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<p>FARMACOLOGIA APLICADA I</p><p>Profª Carina Fernanda Mattedi</p><p>AULA 4</p><p>2</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Farmacologia do sistema nervoso autônomo</p><p>O sistema nervoso (SN) é composto por bilhões de fibras nervosas que</p><p>se comunicam entre si, conferindo uma complexidade diferente do que a</p><p>observada em outro sistema do corpo humano. As interações entre os neurônios</p><p>são responsáveis por ativar ou inibir diferentes vias e podem mediar diferentes</p><p>funções.</p><p>Os neurônios do SN estão organizados de forma a exercer suas</p><p>conexões, transmitindo química e eletricamente as informações, e são</p><p>organizados em unidades anatômicas maiores.</p><p>Esta aula aborda as principais divisões do SN, com ênfase no sistema</p><p>nervoso autônomo (SNA), na anatomia e nas respostas fisiológicas frente sua</p><p>ativação. Conhecer estas características auxilia na compreensão da</p><p>farmacologia das drogas que atuam sobre este sistema.</p><p>TEMA 1 – DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO (SNP)</p><p>O SN está dividido em duas seções anatômicas: sistema nervoso central</p><p>(SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O SNC compreende o cérebro,</p><p>diencéfalo, cerebelo, tronco encefálico e medula espinal e é responsável por</p><p>receber, analisar e interpretar informações e sinais que recebe da periferia. O</p><p>SNP inclui os neurônios que estão localizados fora do cérebro e da medula</p><p>espinal, ou seja, qualquer fibra nervosa que entra ou sai do SNC e conecta o</p><p>SNC a outros locais. Por meio dos chamados órgãos sensoriais o SNP</p><p>encaminha a informação para os órgãos efetores.</p><p>O SNP está subdivido em porções eferente e aferente. As fibras eferentes</p><p>são aquelas que transportam sinais oriundos do cérebro e medula espinal para</p><p>os tecidos periféricos, garantindo que os impulsos do sistema nervoso central</p><p>cheguem até os órgãos efetores. As fibras aferentes são responsáveis por trazer</p><p>as informações da periferia para o SNC, ou seja, levam informações que o corpo</p><p>obtém do meio externo e de seu interior até o SNC. Os neurônios aferentes</p><p>proveem impulsos sensoriais para modular a função da divisão eferente por meio</p><p>de arcos reflexos ou vias neurais que intermedeiam a ação reflexa.</p><p>3</p><p>A porção eferente do SNP é dividida em duas subdivisões funcionais</p><p>principais: o sistema nervoso somático (SNS) e o sistema nervoso autônomo</p><p>(SNA). Os neurônios eferentes somáticos estão envolvidos no controle voluntário</p><p>de funções, como a contração de músculos esqueléticos, importante para a</p><p>locomoção. O SNA é responsável pela regulação de funções corporais sem a</p><p>participação consciente do cérebro, sendo responsável por regular as funções</p><p>neurovegetativas, como os sistemas respiratório, cardiovascular, renal,</p><p>digestório e endócrino.</p><p>Devido a sua natureza involuntária, o SNA também pode ser chamado de</p><p>sistema nervoso visceral, sistema nervoso vegetativo ou sistema nervoso</p><p>involuntário.</p><p>Este sistema é composto por neurônios eferentes que inervam os</p><p>músculos lisos das vísceras, o músculo cardíaco, o músculo vascular e as</p><p>glândulas exócrinas. Desta forma, controla funções como a digestão, o débito</p><p>cardíaco, o fluxo sanguíneo e as secreções glandulares.</p><p>Uma importante função do SNA é manter a homeostase do organismo a</p><p>cada momento diante de diferentes situações a que ele é exposto.</p><p>Algumas manifestações vegetativas do organismo humano são:</p><p>• Sono e estado de alerta;</p><p>• Locomoção e equilíbrio;</p><p>• Comportamento agressivo ou defensivo;</p><p>• Controle da temperatura corporal;</p><p>• Controle da micção;</p><p>• Controle sexual;</p><p>• Controle da digestão;</p><p>• Controle da circulação sanguínea;</p><p>• Controle da respiração.</p><p>TEMA 2 – ANATOMIA</p><p>Antes de discutirmos a anatomia do SNA é importante diferenciar</p><p>anatomicamente o SNA do SNS.</p><p>A transmissão do SNS ocorre por meio de um único neurônio, uma fibra</p><p>nervosa chamada de motoneurônio somático, que parte do SNC e faz sinapse</p><p>4</p><p>com o músculo estriado, induzindo relaxamento ou contração. Não ocorre</p><p>intermediação de gânglios.</p><p>O SNA é a subdivisão do SNP que engloba anatomicamente os nervos</p><p>cranianos e espinhais, cuja função é controlar autonomamente os órgãos</p><p>internos. Ele transporta impulsos nervosos do SNC para os órgãos efetores por</p><p>meio de dois tipos de neurônios eferentes, que são chamados de neurônios pré-</p><p>ganglionares e neurônios pós-ganglionares.</p><p>O neurônio pré-ganglionar tem o corpo celular localizado no SNC, que</p><p>emerge do SNC, do tronco cerebral ou medula espinal, e faz sinapse na região</p><p>do chamado gânglio autonômico. O gânglio é um agregado de corpos celulares</p><p>de fibras nervosas que estão localizadas perifericamente. É na região ganglionar</p><p>que ocorre a sinapse entre os neurônios pré e pós-ganglionares.</p><p>Os neurônios pós-ganglionares em geral não são mielinizados, têm seus</p><p>corpos celulares localizados nos gânglios e fazem sinapse nos chamados órgãos</p><p>efetores, como vísceras, coração e glândulas.</p><p>O SNA pode ainda ser subdividido, anatômica e funcionalmente, em:</p><p>• SNA simpático;</p><p>• SNA parassimpático;</p><p>• SNA entérico.</p><p>De acordo com o local de origem das fibras a partir do SNC e a localização</p><p>do gânglio autonômico, os sistemas simpático e parassimpático apresentam</p><p>características anatômicas diferentes.</p><p>Estes sistemas apresentam diferenças entre o comprimento das fibras, os</p><p>tipos de receptores e os neurotransmissores envolvidos.</p><p>Na farmacologia, é importante que se conheça qual região está sendo</p><p>estimulada ou inibida para a melhor compreensão dos efeitos causados por</p><p>diferentes drogas sobre estes sistemas.</p><p>2.1 SNA simpático</p><p>As fibras pré-ganglionares do SNA simpático emergem do SNC das</p><p>regiões torácica e lombar (compreendendo a região entre as vértebras T1 –</p><p>torácica 1 a L2 – lombar 2) e, por esta razão, este sistema é também chamado</p><p>de SNA toracolombar.</p><p>5</p><p>Os neurônios deixam a medula nas raízes ventrais de cada nível vertebral</p><p>e fazem sinapses com neurônios pós-ganglionares nos gânglios simpáticos. As</p><p>sinapses ocorrem em duas cadeias de gânglios localizadas paralelamente à</p><p>medula espinal e os neurônios pós-ganglionares apresentam axônios que se</p><p>estendem até os tecidos que eles inervam e regulam. Estes axônios são mais</p><p>longos quando comparados com os pré-ganglionares.</p><p>A chamada cadeia simpática contempla a maior parte dos gânglios deste</p><p>sistema e consiste em 25 pares de gânglios que estão localizados lateralmente</p><p>à coluna vertebral.</p><p>Os gânglios simpáticos cervical superior, cervical médio e cervical inferior</p><p>enviam suas fibras pós-ganglionares pelos nervos cranianos e espinais</p><p>cervicais.</p><p>O gânglio cervical superior inerva pupila, glândulas salivares, glândulas</p><p>lacrimais, vasos sanguíneos e glândulas sudoríparas. Os neurônios pós-</p><p>ganglionares que surgem nos gânglios cervical médio, cervical inferior e</p><p>torácicos, inervam o coração e os pulmões. As fibras que surgem dos outros</p><p>gânglios paravertebrais inervam glândulas sudoríparas, músculos pilomotores e</p><p>vasos sanguíneos de músculo esquelético e pele por todo o corpo.</p><p>Os gânglios pré-vertebrais, que são os gânglios celíaco, gânglio</p><p>mesentérico superior e gânglio mesentérico inferior apresentam neurônios pré-</p><p>ganglionares mais longos. Estes gânglios inervam o trato gastrointestinal (TGI).</p><p>Uma característica importante dos neurônios pré-ganglionares do SNA</p><p>simpático é a capacidade de ramificação, e isto permite que um único neurônio</p><p>pré-ganglionar faça sinapse com vários neurônios pós-ganglionares. Em função</p><p>disso, vários órgãos podem ser ativados simultaneamente.</p><p>O SNA simpático apresenta uma ampla distribuição de diferentes</p><p>receptores nos órgãos. Isto possibilita uma modulação seletiva por numerosos</p><p>agentes farmacológicos.</p><p>2.2 SNA parassimpático</p><p>O SNA parassimpático é conhecido como SNA craniossacral e, da mesma</p><p>forma que o SNA simpático, é assim chamado em função da origem de suas</p><p>fibras. Os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos emergem dos nervos</p><p>craniais III (oculomotor), VII</p><p>(facial), IX (glossofaríngeo) e X (vago), bem como da</p><p>6</p><p>região sacral da medula espinal (S2 a S4), e fazem sinapse nos gânglios que</p><p>estão localizados próximos dos órgãos efetores.</p><p>Os neurônios pré-ganglionares do nervo oculomotor inervam a pupila,</p><p>estimulando sua constrição. As fibras parassimpáticas no nervo facial estimulam</p><p>a secreção salivar pelas glândulas submaxilares e sublinguais e a produção de</p><p>lágrimas pela glândula lacrimal. As fibras parassimpáticas no nervo</p><p>glossofaríngeo estimulam a glândula parótida. O nervo vago inerva os principais</p><p>órgãos do tórax e do abdome, incluindo coração, árvore brônquica, rins, TGI e</p><p>colo proximal. Fibras parassimpáticas sacrais inervam a parte restante do colo, a</p><p>bexiga e a genitália.</p><p>De forma diferente do SNA simpático, os neurônios pré-ganglionares são</p><p>longos e os neurônios pós-ganglionares são curtos, podendo os gânglios inclusive</p><p>estarem localizados no próprio órgão inervado por este sistema. Em alguns casos,</p><p>as fibras pré-ganglionares parassimpáticas podem percorrer quase um metro</p><p>antes de fazer sinapse.</p><p>O SNA parassimpático não apresenta neurônios que se ramificam,</p><p>havendo uma relação de 1:1 entre fibras pré e pós-ganglionares na maior parte</p><p>dos casos. Isto implica em uma resposta mais localizada.</p><p>Da mesma forma que o SNA simpático, a atividade do SNA parassimpático</p><p>pode ser modulada por numerosos agentes farmacológicos.</p><p>A Quadro 1 ilustra as principais diferenças anatômicas entre o SNA</p><p>simpático e parassimpático.</p><p>Quadro 1 – Características anatômicas do SNA simpático e parassimpático</p><p>PARÂMETRO SNA SIMPÁTICO SNA PARASSIMPÁTICO</p><p>Fibras</p><p>Pré-ganglionar curta</p><p>Pós-ganglionar longa</p><p>Pré-ganglionar longa</p><p>Pós-ganglionar curta</p><p>Origem Toracolombar Craniossacral</p><p>Distribuição Ampla Limitada</p><p>Resposta Difusa Limitada</p><p>2.3 SNA entérico</p><p>O SNA entérico corresponde à terceira divisão do SNA. Ele funciona de</p><p>forma independente do SNC e pode ser modulado pelos SNA simpático e</p><p>parassimpático. Este sistema é formado por várias fibras nervosas que inervam o</p><p>TGI, o pâncreas e a vesícula biliar e é conhecido como cérebro do intestino. É</p><p>7</p><p>nesta região que está localizado o maior número de neurônios fora do SNC. Estes</p><p>neurônios são responsáveis pela regulação de diversas atividades no intestino e</p><p>interagem com os sistemas simpático e parassimpático.</p><p>Os corpos celulares dos neurônios do SNE estão localizados em plexos</p><p>intramurais que se interconectam e são chamados de plexo submucoso e plexo</p><p>mioentérico.</p><p>O plexo mioentérico, ou plexo de Auerbach, está disposto entre as</p><p>camadas musculares do TGI, no sentido longitudinal e circular. Ele se estende por</p><p>todo o trato, desde o esôfago, e controla quase todos os movimentos</p><p>gastrointestinais, participando no controle da atividade muscular, aumentando o</p><p>tônus da parede desse trato e a intensidade de contrações.</p><p>O plexo submucoso, ou plexo de Meissner, está localizado na camada</p><p>submucosa do TGI, entre a camada de músculo liso e epitélio da mucosa,</p><p>controlando a secreção gastrointestinal e o fluxo sanguíneo local. Este plexo</p><p>interage com os sinais sensoriais originados do epitélio gastrointestinal, auxiliando</p><p>ainda nos processos de absorção e contração local do músculo submucoso.</p><p>As funções gastrointestinais podem ser moduladas – inibidas ou</p><p>potencializadas – diretamente por fibras simpáticas e parassimpáticas. Além</p><p>disso, muitas fibras do SNA entérico atuam de forma independente de nervos</p><p>extrínsecos, funcionando como mecano ou quimiorreceptores, que são</p><p>responsáveis por respostas reflexas sobre a atividade gastrointestinal, sem</p><p>estímulos simpáticos e parassimpáticos.</p><p>O SNA entérico controla a motilidade, as secreções exócrinas e endócrinas</p><p>e a microcirculação do TGI.</p><p>TEMA 3 – EFEITOS DA ESTIMULAÇÃO SIMPÁTICA E PARASSIMPÁTICA</p><p>A maioria dos órgãos e tecidos é inervada tanto pelo SNA simpático como</p><p>pelo parassimpático, sendo o controle das suas funções exercido por meio de</p><p>ações normalmente antagônicas. Podemos citar como exemplo o coração, onde</p><p>a estimulação parassimpática causa bradicardia e a ativação simpática está</p><p>envolvida com taquicardia.</p><p>Além da ação antagônica, estes sistemas podem exercer uma ação</p><p>sinérgica, ou seja, agindo da mesma forma sobre determinado órgão. As</p><p>glândulas salivares são exemplos deste tipo de interação entre estes sistemas.</p><p>8</p><p>Nesta região, as ativações simpática e parassimpática estimulam a produção de</p><p>secreção abundante.</p><p>Alguns órgãos podem ainda apresentar inervação exclusiva simpática ou</p><p>parassimpática e, assim, estar sob controle exclusivo de um único sistema.</p><p>Regiões como glândulas sudoríparas, músculos piloeretores, glândulas</p><p>suprarrenais e vasos estão invernadas exclusivamente pelo SNA simpático.</p><p>A Figura 1 mostra as diferentes respostas frente a estímulos dos sistemas</p><p>simpático e parassimpático.</p><p>3.1 Estímulo simpático</p><p>A divisão simpática do SNA tem uma característica importante de</p><p>adaptação do organismo frente às situações de estresse como frio, medo, trauma</p><p>e exercício. É considerada como a parte do SN que prepara o organismo para</p><p>lidar com situações inesperadas.</p><p>Alguns efeitos da estimulação simpática são: aumento da frequência</p><p>cardíaca, aumento da pressão arterial e fluxo sanguíneo, mobilização de energia,</p><p>dilatação das pupilas e dilatação dos brônquios. Pode ainda alterar a motilidade</p><p>gastrointestinal, a função da bexiga e órgãos sexuais.</p><p>Figura 1 – Ação dos SNA simpático e parassimpático em diferentes órgãos</p><p>Crédito: Jefferson Schnaider.</p><p>9</p><p>A ativação simpática prepara o organismo para lidar com situações incertas</p><p>e, em função disso, as alterações experimentadas pelo corpo durante</p><p>emergências são referidas como reações de luta ou fuga. A ampla variedade de</p><p>funções fisiológicas envolvidas pode ser justificada pela distribuição difusa das</p><p>fibras pós-ganglionares observadas neste sistema.</p><p>As reações de luta ou fuga têm início quando o SNA simpático é estimulado</p><p>diretamente nos órgãos efetores e podem ainda iniciar por estímulo da</p><p>suprarrenal, que induz a liberação de epinefrina. Este estímulo hormonal promove</p><p>resposta nos órgãos efetores por meio de receptores adrenérgicos.</p><p>Importante ainda pontuar que este sistema funciona como uma unidade, ou</p><p>seja, pode descarregar por completo. Isto pode ser observado, por exemplo,</p><p>durante a prática de atividade física muito intensa ou em resposta às situações de</p><p>intenso estresse.</p><p>Em situações de luta ou fuga, como nosso corpo reage? Algumas respostas</p><p>são:</p><p>• Liberação de hormônios da glândula suprarrenal;</p><p>• Aumento da pressão arterial e frequência cardíaca;</p><p>• Broncodilatação;</p><p>• Inibição da motilidade e secreção no TGI;</p><p>• Aumento do metabolismo de glicose;</p><p>• Mobilização de energia;</p><p>• Aumento do fluxo sanguíneo;</p><p>• Dilatação das pupilas.</p><p>3.2 Estímulo parassimpático</p><p>A divisão parassimpática do SNA é muito importante para a manutenção</p><p>de um organismo vivo, pois mantém funções vitais, como a digestão, por exemplo.</p><p>Está envolvida com a manutenção da homeostase do organismo.</p><p>A ativação parassimpática geralmente opõe as ações da divisão simpática</p><p>e ocorre em situações de repouso e digestão.</p><p>Este sistema não descarrega completamente, como o que pode ocorrer</p><p>com a divisão simpática. Uma descarga por completo resultaria em micção e</p><p>defecação involuntárias, por exemplo.</p><p>10</p><p>O acrônimo SLUDD resume as respostas da ativação parassimpática:</p><p>• S – Salivação;</p><p>• L – Lacrimejamento;</p><p>• U – Urinar;</p><p>• D – Digestão;</p><p>• D – Defecação.</p><p>Uma situação interessante é quando ocorre o chamado medo paradoxal. O</p><p>medo paradoxal pode ocorrer quando o indivíduo percebe que não há via de</p><p>escape para determinada situação ou não há possibilidade de vencer, ou de fugir.</p><p>Nesta situação existe um alto nível de tônus parassimpático, causando perda do</p><p>controle destas funções</p><p>relacionadas no acrônimo.</p><p>TEMA 4 – NEUROTRANSMISSORES ENVOLVIDOS</p><p>Neurotransmissores são mediadores químicos liberados pelas</p><p>terminações nervosas na fenda sináptica. Lembrando um pouco de Fisiologia da</p><p>transmissão nervosa, a fenda sináptica é o local onde os neurotransmissores</p><p>são liberados e irão interagir com seus receptores específicos, inibindo ou</p><p>excitando a célula pós-sináptica.</p><p>As membranas de fibras pré e pós-sinápticas são separadas por esta</p><p>fenda sináptica, que tem aproximadamente 50 nm de largura. Por esta região</p><p>passam neuromoduladores e neurotransmissores, que podem ser aminas</p><p>biogênicas, aminoácidos, peptídeos, entre outros.</p><p>Os neurotransmissores são sintetizados no interior do neurônio e são</p><p>estocados em vesículas, chamadas de vesículas sinápticas. A liberação do</p><p>conteúdo das vesículas ocorre por difusão ou exocitose, sendo este último o</p><p>processo mais comum.</p><p>A liberação por difusão ocorre quando os neurotransmissores não ficam</p><p>armazenados e são liberados de acordo com a sua produção. É um processo</p><p>lento, sendo a síntese um processo cálcio-dependente.</p><p>Na liberação por exocitose o neurotransmissor está armazenado em</p><p>vesículas intracelulares e a liberação ocorre por meio de fusão das vesículas</p><p>com a membrana celular, em resposta ao aumento da concentração de cálcio</p><p>intracelular. É o principal mecanismo de liberação de neurotransmissores.</p><p>11</p><p>Para explicar como ocorre a transmissão sináptica, precisamos pensar em</p><p>uma série de etapas que vão desde a despolarização da célula até a sinalização</p><p>química.</p><p>De uma forma geral, para os SNA simpático e parassimpático, os</p><p>neurotransmissores são sintetizados a partir de precursores e ficam</p><p>armazenados nas vesículas sinápticas. Após a despolarização da célula pré-</p><p>sináptica ocorre a ativação de canais de cálcio voltagem-dependentes, o que</p><p>favorece a entrada de íons de cálcio no interior da célula.</p><p>Com o aumento das concentrações de cálcio na fibra pré-sináptica, as</p><p>vesículas se fundem com a membrana e liberam seus conteúdos para a fenda</p><p>sináptica e os neurotransmissores se ligam aos seus respectivos alvos, que</p><p>podem ser receptores ionotrópicos ou metabotrópicos.</p><p>A remoção dos neurotransmissores da fenda pode ocorrer por recaptação</p><p>ou degradação enzimática.</p><p>Os principais neurotransmissores autonômicos são acetilcolina (ACh) e</p><p>noradrenalina (NA) ou norepinefrina (NE).</p><p>Os neurônios ganglionares são essencialmente colinérgicos, liberam ACh,</p><p>e a transmissão ganglionar ocorre principalmente por meio de receptores</p><p>nicotínicos da ACh.</p><p>Neurônios pós-ganglionares do SNA simpático são principalmente</p><p>noradrenérgicos, liberam NA. Enquanto neurônios do SNA parassimpático são</p><p>principalmente colinérgicos e atuam sobre receptores muscarínicos.</p><p>A Figura 2 apresenta os principais neurotransmissores autonômicos e</p><p>suas vias.</p><p>12</p><p>Figura 2 – Neurotransmissores das vias simpáticas e parassimpáticas</p><p>Crédito: Jefferson Schnaider.</p><p>TEMA 5 – REFLEXOS AUTONÔMICOS</p><p>Os reflexos autonômicos são respostas do organismo observadas quando</p><p>um impulso percorre um arco reflexo autonômico. Como exemplos importantes</p><p>estão o reflexo da contração pupilar, chamado de fotomotor, o reflexo de controle</p><p>da pressão arterial a curto prazo, chamado de barorreflexo, e o reflexo de</p><p>esvaziamento da bexiga, que é o reflexo da micção.</p><p>Um dos mais importantes mecanismos endógenos para o controle da</p><p>pressão arterial é o barorreflexo. Ele atua ajustando a frequência cardíaca e o</p><p>tônus simpático vascular a cada momento. Estudos mostram que pacientes que</p><p>sofrem infarto apresentam uma sensibilidade reduzida deste reflexo. A medida da</p><p>sensibilidade barorreflexa pode ser utilizada como avaliação da variabilidade da</p><p>frequência cardíaca, como um marcador de risco de morte súbita após infarto do</p><p>miocárdio.</p><p>Os barorreceptores são receptores de estiramento localizados nas paredes</p><p>das grandes artérias sistêmicas, no arco aórtico e seio carotídeo, sendo</p><p>responsáveis pelos ajustes rápidos e momentâneos na pressão arterial. A</p><p>13</p><p>ativação destes receptores ocorre pela pressão interna, que distende as paredes</p><p>vasculares.</p><p>Quando os barorreceptores são ativados, ocorre uma inibição da atividade</p><p>simpática. A inibição da distensão leva a uma redução da atividade</p><p>barorreceptora. Sendo assim, quando ocorre um aumento da pressão arterial os</p><p>barorreceptores são ativados e atuarão sobre o SNA simpático, reduzindo sua</p><p>atividade e aumentando a ativação parassimpática.</p><p>No SNA simpático ocorre inibição de receptores adrenérgicos beta 1 e alfa</p><p>1 no músculo liso. Isto implica na redução do débito cardíaco e resistência</p><p>periférica, que são parâmetros diretamente relacionados com a pressão arterial.</p><p>Outro reflexo autonômico importante é o da micção. A urina é armazenada</p><p>na bexiga e ejetada de forma intermitente durante a micção. O que ocorre durante</p><p>o processo de micção? Ocorrem contrações na musculatura lisa do ureter que</p><p>permitem a passagem da urina.</p><p>A bexiga apresenta inervações simpática e parassimpática e tem a</p><p>capacidade de cumprir as funções de “armazenamento” e “esvaziamento”.</p><p>O entendimento da fisiologia da micção requer conhecimentos sobre a</p><p>anatomia do trato urinário inferior, os centros e conexões neurais envolvidos em</p><p>seu controle e as propriedades contráteis da musculatura envolvida. O músculo</p><p>detrusor é capaz de se adaptar ao processo de armazenamento e eliminação da</p><p>urina. A contração do músculo detrusor comprime a urina no lúmen da bexiga para</p><p>produzir a micção. O enchimento da bexiga ocorre sob baixas pressões</p><p>intravesicais, sendo esta característica diretamente relacionada ao conceito de</p><p>complacência vesical, que relaciona volume e pressão.</p><p>Dois outros músculos importantes neste processo são o esfíncter interno</p><p>da uretra, localizado no colo da bexiga, onde começa a uretra, e o esfíncter</p><p>externo da uretra, que está logo abaixo do esfíncter interno da uretra e circunda a</p><p>uretra como um anel de músculo esquelético. A contração do esfíncter externo é</p><p>capaz de impedir a micção, mesmo quando o músculo detrusor se contrai</p><p>fortemente.</p><p>O trato urinário inferior é inervado por nervos periféricos parassimpáticos,</p><p>simpáticos e somáticos. Os nervos parassimpáticos têm como função a contração</p><p>do músculo detrusor e o relaxamento uretral. Os nervos simpáticos são</p><p>responsáveis por inibição do detrusor e estimulação do colo vesical e da uretra</p><p>proximal. O esfíncter uretral externo recebe inervação somática.</p><p>14</p><p>Como é feito o controle neural do processo de micção? Precisamos pensar</p><p>nos processos de enchimento e esvaziamento do órgão.</p><p>Durante o processo de enchimento da bexiga, os impulsos parassimpáticos</p><p>para o músculo detrusor são mínimos, e o músculo está relaxado. Quando o</p><p>músculo detrusor está relaxado, ocorre o fechamento passivo do músculo</p><p>esfíncter interno da uretra. Além disso, existe um forte impulso simpático para o</p><p>músculo esfíncter interno da uretra e um forte impulso pelos neurônios motores</p><p>somáticos para o músculo esfíncter externo da uretra. Sendo assim, durante o</p><p>enchimento, o músculo detrusor é relaxado e os músculos esfíncteres interno e</p><p>externo estão contraídos.</p><p>O enchimento da bexiga faz com que a pressão no seu interior aumente. A</p><p>ativação dos receptores de estiramento na parede vesical estimula os neurônios</p><p>parassimpáticos, que causam contração do músculo detrusor. A contração deste</p><p>músculo determina a abertura do músculo esfíncter interno da uretra. Em paralelo,</p><p>ocorre a inibição de neurônios simpáticos para o músculo esfíncter interno da</p><p>uretra, contribuindo para a sua abertura, e a inibição dos neurônios motores</p><p>somáticos para o músculo esfíncter externo da uretra, causando o seu</p><p>relaxamento. Com os esfíncteres relaxados e o músculo detrusor contraído,</p><p>ocorre a micção.</p><p>O Quadro 2 resume o que ocorre durante os processos de enchimento</p><p>e</p><p>esvaziamento da bexiga em relação à inervação do trato urinário inferior.</p><p>Quadro 2 – Inervação da bexiga no reflexo da micção</p><p>MÚSCULO</p><p>INERVAÇÃO</p><p>TIPO ENCHIMENTO ESVAZIAMENTO</p><p>Detrusor Parassimpática Inibida Estimulada</p><p>Esfíncter interno Simpática Estimulada Inibida</p><p>Esfíncter externo Motor somático Estimulada Inibida</p><p>O processo de micção foi descrito nesta aula como um reflexo espinal local.</p><p>É importante reconhecermos a que ele pode ser influenciado por vias</p><p>descendentes do encéfalo e isto determina a capacidade de controle voluntário</p><p>da micção. Quando ocorre alguma lesão de medula, por exemplo, com</p><p>comprometimento destas vias descendentes, o paciente perde a capacidade de</p><p>controle voluntário da micção.</p><p>15</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>FUCHS, S. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica e terapêutica. 5. ed.</p><p>Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.</p><p>GABANYI, I. Identificação de uma comunicação bidirecional entre</p><p>neurônios e macrófagos intestinais via receptores 2 adrenérgicos.</p><p>Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia.</p><p>São Paulo, 2015.</p><p>KATZUNG, B.; TREVOR, A. Farmacologia básica e clínica. 13 ed. Porto</p><p>Alegre: Artmed, 2018.</p><p>NUCCI, G. Tratado de farmacologia clínica. Rio de Janeiro: Guanabara</p><p>Koogan, 2020.</p><p>RIOS, L. A. S.; AVERBECK, M. A.; MADERSBACHER, H. Neuro urologia:</p><p>manual para a prática clínica. Sociedade Brasileira de Urologia. São Paulo, 2017.</p><p>SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. Porto</p><p>Alegre: Artmed, 2017.</p><p>WHALEN, K. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.</p>