”.</p><p>Entretanto, nem todos os objetos construídos ao longo da história permanecem no espaço e</p><p>na paisagem. Alguns destes objetos são suprimidos e a paisagem, pode, então, revelar as pea-</p><p>êcia e pa históricas de uma cidade. A paisagempode revelar ainda a construção social</p><p>e cultural de uma sociedade, as técnicas empregadas para a estruturação de uma cidade e suas</p><p>transformações.</p><p>Sendo assim, um dos aspectos metodológicos importantes no estudo da paisagem urbana, é a</p><p>compreensão de sua construção cultural, dos aspectos sociais, econômicos, da tecnologia de cons-</p><p>trução dos objetos artificiais.</p><p>O aspectometodológico no estudo da paisagem de uma cidade abre caminho para a identifi-</p><p>cação dos seus elementos constituintes, notadamente, aqueles que revelam sua história. Sendo</p><p>assim, o estudo da paisagem na longa duração permite identificar e datar seus elementos</p><p>estruturantes, significativos, além, de possibilitar o entendimento de suas transformações pela</p><p>adição de novos objetos e supressão de outros conforme citado.</p><p>Esta identificação, ou inventário, permite a compreensão da permanência destes elementos,</p><p>i.e., permite identificar os processos sociais e culturais que permitiram que alguns objetos persis-</p><p>tissem na paisagem e outros não. Esta decisão, que se trata também de uma construção cultural,</p><p>permite avaliar a importância destes elementos para a memória deste espaço.</p><p>As decisões de preservação devem considerar, portanto, o processo histórico e cultural de</p><p>construção da paisagem na longa duração. Estas decisões vêm norteando diferentes medidas</p><p>preservacionistas, tais como, aquelas adotadas na Europa e no Brasil.</p><p>No preâmbulo da Convenção Européia de Paisagem, aprovada em 2000, estão as seguintes</p><p>justificativas para a preservação das paisagens culturais:</p><p>“[...] a paisagem desempenha um importante papel de interesse pú-</p><p>blico nas áreas social, cultural e ambiental, constituindo-se em recurso</p><p>favorável à atividade econômica cuja proteção, gestão e planejamento con-</p><p>tribuem para um trabalho criativo [...]; a paisagem contribui para a forma-</p><p>ção de uma cultura local que constituía um componente fundamental de</p><p>um patrimônio cultural, contribuindo para o bem estar da população e</p><p>consolidando uma identidade européia [...]; a paisagem é um componen-</p><p>111</p><p>te importante da qualidade de vida da população em qualquer lugar; em</p><p>áreas urbanizadas ou em naturais; em áreas degradadas como também</p><p>em áreas qualificadas com qualidade de vida; em áreas consolidadas e</p><p>saudáveis sob todos os aspectos”.</p><p>Nesta abordagem percebe-se que é atribuída a paisagem valores sociais, econômicos entre</p><p>outros. A paisagem é considerada um bem cultural que possui identidade com valores intrínse-</p><p>cos relacionados aos processos naturais e culturais que lhe deram origem, sendo passíveis de</p><p>preservação.</p><p>Além disso, conforme a definição apresentada na Convenção (2000), paisagem “[...] designa</p><p>uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo caráter resulta da ação e da</p><p>interação dos fatores naturais e ou humanos”. Percebe-se, assim, que a dicotomia entre natural e</p><p>cultural nesta definição não limita à percepção da paisagem, abrindo caminho para a proteção não</p><p>só de paisagens naturaismas, também, de paisagens urbanas.</p><p>No que tange à proteção da paisagem, a Convenção (2000) estabelece “[...] Política da paisa-</p><p>gem designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias</p><p>e linhas orientadoras que permitam a adoção de medidas específicas, tendo em vista a gestão e o</p><p>ordenamento da paisagem”. Sendo assim, a ConvençãoEuropeia de Paisagem estabelece diretri-</p><p>zes para uma política de preservação da paisagem que deve ser formulada pelo poder público.</p><p>A proteção da paisagem, pelos valores a ela atribuídos, desempenha importante papel em</p><p>diferentes dimensões da sociedade contemporânea, sendo uma das atribuições da política pública</p><p>estabelecer critérios para que sejam adotadas estratégias para sua preservação e gestão.</p><p>No Brasil, no que tange à preservação da paisagem cultural, podemos ressaltar a Lei Federal</p><p>n° 6.938/81, a Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural, de 2007, a Portaria n° 127, de 30</p><p>de abril de 2009 do IPHAN.</p><p>A Lei Federal n° 6.938/81 , que “[...] dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,</p><p>seus fins emecanismos de formulação e aplicação” define meio ambiente como “[...] o conjunto</p><p>de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e</p><p>biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas for-</p><p>mas” (art. 3°, inc. I) e poluição como “[...] a degradação da qualidade</p><p>ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente afe-</p><p>tem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente” (art. 3°,</p><p>inc. III, letra d, grifamos).</p><p>Podemos assim destacar que a legislação ambiental aborda a pai-</p><p>sagem, em seu aspecto natural, como valor ao meio ambiente e,</p><p>particularmente, a paisagem urbana. A preservação da paisagem é</p><p>considerada um tema urbanístico e ambiental, que considera a ma-</p><p>nutenção de padrões estéticos no cenário urbano.</p><p>A Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural apresenta</p><p>importantes considerações sobre a definição de paisagem cultural no</p><p>Brasil e estabelece diretrizes para sua proteção, preservação e ges-</p><p>tão, na qual destacamos (1) oArtigo 1 - que apresenta a definição de</p><p>paisagem cultural brasileira fundamentada na Constituição da Repú-</p><p>blica Federativa do Brasil de 1980, ou seja, a partir da definição de</p><p>patrimônio cultural5; (2) o Artigo 2 – que amplia o conceito de pai-</p><p>5Carta de Bagé ou Carta da Paisagem</p><p>Cultural: Artigo 1 ----- A definição de</p><p>paisagem cultural brasileira funda-</p><p>menta-se na Constituição da Repú-</p><p>blica Federativa do Brasil de 1980,</p><p>segundo a qual o patrimônio cultural</p><p>é formado por bens de natureza ma-</p><p>terial e imaterial, tomados individu-</p><p>almente ou em conjunto, portadores</p><p>de referência à identidade, à ação, à</p><p>memória dos diferentes grupos for-</p><p>madores da sociedade brasileira, nos</p><p>quais</p><p>se incluem as formas de ex-</p><p>pressão, os modos de criar, fazer e</p><p>viver, as criações científicas, artísti-</p><p>cas e tecnológicas, as obras, obje-</p><p>tos, documentos, edificações e de-</p><p>mais espaços destinados às mani-</p><p>festações artistico-culturais, os con-</p><p>juntos urbanos e sítios de valor his-</p><p>tórico, paisagístico, artístico, arque-</p><p>ológico, paleontológico, ecológico e</p><p>científico.</p><p>112</p><p>sagem cultural, definindo-a como “[...] o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de</p><p>suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todos os testemunhos resultantes da interação do</p><p>homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com o homem, passíveis de leituras espaciais e</p><p>temporais” (grifo nosso); (3) o Artigo 3 – que estabelece diretrizes para a proteção e preservação</p><p>da paisagem cultural, definindo-a enquanto “[...] objeto das mesmas operações de intervenção e preservação</p><p>que recaem sobre todos os bens culturais.” Cabe, então, para a adoção de medidas de salvaguarda da</p><p>paisagemcultural brasileira “[...] operações como as de identificação, proteção, inventário, registro, documenta-</p><p>ção, manutenção, conservação, restauração, recuperação, renovação, revitalização, restituição, valorização, divulga-</p><p>ção, administração, uso, planejamento e outros”.</p><p>A Portaria n° 127, de 30 de abril de 2009 do IPHAN, cujo objetivo é definir os critérios para</p><p>a concessão da chancela de Paisagem Cultural Brasileira, apresenta para tanto a seguinte definição</p><p>no seu Artigo 1º: “PaisagemCultural Brasileira é uma porção peculiar do ter ritório nacional, representativa do</p><p>processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou</p><p>atribuíram valores”.</p><p>Considerando os pressupostos teóricos expostos, podemos constatar que, no Brasil, a noção</p><p>de paisagem integra a noção do meio natural e a relação que o homem tem com este meio ao</p><p>longo da história. Além disto, a paisagem, pela abordagem do IPHAN, é considerada um bem</p><p>cultural, passível de inventário, intervenções de proteção e preservação, tais como aChancela de</p><p>PaisagemCultural, que estabelece a partir deste reconhecimento as diretrizes de gestão.</p><p>Logo, no contexto nacional, a paisagem é um dos elementos que constituem o patrimônio</p><p>ambiental urbano, podendo a ela ser atribuído um significado cultural.</p><p>No que tange à abordagem teórico-metodológica sobre o estudo da paisagem, Santos (1982)</p><p>orienta sobre o seu significado cultural:</p><p>“Paisagem é considerada em um triplo significado cultural, por-</p><p>quanto, é definida e caracterizada damaneira pela qual determinado territó-</p><p>rio é percebido por um indivíduo ou por uma comunidade; dá testemu-</p><p>nho ao passado e ao presente do relacionamento existente entre os indiví-</p><p>duos e seumeio ambiente; ajuda a especificar culturas e locais, sensibilida-</p><p>des, práticas, crenças e tradições” (grifo nosso).</p><p>Sendo assim, para o estudo das paisagens culturais noBrasil, notadamente as paisagens urba-</p><p>nas, devem-se investigar os seus significados culturais, conforme abordado por Milton Santos</p><p>(1982), em especial a forma de percepção dos indivíduos e pela sociedade, os seus testemunhos</p><p>do passado, e a relação destas permanências com as culturas, tradições, práticas e crenças locais.</p><p>Devem-se considerar, também, as diretrizes de proteção e preservação estabelecidas nos</p><p>documentos de referência, de abrangência internacional e nacional.</p><p>6. Rupturas e permanências na paisagem de Vitória/ES6. Rupturas e permanências na paisagem de Vitória/ES6. Rupturas e permanências na paisagem de Vitória/ES6. Rupturas e permanências na paisagem de Vitória/ES6. Rupturas e permanências na paisagem de Vitória/ES</p><p>“Por que teriamapelidado a nossa capital deCidade-Presépio? Pelo seu</p><p>tamanho? Pela sua apresentação completa, em que há pedaços de oceano</p><p>maravilhosos, montanhas encantadoras e casas pequeninas trepando pelas</p><p>encostas? Ou porque, na sua forma tudo se aglomera, acotovela,</p><p>espremidamente, entre um braço de mar e contrafortes altivos, dando de</p><p>fato, a idéia de umpresépio armadopormãos caprichosas?Napequena ilha</p><p>113</p><p>de Vitória há trecho de todos os tipos. Há trechos […] evocando o nosso</p><p>passado de terra colonizada por gente lusa, vinda do velho Portugal.”</p><p>Aerobaldo Léllis, c.1920</p><p>O primeiro documento que registra a paisagem urbana da Vila da Vitória data do Século</p><p>XVIII e foi elaborado pelo engenheiro militar José Antônio Caldas. O documento (Figura 04),</p><p>intitulado Prospecto da Villa da Victória, é datado de 1767 (REIS, 2000).</p><p>O levantamento da vila retratou alguns aspectos da relação de sua ocupação urbana com seu</p><p>sítio, que merecem ser atestados. Deve-se primeiro considerar que o prospecto foi elaborado</p><p>estando o autor, o engenheiro militar José Antônio Caldas, situado no outro lado da baía, tendo</p><p>uma visão mais privilegiada de um perfil lateral, e não frontal.</p><p>Pode-se constatar este direcionamento no prospecto em virtude da topografia acidentada da</p><p>região. Assim, ao enumerar os principais pontos da cidade, o engenheiromilitar destacou a posi-</p><p>ção da Igreja da Companhia de Jesus, o convento de São Francisco, a Igreja Matriz e a região</p><p>íngreme onde se localizou o Fortim São Diogo, respectivamente, identificados comos seguintes</p><p>números registrados na Planta da Villa da Victória: 2; 9, 16 e 21, outro levantamento importante</p><p>que o engenheiro realizou na ocasião (Figura 03).</p><p>A implantação da vila no platô, cuja maior elevação não ultrapassava a cota de 25 metros,</p><p>teve como destaque os edifícios religiosos, que através de sua arquitetura são omaior destaque</p><p>da iconografia, em especial das duas torres da Igreja de São Tiago, o templo jesuítico, em tama-</p><p>nhos diferentes e o frontão triangular, que compunham a fachada. A Igreja Matriz, que é vista em</p><p>sua lateral e, de fundos, também teve suas dimensões destacadas na paisagem urbana.O conven-</p><p>to de São Francisco, em sua posição privilegiada, a meia encosta, é retratado, ainda neste período,</p><p>fora do aglomerado de casarios que compunham a vila, i.e., mantinha-se praticamente fora de</p><p>seus limites físicos (Figuras 03 e 04).</p><p>A densa ocupaçãono platô e, das áreas circunvizinhas, é demonstrada pelo grande númerode</p><p>casarios de dois e até três pavimentos, como aqueles que se localizaram próximo ao mar e são</p><p>melhores visualizados na iconografia. A região da praia é formada pelos cais e armazéns, que têm</p><p>proporções significativas. Emdestaque, as ameias do Forte de Nossa Senhora da Vitória (Figuras</p><p>03 e 04).</p><p>A vila tinha na área central do platô implantado os três principais templos religiosos, que</p><p>foram, desde o século XVI, os elementos irradiadores do crescimento urbano. A partir deste</p><p>epicentro as ruas foram estruturadas até se implantarem na parte mais baixa, onde se instala-</p><p>ram os cais e a parte comercial, como em outras vilas e cidades da América Portuguesa, numa</p><p>clara referência ao urbanismo lusitano: a configuração espacial estruturada em cidade alta e</p><p>cidade baixa.</p><p>A relação da Vila da Vitória com o sítio é tão peculiar que se estendeu à configuração do</p><p>conjunto urbano, que está situado entre os dois braços demar, poucos perceptíveis na iconografia,</p><p>e nameia encosta atrás do platô. Do ponto onde se posicionou a câmara escura, registrou-se este</p><p>encastelamento “[...] nas grimpas da montanha a se espelhar nas águas tranquilas de um lago ”</p><p>(DERENZI,1995, p. 79). As ruas, estruturadas a meia encosta, e as ladeiras, configuraram a</p><p>implantação de quarteirões e lotes, de tal forma, que o casario, registrado no levantamento, se</p><p>implantou demaneira escalonada no sítio. Os diferentes níveis onde se situa o casario, implantado</p><p>114</p><p>lado a lado, sem recuo lateral, até o cume do platô, oferece uma percepção da conformação das</p><p>ruas, que se relacionavam com o desnível do casario (Figuras 03 e 04).</p><p>Este panorama registrado no século XVIII só viria a se modificar no final do século XIX e</p><p>início do século XX.No século XIX, a Vila da Vitória passou por diversas transformações impor-</p><p>tantes, tanto no aspecto físico-espacial, quanto nos aspectos econômicos sociais e políticos que,</p><p>de</p><p>certa forma, foram as principais causas do início de uma série de mudanças que vieram ocorrer</p><p>em sua estrutura física.</p><p>No governo de Francisco Alberto Rubim (1812-1819), segundo Martins (1995), ocorreram</p><p>as principais intervenções na Vila da Vitória, iniciando-se os aterros das áreas alagadiças e dos</p><p>manguezais que delimitavamoplatô onde estava implantada a vila. A área da cidade baixa que foi</p><p>se formando através dos entulhos jogado junto ao mar no fundo das casas passava então a se</p><p>constituir em uma das principais áreas da cidade, dando origem à Rua da Praia, que veio a ser a</p><p>artéria mais comercial do local, dando origem à Avenida Capixaba, e posteriormente à Avenida</p><p>JerônimoMonteiro, umadosprincipais corredoresde passagem deVitória na contemporaneidade.</p><p>A configuração espacial da vila, no entanto, não mudou em relação à sua organização inicial,</p><p>i.e., as construções de uso comercial, residencial e institucional e de lazer, se davam próximas</p><p>umas das outras, comdestaque para as igrejas e construções públicas, sendo que a área central do</p><p>platô continuava a ser a mais densa, muito embora, conforme citado, já havia a ocupação junto ao</p><p>mar na faixa de terreno de cota mais baixa. Até o início do século XIX, os templos religiosos ainda</p><p>dominavam não só a paisagem, mas também a estrutura urbana da mancha matriz de Vitória.</p><p>A Perspectiva da Vila da Vitória, 1805, de autoria Joaquim Pantaleão (REIS, 2000) (Figura</p><p>05) é outro documento que apresenta o perfil urbano do período, tendo emdestaque os templos</p><p>religiosos emoldurados pela colina.Ou seja, nos séculosXVIII eXIX temos osmesmos elemen-</p><p>tos que estruturam a paisagem urbana da vila.</p><p>Na pesquisa de doutoramento concluímos a importância que a Igreja Católica teve como</p><p>agente modelador do espaço da Vila da Vitória. A ligação entre os primeiros templos estruturou o</p><p>traçado da vila, bem como definiu os espaços onde se consolidou a ocupação do casario, que lado</p><p>a lado, por adição, configuraram os quarteirões, conforme já citado. Esta é uma das característi-</p><p>cas, segundoReis Filho (1968), da formação espacial das primeiras vilas do período colonial, e se</p><p>não destas, das povoaçõesmais simples. Esta lógica esteve presente na ocupação do sítio onde se</p><p>consolidou a Vila da Vitória, e foi influenciando em seu crescimento, até o início do século XX.</p><p>A partir do século XX, o desejo de rompimento com o passado colonial deu origem a uma</p><p>série de intervenções no espaço urbano de Vitória, elevada à categoria de cidade em 1823. A</p><p>cidade foi, então, “ecletizada”, e para tanto, durante o século XIX iniciaram-se diversas obras que</p><p>inauguram o que foi denominado posteriormente eeezetda cidade.</p><p>Uma das intervenções mais impactantes para a transformação da paisagem urbana foram os</p><p>aterros. Nos relatório de governo do século XIX constata-se que essas obras passam a ter um</p><p>investimentomaior do poder público: em1847, 1848, e 1871, registram-se obras para o aterro da</p><p>área denominada Campinho; em 1861 e 1862, registram-se obras para o aterro da área denomi-</p><p>nada Lapa. Na década de 1870 diversas intervenções urbanas foram feitas para melhoria ou</p><p>construção de praças, o que já demonstra uma nova concepção das áreas urbanas: ocorrerem as</p><p>115</p><p>obras na Praça do Palácio (antigo colégio jesuítico), no Cais do Santíssimo, Praça do Mercado,</p><p>Praça da Alfândega.</p><p>Os aterros deram origem a um novo solo urbano, que passa a ser ocupado por ruas e edifícios</p><p>que deveriam traduzir as inovações urbanas advindas da Europa: traçado regular e arquitetura</p><p>comnovos conceitos e tecnologia, traduzindo umnovo padrão social e estético.O estilo empre-</p><p>gado emVitória no início do século XX foi o Eclético, tendo a administração municipal investido</p><p>em normas para que a cidade passasse a ter uma nova imagem. Neste momento, os elementos</p><p>arquitetônicos, urbanos e paisagísticos remanescentes da cidade colonial sofrem grandes transfor-</p><p>mações. Com a demolição de praticamente todo o casario da cidade alta dá-se o início ao processo</p><p>de perda do acervo de bens culturais dos três séculos precedentes. Além do casario, as modifica-</p><p>ções no traçado e a ocupação da colina ao fundo do platô também vão transformar a paisagem</p><p>urbana deVitória.</p><p>O crescimento econômico ocorrido a partir da década de 1960 traz novas transformações</p><p>para a paisagem urbana de Vitória, com a conquista de novos espaços junto ao mar, ampliando as</p><p>áreas aterradas. Estas áreas passam a ser ocupadas por edifícios que rompem a escala de dois e</p><p>três pavimentos, então, gabaritos predominantes na área de estudo. Surgemos edifícios de até 15</p><p>pavimentos, que vãomodificar a relação do sítio comoconjunto arquitetônico, urbano e paisagístico</p><p>colonial e eclético.</p><p>A partir dessas transformações, o centro da cidade de Vitória adquire um novo perfil. A</p><p>necessidade de se avaliar as rupturas e permanências do acervo de bens culturais, notadamente o</p><p>acervo arquitetônico, urbano e paisagístico, se dá pela sua relevância na história da arquitetura e</p><p>urbanismo do Brasil, tendo em vista que a cidade, conforme citado, é uma das mais antigas do</p><p>país e teve em sua estruturação elementos da tradição urbana lusitana.</p><p>A partir da elaboração de mapas temáticos de síntese, que são documentos cartográficos</p><p>resultantes da síntese das pesquisas realizadas a partir de fontes primárias e secundárias, que</p><p>fundamentaram a análise histórica da formação urbana de nosso objeto de estudo e integram o</p><p>conjunto de reflexões dodoutoramento (SOUZA, 2005) e da presente pesquisa, pode-se analisar</p><p>as transformações da paisagem urbana de Vitória. Ressaltamos que os mapas temáticos de síntese</p><p>são abstrações intelectuais que apresentamo fenômeno urbano de forma simbólica, e que objetivam</p><p>conjecturar as diferentes formas que o espaço e a paisagem urbana podem ter assumido.</p><p>Dessa forma, através dos mapas temáticos e da cartografia histórica, realizou-se uma síntese</p><p>da evolução das transformações da paisagem urbana daVila daVitória, buscando demonstrar as</p><p>(1) características de seu sítio de implantação, (2) as características da paisagem urbana colonial e</p><p>(3) as rupturas destes elementos na paisagem do século XX e na contemporaneidade.</p><p>Através da Figura 01 observa-se o sítio de implantação da Vila da Vitória dentro da Baía</p><p>homônima, em posição defensável, remetendo às implantações urbanas da tradição lusitana que</p><p>foi utilizada na América Portuguesa.</p><p>No Detalhe da Figura 01, pode-se observar as características do platô onde foi implantada a</p><p>Vila da Vitória no século XVI. Vê-se em destaque que a porção de terra onde se estruturou a</p><p>116</p><p>trama urbana era ladeada pelas águas da baía e ao fundo omaciço central da ilha. Ressalta-se que</p><p>as ocupações junto ao mar foram se dando lentamente até o século XIX, sendo que, a partir deste</p><p>momento, iniciam-se os aterros quemudariam o perfil urbano e paisagístico de Vitória.</p><p>Figura 01 – Mapa Temático de Síntese. Planta de Reconstituição da implantação da Vila da Vitória no Século XVI.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo da autora</p><p>Detalhe da Figura 01 – Mapa Temático de Síntese. Sítio de implantação (Platô) da Vila da Vitória.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo da autora.</p><p>Na Figura 02, na próxima página, tem-se amodelagem da topografia do sítio onde foi implan-</p><p>tada a Vila da Vitória no século XVI. Conforme se atesta, a vila implantada em um platô tinha ao</p><p>fundo uma montanha que se sobrepunha à escala da arquitetura colonial. No platô, onde foi</p><p>implantada a vila, a maior cota não excedia a 30 metros, e o maciço central possuía altura com</p><p>cotas superiores a 200metros.</p><p>117</p><p>As Figuras 03 e 04 representamo primeiro levantamento daVila da Vitória no período colonial,</p><p>realizado em1765, i.e., no séculoXVIII.AFigura 03 retrata o levantamentodoespaçourbanoda vila,</p><p>com identificação dos principais edifícios e espaços. A Figura 04 registra a paisagem urbana, tendo</p><p>comodestaqueos edifícios religiosos e a cadeiamontanhosa ao fundo.Nesteperfil pode-se constatar</p><p>uma das recorrentes citações da historiografia sobre Vitória: cidade</p><p>teorias</p><p>do restauro propostas pelomais influente dos teóricos da conservação</p><p>no século XX, Cesare Brandi, que marcaram o espírito da</p><p>fundamental Carta Italiana del Restauro, de 1972, a qual condenou a</p><p>9 LENCLOS, J.-P. Les couleurs de la</p><p>France. Paris: Moniteur, 1982. Do</p><p>mesmo autor, The Geography of</p><p>Color. Tóquio: San´ei Shobo</p><p>Publishing Company, 1989.</p><p>10 NEMESICS, A. Budapest: The</p><p>coloroid system, The colour</p><p>scheme of the Buda Castle</p><p>District. Em The Colour of the City.</p><p>Haia: V+K Publishing, 1992.</p><p>11 LENCASTER, M. Colourscape,</p><p>Londres, Academy Editions, 1996.</p><p>Porter, T. - Colour Outside. Lon-</p><p>dres, Architectural Press, 1982.</p><p>12 BRANDI, C. Teoria del Restauro.</p><p>2ª ed. do original de 1963. Turim:</p><p>Picola Biblioteca Einaudi, 1977.</p><p>1963 A Carta Italiana del Restauro</p><p>encontra-se traduzida para</p><p>Castelhano em JUSTÍCIA, M. -</p><p>Antología de textos sobre</p><p>restauración, Jaén: ed. Universi-</p><p>dade de Jaén, 1996, pp. 169-194.</p><p>16</p><p>sistemática renovação arquitetônica e urbana contrapondo-lhe o “restauro urbano” e, portanto</p><p>também, a necessidade da salvaguarda das superfícies e revestimentos históricos da cidade, perante</p><p>a sua óbvia importância estética e linguística para a leitura da própria cidade histórica, entretanto</p><p>também já entendida como uma “obra de arte”, ainda que coletiva12.</p><p>Nessas abordagens são de referência obrigatória os trabalhos pioneiros de investigação em</p><p>história da arte e da arquitetura de Manfred Koller e de Paolo Marconi 13. Também as novas</p><p>abordagens científicas aos problemas do restauro e da conservação (importando citar os contributos</p><p>de cientistas comoGiorgio Torraca e o seu fundamental Porous Building Materials14) assim como a</p><p>gradual adaptação das metodologias e das técnicas desenvolvidas para a conservação da pintura</p><p>mural (que tinham o seu estado da arte registado no fundamental tratado La Conservation des</p><p>PeinturesMurales do casal Mora e de Paul Phillipot15), testadas e aperfeiçoadas por novas gerações</p><p>de restauradores que deixam gradualmente de se dedicarem só e apenas às mais elevadas formas</p><p>do restauro dos objetos artísticos e que pouco a pouco começam a debruçar-se sobre o mais</p><p>amplo universo do restauro arquitetônico (como é o caso dos austríacos Ivo Hammer e Heinz</p><p>Leitner, apenas para exemplificar).</p><p>Seria demasiado fastidioso enunciar aqui o grande número de</p><p>intervenções de projeto urbano na Europa em que a discussão da</p><p>cor e a decisão de conservar e/ou restaurar revestimentos e superfícies</p><p>arquitetônicas afetamdecididamente a forma comohoje vemos essas</p><p>cidades históricas. Praga, Turim, Roma, Siena, Pienza, Viena,</p><p>Barcelona, Estocolmo são apenas algumas dessas muitas cidades.</p><p>Houve países em que a cal já se tornou a norma no restauro de</p><p>edifícios históricos e os planos de cor, uma obrigatoriedade para os</p><p>seus centros históricos.</p><p>Portugal, nesse contexto está substancialmente atrasado. Entre</p><p>nós permanece uma longa tradição de imposição à arquitetura que</p><p>se considera histórica (por vezes também a não-histórica) de um</p><p>monocromatismo branco ou à cor da pedra. Este branco imposto</p><p>surgiu de uma argumentação aparentemente positivista e higiênica</p><p>(na segunda metade do século XIX, perante o ressurgir de pestes</p><p>urbanas e consequente obrigatoriedade de caiar), que evoluiu para</p><p>pendores fortemente nacionalistas durante o Estado Novo,</p><p>suportando-se no desejo do reflexo de tradições culturais que</p><p>relacionam o branco com a afirmação visual, no território, de uma</p><p>cultura de Sul e mediterrânea, ressurgindo mais uma vez no seu</p><p>pendormais funcionalista e higienista nonosso tardio Moderno.</p><p>Hoje a continuidade dessas imposições pode ser fortemente</p><p>negativa se considerarmos ausual não correspondência entre as cores</p><p>habitualmente impostas - sem provas históricas emateriais concretas</p><p>que as justifiquem em conjuntos históricos.Nem sempre tambémo</p><p>branco é a cor quemelhor se integra numdeterminado contexto ou</p><p>território, tendoaté já sido registradoo ladocromaticamentepoluidor</p><p>dobranco.</p><p>13 KOLLER, M. Architektur und</p><p>Farbe, Probleme ihrer Geschichte,</p><p>Untersuchung und Restaurierung.</p><p>Em Maltechink-Restauro, nº4.</p><p>Viena: 1975. Ver também</p><p>KOLLER, M.; KOBLER, F. -</p><p>Farbigkeit der Architectur. Em</p><p>Reallexicon zur deutschen</p><p>Kunstgeschichte, vol VII. Muni-</p><p>que: 1975; e ainda KOLLER, M. -</p><p>Facciate dipinte in Europa centrale:</p><p>ricerca e restauro. Em Facciate</p><p>Dipinte, Conservazione e restau-</p><p>ro, Atti del convegno di studi.</p><p>Génova: Sagep Editrice, 1982.</p><p>MARCONI, P., et. al. - Il colore</p><p>nella edilizia storica. Em Bolletino</p><p>d´Arte, Supplemento 6. Roma:</p><p>1984.</p><p>14 TORRACA, G. Porous building</p><p>materials. Roma: ICCROM, 1982.</p><p>Do mesmo autor Processes and</p><p>Materials used in Conservation,</p><p>Roma, ICCROM, 1980.</p><p>15 MORA, L. ; MORA, P. ;</p><p>PHILIPPOT, P. La Conservation des</p><p>peintures murales. Bolonha: 1977.</p><p>De Paul Philippot veja-se ainda o</p><p>fundamental: Historic</p><p>Preservation: Philosophy, Criteria,</p><p>Guidelines. Em Proceedings of the</p><p>Northamerican Int. Regional</p><p>Conference. Pennsylvania: 1972.</p><p>16 AAVV A Cor de Lisboa. 2ª edição</p><p>do original de 1949. Lisboa: CML-</p><p>Amigos de Lisboa, 1993.</p><p>17</p><p>Na verdade, fora alguns momentos de intenso interesse (como na intensa polêmica sobre a</p><p>cor da cidade de Lisboa na década de 194016) a discussão disciplinar da cor na arquitetura e no</p><p>urbanismo émuito parca entre nós. Considerado um temamenor pelo racionalismo culturalmente</p><p>dominante, sublimado pelo excessivo e idiossincrático exercício cromático das volúveis estrelas</p><p>pós-modernas, o assunto tornou-se um “tema a evitar”. Este vazio só foi gradualmente alterado</p><p>na década de 1990, no surgimento de discussões públicas sobre o tema da cor e da cidade</p><p>histórica, e academicamente alterando-se decididamente o status quo com o pioneiro surgimento</p><p>na Universidade Portuguesa de um específicoMestrado (apenas na FAUTL e em 2002-2003).</p><p>No país, os estudos cromáticos baseados emmétodos mais rigorosos de abordagem ocorrem</p><p>no início da década de 1980, com um pioneiro plano: o Plano de Salvaguarda e Recuperação de</p><p>Beja, baseando-se na metodologia proposta por Jean-Philippe Lenclos (na, já citada, obra Les</p><p>couleurs de la France). Neste registo de mudança é importante realçar ainda a lucidez do discurso</p><p>teórico de Eduardo Nery, que em 1988 publicou uma interessante reflexão sobre o tema da cor</p><p>e a cidade17. Nesse pioneiro ensaio e partindo duma interpretação negativa da forma como evolui</p><p>a nossa paisagem urbana, Nery apresenta pela primeira vez no país uma fundamentação teórica</p><p>sólida e coerente para o desenvolvimento de programas orquestrados de investigação, de análise</p><p>e de planeamento da cor, nomeadamente para a cidade de Lisboa.</p><p>Importa ainda não esquecer os diversos projetos levados a cabo nos centros históricos de</p><p>Évora, Guimarães, Porto e Lisboa (primeiro no decorrer da 7ª Colina e mais recentemente pelo</p><p>Projecto Integrado do Castelo), no quadro de atuação dos antigos GTL´s, hoje gabinetes ditos do</p><p>“centrohistórico” e responsáveis pela coordenaçãodas intervençõesnosnúcleosurbanosdessas</p><p>cidades18.</p><p>Acompanhando a evolução europeia, foi nas duas últimas décadas do século XX que se</p><p>iniciou a gradual construção da disciplina da Conservação enquanto hermenêutica prática, tal</p><p>como a fundamentou Cesare Brandi na sua Teoria do Restauro – i.e. uma Filosofia da Arte</p><p>aplicada ao Restauro e fundamentando-se na sua verificação prática. Uma teoria (fundamentada</p><p>na História e na Crítica da Arte) confrontada com uma praxis, comprovada pela ciência com o</p><p>experimentalismodos laboratóriosdoInstitutoCentraldeRestauroem Roma(ICR)depois traduzida</p><p>numa “Escola”, uma Escola de Restauradores, amplificada internacionalmente por estruturas</p><p>como o International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural</p><p>Property (ICCROM).</p><p>Foi exatamente pelo ICR e pelo ICCROM que se deu o primeiro contato de muitos de nós,</p><p>comosnovos ensinamentos dessa notável (e muito generosa) geração: Brandi; Philippot; Laura e</p><p>Paolo Mora, Torraca, Massari, Tabasso etc. Este contato aconteceu sobretudo na década de</p><p>1980, e aindamais na década de 1990, do século XX, período em que algumas</p><p>que se estruturou entre omar e a</p><p>montanha.Cabe ressaltar que o engenheiro retratou operfil daVila daVitória nomesmoperíodo em</p><p>que foi levantada a sua planta, tendo representado a vila com suas principais características. Esses</p><p>levantamentos sãoumdosprincipais documentosdoperíodo colonial sobreVitória. Sua análise permi-</p><p>te que sejam conhecidos vários aspectos da vida urbana, social, econômica, além de permitir que se</p><p>façam conjecturas sobre a forma urbana da vila antes deste levantamento, a partir das informações</p><p>levantadas sobre os séculos anteriores coletadas nas fontes primárias e secundárias.</p><p>Figura 02 – Mapa Temático de Síntese. Modelagem do sítio de implantação da Vila da Vitória no Século XVI.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo do autor.</p><p>Figura 03 – Planta da villa da Victoria e Planta da Barra.</p><p>Autoria: José Antônio Caldas. - Fonte: OLIVEIRA, 1951</p><p>118</p><p>NaPlanta lê-se:</p><p>“Planta damesma villa daVictoria na AmericaMeridional. / 1Forte do</p><p>Ignacio na cerca que foi dos jesuitas / 2 Igreja de S. Thiago dosmesmos /</p><p>3 Seo collegio / 4Mizericordia / 5 Igreja de S. Gonçalo Garcia / 6 Cadêa e</p><p>CazadaCamara/7Pelourinho /8StoAntonio/9Convento dosCapuchos</p><p>/ 10 Ordem 3ª de S. Francisco / 11 Capela de St. Luzia / 12 Armazem da</p><p>polvora e caza d’armas / 13 Igreja de N. S. do Carmo / 14 Convento dos</p><p>religiosos Carmelitas / 15Ordem 3ª do Carmo / 16Matriz como orago de</p><p>N. S. daVictoria / 17Capela deN. S.daConceição / 18 Pequenas pontes de</p><p>comunicação / 19 Trapiche que foi dos jesuitas / 20 Forte de N. S. do</p><p>Monte doCarmo / 21 Fortinho de S. Thiago / 22 Cazas e caes, que a bem</p><p>da fortificação se embargaram quando se levantou esta planta / Petipé.”</p><p>Figura 04 - Prospecto da Vila da Vitória.</p><p>Autoria: José Antônio Caldas.</p><p>Fonte: REIS, 2000.</p><p>No Prospecto lê-se:</p><p>“Prospeto da Vila da Vitoria Capital da Capitania doEspirito Santo, e</p><p>distante da foz do Rio do mesmo nome, huma Legoa: na Latitude de 20 g.</p><p>e 15 m. ao sul, e 334 g e 45 m. de longitude. Foi tirado com Acamara</p><p>obscura por JozêAntonioCaldas. Capitamde Infantaria com exercicio de</p><p>Engr.º Lente da Aula Regia das forteficasoens da Bahia, mandado à dita</p><p>Capitania do Real Serviso pelo Ilum.º e Exm.º S.r Conde de Azambuja</p><p>CapitamGeneral e Governador desta Capitania B.ª8 de Sbr d 1767”.</p><p>Autor: José Antônio Caldas.</p><p>Fonte: Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.</p><p>119</p><p>NoProspecto lê-se também:</p><p>“Prospecto da vila da Victoria / Capital da Capitania do Espírito-Santo e</p><p>dis- / tante da foz do rio domesmo nome urna legoa na / latitudemeridi-</p><p>onal de 20°-15’ e na longitude de 344°-15’. / Explicação: / 1Trapiche que</p><p>foi dos jesuitas / 2 Igreja e collegio dos mesmos / 3 Forte de N. S. do</p><p>Carmo / 4 Igreja da Misericordia / 5 Cadêa e Caza da Camara / 6 Igreja</p><p>Matriz / 7 Forte de S. Thiago / 8 Igreja e Convento de S. Antonio dos</p><p>Cap.os / 9 Pedra redonda / 10Monte da vigia / 11 Sequito que as embar-</p><p>cações trazempelo rio.”</p><p>A Figura 05 retrata a paisagem urbana deVitória no séculoXIX, no ano de 1805.O levanta-</p><p>mento realizadomostra em destaque a presença dos cais no porto, pois as atividades comerciais</p><p>estavam aquecidas e a vila já sentia os sinais dasmelhorias econômicas do período.Ainda perma-</p><p>necem em destaque na paisagem no início do século XIX as torres sineiras da igreja jesuítica, bem</p><p>como amontanha ao fundo.</p><p>Figura 05 - Perspectiva da Villa da Victoria, em 1805.</p><p>Autoria: Joaquim Pantaleão.</p><p>Fonte: REIS, 2000</p><p>NaPerspectiva lê-se:</p><p>“PERSPECTIVA DA VILLA DE VICTORIA/ Capitania do</p><p>ESPIRITOSANTOpor JoaquimPantaleão Per.ª da S.ª/Anno de 1805”.</p><p>Autor: Joaquim Pantaleão Pereira da Silva.</p><p>Fonte: Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.</p><p>É uma vista em perspectiva da Vila de Vitória, tomada a partir do canal. O maior destaque</p><p>aparece no antigo Colégio dos Jesuítas, com sua igreja (A) e, na extremidade direita da colina, a</p><p>Matriz, já com sua nova fachada com frontão trabalhado (B). Bemmais acima vemos a igreja do</p><p>Rosário (D); entre a Matriz e o Colégio dos Jesuítas, a igreja da Misericórdia (C) e a Casa de</p><p></p><p>Câmara e Cadeia (E), com dois corpos de telhado destacados. Ao centro, um grande cais avança</p><p>em direção ao canal.</p><p>As análises sobre a evolução urbana de Vitória demonstraram alguns resultados que podem</p><p>ser verificados através das Figuras 06 e 07.</p><p>Figura 06 - Mapa Temático de Síntese. Permanências e rupturas na estrutura urbana de Vitória.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo da autora.</p><p>Através da Figura 06 pode-se observar que até o século XIX a trama urbana de Vitória,</p><p>representada pela cor amarelo, pouco rompeu com seu sítio de implantação, mantendo as</p><p>características morfológicas do período colonial, conforme já atestado em outras etapas desta</p><p>pesquisa (SOUZA,2005).</p><p>A estrutura urbana representada na cor cinza é aquela que foi se consolidando a partir do</p><p>século XIX e que se mantém na contemporaneidade. Na cor roxa os edifícios religiosos</p><p>remanescentes do período colonial, que eram destaque na trama urbana e na paisagem de Vitória,</p><p>hoje numaposição diferente.</p><p>As linhas de preamar representadas nas cores verde, do século XIX, e azul, do século XX,</p><p>demonstram a quantidade de área que foi conquistada junto ao mar.</p><p>Através da Figura 07 podemos constatar algumas permanências no âmbito da arquitetura na</p><p>estrutura urbana de Vitória. A partir do levantamento das edificações protegidas nas diferentes</p><p>esferas do poder público, ou seja, no âmbito federal, estadual e municipal, tem-se o inventário</p><p>preliminar dessas permanências históricas na área que constitui o objeto de estudo.</p><p>Ressaltamos que as edificações tombadas em nível federal são remanescentes do período</p><p>colonial, sendoemsuamaioria templos religiosos. Praticamente todoocasario colonial foi demolido.</p><p>As demais edificações são dos séculos XIX e início do XX.</p><p>Dessa forma, pode-se concluir queVitória preservamuitomais os elementos remanescentes</p><p>de uma fase em que o poder público quis apagar seu passado colonial, como uma nova linguagem</p><p>urbana e estética, notadamente, o ecletismo, conforme já abordado.</p><p>As transformações ocorridas a partir da década de 1960 alteraram profundamente a paisagem</p><p>urbana de Vitória. Ao compararmos a paisagem urbana colonial com a paisagem contemporânea,</p><p>tendo como marco o século XIX, período onde se inicia a ruptura com as estruturas urbanas e</p><p>arquitetônicas, contata-se que os bens culturais dos séculos precedentes foram em sua maioria</p><p>perdidos.</p><p>121</p><p>Através da Figura 08 podemos atestar como a evolução urbana de Vitória até o século XIX</p><p>não alterou a lógica de crescimento desde a conformação da mancha matriz, ou seja, de acordo</p><p>como padrão do urbanismo lusitano vernacular.</p><p>Figura 07 - Mapa Temático de Síntese. Permanências na estrutura urbana de Vitória.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo da autora.</p><p>Figura 08 - Estrutura urbana de Vitória no Século XIX.</p><p>Autoria: Luciene Pessotti, 2010.</p><p>Fonte: Acervo da autora.</p><p>As transformações ocorridas a partir do século XIX podem ser verificadas através da Figura</p><p>09, onde são apresentados juntamente três perfis da paisagem urbana de Vitória, sendo o primeiro</p><p>do século XVIII, o segundo do século XIX e o terceiro da contemporaneidade.</p><p>Entretanto, o elemento natural, notadamente omaciço central, permanece emdestaque.Nota-</p><p>se que a baía ainda possui forte impacto na percepção da paisagem, entretanto, a relação da cidade</p><p>com o mar foi bastante alterada, e a percepção de cidade estruturada entre o mar e a montanha</p><p>também foi perdida.</p><p>Ainda que a percepção da paisagem urbana de Vitória não ofereça uma visão de seus bens</p><p>culturais remanescentes do período colonial, tendo sido adotado omesmo ponto de observação</p><p>da cartografia histórica, ou seja, o registro se dá pelo mar numa visão mais ampla da área de</p><p>estudo, pode-se, entretanto, afirmar que algumas perspectivas internas na estrutura urbana permitem</p><p>a percepção de edifícios e áreas históricas.</p><p>122</p><p>No entanto, optamos, nesse primeiro momento, por adotar as mesmas visadas obtidas ao</p><p>longo dos</p><p>novas gerações de</p><p>cientistas, de arquitetos e engenheiros, e a primeira geração do “Restauradores - Conservadores”</p><p>portugueses, travaram contato com o célebre ICR de Roma que</p><p>Brandi fundou e dirigiu, e, depois, com os cursos de restauro que o</p><p>ICCROM concretizava em Roma e por toda a Europa.</p><p>Refiro-me aos célebres cursos Conservation de PintureMural (depois,</p><p>coma avassaladoraprimaziaanglo-saxônica,designadosdeMuralPainting</p><p>Conservation), refiro-me aos estruturais cursosArchitectural Conservation</p><p>e aosmais específicos cursosArchitectural SurfacesConservation (também</p><p>a outros, orientados para a conservação demateriais específicos como</p><p>17 NERY, E. A cor de Lisboa. Em</p><p>Povos e Culturas, A Cidade em</p><p>Portugal: Onde se Vive, nº2. Lis-</p><p>boa: Edição do Centro de estudos</p><p>dos povos e culturas de expres-</p><p>são portuguesa - Universidade</p><p>Católica Portuguesa, 1987.</p><p>18 J. Aguiar, op. cit., 1999.</p><p>18</p><p>a pedra, a madeira, ou para os cientistas, como os cursos de análise</p><p>não destrutiva dos materiais das obras de arte etc.).</p><p>Formações avançadas frequentadas por muitos dos atuais</p><p>protagonistas portugueses do mundo do restauro e da conservação,</p><p>da embrionária investigação científica ao projeto e à praxis, e ocorrem-</p><p>me de memória: T. Cabral, J. Cordovil, J. Caetano, I. Frazão, M.</p><p>Portela, F. Peralta, F.Henriques,M. Fernandes, F.Marques, F. Pinto,</p><p>J. Cornélio, J. Aguiar, S. Salema, J. Antunes, A. Barreiros, P. Santa</p><p>Bárbara, E. Murta, T. Gonçalves, E. Paupério, M. Goreti etc.</p><p>Cursos de conservação baseados no aprender fazendo e na</p><p>experimentação das mais contemporâneas teorias do restauro.</p><p>Rescrevendo as praxis ao mesmo tempo que se permitia a algumas</p><p>das nossas gerações os primeiros contatos com os centros de</p><p>excelência, com as intensas discussões pluridisciplinares que desde</p><p>os anos 1970 ferviam pela Europa.</p><p>Acedemos assim pela primeira vez aos conhecimentos mais</p><p>avançados e ao inexcedível convívio direto com as mais distintas</p><p>estrelas desse novo universo da nova disciplina da conservação</p><p>patrimonial (comoo saudoso casalMora,G. Torraca,H. eG.Massari,</p><p>M. Koller, E. De Witte, J. Jokilehto, e tantos outros). Cursos onde</p><p>hoje, como feliz indicador do nosso crescimento científico, onde já</p><p>não encontramos apenas alunos mas também professores e</p><p>investigadores portugueses, como o investigador do LNECDelgado</p><p>Rodrigues.</p><p>Alguns desses , associados a invest igadores de diversas</p><p>especialidades (Engenharia Civil, Química, Física das Construções,</p><p>Geologia, Arquitetura e Urbanismo etc.), fundaram no LNEC o</p><p>COSAH - Grupo de Estudos da Conservação das Superfícies</p><p>Históricas! Dentro do próprio LNEC a estreita colaboração com</p><p>um grupo extraordinários de investigadores, tais como António Reis</p><p>Cabrita, Vasconcelos de Paiva, João Appleton, Delgado Rodrigues,</p><p>RosárioVeiga, TeresaGonçalvez, Santos Silva, FernandoHenriques,</p><p>Mary Mun, J. Mimoso, M. Baião etc., permitiu o lançamento de</p><p>Projectos de Investigação19, e a organização de conferências científicas</p><p>internacionais, como os célebres ENCORES - Encontro sobre</p><p>conservação e reabilitação de edifícios, o primeiro I Encontro Cor e</p><p>Conservaçãode SuperfíciesArquitectónicas (LNEC, 1999). Iniciou-se assim,</p><p>em paralelo com algumas universidades que lançavam os primeiros</p><p>cursos de pós-graduação em conservação, a construção científica</p><p>das suas bases.</p><p>Hoje multiplicam-se os encontros como os ainda recentes</p><p>HMC2008 e COLORS 200820, as publicações e os projetos de in-</p><p>vestigação de fundo e aplicados onde se integram as dissertações e</p><p>teses de doutoramento que irão garantir o surgimento de novas ge-</p><p>raçõesde investigadores21.</p><p>19 De forma não exaustiva: 2004-</p><p>2008 Lime renders conservation:</p><p>Improving repair techniques and</p><p>materials on architectural heritage,</p><p>FCT (POCTI/HEC/57723/2004);</p><p>2004-2008 Pigmentos e práticas</p><p>históricas da pintura mural: ca-</p><p>racterização dos materiais e das</p><p>tecnologias da cor no património</p><p>urbano do Alentejo, FCT (POCTI/</p><p>HEC/59555/2004); 2004-2008</p><p>Bases para o Restauro dos Re-</p><p>vestimentos Históricos do Centro</p><p>Histórico de Coimbra, Instituto</p><p>Pedro Nunes, FCT (POCTI/HEC/</p><p>60371/2004); 2003-2007 Guia</p><p>técnico para a reabilitação de edi-</p><p>fícios habitacionais (LNEC-INH-</p><p>SEH); 2000-2005 Projecto Conser-</p><p>vação do Património</p><p>Arquitectónico e Urbano, onde é</p><p>responsável pelo desenvolvimen-</p><p>to do estudo “Conservação e</p><p>requalificação da imagem urbana</p><p>em Centros Históricos”, PIP-</p><p>LNEC; 1999-2005 Metodologias</p><p>para a Mitigação do Risco Asso-</p><p>ciado à Degradação das Constru-</p><p>ções (FCT); 1999-2003 Projecto</p><p>Metodologias para Caracterização,</p><p>Manutenção e Reparação de Re-</p><p>bocos para Edifícios Antigos</p><p>(OLDRENDERS); 1999-2002</p><p>Laboratories on Science and</p><p>Technology for the conservation</p><p>of the European Cultural Heritage</p><p>(LABSTECH); 1995-2000 Projecto</p><p>Estudos Cromáticos nas Interven-</p><p>ções de Conservação em Centros</p><p>Históricos, JNICT, PCSH/C/ARQ/</p><p>864/95.</p><p>20 Vejam-se as actas dos últimos</p><p>Encontros concretizados sobre o</p><p>tema da conservação de superfí-</p><p>cies arquitectónicas: HMC2008:</p><p>Historical Mortars Conference, re-</p><p>alizada em LISBOA, no LNEC, de</p><p>24 a 26 de Setembro de 2008</p><p>(http://www.lnec.pt/congressos/</p><p>eventos/hmc08/). ISBN:</p><p>9789724921563; COLOURS 2008,</p><p>bridging science with Art. Évora,</p><p>10-12 Julho 2008, realizado no Co-</p><p>légio do Espírito Santo, University</p><p>of Évora, Portugal (http://</p><p>www . c i u l . u l . p t / ~ c o l o u r /</p><p>index.htm).</p><p>19</p><p>6. Para concluir: não é Grafite, é Escrita Vandálica!6. Para concluir: não é Grafite, é Escrita Vandálica!6. Para concluir: não é Grafite, é Escrita Vandálica!6. Para concluir: não é Grafite, é Escrita Vandálica!6. Para concluir: não é Grafite, é Escrita Vandálica!</p><p>Aprendi que é muito difícil ver em arquitetura, e que vemos em função direta do que</p><p>sabemos. Num tempo que, na cultura europeia, se assiste a uma revalorização da ideia do</p><p>regresso à cidade, i.e. ao viver e habitar a cidade, perante o desafio feito pelos editores desses</p><p>Cadernos do DED - para uma reflexão sobre o esquecimento e o abandono a que têm sido</p><p>votados os nosso espaços públicos e da necessidade da urgente requalificação -, procurou-se</p><p>contribuir focando esta, só aparentemente banal, questão da visualidade, i.e. desses microns ou</p><p>centímetros quemodelam as faces das cidades e da sua arquitetura, nas formas como esta se vê</p><p>(ou não se vê), como se transmite e se dá a ver, questão ainda muito desconsiderada nos</p><p>projetos e planos de hoje.</p><p>É evidente que o problema da cor nos (mal)ditos “centros históricos” nem de longe nem de</p><p>perto é hoje apenas um problema metodológico ou, sequer, tecnológico! Aliás, esses são, muito</p><p>provavelmente, os aspectosmais próximos de uma solução. Como emquase tudo que diz respeito</p><p>à arquitetura e à cidade, é sobretudo a multiplicidade dos aspectos socioculturais, dos olhares da</p><p>antropologia aos da história, dos impactos recentes na alteração dos modos de produção nas</p><p>formas e espaços de vida do homens, que verdadeiramente condicionam a forma como hoje a</p><p>cidade histórica é vivida e percebida, afetando decididamente os processos de requalificação da</p><p>cidade e da sua imagem que temos de pôr em marcha.</p><p>Provavelmente vivemos a sorte (ou o azar) de assistirmos aos tempos de uma profunda</p><p>mudança civilizacional, no fim de uma cultura e no desenho de uma nova sociedade pós-industri-</p><p>al, mudanças perante as quais se rescrevem as morais, as políticas e as vidas. Não sabemos –</p><p>tomara que os soubéssemos – os seus novos paradigmas. Mas desconfiamos de alguns dos novos</p><p>valores (do primadoda ecologia ao valor do conhecimentoe, sobre-</p><p>tudo, da informação) e, sobretudo, sabemos que as sociedades urba-</p><p>nas estão em rápida e estrutural mudança, no surgir de novos tipos</p><p>de comunidades multiculturais e multi-étnicas, que se reapropriam</p><p>do patrimônio de acordo com novos valores, certamente distintos</p><p>dos antigos ênfases históricos e nacionalistas.</p><p>Tudo isso perante também um ambiente cultural que faz do</p><p>consumismo (transvertido empseudo transgressão) umdos seus prin-</p><p>cipais valores. E aqui importa reparar no apreço de alguns (pseudo?)</p><p>artistas plásticos e, sobretudo, de tantos jovens pela escrita</p><p>vandálica (e</p><p>deixemos de ambiguidades: não se chame grafite ao que não o é)22.</p><p>Por escrita vandálica refiro-me a esta praga dos nossos dias que</p><p>cobre com sprays irreversíveis (a sua remoção implica sempre per-</p><p>da do material constitutivo ou alteração permanente das caracte-</p><p>rísticas físicas e químicas) as superfícies das nossas paredes, ou as</p><p>pedras dos nossos monumentos.</p><p>Na verdade estamos a falar demateriais porosos, quando o spray</p><p>dos grafites atinge essas superfícies o líquido vai ainda em estado</p><p>líquido e emgotículas demuito pequena dimensão, penetrandopelos</p><p>espaços existentes entre alvéolos, cristais ou através de poros aber-</p><p>tos.Os solventes, que tornam líquida a tinta, ao evaporaremdeixam</p><p>21 Realço aqui no domínio da con-</p><p>servação das superfícies</p><p>arquitectónicas algumas das te-</p><p>ses que oriento ou co-oriento: as</p><p>teses já finalizadas de Milene Gil</p><p>Duarte: Pigmentos e práticas his-</p><p>tóricas da Pintura Mural: Caracte-</p><p>rização dos materiais e das</p><p>tecnologias da cor no património</p><p>urbano do Alentejo; e de Martha</p><p>Tavares, sobre metodologias de</p><p>consolidação de rebocos, de títu-</p><p>lo: A Conservação e o Restauro</p><p>de Revestimentos Exteriores de</p><p>Edifícios Antigos. Uma</p><p>metodologia de estudo e de repa-</p><p>ração; e ainda a tese em desen-</p><p>volvimento de Sofia Salema: Con-</p><p>servação das superfícies</p><p>arquitectónicas e a imagem urba-</p><p>na: O estudo dos esgrafitos no</p><p>Alentejo.</p><p>22 A.A. V.V. Roma imbrattata e</p><p>imbruttita. Roma: Edizioni Nagard,</p><p>1999.</p><p>20</p><p>o resíduo seco em profundidade. A remoção com novos solventes muitas vezes apenas alastra</p><p>ainda mais, e mais profundamente, a coloração indesejada, restando a sua extração mecânica ou</p><p>a repintura (se esta não for transparente). Mais recentemente surgiu o laser, mas o seu emprego</p><p>em obras não excepcionais é ainda raro.</p><p>A escrita vandálica produz danos irreversíveis nos nossos monumentos, afeta decididamente</p><p>as contas públicas pelo elevado custo da sua remoção, tem clara consequências na percepção da</p><p>segurança por parte dos cidadãos e na avaliação que estes fazem da eficácia dos municípios</p><p>quanto à sua obrigação e capacidade de manterem belas e limpas as cidades.</p><p>A luta contra os indesejados grafites e contra a ainda mais indesejada escrita vandálica é de</p><p>décadas e com resultados desiguais. Nos Estados Unidos, depois de décadas de campanhas de</p><p>sensibilização, semgrande eficácia, apenas começaram o obter alguns resultados com o endureci-</p><p>mento da atuação das autoridades e a clara criminalização do ato, o mesmo se passou em países</p><p>doNorte daEuropa, como a Dinamarca.NaHolanda e naGrã Bretanha continua tentando-se o</p><p>diálogo. Em todos esses países propuseram-se locais alternativos para essas expressões (pouco</p><p>eficaz pois esta alternativa é recusada pelos autores dos grafites, considerando-a uma tentativa de</p><p>domesticação de uma arte que desejam transgressora), assim como a proteção dosmonumentos</p><p>e zonas históricas com a aplicação de barreiras anti-grafite (hidro-repelentes de superfície), solu-</p><p>ções que permitam tornar mais fácil e provocar menos danos na sua remoção. Entre nós continu-</p><p>am a abundar os discursos e as promessas, algumas tentativas de controle através de enquadramento</p><p>municipal (disponibilidade de locais alternativos e organização de iniciativas apoiadas</p><p>institucionalmente) mas com poucos resultados concretos ou, sequer, animadores.</p><p>O drama da arquitetura de hoje é (provavelmente foi-o desde sempre) o de conseguir propor</p><p>novas espacialidades que anunciem, ou pelomenos que não impeçam, o futuro, resolvendo neces-</p><p>sidades do presente e integrando as permanências essenciais do passado. A novidade está na</p><p>necessidade de servir a uma sociedade de extremos: dividida entre os que se batem acerrimamente</p><p>pela preservação das antigas pinturas, afirmando a amplitude dos seus valores culturais; e os que</p><p>as destroem, admirando e considerando como “arte” as próprias ações de destruição (como as</p><p>escritasvandálicas), tomandoa“conservação”comoalgo dereacionário per si e como tal impeditivo</p><p>das (assim atávicas) oportunidades do progresso e da mudança.</p><p>Eternos paradoxos queme trazem sempre àmemória as palavras de RamalhoOrtigão quan-</p><p>do dizia (e tantas vezes já que o citei): “Nenhuma restauração se deve empreender, nem se deve</p><p>autorizar, sem que previamente se defina, bem precisa e bemnitidamente, qual o fim de utilidade</p><p>social a que êsse trabalho se consagra (...)”23.</p><p>23 ORTIGÃO, R. Arte Portuguesa.</p><p>Reedição do original de 1896. Lis-</p><p>boa: Livraria Clássica Editora,</p><p>1943, p. 230.</p><p></p><p>Fig. 1 – Évora, uma cidade ainda cheia de esgrafitos. Fig. 4 – Palácio de Sintra, execução de guarnecimentos</p><p>(para fingir pedra).</p><p>Fig. 2 – Moura, simulação alvenarias de pedra com</p><p>argamassas.</p><p>Fig. 5 – Stuccos em Montemor.</p><p>Fig. 3 – Fronteira, simulação de alvenarias com</p><p>argamassas.</p><p>Fig. 6 – Stuccos em Monsaraz</p><p>22</p><p>Fig. 7 - Almendra, fingidos de azulejos e de detalhes</p><p>arquitectónicos.</p><p>Fig. 8 – Estudos de cor, J. P. Lenclos.</p><p>Fig.10 - Áustria, Viena,Singerstrabe, intervenções</p><p>exemplares de restauro urbano com salvaguarda dos</p><p>revestimentosoriginais.</p><p>Fig. 9 – Propostas de cor, Plano de Salvaguarda e</p><p>Recuperação de Beja.</p><p>Fig 11 – Évora, Restauradora Sofia Lopes, intervenções</p><p>exemplar de restauro urbano na Rua 5 de Outubro.</p><p>Fig 12 – Évora, intervenções exemplares de restauro</p><p>(DGEMN).</p><p>23</p><p>Fig 13 – Évora, Restaurador Nuno Proença intervenção</p><p>exemplar de restauro de fontes urbanas.</p><p>Fig. 15 – Cacilhas: não é graffity ..é escrita vandálica!</p><p>Fig. 14 – Évora, vandalismo na Sé de Évora. Fig. 16 – Fronteira, esgrafito à espera de restauro ..ou da</p><p>obliteração.</p><p>25</p><p>INVENTARIAR PARA VALORIZAR E PROTEGER</p><p>Paulo Ormindo deAzevedo*</p><p>A institucionalização da preservação dos monumentos no mundo começou em 1790 com a</p><p>inventariação dos bens do clero, dos imigrantes e da Coroa na França, depois do vandalismo que</p><p>se seguiu à Revolução Francesa de 1789. Este fato por si só dá a medida da importância dessa</p><p>atividade. Mas o inventário não pode ser visto apenas como um instrumento subsidiário de</p><p>tombamento, ou classificação. Ele cumpre funções muito mais amplas do que se pode imaginar</p><p>num primeiro momento. Não pretendemos discutir aqui modelos e fichas de inventários, tema</p><p>por demais debatido nos últimos anos no país, sem que se chegasse a um denominador comum,</p><p>a um padrão, que permitisse comparar resultados. Pretendemos discutir questões conceituais e</p><p>metodológicas, que possam definir os objetivos e a modelagem de futuros inventários. Para orde-</p><p>nar tal discussão analisaremos as principais funções de um inventário.</p><p>1. Identificação de valores difusos e correntes1. Identificação de valores difusos e correntes1. Identificação de valores difusos e correntes1. Identificação de valores difusos e correntes1. Identificação de valores difusos e correntes</p><p>Esta talvez seja a principal função de um inventário, não importa se de bens imóveis, móveis</p><p>ou imateriais. O verdadeiro monumento, isto é, a obra realizada para perpetuar uma memória,</p><p>como uma pirâmide, um obelisco, um arco ou umamera estela funerária, se impõe por si só. Um</p><p>pouco menos evidentes são os chamados monumentos históricos, edificações de função utilitária</p><p>que com o tempo passaram a ter uma significação para uma comunidade ou nação, como é o caso</p><p>da Torre Eiffel e do Elevador Lacerda, em Salvador. Além desses, existem valores culturais que</p><p>de tão difusos e correntes só são percebidos uma vez perdidos.</p><p>A principal contribuição dos inventários é identificar esses elementos, tanto aqueles que pas-</p><p>saram a ter significado para uma determinada comunidade, quanto aqueles que, por tão integra-</p><p>dos na mesma, só são percebidos e valorizados pelo forâneo ou quando perdidos. McLuhan dizia</p><p>que o último a descobrir a água foi o peixe. Trazer esses bens culturais para o nível da consciência</p><p>coletiva é a grande tarefa dos inventários.</p><p>Nesses casos, o patrimôniomaterial e imaterial praticamente se confundem, por seremobjetos</p><p>que guardam uma relação íntima com os modos de produção, rituais e crenças. Por outro lado,</p><p>esse patrimônio não-excepcional forma, no</p><p>caso da cidade, a arquitetura contextual ou conjuntiva</p><p>que cerca os monumentos e que é o seu fundo, sem o qual não</p><p>podemos apreciá-los. São eles também que plasmam e qualificam os</p><p>espaços públicos.</p><p>Tal como ocorreu com os estudos historiográficos, a partir da</p><p>década de 1930, mas especialmente depois da II Grande Guerra,</p><p>em que o protagonismo dos grandes vultos históricos cedeu lugar</p><p>aos processos sociais e ao povo, o conceito de patrimônio cultural</p><p>tem se expandido compreendendo não só objetos e monumentos</p><p>excepcionais, representativos da cultura dominante, comoos artefatos</p><p>e a arquitetura modesta de minorias igualmente formadoras da</p><p>nacionalidade.</p><p>* Paulo Ormindo de Azevedo é ar-</p><p>quiteto com doutorado em preser-</p><p>vação de monumentos e sítios</p><p>pela Universidade de Roma, pro-</p><p>fessor titular da UFBA e consultor</p><p>da UNESCO para a America Lati-</p><p>na, Caribe e África lusófona. Ex-</p><p>técnico do IPHAN e membro da</p><p>Academia de Letras da Bahia e</p><p>dos Conselhos: Nacional de Políti-</p><p>ca Cultural, Consultivo do IPHAN e</p><p>Estadual de Cultura da Bahia.</p><p>26</p><p>De onde advém o valor dessas obras modestas? Advém menos de seus caracteres artísticos</p><p>que de atributos de uso social e características espaço-ambientais típicos de determinadas</p><p>comunidades. São objetos de trabalho, instrumentos musicais, casas que mantêm uma relação</p><p>com a rua e com o passeio muito diversa da dos apartamentos atuais, ou bairros que ensejam</p><p>formas de sociabilidade que já não se verificam em conjuntos habitacionais do BNH, ou em</p><p>super-quadras deBrasília.</p><p>A funçãodesses dois tiposde arquitetura –monumental e contextual - foimuitobemdefinida</p><p>por Kelvin Lynch em A ImagemdaCidade. Uma coisa são osmonumentos, landmarks, pontos</p><p>de referência no espaço urbano, outra os bairros homogêneos,districts, que nos envolvem e criam</p><p>uma sensação de pertencimento. A preservação desses dois tipos de arquitetura é igualmente</p><p>importante para a construção da imagem da cidade. Uma arquitetura completa a outra.</p><p>Um inventário extensivo deveria ser a base de um sistema patrimonial verdadeiramente</p><p>federativo, comdiferentes categorias debens egraus deproteção.Esse inventáriodeveriapreceder,</p><p>ou pelo menos ser contemporâneo, aos tombamentos e não feito a posteriori, simplesmente para</p><p>geri-los.</p><p>2. Conscientização do valor cultural2. Conscientização do valor cultural2. Conscientização do valor cultural2. Conscientização do valor cultural2. Conscientização do valor cultural</p><p>A realização do inventário é por si mesmo uma operação de valorização e proteção,</p><p>independente de ser ou não amparada por medidas legais. Essa ação implica um duplo</p><p>reconhecimento de valores. De um lado pelo estranhamento do que vem de fora, do agente</p><p>inventariador, do outro, da comunidade que atribuiu significados a coisas aparentemente triviais e</p><p>que passam a ser reconhecidas externamente.</p><p>Ao iniciar-se um inventário, a primeira coisa é contatar as lideranças locais, o prefeito, o padre,</p><p>a professora e em seguida os proprietários e usuários dos imóveis pré-selecionados por essas</p><p>lideranças. Na coleta de dados históricos e legais e no levantamento cadastral ou fotográfico do</p><p>objeto inventariado já estamos conscientizando aqueles que são responsáveis imediatos por sua</p><p>conservação. O desejável, porem, é que essa sondagem seja a mais aberta possível, de modo que</p><p>a lista final seja efetivamente uma eleição da comunidade. Programas interessantes podem ser</p><p>feitos junto às escolas e associações de moradores. Mesmo porque, esses inventários devem ser</p><p>a base dos programas de educação patrimonial, pois falam de bens culturais mais próximos da</p><p>comunidade.</p><p>Para que o inventário seja, de fato, um instrumento de conscientização ele deve ser redigido</p><p>com linguagem precisa, mas desempolada, publicado e divulgado. No caso baiano, uma vez</p><p>publicado, enviamos a cada proprietário uma separata com a capa do inventário e a ficha do seu</p><p>imóvel. Mandamos às prefeituras e às bibliotecas públicas locais separatas mais alentadas, com</p><p>todas as fichas daquele município. Na totalidade dos casos, a reação dos donos, prefeitos e</p><p>bibliotecários foi de orgulho pelo reconhecimento de valor daqueles bens locais. Sua divulgação</p><p>junto a órgãos de imprensa e rádio teve como resposta a divulgação por essasmídias dos principais</p><p>bens inventariados.</p><p>O cadastramento cultural de um determinado território constitui, por outro lado, uma base de</p><p>dados importantíssima para o planejamento urbano, territorial e turístico, alémde favorecer estudos</p><p>acadêmicos sobre determinadas tipologias arquitetônicas, linguagens artísticas e manifestações</p><p>culturais. Pode-se imaginar o efeito que isso pode ter sobre a economia da cultura, incentivando o</p><p>fluxo turístico e a venda de produtos como guias, slides, DVDs e vídeos. Inventários codificados,</p><p>27</p><p>de uso interno dos órgãos depreservação podem servir como poderosos instrumentos de gestão,</p><p>mas não de conscientização, educação e preservação.</p><p>3. Institucionalização dos inventários3. Institucionalização dos inventários3. Institucionalização dos inventários3. Institucionalização dos inventários3. Institucionalização dos inventários</p><p>AConstituição de1988citao inventário comoumdos instrumentosdeproteçãodopatrimônio</p><p>cultural brasileiro:</p><p>OPoderPúblico, comacolaboraçãoda comunidade,promoveráepro-</p><p>tegerá o patrimônio cultural brasileiro, pormeio de iveái, registros,</p><p>vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de</p><p>acautelamento e preservação (negrito nosso)1.</p><p>Nenhumdos novos instrumentos de preservação foi regulamentado, comexceção doRegistro</p><p>de Bens Culturais de Natureza Imaterial, Decreto 3.551/00. Pela natureza abrangente, corrente</p><p>e reiterativa da maioria dos bens arrolados, pode-se imaginar que o inventário poderá ser um</p><p>instrumento complementar ao tombamento, capaz de proteger aqueles bens culturais não</p><p>excepcionais, mas representativos da diversidade cultural da nação, incluindo a produção das</p><p>minorias formadoras de nossa sociedade.</p><p>SegundooDec.-Lei 25/37, para que um bemseja consideradopatrimônio nacional, e portanto</p><p>tombado, deve ter caráter excepcional. Isto privilegia a cultura dominante, a produção elitizada e</p><p>oficial:</p><p>Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto de</p><p>bensmóveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interes-</p><p>se público, querpor sua vinculação a fatosmemoráveis dahistória doBrasil,</p><p>quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou</p><p>artístico2.</p><p>Esse foi o critério vigente nos tombamento atémeados da década de 1970.Mas a partir desse</p><p>momento o conceito de patrimônio se amplia influenciado pela visão antropológica de cultura.</p><p>Assim, muito do que se tombou a partir da década de 1980 não atende a esse requisito de</p><p>excepcionalidade, nem vem sendo tratado como tal, o que não quer dizer que não tenha valor,</p><p>senão que não é fiel ao espírito da lei. Para estes bens, que são reiterativos e de uma cultura viva,</p><p>poderíamos utilizar um instrumentomais flexível, como a inventariação, mesmo porque tudo que</p><p>apresenta vinculação com fatosmemoráveis da historia doBrasil e excepcional valor arqueológico,</p><p>etnográfico, artístico e estético já foi tombadopelo IPHAN, emseus primeiros 40 anos de existência.</p><p>Uma solução semelhante foi adotada pelos franceses, em 1913, quando criaram sua lei básica</p><p>de patrimônio cultural consolidando os tombamentos anteriores e criando um Inventário</p><p>Suplementar, para abrigar os novos bens culturais3. Uma terceira categoria - os setores</p><p>salvaguardados – seria criada em 1962 com a chamada LeiMalraux,</p><p>basicamente para proteger a arquitetura contextual. Cada uma dessas</p><p>categorias tem uma regulamentação própria, que não revogou as</p><p>anteriores, pondo em risco as conquistas alcançadas.</p><p>A nossa legislação patrimonial, de 1937, elaborada quandoo país</p><p>ainda era rural visando afirmar a nacionalidade, foi muito avançada</p><p>para o seu tempo, mas não evoluiu, não obstante as grandes</p><p>transformações por que passou o país e o conceito de patrimônio.</p><p>1 Parágrafo 1º do Art. 216</p><p>2 Art.1º do Dec.-Lei 25/37.</p><p>3 BADY, Jean-Pierre.</p><p>LesLe sLesLe sLe s</p><p>monuments historiques enmonuments historiques enmonuments historiques enmonuments historiques enmonuments historiques en</p><p>FFFFFrrrrranceanceanceanceance,,,,, 2 e Édition. Paris:</p><p>Presses Universitaires de France/</p><p>Édition Actualisée Puf, 1998, p.</p><p>25-51.</p><p>28</p><p>Continuamos sem dispor de uma legislação capaz de proteger o processo de produção cultural ou</p><p>administrar os conjuntos urbanos históricos com sua dinâmica social e econômica. Legislações</p><p>complementares em nada prejudicaria a nossa lei básica de 1937.</p><p>Na Bahia, o Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural tentou criar, emmeados da década de</p><p>1990, uma legislação patrimonial dentro do espírito de competência concorrente dos três poderes</p><p>previstos na Constituição de 1988, incluindo os novos instrumentos de preservação. A minuta</p><p>original, corretamente elaborada, foi totalmente descaracterizada pelo Legislativo e transformada</p><p>na Lei 8.895, no final de 2003, regulamentada peloDecreto 10.039, de 2006.Nos dois documen-</p><p>tos legais, os capítulos referentes ao inventário são inteiramente inócuos e ignoram o fato de a</p><p>Bahia ser o único estado brasileiro a contar com um inventário exaustivo do seu patrimônio</p><p>edificado.</p><p>O inventário deveria funcionar como uma declaração de interesse público por aquele bem e,</p><p>portanto, como umamedida acautelatória, mas dando a seu proprietário vantagens fiscais, de usos</p><p>e linhas de financiamento especiais. Se por um lado a inscrição no inventário asseguraria um</p><p>tratamentomais flexível que o dado aos bens tombados, ela seria uma espécie de pré-tombamen-</p><p>to que induziria o proprietário a negociar a conservação do imóvel temendo a possibilidade de sua</p><p>transformação em tombamento.</p><p>Na prática, nenhum dos novos instrumentos introduzidos – o inventário e o chamado espaço</p><p>preservado – foi aplicado nesses seis anos de vigência da lei estadual. Não obstante esse fato, o</p><p>Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia tem funcionado como um legitimador de</p><p>valores culturais não reconhecidos oficialmente como tal. Ameaças de demolição de edifícios</p><p>inventariados têm provocado campanhas jornalísticas que resultaram emdesistências dos grupos</p><p>interessados em sua demolição e/ou inicio de processos de tombamento.De outra parte, todos os</p><p>tombamentos estaduais e os poucos federais realizados no estado nesse período têm sido de bens</p><p>inventariados. Assim, pode-se dizer que o Inventário funciona como uma “lista indicativa” de</p><p>tombamentos na Bahia, à semelhança do que exige a UNESCO para inclusão de um sitio na Lista</p><p>do Patrimônio Mundial.</p><p>4. Inventário como instrumento de gestão4. Inventário como instrumento de gestão4. Inventário como instrumento de gestão4. Inventário como instrumento de gestão4. Inventário como instrumento de gestão</p><p>Esse é a principal interesse dos órgãos de preservação ao realizarem inventários, a tal ponto</p><p>que as demais funções são esquecidas ou postas em um segundo plano. Assim, fazem-se inventá-</p><p>rios exclusivamente de bens tombados e de uso exclusivo dos órgãos, renunciando a duas das</p><p>mais importantes funções dos inventários, a revelação de novos valores e a conscientização do</p><p>público.</p><p>Não há duvida sobre a importância de termos um banco de dados para a administração e</p><p>monitoramento de grandes acervos. Isso remete a uma discussão sobre qual a extensão e profun-</p><p>didade que deve ter o inventário. Em uma reunião promovida pelo Conselho da Europa, órgão</p><p>cultural da União Europeia, em 1965 em Barcelona, sobre a realização do inventário dos monu-</p><p>mentos e sítios europeus, conhecida como “Confrontação A”, ficou definido que os inventários</p><p>poderiam ter três níveis de profundidade:</p><p> Inventários de Identificação destinados a arrolar os valores culturais existentes em um</p><p>determinado território;</p><p>29</p><p> Inventários de Proteção, que visam reunir as informações indispensáveis à preservação</p><p>dos bens culturais identificados;</p><p> Inventários Científicos destinados a reunir o maior número possível de informações sobre</p><p>os bens arrolados.</p><p>No caso da Bahia decidimos por uma combinação dos dois primeiros inventários. Mas em</p><p>outros estados o IPHAN, ou os órgãos estaduais, optaram pelo primeiro tipo de inventário 4.</p><p>Como instrumento demonitoramento e gestão, os Inventários de Proteção devem ser atualizados</p><p>a cada cinco anos, nomáximo, coisa que infelizmentenão aconteceunaBahia. Comdados confiáveis</p><p>do estado de conservação dos bens móveis e imóveis é possível adotar medidas emergenciais de</p><p>segurança, priorizar trabalhos de conservação e racionalizar o uso e fruição dos bens culturais. Os</p><p>inventários científicos devem ser construídos a partir dos inventários de proteção, da pesquisa</p><p>arquivística e das descobertas ocorridas no processo de restauração dosmesmos bens.</p><p>5. A questão metodológica5. A questão metodológica5. A questão metodológica5. A questão metodológica5. A questão metodológica</p><p>O Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – IPAC-Ba, iniciado em 1973, partiu</p><p>da metodologia do Inventário de Proteção do Patrimônio Europeu – IPCE. Isto se deveu ao</p><p>contato que tivemos, como seu aluno no ICCROM, com o Prof. Pietro Gazzola, então Presiden-</p><p>te do ICOMOS e um grande entusiasta dos inventários de bens culturais5. Diante de uma pers-</p><p>pectiva de globalização preferimos apostar em umametodologia que estava sento proposta para</p><p>todo um continente, que seguir a experiência de um só país, como a França, a Alemanha ou os</p><p>EstadosUnidos.</p><p>A ficha do IPCE de monumento trazia na frente campos muito pequenos referentes à iden-</p><p>tificação do monumento, época, descrição, estado de conservação, fotos e possíveis plantas. O</p><p>preenchimento do verso era optativo, mas trazia campos referentes à tipologia, cronologia, dados</p><p>técnicos, bibliografia básica, situação legal e um campo complementar para fotografias e elemen-</p><p>tos gráficos6. Tratava-se de uma ficha experimental, definida em 1970, e ainda não testada. Logo</p><p>de inicio nos demos conta que suas dimensões eram muito pequenas, 8"x6", e não cabia muita</p><p>informação. Adotamos, então, o formato A3 para redução e publicação no padrão A4. Mesmo</p><p>assim, a quantidade de dados que recolhemos mal dava nos campos,</p><p>o que exigia que as fichas gigantes fossem minutadas varias vezes</p><p>em uma Olivetti de carro grande e tipos pequenos. Apesar de a</p><p>máquina de estado já estar inteiramente informatizada, nunca dispu-</p><p>semos de um computador.</p><p>O manual do IPCE não explicava, por outro lado, os critérios</p><p>para avaliação do estado de conservação dos imóveis. Depois de</p><p>uma tentativa mal sucedida de avaliação por créditos cumulativos,</p><p>que privilegiava osmonumentosmais ricos artisticamente, desen-</p><p>volvemos, a partir do segundo volume, um sistema subtrativo de</p><p>pontos relacionados com o estado de conservação de seus princi-</p><p>pais componentes, que funcionou bem melhor. Essa metodologia</p><p>avaliava seis itens do edifício: estrutura portante, elementos secun-</p><p>dários (esquadrias, grades, revestimento externo), cobertura, inte-</p><p>rior, instalações e serviços e salubridade do imóvel. Tais itens com-</p><p>portavam subitens para uma avaliação menos subjetiva.</p><p>4 Vide MOTTA, Lia; SILVA, Maria</p><p>Beatriz R. (Org.) Inventários deInventários deInventários deInventários deInventários de</p><p>Identi f icação; um panoramaIdenti f icação; um panoramaIdenti f icação; um panoramaIdenti f icação; um panoramaIdenti f icação; um panorama</p><p>da experiência brasileirada experiência brasileirada experiência brasileirada experiência brasileirada experiência brasileira. Rio</p><p>de Janeiro: IPHAN, 1998.</p><p>5 GAZZOLA, Pietro. LLLLL’In’I n’ In’I n’I nvvvvventarioentarioentarioentarioentario</p><p>di protezione del patrimôniodi protezione del patrimôniodi protezione del patrimôniodi protezione del patrimôniodi protezione del patrimônio</p><p>culturale. Settore dei beneculturale. Settore dei beneculturale. Settore dei beneculturale. Settore dei beneculturale. Settore dei bene</p><p>immobile. Scopo e norme diimmobile. Scopo e norme diimmobile. Scopo e norme diimmobile. Scopo e norme diimmobile. Scopo e norme di</p><p>esecuzione.esecuzione.esecuzione.esecuzione.esecuzione. Verona: EPCE,</p><p>1970.</p>