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<p>A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ: aspectos</p><p>atuais</p><p>Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul</p><p>Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado</p><p>Área de Concentração: Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado</p><p>Disciplina: Temas Fundamentos de Direito Privado na Perspectiva Constitucional – Prof. Dr.</p><p>Fábio Siebeneichler de Andrade</p><p>Discente: Bernardo Spencer da Fontoura Teixeira</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>O direito fundamental à propriedade encontra-se situado no catálogo de direitos e</p><p>garantias fundamentais do art. 5.º da Constituição Federal de 1988, tanto no caput quanto em</p><p>seu inciso XXII. Este último é seguido imediatamente pela ressalva de que “a propriedade</p><p>atenderá a sua função social”, contida no inciso XXIII. Além disso, a função social da</p><p>propriedade também está prevista no art. 170, inciso III, do texto constitucional, que trata da</p><p>ordem econômica.</p><p>Nesse contexto, importa, antes de tudo, destacar o fato de que a propriedade privada é</p><p>pressuposto necessário da função social da propriedade, uma vez que, de acordo com Eros</p><p>Roberto Grau, falar em função social da propriedade estatal nada inova em termos qualitativos,</p><p>ao passo em que referir a função social da propriedade coletiva é mesmo um pleonasmo.1</p><p>Ainda conforme o mesmo autor, é necessário distinguir entre a propriedade dotada de</p><p>função individual e a propriedade dotada de função social. Enquanto instrumento voltado à</p><p>garantia da subsistência, tanto individual quanto familiar, a propriedade é um direito individual</p><p>e cumpre função individual, de modo que a afirmação da função social da propriedade entre os</p><p>direitos e garantias fundamentais não se justifica. Assim, a ideia de função social da propriedade</p><p>estaria vinculada aos bens de produção.2</p><p>Nesse ponto, verifica-se que o pensamento do ministro aposentado do STF segue o do</p><p>professor Fábio Konder Comparato, que trata da função social dos bens de produção,</p><p>distinguindo-os dos bens de consumo, classificação que radica em uma análise funcional, a</p><p>partir da destinação que é dada a cada um. Os primeiros são aqueles bens que se integram a</p><p>1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 20. ed.</p><p>Salvador: Jus Podivm, 2023, p. 221.</p><p>2 Ibidem, p. 224-6.</p><p>uma atividade produtiva, podendo ser móveis ou imóveis; os segundos incluem tanto aqueles</p><p>cuja utilidade implica a sua concomitante extinção quanto os destinados ao uso, sem que seja</p><p>necessária a sua destruição. É somente aos primeiros que diz respeito a função social.3</p><p>Para o professor emérito da USP, aliás, a função social da propriedade não se confunde</p><p>com os limites negativos aos direitos do proprietário, i.e., as restrições ao uso e gozo do bem.</p><p>Dessa forma, função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, que</p><p>deve exercê-lo em prol do interesse coletivo.4</p><p>Por sua vez, Gustavo Tepedino destaca que a CF/88 atingiu barreiras seculares erguidas</p><p>pelo direito civil em torno do conceito de propriedade, consagrando a sua função social não</p><p>apenas como fundamento da ordem econômica, mas também como direito fundamental. Nessa</p><p>esteira, vê-se que o texto constitucional condiciona a fruição individual pelo proprietário ao</p><p>atendimento de múltiplos interesses não proprietários. Assim, a categoria de direito subjetivo é</p><p>superada pela de situação jurídica subjetiva complexa.5</p><p>Em sentido levemente diverso, Francisco Eduardo Loureiro não nega a existência de</p><p>inúmeros direitos subjetivos relacionados à propriedade, mas apenas destaca a insuficiência de</p><p>reduzir a propriedade a mero direito subjetivo, tendo em vista a potencial desvantagem que</p><p>pode ocorrer entre o proprietário e terceiros não-proprietários. Os direitos subjetivos, então,</p><p>podem ser considerados preliminares de relações jurídicas, sendo a propriedade uma relação</p><p>jurídica complexa, diante do encontro de duas situações jurídicas subjetivas contrapostas.6</p><p>Partindo dessas considerações, o presente trabalho pretende explorar alguns temas atuais</p><p>relativos à função social da propriedade com base na jurisprudência dos tribunais superiores,</p><p>em especial do Superior Tribunal de Justiça (doravante STJ). Para isso, seguindo o plano</p><p>francês, o trabalho será dividido em duas partes. Na primeira, de caráter histórico, será abordado</p><p>o desenvolvimento do direito à propriedade, desde as suas manifestações na Idade Média,</p><p>passando por sua concepção liberal-burguesa, chegando finalmente à ideia de que a propriedade</p><p>deveria atender a uma função social. Também será examinada a forma como a função social da</p><p>propriedade esteve presente nas Constituições brasileiras. Finalmente, na segunda parte, alguns</p><p>3 COMPARATO, Fábio Konder. Função social dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial,</p><p>Econômico e Financeiro no 63, julho/setembro de 1986, p. 71-79. Disponível em: . Acesso em: 06.12.2023</p><p>4 Ibidem.</p><p>5 TEPEDINO, Gustavo; NEVARES, Ana Luiza Maia; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do</p><p>direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, v. 5, p. 94-9.</p><p>6 LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relacao juridica complexa. Rio de Janeiro: Renovar,</p><p>2003, p. 45-6.</p><p>julgados selecionados do STJ e do Supremo Tribunal Federal (doravante STF) serão objeto de</p><p>análise.</p><p>1. O direito à propriedade e sua função social</p><p>1.1. Breve panorama histórico</p><p>Conforme a lição de Paolo Grossi, a ordem jurídica medieval, na parte que diz respeito</p><p>às coisas, delineia-se a partir da queda do edifício estatal romano e da sua correspondente</p><p>cultura jurídica. Logo, o ordenamento jurídico da nascente civilização medieval constrói-se do</p><p>ponto de vista das coisas, deixando de ser a dimensão de validade e passando a concentrar-se</p><p>no terreno da efetividade, i.e., “a sua intrínseca capacidade de incidir sobre a realidade</p><p>prescindindo de comparações com modelos ideais e culturais”.7</p><p>Nesse cenário, em que o jurídico e o factual se mesclam, todo exercício de poderes sobre</p><p>a coisa recebe a chancela formal, borrando-se, assim, a fronteira entre titularidade e exercício e</p><p>conferindo-se ao sujeito exercente “a própria investidura da juridicidade”.8 Compreende-se,</p><p>então, que “a propriedade medieval é uma entidade complexa e composta”, chegando a ser</p><p>inadequado o uso do singular, diante da multiplicidade de poderes autônomos sobre a coisa,</p><p>cada um dos quais dotado de um conteúdo proprietário.9</p><p>A concepção medieval de propriedade, no entanto, começará a ruir no momento em que</p><p>o sujeito reclamar para si uma realidade jurídica pensada a partir do seu ponto de vista interior.</p><p>Dessa forma, a propriedade que se pode chamar moderna é a emanação das potencialidades de</p><p>“um sujeito presunçoso e dominador”, que exerce sua soberania sobre a criação.10</p><p>Veja-se que uma tal concepção pode ser encontrada na doutrina liberal clássica, que</p><p>reconhecia a propriedade como um direito natural do ser humano. Exemplo desse pensamento</p><p>é o filósofo inglês John Locke, o qual fundamentava a propriedade no fato de que o ser humano,</p><p>sendo naturalmente o dono de si mesmo e, portanto, de seu trabalho, se torna o legítimo</p><p>proprietário daqueles bens antes à disposição de todos no momento em que os mescla com seu</p><p>trabalho.11 Dessa forma, a propriedade seria anterior à própria existência da sociedade civil,</p><p>tratando-se de um direito de cunho estritamente individual.</p><p>7 GROSSI, Paolo. A propriedade e as propriedades na oficina do historiador. In: GROSSI, Paolo. História da</p><p>Propriedade e outros ensaios. Trad. Luiz Ernani Fritoli e Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Renovar,</p><p>2006, p. 42.</p><p>8 Ibidem, p. 42-43.</p><p>9 Ibidem, p. 66.</p><p>10 Ibidem, p. 66-67.</p><p>11 LOCKE, John. Two Treatises of Government. Cambridge: University Press, 1988, p. 287</p><p>e ss.</p><p>Nessa perspectiva moderna, o direito à propriedade obteve reconhecimento em diversas</p><p>declarações de direitos ao longo da história, sendo inicialmente considerado como “inviolável</p><p>e sagrado”, conforme constou do art. 17º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,</p><p>adotada pelos revolucionários franceses em 1789 e incluída como preâmbulo na Constituição</p><p>de 1791.12</p><p>Ao longo do século XIX, as legislações nacionais refletiram tal caráter absoluto e</p><p>individual do direito à propriedade, conferindo ao seu titular o poder de dispor dela ao seu</p><p>alvitre, dando-lhe o uso que melhor lhe aprouvesse, inclusive o não uso, sendo-lhe facultado</p><p>até mesmo abandoná-la, destruí-la ou degradá-la. Era o caso, por exemplo, dos Códigos Civis</p><p>da Áustria e da Argentina.13</p><p>Contudo, o influxo de teorias que passaram a atribuir uma função social ao direito</p><p>privado, como as de Enrico Cimbali, na Itália, Otto von Gierke, na Alemanha, e – de forma</p><p>destacada no que tange à função social da propriedade – Léon Duguit, na França, acarretou uma</p><p>mudança de paradigma.14</p><p>Para Duguit, a concepção lockeana do direito à propriedade seria incapaz de justificar as</p><p>espécies de propriedade então existentes, tampouco limitar o exercício dos direitos de</p><p>propriedade. Seria impossível, por exemplo, legitimar a propriedade imóvel, a transmissão</p><p>hereditária ou as diversas formas de propriedade capitalista.15</p><p>Era forçoso reconhecer, então, que a propriedade individual só poderia encontrar esteio</p><p>na sua utilidade social, podendo o legislador impor-lhe, assim, todas as restrições que</p><p>estivessem em consonância com tal utilidade. Dessa forma, o proprietário teria, pelo só fato de</p><p>ser proprietário, uma função social a cumprir, a qual, por sua vez, determinaria o alcance do seu</p><p>direito de propriedade.16</p><p>A primeira Constituição a referir a existência de uma função social à propriedade, embora</p><p>sem utilizar a expressão, foi a Constituição mexicana, de 1917. No entanto, maior impacto e</p><p>repercussão, inclusive no Brasil, teve a Constituição de Weimar, de 1919, cujo art. 153, em sua</p><p>12 Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen de 1789. Disponível em: .</p><p>Acesso em 07 dez. 2023.</p><p>13 FACCHINI NETO, Eugênio. Art. 5o, XXIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes, et al. (Coord.). Comentários à</p><p>constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.</p><p>14 Ibidem.</p><p>15 DUGUIT, Léon. Manuel de Droit Constitutionnel – Théorie générale de L’État – Organisation politique.</p><p>Paris: Librairie Thorin et Fils, Albert Fontemoing, 1907, p. 643 e ss.</p><p>16 Ibidem.</p><p>https://www.conseil-constitutionnel.fr/le-bloc-de-constitutionnalite/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789</p><p>https://www.conseil-constitutionnel.fr/le-bloc-de-constitutionnalite/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789</p><p>alínea final, ditava: "Eigentum verpflichtet. Sein Gebrauch soll zugleich Dienst sein für das</p><p>Gemeine Beste".17</p><p>Importante destacar que a função social da propriedade não pode ser encarada de forma</p><p>genérica e abstrata, uma vez que a sua definição depende de cada ordem jurídica, assim como</p><p>do momento histórico em que essa ordem está inserida. De qualquer maneira, a função social é</p><p>um elemento que integra a própria estrutura da propriedade, não sendo, portanto, um elemento</p><p>externo, mas sim algo que lhe é intrínseco. Assim, cabe ao legislador não uma atividade</p><p>limitativa, mas sim conformativa.18</p><p>1.2. A função social da propriedade nas Constituições brasileiras</p><p>A primeira Constituição brasileira a relativizar o direito de propriedade foi a de 1934, a</p><p>qual dispunha, no art. 113, alínea 17, primeira parte, que "É garantido o direito de propriedade,</p><p>que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei</p><p>determinar.". Para Bonavides e Paes de Andrade, a CF/34, com sua declaração de direitos,</p><p>inaugura o Estado Social brasileiro.19</p><p>A Constituição "Polaca", de 1937, suprimiu tal disposição, retomada em outros termos</p><p>pela Constituição de 1946, que, no título relacionado à ordem econômica e social, estabeleceu</p><p>o art. 147: "O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com</p><p>observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com</p><p>igual oportunidade para todos.".</p><p>A Constituição de 1967 manteve, formalmente, os mesmos direitos e garantias</p><p>individuais, assim como as disposições relativas à ordem econômica e social, dentre as quais</p><p>passou a constar, pela primeira vez, no art. 157, inciso III, a expressão "função social da</p><p>propriedade" como princípio da ordem econômica.</p><p>Finalmente, a CF/88, conforme já referido, consagra a função social da propriedade tanto</p><p>no catálogo de direitos e garantias individuais quanto no título relativo à ordem econômica e</p><p>financeira.</p><p>2. A função social da propriedade na jurisprudência dos tribunais superiores</p><p>17 FACCHINI NETO, Eugênio. Op. Cit.</p><p>18 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Op. Cit., p. 122-3.</p><p>19 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Antonio Paes.História constitucional do Brasil. 4.ed. Brasília: OAB</p><p>Editora, 2002, p. 327 e ss.</p><p>Assentados os contornos básicos do direito à propriedade e de sua respectiva função</p><p>social, cumpre analisar de que forma se manifestam na jurisprudência recente dos tribunais</p><p>superiores. No primeiro momento, será exposto julgado recente do STF que diz com a</p><p>possibilidade de desapropriação de propriedade produtiva por descumprimento de sua função</p><p>social. Ao final, serão explorados dois julgados do STJ que tratam do direito de vizinhança.</p><p>2.1. Propriedade produtiva e função social</p><p>Na ADI n.º 3.86520, de relatoria do Min. Edson Fachin, a Confederação Nacional de</p><p>Agricultura e Pecuária (doravante CNA) requereu que o STF declarasse inconstitucionais</p><p>determinados trechos de alguns dispositivos da Lei n.º 8.629/93 (Lei da Reforma Agrária),</p><p>argumentando que a CF/88 protegeria da desapropriação para fins de reforma agrária as</p><p>propriedades produtivas, ainda que não estejam cumprindo a sua função social. Portanto, ao</p><p>exigir que a propriedade produtiva cumpra a sua função social, em conformidade do disposto</p><p>no artigo 186 e incisos da CF, o legislador teria tornado letra morta o art. 185, inciso II, da Carta</p><p>Magna.</p><p>No entanto, o Plenário do STF entendeu constitucionalmente válidos os dispositivos</p><p>questionados, uma vez que a aplicação da cláusula de insucetibilidade de desapropriação para</p><p>fins de reforma agrária exigiria a presença simultânea dos requisitos do atendimento à função</p><p>social e do caráter produtivo da propriedade.</p><p>Conforme o voto do Min. Fachin, a cláusula do art. 185, parágrafo único, da CF é</p><p>semanticamente plural. Logo, mostra-se compatível com a manifestação concretizadora do</p><p>legislador, que buscou conjugar a função social e a produtividade. Veja-se a ementa da decisão.</p><p>AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.</p><p>INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL</p><p>PARA REFORMA AGRÁRIA. LEI 8.629/1993. ARTIGO 185 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.</p><p>COGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO. PRECEDENTES FIRMADOS EM SEDE DE CONTROLE</p><p>DIFUSO. CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRODUTIVA COMO</p><p>REQUISITO SIMULTÂNEO PARA A SUA INEXPROPRIABILIDADE. PLURISSIGNIFICAÇÃO DO</p><p>TEXTO CONSTITUCIONAL QUE AUTORIZA A OPÇÃO DO LEGISLADOR PELA EXIGÊNCIA DA</p><p>FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. AÇÃO JULGADA</p><p>IMPROCEDENTE. 1. O anterior exame de constitucionalidade da norma inscrita no art. 6º da Lei</p><p>8.629/1993, em sede de controle difuso, não obsta sua apreciação em ação direta. 2. Os arts. 6º e 9º da Lei</p><p>8.629/93 mostram-se constitucionalmente válidos, porquanto o art. 185 da Constituição da República exige,</p><p>para a aplicação da cláusula de insucetibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária, a função</p><p>social</p><p>e o caráter produtivo da propriedade como requisitos simultâneos. 3. O parágrafo único do art. 185</p><p>da Constituição da República, ao definir que a lei fixará normas para o cumprimento da função social,</p><p>20 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3865. Requerente: Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária</p><p>do Brasil – CNA. Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 04-09-2023, PROCESSO</p><p>ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-09-2023 PUBLIC 14-09-2023. Disponível em: . Acesso em: 08 dez. 2023.</p><p>alberga cláusula semanticamente plural e, portanto, compatível com a manifestação concretizadora do</p><p>legislador no sentido de conjugar funcionalização social e propriedade produtiva. 4. Ação direta julgada</p><p>improcedente.</p><p>2.2.A função social da propriedade e o direito de vizinhança</p><p>No Resp n.º 2.029.511/PR21, a parte autora havia pleiteado tutela de urgência em caráter</p><p>antecedente, objetivando a imediata desobstrução da estrada que levava à sua propriedade, sob</p><p>pena de multa diária. O pedido foi inicialmente deferido. Posteriormente, a ação foi extinta sem</p><p>resolução do mérito, ao fundamento de que a parte autora não teria legitimidade ativa para o</p><p>ajuizamento da ação por não ser proprietária do bem, mas tão somente possuidora. Foi</p><p>interposto recurso de apelação, o qual foi provido, determinando-se o prosseguimento do feito,</p><p>entendendo o TJ/PR que também o possuidor teria direito à passagem forçada na hipótese de</p><p>imóvel encravado. A parte ré interpôs recurso especial.</p><p>A controvérsia, então, dizia respeito ao fato de o possuidor ter ou não direito à passagem</p><p>forçada na hipótese de imóvel encravado. No caso, entendeu a Terceira Turma do STJ serem os</p><p>direitos de vizinhança manifestação da função social da propriedade, “caracterizando limitações</p><p>legais ao próprio exercício desse direito, com viés notadamente recíproco e comunitário”. Dessa</p><p>forma, o instituto da passagem forçada encontraria fundamento no princípio da solidariedade</p><p>social, que deve reger as relações entre vizinhos, bem como no princípio da função</p><p>socioeconômica da propriedade e da posse.</p><p>Ainda, em que pese uma leitura literal do art. 1.285 do Código Civil possa levar à</p><p>conclusão de que apenas o proprietário teria direito à passagem forçada, entendeu o STJ que o</p><p>referido instituto estaria vinculado muito mais ao imóvel encravado do que propriamente ao seu</p><p>titular, uma vez que o almejado é a manutenção do valor e da utilidade socioeconômica da</p><p>própria coisa.</p><p>Assim, ao negar provimento ao recurso, concluiu a Corte Cidadã da seguinte forma:</p><p>A existência da posse ou do direito de propriedade sem a possibilidade real e concreta de usar e fruir da</p><p>coisa em razão do encravamento, significaria retirar do imóvel todo o seu valor e utilidade, violando o</p><p>princípio da função social que informa ambos os institutos.</p><p>O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado, exerce seu direito de maneira não</p><p>razoável, em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade, o</p><p>que configura não apenas uso anormal da propriedade, mas também ofensa à sua função social, situação</p><p>que não merece a tutela do ordenamento jurídico.</p><p>21 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 2.029.511/PR. Recorrente: Itavel Servicos Rodoviarios Ltda.</p><p>Recorrido: Francieli dos Santos Ricaldi. Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em</p><p>14/3/2023, DJe de 16/3/2023.</p><p>Também acerca dos direitos de vizinhança versa o Resp n.º 1.589.352/PR. In casu, a parte</p><p>autora havia ajuizado ação de obrigação de fazer c/c indenização em face dos requeridos, em</p><p>virtude de o imóvel daquele receber grande fluxo de águas pluviais do imóvel destes, por conta</p><p>da ausência de contenção. O juízo de piso condenou os requeridos à realização de obras, no</p><p>prazo de 120 dias, para proteger o solo e combater a erosão, sob pena de multa diária, bem</p><p>como à indenização dos prejuízos materiais suportados pelo autor. O TJ/PR negou provimento</p><p>ao apelo. Os requeridos interpuseram recurso especial, argumentando, em suma, que o autor,</p><p>enquanto proprietário do prédio inferior, teria a obrigação legal de receber as águas pluviais que</p><p>correm naturalmente do prédio superior.</p><p>A controvérsia, portanto, estava relacionada à responsabilidade por danos em imóvel</p><p>inferior ocasionados por fluxo de águas pluviais advindas de imóvel superior. A análise da</p><p>Terceira Turma do STJ partiu do disposto no art. 1.288 do CC, o qual estabelece que “o dono</p><p>ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do</p><p>superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e</p><p>anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do</p><p>prédio superior”.</p><p>No caso, era incontroverso que os requeridos eram proprietários de imóvel dividido pela</p><p>estrada Barracão, enquanto o autor era proprietário de imóvel sito na parte inferior da mesma</p><p>estrada, recebendo toda água da chuva oriunda do terreno dos requeridos. O STJ, então,</p><p>considerou que, embora os requeridos não tivessem realizado obras no imóvel, nele exerciam</p><p>atividade de pasto, sendo que os animais provocaram danos aos terraços e a compactação do</p><p>solo, o que foi atestado por perito, facilitando, assim, o transbordo das águas pluviais para a</p><p>propriedade do autor, causando-lhe prejuízo.</p><p>Portanto, o art. 1.288 do CC deveria ser interpretado em conformidade com o princípio</p><p>da função social da propriedade, que a qualifica como “uma relação jurídica complexa, em que</p><p>se estabelecem direitos e deveres recíprocos, a partir da articulação entre o interesse do titular</p><p>e a utilidade social”. Logo, o prédio inferior somente é obrigado a tolerar o fluxo de águas</p><p>pluviais quando este decorrer da ação da natureza. Do contrário, havendo atuação humana no</p><p>prédio superior que, de qualquer forma, interfira no curso natural das águas pluviais, causando</p><p>prejuízo ao proprietário ou possuidor do prédio inferior, este possui direito à respectiva</p><p>indenização. In casu, tendo sido comprovado que a atividade exercida na propriedade dos</p><p>requeridos provocou o agravamento da condição natural e anterior do prédio inferior, devem</p><p>eles indenizar o autor.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS:</p><p>Consoante se extrai da conjugação entre as considerações teóricas iniciais e os julgados</p><p>selecionados, a propriedade, a partir da consagração de sua função social no texto</p><p>constitucional, não pode mais ser encarada apenas como direito subjetivo, mas exprime uma</p><p>relação jurídica entre o proprietário e terceiros não-proprietários, obrigando aquele a respeitar</p><p>os direitos destes.</p><p>Além disso, mesmo a propriedade produtiva não está isenta da exigência de cumprimento</p><p>de sua função social, estando sujeita à desapropriação em caso de não atendimento a tal</p><p>pressuposto, o que está em conformidade com as disposições constitucionais.</p><p>REFERÊNCIAS:</p><p>BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Antonio Paes.História constitucional do Brasil. 4.ed.</p><p>Brasília: OAB Editora, 2002.</p><p>COMPARATO, Fábio Konder. Função social dos bens de produção. Revista de Direito</p><p>Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro no 63, julho/setembro de 1986, pp. 75-76.</p><p>Disponível em: . Acesso em:</p><p>27.09.2023.</p><p>DUGUIT, Léon. Manuel de Droit Constitutionnel – Théorie générale de L’État –</p><p>Organisation politique. Paris: Librairie Thorin et Fils, Albert Fontemoing, 1907.</p><p>FACCHINI NETO, Eugênio. Art. 5o, XXIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes, et al. (Coord.).</p><p>Comentários à constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.</p><p>GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica.</p><p>20. ed. Salvador: Jus Podivm, 2023.</p><p>GROSSI, Paolo.</p><p>A propriedade e as propriedades na oficina do historiador. In: GROSSI, Paolo.</p><p>História da Propriedade e outros ensaios. Trad. Luiz Ernani Fritoli e Ricardo Marcelo</p><p>Fonseca. Rio de Janeiro: Renovar, 2006</p><p>LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relacao juridica complexa. Rio de</p><p>Janeiro: Renovar, 2003.</p><p>TEPEDINO, Gustavo. Fundamentos do direito civil, v. 5: direitos reais. 3. Rio de Janeiro</p><p>Forense 2022.</p>

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