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<p>O Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados -</p><p>LAECC procura aprofundar as discussões temáticas comparativas entre</p><p>os vários sistemas constitucionais americanos. O grupo desenvolve</p><p>abordagens comparativas em 4 diferentes linhas, procurando cobrir</p><p>todas as dimensões materiais do constitucionalismo e fomentar a pro-</p><p>dução científica nos diversos ramos do direito, sempre primando pela</p><p>abordagem de abrangência interdisciplinar.</p><p>Fundamentos do Direito Digital</p><p>Apoio Alexandre Walmott Borges</p><p>Hugo França Pacheco</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Moacir Henrique Júnior</p><p>Ricardo Padovini Pleti Ferreira</p><p>Concepção e coordenação</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Organização,</p><p>edição e revisão textual</p><p>Gabriel Oliveira de Aguiar Borges</p><p>Guilherme Reis</p><p>Capa José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Projeto gráfico e diagramação José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Figura da capa Jakarin / VectorStock.com</p><p>Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados</p><p>CNPJ/MF nº 33.097.820/0001-00</p><p>Rua Johen Carneiro, 377, Uberlândia – MG</p><p>CEP 38.400-070</p><p>www.laecc.org.br</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>________________________________________________________________________________</p><p>F981</p><p>2020</p><p>Fundamentos do direito digital / João Victor Rozatti Longhi, José Luiz de</p><p>Moura Faleiros Júnior; Gabriel Oliveira de Aguiar Borges, Guilherme Reis</p><p>(Coordenadores). Uberlândia: LAECC, 2020.</p><p>480 p.</p><p>Inclui bibliografia.</p><p>ISBN: 978-65-99099-21-2</p><p>1. Direito Digital. 2. Filosofia da Tecnologia. 3. Filosofia da Informação. 4.</p><p>Sociedade da Informação. I. Longhi, João Victor Rozatti. II. Faleiros</p><p>Júnior, José Luiz de Moura. III. Borges, Gabriel Oliveira de Aguiar.</p><p>IV. Reis, Guilherme.</p><p>CDD: 340 / CDU: 34:004.738.5</p><p>________________________________________________________________________________</p><p>Catalogação na fonte</p><p>/</p><p>Conselho Editorial</p><p>Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados - LAECC</p><p>http://laecc.org.br/conselho-editorial</p><p>ADAILTON BORGES DE OLIVEIRA</p><p>Doutorando no Programa de Biocombustíveis do Instituto de Química da Universidade Federal de</p><p>Uberlândia – UFU. Presidente/coordenador da Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito</p><p>da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>ALESSANDRA SILVEIRA</p><p>Doutora em Direito pela Universidade de Coimbra – UC. Professora da Universidade do Minho –</p><p>Portugal.</p><p>ALEXANDRE DE SÁ AVELAR</p><p>Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Professor da Universidade</p><p>Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>ALEXANDRE WALMOTT BORGES</p><p>Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e em História pela Univer-</p><p>sidade Federal de Uberlândia – UFU. Professor da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>ALFREDO JOSÉ DOS SANTOS</p><p>Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor da</p><p>Universidade Estadual Paulista - UNESP Campus Franca.</p><p>ALMIR GARCIA FERNANDES</p><p>Doutor em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do</p><p>Centro Universitário do Planalto de Araxá – UNIARAXÁ.</p><p>ANTONIO MADRID PÉREZ</p><p>Doutor em Direito pela Universitat de Barcelona – UB. Professor da Universidade de Barcelona –</p><p>UB. Professor do curso de Mestrado Interuniversitário organizado pelas universidades: Universidad</p><p>Rey Juan Carlos, Universidad Carlos III de Madrid, Universitat Autònoma de Barcelona e Universi-</p><p>tat de Barcelona.</p><p>BERNARDO WALMOTT BORGES</p><p>Doutor em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professor da Universidade</p><p>Federal de Santa Catarina – UFSC.</p><p>BORJA MUNTADAS FIGUERAS</p><p>Doutor em Filosofía Contemporánea y Tradición Clásica pela Universitat de Barcelona – UB.</p><p>Professor e investigador em Filosofía Moderna y Contemporánea na Universitat La Salle, Campus</p><p>Barcelona, na Universitat de Barcelona – UB e Professor Convidado na Universidade Federal de</p><p>Uberlândia – UFU.</p><p>DANIEL USTÁRROZ</p><p>Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pro-</p><p>fessor Adjunto de Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.</p><p>DIVA JÚLIA SOUSA DA CUNHA SAFE COELHO</p><p>Pós-Doutora em Direito Constitucional Comparado pela Universidade Federal de Uberlândia –</p><p>UFU e Doutora em Ciudadania y Derechos Humanos pela Universidad de Barcelona – UB. Profes-</p><p>sora da Universidade Federal de Goiás – UFG.</p><p>FABIANA ANGÉLICA PINHEIRO CÂMARA</p><p>Doutora em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Mestre em Gestão</p><p>Internacional e Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Reading – Inglaterra.</p><p>FRANCIELLE VIEIRA OLIVEIRA</p><p>Doutoranda em Ciências Jurídicas Públicas no âmbito do Doutorado Europeu da Universidade do</p><p>Minho – Portugal.</p><p>FRANCISCO ILÍDIO FERREIRA ROCHA</p><p>Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professor</p><p>do Centro Universitário do Planalto de Araxá – UNIARAXÁ.</p><p>GONÇAL MAYOS SOLSONA</p><p>Doutor e Mestre em História da Filosofia pela Universitat de Barcelona – UB. Professor Titular na</p><p>Faculdade de Filosofia da Universitat de Barcelona – UB.</p><p>ILTON NORBERTO ROBL FILHO</p><p>Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor Adjunto da</p><p>Faculdade de Direito da UFPR e do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Diretor da Aca-</p><p>demia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).</p><p>JOSÉ CARLOS REMOTTI CARBONELL</p><p>Doutor em Direito pela Universitat Autònoma de Barcelona – UAB. Professor da Universitat Au-</p><p>tònoma de Barcelona – UAB.</p><p>JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR</p><p>Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professor de cursos preparató-</p><p>rios para a prática da advocacia. Advogado.</p><p>LUCIANA ORANGES CEZARINO</p><p>Pós-Doutora pelo Politécnico de Milão – POLIMI. Doutora pela Faculdade de Economia, Adminis-</p><p>tração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA/USP. Professora da Universidade</p><p>Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>MILLA ALVES BAFFI</p><p>Pós-Doutora em Microbiologia de Alimentos pela Universidad de Castilla La Mancha – UCLM.</p><p>Doutora em Genética e Bioquímica pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professora da</p><p>Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>MOACIR HENRIQUE JÚNIOR</p><p>Doutor em Direito e Ciência Política e Mestre em Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal pela</p><p>Universidade de Barcelona – UB. Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG.</p><p>PAULO CÉSAR CORRÊA BORGES</p><p>Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla – US. Doutor e Mestre em Direito pela Univer-</p><p>sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP. Professor da Universidade Estadual</p><p>Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP Campus Franca.</p><p>PAULO ROBERTO DE ALMEIDA</p><p>Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor da</p><p>Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>RENATO CÉSAR CARDOSO</p><p>Pós-Doutor em Filosofia pela Universitat de Barcelona – UB. Doutor em Direito pela Universidade</p><p>Federal de Minas Gerais – UFMG. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.</p><p>RICARDO PADOVINI PLETI FERREIRA</p><p>Doutor e mestre em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.</p><p>Professor da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>RODRIGO VITORINO SOUZA ALVES</p><p>Doutoranto em Direito pela Universidade de Coimbra – UC. Mestre em Direito pela Universidade</p><p>Federal de Uberlândia – UFU. Professor da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>SAULO PINTO COELHO</p><p>Pós-Doutor pela Universitat de Barcelona – UB. Doutor em Direito pela Universidade Federal de</p><p>Minas Gerais – UFMG. Professor da Universidade Federal de Goiás – UFG.</p><p>THIAGO PALUMA</p><p>Doutor em Direito Internacional pela Universidad de Valencia. Professor da Universidade Federal</p><p>de Uberlândia.</p><p>VIVIANE SÉLLOS-KNOERR</p><p>referente, poniendo en cuestión la</p><p>misma noción de verdad y representación. ¿Cuál es la verdad de una ima-</p><p>gen? En pleno siglo XXI, cuando nuestra relación con el mundo y la reali-</p><p>dad está mediatizada por imágenes -lo que puso de manifiesto Debord4 en</p><p>los '60-, el referente de una imagen no es más que otra imagen, que a su</p><p>vez remite a otra imagen; y así hasta el infinito. Así pues, la verdad de una</p><p>imagen no sería ya su referente, sino la narración o el relato que las enca-</p><p>3 BENJAMIN, W., La obra de arte en la era de su reproductibilidad técnica. Ilumina-</p><p>ciones. Madrid: Taurus, 2018. Pp. 195.</p><p>4 DEBORD, G., La Société du Spectacle. Paris: Editions Gallimard, 1992</p><p>Borja Muntadas Figueras</p><p>44</p><p>dena. El caso del artista Richard Prince, que acabó en los tribunales en</p><p>2011 en los EEUU, no es más que una provocadora manera de retratar la</p><p>nueva relación entre imagen y referente. Así pues, no cabe duda de que lo</p><p>digital ha roto la frágil relación entre original y copia, que de una forma</p><p>tan sólida las unía en otros momentos de la historia del arte y de la cultura.</p><p>Estas cuestiones ponen en el centro un tema de enorme importancia, un</p><p>aspecto central de la creación: los derechos de autor; que implican no sólo</p><p>cuestiones comerciales y patrimoniales, sino también morales y de recono-</p><p>cimiento. No obligatoriamente deben protegerse ambos a un tiempo; por</p><p>ejemplo, la categoría dominio público reconoce expresamente la autoría,</p><p>pero sin asociarla a fines comerciales. Fenómenos todos ellos, que sin duda</p><p>se han visto amplificados por la digitalización de los artefactos culturales</p><p>en un sentido amplio.</p><p>Lo digital tiene también su dimensión política. J.V. Rozatti introduce</p><p>conceptos como los de populismo 3.0 o populismo digital. Plantea cuáles</p><p>son los impactos políticos del uso de Internet, y el impacto que hayan po-</p><p>dido tener las redes sociales sobre lo que él denomina "dignidad informa-</p><p>cional". Los modelos políticos basados en sociedades democráticas, con un</p><p>serio componente comunicativo y deliberativo, se han visto afectadas por</p><p>los recientes impactos tecnológicos y digitales, en las que las fronteras en-</p><p>tre lo público y lo privado, que en el derecho romano parecían bastante</p><p>claras, se han ido difuminando. Este proceso lo llama Bauman sociedad</p><p>líquida. En el terreno político lo digital toma diversas caras. Por un lado,</p><p>tenemos el activismo digital que aparece en los países de la Primavera Ára-</p><p>be en 2013, donde los movimientos sociales se expandieron a través de</p><p>Internet, con el recién aparecido activismo virtual, que defiende los dere-</p><p>chos humanos la democracia y la participación; por otro, tenemos el efecto</p><p>contrario: una nueva forma de populismo digital que construye nuevas</p><p>verdades, que manipula, que estandariza comportamientos y difunde</p><p>mensajes de odio en las redes. No cabe duda que Internet puede abrir las</p><p>puertas a una nueva forma de democracia, e-democracy- más participativa,</p><p>Prólogo</p><p>45</p><p>sin embargo, a falta de una regulación que sancione los mensajes de odio,</p><p>las Fake News, que promueven la desinformación o la utilización los datos</p><p>de los ciudadanos con fines poco democráticos, puede ser el medio idóneo</p><p>para una nueva forma de fascismo: el Fascismo 3.0. Un claro ejemplo de</p><p>ello fue el caso de Cambridge Analítica - Facebook, que tuvo una gran</p><p>repercusión en la campaña de Trump.</p><p>Quizás lo digital e Internet sea el farmacon, como apunta Stiegler,5 -a la</p><p>vez lo que permite curar y aquello de lo cual debemos tener cuidado- de</p><p>nuestro tiempo, que allanará el camino a una democracia más directa, más</p><p>deliberativa (ciber-utopismo), pero que también erosiona los mecanismos</p><p>psíquicos de atención, manipula, estandariza, satura de información un</p><p>espacio imprescindible para la misma deliberación, y a la vez sirve de caldo</p><p>de cultivo para toda clase de movimientos antidemocráticos (como sostie-</p><p>ne el ciber-pesimismo). Este espacio es el que nuevos mecanismos legales</p><p>deben proteger. También en esta línea se mueven los planteamientos de</p><p>Leonardo Kussler,6 quién afirma que hemos pagado un tributo por el pro-</p><p>greso tecnológico. Nos se apela a extrañas utopías digitales, sino a la exi-</p><p>gencia de cumplir uno de los derechos -me refiero a derecho positivo-</p><p>fundamentales, recogido en la Declaración Universal de Derechos Huma-</p><p>nos de 1948 en su artículo 22: todo ser humano tiene derecho al libre desa-</p><p>rrollo de su personalidad. Y qué duda cabe, que la manipulación de infor-</p><p>mación, adaptada a los gustos de los usuarios, obtenida del rastro digital</p><p>que dejan los usuarios, tanto en el uso de páginas web, monitorización de</p><p>consumidores, redes sociales o geolocalización, y que pueden moldear o</p><p>construir una personalidad con fines políticos o comerciales, se aleja bas-</p><p>tante de este derecho. Y es que no sólo en función de nuestra huella digital,</p><p>sino también en función de los datos de geolocalización que enviamos a</p><p>servidores remotos, podemos ser discriminados (el caso Decolar.com). Por</p><p>5 BERNARD, S., Ce qui fait que la vie vaut la peine d´être vécue: pharmacologies de</p><p>l´esprit, du nihilisme et du capital. Paris: Flammarion, 2010.</p><p>6 KUSSLER, L., Filosofia, Cinema e Literatura. Intercessões. São Paolo: LiberArs, 2011.</p><p>Borja Muntadas Figueras</p><p>46</p><p>eso, además, este derecho debe ser reforzado con medidas éticas y de res-</p><p>ponsabilidad corporativa, y con una educación que enseñe a hacer un uso</p><p>consciente y responsable, tanto de Internet como de las redes sociales y la</p><p>navegación en el ciber espacio.</p><p>Nos encontramos ante una obra, que no solo puede ser interesante para</p><p>estudiosos e investigadores en el campo del derecho, sino también para</p><p>cualquier investigador de la cultura y la sociedad, en un sentido muy am-</p><p>plio. Quizás, para quienes no sean estudiosos del derecho haya una cues-</p><p>tión que pueda pasar desapercibida: las estructuras judiciales y las leyes</p><p>actuales son herederas de un modelo de Estado rígido y estático -</p><p>construido a partir del siglo XIX-, que hunde sus raíces en un modelo de</p><p>una temporalidad lineal. Lo que plantea esta obra, lejos de ser una colec-</p><p>ción de estudios y artículos, es la quiebra de esta linealidad temporal. Lo</p><p>digital e Internet han puesto en el centro del análisis jurídico no sólo el Big</p><p>Data, las Fake News, geopricing …, sino también otros aspectos mucho</p><p>más profundos: la inmediatez, la saturación y la aceleración.7 Si el derecho</p><p>debe defender derechos y libertades de los ciudadanos -hoy ciudadano</p><p>digital-, debe repensarse a la luz de lo digital, debe superar las barreras</p><p>rígidas de una temporalidad estrictamente lineal, debe ir más allá de las</p><p>disciplinas, debe recorrer lo transdisciplinar, y sin duda el presente trabajo</p><p>lo hace.</p><p>Barcelona, junio de 2020.</p><p>BORJA MUNTADAS FIGUERAS</p><p>Doutor em Filosofía Contemporánea y Tradición Clásica pela</p><p>Universitat de Barcelona – UB. Professor e investigador em Filo-</p><p>sofía Moderna y Contemporánea na Universitat La Salle, Campus</p><p>Barcelona, na Universitat de Barcelona – UB e Professor Convi-</p><p>dado na Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>7 MUNTADAS, B. Inmediatez. Capitalismo y vidas aceleradas. Lisboa: Chiado Edito-</p><p>rial, 2016. Y en MUNTADAS, B. & MAYOS, G. & WALMOTT, A. La jaula del tiem-</p><p>po. Aspectos sociopolíticos y jurídicos de la aceleración contemporánea. Uberlandia:</p><p>LAECC, 2020.</p><p>47</p><p>DISCURSO DE ÓDIO (HATE SPEECH) E A</p><p>CENSURA REVERSA NA INTERNET</p><p>1</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>1. Introdução</p><p>O conceito tradicional de democracia parece estar em xeque no século</p><p>XXI, especialmente na análise dos impactos das Tecnologias da Informa-</p><p>ção e Comunicação. Nesse sentido, é dada ênfase especial ao papel das</p><p>mídias sociais, que deram voz a todos os tipos de opiniões, desafiando o</p><p>legislador a revisitar todo o arquétipo estrutural do sistema jurídico,</p><p>com a</p><p>codificação de regulamentações destinadas a lidar com a Internet e sua</p><p>fluidez em termos de dissuasão de informações prejudiciais, como discur-</p><p>so de ódio ou manipulação de propaganda.</p><p>No Brasil, esse fenômeno se tornou especialmente marcante desde a se-</p><p>gunda década do século atual, com a promulgação de um Marco Civil da</p><p>Internet e uma Lei Geral de Proteção de Dados – para citar alguns.</p><p>Assim, surgem questões sobre o fenômeno da personalização e os riscos</p><p>trazidos pelas redes sociais aos postulados derivados do princípio demo-</p><p>crático, com ênfase na polarização política gerada pelos efeitos deletérios</p><p>das interações virtuais resultantes da massificação da datificação, da estig-</p><p>matização gerada pela prática de criação de perfis, além de poluição in-</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>48</p><p>formacional, notícias falsas (fake news) e pelo fenômeno que a doutrina</p><p>convencionalmente chamou de populismo digital – ou "populismo 3.0",</p><p>revisitando o conceito cunhado por Paolo Gerbaudo.</p><p>A polarização de conteúdo e a radicalização política decorrentes do</p><p>acesso em massa a dados pessoais é um risco para as liberdades democráti-</p><p>cas (incluindo a liberdade de expressão), prejudicando os direitos funda-</p><p>mentais em um período de transição que reflete a angústia resultante dos</p><p>perigos que o Estado de Direito Democrático enfrenta com a realidade em</p><p>que se sobrepôs a alguns dos princípios fundadores da Constituição da</p><p>República de 1988.</p><p>Como um problema de pesquisa, este estudo tem como objetivo discu-</p><p>tir os impactos do uso político da Internet e suas influências, não apenas</p><p>focando na formação da opinião pública durante as campanhas e eleições</p><p>eleitorais, mas em todo o processo de deliberação na esfera pública.</p><p>Daí a necessidade de se discutir certas restrições institucionais e regula-</p><p>tórias, tanto em termos de conteúdo quanto de proteção de dados, as</p><p>quais, embora insuficientes para conter todos os riscos decorrentes dessa</p><p>nova realidade, transmitem uma sintonia fina desse novo disfarce institu-</p><p>cional, que tem o poder de fornecer aos cidadãos mecanismos para prote-</p><p>ger sua dignidade informacional.</p><p>2. A democracia na sociedade da informação</p><p>A dicotomia entre as esferas pública e privada foi tratada pela doutrina</p><p>como aparentemente clara. No entanto, atualmente, existem evidências</p><p>suficientes de um certo “distúrbio de fronteira”, que se tornou móvel, em</p><p>alguns casos confuso, e em numerosos temas permeados por problemas e</p><p>princípios que estabeleceram um novo sistema de comunicação entre pú-</p><p>blico e privado.1</p><p>1 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito.</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>49</p><p>Essa separação tem suas raízes na superação da até então inquestionável</p><p>dicotomia do direito público e do direito privado, que emerge da releitura</p><p>pós-moderna do primeiro, impondo novas nuances ao sistema jurídico</p><p>como um todo, criando o que Paolo Gerbaudo define como 'uma nova</p><p>clivagem na sociedade'.2 Com origens atribuídas ao direito romano, os</p><p>conceitos de ius privatum e ius publicum foram tomados como dogmas, o</p><p>primeiro relacionado aos interesses da sociedade civil e o segundo mate-</p><p>rializado na figura de seu detentor e exequente: o Estado. A distinção é</p><p>revelada pela doutrina clássica como um fenômeno sistematicamente im-</p><p>portante, pois, na prática, seria bastante claro: no direito privado, a liber-</p><p>dade e a igualdade prevaleceriam; no direito público, autoridade e compe-</p><p>tência.3</p><p>As bases fundamentais do Estado Liberal têm raízes que remontam aos</p><p>papéis do "ser humano empírico" de Immanuel Kant e do "ser humano</p><p>racional".4 Além disso, note-se que foi um período marcado pela presença</p><p>do conceito de liberdade baseado na metafísica dos costumes e numa "lei</p><p>universal" que impôs à lei um "ato" vinculado a tais parâmetros.5 No en-</p><p>tanto, a subsistência do modelo liberal promoveu reflexões quanto ao pa-</p><p>pel do Estado nesse período, embora autores como John Stuart Mill, Je-</p><p>remy Bentham e outros defensores do utilitarismo que prosperaria no</p><p>Tradução de Bruno Miragem. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 39.</p><p>2 GERBAUDO, Paolo. The digital party: political organization and online democracy.</p><p>Londres: Pluto Press, 2019, p. 177. Segundo o autor: “The rise of new political parties</p><p>reflects a new cleavage in society, stemming from technological and economic fac-</p><p>tors: a fracture between political and/or economic insiders and what I call connected</p><p>outsiders.”</p><p>3 HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. 11. ed. Paris:</p><p>Sirey, 1927, p. 301.</p><p>4 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Leopol-</p><p>do Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 77.</p><p>5 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 10. ed. São Paulo: Malheiros,</p><p>2011, p. 107.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>50</p><p>common law apontassem para os perigos de uma 'tirania da maioria’, en-</p><p>quanto outros, como Benjamin Constant, apontariam para a necessidade</p><p>de reler a antítese entre liberalismo e democracia. 6</p><p>Em meados do século XIX, intensas transformações sociais marcaram a</p><p>ascensão do Estado Social, especialmente após os resultados da Revolução</p><p>Industrial, que permitiram uma reformulação do papel do Estado.</p><p>O Poder Público tornou-se gradualmente o provedor direto de uma sé-</p><p>rie de garantias das quais se formou a proteção dos direitos sociais e a fle-</p><p>xibilidade da autonomia da vontade, permitindo uma revisão densa dos</p><p>institutos de direito privado e, consequentemente, também do direito pú-</p><p>blico. Com a reinterpretação do papel do Estado na nova dogmática jurídi-</p><p>ca, é importante observar que o amadurecimento do direito privado, em</p><p>termos de codificação, ocorre um pouco antes do direito público, vincula-</p><p>do por uma ampla gama de leis espalhadas por todo o ordenamento, mas</p><p>sem elaboração doutrinária completa e sujeita a excessos indesejados.</p><p>Segundo Karl Larenz7, o objetivo primordial desse novo modelo seria</p><p>impedir aqueles que acabam confiando no exercício do poder do Estado de</p><p>o usarem de maneira diferente do real significado da lei. E, nesse mesmo</p><p>sentido, é possível entender o quão importante o papel do Estado se tor-</p><p>nou quando trata da tomada de decisões e deliberações quanto à coorde-</p><p>nação da vida social8, cujo objetivo principal se tornou efetivamente foca-</p><p>do em alcançar o interesse público.</p><p>O século XXI surge e o que é perceptível é uma distância crescente en-</p><p>tre as complexidades externas do controle político institucionalizado e o</p><p>espaço em que as questões mais importantes para a vida humana são esta-</p><p>6 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.</p><p>São Paulo: Edipro, 2017, p. 86-87.</p><p>7 LARENZ, Karl. Derecho justo: fundamentos de etica juridica. Tradução de Luis Díez-</p><p>Picazo. Madrid: Civitas, 1985, p. 151.</p><p>8 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação admi-</p><p>nistrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, 2003, p. 91-93.</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>51</p><p>belecidas: a modernidade líquida é vivida através e nesse contexto.9</p><p>3. Populismo 3.0 e liberdade de expressão</p><p>Em 2013, a chamada “Primavera Árabe”10 e seus resultados políticos</p><p>posteriores marcaram um fenômeno da ascensão ao poder de regimes</p><p>autoritários, após eventos decorrentes de mobilizações sociais naquele</p><p>momento histórico, marcando um período de mudanças significativas</p><p>para o estudo dos impactos dos movimentos sociais na Internet. O tom</p><p>inicial de otimismo sobre o papel das redes sociais, especialmente na ques-</p><p>tão de capacitar cidadãos comuns e participação política, mudou.11</p><p>De</p><p>fato, a ascensão do chamado 'ativismo virtual', que teve suas carac-</p><p>terísticas remodeladas além das interações de outrora, transmitiu lutas por</p><p>causas ligadas à defesa dos direitos humanos, democracia e participação.</p><p>Esse movimento cresceu e continua a crescer.12</p><p>9 BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas.</p><p>Tradução de José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 257.</p><p>10 “Primavera Árabe” é a nomenclatura usada para se referir à onda de protestos, mo-</p><p>tins e revoluções populares contra governos do mundo árabe, que eclodiram em</p><p>2011, com o agravamento econômico causado pela crise e pela falta de democracia</p><p>nos países do Oriente Médio.</p><p>11 LYNCH, Marc. The Arab uprising: the unfinished revolutions of the Middle East.</p><p>Nova York: Public Affairs, 2013, p. 11. Comenta: “It is commonly said that nobody</p><p>predicted the upheavals in the Arab world that began in December 2010 and defined</p><p>the following year. But that does not mean that nobody saw them coming. The crum-</p><p>bling foundations of the Arab order were visible to all who cared to look. Political sys-</p><p>tems that had opened slightly in the mid-2000s were once again closing down, victim to</p><p>regime manipulation and repression. Economies failed to produce jobs for an explod-</p><p>ing population of young people. As the gap between rich and poor grew, so did corrup-</p><p>tion and escalating resentment of an out-of-touch and arrogant ruling class. Mean-</p><p>while, Islamist movements continued to transform public culture even as Arab regimes</p><p>used the threat of al-Qaeda to justify harsh security crackdowns”.</p><p>12 GERBAUDO, Paolo. The mask and the flag: populism, citizenship and global protest.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>52</p><p>Em essência, o fenômeno observado é que a Internet não é mais aquela</p><p>originalmente concebida. Novas aplicações surgiram, criando amplo espa-</p><p>ço para o domínio exercido por poucos atores (Facebook, Google, Amazon</p><p>etc.). Nas palavras de Siva Vaidhyanathan, o Facebook tem “uma história</p><p>de arrogância de boas intenções, um espírito missionário e uma ideologia</p><p>que vê o código do computador como o solvente universal para todos os</p><p>problemas humanos. E é uma acusação de como as mídias sociais promo-</p><p>veram a deterioração da cultura democrática e intelectual em todo o mun-</p><p>do.”13 A situação do Google não é tão diferente, pois o domínio dessa pla-</p><p>taforma leva a uma fragmentação da esfera pública na Internet.14</p><p>Essas descobertas são corroboradas pelos pensamentos de Evgeny Mo-</p><p>rozov, que indica que a política em desenvolvimento do conceito de de-</p><p>mocracia digital parece revelar-se como uma utopia cibernética15, que</p><p>molda a formação de uma nova forma de populismo – o populismo digital.</p><p>Simplificando, o que causa é uma 'afinidade eletiva' entre as mídias sociais</p><p>e o populismo ou uma convergência de participação nas plataformas digi-</p><p>tais para favorecer um novo ideal contra o establishment.16</p><p>Oxford: Oxford University Press, 2017, p. 244. Destaca: “The cult of participation</p><p>problematically conflates utopia and praxis, ends and means; the world we want to</p><p>build and the ways in which we can build it. Collective action runs the risk of becoming</p><p>merely therapeutic rather than emancipatory, and its nature more ethical and quasi-</p><p>religious instead of political. This tendency, which reflects the uncanny resonance be-</p><p>tween neoanarchism and neo liberalism in their common reflection of individualistic</p><p>narcissistic tendencies, considers all moves towards formalisation as necessarily equat-</p><p>ing to ossification and sclerotisation rather than, for example, maturation.”</p><p>13 VAIDHYANATHAN, Siva. Anti-social media: how Facebook disconnects us and</p><p>undermines democracy. Oxford: Oxford University Press, 2018, p. 3, tradução livre.</p><p>14 VAIDHYANATHAN, Siva. The googlization of everything (and why should we wor-</p><p>ry). Berkeley: University of California Press, 2011, p. 136.</p><p>15 MOROZOV, Evgeny. The net delusion: the dark side of Internet freedom. Nova</p><p>York: Public Affairs, 2011, p. 320.</p><p>16 GERBAUDO, Paolo. Social media and populism: an elective affinity? Media, Culture</p><p>& Society, Londres, v. 40, n. 5, 2018, p. 746.</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>53</p><p>O apoio popular é obtido através do uso massivo de redes sociais por</p><p>líderes, 'eleitos' ou não, nas mídias sociais. Agora, com a possibilidade de</p><p>comunicação direta com um grande número de seguidores – sejam huma-</p><p>nos ou de inteligência artificial (bots) – que, por sua vez, compartilham,</p><p>comentam, respondem a postagens opostas, rapidamente e/ou em tempo</p><p>real, em novo formato para interatividade a participação capaz de propa-</p><p>gar tópicos e visões de tendências em segundos surge e molda formas de</p><p>comunicação mais refinadas e complexas.</p><p>À luz do comportamento do presidente dos EUA, Donald Trump, nas</p><p>mídias sociais – um exemplo emblemático desse momento histórico – é</p><p>notável a mudança de atitude dos líderes globais, porque, em termos de</p><p>técnicas de comunicação, Trump depende quase exclusivamente da rede</p><p>social Twitter para expressar seus pontos de vista e geralmente se comuni-</p><p>car com o público, sendo essa a razão pela qual, ironicamente, alguns o</p><p>chamam de “Twitter in Chief”17, em referência ao papel presidencial de</p><p>“Commander in Chief”, nos termos da Constituição dos EUA (Artigo II,</p><p>Seção 2).</p><p>Nos posts de Trump, geralmente existem textos curtos e linguagem</p><p>simples, compreensíveis e facilmente assimilados por qualquer seguidor.</p><p>Quanto ao conteúdo, por sua vez, há uma mistura de opiniões pessoais</p><p>com fatos controversos, que mais tarde são desafiados pela mídia tradicio-</p><p>nal pela natureza controversa permeada por notícias falsas, teorias da</p><p>conspiração, ironias etc. É importante notar que o contexto das comunica-</p><p>ções – particularmente as redes sociais – revela que existe um ambiente</p><p>repleto de perigos para preservar os direitos fundamentais, especialmente</p><p>os da primeira dimensão (liberdades públicas).18</p><p>17 ANDERSON, Bryan. Tweeter-in-Chief: a content analysis of President Trump’s</p><p>tweeting habits. Elon Journal of Undergraduate Research in Communications, Elon, v.</p><p>8, n. 2, 2017, p. 36 et seq.</p><p>18 De acordo com Cass Sunstein, “with these ideas in view, I have stressed the serious</p><p>problems for individuals and societies alike that are likely to be created by the practice</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>54</p><p>A chamada web 3.0 cria o ecossistema perfeito para tais situações, pois</p><p>é marcada pela operacionalidade da rede em tempo real, pelo armazena-</p><p>mento ininterrupto de dados ou pela hiperconectividade que exige um</p><p>vasto aparato técnico.19 Paralelamente, a ideia do “populismo 3.0” indica a</p><p>coerência em sintonia com o momento atual do desenvolvimento tecnoló-</p><p>gico, que avança de acordo com a ressignificação do conceito de democra-</p><p>cia e com a iminência do populismo digital20, em um ambiente de desin-</p><p>formação e difusão generalizadas de ataques a instituições democráticas.</p><p>Portanto, as liberdades de expressão e comunicação são agora alvos poten-</p><p>ciais, entre outros direitos fundamentais intimamente ligados à dignidade</p><p>humana.21</p><p>De fato, a proposta de democracia digital ou e-democracia pressupõe a</p><p>apresentação de soluções para problemas relacionados à dinâmica das</p><p>interações em rede e superação de adversidades em relação à inclusão e</p><p>of self-insulation – by a situation in which many of us wall ourselves off from the con-</p><p>cerns and opinions of our fellow citizens”. (SUNSTEIN, Cass. #Republic: divided de-</p><p>mocracy in the age of social media. Princeton: Princeton University Press, 2017, p.</p><p>252.)</p><p>19 BEÇAK, Rubens; LONGHI, João Victor Rozatti. O papel das tecnologias da comuni-</p><p>cação em manifestações populares: a primavera árabe e as jornadas de junho no Bra-</p><p>sil. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 10, n. 1, 2015, p.</p><p>391.</p><p>20 KEEN, Andrew. The internet is not the answer. Londres: Atlantic, 2015, p. 140-142.</p><p>21 Para Paolo Gerbaudo: “At the heart of the culture of contemporary social movements</p><p>there lies a third fundamental tension: that between evanescence and fixity. On the one</p><p>hand, contemporary popular movements are characterised by ‘liquid’ forms of organis-</p><p>ing; in which the use of social media by social networking sites is geared towards super-</p><p>seding the authoritarian tendencies of ‘solid’ organisations like parties and trade un-</p><p>ions, in the effort of avoiding the ‘iron law of oligarchy’. On the other hand, these</p><p>movements require the invocation of a sense of locality or ‘net locality’, which involves</p><p>bestowing them with some degree of fixity, a ‘nodal point’ in their texture of participa-</p><p>tion.” (GERBAUDO, Paolo. Tweets and the streets: social media and contemporary</p><p>activism. Londres: Pluto Press, 2012, p. 166.)</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>55</p><p>exclusão digital e ao grau de envolvimento político-democrático da popu-</p><p>lação. Esse é o argumento central que diz respeito à nebulosidade que</p><p>permeia o conhecimento dos usos e controle da Internet, principalmente</p><p>diante do domínio do poder econômico dos 'impérios da comunicação'22,</p><p>empresas privadas que subiram ao platô de entidades hegemônicas no</p><p>controle das mídias sociais.</p><p>Exemplos como a proteção de dados pessoais e a segurança da infor-</p><p>mação, que são complementares entre si, embora ambos estejam vincula-</p><p>dos a postulados de confidencialidade, integridade e disponibilidade, for-</p><p>necem um ambiente fértil para a difusão de vazamentos de notícias e in-</p><p>formações provenientes de inúmeros portais projetados para servir a uma</p><p>variedade de propósitos. Por esse motivo, essa nova realidade virtual pro-</p><p>porcionou acesso aos dados do usuário (dados pessoais), com relevância</p><p>única, impondo às empresas e organizações um cuidado especial com a</p><p>segurança dos dados e a privacidade do usuário.</p><p>Na medida em que diz respeito à liberdade de expressão, o problema da</p><p>personalização de notícias passa a revelar uma política de conteúdo apre-</p><p>sentada pela maioria dos provedores – especialmente nas mídias sociais –</p><p>formando verdadeiras bolhas de conteúdo através das quais os usuários de</p><p>aplicativos recebem informações direcionadas para suas “preferências”,</p><p>resultando em um processo crescente de radicalização, onde as pessoas</p><p>estão gradualmente se movendo para os extremos e falhando em dialogar</p><p>com outras pessoas de diferentes posições.</p><p>Em essência, pode-se conceber brevemente as liberdades comunicacio-</p><p>nais como um gênero que engloba toda a gama do direito inalienável de se</p><p>comunicar livremente. Liberdade de crença, expressão, associação (ou</p><p>não) regulamentação da propriedade da mídia, e, ultimamente, da Inter-</p><p>net, são algumas das mídias desse grande gênero, cada uma digna de uma</p><p>22 WU, Tim. The master switch: the rise and fall of information empires. Nova York:</p><p>Vintage, 2012, p. 255-257.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>56</p><p>análise detalhada dos inúmeros problemas que envolvem seus principais</p><p>aspectos.</p><p>A expressão “free speech” é sugerida por Nigel Warburton em um sen-</p><p>tido amplo que não se restringe à palavra falada – sentido estrito –, mas a</p><p>uma gama significativa de expressões como a palavra escrita, música, fil-</p><p>mes, vídeos, fotografias, desenhos, artes e etc. Afinal, o foco não deve ser o</p><p>modo como uma ideia é expressa, mas a própria ideia, seus impactos, ou-</p><p>vintes, o entendimento das expressões utilizadas, o contexto geral etc. Por</p><p>esse motivo, como regra, situações relacionadas aos aspectos legais das</p><p>liberdades comunicativas não estão vinculadas ao uso da palavra em ambi-</p><p>entes privados, mas em “lugares” que variam de um poema a perfis em</p><p>sites de redes sociais.23</p><p>Por esse motivo, via de regra, as situações relacionadas aos aspectos le-</p><p>gais das liberdades comunicativas não estão ligadas ao uso da palavra em</p><p>ambientes privados, mas em “lugares” que variam de um poema a perfis</p><p>em sites de redes sociais.</p><p>Warburton ressalta que existem duas ordens principais de fundamen-</p><p>tos relativas à liberdade de expressão: uma de ordem moral e outra de or-</p><p>dem instrumental. Este último destaca os benefícios de uma sociedade</p><p>onde a liberdade de expressão é garantida economicamente (fornecendo</p><p>informações aos cidadãos) e socialmente, promovendo a felicidade das</p><p>pessoas e o pluralismo de idéias. No entanto, destaca também a ordem</p><p>moral como fundamento que contém um valor intrínseco quase consensu-</p><p>al: a promoção da dignidade da pessoa humana e a autonomia do indiví-</p><p>duo.24</p><p>Note-se que o autor, posteriormente, faz uma distinção terminológica</p><p>23 WARBURTON, Nigel. Free Speech: a very short introduction. Oxford: Oxford Uni-</p><p>versity Press, 2009, p. 5.</p><p>24 WARBURTON, Nigel. Free Speech: a very short introduction. Oxford: Oxford Uni-</p><p>versity Press, 2009, p. 16.</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>57</p><p>entre freedom of speech e freedom of expression. A ideia de expressão, ele</p><p>argumenta, expressaria com mais precisão a subjetividade de quem comu-</p><p>nica um fato a um público específico. O exemplo de Warburton é de uma</p><p>possível comunicação de um cidadão chinês sobre o chamado massacre da</p><p>Praça da Paz Celestial (1989) nos dias atuais: o que o governo chinês proí-</p><p>be é uma narrativa negativa subjetiva e crítica sobre esse fato, pois o pró-</p><p>prio fato permanece intacto.25</p><p>Em português, no entanto, é difícil visualizar uma distinção entre essas</p><p>duas liberdades. No entanto, parte da doutrina usa certas categorizações</p><p>para justificar diversos regimes legais no exercício das liberdades comuni-</p><p>cativas, em um cenário diferente do da liberdade de expressão, que, nas</p><p>palavras de Guilherme Peña de Moraes, engloba a possibilidade de expres-</p><p>são intelectual, atividades científicas, artísticas e sociais, trazendo consigo</p><p>as obrigações de indenização ou reparação de danos morais, possibilidade</p><p>de direito de resposta, anonimato e censura proibidos.26</p><p>4. Os ataques em massa na Internet e a censura reversa</p><p>Em setembro de 2019, foi noticiado que o youtuber Felipe Neto cance-</p><p>lou participação em evento educacional por estar recebendo ameaças de-</p><p>vido à sua recente atitude de comprar e mandar distribuir mais de 14 mil</p><p>exemplares de livro com temática LGBT, que foi alvo de ação de retirada</p><p>de circulação na Bienal do Livro por parte do prefeito do Rio de Janeiro,</p><p>Marcelo Crivella.27-28</p><p>25 WARBURTON, Nigel. Free Speech: a very short introduction. Oxford: Oxford Uni-</p><p>versity Press, 2009, p. 6.</p><p>26 MORAES, Guilherme Peña. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas,</p><p>2015, p. 573-574.</p><p>27 ROUVENAT, Fernanda. Livros com temática LGBT comprados por Felipe Neto são</p><p>distribuídos na Bienal. G1 Rio de Janeiro, 7 set. 2019. Disponível em:</p><p>https://glo.bo/2Yf5mgP. Acesso em: 14 mar. 2020.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>58</p><p>O ambiente de hostilidade é mais um capítulo da crescente atmosfera</p><p>de ódio que recentemente assola o mundo. O contexto em que se insere o</p><p>problema da ameaça a figuras públicas no Brasil, contudo, carece de análi-</p><p>se especialmente pelo fato de que a violência é sobretudo perpetrada pela</p><p>Internet.</p><p>Para a compreensão do fenômeno, preliminarmente, levam-se em con-</p><p>ta as ideias de Tim Wu: “(...) se um dia era difícil de falar, hoje é difícil ser</p><p>escutado.”29 Trata-se de síntese apropriada do ambiente informacional</p><p>que se tem na atualidade. Afinal, hoje, a informação é abundante e falar em</p><p>tese é fácil,</p><p>ao mesmo passo que o tempo e a atenção do ouvinte têm se</p><p>tornado, a cada dia, valiosas commodities, já que sujeitas à escassez, o que</p><p>Wu descreve como economia da atenção: “(...) atenção tem sido ampla-</p><p>mente reconhecida como uma mercadoria, como trigo, gordura animal ou</p><p>petróleo bruto.”30</p><p>Em razão do volume informacional, que é impossível de ser consumido</p><p>por um ser um humano, passa a fazer sentido aquilo que o autor chama de</p><p>“homo distractus”, ilustrado por aquele que senta para ler um simples e-</p><p>mail e passa horas sentado ao computador vendo redes sociais, vídeos,</p><p>notícias e publicidade e perdendo a noção do tempo. Tal ambiente fez</p><p>surgirem os “mercadores da atenção”, intermediários que lucram por ofe-</p><p>recer o conteúdo mais propício a prender a atenção do consumidor, le-</p><p>vando à disputa pela melhor personalização de acordo com seu perfil.31</p><p>28 FRANK, Gustavo. Felipe Neto cancela participação em evento após ameaças: "Já tirei</p><p>minha mãe do Brasil". UOL, 16 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2x5Wu1E.</p><p>Acesso em: 14 mar. 2020.</p><p>29 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>276, tradução livre.</p><p>30 WU, Tim. The attention merchants: the epic scramble to get inside our heads. Nova</p><p>York: Vintage, 2016, p. 6, tradução livre.</p><p>31 WU, Tim. The attention merchants: the epic scramble to get inside our heads. Nova</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>59</p><p>Como dimensão política do fenômeno, surgem as “bolhas de informa-</p><p>ção”32, em que o cidadão se atenta cada vez mais para conteúdos que cor-</p><p>roborem sua atual opinião e reiterem suas convicções ideológicas naquele</p><p>momento, levando a um ambiente de contínua radicalização e polarização.</p><p>Em última análise, tal situação enfraquece a base da democracia deliberati-</p><p>va: a esfera pública.33</p><p>Percebendo tal fraqueza, regimes e líderes de tendências autocráticas –</p><p>em regra levados ao poder como produto de radicalização e não do debate</p><p>– adaptam-se a este ambiente, promovendo desinformação e extremismo</p><p>como políticas de comunicação. Afinal, parte-se da constatação de que</p><p>uma das maneiras mais eficientes de se controlar o exercício das liberdades</p><p>comunicacionais – de expressão, opinião e comunicação – é atingir a aten-</p><p>ção do espectador e, assim, não mais são empreendidos esforços que visam</p><p>impedir diretamente alguém de se manifestar, mas que buscam sobrepor a</p><p>visão do poder constituído sobre a da oposição.</p><p>Trata-se de um paradoxo relatado pelo autor, uma vez que, no passado,</p><p>muitos apostaram na Internet como um veículo que promoveria a liberda-</p><p>de de se comunicar, e não o contrário. Entretanto, cada dia mais, a Rede</p><p>mostra a dimensão gigantesca dos desafios que hoje se enfrenta, uma vez</p><p>que se tem notado uma redução dos espaços para o exercício do free spe-</p><p>ech. Como alerta Wu, poucos anteviram que este ambiente de suposta</p><p>facilidade para o exercício das liberdades comunicacionais seria o próprio</p><p>meio de se limitar a liberdade de expressão.34-35</p><p>York: Vintage, 2016, p. 6-7.</p><p>32 Cf. PARISER, Eli. The filter bubble: what the Internet is hiding from you. Nova York:</p><p>Penguin, 2011.</p><p>33 SUNSTEIN, Cass. #Republic: divided democracy in the age of social media. Prince-</p><p>ton: Princeton University Press, 2017, p. 34 et seq.</p><p>34 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>278-279.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>60</p><p>Tim Wu elenca três formas contemporâneas do que considera métodos</p><p>de intervenção na liberdade de expressão, que não são censura direta: (i)</p><p>assédios (harassment) e ataques online; (ii) distorções de informação e</p><p>“inundação” (flooding), prática também chamada de censura reversa; e</p><p>(iii) controle das principais plataformas de manifestação de opinião.36</p><p>Quanto à primeira forma, buscando um conceito de censura reversa, o</p><p>autor assevera que sua origem se deu na Rússia do início dos anos 2000,</p><p>com o que se denominava de “web brigades”. Tratavam-se de grupos de</p><p>pessoas que atacavam em massa quaisquer personagens públicos com al-</p><p>guma proeminência que fossem críticos ao governo. Entretanto, todos</p><p>negam qualquer ligação direta, política ou financeira com o Kremlin, ma-</p><p>terializando-se, em tese, em organizações não governamentais ou meros</p><p>“movimentos populares” supostamente espontâneos.</p><p>Posteriormente, o método teria se alastrado pela Ucrânia ou mesmo pe-</p><p>la Finlândia, onde tais grupos realizavam grandes quantidades de posts</p><p>críticos à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Anos de-</p><p>pois, os virtual mobs chegaram nos Estados Unidos, tendo sido decisivos</p><p>como meio de influência sobre a opinião pública, durante as eleições de</p><p>2016, que culminaram na ascenção de Donald Trump.37</p><p>Quanto à segunda, destaca-se que autor conceitua censura reversa, flo-</p><p>oding ou astroturfing38 como nomenclaturas para uma técnica de contra-</p><p>35 A autora lembrada como exceção é Danielle Keats Citron, que, no passado, alertou</p><p>para tais riscos. Para maiores informações, consulte-se: CITRON, Danielle Keats.</p><p>Cyber civil rights. Boston University Law Review, Boston, v. 89, p. 61-125, 2009.</p><p>36 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>280.</p><p>37 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>281.</p><p>38 Astroturf é um termo usado pela imprensa norte-americana para designar a simula-</p><p>ção de um movimento popular espontâneo. Sua origem remonta à década de 1980</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>61</p><p>programação com quantidade suficiente de informação para sufocar dis-</p><p>cursos desfavoráveis, ou ao menos para distorcer o ambiente informacio-</p><p>nal. Geralmente envolve a divulgação maciça de fake news (ou propaganda</p><p>radical) para distrair e desacreditar as críticas, qualificada como forma de</p><p>controle de opinião que tem por alvo o ouvinte, espectador ou leitor e não</p><p>quem produz o conteúdo.39 Como exemplos, além da Rússia cita a China,</p><p>onde se pagaria mais de 2 milhões de pessoas para postarem online em</p><p>nome do partido comunista.</p><p>Finalmente, deve-se acrescer que os ataques à mídia tradicional e, espe-</p><p>cialmente, o uso crescente de robôs, perfis falsos movidos por inteligência</p><p>artificial em sites de redes sociais, também conhecidos como “bots” expo-</p><p>nenciam os efeitos deste método comunicacional e, quando usados de</p><p>forma sistemática pelos detentores de um poder hegemônico, levam ao</p><p>quando um senador americano do Texas, Lloyd Bentsen, durante os debates legislati-</p><p>vos que determinariam o aumento das indenizações a serem pagas em seguros de vi-</p><p>da passou a receber cartas supostamente escritas por populares com críticas à pro-</p><p>posta. Como o posicionamento beneficiaria as seguradoras, em matéria publicada</p><p>pelo jornal Washington Post, afirmou o político que uma pessoa do Texas saberia di-</p><p>zer a diferença entre grassroots – raízes de grama natural – e ‘Astro Turf’ – marca de</p><p>grama artificial criada pela Monsanto”. (SILVA, Daniel Reis. O astroturfing como</p><p>um processo comunicativo: a manifestação de um público simulado, a mobilização</p><p>de públicos</p><p>e as lógicas de influência na opinião pública. Dissertação de Mestrado</p><p>apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Fe-</p><p>deral de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013,</p><p>p. 14.)</p><p>39 “Reverse censorship, which is also called flooding, is another contemporary technique</p><p>of speech control. With robots in so-called as astroturfing, it relies on counterpro-</p><p>gramming with a sufficient volume of information to drown out motivated reverse cen-</p><p>sorship often involves the dissemination of fake news (or atrocity propaganda) to dis-</p><p>tract and discredit. Whatever form it takes, this technique clearly qualifies as listener-</p><p>targeted speech control.” (WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLING-</p><p>ER, Lee C.; STONE, Geoffrey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford</p><p>University Press, 2019, p. 282.)</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>62</p><p>controle das plataformas de comunicação, sufocando os críticos.</p><p>Como enfrentamento do problema, Wu propõe, em linhas gerais, dois</p><p>possíveis caminhos. Por serem pouco claros os limites entre público e pri-</p><p>vado na promoção da censura reversa, o primeiro seria o abandono da</p><p>doutrina da state action, havendo a necessidade de aplicação dos direitos</p><p>fundamentais nas relações privadas. A segunda seria uma reinterpretação</p><p>da primeira emenda americana, atualizando-se os limites já consagrados</p><p>em alguns precedentes para adapta-los à realidade da Internet.40</p><p>Como consequência do primeiro, seria possível a responsabilização ci-</p><p>vil ou até criminal de agentes públicos e/ou políticos quando tais ataques</p><p>sistemáticos são oriundos de “disparos” efetuados por eles. O autor cita</p><p>como possível modelo de responsabilidade civil as regras de direitos auto-</p><p>rais, que são rígidas com terceiros de modo a coibir ilegalidades praticadas</p><p>por usuários. Não fica claro, contudo, se as regras diversas no tocante à</p><p>responsabilidade civil por conteúdo inserido por terceiros alterariam o</p><p>consagrado princípio do notice and takedown da Seção 230 do U.S. Code,</p><p>inspiração para o sistema adotado pelo Marco Civil da Internet brasileiro,</p><p>com a peculiaridade de exigir-se, aqui, que a notificação seja judicial como</p><p>regra.</p><p>Por último, sugere uma série de alterações legislativas para o aggiorna-</p><p>mento da primeira emenda, destacando-se a necessidade de leis federais</p><p>“anti-cyberstalking” e “antitrolling” como forma de coibir o uso dos</p><p>“bots” para a promoção de ataques sistemáticos de “trolling” contra jorna-</p><p>listas.41</p><p>No Brasil, embora um sistema jurídico especificamente voltado para a</p><p>40 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>286.</p><p>41 WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geof-</p><p>frey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p.</p><p>287.</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>63</p><p>regulamentação da Internet ainda esteja em construção com a aprovação</p><p>do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014, MCI) e da Lei Geral de</p><p>Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018, LGPD), a ausência de um direito</p><p>fundamental à proteção de dados torna sua proteção ainda incompleta.</p><p>Combatendo isso, uma Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC</p><p>17/2019) inclui o referido direito fundamental no texto constitucional</p><p>(com o acréscimo do inciso XII-A ao rol do art. 5º da CF).42 Apesar disso, a</p><p>proteção implícita já existe e é decorrente dos direitos fundamentais à pri-</p><p>vacidade, à intimidade e à liberdade.</p><p>Mesmo assim, a LGPD trouxe avanços inegáveis, embora seus concei-</p><p>tos não contenham os ricos detalhes da regulamentação europeia. Para</p><p>esclarecer, os dados pessoais, de acordo com a lei brasileira, são as infor-</p><p>mações relacionadas a uma pessoa física identificada ou identificável (art.</p><p>5º, I). Além disso, como subespécie, dada a necessidade de tratamento</p><p>legal específico, também são regulados os dados sensíveis (art. 5º, II) e os</p><p>dados anonimizados (art. 5º, III).</p><p>A regra geral relativa à disposição dos dados pessoais pelo usuário deve</p><p>cumprir o chamado princípio de consentimento (art. 7º, I), que deve ser</p><p>obtido por escrito ou por outros meios inequívocos e pode ser revogado a</p><p>qualquer momento, sendo o responsável pelo ônus da prova o cumpri-</p><p>mento de tais requisitos (art. 8º, caput e §§ 1º, 2º e 3º). Sobre a responsabi-</p><p>lidade dos agentes de dados pessoais, que são os operadores e controlado-</p><p>res dos dados (art. 5º, VII, VIII e IX, LGPD), os artigos 42 e seguintes defi-</p><p>nem a responsabilidade objetiva, seja por ação (art. 42, caput) ou por</p><p>omissão (art. 44), causada pela violação de seus deveres como prestadores</p><p>de serviços.</p><p>A referida conclusão é tirada a priori e se baseia amplamente na ausên-</p><p>cia de qualquer menção à culpa subjetiva do agente, e há também uma lista</p><p>42 BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento.</p><p>Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 92-93.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>64</p><p>exaustiva no artigo 43 sobre causas excludentes de nexo de causalidade,</p><p>referindo-se essencialmente à falta de serviço, a observação dos deveres de</p><p>conduta legitimamente esperados pelo titular dos dados e do fato exclusivo</p><p>da vítima, lógica semelhante à responsabilidade civil por acidente do con-</p><p>sumidor no Código de Defesa do Consumidor (art. 14 e segs.). Essas dire-</p><p>trizes principais são claramente inspiradas no Regulamento Geral Europeu</p><p>para a Proteção de Dados (RGPD).</p><p>Quanto ao tratamento jurídico das fake news, ponto sensível nas recen-</p><p>tes tensões entre liberdades comunicacionais e proteção dos direitos fun-</p><p>damentais e meio recorrente de proliferação do discurso de ódio, é recente</p><p>a criminalização da denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, apeli-</p><p>dada publicamente de “Lei das Fake News” (Lei nº 13.834, de 4 de junho</p><p>de 2019). O parágrafo terceiro, que equipara à conduta criminosa a ação</p><p>do agente que divulga ou propala a informação falsa, foi originalmente</p><p>objeto de veto do presidente Jair Bolsonaro, mas houve posterior derruba-</p><p>da pelo Parlamento.</p><p>Porém, a coibição da desinformação não deve se restringir ao pleito</p><p>eleitoral. Afinal, casos como o de Felipe Neto demonstram que os danos</p><p>causados pelo discurso de ódio não se restringem à pessoa da vítima ou</p><p>sua família.</p><p>5. Considerações finais</p><p>O ponto fundamental do estudo dos impactos das Tecnologias de In-</p><p>formação e Comunicação (TICs), especialmente da Internet, sobre o re-</p><p>cente delineamento do princípio democrático, reside no problema de en-</p><p>curtar a distância entre o Estado e a sociedade civil, como é observou uma</p><p>distorção sensível do uso da web para finalidades diferentes daquelas con-</p><p>cebidas em sua origem.</p><p>Quanto às redes sociais, existem vários efeitos nocivos das chamadas</p><p>“bolhas de informação”, nas quais os cidadãos consomem conteúdo su-</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>65</p><p>postamente direcionado às suas preferências, favorecendo o surgimento de</p><p>tendências que fraturam a noção de esfera pública. Assim, existe o risco de</p><p>que o fornecimento de conteúdo com caráter propagandístico resulte em</p><p>um ambiente de extrema polarização política, altamente prejudicial ao</p><p>debate e, consequentemente, com grande potencial prejudicial ao princí-</p><p>pio democrático.</p><p>O conceito contemporâneo de populismo digital ou ‘populismo 3.0’,</p><p>extraído especialmente das preocupações de Paolo Gerbaudo, tem relevân-</p><p>cia especial para a compreensão desse fenômeno, à medida que as técnicas</p><p>comunicacionais são expandidas em um universo marcado pela massifica-</p><p>ção de dados, não apenas para influenciar campanhas e eleições, mas inter-</p><p>ferir com todo âmbito relacionado à liberdade de expressão, o que abre</p><p>margem a ataques em massa e à propagação do</p><p>discurso de ódio.</p><p>Em conclusão, pode-se afirmar que as leis de proteção de dados pesso-</p><p>ais não necessariamente impediriam casos como esse, mas proteger esse</p><p>direito fundamental do cidadão dificultaria a influência de tais processos</p><p>deliberativos para conteúdo tóxico, como notícias falsas e discurso de</p><p>ódio. Certas restrições institucionais e regulatórias, especialmente no cam-</p><p>po da proteção de dados, podem ajudar, mas não serão suficientes. Mesmo</p><p>assim, uma Agência de Proteção de Dados independente é imprescrindível</p><p>como meio de fornecer aos cidadãos mecanismos institucionais para pro-</p><p>teger sua dignidade informacional, sob pena de se tornar mais uma enun-</p><p>ciação de direitos com “limites de papel”.</p><p>Os ataques constituem, por fim, uma afronta ao próprio direito inalie-</p><p>nável de manifestar sua opinião a favor ou contra qualquer dos lados do</p><p>espectro político. Atacar alguém cuja opinião influencia milhões de pesso-</p><p>as tem por consequência o espraiar de um ambiente de medo que leva ao</p><p>chamado efeito amedrontador (chilling effect) da liberdade de expressão.</p><p>Quantos “Felipes Neto” não se sentem acuados de manifestar suas opini-</p><p>ões quando ameaças desta natureza não são sequer investigadas e os ver-</p><p>dadeiros interessados na proliferação do discurso de ódio responsabiliza-</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>66</p><p>dos?</p><p>Referências</p><p>ANDERSON, Bryan. Tweeter-in-Chief: a content analysis of President</p><p>Trump’s tweeting habits. Elon Journal of Undergraduate Research in</p><p>Communications, Elon, v. 8, n. 2, 2017.</p><p>BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histó-</p><p>rias vividas. Tradução de José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.</p><p>BEÇAK, Rubens; LONGHI, João Victor Rozatti. O papel das tecnologias</p><p>da comunicação em manifestações populares: a primavera árabe e as</p><p>jornadas de junho no Brasil. Revista Eletrônica do Curso de Direito da</p><p>UFSM, Santa Maria, v. 10, n. 1, 2015.</p><p>BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consen-</p><p>timento. Rio de Janeiro: Forense, 2019.</p><p>BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio</p><p>Nogueira. São Paulo: Edipro, 2017.</p><p>BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 10. ed. São Paulo:</p><p>Malheiros, 2011.</p><p>CITRON, Danielle Keats. Cyber civil rights. Boston University Law Review,</p><p>Boston, v. 89, p. 61-125, 2009.</p><p>FRANK, Gustavo. Felipe Neto cancela participação em evento após amea-</p><p>ças: "Já tirei minha mãe do Brasil". UOL, 16 set. 2019. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2x5Wu1E. Acesso em: 14 mar. 2020.</p><p>GERBAUDO, Paolo. Social media and populism: an elective affinity? Me-</p><p>dia, Culture & Society, Londres, v. 40, n. 5, 2018.</p><p>GERBAUDO, Paolo. The digital party: political organization and online</p><p>democracy. Londres: Pluto Press, 2019.</p><p>GERBAUDO, Paolo. The mask and the flag: populism, citizenship and</p><p>global protest. Oxford: Oxford University Press, 2017.</p><p>GERBAUDO, Paolo. Tweets and the streets: social media and contempo-</p><p>Discurso de ódio (hate speech) e a censura reversa na Internet</p><p>67</p><p>rary activism. Londres: Pluto Press, 2012.</p><p>HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. 11. ed.</p><p>Paris: Sirey, 1927.</p><p>KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução</p><p>de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2003.</p><p>KEEN, Andrew. The internet is not the answer. Londres: Atlantic, 2015.</p><p>LARENZ, Karl. Derecho justo: fundamentos de etica juridica. Tradução de</p><p>Luis Díez-Picazo. Madrid: Civitas, 1985.</p><p>LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de</p><p>direito. Tradução de Bruno Miragem. 2. ed. São Paulo: Revista dos</p><p>Tribunais, 2010.</p><p>LYNCH, Marc. The Arab uprising: the unfinished revolutions of the Mid-</p><p>dle East. Nova York: Public Affairs, 2013.</p><p>MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da</p><p>ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,</p><p>v. 231, 2003.</p><p>MOROZOV, Evgeny. The net delusion: the dark side of Internet freedom.</p><p>Nova York: Public Affairs, 2011.</p><p>ROUVENAT, Fernanda. Livros com temática LGBT comprados por Felipe</p><p>Neto são distribuídos na Bienal. G1 Rio de Janeiro, 7 set. 2019. Dispo-</p><p>nível em: https://glo.bo/2Yf5mgP. Acesso em: 14 mar. 2020.</p><p>SILVA, Daniel Reis. O astroturfing como um processo comunicativo: a</p><p>manifestação de um público simulado, a mobilização de públicos e as</p><p>lógicas de influência na opinião pública. Dissertação de Mestrado</p><p>apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da Uni-</p><p>versidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Ge-</p><p>rais. Belo Horizonte, 2013.</p><p>SUNSTEIN, Cass. #Republic: divided democracy in the age of social media.</p><p>Princeton: Princeton University Press, 2017.</p><p>VAIDHYANATHAN, Siva. Anti-social media: how Facebook disconnects</p><p>us and undermines democracy. Oxford: Oxford University Press, 2018.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>68</p><p>VAIDHYANATHAN, Siva. The googlization of everything (and why</p><p>should we worry). Berkeley: University of California Press, 2011.</p><p>WARBURTON, Nigel. Free Speech: a very short introduction. Oxford:</p><p>Oxford University Press, 2009.</p><p>WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.;</p><p>STONE, Geoffrey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford</p><p>University Press, 2019.</p><p>WU, Tim. The attention merchants: the epic scramble to get inside our</p><p>heads. Nova York: Vintage, 2016.</p><p>WU, Tim. The master switch: the rise and fall of information empires. No-</p><p>va York: Vintage, 2012.</p><p>__________________________________________________</p><p>LONGHI, João Victor Rozatti. Discurso de ódio (hate speech) e a censura</p><p>reversa na Internet. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚ-</p><p>NIOR, José Luiz de Moura (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira Agui-</p><p>ar; REIS, Guilherme (Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciência ju-</p><p>rídica na sociedade da informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp. 47-68.</p><p>__________________________________________________</p><p>69</p><p>FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO: UM</p><p>ENSAIO PELA ÉTICA NA SOCIEDADE DA</p><p>INFORMAÇÃO</p><p>2</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Letícia Preti Faccio</p><p>1. Introdução</p><p>O perigoso cenário das fake news carrega tamanha complexidade que</p><p>atinge diversas ciências, como direito, filosofia, psicologia, medicina, se-</p><p>miótica, entre outras. Nesse estudo, trataremos dos reflexos desse fenôme-</p><p>no, nos campos do direito e da ética, trazendo à discussão as aporias quan-</p><p>to às responsabilidades decorrentes do ‘poder’ que a tecnologia confere.</p><p>Essa noção é colhida dos escritos de Hans Jonas, que sugere ser possível</p><p>a existência de uma nova ética para a atual civilização tecnológica, se re-</p><p>portando ao conto mitológico de Hefesto acorrentando o titã Prometeu,</p><p>conforme ilustrado em tela de Dirck van Baburen (1623).1 Em síntese, a</p><p>Prometeu teria sido dada a incumbência de supervisionar a criação dos</p><p>1 JONAS, Hans. Le principe responsabilité: une éthique pour la civilisation technolo-</p><p>gique. Tradução do alemão para o francês de Jean Greisch. 2. ed. Paris: Cerf, 1992, p.</p><p>7-16.</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>70</p><p>homens e de todos os animais. A cada animal foram atribuídos dons vari-</p><p>ados de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras outro, uma</p><p>carapaça protegendo um terceiro etc. Porém, quando chegou a vez do ho-</p><p>mem, utilizou-se o barro.</p><p>Mas, como todos os recursos haviam sido gastos nos outros animais e</p><p>não restavam mais dons, Prometeu roubou o fogo dos deuses e deu-o aos</p><p>homens. Isto assegurou a superioridade humana sobre os outros animais.</p><p>Todavia, o fogo era exclusivo dos deuses e, como castigo a Prometeu, Zeus</p><p>ordenou a Hefesto que o acorrentasse no cume do monte Cáucaso, onde</p><p>todos os dias uma águia (ou abutre) dilaceraria seu fígado que, também</p><p>todos os dias, se regeneraria. Esse castigo deveria durar 30 mil anos.</p><p>A alegoria é usada, objetivamente, em sentido antagônico à teoria de</p><p>Hans Jonas, que nos traz, no prefácio</p><p>do livro, a ideia de “Prométhée défi-</p><p>nitivement déchaîné” ou seja, Prometeu “definitivamente desacorrentado”</p><p>quando faz referência ao poder da tecnologia – descontrolada, desregula-</p><p>da, sem limites – frente à ciência.</p><p>Em pleno século XXI, não é novidade o fato de a Rede Mundial de</p><p>Computadores estar sendo constantemente afrontada pela prática da dis-</p><p>seminação das fake news, o que desencadeia um paradoxo: tanta informa-</p><p>ção fluindo e sendo ‘despejada’ na população desinforma (ao invés de</p><p>informar), causando efeitos em massa e ampla descrença populacional. A</p><p>mescla de notícias verdadeiras, falsas e alarmantes em imensa quantidade</p><p>desencadeia o desrespeito a direitos individuais e coletivos, o esvaecimento</p><p>da ética e o sentimento de desconfiança, que se prolifera esporadicamente.</p><p>“Prometeu desacorrentado” como alegoria para o clamor por uma éti-</p><p>ca da informação é o telos de um panorama no qual se insere o contexto</p><p>informacional contemporâneo, e as fake news seriam o aspecto mais pun-</p><p>gente a se enfrentar nesse malfadado contexto.</p><p>Com isso, o objetivo do texto é fomentar a discussão de importantes</p><p>pensamentos extraídos da Filosofia e que permitem refletir sobre o dese-</p><p>Fake news e desinformação</p><p>71</p><p>nho do status quo atual: uma disseminação de informações, um jogo às</p><p>cegas entre “verdadeiro ou falso” e uma óbvia consequência à humanida-</p><p>de, que se vê descrente, polarizada, com uma ética esvaecida.</p><p>2. Fake news e desinformação no século XXI</p><p>Considere-se o século XXI e o amplo poder comunicacional propiciado</p><p>pela Internet. Embora não se tenha um conceito único2, as chamadas fake</p><p>news são comumente entendidas pela tradução legítima da expressão in-</p><p>glesa para as “notícias falsas”, que são distribuídas deliberadamente, cau-</p><p>sando desinformação ou espalhando boatos através dos canais de comuni-</p><p>cação. Esse tipo de prática tem o objetivo de enganar a população e pode</p><p>ter motivações políticas, religiosas, econômicas, e até mesmo emocionais.</p><p>Tendo em mente a mensagem que a alegoria descrita por Hans Jonas pre-</p><p>tende transmitir, reflitamos sobre este tema específico...</p><p>Rafael Zanatta propõe uma visão mais ampla sobre a conceituação das</p><p>fake news. Para o autor, a desinformação pode acontecer não somente com</p><p>a produção de conteúdo falso, mas também com a publicação de notícias</p><p>antigas completamente fora de contexto, ou até mesmo com a manipula-</p><p>ção robótica que reforça algum discurso opinativo. Para o autor, o caso</p><p>Cambridge Analytica mostra a existência de um novo mercado de mani-</p><p>pulação eleitoral, que combina a interconexão entre processos de coleta de</p><p>2 RAIS, Diogo. Fake news e eleições. In: RAIS, Diogo (Coord.). Fake news: a conexão</p><p>entre a desinformação e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 107. Ex-</p><p>plica: “A polissemia aplicada à expressão fake news confunde ainda mais o seu senti-</p><p>do e alcance, ora indica como se fosse uma notícia falsa, ora como se fosse uma notí-</p><p>cia fraudulenta, ora como se fosse uma reportagem deficiente ou parcial, ou, ainda,</p><p>uma agressão a alguém ou a alguma ideologia. Daí uma das críticas ao uso da expres-</p><p>são fake news: a impossibilidade de sua precisão. Fake news tem assumido um signifi-</p><p>cado cada vez mais diverso, e essa amplitude tende a inviabilizar seu diagnóstico, afi-</p><p>nal, se uma expressão significa tudo, como identificar seu adequado tratamento? Não</p><p>é possível encontrar uma solução para um desafio com múltiplos sentidos.”</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>72</p><p>dados obscuros e estruturado através de técnicas de psicometria, demons-</p><p>trando um sério problema que vai além das fake news e abrange a manipu-</p><p>lação da população.3</p><p>Fala-se em ‘pós-verdade’4 e ‘desinformação’, fenômenos aparentemen-</p><p>te recentíssimos, mas que estão ligados à própria natureza humana e à</p><p>“atmosfera de incertezas e desconfianças” que paira em relação ao tema.</p><p>O caso retratado por Zanatta envolveu as empresas Facebook e Cam-</p><p>bridge Analytica. Esta última é empresa de consultoria e análise de dados e</p><p>foi acusada de obter ilegalmente informações pessoais de milhões de perfis</p><p>do Facebook e as ter utilizado na campanha eleitoral de Donald Trump,</p><p>atual presidente dos EUA.5 A manipulação de dados alcançou mais de 50</p><p>milhões de usuários e a repercussão do caso foi tamanha que é considerada</p><p>a maior crise de imagem do Facebook. Foi estabelecida uma multa de US$</p><p>5 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões) por violar as informações de privacidade</p><p>dos usuários da rede, batendo recorde mundial de maior multa da FTC</p><p>(Federal Trade Commission) a uma empresa de tecnologia.6</p><p>Vale ressaltar que essa manipulação eleitoral, vista evidentemente no</p><p>contexto americano, também ocorre em diversos países, entre eles o Brasil.</p><p>O autor Bernardo Brasil Campinho estuda a questão eleitoral e apresenta</p><p>3 ZANATTA, Rafael. Fake news e o triunfo do reducionismo. Entrevista especial com</p><p>Rafael Zanatta. [Entrevista cedida a] Ricardo Machado. Instituto Humanitas UNISI-</p><p>NOS, São Leopoldo, 21 abr. 2018. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-</p><p>noticias/entrevistas/578173-fake-news-e-o-triunfo-do-reducionismo-entrevista-</p><p>especial-com-rafael-zanatta. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>4 D'ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake</p><p>news. Tradução de Carlos Szlak. Barueri: Faro Editorial, 2019, p. 54.</p><p>5 GRANVILLE, Kevin. Facebook and Cambridge Analytica: what you need to know as</p><p>fallout widens. New York Times, 19 mar. 2018. Disponível em:</p><p>https://nyti.ms/2Rv2YOM. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>6 Para maiores detalhes sobre o episódio envolvendo Facebook e Cambridge Analytica,</p><p>consulte-se: WYLIE, Christopher. Mindf*ck: Cambridge Analytica and the Plot to</p><p>Break America. Nova Iorque: Penguin Random House, 2019.</p><p>Fake news e desinformação</p><p>73</p><p>um cenário jurídico e social de incerteza na democracia brasileira. O advo-</p><p>gado analisa o uso massivo de fake news por meio de redes sociais e aplica-</p><p>tivos (principalmente o WhatsApp) nas últimas eleições gerais no Brasil</p><p>como um fenômeno “sem precedentes”.7</p><p>O autor ainda aponta a forte influência do “hate speech” (discurso de</p><p>ódio)8 nas eleições gerais brasileiras e expõe outra dificuldade: a do con-</p><p>fronto institucional e judicial de notícias eleitorais falsas.9 Essas notícias</p><p>têm natureza difusa de propagação na Internet pelas diversas plataformas</p><p>digitais, e é agravada pelo caráter desconectado entre as empresas da In-</p><p>ternet e suas hierarquias.10</p><p>7 CAMPINHO, Bernardo Brasil. Constitution, democracy, regulation of the Internet</p><p>and electoral fake news in the Brazilian elections. Publicum, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2,</p><p>p. 232-256, jul./dez. 2019, p. 234. Registra o autor: “In a context of political polariza-</p><p>tion radicalized by the practice known as of fake news, Laura Chinchilla, a representa-</p><p>tive of the Organization of American States (OAS) observer mission to the 2018 Brazil-</p><p>ian general elections, considered the massive use of information manipulation through</p><p>social networks, notably WhatsApp, an ‘unprecedented’ phenomenon. In the time gap</p><p>that separate the two events, Brazil enacted the Brazilian Civil Rights Framework for</p><p>the Internet (2014), a law that establishes principles, guarantees, rights and duties for</p><p>the use of the Internet in Brazil. At the same time, the electoral legislation itself was</p><p>updated to regulate political propaganda on the Internet during the elections.”</p><p>8 Sobre o tema, confira-se: “O discurso do ódio abrange, entre outros, referências</p><p>difamatórias e degradantes à raça, à etnia, à religião, à origem, ao gênero, à condição</p><p>social ou aparência física de um grupo de pessoas ou de uma pessoa individualmente,</p><p>ou, ainda, incitações ao ódio ou ao uso do próprio discurso fundado no ódio como</p><p>instrumento ou recurso para provocar discórdia e</p><p>produzir ataques violentos entre</p><p>grupos sociais ou a símbolos nacionais.” (BARBOSA-FOHRMANN, Ana Paula;</p><p>SILVA JÚNIOR, Antonio dos Reis. O discurso de ódio na Internet. In: MARTINS,</p><p>Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti (Coords.). Direito digital: direi-</p><p>to privado e internet. 3. ed. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 29.)</p><p>9 CAMPINHO, Bernardo Brasil. Constitution, democracy, regulation of the Internet</p><p>and electoral fake news in the Brazilian elections. Publicum, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2,</p><p>p. 232-256, jul./dez. 2019, p. 246.</p><p>10 PARISER, Eli. O filtro invisível. O que a Internet está escondendo de você. Tradução</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>74</p><p>Noutro norte, o Digital News Report do Reuters Institute for the Study</p><p>of Journalism, projeto que elabora relatórios por meio de pesquisas reali-</p><p>zadas pela YouGov, da Universidade de Oxford, e que objetiva trazer in-</p><p>formações baseadas no consumo de notícias digitais, considerou mais de</p><p>75.000 consumidores de notícias online em 38 países, e seu último relató-</p><p>rio traz o progresso de negócios virtuais pagos, confiança e desinformação,</p><p>o impacto do populismo11, a mudança para aplicativos de mensagens pri-</p><p>vadas e a ascensão de podcasts.</p><p>Uma das conclusões do relatório é que os aplicativos de mensagens pri-</p><p>vadas, e grupos de Facebook, estão se tornando a principal fonte de com-</p><p>partilhamento de notícias de relevante discussão. Além disso, o WhatsApp</p><p>está sendo usado para disseminação de noticiais em países como o Brasil</p><p>(53%), África do Sul (49%) e Hong Kong (41%) tornando esses países po-</p><p>tencialmente mais vulneráveis às fake news.12</p><p>Pertinente, nesse contexto, a visão de Paolo Gerbaudo:</p><p>O partido digital, ou alternativamente o ‘partido da plataforma’, para indi-</p><p>car a adoção da lógica das plataformas das mídias sociais, está para a atual</p><p>era informacional, das redes onipresentes, mídias sociais e aplicativos para</p><p>smartphones, assim como o ‘partido de massa’ para a era industrial ou a</p><p>de Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 156. Diz o autor: “Com muita fre-</p><p>quência, os executivos do Facebook, Google e outras empresas socialmente impor-</p><p>tantes se fazem de bobos: são os revolucionários sociais quando lhes convêm e em-</p><p>presários amorais quando não. E as duas posturas deixam muito a desejar.”</p><p>11 Os impactos do populismo podem ser complementados, ademais, pela leitura de:</p><p>LONGHI, João Victor Rozatti. Dignidade.com: direitos fundamentais na era do po-</p><p>pulismo 3.0. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de</p><p>Moura (Coords.). Estudos essenciais de direito digital. Uberlândia: LAECC, 2019, p.</p><p>189 et seq.</p><p>12 KALOGEROPOULOS, Antonis. Groups and Private Networks – Time Well Spent?</p><p>Reuters Institute for the Study of Journalism. University of Oxford, Digital News Re-</p><p>port. Disponível em: http://www.digitalnewsreport.org/survey/2019/groups-and-</p><p>private-networks-time-well-spent/. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>Fake news e desinformação</p><p>75</p><p>‘festa da televisão’ cinicamente profissionalizada para a era pós-Guerra</p><p>Fria de alto neoliberalismo. Esse tipo de partido emergente integra as no-</p><p>vas formas de comunicação e organização introduzidas pelos oligopólios</p><p>de Big Data, explorando os dispositivos, serviços, aplicativos que se torna-</p><p>ram a marca mais reconhecível da era atual, das mídias sociais como Face-</p><p>book e Twitter, até aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram,</p><p>canais nos quais as pessoas podem acompanhar qualquer tipo de evento</p><p>político, (...). A ascensão do partido digital reflete, assim, como a inovação</p><p>tecnológica também moldou os partidos políticos, alterando uma forma de</p><p>organização que durante muito tempo parecia impermeável a mudanças,</p><p>em meio a um sistema político congelado.13</p><p>Vale ressaltar que a última pesquisa divulgada pelo Digital News Report</p><p>ainda revela que a preocupação com a desinformação, que permanece alta,</p><p>apesar dos esforços das plataformas e de editores de tentar criar confiança</p><p>no público. No Brasil, por exemplo, 85% concordam com a afirmação de</p><p>que estão preocupados com o que é real e falso na Internet. Outros dados</p><p>de preocupação alta se encontram no Reino Unido (70%) e nos EUA</p><p>(67%).14</p><p>13 GERBAUDO, Paolo. The digital party: political organisation and online democracy.</p><p>Londres: Pluto Press, 2019, p. 4-5, tradução livre. No original: “The digital party, or</p><p>alternatively the ‘platform party’, to indicate its adoption of the platform logic of social</p><p>media, is to the current informational era of ubiquitous networks, social media and</p><p>smartphone apps – what the mass party was to the industrial era or the cynically pro-</p><p>fessionalised ‘television party’ was during the post–Cold War era of high neoliberal-</p><p>ism. This emerging party-type integrates within itself the new forms of communication</p><p>and organisation introduced by Big Data oligopolies, by exploiting the devices, services,</p><p>applications that have become the most recognisable mark of the present age, from so-</p><p>cial media like Facebook and Twitter, to messaging apps like WhatsApp and Telegram,</p><p>channels on which people can follow any sort of political event such as a Five Star</p><p>Movement convention. The rise of the digital party thus reflects how technological in-</p><p>novation has also shaped the political party, a form of organisation that for a long time</p><p>had seemed impervious to change amidst a frozen political system.”</p><p>14 KALOGEROPOULOS, Antonis. Groups and Private Networks – Time Well Spent?</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>76</p><p>Destarte, em todos os países analisados, o nível médio de confiança nas</p><p>notícias em geral caiu 2 (dois) pontos percentuais, demonstrando que o</p><p>reflexo da disseminação de um mix de informações a cada milésimo de</p><p>segundo, e a constante dúvida entre o real e o falso causam descrença po-</p><p>pulacional.</p><p>3. A origem do problema ético</p><p>Jean-Pierre Dupuy é um engenheiro e filósofo francês que tem se dedi-</p><p>cado ao estudo de ciências cognitivas, epistemologia, cibernética, ética,</p><p>filosofia social, filosofia política e religião e é professor na Universidade de</p><p>Stanford. O autor estuda as ideias de natureza humana e condição huma-</p><p>na, e defende que a condição humana é a esfera passível de ser alterada</p><p>pela tecnologia.15</p><p>Essa tecnociência explicada por Dupuy transmuta e altera constante-</p><p>mente a estrutura humana, criando uma interseção entre natureza artifici-</p><p>al, e desencadeando a indistinção entre o real e o virtual, que se associa ao</p><p>próprio papel da ciência e dos cientistas, tangenciando, nesse aspecto, a</p><p>visão de Don Ihde.16 Desse modo, o problema ético surge exatamente nes-</p><p>Reuters Institute for the Study of Journalism. University of Oxford, Digital News Re-</p><p>port. Disponível em: http://www.digitalnewsreport.org/survey/2019/groups-and-</p><p>private-networks-time-well-spent/. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>15 DUPUY, Jean-Pierre. Some pitfalls in the philosophical foundations of nanoethics.</p><p>The Journal of Medicine and Philosophy: a Forum for Bioethics and Philosophy of</p><p>Medicine, Oxford, v. 32, n. 3, p. 237-261, 2007, passim.</p><p>16 IHDE, Don. Bodies in technology. Electronic mediations. Minneapolis: University of</p><p>Minnesota Press, 2002, v. 5, p. 104. Explica: “The antinomy can be stated simply: if</p><p>philosophers are to take any normative role concerning new technologies, they will</p><p>find, from within the structure of technologies as such and compound historically by</p><p>unexpected uses and unintended consequences, that technologies virtually always ex-</p><p>ceed or veer away from intended design. How, then, can any normative or prognostic</p><p>role be possible? (...) Of course, the objections in turn imply</p><p>the continuance of a status</p><p>Fake news e desinformação</p><p>77</p><p>sa mistura, dificultando o julgamento, a valoração moral dos fatos e cau-</p><p>sando uma flexibilização da própria ética no seu contraste com a ciência.</p><p>A existência de uma realidade abrangida por infinitas informações –</p><p>verdadeiras e falsas – criadas e espalhadas em milésimos de segundos refle-</p><p>te exatamente a ideia supra, trazida por Dupuy. Essa mistura entre a natu-</p><p>reza e a artificialidade nos remete a uma dificuldade de valoração moral</p><p>dos fatos, de julgamento, e flexibiliza a aplicação da ética social. Pode-se</p><p>concluir, portanto, que as fake news são resultado dessa mistura e a falta de</p><p>ética é o preço a ser pago pela humanidade.</p><p>Leonardo Kussler, ao tratar da ética como um possível “tributo” pago</p><p>pelo progresso tecnológico, explica as inúmeras vantagens do desenvolvi-</p><p>mento científico à vida humana, que desencadeiam, diariamente, o au-</p><p>mento da qualidade de vida, das condições de trabalho e os avanços cientí-</p><p>ficos. Entretanto, nos indica que há um preço por esses avanços, tratando a</p><p>ética como um dos tributos.17 A Internet aparece nesse contexto como</p><p>agente propagador do progresso. Tem-se, ao alcance das mãos, acesso</p><p>(aparentemente) quase universal à informação, que gera a percepção de</p><p>que ‘memorizar’, ‘assimilar’ e até mesmo ‘compreender’ não são mais</p><p>atividades necessárias ao desenvolvimento do intelecto humano.</p><p>A isso se dá o nome de cognitive offloading, fenômeno que se refere à</p><p>quo among the technocrats, who remain free to develop anything whatsoever and free</p><p>from reflective considerations.”</p><p>17 KUSSLER, Leonardo Marques. Técnica, tecnologia e tecnociência: da filosofia antiga</p><p>à filosofia contemporânea. Kínesis, Santa Maria, v. VII, n. 15, p. 187-202, dez. 2015,</p><p>p. 195. Explica: “Certamente, é inegável que o processo de desenvolvimento científi-</p><p>co trouxe inúmeras vantagens à vida humana, em termos de informações sobre apara-</p><p>tos médicos, qualidade de vida, condições de trabalho. A questão é: será que tais in-</p><p>formações, que altera[ra]m drasticamente nossa realidade, nossa natureza, realmente</p><p>trouxeram mudanças perceptivas ao nível ontológico, de modo que nos tornamos</p><p>mais aptos a viver? O ponto é que, ao que tudo indica, o advento tecnológico traz,</p><p>consigo, um novo modo de pensar, um novo modo de sentir, um novo modo de se</p><p>relacionar, para o qual, talvez, podemos não estar preparados.”</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>78</p><p>nossa dependência do ambiente externo, a fim de reduzir a demanda cog-</p><p>nitiva. Por exemplo, as pessoas escrevem notas em papel ou smartphones</p><p>para não esquecer as listas de compras ou compromissos futuros.18 Como</p><p>consequência disso, tem-se uma humanidade cada vez mais displicente</p><p>com a checagem de conteúdos. A Internet parece oferecer amplo acesso</p><p>informacional a ponto de não parecer necessária a formação de sólida base</p><p>de valores e estruturas neurais baseadas na leitura, na escrita e na formula-</p><p>ção do discernimento.</p><p>Matthew D’Ancona argumenta acerca de alguns prognósticos positivos</p><p>desses avanços, mas sinaliza a necessidade de ponderação e traça um con-</p><p>traponto:</p><p>A sobrecarga de informação significa que todos nós devemos nos tornar</p><p>editores: filtrar, checar e avaliar o que lemos. Da mesma forma que crian-</p><p>ças são ensinadas a como entender textos impressos, suas faculdades críti-</p><p>cas devem ser treinadas para enfrentar os desafios muito diferentes de um</p><p>feed digital. Que selo de qualidade, caso exista, recomenda um post ou site</p><p>específico como fonte confiável? As recomendações sugeridas são apoia-</p><p>das por links, notas de rodapé ou dados convincentes? A tendência de al-</p><p>guns professores de tratarem a Internet como fonte de segunda categoria</p><p>não percebe o sentido exato da questão. Para a geração agora na escola, e</p><p>aquelas que vão chegar, é a única fonte significativa.19</p><p>Dessa forma, é possível entender que o despedaço da ética, analisado a</p><p>princípio pelo cosmo da tecnologia, pode trazer consequências completa-</p><p>mente prejudiciais à humanidade a ponto de termos a saudade que Harari</p><p>comenta: da impotência diante das epidemias naturais e a inexistência das</p><p>18 Confira-se: RISKO, Evan F.; MEDIMOREC, Srdan; CHISHOLM, Joseph; KING-</p><p>STONE, Alan. Rotating With Rotated Text: A Natural Behavior Approach to Investi-</p><p>gating Cognitive Offloading. Cognitive Science: a Multidisciplinary Journal, Nova Jer-</p><p>sey, v. 38, n. 3, p. 537-564, abr. 2014.</p><p>19 D'ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake</p><p>news. Tradução de Carlos Szlak. Barueri: Faro Editorial, 2019, p. 101.</p><p>Fake news e desinformação</p><p>79</p><p>epidemias tecnológicas humanas20, e o gasto que Kussler aponta: o tributo</p><p>da ética.21 Isso gera reverberações quanto ao tema das fake news, pois</p><p>“condicionar a participação das pessoas no debate à posse de informações</p><p>perfeitas parece também uma violação da democracia, já que quase nin-</p><p>guém poderia reclamar a condição de pessoa perfeitamente informada.”22</p><p>4. A transformação da ética e a superação da desinformação</p><p>O filosófo Hans Jonas traz a ideia de que é possível a existência de uma</p><p>nova ética para a atual civilização tecnológica.23 Como se disse na introdu-</p><p>20 HARARI, Yuval Noah. Homo deus: uma breve história do amanhã. Tradução de</p><p>Paulo Geiger. São Paulo: Cia. das Letras, 2016, p. 19.</p><p>21 KUSSLER, Leonardo Marques. Técnica, tecnologia e tecnociência: da filosofia antiga</p><p>à filosofia contemporânea. Kínesis, Santa Maria, v. VII, n. 15, p. 187-202, dez. 2015,</p><p>p. 200-201.</p><p>22 GROSS, Clarissa Piterman. Fake news e democracia: discutindo o status normativo</p><p>do falso e a liberdade de expressão. In: RAIS, Diogo (Coord.). Fake news: a conexão</p><p>entre a desinformação e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 170. E a</p><p>autora complementa: “Não precisamos ser cientistas políticos, jornalistas ou econo-</p><p>mistas para participar do debate público. A maior parte de nós expressa posiciona-</p><p>mentos políticos com base em interpretações que fazemos de determinados cenários,</p><p>ainda que não tenhamos bom domínio dos fatos pertinentes. É por essa razão que pa-</p><p>rece violador da liberdade política a proibição e punição da expressão de cidadãos</p><p>comuns acerca de assuntos e personalidades públicas. Por exemplo, as redes sociais</p><p>são hoje repletas de manifestações veementes de milhões de pessoas acerca dos mais</p><p>diversos acontecimentos e pessoas públicas. Não parece plausível que políticos como</p><p>Dilma Rousseff ou Aécio Neves, por exemplo, possam se engajar em uma verdadeira</p><p>caça virtual para identificar e punir todos aqueles que fazem a eles críticas cáusticas e</p><p>ofensivas, atribuindo a eles inclusive práticas ilícitas, tais como corrupção, na inter-</p><p>net. E isso porque o debate público inclui a possibilidade de livre manifestação acerca</p><p>de políticos no que diz respeito aos assuntos da política.”</p><p>23 JONAS, Hans. Le principe responsabilité: une éthique pour la civilisation technolo-</p><p>gique. Tradução do alemão para o francês de Jean Greisch. 2. ed. Paris: Cerf, 1992, p.</p><p>7-16.</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>80</p><p>ção, Hefesto acorrentando Prometeu, em tela de Dirck van Baburen</p><p>(1623), é, objetivamente, a imagem antagônica à teoria de Jonas, que nos</p><p>traz no prefácio do livro a ideia de “Le Prométhée définitivement déchaîné”</p><p>ou seja, “Prometeu definitivamente desacorrentado”. A tela é extrema-</p><p>mente emblemática e a narrativa mitológica que a inspira revelam um</p><p>aspecto crucial para que se tenha a almejada ética.</p><p>A imagem que o filósofo pretende criar na mente de seus leitores é do</p><p>excesso de poder dado pela ciência à tecnologia, e de um impulso infatigá-</p><p>vel à economia, além da total liberdade dos seres humanos de lidar com</p><p>esses</p><p>Pós-Doutora pela Universidade de Coimbra – UC. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade</p><p>Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do Centro Universitário Curitiba – UniCURITIBA.</p><p>WELLINGTON MIGLIARI</p><p>Doutor e Mestre em Direito Internacional Público pela Faculdade de Direito, Universitat de Barce-</p><p>lona ��� UB.</p><p>SOBRE OS AUTORES</p><p>Coordenadores</p><p>JOÃO VICTOR ROZATTI LONGHI</p><p>Defensor Público no Estado do Paraná. Professor visitante do PPGD da Universidade</p><p>Estadual do Norte do Paraná – UENP e de Graduação do Centro de Ensino Superior de</p><p>Foz do Iguaçu – CESUFOZ. Pós-Doutor em Direito pela Universidade Estadual do Norte</p><p>do Paraná – UENP. Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universida-</p><p>de de São Paulo – USP/Largo de São Francisco. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de</p><p>Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.</p><p>JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR</p><p>Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Di-</p><p>reito Processual Civil, Direito Civil e Empresarial, Direito Digital e Compliance, com</p><p>extensão pela University of Chicago. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Digital</p><p>da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Membro do Instituto Avançado de Prote-</p><p>ção de Dados – IAPD. Associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade</p><p>Civil – IBERC. Advogado.</p><p>GABRIEL OLIVEIRA DE AGUIAR BORGES</p><p>Mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG). Espe-</p><p>cialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (SP). Pós-graduando em</p><p>Direito Digital e Compliance pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IB-</p><p>MEC/SP). Possui curso de inglês jurídico pela Oxford Brookes University (Reino Unido).</p><p>Ex-presidente da Liga de Direito dos Negócios de Uberlândia (LIGARE). Professor de</p><p>Direito Civil, Direito Internacional e Ciência Política e membro do Comitê de Ética em</p><p>Pesquisa do Centro Universitário do Triângulo (Unitri/MG). Advogado.</p><p>GUILHERME REIS</p><p>Advogado atuante na área de tecnologia e cibersegurança. Especializando em Gestão de</p><p>Segurança da Informação pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina (UNI-</p><p>SUL); Especializando em Direito Digital e Compliance pela Damásio Educacional; Bacha-</p><p>rel em Direito Pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Membro atuante das</p><p>comissões de Direito Digital da OAB/SC; Inovação da Advocacia da OAB/SC; Direito das</p><p>Startups da OAB/SC. Co-organizador do Meetup de Cibersegurança e Privacidade 'Cryp-</p><p>to Friday' em Florianópolis/SC. E-mail de contato: apj.guilhermereis@gmail.com.</p><p>Autores</p><p>ALINE FERREIRA COSTA CARNEIRO</p><p>Advogada, pós-graduada em Direito Digital e Compliance pelo Instituto Damásio de</p><p>Direito da Faculdade Ibmec SP, especializada em Privacidade e Proteção de Dados e</p><p>Compliance Digital e Pós-graduada em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de</p><p>Advocacia – ESA/MG. Membro das Comissões Advocacia 4.0 e Compliance, Direito e</p><p>Processo do Trabalho e Direito e Startups e Lawtechs e Legaltechs da OAB Uberlân-</p><p>dia/MG. Membro convidada da Comissão de Startups e Inovação da OAB Santos/SP.</p><p>ANA LUIZA RODRIGUES PEREIRA</p><p>Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Advogada. Pes-</p><p>quisadora do Grupo de Estudos em Direito Digital. E-mail: analuizarodpe@gmail.com.</p><p>ANA MÁRCIA RODRIGUES MORONI</p><p>Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduada</p><p>em Direito Constitucional Aplicado pela FGV. MBA em Propriedade Intelectual e Ética</p><p>pela UCAM/RJ. Especialista em Lei Geral de Proteção de Dados pela PUC/RJ. Especialista</p><p>em Advocacia para Startups pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.</p><p>Especialista em Compliance pela LEC/FGV com Certificação CPC-A. Especialista em</p><p>Storytelling pelo Instituto de Letras da UFRJ. Curso de Extensão em Compliance aplicada</p><p>ao Direito Tributário pela FGV.</p><p>ARTHUR PINHEIRO BASAN</p><p>Doutorando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Mestre</p><p>em Direito pela Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis, da Universidade Federal de</p><p>Uberlândia (UFU). Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade</p><p>Damásio (2014). Associado Titular do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilida-</p><p>de Civil - IBERC. Professor Adjunto na Universidade de Rio Verde (UNIRV).</p><p>ÁTILA PEREIRA LIMA</p><p>Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.</p><p>Graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.</p><p>BIANCA CAMARGO FISCHER</p><p>Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: bi-</p><p>ancacfischer1@gmail.com.</p><p>BRUNO FACURI SILVA RASSI</p><p>Graduando do 9° período da Faculdade de Direito da UFU. E-mail: ras-</p><p>si.bruno@outlook.com.</p><p>FELIPE CUNHA NASCIMENTO</p><p>Advogado em Uberlândia/MG. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Triân-</p><p>gulo. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade</p><p>Federal de Uberlandia. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola</p><p>Superior de Advocacia da OAB/MG.</p><p>FREDERICO CARDOSO DE MIRANDA</p><p>Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus</p><p>(FDDJ). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo (UNITRI). Advoga-</p><p>do. E-mail: fredericomirandac@gmail.com.</p><p>GABRIEL OLIVEIRA DE AGUIAR BORGES</p><p>Mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG). Espe-</p><p>cialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (SP). Pós-graduando em</p><p>Direito Digital e Compliance pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IB-</p><p>MEC/SP). Possui curso de inglês jurídico pela Oxford Brookes University (Reino Unido).</p><p>Ex-presidente da Liga de Direito dos Negócios de Uberlândia (LIGARE). Professor de</p><p>Direito Civil, Direito Internacional e Ciência Política e membro do Comitê de Ética em</p><p>Pesquisa do Centro Universitário do Triângulo (Unitri/MG). Advogado.</p><p>GABRIELA BRIESEMEISTER</p><p>Acadêmica do 9º. Período na Universidade de Joinville, Univille. Estagiária da Polícia</p><p>Federal e, Joinville/SC.</p><p>GUILHERME REIS</p><p>Advogado atuante na área de tecnologia e cibersegurança. Especializando em Gestão de</p><p>Segurança da Informação pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina (UNI-</p><p>SUL); Especializando em Direito Digital e Compliance pela Damásio Educacional; Bacha-</p><p>rel em Direito Pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Membro atuante das</p><p>comissões de Direito Digital da OAB/SC; Inovação da Advocacia da OAB/SC; Direito das</p><p>Startups da OAB/SC. Co-organizador do Meetup de Cibersegurança e Privacidade 'Cryp-</p><p>to Friday' em Florianópolis/SC. E-mail de contato: apj.guilhermereis@gmail.com.</p><p>JOÃO VICTOR ROZATTI LONGHI</p><p>Defensor Público no Estado do Paraná. Professor visitante do PPGD da Universidade</p><p>Estadual do Norte do Paraná – UENP e de Graduação do Centro de Ensino Superior de</p><p>Foz do Iguaçu – CESUFOZ. Pós-Doutor em Direito pela Universidade Estadual do Norte</p><p>do Paraná – UENP. Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universida-</p><p>de de São Paulo – USP/Largo de São Francisco. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de</p><p>Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.</p><p>JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA COUTO</p><p>Graduando em Direito pela Universidade Federal De Uberlândia (UFU). Pesquisador nas</p><p>áreas cíveis, empresariais e eletrônicas. E-mail: henrrique_jose2000@hotmail.com</p><p>JOSÉ LUIZ MOURA FALEIROS JÚNIOR</p><p>Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Di-</p><p>reito Processual Civil, Direito Civil e Empresarial, Direito Digital e Compliance, com</p><p>extensão pela University of Chicago. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Digital</p><p>da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Membro do Instituto Avançado de Prote-</p><p>ção de Dados – IAPD. Associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade</p><p>Civil – IBERC. Advogado.</p><p>JÚLIA GESSNER STRACK</p><p>Advogada com atuação em Direito Digital,</p><p>mecanismos, ou seja, Prometeu definitivamente desacorrentado com</p><p>o Fogo e, talvez, palha em suas mãos. Nos dizeres de Jonas, “l'homme est</p><p>devenu une menace non seulement pour lui-même mais pour la biosphère</p><p>toute entière.” ou seja, o homem está se tornando uma ameaça não somen-</p><p>te a ele mesmo, mas também para toda a biosfera.24</p><p>Dessa forma, munido de poder e impulso, o cenário moderno e total-</p><p>mente tecnológico leva à busca pelo clamor de uma ética regulamentadora</p><p>que freie e impeça os homens de se tornarem uma desgraça a eles mesmos.</p><p>Jonas explica que a promessa da tecnologia moderna, do status quo ante,</p><p>torna-se uma ameaça no status quo atual. Destarte, Prometeu desacorren-</p><p>tado evidencia o perigo de uma tecnologia moderna, poderosa e desmedi-</p><p>da que pode desencadear intervencionismo dominador e transfigurador,</p><p>ameaçando a natureza.</p><p>A palavra ética, que vem do grego ethos (ἔθος), significando ‘modo de</p><p>ser’, ‘costume’ ou ‘hábito’ e, assim, é evidentemente transmutada. Os cos-</p><p>tumes e hábitos se alteram constantemente, obrigando o surgimento de</p><p>uma nova disciplina do comportamento humano, do modo de ser ideal.</p><p>Prometeu acorrentado nos traz uma realidade abrangida pelo ethos e, ao</p><p>24 JONAS, Hans. Le principe responsabilité: une éthique pour la civilisation technolo-</p><p>gique. Tradução do alemão para o francês de Jean Greisch. 2. ed. Paris: Cerf, 1992, p.</p><p>187.</p><p>Fake news e desinformação</p><p>81</p><p>ser desacorrentado, nos traz uma realidade abrangida por outra mais deli-</p><p>cada, mais necessária, mais clamada e mais complexa.</p><p>Edgar Morin muito leciona sobre a educação. Sustenta a ideia de que</p><p>deve ser ela a responsável por mostrar que não há conhecimento que não</p><p>esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão.25 A teoria da in-</p><p>formação apresentaria riscos de erros sob o efeito de perturbações e ruídos</p><p>(“noise”) em qualquer comunicação de mensagem ou transmissão de in-</p><p>formações. Assim, a educação começa a ser evidenciada quando se contra-</p><p>põe um olhar crítico a qualquer tipo de informação recepcionada sob</p><p>qualquer meio de comunicação para reduzir o erro ou ilusão que natural-</p><p>mente ocorrem.</p><p>A História mostra que etapas como o dogmatismo, o ceticismo e o cri-</p><p>ticismo marcaram a evolução da construção do saber26, a ponto de se atin-</p><p>gir um estágio de dubiedade, nebulosidade e desinteresse pela checagem</p><p>dos fatos; enfim, de verdadeira desinformação!</p><p>Há uma faceta alvissareira do acesso às Tecnologias da Informação e</p><p>25 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Cata-</p><p>rina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO,</p><p>2000, p. 19-20. E completa; “O conhecimento não é um espelho das coisas ou do</p><p>mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstru-</p><p>ções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos.</p><p>Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso</p><p>sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de percepção acrescenta-se o erro intelec-</p><p>tual. O conhecimento, sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tra-</p><p>dução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está</p><p>sujeito ao erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, com-</p><p>porta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor,</p><p>de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento. Daí os numerosos er-</p><p>ros de concepção e de ideias que sobrevêm a despeito de nossos controles racionais.</p><p>A projeção de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas</p><p>por nossas emoções multiplicam os riscos de erro.”</p><p>26 CASTILHO, Ricardo. Educação e direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 25.</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>82</p><p>Comunicação (TICs), especialmente à Internet, mas também há riscos!27</p><p>Dessa forma, sendo o conhecimento resultado da reconstrução da infor-</p><p>mação por meio da linguagem e do pensamento, e estando sujeito às inter-</p><p>pretações de cada receptor, surgindo, naturalmente, numerosos erros de</p><p>concepção e de ideias, a educação digital surge como viés pragmático salu-</p><p>tar para a construção de visão e postura mais críticas à recepção de infor-</p><p>mações e aos hábitos que se deve nutrir na utilização das TICs visando à</p><p>minimização dos efeitos das informações imprecisas, sensacionalistas,</p><p>aviltantes e inverídicas veiculadas diariamente.28</p><p>Morin conclui que o desenvolvimento do conhecimento científico é</p><p>considerado um forte meio de detecção dos erros e da luta contra as ilu-</p><p>sões, porém, os mesmos paradigmas utilizados nesse combate podem de-</p><p>senvolver as próprias ilusões, e não há teoria científica imune ao erro. Se o</p><p>conhecimento científico não é capaz de tratar, sozinho, de problemas éti-</p><p>cos, filosóficos e epistemológicos e, portanto, a educação deve se dedicar à</p><p>identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras, tem-se um campo de</p><p>batalhas em que é preciso “armar cada um para o combate vital para a</p><p>27 GIOVA, Giuliano. Educação e cidadania digital: nascer, morrer e renascer no mundo</p><p>digital, onde deixaram o manual? In: ABRUSIO, Juliana (Coord.). Educação digital.</p><p>São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 46. Comenta: “As novas tecnologias pro-</p><p>porcionam recursos que podem alavancar muitas das capacidades naturais. Levadas</p><p>ao extremo podem nos transformar em algo como supergovernos, superempresas,</p><p>super-homens e supermulheres. Se há relevantes benefícios, também há risco de gra-</p><p>ve segregação. Aqueles que dominarem a tecnologia obterão acesso mais amplo às</p><p>vantagens e benefícios disponíveis do que os demais.”</p><p>28 VALI, Ilie. The role of education in the knowledge-based society. Procedia: Social</p><p>and Behavioral Sciences, Craiova, v. 76, n. 13, p. 388-392, 2013, p. 392. Anota: “The</p><p>distance between those at the edge of informational society and those that have unlim-</p><p>ited access to information can be reduced with the help of education. Modern, success-</p><p>ful education is based on technology as it can give everybody access to education, offer</p><p>more flexibility in projection, development and evaluation.”</p><p>Fake news e desinformação</p><p>83</p><p>lucidez.”29</p><p>Os erros e ilusões desencadearam muitos sofrimentos e desorientações</p><p>ao longo da história humana, mas, de maneira pavorosa, a partir do século</p><p>XX, sendo um problema de importância política, antropológica, social e</p><p>histórica. Para progredir, a humanidade não pode mais ser refém de men-</p><p>tiras. As fake news são um grande problema nesse contexto, pois desorien-</p><p>tam o destino da própria história, fazendo surgir, nesse ponto, a importân-</p><p>cia da educação para frear esse processo apavorante. Deve-se transcender</p><p>da mera informação para o verdadeiro conhecimento. 30-31 É este o ethos.</p><p>5. Considerações finais</p><p>Nessas breves reflexões, com abordou-se, no primeiro momento, o sig-</p><p>nificado da expressão fake news e seu contexto na sociedade da informa-</p><p>ção, com precedentes mundiais, como o caso de Facebook e Cambridge</p><p>Analytica, além de outros, e, no segundo momento, argumentou-se, em</p><p>breves linhas, quanto à origem do problema ético que a tecnociência en-</p><p>frenta, em especial no contraponto trazido pela imperiosa educação digi-</p><p>29 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Cata-</p><p>rina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO,</p><p>2000, p. 33.</p><p>30 BECLA, Agnieszka. Information society and knowledge-based economy. Develop-</p><p>ment level and the main barriers. Some remarks. Economics & Sociology, Szczecin, v.</p><p>5, n. 1, p. 125-132, 2012, p. 131. Anota: “The development of information society and</p><p>knowledge-based economy will lead to the creation of new techniques less</p><p>or more ef-</p><p>fective interpersonal communication, based not only on the use of modern techniques,</p><p>information and communication infrastructure, but first of all, the use of scientific</p><p>knowledge and wisdom, understood as the proper, liberal approach towards human</p><p>knowledge and possibility. The existence of quasi-information society will mean a lack</p><p>of such communication, but not a lack of information society.”</p><p>31 MÄKINEN, Heikki. Knowledge society or information society? Knowledge of Society</p><p>White Papers, Helsinki, v. 6, p. 2-11, 2008, p. 8-9.</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>84</p><p>tal.</p><p>Na linha das visões de Dupuy sobre a transmutação constante da estru-</p><p>tura humana no decorrer da história, que tem como consequência a indis-</p><p>tinção entre o real e o virtual, apontou-se o surgimento do problema ético</p><p>que dificulta o julgamento, a valoração moral dos fatos e causa a flexibili-</p><p>zação da própria ética. Concluiu-se que o contexto gerado por essa cisão</p><p>pode ser tão prejudicial à humanidade que o preço a se pagar é quantifica-</p><p>do pela própria ética.</p><p>Ainda, revisitando a transformação da ética na visão de Hans Jonas,</p><p>viu-se, na análise da alegoria de “Prometeu desacorrentado”, munido de</p><p>poder e impulso, o clamor por uma ética regulamentadora que freie e im-</p><p>peça os homens de se tornarem uma desgraça a si mesmos. Nesse contex-</p><p>to, ainda se pontuou a importância e a responsabilidade da educação</p><p>quanto à percepção que se deve ter em relação à inexistência de conheci-</p><p>mento que não esteja contaminado pelo erro e pela ilusão, ainda que em</p><p>algum grau.</p><p>As teorias suscitadas explicam que a informação, ao passar por qual-</p><p>quer comunicação de mensagem e meio de transmissão, está sob efeito de</p><p>perturbações e ruídos. Assim, o conhecimento não é somente o que cap-</p><p>tamos do mundo externo, mas também o substrato colhido de sua inter-</p><p>pretação com base na realidade de cada ser humano (por suas emoções,</p><p>experiências, pensamentos...).</p><p>Enfim, frente às desilusões da sociedade da informação, as chamadas</p><p>fake news podem ser uma diretriz determinante para reduzir o problema</p><p>da desinformação. Em tempos de cognitive offloading, um olhar crítico</p><p>sobre qualquer tipo de informação recepcionada pode reduzir o erro ou a</p><p>ilusão que, naturalmente, vier à tona.</p><p>Assim, para que se possa enfrentar de forma mais ponderada as disse-</p><p>minações de informações – sejam elas reais ou modificadas por percep-</p><p>ções, interpretações e canais de comunicação, ou mesmo as fake news que</p><p>Fake news e desinformação</p><p>85</p><p>tanto prejudicam o senso de realidade, e que desestabilizam e desacredi-</p><p>tam a humanidade – deve-se trilhar um percurso ético que somente pode-</p><p>rá ser balizado pelo reencontro com valores essenciais à condição humana,</p><p>como o ceticismo, a curiosidade e a visão crítica.</p><p>Referências</p><p>BARBOSA-FOHRMANN, Ana Paula; SILVA JÚNIOR, Antonio dos Reis.</p><p>O discurso de ódio na Internet. In: MARTINS, Guilherme Magalhães;</p><p>LONGHI, João Victor Rozatti (Coords.). Direito digital: direito priva-</p><p>do e internet. 3. ed. Indaiatuba: Foco, 2020.</p><p>BECLA, Agnieszka. Information society and knowledge-based economy.</p><p>Development level and the main barriers. Some remarks. Economics &</p><p>Sociology, Szczecin, v. 5, n. 1, p. 125-132, 2012.</p><p>CAMPINHO, Bernardo Brasil. Constitution, democracy, regulation of the</p><p>Internet and electoral fake news in the Brazilian elections. Publicum,</p><p>Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 232-256, jul./dez. 2019.</p><p>CASTILHO, Ricardo. Educação e direitos humanos. São Paulo: Saraiva,</p><p>2016.</p><p>D'ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em</p><p>tempos de fake news. Tradução de Carlos Szlak. Barueri: Faro Editori-</p><p>al, 2019.</p><p>DUPUY, Jean-Pierre. Some pitfalls in the philosophical foundations of</p><p>nanoethics. The Journal of Medicine and Philosophy: a Forum for Bio-</p><p>ethics and Philosophy of Medicine, Oxford, v. 32, n. 3, p. 237-261,</p><p>2007.</p><p>GERBAUDO, Paolo. The digital party: political organisation and online</p><p>democracy. Londres: Pluto Press, 2019.</p><p>GIOVA, Giuliano. Educação e cidadania digital: nascer, morrer e renascer</p><p>no mundo digital, onde deixaram o manual? In: ABRUSIO, Juliana</p><p>(Coord.). Educação digital. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.</p><p>José Faleiros Júnior · Letícia Preti Faccio</p><p>86</p><p>GRANVILLE, Kevin. Facebook and Cambridge Analytica: what you need</p><p>to know as fallout widens. New York Times, 19 mar. 2018. Disponível</p><p>em: https://nyti.ms/2Rv2YOM. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>GROSS, Clarissa Piterman. Fake news e democracia: discutindo o status</p><p>normativo do falso e a liberdade de expressão. In: RAIS, Diogo (Co-</p><p>ord.). Fake news: a conexão entre a desinformação e o direito. São Pau-</p><p>lo: Revista dos Tribunais, 2018.</p><p>HARARI, Yuval Noah. Homo deus: uma breve história do amanhã. Tradu-</p><p>ção de Paulo Geiger. São Paulo: Cia. das Letras, 2016.</p><p>IHDE, Don. Bodies in technology. Electronic mediations. Minneapolis:</p><p>University of Minnesota Press, 2002, v. 5.</p><p>JONAS, Hans. Le principe responsabilité: une éthique pour la civilisation</p><p>technologique. Tradução do alemão para o francês de Jean Greisch. 2.</p><p>ed. Paris: Cerf, 1992.</p><p>KALOGEROPOULOS, Antonis. Groups and Private Networks – Time</p><p>Well Spent? Reuters Institute for the Study of Journalism. University of</p><p>Oxford, Digital News Report. Disponível em:</p><p>http://www.digitalnewsreport.org/survey/2019/groups-and-private-</p><p>networks-time-well-spent/. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>KUSSLER, Leonardo Marques. Técnica, tecnologia e tecnociência: da filo-</p><p>sofia antiga à filosofia contemporânea. Kínesis, Santa Maria, v. VII, n.</p><p>15, p. 187-202, dez. 2015.</p><p>LONGHI, João Victor Rozatti. Dignidade.com: direitos fundamentais na</p><p>era do populismo 3.0. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS</p><p>JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Estudos essenciais de direito</p><p>digital. Uberlândia: LAECC, 2019.</p><p>MÄKINEN, Heikki. Knowledge society or information society?</p><p>Knowledge of Society White Papers, Helsinki, v. 6, p. 2-11, 2008.</p><p>MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução</p><p>de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo/Brasília:</p><p>Cortez/UNESCO, 2000.</p><p>Fake news e desinformação</p><p>87</p><p>PARISER, Eli. O filtro invisível. O que a Internet está escondendo de você.</p><p>Tradução de Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.</p><p>RAIS, Diogo. Fake news e eleições. In: RAIS, Diogo (Coord.). Fake news: a</p><p>conexão entre a desinformação e o direito. São Paulo: Revista dos Tri-</p><p>bunais, 2018.</p><p>RISKO, Evan F.; MEDIMOREC, Srdan; CHISHOLM, Joseph; KINGSTO-</p><p>NE, Alan. Rotating With Rotated Text: A Natural Behavior Approach</p><p>to Investigating Cognitive Offloading. Cognitive Science: a Multidisci-</p><p>plinary Journal, Nova Jersey, v. 38, n. 3, p. 537-564, abr. 2014.</p><p>VALI, Ilie. The role of education in the knowledge-based society. Procedia:</p><p>Social and Behavioral Sciences, Craiova, v. 76, n. 13, p. 388-392, 2013.</p><p>WYLIE, Christopher. Mindf*ck: Cambridge Analytica and the Plot to</p><p>Break America. Nova Iorque: Penguin Random House, 2019.</p><p>ZANATTA, Rafael. Fake news e o triunfo do reducionismo. Entrevista</p><p>especial com Rafael Zanatta. [Entrevista cedida a] Ricardo Machado.</p><p>Instituto Humanitas UNISINOS, São Leopoldo, 21 abr. 2018. Disponí-</p><p>vel em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/578173-</p><p>fake-news-e-o-triunfo-do-reducionismo-entrevista-especial-com-</p><p>rafael-zanatta. Acesso em: 10 abr. 2020.</p><p>__________________________________________________</p><p>FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; FACCIO, Letícia Preti. Fake</p><p>news e desinformação: um ensaio pela ética na sociedade da informação.</p><p>In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Mou-</p><p>ra (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira Aguiar; REIS, Guilherme</p><p>(Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciência jurídica na sociedade da</p><p>informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp. 69-87.</p><p>__________________________________________________</p><p>89</p><p>DO EXCEDENTE COGNITIVO À</p><p>COGNIÇÃO EXCEDIDA: AGÊNCIA</p><p>E RESPONSABILIDADE LEGAL NA</p><p>ERA DAS FAKE NEWS</p><p>3</p><p>Átila Pereira Lima</p><p>Marcos Henrique Godoi</p><p>1. Introdução</p><p>O surgimento da internet trouxe grandes esperanças quanto a difusão</p><p>da informação e aos benefícios que a acompanhariam. Porém, se a internet</p><p>trouxe, sem dúvidas, grandes vantagens, os malefícios que a seguiram fo-</p><p>ram subestimados. Com a difusão dos smartphones, a informação que</p><p>antes estava confinada aos usuários de personal computers (PCs) passou a</p><p>estar ao alcance de pessoas que até então não se interessavam pela infor-</p><p>mática. Com isso, o problema da difusão de fake news pela internet passou</p><p>a ter uma escala sem precedentes. Os resultados podem ser observados no</p><p>noticiário: ascensão de movimentos fascistas, do negacionismo climáticos</p><p>e até mesmo de defensores de que o planeta seja plano.</p><p>Neste artigo, propõe-se a discussão destas questões apoiada pelos</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>90</p><p>conceitos de excedente cognitivo1 e de viés cognitivo2. O problema anali-</p><p>sado aqui se relaciona ao fato de que, frente uma enxurrada de informação,</p><p>se torna cada vez mais difícil para a pessoa média discernir o que é verdade</p><p>do que é falso, o que é agravado pelo fato de que muitas dessas informa-</p><p>ções falsas são promovidas propositalmente para atender os interesses</p><p>escusos de alguns grupos organizados. Sem conseguir filtrar adequada-</p><p>mente a informação que recebem, muitas vezes as pessoas acabam adotan-</p><p>do crenças bizarras e, ao agir baseada nelas, acabam causando um mal para</p><p>a sociedade. Porém, se essas pessoas foram induzidas a agir dessa forma</p><p>pelos disseminadores de fake news, qual é a capacidade de agência destas</p><p>pessoas, e, por consequência, sua responsabilidade frente a estes impactos</p><p>deletérios?</p><p>Para lidar com esta questão, este artigo será composto de cinco seções,</p><p>contando com esta introdução. A segunda seção trata dos primórdios da</p><p>internet e das grandes esperanças relacionadas a ela, cristalizados pelo</p><p>conceito de excedente cognitivo. A terceira seção analisa a situação da</p><p>internet na última década, caracterizada pelo excesso de informação e di-</p><p>fusão de fake news, sob a ótica das ciências cognitivas. A quarta seção lida</p><p>com a questão da agência e da responsabilidade legal dos usuários da in-</p><p>ternet que, sujeitos às suas limitações cognitivas, acabam agindo de forma</p><p>prejudicial a sociedade. Por fim, a quinta seção traz as considerações finais.</p><p>2. Os Primórdios da Internet e o Excedente Cognitivo</p><p>Nos anos 1990, quando a internet começava a alcançar suas primeiras</p><p>aplicações comerciais para o grande público, já se alardeava os grandes</p><p>benefícios que a internet traria, descentralizando mercados e permitindo a</p><p>interação direta entre partes. Estes argumentos derivam principalmente</p><p>1 SHIRKY, Clay. Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age.</p><p>Nova York: The Penguin Press, 2010.</p><p>2 KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Macmillan, 2011.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>91</p><p>das características tecnológicas da internet: interatividade, alcance global,</p><p>baixo custo, velocidade, estrutura em rede, capacidade de armazenamento</p><p>e a pretensa impossibilidade de um único usuário (ou grupo) poder con-</p><p>trolá-la. Considerava-se que a internet criaria uma comunidade de cida-</p><p>dãos informados e tolerantes3.</p><p>No início, a internet era usada apenas por usuários com competências</p><p>técnicas razoáveis, em função do pouco desenvolvimento da tecnologia e</p><p>das interfaces. Nos anos 1980, a internet, recém-saída de seu berço militar,</p><p>apresentava um forte aspecto contracultural, chegando ao ponto de Steve</p><p>Wozniak, um dos fundadores da Apple, financiar um festival de rock dedi-</p><p>cada a era da informação em 19824. Ainda assim, em 1983 havia apenas</p><p>562 computadores conectados à internet. Esse período é marcado por ati-</p><p>vistas que buscavam tornar a internet um estímulo a democracia. A situa-</p><p>ção começa a mudar nos anos 1990, a partir da introdução dos navegado-</p><p>res com interface gráfica e dos mecanismos de busca. A comercialização da</p><p>internet, que toma fôlego a partir de 1995, se constrói sobre um espaço</p><p>aberto e público regido por valores acadêmicos e contraculturais e caracte-</p><p>rizado pela descentralização, diversidade e interatividade. No entanto, a</p><p>comercialização da internet quebra a coalizão que criou esta internet con-</p><p>tracultural. Alguns cientistas abrem empresas online e se tornam milioná-</p><p>rios, e os administradores das universidades passaram a buscar formas de</p><p>conseguir mais dinheiro a partir de seus departamentos de computação.</p><p>Os direitos autorais sobre softwares foram reforçados, minando a tradição</p><p>colaborativa anterior. Com a operacionalização do uso dos cartões de cré-</p><p>dito em 1997, a internet começa se tornar uma espécie de shopping virtual.</p><p>Um efeito colateral da comercialização foi a introdução de anúncios inva-</p><p>3 CURRAN, James. The internet of dreams: Reinterpreting the internet. In: CURRAN,</p><p>James; FENTON, Natalie; FREEDMAN, Des. Misunderstanding the internet.</p><p>Abingdon: Routledge, 2012.</p><p>4 Esse festival chegou a reunir mais pessoas que Woodstock.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>92</p><p>sivos5.</p><p>Mesmo com o fim dessa era “heróica” da internet, muitos entusiastas</p><p>continuaram defendendo o potencial da internet em relação a descentrali-</p><p>zação e democratização promovidas por esta. Castells6 defende que, apesar</p><p>da comercialização e da desigualdade na difusão da internet, o conteúdo</p><p>disponível na rede ainda era em sua maioria espontâneo, desorganizado e</p><p>diversificado. De acordo com ele, era do interesse tanto das empresas</p><p>quanto dos governos que o uso da internet fosse o mais diversificado pos-</p><p>sível, pois isso maximizaria o valor agregado desta. A comercialização do</p><p>ciberespaço se pareceria mais com o comércio de rua do que shoppings</p><p>centers assépticos. A internet preservaria a informalidade e o auto-</p><p>direcionamento da comunicação, característico da primeira fase, mesmo</p><p>com a entrada de tantos novos usuários sem grandes conhecimentos técni-</p><p>cos, onde cada um cada um teria sua própria voz e esperaria uma resposta</p><p>individualizada.</p><p>Em outra obra, Castells7 afirma que movimentos sociais gestados na in-</p><p>ternet são altamente reflexivos. Com isso, ele quer dizer que eles se questi-</p><p>onam constantemente sobre quem eles são, o que querem conquistar e em</p><p>que tipo de sociedade querem viver. Eles refletem uma cultura de autono-</p><p>mia que busca transformar as pessoas em sujeitos de suas próprias vidas.</p><p>Autonomia, para o autor, se refere a capacidade do ator social de se tornar</p><p>sujeito ao definir suas ações em torno de projetos construídos independen-</p><p>temente das instituições, de acordo com seus valores e interesses. A inter-</p><p>net forneceria uma plataforma de comunicação organizada que traduz</p><p>uma cultura de liberdade na prática da autonomia, pois a tecnologia que a</p><p>5 CURRAN, James. Rethinking Internet History In: CURRAN, James; FENTON, Na-</p><p>talie; FREEDMAN, Des. Misunderstanding the internet. Abingdon: Routledge, 2012.</p><p>6 CASTELLS, Manuel. The Information Age: Economy, Society and Culture. Volume 1:</p><p>The Rise of the Network Society. Segunda edição. Chichester: Wiley-Blackwell, 2010.</p><p>7 CASTELLS, Manuel. Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Inter-</p><p>net Age. Segunda edição. Cambridge: Polity Press, 2015.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>93</p><p>produz incorporaria essa cultura.</p><p>Essa visão da internet como algo intrinsecamente benéfico, cuja própria</p><p>tecnologia já incorpora valores libertários, era comum até o início da se-</p><p>gunda década do século XXI. Baseando-se nela, Shirky8 introduz o concei-</p><p>to de excedente cognitivo. Este conceito reflete o tempo livre agregado de</p><p>todas as pessoas em uma sociedade. A industrialização e os avanços tecno-</p><p>lógicos dos últimos séculos permitiram um aumento substancial</p><p>do tempo</p><p>livre agregado. A Wikipédia é o exemplo que o autor utiliza para mensurar</p><p>este agregado. Ele estima que o tempo necessário para produzir a Wikipe-</p><p>dia (da forma como ela se encontrava no momento da escrita do livro)</p><p>seria de cerca de 100 milhões de horas. No entanto, ele afirma que os ame-</p><p>ricanos assistem cerca de 200 bilhões de horas de televisão por ano. Por-</p><p>tanto, a Wikipédia seria um investimento pequeno de tempo comparado</p><p>com outros usos deste tempo livre. A partir da introdução da internet,</p><p>tornou-se possível usar este tempo livre para produzir e divulgar coisas</p><p>que tem utilidade para os outros, em oposição à atividade passiva de assis-</p><p>tir televisão.</p><p>Shirky9 apresenta outros exemplos de aplicação socialmente benéfica</p><p>do excedente cognitivo. Um deles é o Ushahidi, um serviço introduzido no</p><p>Quênia para identificar e denunciar violência étnica. O serviço foi criado</p><p>por uma ativista local para agregar denúncias enviadas pela internet e por</p><p>mensagens de texto e dispô-las em um mapa em tempo real, fazendo com</p><p>que informações qe se encontravam dispersas pudessem ser facilmente</p><p>obtidas pelos interessados. Por meio da internet, com um pequeno gasto</p><p>de tempo de cada colaborador, é possível criar serviços de grande utilidade</p><p>para a sociedade.</p><p>8 SHIRKY, Clay. Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age.</p><p>Nova York: The Penguin Press, 2010.</p><p>9 SHIRKY, Clay. Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age.</p><p>Nova York: The Penguin Press, 2010.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>94</p><p>Para Benkler10, estas mudanças levariam a um novo modelo produtivo</p><p>em função da redução dos custos de transação entre os agentes. Enquanto</p><p>uma empresa tradicional precisa de uma hierarquia e de um controle mais</p><p>centralizado para poder assegurar sua produção sem incorrer em altos</p><p>custos de transação relacionados à contratação externa de seus insumos, a</p><p>internet permite projetos colaborativos sem maiores custos do que o de</p><p>manter uma conexão com velocidade razoável. Um exemplo oferecido</p><p>pelo autor são os softwares livres, que são desenvolvidos com a contribui-</p><p>ção de inúmeros usuários. Benkler11 chama este novo paradigma produti-</p><p>vo de Produção Colaborativa Baseada em Recursos Comuns.</p><p>Portanto, o excedente cognitivo foi interpretado dentro desta represen-</p><p>tação otimista da internet, muito focada nos avanços da fase “heróica”,</p><p>como se a própria tecnologia fosse inerentemente boa. Isto levou os auto-</p><p>res a desconsiderar os impactos potencialmente nocivos deste excedente</p><p>cognitivo, caso ele fosse aplicado na difusão de fake news e teorias da</p><p>conspiração. Porém, antes de entrar na análise deste lado mais obscuro da</p><p>internet, precisamos estabelecer alguns fatos sobre a cognição humana e a</p><p>forma como as pessoas lidam com as informações que recebem. A seção</p><p>seguinte trata deste assunto.</p><p>3. Cognição Humana e Fake News</p><p>Embora o acesso quase universal a informação tenha sido aclamado</p><p>como uma das maiores benesses provenientes do surgimento da internet,</p><p>como descrito na seção anterior, os entusiastas da rede trataram deste</p><p>acesso como se ele não tivesse nenhum lado ruim. Isso provavelmente se</p><p>deu em função de que nunca na história havia existido tamanha disponibi-</p><p>10 BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms</p><p>Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.</p><p>11 BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms</p><p>Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>95</p><p>lidade de informação.</p><p>A história da difusão da informação mostra um lento desenvolvimento,</p><p>partindo do surgimento da escrita por volta do quarto milênio A.C e pas-</p><p>sando pelo desenvolvimento da escrita alfabética, o surgimento do papel e</p><p>da imprensa. No entanto, estas mídias tinham um custo de produção ele-</p><p>vado e estavam inseridas em sociedades com baixas taxas de alfabetização.</p><p>O desenvolvimento observado após a revolução industrial possibilitou a</p><p>expansão da educação e do número de alfabetizados, reduziu o custo da</p><p>produção de papel e da impressão e levou ao desenvolvimento de novas</p><p>tecnologias como o rádio e a televisão. No entanto, com o advento da in-</p><p>ternet tornou-se possível a difusão da informação com um custo pratica-</p><p>mente nulo. É este custo marginal zero que permitiu a criação de plata-</p><p>formas colaborativas tratadas na seção anterior12.</p><p>Esse ambiente no qual divulgar conteúdos tem um custo zero levou a</p><p>profusão das vozes na internet, uma vez que qualquer pessoa agora podia</p><p>fornecer este conteúdo. No entanto, o ser humano tem uma capacidade</p><p>limitada de processamento de informação. Para entender isso, é preciso</p><p>considerar que a cognição humana é composta por processos de dois tipos.</p><p>Processos cognitivos de tipo 1 dão origem aos impulsos e intuições, agindo</p><p>de forma rápida, automática e involuntária, enquanto os de tipo 2 dão</p><p>origem ao raciocínio cauteloso, alocando atenção para atividades que a</p><p>necessitem, como fazer cálculos, por exemplo. Os processos do tipo 1 dão</p><p>origem a impressões e sentimentos, que são as principais fontes das cren-</p><p>ças explícitas e escolhas deliberadas dos processos de tipo 2. As operações</p><p>automáticas dos processos de tipo 1 são capazes de gerar padrões comple-</p><p>xos de ideias, mas apenas os processos de tipo 2, mais lentos, podem cons-</p><p>truir séries ordenadas de pensamentos. O cérebro humano, em seu proces-</p><p>12 RIFKIN, Jeremy. The Zero Marginal Cost Society: The Internet of Things, the Collab-</p><p>orative Commons, and the eclipse of Capitalism. Nova York: Palgrave Macmillan,</p><p>2014.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>96</p><p>so de representação do ambiente no qual o organismo está inserido, usa os</p><p>dois tipos de processos cognitivos. Porém, o grau de atenção que se presta</p><p>varia de acordo com a atividade que está sendo realizada e com o que está</p><p>acontecendo no ambiente. Quando o ambiente fornece inputs sensoriais</p><p>tais que o cérebro não julga suficientes para alocar muita atenção, pode-se</p><p>falar em conforto cognitivo (cognitive ease). Se o ambiente se mostra ame-</p><p>açador, ou simplesmente desconhecido, o cérebro aloca uma maior aten-</p><p>ção, o que se pode chamar de tensão cognitiva (cognitive strain)13. Proces-</p><p>sos cognitivos de tipo 2 consomem mais energia, sendo limitados pela</p><p>disponibilidade de glucose no cérebro14.</p><p>Como a quantidade de energia disponível no cérebro é limitada por</p><p>questões metabólicas, a atenção disponível é escassa e precisa ser distribuí-</p><p>da entre diferentes atividades. Com isso, apenas algumas informações se-</p><p>rão cuidadosamente avaliadas, enquanto a maioria das informações rece-</p><p>bidas serão internalizadas sem maiores considerações por processos cogni-</p><p>tivos de tipo 1. Como estes processos visam a economia de energia no cé-</p><p>rebro, eles dão origem aos vieses cognitivos, que produzem respostas rápi-</p><p>das, porém irrefletidas. Frente a um número muito grande de fontes de</p><p>informação disponíveis, é impossível para uma pessoa que não esteja fami-</p><p>liarizada com os assuntos tratados discernir quais fontes são fidedignas e</p><p>quais estão divulgando falsidades. Como os agentes estão sujeitos a vieses</p><p>em função da grande quantidade de informações a ser considerada vis-a-</p><p>vis, o pequeno tempo que possuem para considerar essas informações faz</p><p>com que, de forma contraintuitiva, mais opções não sejam sempre melhor</p><p>13 KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Macmillan, 2011.</p><p>14 GAILLOT, Matthew T.; BAUMEISTER, Roy F.; DEWALL, C. Nathan; MANER, Jon</p><p>K.; PLANT, E. Ashby; TICE, Dianne M.; BREWER, Lauren E.; SCHMEICHEL,</p><p>Brandon J. Self-Control Relies on Glucose as a Limited Energy Source: Willpower Is</p><p>More Than a Metaphor.</p><p>Journal of Personality and Social Psychology, v. 92, n. 2, pp.</p><p>325-36, 2007.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>97</p><p>do que menos opções15. A capacidade de acessar notícias em tempo real</p><p>acaba com o ritual de se ler um jornal pela manhã ou ver o noticiário em</p><p>um determinado horário todos os dias levando a uma menor atenção para</p><p>cada notícia apresentada. O excesso de opções para se informar leva, para-</p><p>doxalmente, a uma sociedade menos informada16.</p><p>Se uma notícia, apesar de falsa, concorda com as crenças preestabeleci-</p><p>das das pessoas, a probabilidade do convencimento é maior. Aquilo que</p><p>parece familiar gera conforto cognitivo e afeta o julgamento: na falta de</p><p>mais informações ou de mais tempo para pensar, há uma maior tendência</p><p>a entender o familiar como verdadeiro, algo conhecido como viés de con-</p><p>firmação. Se uma notícia falsa é repetida muitas vezes, mesmo que o agen-</p><p>te não preste muita atenção nela, a memória desta se torna mais saliente, o</p><p>que leva essa informação a vir à mente com mais frequência. Essa tendên-</p><p>cia é conhecida como viés da disponibilidade17. Zaller, por meio de análise</p><p>estatística quanto a formação de posições políticas das pessoas como resul-</p><p>tado das informações que recebem, mostra que, apresentados a uma mes-</p><p>ma mensagem, as pessoas irão entender coisas diferentes de acordo com</p><p>suas crenças preestabelecidas18.</p><p>Em conjunto, estes vieses fazem com que seja fácil convencer uma pes-</p><p>soa de uma falsidade que esteja em conflito direto com suas crenças. O</p><p>experimento realizado por Bronstein et al.19 dá um exemplo dessa dinâmi-</p><p>15 THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving Decisions About</p><p>Health, Wealth, and Happiness. Yale University Press, 2008.</p><p>16 PATTERSON, Thomas. Media abundance and democracy. Media & Jornalismo, v.</p><p>17, n. 9, p. 13-29, 2010.</p><p>17 KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Macmillan, 2011.</p><p>18 ZALLER, John R. The Nature and Origins of Mass Opinion. Nova York: Cambridge</p><p>University Press, 1992.</p><p>19 BRONSTEIN, Michael V.; PENNYCOOK, Gordon; BEAR, Adam; RAND, David G.;</p><p>CANNON, Tyrone D. Belief in fake news is associated with delusionality, dogma-</p><p>tism, religious fundamentalism, and reduced analytic thinking. Journal of Applied</p><p>Research in Memory and Cognition, v. 8, n. 1, p. 108-117, 2019.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>98</p><p>ca: pessoas que gostam de histórias delirantes, pessoas dogmáticas e fun-</p><p>damentalistas religiosos, quando lhes fornecem notícias verdadeiras e fal-</p><p>sas, tendem a acreditar mais nas falsas. Esse resultado está relacionado a</p><p>uma menor capacidade analítica, ou seja, a uma menor capacidade de sus-</p><p>tentar os processos cognitivos de tipo 2.</p><p>Os vieses cognitivos e a relação entre a capacidade analítica e o discer-</p><p>nimento entre notícias falsas e verdadeiras também são demonstrados pelo</p><p>experimento de De Keersmaecker & Roets20. Neste estudo, após serem</p><p>expostas a fake news, as pessoas foram corrigidas quando passaram a acre-</p><p>ditar nelas. Porém, como a falsidade já havia sido internalizada, a crença</p><p>precisava ser primeiro “desacreditada” para só depois a atitude das pessoas</p><p>se ajustar para refletir a realidade. Isso é um trabalho para os processos</p><p>cognitivos de tipo 2, e devido a isso, as pessoas com maior habilidade cog-</p><p>nitiva (definida no estudo de forma similar a capacidade analítica) conse-</p><p>guiram se ajustar melhor do que aos com menor habilidade.</p><p>A mídia, pelo menos desde o século XIX, se dedica a captar a atenção</p><p>das pessoas. No entanto, com a internet e os smartphones, a capacidade de</p><p>captar a atenção das pessoas (que é escassa, como exposto acima) cresceu</p><p>exponencialmente, levando a uma quantidade avassaladora de meios</p><p>competindo pela atenção dos usuários. Para se destacar, se tornou necessá-</p><p>rio criar conteúdo cada vez mais provocativos (clickbaits) para conseguir</p><p>vencer seus competidores21. O apelo emocional relacionado a estes conte-</p><p>údos provocativos dificulta ainda mais o uso dos processos de tipo 2 para</p><p>analisá-los, reforçando os vieses cognitivos. Em meio a uma quantidade</p><p>muito grande de informações diferentes, a atenção será alocada para aqui-</p><p>20 DE KEERSMAECKER, Jonas; ROETS, Arne. ‘Fake news’: Incorrect, but hard to</p><p>correct. The role of cognitive ability on the impact of false information on social im-</p><p>pressions. Intelligence, v. 65, p. 107-110, 2017.</p><p>21 WU, Tim. The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside our Heads.</p><p>Nova York: Alfred A. Knopf, 2016.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>99</p><p>lo que despertar as emoções mais fortes22.</p><p>Com o advento da internet, a produção e a disseminação de conteúdo</p><p>passaram a ser acessíveis para um número muito maior de pessoas. Desse</p><p>subconjunto da sociedade que possui recursos suficientes para produzir e</p><p>disseminar seu conteúdo, aqueles que por um motivo ou outro tem mais</p><p>tempo livre puderam divulgar suas ideias de uma forma sem precedentes.</p><p>Se Shirky23 mostra a aplicação socialmente benéfica desse excedente cogni-</p><p>tivo, também é possível ver o lado prejudicial deste excedente. Ao invés de</p><p>ser aplicado na construção coletiva de conhecimento (como na Wikipédia)</p><p>este excedente pode ser aplicado na consolidação de teorias da conspira-</p><p>ção. Basta uma breve visita ao Youtube para verificar a quantidade de ví-</p><p>deos defendendo ideias como o terraplanismo ou a inexistência das mu-</p><p>danças climáticas. Como o assunto gera reações emotivas, o número de</p><p>acessos cresce gerando mais divulgação e receitas monetárias, como mos-</p><p>trado por Wu24.</p><p>No caso do Brasil, podemos pensar esta situação a partir do grupo de</p><p>pessoas que Lago25 intitula “os incluídos que perderam”. De acordo com o</p><p>autor, este grupo é composto por pessoas que perderam na meritocracia</p><p>(ou seja, que não conseguem bons empregos ou sucesso como empresá-</p><p>rios) mas não devido a problemas sociais como o racismo ou o classismo</p><p>estrutural. Se estes excluídos raramente tem uma chance de vencer na me-</p><p>22 PATTERSON, Thomas. Media abundance and democracy. Media & Jornalismo, v.</p><p>17, n. 9, p. 13-29, 2010.</p><p>23 SHIRKY, Clay. Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age.</p><p>Nova York: The Penguin Press, 2010.</p><p>24 WU, Tim. The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside our Heads.</p><p>Nova York: Alfred A. Knopf, 2016.</p><p>25 LAGO, Miguel. Procura-se um presidente: Dependência virtual e extremismo de</p><p>Bolsonaro precipitam corrida política no campo da direita. Revista Piauí, edição 152,</p><p>Maio de 2019. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/procura-se-</p><p>um-presidente/.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>100</p><p>ritocracia em função da desigualdade dos pontos de partida, os incluídos</p><p>que perderam tiveram acesso a boas escolas, não tiveram que trabalhar</p><p>para ajudar na renda doméstica, mas ainda assim não obtiveram o sucesso</p><p>que almejam, aquele obtido por seus pais ou por outros com características</p><p>semelhantes. Estas pessoas, com acesso a recursos, mas sem conseguir uma</p><p>ocupação a altura de suas expectativas, começam a culpar a estrutura que</p><p>os cerca e dedicam seu excedente cognitivo para defender visões de mundo</p><p>que os eximam da culpa de sua própria derrota, mesmo que estas visões</p><p>não tenham nenhum compromisso com a verdade factual.</p><p>Porém, se essa é a realidade destas pessoas, para a maioria da população</p><p>a situação é outra. Elas têm aquilo que Graeber26 denomina shit jobs: em-</p><p>pregos que consomem toda sua energia ao longo da jornada de trabalho.</p><p>Estas pessoas têm muito pouco excedente cognitivo, e por isso recebem a</p><p>informação que lhes é fornecida de forma passiva, processando-as majori-</p><p>tariamente por meio de processos cognitivos de tipo 1. Stauffer et al.27</p><p>mostra que, ao assistir a notícias na televisão, menos de um quarto da in-</p><p>formação é internalizada. Devido aos vieses</p><p>cognitivos explanados acima,</p><p>isso leva as pessoas a internalizar apenas a parte da informação que con-</p><p>corda com suas crenças preestabelecidas. No que toca ao compartilhamen-</p><p>to de notícias em redes sociais, isso leva a uma situação na qual se formam</p><p>comunidades de pessoas alinhadas a um mesmo pensamento, seja ele ver-</p><p>dadeiro ou falso, reduzindo a discordância e a diversidade do pensamen-</p><p>to28. O que é o completo oposto do esperado pelos entusiastas da internet.</p><p>Dessa forma, uma minoria privilegiada, mas que não encontra sucesso</p><p>26 GRAEBER, David. Bullshit Jobs: A theory. Penguin Random House, 2018.</p><p>27 STAUFFER, John; FROST, Richard; RYBOLT, William. The attention factor in re-</p><p>calling network television news. Journal of Communication, v. 33, n. 1, p. 29-37,</p><p>1983.</p><p>28 FENTON, Natalie. The internet and social networking. In: CURRAN, James; FEN-</p><p>TON, Natalie; FREEDMAN, Des. Misunderstanding the internet. Abingdon: Routle-</p><p>dge, 2012.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>101</p><p>no contexto atual pode usar seu excedente cognitivo para levar as camadas</p><p>menos privilegiadas da população (os excluídos, na terminologia de La-</p><p>go29) a acreditarem em informações falsas que, no entanto, os beneficiam.</p><p>Sem maiores recursos para distinguir o que é falso do que é verdadeiro,</p><p>basta usar os preconceitos destas pessoas como porta de entrada e capaci-</p><p>dade de influenciá-las para que essas apoiem agendas que as prejudicam (e</p><p>a sociedade como um todo) mas beneficiam essa minoria. No entanto, é</p><p>necessário questionar: qual a responsabilidade das pessoas que são enga-</p><p>nadas na disseminação das fake news? Este ato não começa com elas, mas</p><p>é amplificado por elas, e sem isso não teria o impacto nocivo que tem so-</p><p>bre a sociedade. A seção seguinte trata dessa questão.</p><p>4. Agência Humana e Responsabilidade legal</p><p>Entende-se como agência humana, a capacidade dos seres humanos de</p><p>agir, ou seja, de tomar decisões, realizar ações fazer escolhas, bem como</p><p>externar tais ações para o mundo. Segundo Ahearn, “agência refere-se à</p><p>capacidade socioculturalmente mediada para agir”30. Esta posição se con-</p><p>trapõe aos processos determinísticos, aqueles que não necessitam de gran-</p><p>de desgaste cognitivo para ser realizado, estão automatizados, de forma a</p><p>ser possível chamá-los de reativos ou simplesmente reação.</p><p>A reação é um processo cognitivo do tipo 1, aquele que acontece de</p><p>forma impulsiva, rápida, involuntária, seja por questões de sobrevivência</p><p>como se esquivar de algum objeto que é lançado em sua direção, seja nos</p><p>pré-julgamentos dentro dos vieses de cada indivíduo. Já a agência ou o ato</p><p>29 LAGO, Miguel. Procura-se um presidente: Dependência virtual e extremismo de</p><p>Bolsonaro precipitam corrida política no campo da direita. Revista Piauí, edição 152,</p><p>Maio de 2019. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/procura-se-</p><p>um-presidente/.</p><p>30 AHEARN, Laura M. Language and Agency. Annual Review of Anthropology, n. 30, p.</p><p>109-137, 2001.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>102</p><p>de agir está diretamente ligada a processos cognitivos do tipo 2, processos</p><p>que carecem de atenção, zelo e até estudo antes de serem realizados, ainda</p><p>que isso seja feito em segundos. Superados a conceituação de agência, ação</p><p>e reação, passa-se a analisar tais aplicações em relação a responsabilidade</p><p>dos usuários em razão das fake news.</p><p>Neste ínterim, inicialmente destaca-se que a responsabilidade no direi-</p><p>to brasileiro possui função reparatória, punitiva e precaucional, visando</p><p>resguardar a ordem social e o retorno ao status quo ante. A responsabiliza-</p><p>ção decorrente de fake news pode ocorrer em diversos âmbitos, como cí-</p><p>vel, criminal, administrativo, ambiental, dentre outros, tal diferenciação se</p><p>dá exclusivamente em vista da norma jurídica que impõe o dever violado</p><p>pelo agente. Tratando-se de ilícito penal, o agente ofende uma norma pe-</p><p>nal, de direito público; no caso do ilícito civil, a norma a ser violada é a do</p><p>direito privado. Por mais que vários autores tenham tentado, não há uma</p><p>diferença substancial entre o ilícito civil e o penal, tanto que uma mesma</p><p>conduta pode violar tanto a legislação cível quanto a penal, sendo uma</p><p>dupla ilicitude.</p><p>Independentemente da área do direito, a responsabilidade se manifesta</p><p>como dever jurídico, ou conduta externa de uma pessoa imposta pelo di-</p><p>reito positivo, a partir das exigências da convivência social31. Assim, ocor-</p><p>rendo a ofensa a um bem juridicamente tutelado, nasce então, o dever de</p><p>ressarcir ou compensar o ou os titulares pela ofensa a seus bens, seja eles</p><p>materiais ou imateriais, individuais ou coletivos.</p><p>Portanto, para que surja o instituto da responsabilidade há de, necessa-</p><p>riamente ocorrer um ilícito, este que sempre deve acarretar um dano a</p><p>direito individual ou coletivo, oriundo de uma conduta passiva ou ativa e</p><p>que esta conduta esteja ligada ao dano sofrido e em alguns casos conside-</p><p>ra-se a intenção do agente a partir do dolo ou culpa. Em síntese, só se cogi-</p><p>31 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo:</p><p>Atlas, 2015, p. 22.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>103</p><p>ta a responsabilidade onde houver a violação de um dever jurídico e desta</p><p>violação resultar um dano.</p><p>A responsabilidade em nosso ordenamento jurídico divide-se em obje-</p><p>tiva e subjetiva, a primeira tem como requisitos a conduta, o dano e o nexo</p><p>causal, sendo esta a exceção, enquanto a segunda, a regra do ordenamento,</p><p>possui como requisito o dano e o nexo causal; a conduta e a culpa.</p><p>Quanto ao dano, não são necessárias muitas explanações, uma vez que</p><p>se considera dano a ofensa a direito individual ou coletivo. No caso da fake</p><p>news, os danos podem gerar prejuízos aos direitos pessoais dos indivíduos,</p><p>assim como podem atingir a democracia, a ordem social ou econômica,</p><p>dentre outros. Assim, a comprovação do dano causado por fake news se faz</p><p>necessária para que o agente seja responsabilizado, bem como o nexo cau-</p><p>sal entre o dano e a ação ou omissão do agente que causou ou ensejou a</p><p>efetivação deste, visto que o dano é elemento essencial e indispensável à</p><p>responsabilização do agente32.</p><p>Tratando-se de fake news que objetivam danos a democracia, econo-</p><p>mia, instituições sociais, saúde pública, dentre outros, a sua comprovação,</p><p>ante a subjetividade deste dano é frágil, contudo, jamais inexistente. Já o</p><p>nexo causal se apresenta como o condão que liga a conduta do agente ao</p><p>dano, ou seja, a relação causa-efeito entre a ação do ofensor e o dano sofri-</p><p>do pela vítima33. O nexo causal aliado ao dano são os requisitos basilares</p><p>da responsabilização, uma vez que, caso reste inexistente a ligação entre a</p><p>ação ou omissão humana e o dano sofrido pela vítima, não há a possibili-</p><p>dade de responsabilização legal.</p><p>A conduta do agente, portanto, se apresenta como a possibilidade de</p><p>32 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10. ed.</p><p>rev., atual. e reform. com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista dos</p><p>Tribunais, 2014, p. 200.</p><p>33 PEREIRA, Caio Mário da Silva; TEPEDINO, Gustavo. Responsabilidade Civil. 12. ed.</p><p>rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 105.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>104</p><p>um sujeito poder atuar, comissiva ou omissivamente, dentro da cadeia</p><p>causal. Pode-se defini-la como todo comportamento que representa a per-</p><p>sonalidade do sujeito agente, a expressão da sua individualidade. Sobre a</p><p>conduta, temos dois cenários ou agentes distintos, temos o primeiro agen-</p><p>te, aquele que Lago intitulou de “os incluídos que perderam”34 que se utili-</p><p>zam de seu tempo livre, poderio econômico e acesso a recursos para, por</p><p>motivos escusos ou não, confeccionar,</p><p>manipular e disseminar informa-</p><p>ções falsas.</p><p>Estes agentes, realizam inegavelmente uma conduta positiva, exercida a</p><p>partir dos processos cognitivos de tipo 2, visto que há o esforço para for-</p><p>mular, criar, confeccionar, disponibilizar e disseminar a fake news, de for-</p><p>ma a não sobrevir sobre este qualquer dúvida quanto a sua vontade, inten-</p><p>ção, capacidade cognitiva ou dolo. O agente que fabrica uma fake news,</p><p>indubitavelmente é conhecedor de sua falsidade e, seja para adquirir van-</p><p>tagem econômica com clickbaits e publicidade, seja por quaisquer outros</p><p>motivos pessoais ou políticos, é certo que veicula essa informação intenci-</p><p>onalmente de forma que, aparente ser uma notícia, de modo a facilitar o</p><p>convencimento de outras pessoas, as quais, diferentemente de si não pos-</p><p>suem o tempo e a capacidade para discernir a falsidade.</p><p>Quanto ao segundo caso, aquele que, se beneficiando da expansão da</p><p>internet e a facilitação de uso e que agora possui acesso quase universal e</p><p>ilimitado a mais diversa gama de informações, da qual, inclui-se as fake</p><p>news, configurando-se, portanto uma cognição excedida, ao receber ou ler,</p><p>ainda que superficialmente, uma notícia a replica sem verificar sua veraci-</p><p>dade, torna-se necessário questionar, qual a responsabilidade legal deste</p><p>individuo e qual os meios de sanção que a eles deverão ser impostos. Desta</p><p>34 LAGO, Miguel. Procura-se um presidente: Dependência virtual e extremismo de</p><p>Bolsonaro precipitam corrida política no campo da direita. Revista Piauí, edição 152,</p><p>Maio de 2019. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/procura-se-</p><p>um-presidente/.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>105</p><p>forma, o indivíduo que atua por reflexo, ou simplesmente reage a uma</p><p>notícia falsa ou desinformação compartilhando-a, sem utilizar-se de ne-</p><p>nhum dever de cautela não controla as circunstâncias, não domina o fa-</p><p>to35.</p><p>A discussão acerca dos limites da imposição de sanções legais a uma</p><p>prática em que há uma série de divergências acerca da possibilidade de</p><p>identificar o agente causador da infração e até mesmo quanto à classifica-</p><p>ção do conteúdo, o que seria de fato uma notícia e informação de cunho</p><p>falso, como intuito de prejudicar outrem, bem como os danos coletivos</p><p>dela decorrentes, até que ponto o compartilhamento de uma notícia da</p><p>qual se acreditava piamente ser verdadeira deve ocasionar uma sanção.</p><p>Outro fator que merece destaque é que, na grande maioria dos casos as</p><p>fake news são tratadas como danos ao individual enquanto já é notório que</p><p>o seu poder danoso, potencializado pela velocidade da internet, pode atin-</p><p>gir institutos tão ou mais importantes como a economia, a ordem e insti-</p><p>tuições sociais e a própria democracia. Especificamente, para estes casos</p><p>ainda não há nenhum tipo de regramento que institua nenhum tipo de</p><p>responsabilização seja civil ou penal, assim como não há qualquer tipo de</p><p>política pública que visa coibir a propagação das fake news, contudo, o</p><p>Código Penal trata da injúria, calúnia e difamação. O direito eleitoral prevê</p><p>a penalidade pela divulgação de informações inverídicas e a Lei de Segu-</p><p>rança Nacional estabelece punições apenas para quem difundir boatos que</p><p>geram pânico na sociedade.</p><p>Tal cenário não resulta da ausência de propostas legislativas, visto que</p><p>tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado há dezenas de propos-</p><p>tas sugerindo a inclusão de artigos em diversos diplomas legais, dentre eles</p><p>o Código Penal, Consumerista, Eleitoral até mesmo a Lei de Segurança</p><p>35 FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por danos, imputação e nexo</p><p>de causalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 237.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>106</p><p>Nacional36. Estes projetos, possivelmente impulsionado pelos eventos das</p><p>últimas eleições, apresentam um diverso arcabouço de punições para</p><p>quem fabrica e quem compartilha fake news, variando de multas em torno</p><p>de R$ 1.500,00 até 08 anos de reclusão. Frisa-se ainda, que no Direito Pe-</p><p>nal, responsável pela tutela de bens jurídicos de direito público a penaliza-</p><p>ção sobre o indivíduo deve ser a última medida a ser aplicada (ultima ra-</p><p>tio), para coibir reiteradas práticas por condutas sociais reprováveis (art. 5,</p><p>XXXIX, CF/88).</p><p>Uma das grandes dificuldades encontrada nos projetos apresentados</p><p>bem como nos diplomas legais em vigor, igualmente levantada nesta ses-</p><p>são, que é quanto a quem deve ser punido pelo crime, divergindo entre o</p><p>responsável pela criação das notícias falsas, todos aqueles que comparti-</p><p>lharam ou os provedores de conteúdo. Quanto aos provedores de conteú-</p><p>do, timidamente, o Marco Civil da internet dispôs sobre sua responsabili-</p><p>zação, contudo, além de determinar que ela ocorrerá tão somente após</p><p>ordem judicial específica o referido diploma é omisso quanto a responsa-</p><p>bilização dos usuários.</p><p>Além disso, a simples descrição nas propostas como “notícia falsa” ou</p><p>“notícias incompletas” é muito superficial e ampla, podendo causar mais</p><p>danos do que a própria notícia em si. Para elucidação, cita-se o projeto de</p><p>lei n. 8.592 de 2017, que acrescenta no capítulo dos crimes contra a paz</p><p>pública o artigo 287-A, o qual dispõe como crime a divulgação ou compar-</p><p>tilhamento, por qualquer meio de comunicação social capaz de atingir um</p><p>número indeterminado de pessoas, informação falsa ou prejudicialmente</p><p>incompleta, sabendo ou devendo saber que o são. É muito preocupante a</p><p>parte final do artigo a ser inserido no diploma penalista, principalmente</p><p>por sua indeterminação e subjetividade “sabendo ou devendo saber que o</p><p>36 GRIGORI, Pedro. 20 projetos de lei no Congresso pretendem criminalizar fake news.</p><p>Disponível em: https://apublica.org/2018/05/20-projetos-de-lei-no-congresso-</p><p>pretendemcriminalizar-fake-news/. Acesso em: 10 mar. 2020.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>107</p><p>são”.</p><p>A proposta penal, mormente as que se referem a penas de reclusão, é</p><p>danosa e inadequada, visto que, atualmente há uma imensurável quanti-</p><p>dade de posts e compartilhamento de notícias, desta forma não dá para</p><p>processar e prender todas as pessoas que compartilharam algo, o que pode</p><p>fazer com que a legislação, por exemplo, seja aplicada a apenas um grupo,</p><p>classe social ou candidato, gerando uma verdadeira “caça às bruxas” mo-</p><p>derna, o que não coaduna com os princípios basilares do direito brasileiro.</p><p>Como foi dito, antes de se determinar as sanções referente às fake news, há</p><p>de se considerar os diversos fatores levantados até o momento, como o</p><p>limite de cognição ante o excesso de informações e notícias e a análise</p><p>superficial da mensagem veiculada para que se possa analisar a responsabi-</p><p>lização pela disseminação de fake news.</p><p>Desta forma, para a aplicação de qualquer tipo de responsabilização aos</p><p>agentes que praticam despretensiosamente o compartilhamento de infor-</p><p>mações, mormente na esfera penal, há de ser verificado quanto a sua culpa.</p><p>A culpa lato sensu, abrangente de toda espécie de comportamento contrá-</p><p>rio as normas jurídicas, se divide em dolo e culpa. Tanto no dolo como na</p><p>culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta</p><p>já nasce ilícita, uma vez que a vontade se dirige a concretização de um re-</p><p>sultado antijurídico.</p><p>No dolo, o agente antevê o resultado danoso e o elege como objetivo de</p><p>sua ação. Dentro desta temática, enquadra-se o agente que vislumbrando o</p><p>dano do qual pode resultar uma fake news, cria um site, uma notícia falsa</p><p>ou desinformação e a disponibiliza para outros usuários da rede de com-</p><p>putadores, objetivando o resultado ilícito (financeiro, pessoal, econômico,</p><p>religioso, dentre outros) mantêm sua conduta dolosa.</p><p>O dolo, na perspectiva finalista, é natural e composto por consciência</p><p>(conhecimento) e vontade (elemento volitivo). Estes elementos operam</p><p>em três momentos distintos</p><p>e sucessivos, primeiramente operam na cons-</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>108</p><p>ciência da conduta e do resultado. Posteriormente o agente manifesta sua</p><p>consciência sobre o nexo de causalidade, ou seja, entre o ato a ser pratica-</p><p>do e o resultado que dele decorrerá, e por fim, o indivíduo, ou os indiví-</p><p>duos exteriorizam sua vontade de realizar a conduta e produzir o resulta-</p><p>do. No que diz respeito a vontade, ela pode ser considerada como um fato,</p><p>um estado mental, algo que se encontra dentro da psique de alguém. Em</p><p>sentido normativo, a vontade não é um fato, mas uma forma de interpretar</p><p>determinado comportamento. Para o dolo, basta que o resultado produzi-</p><p>do esteja em conformidade com a vontade esboçada pelo agente.</p><p>A partir disso, vislumbra-se que, em grande parte, os agentes não pos-</p><p>suem vontade de disseminar fake news, mas numa perspectiva normativa-</p><p>atributiva, o seu comportamento (ato de compartilhar) é o que poderia ser</p><p>atribuído a ele37. Assim, antes de se criminalizar determinada conduta, não</p><p>devem existir dúvidas acerca da intencionalidade de divulgar um conteúdo</p><p>falso, pois, muitos agentes acreditam se tratar de um material verdadeiro.</p><p>A intenção permite distinguir entre a ação e a reação na difusão de fake</p><p>news.</p><p>No caso da culpa, sua caracterização importa maior dificuldade, visto</p><p>que tem por essência o descumprimento de um dever de cuidado38. Tra-</p><p>duz-se numa situação em que o agente podia conhecer e observar. Em</p><p>relação às fake news, a culpa é muito clara, quando o agente, dentro da sua</p><p>capacidade cognitiva limitada, ao se deparar com uma notícia que possui</p><p>todas as características de uma notícia/reportagem/artigo verdadeira o</p><p>compartilha com seus contatos sem realizar as diligências necessárias, ou</p><p>seja, sem resguardar o dever de cuidado ou ao praticar erro de conduta. A</p><p>culpa não é a vontade de praticar determinado ato ilícito, isso é o dolo, a</p><p>37 GOMES, Enéias Xavier. Dolo sem vontade psicológica: perspectivas de aplicação no</p><p>Brasil. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2017, p. 73.</p><p>38 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo:</p><p>Atlas, 2015, p. 50.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>109</p><p>culpa é antes de tudo, a vontade de praticar um ato lícito, mas o agente,</p><p>por não adotar as diligências necessárias ou a conduta adequada acaba por</p><p>praticar um ato ilícito39. Na culpa, a conduta em si (compartilhar notícias)</p><p>nasce lícita, pois é dirigida a um fim aparentemente legítimo, que, por erro</p><p>de dever de cuidado ou de conduta acaba por produzir um resultado ilíci-</p><p>to, como o compartilhamento de fake news.</p><p>Vivendo em sociedade, o agente ao praticar os atos da vida, ainda que</p><p>lícitos deve observar a cautela necessária para que não resulte em ofensa a</p><p>bens jurídicos alheios, isso é o que se chama de dever de cuidado. Em ra-</p><p>zão disso há diversos preceitos determinados que estabelecem os deveres e</p><p>os cuidados que o agente deve ter quando desempenhar estas atividades,</p><p>como a velocidade a ser empregada em uma rodovia, o uso de equipamen-</p><p>tos especiais, respeito aos sinais de trânsito e outras regras técnicas. Apesar</p><p>da abrangência é impossível uma regulamentação jurídica que abarque</p><p>todas as possíveis violações e cuidados a ser empregados nas atividades</p><p>humanas e sociais. Ressalta-se que o ato de compartilhar notícias por</p><p>qualquer aplicativo ou site, por si só não caracteriza qualquer tipo de ilíci-</p><p>to, contudo, ao realizar esta mesma ação de compartilhar uma notícia falsa</p><p>configura grave infração a bens jurídicos de terceiros e da sociedade.</p><p>O grande número de projetos de lei apresentados atualmente, bem co-</p><p>mo as propostas de penas desproporcionais e irrazoável, mostram uma</p><p>desorganização comum dos legisladores e juristas diante de um aconteci-</p><p>mento recente, chamativo e com grandes proporções danosas. Contudo,</p><p>antes de se atuar de forma punitivista sobre o fenômeno das fake news, do</p><p>qual vislumbramos ser ainda só a “ponta do iceberg”, é necessário que</p><p>sejam implantadas políticas públicas de conscientização e combate a notí-</p><p>cias falsas e/ou manipuladas além de projetos que desenvolvam o senso</p><p>crítico da população, seja através da educação formal ou não. Ademais,</p><p>39 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo:</p><p>Atlas, 2015, p. 55.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>110</p><p>caso ainda seja vislumbrada a necessidade de aplicação de penas, que estas</p><p>sejam proporcionais ao fato jurídico ocorrido, a culpa ou dolo do agente e</p><p>sua capacidade cognitiva para a realização desta conduta.</p><p>5. Considerações finais</p><p>Embora a internet tenha surgido em meio a ideais liberais e gran-</p><p>des expectativas, o que tempo revelou que a existência de um grupo com</p><p>tempo e recursos suficientes pode torná-la um ambiente de desinformação</p><p>em prejuízo à democracia e a ordem social. Portanto, agentes que contri-</p><p>buam para a construção desse ambiente precisam ser responsabilizados.</p><p>No entanto, essa responsabilização deve levar em consideração as limita-</p><p>ções cognitivas do sujeito.</p><p>O presente trabalho não pretende isentar os propagadores de fake news,</p><p>mas compreender que suas ações, ainda que positivas, partem dessa limi-</p><p>tação cognitiva, de forma que o agente não possui capacidade de resguar-</p><p>dar o dever de cuidado e proceder com a conduta adequada. Ao lado do</p><p>dever imposto por lei ou regulamento que obrigue o indivíduo a fazer ou</p><p>deixar de fazer alguma coisa, bem como ao realizar as atividades humanas</p><p>há também a capacidade cognitiva do indivíduo que determina sua capa-</p><p>cidade de ação, em oposição à mera reação. O equacionamento dessa ques-</p><p>tão é essencial para a retomada da ordem e harmonia social que se encon-</p><p>tram prejudicadas pelas fake news no mundo contemporâneo.</p><p>Referências</p><p>AHEARN, Laura M. Language and Agency. Annual Review of Anthropolo-</p><p>gy, n. 30, p. 109-137, 2001.</p><p>BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production</p><p>Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press,</p><p>2006.</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>111</p><p>BRONSTEIN, Michael V.; PENNYCOOK, Gordon; BEAR, Adam; RAND,</p><p>David G.; CANNON, Tyrone D. Belief in fake news is associated with</p><p>delusionality, dogmatism, religious fundamentalism, and reduced ana-</p><p>lytic thinking. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, v.</p><p>8, n. 1, p. 108-117, 2019.</p><p>CASTELLS, Manuel. The Information Age: Economy, Society and Culture.</p><p>Volume 1: The Rise of the Network Society. Segunda edição. Chiches-</p><p>ter: Wiley-Blackwell, 2010.</p><p>CASTELLS, Manuel. Networks of Outrage and Hope: Social Movements in</p><p>the Internet Age. Segunda edição. Cambridge: Polity Press, 2015.</p><p>CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed.</p><p>São Paulo: Atlas, 2015.</p><p>CURRAN, James. The internet of dreams: Reinterpreting the internet. In:</p><p>CURRAN, James; FENTON, Natalie; FREEDMAN, Des. Misunder-</p><p>standing the internet. Abingdon: Routledge, 2012.</p><p>CURRAN, James. Rethinking Internet History In: CURRAN, James; FEN-</p><p>TON, Natalie; FREEDMAN, Des. Misunderstanding the internet. Ab-</p><p>ingdon: Routledge, 2012.</p><p>DE KEERSMAECKER, Jonas; ROETS, Arne. ‘Fake news’: Incorrect, but</p><p>hard to correct. The role of cognitive ability on the impact of false in-</p><p>formation on social impressions. Intelligence, v. 65, p. 107-110, 2017.</p><p>FENTON, Natalie. The internet and social networking. In: CURRAN,</p><p>James; FENTON, Natalie; FREEDMAN, Des. Misunderstanding the in-</p><p>ternet. Abingdon: Routledge, 2012.</p><p>FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por danos, imputa-</p><p>ção e nexo de causalidade. Curitiba: Juruá, 2014.</p><p>GAILLOT, Matthew T.; BAUMEISTER, Roy F.; DEWALL, C. Nathan;</p><p>MANER, Jon K.; PLANT, E. Ashby; TICE, Dianne M.; BREWER, Lau-</p><p>ren E.; SCHMEICHEL, Brandon J. Self-Control Relies on Glucose as a</p><p>Limited Energy Source: Willpower Is More</p><p>Than a Metaphor. Journal</p><p>of Personality and Social Psychology, v. 92, n. 2, pp. 325-36, 2007.</p><p>Átila Pereira Lima · Marcos Henrique Godoi</p><p>112</p><p>GRAEBER, David. Bullshit Jobs: A theory. Penguin Random House, 2018.</p><p>GOMES, Enéias Xavier. Dolo sem vontade psicológica: perspectivas de apli-</p><p>cação no Brasil. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2017.</p><p>GRIGORI, Pedro. 20 projetos de lei no Congresso pretendem criminalizar</p><p>fake news. Disponível em: https://apublica.org/2018/05/20-projetos-</p><p>de-lei-no-congresso-pretendemcriminalizar-fake-news/. Acesso em:</p><p>10 mar. 2020.</p><p>KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Macmillan, 2011.</p><p>LAGO, Miguel. Procura-se um presidente: Dependência virtual e extre-</p><p>mismo de Bolsonaro precipitam corrida política no campo da direita.</p><p>Revista Piauí, edição 152, Maio de 2019. Disponível em:</p><p>https://piaui.folha.uol.com.br/materia/procura-se-um-presidente/</p><p>LIMA, Cintia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de</p><p>aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois</p><p>do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Revista da Faculdade de</p><p>Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 110, p. 155-176,</p><p>2015.</p><p>PATTERSON, Thomas. Media abundance and democracy. Media & Jor-</p><p>nalismo, v. 17, n. 9, p. 13-29, 2010.</p><p>PEREIRA, Caio Mário da Silva; TEPEDINO, Gustavo. Responsabilidade</p><p>Civil. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.</p><p>RIFKIN, Jeremy. The Zero Marginal Cost Society: The Internet of Things,</p><p>the Collaborative Commons, and the eclipse of Capitalism. Nova York:</p><p>Palgrave Macmillan, 2014.</p><p>SHIRKY, Clay. Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connect-</p><p>ed Age. Nova York: The Penguin Press, 2010.</p><p>STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência.</p><p>10. ed. rev., atual. e reform. com acréscimo de acórdãos do STF e STJ.</p><p>São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.</p><p>STAUFFER, John; FROST, Richard; RYBOLT, William. The attention</p><p>factor in recalling network television news. Journal of Communication,</p><p>Do excedente cognitivo à cognição excedida</p><p>113</p><p>v. 33, n. 1, p. 29-37, 1983.</p><p>THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving Decisions</p><p>About Health, Wealth, and Happiness. Yale University Press, 2008.</p><p>WU, Tim. The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside our</p><p>Heads. Nova York: Alfred A. Knopf, 2016.</p><p>ZALLER, John R. The Nature and Origins of Mass Opinion. Nova York:</p><p>Cambridge University Press, 1992.</p><p>__________________________________________________</p><p>LIMA, Átila Pereira; GODOI, Marcos Henrique. Do excedente cognitivo à</p><p>cognição excedida: agência e responsabilidade legal na era das fake news.</p><p>In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Mou-</p><p>ra (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira Aguiar; REIS, Guilherme</p><p>(Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciência jurídica na sociedade da</p><p>informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp. 89-113.</p><p>__________________________________________________</p><p>115</p><p>JÁ VIVEMOS NA SOCIEDADE DA</p><p>INFORMAÇÃO?</p><p>4</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>1. Introdução</p><p>Estamos atravessando como humanidade um período de avanço tecno-</p><p>lógico profundo, iniciado em meados da década de 1960, a partir do sur-</p><p>gimento e popularização dos microcomputadores. Ainda naquela década,</p><p>teóricos como o americano Fritz Machlup e os japoneses Tadao Umesao e</p><p>Yujiro Hayashi, atentos ao poder da recém criada tecnologia, já anteviam</p><p>que esta seria responsável por mudanças sociais significantes dali então,</p><p>marcando a passagem da era industrial, para um novo momento histórico</p><p>a "sociedade da informação”.</p><p>A previsão ganhou ainda mais força a partir dos anos 1990, com o in-</p><p>cremento das Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs, que</p><p>permitiram, dentre outros avanços, o advento da internet que hoje já ga-</p><p>nha status de meio ambiente, a infosfera, para onde praticamente tudo está</p><p>a migrar, numa reprodução virtual das relações sociais do mundo físico.</p><p>Atualmente, laptops, smartphones e dispositivos vestíveis (wearables),</p><p>como smartwatchs e smartglasses, aliados aos softwares, estão a tornar-se</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>116</p><p>gradativamente extensão de nosso arcabouço cognitivo1, transformando-</p><p>nos, sem que nos demos conta, em organismos informacionais, ou sim-</p><p>plesmente “inforgs”2.</p><p>Também em razão desse conjunto de fatores, nossa percepção de espa-</p><p>ço, tempo, e a própria noção de realidade está-se a modificar, numa mescla</p><p>entre o concreto e o etéreo. Ressalve-se que a capacidade para dar como</p><p>válidas situações abstratas é fenômeno imanente ao ser humano, basta</p><p>pensar nas pessoas jurídicas, ficções a quem convencionalmente conferi-</p><p>mos direitos e deveres como se vivas fossem. Ou, na ancestral noção de</p><p>dinheiro, pedaço de metal ou folha de papel cuja relação com o homem</p><p>Karl Marx apropriadamente chamou de fetiche3.</p><p>Na contemporaneidade, nossa noção de realidade está a ser alterada por</p><p>meio dos equipamentos informáticos e da internet, por onde a informação</p><p>flui convertida em bits. Em várias situações do cotidiano, convalidamos</p><p>fatos eminentemente virtuais, assim como é, por exemplo, uma sentença</p><p>judicial, exarada no bojo de um processo judicial eletrônico, cuja força</p><p>como título executivo não se questiona. Ou um contrato de compra e ven-</p><p>da celebrado via e-commerce, e pago por operação bancária, também onli-</p><p>ne, no qual muitas vezes sequer o produto ou serviço adquirido é físico, a</p><p>1 Segundo Pasquale, “decisões que costumavam ser baseadas na reflexão humana são</p><p>agora feitas automaticamente, por meio dos algoritimos. In: PASQUALE, Frank. The</p><p>Black Box Society: the secret algorithms that control money and information. Cam-</p><p>bridge: Harvard University Press, 2015, p. 8.</p><p>2 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, p. 13.</p><p>3 “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantas-</p><p>magórica de uma relação entre coisas. Para encontrar uma símile, temos que recorrer</p><p>à região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de</p><p>vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres huma-</p><p>nos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias.</p><p>Chamo isto de fetichismo […].” In. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia po-</p><p>lítica. 6 vols. Rio de Janeiro: Bertrand, 1994, p. 81.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>117</p><p>exemplo da assinatura de uma de plataforma de vídeos ou músicas.</p><p>Apesar de evidentes os câmbios, perceptíveis a todos nesse primeiro</p><p>quartel de século XXI, ainda é clara a dificuldade em se definir o que seria</p><p>a sociedade da informação, e o que permitiria afirmar que determinada</p><p>nação, ou sociedade, atingiu tal patamar. Alguns teóricos se aplicam nesse</p><p>desiderato, tomando cada um critérios distintos, tais como a quantidade</p><p>de equipamentos eletrônicos à nossa disposição, a riqueza gerada pelos</p><p>dados informacionais ou a quantidade de trabalhadores que lidam com a</p><p>tecnologia, para justificar o exsurgir desse novo momento histórico.</p><p>O presente artigo tem por objetivo elencar em rápidas passagens alguns</p><p>desses critérios a fim de confirmar (ou não) que a sociedade da informação</p><p>já se faz presente entre nós.</p><p>2. Origem do termo</p><p>Não há unanimidade acerca da expressão mais adequada a definir o</p><p>momento histórico sobre o qual deitamos observação. Vários teóricos de</p><p>envergadura cunharam expressões próprias em seus estudos sobre as mu-</p><p>danças sociais causadas pelo avanço tecnológico, a exemplo os termos</p><p>“sociedade pós-industrial” usado por Daniel Bell4, “sociedade pós-</p><p>moderna”, de Jean Baudrillard5; e, “sociedade informacional”, de Manuel</p><p>Castells6.</p><p>Entretanto, o termo “sociedade da informação”, nos parece ser o mais</p><p>popular desde que os avanços informáticos passaram a promover altera-</p><p>ções estruturais nas sociedades.</p><p>4 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 7.</p><p>5 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 7.</p><p>6 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 7.</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>118</p><p>Segundo Alistair S. Duff7, o mérito pela cunhagem da expressão é dis-</p><p>putado por norte-americanos e japoneses. Do lado americano, a explicação</p><p>mais aceita o confere ao economista Fritz Machlup, quando do lançamen-</p><p>to de sua obra clássica “A Produção e Distribuição do Conhecimento nos</p><p>Estados Unidos”8. Apesar do autor ter-se valido da expressão “conheci-</p><p>mento industrial”, a ideia de sociedade da informação encontra-se ali im-</p><p>plícita, já que a obra propõe que “toda a informação no senso comum do</p><p>mundo é conhecimento”9, e que o computador e outras tecnologias com-</p><p>poriam a “indústria do conhecimento”10. Outros atribuem o termo a Da-</p><p>niel Bell, que o menciona na obra The Coming of Post-Industrial Society, de</p><p>1973, apesar de o próprio autor preferir a expressão “sociedade pós-</p><p>industrial”.11 12</p><p>Pelo lado nipônico, leciona Duff, o termo, é atribuído por alguns a Yu-</p><p>jiro Hayashi que em 1969 valeu-se da expressão “Joho Sakai” (sociedade</p><p>da informação) em dois relatórios do governo japonês (Keizai 1969 e Sa-</p><p>gyo 1969)13. Enquanto outros, o ligam ao antropologista Tadao Umesao,</p><p>em artigo intitulado Joho Sangyo ron, “nas indústrias da informação” em</p><p>tradução livre, publicado em 196314. Críticos entretanto, afirmam que</p><p>7 DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 2.</p><p>8 DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 2.</p><p>9 DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 2.</p><p>10 DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 3.</p><p>11 BELL, 1974:37, Apud, DUFF, Alistair. Information society studies. Londres:</p><p>Routledge, 2000, p. 3.</p><p>12 Há uma terceira versão, que registra que o termo foi utilizado pela primeira vez em</p><p>1970, no encontro anual da American Society for Information Science (ASIS) que te-</p><p>ve como tema “The Information Consious Society”. (DUFF, Alistair. Information so-</p><p>ciety studies. Londres: Routledge, 2000, p. 3).</p><p>13 SUZUKI (1988), Apud, DUFF, Alistair. Information society studies. Londres:</p><p>Routledge, 2000, p. 3.</p><p>14 ITO 1991a: 5, Apud DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge,</p><p>2000, p. 4.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>119</p><p>Umesao escreveu seu artigo influenciado por Machlup, já que “A produção</p><p>e distribuição do conhecimento nos Estados Unidos” tinha sido publicado</p><p>um ano antes, em 196215.</p><p>Polêmicas à parte, referidos teóricos, segundo Duff, teriam sido os pri-</p><p>meiros a atentarem-se para o florescer de um novo período histórico em-</p><p>basado na utilização massiva dos equipamentos informáticos e na troca de</p><p>informações no dia a dia, popularizando, posteriormente o termo “socie-</p><p>dade da informação”.</p><p>3. Algumas características do novo modelo social</p><p>Não há consenso sobre o que diferenciaria determinada sociedade para</p><p>ser definida sob o epíteto “sociedades da informação”, a não ser o fato de</p><p>que referido sistema social deva estar erigido sob os pilares da microin-</p><p>formática e das Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs. Entre-</p><p>tanto, estudiosos do assunto observam certas mudanças que nos seus pon-</p><p>tos de vista, nos permitiriam concluir que estamos a experienciar esse no-</p><p>vo momento histórico, algumas das quais passamos a apontar.</p><p>a. Dispositivos eletrônicos à nossa disposição e o fluxo de informações</p><p>As inovações tecnológicas são um dos mais evidentes indicadores do</p><p>surgimento de um novo momento histórico. Nesse passo, a enorme quan-</p><p>tidade de laptops e smartphones, smart TVs e outros dispositivos de arma-</p><p>zenagem e transmissão de informações ao nosso alcance, dos quais faze-</p><p>mos uso diuturnamente, nos serviria como um primeiro indício a atestar</p><p>que vivemos dias de mudanças estruturais. Mas somente o grande número</p><p>desses equipamentos, nos parece um critério raso, diante da complexidade</p><p>que envolve o tema.</p><p>Dizemos isso porque, ao nosso sentir, o fator distintivo do novo para-</p><p>15 DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 5.</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>120</p><p>digma social, a sociedade da informação, estaria não na disseminação e</p><p>uso dos dispositivos eletrônicos em si, mas na possibilidade de digitaliza-</p><p>ção, armazenamento e troca de dados que tais equipamentos, aliados às</p><p>Tecnologias da Informação e Comunicação, permitem.</p><p>Luciano Floridi16 leciona que, dados são a base da informação. Quando</p><p>reunidos, tomam significados de acordo com regras da sintaxe, aqui en-</p><p>tendida num sentido amplo, não só linguístico, para determinar a forma,</p><p>construção, composição ou estruturação de algo, gerando intelecção ou,</p><p>informação. A informação, por seu turno, pode tornar-se em conhecimen-</p><p>to.17 Por exemplo: as letras do alfabeto da língua portuguesa, isoladas não</p><p>passam de símbolos. Quando reunidas e ordenadas numa sequência lógi-</p><p>ca, formam palavras que ganham significado para os falantes dessa língua.</p><p>Tem-se aí um exemplo, grosso modo, de conversão de dados (letras) em</p><p>informação (palavras) que por sua vez, pode transformar-se em conheci-</p><p>mento (significação) a ser utilizado no interesse de seu detentor.</p><p>Pelo mesmo raciocínio, no processo produtivo de uma fábrica, dados</p><p>coletados por sensores podem ser analisados, convertidos em informação e</p><p>utilizados na própria linha de produção, a exemplo da apuração da tempe-</p><p>ratura ideal da agua durante um processo de produção fabril, implicando</p><p>em maior produtividade.18</p><p>Nossos equipamentos computacionais ampliaram exponencialmente a</p><p>capacidade de acumulação de dados, possibilitando a sua conversão em</p><p>16 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, p. 21.</p><p>17 A informação por sua vez pode ser analógica; digital; ambiental; genética; matemáti-</p><p>ca; física; biológica; econômica etc.</p><p>18 MOELLER, Carolin. Are we prepared for the 4th Industrial Revolution? Data protec-</p><p>tion and data security challenges of Industry 4.0 in the EU Context. In: LEENES,</p><p>Ronald; VAN BRAKEL, Rosamunde; GUTWIRTH, Serge; DE HERT, Paul (Eds.).</p><p>Data protection and privacy: the age of intelligent machines. Oxford: Hart Publish-</p><p>ing, 2017, p.148</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>121</p><p>informação (útil ou não, a depender do objetivo que se tenha). Entretanto,</p><p>como dito, o fator de caracterização de uma sociedade para ser entendida</p><p>como “da informação” não estaria na quantidade desses dispositivos, mas</p><p>nos dados, informação e conhecimento que eles permitem acumular e</p><p>transmitir19.</p><p>b. Mudanças na economia e mundo do trabalho</p><p>Certamente a economia se mostra como um dos setores sociais que</p><p>mais mudanças sofre em razão dos avanços tecnológicos e também deles</p><p>se beneficia. A tecnologia no mundo da economia é disruptiva, isto é, alte-</p><p>ra rapidamente modelos tradicionais de produção tornando-os obsoletos</p><p>em pouco tempo.</p><p>Além disso (a tecnologia), reduz custos operacionais, agiliza processos</p><p>e amplia lucros, de maneira que o próprio sistema capitalista está a trans-</p><p>mutar-se do modelo industrial ao novel capitalismo informacional, como</p><p>leciona Manuel Castells, na medida em que a informação passa efetiva-</p><p>mente a ser o principal ativo que move a economia20.</p><p>Daí ser cada dia mais comum ouvir-se que “dados são o novo petró-</p><p>leo”, numa alusão a que a riqueza, não mais decorre(rá) da faina do traba-</p><p>lho físico e prático, ou de bens materiais, como no modelo industrial, mas</p><p>da informação que, segundo Castells, se tornou um recurso independente</p><p>de produtividade e poder.21</p><p>Marc</p><p>Propriedade Intelectual e Proteção de Dados.</p><p>Graduada em Direito com Láurea Acadêmica pela Universidade Federal do Rio Grande</p><p>do Sul – UFRGS. Especialização em Fashion Law pelo Milano Fashion Institute – MFI</p><p>(Itália). Especialização em Direito dos Negócios pela Universidade Federal do Rio Grande</p><p>do Sul – UFRGS (previsão de início para 2020).</p><p>JULIANA GOMES PINTO BORGES</p><p>Advogada no escritório Dias Advogados. Professora na ESAMC. Pós graduada em Direito</p><p>do Trabalho pela PUC Minas. Pós graduanda em Direito Empresarial pela – EPD. Especi-</p><p>alista em Direito para Startups pela FGV. Pós graduada em Direito Digital e Compliance</p><p>pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec SP. Membro convidada da Comis-</p><p>são de Startups e Inovação da OAB Santos/SP. Community Leader Uberhub Legal Tech.</p><p>KETLEN CAROLINE SOARES PIERAZZO</p><p>Bacharel em Direito pela Faculdade Santa Rita de Cássia (GO). Assistente jurídica da</p><p>banca Martins e Vilela Advogados (Itumbiara – GO).</p><p>LETÍCIA PRETI FACCIO</p><p>Graduanda no curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia- UFU. Coorde-</p><p>nadora discente do Laboratório de Direitos Humanos (Labdh) atuante nas áreas: cidada-</p><p>nia e desenvolvimento, tecnologia e inovação, empresa e direitos humanos. Foi vice-</p><p>presidente e diretora de RH da instituição liga de Direito dos Negócios de Uberlândia</p><p>(LIGARE). Coordena grupo de estudos de Empresa e Direitos Humanos e organiza diver-</p><p>sos eventos na área acadêmica como o Curso de Defensores Populares, Colóquio de Di-</p><p>reitos Humanos, Moot Court Competition, entre outros. E-mails: leepreti@hotmail.com /</p><p>contato@labdireitoshumanos.org</p><p>LUCAS ZORZENONI ANDREO</p><p>Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador do</p><p>Grupo de Estudos em Direito Digital. E-mail: lzorzenoniandreo@gmail.com.</p><p>LUCIMEIRE ZAGO DE BRITO</p><p>Advogada inscrita na OAB/MG sob o n.º 88.241. Graduada pela Universidade Federal de</p><p>Uberlândia, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universi-</p><p>dade Federal de Uberlândia-MG, em Direito Empresarial (MBA em Direito da Economia</p><p>e da Empresa), em Direito Societário, ambas pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de</p><p>Janeiro e pós-graduada em Direito Digital e Compliance pelo Instituto Damásio de Direi-</p><p>to da Faculdade Ibmec SP. Presidente da Comissão de Direito do Trabalho e Processo do</p><p>Trabalho da OAB Uberlândia, gestão 2013/2015, Diretora Adjunta, gestão 2016/2018 e</p><p>Presidente da Comissão Advocacia 4.0 e Compliance, gestão 2019. Professora de Direito</p><p>do Trabalho e Processo do Trabalho em cursos de graduação e pós-graduação.</p><p>MARCOS HENRIQUE GODOI</p><p>Economista na Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Doutor em Desenvolvimento</p><p>Econômico pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Mestre em Economia</p><p>pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.</p><p>PIETRA DANELUZZI QUINELATO</p><p>Mestranda e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo USP-FDRP. Advogada</p><p>atuante em propriedade intelectual e inovação. DPO Pratitioner - certificadora EXIN.</p><p>Membro do grupo de estudos de Concorrência e Inovação da USP-FDRP e do grupo de</p><p>Lei, Direito e Moda da mesma instituição. Membro da Comissão “Estudos em Direito da</p><p>Moda” da OAB/SP. Editora do portal jurídico More Brands and Fashion</p><p>(www.morebrandsandfashion.com). Professora convidada da Escola Superior de Advoca-</p><p>cia (ESA/SP) e do curso online Trilhante em Direito da Moda. E-mail: pietraquinela-</p><p>to@gmail.com</p><p>RAFAEL ESCRICH</p><p>Estudante de Sistemas de Informação na Universidade Federal de Santa Catarina e desen-</p><p>volvedor de software blockchain na Rhizom.</p><p>RODRIGO GUGLIARA</p><p>Especialista em Direito Digital e Compliance pela Faculdade de Direito de São Bernardo</p><p>do Campo. Técnico em Informática. Professor Assistente no Lab de Inovação da Facul-</p><p>dade de Direito de São Bernardo do Campo. Autor de artigos em Direito Digital. Assis-</p><p>tente Judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo.</p><p>SAMUEL NUNES FURTADO</p><p>Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Foi Pesquisador do</p><p>grupo de estudos em Direito Digital pela mesma Universidade. Foi coautor do livro Estu-</p><p>dos Essenciais de Direito Digital editora LAECC - 2019. Estudou Cyber Security And It's</p><p>Teen Domains pela Universifade da Geórgia. Membro discente do Laboratório de Direi-</p><p>tos Humanos, tecnologia e Inovação. E-mail: samuel.nnunes@outlook.com</p><p>STHÉFANE ALVES VASCONCELOS</p><p>Procuradora Municipal do Município de Uberlândia. Mestranda em Direito pela Univer-</p><p>sidade Federal de Uberlândia. Pós-graduanda em Ciências Penais e Segurança Pública</p><p>pelo Instituto de Ensino Rogério Greco. Especialista em Direito Constitucional Aplicado</p><p>pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universida-</p><p>de Federal de Uberlândia.</p><p>TALES CALAZA</p><p>Advogado. Pós-Graduado em Processo Civil pela UniDomBosco. Pós Graduando em</p><p>Direito do Consumidor na Era Digital pela UniDomBosco. Extensão em Direito Contra-</p><p>tual pela Harvard University. Extensão em Direito Imobiliário e Direito de Família pela</p><p>UniDomBosco e FGV. MBA de Gestão de Projetos Empresariais em curso pela Faculdade</p><p>ESAMC. Orientador de TCC na Faculdade ESAMC Uberlândia. Head de Direito Digital.</p><p>E-mail: talescalaza@gmail.com.</p><p>THAINÁ LOPES GOMES LIMA</p><p>Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Bacha-</p><p>rela em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisadora do Grupo</p><p>de Estudos em Direito Digital. E-mail: thainalopeslima@outlook.com.</p><p>THIAGO PINHEIRO VIEIRA DE SOUZA</p><p>Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Pesquisador do</p><p>Grupo de Estudos em Direito Digital da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.</p><p>Participou do Legal Studies Course pela Goethe Universität – Frankfurt am Main. Advo-</p><p>gado.</p><p>VICTOR RODRIGUES NASCIMENTO VIEIRA</p><p>Pós-graduando em Direito Digital pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva - CERS.</p><p>Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Membro do grupo</p><p>de Estudos em Direito Digital da UFU e do Grupo de Estudos em Direito Digital Profes-</p><p>sor Juliano Madalena. Membro da comissão de Direito Digital da OAB Araguari – MG.</p><p>Head member do UberHub LegalTech.</p><p>VIVIANE FURTADO MIGLIAVACCA</p><p>Advogada, palestrante, membro da comissão de compliance OAB/RS. Especialista em</p><p>Direito Digital e Compliance pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus e em Di-</p><p>reito de Família e Mediação pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul.</p><p>Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter.</p><p>VIVIANE RAMONE TAVARES</p><p>Advogada – OAB/MG 59.068 – OAB/GO 19.650-A e OAB/SP 332.077. Especialista em</p><p>processo civil pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em direito</p><p>civil constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Especializan-</p><p>da em direito contratual e responsabilidade civil pela EBRADI. Presidente da Comissão</p><p>de Processo Eletrônico e Inclusão Digital da OAB Uberlândia.</p><p>YOLANDA CORRÊA ROSA</p><p>Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Pesquisadora de</p><p>Direito Digital. E-mail: yolandacorrea@ufu.br</p><p>“Can technology be controlled?</p><p>Or has it become autonomous</p><p>and out of control? If controlla-</p><p>ble, how is it to be controlled?</p><p>And under what forms of authori-</p><p>ty? Questions about the future</p><p>contain our fears and hopes. (...)</p><p>Will there be a single, universal</p><p>technological civilization?”</p><p>— DON IHDE</p><p>Technology and the Lifeworld (1990)</p><p>XIX</p><p>NOTA INTRODUTÓRIA E</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>O grupo de estudos de direito digital, concebido anos atrás como</p><p>projeto de extensão na Universidade Federal de Uberlândia, sob a</p><p>Coordenação de João Victor Rozatti Longhi – à época Professor da</p><p>instituição –, deixou de ser um projeto formal, mas manteve seu legado,</p><p>consolidando um grande grupo de amigos interessados em estudar e</p><p>debater temas relacionados às diversas interações</p><p>Porat amparado em Fritz Machlup22 observou que uma sociedade</p><p>19 VAN AUDENHOVE, Leo. Theories on the Information Society and Development</p><p>Recent theoretical contributions and their relevance for the developing world, p. 12.</p><p>20 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade</p><p>e cultura, v. 1. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 55.</p><p>21 CASTELLS, 1996, apud, VAN DIJK, Jan. The network society: social aspects of new</p><p>media. 2. ed. Londres: Sage Publications, 2006, p. 20.</p><p>22 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>122</p><p>informacional teria como característica o fato de a maior parte da riqueza</p><p>ser gerada por atividades, alocadas no setor de prestação de serviços, e-</p><p>commerce ou finanças, em lugar dos setores tradicionais, como agricultura</p><p>e indústria.</p><p>Por essa ótica, países como Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá</p><p>Japão e Inglaterra, poderiam ser reconhecidos como sociedades informa-</p><p>cionais, pois no mínimo 70% de seu produto interno bruto já é decorrente</p><p>da transação de bens e serviços intangíveis relacionados direta ou indire-</p><p>tamente a atividades informacionais.23</p><p>Frank Webster é voz dissonante desse posicionamento. Para ele, so-</p><p>mente a aferição da proporção da riqueza gerada por atividades informa-</p><p>cionais no Produto Interno Bruto se resumiria a um critério eminente-</p><p>mente quantitativo.24</p><p>Apesar de boa parcela do PIB daqueles países advir de atividades eco-</p><p>nômicas que guardariam relação com a informática e telecomunicação,</p><p>seriam poucas aquelas que realmente mereceriam ser enquadradas como</p><p>típicas de uma sociedade informacional25. Pense-se por exemplo nos pro-</p><p>fissionais de telemarketing, que a despeito de laborarem valendo-se de</p><p>instrumentos telemáticos, desempenham tarefas pouco criativas.</p><p>Em oposto, uma parcela relativamente pequena de profissões, a exem-</p><p>plo dos programadores e engenheiros de telecomunicações exercem ver-</p><p>dadeiramente trabalhos criacionais, estes sim típicos do novel modelo</p><p>social. Dessa maneira, o critério do PIB, utilizado por Marc Porat e Fritz</p><p>Machlup apesar de válido, seria eminentemente quantitativo, e não ser-</p><p>2006, p. 13.</p><p>23 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, p. 9.</p><p>24 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 21.</p><p>25 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 16.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>123</p><p>viria a definir uma sociedade como sendo informacional, na opinião de</p><p>Webster26.</p><p>Umbilicalmente ligado ao setor econômico, o mundo do trabalho tam-</p><p>bém está a sofrer radical mudança na contemporaneidade. Trabalhadores</p><p>nas sociedades da informação não lidarão com coisas, como no modelo</p><p>industrial, mas com informação, de alguma forma ou de outra. A mais-</p><p>valia no século XXI, dependerá menos do esforço físico, ou de um conhe-</p><p>cimento prático, mas sim de ideias, habilidades cognitivas e criatividade.27</p><p>Alguns estudiosos lecionam que a sociedade da informação é alcançada</p><p>quando há preponderância de trabalho informacional, em detrimento do</p><p>trabalho manufatureiro. Por essa ótica, países da Europa ocidental, Japão e</p><p>Coréia do Norte, onde mais de 70% da força de trabalho encontra-se alo-</p><p>cada em atividades informacionais, principalmente no setor de serviços,</p><p>poderiam ser entendidos como sociedades informacionais.28</p><p>Tais critérios, sofrem críticas pertinentes por também estarem ampara-</p><p>dos em avaliações quantitativas, inexistindo clareza quanto a que tipos de</p><p>atividades poderiam ser tidas como informacionais. Nesse passo, Charles</p><p>Leadbeater enfatiza que a quantidade de trabalhadores do setor informaci-</p><p>onal, por si, não tornaria uma sociedade informacional, visto que seriam</p><p>relativamente poucos os profissionais que realmente causariam impacto</p><p>nesse novo modelo social, tais como programadores, designers, biotecno-</p><p>logistas, engenheiros genéticos, engenheiros da computação, engenheiros</p><p>da telecomunicação. Estes sim, exerceriam papel inovador em termos so-</p><p>ciais, criando e usando a informação e o conhecimento como ferramentas</p><p>26 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 15.</p><p>27 SUSSKIND Daniel. Artificial intelligence and its impact in leadership. Bled: IEDC,</p><p>2018, p. 8</p><p>28 BELL, 1979, p. 183. Apud. WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3.</p><p>ed. Londres: Routledge, 2006, p. 14.</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>124</p><p>de trabalho. 29</p><p>Muitos escritores influentes compartilham dessa visão: Robert Reich</p><p>(1991), Peter Drucker (1993), Manuel Castells (1996), que sugerem que a</p><p>economia atual é liderada por pessoas que consigam de manipular, criar e</p><p>usar a informação com desenvoltura30.</p><p>Ainda que apenas algumas poucas atividades ou profissionais possam</p><p>ser entendidos como típicos de uma sociedade informacional, é inevitável</p><p>reconhecer que o modelo tradicional das relações de emprego, entalhado</p><p>no embate de forças entre empregados e empregadores está a esmorecer,</p><p>com a extinção de muitas profissões, que por sua baixa capacidade criaci-</p><p>onal, estão a ser substuídas pela tecnologia.31</p><p>Nas palavras de Carl Benedikt Frey, “a computerização não está mais</p><p>limitada a trabalhos manuais”. Robôs industriais já são capazes de per-</p><p>formar tarefas manuais não rotineiras. E a tendência é que a diferença de</p><p>mobilidade entre humano e máquina diminua com o passar do tempo, o</p><p>que fará com que a necessidade da mão de obra viva diminua ainda mais.32</p><p>Pesquisa realizada por Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, ainda</p><p>em 2013 estimou que “47% dos empregos nos Estados Unidos correm alto</p><p>risco de desaparecer nas próximas décadas. Por exemplo, há 99% de pro-</p><p>babilidade de que em 2033, operadores de telemarketing e corretores de</p><p>seguros perderão seus empregos para algoritimos. Há 98% de probabilida-</p><p>de de que o mesmo aconteça com árbitros de modalidades esportivas, 97%</p><p>com caixas e 96% com chefs. Garçons 94%, assistentes jurídicos 94% guias</p><p>de turismo 91%. Padeiros 89%. Motoristas de ônibus 89%. Operários na</p><p>29 Living on Thin Air. The New Economy.</p><p>30 Apud. Apud. WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres:</p><p>Routledge, 2006, p. 14.</p><p>31 FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: how suscep-</p><p>tible are jobs to computerisation? 2013, passim.</p><p>32 FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: how suscep-</p><p>tible are jobs to computerisation? 2013, p. 38.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>125</p><p>construção civil 88%.33</p><p>Mesmo os setores tradicionais da economia, como agricultura e indús-</p><p>tria manufatureira estão a serem envolvidos pela onda informacional a que</p><p>se convencionou chamar de “4.0”.</p><p>Segundo Carolin Moeller, a indústria 4.0:</p><p>(...) constitui uma mudança paradigmal no setor manufatureiro, que já</p><p>começou, mas que, espera-se evoluirá ainda mais nas próximas duas déca-</p><p>das. O conceito ao rearranjo dos processos de produção industrial onde</p><p>equipamentos, máquinas e produtos por si mesmos são interconectados</p><p>via internet e se comunicam autonomamente ao longo da cadeia de pro-</p><p>dução. Nesse processo, as chamadas ‘smarts machines’ não só trocam in-</p><p>formações (que é o caso para troca de dados eletrônica), mas também diri-</p><p>gem umas às outras autonomamente e desencadeiam independentemen-</p><p>te.34 35</p><p>33 HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução de</p><p>Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das letras, 2016,</p><p>p. 329.</p><p>34 MOELLER, Carolin. Are we prepared for the 4th Industrial Revolution? Data protec-</p><p>tion and data security challenges of Industry 4.0 in the EU Context. In: LEENES,</p><p>Ronald; VAN BRAKEL, Rosamunde; GUTWIRTH, Serge; DE HERT, Paul (Eds.).</p><p>Data protection and privacy: the age of intelligent machines. Oxford: Hart Publish-</p><p>ing, 2017, p. 144.</p><p>35 “Indústria 4.0 (IND 4.0) é considerada a quarta revolução na história do industria-</p><p>lismo. A primeira resultou da combinação do motor a vapor e produção mecânica, a</p><p>segunda, resultou da combinação da eletricidade e linhas de montagem, e a terceira</p><p>revolução industrial resulta da combinação de tecnologia da informação e globaliza-</p><p>ção. A quarta é marcada pela combinação de fatores inteligentes com cada parte da</p><p>cadeia de produção. Pode ser descrita como uma série de inovações disruptivas na</p><p>produção e saltos no processo industrial resultando em alta produtividade” (MOEL-</p><p>LER, Carolin. Are we prepared for the 4th Industrial Revolution? Data protection</p><p>and data security challenges of Industry 4.0 in the EU Context. In: LEENES, Ronald;</p><p>VAN BRAKEL, Rosamunde; GUTWIRTH, Serge; DE HERT, Paul (Eds.). Data pro-</p><p>tection and privacy: the age of intelligent machines. Oxford: Hart Publishing, 2017, p.</p><p>146-7, trad. livre).</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>126</p><p>A internet das coisas (“IoT”, na sigla em inglês) tem permitido que</p><p>máquinas interajam tanto com o ser humano quanto entre si, dispensando</p><p>a mão de obra viva ao mesmo tempo em que se atingem altíssimos níveis</p><p>de produtividade.</p><p>A questão levanta obviamente dilemas éticos, como o descarte da mão</p><p>de obra humana, substituído pelo trabalho morto (máquina), que implica</p><p>num enorme contingente desempregados ou subempregados desprovidos</p><p>do mínimo existencial, a converter-se em um grave problema social36-37 a</p><p>ser enfrentado pelos governos no porvir. 38</p><p>A conclusão a que se chega, nesse ponto é que a percentagem do PIB de</p><p>uma nação, ou a quantidade de atividades econômicas relacionadas aos</p><p>meios informacionais apesar de criticados por aqueles que como Frank</p><p>Webster entendem tratarem-se de critérios quantitativos servem a eviden-</p><p>ciar que os câmbios sociais advindos do uso da tecnologia computacional</p><p>já exercem preponderância em muitas nações e se não as enquadram como</p><p>sociedades informacionais, as colocam à frente de outras sociedades que</p><p>ainda encontram-se sob o estagio de desenvolvimento industrial.</p><p>36 LORENTZ, Lutiana Nacur; NEVES, Rubia Carneiro. Terceirização feita pelas organi-</p><p>zações empresariais de vigilância e segurança: aspectos trabalhistas, empresariais e a</p><p>Súmula 331, V, DO TST. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, Ano</p><p>XXI, n. 43, mar. 2012, p. 77.</p><p>37 Oberve-se que, o art. 7º, XXVII, da Constituição Federal Brasileira preceitua serem</p><p>direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de</p><p>sua condição social a proteção em face da automação, na forma da lei; por seu turno,</p><p>o art. 170 determina ser a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho</p><p>humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, con-</p><p>forme os ditames da justiça social.</p><p>38 “(...) a complexidade da tecnologia permite uma melhor distribuição do conheci-</p><p>mento. Sua complexidade e custo, entretanto pode servir a intensificar desigualdades</p><p>socialis ou mesmo criar um largo grupo de excluídos, pessoas que não se adequam à</p><p>sociedade da informação.” VAN DIJK, Jan. The network society: social aspects of new</p><p>media. 2. ed. Londres: Sage Publications, 2006, p. 3, trad. livre.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>127</p><p>c. Percepção do espaço e do tempo e a crise de significação</p><p>Analisando o impacto das novas tecnologias, Michael Buckland obser-</p><p>va que “o primeiro efeito destas é reduzir a noção de tempo e espaço”39. As</p><p>Tecnologias da Informação e Comunicação compõem uma infraestrutura</p><p>tecnológica que permite a comunicação computacional em tempo real,</p><p>libertando-nos das barreiras geográficas e temporais sob o ponto de vista</p><p>da interação.40 Viabilizam reuniões de negócios via teleconferência, dão</p><p>acesso a acervos de bibliotecas, museus, sistemas de vigilância, órgãos go-</p><p>vernamentais, empresas, permitem a troca de mensagens via e-mails e</p><p>transações bancárias e, em certas profissões, o trabalho por meios telemá-</p><p>ticos, ante a pura desnecessidade de deslocamento físico do trabalhador até</p><p>o posto de trabalho. Enfim, algo improvável há bem pouco tempo.</p><p>De fato, impressiona quando ao fim de um dia de trabalho, ao chegar-</p><p>mos em casa e sentarmos em nossos sofás com nossos smartphones, verifi-</p><p>carmos no whastapp, caixas de e-mails e redes sociais, que nos comunica-</p><p>mos com muito mais pessoas virtualmente do que face a face, numa evi-</p><p>dente confirmação de que já superamos as barreiras físicas sob o ponto de</p><p>vista da interação e convívio social.</p><p>Por essa razão, Floridi aventa que na sociedade da informação a exis-</p><p>tência passa a ser para além dos cinco sentidos, pois a interação interpes-</p><p>soal torna-se “correlata”, sincronizada (Tempo) e deslocalizada (espaço).</p><p>O mundo físico e o virtual passam a ser ambos componentes de uma</p><p>39 BUCKLAND, Michael. Information and society. Cambridge: The MIT Press, 2017, p.</p><p>49</p><p>40 “As infovias resultam em uma nova ênfase no fluxo da informação (Castels 1996),</p><p>algo que leva para a radical revisão do tempo e espaço no que pertine às relações hu-</p><p>manas” WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres:</p><p>Routledge, 2006, p. 18, trad. livre.</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>128</p><p>mesma realidade interacional41-42.</p><p>Antes do advento das tecnologias computacionais tínhamos acesso, ou</p><p>estávamos submetidos, a uma quantidade significativamente menor de</p><p>informação. Por outro lado, tínhamos muito mais tempo para refletir criti-</p><p>camente sobre aquilo que nos chegava, o que se tornou mais difícil nos</p><p>dias de hoje, com a informação sendo produzida e reproduzida exponenci-</p><p>almente.</p><p>A digitalização, está a permitir a desmaterialização e o acúmulo dos da-</p><p>dos em meios virtuais (bits) numa escala jamais experimentada pela hu-</p><p>manidade. Para ilustrar, em 2003, pesquisadores da Berkeley's School of</p><p>Information Management and Systems estimaram que a humanidade acu-</p><p>mulou aproximadamente 12 exabytes43 44 de dados no curso da sua histó-</p><p>ria até a criação dos computadores. Por outro lado, somente no ano de</p><p>2012, segundo a mesma pesquisa, o armazenamento de informações em</p><p>mídias magnéticas (discos rígidos, CDs, DVDs etc) produziu mais de cin-</p><p>41 “Alguém que faz a clara distinção entre amigo virtual e amigo real provavelmente</p><p>pertence a um grupo mais velho. Falar e sentir que alguém real é somente um ser de</p><p>carne e osso que está na minha frente, e que isso é muito superior a alguém que só</p><p>existe no Instagram, é juízo emitido por uma pessoa que nasceu e foi criado sem a</p><p>tecnologia. KARNAL, Leandro. O Dilema do Porco-Espinho: como encarar a solidão.</p><p>São Paulo: Planeta, 2018, p. 34.</p><p>42 Muitas vezes no mundo virtual nossa figura é chamada de “avatar”, palavra de ori-</p><p>gem Sânscrita que significa reencarnação; transformação ou transfiguração, numa</p><p>alusão a que possuímos vida em uma outra dimensão, a dimensão virtual.</p><p>43 A menor unidade de medida para medir-se dados é o bit. Um único bi” pode ter o</p><p>valor de 0 ou 1. 1 byte equivale a 8 bits; kilobyte equivale a 1000¹ bytes; 1 megagyte</p><p>equivale a 1000² bytes; 1 gigabyte equivale a 1000³ bytes; 1 terabyte equivale a</p><p>10004 bytes; 1 petabyte equivale a 10005 bytes; 1 exabyte equivale a 10006 “bytes”.</p><p>Disponível em: https://techterms.com/help/data_storage_units_of_measurement.</p><p>Acesso em: 11 abr. 2020.</p><p>44 “(...) gravado num vídeo de qualidade DVD um “exabyte” de dados, dispenderia 50</p><p>mil anos para ser completamente reproduzido”. In: FLORIDI,</p><p>Luciano. Information:</p><p>a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 11, trad. livre.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>129</p><p>co exabytes, o equivalente a quase 800 megabytes (MB) de dados por pes-</p><p>soa.45 Atualmente, sequer se prescinde de meios físicos de armazenamento</p><p>(CDs, pendrives, HDs) graças ao armazenamento em nuvem nos provedo-</p><p>res de hospedagem, que permitem o armazenamento de dados em servido-</p><p>res de acesso remoto46.</p><p>Por consequência, quantidade de informação disponível atualmente</p><p>aumentou exponencialmente, a quantidade de músicas, livros, filmes, in-</p><p>formações educacionais disponíveis.</p><p>Para Jean Baudrillard, tanta informação acaba por gerar uma falta de</p><p>significação da própria vida, um “colapso de significados”, nas palavras do</p><p>escritor. Nas sociedades moderna, “há mais e mais informação e cada vez</p><p>menos significado”47 esse volume absurdo de informação, de certa forma</p><p>acaba por desnortear os cidadãos, pois os fatos e dados vêm de tantas dire-</p><p>ções e são tão diversos, mutáveis e contraditórios que o seu poder de sim-</p><p>bolização se esmaece, gerando uma crise de confiabilidade, de maneira que</p><p>a sociedade da informação está plena de informações sem significado.</p><p>A cobertura midiática da Guerra do Golfo, na década de 90 ilustra bem</p><p>esse contexto. Durante aquele conflito, as emissoras de televisão realiza-</p><p>ram a cobertura, de forma fracionada em “capítulos” diários, como um</p><p>folhetim, com imagens noturnas dos bombardeios americanos, semelhan-</p><p>tes a um videogame, impossibilitando ao receptor da informação refletir</p><p>de forma crítica sobre os motivos a guerra em si.48</p><p>45 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, p. 11.</p><p>46 ARAÚJO, Marcelo Barreto de. Comércio Eletronico; Marco Civil da Internet. Direito</p><p>Digital. Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Tu-</p><p>rismo, 2017, p. 94.</p><p>47 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 20</p><p>48 “A Guerra do Golfo serviu como um divisor de aguas nessa longa história. Pela pri-</p><p>meira vez, uma guerra era transmitida “ao vivo”, em tempo real, por uma rede de al-</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>130</p><p>Fenômeno mais recente, as “fake news” contribuem para desnortear a</p><p>população, espalhando rapidamente informações inverídicas sobre fatos</p><p>diversos, também através dos nossos equipamentos informacionais, con-</p><p>tribuindo em boa medida para “crise de significação” da vida, observada</p><p>por Baudrillard.</p><p>Apesar de tais fatores já serem bastantes para observadores como Flori-</p><p>di admitirem a chegada da sociedade da informação, outros, a exemplo de</p><p>Frank Webster são céticos e afirmam que na verdade, trata-se somente de</p><p>um sistema tecnológico, de uma ferramenta, que permite transmitir um</p><p>grande volume de informações, muito atualmente graças às redes digitais</p><p>as ISDN (Integrated Services Digital Network).</p><p>4. Considerações finais</p><p>A maioria dos teóricos discorre sobre a sociedade da informação no</p><p>momento presente, interrogando se de fato já existem sociedades que atin-</p><p>giram um patamar de diferenciação evolucional baseado na tecnologia</p><p>computacional.</p><p>Luciano Floridi49, por exemplo, se dá por convencido de que algumas</p><p>sociedades já podem ser assim consideradas a exemplo de Canadá, França,</p><p>cance planetário (a CNN Cable News Network, CNN), graças a um satélite retrans-</p><p>missor estrategicamente colocado em órbita polar estacionária. Também foi a pri-</p><p>meira vez que se utilizou, em larga escala, a técnica de transmissão de imagens digita-</p><p>lizadas (isto é, criadas por um processo de simulação). E - e outro fato inédito – a</p><p>grande personagem da guerra, ao contrário daquilo que, apenas em certa medida,</p><p>havia caracterizado a Guerra do Vietnã, nos anos 60, não foi o homem, os horrores,</p><p>ódios e esperanças provocados pela destruição, mas a tecnologia, as armas “inteligen-</p><p>tes”, as operações “cirúrgicas”. In. ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia</p><p>como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001, p. 31.</p><p>49 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, passim.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>131</p><p>Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos50, diante do fato de</p><p>a organização social daquelas nações, (economia, política, direito, traba-</p><p>lho, universidades, relações interpessoais em geral etc), encontrar-se direta</p><p>ou indiretamente amparada no uso intensivo dos meios computacionais</p><p>aliados às Tecnologias da Comunicação e Informação.</p><p>Outros, a exemplo de Frank Webster adotam postura mais cética e co-</p><p>medida, defendendo que os avanços informacionais, apesar de terem sido</p><p>assimilados pelas sociedades ditas “mais avançadas”, desde a década de</p><p>1960, ainda não resultaram em mudanças estruturais em nível social e</p><p>pessoal, mas tão-somente “informatizaram”51 a vida moderna. Referido</p><p>autor ainda admoesta que “não podemos confundir a indispensabilidade</p><p>do fenômeno”, a popularização dos meios tecnológicos informacionais,</p><p>com “a capacidade de definir uma ordem social.” 52</p><p>Mesmo para os que se alinham à conclusão de Webster, parece inegá-</p><p>vel, que a longo prazo, a sociedade da informação tornar-se-á o modelo</p><p>prevalecente, implicando numa inexorável mudança das estruturas sociais</p><p>do século passado, que já está em curso nesse primeiro quarto de século</p><p>XXI53.</p><p>O grande desafio que se impõe, quando se vislumbra esse futuro, dirá</p><p>respeito a fazer com que a tecnologia informacional, enquanto criação</p><p>humana54, seja algo que de fato sirva a promover o bem geral, irrestrito e</p><p>50 FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Oxford Universi-</p><p>ty Press, 2010, p. 9.</p><p>51 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 31.</p><p>52 WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres: Routledge,</p><p>2006, p. 23.</p><p>53 SUSSKIND Daniel. Artificial intelligence and its impact in leadership. Bled: IEDC,</p><p>2018.</p><p>54 PASQUALE, Frank. The Black Box Society: the secret algorithms that control money</p><p>and information. Cambridge: Harvard University Press, 2015, p. 198.</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>132</p><p>de forma sustentável. Não se poderá perder noção de que é o Homem o</p><p>criador e também o destinatário da tecnologia. A regulação dessa nova</p><p>realidade é uma das metas dos Estados Sociais, que já começa a ser imple-</p><p>mentada por muitas nações nesse início de século55.</p><p>Desse modo, espera-se que a Sociedade da Informação espelhe nossos</p><p>valores sociais mais caros, mormente o livre desenvolvimento da persona-</p><p>lidade, a noção de equidade e de direitos humanos, e ainda, permita o</p><p>exercício da cidadania, a livre iniciativa56, o bem estar individual e coleti-</p><p>vo, seja no meio ambiente material ou digital, prestigiando-se sempre a</p><p>finalidade social das tecnologias, a serviço da humanidade.</p><p>Referências</p><p>ARAÚJO, Marcelo Barreto de. Comércio Eletronico; Marco Civil da Inter-</p><p>net. Direito Digital. Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comér-</p><p>cio de Bens, Serviços e Turismo, 2017.</p><p>ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Pau-</p><p>lo: Casa Amarela, 2001.</p><p>ARNT, Ricardo. O dia das máquinas inteligentes. Revista Planeta: Conhe-</p><p>ça o mundo, descubra você, v. 3, out. 2011. p. 30-35.</p><p>ATLAS DA HISTÓRIA DO MUNDO. Encarte das edições de domingo da</p><p>Folha de S. Paulo de 12 de março a 22 de outubro de 1995. 1ª edição</p><p>brasileira: 1995. “The Times Atlas of Word History”. Times Books</p><p>Ltd., Londres.</p><p>BUCKLAND, Michael. Information and society. Cambridge: The MIT</p><p>55 A exemplo do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965</p><p>de 2014) e da Lei Geral de Pro-</p><p>teção de Dados (Lei nº 13.709 de 2018), dentre outras leis já promulgadas no brasil.</p><p>56 MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e Promoção à Pessoa:</p><p>Empoderamento Humano na Concretude de Novos Direitos Fundamentais. In:</p><p>MARTINS, Fernando Rodrigues. Direito privado e policontexturalidade: fontes, fun-</p><p>damentos e emancipação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 415.</p><p>Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>133</p><p>Press, 2017.</p><p>CATANI, Afranio M. O que é capitalismo. Com a colaboração de Adilson</p><p>Marques Gennari. 28. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.</p><p>CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia,</p><p>sociedade e cultura, v. 1. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.</p><p>DUFF, Alistair. Information society studies. Londres: Routledge, 2000.</p><p>FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o di-</p><p>cionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,</p><p>1999.</p><p>FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. Oxford: Ox-</p><p>ford University Press, 2010.</p><p>FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment:</p><p>how susceptible are jobs to computerisation? 2013. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2VMzf6s. Acesso em: 15 mar. 2020.</p><p>FUCHS, Christian. Internet and society: social theory in the information</p><p>age. Londres: Routledge, 2008.</p><p>HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tra-</p><p>dução de Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das letras, 2016.</p><p>KARNAL, Leandro. O Dilema do Porco-Espinho: como encarar a solidão.</p><p>São Paulo: Planeta, 2018.</p><p>LESSIG, Lawrence. Code 2.0. 2. ed. Nova York: Basic Books, 2006.</p><p>LORENTZ, Lutiana Nacur; NEVES, Rubia Carneiro. Terceirização feita</p><p>pelas organizações empresariais de vigilância e segurança: aspectos</p><p>trabalhistas, empresariais e a Súmula 331, V, DO TST. Revista do Mi-</p><p>nistério Público do Trabalho, Brasília, Ano XXI, n. 43, mar. 2012.</p><p>MACHLUP, Fritz. Knowledge: Its Creation, Distribution and Economic</p><p>Significance, Volume III. Princeton: Princeton University Press, 1984.</p><p>MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e Promoção à</p><p>Pessoa: Empoderamento Humano na Concretude de Novos Direitos</p><p>Fundamentais. In: MARTINS, Fernando Rodrigues. Direito privado e</p><p>policontexturalidade: fontes, fundamentos e emancipação. Rio de Ja-</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>134</p><p>neiro: Lumen Juris, 2018.</p><p>MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 6 vols. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand, 1994.</p><p>MOELLER, Carolin. Are we prepared for the 4th Industrial Revolution?</p><p>Data protection and data security challenges of Industry 4.0 in the EU</p><p>Context. In: LEENES, Ronald; VAN BRAKEL, Rosamunde; GUT-</p><p>WIRTH, Serge; DE HERT, Paul (Eds.). Data protection and privacy:</p><p>the age of intelligent machines. Oxford: Hart Publishing, 2017.</p><p>NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. São Paulo: Barsa Consultoria Editorial</p><p>Ltda., 1001, v. 4.</p><p>PASQUALE, Frank. The Black Box Society: the secret algorithms that con-</p><p>trol money and information. Cambridge: Harvard University Press,</p><p>2015.</p><p>SUSSKIND Daniel. Artificial intelligence and its impact in leadership. Bled:</p><p>IEDC, 2018.</p><p>VAN AUDENHOVE, Leo. Theories on the Information Society and Devel-</p><p>opment Recent theoretical contributions and their relevance for the de-</p><p>veloping world. Disponível em: https://bit.ly/3f19gzH. Acesso em: 15</p><p>mar. 2020.</p><p>VAN DIJK, Jan. The network society: social aspects of new media. 2. ed.</p><p>Londres: Sage Publications, 2006.</p><p>WEBSTER, Frank. Theories of the information society. 3. ed. Londres:</p><p>Routledge, 2006.</p><p>__________________________________________________</p><p>NASCIMENTO, Felipe Cunha. Já vivemos na sociedade da informação?</p><p>In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Mou-</p><p>ra (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira Aguiar; REIS, Guilherme</p><p>(Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciência jurídica na sociedade da</p><p>informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp. 90-134.</p><p>__________________________________________________</p><p>135</p><p>CONCEITOS ESSENCIAIS SOBRE A</p><p>SOCIEDADE EM REDE</p><p>5</p><p>Rodrigo Gugliara</p><p>Bianca Camargo Fischer</p><p>1. Introdução</p><p>Desde o século XX, o uso da Internet e das redes de computadores pro-</p><p>grediu exponencialmente. O desenvolvimento de suas ferramentas, por</p><p>cientistas e profissionais de tecnologias da informação e telecomunicações,</p><p>conferiu automatizações, desintermediações e inovações em diversos seto-</p><p>res estruturais da sociedade como: econômicos, culturais, políticos, sociais,</p><p>entre outros. Além disso, uma das grandes inovações da utilização das</p><p>redes e da Internet foi o aparato de comunicação entre inúmeros indiví-</p><p>duos, de diversos locais do mundo e de forma instantânea, alterando a</p><p>percepção humana acerca de duas principais dimensões da matéria: o</p><p>tempo e o espaço.</p><p>Nesse contexto de aproximação de pessoas, em nível global, a rede tor-</p><p>nou-se um ambiente inovador e dinâmico. Com o advento da Internet,</p><p>nasceu uma nova forma de organização social: a sociedade em rede. Desde</p><p>a formação à sua expansão, foram incalculáveis as decorrências no plano</p><p>existencial: surgimento de novos comportamentos, relacionamentos, for-</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>136</p><p>mas de mercado, tipos de consumo, dentre outras, que, atualmente, conti-</p><p>nuam surgindo e modificando-se, sendo possível fazer recortes destas para</p><p>reflexão, críticas e observações.</p><p>Nesse contexto, o presente estudo tem por finalidade abordar al-</p><p>guns breves conceitos intrinsecamente relacionados à sociedade em rede,</p><p>especialmente a partir da análise de obras de autores com diferentes con-</p><p>ceitos acerca do assunto como Manuel Castells na obra The Rise of</p><p>Network Society1 e Jan Van Dijk em The Network Society2. Tais autores</p><p>foram adotados como base para o presente estudo, uma vez que figuram</p><p>como referencial teórico do tema. Van Dijk como pioneiro na percepção</p><p>das circunstâncias que ensejaram as modificações sociais na percepção da</p><p>chamada sociedade em rede e Castells como responsável por rever os con-</p><p>ceitos de Van Dijk, trazendo em seus estudos determinadas críticas e con-</p><p>trapontos a visão do seu precursor.</p><p>Na obra de Van Dijk o autor trata de inúmeros conceitos sociais que fo-</p><p>ram efetivamente modificados através da denominada sociedade em rede,</p><p>tais como cultura, economia, direito e outros. Com início em sucintos</p><p>apontamentos sobre o histórico do nascimento da internet, o presente</p><p>estudo abordará a política e a noção de tempo e espaço como elementos</p><p>sociais estruturais atingidos pela sociedade em rede e, em seguida, tratará</p><p>sucintamente sobre as substanciais mudanças causadas pela sociedade em</p><p>rede na economia, buscando sempre apontar o elo entre tais conceitos e a</p><p>realidade vivenciada atualmente por todos nós.</p><p>2. Breve contexto histórico acerca do surgimento da Internet</p><p>A priori, de forma geral, convenciona-se que as utilizações da Internet</p><p>1 CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy,</p><p>society, and culture. 2. ed. Oxford/West Sussex: Wiley-Blackwell, 2010, v. 1.</p><p>2 VAN DIJK, Jan. The network society. 2. ed. Londres: Sage Publications, 2006.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>137</p><p>ocorreram no âmbito militar. Tal ferramenta fora útil às estratégias de</p><p>conquista de território e telecomunicações na corrida indireta armamen-</p><p>tista e espacial entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, duran-</p><p>te a Guerra Fria, em meados da década de 1960.</p><p>A Internet foi um instrumento de tática de guerra utilizada pela Defesa</p><p>Americana, que construiu uma rede de comunicação por meio de compu-</p><p>tadores, e cada um deles consistia em um “nó”3. A perda de um dos nós</p><p>não afetava o todo4, ou seja, ainda que inimigos bombardeassem um deles,</p><p>os outros continuariam em funcionamento, dando continuidade à comu-</p><p>nicação entre as bases militares e o departamento de pesquisas do governo</p><p>americano. A estratégia dos nós descentralizava</p><p>a operação e reduzia o</p><p>risco inerente. Essa rede era intitulada como Advanced Research Projects</p><p>Agency (ARPANET)5, criada no Pentágono, e foi pioneira do que conhe-</p><p>3 MILLÁN, José Antônio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la guerra</p><p>fría. Protagonistas del Siglo XX. Coleccionable de El País, Espanha, n. 31, p. 1-5, no-</p><p>vembro 1999.</p><p>4 MILLÁN, José Antônio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la guerra</p><p>fría, p. 2, 1999. No trecho extraído da obra original, observa-se a explanação técnica</p><p>acerca do que representam os nós na rede da Internet, expressão que será utilizada</p><p>por outros autores contemporâneos, como Manuel Castells: “La solución era una red</p><p>compuesta por ordenadores en la que todos los nodos (o intersecciones) tuvieran la</p><p>misma importancia, de tal forma que la desaparición de uno de ellos no afectara al</p><p>tráfico: cada nodo de la red decidiría qué ruta seguirían los datos que llegaran a él. Por</p><p>último, los datos se dividirían en "paquetes", que podrían seguir distintas rutas, pero</p><p>que deberían reunirse en el punto de destino”.</p><p>5 SIMON, Imre. A ARPANET. Publicação no site do Instituto de Matemática de Esta-</p><p>tística da Universidade de São Paulo (USP). Disponível em</p><p>, julho de 1997. “A idéia da</p><p>construção de uma rede de computadores que pudessem trocar informações surgiu</p><p>no “Advanced Research Projects Agency'”, ARPA, do Departamento de Defesa dos</p><p>EUA quando, em 1962, a Agência contratou J.C.R. Licklider [31, 32, 33] para liderar</p><p>as suas novas iniciativas através do “Information Processing Techniques” Office'', IP-</p><p>TO, da Agência. Um dos sonhos de Licklider era uma rede de computadores que</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>138</p><p>cemos por um sistema de redes. A ARPANET cresceu exponencialmente,</p><p>sendo necessário substituir o protocolo de comutação de pacotes (unidade</p><p>de transferência de informação), chamado Network Control Protocol</p><p>(NCP)6 para os protocolos ITC/IP7, que são, atualmente, as bases técnicas</p><p>atuais de comunicação via Internet.</p><p>Contudo, esse foi apenas o início da utilização dessa tecnologia.</p><p>Por volta dos anos 60, institutos acadêmicos e de pesquisa, como o Massa-</p><p>chussetts Institute of Technology e a RAND Corporation8, começaram a</p><p>elaborar projetos para utilização de dados e transmissão em redes. O pri-</p><p>meiro “nó” aberto à população, em grande escala, iniciou-se com o lança-</p><p>mento do satélite Sputnik pela União Soviética, possibilitando a futura</p><p>transmissão, a nível global, da chegada de Neil Armstrong à lua, através de</p><p>uma rede que utilizou diversos meios: satélites, rádio, televisores, entre</p><p>outros.</p><p>permitisse o trabalho cooperativo em grupos, mesmo que fossem integrados por pes-</p><p>soas geograficamente distantes, além de permitir o compartilhamento de recursos es-</p><p>cassos, como, por exemplo o super-computador ILLIAC IV, em construção na Uni-</p><p>versidade de Illinois, com o patrocínio da própria ARPA”.</p><p>6 O Network Control Protocol foi o primeiro protocolo servidor a servidor da ARPA-</p><p>NET, que permitia a interligação dos centros de pesquisa e militares sem a necessi-</p><p>dade de um ponto central definido. Todavia, após a abertura da rede para utilização,</p><p>nas universidades, por exemplo, acabou restando inadequado, sendo forçosa a cria-</p><p>ção de um protocolo livre de inconsistências.</p><p>7 O protocolo TCP/IP é o principal protocolo utilizado hodiernamente para envio e</p><p>recebimento de dados na rede mundial de computadores. Após desenvolvido, obser-</p><p>vou-se que ele não apenas resolveu as inconsistências do protocolo anterior</p><p>(Network Control Protocol), mas permitiu uma expansão sem precedentes de comu-</p><p>nicação entre os computadores em rede.</p><p>8 A RAND Corporation é uma instituição sem fins lucrativos, atua como uma entidade</p><p>que desenvolve pesquisas e análises para o Departamento de Defesa dos Estados</p><p>Unidos no modelo “think tank”, que consistem em instituições e/ou grupos formado</p><p>por especialistas, que desenvolvem ideias e pesquisas, de natureza investigativa e re-</p><p>flexiva, acerca de diversos ramos estruturais da sociedade.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>139</p><p>O segundo “nó”, surgiu no Stanford Research Institute (SRI) pelo D.</p><p>Engelbart9, o precursor na criação de compartilhamento de informações</p><p>por texto, imagens e sons através do hipertexto, lido no meio digital, em</p><p>que havia interligações não apenas de máquinas, mas de pessoas e, sendo</p><p>assim, tornando possível a interação entre elas. Após, diversos outros pes-</p><p>quisadores e acadêmicos empenharam-se em criar mecanismos de com-</p><p>partilhamento de informações através da Internet visando o desenvolvi-</p><p>mento do mundo científico na rede.</p><p>Em 1983, há uma separação efetiva entre a utilização das redes em nível</p><p>militar, que passou de ARPANet para MILNET, e civil. Neste cenário,</p><p>surgiram novos servidores e domínios na Internet, ficando conhecido co-</p><p>mo “cyberspace”10, expressão criada por Willian Gibson.</p><p>Em 198511, surgiu uma das primeiras comunidades virtual de usuários,</p><p>a WELL (Whole Earth ‘Lectronic Link)12, criada pela revista Whole Earth</p><p>Review13, em que diversos usuários passaram a abordar interesses em co-</p><p>muns, como esportes, entretenimento, política, comércio, saúde e etc., em</p><p>fóruns e salas de bate-papo, ficando também, um banco de dados com</p><p>artigos sobre os temas discutidos à disposição para cada participante, e</p><p>conseguia-se visualizar os perfis de cada integrante e seus endereços ele-</p><p>trônicos.</p><p>9 MILLÁN, José Antônio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la guerra</p><p>fría., p. 2, novembro 1999.</p><p>10 MILLÁN, José Antônio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la guerra</p><p>fría., p. 2, novembro 1999. “En 1984 William Gibson novelaba el nuevo mundo y</p><p>acuñaba el término "ciberespacio"”.</p><p>11 WELL. About. What is the WELL? [S.I], [2018?]. Disponível em</p><p>https://well.com/about-2/. Acesso em 12/04/2020.</p><p>12 Traduzido do inglês para o português: O link “eletrônico” de toda a Terra, normal-</p><p>mente reduzido para The WELL, é uma das mais antigas comunidades virtuais em</p><p>operação contínua.</p><p>13 Traduzido do inglês para o português: Revista de Toda a Terra.</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>140</p><p>Em 1989, as instituições já criavam suas próprias redes de comunica-</p><p>ção, como a NASA. O número de servidores, na rede mundial, já ultrapas-</p><p>sava os seis dígitos. Então, o físico e cientista da computação Tim Berners-</p><p>Lee, elabora um projeto de hipertexto compartilhado: o World Wide Web</p><p>(WWW) para interligar os cientistas e acadêmicos, com as bases de leitura</p><p>HTTP 14e HTML15, que fora lançado ao público em 1993, através do nave-</p><p>gador Mosaic16.</p><p>Com o avanço desmedido tecnológico da Internet, do acesso às redes</p><p>de comunicação e dados, as informações eram, naquele contexto, compar-</p><p>tilhadas por mais de um milhão de usuários. Com isso, surgiram as pri-</p><p>meiras discussões sobre a proteção de dados, no que diz respeito à liberda-</p><p>de de expressão e segurança, sendo criada em 1992, a Internet Society, que</p><p>desenvolveu a Electronic Frontier Foundation, com objetivo de proteger</p><p>ciberdireitos, por meio de encriptação de dados por protocolos, desenvol-</p><p>vendo um dos primeiros softwares de criptografia aberta: Pretty Good Pri-</p><p>vacy17.</p><p>Foi então, a partir da década de 90, que começou um crescimento de-</p><p>14 Hypertext Transfer Protocol, traduzido para o português: Protocolo de Transferência</p><p>de Hipertexto. Consiste num protocolo de comunicação que permite a transferência</p><p>de dados ent</p><p>15 HyperText Markup Language, traduzido para o português: Linguagem dre redes de</p><p>computadores, visualização e leitura de seu conteúdo,</p><p>utilizado principalmente na</p><p>World Wide Web (internet). Uma das camadas do protocolo ITC/IP. Referida lin-</p><p>guagem é utilizada para construção e estruturação de páginas web. Hoje, não define a</p><p>necessariamente a aparência, visto que a formatação visual é feita via CSS, JavaScript,</p><p>entre outros.</p><p>16 MILLÁN, José Antônio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la guerra</p><p>fría, p. 3, 1999. “Con la extensión de los ordenadores personales y el lanzamiento del</p><p>primer navegador de la WWW popular, Mosaic, en 1993, ya había llegado el momento</p><p>de "surfear la Web" (la expresión se registró por primera vez ese mismo año).”</p><p>17 Software de criptografia que confere autenticação, bem como privacidade criptográ-</p><p>fica na comunicação de dados em rede.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>141</p><p>senfreado da rede, dando origem a um fenômeno conhecido como “bolha</p><p>da internet”18 ou “bolha das empresas ponto com”, que era uma represen-</p><p>tação da alta das ações das novas empresas de tecnologia da informação e</p><p>comunicação baseadas na Internet.</p><p>No Brasil, em 1989, foi lançada a Rede Nacional de Pesquisa (RNP)19,</p><p>pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, com o objetivo de implantar uma</p><p>infraestrutura com abrangência nacional para os serviços de internet, que</p><p>era restrito, até então, ao âmbito acadêmico20 e militar. A Fundação tam-</p><p>bém ficou encarregada da administração do domínio “.br” e da distribui-</p><p>ção dos números IP21 para o Brasil.</p><p>Nessa mesma década, surgiram alguns navegadores, como o Internet</p><p>Explorer, bem como, a empresa que é conhecida como o gigante buscador</p><p>da Internet: a Google LCC, por Larry Page e Sergey Brin22. Além disso,</p><p>surgiam novas empresas de e-commerce, movimentadoras do comércio de</p><p>eletrônicos, computação em nuvem, streaming digital e inteligência artifi-</p><p>cial, sendo a pioneira delas a Amazon.com Inc., fundada em 1994.</p><p>Os usuários começaram, então, a conectar-se intensamente, não apenas</p><p>18 DEMENTSHUK, Márcia, Pássaros voam em bando, p. 571, 2019. E-book.</p><p>19 DEMENTSHUK, Márcia, Pássaros voam em bando, p. 377, 2019. E-book: “O projeto</p><p>da Rede Nacional de Pesquisa foi lançado em setembro de 1989, durante o 22º Con-</p><p>gresso da Sucesu, realizado nos dias 18, 19 e 20, em São Paulo, o evento mais tradici-</p><p>onal em informática no Brasil, com feira de exposição, congresso, conferências e pai-</p><p>néis. Eram esperados cerca de 400 mil visitantes. O Secretário Especial de Ciência e</p><p>Tecnologia, Décio Leal Zagottis, fez o anúncio oficial da RNP durante uma sessão es-</p><p>pecial e o projeto era detalhado para quem chegasse ao estande da RNP na feira, com</p><p>demonstrações de conectividade em computadores”.</p><p>20 Dentre os recursos para a implantação da RNP e atividades afins estavam os do</p><p>CNPq e a Finep.</p><p>21 Internet Protocol, na língua portuguesa: Protocolo de Internet. Consiste num identi-</p><p>ficador numérico (como um endereço) atribuído a cada dispositivo conectado a uma</p><p>rede de computadores.</p><p>22 DEMENTSHUK, Márcia, Ibidem, p. 442, 2019.</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>142</p><p>nas comunidades virtuais como a WELL e em sites de domínio WWW,</p><p>mas nas famosas redes sociais, sendo a primeira a surgir intitulada como</p><p>ClassMates.com, em 199523, que possibilitava reencontros entre ex-</p><p>estudantes. Com a chegada do século 2000, surgiram outras diversas redes</p><p>sociais, como MySpace, LinkedIn, Orkut, Facebook e Twitter, quase todas</p><p>utilizadas até hoje. A partir disso, foram desenvolvidas demais plataformas</p><p>que são amplamente utilizadas e exploradas com diversos fins sociais, co-</p><p>mo o Instagram e WhatsApp, chegando até os dias atuais, numa escala de</p><p>desenvolvimento e inovações enérgica.</p><p>Em uma metáfora, Van Dijk afirma que o avanço informacional, decor-</p><p>rente do desenvolvimento e expansão tecnológicos, é como estradas invi-</p><p>síveis. Segundo o referido autor “Essas estradas são de informação e co-</p><p>municação. Aparentemente elas são parte de uma realidade abstrata e pou-</p><p>co visível. Podemos vê-las como mais um cabo entrando em nossas ca-</p><p>sas”24 e conclui indicando que não estamos dependentes apenas cabos de</p><p>eletricidade, linhas de gás e encanamento de água, mas também das redes</p><p>de internet25.</p><p>3. A política e a noção de tempo e espaço na sociedade em rede</p><p>A sociedade pode ser considerada como um organismo que está sempre</p><p>em mutação. Desse modo, vivemos em uma sociedade que está sofrendo</p><p>severas modificações em sua estrutura desde os anos 60. Os autores Jan</p><p>Van Dijk e Manuel Castells em estudos muito à frente de sua época, já nos</p><p>anos 90, perceberam que a sociedade caminhava ao que foi denominado</p><p>de sociedade em rede.</p><p>As mudanças trazidas pela Internet não ocorreram apenas no âmbito</p><p>23 CASEIRITO, Marta Susana. Redes sociais de professores: Um estudo de caso. 2012. p.</p><p>31.</p><p>24 VAN DIJK, Jan. The network society. 2. ed. Londres: Sage Publications, 2006, p. 01.</p><p>25 Ibidem, p. 01.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>143</p><p>tecnológico, mas também impactaram substancialmente a estrutura da</p><p>sociedade. Primeiramente, observa-se que esta passou de industrial para</p><p>informacional26 em meados da década de 90, experimentando novas ten-</p><p>dências de comércio, mercado e comunicação e por meio de vasta utiliza-</p><p>ção de dados e informações, foram disseminadas novas formas de liberda-</p><p>de de expressão, cultura, e acesso ao conhecimento. A informação e o co-</p><p>nhecimento tornaram-se pilares fundamentais das dinâmicas sociais.</p><p>Segundo Faleiros Júnior27, o autor Jan Van Dijk denomina a informa-</p><p>ção da nova sociedade em rede como a substância social contemporânea e</p><p>descreve que ela mesmo amolda-se dentro das estruturas organizacionais,</p><p>gerando impactos nos níveis individuais, organizacionais e sociais, bem</p><p>como modificando a compreensão acerca do tempo, espaço e privacidade.</p><p>Manuel Castells, escritor e sociólogo espanhol, desenvolveu o conceito</p><p>de sociedade em rede após o precursor Jan Van Dijk, e definiu a sociedade</p><p>em rede como uma nova arquitetura dos indivíduos relacionando-se em</p><p>uma realidade virtual. Nessa rede, cada usuário seria como um nó numa</p><p>estrutura aberta multidirecional e multidimensional28. Para ele, as redes de</p><p>26 CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy,</p><p>society, and culture, p. 119, 2010. “It is informal because the productivity and compet-</p><p>itiveness of units or agents in this economy (be it firms, regions, or nations) fundamen-</p><p>tally depend upon their capacity to generate, process, and apply efficiently knowledge-</p><p>based information”.</p><p>27 VAN DIJK, Jan apud FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. The Network Society,</p><p>de Jan van Dijk. Revista Faculdade de Direito da UFU, Uberlândia, v. 47, n. 1,</p><p>jan./jun. 2019, p. 406-414, p. 408.</p><p>28 CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy,</p><p>society, and culture, p. 566, 2010. Traduzido para o português: “o que é um nó de-</p><p>pende do tipo de redes concretas (...). São mercados de bolsas de valores e suas cen-</p><p>trais de serviços auxiliares avançados na rede dos fluxos financeiros globais. São con-</p><p>selhos nacionais de ministros e comissários europeus da rede política que governa a</p><p>União Européia. São campos de coca e papoula, laboratórios clandestinos, pistas de</p><p>aterrisagem secretas, gangues de rua e instituições financeiras para lavagem de di-</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>144</p><p>comunicação entre os indivíduos sempre existiram, mas com a tecnologia,</p><p>foi possível instrumentalizá-la pelo computador, celular e demais apare-</p><p>lhos conectados à Internet e como resultado, despareceram diversas bar-</p><p>reiras de comunicação entre diversos locais, aproximando assim diversas</p><p>culturas e sociedades, relativizando as barreiras geográficas.</p><p>Atualmente, após aproximadamente 30 anos da publicação do primeiro</p><p>estudo de Van Dijk, podemos perceber na sociedade diversas circunstân-</p><p>cias já apontadas por ele. Uma das mudanças sociais na sociedade em rede</p><p>informatizada foi a integração entre diversas comunidades para debates</p><p>sobre política, cidadania e participação social, não sendo mais restrito</p><p>apenas aos grupos sociais detentores de poder econômico, isto é, cada vez</p><p>a informação passa a ser mais democrática. Frise-se que ainda existem</p><p>países em desvantagem econômica em uma lenta inclusão de acesso à In-</p><p>ternet. Contudo, não raras vezes surgem novas iniciativas cujo principal</p><p>objetivo é fomentar o acesso à internet, como ocorre no projeto Starlink29.</p><p>Mesmo com a existência de diversos obstáculos, podemos verificar que</p><p>diversos grupos têm se organizado para reivindicar direitos sociais, reu-</p><p>nindo adeptos através da rede. Um exemplo foi a organização do movi-</p><p>mento Zapatista, através da rede, constituído por diversos cidadãos do</p><p>México, de raízes indígenas30. Em que pese ter surgido em meados de</p><p>1910, no final no final da década de 90, durante a emersão da Internet, o</p><p>nheiro na rede de tráfico de drogas que invade as economias, sociedades e Estados do</p><p>mundo inteiro. São sistemas de televisão, estúdios de entretenimento, meios de com-</p><p>putação gráfica, equipes para cobertura jornalística e equipamentos móveis gerando,</p><p>transmitindo e recebendo sinais na rede global da nova mídia no âmago da expressão</p><p>cultural e da opinião pública, na era da informação”.</p><p>29 Starlink Mission é um ambicioso projeto da empresa SpaceX, comandado pelo em-</p><p>presário Elon Musk, que consiste em colocar em órbita uma constelação de satélites</p><p>que fornecerão banda larga até as localidades mais distantes do planeta.</p><p>30 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução: Klauss Brandini Gerhardt.</p><p>v.2, p. 103.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>145</p><p>grupo ganhou nova roupagem e força, lutando contra a marginalização e</p><p>pelo rompimento a estrutura tradicional política. Os seus integrantes utili-</p><p>zaram a Internet para coordenar seus eventos, por meio de websites e ser-</p><p>vidores de rede.</p><p>Experimentou-se também, o uso da Internet para organização social e</p><p>política no território brasileiro, em 2013, conhecida como Jornadas de</p><p>Julho. Inicialmente, os cidadãos organizaram-se para protestar contra o</p><p>aumento dos transportes público, contudo, o movimento ganhou maiores</p><p>proporções e diferentes pautas e vertentes ideológicas. Foi arquitetada uma</p><p>grande mobilização social através da Internet, com o uso de celulares e</p><p>aparatos tecnológicos às mãos dos brasileiros.</p><p>Tais acontecimentos históricos deixaram um legado, de que a sociedade</p><p>tem a força de organizar-se politicamente e que movimentos sociais po-</p><p>dem unir forças e adeptos através da Internet. Diante de tantas mudanças</p><p>sociais, observa-se que diversas pessoas, de suas casas, trabalhos, escolas,</p><p>faculdades e inúmeros lugares, se organizam e têm acesso às informações</p><p>em tempos diferentes. Surge, então um questionamento: como se define o</p><p>tempo e o espaço na sociedade em rede?</p><p>Castells utiliza os termos timeless time e space of flows31 para exemplifi-</p><p>car tais conceitos. No primeiro caso, pare ele, há uma desordenação de</p><p>tempo na interação dos usuários, sendo a percepção entre os indivíduos</p><p>diferente de uma conversa pessoalmente. Sobre o espaço, observou que é</p><p>possível ao indivíduo participar de vários lugares e realizar atos simultâ-</p><p>31 Traduzidos para a língua portuguesa: tempo intertemporal e espaço de fluxos. CAS-</p><p>TELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy, so-</p><p>ciety, and culture, p. 232, 2010. Castells, no capítulo 6 de sua obra “a sociedade em</p><p>rede”, afirma que o espaço e o tempo são as principais dimensões materiais da vida</p><p>humana. Contudo, em seu estudo, convida o leitor a refletir que as formas sociais de</p><p>tempo e espaço não mais limitam-se às percepções obtidas até então, visto a ocorrên-</p><p>cia de transformações na estrutura histórica atual, por meio às tecnologias de infor-</p><p>mação e comunicações.</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>146</p><p>neos, verbi gratia: pesquisar na Internet, ouvir podcasts e atualizar o Face-</p><p>book, além das plataformas de interação entre pessoas em diversos locais,</p><p>como o Skype e Zoom, em tempo real.</p><p>Cumpre mencionar que a sociedade em rede organizada na Internet</p><p>experimentou uma nova dinâmica de relação interpessoal. As ferramentas</p><p>tecnológicas aceleraram a obtenção de informações e comunicações entre</p><p>os indivíduos, possibilitando o surgimento de novos movimentos ideoló-</p><p>gicos e culturais. Foram experimentadas novas formas de exercer a cida-</p><p>dania, fortificando-se a democracia. Ademais, foram otimizadas tarefas</p><p>cotidianas, diminuindo-se o tempo e espaço para comunicações, reuniões,</p><p>acesso ao entretenimento, às notícias, aos estudos, entre outras facilidades.</p><p>Por outro lado, também se observa que em uma conversa, seja pessoal</p><p>ou profissional, a tecnologia também possibilitou aos interlocutores maio-</p><p>res chances de reflexão durante a comunicação, uma vez que ao passo que</p><p>em uma conversa pessoal a resposta costuma ser imediata, a tecnologia nos</p><p>concede um maior tempo entre o recebimento de uma mensagem e a sua</p><p>resposta. Assim, tanto a maior velocidade na comunicação, como a sua</p><p>realização com maior tranquilidade são características importantes das</p><p>alterações sociais acarretadas pela tecnologia.</p><p>Inegáveis são os benefícios ferramentais desta nova dinâmica, todavia,</p><p>para além das benesses, outros autores levantaram contrapontos no que</p><p>diz respeito à fragilidade dos vínculos sociais estabelecidos na sociedade</p><p>em rede, discutindo sobre a maleabilidade das linhas de interconexão esta-</p><p>belecidas entre os nós (usuários).</p><p>O sociólogo, Zygmunt Bauman, foi um dos autores a contrapor a visão</p><p>otimista da sociedade em rede de Manuel Castells. Para Bauman, as intera-</p><p>ções sociais estabelecidas na sociedade em rede tornaram-se, em suma,</p><p>líquidas, frágeis e voláteis32. Nela os sujeitos sentem-se “livres” para toma-</p><p>32 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 13-</p><p>14.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>147</p><p>das de atitudes, numa toada de inconstância e incerteza, repleta de falta</p><p>dos pontos de referência socialmente estabelecidos.</p><p>Bauman cita, em uma de suas afirmativas, como a Internet e as redes</p><p>influíram na desconstrução das tradições sociais, ou seja, antes o processo</p><p>de aprendizagem baseava-se na imitação passada de pais para filhos, após a</p><p>Internet, o acesso à diferentes culturas, informações e referências tornou-</p><p>se colossal e a formação de identidade dos indivíduos volátil e indefinida,</p><p>não sendo possível presumir as consequências psicossociais deste fato. Em</p><p>sua obra Modernidade Líquida, expõe tal linha de pensamento, vejamos:</p><p>São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que</p><p>podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais po-</p><p>díamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. (...) Quer</p><p>dizer que estamos passando de uma era de 'grupos de referência' prede-</p><p>terminados a uma outra de 'comparação universal'33.</p><p>Ainda que com posições distintas a partir das obras de cada um</p><p>dos autores, não se questiona que a sociedade em rede está em constante</p><p>modificação em relação à política, cabendo a cada um analisar as modifi-</p><p>cações e concluir pela maior existência de benefícios ou malefícios.</p><p>4. As mudanças sistemáticas na economia com a sociedade em rede</p><p>O sociólogo espanhol Manuel Castells trabalhou o conceito econômico</p><p>dentro da sociedade em rede, em sua obra The Rise of Network Society,</p><p>obra da trilogia The Information Age: Economy, Society and Culture,</p><p>du-</p><p>rante o final da década de 90, no auge do desenvolvimento das tecnologias</p><p>33 Ibidem, p. 229. “Sua natureza “explosiva” combina bem com as identidades da era</p><p>moderna líquida: de modo semelhante a tais identidades, as comunidades em ques-</p><p>tão tendem a ser voláteis, transitórias e voltadas ao “aspecto único” ou “propósito</p><p>único”. Sua duração é curta, embora cheia de som e fúria. Extraem poder não de sua</p><p>possível duração mas, paradoxalmente, de sua precariedade e de seu futuro incerto,</p><p>da vigilância e investimento emocional que sua frágil existência demanda a gritos”.</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>148</p><p>de informação e telecomunicação, as denominadas TICs34.</p><p>A introdução das TICs na estrutura socioeconômica ocasionou diversas</p><p>mudanças, uma delas foi a reestruturação empresarial em busca de dimi-</p><p>nuição dos gastos com produção e maiores lucratividades, além de utiliza-</p><p>ção de ferramentas de informática para o armazenar dados, promoção de</p><p>automação de processos, bem como uma nova estruturação de sistemas de</p><p>pagamentos e de gestão de recursos humanos, entre outras inúmeras faci-</p><p>lidades.</p><p>A priori, o referido autor afirma que as utilizações das TICs instaura-</p><p>ram uma nova forma de capitalismo: o informacional, diferindo-o do su-</p><p>perado capitalismo industrial.35 Antes o foco empresarial era concentrado</p><p>especialmente na alta produção industrial. Na era informacional, interes-</p><p>sa-se em utilizar meios de produção eficientes, utilizando tecnologias para</p><p>aumento dos lucros e diminuição do tempo. Assim, a geração de riqueza</p><p>ganhou uma nova definição, fortalecendo o mercado de tecnologia de in-</p><p>formações e comunicações.36</p><p>Neste contexto, as empresas precisaram de uma reformulação orga-</p><p>nizacional-administrativa para acompanhar as mudanças de geração de</p><p>riqueza, aperfeiçoando seus negócios com as TICs e incluindo gastos com</p><p>34 TICs: Tecnologia da Informação e Comunicação. Um conjunto de recursos tecnoló-</p><p>gicos integrados entre si, que proporcionam, a automação e interligação dos proces-</p><p>sos de negócios, indústrias, pesquisa científica e de ensino, aprendizagem, entreteni-</p><p>mento e diversos ramos por meio das funções de hardware, software e telecomunica-</p><p>ções.</p><p>35 CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy,</p><p>society, and culture, p. 119, 2010. Traduzido para a língua portuguesa: “uma nova</p><p>economia surgiu em escala global no último quartel do século XX. Chamo-a de in-</p><p>formacional, global e em rede para identificar as suas características”.</p><p>36 CASTELLS, Manuel. Ibidem, p. 136. Traduzido para a língua portuguesa: “Assim, as</p><p>empresas estarão motivadas não pela produtividade, e sim pela lucratividade e pelo</p><p>aumento do valor de suas ações, para os quais a produtividade e a tecnologia podem</p><p>ser meios importantes”.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>149</p><p>softwares, que passaram a contabilizar como um índice de PIB37 de inves-</p><p>timento das empresas.</p><p>Diversos ramos industriais e empresariais mudaram seus processos in-</p><p>ternos, como a indústria química, em que a tecnologia potencializou os</p><p>meios de produção, sendo um fator decisivo para a sua adequação no novo</p><p>sistema econômico. Decorrente dessa adequação a economia real está cada</p><p>vez mais dependente da tecnologia, tanto que “quase todas empresas no</p><p>mundo desenvolvido se tornaram dependentes de redes de telefones e</p><p>computadores. Quando elas caem as organizações simplesmente param”38,</p><p>como ocorreu algumas vezes quando houve a suspensão judicial de funci-</p><p>onamento da plataforma de mensagens instantâneas Whatsapp, que ocasi-</p><p>onou paralisação parcial de algumas atividades econômicas.</p><p>Assim, por inúmeros fatores, Castells atribuiu o aumento de lucros e a</p><p>produtividade das empresas ao uso das TICs, denominando que tal acon-</p><p>tecimento fora um grande avanço no mercado. Entretanto, há de se reco-</p><p>nhecer que durante a primeira fase dessa nova dinâmica do capitalismo</p><p>informacional, diversos setores e/ou segmentos empresariais intermediá-</p><p>rios sucumbiram, notadamente os desempenhados com mão-de-obra</p><p>pouco especializada, trazendo reflexos sociais, culturais e institucionais.</p><p>O trabalho de mão-de-obra especializada começou a ser requisitado</p><p>globalmente, destacando-se profissionais que dominavam o uso de tecno-</p><p>logia de informação e comunicação, como analistas financeiros, progra-</p><p>madores, biotecnologistas, etc., tendo estes profissionais grandes oportu-</p><p>nidades de ingresso no mercado, em razão do alto conhecimento técnico.</p><p>Além disso, a manipulação de informações digitais e influência social</p><p>nas mídias adquiriram um grande valor agregado. Desta feita, artistas,</p><p>projetistas, atores e astros do esporte tiveram ascensão profissional e fi-</p><p>37 Produto Interno Bruto: representa a soma dos bens e serviços finais produzidos</p><p>numa determinada região, durante um período determinado.</p><p>38 VAN DIJK, Jan. Ob. Cit., p. 01.</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>150</p><p>nanceira, pelo impacto que causam na publicidade empresarial, alavan-</p><p>cando o consumo de seus produtos e serviços. Por outro lado, com perda</p><p>dos postos laborativos da mão-de-obra menos especializada, aumentaram</p><p>os índices de trabalho informal e desemprego, culminando em consequên-</p><p>cias jurídico-sociais não tão positivas.</p><p>Essa nova dinâmica de utilização das TICs não ficou restrita às empre-</p><p>sas, os Estados observaram que as tecnologias eram imprescindíveis à ad-</p><p>ministração e gestão pública e um dos exemplos do que fizeram foi criar</p><p>mecanismos na rede para responder às demandas de serviços públicos de</p><p>forma mais eficiente e eficaz, bem como implementação de transparência e</p><p>prestação de contas à sociedade e novos espaços de participação no fazer</p><p>público, através de softwares de automação voltados a melhorar o fluxo de</p><p>informação entre Estado e sociedade civil. Como ocorreu no setor privado,</p><p>os países que não se adequaram às novas dinâmicas tecnológicas sofreram</p><p>isolamento no comércio internacional.</p><p>De forma generalizada, os setores públicos e privados implementa-</p><p>ram as TICs em suas gestões, dessa forma, como definido por Castells,</p><p>surgiu uma nova Economia Global, por volta de 1990 e, com ela, as mu-</p><p>danças alcançaram o mercado. Castells destacou cinco delas39: desregula-</p><p>mentação dos mercados financeiros, criação de infraestrutura tecnológi-</p><p>cas, novos produtos financeiros (por exemplo, os bitcoins40), integração</p><p>dos mercados financeiros e formas e avaliação de mercado.</p><p>No cenário de investimentos, as transações eletrônicas diminuíram o</p><p>custo das operações em 50%41, enfraquecendo as empresas corretoras in-</p><p>39 CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy,</p><p>society, and culture, p. 144-145, 2010.</p><p>40 Primeiras criptomoedas, moedas virtuais ou dinheiro eletrônico, utilizadas como</p><p>meio de troca, criada pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto. As transações feitas com</p><p>elas ficam registradas no "blockchain", uma espécie de banco de dados descentraliza-</p><p>do que usa criptografia para controlar transações ponto-a-ponto.</p><p>41 CASTELLS, Manuel. Ibidem, p. 196, 2010. Traduzido para o português: “por que é</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>151</p><p>termediadoras e atraindo investidores que tinham fáceis e rápidas infor-</p><p>mações para seus investimentos online. Assim, com o enfraquecimento</p><p>dos intermediadores, as empresas de e-commerce traduziram as mudanças</p><p>da Economia Global no que diz respeito à desregulamentação e desinter-</p><p>mediação, assim, nomes como Amazon.com, Inc., uma das pioneiras no</p><p>ramo neste ramo, tornaram-se alvo de interesse dos investidores.</p><p>Pontuamos, no entanto, que a redução da relevância de intermediação</p><p>é relativa. Isso, pois na realidade hodierna vemos uma revolução</p><p>no mer-</p><p>cado de intermediação. Ao mesmo tempo que os players da intermediação</p><p>clássica efetivamente têm sua participação reduzida no mercado, atual-</p><p>mente novas atividades empresariais de intermediação ganham cada vez</p><p>mais relevância, como ocorre com plataformas digitais como Uber e Air-</p><p>bnb, que realizam a intermediação entre prestadores de serviços e consu-</p><p>midores através da internet.</p><p>O valor agregado das empresas não se restringem mais apenas na lucra-</p><p>tividade, mas na expectativa de aderência ao mercado, na aceitação de seus</p><p>serviços e produtos pela sociedade, por isso, os investidores passaram a</p><p>buscar por startups42 com ideias inovadoras com alta expectativa de adesão</p><p>no mercado e, nessa temática, voltamos a indicar a empresa Uber como</p><p>clássico exemplo disso, pois embora seja uma referência na sua área de</p><p>atuação, com grande aderência em diversos setores da sociedade, é uma</p><p>empresa que apresentou enormes prejuízos em diversos momentos da</p><p>história43.</p><p>importante a tecnologia das transações? Qual é sua repercussão no setor financeiro?</p><p>Reduz os custos das transações (até 50% em fins da década de 1990 no EUA), atrain-</p><p>do assim uma base muito mais ampla de investidores, e reduzindo os custos do co-</p><p>mércio ativo”.</p><p>42 Empresas jovens em um cenário soluções a serem desenvolvidas, as empresas star-</p><p>tups utilizam-se de inovação para diferenciar-se do modelo tradicional de empresas.</p><p>43 É possível verificar das informações contábeis extraídas do website de relações com</p><p>investidores que apenas em 2019 o prejuízo apresentado atingiu a monta de 8,5 bi-</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>152</p><p>5. Considerações finais</p><p>Diante do exposto, é possível perceber a sociedade em rede traz impor-</p><p>tantes conceitos no que diz respeito às mudanças sociais, políticas, cultu-</p><p>rais e econômicas. Castells ressalta aspectos relevantes sobre os papeis que</p><p>os dados, informações e conhecimento desempenham na sociedade em</p><p>rede, através da Internet, sendo o elemento principal das inovações mer-</p><p>cadológicas, econômicas e financeiras. A nova Economia Global, presente</p><p>no capitalismo informacional, impulsionou a concorrência no mercado,</p><p>desregulamentou o comércio e diminuiu a presença de intermediadores</p><p>nos negócios.</p><p>Nesse novo cenário houve notável aumento de produtividade e redução</p><p>dos custos de produção empresariais com instrumentos de trabalho avan-</p><p>çados, com a inclusão das TICs e maior geração de valor em novas empre-</p><p>sas, como startups. Outrossim, importante foi também a análise de Bau-</p><p>man, sobre os vínculos gerados na sociedade em rede, formação de perso-</p><p>nalidade dos indivíduos mediante um grande acesso a diversas informa-</p><p>ções.</p><p>Por fim, não menos importante, é imperioso ressaltar que junto ao no-</p><p>vo capitalismo informacional, à nova Economia Global e à formação da</p><p>sociedade em rede, também surgiram outras desigualdades, como supra-</p><p>mencionado, no que diz respeito ao surgimento do mercado informacio-</p><p>nal, perda de postos de trabalho, dificuldade de inclusão na Economia nos</p><p>países subdesenvolvidos, além das falhas e riscos na transmissão de dados</p><p>e informações. A fluidez e imaterialidade dos dados adquiriram grande</p><p>valor econômico por seu conteúdo e valor agregado, e ataques cibernéticos</p><p>trazem inseguranças às empresas, governos e sociedade. Por isso, atual-</p><p>mente discute-se sobre a proteção de dados no âmbito público e privado.</p><p>lhões de dólares.</p><p>Conceitos essenciais sobre a sociedade em rede</p><p>153</p><p>Os principais conceitos tratados no presente estudo, embora identifica-</p><p>dos ainda em 1991 por Jan Van Dijk, são de grande relevância até os dias</p><p>de hoje e, por mais surpreendente que pareça, se mostram mais atuais do</p><p>que inúmeros estudos produzidos recentemente por diversos outros auto-</p><p>res. Mostra-se essencial, portanto, o conhecimento dos conceitos cunha-</p><p>dos por tais autores como ferramenta para melhor entendimento da socie-</p><p>dade atual.</p><p>Referências</p><p>BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar,</p><p>2001.</p><p>CASEIRITO, Marta Susana. Redes sociais de professores: Um estudo de</p><p>caso. 2012. 104 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Instituição de</p><p>Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em:</p><p>https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/8246/1/ulfpie043277_tm.pdf.</p><p>Acesso em: 12 abr. 2020.</p><p>CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini</p><p>Gerhardt. v.2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 530p. (A Era da Infor-</p><p>mação: economia, sociedade e cultura, 2).</p><p>CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age:</p><p>economy, society, and culture. 2. ed. Oxford/West Sussex: Wiley-</p><p>Blackwell, 2010, v. 1.</p><p>DEMENTSHUK, Márcia; HENRIQUES, Percival. Pássaros voam em ban-</p><p>do: A história da Internet do século XVIII ao século XXI. Editora</p><p>ANID, 2019. E-book.</p><p>FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. The Network Society, de Jan van</p><p>Dijk. Revista Faculdade de Direito da UFU, Uberlândia, v. 47, n. 1,</p><p>jan./jun. 2019, p. 406-414.</p><p>MILLÁN, José Antonio. Breve Historia de la Internet: El fruto caliente de la</p><p>guerra fría. Versión ampliada de lo publicado en Protagonistas del Si-</p><p>Rodrigo Gugliara · Bianca Camargo Fischer</p><p>154</p><p>glo XX, 31, coleccionable de El País, en noviembre de 1999.</p><p>UBER INVESTOR. Financials: Reports and Presentations. Disponível em</p><p>https://investor.uber.com/financials/default.aspx. Acesso em</p><p>16/03/2020.</p><p>SIMON, Imre. A ARPANET. Publicação no site do Instituto de Matemáti-</p><p>ca de Estatística da Universidade de São Paulo (USP). Disponível em</p><p>, julho de 1997.</p><p>VAN DIJK, Jan. The network society. 2. ed. Londres: Sage Publications,</p><p>2006.</p><p>__________________________________________________</p><p>GUGLIARA, Rodrigo; FISCHER, Bianca Camargo. Conceitos essenciais</p><p>sobre a sociedade em rede. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS</p><p>JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira</p><p>Aguiar; REIS, Guilherme (Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciên-</p><p>cia jurídica na sociedade da informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp.</p><p>135-154.</p><p>__________________________________________________</p><p>155</p><p>A INFORMAÇÃO E A COMPREENSÃO DO</p><p>“EU” NA ERA DIGITAL: UM ENSAIO A</p><p>PARTIR DOS ESTUDOS DE LUCIANO</p><p>FLORIDI</p><p>6</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato</p><p>Yolanda Corrêa Rosa</p><p>1. Introdução</p><p>Dificilmente haverá oposição quando dito que a “sociedade da informa-</p><p>ção” é uma das maiores interlocuções da modernidade no século XXI, vez</p><p>que vivemos em um século em que a quantidade informações trocadas por</p><p>segundos cresce de maneira exponencial, com destaque ao rápido desen-</p><p>volvimento dos meios de comunicação. Inteligências Artificiais, Tecnolo-</p><p>gias da Informação e Comunicação (TICs) transformam a realidade do</p><p>mundo físico e virtual através de aceleradas mudanças, impactando dire-</p><p>tamente na construção do indivíduo, seja em sua personalidade ou na</p><p>forma de perceber o mundo.</p><p>Neste trabalho, adotamos o conceito de informação explorado pelo fi-</p><p>lósofo italiano Luciano Floridi, tratando-se da abstração feita pelo indiví-</p><p>duo a partir de determinado conjunto de dados. Essa informação depende-</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>156</p><p>rá da maturidade do sujeito que a abstrai, do seu prévio conhecimento e do</p><p>contexto em que se insere. Já os dados serão sempre corretos e verídicos.</p><p>Diante disso, várias áreas de ciência se esforçaram para definir o conceito</p><p>da informação, mas foi através da Filosofia da Informação que se compre-</p><p>endeu que tal elemento depende dos avanços epistemológicos do indiví-</p><p>duo que o analisa. Ou seja, a informação estará intrinsicamente ligada com</p><p>o meio e dependerá de algumas variáveis que podem</p><p>alterar a realidade</p><p>dos dados que a fundamentaram.</p><p>Nossos dados pessoais são valiosos para empresas que, principalmente</p><p>por meio de plataformas digitais, traçam as características de seus usuá-</p><p>rios. Esse tratamento dos dados resulta em uma informação, que poderá</p><p>aproximar-se da realidade ou não. Essa informação poderá divergir da</p><p>expectativa do indivíduo titular dos dados que foram coletados, ultrapas-</p><p>sando limites do seu consentimento e atingindo direitos fundamentais.</p><p>Posto isso, iremos traçar brevemente esclarecimentos sobre a transfor-</p><p>mação epistemológica na compreensão do “eu” e do mundo, dando desta-</p><p>que ao contexto atual em que os dados pessoais, além de emanarem do</p><p>próprio sujeito expressando suas características mais íntimas, são tratados</p><p>como informações para categorizar perfis de consumo e preferências indi-</p><p>viduais, como é feito por superplataformas. Essa nova dinâmica econômi-</p><p>ca pode extrapolar limites estabelecidos por regulações voltadas à proteção</p><p>aos dados pessoais, inferindo informações de forma prejudicial aos indiví-</p><p>duos sem que estes sequer saibam.</p><p>Diante dos impactos na compreensão do eu e do mundo no cenário</p><p>atual, em que plataformas como o Facebook possuem bases de dados soci-</p><p>ológicos enormes, a busca de explicações do fenômeno na filosofia e ética</p><p>se mostram essenciais. Com isso, poderemos lidar melhor com as novas</p><p>possibilidades, restrições e desafios trazidos pelo desenvolvimento expo-</p><p>nencial das tecnologias digitais, o que deve ser feito em paralelo com o</p><p>desenvolvimento de uma ética relacionada ao indivíduo.</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>157</p><p>2. Considerações sobre a informação na compreensão do “eu”</p><p>O filósofo italiano Luciano Floridi, grande expoente da Filosofia da In-</p><p>formação, em 2011 já falava sobre a “Quarta Revolução”1 no texto intitu-</p><p>lado “The Philosophy of Information”, publicado pela Universidade de</p><p>Oxford, por meio da qual descreve a atual sociedade da informação, em</p><p>que as compreensões do “eu” e do “mundo” se alteram pelo contexto in-</p><p>formacional. Com o desenrolar dessa “revolução da informação”, por</p><p>meio de uma rede interligada de informações, redefinimos nossa identida-</p><p>de pessoal e a forma de ver o mundo ao nosso redor, impactando, portan-</p><p>to, em nossa autocompreensão.</p><p>Segundo os estudos de Floridi2, o corpo, suas funções, atividades cogni-</p><p>tivas e a consciência, nomeados de “três membranas”, são inextricavel-</p><p>mente misturados para dar origem a um “eu” e a sua identidade pessoal.</p><p>Floridi3 elucida que qualquer tecnologia que afete as chamadas três mem-</p><p>branas deve ser considerada tecnologia ligada ao “eu” e, por esse motivo,</p><p>considera que as TICs são as tecnologias mais poderosas às quais o eu já</p><p>foi exposto, induzindo modificações radicais dos contextos, aprimorando</p><p>a membrana corporal, fortalecendo a membrana cognitiva e estendendo a</p><p>membrana da consciência.</p><p>Para tanto, seria necessário definir o conceito de dados e informação, o</p><p>que não é uma tarefa fácil, muito menos no que se relaciona à formação</p><p>das identidades pessoais, como já constatou FLORIDI em 2002 no seu</p><p>artigo “What is the Philosophy of Information?”, elencando dezoito ques-</p><p>1 FLORIDI elucida que as primeiras revoluções são a de Copérnico, Darwin e Freud.</p><p>FLORIDI, Luciano. Information ethics: on the theoretical foundations of computer</p><p>ethics. Ethics and Information Technology, v. 1, n. 1, 1999. p. 4.</p><p>2 Ibid, p. 4</p><p>3 FLORIDI, Luciano. Information ethics: on the theoretical foundations of computer</p><p>ethics. Ethics and Information Technology, v. 1, n. 1, 1999, p. 12-16.</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>158</p><p>tões4 provenientes do tema. Podemos aproximar a busca histórica para tal</p><p>conceito às explicações informacionais acerca do mundo e questionamen-</p><p>tos levantados pela sociedade de cunho mitológico e explicações frágeis.</p><p>Posteriormente, houve aperfeiçoamento da elucidação da informação por</p><p>influência do pensamento aristotélico5 na Grécia no século V a. C, assim,</p><p>adequando-o à mudança da forma de pensar, agir e observar a realidade.</p><p>Desde aquela época, a organização científica vem se estruturando ampara-</p><p>da na busca de novas maneiras a fim da informação esteja atingível para</p><p>todos. No campo investigativo, ao longo do século XX, diversos âmbitos</p><p>da ciência e da tecnologia referendaram suas teorizações reconhecendo um</p><p>componente talvez virtual, mas extremamente funcional, denominado</p><p>informação, porém, sem o estudo da sua ontologia a fundo5.</p><p>4 Luciano Floridi elenca as seguintes perguntas no artigo “What is the Philosophy of</p><p>Information” publicado em 2002: a) O que é informação? b) Quais são as dinâmicas</p><p>de informação? c) É possível existir uma grande teoria unificada para os diversos</p><p>contextos de informações possíveis? d) Como os dados podem adquirir o seu signifi-</p><p>cado? e) Como os dados podem adquirir o seu valor de verdade? f) Informação pode</p><p>explicar a verdade? g) Informação pode explicar o que significa? h) Pelos aparatos</p><p>cognitivos, têm-se satisfatoriamente uma análise dos processamentos de informações</p><p>em algum nível de abstração? i) A inteligência natural (no âmbito Racionalista e Em-</p><p>pirista) pode satisfatoriamente analisar o processamento de informações em algum</p><p>nível de abstração? j) Analisar a informação sob a perspectiva das ciências naturais</p><p>acarreta em uma compreensão satisfatória? k) Pode uma abordagem informativa re-</p><p>solver o problema mente-corpo? l) Como a informação pode ser avaliada? Se a in-</p><p>formação não pode ser transcendida? m) Poderia epistemologia ser baseada em uma</p><p>teoria de informação? n) A ciência é redutível a modelagem de informações? o) Qual</p><p>é o status ontológico da informação? p) A informação pode ser um fruto natural do</p><p>meio? q) Pode ser a informação a natureza da ciência? r) A ética computacional tem</p><p>um fundamento filosófico informacional? FLORIDI, Luciano. What is the Philoso-</p><p>phy of Information? Metaphilosophy. v. 33, n. 1/2, jan. 2002, pp. 123-145.</p><p>5 Entendemos que o estudo profundo da ontologia da informação foi feito por Floridi,</p><p>desenvolvido através da Filosofia da Informação. No século XX, apesar de reconhe-</p><p>cermos que a informação era um elemento presente e imprescindível para o desen-</p><p>volvimento social e tecnológico, não havia um aprofundamento doutrinário em suas</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>159</p><p>Ainda que a informação detenha reconhecimento, diversas definições</p><p>limitadas a cada área de estudos nos concedeu a realização de atuações</p><p>convenientes para a humanidade, de forma que a informação desempe-</p><p>nhava um papel em cada aspecto do conhecimento. No entanto, se parar-</p><p>mos para refletir o que é ou o que carrega uma informação, somos toma-</p><p>dos por certa reticência. Percebemos que a informação existe, mas pode ser</p><p>virtual. Sua presença é real, embora não seja matéria nem energia. Essa</p><p>constatação, segundo o filósofo, exige mudanças epistemológicas. Se o</p><p>homem contemporâneo exibe familiaridade com a natureza efêmera da</p><p>informação e conquista uma capacidade de raciocinar sobre entidades que</p><p>não cabem no entendimento estanque até então praticado, nos torna-</p><p>mos capazes de compreender o que é a informação.</p><p>Apesar da dificuldade aparente, um dos caminhos apontados seria</p><p>aprender a pensar em termos de processo para penetrar nos desafios epis-</p><p>temológicos atuais, como a autocompreensão do “eu” e a questão dos per-</p><p>fis de consumo formados, a partir de informações pessoais, nas platafor-</p><p>mas digitais. Se sabemos que informação não pode ser classificada em ter-</p><p>mos de matéria e energia e do quanto fundamental é trabalhar com a in-</p><p>formação no mundo científico, tecnológico e comunicacional em que vi-</p><p>vemos, estamos desafiados a inventar uma metodologia que adicione fide-</p><p>dignidade a essa relação e nos permita utilizar ao máximo o mundo de</p><p>possibilidades que esse conhecimento</p><p>entre o direito e a</p><p>tecnologia.</p><p>Não mais vinculado à UFU, o grupo se expandiu com a adesão de</p><p>colegas de diversas cidades do Brasil e surgiram propostas para instigar o</p><p>estudo aprofundado dos aspectos fundamentais para o aprofundamento</p><p>teórico do direito digital. Foi então que, por iniciativa dos colegas</p><p>Guilherme Reis, José Faleiros Jr. e Gabriel Borges, um desafio foi lançado:</p><p>durante o segundo semestre de 2019, mais de 30 colegas se organizaram</p><p>com a proposta de estudar, a fundo, textos da literatura estrangeira para</p><p>apresentá-los e debatê-los em seminários virtuais (webinars).</p><p>Temas da Filosofia da Tecnologia, da Sociologia, da Economia, da</p><p>Filosofia da Informação e da Antropologia foram estudados em conjunto</p><p>com textos jurídicos, sempre com a preocupação de buscar as fontes</p><p>originais e o aprofundamento mais fidedigno possível! Foram dezenas de</p><p>horas de apresentações e discussões virtuais, sempre com profundidade</p><p>acadêmica e grande interesse de todos os membros do grupo.</p><p>A Internet provou-se crucial para aproximar colegas que – embora</p><p>geograficamente distantes – compartilham a paixão pelo direito digital e,</p><p>tamanha foi a qualidade dos debates que, como forma de eternizar as</p><p>XX</p><p>ideias e propostas debatidas ao longo desses vários meses, esta obra</p><p>coletiva foi concebida.</p><p>Novamente, a organização do grupo se mostrou crucial. Tarefas e</p><p>temas foram estabelecidos, um cronograma foi definido, debates, ajustes e</p><p>aprofundamentos foram feitos aos textos e, enfim, surgiu o trabalho final</p><p>que, muito apropriadamente, se decidiu intitular “Fundamentos do direito</p><p>digital”.</p><p>O colega leitor será instigado, nas páginas que se seguem, a revisitar</p><p>bases estruturais que transcendem o Direito e formam um conjunto</p><p>fundamental para a compreensão do que hoje se convencionou denominar</p><p>“direito digital”.</p><p>Fundamental, ainda, o registro de nossa gratidão aos colegas do</p><p>Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados –</p><p>LAECC, a quem nos dirigimos, aqui, na pessoa de seu Presidente, Dr.</p><p>Alexandre Walmott Borges, pelo suporte editorial imprescindível à</p><p>concretização deste trabalho.</p><p>Por fim, esperamos que todos tenham uma experiência instigante e que</p><p>as reflexões aqui propostas sejam de grande valia!</p><p>Foz do Iguaçu, Belo Horizonte, Uberlândia, Florianópolis, maio de</p><p>2020.</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Gabriel Oliveira de Aguiar Borges</p><p>Guilherme Reis</p><p>XXI</p><p>PREFÁCIO</p><p>“In the development of our under-</p><p>standing of complex phenomena, the</p><p>most powerful tool available to the</p><p>human intellect is abstraction.”</p><p>— CHARLES HOARE</p><p>Notes on Data Structuring (1972), p. 83</p><p>A evolução do direito digital instiga reflexões que vão além da mera</p><p>análise legislativa, desafiando os operadores do direito à aferição de ele-</p><p>mentos fundamentais para a compreensão dos entrelaçamentos do direito</p><p>com a tecnologia sob perspectivas diversas, colhidas interdisciplinarmente</p><p>não apenas das Ciências da Computação, mas também das outras Ciências</p><p>Humanas e Sociais Aplicadas.</p><p>Com base nessa premissa, registro a satisfação com que recebi dos Co-</p><p>ordenadores João Victor Rozatti Longhi, José Luiz de Moura Faleiros Jú-</p><p>nior, Gabriel Oliveira de Aguiar Borges e Guilherme Reis o convite para</p><p>prefaciar esta segunda obra produzida pelo Grupo de Estudos de Direito</p><p>Digital por eles conduzido, que congrega jovens entusiastas do estudo</p><p>dessa matéria.</p><p>Como denota o próprio título do trabalho, “Fundamentos do Direito</p><p>Digital”, este é um trabalho que dialoga com a Sociologia e a Filosofia da</p><p>Informação, trazendo a lume debates da maior importância para o apro-</p><p>fundamento temático do direito digital.</p><p>Sem dúvidas, a evolução do fenômeno denominado Big Data produz</p><p>impactos que vão muito além do propósito que se nutre no sentido de</p><p>garantir ampla regulamentação jurídica às minudências de uma temática</p><p>Prefácio</p><p>XXII</p><p>que não está adstrita ao direito. Vai além e demanda uma reformulação da</p><p>própria compreensão que se tem do fenômeno sociológico identificado</p><p>como ‘sociedade da informação’, para citar a expressão que, desde longa</p><p>data, é utilizada para indicar o avanço rumo a um período no qual a transi-</p><p>ção do real para o virtual1 propiciaria o apogeu dos dados.</p><p>Na ressignificação do papel de cada indivíduo nessa teia de construção</p><p>social a partir da informação, a tecnologia deixa de se apresentar como um</p><p>ator autônomo e desconectado da sociedade e da cultura, na medida em</p><p>que passa a constituir o próprio amálgama e espelho das inter-relações</p><p>individuais.2</p><p>Se a Internet dá a tônica de um universo “pós-territorial” (sem frontei-</p><p>ras)3, criando a ilusão de que a virtualização produziria a diluição, tam-</p><p>bém, de barreiras culturais, políticas e econômicas – que aproximaria os</p><p>povos e diminuiria rupturas –, o que o século XXI tem revelado é o fenô-</p><p>meno oposto: cada vez mais, são notadas transformações estruturais que</p><p>desperam o interesse em torno do debate de temas como o discurso de</p><p>ódio (hate speech), a desinformação e a propagação das famigeradas notí-</p><p>cias falsas (fake news), os impactos das redes sociais, a discriminação algo-</p><p>rítmica, os controles da Internet, a mutação da clássica concepção de pri-</p><p>vacidade, entre outros temas que, nesta obra, foram enfrentados pelo jo-</p><p>vem time de pesquisadores.</p><p>Mais do que nunca, a compreensão desses fenômenos impõe a abstra-</p><p>ção para que se possa tecer comentários que ultrapassem as barreiras dos</p><p>recentes movimentos regulatórios que, inclusive no Brasil, marcam a se-</p><p>gunda década do século XXI. Mais do que conhecer em detalhes as previ-</p><p>1 WIENER, Norbert. The human use of human beings. Londres/Nova York: Houghton</p><p>Mifflin, 1954, p. 113.</p><p>2 JULLIEN, François. De l'universel, de l'uniforme, du commun et du dialogue entre les</p><p>cultures. Paris: Fayard, 2008, cap. XIII.</p><p>3 GOLDSMITH, Jack; WU, Tim. Who controls the Internet? Illusions of a borderless</p><p>world. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 13.</p><p>Prefácio</p><p>XXIII</p><p>sões do recente Marco Civil da Internet ou da Lei Geral de Proteção de</p><p>Dados, é importante que o pesquisador dedicado ao direito digital se apro-</p><p>funde e avance rumo ao estudo de suas bases fundamentais para construir</p><p>acervo essencial à completa cognição da matéria.</p><p>Algumas reflexões ecoam nesse ambiente... “o que, no presente, traz</p><p>consigo o universal? O que, no presente, é a verdade do universal?”4 Essas</p><p>são perguntas que Michel Foucault apresenta para demonstrar que é a</p><p>dialética o caminho verdadeiramente aberto e profícuo à produção do</p><p>conhecimento transversão e estruturado que consolida a pesquisa sobre</p><p>bases fundamentais de pesquisa para a consolidação do saber.</p><p>É pela atuação colaborativa e dedicada que se obtém os mais ricos subs-</p><p>tratos da ciência. E, no atingimento desse objetivo, o projeto que culmina</p><p>na publicação desta obra carrega consigo o mérito de não apenas instigar o</p><p>diálogo aberto e o aprofundamento sociológico e filosófico, mas de propi-</p><p>ciá-lo a jovens incansáveis e inspirados pela busca incessante de respostas</p><p>aos inúmeros dilemas dessa sociedade marcada pela abundância informa-</p><p>cional, pelas redes e pela hipervigilância.</p><p>---</p><p>“We, who have a private life and</p><p>hold it infinitely the dearest of our</p><p>possessions...”</p><p>— VIRGINIA WOOLF</p><p>Montaigne (1992), vol. 1, p. 60</p><p>O principal debate que se trava no direito digital concerne à privacida-</p><p>de. E, justamente nesse contexto, é preciso registrar que o movimento que</p><p>se observa, no Direito, é o da edição de regulamentações. No Brasil, a pri-</p><p>4 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-</p><p>1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005,</p><p>p. 284.</p><p>Prefácio</p><p>XXIV</p><p>meira delas foi a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (o chamado “Marco</p><p>Civil da Internet”) e, posteriormente,</p><p>nos oferece.</p><p>Essa metodologia deve, a priori, reconhecer que a humanidade percorre</p><p>uma trajetória epistemológica que amadurece sua capacidade de entendi-</p><p>mento. Segundo Floridi6, o homem tem uma espécie de “modelagem” com</p><p>o mundo que o cerca, que é a construção de informação a partir de um</p><p>dado do ambiente. O dado, constituiria o patamar menos dotado de signi-</p><p>consequências na formação do “eu”, em uma realidade factual.</p><p>6 FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford University Press,</p><p>2011. p. 52.</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>160</p><p>ficação7, ou seja, são “apenas códigos” e não são tão relevantes para a con-</p><p>dução de compreensão, pois podem ser qualquer característica de algum</p><p>objeto. No entanto, para Floridi8, surge a necessidade de conceituá-lo.</p><p>Assim, o dado é um termo bem formado e em um sentido lógico, significa-</p><p>tivo e verdadeiro. A característica do dado é ser uma verdade sobre o</p><p>mundo, recebendo a tal modelagem pelo ser humano, retirando-o de seu</p><p>estado de natureza. Segundo o filósofo, ocorre uma semantização criando</p><p>informações a partir dos dados bem formados.</p><p>Floridi9 adota uma amplitude da natureza de dados, aceitando os natu-</p><p>rais, virtuais, culturais, materiais desde que possa ser distinguido e atribuí-</p><p>do um significado. Iremos encará-los, assim, com diferentes níveis de abs-</p><p>tração, dependendo da nossa maturidade, experiências e instrução cogniti-</p><p>va. A abstração aplicada ao dado será construtora de informação. Como</p><p>consequência, a base do conhecimento será a informação semântica cons-</p><p>truída com o dado10. Em outras palavras, o conhecimento será es-</p><p>sa sistemática analítica que aplicamos sobre a realidade, se adequando</p><p>aos níveis de abstração que nos implementamos sobre os eventos da natu-</p><p>reza. Em caso de a informação não se confirmar, significa que quando um</p><p>sujeito aplicou o nível de abstração ao dado, se equivocou. Se há um erro</p><p>detectado na informação que foi gerada, jamais será vindo do dado, pois</p><p>dado é evidência.</p><p>7 SEMIDÃO, R. A. M. Dados, Informação e Conhecimento enquanto elementos de</p><p>compreensão do universo conceitual da Ciência da Informação: contribuições teóri-</p><p>cas. Marília, 2014. 198 f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em</p><p>Ciência da Informação - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual</p><p>Paulista – UNESP, Marília, 2014, p. 11.</p><p>8 FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford University Press,</p><p>2011, p. 82.</p><p>9 Ibid., p. 82.</p><p>10 Ibid., p. 82.</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>161</p><p>Diante disso, em consonância aos ensinamentos de Floridi11,</p><p>se queremos compreender a diferença entre o certo e o errado, devemos</p><p>nos atentar à dinâmica natural da informação, classificada como algo que é</p><p>disseminado e adquirido a partir das abstrações dos dados.</p><p>3. A formação do “eu” na era digital</p><p>Passando-se para um contexto de globalização e interconexão global,</p><p>no artigo “The informational nature of personal identity. Minds & Machi-</p><p>nes”, publicado por Floridi em 2011, é citado o neologismo “onlife”, em</p><p>que a barreira entre real e virtual não existe mais, não há mais diferença</p><p>entre "online" e "offline"12. As informações pessoais são processadas e cria-</p><p>das, os dados são transmitidos e compartilhados em larga escala na experi-</p><p>ência online, possibilitando que este e o mundo offline interajam e interfi-</p><p>ram um no outro constantemente.</p><p>As pessoas possuem perfis em redes sociais, blogs, participam de gru-</p><p>pos com interesses em comum, criando laços e desafetos. Percorrem a</p><p>internet criando traços digitais, buscando suas preferências. A vida online</p><p>se mostra suficiente a ponto de gerar consequências no mundo offline13.</p><p>Diante dessa dinâmica de interação social, surge a análise informacional da</p><p>natureza do self, em que o indivíduo busca se construir perante a sociedade</p><p>a partir da sua apresentação online. Essa identidade online influirá, como</p><p>consequência, na sua autocompreensão.</p><p>O self se vale deste imaginário digital, preocupando-se em construir uma</p><p>identidade virtual, por meio da qual busca compreender a sua própria</p><p>11 Ibid., p. 58</p><p>12 FLORIDI, Luciano. The informational nature of personal identity. Minds & Ma-</p><p>chines, Dordrecht, v. 21, 2011. p. 3.</p><p>13 As campanhas eleitorais da eleição presidencial do Brasil em 2018 foram amplamen-</p><p>te realizadas em redes sociais sendo que foi eleito o político que teve a campanha</p><p>principalmente online.</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>162</p><p>identidade pessoal (a questão �quem sou para você�”, se torna “quem sou</p><p>eu on-line?”), em um ciclo de ajustes e modificações que conduz a um</p><p>equilíbrio entre o on e o off-line selves14</p><p>Aprofundando-se na observação de Floridi15, o self pode ser um sistema</p><p>informacional multiagente (informational multiagent system) de forma</p><p>que todas as informações criadas no âmbito virtual são construções de</p><p>processos interativos perante o outro, definindo também como nos posici-</p><p>onaremos para a sociedade. Com isso, se produz informação a partir dos</p><p>significados compartilhados nas relações entre os indivíduos e empresas,</p><p>em que houve troca de dados pessoais. Por outro lado, a formação do self a</p><p>partir da interação intersubjetiva no mundo online pode representar equi-</p><p>vocadamente um indivíduo e suas predileções16.</p><p>Com essa exuberância de dados pessoais disponíveis no ambiente vir-</p><p>tual, devido às experiências “onlife”, nascem questões ligadas à privacida-</p><p>de do indivíduo, como a necessidade de consentimento para o tratamento</p><p>de seus dados e a formação, por empresas, de perfis de consumo, financei-</p><p>ros ou de predileções pessoais equivocados, prejudicando o titular dos</p><p>dados pessoais.</p><p>4. A tutela do “eu” no ambiente virtual</p><p>Em poucas décadas, vivenciamos uma transformação exponencial nas</p><p>formas de comunicação e consumo, que, sob um de seus aspectos, pode ser</p><p>representada pela instantaneidade na transmissão de informações e na</p><p>ausência de fronteiras territoriais propiciadas com a internet, culminando</p><p>em uma nova dinâmica empresarial, conforme Peck elucida:</p><p>14 FLORIDI, Luciano. The informational nature of personal identity. Minds & Ma-</p><p>chines, Dordrecht, v. 21, 2011, p. 3-4.</p><p>15 Ibid., p. 3.</p><p>16 Ibid., 3-4.</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>163</p><p>Há pouco mais de trinta anos, a Internet não passava de um projeto, o</p><p>termo “globalização” não havia sido cunhado e a transmissão de dados</p><p>por fibra óptica não existia. Informação era um item caro, pouco acessível</p><p>e centralizado. (...) Com as mudanças ocorridas desde então, ingressamos</p><p>na era do tempo real, do deslocamento virtual dos negócios, da quebra de</p><p>paradigma. Essa nova era traz transformações em vários segmentos da so-</p><p>ciedade – não apenas transformações tecnológicas, mas mudanças de con-</p><p>ceitos, métodos de trabalho e estruturas. 17</p><p>Na chamada Sociedade da Informação, os dados pessoais extrapolaram</p><p>os indivíduos e passaram a compor modelos de negócios como peças fun-</p><p>damentais. As empresas não apenas acessam, como também coletam in-</p><p>formações, armazenam, categorizam e possuem bases de dados voltadas a</p><p>diversas finalidades, que podem representar ativos valiosos. Doneda18 ex-</p><p>plica que a informação pessoal extrapola o próprio indivíduo:</p><p>As tecnologias da informação contribuíram para que a informação pessoal</p><p>se tornasse capaz de extrapolar a própria pessoa. A facilidade da sua coleta,</p><p>armazenamento e a sua utilidade para diversos fins tornou-a um bem em</p><p>si, ligado à pessoa, mas capaz de ser objetivado e tratado longe e mesmo a</p><p>despeito dela – não é por outro motivo que a informação pessoal</p><p>é o ele-</p><p>mento fundamental em uma série de novos negócios típicos da Sociedade</p><p>da Informação. 19</p><p>Dados pessoais são tratados pelas empresas, transformados em infor-</p><p>mações, nas quais ficam fundamentados preferências dos indivíduos, perfis</p><p>socioeconômicos, formas de consumo, laços pessoais, entre inúmeras ou-</p><p>tras ferramentas que permitem que seja extraído algum valor monetário</p><p>no oferecimento de produtos e serviços a esse indivíduo.</p><p>Quando o usuário navega na internet, há uma série de cliques que revela</p><p>17 PECK PINHEIRO, Patricia. Direito Digital. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>18 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. São Paulo: Revista</p><p>dos Tribunais, 2019, passim.</p><p>19 Ibid, p 35.</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>164</p><p>uma infinidade de informações sobre as suas predileções, possibilitando</p><p>que a abordagem publicitária as utilize para estar preciosamente harmoni-</p><p>zada com elas.20</p><p>Por meio dos perfis de consumo traçados a partir de informações abs-</p><p>traídas dos titulares dos dados, são oferecidos espaços publicitários perso-</p><p>nalizados para empresas interessadas em vender seus produtos ou serviços.</p><p>O Facebook, como a atual maior empresa com base de dados sociológicos,</p><p>é um grande exemplo de plataforma que utiliza essa forma de publicidade</p><p>personalizada: a partir de um perfil inferido com informações provenien-</p><p>tes dos dados pessoais de determinado sujeito, há o oferecimento de pro-</p><p>dutos ou serviços a ele relacionados. Ao consumidor, em troca, os benefí-</p><p>cios seriam a otimização do tempo na busca de seus interesses e o acesso</p><p>“gratuito” à rede social. Sabemos, no entanto, que esse acesso não é gratui-</p><p>to, mas monetizado a partir da coleta e tratamento dos dados pessoais dos</p><p>usuários da plataforma, conforme Bioni explica:</p><p>Em um primeiro momento, atrai-se o usuário para que ele usufrua do</p><p>produto ou serviço para, em um segundo momento, coletar seus dados</p><p>pessoais e, então, viabilizar o direcionamento da mensagem publicitária,</p><p>que a fonte da rentabilização.21</p><p>Nessa perspectiva, afirma-se de forma contundente que o pagamento seja</p><p>ele integral ou parcial de muitos produtos e serviços é realizado com os</p><p>dados pessoais do próprio consumidor.22</p><p>Diante desse funcionamento, os dados pessoais no ambiente virtual ex-</p><p>põem indivíduos e interferem na formação de seus selves, pois as informa-</p><p>ções inferidas nem sempre correspondem às suas expectativas. Essa dinâ-</p><p>mica muitas vezes afeta direitos fundamentais dos titulares desses dados</p><p>20 BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consen-</p><p>timento. Rio de Janeiro: Forense. 2019, passim.</p><p>21 Ibid., p. 26.</p><p>22 Ibid., p.27.</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>165</p><p>pessoais. As informações abstraídas de seus comportamentos no ambiente</p><p>virtual podem extrapolar o limite do consentimento ofertado, ofendendo a</p><p>privacidade e a intimidade dos indivíduos. Como exemplo, em 2018 dados</p><p>de mais de 50 milhões de pessoas foram tratados, inferindo informações de</p><p>perfis: a empresa britânica teria comprado acesso a dados pessoais de usu-</p><p>ários do Facebook, tratando-os para utilizar um sistema que permitiu pre-</p><p>dizer e influenciar as escolhas dos eleitores americanos nas urnas, segundo</p><p>a investigação dos jornais The Guardian e The New York Times. Por mo-</p><p>tivos como este, que se tornaram frequentes na última década em que a</p><p>evolução das TIPs foi exponencial, intensificou-se o movimento de prote-</p><p>ção aos dados pessoais.</p><p>Em uma breve retrospectiva, relembramos que a proteção aos dados</p><p>pessoais já era um direito fundamental no cenário europeu com a Declara-</p><p>ção Universal de Direitos Humanos de 1948. A Convenção 108 de 1981,</p><p>editada recentemente pelo Conselho da Europa, trouxe o tema à tona, com</p><p>a posterior criação da Diretiva 95/46/CE. O tratamento adequado dos da-</p><p>dos pessoais estava, portanto, presente nas preocupações empresariais,</p><p>mas não tanto no Brasil. Em 2016, com a promulgação do Regulamento</p><p>Geral de Proteção de Dados Europeu (GDPR) e as altas sanções previstas,</p><p>as empresas com tratamento de dados a ele sujeitas passaram a se atentar</p><p>ainda mais aos limites do tratamento dos dados pessoais e na inferência de</p><p>informações dos titulares dos dados, intensificando o movimento de pro-</p><p>teção em todo o mundo23. No cenário nacional, tivemos a promulgação da</p><p>Lei 13.709 em 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados</p><p>(LGPD) que, menos detalhada que o GDPR, também prevê altas sanções</p><p>em casos de desconformidade legal.</p><p>Nessas regulações, são previstos princípios para o adequado tratamento</p><p>dos dados pessoais, como finalidade, adequação, necessidade, livre acesso,</p><p>qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discrimi-</p><p>23 Mais de 130 países possuem leis de proteção aos dados pessoais atualmente.</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>166</p><p>nação, responsabilização e prestação de contas, que visam à autodetermi-</p><p>nação informacional do indivíduo. Vários são os direitos desses titulares,</p><p>que poderão requerer, a título exemplificativo, a exclusão, a portabilidade,</p><p>a retificação, a anonimização, a confirmação, o acesso, a oposição ao tra-</p><p>tamento de seus dados, bem como a revisão de uma decisão informatizada</p><p>feita a partir das suas informações. Neste último caso, as informações dos</p><p>titulares dos dados provenientes de uma análise de seus dados disponibili-</p><p>zados motivarão uma decisão que poderá ser revista, não deixando o indi-</p><p>víduo à mercê da abstração de informações feita pela empresa.</p><p>Estudos da Filosofia da Informação, brevemente apresentada com fun-</p><p>damento nas teorias de Floridi, auxiliam na conscientização de que há</p><p>grande dificuldade de inferir informações condizentes com a realidade e</p><p>que estejam de acordo com o que os titulares dos dados pessoais esperam.</p><p>Isso porque a utilização de tecnologias facilita cada vez mais essa dinâmica</p><p>de tratamento de dados, influenciando na criação de selves que, muitas</p><p>vezes, não correspondem aos seus titulares. No cenário atual, o tratamento</p><p>dos dados pessoais, em conformidade com as regulações mencionadas,</p><p>poderá ajudar na construção do “eu” e do seu self na dinâmica da vida</p><p>“onlife” de acordo com as expectativas do sujeito, prezando-se pela auto-</p><p>determinação informacional.</p><p>5. Considerações finais</p><p>Na “Quarta Revolução Industrial”, as Inteligências Artificiais, Tecnolo-</p><p>gias da Informação e Comunicação (TICs) transformam o mundo de for-</p><p>ma acelerada, impactando na compreensão do “eu” e na sua percepção de</p><p>mundo. No mundo online, através dos nossos dados pessoais, deixamos</p><p>pegadas virtuais que serão interpretadas por terceiros como informações,</p><p>formando um perfil - um self - nesse ambiente. Esse self molda as relações</p><p>sociais do sujeito, mas também pode ser utilizado comercialmente. Isso</p><p>porque a exploração dos dados pessoais, principalmente no que tange às</p><p>A informação e a compreensão do “eu” na era digital</p><p>167</p><p>superplataformas, se tornou um tema economicamente estratégico.</p><p>Com o avanço da tecnologia, conseguimos processar imensas quanti-</p><p>dades de dados, tendo como eixo central o indivíduo. O poder dos méto-</p><p>dos estatísticos, a massa de dados, o barateamento de tratamento, bem</p><p>como o ambiente em que as informações são inferidas, são fatores que</p><p>apenas fortalecem um laço indissociável entre dados e inteligência artificial</p><p>(TICs) voltados à obtenção de lucros. A partir disso, são inferidas informa-</p><p>ções voltadas aos interesses comerciais do agente que as trata para o ofere-</p><p>cimento de produtos e serviços que, muitas vezes, não correspondem à</p><p>realidade. Além disso, podem extrapolar as finalidades para as quais os</p><p>dados pessoais foram coletados e, como consequência, as expectativas de</p><p>seus titulares.</p><p>A Filosofia da Informação,</p><p>brevemente mencionada nessa pesquisa, é a</p><p>proposta de uma área do saber destinada a investigar uma série de pro-</p><p>blemas originados e relacionados com o desenvolvimento do acesso da</p><p>informação por parte da sociedade e tecnologias que interferirão na auto-</p><p>compreensão do “eu” e do mundo. Entendemos que a questão levantada,</p><p>envolvendo ética no tratamento de dados pelas empresas, deve ser explo-</p><p>rada diante das perspectivas dessa área, vez que pode influenciar direta-</p><p>mente na cognição do sujeito como indivíduo e na perspectiva de mundo</p><p>que possui. Não apenas, as informações inferidas poderão tanto prejudicar</p><p>quanto beneficiar o indivíduo, sendo de extrema necessidade que haja</p><p>respeito ao princípio da autodeterminação informacional. Caso contrário,</p><p>seremos vítimas das informações abstraídas de nossos dados pessoais sem</p><p>que tenhamos, sequer, conhecimento.</p><p>Referências</p><p>BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites</p><p>do consentimento. Rio de Janeiro: Forense. 2019.</p><p>BURCH, Sally. The information society/The knowledge society. Disponível</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato · Yolanda Corrêa Rosa</p><p>168</p><p>em: http://www.vecam.org/article517.html. Acesso em: 18 mar. 2020.</p><p>DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. São Paulo:</p><p>Revista dos Tribunais, 2019.</p><p>FLORIDI, Luciano. Information ethics: on the theoretical foundations of</p><p>computer ethics. Ethics and Information Technology, v. 1, n. 1, 1999.</p><p>FLORIDI, Luciano. The informational nature of personal identity. Minds</p><p>& Machines, Dordrecht, v. 21, 2011.</p><p>FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford Uni-</p><p>versity Press, 2011.</p><p>FLORIDI, Luciano. What is the Philosophy of Information? Metaphiloso-</p><p>phy, v. 33, n. 1/2, jan. 2002, pp. 123-145.</p><p>PECK, Patricia. Direito Digital. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>SEMIDÃO, R. A. M. Dados, Informação e Conhecimento enquanto elemen-</p><p>tos de compreensão do universo conceitual da Ciência da Informação:</p><p>contribuições teóricas. Marília, 2014. 198 f. Dissertação (Mestrado).</p><p>Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - Faculdade</p><p>de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista – UNESP, Ma-</p><p>rília, 2014.</p><p>__________________________________________________</p><p>QUINELATO, Pietra Daneluzzi; ROSA, Yolanda Corrêa. A informação e</p><p>a compreensão do “eu” na era digital: um ensaio a partir dos estudos de</p><p>Luciano Floridi. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR,</p><p>José Luiz de Moura (Coords.); BORGES, Gabriel de Oliveira Aguiar; REIS,</p><p>Guilherme (Orgs.). Fundamentos de direito digital: a ciência jurídica na</p><p>sociedade da informação. Uberlândia: LAECC, 2020, pp. 155-168.</p><p>__________________________________________________</p><p>169</p><p>O DIREITO À PRIVACIDADE: ORIGEM</p><p>HISTÓRICA E JURÍDICA</p><p>7</p><p>Tales Calaza</p><p>1. Introdução</p><p>A privacidade tem sido um tema cada dia mais presente no cotidiano</p><p>global. Com o avanço das tecnologias e seu uso pela atual sociedade da</p><p>informação, o direito à privacidade vem sendo relativizado e, inclusive,</p><p>esquecido, ao passo em que as pessoas fornecem seus dados em troca de</p><p>futilidades, como benefícios em jogos de celulares e acessos a sites aleató-</p><p>rios de entretenimento.</p><p>Atualmente, a discussão sobre o fornecimento dos dados pessoais tem</p><p>avançado, de modo que as pessoas já começaram a questionar a real neces-</p><p>sidade de compartilhamento destes itens de privacidade em contextos</p><p>inadequados. Mais especificamente, o Brasil também tem avançado neste</p><p>sentido, com o surgimento de normas legais regulatórias e sancionatórias</p><p>aplicáveis ao tratamento indevido de dados, como o Marco Civil da Inter-</p><p>net (Lei n° 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n°</p><p>13.709/2018).</p><p>Em que pese essa discussão jurídica sobre a privacidade aparentemente</p><p>ter “surgido” na atualidade, sua real origem pode ser observada no ano de</p><p>1890, em um texto publicado na Harvard Law Review, por Samuel D.</p><p>Tales Calaza</p><p>170</p><p>Warren e Louis D. Brandeis1, sendo que o presente trabalho utilizar-se-á</p><p>do método hipotético-dedutivo, se baseando nesta e outras doutrinas</p><p>combinadas com reflexões sobre a origem e a evolução do direito à priva-</p><p>cidade. Ao final, procurar-se-á estabelecer os pontos de contato do tema</p><p>com a problemática investigada, apresentando-se as considerações finais.</p><p>2. O contexto tecnológico do início da proteção dos dados pessoais</p><p>Não é nenhuma novidade que, pelo senso comum, o termo “dados” es-</p><p>tá intrinsecamente ligado à ideia de tecnologia. Entretanto, para a possível</p><p>surpresa do leitor, a proteção dos dados pessoais foi inicialmente proposta</p><p>por um artigo publicado muito antes do surgimento do primeiro compu-</p><p>tador, que dirá da internet em si.</p><p>Para possibilitar a visualização de uma ordem cronológica, no ano de</p><p>1941, Konrad Zuse completou o primeiro computador digital programável</p><p>eletromecânico totalmente funcional (o computador chamado de “Z3”).</p><p>Em 1958, Jack Kilby apresentou ao mundo o microchip. Em 1983, a Mi-</p><p>crosoft anuncia o Windows. Em 1998, Larry Page e Sergey Brin anunciam</p><p>o lançamento do Google2.</p><p>O artigo supracitado, que deu início à discussão jurídica sobre o direito</p><p>à privacidade, foi publicado em 1890. Este foi o mesmo ano que o censo foi</p><p>tabulado pela primeira vez com as máquinas de cartões perfurados de</p><p>1 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>2 ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital. 1ª ed. São</p><p>Paulo: Companhia das Letras, 2014. Ordem cronológica apresentada pela brilhante</p><p>obra “Os Inovadores”, de Walter Isaacson, autor de “Steve Jobs: A Biografia”. Na-</p><p>quela obra, o autor apresenta o que ele denomina de “uma biografia da revolução di-</p><p>gital”, ao trazer minuciosos detalhes desde o primeiro ideal de um computador, rela-</p><p>tado por Ada Lovelace em 1843, até a complexa revolução digital que presenciamos</p><p>na contemporaneidade.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>171</p><p>Herman Hollerith, que ocorreu meio século antes de serem apresentadas</p><p>as válvulas termiônicas, que posteriormente seriam substituídas pelos mi-</p><p>crochips, o que demonstra que a busca pelo direito à privacidade ocorreu</p><p>muito anteriormente em relação às atuais violações proporcionadas pelas</p><p>redes sociais, pelos vazamentos de dados das grandes empresas e pelos</p><p>diferentes meios de invasões à privacidade que a sociedade vive na con-</p><p>temporaneidade.</p><p>A obra que deu início a essa discussão foi publicada na Harvard Law</p><p>Review, por Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, nomeada “The Right</p><p>to Privacy”3, sendo ela considerada um dos ensaios mais relevantes e influ-</p><p>entes da história do direito americano, por ser reconhecida como a primei-</p><p>ra publicação a defender o direito à privacidade, sob o pretexto de que este</p><p>seria tutelado a partir do que os autores nomeiam de “right to be left alo-</p><p>ne”, ou seja, “o direito de ser deixado em paz”.</p><p>Tendo em vista que, na época da publicação do texto, ainda não haviam</p><p>redes sociais ou tecnologias de compartilhamento de informações massi-</p><p>vas, ele foi inspirado nas violações e invasões que as colunas sociais dos</p><p>jornais da época provocavam nas vidas íntimas das pessoas.</p><p>Com essas considerações, chega-se ao objeto investigado pelo presente</p><p>estudo: observar o contexto em que a proteção à privacidade começou a</p><p>ser discutido e as transformações que este direito sofreu até a atualidade.</p><p>3. O surgimento da proteção à privacidade</p><p>Levando em consideração que a discussão acerca da tutela do direito à</p><p>privacidade se iniciou nos Estados Unidos, com a publicação do artigo</p><p>comentado, será utilizado este marco teórico para o presente estudo.</p><p>Apesar de a publicação do artigo somente ter ocorrido em 1890, e as tu-</p><p>3 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to</p><p>privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>Tales Calaza</p><p>172</p><p>telas legais surgirem posteriormente, é inegável que os princípios relacio-</p><p>nados à proteção dos direitos individuais da pessoa e de sua intimidade são</p><p>tão antigos quanto o próprio surgimento do common law4. Dessa forma,</p><p>com o passar do tempo, se mostrou necessário definir novas naturezas e</p><p>novos limites para a adequada tutela destes direitos.</p><p>No início da aplicação do common law, a lei garantia apenas um remé-</p><p>dio jurídico para interferências físicas que envolviam a vida e a proprieda-</p><p>de, de modo que somente eram tuteladas ações concretas, palpáveis. O</p><p>direito à liberdade era apenas garantido em relação à liberdade física, cor-</p><p>pórea, e não à liberdade subjetiva como entende-se hoje, que é garantida a</p><p>liberdade de expressão, de pensamento, entre outras. Da mesma forma, a</p><p>proteção à propriedade era somente garantida em casos de invasão à pro-</p><p>priedade, de modo que propriedades imateriais, como marcas, patentes,</p><p>não eram protegidas.</p><p>Com o avanço da lei, outros direitos pessoais passaram a ser reconheci-</p><p>dos e tutelados, os chamados “direitos de natureza espiritual”5, que envol-</p><p>vem os sentimentos e o intelecto. Neste momento, é possível visualizar o</p><p>início de uma tutela do que hoje é conhecido por “dano moral” (proteção</p><p>jurídica dos sentimentos) e por “direito autoral” (proteção jurídica ao</p><p>intelecto).</p><p>Na época da publicação do artigo estudado (ano de 1890), os autores</p><p>comentam que o direito havia evoluído para um patamar em que grandes</p><p>áreas estruturais do direito compreendiam proteções atuais à época, a</p><p>exemplo de o direito à vida, que passava a compreender o direito de “cur-</p><p>tir a vida”, e não apenas de continuar vivo; o direito à liberdade, que pas-</p><p>4 Common Law é o modelo jurídico adotado nos Estados Unidos, que garante uma</p><p>maior força jurídica aos precedentes (casos concretos) do que à legislação em si. É di-</p><p>ferente do Civil Law, modelo adotado no Brasil, que garante uma maior validade ju-</p><p>rídica às leis do que aos precedentes.</p><p>5 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>173</p><p>sava a envolver o exercício dos privilégios da vida civil, como a liberdade</p><p>de expressão e de pensamento; e o direito à propriedade, que passava a</p><p>tutelar a propriedade intelectual, ao passo em que compreendia itens tan-</p><p>gíveis e intangíveis.</p><p>Em relação à segurança da pessoa, inicialmente, era apenas garantida a</p><p>proteção contra violações estritamente físicas praticadas contra o indiví-</p><p>duo, ou seja, a lei tipificava apenas atos que resultavam em efetivas lesões</p><p>ao corpo, como homicídio e lesão corporal. Com o avanço do common</p><p>law, outras condutas, que não só efetivamente causavam lesões, mas que</p><p>poderiam vir a causar danos, passaram a ser tuteladas, como o roubo e o</p><p>uso de substâncias letais. Posteriormente, a lei evoluiu de tal forma que</p><p>extrapolou os limites físicos da segurança e passou a tutelar a qualidade de</p><p>vida, como a tranquilidade da pessoa frente a itens subjetivos como maus</p><p>odores, barulhos altos, fumaça e sujeira. E foi nesse momento que surgiu a</p><p>chamada “Law of Nuisance” (traduzida como “Lei dos Incômodos”), que</p><p>veio com o principal objetivo de tutelar as emoções e sensações humanas</p><p>que vão além do físico e do corpóreo.</p><p>O desenvolvimento desta lei era inevitável, uma vez que o decorrer do</p><p>tempo traz consigo a evolução exponencial de intensas emoções e de de-</p><p>senvolvimento intelectual, deixando evidente, para a época, que a lei não</p><p>poderia se limitar apenas a tutelar bens jurídicos físicos, uma vez que os</p><p>pensamentos, as emoções e as sensações clamavam por seu reconhecimen-</p><p>to e sua proteção jurídica, visto que o direito à privacidade, mesmo que</p><p>ainda não fosse legalmente reconhecido, já se mostrava ameaçado ao passo</p><p>em que, já no ano de publicação do texto, as mídias impressas invadiam a</p><p>vida privada e doméstica das pessoas, por intermédio das notícias e dos</p><p>paparazzi, o que levou a discussão que fez surgir o direito de ser deixado</p><p>em paz (right to be left alone).6</p><p>6 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>Tales Calaza</p><p>174</p><p>Os autores do texto de objeto deste estudo fizeram questão de deixar</p><p>claro que não são contra a propagação de notícias pelas mídias impressas,</p><p>mas repudiam quando a notícia é baseada em uma “fofoca”, de modo que</p><p>se apresenta como uma moeda viciada7 que propaga informações íntimas</p><p>da vida das pessoas, em troca de reconhecimento e dinheiro para fomentar</p><p>a indústria de invasão à privacidade. Ainda é feita uma comparação com</p><p>outros modelos de negócio, visto que a oferta e a demanda estão vincula-</p><p>das, de modo que a propagação de cada notícia íntima sobre a vida do</p><p>indivíduo gera o desejo de mais informações desse cunho, o que desenca-</p><p>deia cada vez mais a publicação de notícias inverídicas, sensacionalistas,</p><p>fantasiosas e imorais.</p><p>Algo que merece ser criticado é a solução jurídica dada pela lei da época</p><p>nas situações acima apresentadas.</p><p>No final do século XIX, a common law tratava a propagação de notícias</p><p>inverídicas e imorais apenas como um instituto parecido com o que hoje</p><p>entende-se por “difamação”, de modo que a lei apenas protegia os danos</p><p>externos causados ao indivíduo, uma vez que o ordenamento jurídico se</p><p>encontrava mais preocupado com uma tutela material do que com uma</p><p>tutela espiritual (como o caso do dano moral)8.</p><p>Como a legislação não tutelava os danos imateriais causados pela viola-</p><p>ção da privacidade, os autores de “The Right to Privacy” defendiam que,</p><p>nestes casos, deveria ser aplicado o princípio do damnum absque injuria9,</p><p>7 O termo “moeda viciada” é utilizado pelos autores para evidenciar que a indústria da</p><p>mídia utilizava as informações íntimas das pessoas, sem o seu consentimento ou</p><p>mesmo sua ciência, por isso o termo “viciada”, para obter lucro às custas de sua vida</p><p>privada, de modo que as notícias se transformavam em uma verdadeira fonte de ren-</p><p>da, por isso o termo “moeda”.</p><p>8 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>9 Damnum absque injuria é o princípio utilizado quando uma pessoa sofre uma lesão</p><p>que não é física. Pode ser traduzido como “dano sem lesão”. Ocorre quando há algo</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>175</p><p>de modo que as lesões subjetivas causadas ao indivíduo deveriam gerar</p><p>consequências ao infrator, uma vez que não deveriam apenas ser tuteladas</p><p>as lesões externas causadas ao indivíduo, mas este também deveria ver</p><p>compensados os danos que sofreu internamente, como sua própria estima</p><p>e seus sentimentos como elementos essenciais atingidos pela ação violado-</p><p>ra10. É partindo deste ideal que pode se verificar a evolução para o que se</p><p>entende hoje por dano moral.</p><p>O real empecilho da época que retardava o surgimento e a consolidação</p><p>do direito à privacidade ocorria ao passo em que a maior parte da socieda-</p><p>de não via sua violação como algo relevante, que merecia ser juridicamente</p><p>tutelado.</p><p>Para contornar este entendimento e trazer uma maior relevância jurídi-</p><p>ca ao instituto da privacidade, os autores de “The Right to Privacy” propõe</p><p>uma analogia para que sua violação fosse entendida como uma violação</p><p>direta à honra, e mais, uma violação à propriedade (um dos institutos mais</p><p>protegidos à época).</p><p>Passa-se a elaborar: o direito à propriedade, conforme já exposto, inici-</p><p>almente compreendia somente itens tangíveis (palpáveis).</p><p>Com o avanço do direito, passou a compreender também itens intangí-</p><p>veis, como marcas e patentes (propriedades intelectuais)11. Para o item</p><p>intangível ser considerado uma propriedade, os autores propõem que ele</p><p>deveria atender a três requisitos, quais sejam, ser transferível, ter valor e</p><p>sua publicação ou reprodução também gerar valor.</p><p>Dessa forma, uma vez que as notícias íntimas fossem publicadas sobre</p><p>parecido com um “dano aos sentimentos”, que nada mais é do que hoje é conceitua-</p><p>do como dano moral, que evoluiu deste conceito.</p><p>10 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>11 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>Tales Calaza</p><p>176</p><p>as pessoas, violando sua privacidade, elas atendiam a estes três requisitos</p><p>(eram transferíveis, tinham valor e sua publicação gerava ainda mais va-</p><p>lor), o que deveria as levar a serem compreendidas como propriedade, de</p><p>modo que mereciam ser juridicamente tuteladas. Surge então o começo do</p><p>conceito do que hoje compreende-se como direito de imagem e direito</p><p>autoral.</p><p>Algo que gerou a indagação dos autores e um dos itens que deu início</p><p>ao seu estudo sobre o tema, foi o chamado “caso da carta”12.</p><p>Nesse exemplo, inicialmente, trabalha-se com a hipótese de uma carta</p><p>redigida por um artista contendo uma composição literária.</p><p>É inegável que, à esta carta, será garantida a proteção legal de uma pro-</p><p>priedade intelectual. Entretanto, e se esta carta não contiver um produto</p><p>intelectual, mas apenas relatar, por exemplo, uma ocorrência doméstica?</p><p>Como um pai escrevendo para seu filho relatando algo íntimo sobre a saú-</p><p>de de sua mãe? Neste caso, muitos entenderiam que não há nada a ser</p><p>protegido, e o conteúdo seria irrelevante, de modo que sua violação não</p><p>geraria consequências.</p><p>Entretanto, veja que, neste caso, o conteúdo merece idêntica proteção</p><p>legal, mas aqui os itens tutelados não seriam composições artísticas ou</p><p>obras literárias, mas sim os fatos relatados, uma vez que o vazamento deste</p><p>conteúdo não geraria hipóteses de lucros cessantes ou direitos autorais,</p><p>mas geraria vantagens indevidas a terceiros, às custas de quem teve sua</p><p>intimidade violada, o que causaria o chamado “dano sentimental”.13</p><p>As considerações acima realizadas levam à conclusão de que, a proteção</p><p>assegurada aos pensamentos, aos sentimentos e às emoções, expressadas</p><p>por escrito ou por outros meios, assim como a proteção aos conteúdos</p><p>12 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 201.</p><p>13 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>177</p><p>cujos autores visam obstar a publicação, seriam itens englobados e tutela-</p><p>dos pela teoria do “Right to be Left Alone”14, ou seja, o direito de ser dei-</p><p>xado em paz. Ao passo em que essa teoria passa a ser estudada e aplicada</p><p>de forma ampla, começa a se consolidar um inicial direito à personalidade,</p><p>que é algo consagrado no ordenamento jurídico brasileiro atual.</p><p>Com o avanço dos estudos na área, foi verificado que, em que pese o</p><p>brilhantismo dos autores ao propor uma analogia entre o direito à privaci-</p><p>dade e o direito à propriedade, este não compreendia aquele15, uma vez</p><p>que este já era legalmente delimitado, enquanto aquele não possuía limites</p><p>ou extensões para sua tutela, de modo que deveria evoluir e compreender</p><p>diversos outros institutos ainda não protegidos, como a aparência pessoal,</p><p>a forma de comunicação, os atos e as relações pessoais e domésticas.</p><p>O grande desafio, proposto à época, seria encontrar a tênue linha exis-</p><p>tente entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão, de modo a</p><p>aliar os campos do bem social e da informação da sociedade à conveniên-</p><p>cia individual e a dignidade de cada pessoa. Nesse sentido, os autores ci-</p><p>tam que este instituto já encontrou expressão na legislação francesa, na</p><p>conhecida Loi Relative à la Presse (Lei da Imprensa), que tipificava a con-</p><p>duta de publicar fatos relativos à vida privada em jornais, o que seria con-</p><p>siderado uma contravenção punida pecuniariamente16.</p><p>Em conclusão, para chegar ao objetivo almejado, os autores trazem</p><p>princípios que deveriam ser observados para garantir que a liberdade de</p><p>expressão não entrasse em conflito com o direito à privacidade.</p><p>Para alcançar essa finalidade, o direito à privacidade não deveria proi-</p><p>14 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 193.</p><p>15 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 203.</p><p>16 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 214.</p><p>Tales Calaza</p><p>178</p><p>bir qualquer publicação de matéria que consistisse em interesse público,</p><p>genérico ou que a lei definisse como comunicação privilegiada. Da mesma</p><p>forma, a lei não concederia nenhuma reparação por invasão de privacida-</p><p>de realizada por publicação oral, se não fosse demonstrada a ocorrência de</p><p>danos no caso concreto.</p><p>Além dos princípios acima trazidos, o direito à privacidade sobre um</p><p>fato cessaria com a sua publicação pelo próprio indivíduo, ou com o seu</p><p>consentimento, assim como a verdade da matéria publicada não afastaria a</p><p>caracterização de invasão de privacidade, uma vez que este ramo do direito</p><p>não estaria preocupado com a verdade das informações, mas sim com a</p><p>intimidade do indivíduo.</p><p>Por fim, quanto aos princípios para garantir a harmonia do direito à</p><p>privacidade com a liberdade de expressão, deveria ser notório que a ausên-</p><p>cia de “malícia” de quem publicou a matéria não afastaria a caracterização</p><p>de invasão, uma vez que a incorrência em tal conduta corresponderia a</p><p>caracterização da responsabilidade objetiva trazida pelo ordenamento ju-</p><p>rídico brasileiro, ou seja, independe da demonstração de culpa por parte</p><p>do infrator. 17</p><p>Em que pese estes princípios terem sido trazidos em 1890, muitos deles</p><p>se mostram extremamente atuais e, apesar de serem desenvolvidos para</p><p>aplicação no common law, também são perfeitamente aplicáveis ao civil</p><p>law, como é possível observar nas legislações brasileiras recentes que vi-</p><p>sam tutelar o que se tem hoje delimitado com direito à privacidade.</p><p>4. O direito à atual privacidade</p><p>O ideal inicial de um direito à privacidade, conforme já exposto, surgiu</p><p>formalmente em 1890, ante a publicação de um artigo de autoria de Samu-</p><p>17 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law</p><p>Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, passim.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>179</p><p>el D. Warren e Louis D. Brandeis. A partir deste ponto, este conceito evo-</p><p>luiu, foi adaptado e adotado em outros países, legislações e ordenamentos</p><p>jurídicos.</p><p>Ocorre que, ao passo em que a legislação relativa ao direito à privacida-</p><p>de evolui de forma gradual, as tecnologias que permitem a invasão e a vio-</p><p>lação da intimidade evoluem de maneira exponencial, de modo que a tute-</p><p>la deste direito não deve apenas ser realizada em conformidade com a lei</p><p>vigente, mas também com os princípios, os costumes e a analogia, de mo-</p><p>do que as demais fontes do direito devem ser exploradas para garantir</p><p>proteção mais completa possível à este direito constitucional (Artigo 5°,</p><p>inciso X da CF)18.</p><p>Na atual sociedade da informação19,</p><p>o conceito de privacidade já não é</p><p>o mesmo utilizado em 1890. Com a intensa e volumosa transmissão de</p><p>dados e informações, em velocidade cada vez maior, é possível que um</p><p>dado percorra todo o planeta em questão de segundos, ultrapassado as</p><p>barreiras temporais e territoriais20.</p><p>Por este motivo, os estudiosos da área celebram a criação de novas le-</p><p>gislações acerca do interesse à proteção de dados (à exemplo do Regula-</p><p>mento Europeu de Proteção de Dados e da Lei Geral de Proteção de Da-</p><p>dos), mas não se apegam estritamente à lei, de modo que a doutrina criou</p><p>um novo campo, denominado direito digital, utilizado para discutir, estu-</p><p>dar e desenvolver conceitos e ideais diretamente ligados aos conceitos de</p><p>dados e privacidade. Perceba que, a área é nova, mas seu objeto de discus-</p><p>são é o produto derivado das legislações e fontes do direito anteriores, em</p><p>18 BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2ycZYQk. Acesso em 12 abr. 2020.</p><p>19 Termo popularizado pelo livro The production and distribution of knowledge in the</p><p>United States, de autoria do economista Fritz Machlup, publicado em 1962.</p><p>20 LIMA, Átila Pereira. O direito ao esquecimento na era da sociedade da informação.</p><p>In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coord.).</p><p>Estudos essenciais de direito digital. Uberlândia: LAECC, 2019, p. 45-66.</p><p>Tales Calaza</p><p>180</p><p>conjunto com os anseios do desenvolvimento da sociedade:</p><p>Não devemos achar, portanto, que o direito digital é totalmente novo. Ao</p><p>contrário, tem ele sua guarda na maioria dos princípios do Direito atual,</p><p>além de aproveitar a maior parte da legislação em vigor. A mudança está</p><p>na postura de quem a interpreta e faz sua aplicação. (...) O Direito tem de</p><p>partir do pressuposto de que já vivemos uma sociedade globalizada. Seu</p><p>grande desafio é ter perfeita adequação em diferentes culturas, sendo ne-</p><p>cessário, por isso, criar a flexibilidade de raciocínio, nunca as amarras de</p><p>uma legislação codificada que pode ficar obsoleta rapidamente.21</p><p>Na contemporaneidade, os indivíduos se deparam cotidianamente com</p><p>situações muito mais emblemáticas envolvendo sua privacidade do que as</p><p>meras publicações jornalísticas invasivas que ocorriam no século XIX.</p><p>Hoje, é possível se deparar com institutos como: o direito ao esquecimen-</p><p>to, data mining, política de cookies, copyright, uso de drones, testamento</p><p>digital em rede social, vazamentos massivos de dados e muitas outras hi-</p><p>póteses que põe à prova a evolução jurídica do direito à privacidade indi-</p><p>vidual.</p><p>Trazendo a discussão para a realidade nacional, o Brasil começou sua</p><p>jornada de proteção aos dados de forma tímida, com publicações iniciais</p><p>de leis que não surtiram a complexidade dos efeitos desejados, como a Lei</p><p>de n° 12.737/2012, também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que</p><p>regula a violação de dispositivos informáticos, e a Lei n° 12.965/2014, tam-</p><p>bém conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece os princípios</p><p>garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país22.</p><p>Entretanto, apesar da discussão aparentar ser recente em âmbito nacio-</p><p>nal, veja que a Constituição Federal de 1988, no inciso X de seu artigo 5°, já</p><p>21 PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35.</p><p>22 MEIRA, Matheus Junqueira de Almeida. Acesso à internet como direito fundamen-</p><p>tal. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Co-</p><p>ord.). Estudos essenciais de direito digital. Uberlândia: LAECC, 2019, p. 291-327, p.</p><p>291-327.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>181</p><p>trazia a proteção à intimidade como um direito fundamental, ou seja, já</p><p>visava tutelar a privacidade do indivíduo.</p><p>Atualmente, o Brasil se encontra na vanguarda do direito digital, uma</p><p>vez que, além de possuir uma legislação própria para lidar diretamente</p><p>com a proteção dos dados pessoais23, o país também possui diversos pro-</p><p>fissionais jurídicos e dos ramos da tecnologia atuando em conjunto para</p><p>proporcionar a garantia à privacidade da maneira mais efetiva possível.</p><p>Além dos institutos já consagrados no ordenamento jurídico, relativos</p><p>à tutela da privacidade, e o grande interesse que os estudiosos da área têm</p><p>demonstrado no assunto (a exemplo dos incontáveis eventos de direito</p><p>digital que ocorreram entre os anos de 2019 e 2020), o Brasil se coloca à</p><p>frente do mundo inteiro ao passo em que apresentou uma PEC para inclu-</p><p>ir o acesso à internet como direito fundamental do cidadão24.</p><p>Dessa forma, a visão do futuro é otimista em relação à proteção da pri-</p><p>vacidade e dos dados pessoais, objetivada inicialmente pelos autores Sa-</p><p>muel D. Warren e Louis D. Brandeis, em 1890, de modo que o caminhar</p><p>da humanidade se mostra desenvolto a tutelar legalmente e proteger essa</p><p>premissa fundamental, acompanhando o desenvolvimento das tecnologias</p><p>exponenciais.</p><p>Para finalizar o tema, este autor lhes traz uma reflexão25:</p><p>A proteção da sociedade deve surgir a partir do reconhecimento dos direi-</p><p>tos de cada indivíduo. Cada pessoa é responsável pelas próprias ações e</p><p>omissões. Se a pessoa tolera o que ela reprova, é o mesmo que buscar a paz</p><p>com uma arma na mão, de modo que será igualmente responsável pelos</p><p>23 BRASIL. Planalto. Lei n° 13.709/2018. Lei geral de proteção de dados. Disponível em:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso</p><p>em 11 fev. 2020.</p><p>24 BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC 185/15. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2M4fM9q. Acesso em 11 mar. 2020.</p><p>25 Inspirado por WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy.</p><p>Harvard Law Review, Cambridge, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 220, trad. livre.</p><p>Tales Calaza</p><p>182</p><p>resultados. O common law, assim como o civil law, sempre reconheceu a</p><p>casa de um homem como seu castelo inexpugnável, então deveriam os tri-</p><p>bunais fechar o portão principal frente à autoridade constituída e abrir o</p><p>portão dos fundos para satisfazer a curiosidade ociosa?</p><p>Ainda há muito o que se discutir sobre a extensão e os limites da priva-</p><p>cidade, assim como a proteção e a ética que a envolve, mas se espera que</p><p>esta obra possa ser um grande passo inicial na jornada de estudo deste</p><p>instituto essencial que a cada dia se torna mais necessário na sociedade da</p><p>informação.</p><p>5. Considerações finais</p><p>Pelo que se apurou neste estudo, não resta dúvidas que o direito à pri-</p><p>vacidade encontrou espaço para sua instauração e desenvolvimento no</p><p>ordenamento jurídico pátrio.</p><p>Foi possível observar o tímido caminhar inicial de um ideal de proteção</p><p>aos dados pessoais trazidos pelo artigo inicialmente publicado em 1890,</p><p>até a gigantesca revolução global contemporânea neste sentido, com a</p><p>publicação e vigência de leis que alteram a estrutura de todos que realizam</p><p>o tratamento de dados, desde um simples comerciante local até a maior</p><p>companhia multinacional.</p><p>A tendência mundial é seguir os exemplos de países que estão na van-</p><p>guarda da tutela do direito à intimidade, como o Brasil e os integrantes da</p><p>União Europeia, de modo que, em alguns anos, será possível realizar um</p><p>tratamento de dados de forma segura em qualquer local do globo, o que</p><p>nada mais é do que um dever de adaptação ao surgimento e evolução das</p><p>tecnologias exponenciais.</p><p>Espera-se que o direito digital continue a evoluir e que traga, por evi-</p><p>dente, inovações condizentes com a proteção à segurança de dados indivi-</p><p>duais e coletivos, premissa essencial para a construção de uma sociedade</p><p>da informação.</p><p>O direito à privacidade: origem histórica e jurídica</p><p>183</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC 185/15. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2M4fM9q. Acesso em 11 mar. 2020.</p><p>BRASIL. Planalto. Lei n° 13.709/2018. Lei geral de proteção de dados. Dis-</p><p>como “agrupamentos complexos instituídos por inte-</p><p>rações sociais apoiadas em tecnologias digitais de comunicação”10. Segun-</p><p>do Gabardo, as redes sociais também podem representar “relações que não</p><p>são obrigatoriamente comunicacionais, como, por exemplo, relações co-</p><p>merciais e diplomáticas entre países ou, ainda, relações comerciais entre</p><p>empresas”.11</p><p>Dois elementos compõem as redes sociais, quais sejam: os atores e as</p><p>conexões entre estes atores. Os atores são os indivíduos e os grupos, consi-</p><p>derados os nós da rede. As conexões são as interações ou os laços sociais</p><p>que existem entre estes nós.12</p><p>As redes sociais são marcadas pelas comunidades virtuais, que tem co-</p><p>mo base os clusters. Um cluster é um grupo, um aglomerado de nós carac-</p><p>terizado pela desterritorialização dos laços sociais13. O agrupamento destas</p><p>comunidades pode se dar de acordo com características que os atores</p><p>compartilham (suas afinidades) ou então de acordo com a topologia da</p><p>7 Neste campo a autora destaca os trabalhos de Wellman e Gulia (1999); Wellman</p><p>(2001); Wellman, Chen e Weizen (2002), entre outros. (RECUERO, Raquel. Redes</p><p>sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 18-20).</p><p>8 Ibidem, p. 18-20.</p><p>9 GABARDO, Ademir Cristiano. Análise das redes sociais: uma visão computacional.</p><p>São Paulo: Novatec, 2015. p. 20.</p><p>10 RECUERO, op. cit., p. 13.</p><p>11 GABARDO, op. cit., p. 21.</p><p>12 RECUERO, op. cit., p. 24.</p><p>13 RECUERO, op.cit., p. 135.</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>189</p><p>rede14.</p><p>Um outro conceito muito importante para entender as redes sociais di-</p><p>gitais e seu funcionamento é o de “capital social”. Putnam apud Recuero</p><p>conceitua capital social como a “conexão entre indivíduos - redes sociais e</p><p>normas de reciprocidade e confiança que emergem dela”15. Bourdieu, Co-</p><p>leman e Putnam apud Lemieux e Ouimet, definem o capital social em ter-</p><p>mos de recursos aos quais um ator tem acesso por meio de suas relações</p><p>sociais. Este capital pode ser utilizado para a consecução de fins coletivos</p><p>ou individuais.</p><p>Lemieux e Ouimet, utilizando a teoria dos grafos16 e se valendo da aná-</p><p>lise estrutural das redes sociais17, explicam que os atores sociais são defini-</p><p>dos pelas suas relações e pela forma como se dão estas relações. Para os</p><p>autores, conforme a teoria da centralidade de proximidade (closeness cen-</p><p>trality)18 quanto mais um ator se encontra afastado dos outros, mais auto-</p><p>nomia terá nas suas escolhas.19</p><p>14 GABARDO, op. cit., p. 69.</p><p>15 RECUERO, op. cit., p. 45.</p><p>16 Segundo Recuero “Um grafo é, assim, a representação de uma rede, constituído de</p><p>nós e arestas que conectam esses nós. A teoria dos grafos é uma parte da matemática</p><p>que se dedica a estudar as propriedades dos diferentes tipos de grafos. Essa represen-</p><p>tação de redes pode ser utilizada como metáfora para vários sistemas. (...) indivíduos</p><p>e suas interações também podem ser observados através de uma rede ou grafo” (RE-</p><p>CUERO, op. cit., p. 20)</p><p>17 Fazer uma análise estrutural, - que tem por objeto as formas estáveis, evolutivas ou</p><p>não que adquirem as relações entre os atores - nada mais é do que abordar os fenô-</p><p>menos sociais (LEMIEUX, Vicent; OUIMET, Mathieu. Análise Estrutural das Redes</p><p>Sociais. Lisboa: Instituto Piaget, 2004)</p><p>18 A teoria da centralidade de proximidade (ou de afastamento) estuda a “soma das</p><p>distâncias geodésicas [comprimento (em termos de aresta ou de arco) do caminho</p><p>mais curto que liga dois atores] que ligam um ator aos outros atores de um conjunto</p><p>de relações sociais” (LEMIEUX; OUIMET, op. cit., p. 118)</p><p>19 LEMIEUX; OUIMET, op. cit., p. 16-27.</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>190</p><p>Os estudos empíricos de Frank e Yasumoto apud Lemieux e Ouimet</p><p>demonstram que a posição estrutural de um ator influencia a ação que</p><p>levará a cabo diante de outros atores.20 Nestas interações, “a ação de um</p><p>depende da reação do outro e há uma orientação com relação às expectati-</p><p>vas” dos atores.21 Ademais, Mizruchi acredita que as redes têm influência</p><p>direta no comportamento dos atores sociais, promovendo impacto signifi-</p><p>cativo na interpretação de mundo das pessoas.</p><p>Recuero destaca os quatro valores mais comuns que permeiam as redes</p><p>sociais, quais sejam: a visibilidade, a reputação, a popularidade e a autori-</p><p>dade. Um dos principais é a reputação. A reputação é discutida pela autora</p><p>como relativa às informações recebidas pelos atores sobre o comporta-</p><p>mento dos demais e o uso dessas informações no sentido de deliberar co-</p><p>mo cada ator se comportará. Deste modo, nossa reputação pode ser influ-</p><p>enciada por nossas ações, mas depende das construções dos outros atores</p><p>sobre estas ações. Outro muito importante é a autoridade. A autoridade é</p><p>um valor per se, é o poder de influência de um ator na rede social. Ela</p><p>compreende a reputação, mas não se resume a ela.22</p><p>3. Livre desenvolvimento da personalidade</p><p>A vida humana é dotada de infinitas possibilidades e cabe a cada indi-</p><p>víduo, na intimidade do seu ser, decidir como tecerá a sua biografia. A</p><p>liberdade de construção da personalidade permite ao homem moldar os</p><p>seus planos de existência de acordo com a sua perspectiva sobre uma vida</p><p>boa e feliz.23</p><p>20 LEMIEUX; OUIMET, op. cit., p. 80-87.</p><p>21 RECUERO, op. cit., p. 31.</p><p>22 RECUERO, op. cit., p. 109-113.</p><p>23 MOREIRA, Rodrigo Pereira. Direito ao livre desenvolvimento da personalidade:</p><p>Caminhos para a Proteção e Promoção da Pessoa Humana. 2015. 290 f. Dissertação</p><p>(Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito Professor Jacy de Assis, Universidade</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>191</p><p>Uma das primeiras previsões em um ordenamento jurídico sobre o di-</p><p>reito ao livre desenvolvimento da personalidade foi a da Constituição Itali-</p><p>ana de 1947 que, em seus artigos 2 e 3, reconheceu que deveria a República</p><p>remover os obstáculos de ordem social e econômica que impedissem o</p><p>pleno desenvolvimento da pessoa humana.24 Além dela, a Declaração Uni-</p><p>versal dos Direitos Humanos de 1948 trouxe de forma expressa em seu</p><p>artigo 22 que todo ser humano tem direito ao livre desenvolvimento da sua</p><p>personalidade.25</p><p>Na Constituição Federal brasileira de 1988 não há menção expressa a</p><p>respeito do direito ao livre desenvolvimento, o que não significa que esse</p><p>direito fundamental não componha o arcabouço do sistema jurídico brasi-</p><p>leiro. Deste modo, faz-se necessária uma argumentação jurídica com o</p><p>intuito de definir a sua estrutura, função, limites e seu reconhecimento</p><p>como direito fundamental a partir do art. 5º, § 2º da Constituição e do</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana.26</p><p>Merece destaque, no ordenamento jurídico pátrio, a proteção conferida</p><p>pela Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 - a Lei Geral de Proteção de</p><p>Dados (LGPD) - ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa</p><p>natural. A LGPD faz menção expressa a este direito no seu artigo 1º e des-</p><p>taca, consoante artigo 2º, que a disciplina de proteção de dados pessoais</p><p>tem como um de seus fundamentos o livre desenvolvimento da personali-</p><p>dade.27</p><p>Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015), p. 10.</p><p>24 ITÁLIA. Constituição (1947). Constituição da República Italiana: Costituzione Itali-</p><p>ana – Edizione in Lingua Portoghese. Roma: Senado da República, 2018, art. (s) 2 e 3.</p><p>25 ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Hu-</p><p>manos (1948), art. 22.</p><p>26 MOREIRA, op. cit., p. 85.</p><p>27 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados</p><p>(LGPD). Presidência da República, Brasília. Disponível em:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm.</p><p>Acesso</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>192</p><p>O direito ao pleno desenvolvimento da personalidade (ou direito geral</p><p>da personalidade) consagra-se como um direito de liberdade individual</p><p>em relação à constituição da personalidade, garantindo-se a autonomia de</p><p>constituir uma personalidade livre, sem qualquer imposição de terceiros,</p><p>ou seja, emana tanto um conteúdo positivo, calcado na liberdade de agir,28</p><p>quanto um conteúdo negativo relacionado a não interferência ou impedi-</p><p>mento de outrem.29</p><p>O direito geral da personalidade pode ser compreendido em uma esfera</p><p>subjetiva e outra objetiva. Segundo Moreira, a primeira está relacionada</p><p>com a defesa da pessoa humana de forma a possibilitar a livre construção</p><p>da personalidade, assegurando uma autodeterminação própria do seu de-</p><p>senvolvimento. Sendo assim, uma vez violado ou ameaçado de violação,</p><p>esse direito garante à pessoa humana a possibilidade de exigir em juízo a</p><p>eliminação dessa perturbação.30</p><p>Na esfera objetiva, as relações sociais e ambientais em que a pessoa está</p><p>inserida também afetam o pleno desenvolvimento do seu ser, por isso é</p><p>preciso que exista a salvaguarda do exercício da liberdade, além de um</p><p>em: 09 jan de 2019.</p><p>28 Nesta acepção positiva, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em</p><p>muito se assemelha ao conceito ampliado de privacidade (um novo aspecto da liber-</p><p>dade) abordado na obra de Stefano Rodotá, “A vida na sociedade da vigilância: a pri-</p><p>vacidade hoje”. Segundo o autor, antes da aceleração trazida pelas inovações tecno-</p><p>lógicas, a maneira de se aplicar a definição convencional de privacidade já tinha evo-</p><p>luído. Tanto é que “sob o impulso dado por Louis Brandeis, emergiu uma visão na</p><p>qual a privacidade foi vista também como uma ferramenta de proteção a minorias e</p><p>opiniões dissonantes e, portanto, à livre manifestação e ao direito de livremente de-</p><p>senvolver a personalidade”. (RODOTÁ, op. cit., p. 15-16).</p><p>29 MIRANDA, Felipe Arady. O Direito Fundamental ao livre desenvolvimento da per-</p><p>sonalidade. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, ano 2, nº 10, p. 11175-</p><p>11211, 2013, p. 11178-11179.</p><p>30 MOREIRA, op. cit., p. 126.</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>193</p><p>ambiente adequado para essa construção.31 Assim, é função do Estado</p><p>zelar pelo livre desenvolvimento da personalidade, criando as condições</p><p>sociais e ambientais necessárias para a autoconstrução da pessoa humana,</p><p>conjugando-se, desta forma, a sua dimensão pessoal, subjetiva, e as suas</p><p>dimensões social e ambiental.32</p><p>4. As redes sociais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>O cadastro de uma pessoa numa rede social pode se dar por várias mo-</p><p>tivações. Em um estudo feito por Neto et al, foi constatado que o principal</p><p>motivo que leva as pessoas a acessarem as redes sociais é a influência dos</p><p>amigos.33 Nybo, por sua vez, destaca que na sociedade dataísta34 que esta-</p><p>mos vivendo, é impossível escolher não participar das redes sociais, posto</p><p>que deixaríamos de aproveitar oportunidades ou teríamos tantos desin-</p><p>centivos que nos sentiríamos forçados a participar desse modelo social.35</p><p>As redes sociais, para além de ser uma ferramenta de comunicação e in-</p><p>teração com amigos e familiares, atualmente, são utilizadas para a venda</p><p>de produtos, oferecimento de serviços, transmissão de videoaulas, divulga-</p><p>ção de notícias, eventos e vagas de emprego. Ou seja, somos compelidos a</p><p>31 MOREIRA, op. cit., p. 128.</p><p>32 MOREIRA, op. cit., p. 138.</p><p>33 SIMONETTI NETO, Arnaldo Barbalho. et. al. A influência do comportamento de</p><p>consumo de redes sociais digitais com base BPM. In: FERNANDES, Gustavo dos</p><p>Santos. DO AMARAL, Jardeylde Rosendo (Coord.) Marketing, consumo e sociedade.</p><p>Natal: Facen, 2016.</p><p>34 O dataísmo já é considerado uma religião. “Segundo o dataísmo, o Universo consiste</p><p>num fluxo de dados e o valor de qualquer fenômeno ou entidade é determinado por</p><p>sua contribuição ao processamento de dados. (HARARI, Yuval Noah. Homo Deus:</p><p>uma breve história do amanhã. São Paulo. Companhia das Letras, 2015, p. 321).</p><p>35 NYBO, Erik Fontenele. O poder dos algoritmos: como os algoritmos influenciam as</p><p>decisões e a vida das pessoas, das empresas e das instituições na Era Digital. São Pau-</p><p>lo: Enlaw, 2019. p. 18.</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>194</p><p>utilizar as redes sociais se quisermos acompanhar os nossos amigos, fami-</p><p>liares e aproveitar todas as oportunidades que elas oferecem.</p><p>Ocorre que os diversos dispositivos digitais nos colocam em meio a</p><p>formas sutis de controle e vigilância que coletam, registram e classificam</p><p>informações, com o fim de projetar tendências, preferências e interesses.</p><p>Não basta captar e documentar os dados e informações, é necessário classi-</p><p>ficar e produzir conhecimento, de modo a aumentar o poder social com a</p><p>informação coletada.36 Coletadas as informações, os algoritmos têm a ca-</p><p>pacidade de influenciar as decisões diárias dos indivíduos com base nas</p><p>suas preferências, seguindo, sempre, determinados padrões.37</p><p>A estrutura das redes sociais é marcada por um conteúdo enviesado</p><p>que fortalece as chamadas “bolhas dos filtros”, que são palco de radicalis-</p><p>mos político-ideológicos e trazem vários efeitos nocivos que, inclusive,</p><p>fraturam a noção de esfera pública.38 Sob o ponto de vista dos riscos que</p><p>oferecem à democracia e à pluralidade de ideais, os algoritmos presentes</p><p>nas redes sociais podem restringir a diversidade de pontos de vista. Isso</p><p>porque, sob a lógica do funcionamento dos algoritmos, serão priorizados,</p><p>no feed de notícias do usuário, os conteúdos que se relacionam com a ideo-</p><p>logia que concorda e ocultados os demais, colocando o usuário numa “bo-</p><p>lha de concordância”.39</p><p>36 BRUNO, Fernanda. Dispositivos de vigilância no ciberespaço: duplos digitais e iden-</p><p>tidades simuladas. Fronteiras: estudos midiáticos, São Leopoldo, v. 8, n. 2, p.1-8, jan.</p><p>2006. p. 2.</p><p>37 NYBO, op. cit., p. 8-14.</p><p>38 LONGHI, João Victor Rozatti. Diginidade.com: direitos fundamentais na era do</p><p>populismo 3.0. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de</p><p>Moura (Coord.). Estudos essenciais de direito digital. Uberlândia: LAECC, 2019, p.</p><p>189-206.</p><p>39 ABIDO, Leonardo. Algoritmos e democracia: reflexões sobre a influência da inteli-</p><p>gência artificial nos processos democráticos contemporâneos. In: MAPELLI, Aline;</p><p>GIONGO, Marina; CARNEVALE; Rita (Org). Os impactos das novas tecnologias no</p><p>Direito e na sociedade. Erechim: Deviant, 2018, p. 164-165.</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>195</p><p>Tomando, mais uma vez, o Facebook como exemplo, o seu algoritmo</p><p>tem a capacidade de analisar tudo que o usuário faz: com quem tem mais</p><p>interações; quais páginas visita; e quanto tempo fica em cada vídeo40. Essas</p><p>informações (inputs)41 são processadas e são gerados outputs42 para que no</p><p>topo do seu feed de notícias apareçam, com maior frequência, as pessoas e</p><p>o tipo de conteúdo que mais interagiu. As informações disponibilizadas</p><p>pelos usuários na rede (inputs) são utilizadas (com fins comerciais) para</p><p>redirecionar anúncios, mensagens e para orientar e incentivar o consumo</p><p>das pessoas - tudo com base nos interesses manifestados nas redes soci-</p><p>ais.43</p><p>Neste mesmo sentido, Nybo destaca que ao utilizar redes sociais, como</p><p>por exemplo, Spotify, Youtube, Linkedin e Tinder deixamos um rastro digi-</p><p>tal que nutre os algoritmos. Assim, estaríamos delegando as decisões rela-</p><p>tivas a potenciais relacionamentos aos algoritmos, bem como deixaríamos</p><p>que estes mesmos algoritmos decidissem quais são as músicas que vamos</p><p>escutar e com quais pessoas vamos nos relacionar profissionalmente, o que</p><p>40 “Uma das estratégias do Facebook em busca do sucesso, foi permitir que os desen-</p><p>volvedores construíssem aplicativos diretamente no portal. Essas apps se populariza-</p><p>ram tanto quanto a rede social, englobando desde formulários de pesquisa até jogos e</p><p>ferramentas de e-commerce. Para dar suporte a esse tipo de desenvolvimento, o Face-</p><p>book disponibilizou um SDK (Software Development Kit) e uma API (Application</p><p>Programming Interface), que facilitam muito a interação com os dados da rede social.</p><p>Essas ferramentas permitem que programadores de linguagens como Java, PHP e C#</p><p>possam acessar as informações da rede social. Existe também uma API chamada</p><p>Graph API, que possibilita o acesso a diversas informações do usuário, como dados</p><p>de conta, imagem de exibição do usuário e listagem de amigos. (...) Por meio da API é</p><p>possível construir programas para acessar os dados de um usuário em praticamente</p><p>qualquer linguagem e plataforma”. (GABARDO, op. cit., p. 94)</p><p>41 Input, em tradução livre feita pelo autor tem o significado de entrada.</p><p>42 Output em tradução livre feita pelo autor tem o significado de saída.</p><p>43 ABIDO, op. cit., p. 162-163.</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>196</p><p>gera um padrão de comportamento e enviesamento de decisões.44</p><p>É um sistema em que os atores sociais informam aos algoritmos como</p><p>normalmente agem. Com base nisso, os algoritmos reforçam este padrão</p><p>de conduta e as empresas que têm potencial de processar todas essas in-</p><p>formações, podem esperar determinado comportamento dos usuários que</p><p>é repetido ao longo do tempo. “A partir desse momento, a pessoa corre o</p><p>risco de repetir sempre o mesmo padrão de comportamento, influenciada</p><p>por algoritmos, sem ter consciência disso”.45</p><p>O que se observa deste cenário, portanto, é que influenciados pelos</p><p>amigos, pela imposição social, para comunicar com os colegas e familiares</p><p>ou com o fim de aproveitar as oportunidades, as pessoas criam perfis nas</p><p>redes sociais. Uma vez que estão nestas plataformas, recebem diversos</p><p>incentivos para continuar46 e são vigiadas constantemente.</p><p>O uso diário das redes faz com os usuários forneçam dados que serão</p><p>utilizados para classificá-las, prever, induzir e manipular o seu comporta-</p><p>mento. Além disso, correm o risco de cair nas chamadas “bolhas de filtro”</p><p>o que faz com que repitam um mesmo padrão de comportamento, influ-</p><p>enciado pelos algoritmos. Todo esse conjunto de fatores faz com que o</p><p>usuário fique limitado e incapacitado de construir, autonomamente, a sua</p><p>personalidade, ou seja, há um desgaste do direito ao livre desenvolvimento</p><p>da personalidade.</p><p>44 NYBO, op. cit., p. 23-24.</p><p>45 NYBO, op. cit., p. 24.</p><p>46 Redes sociais, como o Facebook, são arquitetadas para prender a atenção e distrair os</p><p>seus usuários explorando as vulnerabilidades humanas. Assim, quando alguém curte</p><p>ou comenta uma foto, há uma descarga de dopamina e a descarga deste neurotrans-</p><p>missor no córtex frontal do cérebro ativa os mesmos circuitos cerebrais que são ati-</p><p>vados quando dependentes químicos de cocaína têm contato visual com a droga</p><p>(PARKIN, Simon. Has dopamine got us hooked on tech? 2018. Disponível em:</p><p>https://www.theguardian.com/technology/2018/mar/04/has-dopamine-got-us-</p><p>hooked-on-tech-facebook-apps-addiction. Acesso em: 10 fev. 2020.)</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>197</p><p>5. Compliance, Ética, limites e possíveis soluções</p><p>Segundo Faleiros Júnior, estudar Compliance está atrelado a estudar os</p><p>assuntos de Governança Corporativa, Gestão de Risco, Ética e Moral. Estar</p><p>em Compliance significa agir de acordo com as regras (leis, marcos regula-</p><p>tórios e normativas internas e externas do mercado). Entretanto, algumas</p><p>empresas focam apenas nas regras internas, sem fazer um alinhamento</p><p>com as questões jurídicas.47</p><p>Ocorre que as grandes empresas de tecnologia têm Compliance Officers</p><p>e normas de compliance a serem seguidas. Os grandes diretores executivos</p><p>sabem dos potenciais riscos que as redes sociais apresentam e alguns deles,</p><p>inclusive, não querem que seus familiares as usem.48 Entretanto, as condu-</p><p>tas de coletas de dados, profiling49 e manipulação continuam ocorrendo.</p><p>É claro, portanto, que a dinâmica das redes sociais digitais, atualmente,</p><p>lança desafios inimagináveis em tempos pretéritos. Como então devemos</p><p>enfrentar esses novos desafios? É inegável que esses riscos representados</p><p>pelas redes sociais exigem profunda reflexão ética e regras de Compliance a</p><p>serem seguidas.</p><p>É questionável se as ferramentas éticas tradicionais são capazes de nos</p><p>auxiliar. A maioria delas, pensadas em séculos passados, não vislumbrou -</p><p>47 FALEIROS JUNIOR, José Luiz de Moura. Notas Introdutórias ao Compliance Digi-</p><p>tal. In: CAMARGO, Coriolano Almeida. [et al.] (Coord.) Direito Digital: novas teses</p><p>jurídicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 116-117.</p><p>48 ROSA JIMENEZ CANO. El Pais. “Não quero meu sobrinho nas redes sociais”, diz</p><p>Tim Cook, CEO da Apple. 2018. Disponível em:</p><p>https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/23/tecnologia/1516666969_215422.html.</p><p>Acesso em: 03 fev. 2020.</p><p>49 Profiling, em tradução livre, significa perfilamento. Para Magrani, o profiling pode ser</p><p>explicitado pela criação de dossiês de informações sobre determinado indivíduo com</p><p>o intuito de efetuar correlações com outras informações e perfis. (MAGRANI, Edu-</p><p>ardo. A internet das coisas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. p. 98).</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>198</p><p>e nem poderia - o potencial da techne desenvolvida pelo ser humano.</p><p>Mesmo hoje é difícil de decidir-se sobre as suas consequências. Hans Jonas</p><p>aponta que essas antigas filosofias morais se dirigiam para uma ação ime-</p><p>diata, temporal e espacialmente limitada, dada a proximidade dos homens.</p><p>Essa ação, ademais, posicionava-se na ação indivíduo-indivíduo, no senti-</p><p>do prático de seu resultado.50</p><p>Para Jonas, a alteração do agir humano, através da techne, que na anti-</p><p>guidade era eticamente neutra, passa a importar uma reflexão ética, em</p><p>virtude de esse agir voltar-se para o próprio homo sapiens.51 Isso porque, a</p><p>essência do humano, em que pese sua capacidade de alterar o ambiente,</p><p>era permanente: com as novas tecnologias esse quadro se altera.52 Desse</p><p>modo, os modelos éticos predecessores seriam insuficientes para solucio-</p><p>nar os atuais desafios.</p><p>É necessária, portanto, uma ação responsável. A ação responsável é</p><p>aquela que se preocupa com as consequências que gera na vida daqueles</p><p>que são influenciados por quem age.53 O primeiro objeto dessa responsabi-</p><p>lidade são as outras pessoas.54 Para Jonas a primeira de todas as responsa-</p><p>bilidades é garantir que haja responsabilidade e essa só pode existir se exis-</p><p>tir humanidade.55</p><p>Nessa linha, e assumindo que o ser humano é um fim em si mesmo, a</p><p>atuação das empresas de redes sociais, deve ser no sentido de assumir res-</p><p>ponsabilidade sobre os seus usuários, destacando-se que as próprias con-</p><p>sequências sócio-políticas da supressão do livre desenvolvimento da per-</p><p>50 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização</p><p>tecnológica. Tradução de Marijane Lisboa e Luis Barros Montez. 2. ed. Rio de Janei-</p><p>ro: PUC Rio, 2006. p. 35</p><p>51 Ibidem, p. 35.</p><p>52 Ibidem, p. 43-44.</p><p>53 Ibidem, p. 165-174.</p><p>54 Ibidem, p. 175.</p><p>55 Ibidem, p. 175-177.</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>199</p><p>sonalidade estão enquadradas. O “agir irresponsável” corresponde a su-</p><p>pressão desse direito e à negação do ser humano como fim em si mesmo.</p><p>Rodotà, destaca que a Carta de Direitos Fundamentais da União Euro-</p><p>peia de 2000 reconheceu a proteção de dados como direito autônomo,</p><p>estabelecendo critérios para o processamento de dados. É um direito autô-</p><p>nomo de controle sobre as informações, que se</p><p>o Decreto nº 8.771/2016 (seu regu-</p><p>lamento). E, mais recentemente, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (a</p><p>chamada “Lei Geral de Proteção de Dados”), já alvo de alterações também.</p><p>Fato é que soluções para os dilemas da propagação informacional são a</p><p>marca da segunda década do século XXI. A edição de regulamentos volta-</p><p>dos à proteção dos dados pessoais dá a tônica de uma corrida que não se</p><p>pode vencer. É como anota van Dijk, “A lei e a justiça ficaram atrás das</p><p>novas tecnologias em quase todos os períodos da história. Isso é compre-</p><p>ensível, uma vez que a nova tecnologia deve se estabelecer na sociedade</p><p>antes que a legislação possa ser aplicada a ela.”5</p><p>O que a doutrina especializada vislumbrou durante décadas, a partir da</p><p>segunda metade do século XX, passou a se materializar com grande inten-</p><p>sidade, não pela quantidade de dados, mas devido ao tratamento dispen-</p><p>sado pelas grandes corporações, em movimento que se volta contraria-</p><p>mente à tendência de que algumas poucas grandes corporações assumam o</p><p>controle total da web.6</p><p>Segundo Yuval Noah Harari:</p><p>Os dataístas, contudo, acreditam que os humanos não são mais capazes de</p><p>lidar com os enormes fluxos de dados, ou seja, não conseguem mais refi-</p><p>ná-los para obter informação, muito menos para obter conhecimento ou</p><p>sabedoria. O trabalho de processamento de dados deveria, portanto, ser</p><p>confiado a algoritmos eletrônicos, cuja capacidade excede muito a do cé-</p><p>rebro humano. Na prática, os dataístas são céticos no que diz respeito ao</p><p>conhecimento e à sabedoria humanos e preferem depositar sua confiança</p><p>5 VAN DIJK, Jan. The network society. 2. ed. Londres: Sage Publications, 2006, p. 128,</p><p>tradução livre.</p><p>6 VAIDHYANATHAN, Siva. The Googlelization of everything: (and why we should</p><p>worry). Berkeley: University of California Press, 2011.</p><p>Prefácio</p><p>XXV</p><p>em megadados e em algoritmos computacionais.7</p><p>Ora, em uma nova ‘galáxia da Internet’8, inúmeros conceitos surgem</p><p>para delimitar a nova fronteira inaugurada pela hipercomunicação. Se o</p><p>Estado passa por densa reformulação na nova era comunicacional pela</p><p>efetiva presença da tecnologia na sociedade da informação, não se pode</p><p>olvidar das diversas reformas estruturais que se deve implementar para</p><p>que se avance pari passu aos deveres de proteção impostos constitucio-</p><p>nalmente.</p><p>Se o dataísmo emana preocupações quanto à empolgação desmedida e</p><p>incalculada sobre os impactos das novas tecnologias, não há dúvidas de</p><p>que o papel do Estado na atuação regulamentar – e, além dela, no cum-</p><p>primento de seu múnus fiscalizatório – dará a tônica de um novo momen-</p><p>to em que os filtros da privacidade, da intimidade e da liberdade se tornam</p><p>mais translúcidos.</p><p>---</p><p>“In the process of building, one can-</p><p>not help but construct every higher</p><p>step upon a lower step. It is trivial to</p><p>remark that there is no second floor</p><p>without a first (…).”</p><p>— LUCIANO FLORIDI</p><p>The Ethics of Information (2013), p. 329</p><p>Chega-se, enfim, ao paradigma ético que deve nortear todo constructo</p><p>que se deseje produzir a partir da aferição conglobante dos efeitos da soci-</p><p>edade da informação sobre as próprias relações sociais.</p><p>7 HARARI, Yuval Noah. Homo deus: uma breve história do amanhã. Tradução de</p><p>Paulo Geiger. São Paulo: Cia. das Letras, 2016, p. 370-371.</p><p>8 CASTELLS, Manuel. The Internet galaxy: reflections on the Internet, business, and</p><p>society. Oxford: Oxford University Press, 2001.</p><p>Prefácio</p><p>XXVI</p><p>Norbert Elias destaca o seguinte:</p><p>Se se abordam níveis de envolvimento e alienação, referem-se a caracterís-</p><p>ticas e à situação dos seres humanos que formam a sociedade considerada.</p><p>Referem-se a seres humanos, incluindo seus movimentos, seus gestos, e</p><p>suas ações, não menos do que seus pensamentos, seus sentimentos, seus</p><p>impulsos e o controle deles. Basicamente, os dois conceitos fazem referên-</p><p>cia aos diferentes modos segundo os quais os seres humanos se regulam,</p><p>no que podem, aliás, ser mais alienados ou mais envolvidos. Os padrões</p><p>sociais de autorregulação individual podem representar maior alienação</p><p>ou maior envolvimento, bem como seu conhecimento ou sua arte. Todas</p><p>as afirmativas referentes a envolvimento e alienação são relativas.’9</p><p>Nunca se falou tão eloquentemente em ética para simbolizar a necessi-</p><p>dade de aprimoramento dos modos pelos quais os indivíduos se portam</p><p>numa sociedade marcada pela hipervigilância. A construção dos influxos</p><p>éticos depende, contudo, de bem mais que a mera reflexão sobre sua ne-</p><p>cessidade; perpassa, é bem verdade, pela derrubada das barreiras que</p><p>imantam a cognição dos problemas centrais da sociedade para, em avanço,</p><p>descortinar horizontes de reflexão e autoaprimoramento.</p><p>Quando se fala em ética, por suposto, trabalha-se com a ideia de que</p><p>uma ‘corrida’ pelos algoritmos mais eficazes e capazes de filtrar os mais</p><p>variados acervos de dados para propiciar vantagens a seus desenvolvedores</p><p>não pode se tornar o telos da vida em sociedade.</p><p>A superação de barreiras e entraves ao desenvolvimento econômico</p><p>não pode, em nenhum grau, suplantar a própria essência que consubstan-</p><p>cia o padrão de harmonia social almejado e que parece se perder em meio</p><p>aos anseios da humanidade conectada.</p><p>Para suplantar o cenário indesejável de um Estado fraco e impotente</p><p>frente ao poderio técnico-informacional de grandes corporações, também</p><p>9 ELIAS, Norbert. Envolvimento e alienação. Tradução de Álvaro de Sá. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand Brasil, 1998, p. 351.</p><p>Prefácio</p><p>XXVII</p><p>o direito precisa se reinventar!</p><p>É concebível que os direitos à privacidade e à proteção de dados, basea-</p><p>dos em noções e garantias constitucionais complexas, como autodetermi-</p><p>nação informacional, dignidade humana e liberdade de ação, sejam sim-</p><p>plesmente abstratos demais para que os indivíduos possam empregá-los</p><p>efetivamente, daí a necessidade da ética nas relações sociais – e o percurso</p><p>do estudioso do direito digital deve, necessariamente, passar por tais refle-</p><p>xões.</p><p>Com base nessas brevíssimas considerações, o substrato que se colhe da</p><p>obra que se apresenta ao público é um rico compêndio de temas que per-</p><p>passam por essas três grandes linhas de reflexão sobre as interações da</p><p>tecnologia com o direito, abrindo espaço à ressignificação do papel da</p><p>Ciência Jurídica em um universo no qual as demais Ciências com ela se</p><p>entrelaçam e passam a denotar uma transversalidade necessária para a</p><p>própria delimitação dos sentidos que se almeja buscar para a efetivação</p><p>dos propósitos da sociedade da informação.</p><p>Sem mais, fica o convite à leitura dos trabalhos que se seguem, no dese-</p><p>jo de que despertem importantes reflexões e suscitem questionamentos</p><p>acerca dos novos horizontes do direito digital. Parabéns aos organizadores</p><p>e autores pelo brilho desta bela obra!</p><p>Rio de Janeiro, junho de 2020.</p><p>GUILHERME MAGALHÃES MARTINS</p><p>Promotor de Justiça titular da 5ª Promotoria de Tutela</p><p>Coletiva do Consumidor da Capital – Rio de Janeiro.</p><p>Professor adjunto de Direito Civil da Faculdade Nacio-</p><p>nal de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro.</p><p>Doutor e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Di-</p><p>reito da UERJ. Professor permanente do Doutorado em</p><p>Direito, Instituições e Negócios da Universidade Federal</p><p>Fluminense – UFF.</p><p>XXIX</p><p>SUMÁRIO</p><p>SOBRE OS AUTORES ............................................................................................... IX</p><p>NOTA INTRODUTÓRIA E AGRADECIMENTOS ................................................... XIX</p><p>PREFÁCIO ........................................................................................................... XXI</p><p>SUMÁRIO ......................................................................................................... XXIX</p><p>PRÓLOGO ..............................................................................................................</p><p>refere aos novos direitos</p><p>surgidos das inovações científicas e tecnológicas. Para Rodotà, estamos</p><p>diante de uma reinvenção da proteção de dados, posto que ela se tornou</p><p>uma ferramenta essencial para o livre desenvolvimento da personalidade.56</p><p>Considerando o cenário de desenvolvimento tecnológico e de conflitos</p><p>com o qual se deparou (e que vivemos atualmente), o desgaste, recorrente,</p><p>aos direitos fundamentais, a prevalência de “interesses de segurança” e da</p><p>“lógica de mercado” e o fato de que a proteção da personalidade tem a ver</p><p>com a proteção de dados, Rodotà destacou a necessidade de uma “rein-</p><p>venção afirmativa” e pensou uma estratégia de proteção, resumida em dez</p><p>pontos para defender os direitos que foram formalmente reconhecidos,</p><p>bem como desenvolver o seu potencial.57</p><p>Os cinco primeiros pontos (e a meu ver, os mais importantes) são os</p><p>seguintes: (i) países ou regiões onde o patamar de garantias é especialmen-</p><p>te alto devem ter responsabilidades especiais; (ii) os direitos à proteção de</p><p>dados não devem ser subordinados a nenhum outro direito; (iii) restrições</p><p>ou limitações a este direito devem ser admitidas somente se determinadas</p><p>condições específicas forem obedecidas; (iv) salvaguardas deveriam ser</p><p>baseadas em princípios que consideram a pessoa como pessoa, que tem</p><p>personalidade e dignidade; e (v) não se deve ser tolerado que um dado seja</p><p>utilizado de modo a transformar um indivíduo em objeto sob vigilância</p><p>constante.58</p><p>56 RODOTÁ, op. cit., p. 16-17.</p><p>57 RODOTÁ, op. cit., p. 18.</p><p>58 Os cinco últimos, por sua vez são: (vi) o direito fundamental à proteção de dados</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>200</p><p>Rodotà pensou tal estratégia para a proteção de dados, mas consideran-</p><p>do que os direitos à liberdade, privacidade, proteção de dados e livre de-</p><p>senvolvimento, embora sejam distintos, caminham juntos, a proteção de</p><p>qualquer um deles, significa uma proteção, ou um reforço, à proteção dos</p><p>demais. De forma ilustrativa: se existe uma proteção efetiva aos dados dos</p><p>usuários em redes sociais, de modo que estes não sejam coletados, o profi-</p><p>ling é impossibilitado ou dificultado.</p><p>Assim, se há uma impossibilidade ou dificuldade de fazer o profiling</p><p>dos usuários, fica comprometida também a predição de suas preferências</p><p>(pelos algoritmos) o que, consequentemente, dificulta o direcionamento</p><p>de publicidade assertivas e/ou de publicações enviesadas em seu feed, pro-</p><p>tegendo, portanto, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e</p><p>evitando o “efeito bolha”. Assim, considero a estratégia pensada por Ro-</p><p>dotà, para a proteção de dados, como perfeitamente aplicável à proteção ao</p><p>livre desenvolvimento da personalidade nas redes sociais.</p><p>Acrescento alguns pontos que acredito serem importantes para a miti-</p><p>gação da manipulação dos comportamentos que se dá através das redes,</p><p>que, de certo modo poderiam fazer com que o usuário utilizasse de forma</p><p>moderada e consciente os seus aplicativos e tivessem maior autonomia,</p><p>consagrando e protegendo o direito ao livre desenvolvimento à personali-</p><p>dade.</p><p>Seria de fundamental importância que as empresas que criam aplicati-</p><p>vos de redes sociais: (i) tivessem uma preocupação maior em deixar de</p><p>deveria ser visto como uma promessa renovada e transferida do corpo físico ao corpo</p><p>eletrônico, devendo ser rejeitadas todas as formas de reducionismo; (vii) especial</p><p>atenção deve ser dada à “minimização” da coleta de dados; (viii) devem ser introdu-</p><p>zidos procedimentos de avaliação de impacto sobre a privacidade; (iv) os diversos ti-</p><p>pos de retenção de dados devem ser regulados por iniciativas específicas, e a redução</p><p>e/ou eliminação do consentimento informado deve ser impedida; (x) o direito fun-</p><p>damental à proteção de dados deve ser considerado um componente essencial da fu-</p><p>tura Carta de Direitos da Internet (RODOTÁ, op. cit., p. 18-21).</p><p>As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade</p><p>201</p><p>recomendar e promover conteúdo desinformador e pernicioso; (ii) cons-</p><p>truíssem algoritmos que evitassem o aparecimento das “bolhas”; (iii) não</p><p>coletassem - ou que coletassem o mínimo necessário (para não ser utópi-</p><p>co) - de dados dos usuários; (iv) advertissem os usuários sobre o excesso</p><p>de tempo que estes passam nas timelines; (v) desenvolvessem, dentro das</p><p>redes sociais, plataformas de checagem de fatos e eliminação de material</p><p>falso, as fake news.</p><p>Quanto aos usuários, estes deveriam: (i) avaliar como gerenciam seu</p><p>tempo nas redes; (ii) proceder à checagem de fatos das notícias que são</p><p>compartilhadas; (iii) procurar fontes alternativas de informação, diversas</p><p>daquelas sugeridas pelos algoritmos; (iv) buscar familiarizar-se às políticas</p><p>de privacidade das redes sociais, bem como aos termos de uso e contesta-</p><p>los, se necessário, em âmbito judicial; (v) cogitar se a informação que pre-</p><p>tendem compartilhar pode ter algum efeito sobre o bem-estar do outro.</p><p>6. Considerações finais</p><p>Não se deseja, com tudo o que foi dito até aqui, demonizar ou abolir as</p><p>redes sociais, até porque, como já foi destacado na introdução, elas repre-</p><p>sentarão benefícios ou malefícios, a depender de como serão usadas. Não</p><p>cabe a este autor definir o que é certo e errado, bem como o que é bom ou</p><p>mau. Entretanto, não podemos negligenciar as armadilhas presentes nestas</p><p>mídias sociais e as consequências que elas podem trazer.</p><p>Metade da população global está conectada à internet. Bilhões de seres</p><p>humanos utilizam redes sociais todos os dias. Atualmente, é praticamente</p><p>impossível não utilizar uma rede social, independentemente da motivação</p><p>e do objetivo que o indivíduo tenha. Deste modo, o uso das redes sociais</p><p>deve ser encarado com mais seriedade.</p><p>As redes sociais e seus algoritmos têm um potencial tremendo de cole-</p><p>tar dados, traçar perfis, predizer preferências e direcionar postagens (pu-</p><p>blicitárias ou não) capazes de influenciar no aspecto subjetivo do livre</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>202</p><p>desenvolvimento da personalidade, ou seja, impossibilitar a livre constru-</p><p>ção da personalidade, cerceando qualquer tipo de autodeterminação pró-</p><p>pria do seu desenvolvimento.</p><p>Além disso, a arquitetura e o design das redes e a forma como são cons-</p><p>truídos (e como funcionam) os algoritmos, transformam este ambiente</p><p>virtual e as relações sociais que se desenvolvem nestas mídias digitais, em</p><p>flagrante violação à esfera objetiva do direito geral de personalidade, posto</p><p>que não proporcionam um local adequado para a autoconstrução da pes-</p><p>soa humana.</p><p>Quando falamos de privacidade, proteção de dados, liberdade e livre</p><p>desenvolvimento da personalidade, estamos falando de direitos humanos,</p><p>direitos fundamentais, direitos da personalidade, estamos falando, ao cabo,</p><p>da dignidade da pessoa humana. E, para além disso, estamos falando de</p><p>poder, poder que poucas empresas das Tecnologias da Informação e Co-</p><p>municação (TIC) detém sobre os milhões de usuários de suas plataformas.</p><p>Afinal, estamos passando pela Quarta Revolução Industrial, estamos na</p><p>Sociedade da Informação, presenciando a “web 3.0” e estamos indo rumo</p><p>à “web 4.0” contextualizada pela Era da Internet das Coisas. Dados, infor-</p><p>mações e conhecimento são um dos maiores ativos da contemporaneida-</p><p>de. Ter conhecimento e possibilidade de manipulação, significa ter um</p><p>poder incomensurável, que é capaz de influenciar eleições, induzir os ru-</p><p>mos da economia e da política e interferir direta ou indiretamente nos</p><p>caminhos que tomará a sociedade e cada um dos seus indivíduos, o que</p><p>nos leva à inevitabilidade do Compliance, do debate da Ética e da respon-</p><p>sabilidade.</p><p>Daí a necessidade de que sejam traçadas estratégias de proteção de da-</p><p>dos, de que sejam debatidos controles institucionais, de que hajam freios</p><p>para limitar certos usos das redes,</p><p>39</p><p>Capítulo 1</p><p>João Victor Rozatti Longhi</p><p>DISCURSO DE ÓDIO (HATE SPEECH) E A CENSURA REVERSA NA INTERNET ....... 47</p><p>1. Introdução ....................................................................................................... 47</p><p>2. A democracia na sociedade da informação ................................................ 48</p><p>3. Populismo 3.0 e liberdade de expressão ...................................................... 51</p><p>4. Os ataques em massa na internet e a censura reversa ............................... 57</p><p>5. Considerações finais ...................................................................................... 64</p><p>Referências ........................................................................................................... 66</p><p>Capítulo 2</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Letícia Preti Faccio</p><p>FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO: UM ENSAIO PELA ÉTICA NA SOCIEDADE DA</p><p>INFORMAÇÃO ........................................................................................................ 69</p><p>1. Introdução ....................................................................................................... 69</p><p>2. Fake news e desinformação no Século XXI ................................................ 71</p><p>Sumário</p><p>XXX</p><p>3. A origem do problema ético ......................................................................... 76</p><p>4. A transformação da ética e a superação da desinformação ..................... 79</p><p>5. Considerações finais ...................................................................................... 83</p><p>Referências ........................................................................................................... 85</p><p>Capítulo 3</p><p>Átila Pereira Lima</p><p>Marcos Henrique Godoi</p><p>DO EXCEDENTE COGNITIVO À COGNIÇÃO EXCEDIDA: AGÊNCIA E</p><p>RESPONSABILIDADE LEGAL NA ERA DAS FAKE NEWS ........................................... 89</p><p>1. Introdução ....................................................................................................... 89</p><p>2. Os primórdios da internet e o excedente cognitivo .................................. 90</p><p>3. Cognição humana e fake news ...................................................................... 94</p><p>4. Agência humana e responsabilidade legal ................................................ 101</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 110</p><p>Referências ......................................................................................................... 110</p><p>Capítulo 4</p><p>Felipe Cunha Nascimento</p><p>JÁ VIVEMOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO? ............................................... 115</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 115</p><p>2. Origem do termo .......................................................................................... 117</p><p>3. Algumas características do novo modelo social ...................................... 119</p><p>4. Considerações finais .................................................................................... 130</p><p>Referências ......................................................................................................... 132</p><p>Capítulo 5</p><p>Rodrigo Gugliara</p><p>Bianca Camargo Fischer</p><p>CONCEITOS ESSENCIAIS SOBRE A SOCIEDADE EM REDE .................................... 135</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 135</p><p>Sumário</p><p>XXXI</p><p>2. Breve contexto histórico acerca do surgimento da internet .................. 136</p><p>3. A política e a noção de tempo e espaço na sociedade em rede .............. 142</p><p>4. As mudanças sistemáticas na economia com a sociedade em rede ...... 147</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 152</p><p>Referências ......................................................................................................... 153</p><p>Capítulo 6</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato</p><p>Yolanda Corrêa Rosa</p><p>A INFORMAÇÃO E A COMPREENSÃO DO “EU” NA ERA DIGITAL: UM ENSAIO A</p><p>PARTIR DOS ESTUDOS DE LUCIANO FLORIDI ..................................................... 155</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 155</p><p>2. Considerações sobre a informação na compreensão do “eu” ............... 157</p><p>3. A formação do “eu” na era digital ............................................................. 161</p><p>4. A tutela do “eu” no ambiente virtual ........................................................ 162</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 166</p><p>Referências ......................................................................................................... 167</p><p>Capítulo 7</p><p>Tales Calaza</p><p>O DIREITO À PRIVACIDADE: ORIGEM HISTÓRICA E JURÍDICA ........................... 169</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 169</p><p>2. O contexto tecnológico do início da proteção dos dados pessoais ....... 170</p><p>3. O surgimento da proteção à privacidade .................................................. 171</p><p>4. O direito à atual privacidade ....................................................................... 178</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 182</p><p>Referências ......................................................................................................... 183</p><p>Capítulo 8</p><p>Victor Rodrigues Nascimento Vieira</p><p>AS REDES SOCIAIS DIGITAIS E O LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE</p><p>Sumário</p><p>XXXII</p><p>............................................................................................................................. 185</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 185</p><p>2. Redes sociais digitais .................................................................................... 186</p><p>3. Livre desenvolvimento da personalidade ................................................. 190</p><p>4. As redes sociais e o livre desenvolvimento da personalidade ................ 193</p><p>5. Compliance, ética, limites e possíveis soluções ........................................ 197</p><p>6. Considerações finais .................................................................................... 201</p><p>Referências ......................................................................................................... 203</p><p>Capítulo 9</p><p>Aline Ferreira Costa Carneiro</p><p>Lucimeire Zago de Brito</p><p>Viviane Ramone Tavares</p><p>COMPLIANCE DIGITAL: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE ÉTICA NA SOCIEDADE DA</p><p>INFORMAÇÃO ...................................................................................................... 207</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 207</p><p>2. Conceitos fundamentais .............................................................................. 208</p><p>2.1. Breve contexto histórico sobre a ética .................................................... 208</p><p>2.2. Definições conceituais sobre sociedade da informação ...................... 210</p><p>2.3. Conceito e breve evolução histórica do compliance............................. 212</p><p>3. Compliance digital e os desafios éticos ...................................................... 215</p><p>3.1. Privacidade e proteção de dados pessoais ............................................. 215</p><p>3.2. Ética e desenvolvimento da inteligência artificial ................................ 219</p><p>3.3. Valores éticos no ciberespaço .................................................................. 223</p><p>4. Considerações finais .................................................................................... 226</p><p>Referências .........................................................................................................</p><p>227</p><p>Capítulo 10</p><p>Ketlen Caroline Soares Pierazzo</p><p>Gabriel Oliveira de Aguiar Borges</p><p>ENSAIO SOBRE ALGUNS ASPECTOS TEÓRICOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO E A</p><p>Sumário</p><p>XXXIII</p><p>PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ............................................................................. 231</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 231</p><p>2. Contratos eletrônicos ................................................................................... 233</p><p>2.1. Aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor nas relações</p><p>contratuais eletrônicas ..................................................................................... 236</p><p>2.1.1. Classificação de consumidor segundo a legislação ........................... 238</p><p>2.1.2. Normas de proteção ao consumidor nas relações de consumo ...... 239</p><p>2.1.3. Aplicabilidade do princípio da boa-fé nas contratações eletrônicas</p><p>............................................................................................................................. 242</p><p>3. Formação dos contratos eletrônicos .......................................................... 243</p><p>4. Responsabilidade civil nos contratos eletrônicos .................................... 247</p><p>4.1. Responsabilidade civil decorrente do inadimplemento nos contratos</p><p>eletrônicos .......................................................................................................... 249</p><p>4.2. Responsabilidade civil dos provedores segundo a lei do Marco Civil da</p><p>Internet ............................................................................................................... 249</p><p>5. UNCITRAL ................................................................................................... 251</p><p>6. Proteção dos dados pessoais do consumidor ........................................... 253</p><p>7. Considerações finais .................................................................................... 257</p><p>Referências ......................................................................................................... 259</p><p>Capítulo 11</p><p>Ana Luíza Rodrigues Pereira</p><p>Lucas Zorzenoni Andreo</p><p>Thainá Lopes Gomes Lima</p><p>GEODISCRIMINAÇÃO: ANÁLISE À LUZ DO CASO DECOLAR.COM ...................... 261</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 261</p><p>2. A internet, as fronteiras e os governos nacionais .................................... 266</p><p>3. Geopricing, geoblocking e a tutela do consumidor ................................... 269</p><p>4. Considerações finais .................................................................................... 273</p><p>Referências ......................................................................................................... 274</p><p>Sumário</p><p>XXXIV</p><p>Capítulo 12</p><p>Ketlen Caroline Soares Pierazzo</p><p>Gabriel Oliveira de Aguiar Borges</p><p>BREVE ENSAIO SOBRE SEGURANÇA JURÍDICA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO E</p><p>ABORDAGEM LEGISLATIVALIDA ......................................................................... 277</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 277</p><p>2. Proteção jurídica no e-commerce ............................................................... 278</p><p>3. Decreto federal nº 7.962/2016 .................................................................... 280</p><p>4. Decreto nº 7.962/2013 ................................................................................. 280</p><p>5. Considerações finais: aspectos relevantes acerca da atualização do</p><p>Código de Defesa do Consumidor no tocante ao comércio eletrônico (PLS</p><p>nº 281/2012) ...................................................................................................... 285</p><p>Referências ......................................................................................................... 290</p><p>Capítulo 13</p><p>Arthur Pinheiro Basan</p><p>José Henrique de Oliveira Couto</p><p>A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DO CONSUMIDOR E A PROTEÇÃO DE DADOS</p><p>PESSOAIS ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL ................................................ 293</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 293</p><p>2. Uma breve história das trocas voluntárias: do surgimento do capitalismo</p><p>à monitoração eletrônica das negociações .................................................... 295</p><p>3. Fluxos circulares de controle: os avanços na monitoração do</p><p>consumidor no ambiente da internet ............................................................ 299</p><p>4. Os dados pessoais dos consumidores enquanto direitos fundamentais</p><p>............................................................................................................................. 303</p><p>5. O domínio tecnológico da internet e o controle de dados pessoais. ..... 307</p><p>6. Considerações finais .................................................................................... 309</p><p>Referências ......................................................................................................... 310</p><p>Sumário</p><p>XXXV</p><p>Capítulo 14</p><p>Samuel Nunes Furtado</p><p>Frederico Cardoso de Miranda</p><p>Bruno Facuri Silva Rassi</p><p>CONTROLES DA INTERNET: O CIBER-UTOPISMO DO MARCO CIVIL DA INTERNET</p><p>NO ART. 19 .......................................................................................................... 315</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 315</p><p>2. Artigo 19 do MCI e a responsabilidade dos provedores ........................ 318</p><p>3. Como os provedores são remunerados: informação como um ativo... 321</p><p>3.1. Filtros bolha e a liberdade na internet .................................................... 323</p><p>4. Ciber-otimistas e ciber-pessimistas: ciberespaço e a guerra hobbesiana</p><p>de todos contra todos ....................................................................................... 326</p><p>5. O ciber-utopismo do marco civil da internet ........................................... 330</p><p>6. Considerações finais .................................................................................... 332</p><p>Referências ......................................................................................................... 334</p><p>Capítulo 15</p><p>Rafael Escrich</p><p>Guilherme Reis</p><p>O PANORAMA GERAL ENTRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A SOCIOLOGIA ..... 339</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 339</p><p>2. A origem da inteligência artificial .............................................................. 340</p><p>3. Inteligência Artificial forte ou fraca ........................................................... 342</p><p>4. Inteligência Artificial simbólica versus aprendizado de máquina ........ 344</p><p>5. Estado atual da tecnologia ........................................................................... 345</p><p>6. A busca por diretrizes éticas ao atual momento da Inteligência Artificial</p><p>............................................................................................................................. 347</p><p>7. A utilização da Inteligência Artificial e seus dilemas éticos na nossa</p><p>sociedade ............................................................................................................ 350</p><p>8. Considerações finais .................................................................................... 357</p><p>Referências ......................................................................................................... 358</p><p>Sumário</p><p>XXXVI</p><p>Capítulo 16</p><p>Aline Ferreira Costa Carneiro</p><p>Juliana Gomes Pinto Borges</p><p>OS DESAFIOS DA ÉTICA E DA PRIVACIDADE FACE AO DESENVOLVIMENTO DA</p><p>INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ................................................................................. 363</p><p>1. Introdução .....................................................................................................</p><p>363</p><p>2. Conceitos fundamentais .............................................................................. 364</p><p>2.1. Evolução do conceito de privacidade: breve contexto histórico. ....... 364</p><p>2.2. A linha tênue entre privacidade e proteção de dados pessoais</p><p>atualmente ......................................................................................................... 365</p><p>2.3. Ética e suas novas perspectivas ............................................................... 367</p><p>2.4. Ética da inteligência artificial .................................................................. 369</p><p>3. A Quarta Revolução Industrial e os desafios da ascensão da Inteligência</p><p>Artificial ............................................................................................................. 374</p><p>3.1. O equilíbrio entre a privacidade, a proteção de dados pessoais e o</p><p>desenvolvimento da inteligência artificial .................................................... 374</p><p>4. Os limites e a responsabilidade da inteligência artificial ........................ 375</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 381</p><p>Referências ......................................................................................................... 381</p><p>Capítulo 17</p><p>José Luiz de Moura Faleiros Júnior</p><p>Pietra Daneluzzi Quinelato</p><p>Júlia Gessner Strack</p><p>A ARTE E O DIREITO DE IMAGEM NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: REFLEXÕES</p><p>SOBRE TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E O ‘CASO RICHARD</p><p>PRINCE’ ............................................................................................................... 385</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 385</p><p>2. Arte, entretenimento e a tutela jurídica dos direitos autorais ............... 387</p><p>3. O ‘caso Richard Prince’ e a arte na pós-modernidade tecnológica ...... 396</p><p>Sumário</p><p>XXXVII</p><p>4. Considerações finais .................................................................................... 406</p><p>Referências ......................................................................................................... 407</p><p>Capítulo 18</p><p>Ana Márcia Rodrigues Moroni</p><p>Viviane Furtado Migliavacca</p><p>DOMÍNIO PÚBLICO E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS AUTORAIS E DIREITOS</p><p>CONEXOS ............................................................................................................. 411</p><p>1. Introdução: a proteção do direito autoral no arcabouço legislativo</p><p>brasileiro ............................................................................................................ 411</p><p>2. A obra musical no direito autoral .............................................................. 414</p><p>3. O objeto da proteção autoral na obra musical ......................................... 416</p><p>4. Direito conexo .............................................................................................. 418</p><p>5. A exploração do mercado fonográfico digital pela internet .................. 419</p><p>6. O domínio público no direito autoral musical brasileiro ....................... 423</p><p>7. A adequação da utilização do dado musical com as regras de compliance</p><p>digital e proteção de dados .............................................................................. 426</p><p>8. Considerações finais .................................................................................... 428</p><p>Referências ......................................................................................................... 428</p><p>Capítulo 19</p><p>Gabriela Briesemeister</p><p>Sthéfane Alves Vasconcelos</p><p>DEMOCRACIA DIGITAL E SUA GARANTIA NA RELAÇÃO ENTRE ESTADO</p><p>BRASILEIRO E SOCIEDADE ................................................................................... 431</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 431</p><p>2 Sociedade da informação............................................................................. 432</p><p>2.1. Informação e base de dados como nova matéria-prima ..................... 435</p><p>3. Interação digital entre estado e sociedade e o exercício da democracia</p><p>digital .................................................................................................................. 436</p><p>4. Democracia digital no brasil ....................................................................... 442</p><p>Sumário</p><p>XXXVIII</p><p>4.1. Dos atos normativos atuais do governo brasileiro e a proteção à</p><p>democracia na era da informação .................................................................. 448</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 452</p><p>Referências ......................................................................................................... 453</p><p>Capítulo 20</p><p>Thiago Pinheiro Vieira de Souza</p><p>O SISTEMA JURÍDICO DO BIG DATA E SUA REPERCUSSÃO PENAL ...................... 457</p><p>1. Introdução ..................................................................................................... 457</p><p>2. Premissas ....................................................................................................... 459</p><p>3. Problemática ................................................................................................. 463</p><p>4. Prognóstico.................................................................................................... 469</p><p>5. Considerações finais .................................................................................... 473</p><p>Referências ......................................................................................................... 474</p><p>POSFÁCIO ............................................................................................................ 477</p><p>39</p><p>PRÓLOGO</p><p>Estamos viviendo una cuarta revolución industrial, que comenzó a fi-</p><p>nales del siglo XX, que esencialmente comprende la transformación digital</p><p>y la revolución tecnológica, así como el desarrollo del Big Data, los algo-</p><p>ritmos, Internet de las cosas, la inteligencia artificial, los ecosistemas de</p><p>innovación industrial, el ascenso de nuevas tecnologías, el abandono de</p><p>energías no sostenibles, y la construcción de aparatos tecnológicos capaces</p><p>de almacenar grandes cantidades de energía e información. Los aparatos</p><p>tecnológicos con acceso a Internet tienen influencia significativa en el au-</p><p>mento de los flujos de datos, ampliando el horizonte de recolección cons-</p><p>tante e inmediata de feedbacks. Los dispositivos móviles -teléfonos o table-</p><p>tas- han sustituido a las computadoras de escritorio, a los cuadernos de</p><p>notas, las agendas, los mapas en papel, las calculadoras o los libros físicos.</p><p>La cada vez más alta demanda de conectividad atrae una nueva tecnología</p><p>para el desarrollo de redes de conexión mundial, en la que la información</p><p>se transmite en tiempo real.</p><p>No parece extraño que, en un periodo de tiempo no demasiado largo, la</p><p>sociedad de la información sea el modelo que prevalecerá, lo que implicará</p><p>una larga y profunda transformación de las estructuras sociales del siglo</p><p>pasado. Aun así, no exento de polémicas, el antagonismo social predomi-</p><p>nante durante el siglo XX -me refiero a la lucha de clases- toma hoy otras</p><p>formas extremadamente más complejas, que requieren ya de una nueva</p><p>conceptualización del antagonismo social, en el que se perfila ya el conflic-</p><p>to entre informados/desinformados, y donde las Fake News son la nueva</p><p>arma de destrucción y manipulación. No cabe duda que una aproximación</p><p>a la teoría de la información, en toda su complejidad, debe integrar un</p><p>Borja Muntadas Figueras</p><p>40</p><p>conjunto de disciplinas capaces de pensar el fenómeno información a la</p><p>luz del desarrollo tecnológico. Una de estas aproximaciones es la que nos</p><p>presenta el filósofo italiano Floridi, quien profundiza en dos aspectos: la</p><p>construcción del yo (onlife) y su privacidad ante la creciente proliferación</p><p>de bases de datos con usos comerciales, y probablemente ya con usos de</p><p>una supuesta seguridad ciudadana.</p><p>Como de forma muy acertada han sabido ver Castells, Van Dijk y Bau-</p><p>man, Internet ha supuesto un cambio significativo tanto en la velocidad</p><p>como en la agilidad de la transmisión de información, hoy ya en tiempo</p><p>real; pero no solo eso, sino que los cambios se han sucedido, década tras</p><p>década, tanto en las interacciones sociales, como en la economía, la políti-</p><p>ca y la gobernanza global. Gracias a Internet nuestra percepción espacial y</p><p>temporal se ha visto fuertemente afectada. Para Castells ha abierto nuevos</p><p>campos de comunicación que consiguen ir más allá de las barreras espa-</p><p>ciotemporales del pasado; por otro lado, para Bauman, no tan optimista,</p><p>las relaciones sociales han perdido todo su espesor y rigidez espaciotempo-</p><p>ral, transformándose en volátiles, deconstruyendo la mayoría de tradicio-</p><p>nes sociales. En lo que sí están de acuerdo ambos autores, es en que nos</p><p>encontramos ante una nueva forma de capitalismo, capitalismo digital o</p><p>informacional, que ha dejado atrás el viejo capitalismo industrial del siglo</p><p>XX. Conviene destacar que a la vez han surgido nuevas formas de de-</p><p>sigualdad, marginación y explotación, que deben ser abordadas desde nue-</p><p>vas perspectivas.</p><p>Otro de los retos de la sociedad de la información es el derecho a la pri-</p><p>vacidad. A pesar de que la bibliografía sobre el derecho a la privacidad data</p><p>de finales del siglo XIX, no es hasta finales del siglo XX que la cuestión</p><p>cobra dimensiones mucho mayores. Indudablemente se debe a la apari-</p><p>ción de Internet, y todo lo que ello conlleva respecto a la protección de</p><p>datos personales. En este sentido, es sumamente interesante una genealo-</p><p>gía que nos lleve de un punto a otro, y que ponga en el foco el conflicto</p><p>muchas veces existente entre dos derechos: libertad de expresión y derecho</p><p>Prólogo</p><p>41</p><p>a la intimidad. Al uso fraudulento de los datos personales deben añadírsele</p><p>otras cuestiones como: data mining, política de cookies, copyright, testa-</p><p>mento digital en redes sociales, o incluso el uso de drones o cámaras de</p><p>vigilancia situadas en lugares estratégicos, geopricing, o geoblocking… La</p><p>mayoría de las constituciones reconocen el derecho a la privacidad, sin</p><p>embargo, la línea que separa lo público de lo privado es tan fina que la</p><p>mayoría de cartas magnas deben ser reforzadas por otras leyes que con-</p><p>templen el derecho a la intimidad en espacios virtuales y entornos digita-</p><p>les; por ejemplo, leyes de protección de datos como la 13.709/18 en Brasil.</p><p>Uno de los aspectos que más debate ha suscitado en los últimos años es</p><p>el de la responsabilidad en actos en los que, de una forma y otra, interviene</p><p>la inteligencia artificial. Un claro ejemplo lo podemos encontrar en los</p><p>contratos electrónicos, donde, si bien siempre son dos sujetos de derecho</p><p>las partes del contrato, en muchos casos una de ellas no es más que un</p><p>software, que opera de forma automática en un entorno virtual en el cibe-</p><p>respacio. Cuestiones como estas no son solo un reto para programadores</p><p>informáticos o ingenieros en Big Data, sino también para juristas y espe-</p><p>cialistas en Derecho Digital y Defensa del Consumidor. Y es que, si por un</p><p>lado en su día pensamos que Internet nos iba a proveer de un gran número</p><p>de opciones y servicios personalizados, la realidad parece bien distinta, ya</p><p>que la mayoría de contratos se mueven según parámetros estandarizados.</p><p>En este sentido lo digital, lo queramos o no, modificará sustancialmente</p><p>dos elementos centrales del Derecho Civil: la responsabilidad civil y el</p><p>concepto de contrato. Sin embargo, la IA no solo se aplica a cuestiones de</p><p>tipo administrativo, sino también a procesos mucho más complejos que</p><p>afectan directamente a derechos y libertades de cada uno de los ciudada-</p><p>nos; incluso a su propia integridad moral y social. No han sido pocos los</p><p>casos en los que complejos sistemas de IA han fallado, causando graves</p><p>perjuicios morales y personales. Por este motivo urge regular las operacio-</p><p>nes de la IA según criterios de responsabilidad social y ética. Como, por</p><p>ejemplo: supervisión humana, seguridad técnica, privacidad de datos,</p><p>Borja Muntadas Figueras</p><p>42</p><p>transparencia, no discriminación, bienestar social y medioambiental y</p><p>responsabilidad.</p><p>Tal y como afirmó Bauman, la nuestra es una sociedad donde el ritmo</p><p>de la vida se mueve a la velocidad de la señal electrónica; donde el tiempo</p><p>requerido para el movimiento se ha vuelto extremadamente instantáneo y</p><p>ha sucumbido a lo verdaderamente extraterritorial. En una vida así lo efí-</p><p>mero cobra cada vez más importancia, y el individuo busca referentes y</p><p>puntos de anclaje cuando compra y navega por la red y el espacio virtual.</p><p>Lo que busca, en definitiva, ante tanta fluidez es seguridad; seguridad que</p><p>sólo le puede proporcionar un ordenamiento jurídico que lo proteja como</p><p>ciudadano y consumidor.1</p><p>Las Fake News son parte del mismo desarrollo de la cultura de la co-</p><p>municación en tiempo real, amplificado gracias a Internet y a una serie de</p><p>dispositivos periféricos como, por ejemplo, los smartphones. Quizás ha-</p><p>bría que situar en el centro mismo del debate una cuestión central respecto</p><p>a la misma noción de trabajo: ¿Qué sucede con ese tiempo liberado del</p><p>trabajo gracias al desarrollo tecnológico? Si bien autores como Rifkin2 se</p><p>mostraban bastante esperanzados en que la reducción de la jornada laboral</p><p>sería posible, en pleno siglo XXI esta utopía perece esfumarse. Las tecnolo-</p><p>gías de la información, lejos de reducir la jornada de trabajo, ha hecho que</p><p>ésta invada la vida privada en todos sus aspectos; el smartphone que soste-</p><p>nemos en nuestras manos es una prolongación de la oficina que nos</p><p>acompaña, colocado en mi mesita noche, cuando intento conciliar el sue-</p><p>ño. En este sentido, la sociedad digital se encuentra dividida en dos gran-</p><p>des grupos: los que disponen de tiempo libre para seleccionar información</p><p>y producirla, y aquellos otros que en su vida monótona y acelerada la con-</p><p>sumen de forma automática. Nos encontramos aquí ante el dilema: ¿Cómo</p><p>va a ser utilizado este excedente? ¿Para lograr una sociedad más libre, jus-</p><p>1 BAUMAN, Z. Modernidad líquida. Madrid: Austral, 2013. Pp. 14-17.</p><p>2 RIFKIN, J. The End of Work: The Decline of the Global Labor Force and the Dawn of</p><p>the Post-Market Era. Putnam Publishing Group, 1995.</p><p>Prólogo</p><p>43</p><p>ta, diversa e informada, o bien para promover teorías conspiratorias, ma-</p><p>nipular o difundir fake news, con el fin de sacar beneficios económicos o</p><p>políticos? Parece que no sólo se puede apelar a la responsabilidad personal</p><p>e individual de los miembros de un grupo frente a otro, sino que se deben</p><p>buscar mecanismos legales que primero reconozcan la vulnerabilidad de</p><p>los segundos e imponga límites a los primeros. Y tan pronto como formu-</p><p>lamos estas preguntas se nos presenta una gran incógnita: si las fake news</p><p>son la potencia de lo falso con fines manipuladores, ¿qué verdad, después</p><p>de que el mismo concepto de verdad muriera hace más de un siglo, puede</p><p>establecerse como criterio básico para combatirlas? A pesar de que más de</p><p>4 billones de personas poseen acceso a Internet, comprender cómo se usa</p><p>la red online de modo seguro es una de las formas de superar el Apartheid</p><p>digital y mejorar la inclusión. Desde el año 2000 en Brasil se inició un pro-</p><p>ceso de mayor participación ciudadana y democracia digital llamado e-</p><p>Gov, que, si bien pone en el centro fomentar la participación y la transpa-</p><p>rencia, debe ir acompañado por un lado de medidas legales que aseguren</p><p>la privacidad de los datos del ciudadano, y por otro, de una mayor inclu-</p><p>sión digital, para que el proceso llegue a todas las capas de la sociedad. De</p><p>lo contrario el proyecto podría excluir a un número importante de ciuda-</p><p>danos.</p><p>A su vez lo digital hace estallar la rígida relación -que ya en los años 30</p><p>Benjamin3 destapó- entre imagen y</p>refere aos novos direitos surgidos das inovações científicas e tecnológicas. Para Rodotà, estamos diante de uma reinvenção da proteção de dados, posto que ela se tornou uma ferramenta essencial para o livre desenvolvimento da personalidade.56 Considerando o cenário de desenvolvimento tecnológico e de conflitos com o qual se deparou (e que vivemos atualmente), o desgaste, recorrente, aos direitos fundamentais, a prevalência de “interesses de segurança” e da “lógica de mercado” e o fato de que a proteção da personalidade tem a ver com a proteção de dados, Rodotà destacou a necessidade de uma “rein- venção afirmativa” e pensou uma estratégia de proteção, resumida em dez pontos para defender os direitos que foram formalmente reconhecidos, bem como desenvolver o seu potencial.57 Os cinco primeiros pontos (e a meu ver, os mais importantes) são os seguintes: (i) países ou regiões onde o patamar de garantias é especialmen- te alto devem ter responsabilidades especiais; (ii) os direitos à proteção de dados não devem ser subordinados a nenhum outro direito; (iii) restrições ou limitações a este direito devem ser admitidas somente se determinadas condições específicas forem obedecidas; (iv) salvaguardas deveriam ser baseadas em princípios que consideram a pessoa como pessoa, que tem personalidade e dignidade; e (v) não se deve ser tolerado que um dado seja utilizado de modo a transformar um indivíduo em objeto sob vigilância constante.58 56 RODOTÁ, op. cit., p. 16-17. 57 RODOTÁ, op. cit., p. 18. 58 Os cinco últimos, por sua vez são: (vi) o direito fundamental à proteção de dados Victor Rodrigues Nascimento Vieira 200 Rodotà pensou tal estratégia para a proteção de dados, mas consideran- do que os direitos à liberdade, privacidade, proteção de dados e livre de- senvolvimento, embora sejam distintos, caminham juntos, a proteção de qualquer um deles, significa uma proteção, ou um reforço, à proteção dos demais. De forma ilustrativa: se existe uma proteção efetiva aos dados dos usuários em redes sociais, de modo que estes não sejam coletados, o profi- ling é impossibilitado ou dificultado. Assim, se há uma impossibilidade ou dificuldade de fazer o profiling dos usuários, fica comprometida também a predição de suas preferências (pelos algoritmos) o que, consequentemente, dificulta o direcionamento de publicidade assertivas e/ou de publicações enviesadas em seu feed, pro- tegendo, portanto, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e evitando o “efeito bolha”. Assim, considero a estratégia pensada por Ro- dotà, para a proteção de dados, como perfeitamente aplicável à proteção ao livre desenvolvimento da personalidade nas redes sociais. Acrescento alguns pontos que acredito serem importantes para a miti- gação da manipulação dos comportamentos que se dá através das redes, que, de certo modo poderiam fazer com que o usuário utilizasse de forma moderada e consciente os seus aplicativos e tivessem maior autonomia, consagrando e protegendo o direito ao livre desenvolvimento à personali- dade. Seria de fundamental importância que as empresas que criam aplicati- vos de redes sociais: (i) tivessem uma preocupação maior em deixar de deveria ser visto como uma promessa renovada e transferida do corpo físico ao corpo eletrônico, devendo ser rejeitadas todas as formas de reducionismo; (vii) especial atenção deve ser dada à “minimização” da coleta de dados; (viii) devem ser introdu- zidos procedimentos de avaliação de impacto sobre a privacidade; (iv) os diversos ti- pos de retenção de dados devem ser regulados por iniciativas específicas, e a redução e/ou eliminação do consentimento informado deve ser impedida; (x) o direito fun- damental à proteção de dados deve ser considerado um componente essencial da fu- tura Carta de Direitos da Internet (RODOTÁ, op. cit., p. 18-21). As redes sociais digitais e o livre desenvolvimento da personalidade 201 recomendar e promover conteúdo desinformador e pernicioso; (ii) cons- truíssem algoritmos que evitassem o aparecimento das “bolhas”; (iii) não coletassem - ou que coletassem o mínimo necessário (para não ser utópi- co) - de dados dos usuários; (iv) advertissem os usuários sobre o excesso de tempo que estes passam nas timelines; (v) desenvolvessem, dentro das redes sociais, plataformas de checagem de fatos e eliminação de material falso, as fake news. Quanto aos usuários, estes deveriam: (i) avaliar como gerenciam seu tempo nas redes; (ii) proceder à checagem de fatos das notícias que são compartilhadas; (iii) procurar fontes alternativas de informação, diversas daquelas sugeridas pelos algoritmos; (iv) buscar familiarizar-se às políticas de privacidade das redes sociais, bem como aos termos de uso e contesta- los, se necessário, em âmbito judicial; (v) cogitar se a informação que pre- tendem compartilhar pode ter algum efeito sobre o bem-estar do outro. 6. Considerações finais Não se deseja, com tudo o que foi dito até aqui, demonizar ou abolir as redes sociais, até porque, como já foi destacado na introdução, elas repre- sentarão benefícios ou malefícios, a depender de como serão usadas. Não cabe a este autor definir o que é certo e errado, bem como o que é bom ou mau. Entretanto, não podemos negligenciar as armadilhas presentes nestas mídias sociais e as consequências que elas podem trazer. Metade da população global está conectada à internet. Bilhões de seres humanos utilizam redes sociais todos os dias. Atualmente, é praticamente impossível não utilizar uma rede social, independentemente da motivação e do objetivo que o indivíduo tenha. Deste modo, o uso das redes sociais deve ser encarado com mais seriedade. As redes sociais e seus algoritmos têm um potencial tremendo de cole- tar dados, traçar perfis, predizer preferências e direcionar postagens (pu- blicitárias ou não) capazes de influenciar no aspecto subjetivo do livre Victor Rodrigues Nascimento Vieira 202 desenvolvimento da personalidade, ou seja, impossibilitar a livre constru- ção da personalidade, cerceando qualquer tipo de autodeterminação pró- pria do seu desenvolvimento. Além disso, a arquitetura e o design das redes e a forma como são cons- truídos (e como funcionam) os algoritmos, transformam este ambiente virtual e as relações sociais que se desenvolvem nestas mídias digitais, em flagrante violação à esfera objetiva do direito geral de personalidade, posto que não proporcionam um local adequado para a autoconstrução da pes- soa humana. Quando falamos de privacidade, proteção de dados, liberdade e livre desenvolvimento da personalidade, estamos falando de direitos humanos, direitos fundamentais, direitos da personalidade, estamos falando, ao cabo, da dignidade da pessoa humana. E, para além disso, estamos falando de poder, poder que poucas empresas das Tecnologias da Informação e Co- municação (TIC) detém sobre os milhões de usuários de suas plataformas. Afinal, estamos passando pela Quarta Revolução Industrial, estamos na Sociedade da Informação, presenciando a “web 3.0” e estamos indo rumo à “web 4.0” contextualizada pela Era da Internet das Coisas. Dados, infor- mações e conhecimento são um dos maiores ativos da contemporaneida- de. Ter conhecimento e possibilidade de manipulação, significa ter um poder incomensurável, que é capaz de influenciar eleições, induzir os ru- mos da economia e da política e interferir direta ou indiretamente nos caminhos que tomará a sociedade e cada um dos seus indivíduos, o que nos leva à inevitabilidade do Compliance, do debate da Ética e da respon- sabilidade. Daí a necessidade de que sejam traçadas estratégias de proteção de da- dos, de que sejam debatidos controles institucionais, de que hajam freios para limitar certos usos das redes,