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AULA 2 AUDITORIA CONTÁBIL Prof. Luiz Eduardo Croesy Jenkins 2 TEMA 1 – PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 00: ESTRUTURA CONCEITUAL PARA RELATÓRIO FINANCEIRO As demonstrações contábeis são a principal matéria-prima a ser utilizada nos trabalhos de asseguração executados pelos auditores externos ou independentes. A análise de registros contábeis, dispostos nos respectivos livros contábeis e fiscais que serviram de suporte evidencial para elaboração das demonstrações contábeis, busca salvaguardar a opinião dos auditores quanto à sua adequação aos aspectos formais e normativos, na atuação da contabilidade como unidade agregadora e geradora de informações. Contudo, dado o extenso volume de transações e, consequentemente, de registros contábeis dos quais uma empresa faz uso, é impraticável imaginar que os auditores planejem a sua atuação e auditem todos os registros, informações, documentos e transações que serviram de base para a preparação das demonstrações contábeis. O trabalho é realizado em uma abordagem top-down, partindo do macro para o micro, ou seja: o trabalho dos auditores externos é iniciado por uma revisão analítica sobre as variações identificadas nas demonstrações contábeis, entre a data-base do exercício em que a auditoria está sendo executada e o exercício imediatamente anterior. Outro ponto analisado pelos auditores externos diz respeito aos aspectos de formalidade e apresentação das demonstrações contábeis. As normas, entre as quais o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 00 (R2), estabelecem regras e elementos mínimos a serem apresentados na divulgação das demonstrações contábeis (CPC, 2019). As entidades obrigadas a divulgar demonstrações contábeis devem, por isso, apresentar um conjunto básico de informativos, composto por: balanço patrimonial (BP); demonstração do resultado (DR); fluxo de caixa (FC); demonstração da mutação do patrimônio líquido (DMPL); demonstração do valor adicionado; notas explicativas; relatório da administração; parecer do conselho fiscal e parecer dos auditores independentes. Nesse sentido, o CPC 00 (R2) apresenta-se como um pronunciamento direcionador àqueles que elaboram as demonstrações contábeis como também àqueles que as utilizam em seu processo de tomada de decisões. Ele destaca que as demonstrações contábeis, além de disporem de características quantitativas, dispõem de algumas de natureza qualitativa, que são classificadas em 3 fundamentais e de melhoria. Essas características são necessárias para se definir que informações financeiras são úteis para fins de representação, nas demonstrações contábeis (CPC, 2019). Essa utilidade se expressa por meio da condição, dessas informações financeiras, de proverem comparabilidade, de poderem ser verificáveis, tempestivas, compreendidas pelos usuários das demonstrações contábeis. A seguir, apresentamos as principais características qualitativas que devem estar dispostas nas demonstrações contábeis. 1.1 Características qualitativas fundamentais das demonstrações contábeis As características fundamentais das demonstrações contábeis são classificadas em: de relevância e de representação fidedigna. A relevância é um aspecto relacionado à condição de ela ser decisiva para a tomada de decisões, considerando-se essa condição como uma das premissas das informações geridas pela contabilidade. A norma que temos como referência – CPC 00 (R2) – traz no seu texto a expressão fazer diferença, o que significa que o fato ou evento deverá satisfazer as condições de que seu valor seja preditivo e tenha a possibilidade de ser confirmado (CPC, 2019). Ser preditivo significa que o valor registrado pode ser utilizado para prever processos futuros, com base na informação gerada. A natureza de valor confirmatório consiste na condição de se checar a sua existência, seja internamente, seja externamente. A representação fidedigna consiste na condição de confiabilidade e veracidade daquilo que está representado nas demonstrações contábeis. Para que uma informação seja considerada como de representação fidedigna, é necessário que ela tenha pelo menos as seguintes características: ser completa, neutra e isenta de erros. Ser completa significa que a demonstração contábil possui as informações mínimas e necessárias para que o seu usuário consiga compreender os fenômenos que influenciam as informações que estão ali representadas. A neutralidade é o caráter de isenção, não se permitindo que sejam feitas escolhas em relação aos fatos e eventos que serão registrados nas demonstrações, a fim de se querer apresentar um resultado financeiro melhor ou pior do que o originalmente existente. Todos os eventos que deram subsídio para os registros contábeis são evidenciados. A isenção de erros é uma condição relativa, já que a própria norma CPC 00 (R2) reconhece ser quase impossível 4 obter a perfeição na precisão das informações (CPC, 2019). Assim, a ideia de a demonstração ser isenta de erros é que a organização não incorra em omissões ou erros que possam modificar a opinião do auditor por aqueles não terem sido registrados, já que o reconhecimento de estimativas contábeis já estabelece que o seu grau de precisão não será máximo, dado que as estimativas poderão variar para mais ou para menos e que não existe ainda uma definição clara do seu valor final, como ocorre, por exemplo, nas provisões passivas de ações judiciais. 1.2 Características qualitativas de melhoria das demonstrações contábeis Os atributos relacionados aos aspectos qualitativos de melhoria das demonstrações contábeis são: comparabilidade, capacidade de verificação, tempestividade e compreensibilidade. A comparabilidade é a capacidade de a situação econômico-financeira de uma entidade ser avaliada em relação à de outras entidades, em relação aos elementos dispostos nas demonstrações contábeis. A norma em que nos baseamos (CPC, 2019) ressalta, todavia, que comparabilidade não é uniformidade. Comparabilidade é permitir que informações que sejam semelhantes possam ser comparadas. A capacidade de verificação diz respeito à condição em que mais de um usuário, todos independentes entre si e dispondo da mesma base informacional, poderão chegar a um consenso em grande parte dos aspectos das demonstrações contábeis. O CPC (2019) descreve duas formas de verificação, a direta e a indireta. A verificação direta é quando essa se aplica à técnica da observação direta, como no caso de contagem física ou inventário físico. A verificação indireta ocorre quando se aplicam técnicas ou procedimentos para se certificar que um valor de entrada ou saída está correto, como nos procedimentos de recálculo. A tempestividade significa dispor das demonstrações contábeis em tempo hábil para a tomada de decisões. As informações devem estar prontamente à disposição. A tempestividade é um caráter temporal das demonstrações. Apresentar informações seis meses depois da data-base não contemplará, por exemplo, o objetivo que se espera para fins de tomada de decisão. A compreensibilidade, conforme disposto no CPC 00 (R2), destaca que o processo de classificação, caracterização e apresentação das informações ocorra de forma clara e seja compreensível aos usuários das demonstrações contábeis. 5 TEMA 2 – BALANÇO PATRIMONIAL E DISCUSSÕES PARA A AUDITORIA O BP se apresenta como a principal demonstração contábil a ser analisada pela equipe de auditoria. Nessa demonstração contábil estão registrados os ativos e passivos, além das informações que compõem o patrimônio líquido da empresa. 2.1 Estrutura básica e elementos O BP apresenta a estrutura patrimonial dos bens, direitos e obrigações próprias e de terceiros, em face da organização. Esses elementos são classificados em função dos seus prazos de realização, segregados entre ativos (bens e direitos)de curto (circulante) e longo prazo (não circulante). Os ativos são classificados por ordem de liquidez, ou seja, em função da sua possibilidade de transformação em recursos de disponibilização imediata. Diante disso, os ativos circulantes são classificados em: disponibilidades (caixa e bancos), contas a receber, estoques, impostos recuperáveis (tributos com direito a crédito fiscal) e outras contas a receber (elementos não classificados nos itens anteriores). Os ativos não circulantes são classificados em: bens permanentes imobilizados, bens permanentes diferidos, investimentos não circulantes (de longo prazo). As obrigações são representadas pelos passivos, classificados em circulantes e não circulantes. Os passivos são classificados por ordem de realização, ou seja, levam em consideração a chance de sua ocorrência. Para tanto, as obrigações categorizadas como passivos circulantes são aquelas que possuem a sua expectativa de realização (pagamento) até o final do exercício seguinte. Os passivos classificados como circulantes são: obrigações trabalhistas, fornecedores, obrigações tributárias, mais contas a pagar, empréstimos e financiamentos de curto prazo (ou parcelas de empréstimo de longo prazo que vencem até o próximo exercício) e provisões que têm expectativa de serem realizadas até o final do próximo exercício. No grupo das provisões estão enquadradas as demandas judiciais nas quais a empresa encontra-se como polo passivo (seja ré). Os passivos não circulantes são: fornecedores de longo prazo, empréstimos e financiamentos de longo prazo, obrigações tributárias renegociadas cujas parcelas vencerão após o final do próximo exercício e provisões cuja expectativa de realização é de que ocorram após o final do exercício seguinte. Como nos passivos circulantes, as provisões classificadas 6 como não circulantes compreendem também as reclamatórias judiciais em todas as esferas da Justiça. A estrutura do BP possui ainda o grupo do patrimônio líquido, que concentra as obrigações da organização para com os seus sócios e acionistas. São classificados aqui o capital social, os lucros acumulados e as reservas. O capital social compreende o registro e classificação dos recursos financeiros e não financeiros que foram integralizados (ou possuem expectativa de integralização) por parte de sócios e acionistas. Os lucros acumulados correspondem aos resultados positivos apurados pela empresa e que não tiveram destinação específica, sejam as distribuições aos acionistas, seja a constituição das reservas. Reservas são os recursos oriundos de lucros ou de fontes externas (de capital), estabelecidas em contas contábeis específicas a fim de manterem a integridade do capital e propiciarem a realização de investimentos nos exercícios futuros, podendo ainda ser utilizadas para fins de compensação de prejuízos acumulados ou para aumento do capital social. As reservas estão diretamente relacionadas ao princípio contábil da continuidade, já que a premissa para o estabelecimento de reservas de lucros está baseada no princípio de que a entidade continuará a existir, sem prazo específico para encerrar suas atividades e, para ela atingir esse objetivo, é fundamental guardar recursos para serem aplicados futuramente em novos imobilizados, investimento em tecnologia, recursos de capacitação e treinamento, incorporação de outras empresas, desenvolvimento de novos produtos e novos fornecedores. A seguir, apresentamos um modelo de BP. Tabela 1 – Balanço patrimonial 2.2 Principais considerações a serem observadas pela equipe de auditoria na análise do balanço patrimonial 7 Compreendidas as principais características que envolvem as contas contábeis patrimoniais, que formam a estrutura do BP, passamos a discorrer sobre os principais pontos de atenção aos quais as equipes de auditoria devem se atentar a fim de poderem emitir uma opinião acerca das demonstrações contábeis. 2.2.1 Segregação entre registros contábeis circulantes e não circulantes A contabilidade e as expressões que ela produz, por meio das demonstrações contábeis, se prestam ao papel de auxiliar as organizações no processo de tomada de decisões. Para tanto, é fundamental que os eventos estejam classificados e, por consequência, registrados de forma adequada, respeitando o prazo de vencimento, sejam para a sua realização (ativos), seja para a sua quitação (passivos), permitindo que os indicadores de liquidez, endividamento e demais indicadores utilizados para tomada de decisões sirvam aos propósitos a que se destinem. A correta segregação entre registros circulantes e não circulantes auxilia o controle do FC e o planejamento financeiro da organização, identificando valores sobre que se tem expectativa de recebimento ou pagamento em curto prazo ou se sabe que serão valores realizáveis em períodos futuros. 2.2.2 Perspectiva de realização dos ativos Um dos principais pressupostos que torna um item ativo, capaz de ser reconhecido contabilmente, é a sua capacidade de realização, ou seja, a sua condição de gerar utilidade. Essa utilidade pode se dar em função da transformação de ativos em valores monetários, por exemplo, o recebimento de vendas contabilizadas a prazo, a geração de riqueza, a produção de bens e serviços com a utilização de máquinas e equipamentos ou ainda a compensação de créditos existentes com passivos de natureza semelhante, como os tributos a compensar. 2.2.3 Capacidade de liquidação de passivos Atenção especial deverá ser dada pelos auditores à capacidade da organização de honrar seus compromissos, visto que atrasos no pagamento de obrigações podem gerar o acréscimo financeiro de juros e multas e acarretar 8 sanções ou penalidades, no caso de atraso de salários e obrigações tributárias, por exemplo. A fim de avaliar se os riscos decorrentes do não cumprimento de obrigações passivas podem impactar as demonstrações contábeis da empresa, os auditores verificam se os compromissos estão sendo cumpridos tempestivamente pela organização. A não quitação de obrigações pela empresa poderá sinalizar aos auditores externos evidências de auditoria de que a empresa possa estar passando por problemas financeiros relativos ao seu FC ou de que a sua estrutura organizacional possa se encontrar desorganizada, a ponto de, mesmo ela tendo recursos financeiros disponíveis, ainda assim atrasar seus compromissos. 2.2.4 Base para mensuração de estimativas contábeis As estimativas contábeis são transações nas quais a organização não dispõe da certeza em relação à sua realização ou pagamento, bem como os montantes do fato que não são totalmente conhecidos, deles se sabendo apenas um valor estimado na data-base de apresentação das demonstrações contábeis. Um dos exemplos clássicos de provisões são as decorrentes de ações judiciais, nas quais a empresa figura como polo passivo e poderá perder o processo, tendo que arcar com os valores requeridos pela parte autora. Sendo esse um valor estimado e não fixo, há que se proceder a avaliações periódicas quanto à suficiência dos montantes provisionados, a fim de que façam frente às expectativas de concretização dos fatos, seja a necessidade de pagamento, seja a de recebimento de recursos. 2.2.5 Superavaliação de ativos Entre os princípios adotados pela contabilidade está o da prudência, que destaca a necessidade de se avaliar ativos pelo seu menor valor de realização, quando existe a possibilidade de avaliá-lo por mais de um critério, apresentando- se uma posição mais conservadora em relação aos seus bens e direitos. Como exemplo, uma empresa possui um valor a receber, que está atrelado a um contrato, que estabelece em uma das cláusulas a possibilidade de ajuste periódico dos valores. O índice de correção não ficou claramente estabelecido no contrato. Caberá à contabilidade efetuar o ajusteadotando um índice menor e, até que se obtenha o acordo com a outra parte, manter o índice que representa uma menor 9 expectativa de ajuste de contas a receber. Portanto, caberá ao auditor analisar se a base de mensuração de um ativo impactou de forma a superestimar o valor esperado para a sua realização. 2.2.6 Subavaliação de passivos O princípio da prudência também se aplica a obrigações classificadas no passivo da empresa. Entretanto, no caso do passivo, a posição conservadora é de que, existindo mais de uma forma de mensurar a avaliação de um passivo, a empresa deverá optar por aquela que represente o maior valor para a transação. Em função de erros interpretativos ou buscando manipular informações para atender a desejos de acionistas ou gestores, apresentando resultados diferentes dos que realmente deveriam ter ocorrido, caso a empresa adotasse uma postura mais conservadora em termos de resultados financeiros, os auditores deverão avaliar a base de mensuração adotada para registro e atualização dos passivos das empresas auditadas, verificando se foram utilizados critérios que realmente mensuraram os possíveis valores, quando da sua realização, seja mediante pagamento de um passivo, seja por transferência, para outrem, de algo sob a sua responsabilidade, seja, ainda, pela atualização monetária de obrigações em seu poder. Em ambos os casos, em se tratando de ativos ou passivos, a atenção dos auditores independentes deve estar voltada para a possibilidade de a empresa auditada estar subavaliando seus passivos ou superestimando o registro de ativos sob a sua propriedade. 2.2.7 Fatos não registrados Para que as demonstrações contábeis reflitam adequadamente a situação patrimonial da entidade na data-base em que estão aquelas sendo apresentadas, todos os fatos e transações que possam modificar a sua estrutura devem ser registrados tempestivamente. Mesmo fatos que ainda não possuem documentações oficiais que dão base para registro devem ser considerados, quando do seu conhecimento por parte da empresa. TEMA 3 – AUDITORIA CONTÁBIL E A DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO A DR é a parte integrante do conjunto das demonstrações contábeis que representa o resumo das operações financeiras de uma organização durante um 10 exercício. É um documento elaborado em conjunto com o BP e reflete as transações ocorridas no decorrer de determinado período e que impactaram a apuração dos lucros ou prejuízos da empresa naquele exercício. A DR é a materialização econômico-financeira das transações realizadas pela empresa em um determinado período e também é utilizada para demonstrar a base para cálculo dos impostos sobre a renda. Essa demonstração segrega as operações em relação à natureza das transações, classificadas em operacionais e não operacionais. As transações operacionais são a base para apuração dos custos e consequente demonstração do resultado operacional bruto (ROB) da companhia. Em termos materiais, a DR apresenta os valores mais relevantes para fins de auditoria tendo em vista que o grupo de receitas operacionais representa individualmente um dos maiores grupos de contas para fins de análise. 3.1 Estrutura básica e elementos A DR do exercício é composta basicamente de três grupos: receitas, custos e despesas. Cada um dos grupos possui subclassificações com a disposição das rubricas em função da natureza das transações. A estrutura da DR está classificada de forma dedutiva, com base nas informações da receita, em que depois são apresentados os tributos incidentes sobre as vendas, os custos relacionados às vendas efetuadas e aos serviços prestados. Em seguida, aparecem as deduções sobre a receita bruta relativa às despesas, classificadas por natureza, como as comerciais, as administrativas, as financeiras e as demais despesas. Depois, é apurado o resultado antes do Imposto de Renda e da contribuição social. Na sequência, são calculados os tributos sobre a renda, o Imposto de Renda e a contribuição social. Por fim, são calculadas as destinações, sobre o lucro, de valores para debenturistas, empregados, dirigentes e partes beneficiárias. A seguir, apresentamos um exemplo hipotético de uma DR. 11 Tabela 2 – Exemplo de DR 3.2 Principais considerações a serem observadas pela equipe de auditoria na análise da demonstração de resultados Após analisar a estrutura básica conceitual da DR, com a apresentação da sua estrutura, passamos a discorrer sobre determinados pontos de observação aos quais o auditor deverá ater-se para realizar exames de auditoria nos resultados do exercício. 3.2.1 Reconhecimento de receitas Um dos aspectos mais importantes aos quais o auditor deve se atentar é ao adequado reconhecimento de receitas no resultado do exercício. Algumas operações de venda não estão atreladas necessariamente à emissão de um documento de faturamento, como uma nota fiscal, e esse fato pode ensejar que a empresa não tenha reconhecido o resultado dessas operações. Algumas transações de venda a longo prazo, como construções navais, imobiliárias, e outros bens vendidos, de alta complexidade e em prazos estendidos, são 12 exemplos de transações que podem requerer uma necessidade de avaliação mais criteriosa, por parte dos auditores. Pelas normas internacionais de contabilidade, uma receita não deve ser reconhecida somente no recebimento de valores ou na emissão de um documento, mas sim quando a propriedade de um bem é transferida para outrem e os riscos daquele bem passam a ser arcados pelos seus compradores. Algumas operações de comércio exterior podem ter as condições de entrega e transferência de reponsabilidade diferente das usuais condições de custo, seguro e frete (CIF) e de livre a bordo (FOB) e, por conta disso, requerem maior atenção, para certificação de que as receitas foram efetivamente reconhecidas nos períodos corretos. 3.2.2 Respeito ao princípio da competência Uma das principais diferenças entre a DR e o FC é que as transações apresentadas no FC adotam o regime de caixa, enquanto a DR apresenta as transações que adotam o regime de competência, ou seja, estão dispostos na DR todas as transações que causaram impacto aos resultados da empresa, independentemente de terem sido pagas ou recebidas. Cabe ao auditor, durante o processo de verificação da adequação dos registros e transações realizadas nas contas de resultado, ou seja, de reconhecer se esses registros ocorrem independentemente de pagamento ou recebimento pelas transações. Pelo princípio da competência, no ato da transação os fatos deverão ser registrados na contabilidade. 3.2.3 Segregação entre atividades operacionais e não operacionais Essa observação da segregação entre atividades operacionais e não operacionais afeta sobretudo os gastos da organização. A principal diferença entre custos e despesas é que as primeiras são gastos relacionados com a atividade-fim da empresa, com os processos que envolvem diretamente a fabricação, revenda ou prestação de serviços, enquanto as despesas correspondem aos demais gastos que não estão diretamente relacionados com a atividade operacional da empresa. A correta classificação de valores como custos ou despesas impacta diretamente a base de formação dos preços de vendas dos produtos e serviços, 13 sendo o valor do custo utilizado para esse fim. A apuração incorreta do custo de um produto pode levar a empresa a adotar um preço de venda que não atenda às suas expectativas de margem de lucro ou mesmo que seja insuficiente para cobrir os custos de produção ou de prestação de serviço, tornando a operação deficitária. Esse fato, sendo prolongado, pode levar a problemas de geração de caixa e mesmo de continuidade da empresa. 3.2.4 Não reconhecimento de despesas no resultado Um dos riscos a que está exposta a preparação e a apresentação da DR éa ausência de registro de transações de despesas, que afetam negativamente o resultado. Os auditores externos deverão estar atentos a problemas relacionados à interpretação e capacitação dos funcionários tanto da contabilidade como de outros setores envolvidos nas rotinas da empresa, que podem acarretar a ausência de registro de fatos contábeis que impacte o reconhecimento de despesas. Existem, ainda, classes de passivos que são classificados como tais e cuja contrapartida em resultado ocorre em momentos futuros, como os juros a incorrer. Nesses casos, a empresa deverá estar atenta a, periodicamente, efetuar o reconhecimento dos valores como despesas financeiras. Os auditores ainda poderão se deparar com um ambiente organizacional propenso à manipulação de informações, com vistas ao alisamento de resultados, expediente utilizado para aplicar interpretações equivocadas (distorcidas) a fim de apresentar resultados incompatíveis com a verdadeira situação econômico- financeira da organização. Diante desses riscos, o tema do reconhecimento das despesas de forma tempestiva é extremamente relevante no processo de avaliação, por parte dos auditores. TEMA 4 – NOTAS EXPLICATIVAS PARA A AUDITORIA As demonstrações contábeis apresentam, em grande parte, informações de natureza quantitativa, expressas em valores monetários. As notas explicativas (NE) se apresentam como informações adicionais às apresentadas no BP, na DR, na DMPL, na demonstração de lucros ou prejuízos acumulados (DLPA) e na demonstração do fluxo de caixa (DFC). As NE fornecem descrições narrativas e detalhes de itens apresentados nessas demonstrações e informações acerca de itens que não se qualificam para 14 reconhecimento, nessas demonstrações. As NE auxiliam o usuário do conjunto das demonstrações contábeis a entender as variações apresentadas, a natureza dos grupos contábeis apresentados, a composição dos valores mais relevantes. 4.1 Estrutura básica e elementos As informações mínimas que devem constar nas NE são: o contexto operacional, a base normativa para apresentação do conjunto de demonstrações contábeis, as principais práticas contábeis, a composição e explicação dos saldos mais relevantes apresentados no BP e na DR, os riscos para a continuidade do negócio e os eventos subsequentes. Em função das características da organização e da natureza de suas operações, outros elementos poderão ser requeridos ou apresentados na elaboração das NE. 4.1.1 Contexto operacional No contexto operacional encontram-se informações básicas sobre a companhia, a sua forma de constituição (limitada, sociedade anônima etc.), o seu endereço, o seu objeto social e também um espaço para apresentação de informações relacionadas com as atividades executadas pela organização, situações envolvendo as operações no exercício findo, ou seja, um contexto econômico do período, no tocante àquela organização. 4.1.2 Base normativa para apresentação das demonstrações contábeis A base normativa compreende as normas e princípios adotados pela companhia para a preparação das demonstrações contábeis, por exemplo, as normas internacionais de contabilidade e os princípios de contabilidade aceitos no Brasil. 4.1.3 Principais práticas contábeis Entre as principais práticas contábeis encontram-se os critérios contábeis adotados para fins de mensuração, registro, reconhecimento dos fatos que deram origem ao registro das transações. Como exemplo, está a forma como as aplicações financeiras são registradas: a valor de custo da aplicação, acrescida de rendimentos auferidos até a data-base das demonstrações; a forma de contabilização dos estoques, pelo custo de aquisição, reduzido dos impostos 15 recuperáveis; pelos ativos imobilizados, registrados pelo custo de aquisição, deduzidos também os impostos recuperáveis e a depreciação acumulada, informando-se as taxas de depreciação adotadas pela empresa. 4.1.4 Composição dos saldos e natureza dos grupos contábeis A composição dos saldos é apresentada de forma sintética nas demonstrações para os grupos de contas mais relevantes em termos monetários, inclusive para que o usuário das demonstrações possa ter conhecimento a respeito do que se demonstra registrado como determinado bem, direito ou obrigação. A apresentação da natureza das contas auxilia investidores e demais usuários das demonstrações a compreenderem o comportamento de um saldo, explica o que a frieza dos números muitas vezes não consegue transmitir. Por exemplo, ao nos depararmos com o BP, vemos que, no ativo, há a conta Disponível ou Disponibilidades. Mas o que há efetivamente ali? Nas NE, é possível identificar se existem recursos apenas em bancos, ou também em aplicações financeiras. Igualmente em relação aos estoques, a conta se apresenta de forma sintética no BP. E, nas NE, observa-se o montante referente à matéria-prima, aos produtos em elaboração e aos produtos acabados. 4.1.5 Riscos de continuidade Quando da realização dos exames de auditoria, a equipe de auditores deve estar atenta a qualquer fato que possa afetar a continuidade operacional da entidade. Esses fatos deverão ser comunicados aos líderes da equipe de auditoria e, posteriormente, também à alta administração do cliente, para avaliação conjunta. Se, de fato, após a realização de testes adicionais, se constatarem riscos em relação à condição de existência da empresa, eles deverão ser reportados nas NE, de forma transparente. A cada exercício, tanto a empresa como a equipe de auditoria deverão avaliar, em conjunto ou separadamente, se existem situações que possam afetar a continuidade da companhia. 4.1.6 Eventos subsequentes Eventos subsequentes são fatos ocorridos após a data de encerramento do exercício e que podem afetar a situação patrimonial ou financeira das demonstrações contábeis da empresa ou os seus exercícios futuros. Importa 16 ressaltar que, mesmo que um evento ocorra após a finalização do exercício, ainda assim, sendo algo que poderá afetar a realização de bens, direitos e obrigações, ele deverá ser considerado. Como exemplo, uma dada empresa possui no seu grupo contábil de clientes o registro de valores a receber de um determinado cliente que decretou ou teve decretada a sua falência de forma judicial. Há uma forte evidência de que os valores a receber pelo cliente auditado sofrerão consequências em face da condição falimentar e, obviamente, esse fato deverá ser reportado, já que impactará a realização de ativos registrados como valores a receber. TEMA 5 – APLICAÇÃO DAS PRINCIPAIS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS 5.1 Apresentação de caso prático O aluno deverá obter as demonstrações contábeis de uma empresa listada na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), nos exercícios de 2020 e 2019, e, após análise dos principais aspectos discorridos nesta etapa, informar os seguintes elementos identificados nas NE daquelas demonstrações. • Contexto operacional. • Base normativa para apresentação das demonstrações contábeis. • Principais práticas contábeis. • Composição e explicação dos saldos de: disponibilidades, clientes, estoques, imobilizados, empréstimos e financiamentos circulantes e não circulantes, obrigações tributárias. • Riscos para a continuidade reportados. • Eventos subsequentes. 5.2 Solução sugerida: empresa Magazine Luiza • Contexto operacional: a empresa atua, preponderantemente, no comércio varejista, por meio de lojas físicas, e-commerce e seu SuperApp, que é um aplicativo que oferece produtos e serviços do Magazine Luiza, de suas controladas e, por meio de plataforma de marketplace, de seus parceiros comerciais (sellers). Suas controladas oferecem serviços de operações de empréstimos, financiamentos e seguros aos seus clientes. Sua sede social está localizada na cidade de Franca, Estado de São Paulo, 17 Brasil. Sua controladora e holdingé a LTD Administração e Participação S.A. Em 31 de dezembro de 2021, a companhia possuía 1.481 lojas e 26 centros de distribuição localizados em todas as regiões do país, além de sua atuação em sites de comércio eletrônico. • Base normativa para apresentação das demonstrações contábeis: as demonstrações contábeis da empresa foram elaboradas tomando como base as práticas contábeis adotadas no Brasil, que compreendem as disposições da legislação societária, previstas na Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976) e suas alterações posteriores, nas normas internacionais de contabilidade (IFRS) emitidas pelo International Accounting Standards Board (Iasb) e nas interpretações emitidas pelo International Financial Reporting Interpretations Committee (Ifric), implantadas no Brasil por meio do CPC e suas interpretações técnicas (ICPC) e orientações (OCPC), devidamente aprovados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). • Principais práticas contábeis: a. Transações e atualizações monetárias de direitos e obrigações. b. Critérios para redução ao valor líquido recuperável de ativos (impairment). c. Ajustes a valor presente. d. Provisões. e. Benefícios a empregados. f. Demonstrações do valor adicionado (DVA). g. Mensuração do valor justo. h. Novas normas e interpretações ainda não efetivas. • Composição e explicação dos saldos: a. Disponibilidades: caixa e equivalente de caixa; aplicações em Certificado de Depósito Bancário (CDB) e Certificado de Depósito Interbancário (CDI); apresentação das taxas de remuneração; aplicações em títulos e valores mobiliários (TVM), com as suas devidas taxas de remuneração. b. Clientes: contas a receber apresentadas por tipos de transação efetuada (cartão de crédito, cartão de débito, crediário próprio, venda de garantia estendida, valores a receber decorrentes de operações logísticas); critérios de mensuração das provisões para crédito de liquidação duvidosa; apresentação de saldos por idade de vencimento (aging list). c. Estoques: classificação e apresentação por tipo de estoque (material para revenda, material de consumo e provisões para perdas em estoque). 18 d. Imobilizados: são registrados ao custo de aquisição, deduzidos da depreciação acumulada; apresentam-se os critérios de redução ao valor recuperável do ativo imobilizado. e. Empréstimos e financiamentos circulante e não circulante: apresentação dos tipos de operação, taxas de juros e encargos e vencimento final das operações. f. Riscos para a continuidade reportados: riscos não informados. g. Eventos subsequentes: divulgação de fato relevante; incorporação societária de controladas. 19 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm>. Acesso em: 31 mar. 2022. CPC – Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Pronunciamento Técnico CPC 00 (R2): estrutura conceitual para relatório financeiro. Brasília, 10 dez. 2019. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/573_CPC00(R2).pdf>. Acesso em: 31 mar. 2022.