Prévia do material em texto
Denise Cristina Ferreira Gomes Cíntia Gomide Tosta Denise Rodovalho Scussel Fernanda Sousa Freitas Mônica Corrêa Avelar Neire Márcia da Cunha Selma Aparecida Ferreira da Costa Necessidades educativas infantis e educação inclusiva Desenvolvimento social e lógico- -matemático da criança © 2016 by Universidade de Uberaba Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade de Uberaba. Universidade de Uberaba Reitor Marcelo Palmério Pró-Reitor de Educação a Distância Fernando César Marra e Silva Editoração Produção de Materiais Didáticos Capa Toninho Cartoon Edição Universidade de Uberaba Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE N28 Necessidades educativas infantis e educação inclusiva: desenvolvimento social e lógico-matemático da criança / Denise Cristina Ferreira Gomes ... [et al.]. – Uberaba : Universidade de Uberaba, 2016. 340 p. : il. Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba. ISBN 1. Educação de crianças. 2. Educação inclusiva. I. Gomes, Denise Cristina Ferreira. II. Universidade de Uberaba. Programa de Educação a Distância. CDD 372 Denise Cristina Ferreira Gomes Especialista em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG. Especialista em Docência Universitária e Licenciada em Ciências, pela Universidade de Uberaba ─ Uniube. Licenciada em Matemática pela Universidade Presidente Antônio Carlos ─ UNIPAC. Atualmente é professora de Matemática e Ciências em um colégio particular, atua também com elaboração de material didático de Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental e para o ensino superior. Cíntia Gomide Tosta Mestre em Psicologia e Especialista em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Graduou-se em Direito e Pedagogia. Atua com gestão escolar e como pesquisadora dos processos de aprendizagem e desenvolvimento principalmente relacionados ao grafismo infantil. É docente no curso de formação e pedagoga e pesquisadora do Arquivo Público de Uberaba. Denise Rodovalho Scussel Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba – Uniube. Graduada em Pedagogia com habilitação em Supervisão, Administração e Educação Especial. Gestora e docente do curso de Pedagogia da Universidade de Uberaba ─ Uniube. Fernanda Sousa Freitas Especialização em Matemática pela Universidade do Grande Rio ─ Unigranrio. Especialização em Supervisão Escolar pelas Faculdades Integradas Jaguarepaguá ─ FIJ. Graduação em Licenciatura Plena em Sobre as autoras Matemática pela Universidade do Grande Rio ─ Unigranrio. Professora do Ensino Fundamental e Médio da rede pública estadual. Professora de cursos para concursos. Mônica Corrêa Avelar Graduada em Pedagogia pela Universidade de Uberaba – Uniube. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU; em Metodologia do Ensino Superior e em Supervisão Pedagógica pela Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM. É docente do curso de Pedagogia a Distância da Universidade de Uberaba – Uniube. Neire Márcia da Cunha Graduada em Geografia e pós-graduada em Psicopedagogia pela Fundação Municipal de Ensino Superior – Fumesu. Trabalha como assessora pedagógica, na Secretaria de Educação de Uberaba ─ Semec, no Departamento de Inclusão Educacional e Diversidade. É docente do curso de Pedagogia a Distância da Universidade de Uberaba – Uniube. Selma Aparecida Ferreira da Costa Graduada em Letras Português/Espanhol pelas Faculdades Associadas de Uberaba – Fazu. Possui curso de Aperfeiçoamento em Alfabetização e Dificuldades de Aprendizagem pelo Centro de Capacitação e Formação Profissional de Uberaba. Atua há dezesseis anos na Educação Básica em escolas municipais de Uberaba. Sumário Apresentação ............................................................................................................ ..IX Parte I Necessidades educativas infantis e educação inclusiva .......... 1 Capítulo 1 Necessidades educacionais especiais: O que são? Por quê? Como trabalhar? .......................................................... 3 1.1 Compreendendo a história das necessidades educacionais especiais ................ 5 1.1.1 Fase da fundação (1800-1930) ..................................................................... 5 1.1.2 Fase de transição (1930-1936) ..................................................................... 6 1.1.3 Fase de integração (1963-1980) ................................................................... 7 1.1.4 Fase contemporânea (1980-atualidade) ...................................................... 7 1.2 Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem, distúrbio e deficiência ............................................................................................. 9 1.2.1 Conceituação ................................................................................................ 9 1.2.2 Descrição ......................................................................................................12 1.3 Causas ....................................................................................................................22 1.3.1 Lesão cerebral ...............................................................................................25 1.3.2 Alterações no desenvolvimento cerebral .....................................................26 1.3.3 Desequilíbrios neuroquímicos .......................................................................26 1.3.4 Hereditariedade ............................................................................................27 1.3.5 Influências ambientais ..................................................................................27 1.4 Propostas pedagógicas .........................................................................................30 1.4.1 Primeiro passo .............................................................................................31 1.4.2 Conhecendo as necessidades fundamentais da criança na educação infantil ............................................................................................................34 1.4.3 A importância do estudo das funções cognitivas segundo Feuerstein para a prática pedagógica ....................................................................................37 1.4.4 O trabalho pedagógico com os distúrbios e com a deficiência intelectual ..40 1.5 Conclusão ...............................................................................................................47 Capítulo 2 Interesses e necessidades de crianças superdotadas e talentosas ........................................................................... 55 2.1 Uma breve visão histórica da superdotação ........................................................ 57 2.2 Desmitificando conceitos ........................................................................................59 2.2.1 Aspectos de notável desempenho e elevada potencialidade de crianças superdotadas e talentosas .......................................................................... 62 2.2.2Perfis individuais em relação à superdotação/talento ................................ 68 2.3 Identificando os mais capazes ............................................................................. 68 2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.) .......................................................................... 68 2.3.2 Técnica da autoidentificação ...................................................................... 69 2.3.3 Observação com base em checklist ............................................................ 69 2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/superdotação ... 77 2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação e talentos .............. 80 2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos no contexto educacional .......................................................................................................... 81 2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo curricular ........ 82 2.5.3 O atendimento oferecido pelas salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) – salas de recurso ...................................................... 88 2.6 A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem .......................... 88 2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de aula? Qual é o papel da escola? ................................................................................................... 93 2.8 Conclusão .............................................................................................................. 98 Capítulo 3 Da teoria da mediação à prática da intervenção pedagógica....................................................................... 105 3.1 A mediação pedagógica e a aprendizagem ........................................................ 106 3.2 Os processos de aprendizagem .......................................................................... 108 3.3 A função da intervenção pedagógica....................................................................110 3.4 Modificabilidade cognitiva estrutural .....................................................................111 3.5 Intencionalidade da ação .....................................................................................113 3.6 Mediação ...............................................................................................................114 3.7 Prática pedagógica ...............................................................................................116 3.8 Os dez mandamentos da aprendizagem .............................................................118 3.9 Teoria e prática pedagógica ................................................................................. 122 3.10 Promovendo o desenvolvimento de forma integral ........................................... 126 3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon ............................................................. 126 3.10.2 O movimento e o pensamento ................................................................ 128 3.10.3 Emoção e afetividade............................................................................... 129 3.11 Postulado ........................................................................................................... 130 3.12 Conclusão .......................................................................................................... 131 Parte II Desenvolvimento social e lógico-matemático da criança ..... 139 Capítulo 4 Os jogos e o conhecimento lógico-matemático: caminho para o Desenvolvimento e resolução de problema ......... 141 4.1 Vamos refletir sobre o ensino da matemática? ..................................................144 4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico-matemático ...................146 4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e o uso do material concreto ...............................................................................................................149 4.4 Há muito tempo o homem já jogava .................................................................... 153 4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento do raciocínio ............ 154 4.6 Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem ........................................... 160 4.7 Relação entre lúdico e jogos ............................................................................... 166 4.7.1 Jogando com as crianças na educação infantil ......................................... 169 4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental .............................................................................................. 171 4.8 Um jeito diferente de ver a matemática ............................................................... 175 4.9 Conclusão ............................................................................................................ 180 Capítulo 5 Alfabetização matemática I .............................................. 187 5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do desenvolvimento infantil ..... 189 5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conhecimento ................ 191 5.2 A construção do conceito de número .................................................................207 5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e algarismo ...... 208 5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico-matemáticas ............. 210 5.2.3 Representações sobre quantidades: contagem .......................................235 5.2.4 Representações sobre sistemas: leitura e escrita de numerais ...............238 5.3 A alfabetização matemática e o desenvolvimento da autonomia intelectual, afetiva, social e motora da criança......................................................................240 5.4 Conclusão ............................................................................................................241 Capítulo 6 Alfabetização matemática II ............................................. 249 6.1 Alfabetização matemática: ampliando nossos estudos .....................................251 6.1.1 Sistemas de numeração ...........................................................................251 6.1.2 Como as crianças entendem sistemas de numeração? ..........................254 6.1.3 Sistemas de numeração na sala de aula .................................................258 6.2 Aritmética e PCNs: os campos conceituais ........................................................262 6.2.1 Campo aditivo ...........................................................................................266 6.3 Campo multiplicativo ...........................................................................................282 6.3.1 Estruturas multiplicativas ...........................................................................283 6.3.2 PCNs e campo multiplicativo .....................................................................285 6.4 Conclusão ...........................................................................................................290 Capítulo 7 A condição social humana e a construção da moral na perspectiva de Jean Piaget ............................................... 297 7.1 Relembrando: a relevância do social e da cultura para Wallon, Vygotsky e Piaget...303 7.1.1 A relevância do social para Wallon ............................................................305 7.1.2 A relevância do social para Vygotsky ........................................................306 7.1.3 A relevância do social para Piaget .............................................................308 7.2 Moral e ética: conceitos historicamente construídos .......................................... 309 7.2.1 A construção da moralidade sob a teoria piagetiana: retomando e avançando essa reflexão ........................................................................... 313 7.2.2 Aprofundando a reflexão sobre o papeldo professor no desenvolvimento moral do aprendiz, na perspectiva piagetiana .......................................... 320 7.3 Conclusão ............................................................................................................ 326 Este livro constitui-se de duas partes. A Parte I se refere ao componente curricular Necessidades educativas infantis e educação inclusiva, que se subdivide em três capítulos: “Necessidades educacionais especiais: o que são? Por quê? Como trabalhar?”; “Interesses e necessidades de crianças superdotadas e talentosas” e “Da teoria da mediação à prática da intervenção pedagógica”. A leitura desses capítulos nos levará a refletir sobre os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais e que, tantas vezes, devido às incompreensões, tornam-se estigmatizados. o olhar atento de um educador poderá mudar o destino de muitos alunos, pois, ao afastar- -se de uma visão preconceituosa, saberá buscar estratégias diferenciadas em seus planejamentos, fazendo das diferenças um rico recurso didático para o planejamento de suas aulas. No primeiro capítulo, a autora faz uma abordagem sobre as necessidades educacionais especiais, levando-nos a perceber a diversidade de situações que um professor pode enfrentar em sala de aula. Com o advento do princípio de inclusão e a valorização de um ambiente de aprendizagem heterogêneo, necessário se faz que o professor saiba diferenciar distúrbio de dificuldade de aprendizagem, bem como saiba identificar também as possíveis deficiências de seus alunos. Após uma primeira análise de sua turma, o professor poderá se perguntar: o que fazer? Qual é o melhor caminho para o preparo de minhas aulas? Veremos, então, que não existe uma fórmula única, mas sim, que cada um e cada momento são únicos no trabalho de um educador. Já o segundo capítulo aborda os interesses e as necessidades de crianças super-dotadas e talentosas. Como verdadeiras joias, necessitam de um bom trabalho para que seus talentos brilhem e alcancem todos à sua volta. Mas se, ao contrário, esse trabalho direcionado aos interesses e às capacidades delas não for realizado, poderão frustrar-se, desmotivar-se com os estudos ou, até mesmo, serem vítimas de rotulações preconceituosas no ambiente escolar. Você saberia como lidar com um aluno superdotado? A leitura desse capítulo o auxiliará a lidar com tal situação. Apresentação X UNIUBE O terceiro e último capítulo da Parte I trata sobre a mediação pedagógica. Ao longo da leitura você terá a oportunidade de refletir sobre a importância de uma intervenção pedagógica mediada para um pleno desenvolvimento cognitivo infantil, que ocorre tanto em espaços formais quanto em espaços informais de educação. Você refletirá também sobre os conhecimentos necessários ao educador mediador da aprendizagem. As argumentações das autoras estão pautadas em Vygotsky, Feuerstein, Wallon, entre outros autores. A Parte II do livro se refere ao componente curricular Desenvolvimento social e lógico-matemático da criança, que se subdivide em quatro capítulos: “os jogos e o conhecimento lógico-matemático: caminho para o desenvolvimento e resolução de problemas”; “Alfabetização matemática I”; “Alfabetização matemática II” e “A condição social humana e a construção da moral na perspectiva de Jean Piaget”. No primeiro capítulo da Parte II, você terá a oportunidade de observar o quanto os jogos contribuem para o desenvolvimento infantil, pelo fato de se constituírem em estratégias interessantes para a resolução de problemas do cotidiano. Na sequência, estudaremos os capítulos “Alfabetização matemática I e II”. Neles, a autora aborda a filosofia, a lógica, o raciocínio lógico- matemático e, principalmente, como seu conhecimento se processa. Veremos a importância de sabermos utilizar a matemática no meio social no qual estamos inseridos. o aprendizado da matemática é um processo contínuo e que, da mesma forma como nos aprimoramos na arte de ler e escrever, também nos aprimoramos no aprendizado da matemática. A autora enriquece suas argumentações com uma série de exemplos práticos que o professor poderá utilizar ao planejar suas aulas de maneira a auxiliar seus alunos na construção do conceito de número. Finalizaremos nosso estudo abordando uma questão fundamental para os seres humanos com o capítulo “A condição social humana e a construção da moral na perspectiva de Jean Piaget”. Nesse capítulo, você terá a oportunidade de compreender que a moralidade é um resultado de um longo processo inconcluso de construção sócio-histórica e o quanto é importante pensar sobre esse assunto no âmbito da esfera escolar. Necessidades educativas infantis e educação inclusiva Parte I Denise Rodovalho Scussel Introdução Necessidades educacionais especiais: O que são? Por quê? Como trabalhar? Capítulo 1 É muito condizente, sobretudo em nossa profissão, o convite de Lacerda (2001, p. 143) “Uma iluminação indireta pode revelar detalhes que até à resplandecente luz do sol escaparam. Portanto: olhe sempre de outros jeitos. O profissional docente é o sujeito da educação que sempre deve procurar diferentes formas e diferentes focos de compreender e surpreender aqueles com os quais se relaciona e interage, em seu contexto de vida. Após os estudos realizados referentes ao projeto político- -pedagógico, às relações que o homem estabelece ao aprender e às diferentes teorias que defendem as formas diversas de condução da aprendizagem, é chegada a hora de conversarmos a respeito das necessidades especiais que surgem na escola e, mais intimamente, na sala de aula. Então, vamos aprofundar nosso conhecimento em relação à aprendizagem humana. Acredito que possivelmente esse assunto já tenha lhe causado interesse e até mesmo sido estudado em sua sala de aula, caso já trabalhe na área. Neste capítulo, iremos abordar o caminho histórico das dificuldades de aprendizagem; explicar as terminologias utilizadas para a descrição de casos de dificuldade de aprendizagem, distúrbios e deficiências, bem como a diferenciação entre eles; analisar as práticas que os educadores estão utilizando em seus contextos escolares e refletir sobre aquelas que são mais convenientes entre os diferentes casos. 4 UNIUBE Neste capítulo, estudaremos as necessidades educacionais especiais inerentes aos seres humanos. Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • compreender o estudo histórico das necessidades educacionais especiais e os desdobramentos ocorridos de acordo com cada época; • diferenciar as terminologias utilizadas para a descrição de casos de dificuldade de aprendizagem, distúrbios e deficiências; • compreender as práticas pedagógicas utilizadas nos contextos escolares e refletir sobre aquelas que são mais convenientes entre os diferentes casos; • identificar as diferentes necessidades educacionais especiais das crianças e dos jovens considerando-os o eixo central para a atuação pedagógica. Esse estudo vem ao encontro das necessidades do profissional docente e gestor que está na escola esforçando-se para fazer o melhor dentro das possibilidades e entraves que encontra. o estudo também tem como finalidade chamar o educador para desenvolver um trabalho de observador e investigador constante, pois somente com essa análise investigativa, fundamentada na teoria e em uma prática reflexiva, é que teremos o avanço não só do aluno com necessidades especiais, mas de todos os alunos. 1.1 Compreendendo a história das necessidades educacionais especiais 1.2 Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem, distúrbio e deficiência 1.3 Causas 1.4 Propostas pedagógicas 1.5 Conclusão Objetivos Esquema UNIUBE 5 Compreendendo a história das necessidades educacionais especiais 1.1 O início dos estudos das necessidades educacionais especiais partiu do conceito que os estudiosos tinham de criança com lesão cerebral. Somentea partir de 1963 é que os termos relacionados às necessidades educacionais especiais ganham outras configurações e são oficializados. Para melhor compreensão do assunto, Cruz (1999) organizou os momentos históricos em quatro fases. 1.1.1 Fase da fundação (1800-1930) A medicina, em especial a neurologia que primeiro se interessou pelo tema e pela observação de pacientes com algum tipo de lesão cerebral, observou que, de acordo com a especificação e localização cerebral das funções tais como a linguagem, memória, personalidade e inteligência, as reações dos pacientes eram totalmente diferentes. Em 1860, Pierre Broca descobre que o lado esquerdo do cérebro funciona de modo diferente do lado direito; e as desordens da fala e da linguagem expressiva devem-se a danos ou lesões em uma área específica do cérebro. Outro fato a ressaltar foi o de 1908, em que Carl Wernicke, em pesquisa, assinala que a área temporal esquerda é responsável pela compreensão verbal, tanto na compreensão como na associação de sons e da linguagem escrita. Em 1917, com estudos de James Hinshelwood, foi detectada a localização distinta para a memória visual de tipo cotidiano, para memória visual de letras e para memória visual de palavras, localizando-se estas últimas no girus angular do hemisfério esquerdo. Samuel Orton, em 1928, relata que todos os indivíduos têm um hemisfério cerebral dominante e que o hemisfério dominante nos destros é o esquerdo e, nos canhotos, o hemisfério cerebral dominante é o direito. Pode-se dizer que a história das pessoas com necessidades educacionais especiais encontra suas heranças nos estudos neuropsicológicos de Girus angular do hemisfério esquerdo Atua como conexão entre as regiões auditivas e visuais, centro básico da conversão do estímulo visual- grafema em unidades auditivas equivalentes – fonemas – ou seja, o processo básico da leitura. Fonte: Fonseca (1995, p. 39). 6 UNIUBE adultos que perderam a habilidade para falar, ler, escrever ou calcular depois de sofrerem uma lesão cerebral. Tais investigações e teorias foram, posteriormente, alargadas às crianças que apresentavam um desenvolvimento aquém do esperado das habilidades acadêmicas em específico. Essa fase da história foi muito importante para a ciência relacionada ao desenvolvimento das capacidades e habilidades do homem, porém foi também um período de estudos restrito ao grupo de teóricos e estudiosos das ciências relacionadas à saúde. 1.1.2 Fase de transição (1930-1936) Psicólogos e educadores começam a desenvolver instrumentos e programas úteis para o diagnóstico e a recuperação de distúrbios manifestados pelas crianças, no processo de aprendizagem. Podemos dizer que algumas pessoas foram muito importantes para o estudo das necessidades educacionais especiais nessa época, dentre elas, citamos: • Werner (filósofo alemão); • Strauss (antropólogo, filósofo e professor, considerado fundador da antropologia); • Marianne Frostig (realizou estudos voltados para o desenvolvimento perceptivo e motor); • Maslow (psicólogo americano); • Lefèvre (neurologista que dedicou-se aos testes e programas psicomotores); • Myklebust (estudioso dos distúrbios de aprendizagem, ligados ao desenvolvimento psicomotor) e outros. Verificou-se que a maioria dos estudiosos destacados já não procedia do campo da neurologia, passando a ter origem no campo da psicologia e da educação, o que justifica a proliferação de produção de testes e programas de recuperação, verificados nesta época. Também, nesta fase, as necessidades educacionais especiais ganham outra visão, além da visão neurológica, constatam-se a inferência da questão educacional, pois, na realidade, os investigadores observavam uma variedade de problemas presentes em crianças de inteligência normal, que pareciam intervir na aprendizagem. UNIUBE 7 Essa fase foi muito importante para nós, educadores. Nessa época, o espaço para educação começa a ganhar força! SAIBA MAIS 1.1.3 Fase de integração (1963-1980) Samuel Kirk, em 1965 (apud FONSECA, 1995), populariza o termo dificuldade de aprendizagem (learning disability), com isso, surgem métodos de avaliação e diagnóstico, bem como programas de intervenção específica. A partir do momento em que surge, oficialmente, o campo da dificuldade de aprendizagem, e que ele se concretiza em sua área de atividade própria, surgem interesses pelos possíveis problemas que podem surgir no processo ensino-aprendizagem. Esse interesse foi manifestado em diferentes formas por meio de publicações, programas universitários para a formação de especialistas, associações de profissionais e disposições legais para dotar, economicamente, serviços adequados que atendam às crianças com dificuldades de aprendizagem a fim de que adquiram habilidades escolares. Mesmo que a educação tenha conseguido um espaço para discussão e participação desse estudo, ele foi muito pequeno e restrito, pois se acreditava que os professores não estavam aptos a discutir e a colaborar com esse processo tão elaborado que é a construção do conhecimento humano. 1.1.4 Fase contemporânea (1980-atualidade) Alargam-se tendências para o diagnóstico e para a intervenção. Há grande avanço nos trabalhos interdisciplinares entre os profissionais. Nesse período, é possível estabelecer três quadros conceituais relacionados às dificuldades de aprendizagem: • Inicialmente, tem-se uma visão comportamental, nesse caso as dificuldades de aprendizagens são explicadas por ações observáveis 8 UNIUBE entre respostas dadas em situações específicas de aprendizagem e os estímulos recebidos. Nessa perspectiva, a aprendizagem é vista somente como sendo a relação entre o estímulo fornecido e uma resposta ou recompensa, de alguma forma, é providenciada pelo indivíduo, ou entre esta resposta e um reforço. • Outra visão é a inatista, que dá ênfase ao aspecto cognitivo da criança. Nessa perspectiva, as pessoas com dificuldades de aprendizagem necessitam de um controle, de um programa ou plano de ação; as crianças com dificuldades de aprendizagem são aquelas que apresentam alterações nas capacidades de retenção da informação na memória de trabalho, na seleção de informação e/ou retém pouca informação na memória de longo prazo. • E, finalmente, a perspectiva neuropsicológica, que procura relacionar o conhecimento neurológico à bagagem do indivíduo dentro da neurociência, com os aspectos psicológicos e os aspectos educacionais. Essa abordagem acredita que a aprendizagem é um comportamento complexo mediatizado por questões físicas, emocionais, ambientais e pedagógicas. É possível que você ainda esteja confuso(a) em relação ao que vem a ser realmente uma dificuldade de aprendizagem, e se as necessidades educacionais especiais estão relacionadas ou não com as dificuldades de aprendizagem, bem como com as deficiências. Vamos tentar conversar mais um pouco sobre isso e esclarecer o que são essas terminologias e também o alcance delas na escola e na aprendizagem. Visão comportamental: É o conjunto das teorias psicológicas (dentre elas a análise do comportamento, a psicologia objetiva) que postulam o comportamento como o mais adequado objeto de estudo da psicologia. O comportamento geralmente é definido por meio das unidades analíticas de respostas e estímulos. Historicamente, a observação e a descrição do comportamento fez oposição ao uso do método de introspecção. Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Behaviorismo>. Acesso em: 9 abr. 2012. SAIBA MAIS UNIUBE 9 Visão inatista: A visão inatista defende que os seres humanos nascem programados biologicamente para falar, assim como os pássaros para voar. Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_inatista>. Acesso em: 9 abr. 2012. Memória de trabalho: Entende-se memória de trabalho ou memória de curto prazo como um componente cognitivo ligado à memória, que permite o armazenamento temporáriode informação com capacidade limitada. Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3ria_de_trabalho>. Acesso em: 9 abr. 2012. Conceituação e descrição de dificuldade de aprendizagem, distúrbio e deficiência 1.2 A grande finalidade desse tópico no estudo das necessidades educacionais especiais vem ao encontro do documento do MEC (BRASIL, 2003, p. 18), elaborado para a Educação Infantil. Esse documento refere-se à funcionalidade e à capacidade de uma pessoa. Essa funcionalidade é concebida como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, distúrbios, lesões e traumas), que podem trazer limitações no desenvolvimento, e os fatores contextuais. Logo, antes de antecipar a realização de um diagnóstico precoce e, por isso mesmo indevido, todos os aspectos do desenvolvimento, bem como o meio cultural que esse sujeito está inserido, devem ser considerados e analisados profundamente. 1.2.1 Conceituação É sempre bom compreendermos a conceitualização e as diferenças entre os termos dificuldade de aprendizagem, distúrbio e deficiência, pois ao conhecê-los com maior propriedade, melhor será nossa posição e nossa intervenção frente a eles. 1.2.1.1 Dificuldade de aprendizagem A dificuldade de aprendizagem constitui uma inadequação de rendimento acadêmico, não explicável pelo déficit cognitivo, pelo prejuízo sensorial e físico ou pelo desajustamento emocional. 10 UNIUBE As causas das dificuldades de aprendizagem são diversas e podem ser relativas à capacidade básica para aprender, às técnicas de ensino, aos recursos físicos, humanos ou didáticos, às estratégias de ensino, à avaliação e, por último, a um meio social e escolar pouco estimulante. As crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem apresentam as seguintes características: • problemas de atenção; • problemas emocionais decorrente do fracasso acadêmico; • problemas de memória; • dificuldades psicolinguísticas; • dificuldades ou atrasos motores; • dificuldades significativas na aquisição, compreensão e utilização auditiva; • dificuldades de linguagem oral, leitura, escrita e raciocínio lógico- -matemático; • inadequação didático-metodológica do processo ensino- -aprendizagem. 1.2.1.2 Distúrbio de aprendizagem O distúrbio de aprendizagem está relacionado a quadros de alterações neurológicas, descartando causas que provocam deficiências ou dificuldades. Referem-se às pessoas que possuem problemas significativos de aquisição e uso das capacidades de compreensão e expressão linguísticas e das operações lógico-matemáticas. Manifesta- -se costumeiramente em uma ou poucas habilidades, sendo possível a criança ser ótima em matemática e não conseguir ler e escrever satisfatoriamente. As causas advêm de disfunções cerebrais tanto de origem genética como adquirida. As crianças apresentam comportamento “anormal” em relação à aprendizagem e apresentam um cérebro anatomicamente “normal”. As características dos distúrbios de aprendizagem comumente não manifestam irregularidades em exames médicos. UNIUBE 11 As crianças com queixas de distúrbios de aprendizagem podem apresentar: • distúrbio de leitura e escrita – dislexia; • distúrbio na articulação da fala – dislalia; • distúrbio na grafia – disgrafia; • distúrbio na organização das palavras – disortografia; • distúrbio na organização e no trabalho com números – discalculia. 1.2.1.3 Deficiência de aprendizagem A deficiência de aprendizagem diz respeito a uma incapacidade intelectual acentuada. Nesse grupo, geralmente estão crianças com déficits cognitivos. Há, nesse grupo, um comprometimento geral nos aspectos: motor, cognitivo e social. A aprendizagem está sempre atrasada em comparação à dos alunos ditos normais. Para que a criança seja considerada deficiente intelectual é necessário que sua conduta esteja aliada a duas ou mais dificuldades adaptativas que correspondem a: • comunicação; • autocuidado; • vida familiar; • vida social; • autonomia; • saúde e segurança; • funcionalidade acadêmica; • lazer; • trabalho. É preciso que você compreenda a necessidade do educador em se aprofundar nos estudos de cada característica para, então, poder auxiliar o aluno, bem como a família do mesmo. Não podemos rotular nossos alunos com base em suspeitas e observações infundadas. As suspeitas 12 UNIUBE e observações são de grande importância desde que fundamentadas teoricamente e analisadas por uma equipe multiprofissional. 1.2.2 Descrição Dentro desse tópico, abordaremos as características e as causas das dificuldades de aprendizagem, dos distúrbios e das deficiências. Acreditamos ser de grande importância esse conhecimento, pois ele poderá favorecer-lhe subsídios mais precisos para as suas observações e atuações nas práticas pedagógicas. 1.2.2.1 Dificuldades de aprendizagem As dificuldades de aprendizagens se manifestam de maneira tão sutil que muitas vezes as crianças que apresentam essa característica passam despercebidas no contexto de sala de aula e, consequentemente, não recebem o devido cuidado. Equipe multiprofissional É uma equipe composta por diferentes profissionais. Aqui, nesse caso, enfatiza-se os profissionais da saúde e educação. Muitas crianças com dificuldades de aprendizagem têm a inteligência superior, considerando a média. E em geral são capazes em algumas áreas e em outras apresentam muitas dificuldades! CURIOSIDADE Como no exemplo de Smith e Strick (2001, p. 15) em que questiona: Como uma criança pode saber tudo o que é possível saber sobre dinossauros aos quatro anos, mas ainda ser incapaz de aprender o alfabeto? Como um aluno que lê aos três anos à frente do nível de sua série entrega um trabalho por escrito completamente incom-preensível? Como uma criança pode ler um parágrafo em voz alta impecavelmente e não recordar seu conteúdo cinco minutos depois? Não admira que os estudantes sejam acusados frequentemente de desatentos, não cooperativos ou desmotivados. UNIUBE 13 Essa discrepância entre o que esperamos que a criança devesse fazer e o que ela realmente faz com suas limitações é a marca das dificuldades de aprendizagem. Como diz Smith e Strick (2001, p. 1), o que essas crianças têm em comum é o baixo desempenho inesperado. Diversos autores acreditam que algumas dificuldades de aprendizagem estão ligadas a problemas neurológicos; o que não deixa de ser verdadeiro porém, já foi percebido, por diferentes estudiosos, que os problemas mais comuns que afetam essas crianças podem ou não estarem relacionados com disfunções neurológicas. Tais problemas estão relacionados à percepção visual, ao processamento da linguagem, às habilidades motoras finas e à capacidade para focar atenção. É importante ressaltar que Smith e Strick (2001) observaram em crianças e jovens que apresentam dificuldades de aprendizagem: • fraco alcance de atenção: a criança se distrai com facilidade e não consegue focar atenção em apenas uma situação ou objeto; • dificuldade para seguir instruções: as instruções não são bem compreendidas ou assimiladas, então a criança pergunta repetitivamente os comandos que lhe são fornecidos; • imaturidade social: a criança age com se fosse mais nova do que sua idade cronológica e prefere a companhia das crianças menores; • dificuldade com a conversação: dificuldade em encontrar as palavras certas para se expressarem e, às vezes, apresentam gagueira temporária até encontrarem a palavra que querem falar; • inflexibilidade: teimosia em continuar fazendo aquilo que já testou e que não deu certo; também nega apoio e auxílio; • fraco planejamento e habilidades organizacionais: não consegue estabelecer um cronograma de tempo e organização para a realização das suas atividades; • distração: perdem com frequência seus objetos, roupas, esquecem de seus compromissos de realizar as tarefas; • falta de destreza: desajeitadas, deixam cair tudo, esbarram nas pessoas e objetose geralmente têm a caligrafia muito ruim; • falta de controle dos impulsos: dificuldade de esperar sua vez nos momentos de falar e agir. Interrompe com frequência a fala das pessoas. 14 UNIUBE É possível afirmar que muitas crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem sofrem muito com esse comportamento e essas manifestações. Por falta de informação e conhecimento, são mal compreendidas pela escola e pela família. Contudo, acreditam, realmente, que são incapazes e isso as levam a acreditar em rótulos desrespeitosos (“desastrada”, “cabeça vazia”, “tartaruga”) que, muitas vezes, as pessoas dão a elas. Com autoestima baixa e incompreendidas, muitas procuram os caminhos da dependência química e o mundo do crime. 1.2.2.2 Distúrbios de aprendizagem Para você compreender melhor, ressaltamos que os distúrbios estão intimamente ligados às disfunções neurológicas. Essas disfunções podem ser de ordem anatômica ou de ordem fisiológica. Os distúrbios estão relacionados com as dificuldades acentuadas de aprendizagem, dificuldades relacionadas às habilidades acadêmicas básicas de leitura, escrita, ortografia, aritmética e linguagem (compreensão e expressão). É importante excluir as causas relacionadas aos déficits (deficiências) sensoriais, deficiência motora, desvantagem ambiental e distúrbios emocionais e/ou psiquiátricos. O parceiro ideal para auxiliar no diagnóstico dos distúrbios é uma equipe multiprofissional como: médico, pediatra ou neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo e professores. Em relação à parte pedagógica, a avaliação deve estar voltada para as questões pedagógicas do ato de aprender, o olhar deve estar voltado para as questões que revelem distorções na aprendizagem acadêmica e a prioridade das mesmas na vida da criança. A equipe dirigente, bem como a equipe pedagógica da escola deve valer-se da observação de atividades espontâneas, jogos, brincadeiras, desenhos, assim como a produção escolar para diagnosticar a dificuldade acentuada de aprendizagem da criança. A conclusão encontrada pelas equipes da escola deve ser confrontada com os outros especialistas, como mencionamos anteriormente. Anatômica Adj. 1 relativo ou pertencente à anatomia, ex: traços a. [...] 2 corporal, físico lesão ex: a.[...]. Fonte: Houaiss e Villar (2009, p. 127). Fisiológica Relativo à Fisiologia ─ s.f. [...] estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, esp. dos processos físico- químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios, biofisiologia. [...]. Fonte: Houaiss e Villar (2009, p. 900). UNIUBE 15 Vamos agora conhecer os distúrbios mais comuns perceptíveis dentro da escola, os quais, muitas vezes, têm nos atormentado, deixando-nos totalmente inertes frente às dificuldades e entraves apresentados por eles. Dislexia A dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem de ordem constitucional, caracterizado pela dificuldade de decodificar palavras simples, além de ser uma insuficiência no processo fonológico. Garcia (1988) deixa claro que a dislexia vem de uma dificuldade acentuada de processar a informação procedente da linguagem escrita. Tais dificuldades, devido à complexidade dos sistemas funcionais integrados, podem dar lugar a distintos sintomas relativos à leitura, à escrita, tanto em nível gráfico como ortográfico. Geralmente a dislexia é hereditária, ou, às vezes, adquirida, afetando a aprendizagem da leitura, da escrita, da ortografia, da gramática e da redação. Assim, a criança disléxica apresenta várias formas de dificuldades e, frequentemente, problemas de leitura, na aquisição e na capacidade de escrever e soletrar. Para efeito de melhor compreensão e intervenção, Condemarin (1986) classifica e ressalta as manifestações mais comuns das dislexias da seguinte forma: a) Tipos de dislexia: • Acústica: manifesta-se na insuficiência da diferenciação acústica dos fonemas e na análise e síntese dos mesmos. • Visual: imprecisão de coordenação visuoespacial, manifestando- se na confusão de letras com semelhantes grafias. • Motriz: evidencia-se em dificuldade na movimentação ocular. b) Manifestações mais comuns: • Inversão de palavras. • Dificuldades para ler. • Cópia de forma errada. 16 UNIUBE • Confusão de letras que têm o som parecido. • Alteração na sequência das letras. • Confusão de palavras parecidas. • Erros na separação de palavras. • Dificuldade no traçado das letras. • Falhas na construção gramatical. Dislalia A dislalia é o transtorno na articulação dos fonemas, por alterações funcionais dos órgãos da fala. As dificuldades dessas crianças começam com a palavra falada e, tipicamente, interferem na leitura e/ou na escrita quando a criança ingressa na escola. A família tem consciência dessa dificuldade antes mesmo que a criança inicie o processo de escolarização. Os estudos de Morais (1986) classificam as dislalias: a) Tipos de dislalia: • Fisiológica: é a dislalia que se apresenta na criança durante o desenvolvimento da fala e tende a desaparecer antes de chegar à idade escolar. • Funcional: caracteriza-se pela omissão, substituição ou deformação de fonemas. • Audiógena: é a dificuldade na articulação dos fonemas, que tem como causa um déficit de audição. • Orgânica: caracteriza-se por transtornos na articulação de fonemas, causados por alteração anátomo-funcional nos órgãos da fala. Segundo Smith e Strick (2001), as crianças que apresentam dislalia geralmente apresentam: b) Manifestações mais comuns: • Atraso para aprender a falar. • Dificuldade de modular o tom de voz (fala monótona ou muito alta). UNIUBE 17 • Problemas em citar nomes de objetos e de pessoas. • Má pronúncia das palavras. • Trocas, inversões, omissões de fonemas na linguagem oral e/ou escrita. • Fala lenta ou com interrupções. • Confunde palavras com sons similares. • Demonstra pouco interesse por livros e histórias. • Com frequência, não compreende ou não recorda instruções. • Dificuldade para analisar sons. Disgrafia A disgrafia é uma deficiência na qualidade do traçado gráfico. As crianças ou jovens com esse tipo de problema motor não conseguem controlar plenamente os grupos de pequenos músculos das mãos. Segundo Smith e Strick (2001), esse distúrbio não tem impacto sobre a capacidade intelectual, mas interfere no desempenho escolar, porque prejudica a capacidade de o aluno comunicar-se pela escrita. a) Segundo Ellis (1985), as disgrafias pode ser classificadas: • Má organização da página: está intimamente ligada à orientação espacial. A escrita caracteriza-se pela apresentação desordenada do texto com margens malfeitas ou inexistentes. • Má organização das letras: caracterizam pela incapacidade de a criança em submeter-se às regras, às caligrafias, às hastes das letras deformadas, aos contornos das letras enroscados, às irregularidades em suas dimensões. • Erros de formas e proporções: referem-se ao grau de clareza do traçado das letras, das dimensões e do grau de organização das formas de escrita muito alongada ou comprida. b) Outras manifestações: • Parecem desajeitados e atrapalhados. • Apresentam dificuldades para manipularem pequenos objetos, como peça de quebra-cabeça ou blocos. 18 UNIUBE • Apresentam problemas com abotoamentos (botões, zíper, laços e amarrar os cadarços). • Apresentam dificuldade para colorir, não conseguem manter a cor dentro dos contornos do desenho. • Dificuldade para o uso da tesoura. • Desajeitados para segurar o lápis (podem segurar com muita força ou frouxo demais). • Atrasos para escrever letras e os números são malformados. • Podem ter atraso na aprendizagem da fala ou terem problemas de articulação. • Erros de cálculos são comuns, devido a numerais ilegíveis, amontoados e pouco alinhados. Disortografia A disortografia é a impossibilidade de visualizar a forma corretada escrita das palavras. A criança escreve seguindo os sons da fala e sua escrita, por vezes, torna-se incompreensível. É caracterizada pela dificuldade de orientação no tempo e no espaço. A criança apresenta também falhas de coordenação motora. Segundo Condemarin (1986), os sinais que as crianças ou jovens podem apresentar: • Trocas de grafemas. • Problemas de ligações lógicas e ideias. • Problemas de concordância. • Omissões de palavras/letras. • Acréscimos indevidos de letras. • Alterações na sequência de letras ou sons (prola – porta). • Substituições de letras. Segundo Guerra (2002), os erros mais comuns são: • Erros fonéticos: semelhança visual da ortografia. UNIUBE 19 • Erros visuais. • Erros de substituição de letras. • Erros de inserção ou acréscimo e de omissão. • Erros sequenciais. De acordo com Smith e Strick (2001), as crianças que apresentam essa dificuldade acentuada da percepção visual têm problemas em entender o que veem. O problema não é de visão, mas do modo como seus cérebros processam as informações visuais. Ainda ressaltam que essas crianças podem ter problemas relacionados ao entendimento de espectro de símbolos, números, diagramas, mapas, gráficos e tabelas. Discalculia A discalculia é um distúrbio de ordem neurológica com causas diversas que envolvem as questões orgânicas e psiconeurológicas. Caracteriza- -se pela dificuldade ou incapacidade para reconhecer e codificar sinais/ números, aspectos geométricos dos objetos e total inabilidade para quaisquer cálculos matemáticos. É sempre bom ressaltar que é necessário estar bem atento(a) às características, conhecer bem o aluno e estar em comum acordo com o diagnóstico da equipe multiprofissional, para que se possa distinguir o distúrbio das falhas metodológicas do ensino. As dificuldades específicas da aprendizagem da matemática, segundo Guerra (2002), envolvem problemas na: • Compreensão matemática: a criança com essa dificuldade poderá escrever o numeral e não compreender o quanto este vale. • Funções operacionais: dificuldades em somar, subtrair, multiplicar ou dividir. • Processo de seleção: dificuldade em selecionar a operação apropriada para resolver o problema. • Memória sequencial: dificuldade de lembrar a ordem das operações para resolver problemas. • Organização sequencial: dificuldade em estabelecer ordem numérica. 20 UNIUBE • Expressão matemática verbal: dificuldade em expressar termos e conceitos matemáticos. • Simbolização abstrata: dificuldade de entender a representação dos números por símbolos (álgebra). • Associação visual: dificuldade de identificar um número com símbolo escrito (leitura dos numerais). • Agrupamento: dificuldade de discernir ou identificar grupos ou objetos. • Manipulação matemática concreta: dificuldade em julgar o tamanho e o número de objetos reais. • Conservação de quantidades: dificuldade em entender que a quantidade não altera com a forma. • Estabelecimento da relação “um a um”: dificuldade de lidar com proporções ma¬temáticas constantes. • Representação gráfica dos números: dificuldade em lembrar como escrever números. • Interpretação de sinais: dificuldade na leitura e na compreensão dos símbolos aritméticos como “+” e “ –”, por exemplo. 1.2.2.3 Deficiências As deficiências são consideradas necessidades educacionais permanentes. A expressão pessoa com deficiência pode ser aplicada ao nos referirmos a qualquer pessoa que possua dificuldades acentuadas no comportamento, dificuldades acentuadas de comunicação e sinalização – deficiência física; dificuldades de comunicação e sinalização – surdocegueira; dificuldade acentuada na comunicação e audição – surdez; dificuldade acentuada da percepção visual – deficiência visual; altas habilidades e superdotação. Colocamos, de modo geral, todas as deficiências, mas iremos aprofundar nossa conversa na deficiência mental. As sensórias (visual, auditiva), física e altas habilidades são conteúdos de outros capítulos. Para que a deficiência intelectual seja diagnosticada como deficiência ou mais comumente como déficit cognitivo, é necessário a observação e UNIUBE 21 um estudo comparativo, levando em consideração as diferentes reações e manifestações do indivíduo diante das dificuldades, entraves e mesmo frente às situações que a vida cotidiana nos impõe. Segundo documento do MEC, Carvalho (1997), que faz parte do programa de capacitação de recursos humanos do Ensino Fundamental, que descreve o trabalho com os recursos humanos que irão atuar com as pessoas com deficiência intelectual, deixa claro que para uma pessoa ser identificada como deficiente, é necessário que, no mínimo, duas áreas de habilidades adaptativas estejam defasadas. Vejamos, a seguir, as áreas adaptativas descritas na conceituação. Iremos detalhar cada uma delas. • Comunicação: diz respeito às habilidades para compreender e expressar informações por meio de palavras – faladas ou escritas e ainda para compreender as emoções e as mensagens das outras pessoas. • Autocuidado: refere-se às habilidades que asseguram a higiene pessoal, a alimentação, o vestuário, o uso do sanitário etc. • Vida familiar: refere-se às habilidades necessárias para uma adequada funcionalidade no lar, no cuidado com os pertences, com o ambiente doméstico, os cuidados com os bens da família, a participação nos trabalhos domésticos, no convívio e nas relações familiares. • Vida social: diz respeito às trocas na comunidade, ao respeito e às relações com vizinhos, colegas, amigos e membros da comunidade, compartilhar e cooperar, respeitar limites e normas, fazer escolhas, controlar impulsos, resistir às frustrações. • Autonomia: refere-se às habilidades para fazer escolhas, tomar iniciativas, cumprir planejamento, atender aos próprios interesses, cumprir tarefas, pedir ajuda, resolver problemas, defender-se, explicar-se, buscar ajuda quando necessário etc. • Saúde e segurança: diz respeito às habilidades para cuidar da saúde, cuidar da segurança, evitar perigos, seguir leis de trânsito e outras que visem o bem-estar. 22 UNIUBE • Funcionalidade acadêmica: referem-se às habilidades relacionadas à aprendizagem dos conteúdos curriculares propostos na escola, como: ler, escrever, calcular, obter conhecimentos científicos e sociais. • Lazer: diz respeito ao interesse de participar de atividades de entretenimento individual ou coletivo, de acordo com a idade e com o ambiente cultural e comunitário. • Trabalho: refere-se às habilidades para realizar um trabalho em tempo parcial ou total, comportando-se apropriadamente, cooperando, compartilhando, concluindo as tarefas, tomando iniciativas, administrando bem o salário, aceitando a hierarquia e as próprias limitações e dos demais, realizando atividades independentes etc. A descrição que colocamos foi exposta de modo geral, mas para compreendermos melhor sobre cada item colocado é preciso que não nos esqueçamos de enfatizar que é de grande responsabilidade e perigoso um diagnóstico unilateral. É preciso realmente o estudo, as observações e avaliações específicas de cada área envolvida, da equipe de profissionais. Para nós, educadores, cabe o acesso às informações, o aprofundamento do assunto por meio de pesquisas. O que é de nossa real competência é fazer o trabalho pedagógico focado nas especificidades e capacidades de cada um, em parceria com a família e com a equipe de profissionais envolvidos com a dificuldade da criança. Acreditamos ser necessário, para que este estudo fique mais completo, expor as causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências. Então, vamos lá! Causas1.3 As causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências não são muito diferentes umas das outras, mas é possível fazer a diferenciação em relação às causas neurológicas, quanto à intensidade, à localização, ao período e à fisiologia da criança ou do jovem. UNIUBE 23 Paravocê compreender melhor essa colocação, é preciso relembrar a divisão do cérebro, suas áreas e as atribuições gerais de cada uma delas (Figura 1). Figura 1: Divisão didática do cérebro humano. Fonte: Acervo EAD–Uniube. Área Frontal: do hemisfério esquerdo, centro do controle das unidades motoras. Área Parietal: centro da leitura. Área Temporal: centro da compreensão das palavras. Área Occipital: centro da identificação visual das imagens. RELEMBRANDO Tratando-se de aprendizagem da leitura e da escrita, o cérebro é dividido didaticamente em hemisfério direito e hemisfério esquerdo. Um responsável pelas questões verbais, outro pelas questões não verbais. Para ilustrar, mostraremos, a seguir, sobre o que cada hemisfério é responsável, diante da leitura e da escrita, segundo Kumura (1973 apud FONSECA, 1995). O hemisfério direito, responsável pelos conteúdos não verbais, realiza preferencialmente as seguintes funções: • Funções visuais: • localização de pontos em duas dimensões; • enumeração de pontos e formas; • reconhecimento de faces e de figuras sem significado. 24 UNIUBE • Funções manuais (tátil-cinestésicas): • reconhecimento de relevo (braile); • reconhecimento de estruturas. • Funções auditivas: • sons da vida cotidiana; • padrões melódicos. Em compensação, o hemisfério esquerdo tem sido considerado responsável pelos conteúdos verbais. Realiza preferencialmente as funções: • Funções visuais: • reconhecimento de letras e palavras. • Funções manuais: • movimentos complexos; • fala. • Funções auditivas: • reconhecimento de palavras; • reconhecimento de sílabas. Essa divisão serve como ilustração para melhor compreensão do caminho da aprendizagem. Para que a aprendizagem ocorra, é necessário que todas as partes estejam em plena integridade e funcionando harmonicamente. As causas das dificuldades de aprendizagem são de difícil especificação e, ao mesmo tempo, o grupo de alunos com esse tipo de necessidade educacional é, sem dúvida, o maior. Há sempre muitas perguntas, questionamentos, como: Como isso aconteceu? O que deu errado? Será que as crianças podem superar as dificuldades de aprendizagem? Isso é uma doença? Tem cura? Mas pais e professores nem sempre podem obter respostas claras para as questões relacionadas aos problemas dos filhos e dos alunos. Os fatores são múltiplos e os estudos também. Contudo, embora estudos e pesquisas tenham trazido informações mais claras sobre as estruturas e o funcionamento do cérebro, nem sempre é possível aplicar, na íntegra, UNIUBE 25 essas informações a um indivíduo. Entretanto, o desenvolvimento individual da criança, o ambiente familiar e escolar são fatores que podem interferir no processo de aprendizagem. Embora, supostamente, as dificuldades de aprendizagem tenham uma base biológica, o ambiente da criança determina a gravidade e o impacto da dificuldade. Isso tem demonstrado que alterações no ambiente familiar e escolar da criança fazem uma diferença impressionante no progresso educacional. IMPORTANTE! Segundo Smith e Strick (2001), os fatores biológicos que contribuem para as dificuldades de aprendizagem podem ser divididos em cinco categorias gerais: lesão cerebral, alterações no desenvolvimento cerebral, desequilíbrios neuroquímicos, hereditariedade e influências ambientais. Por vários anos, os atrasos na aprendizagem foram explicados por meio das lesões cerebrais, mas com o avanço das pesquisas foi possível verificar que indivíduos sem lesões cerebrais também tinham atrasos significativos na aprendizagem. 1.3.1 Lesão cerebral Como vimos, o cérebro foi, didaticamente, dividido em partes e cada parte é respon-sável diretamente por desempenhar funções específicas a ela. Mas para que as ações interações, pensamentos, sentidos e sensações humanas ocorram de forma tranquila, é preciso que todas as áreas estejam constituídas anatomicamente e fisiologicamente perfeitas e estejam trabalhando harmonicamente entre si. Nesse sentido, as dificuldades de aprendizagem, distúrbios e/ou deficiência podem surgir a partir de lesões do cérebro. Entre os tipos de lesões associadas aos atrasos no desenvolvimento e na aprendizagem estão os acidentes, as hemorragias e os tumores cerebrais, doenças como encefalites e meningite, transtornos glandulares não tratados na infância e hipoglicemia na primeira infância. A desnutrição e a exposição a substâncias químicas tóxicas (como chumbo e pesticidas) também causam 26 UNIUBE danos cerebrais. Eventos de privação de oxigênio, tratamento com quimioterapia para câncer, doenças que ocorrem durante a gestação, exposição ao álcool e drogas podem estar associadas a uma variedade de problemas de aprendizagem, déficit cognitivo, déficit de atenção, hiperatividade e problemas de memória. 1.3.2 Alterações no desenvolvimento cerebral O desenvolvimento do cérebro humano inicia-se na concepção e desde então não para mais. Ele se desenvolve em estágios, e um dos períodos mais importantes é entre o 5º e 9º mês. Período em que o córtex cerebral está sendo pouco a pouco estruturado. As regiões do cérebro vão se tornando cada vez mais especializadas à medida que as crianças vão ficando mais velhas. Durante a primeira e segunda infância, novas conexões entre as partes do cérebro vão se estruturando e o pensamento dos infantes vai ficando mais elaborado. Se esse processo de maturação e ativação do cérebro for perturbado, poderão ocorrer problemas no desenvolvimento global da criança. O tipo de problemas causados por alterações no desenvolvimento cerebral depende das regiões do cérebro afetadas. É importante ressaltar que a aprendizagem e outros comportamentos envolvem diferentes e diversas partes do cérebro, assim, o prejuízo em uma das áreas pode afetar o desenvolvimento em outra parte do sistema. Por isso, é difícil um aluno com problemas de aprendizagem ter um problema único e isolado; problemas associados são bem comuns nessas crianças. 1.3.3 Desequilíbrios neuroquímicos As células cerebrais, os neurônios conseguem comunicar entre si por meio de substâncias químicas, chamadas neurotransmissores. Qualquer mudança na química do cérebro pode interferir nesses neurotransmissores e prejudicar a capacidade do cérebro funcionar adequadamente. Córtex É uma estrutura de múltiplas camadas que forma o envoltório do cérebro, responsável por praticamente todos os aspectos da atividade consciente do homem. O seu desenvolvimento e funcionamento pleno são essenciais para o pensamento e a aprendizagem de nível superior. UNIUBE 27 Segundo diversos estudos, os medicamentos para equilibrar a química necessária para o funcionamento preciso do cérebro e as adequações educacionais realizadas conjuntamente têm dado resultados positivos, principalmente para os alunos com déficit de atenção e dificuldade na aprendizagem, decorrente de problemas de memória. 1.3.4 Hereditariedade Estudos com familiares das crianças com dificuldades de aprendizagem e/ou deficiência demonstram incidência no problema. Muitas vezes, quando o problema da criança é apresentado para os pais, eles afirmam: “Mas eu também não consigo fazer isso!” Nesse sentido, os pais também necessitam do apoio que é oferecido para a criança, tanto dos profissionais quanto por parte de outros membros da família. 1.3.5 Influências ambientais Para compreendermos melhor a dificuldade de aprendizagem, é preciso compreender também o ambiente doméstico e o ambiente escolar da criança, pois eles afetam diretamente o desenvolvimento intelectual e o potencial para a aprendizagem. a) Ambiente doméstico: o ambiente doméstico exerce importante papel no desenvolvimento da aprendizagem das crianças. Estudos apontam que um ambiente enriquecido, estimulador e afetuoso não apenas tem impacto na aprendizagem, na formaçãodo autoconceito, como também estimula o crescimento e o desenvolvimento cerebral. Professores relatam que crianças com dificuldades de aprendizagem que não tiveram estímulos e apoio em casa quando encontram problemas antecipam o fracasso, parecendo “desistir” antes de começar. Outros pontos a destacar em favor do ambiente doméstico são os aspectos relacionados aos cuidados, como: a nutrição alimentar, o sono, a higiene, os cuidados médicos, os hábitos de estudo, o estresse emocional, a privação cultural, a proteção pessoal, a estimulação do bebê e da criança pequena. Para ilustrar, vejamos um resumo do que Erik Erikson (apud 28 UNIUBE SMITH; STRICK, 2001, p. 32), psicólogo americano, considerava mais necessário para as crianças, em suas famílias, em cada estágio do desenvolvimento. • Confiança básica (do nascimento até 1 ano): os bebês obtêm um senso de confiança básica quando as interações com os adultos são agradáveis e prazerosas. Os bebês precisam de pais calorosos, receptíveis, previsíveis e sensíveis às suas necessidades. • Autonomia (de 1 a 3 anos): a confiança na capacidade para fazer escolhas e decisões é desenvolvida enquanto as crianças exercitam as habilidades exploratórias de caminhar, correr, de escalar e de manusear objetos. • Iniciativa (de 3 a 6 anos): os pré-escolares aprendem sobre si mesmos e suas culturas por meio de jogos de faz de conta, à medida que encenam diferentes papéis, começam a pensar sobre o tipo de pessoa que desejam tornar-se. • Produtividade (dos 6 anos até a puberdade): durante esse período é muito importante o estímulo às crianças para o trabalho produtivo e cooperativo, para se sentirem úteis e encorajadas aos desafios que a vida adulta lhe imporá. • Identidade (adolescência): essa fase é de integração das fases anteriores, o que irá favorecer a construção da identidade, desenvolve também um entendimento de seu lugar na sociedade e formam expectativas para o futuro. b) Ambiente escolar: a criança deve estar preparada para aprender e, assim, as oportunidades dessa aprendizagem devem ser fomentadas e oferecidas pelo sistema educacional. Se o aluno nunca tem a oportunidade apropriada para desenvolver suas capacidades, torna-se efetivamente “deficiente”, embora não tendo nada de fisicamente errado com ele. Sabemos que a escola e o professor enfrentam entraves que vão além de suas competências, mas também é de conhecimento de todos que necessitamos, como professores, de conhecimentos mais específicos e aprofundados das diferentes metodologias. Muitas práticas, amplamente aceitas, não oferecem variações normais no estilo de aprendizagem. UNIUBE 29 Assim, podemos imaginar o seguinte: Um aluno cuja orientação é principalmente visual e exploratória, ou seja, que precisa ver e tocar as coisas para compreendê-las, não se sairá bem com professores que “palestram” o tempo todo; não importando o quanto é inteligente e interessado na matéria. Quando nos deparamos com esse tipo de situação é prudente indagar: o aluno não aprende por que é problema dele? Na verdade, muitos alunos que se saem mal na escola são vítimas da incapacidade do sistema educacional de se ajustar às diferenças individuais e culturais. PARADA PARA REFLEXÃO Ressaltamos que todas essas possíveis causas são relacionadas, aqui, para que você tenha um entendimento mais aprofundado da questão, visto que desejamos que seja um profissional a favor da promoção de um ensino de qualidade e de um processo ensino-aprendizagem rico e significativo. É importante lembrar que pais, professores e governo, muitas vezes, ficam tentando descobrir o culpado ou os culpados das dificuldades, dos distúrbios ou das deficiências, e, geralmente, questionam: • Será que a culpa foi do médico? • A culpa foi do alimento consumido na gestação? • A culpa é do pai ou é da mãe ausente? • A culpa é da falta de materiais nas escolas? Indagações como essas são naturais, mas não são produtivas. Afinal, descobrir como uma criança veio a ter uma necessidade educacional especial é bem menos importante do que saber como esta afeta a visão de mundo da criança e como encontrar os tipos de apoio e auxílio de que ela necessita. 30 UNIUBE Propostas pedagógicas 1.4 O papel do professor, bem como de toda a equipe escolar, consiste, antes de tudo, em promover, por meio de ações, o apoio e, também, o resguardo do desenvolvimento pleno da criança e do jovem. A ação docente e as relações aluno e professor, na aprendizagem, devem ser movidas de significados tanto para quem ensina como para quem aprende. O professor necessita ser um profissional da educação competente, criativo, seguro e com alto grau de autonomia. O docente deve ter a autonomia de saber construir, com o aluno, aprendizagens significativas, utilizando-se dos conhecimentos científicos. O professor deve saber e dominar tais conhecimentos, articulando-os aos conhecimentos e vivências culturais dos seus alunos, tornando-os aprendizes, criadores de conhecimentos de características próprias. Assim, é também função do professor ter a autonomia de escolher sua metodologia, fazer a seleção de conteúdos e atividades pedagógicas mais condizentes com o interesse dos alunos, com suas necessidades e dificuldades. Nesse sentido, o êxito do professor depende também de sua capacidade de manejar a complexidade da ação educativa e resolver problemas, por meio de uma interação inteligente e criativa, além de uma boa formação inicial e continuada. É exigido do profissional da educação conhecer e observar, constantemente, seu aluno, compreender os contextos sociais e as questões contemporâneas com as quais ele e seus alunos estão ampliando a concepção de educar para além do instruir; deve também zelar pela qualidade das relações afetivas e dos valores que permeiam as relações sociais na escola. É importante ressaltar as trocas, o trabalho coletivo, aperfeiçoando-se profissionalmente, individualmente e na troca com seus pares. É preciso pensar que, em nossas escolas, a realidade educacional está estampada e o colorido relativo à diversidade de culturas e formas de aprender nos pede ações pontuais e processuais. No entanto, é preciso que voltemos o olhar para as práticas pedagógicas exercidas dentro das UNIUBE 31 escolas e nos esforcemos para que, por meio delas, consigamos atingir todos os nossos alunos, inclusive os alunos com necessidades educacionais especiais, que tanto já sofreram e têm sofrido com uma educação excludente. Nesse sentido, iremos pontuar, para você, alguns conhecimentos para os quais o professor necessita estar mais atento, objetivando uma prática pedagógica de qualidade. 1.4.1 Primeiro passo Uma vez já detectada a dificuldade, os distúrbios ou as deficiências, é preciso que a equipe escolar elabore ações específicas para esses alunos, a fim de atendê-los em todas as suas dificuldades escolares. É preciso pensar: • De que serviços especiais o aluno necessita e quem oferecerá? • Que turma será mais apropriada para a criança frequentar? • Que tipo de acomodações ou modificações específicas serão feitas para a criança? • Que equipamento especial ou apoio técnico (se forem necessários) serão oferecidos? • Que objetivos serão estabelecidos? Após esse levantamento, deverá ser feito o registro dos resultados e a proposta ser iniciada. Nessa proposta de trabalho, segundo Smith e Strick (2001), é importante estar bem claro que o trabalho deverá ressaltar: a) As habilidades básicas: incentivar as habilidades básicas (leitura, escrita e execução de cálculos). Textos e materiais didáticos especializados são necessários. Essas habilidades devem ser ensinadas em nível adequado de desenvolvimento de cada aluno, oportunizando-lhe a aquisição de novas habilidades. Geralmente, esse tipo de ensino deve ser oferecido individualmente ou em pequenos grupos, pois necessita ser monitorado e mediado atentamente pelo professor. Muitos estudantescom dificuldades mais graves e/ou deficiência não conseguirão soletrar bem, e a matemática de nível avançado sempre será um mistério para 32 UNIUBE alguns. Nesses casos, é importante ensinar outras estratégias e habilidades, pois até mesmo uma pessoa que não sabe ler ou escrever pode educar-se, se conhece outros meios de obter e dar informações. A tarefa da escola é ensinar ao aluno com deficiência exatamente quais são esses outros modos. b) Permitir que o aluno acompanhe sua classe: às vezes, será necessário modificar as tarefas acadêmicas para os alunos com deficiências no processamento de informações. Algumas orientações importantes: Na sala de aula: • permitir assentos preferenciais; • permitir tempo extra para a resposta às questões e para completar o trabalho escrito; • providenciar cópias de anotações de laboratórios ou de palestras; • permitir o uso de gravador para o registro da aula; • permitir o uso da calculadora; • providenciar o acesso ao computador; • permitir atividades alternativas (exemplo: pedir ao aluno que prepare um vídeo em vez de um relato por escrito); • oferecer instruções tanto de forma oral como por escrito; • oferecer auxílios visuais melhores e em maior quantidade (dependendo do tipo de deficiência); • designar parceiros de estudo, para ajudar com as tarefas ou matérias particulares; • realizar pré-leitura do material escrito e discutir o conteúdo do texto. Nos testes: • permitir horários flexíveis (o aluno poderá fazer os testes em duas ou mais sessões e horários diversificados); • permitir que as instruções e as questões sejam lidas para o aluno; • reformular as questões em uma linguagem mais simples, se necessário; UNIUBE 33 • permitir que o aluno responda às questões oralmente em vez de por escrito; • elaborar testes com respostas curtas (verdadeiro/falso ou múltipla escolha); • permitir que os testes sejam realizados no computador; • reduzir o número de questões ou problemas. Deveres de casa: • entregar as tarefas de casa por escrito com regularidade diária ou semanal; • providenciar livro-texto gravado em fita; • permitir que todo o texto ou parte dele seja lido para o aluno; • permitir que os textos sejam escritos em uma linguagem mais simples; • permitir que o aluno registre sua tarefa em áudio em vez de por escrito; • permitir que o aluno dite seu trabalho a um escriba; • não reduzir a nota ou tirar pontos por erros de ortografia. Esses apoios visam ajudar os alunos a acompanhar o conteúdo de aula e, ainda, contribuir favoravelmente para que a escola cumpra sua tarefa. É importante ressaltar que é necessário estimular muito o aluno a fazer o máximo que puder, de atividades e tarefas, seguindo a mesma metodologia da turma, em sala de aula, porém as modificações e ajustes serão bem-vindos sempre que necessário. c) A utilização de estratégias apropriadas ao aluno com dificuldade: geralmente as crianças com dificuldades de aprendizagem, distúrbios ou deficiência têm problemas para aprender habilidades de organização e de manejo do tempo, hábitos efetivos de estudo, métodos para aumento da memória, estratégias de solução de problemas e tomada de decisões e habilidades de autodefesa. o que os pais e professores devem fazer é servirem de apoio, ficando ao lado, evitando assumir o comando, o que é a tendência mais natural que conhecemos. Quando bem estimulados 34 UNIUBE e bem trabalhados na infância, à medida que essas crianças vão crescendo, elas próprias vão descobrindo estratégias de memória, de adaptação, resolução de problemas e socialização. 1.4.2 Conhecendo as necessidades fundamentais da criança na educação infantil As propostas curriculares para as crianças com necessidades especiais se baseiam nas propostas já estabelecidas pelo MEC, como, por exemplo, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, para a pré-escola e creches. Então, a proposta de atendimento às crianças com necessidades educacionais especiais seria a flexibilização das metodologias a serem aplicadas nas atividades da prática educativa. O que se diferencia nas propostas para esses alunos são os objetivos didáticos e os tipos de ajuda que cada aluno pode requerer em função de suas necessidades educacionais individuais. As crianças com qualquer deficiência, independentemente de suas condições físicas, sensoriais, cognitivas ou emocionais, são crianças. Crianças que têm as mesmas necessidades básicas de afeto, cuidado e proteção, e os mesmos desejos e sentimentos das demais crianças. Mais importante que a caracterização da deficiência, das dificuldades ou limitações, é procurar compreender a singularidade da história de vida de cada criança; suas necessidades; seus interesses; como interage, como se relaciona com as pessoas, objetos e com o conhecimento. IMPORTANTE! Em seus estudos, em outros capítulos, o brincar e a socialização da criança foram amplamente ressaltados. Entretanto, consideramos importante trazer para nossa discussão a importância do brincar e da socialização para o desenvolvimento infantil, mas, dessa vez, com especial realce para as crianças com necessidades educacionais especiais na fase da Educação Infantil. UNIUBE 35 O brincar O brincar da criança, do nascimento aos seis anos, tem um significado especial para a psicologia e para a educação, em seus múltiplos e diferentes enfoques. Segundo oliveira (2000, p. 15), o brincar é: • condição de todo o processo evolutivo neuropsicológico saudável, que se alicerça neste começo; • manifestação da forma com que a criança está se organizando sua realidade e lidando com suas possibilidades, limitações e conflitos, já que, muitas vezes ela não sabe, ou não pode, falar a respeito deles; • introdução da criança de forma gradativa, prazerosa e eficiente ao universo sócio-histórico-cultural; • mediador e facilitador do processo ensino- -aprendizagem oportunizando a construção da reflexão, da autonomia e da criatividade. Como podemos perceber, o brincar é uma atividade altamente significativa para a formação da personalidade da criança, oportunizando- -lhe a sociabilidade, a criatividade e a autonomia e, ainda, auxilia na identificação, no controle e na canalização de impulsos provenientes de fantasias agressivas. É importante afirmar que, nesse processo, a motricidade e a capacidade de representar a realidade se entrelaçam num movimento dinâmico, no qual esse movimento forma e reflete a estrutura mental da criança. Após toda essa reflexão da importância do brincar para a criança, vamos pensar em uma criança ao nascer. Ela nasce com a capacidade cognitiva e motora inata a ser desenvolvida. Tratando-se de uma criança “normal”, essa capacidade é imensamente grande. Tratando-se de uma criança especial, ela é “indefinida”, nunca sabemos qual será a sua capacidade de desenvolvimento! As crianças, convivendo com pessoas, objetos, lugares e situações em casa, na escola e em outros ambientes sociais vão aprimorando suas capacidades e habilidades. Mas como acontece com as crianças com necessidades educacionais especiais? Acontece do mesmo jeito? Sim, da mesma maneira, se dermos a ela oportunidade de brincar! 36 UNIUBE Uma criança “normal” explora o ambiente, arrasta-se até o objeto de interesse, pega esse objeto, joga-o pelo chão, coloca-o na boca... E o que ela aprendeu com a brincadeira? Durante a exploração que fez do objeto, recebeu informações quanto à forma, ao tamanho, à textura, ao gosto, à temperatura, ao peso e outras. Adquiriu noções de peso, de força, de velocidade e de distância, enfim, todos esses conteúdos vão se aprimorando com a constante exploração do mundo pela criança. O que acontece com a criança com necessidades educacionais especiais? Como ela vai brincar se não anda, ou não controla os movimentos de seu corpo, ou mesmo não demonstra interesse pela brincadeira, devido à grande deficiência intelectual que apresenta?Para que ela tenha a oportunidade de brincar e explorar as coisas do mundo, temos que levá-la até essas coisas ou trazer essas coisas até a criança. oportunizar estímulos, auxiliando-a na exploração, chamando a sua atenção para eles, ajudando-a a manuseá-los quando necessário. Ainda, é importante ressaltar que na brincadeira não devemos limitar o espaço físico da criança, mesmo que ela não se locomova. Toda vez que a criança tiver condições de escolher a brincadeira, quando conseguir indicar de alguma maneira o que deseja fazer ou então souber escolher entre duas opções oferecidas a que mais lhe agrada, sua vontade deve ser respeitada. Mas, se ela não tiver condições de externar sua vontade ou preferência, temos que escolher por ela e ficarmos atentos às suas reações. Nessa situação, o adulto deverá explicar à criança, com antecedência, todos os passos da brincadeira que irão fazer. Isso ajuda a criança a entender o que vai acontecer e planejar suas ações. A socialização A socialização é fundamental para o desenvolvimento psicológico saudável, bem como para a formação humana dos sujeitos. É também na convivência com o outro que aprendo a me tornar homem. Esse assunto também já foi alvo de grandes reflexões em seu curso, mas, agora, o articularemos às crianças com necessidades especiais. UNIUBE 37 Nos passeios e na convivência social com outras crianças em espaços públicos, o que mais dificulta a socialização das crianças com deficiência é a dificuldade de transporte, locomoção, as barreiras arquitetônicas e a falta de adaptações nos banheiros e repartições. Outro motivo a ser destacado é que alguns pais têm dificuldade em aceitar a deficiência e sentem constrangidos com “olhares diferentes” das pessoas, tendo vergonha de passear com seu filho em público. Entretanto, na escola, mesmo ainda sendo um processo em construção, isso se torna bem mais fácil, pois as crianças dificilmente rejeitam a convivência com as crianças com deficiência. As experiências que temos observado é que o ganho tem sido muito grande por ambas as partes. O colorido da diversidade tem feito os profissionais da educação buscar mais conhecimentos e informações, os alunos aprendem com a diferença e as famílias se sentem mais seguras em confiarem seus filhos a uma educação mais aberta e flexível. 1.4.3 A importância do estudo das funções cognitivas segundo Feuerstein para a prática pedagógica Considerando todo o estudo até agora realizado, vamos agora partir para o eixo de atuação pedagógica diante das necessidades educacionais especiais. Iniciaremos a reflexão trazendo para o nosso texto a teoria que Reuven Feuerstein defende: a aprendizagem mediatizada. Já está incorporada na fala dos profissionais da educação a necessidade de conhecer o aluno e sua realidade, para se planejar e chegar a uma aprendizagem significativa. Mas também sabemos que essa fala muitas vezes não vira atitude, não sabemos se por falta de vontade ou de conhecimento. Para conhecer o aluno é preciso saber também como essa criança ou jovem organiza suas habilidades cognitivas e como lida com elas na resolução de problemas em seu cotidiano. o estudo que vamos abordar, agora, analisa as particularidades do pensamento dos indivíduos com defasagens significativas no desenvolvimento intelectual, de acordo com Feuerstein. 38 UNIUBE O trabalho de Feuerstein é um estudo que nos leva a compreender os impedimentos no desenvolvimento cognitivo que inclui as crianças com dificuldades escolares até os casos específicos da deficiência mental. Esse estudo ressalta as deficiências nas funções cognitivas dos alunos que têm necessidades educacionais especiais. É importante ressaltar que [...] Feurstein constitui um erro diagnosticar, em crianças com dificul-dades cognitivas, o baixo rendimento escolar como mera ausência do conhecimento ou como simples reflexo de um baixo nível intelectual. Em sua opinião, deve-se antes, averiguar quais funções deficientes prejudicam a ação cognitiva individual (BEYER, 1996, p. 100). Feurstein descreve três fases em que as funções cognitivas das crianças com necessidades educacionais especiais podem estar comprometida. Segundo Beyer (1996, p. 101-102), elas estão dispostas da seguinte maneira: Fase da assimilação. Trata-se da dificuldade da criança na consi-deração inicial do problema proposto (destacam-se, aqui, as tarefas de solução de problemas): a) percepção difusa e superficial; b) consideração impulsiva e não sistemática dos dados; c) conceitos inadequados, limitantes da capacidade de diferencia¬ção; d) ausência ou inadequação de conceitos espaciais; e) ausência ou inadequação de conservação de medidas (tamanho, quantidade, forma); f) necessidade limitada de exatidão ou precisão; g) dificuldade em considerar duas ou mais fontes de informação simultaneamente. Fase da elaboração. Depois que os dados de um problema foram assimilados, a criança demonstra dificuldades para solucioná-lo adequadamente, devido: a) à definição inexata do problema; b) à incapacidade em diferenciar entre informações relevantes e irrelevantes no ato comparativo; c) à limitação no estabelecimento de relações; UNIUBE 39 d) à falta de necessidade em trabalhar com evidências lógicas; e) à falta ou limitação de consciência dos próprios processos de pensamento (debilidade metacognitiva); f) à ausência do pensamento lógico-hipotético, com base no raciocínio “se então”; g) à ausência de métodos para averiguação das hipóteses; h) à ausência ou limitação da conduta cognitiva planejada; i) à precariedade dos conceitos verbais. Fase da resposta. Nesta fase, a criança tem determinadas dificuldades para uma divulgação adequada dos processos elaborados, devido: a) à forma egocêntrica de se comunicar; b) a bloqueios de natureza afetiva ou emocional; c) à conduta do tipo “tentativa e erro”; d) ao vocabulário limitado para poder se expressar adequadamente; e) à incapacidade em manter os elementos visuais abrangidos; f) à conduta impulsiva. Como podemos perceber, a fase da assimilação é caracterizada por problemas que apresentam na fase de introdução, na captação da informação e na apresentação do conhecimento para a aprendizagem. Quando o aluno apresenta um ou mais dos problemas que foram expostos, a assimilação do conhecimento fica comprometida e dificilmente conseguirá chegar absorver o conhecimento, nem tampouco externá-lo. Já na fase da elaboração, chega o momento de a criança elaborar, processar a informação e o conhecimento. Nessa fase, ela deverá fazer comparações, escolhas, levantar hipóteses e articulações com o que já vivenciou e o conhecimento novo. Na fase da resposta, chega o momento de exposição, demonstração e divulgação de todo o conhecimento que assimilou e elaborou. É possível analisar que essa fase está muito ligada à questão da confiança, autoestima e às questões afetivas, emocionais. 40 UNIUBE Acreditamos que esse estudo de Feurstein veio contribuir para a análise das dificuldades específicas de pensamento da criança, e também para auxiliar professores no diagnóstico mais preciso, sobretudo, no planejamento de uma intervenção mediadora específica e individualizada, para superação das dificuldades encontradas. 1.4.4 O trabalho pedagógico com os distúrbios e com a deficiência intelectual A seguir, iremos apontar mais algumas estratégias para atuação pedagógica com alunos com distúrbios de aprendizagem sem a intenção de formatar um programa específico e fechado de intervenção. Sabemos que cada criança é única, mesmo que tenha a mesma dificuldade de outra criança, a história de vida é única, a realidade cultural é outra, portanto, as intervenções são mutáveis, cíclicas e dinâmicas, de acordo com a necessidade de cada uma. Por meio de diferentes estudos, chegamos a destacar algumas características importantes a serem consideradas na atuação pedagógica em relação ao distúrbioda leitura. Segundo Guerra (2002): Distúrbio da leitura O que envolve uma leitura competente: • motivação; • focalizar a atenção no texto; • ver claramente as formas das letras; • mapear as letras da esquerda para a direita com os olhos; • sequenciar letras das palavras, palavras das frases, formando a unidade texto; • as formas das letras têm que ser transmitidas em sequência para o cérebro e a posição exata no espaço; • conseguir a compreensão da unidade texto. UNIUBE 41 Erros mais comuns: • nas palavras que possuem um ponto de articulação comum “d-t” e “c-q”; • inversões de sílabas “sol-los” e “as-sa”; • dificuldade na soletração de palavras monossílabas; • acréscimo ou omissão de sílabas “sapo-sapato” ou “sapato-pato”; • leitura sem ritmo; • confusão na visualização de letras parecidas graficamente “a-o”, “e-d”, “n-h”, “m-n”. Orientações aos pais e professores: • escolher local e horários adequados de estudo e leitura; • escolher o livro adequado para cada dificuldade; • fazer material com melhor impressão M h; • escolher livros com gravuras; • colocar um colega ou ajudante sentando ao lado da criança; • estimular a criança a fazer com que ela acompanhe a leitura com o dedo ou com o lápis posicionado horizontalmente abaixo da linha que está sendo lida; • dividir a leitura em partes; • não se preocupar com a entonação, por enquanto; • ajudar a interpretar o que leu; • evitar comentários negativos; • ler sempre que possível para a criança, para estimulá-la a ler também; • trabalhar de forma lúdica, utilizando atividades prazerosas e jogos com leitura. Distúrbio da escrita • Como pode ser avaliado: 42 UNIUBE • amostra da escrita: três amostras – redação com tema livre, trecho de um ditado e uma cópia de algum material impresso; • verificar a eficiência com que a criança escreve a legibilidade, a postura e a forma de segurar a caneta ou lápis; • ficar atento se há algum dano motor ou visual, se tem alguma debilidade motora, tremor, movimentos involuntários. Características: • dificuldades no controle motor (afeta a maneira como as letras são produzidas); • dificuldade na percepção visual (afeta a maneira como as letras são percebidas, a configuração da letra. Podem sobrepor letras, escrevê-las ao contrário ou deixar longos espaços entre elas); • distúrbios na forma de segurar o lápis; • problemas na memória visual; • problemas de controle espacial. Proposta de trabalho: • Analisar a maneira como a criança senta e segura o lápis. Estimular a criança a segurar o papel com a mão que não escreve; ter um descanso para os pés, caso os mesmos não alcancem o chão. Boa iluminação. • Inicialmente serão produzidas escritas grandes em folhas grandes, mais tarde a criança diminuirá o tamanho da letra e assim é aconselhável folhas com pauta e alinhamento. • Inicialmente traçar com os dedos a forma da letra na areia, andando sobre a forma da letra e por fim a escrita no papel. • As letras com ponto de partida semelhante devem ser ensinadas em grupo, para aprender a forma das letras é preciso traçá-las. • No início da cópia o professor pode valer-se de sinais no papel que possam indicar o ponto de partida de cada letra. • Utilizar também o computador. UNIUBE 43 Distúrbio na ortografia Como pode ser avaliado: • testes que envolvem o ditado; • abordar o reconhecimento da palavra impressa, para verificação da grafia; • diferenciar os tipos de erros ortográficos; • verificar a discriminação auditiva. Características: • erros fonéticos: semelhança visual coma ortografia correta; • erros visuais; • erros de substituição de letras; • erros de inserção ou acréscimo e de omissão; • erros sequenciais. Proposta de trabalho: • trabalhar uma oposição de cada vez; • inicialmente trabalhar com atividades visuais; • trabalhar sempre com apoio visual; • começar trabalhando com palavras inteiras; • trabalhar com recursos visuais aliados aos auditivos; • trabalhar pedaços de palavras. Distúrbio na matemática Como pode ser avaliado: O jogo de regras oportuniza a verificação e compreensão do que a criança já sabe sobre o mundo dos números e como utiliza desses conhecimentos para resolver problemas. 44 UNIUBE • Jogando a criança é capaz de: a) Realizar um número maior de cálculos e de problemas do que quando realiza as tarefas dos livros. b) Exercitar a reversibilidade operatória. c) Expressar-se de modo espontâneo. d) Desenvolver as relações sociais e a própria cidadania. e) Substituir o sentimento de rejeição pelo de aproximação dessa área do conhecimento. f) Ativar a memória. g) Compreender a função social dos números. Características: • problemas nas estruturas do pensamento lógico-matemático; • dificuldades nas funções simbólicas (capacidade geral de compreender e de criar símbolos: expressão corporal, expressão do grafismo, comunicação nas variadas linguagens); • problemas com a linguagem matemática (ideográfica, sistema decimal posicional, combinação dos números naturais e outros). Proposta de trabalho: • análise cuidadosa da exata natureza do problema; • o professor ter uma boa compreensão e relação com a matemática; • trabalhar situações do cotidiano; • seguir os estágios: a) Números, contagem, distribuição, correspondência e ordenação. b) Adição, subtração, multiplicação e divisão. c) Medidas, formas, tempo e dinheiro. • Construção do conceito de número: situações nas quais a criança possa comparar quantidades, observando se tem o mesmo tanto, se tem mais ou menos (isso pode ser observado nas provas de conservação do método de Piaget). UNIUBE 45 • Contagem: valor cardinal e valor ordinal. Contagem mecânica, um a um e contagem compreensiva (de dois em dois, cinco em cinco, dez em dez). • Notação numérica: partir da ideia de que nosso sistema é decimal posicional, permitindo que a criança expresse suas hipóteses através de registros numéricos. • Operações e resolução de problemas: trabalhar a compreensão dos enunciados dos problemas, propor atividades que antecipem mentalmente as operações e as atividades que ajudem na sistematização das operações. Trabalhar a mútua relação da linguagem escrita com a linguagem matemática. Quando falamos em deficiência de aprendizagem durante nosso estudo, estamos nos referindo à deficiência intelectual. As barreiras encontradas na deficiência intelectual são barreiras referentes à maneira de lidar com os conhecimentos e saberes, que refletem na construção dos conhecimentos escolares. Quando essa educação é trabalhada nos moldes da repetição, treino e adaptação, ela só vem reforçar a condição de deficiente do sujeito. Para que o aluno avance e seja o construtor do seu saber, é preciso que ele passe da ação mecânica e automática para situações de aprendizado/ experiência, que possibilitem a ele a selecionar e optar por meios mais significativos de aprendizagem. A acessibilidade ao conhecimento, nesse caso, não depende de suportes externos ao sujeito; é preciso que ele tome conhecimento daquilo que não sabe e, a partir daí, saia da posição passiva e automatizada diante da aprendizagem para uma postura de apropriação ativa do próprio saber. Segundo documento de educação inclusiva (MEC) – Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental (BRASIL, 2006, p. 18): [...] a pessoa com deficiência mental encontra inúmeras barreiras nas interações que realiza com o meio para assimilar, desde os componentes físicos do objeto de conhecimento, como por exemplo, o reconhecimento e a identificação da cor, forma, textura, tamanho e outras características que ele precisa retirar diretamente desse 46 UNIUBE objeto. Isso ocorre porque são pessoas que apresentam prejuízos no funcionamento, na estruturação e na reelaboração do conhecimento. Exatamente por isso não adianta propor atividades que insistem na repetição pura e simples de noções de cor,forma etc., para que a partir desse suposto aprendizado o aluno consiga dominar essas noções e as demais propriedades físicas dos objetos, e ainda possa transpô-las para um outro contexto. Essa passagem não é algo simples para as crianças com deficiência intelectual, ela exige ações práticas e a coordenação dessas ações em pensamento, o que não ocorre de maneira natural nessas crianças. Essa passagem deve ser estimulada e provocada para que o conhecimento seja interiorizado. Segundo o MEC (BRASIL, 2006, p. 19), o esquema, a seguir, ilustra esse processo de construção mental do conhecimento, desenvolvido pela teoria piagetiana... ... e assim sucessivamente. Fonte: MEC (BRASIL, 2006, p. 19). Caso você queira conhecer o documento Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental (BRASIL, 2006), na íntegra, sugerimos que acesse: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/defmental.pdf> SAIBA MAIS 2º nível 1º nível UNIUBE 47 Diante dessa proposta de trabalho, o atendimento educacional especializado para as crianças com deficiência intelectual vem ao encontro das dificuldades e necessidades dessas crianças, demonstradas na abstração e na ação simbólica. O atendimento educacional especializado é um atendimento feito no contraturno da sala regular com ações que partem da prática da criança até chegarem na ação simbólica e na abstração. Nesse sentido, entendemos o esquema acima como a construção do conhecimento, partindo de ações práticas vividas pelas crianças, e, em seguida, utilizando diferentes linguagens e metodologias para que essas ações vividas sejam relacionadas com os conhecimentos científicos, transformando-os em ações simbólicas e subjetivas. Com base nessa abstração, a criança conseguirá atribuir significados próprios e emitir julgamentos em diferentes contextos. É preciso que o aluno com deficiência intelectual, como qualquer outro aluno, desenvolva sua criatividade, capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo. Geralmente, professores generalizam a capacidade das pessoas com deficiência em nível mais baixo, atitude está carregada de preconceitos e de falta de informações! O professor deve ser, sempre, aquele que busca e acredita na transformação das pes¬soas por meio da educação e também o sujeito que sempre se coloca na posição de aprendiz e crítico de sua prática pedagógica. Conclusão1.5 Neste capítulo, abordamos, inicialmente, a história das necessidades educacionais especiais, para que você pudesse compreender o percurso que a visão educacional das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências teve. Atualmente, os estudos relacionados às necessidades educacionais especiais das crianças estão mais avançados e a prática pedagógica sendo repensada, devido à contribuição de vários segmentos e diferentes contribuições teóricas. 48 UNIUBE Em seguida, abordamos o conceito, a descrição e as causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências. Esse momento de fundamentação de conceitos e compreensão das causas é fundamental para o profissional da educação para ajudá-lo na realização da identificação dos problemas que afetam a aprendizagem. Logo após, refletimos sobre as práticas pedagógicas desfavoráveis e aquelas que mais favorecem as crianças e os jovens com dificuldades, distúrbios e deficiência. Tentamos colocar para você a importância da observação do profissional da educação, nas diferentes manifestações dos alunos, a dedicação aos estudos e buscas de estratégias/ metodologias para cada criança com dificuldade e/ou distúrbio e/ou deficiência. E, para finalizar, deixamos claro que a boa qualidade do atendimento às crianças com necessidades educacionais especiais na escola, mais precisamente na sala de aula, está no momento em que o professor coloca como eixo central, da sua atuação pedagógica, o aluno. Ainda é importante dizer que, ao final de mais um estudo ligado à educação especial, vale ressaltar que a concepção de educação e de metodologia discutida neste capítulo não é a única existente, mas, sim aquela em que acreditamos, pois trabalha com as capacidades e as habilidades das crianças e compreende o indivíduo com ser único e ao mesmo tempo múltiplo. Único, porque somos singulares na construção da nossa cultura, dos nossos valores, das nossas concepções e nossos conhecimentos. Múltiplo, porque somos dotados de diferentes capacidades. Ainda sobre a concepção de educação nessa perspectiva, a inclusão vem contribuir para efetivação de todo esse processo e ainda deixar claro que o professor necessita ampliar seu olhar para todas essas mudanças, colocando-se como sujeito investigativo e crítico. Resumo • Este capítulo teve como finalidade chamar o educador para desenvolver um trabalho de observador e investigador constante, fundamentado na teoria e em uma prática reflexiva. UNIUBE 49 • O início dos estudos das necessidades educacionais especiais partiu do conceito que os estudiosos tinham de criança com lesão cerebral. os momentos foram distribuídos em quatro fases: fase da fundação, fase da transição, fase da integração e fase contemporânea até a atualidade. • Dificuldade de aprendizagem: constitui uma inadequação de rendimento acadêmico, não explicável à base de déficit cognitivo, prejuízo sensorial ou desajustamento emocional. • Distúrbios de aprendizagem: neste caso, as crianças possuem problemas significativos de aquisição e uso das capacidades de compreensão e expressão linguísticas e das operações lógico- matemáticas. Manifesta-se costumeiramente em uma ou poucas habilidades, sendo possível a criança ser ótima em matemática e não conseguir ler e escrever satisfatoriamente. • A deficiência de aprendizagem diz respeito a uma incapacidade intelectual acentuada. Nesse grupo, geralmente estão as crianças com déficits cognitivos. • As causas das dificuldades, dos distúrbios e das deficiências não são muito diferentes umas das outras, mas é possível fazer a diferenciação em relação às causas neurológicas, quanto à intensidade, à localização, ao período e à fisiologia da criança ou do jovem. • O papel do professor, bem como de toda a equipe escolar, consiste, antes de tudo, em promover, por meio de ações, o apoio e também a prevenção do desenvolvimento pleno da criança e do jovem. • A ação docente e as relações docentes com a aprendizagem de seus alunos devem ser movidas de significados tanto para quem ensina como para quem aprende. Atividades Atividade 1 No decorrer da trajetória histórica da visão de dificuldade de aprendizagem, de distúrbios e de deficiências, tivemos quatro períodos bem definidos, são eles: fase da fundação, fase da transição, fase da integração e a fase contemporânea até atualidade. 50 UNIUBE Após seus estudos, enumere corretamente os fatos de acordo com suas fases: 1. Fase Fundação 2. Fase Transição 3. Fase Integração 4. Fase Contemporânea à atualidade ( ) Aprendizagem é vista por diferentes ângulos e dependente de diferentes fatores. ( ) Surgem diferentes programas de formação de especialistas e profissionais. ( ) Surgem vários pesquisadores ligados a diferentes áreas do conhecimento (educação, psicologia e médicos). ( ) As dificuldades, distúrbios e deficiência viram campo de estudo da psicologia e educadores. ( ) Descoberta que o lado esquerdo do cérebro funciona de modo diferente do lado direito. ( ) os estudos de neurologia eram feitos em adultos que perdiam a fala, os movimentos, habilidade de escrever, ler depois de uma lesão cerebral. ( ) Surgem métodos de avaliação e diagnóstico para as dificuldades de aprendizagem, distúrbios e deficiência. ( ) Aprendizagem necessita ser mediatizada. A alternativa correta está contida em: A. 1, 1, 2, 3, 3, 4, 2, 4. B. 2, 3, 4, 1, 2, 3, 4, 1. C. 3, 2, 1, 4, 2, 3, 4, 1. D. 4, 3, 2, 2, 1, 1, 2, 4. E. 4, 2, 2, 3, 1, 3, 2, 4. Atividade 2 A dificuldade de aprendizagem constitui umainadequação de rendimento acadêmico, não explicável à base de déficit cognitivo, prejuízo sensorial, físico ou desajustamento emocional. UNIUBE 51 No texto estudado foi apresentado algumas queixas que pais e professores fazem em relação às dificuldades de aprendizagem. Escreva três características dessas queixas e comente-as, explicando como acontece o problema ou citando um exemplo (na escola ou na família). Atividade 3 As causas das dificuldades de aprendizagem são de difícil especificação e, ao mesmo tempo, o grupo de alunos com esse tipo de necessidade educacional é, sem dúvida, o maior. O desenvolvimento individual da criança, o ambiente familiar e escolar são fatores que podem interferir no processo de aprendizagem. Embora supostamente as dificuldades de aprendizagem tenham uma base biológica, o ambiente da criança determina a gravidade e o impacto da dificuldade. Isso tem demonstrado que alterações no ambiente familiar e escolar da criança fazem uma diferença impressionante no progresso educacional. Diante dessa afirmação, escreva duas situações em que a promoção da aprendizagem possa ocorrer no ambiente educacional. Justifique sua resposta. Atividade 4 No decorrer da trajetória histórica da visão de dificuldade de aprendizagem, de distúrbios e deficiência, tivemos quatro períodos bem definidos, são eles: fase da fundação, fase da transição, fase da integração e a fase contemporânea até a atualidade. Após os estudos realizados, retire três fatos importantes de cada fase. Atividade 5 De acordo com seus estudos, cite três características da dislexia (distúrbio da leitura e da escrita) e três características do distúrbio na matemática. 52 UNIUBE Referências BEYER, Hugo otto. O fazer psicopedagógico. Abordagem de Reuven Feuerstein a partir de Vygotsky e Piaget. Porto Alegre: Mediação, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Educação Inclusiva. Atendimento educacional especializado para deficiência mental. Cristina Abranches Mota Batista, Maria Teresa Egler Mantoan. Brasília: MEC/ SEESP, 2006. Disponível em:<http:// portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/defmental.pdf> Acesso em: 21 jun. 2011. ______. Secretaria de Educação Especial Deficiência mental. organizado por Erenice Natália Soares Carvalho. Brasília: SEESP, 1997. ______. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais. Brasília: MEC, 2000. ______. Ministério da Educação. Saberes e práticas da inclusão. Introdução/ coordenação geral de Francisca Roseneide Furtado do Monte, Idê Borges dos Santos. Brasília: MEC, SEESP, 2003. CARVALHO, Erenice Natália Soares (org.). Programa de capacitação de recursos humanos do ensino fundamental: Deficiência mental. Brasília: MEC/FENAME, 1997. CONDEMARIN, Mabel. Dislexia: manual de leitura corretiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. CRUZ, Vitor. Dificuldades de aprendizagem. Fundamentos. Portugal: Editora Porto, 1999. ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. FONSECA, Vitor da. Educação especial. Programa de estimulação precoce. Uma introdução às teorias de Feuerstein. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. ______. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. UNIUBE 53 GARCIA. Jesus Nicásio. Dificuldades de aprendizagem de matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. GUERRA, L. B. A criança com dificuldade de aprendizagem. Considerações sobre a teoria e modo de fazer. São Paulo: Enelivros, 2002. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: objetiva, 2009. LACERDA, Nilma Gonçalves. Manual de tapeçaria. São Paulo: Revan, 2001. MORAIS, Antônio Manuel Pamplona. Distúrbios de aprendizagem. São Paulo: Editora Edicaon, 1986. OLIVEIRA, Vera Barros de (org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000. RODRIGUES, Maria de Fátima A.; MIRANDA, Silvana de Moraes. A estimulação da criança especial em casa. Entenda o que acontece no sistema nervoso da criança deficiente e como você pode atuar sobre ele. São Paulo: Atheneu, 2000. SMITH, Corine; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z. Um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artmed, 2001. WIKIPÉDIA. Behaviorismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Behaviorismo>. Acesso em: 22 de jun. 2011. ______. Memória de trabalho. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/ wiki/Mem%C3%B3ria_de_ trabalho>. Acesso em: 22 jun. 2011. ______. O cérebro humano. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/C %C3%A9rebro_humano>. Acesso em: 22 jun. 2011. ______. Teoria Inatista. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_inatista>. Acesso em: 22 jun. 2011. Mônica Corrêa Avelar Introdução Interesses e necessidades de crianças superdotadas e talentosas Capítulo 2 É um enorme prazer estarmos juntos para dialogarmos e ampliarmos nossos conhecimentos sobre os interesses e as necessidades de educandos que possuem altas habilidades, superdotação e/ou talento. Para tanto, elucidarei no decorrer deste capítulo fatores inerentes ao reconhecimento, à identificação, à compreensão, à orientação e, sobretudo, à atuação pedagógica que tem como meta a estimulação das potencialidades, das habilidades e dos talentos desses alunos. Começaremos nossa conversa fazendo uma pequena retrospectiva histórica a respeito dos estudos de pesquisadores que abordaram o tema no Brasil e no mundo, depois, em um segundo momento, vocês irão conhecer o conceito de superdotação/alta habilidade e talento; irão verificar as técnicas e os instrumentos usados para a identificação; conhecer os aspectos emocionais, as características comportamentais e os mitos em torno desses alunos; e, para terminar, conhecerão os elementos essenciais para atendê-los dentro do contexto educacional. É de extrema importância você, educador, conhecer, saber diferenciar e atuar com tal público. De uma forma poética, podemos pensar que eles são como as estrelas: possuem muito brilho, e, para que este não se ofusque chegando à total falta de luminosidade, se faz necessário ao educador uma prática pedagógica embasada, fundamentada e focada em seus interesses e necessidades. 56 UNIUBE Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • identificar os alunos superdotados, talentosos e/ou auto- -habilidosos; • compreender os interesses e necessidades educativas desses alunos; • conhecer os processos pedagógicos mediacionais e/ou intervencionais, para esses alunos. 2.1 Uma breve visão histórica da superdotação 2.2 Desmitificando conceitos 2.2.1Aspectos de notável desempenho e elevada potencialidade de crianças superdotadas e talentosas 2.2.2 Perfis individuais em relação à superdotação/talento 2.3 Identificando os mais capazes 2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.) 2.3.2 Técnica da autoidentificação 2.3.3 observação com base em checklist 2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/ superdotação 2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação e talentos 2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos no contexto educacional 2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo curricular 2.5.3 o atendimento oferecido pelas salas de Atendimento Educa cional Especializado (AEE) – salas de recurso 2.6 A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem Objetivos Esquema UNIUBE 57 2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de aula? Qual é o papel da escola? 2.8 Conclusão Quando se fala em educação inclusiva, pensa-se, num primeiro momento, que ela está relacionada apenas a alunos com deficiência mental, auditiva, visual ou física. Porém, é esquecido que, assim como essas crianças, há os educandos superdotados,talentosos e portadores de altas habilidades. Par tindo dessa premissa, pergunta-se: Mas quem são esses alunos? Como identificá-los? E, principalmente, como atendê-los? Você está agora sendo convidado(a) a conhecer um pouco sobre esses alu nos para compreender e refletir sobre as necessidades educativas que eles requerem, assim como os deficientes físicos, sensoriais e mentais. Uma breve visão histórica da superdotação 2.1 Foi na Grécia que surgiu os primeiros registros históricos sobre superdotação. Platão chamava as crianças superdotadas de crianças de ouro e salientou a importância de um diagnóstico precoce, ainda na infância também defendia a ideia de que estas tivessem um programa que as preparasse para se tornarem líderes (SOUZA, 2002). Já nos séculos XV e XVI, esses indivíduos eram considerados um perigo para a as pes soas e eram vistos como seres do mal, chegando a serem comparados com demônios e vistos como doentes mentais. Francis Galton, cientista na Inglaterra no ano de 1869, após seus estudos, editou um livro (O gênio hereditário) em que enfatizava o fator genético da superdotação, ou seja, dizia que a superdotação era hereditária. Posição que alguns teóricos defendem. 58 UNIUBE Alfred Binet, pedagogo e psicólogo, e Theodore Simon, psicólogo na França, em 1905, desenvolveram o primeiro teste de inteligência, nomeado de a “Escala Binet” e come çaram a aplicá-la em crianças com dificuldades de aprendizagem. William Stern, da Alemanha, em 1911, desenvolveu em seus estudos o conceito e a fórmula do Q.I. (quociente mental). Este assunto será abordado com mais detalhes, posteriormente, no item identificação. Em 1916, Levis Terman, psicólogo norte-americano reviu a escala de inteligência de Binet e, em 1921, iniciou uma pesquisa com crianças com Q.I. acima de 140, na qual concluiu que o Q.I. aumentava ao longo da vida. Estudou também o fator socioafetivo dos superdotados. As pesquisas de Terman foram longas, abrangendo em torno de seis décadas. Entre 1930 e 1940, no Brasil, Helena Wladimirna Antipoff, psicóloga e pedagoga russa, fundou a primeira sociedade Pestalozzi para atender crianças com deficiência. Antipoff ressaltou também a importância de desenvolver ações que atendessem aos superdo tados. Leta Hollingworth, psicóloga americana, na década de 1940, descobre em suas pesquisas o fato de alunos superdotados apresentarem “problemas de adaptação” devido a: tratamento inepto por adultos e falta de desafio intelectual. A autora enfatiza a necessidade da escola em educar e treinar essas crianças, levando em conta os fatores afetivos, sociais e emocionais. Na década de 1960, no Brasil, em Minas Gerais, Helena Antipoff, em uma fazenda do estado, cria um Programa de Atendimento ao Aluno Superdotado. Em Israel, no ano de 1975, ocorreu a primeira Conferência Mundial sobre Superdotação. No Brasil, no ano de 1976, a Fundação Educacional do Distrito Federal deu início ao Programa para Atendimento ao Superdotado e, em 1978, criou a Associação Brasileira para Superdotados. Em 1983, Howard Gardner lança o livro Estruturas da mente e revoluciona o conceito de inteligência, pois aborda a teoria das inteligências múltiplas UNIUBE 59 que dimensiona sete inteli gências (inteligência visual/espacial, inteligência musical, inteligência verbal, inteligência lógica/matemática, inteligência interpessoal, inteligência intrapessoal e inteligência corpo ral/cinestética). Gardner propôs também mais duas inteligências (a inteligência naturalista e a inteligência existencialista). Essa foi uma pequena mostra da visão histórica da superdotação. Caso queira aprofundar mais seus estudos, indicamos o site a seguir: <www.derbp.com.br/praticas_educacionais_superdotados.ppt> Esse site é da diretoria de ensino da região de Bragança Paulista. O mesmo possui uma sessão chamada “oficina pedagógica” que apresenta materiais diversos sobre alfabetização, artes, tecnologia educacional, ciências, biologia, física, entre outros, inclusive sobre educação especial. Dentro do item educação especial há vários materiais e orientações sobre esse tema. Há um subitem do tópico educação especial que se chama orientações técnicas, onde encontramos alguns slides sobre a história da superdotação, assim como outros materiais. Para acessar os slides sobre a história da superdotação, você deverá entrar em “orientação técnica de 29-04-2009/ superdotação-altas habilidades”. Vale a pena ser lido pelas pessoas interessadas e comprometidas com a educação desses alunos. SAIBA MAIS Desmitificando conceitos2.2 É comum ouvirmos notícias de crianças com idades entre um ano e meio e dois anos que leem com rapidez e fluência, que conhecem os países, suas respectivas capitais e bandeiras, que possuem habilidade significativa em cálculos matemáticos, não é mesmo? Na maioria dos casos, a família alega nunca ter ensinado a criança a ler, a escrever e a contar. Mas será que realmente nunca oportunizaram a elas a manipulação de livros e ou algum tipo de treinamento? 60 UNIUBE Casos como esses geralmente aparecem na mídia e tanto os pais quanto as emissoras de televisão se engrandecem muito com tal situação. Entretanto, precisamos ficar atentos, pois, essas crianças podem estar apresentando uma precocidade, e, ainda, não se pode identificá-las como superdotadas, talentosas ou portadoras de altas habilidades. Devemos analisar criteriosamente tais episódios, pois eles podem ser significativos para a identificação e diagnóstico da superdotação e altas habilidades em crianças com menos de sete anos. Sendo assim, um fator extremamente importante para a identificação de superdotação e/ou altas habilidades com crianças da Educação Infantil é a observação sistematizada. Essa observação deve ter o intuito de verificar se os seus traços superiores apresen tados são consistentes e irão continuar. Precocidade Chamamos de precoce uma criança que apresenta alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento. Uma criança prodígio e com uma habilidade excepcional foi Wolfgang Amadeus Mozart, que começou a tocar piano com três anos, aos quatro aprendia peças com facilidade e rapidez e, aos sete, já compunha e fazia apresentações. Mozart foi capaz, também, de após ouvir uma peça inteira apenas uma vez, retê-la na memória e reproduzi-la sem cometer erros. Assim como Mozart, temos Picasso, Einstein, entre outros considerados gênios na história da humanidade, pois além de serem “excepcionais”, deixaram marcas na História. EXEMPLIFICANDO! Veja que há diferenças entre o ser humano precoce, o prodígio e o gênio: Precoce: crianças que apresentam alguma habilidade prematuramente em qualquer área do conhecimento, como uma criança que lê entre três e quatro anos ou um aluno que ingressa na universidade aos onze. UNIUBE 61 Prodígio: crianças que realizam algo anormal para sua idade, que demonstram desem penho superior ao nível de um profissional adulto em qualquer área, por exemplo Mozart que tocava piano aos três anos, aos quatro anos, sem orientação formal, já aprendia peças com rapidez, e aos sete já compunha e realizava apresentações. Gênio: é aquele que não apenas possui um talento relevante como também o utiliza de forma produtiva, gerando obras de valor. A superdotação intelectual não pode ser tratada como sinônimo de genialidade, pois indica apenas um dado tipo de capacidade mental, enquanto a genialidade resulta de uma condição de intelecto, condições socio econômicas, culturais, motivação e trabalho duro. No Brasil, em 1995, a partir das Diretrizes Gerais para o Atendimento Educacional aos Alunos Portadores de Altas Habilidades, Superdotação e Talentos, estabelecidas pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e Desporto, foi proposta a seguinte definição: Alta habilidade refere-se aos comportamentos observados e ou relatados que confirmam a expressãode traços consistentemente superiores em relação a uma média (por exemplo, idade, produção ou série escolar) em qualquer campo do saber ou do fazer. Deve-se entender por “traços” as formas consistentes, ou seja, aquelas que permanecem com frequência e duração no repertório dos comporta mentos da pessoa, de forma a poderem ser registradas em épocas diferentes e situações semelhantes (BRASIL, 1995, p. 13). Podemos ressaltar que essa definição destaca os traços e comportamentos acima da média, relacionando-os à permanência e duração dos mesmos. Superdotados seriam, de acordo com esta definição, aquelas pessoas que apresentam traços consistentemente superiores em relação a uma média e que sejam permanen tes, podendo ser identificados em épocas diferentes. Por exemplo, uma criança que aos dois anos reconhece e nomeia todas as letras do alfabeto; aos dois anos e meio reconhece e nomeia palavras simples; aos três anos lê muitas palavras e aos três anos e meio lê livros fluentemente. 62 UNIUBE 2.2.1 Aspectos de notável desempenho e elevada potencialidade de crianças superdotadas e talentosas A definição de superdotação que consta na Política Nacional de Educação Especial de 1994 diz que crianças superdotadas e talentosas são as que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: Capacidade intelectual geral: capacidade que envolve rapidez de pensamento, com preensão e memória elevados, capacidade de pensamento abstrato. Aptidão acadêmica específica: atenção, concentração, rapidez de aprendizagem, boa memória, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção acadêmica. Pensamento criador ou produtivo: originalidade de pensamento, imaginação, capa cidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora. Capacidade de liderança: sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no grupo. Talento especial para as artes: alto desempenho em artes plásticas, musicais, dra máticas, literárias ou cênicas. Capacidade psicomotora: desempenho superior em velocidade, agilidade de movi mentos, força, resistência, controle e coordenação motora. Assim como nós, os superdotados podem apresentar sentimentos, atitudes e compor tamentos diversificados, o que os caracteriza e os diferencia como pessoa. 2.2.2 Perfis individuais em relação à superdotação/talento Um superdotado/talentoso pode se destacar em uma área ou combinar várias, pode também apresentar graus de habilidades diferenciadas. UNIUBE 63 Destaca-se aqui a questão das características e dos perfis individuais, que são aspectos relevantes com relação à superdotação/talento. Os estudiosos George Betts e Maureen Neihart após anos de estudos, observações, entrevistas distinguem os perfis dos alunos com talentos/altas habilidades e superdotação em seis tipos que são: bem-sucedido, desafiante, escondido, desistente, rótulo duplo e autônomo. Vamos abordar agora um pouco sobre cada um desses perfis, pois estes podem nos auxiliar a compreender o modo de ser e de agir dos alunos talentosos/superdotados, assim como nos ajudar a detectar suas dificuldades, necessidade e interesses. Tipo 1 – Bem-sucedido Com certeza, a maioria dos alunos identificados nas escolas são do tipo bem-sucedido, pois são alunos que se comportam adequadamente ao sistema educacional. Eles aprendem satisfatoriamente e são bem-sucedidos academicamente. Este tipo raramente apresenta problemas comportamentais, pois se preocupa com a aprovação dos profes sores, pais e outros. É perfeccionista, é dependente, tem facilidades para aceitar e se conformar mediante situações novas. Possui autoconceito positivo, culpa-se por faltas e fracassos, é responsável e autocrítico. É um realizador em potencial, é comedido. Não gosta de correr riscos. Na maioria das vezes é amado, querido e admirado pelos colegas, professores e fa miliares. Este tipo de aluno não está bem preparado para os desafios e mudanças de vida e, por isso, necessita de motivação extrínseca, de correr riscos, de se posicionar, de perceber suas próprias deficiências, de ser desafiado, de ter autonomia. Assim terá mais chances de desenvolver sua criatividade, seus dons e talentos de modo pleno. Tipo 2 – Desafiante Este tipo possui problema de disciplina, possui um grau elevado de criatividade, utiliza -se de sarcasmos, gosta de desafiar e corrigir os Perfis São as características gerais de uma pessoa, aspecto, caráter. Informação sobre a estrutura mental de um indivíduo ou de um grupo específico. 64 UNIUBE professores, competitivo, questiona regras e defende suas convicções. Não é um tipo reconhecido pelos professores, pois suas relações sociais na maioria das vezes envolve conflitos. É irritante e rebelde, mas alguns colegas o acham divertido. Tem tendência a se envolver com a delinquência e com drogas, sente frustração, possui baixa autoestima, é impaciente, defensivo, mas tem sensibilidade aguçada, apresenta-se incerto sobre os papéis sociais, possui mu danças de humor, é honesto e direto. Com relação aos hábitos de trabalho, demonstra inconstância e prefere atividades al tamente ativas e métodos questionadores. Dentro das suas necessidades, destaca-se em ações que o levem a aprender autocontrole, a ser mais flexível, a desenvolver sua criatividade, suas habilidades cognitivas e sociais e contratos de comportamentos. É preciso ter uma comunicação clara e direta com esse tipo de aluno, permitindo que ele expresse seus sentimentos. Tipo 3 – Escondido Este aluno geralmente não é identificado, pois é quieto, tímido, ansioso, obediente, inseguro, resistente a desafios. Tem tendência de negar seus talentos para se sentir incluído ao grupo, pois quer ser aceito socialmente. Neste tipo, estão inseridas, na maioria das vezes, as meninas. Pode ser visto pelos outros como líder ou pode simplesmente ser irreconhecido. Possui média escolar boa e é bem-sucedido. É necessário desenvolver ações que proporcionem a este aluno o envolvimento com outros superdotados, liberdade de fazer escolhas, informações sobre universidade e carreira futura, apoio familiar, técnicas e dinâmicas de autoaceitação. Tipo 4 – Desistente Para este tipo de aluno, a escola parece ser irrelevante e hostil, pois seus interesses estão fora do currículo escolar. Sendo assim, não consegue completar as tarefas, seu trabalho é inconsistente e, em sala de aula, fica com o pensamento longe e se isola. Tem tendência a criticar os outros e a si mesmo. Com relação ao rendimento escolar é médio ou abaixo da média. É visto como solitário, desistente, cabeça de vento, pe rigoso e rebelde. UNIUBE 65 É comum adultos demonstrarem nervoso e raiva mediante o comportamento deste tipo de aluno. Para esse aluno, é necessário um programa individualizado com metodologias de estudos não tradicionais e voltados para seus interesses. Tipo 5 – Rótulo duplo Este tipo parece estranho, bobo, não tem poder pessoal, tem baixa autoestima, é frus trado, raivoso e nervoso. Pode apresentar dificuldade de aprendizagem. Pode se sentir desencorajado, rejeitado, impotente e se isolar. Esse aluno pode negar que está tendo dificuldades e alegar que as atividades são chatas. Demonstra trabalho inconsistente e suas notas, normalmente, estão na média ou abaixo. É visto como incapaz e destaca- se pelas suas produções e ações inade quadas, como uma escrita ilegível ou trocas/omissões e distorções de letras, chegando até mesmo a ser encaminhado ao serviço de educação especial. A escola tem tendência a se concentrar nas fraquezas desse aluno e deixa de alimentar suas áreas de interesse e talentos. Para este tipo é necessário dar ênfase nas áreas de seu interesse com o objetivo de desenvolver suas habilidades e seus talentos, colocá-lo em programas para superdotados, proporcionaralternativas de experiências de aprendizagem diversificadas e oportunizar momentos de interação com colegas. Tipo 6 – Autônomo Assim como o tipo bem-sucedido, o autônomo também aprende a trabalhar eficazmente na escola. A diferença é que o autônomo usa o sistema para criar novas oportunidades para si, ou seja, ele trabalha para si e não para o sistema. Possui autoconfiança, autoaceitação, tem motivação intrínseca, aceita os outros, aceita falhas, tem desejo de saber aprender. É aceito e admirado pelos outros devido às suas habilidades. É visto como responsável e capacitado e é psicologicamente saudável. Possui habilidades sociais adequadas, trabalha independentemente, de senvolve seus próprios 66 UNIUBE objetivos, dá sequência às tarefas começadas, trabalha sem aprovação, é criativo, luta por suas convicções, corre riscos, segue suas áreas de paixão e interesse pessoal. Sente-se seguro criando seus objetivos pessoais e edu cacionais. É o tipo que percebe que pode desenvolver mudanças em sua vida e não espera que os outros o façam para ele. Essa “tipificação” não é um modelo diagnóstico de classificação, mas um referencial teórico que tem o objetivo de conscientizar os educadores que esses alunos são influenciados pela família, pelas vivências, por seus relacionamentos, sentimentos e pelo desenvolvimento pessoal de cada um. Conhecer esses alunos e tipos é importante, pois poderá servir como base teórica para a identificação, para orientação às famílias e planejamento educacional apropriado para o aluno superdotado/talentoso. PONTO-CHAVE Joseph Renzulli é psicólogo educacional, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa sobre superdotados e talentosos na Universidade de Connecticut, Estados Unidos. Ele foi pioneiro ao dizer que os comportamentos de superdotação consistem na inter-relação de três traços humanos que são: 1 – habilidade acima da média em alguma área do conhecimento (não, necessariamente, muito superior à média); 2 – envolvimento com a tarefa, motivação, vontade de realizar, perseverança, concen tração; 3 – criatividade, pensar algo diferente, ver novos significados, retirar ideias de um contexto e usá-las. Para ele, superdotados são aqueles que possuem esse conjunto de traços concomi tantemente. UNIUBE 67 Renzulli apresentou a inter-relação desses três traços humanos por uma imagem chamada modelo dos três anéis ou modelo triádico de superdotação. Caso você queira conhecer essa imagem, sugerimos que consulte o texto “o que as palavras querem dizer?”, que corresponde ao Capítulo 2 do livro Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais, de Angela M. R. Virgolim, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial (2007). Na página 36, a autora mostra o quadro 2, “Diagrama da teoria dos três anéis”. O texto está no site da Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE, disponível em: <http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_ view&gid=83&Itemid=91&limit=10&limitstart=0&order=hits&dir=ASC> Vale a pena conferir! PESQUISANDO NA WEB A concepção e os modelos de Renzulli são significativos porque sua definição e seus estudos provaram que os testes de Q.I. eram insuficientes para a identificação dos superdotados. Vamos pensar um pouco? Por que será que Renzulli provou que os testes de Q.I. não eram significativos para a identificação dos superdotados/talentosos? Pense, imagine, discuta com seus colegas. Talvez, vocês consigam responder depois de ler os tópicos seguintes. PARADA OBRIGATÓRIA Vamos continuar refletindo sobre os testes de Q.I. 68 UNIUBE Identificando os mais capazes 2.3 Agora que já sabemos um pouco mais sobre a definição de superdotação/ altas habili dades, temos mais um desafio: como identificá-la? 2.3.1 Testes de inteligência (Q.I.) Há décadas, o processo de identificação era relativamente fácil, pois para tal bastava aplicar os testes de inteligência (Q.I.). O objetivo dos testes de Q.I. é comparar a idade cronológica com a mental. Esse teste foi criado no início do século XX pelos estudiosos Binet e Simon e tinha o objetivo de identificar crianças com retardamento intelectual. No teste, há uma sequência de tarefas que focam as habilidades do indivíduo em pensar, resolver problemas, enfim, raciocinar. As tarefas são de pensamento lógico-matemático, habilidade linguística, pensamento analítico, capacidade de abstração teórica, aptidão escolar, conhecimento e pensamento acadêmico. Com base no desempenho do indivíduo nessa sequência de tarefas é que chegamos à sua idade mental. A pontuação obtida no teste é uma indicação de como está o desempenho do indivíduo em relação à maioria das pessoas de seu grupo de idade. O Q.I. médio varia de 95 a 100 pontos, portanto, a pessoa que obtém essa média tem um nível de inteligência normal. Uma criança de sete anos faz o teste e tem uma pontuação de 160. Isso quer dizer que ela tem 60% a mais de inteligência do que o esperado para as crianças de sete anos. Nos últimos anos, observou-se a ineficácia desses testes, pois, como diz Winner (1998, p. 15): Os testes de Q.I. medem uma estreita gama de habilidades huma nas, principalmente facilidade com linguagem e número. Há poucas evidências de que superdotação em áreas não acadêmicas, como artes ou música, requeiram um Q.I. excepcional. UNIUBE 69 Nesse sentido, há uma parcela da população que não está incluída nessas estatísticas, já que os testes padronizados não privilegiam áreas mais subjetivas, por exemplo, habilidades sinestésicas, musicais e artísticas. A partir desse conhecimento, percebe -se que para a identificação de crianças superdotadas múltiplos critérios devem ser utilizados, considerando-se informações obtidas de fontes variadas, incluindo tanto a criança como seus professores, pais e colegas, além, naturalmente, daquelas obtidas pelo psicólogo por meio do uso de testes. 2.3.2 Técnica da autoidentificação A técnica da autoidentificação é uma das técnicas sugeridas por Guenther (1995) para auxiliar no processo de identificação. Esta técnica consiste em perguntar à criança sobre seus hobbies, interesses principais, atividades desenvolvidas fora da escola, formas de pensamento preferidas, bem como reações a elementos de seu ambiente. A nomeação pelos companheiros de sala de aula dos alunos que se destacam em alguns traços é outro critério que deve ser utilizado no processo de identificação. Essa nomeação refere-se à indicação dos próprios alunos de sala de aula em relação às habilidades dos colegas. Ou seja, pode-se pedir para que respondam, por exemplo, às seguintes perguntas: “Quem consideram o colega mais inteligente?”, “Quem consideram o mais criativo?”, “Quem consideram o mais amigo e preocupado com o bem-estar de todos?” e outras. É muito importante também o julgamento, a avaliação e a observação do professor, pois ele desempenha um papel significativo no processo de identificação. O julgamento do professor é o seu olhar. Quem na sala de aula ele acha mais criativo, por exemplo, quem é o mais interessado, comunicativo etc. O papel do professor também é o de atender às necessidades dos alunos e oportunizar o desenvolvimento de suas potencialidades. 2.3.3 Observação com base em checklist O checklist é uma lista que contém atitudes, interesses, posturas, ações e 70 UNIUBE característi cas comuns aos indivíduos superdotado-talentosos que alguns autores sugerem para facilitar a identificação. Vejamos abaixo algumas dessas características: • o melhor aluno; • aquele com vocabulário maior; • ao aluno mais criativo e original; • ao aluno com maior capacidade de liderança; • ao aluno com pensamento crítico mais desenvolvido; • ao aluno com maior motivação para aprender; • ao aluno que os colegas mais gostam; • ao aluno com maior interesse nas áreas das ciências; • ao aluno que está mais avançado na escola em relação à idade. (ANTIPOFF, 1992, p. 36) Ellen Winner, em seu livro Criançassuperdotadas: mitos e realidades (1998), ressalta também algumas características apresentadas em relação às habilidades escolares e algumas atitudes que a família e o professor devem ficar atentos: • leitura precoce por volta dos quatro anos, ou antes, com instrução mínima; • fascínio por números e relações numéricas; • memória prodigiosa para informação verbal e/ou matemática; • frequentemente brincam sozinhas e apreciam a solidão; • preferem amigos mais velhos, próximos a ela em idade mental; • interessa-se por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais; • apresentam alto senso de humor em decorrência de habilidades verbais. A pesquisadora Zenita Guenther, responsável pela criação do Centro para o Desenvol vimento do Potencial e Talento – CEDET, situado em UNIUBE 71 Lavras (MG), que é uma referên cia no Brasil nessa área, após estudos e pesquisas também desenvolveu e utiliza um checklist para facilitar o processo de identificação. A lista de Zenita contém itens para observação em sala de aula e é composta por ca racterísticas referentes ao talento verbal, talento científico/matemático, talento artístico, talento psicossocial, talento psicomotor e também referente às capacidades de inteli gência geral, de pensamento abstrato e criatividade. A autora ressalta que: não é propriamente o conteúdo de cada item de observação listado que vai pesar como parâmetro de identificação, mas a derivação dos troncos de caracterização de dotados e talentosos, expressos como construtos abstratos, relativos à população escolar (GUENTHER, 2000, p. 175). Ou seja, as características apresentadas, a seguir, deverão ser interpretadas em toda sua totalidade, devem ser analisadas na forma de ser, agir e reagir do aluno. Quando se diz, por exemplo, para indicar o melhor da turma em comunicação e expressão, se faz necessário compreender e analisar de fato como é a comunicação e expressão desse aluno, ou seja: “Por que ele se destaca dos demais nessa área? o que o diferencia? Ele está além do esperado tendo em vista seu contexto, sua realidade? A forma como ele utiliza para se comunicar e expressar é realmente inusitada? Na prática, em relação à ação e aos comportamentos visíveis, como o aluno lida com essa comunicação e expressão?” Portanto, é preciso saber utilizar as listas com coerência, com embasamento teórico e com ética. Vamos então conhecer agora, separadamente, as características de cada talento e capacidade. Inteligência e capacidade geral Está relacionada ao potencial geral, destacando-se a vivacidade mental, automotivação e confiança. A vivacidade mental é reconhecida pela 72 UNIUBE maneira como as crianças expres sam curiosidade, questionam, interrogam, perguntam, enfrentam e apreciam desafios, encontram vias para expressar senso de humor, têm boa memória, domínio sobre um considerável fundo de conhecimento e informações, aprendem, compreendem, apreen dem com facilidade e por vários meios (GUENTHER, 2000, p. 47). A automotivação e a confiança, segundo Guenther (2000, p. 48), é composta por características de crianças que têm “cabeça própria”. Sendo assim, está relacionada à independência, confiança, persistência, segurança, compromisso com a tarefa, res ponsabilidade, tomada de iniciativas, motivação interna. Para serem considerados com esta capacidade, é preciso que os alunos apresentem pelo menos seis das características a seguir: • melhores em atividades extracurriculares; • mais curiosos, interessados, perguntadores; • de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade; • mais persistentes, compromissados, chegam ao fim do que fazem; • mais independentes, iniciam o próprio trabalho e fazem sozinhos; • entediados, desinteressados, mas não necessariamente atrasados; • mais ativos, perspicazes, observadores; • mais capazes de pensar e tirar conclusões; • mais levados, engraçados, “arteiros”; • que o professor considere como mais inteligentes; • que produzem respostas inesperadas e pertinentes. Ou apresentarem quatro das características: • de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade; • mais independentes, iniciam o próprio trabalho e fazem sozinhos; • mais originais e criativos; • mais ativos, perspicazes, observadores; UNIUBE 73 • mais capazes de pensar e tirar conclusões; • que o professor considere como mais inteligentes; • que produzem respostas inesperadas e pertinentes. O talento verbal O talento verbal está relacionado à capacidade acadêmica de se destacar na linguagem verbal, na expressão e na comunicação, seja oral e/ou escrita. A criança com este talento e capacidade sabe fazer uso da língua em nossa realidade com qualidade, propriedade e domínio. Para serem considerados com este talento é preciso que os alunos apresentem pelo menos três das características: • melhores da turma nas áreas de linguagem, comunicação e expressão; • mais verbais, falantes e conversadores; • mais participantes e presentes em tudo, dentro e fora da sala de aula; • mais capazes de pensar e elaborar conclusões; • que o professor considere como mais inteligentes. O talento científico-matemático (capacidade de pensamento abstrato) Este também é um talento acadêmico e está relacionado às habilidades de associa ção, comparação, análise, síntese, raciocínio, lógica, identificação de causas e efeitos e de formação de conceitos. A maioria dos indivíduos com este talento e capacidade apresenta enorme persistência e concentração. Para serem considerados dotados deste talento, é preciso que os alunos apresentem três ou mais das seguintes características: • os melhores nas áreas de matemática e ciências; • de melhor memória, aprendem e fixam com facilidade; 74 UNIUBE • mais independentes, iniciam o trabalho e fazem sozinhos; • mais capazes de pensar e elaborar conclusões; • que o professor considere como mais inteligentes. O talento artístico e ou capacidade criativa Este talento e/ou capacidade relaciona-se com a capacidade de produção, de criação, de originalidade, de autoria. Segundo Guilford (apud GUENTHER, 2000, p. 48), a criatividade é considerada como uma dimensão da inteligência. Já Virgolim (2007, p. 59) comenta que nem sempre a pessoa mais inteligente é a que apresenta as respostas mais originais; da mesma forma, nem sempre a pessoa mais criativa é a mais inteligente entre seus pares. Os indivíduos criativos e com talento artístico são, na maioria das vezes, considerados pela sociedade como estranhos e diferentes, pois possuem pensamento divergente, apresentam inconformismo, são altamente críticos e autocríticos, o que pode gerar conflitos e tensões seja em nível interpessoal como intrapessoal. Embora seja curioso e imaginativo, com inclinação para brincar com as ideias e dar respostas bem-humoradas e diferentes do usual, o estudante criativo muitas vezes é percebido como o palhaço da turma, crítico de si mesmo e dos colegas, sarcástico, bagunceiro, não conformista, desrespeitoso para com as figuras de autoridade e para com as tradições. (CLARK, 1992 apud VIRGOLIM, 2007, p. 59). Para ser considerado com este talento e/ou capacidade, é preciso que o aluno apresente pelo menos quatro das seguintes características: • melhores nas áreas de arte e educação artística; • mais críticos com os outros e consigo próprio; Pensamento divergente É um processo de pensamento cujo objetivo é achar o maior número possível de soluções para um problema. Essa habilidade é usada para gerar ideias e resolver algo criativamente, em oposição ao pensamento convergente, que consiste em achar uma única solução apropriada a um problema. Fonte: Wikipédia, (2011). UNIUBE 75 • mais persistentes, compromissados, chegam ao fim do que fazem; • mais originais e criativos; • mais ativos, perspicazes, observadores; • que produzem respostas inesperadas e pertinentes. O talento psicossocial Este tem a ver com a habilidade de saber relacionar,interagir, viver e conviver em grupo. Está relacionado com a inteligência emocional, que é a capacidade que temos de reconhecer nossos sentimentos e os dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles. o indivíduo que possui este talento apresenta sensibilidade e preocupação com os outros, possui um senso de justiça altamente aguçado e é uma pessoa que valoriza e irradia valores como respeito, bondade e amizade. Para ser considerado com este talento, é preciso que o aluno apresente pelo menos quatro das seguintes características. observe as características que estão em negrito, pois estas indicam capacidade de liderança: • melhores em atividades extracurriculares e extraclasse; • mais participantes e presentes em tudo, dentro e fora da sala de aula; • mais sensíveis aos outros e bondosos com os colegas; • preocupados com o bem-estar dos outros; • mais seguros e confiantes em si; • mais simpáticos e queridos pelos colegas; • capazes de liderar e passar energia própria para o grupo. Segundo Guenther (2000), esta área de talento não assegura bases muitos claras para observação e necessita de melhores definições. O talento psicomotor O talento psicomotor está relacionado ao talento esportivo. O indivíduo que possui esse talento tem habilidades sensório-motoras que proporcionam elevada capacidade de desempenho físico-motor. 76 UNIUBE Para ser considerado com este talento, é preciso que o aluno apresente as seguintes características: • melhores em atividades extracurriculares e extraclasse; • com melhor desempenho em esportes e exercícios físicos; • que sobressaem em habilidades manuais e motoras. É viável que você, educador, indique em cada item os dois alunos da turma, menino ou menina que se destacam nas características apresentadas acima e é interessante também indicar alguma criança que apresente outros talentos especiais que não foram contemplados na listagem. Guenther, em seu livro Desenvolver capacidades e talentos: um conceito de inclusão (2000), diz que o processo de identificação desenvolvido no CEDET, em síntese, constitui-se de três estágios, que são: 1º – a observação direta, registrada pelos professores da sala de aula, orientada pela lista de indicadores, com revisão, reavaliação e complementação das observações dos professores, feita pela equipe técnica da escola; 2º– o acompanhamento da criança pelo facilitador do CEDET, durante o ano de trabalho; 3º– a observação sistemática pelo professor que trabalhou com a criança durante o ano que se segue à primeira observação, em comparação com a nova turma de colegas. Sendo assim, ao final de cada ano, tem-se o olhar de três profissionais que acompa nhou o aluno: 1) o professor que preencheu o checklist no ano anterior, pois este é preenchido no final do ano; 2) o professor da sala de aula do aluno, ou seja, da sala de aula que ele frequentou; e 3) o facilitador do centro (CEDET), que teve o papel de oportunizar situações de aprendizagem, diferenciadas e enriquecidas para o aluno. Estas atividades são desenvolvidas no contraturno no CEDET ou em outras instituições da comunidade parceiras do centro. UNIUBE 77 O conceito de superdotação/altas habilidades evoluiu ao longo do tempo! Saiu de uma concepção unidimensional que se centrava em teste de Q.I. e avaliação de habilidades cognitivas para uma concepção multidimensional que valoriza também a criatividade, as habilidades artísticas, musicais, esportivas e sinestésicas. Com esta nova visão amplia-se o olhar que deixa de enxergar e valorizar somente os talentos acadêmicos! SINTETIZANDO... 2.4 Aspectos emocionais e comportamentais das altas habilidades/ superdotação Você já pensou sobre a vida emocional dos superdotados/talentosos? Será que eles são emocionalmente iguais aos demais? Vamos ver? Existe um mito em relação à vida emocional desses alunos, muitos de nós acreditamos que todos superdotados/talentosos apresentam ótima saúde psicológica, mas estudio sos da área estimam que 20 a 25% das crianças superdotadas apresentam desajustes psicossociais. Hellen Winner (1998, p. 168) diz que embora a maioria das crianças superdotadas sejam social e emocionalmente bem ajustadas, uma minoria bastante substancial de superdotados de fato apresenta problemas sociais e emocionais que se originam das consequências de ser superdotado. Quanto mais elevado o nível de superdotação e abrangência da área de domínio, mais dificuldades em se relacionar, de interagir com os outros são apresentadas, o que consequentemente leva a uma instabilidade emocional. o fato de os alunos superdo tados estarem em outro ritmo de desenvolvimento, por si só, já acarreta dificuldade de relacionamento. A estrutura da personalidade de um aluno superdotado/talentoso é diferente das dos seus pares, pois são alunos que apresentam: 78 UNIUBE • alta motivação − prazer pelo trabalho, levando a excessivo empenho na tarefa/talento; • apreciação por desafios; • perfeccionismo exagerado, medo de não atingir a perfeição; • alta concentração; • autoestima elevada, preferencialmente na área de interesse/talento e atividades acadêmicas; • autoestima baixa nas interações sociais; • independência e teimosia − realizam tarefas de seu jeito; • liderança – domínio e comando de situações; • independência de pensamento e valores – alto nível de raciocínio moral; • inconformismo − alto nível de raciocínio moral; • introversão − dificuldade em se relacionar; • alto poder de criticidade; • agitação; • desatenção; • ansiedade e pessimismo; • sensibilidade; • solidão, necessidade de ficar sozinho. Não podemos dizer que todos os superdotados/talentosos apresentam as mesmas estruturas de personalidade, pois como já foi dito anteriormente existe a questão das diferenças individuais. Cada ser é único e apresenta comportamentos e sentimentos de acordo com suas vivências e experiências ambientais, culturais, socioeconômicas e biológicas. Mas podemos concluir que o superdotado/talentoso que esbanja saúde emocional e social é apenas um mito. UNIUBE 79 Caso queira saber mais sobre a vida emocional do superdotado/talentoso, sugerimos que assista ao filme Maluca paixão e fique atento aos comportamentos e sentimentos da protagonista Mary Horowitz. Apesar de ser uma comédia, fica evidente as dificuldades emocionais e sociais de uma pessoa superdotada/talentosa. Título original: All About Steve País de origem: EUA Gênero: Comédia Tempo de duração: 98 minutos Ano de lançamento: 2009 Estúdio/Distrib.:Fox Film Direção: Phil Traill SAIBA MAIS Agora que você conhece a definição e a identificação de algumas características e comportamentos de crianças superdotadas/talentosas, podemos começar a vislumbrar um trabalho pedagógico e educacional, não é? Vamos lá? Mas antes, vamos refletir sobre esta fala de Albert Einstein sobre nosso papel de edu cadores: Não é bastante ensinar uma capacidade. Através dela o indivíduo pode tornar-se uma espécie de máquina útil, mas não uma pessoa é personalidade a não pessoa harmoniosa. É essencial que o profissio nal adquira compreensão e sensibilidade. Viva para valores... tenha o senso de belo e o do moralmente bom. Se tal não acontecer, com todo seu conhecimento especializado, ele parecerá mais um animal bem treinado do que um Ser humano (GUENTHER, 2000, p. 113). Assim sendo, já que não queremos ser animais bem treinados e somos seres huma nos dotados de compreensão e sensibilidade, vamos conhecer algumas propostas pedagógicas para se trabalhar com nossos alunos superdotados e talentosos para que possamos fazer diferença em nossa prática pedagógica. 80 UNIUBE 2.5 Aspectos pedagógicos das altas habilidades/superdotação e talentos Será que nossas escolas sabem o que fazer com alunos com superdotação/altas ha bilidades e talentos? Assim como existe o mito com relação à vida emocional e social, existem outros mitos com relação às crianças superdotadas etalentosas, tais como: • elas não precisam de ajuda para se desenvolver, ou seja, se desenvolvem sozinhas; • elas são fisicamente fracas; • elas não são produtivas por muito tempo, ou seja, o talento desaparece na vida adulta; • a criança nasce superdotada e permanece pela vida toda e nada poderá modificá-la; • a criança superdotada continuará a demonstrar habilidade intelectual superior inde pendentemente das condições ambientais; • boa dotação é sinônimo de sucesso, alta produtividade na vida; • superdotação é um fenômeno muito raro, sendo poucas as crianças e jovens de nossas escolas que podem ser de fato consideradas superdotadas; • a criança superdotada geralmente tem bom rendimento escolar. Esses fatos precisam ser revistos e repensados por todos e cabe a nós, professores e educadores, uma parcela importante no sentido de reconhecer capacidades e talentos especiais dos alunos. Segundo Charles Schulz, “não existe fardo maior do que um potencial não realizado”, sendo assim, é preciso que aprendamos educar as crianças superdotadas no sentido de orientá-las de modo a aumentar, desenvolver, crescer e aperfeiçoar suas capaci dades e talentos. UNIUBE 81 Charles Monroe Schulz foi um cartunista americano, criador do desenho Charlie Brown e seu cachorro Snoopy, entre outros. SAIBA MAIS 2.5.1 Formas de atender aos alunos superdotados/talentosos no contexto educacional Segundo Gallagher (1985 apud GUENTHER, 2000, p. 60) três elementos são, de uma maneira geral, essenciais para atender a esses alunos dentro do contexto educacional. Veja, a seguir, quais são esses elementos e quais ações cada um deles requer: Modificação do ambiente: agrupar os alunos mais capazes em grupos compatíveis para a realização de atividades paralelas ou integradas ao trabalho regular da sala de aula. Modificação da postura do professor: o professor, na maioria das vezes, procura e oferece respostas para problemas, conceitos e conteúdos colocados em sala de aula. Esta posição deve ser revista: Por que não colocar questões para os alunos em vez de oferecer respostas prontas e acabadas? Desta maneira, eles procurarão por soluções. O ensino deve ser centrado na compreensão da natureza do “problema” em vez de respostas certas. Modificação do conteúdo ensinado: os conteúdos devem enfocar temas maiores, ideias abrangentes que integram uma gama maior de conhecimento, dentro das diversas matérias e disciplinas do currículo. As estratégias mais comuns para a modificação do conteúdo curricular estão centradas na aceleração, no enriquecimento, na sofisticação e na novidade. Todos os elementos citados são fundamentais para a aprendizagem do aluno, mas destaco como mais relevante a modificação do conteúdo ensinado, pois de que adianta modificar o ambiente e a postura do professor sem desenvolver adequadamente estra tégias pedagógicas para a modificação do conteúdo curricular? 82 UNIUBE A seguir, veremos algumas dessas estratégias utilizadas. 2.5.2 Estratégias pedagógicas para a modificação do conteúdo curricular A aceleração A aceleração é uma estratégia que oportuniza ao aluno concluir sua escolaridade em menor tempo. Para isso, deve ser realizada uma avaliação do aluno pela escola que deverá documentar, por meio de registros, o desempenho do aluno a fim de justificar sua aceleração. Esta estratégia está respaldada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 em seu capítulo V, art. 59, inciso II, que diz: II − terminal idade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados. Veja algumas formas de aceleração segundo Freeman e Guenther (2000, p. 110): • entrada mais cedo na fase seguinte do processo educativo, do nível da Educação Infantil em diante; • saltar séries escolares – promoção para séries seguintes; • aceleração por disciplina – frequentar séries mais adiantadas em determinadas disciplinas; • agrupamento vertical – em classes mistas, com ampla variedade de idades e séries, de modo que os mais novos possam trabalhar com os mais velhos e mais avançados; • cursos especiais fora da escola que ofereçam mais conhecimento em áreas curriculares específicas; • estudos paralelos – cursar o Ensino Fundamental e o Ensino Médio ao mesmo tempo, e assim por diante; UNIUBE 83 • planos de estudo auto-organizados – estratégia em que os alunos desenvolvem atividades ou projetos de seu interesse, enquanto esperam o resto da classe completar o que eles já fizeram ou aprenderam; • trabalho com um mentor, especialista de uma certa área de inte resse do aluno, na escola ou fora dela; • cursos paralelos – por correspondência, televisionados ou outra forma de ensino a distância. Segundo Alencar (1986, p. 57), vários aspectos devem ser examinados antes de se iniciar um programa de aceleração. O primeiro deles diz respeito à necessidade de se conhecer as várias habilidades dos alunos intelectualmente talentosos. Um segundo aspecto é com relação ao professor (ou professores) que levará ou levarão a efeito o programa de aceleração. Sendo assim, é preciso ter muita cautela ao optar pela aceleração do aluno, pois é necessário averiguar se esta será realmente benéfica. Os fatores sociais e emocionais influenciam, muito, na construção da aprendizagem, portanto, é essencial analisar a situação em seu todo; verificar se o aluno tem condições de ser acelerado realmente e se a instituição, assim como seus profissionais, está preparada para que esta estratégia traga sucesso e, principalmente, estímulo ao potencial do aluno. Alencar (1986, p. 57-58) ainda coloca que vantagens e desvantagens da aceleração têm sido lembradas por muitos que se dedicam a elaboração de programas para o superdotado. Dentre os argumentos daqueles que se opõem e daqueles que veem muitas vantagens, salientam-se as vantagens e as desvantagens descritas no Quadro 1, a seguir. 84 UNIUBE Quadro 1: Desvantagens e vantagens da aceleração. Desvantagens e vantagens da aceleração Desvantagens É importante manter o aluno com aqueles da mesma idade e nível social e emocional. A criança que salta uma determinada série deixa de aprender uma gama de conhecimentos importantes e necessários. Nunca a aceleração se dá de forma adequada em todas as áreas. Vantagens Este é um método que pode ser usado em qualquer escola. Os alunos intelectualmente superiores tendem a escolher companheiros mais velhos, e a aceleração vai favorecer este contato. A aceleração permite aos estudantes mais capazes dar início à sua vida profissional mais cedo, o que resulta em maior produtividade. Pelo fato de permanecer menos tempo na escola, os custos diminuem. Observam-se menos tédio e insatisfação entre os estu- dantes a quem se permite acelerar nos estudos, os quais percebem o novo programa como mais estimulante e menos enfadonho. O ajustamento social e emocional tem se mostrado superior nos estudantes que participam de programas de aceleração. A aceleração permite que se exija do aluno uma produtivida- de mais de acordo com suas capacidades. Se um estudante inusitadamente brilhante permanece com seus colegas da mesma idade, ele possivelmente achará as tarefas propostas pelo professor muito fáceis e desenvolverá hábitos inadequados de estudo. A oportunidade de interagir e participar de atividades acadê- micas tende a favorecer uma atitude mais responsável por parte do aluno e o estabelecimento de novos propósitos e objetivos. Fonte: Adaptado de Alencar (1986, p. 57-58). Sendo assim, reveja o conceito de aceleração e pense sobre as vantagens e as des vantagens explicitadas. Lembre-se dos conhecimentos que tem acerca da escola e faça a reflexão a seguir. UNIUBE 85 E você, concorda com qual grupo? Reflita, discuta com seus colegas eseu professor-tutor e, caso queira, registre as opiniões em seu caderno. TROCANDO IDEIAS! É muito importante que o educador pense nas vantagens e nas desvantagens da ace leração, especialmente em relação às singularidades do aluno em questão. O enriquecimento O enriquecimento é uma estratégia que proporciona ao aluno o acesso a experiências significativas de aprendizagem, com o objetivo de ampliar, aprofundar e enriquecer o conteúdo curricular e, também, sua área de interesse e talento. Para que tenha um bom resultado, são necessárias orientações sistematizadas. Esta estratégia pode ser desenvolvida individualmente e em grupo com os pares, por meio de projetos orientados por um facilitador ou mediador. Ela poderá acontecer na escola regular, em centros de atendimento, em salas de recursos e/ou com pessoas eminentes na sociedade (mentores). Alencar (1986, p. 59) ressalta que é importante um programa de enriquecimento que proporcione ao aluno liberdade de escolha dos tópicos a serem estudados, a extensão e a profundidade desejadas, permitindo-lhe ainda utilizar seu estilo preferido de apren dizagem. Nesse caso, o papel do professor seria, antes, o de facilitador na identificação de problemas, favorecendo ainda a aquisição de métodos de pesquisa. Em visita ao Centro para o Desenvolvimento do Potencial e Talento – CEDET, de Lavras, MG, tive a oportunidade de acompanhar um grupo de alunos que participavam de aulas na universidade federal. Esses alunos EXEMPLIFICANDO! 86 UNIUBE estudavam, pela manhã, no ensino regular e, à tarde, eram inseridos nos programas de enriquecimento que o centro oferecia, por meio das parcerias com a comunidade e na própria sede. Os alunos se dividiam em dois grupos e iam assistir às aulas no laboratório sobre clonagem de plantas e anatomia. Para fazerem parte dessas aulas de enriquecimento, precisavam frequentar regularmente a escola e ter um rendimento satisfatório. Em meu ponto de vista, essa é uma proposta válida, pois todos, escola, aluno e família se tornam parceiros e corresponsáveis pelo processo ensino-aprendizagem. Renzulli (2004, p. 75), sobre esta estratégia, diz que tem o objetivo de desenvolver o conhecimento e as habilidades de pensamento, adquiridos por meio da instrução formal, com aplicação de conhecimentos e habilidades decorrentes da própria investigação feita pelo aluno. Tais conhecimentos resultam no desenvolvimento de um produto criativo. Um exemplo seria o aluno participar de um projeto que estimule seu talento e sua área de interesse, tendo como objetivo oferecer oportunidades para que ele aprofunde seus estudos, realize pesquisas e chegue a criar e/ ou descobrir algo novo. O autor subdividiu a estratégia de enriquecimento em três tipos, que são: Modelo de enriquecimento tipo 1: atividades gerais de exploração, realizadas através de palestras, excursões, visitas, minicursos, internet, filmes e outros que não fazem parte do currículo regular. Modelo de enriquecimento tipo 2: atividades de treinamento dos níveis superiores de pensamento, como análise, síntese e avaliação. Atividades que desenvolvem habilidades críticas, criativas de desenvolvimento social, pessoal e de liderança. Por exemplo, pesquisas. Modelo de enriquecimento tipo 3: atividades que oportunizem o aluno a aprofundar, a desenvolver, a transformar a informação existente. Neste modelo, o aluno deixa de ser um mero espectador da informação existente. Ele passa a atuar, a agir, a desenvolver algo, a criar. Por exemplo, escrever livros, criar homepage etc. UNIUBE 87 É interessante pensarmos que esses três modelos se complementam e o objetivo é que os alunos cheguem ao modelo três, não é mesmo? Pois queremos que os alunos desenvolvam todo o seu potencial! A compactação do currículo A compactação do currículo é uma estratégia utilizada para oportunizar ao aluno um caminhar mais rápido, perante os componentes curriculares de seu domínio. O currí culo normal é completado em metade ou na terça parte do tempo previsto. Ou seja, é uma forma de tornar compacto os conteúdos do currículo que o aluno já sabe e são desnecessários para sua realidade. Essa estratégia motiva o aluno a prosseguir seus estudos na sala de aula regular, pois o ambiente torna-se mais desafiador e incentivador à medida que o aluno tem a opor tunidade de investir seu tempo em outros tópicos de seu interesse. Segundo Virgolim (2007, p. 62), dois procedimentos são essencias para a compactação do currículo: 1 - Um cuidadoso diagnóstico da situação. 2 - Completo conhecimento do conteúdo e dos objetivos da unidade de instrução. Esses são procedimentos importantes, pois o professor deverá analisar o que o aluno domina realmente e até que ponto, assim como conhecer os conteúdos do currículo em sua totalidade para que seja decidido o que compactar. A compactação oferece ao aluno oportunidades para trabalhar com as estratégias de enriquecimento e de aprofundamento. A compactação do currículo pode sugerir tam bém uma aceleração. Tudo irá depender do diagnóstico realizado pelo professor e do desempenho do aluno mediante ao conteúdo dominado. Se, por exemplo, forem compactadas várias unidades de ciências, caberá ao professor analisar se o aluno deve ser acelerado para o próximo ano, 88 UNIUBE se deverá aprofundar mais o conteúdo ou se deverá aproveitar seu tempo em outro tópico/ disciplina de interesse. 2.5.3 O atendimento oferecido pelas salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) – salas de recurso O Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP), instituiu as salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE é um serviço de caráter complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular, voltado para a formação dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, considerando suas necessidades específicas de forma a promover acesso, participação e interação nas atividades esco lares. Ele perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, sem substituí-los, garantindo o direito de todas as crianças e jovens à educação escolar comum. O AEE é realizado no turno inverso ao da sala de aula comum. Deve ser realizado, prioritariamente, na Sala de Recursos Multifuncionais da própria escola ou em outra sala de ensino regular, podendo ser realizado também em centro de atendimento educacional especializado público ou privado sem fins lucrativos, con veniado com a Secretaria de Educação. No caso dos alunos com altas habilidades/superdotação, são desenvolvidas atividades de enriquecimento curricular a partir das áreas de interesse real e potencial dos alunos. O interesse potencial surgirá a partir das vivências e experiências, desenvolvidas por meio de situações inovadoras, criativas e estimuladoras. Outro objetivo da sala de AEE para essa clientela é promover uma articulação com instituições de ensino, de pesquisa, de artes, de esportes etc., com a finalidade de oportunizar o estímulo e desenvolvimento dos talentos e da capacidade criadora do aluno em questão, pois se o talento não for estimulado, corre o risco de ser desperdiçado. A superdotação, os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem 2.6 Por um bom período de tempo, foi defendida a ideia errônea de que para ser superdo tada a criança deveria ser brilhante em todas as áreas. UNIUBE 89 Você sabia que Isaac Newton tirava notas baixas na escola? Que John kennedy tinha dificuldades em soletrar e baixo rendimento na escola? Que Thomas Edison foi mau aluno e não frequentava a escola, era desinteressado e quem o ensinou a ler foi sua mãe? CURIOSIDADE Apenas, há pouco tempo, que estudiosos começaram a identificar e a reconhecer alu nos superdotados que possuíam distúrbios e dificuldades de aprendizagem. Inclusive, a encontrar alunos superdotados com discalculia, dislexia, disgrafia, problemas de percepção, com déficit de atenção,entre outros. Discalculia: impede a criança de compreender os processos matemáticos. Disgrafia: dificuldade de escrever letras e números. Dislexia: dificuldade em não conseguir identificar símbolos gráficos (letras e/ ou números), tendo como consequência disso a dificuldade na leitura e escrita. Fonte: Psicopedagogia Brasil (2011). EXPLICANDO MELHOR Você pode estar se perguntando, mas por quê? Podemos encontrar alunos superdotados com discalculia, dislexia, disgrafia, problemas de percepção, com déficit de atenção, entre outros distúrbios, pelos seguintes motivos: 1) Por apresentarem uma desordem cerebral que os impeçam de receber, processar e expressar informações, ou seja, apresentam um problema de ordem orgânico/neu rológico. 90 UNIUBE Há indivíduos que se destacam em atividades de raciocínio verbal abstrato, mas não conseguem registrar no papel devido à sua disgrafia. Tais indivíduos podem possuir um problema perceptivo que leve à inversão de letras. EXEMPLIFICANDO! Sobre este assunto, Winner (1998, p. 37) ressalta que: [...] muitas crianças que nós claramente chamaríamos de superdo tadas têm habilidades matemáticas muito mais altas do que verbais e vice-versa. Prodígios em matemática também não tendem a ser prodígios literários; nem prodígios em escrita tendem a se destacar em matemática. Vejam que o aluno pode se destacar em uma área de conhecimento, mas não se des tacar na outra. 3) Por apresentarem transtornos de déficit de atenção e hiperatividade. No caso de transtorno de déficit de atenção, o indivíduo apresenta uma inabilidade de focalizar e, realmente, não consegue prestar atenção. No caso da hiperatividade, ele apresenta um estado físico de agitação, inquietação e impulsividade. É importante analisar se a agitação e a inquietação são de fato problemas orgânicos, pois muitos alunos com superdotação/alta habilidade podem Uma criança aos dois anos sabia ler, mas também apresentou grande fascínio por números. O tempo foi passando e seu interesse por números crescia cada dia mais. Devido a esse fato seu interesse não se estendeu para outras áreas do conhecimento. EXEMPLIFICANDO! 2) Por serem academicamente superdotados, ou seja, por possuírem uma habilidade maior e um interesse em uma determinada área e/ou disciplina. UNIUBE 91 desencadear tais compor tamentos por estarem em um ambiente pouco estimulador e pouco desafiador. 4) Por apresentarem um talento artístico, pois os alunos com esta capacidade, na maioria das vezes, veem, pensam e sentem o mundo por meio de sua arte, deixando para um segundo plano as outras áreas do conhecimento. É como se o mundo para eles girasse somente em torno de seu interesse, de sua habilidade e talento específico. Deixamos a sugestão do filme O som do coração. É um filme sensível e suave, que conta a história de August Rush, um menino que mora em um orfanato e possui alta habilidade musical. Pode-se observar claramente esta questão assistindo a esse filme. O protagonista deixa explícito que escuta música em todos os barulhos de seu cotidiano. Ele diz: “ouça, consegue ouvir a música? Eu consigo ouvi-la em qualquer lugar, no vento, no ar, na luz... está ao nosso redor... a gente precisa se abrir... a gente só precisa ouvir...” Título original: August Rush Lançamento: 2007 (EUA) Direção: kirsten Sheridan Atores: Freddie Highmore, Keri Russell, Robin Williams, Leon G. Thomas III, Terrence Howard. Duração: 100 min. Gênero: Drama SAIBA MAIS Ao ler a biografia de Albert Einstein, percebe-se que ele apresentou problemas escolares, pois não possuía alta habilidade em disciplinas como geografia e história, que exigiam uma boa gestão da memória. Também não se interessava por atividades físicas, mas possuía alta habilidade em matemática e ciências naturais. Para alguns autores, ele possuía características de dislexia, o que podemos verificar no trecho desta reportagem da Revista da Folha (2004), intitulada “Confusão ao pé da letra”, veja: 92 UNIUBE O físico alemão Albert Einstein não falou até os quatro anos de idade; não conseguia ler até os nove. Falhou nos exames de admissão para o colegial e só conseguiu passar após um ano adicional de preparatório. Ao se dedicar à Física, no entanto, seu elevado grau de criatividade permitiu que ele alcançasse voos altos, criando conceitos revolucionários para a época. Veja que a dislexia não tem a ver com falta de inteligência. O disléxico pode ter altas habilidades em outras áreas. Caso você queira saber mais sobre pessoas famosas que apresentam dislexia, sugerimos que acesse o site: http://dislexia.zip.net/ O site é o blog de Fernanda Maria e contém inúmeras reportagens sobre a dislexia. Este blog é muito interessante, pois apresenta reportagens sobre a dislexia, características apresentadas pelo aluno/pessoa disléxica e até dicas de como lidar com eles. o blog indica também outros sites sobre o assunto. Com uma linguagem simples, facilitando o entendimento do tema. PESQUISANDO NA WEB Com certeza, temos muitos alunos em nossas escolas com distúrbios e dificuldades de aprendizagem, mas mesmo assim superdotadas e vice-versa, não é mesmo? É emergencial ficarmos atentos às especificidades e às necessidades desses alunos, pois é preciso saber reconhecer se eles apresentam uma dificuldade, um distúrbio ou se estão apresentando um sintoma de desinteresse e/ou tédio. Contudo, imagine você quantos alunos temos em nossas escolas que se enquadram neste perfil? Quantos alunos diagnosticados somente como hiperativos temos por aí? Será que são somente hiperativos? É preciso analisar cada caso em especial e acima de tudo conhecer as características da superdotação para poder auxiliar na identificação e atendimento. UNIUBE 93 Renzulli e Reis (1985 apud VIRGOLIM, 2007, p. 39) ressaltam que: [...] as pessoas que marcaram a história por suas contribuições e conhecimentos e à cultura não são lembradas pelas notas que obti veram na escola ou pela quantidade de informações que conseguiram memorizar, mas sim pela qualidade de suas produções criativas, expressas em consertos, ensaios, filmes, descobertas científicas etc. Sendo assim, seja qual for a causa é essencial compreendermos que: [...] todo aluno tem direito a um ambiente educacional flexível e responsivo, adaptado ao seu nível de aprendizagem, que permita certo nível de escolha de tópicos do seu interesse e que promova a excelência no estudo (VIRGOLIM, 2007, p. 57). Todos os alunos devem se sentir acolhidos na escola; mais do que isso, devem sentir que a escola está fazendo diferença em sua vida. 2.7 Como trabalhar com os alunos superdotados em sala de aula? Qual é o papel da escola? Vamos iniciar esse tópico, com uma reflexão de Helena Antipoff (1946 apud FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 94), vejamos: [...] que lhes reserva a escola? Ambiente de tédio irrespirável Transforma esses meninos bem dotados Em irriquietos, travessos, improdutivos, Que mestres medíocres são incapazes De manter, sem queixas, Nas suas salas de aula. Muitos estudantes superdotados não possuem experiências escolares satisfatórias e exitosas. Vários pesquisadores relataram o fato de esses alunos se saírem mal na escola e até mesmo se sentirem infelizes. 94 UNIUBE Veja, por exemplo, um pequeno trecho da vida escolar de Einstein: [...] Este gênio do século XX teve uma infância solitária. Gostava de ler e ouvir música, não se identificando com os desportos praticados pelas outras crianças. Einstein sempre demonstrou grande habilidade para a compreensão dos conceitos matemáticos. Com 12 anos de idade aprendeu sozinho Geometria Euclidiana e, quando a sua família se mudou para Milão, em 1894, Einstein dedicou-se à leitura de inúmeros livros de ciências. “o Livro Popular das Ciências Naturais”, escrito por Bernstein, em 1869, é considerado como uma das obras que mais o marcou na sua juventude. Einstein foi sempre crítico dos métodos de ensino praticadosna escola. Apesar de ter fracos resultados escolares, Einstein tinha uma enorme curiosidade em compreender o universo. Apresentou uma postura autodidata, afirmando que “preferiria suportar qualquer tipo de castigo a ter de papaguear as coisas aprendidas” e autoclassificava-se como “livre-pensador fanático”. Terminou a escola secundária em Arrau, Suíça, com boas notas apenas em Matemática. [...] Fonte: E-escola. Disponível em: <http://www.e-escola.pt/personalidades.asp?nome= einstein-albert>. Acesso em: 7 fev. 2011. CURIOSIDADE Mas onde será que está a causa desse problema? Na escola? Nos professores? Nos alunos? Nas políticas públicas? Nas metodologias e nos métodos? Nos currículos? Enfim, inúmeras são as variantes na qual podem estar centradas a resposta, e isso com certeza também dependerá da realidade de cada aluno, das características e especifi cidades de sua superdotação e do contexto ao qual o aluno e a escola estão inseridos. Porém, a maioria dos alunos, quando entrevistados, respondem que a escola é de sestimulante, que não aprendem nada interessante lá, que UNIUBE 95 eles sabem mais que os professores, que as práticas escolares são cansativas e sem sentido, que aprendem mais sozinhos; enfim, que aprendem mais fora da escola que dentro dela. Mas porque será que possuem este sentimento? Devido à rapidez e ao estilo de aprendizagem, as vivências escolares para os alunos mais capazes e bem dotados quase sempre são diferentes daquelas experienciadas pelas outras crianças. Na tentativa de conseguir amigos e se “misturar” melhor com os outros em um grupo comum, os mais capazes podem dissimular e esconder sua excepcionalidade (FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 98). Outro fator que os alunos sempre ressaltam é que os professores e/ ou a escola não proporcionam um ensino diferenciado. Eles acham as tarefas muito fáceis, sem desafios e criticam as metodologias, pois não são inovadoras e tais dissabores podem gerar atitudes negativas como a indisciplina. [...] trabalhando com tarefas demasiadamente fáceis, os mais ca pazes podem então criar seus próprios desafios, tal como testar, ou mesmo quebrar, as regras estabelecidas (KANEVSKY, 1994 apud FREEMAN; GUENTHER, 2000, p. 97). Adotam posturas também de apatia, ficam alheios a tudo, como se estivessem no mundo da lua; o que pode levar a cometerem erros de aprendizagem. Esta também é uma maneira de contornarem o tédio pelas aulas e pelos conteúdos sem significados. Agem dessa forma para aliviar o tédio daquilo que está desagradável e sem sentido ou por estarem envolvidos por pensamentos mais elevados e de seus reais interesses. O professor tem papel fundamental para o desenvolvimento dos talentos de nossos alunos “mais capazes”, portanto, deixaremos como sugestão algumas atitudes e ações que poderão fazer a diferença: • elogiar sempre o aluno, mesmo que seja por um pequeno feito; PONTO-CHAVE 96 UNIUBE • checar, frequentemente, os avanços do aluno; • dialogar com o aluno sobre metas, conteúdos, estratégias de aprendizagem; • utilizar materiais e metodologias diferenciadas que vão ao encontro do talento e interesse do aluno; • possibilitar que o aluno seja “mentor, monitor” na sala de aula do seu conteúdo e/ou área de destaque/talento; • oportunizar que o aluno tenha um mentor na sua área de interesse/talento; • pedir ao aluno que faça uso de autoavaliações; • aceitar e respeitar o aluno mediante sua diversidade. Partindo do pressuposto que a escola é espaço de aprendizagem e construção de co nhecimentos e, com o intuito de oportunizar uma escola mais significativa para todos os alunos, venho propor uma mudança em nossas práticas pedagógicas, tendo como pré-requisito a utilização de metodologias pautadas na teoria das múltiplas inteligências. Armstrong (2001, p. 38 apud VIRGOLIM, 2007, p. 54-55) descreve as necessidades cognitivas específicas do aluno, a partir do seu tipo de inteligência como podemos ver no Quadro 2. Quadro 2: Necessidades cognitivas específicas do aluno, a partir do seu tipo de inteligência. Tipo de inteligência Como as crianças pensam O que as crianças adoram De que as crianças precisam Linguística Em palavras. Ler, escrever, contar histórias, fazer jogos de palavras. Livros, fitas, materiais para escrever, papéis, diários, diálogos, dis- cussões, debates. Lógico- -matemática Raciocinando. Experimentar, questionar, re- solver problemas lógicos, calcular. Coisas para explorar e pensar, materiais cien- tíficos, manipulativos, visitas ao planetário e ao museu de ciências. Espacial Por imagens e figuras. Planejar, desenhar, visualizar, rabiscar. Arte, Legos, vídeos, filmes, slides, jogos de imaginação, labirintos, quebra-cabeças, livros ilustrados, visitas a museus de arte. UNIUBE 97 Corporal- -cinestésica Por sensações somáticas. Dançar, correr, pu- lar, construir, tocar, gesticular. Dramatização, teatro, movimento, coisas para construir, esportes e jogos de movimentos experiências táteis, aprendizagem prática. Musical Por ritmos e melodias. Cantar, assobiar, cantarolar, batucar com as mãos e os pés e escutar. Tempo para cantar, idas a concertos, tocar música em casa e na escola, instrumentos. Interpessoal Percebendo o que os outros pensam. Liderar, organizar, relacionar-se, ma- nipular, mediar, fa- zer festa. Amigos, jogos de gru- po, reuniões sociais, eventos comunitários, clubes, mentores/ aprendizados. Intrapessoal Em relação às necessidades, aos sentimen- tos e aos obje- tivos. Estabelecer ob- jetivos, mediar, sonhar, planejar, refletir. Lugares secretos, tem- po sozinhas, projetos e escolhas no seu ritmo pessoal. Naturalista Por meio da natureza e das formas natu- rais. Brincar com animais de esti- mação, cuidar do jardim, investigar a natureza, criar animais, cuidar do planeta Terra. Acesso à natureza, oportunidade para inte- ragir com animais, ins- trumentos para inves- tigar a natureza, como lupas e binóculos. Fonte: Adaptado de Armstrong (2001, p. 38 apud VIRGOLIM, 2007, p. 54-55). Um trabalho pedagógico desenvolvido a partir da realidade e dos estilos de aprendiza gem dos alunos possui mais chances de ser significativo e prazeroso, pois parte das necessidades cognitivas específicas de cada um. Um professor atento aos interesses dos alunos pode detectar mais prontamente o maior envolvimento do estudante com uma determi nada tarefa, o que pode ser o aspecto que vai levá-lo a desenvolver sua criatividade e habilidades específicas na área de interesse (VIRGOLIM, 2007, p. 62). Cabe ao professor saber reconhecer os estilos de inteligência de seus alunos e possi bilitar um trabalho a partir de seus reais interesses. Dessa forma, temos a certeza de que o sucesso será de ambas as partes. 98 UNIUBE Conclusão2.8 Muito pode ser feito para os alunos superdotados/talentosos, mas é de extrema impor tância estimular ao máximo o potencial e talento dos “alunos mais capazes” por meio de ações, métodos e metodologias adaptadas às suas necessidades educacionais especiais. Não se esqueça de respeitar os interesses, as características e as áreas de talento de cada um, pois somente dessa maneira você poderá oportunizar que as potencialidades desses alunos germinem e se desenvolvam. Podemos comparar o talento como uma semente que ao ser lançada a terra germinará, crescerá, dará flores e/ou frutos caso seja bem cuidada. Renzulli (1981 apud Virgolim, 2007, p. 38) explica-nos: A superdotação emerge ou se esvai em diferentes épocas e sob diferentes circunstâncias da vida de uma pessoa. Assim sendo, os comportamentos de superdotação podem ser exibidos em certas crianças (mas não em todas elas) em alguns momentos (não em todos os momentos) e sob certas circunstâncias (e não em todas as circunstancias de sua vida). Há, com certeza, em nossas escolas, inúmeros alunos esperando apenas por uma oportunidade para demonstrarem todo seu potencial.Sendo assim, por que não apro veitar seus talentos? Vejamos a mensagem de Ângela M. R. Virgolim (2002, p. 5): Você deve sempre estimular a criança, desenvolver sua imaginação. Instigar sua curiosidade para que possa desenvolver sua potenciali dade ao máximo, oferecendo, acima de tudo, compreensão e amor incondicionais, apoiando-a naquilo que a torna única, diferente e, por tudo isso, ESPECIAL. Termino aqui esta pequena reflexão sobre este tema e espero que tenha estimulado você a aprofundar mais sobre este assunto tão fascinante que é a educação dos alunos mais capazes. UNIUBE 99 Resumo A superdotação é caracterizada por traços consistentemente superiores, marcados por uma elevada potencialidade de aptidões, talentos, habilidades e interesses específi cos. Contudo, esses traços superiores devem permanecer com frequência e duração na trajetória do aluno para poderem ser confirmados em épocas diferentes, mas em situações semelhantes. Um superdotado poderá se destacar em uma área ou combinar várias, poderá também apresentar graus de habilidades diferenciadas. Os superdota- dos, assim como outra pessoa qualquer, apresentam características, comportamentos e sentimentos que os diferencia como pessoa. Ou seja, possui uma individualidade, um perfil, um caráter, uma estrutura mental e emocional que revela sua forma própria de ser e estar no mundo. Para reconhecer e identificar um aluno superdotado/talentoso existem várias técnicas, como a autoidentificação, os testes de Q.I., a observação do aluno, tendo como refe rencial os checklists de autores renomados nesta área. Existem muitos mitos em relação aos alunos superdotados e talentosos, fato este que dificulta a identificação e o atendimento desses alunos. Com relação às práticas pedagógicas que podem ser desenvolvidas com nossos alunos mais capazes, temos a modificação do ambiente, a modificação da postura do professor e, no meu ponto de vista, a mais elementar, que é a modificação do conteúdo ensinado. Dentro dela, podemos optar pela compactação do currículo, pelo enriquecimento e pela aceleração do aluno. Todas essas práticas podem ser desenvolvidas na sala regular e/ ou em salas de recurso, tendo como pré-requisito um olhar pedagógico voltado para os reais interesses e as necessidades do aluno. Embora apresentem superdotação/altas habilidades, há alguns alunos que merecem cuidado, pois apresentam baixo rendimento escolar, dificuldades de aprendizagem, problemas comportamentais e distúrbios de aprendizagem que podem ser uma manifestação de desinteresse pelo cotidiano escolar ou realmente ser por um problema orgânico. Finalizando, muito pode ser feito por nossos alunos mais capazes, mas cabe a nós, educadores, identificar, mediar, orientar para que seus talentos se aperfeiçoem e suas capacidades cresçam e se desenvolvam, pois, como diz Charles Schulz: “Não existe fardo maior do que um potencial não realizado”. 100 UNIUBE Atividades Atividade 1 Carlos é uma criança de um ano e meio que fala absolutamente tudo, canta músicas infantis inteiras, expõe opiniões próprias e conta de 1 a 15. Mediante essas caracte rísticas apresentadas por Carlos, podemos considerar que ele é uma criança precoce, prodígio ou gênio? Justifique sua reposta. Atividade 2 Prodígios são crianças que realizam algo anormal para sua idade, que demonstram de sempenho superior ao nível de um profissional adulto em qualquer área. Partindo desse conceito, qual (quais) criança(s) dos casos apresentados a seguir é (são) considerada(s) prodígio(s)? a) Júlia tem cinco anos, aos dois, já conhecia todas as letras, todos os números. Hoje, ela monta quebra-cabeças com facilidade e corrige todas as pessoas ao seu redor que falam o português errado. b) Ana tem seis anos e sempre apresentou facilidade para aprender as coisas, apren deu a ler sozinha aos dois anos. Aos três anos, ganhou um pianinho de brinquedo de sua madrinha, fato este que despertou sua habilidade musical. Ana começou a tocar divinamente sozinha, motivo que levou seus pais a comprarem para ela um piano de verdade. Hoje, Ana toca piano na orquestra sinfônica da cidade, no final do ano irá participar de um concerto na Europa. c) Lucas tem sete anos, sempre se destacou entre as crianças da sua idade. Ele falou e andou muito cedo. Foi para a escola com 1 ano e 9 meses e já possuía conheci mento em relação às cores, formas geométricas, números e letras. Ele não gosta de ir para a escola. Atividade 3 Veja um pequeno trecho da biografia de Bill Gates: “Pai, vou abandonar a faculdade para desenvolver um software.” Bill Gates, o pai, empalideceu quando ouviu a notícia de que seu filho, então com 19 anos, deixaria UNIUBE 101 o curso de matemática em Harvard, Estados Unidos, no ano de 1975, para ir atrás de algo que ele nunca tinha ouvido falar. O plano não parecia inteligente, mas o pai seguiu sua regra de ouro de nunca desencorajar os filhos de seguirem seus projetos pessoais. Disse que fosse atrás do tal software e o garoto prometeu que um dia voltaria à renomada universidade para terminar o curso. Em 7 de junho de 2007, Bill Gates Jr., US$ 56 bilhões e 32 anos depois, fundador do império Microsoft, discursaria em sua cerimônia de formatura em Harvard. “Pai, eu sempre disse que voltaria para pegar o meu diploma”, disse Trey, apelido que ganhou dos avós amantes de jogos de cartas (esse é o nome da carta Três, em inglês) (LUCENA, 2011). Bill Gates é um gênio? Justifique sua resposta Atividade 4 Descreva a definição de altas habilidades, superdotação e talentos, estabelecida pela Se cretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e Desporto do ano de 1995. Atividade 5 A definição de altas habilidades, superdotação e talentos, estabelecida pela Secreta ria de Educação Especial do Ministério da Educação e Desporto do ano de 1995, diz que: [...] os superdotados são aquelas pessoas que apresentam traços consistentemente superiores em relação a uma média e que sejam permanentes, podendo ser identificados em épocas diferentes. Exemplifique a afirmação, apresentando características de uma criança (imaginada ou que você conhece) que apresenta superdotação. 102 UNIUBE Referências ALENCAR, S. E. Psicologia e educação do superdotado. São Paulo: EPU, 1986. ANTIPOFF, Helena. A Educação de bem dotados. Rio de Janeiro: SENAI, 1992. BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Subsídios para a organização e funcionamento de serviços de educação especial: área de altas habilidades. Brasília: MEC/SEESP, 1995. ______. Ministério da Educação. Secretaria Nacional de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, DF, 1994. ______. Ministério da Educação. MEC. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola /leis/lein9394.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2011. FREEMAN, Joan; GUENTHER, Zenita. Educando os mais capazes. Ideias e ações comprovadas. São Paulo: EPU, 2000. GALLAGHER, J.; GALLAGHER, S. Teaching the gifted child. 4. ed. Allyn and Bacon,1985. GUENTHER, Zenita Cunha. CEDET. Um Programa de Atendimento ao Bem Dotado no Brasil. Lavras: UFLA, 1995. ______. Desenvolver capacidades e talentos: um conceito de inclusão. Petrópolis: Vozes, 2000. LUCENA, M. Como criei um gênio. Galileu. Disponível em: <http://revistagalileu. globo.com/ Revista/Common/0,,EMI156889-17933,00-CoMo+ CRIEI+UM+GENIo.html>. Acesso em: 7 fev. 2011. RENZULLI, J. S. The three ring conception of giftedness – a developmental model for creative and productivity. In: STERNBER, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.). Conceptions of Giftedness. Nova York: Cambridge University Press,1986. UNIUBE 103 RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação, e como a desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação. Tradução de Susana Graciela Pérez Barrera Pérez. Porto Alegre – RS, ano XXVII, n. 1, p. 75-121, jan/abr. 2004.REVISTA DA FOLHA. Confusão ao pé da letra. São Paulo, ano 13, n. 627, 4 jul. 2004. Disponível em:<http://dislexia.zip.net/>. Acesso em: 7 fev. 2011. RENZULLI, J. S. o que é esta coisa chamada superdotação e como a desenvolvemos? Retrospectiva de vinte e cinco anos. Revista Educação, Porto Alegre, ano 27 n. 1, p. 75-134, jan./abr. 2004. SOUZA, B. C. Informação e Conhecimento sobre a Superdotação Intelectual: Portal Sapiens. 2002. Disponível em: <http://www.vademecum .com.br/ sapiens>. Acesso em: 25 jan. 2011. VIRGOLIM, Angela M. R. Altas habilidade/superdotação: encorajando potenciais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov. br/ download/texto/me004652.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2011. ______. A criança superdotada em nosso meio: Aceitando suas diferenças e estimulando seu potencial (2002). Disponível em: <www.talentocriativo.hpg.ig.com.br/ Artigos.../A_crianca_superdotada_ em_ nosso_meio.doc>. Acesso em: 29 mar. 2011. WINNER, Ellen. Crianças Superdotadas: Mitos e Realidades. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. Neire Márcia da Cunha Selma Aparecida Ferreira da Costa Introdução Da teoria da mediação à prática da intervenção pedagógica Capítulo 3 No presente capítulo você terá a oportunidade de refletir sobre a mediação e a intervenção como forma de otimizar o processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, será preciso compreender as teorias psicológicas abordadas por Vygotsky, Feuerstein e Wallon, bem como os respectivos enfoques ressaltados por eles quanto aos diferentes caminhos, nem sempre previsíveis, da aprendizagem. É nosso objetivo aliar os estudos científicos que faremos com a prática pedagógica em sala do ensino regular e classes de Atendimento Educacional Especializado. Sugerimos então algumas situações práticas, em que é devidamente aplicável esse referencial teórico. A principal fonte inspiradora foi a prática pedagógica circundada pelas crianças com dificuldades de aprendizagem. A preocupação com uma educação de qualidade e o respeito à diversidade reforçou-nos o desejo de contribuir para a reestruturação de um olhar diferenciado sobre a capacidade do ser humano de modificar-se. Pois, como já dizia Vygotsky (1988, p. 31), “o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”. 106 UNIUBE 3.1 A mediação pedagógica e a aprendizagem 3.2 os processos de aprendizagem 3.3 A função da intervenção pedagógica 3.4 Modificabilidade cognitiva estrutural 3.5 Intencionalidade da ação 3.6 Mediação 3.7 Prática pedagógica 3.8 os dez mandamentos da aprendizagem 3.9 Teoria e prática pedagógica 3.10 Promovendo o desenvolvimento de forma integral 3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon 3.10.2 O movimento e o pensamento 3.10.3 Emoção a afetividade 3.11 Postulado 3.12 Conclusão Esquema Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • compreender o ato da mediação como uma importante estratégia de intervenção; • conhecer os conceitos de mediação segundo Vygotsky e Feuerstein; • identificar conhecimentos necessários ao mediador da aprendizagem. Objetivos A mediação pedagógica e a aprendizagem3.1 Neste capítulo, abordaremos a mediação pedagógica fundamentada nas ideias de mediação descritas por Vygotsky (1988). UNIUBE 107 Com o advento da teoria sociointeracionista apresentada por Lev Vygotsky, iniciou-se uma nova concepção do ensino como sendo um processo social. Consequentemente, ocorre uma inovação no papel da escola, especificamente do professor, que deixa de ser apenas um mero transmissor de conhecimentos preestabelecidos nos currículos escolares para se tornar um agente fundamental na construção do conhecimento de seus alunos, por meio da mediação pedagógica. Um conceito central para a compreensão das concepções vygotskyanas sobre como ocorre a gênese do desenvolvimento humano, principalmente no que se refere aos aspectos da cognição, é a mediação. Ela, em linhas gerais, seria o processo de intervenção de um elemento intermediário na relação estabelecida entre o ensino e a aprendizagem, independentemente do ambiente em que o indivíduo esteja, seja em casa, na igreja, na praça, no trabalho, no cinema, na escola, entre outros. RELEMBRANDO A mediação pedagógica é uma expressão que se refere, de um modo geral, ao relacio namento professor-aluno em busca de uma aprendizagem que se concretize dentro de um processo de construção do conhecimento. O professor mediador assume o papel de facilitador do aprendizado, não no sentido de dar as respostas prontas e resolvidas a seus alunos, e sim aguçando a curiosidade, intervindo, subsidiando as variadas formas de interpretação para que eles encontrem as respostas aos desafios propostos. Ressaltamos que no contexto escolar a mediação também se estabelece na relação aluno-aluno. Consideramos esta relação de grande importância dentro do processo; no entanto, neste capítulo, daremos enfoque à relação professor-aluno. Vygotsky trabalha constantemente com a ideia de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, ou seja, baseada apenas em estímulo e resposta. Para ele, ela é fundamentalmente uma relação mediada por ferramentas auxiliares da atividade humana, as quais ele chamou de instrumentos (elementos externos ao in divíduo) e símbolos (orientadores psicológicos do indivíduo). Ou melhor, os signos são como ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos do indivíduo, como lembrar, comparar, quantificar, relatar etc. Enquanto os instrumentos 108 UNIUBE auxiliam nas ações con cretas, como provocar mudanças nos objetos, controlar processos naturais, entre outros. Em seus estudos, Vygotsky dedicou-se principalmente a compreender o desenvolvi mento dos processos mentais superiores ou funções psicológicas superiores, que seria a capacidade que o ser humano possui de tomar decisões diante de uma informação nova, estabelecendo relações entre os diversos conhecimentos adquiridos. O mais importante desse tipo de comportamento é o seu caráter voluntário, diferentemente das ações condicionadas por reflexos. Dessa forma, fica explícito que o professor deve saber como e onde intervir no processo de aprendizagem de seus alunos, tendo sempre em mente qual o grau de dificuldade/habilidade deles, e quais procedimentos didático-pedagógicos poderá lançar mão para que o aluno avance em seu desenvolvimento cognitivo. O professor deverá estar ciente também que o conhecimento se dá de forma dialética entre o sujeito e o meio social em que está inserido. Os processos de aprendizagem3.2 Além de sua preocupação constante com a questão do desenvolvimento humano, Vygotsky (1988) enfatiza em sua obra a importância dos processos de aprendizagem. Para ele, desde o nascimento, a aprendizagem da criança está relacionada ao seu de senvolvimento. Obviamente, existe um percurso natural de desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do indivíduo, mas é o aprendizado que possibilita o desenvolvimento dos processos mentais superiores. O desenvolvimento fica impedido de ocorrer na falta de situações propícias ao aprendizado. Assim, podemos inferir que é principalmente na escola, pela interação social com outras crianças e pela mediação “intencional” do professor, que a criança aprende e se desenvolve. Dialética Oposição, conflito gerado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos. A importância que Vygotsky outorga ao papel do mediador no desenvolvimento do indivíduo é confirmada pela abordagem do conceito de zona de desenvolvimento proximal em sua teoria e que veremos logo a seguir. IMPORTANTE! UNIUBE 109 A forma de avaliação do desenvolvimento de uma pessoa se dá por meio da comparação do que ela pode e sabe fazer sozinha, com o que ela só consegue fazer com a ajuda do outro. Vygotsky denomina essa capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível de desenvolvimentoreal, e são resultantes de processos psicológicos evolu tivos já consolidados. Às tarefas que a criança necessita de subsídios para realizar, ele denomina de nível de desenvolvimento potencial. Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa em função da interferência de outra é fundamental dentro da teoria de Vygotsky, em virtude do fato de que ele atribui uma importância extrema à interação social no processo de construção das funções psicológicas humanas. O aprendizado individual ocorre em um ambiente social determinado e a relação com o outro é imprescindível para o processo de construção do ser individual. EXPLICANDO MELHOR No entanto, há um meio termo entre essas duas concepções de níveis de desenvolvimento real e potencial. É justamente aí que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como sendo a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (OLIVEIRA, 1997, p. 60). Portanto, a zona de desenvolvimento proximal refere-se ao caminho a ser percorrido pelo indivíduo, onde o ponto de partida é o que ele consegue realmente realizar sozinho, e o ponto de chegada seria atingir o ápice das potencialidades ainda em desenvolvimento. A zona de desenvolvimento proximal é como se fosse uma escada rolante em constante movimento, em que seus degraus representam os aprendizados COMPARANDO 110 UNIUBE necessários para se alcançar a culminância do desenvolvimento psicológico do indivíduo. Ao interferir nessa área de desenvolvimento, o professor ou as crianças mais experientes contribuem para alavancar os processos de evolução cognitiva da criança. A função da intervenção pedagógica3.3 Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), intervir significa ingerir -se, visando influir no seu desenvolvimento, interferir, interceder. É comum ouvirmos professores dizerem ter dificuldades de intervir no processo cognitivo de seus alunos por não terem segurança quanto aos níveis de desenvolvi mento deles, principalmente na fase de alfabetização. É fundamental o conhecimento teórico-científico sobre o desenvolvimento infantil. É importante conhecer a base teórica acerca dos aspectos constitutivos dos níveis de escrita, para que o professor saiba quando, onde e como interferir adequadamente na zona de desenvolvimento proximal de seus alunos, provocando avanços que não ocorreriam aleatoriamente. O professor deve ter o cuidado de não interpretar a teoria vygotskyana de forma distorcida, e por deter o conhecimento, interferir de forma incisiva e autoritária na aprendizagem de seu aluno, que, por sua vez, torna-se simplesmente um receptor passivo. Dessa forma, estaríamos retrocedendo à era da educação tradicional. IMPORTANTE! Vygotsky trabalha constantemente a ideia de “internalização”, apreensão do conheci mento por meio da interação do indivíduo com seu meio social. A subjetividade peculiar a cada ser humano é para ele a essência do desenvolvimento humano. A interação social da tríade aluno – professor – alunos é a chave para o enriqueci mento intelectual do aprendiz. Um bom caminho é o professor UNIUBE 111 lançar mão de atividades promovidas em grupo, visto que as crianças são sempre heterogêneas quanto aos diferentes momentos da aprendizagem e podem, seguramente, intervir de maneira positiva no processo de enriquecimento cognitivo umas das outras. Assim, é evidente que a possibilidade de intervenção cabe tanto ao professor quanto às demais crianças envolvidas no processo. No entanto, o papel de intervir pedagogicamente, no sentido de mediar a aprendizagem, cabe ao educador, pois é ele quem detém o conhecimento teórico-científico que lhe dá condição de selecionar técnicas, metodologias, instrumentos eficazes para intervenção, bem como os objetivos a serem alcançados e o caminho a ser percorrido para que o “potencial” de seus alunos se torne “real”. O estudo da teoria de Vygotsky reforça a tese de que o desenvolvimento da inteligên cia se dá primeiramente de forma interpessoal, por meio da interatividade social entre as pessoas, para em seguida ser internalizado pelo indivíduo. Ao ser internalizado, o indivíduo apropria-se de um determinado conhecimento, resultando assim em uma mudança de comportamento. Modificabilidade cognitiva estrutural3.4 Reuven Feuerstein se dedicou ao estudo da cognição e da sua modificabilidade. Sua filosofia da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) baseia-se no fato de que todo ser humano é capaz de desenvolver a capacidade de aprender, ou seja, não há limites para o desenvolvimento da mente humana. Vamos conhecer um pouco sobre a vida e a obra desse estudioso. Reuven Feuerstein nasceu em Botosan (Romênia), em 1921, no seio de uma família judia muito sensível à cultura e à educação. Mostrou desde criança as suas qualidades: aos 3 anos já falava duas línguas e aos 8 ensinava o hebraico às crianças de sua comunidade. Quando em 1944 a Romênia foi ocupada, Feuerstein, que neste período ensinava em Bucareste numa escola para filhos de deportados, foi mandado para um campo de concentração. Afortunadamente conse guiu escapar e imigrou para Israel, onde se dedicou à educação dos 112 UNIUBE adolescentes sobreviventes ao Holocausto. Tratava- -se, a maior parte, de órfãos, pertencentes a diversas culturas, provindos de numerosos países europeus e africanos, que, devido às terríveis experiências vividas, apresentavam carências cognitivas muito semelhantes aos indivíduos com deficiência mental. Foi a partir dos estudos com estes adolescentes que Feuerstein e seus colaboradores desenvolveram um sistema de avaliação do potencial de aprendizagem (LPAD) e um programa de intervenção cognitiva (PEI), que se tornou conhecido no mundo como método Feuerstein. Entre 1940 a 1944, Feuerstein frequentou o Teachers College e onesco College em Bucareste. Em 1944 e 1945 ele também estudou no Teacher Training Seminary, em Jerusalém. Retomou seus estudos em 1949 na Suíça, onde frequentou palestras e seminários de Carl Jaspers, Carl Jung e L. Szondy. De 1950 a 1955 estudou na Universidade de Genebra, sob o comando de Andrey Rey e Jean Piaget, completando a sua formação em Psicologia Geral e Clínica (1952) e obtendo sua licença em Psicologia (1954). Em 1970 Feuerstein conquistou seu título de Ph.D. em Psicologia do Desenvolvimento na Sorbonne. Sua principal área de estudo foi Psicologia do Desenvolvimento, Clínica e Cognitiva desde uma perspectiva intercultural (CDCP, 2011). Sua teoria se contrapõe às teorias psicológicas do desenvolvimento, que consideram a origem das limitações do ser humano no indivíduo (inatista) ou nas condições de estímulos oferecidas em seu meio (ambientalista). Seus estudos favorecem o surgimento de uma nova abordagem para o atendimento psicopedagógico dos educandos com dificuldade de aprendizagem e crianças com deficiência. A MCE procura, objetivamente, descrever capacidade única, peculiar, singular e plural de os seres humanos mudarem ou modificaram a estrutura do seu funcionamento cognitivo, visando à adaptação às exigências, constantes e mutáveis das situações que caracteriza o mundo exterior envolvente. [...] A modificabilidade cognitiva deve ser definida como estrutural, e não esporádica ou acidental, ou seja, en cerra uma mudança de uma parte, mas que afeta um todo funcional da cognição. Trata-se de uma transformação do processo cognitivo em si próprio, no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza autorreguladora (FONSECA, 1995, p. 85). UNIUBE 113 A Modificabilidade Cognitiva Estrutural descortina uma nova perspectiva para o atendi mento às crianças com necessidades educacionais especiais (dificuldade de aprendiza gem, deficientes, altas habilidades, transtornosglobais do desenvolvimento) e favorece o surgimento de uma nova concepção sobre a aprendizagem, tanto para estes como para as crianças “ditas normais”. Consolida que a capacidade de aprender é passível a todos os seres humanos, e que todos nós temos a capacidade de desenvolver nossas potencialidades, sejam elas cognitivas, afetivas, emocionais, biológicas ou sociais. Fonseca (1995, p. 73) ressalta que, quanto aos deficientes: A não ser em condições muito severas, em que entram fatores defectológicos genéticos e orgânicos (nos quais só as medidas de prevenção se justificam), o deficiente está aberto à modificabilidade cognitiva em vários estágios de seu desenvolvimento, fundamental mente nos mais precoces. Intencionalidade da ação 3.5 Esse modelo teórico aborda a diversidade humana, respeitando suas diferenças indivi duais. Valoriza as interações entre o indivíduo e seu meio cultural. Os estímulos do meio e as mudanças intrínsecas do sujeito são produtos de uma série de atos carregados de intenção. Assim, Feuerstein reforça a importância da intenção da ação do professor no processo ensino-aprendizagem. Demonstra que a natureza do ser humano é ser flexí vel e que a inteligência é dinâmica, disponível, aberta às mudanças durante toda sua vida. O nível potencial de desenvolvimento e aprendizagem irá depender da qualidade das interações do indivíduo com seu meio e da intencionalidade da ação mediadora. Fonseca (1995, p. 107) reafirma as palavras de Feuerstein e salienta a importância de defendermos os direitos de todas as crianças a uma boa educação. “Advogamos uma filosofia educacional em que qualquer criança, independentemente do seu potencial de aprendizagem (normal ou atípico), deverá ter o direito a uma educação que lhe permita realizar o máximo de seu potencial humano”. 114 UNIUBE Para tanto, as escolas e os profissionais que nelas atuam devem estar preparados para receberem todas as crianças. Mediação3.6 Feuerstein define duas formas de mediação: • a experiência direta de aprendizado: é a interação do organismo com o meio ambiente; baseada na teoria de Jean Piaget, em que o sujeito/aprendiz interage diretamente com o objeto de conhecimento e diante destes estímulos ele dá sua resposta. Ou seja, a aprendizagem acontece sem a interferência de outrem. Segundo Feuerstein, esse modelo não atende às necessidades da criança, pois para haver a aprendizagem significativa falta a presença do mediador. Podemos citar como exemplo o caso de uma criança que, passeando por um roseiral, fica encantada por ver tantas rosas, de diversas cores, que sente vontade de tocá-las (o estímulo). Ao tocá-las, sente o perfume, a textura de suas pétalas e percebe uma joaninha passeando sobre algumas pétalas. Neste exemplo, houve interação direta com o objeto de conhecimento (no caso, as rosas e a joaninha). EXEMPLIFICANDO! Vejam bem, caros alunos, esse tipo de aprendizagem é essencial e necessário para o processo de aprendizagem da criança, mas, segundo Feuerstein, não é suficiente para garantir uma aprendizagem efetiva. • a experiência de aprendizagem mediada: neste caso, requer a mediação, a inter venção intencional do outro na relação do aprendiz com seu meio sociocultural. Sua presença torna-se fundamental para auxiliar a organizar, a selecionar, a interpretar e a elaborar seu conhecimento. A intencionalidade da ação serve de alavanca pro pulsora das novas aprendizagens. UNIUBE 115 Voltemos ao exemplo anterior, a criança no roseiral. Se os pais da criança estivessem juntos com ela e fizessem a mediação entre o aprendiz e o objeto de conhecimento, enriqueceriam ou favoreceriam uma nova aprendizagem. Ou seja, se os pais chamassem a atenção da criança para um aspecto específico (estímulo), por exemplo, as cores, a joaninha ou os tamanhos diferentes das roseiras e explorasse bem esse aspecto com a criança, eles poderiam favorecer o desenvolvimento de uma nova habilidade na criança: habilidade de diferenciação de tonalidades; descoberta de diferentes nomenclaturas de cores; insetos; diferentes tamanhos; entre outros. EXPLICANDO MELHOR Naquela situação, os pais poderiam ir além, favorecendo, por exemplo, o conheci mento das questões sobre a necessidade do cuidado com a natureza, com os insetos (joaninha) e sua relação na cadeia alimentar, entre outros assuntos. Obviamente, com uma linguagem simples, estariam estimulando a criança para a descoberta de novos conhecimentos, assim como estariam sensibilizando-a para a preservação da natureza. Muitas relações e conhecimentos poderiam ser construídos aí. Vocês percebem a importância da mediação, nesse caso? Voltamos a ressaltar que ambas as formas de mediação, direta e mediada, são ne cessárias para o desenvolvimento integral das crianças, pois “a exposição direta aos estímulos é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a interação mediati zada, isto é, a própria cultura é que permite o acesso às funções cognitivas superiores”. (FONSECA, 1995, p. 89). Concordamos com o Hugo Otto Beyer, quando diz: Feuerstein assimila a abordagem vygotskyana de mediação parafra seando-a através do seu conceito da “Experiência de Aprendizagem Mediada”. Conforme Feuerstein, a determinação diferencial do desen volvimento infantil dá-se em função das oportunidades da criança em ter sua aprendizagem 116 UNIUBE informal e formal mediada. É isto exatamente o que ele afirma na citação seguinte: “A experiência de aprendizagem mediada pode ser considerada como o ingrediente que determina o desenvolvimento cognitivo diferencial” (BEYER, 1996, p. 81). Caso queira conhecer mais sobre o que Beyer (1996) explica, leia o artigo “o método Reuven Feuerstein: uma abordagem para o atendimento psicopedagógico de indivíduos com dificuldades de aprendizagem, portadores ou não de necessidades educativas especiais”, para isso, acesse o site da Associação Brasileira dos Pesquisadores em Educação Especial e a Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 4, disponível no site: http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista4nu mero1pdf/r4_art07.pdf PESQUISANDO NA WEB E, ainda, podemos ir além, dizendo que a “Experiência de Aprendizagem Mediada”, revelada por Feuerstein, constitui-se na intencionalidade da ação do professor na “zona de desenvolvimento proximal”, descrita por Vygotsky, dos seus educandos. E este ato determinante influenciará o desenvolvimento da capacidade de “Modificabilidade Cognitiva Estrutural”. Prática pedagógica3.7 Quanto ao aspecto educacional, Feuerstein denomina de “Experiência de Aprendiza gem Mediada” a relação entre mediador (professor) e mediado (aluno), quando esta envolve alguns critérios específicos. Observemos o que diz Fonseca (1995) em relação a esses critérios: • Intencionalidade e reciprocidade: o educador deixa clara a “intencionalidade” da sua ação como facilitador do conhecimento, seja por meio dos gestos, intensidade da voz ou das palavras proferidas (sua postura), conseguindo provocar a “recipro cidade” do aluno para a receptividade para o aprendizado. Assim, é necessário que o professor desenvolva uma boa relação interpessoal UNIUBE 117 com seus alunos, para que o processo de aprendizagem ocorra de uma maneira dinâmica e natural. • Transparência: o educador fornece subsídios para a percepção (conscientização) de que a interação fornecida naquele momento vai além dos fatos e das ações mo mentâneas, pois “transcendem” o momento presente, ou seja, o aprendizado de hoje é subsídio para o de amanhã, de forma dinâmica e dialética. Dessa forma, os alunos perceberão os fundamentos norteadores de toda a aprendizagem, correlacionando as etapas do seu desenvolvimento cognitivo. • Significação: é a relação permeada na ação carregada de significado, valores e atitudes. A aprendizagem deve ser carregada de estímulos, de carga afetiva, para penetrar no sistema de significado provocando a aprendizagem.Por meio da ação pedagógica são transmitidas não só a cultura, mas também a filosofia de vida do grupo social. A significação está diretamente interligada ao prazer de aprender, ao estímulo às diversas curiosidades infantis, ao querer descobrir algo novo a cada dia, e, principalmente, no deleite do professor empreendedor, que atribui significado a tudo o que faz. • Sentimento de competência: não só é respeitada a experiência e a capacidade da criança, como também fornece pistas para que ela encontre êxito na tarefa, aumentando sua autoestima, sua autoconfiança e melhorando a motivação para a aprendizagem. Acredite sempre em seu aluno, demonstre isso a ele, e, por maiores que sejam suas limitações cognitivas, ele buscará caminhos, pois aprendeu com seu mestre a acreditar em si. Portanto, durante a prática pedagógica, o mediador deve deixar clara a intenção de sua ação. Demonstrar que essa intenção vai além dos fatos momentâneos, para penetrar, por meio da motivação, no sistema de significado do sujeito, transmitindo a filosofia do seu grupo social com o devido respeito no nível de desenvolvimento real da criança. Deve fazer com que ela perceba, por meio das reflexões durante todo o processo, o seu próprio desenvolvimento potencial, elevando sua autoestima e motivando-a para as novas aprendizagens. 118 UNIUBE Podemos perceber então a importância do papel do professor. O mediador deve ser o condutor de valores, de saberes culturais, de significados e estratégias que ajudam a interpretar a vida social, “provocando” o indivíduo para suas aprendizagens, influen ciando suas estruturas internas. Os dez mandamentos da aprendizagem3.8 Pozo (2002, p. 269) assim define os dez mandamentos da aprendizagem: As Tábuas da Lei da Aprendizagem: partirás dos interesses e mo tivos. Partirás dos conhecimentos prévios. Dosarás a quantidade de informação nova. Farás com que condensem e automatizem os conhecimentos básicos. Diversificarás as tarefas e aprendizagens. Planejarás situações de aprendizagem para a sua recuperação. Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras. Promove rás a reflexão sobre os conhecimentos. Proporás tarefas abertas e incentivarás a cooperação. Instruirás no planejamento e organização da própria aprendizagem de cada um. Pozo reforça os pressupostos de Vygotsky que são sustentados e sistematizados por Feuerstein. Por esse motivo, vamos, a partir deste momento, elencar os conceitos con tidos nesses mandamentos na perspectiva de Pozo, como também trataremos de uma situação prática, exemplificando a ação de cada um desses dez mandamentos, para que se possa facilitar e aguçar a percepção dos profissionais de educação quanto aos aspectos de intervenção e mediação pedagógica, tão importantes no contexto escolar. Partirás dos interesses e motivos O ponto de partida da aprendizagem deve ser o aluno. Cabe ao educador promover ativamente o interesse dos alunos para a aprendizagem. A motivação poderá levá-lo à proficiência, ao sucesso da aprendizagem ou ao seu fracasso. Portanto, deve-se incentivar o interesse intrínseco do aluno. Para tanto, é necessário conhecer as capacidades prévias dos seus alunos. Para conhecer essas capacidades vocês deverão ter o conhecimento acerca UNIUBE 119 das teorias psicológicas do desenvolvimento, que lhes proporcionarão informações precisas, úteis dos possíveis e necessários “erros” que poderão cometer durante suas aprendizagens. Para que se sintam capazes, competentes e motivados para a descoberta do conheci mento, os alunos deverão perceber que os “erros” devem ser considerados como caminho que todos percorrem para chegar ao “acerto”, ou seja, cabe ao educador provocar a reflexão do aluno sobre suas decisões e ações durante todo o processo de aprendizagem. Nesse momento em que se busca a motivação intrínseca, as atividades acadêmicas devem ser organizadas de forma cooperativa, nas quais eles deverão se apoiar nos me diadores, seja ele professor ou seus pares. O importante é que os alunos compreendam o quê e como fazer, e não que devem, obrigatoriamente, sempre obter êxito na atividade. Partirás dos conhecimentos prévios Para que a aprendizagem ocorra de modo efetivo, faz-se necessário que o educador planeje sua ação considerando o nível de desenvolvimento real, ou seja, conhecer o que o aluno já consegue realizar sozinho. A partir daí, ele irá fomentar o interesse do aluno na aquisição do conhecimento formal. Ao mesmo tempo, deverá estabelecer uma conexão entre o conhecimento do aluno e as novas aprendizagens. Para que esse processo tenha êxito, faz-se necessário uma avaliação contínua e processual. E a concepção de avaliação aqui descrita refere- se à avaliação do processo ensino -aprendizagem e não àquela focada no desempenho quantitativo do aluno. Dosarás a quantidade de informação nova As novas informações deverão ser dosadas, de forma a respeitar o nível de desen volvimento mental da criança. Ao mesmo tempo em que essas novas informações devem estar em consonância com as já internalizadas, ou seja, o professor deverá atuar na zona de desenvolvimento proximal, de maneira que o aluno atinja o nível de desenvolvimento potencial. Vale lembrar que tais informações devem ser desafiadoras, questionadoras e desestabilizadoras. 120 UNIUBE Farás com que condensem e automatizem os conhecimentos básicos Com o objetivo de enriquecer os recursos de aprendizagens de seus alunos, o profes sor deverá propor situações que propiciem a condensação dos conhecimentos alvos, e, ao mesmo tempo, favorecer a capacidade do educando de lançar mão de conheci mentos já adquiridos na resolução de novos propostos. Para isso, o educador deverá selecionar as informações viáveis e verdadeiramente relevantes, pois conhecimentos automatizados e pouco funcionais são normalmente esquecidos. Diversificarás as tarefas e aprendizagens O educador deverá propor situações de aprendizagens inovadoras e criativas para que o aluno tenha a oportunidade de retomar um mesmo conteúdo de maneiras diversifica das, bem como a utilização de recursos didáticos variados. Com isso, ao mesmo tempo em que cristaliza conhecimentos necessários, estabelece conexão com os vindouros. Planejarás situações de aprendizagem para a sua recuperação O professor deverá conhecer as reais dificuldades de seus alunos para, a partir daí, buscar diferentes estratégias e atingir seus objetivos. Nesse caso específico, o que se deseja é a recuperação da aprendizagem, lembrando que o educador deve sempre partir das habilidades conquistadas dos alunos para conseguir sanar as dificuldades deles, considerando que as estratégias utilizadas deverão ser contextualizadas, dife renciadas e prazerosas. Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras O professor deverá organizar seu planejamento contemplando a interdisciplinaridade, a contextualização e a diversificação da sua prática pedagógica, de forma que atenda às necessidades dos alunos. Para confirmar a internalização do processo da aprendizagem, o professor deverá observar se o aluno está colocando em prática o que foi aprendido, por meio da aplicação dos conhecimentos adquiridos nas novas aprendizagens. UNIUBE 121 Promoverás a reflexão sobre os conhecimentos O professor deverá oportunizar aos educandos vivências, situações desafiadoras e enriquecedoras que propiciem aos aprendizes que busquem suas próprias respostas e posicionamentos, consolidando sua autonomia como cidadãos. Para o educando atingir essa autonomia, é necessário que o professor tenha a clareza de que o aluno necessita de subsídios teóricos-metodológicos que lhe favoreçam o desenvolvimento da reflexão sobre sua própria ação (metacognição). Proporás tarefas abertas e incentivarás a cooperação O professor deverá oportunizar ao aluno a resolução de situações- problemas abertas e abrangentes, de forma a exigir o aprimoramento da sua capacidade de percepção da realidade.Assim, tornará possível que ele compreenda a complexidade cultural que o envolve, para, a partir dela, tomar suas decisões para resolução das tarefas, utilizando -se de estratégias eficazes que o torne proficiente. Vivenciar situações de cooperação mútua, de modo a favorecer o conflito cognitivo resultante da diversidade de pensamentos, e, por meio da mediação cooperativa dos elementos envolvidos no processo, o aluno possa alcançar a melhoria de sua aprendi zagem social e sinta-se estimulado a aprender. Instruirás no planejamento e organização da própria aprendizagem de cada um O professor deverá favorecer a elaboração e organização do pensamento de seus alunos, para que eles possam, gradualmente, se tornar agentes de sua própria apren dizagem, conseguindo tomar suas decisões, selecionar, planejar, fixar metas, propor estratégias e avaliar resultados. Enfim, é essencial que se priorize a reflexão e a cooperação no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. 122 UNIUBE Teoria e prática pedagógica3.9 Com o objetivo de se aliar teoria e prática pedagógica, apresentaremos as Tábuas da Lei da Aprendizagem proposta por Pozo (2002), por meio de técnicas efetivamente simples e dinâmicas, contextualizadas à realidade docente, não com o intuito de fornecer receitas prontas, testadas e aprovadas, como se fossem leis a serem seguidas. Nosso objetivo aqui é chamar a atenção para determinados aspectos, às vezes imperceptíveis na construção do conhecimento. Com o intuito de nortear a prática pedagógica, sugerimos algumas ati vidades simples, mas que com a criatividade profissional de cada um dos leitores poderão ser ampliadas e adaptadas de modo a atender às necessidades educativas de alunos. Partindo das citações de Pozo (2002), sugerimos as atividades que seguem. Partindo dos conhecimentos prévios “Partirás dos interesses e motivos, partirás dos conhecimentos prévios.” Quando dizemos partir dos interesses de seus alunos, estamos nos referindo que se parta de algo que tenha significado para eles. Para a criança em fase de alfabetização, a significação está relacionada ao lúdico, ao prazer de brincar. E, para fazer a correlação entre interesse e conhecimento prévio, é necessário que se faça uma sondagem inicial do nível de desenvolvimento cognitivo da escrita em que se encontram os alunos. Por meio de conversas informais, o professor terá condições de averiguar quais temas são do conhecimento e interesse de seu grupo de alunos. Nesse caso, sugerimos a “BRINCADEIRA DA FORCA”, para que o professor possa diagnosticar a etapa de conhecimento inicial de cada um de seus alunos, e, subsequen temente, possa agrupá-los de forma a facilitar o trabalho com eles. Dosando a quantidade de informação “Dosarás a quantidade de informação nova, farás com que condensem e automatizem os conhecimentos básicos.” Na fase inicial de alfabetização, o conhecimento básico inicial é o domínio da base alfabética (o alfabeto) pela criança. UNIUBE 123 Para tanto, sugerimos o “BINGO DAS LETRAS” ou o “QUEBRA-CABEÇA ALFABÉTICO”, como forma de automatizar o conhecimento necessário, aliado à ludicidade infantil. Com a utilização de atividades lúdicas o professor consegue efetivar a apren dizagem de forma inovadora, de modo a fazer com que seus alunos apreendam o conhecimento, sem torná-lo massacrante. Diversificando tarefas “Diversificarás as tarefas e aprendizagens.” É fundamental que o professor proponha atividades variadas e desafiadoras, para que consiga despertar e manter o interesse de seus alunos para a aprendizagem. Tomando-se como base o exemplo citado anteriormente para o domínio da base alfa bética, existem inúmeras atividades lúdicas e desafiadoras que o professor pode lançar mão, como: DLMINÓ DAS LETRAS, JOGO DA MEMÓRIA, BARALHO ALFABÉTICO, entre outras. Vale ressaltar que, além de as atividades serem inovadoras, é importante que o ambiente de estudo também seja diferenciado, ou seja, não fique restrito à sala de aula, utilizando-se de outros espaços físicos, como a biblioteca, a sala de vídeos, o pátio, a sala de informática, entre outros, que tornem o estudo mais prazeroso. Assim como também é importante diversificar as estratégias de ensino utilizadas pelo educador, desenvolvendo variadas alternativas de se atingir um mesmo objetivo. Diversificando situações de aprendizagem “Planejarás situações de aprendizagem para a sua recuperação.” Ao diversificar as tarefas de aprendizagem, o educador estará automaticamente pro pondo atividades recuperadoras, ou seja, além de fixar melhor o conhecimento para as crianças que dominam o código alfabético, ele estará tornando possível a apreensão do código para aquelas que ainda possuem dúvidas. É importante lembrar que se faz necessário por parte do educador o conhecimento do estágio de desenvolvimento em que se encontra cada um de seus alunos. Para tanto, é preciso conhecer os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky 124 UNIUBE e suas pesquisas referentes à psicogênese da leitura e da escrita, para poder propor atividades mais desafiantes aos que já estão em um nível de conhecimento mais elevado, além de propiciar a retomada do conhecimento de forma diversificada àqueles detentores de algum tipo de dúvida ou dificuldade. Ligando as aprendizagens “Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras, promoverás a reflexão sobre os conhecimentos.” Quando o professor consegue estabelecer uma conectividade entre as aprendizagens, fica mais fácil para o aluno compreender que há um significado por detrás de tudo o que aprendemos, e o que foi apreendido hoje servirá como base para edificar o conhe cimento de amanhã. Quando falamos em conectividade de conhecimentos, estamos nos referindo também à relação existente entre as diferentes disciplinas, ao que na educação contemporânea chamamos de intertextualidade. Em suma, o aprendizado é uma constância infinita de degraus que vão se solidificando mutuamente. Para isso, é importante que o educador, no início de cada atividade, retome os conhecimentos trabalhados anteriormente como ponto de partida para a introdução dos objetivos a serem atingidos. Num jogo de “QUEBRA-CABEÇA DE NOMES DE ANIMAIS (DESENHO/ NOME)”, o educador estará constantemente retomando as sílabas conhecidas e simultaneamente introduzindo as sílabas novas ou complexas, para que o educando vá assimilando a trama que compõe nosso código linguístico escrito. Ele poderá, ainda, aliar os objetivos da língua portuguesa com a matemática, propondo a contagem quantitativa das letras das palavras ou dos nomes estudados, a escrita dos nomes dos numerais ou, ainda, o jogo “BATALHA NAVAL”, em que se trabalha de forma concomitante letras e números, entre outras. EXEMPLIFICANDO! Assim, o educador estará promovendo a interdisciplinaridade entre os conteúdos, ou seja, estabelecendo conexões entre os conteúdos e desenvolvendo a habilidade em seu aluno de perceber a importância UNIUBE 125 das aprendizagens conquistadas, a dar significação ao conhecimento adquirido e a continuidade do processo cognitivo. Incentivando a cooperação “Proporás tarefas abertas e incentivarás a cooperação.” As atividades em grupo são fundamentais para o desenvolvimento dos alunos em fase de alfabetização, pois favorecem a socialização das crianças, bem como propicia a in teratividade dos alunos com o conteúdo em estudo. A troca de experiências enriquece o conhecimento, além de oportunizar o intercâmbio cultural, pois sabemos que as crianças são excelentes mediadoras e são capazes de elucidar as dúvidas do colega, às vezes com mais eficácia que o próprio professor. Em uma aula em que as crianças se sintam à vontade para perguntar, trocar experiências e conhecimentos entre si, elas por si mesmas vão se agrupar de acordo com suas afinidades pessoais, e é justamente essa troca de conhecimentos, uma ajudando a outra, que beneficia os envolvidos no processo. A criança que ajudao colega com dificuldades sente-se importante e valorizada por deter o conhecimento, ao mesmo tempo em que a que é auxiliada sente-se amparada e capaz de absorver o conhecimento numa linguagem acessível a ela. EXEMPLIFICANDO! Qualquer atividade que seja realizada em grupo possui uma gama de efeitos positivos, desde que o educador não perca o foco dos objetivos a serem atingidos. Os jogos, de uma maneira geral, exemplificam bem esse aspecto. Com eles as crianças conseguem perceber a importância do outro na construção e na efetivação do seu conhecimento. Os jogos reforçam positivamente o aspecto socioemocional, mesmo que em deter minados momentos surjam impasses e discussões, pois pode não parecer, mas as crianças crescem muito com isso, já que as discussões são oriundas de um mesmo problema visto sob ângulos diferentes, em que se buscam saídas diferentes para um mesmo desafio. 126 UNIUBE Instruindo no planejamento e organização “Instruirás no planejamento e organização da própria aprendizagem de cada um.” A organização de um ambiente favorável à aprendizagem faz-se necessária aos pro fissionais da educação. Estimular o aluno a aprender, planejar situações de aprendi zagens motivadoras e desafiadoras, bem como estabelecer critérios organizacionais para a aplicação das variadas propostas de desenvolvimento do saber, são atitudes primordiais que garantirão a eficiência dos objetivos educacionais a serem atingidos. Vale lembrar que um planejamento eficiente deve conter de forma clara os objetivos a serem alcançados, interdisciplinarmente, de forma a estabelecer a conectividade com as demais disciplinas, quais estratégias serão utilizadas para a concretização desses objetivos, com atividades dinâmicas e desafiadoras, e, ainda, uma avaliação criteriosa e contínua do processo em desenvolvimento. Promovendo o desenvolvimento de forma integral3.10 Entender o processo de desenvolvimento do aluno de forma integral, abrangendo os aspectos psicológicos, cognitivos e motores é essencial para a construção do co nhecimento do professor e, consequentemente, o aperfeiçoamento de sua atuação pedagógica. Com o objetivo de aprofundar nossos estudos alusivos a essa temática, principalmente no que tange à afetividade, a teoria walloniana auxilia na compreensão da forma de agregar saberes constitutivos de uma prática profissional inovadora e eficaz. Considerando a importância das concepções wallonianas para o contexto educacional, relembraremos a seguir as principais colocações deste autor para o estudo sobre a mediação e intervenção pedagógica. 3.10.1 Pressupostos teóricos de Wallon Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua grande contribuição para o contexto educacional, e seus estudos foram relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano como uma UNIUBE 127 pessoa integral, global. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer o desenvolvimento infantil, a trajetória do desenvolvimento do psiquismo e a capacidade de aprender das crianças. Para este teórico, é impossível dissociar os fatores orgânico e biológico dos fatores sociais no desenvolvimento do ser humano. Ele destaca que o ser humano é um ser completo: evidenciando que há uma interdependência entre os fatores afetivo, cognitivo e motor, e que tais fatores interagem de forma integrada, propiciando o desenvolvimento pleno do ser humano. Um aspecto importante que sua teoria destaca é que “As funções psíquicas podem pros seguir num permanente processo de especialização e sofisticação, mesmo que do ponto de vista estritamente orgânico já tenha atingido a maturação” (GALVÃO, 2003, p. 41). Não se pode delimitar o desenvolvimento humano, seja quanto ao aspecto da aprendi zagem ou quanto à formação de sua personalidade. O desenvolvimento dependerá das condições do desenvolvimento do psiquismo do sujeito; como também das condições ou desfavoráveis que o meio lhe proporcionará. Ele considera que o ritmo determinado às etapas de desenvolvimento não são con tínuos. E poderão ser marcados por rupturas, retrocessos e reviravoltas, dependendo das condições dos fatores orgânicos e sociais que a criança vivencia. E, ainda, Wallon evidencia que “a passagem de um ao outro estágio não é uma simples ampliação, mas uma reformulação. Com frequência, instala-se, nos momentos de passagem, uma crise que pode afetar visivelmente a conduta da criança” (GALVÃO, 2003, p. 41). A passagem de um estágio para outro não é apenas a sobreposição ou a justaposição entre os conhecimentos anteriores e os atuais. Exige uma reestruturação, uma reela boração do pensamento. Para isso a criança dispensa um grande esforço, tanto afetivo quanto cognitivo e motor, pois corpo e mente trabalham juntos para apreender as novas aprendizagens. Frequentemente, durante esta inter-relação (reelaboração), a criança revela seu “esforço” por meio do movimento do seu tônus muscular ou da motricidade (para Wallon, motricidade e psicomotricidade são palavras 128 UNIUBE sinônimas), que são perce bidas em seu comportamento: raiva − agitação motora; ansiedade – inquietude; alegria ou tristeza – contrações musculares, entre outras. Somos pessoas completas, então não há dissociação entre as reações orgânicas e as reações psíquicas. Ressalta, ainda, que essa manifestação motora pode ocorrer em maior ou menor in tensidade, dependendo do grau de desenvolvimento da criança. Ao se desenvolver, transforma a atividade que antes era motora em atividade mental, ou seja, com o passar do tempo ela aprende a “controlar” pelo pensamento suas manifestações orgânicas. Por isso, é importante que o professor esteja atento às manifestações corporais de seus alunos, pois, como dizemos popularmente, o corpo “fala”. 3.10.2 O movimento e o pensamento Assim, a teoria walloniana estabelece uma relação entre movimento e o pensamento, que consideramos importantíssima para nós, profissionais da educação. Todos nós temos que ter a clareza da importância das atividades motoras/ psicomotoras no contexto da sala de aula, principalmente com crianças da Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental. O movimento é uma atividade infantil de extrema importância para o desenvolvimento da afetividade e da cognição. PONTO-CHAVE Dantas, La Taille e oliveira (1992) ressalta que, segundo Wallon, no início, é o ato motor que desencadeia e dirige o pensamento. Uma criança quando chora imprime em seu corpo um tipo de sensação: mexe com os braços, muda seu tônus muscular, sua rigidez; e estabelece uma comunicação com o mundo exterior. É a partir desse vínculo que se coloca dentro do contexto cultural, pois a partir do momento que a mãe atende às suas necessidades a criança estabeleceu seu vínculo cultural. Obviamente, nesse momento a criança não “pensa” para realizar esse vínculo, apenas manifesta suas sensações e emoções. Com o passar do tempo e com os estímulos do meio, a criança se desenvolve por meio da linguagem e das representações que ela faz da UNIUBE 129 realidade. Ela elabora e reelabora novos conceitos e aprende a controlar seus gestos pelos seus pensamentos. Ou seja, o ato que antes era motor passa a ser mental, conforme dissemos anteriormente. Durante essa fase, das representações simbólicas, em que ocorre a descoberta de novos signi ficados, as atividades psicomotoras são essenciais, são estímulos e meio de conexão entre o eu subjetivo e o eu cultural. A criança tem necessidade do movimento como forma de exteriorizar suas sensações, seus sentimentos e sua capacidade intelectual. Assim, afirma-se que o educador deve utilizar as atividades psicomotoras como forma de intervenção nos processo ensino-aprendizagem para o desenvolvimento pleno do educando. 3.10.3 Emoção e afetividade A emoção, segundo Wallon, são revelações do estado do sujeito ou existente nele (re velações subjetivas), exteriorizada por meio das manifestações orgânicas. As alterações emocionais provocammodificações no tônus muscular, por meio das contrações mus culares e viscerais (órgãos maiores e mais profundos que se contraem, por exemplo, as contrações intestinais), demonstram seu estado íntimo. E, quando estimuladas pelo meio social, oportunizam a revelação do estado subjetivo do sujeito. Assim, a emoção é considerada o primeiro e mais forte vínculo entre os seres humanos. Ao longo do primeiro ano de vida, a afetividade corresponde às manifestações das funções orgânicas e dos aspectos vitais da emoção. Mais tarde, com a ampliação e o fortalecimento do vínculo do ambiente socialmente construído, das atividades orgânicas e dos aspectos psíquicos, essa concepção se amplia, tornando-se mais vasta, envolvendo uma gama maior de manifestações. Elas englobam tanto os aspectos biológicos ligados à emoção como os aspectos psicológicos com a manifestação dos sentimentos. Um exemplo de um professor que trabalha com a postura pedagógica, pautada nas definições de Wallon, relativas à afetividade e a concepção de ser humano como ser integral: social, biológico e emocional, é aquele que tem o conhecimento teórico meto dológico aliado à sensibilidade de perceber as características inerentes de seu aluno. A partir do respeito a 130 UNIUBE tais características, busca as estratégias adequadas a serem trabalhadas na zona de desenvolvimento proximal. Ou seja, é aquele que respeita e busca conhecer o desenvolvimento real e, a partir deste, envolve, motiva os alunos para o desejo de aprender. Esse professor possui intrínseco em sua prática pedagógica o respeito à diversidade, à liberdade de expressão, ao conhecimento científico, à capa cidade de colocar-se no lugar do outro, e, fundamentalmente, acreditar na capacidade da “modificabilidade cognitiva”, que todo ser humano possui. Postulado3.11 Para nós, neste capítulo, seu postulado fundamental é que ao longo do desenvolvimento integral do aluno, sobremaneira durante a infância, a inteligência e a afetividade se in fluenciam mutuamente numa dialética entre os fatores orgânicos e os sociais. Portanto, tenhamos a consciência da importância da mediação e das intervenções que devemos propor aos nossos educandos. A proposta deste capítulo é que o educador transforme a afetividade em um fio condutor de toda a estratégia de intervenção, permeando sua prática pedagógica, para conseguir o desenvolvimento integral de seus alunos. Concordamos com Almeida (2006, p. 86) quando diz que: WALLON, o psicólogo e educador, legou-nos muitas outras lições. A nós, professores, duas são particularmente importantes. Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e nos rela cionamos com um aluno também pessoa completa, integral, com afeto, cognição e movimento. Somos componentes privilegiados do meio de nosso aluno. Torná-lo mais propício ao desenvolvimento é nossa responsabilidade. Que possamos a cada dia procurar aperfeiçoar nossos conhecimentos para nos tor narmos profissionais conscientes de nossa responsabilidade como um mediador e interventor na vida escolar dos educandos. Dessa forma, faremos a diferença em suas vidas, assim como temos a certeza UNIUBE 131 de que a cada novo desafio, a cada nova conquista, sejam no aspecto profissional como também no pessoal ou afetivo, os educandos tam bém fazem a diferença na vida do educador. Conclusão3.12 Sendo assim, podemos concluir que o professor mediador é aquele que acredita nas potencialidades de seus alunos e não mede esforços para efetivamente concretizar os objetivos propostos, sendo capaz de intervir com precisão nas dificuldades de seus aprendizes, transformando anseios em ações. Parafraseando o educador Paulo Freire, se o homem se considerasse um ser acabado, a educação não seria possível. Dessa forma, o professor deve sempre ter em mente o quão importante é seu papel, bem como as imprescindíveis intervenções eficazes que realiza. O educador é, por natureza, um sonhador. Sonha com um mundo humanamente melhor e por isso não se acomoda diante da controvertida realidade que se apresenta. O verdadeiro educador irá agir, intervir e interferir de maneira a atingir suas metas. A sua arma é o conhecimento, a aprendizagem, pois sabe que, para realizar as mudanças necessárias, terá que oportunizar diversificadas experiências cognitivas a seus alunos. Eis a força mágica transformadora da educação de qualidade. Resumo A abordagem inicial deste capítulo foi sobre a mediação pedagógica. Vimos que o pro fessor mediador assume o papel de facilitador do aprendizado e que no contexto escolar a mediação também se estabelece na relação aluno-aluno. Os estudos realizados por Vygotsky nos esclareceram que no contexto escolar a mediação também se estabelece na relação aluno-aluno. Observamos também que é principalmente na escola, pela interação social com outras crianças e pela mediação “intencional” do professor, que a criança aprende e se desenvolve. 132 UNIUBE É fundamental conhecer a base teórica acerca dos aspectos constitutivos dos níveis de escrita, para que o professor saiba quando, onde e como interferir adequadamente na zona de desenvolvimento proximal de seus alunos, provocando avanços que não ocorreriam aleatoriamente. Aprofundamos um pouco mais na teoria de Reuven Feuerstein, que se dedicou ao es tudo da cognição e da sua modificabilidade. Sua filosofia da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) baseia-se no fato de que todo ser humano é capaz de desenvolver a capacidade de aprender, ou seja, não há limites para o desenvolvimento da mente humana. A MCE descortina uma nova perspectiva para o atendimento às crianças com necessidades educacionais especiais. Feuerstein reforça a importância da intenção da ação do professor no processo ensino-aprendizagem. Demonstra que a natureza do ser humano é ser flexível e que a inteligência é dinâmica, disponível, aberta às mudanças durante toda sua vida. Reuven Feuerstein também salienta o papel da mediação no processo ensino e aprendizagem. Estimular o aluno para aprender, planejar situações de aprendizagens motivadoras e desafiadoras, bem como estabelecer critérios organizacionais para a aplicação das variadas propostas de desenvolvimento do saber, são atitudes primordiais que garantirão a eficiência dos objetivos educacionais a serem atingidos. O processo de desenvolvimento do aluno deve ocorrer de forma integral, abrangendo os aspectos psicológicos, cognitivos e motores, sendo essencial para a construção do conhecimento do professor, e, consequentemente, o aperfeiçoamento de sua atuação pedagógica. Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua grande contribuição para o contexto educacional, seus estudos foram relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano, como uma pessoa integral, global. Ele salienta a relação entre movimento e pensamento, a importância do desenvolvimento psicomotor para a aprendizagem e o papel da afetividade nesse processo. Atividades Atividade 1 Leia as considerações a seguir sobre as formas de mediação, segundo Feuerstein, re lacionando a primeira coluna com a segunda. UNIUBE 133 ( 1 ) Experiência direta de aprendizado. ( 2 ) Experiência de aprendizagem mediada. ( ) Nesta experiência, há interação do organismo com o meio ambiente. ( ) Esta experiência requer a mediação, a intervenção intencional do outro na relação do aprendiz com seu meio sociocultural. ( ) Nesta experiência, a aprendizagem acontece sem a interferência de outrem. ( ) Nesta experiência a intencionalidade da ação do professor serve de alavanca propulsora das novas aprendizagens. a) ( ) 1 – 1 – 2 – 2 b) ( ) 1 – 2 – 1 – 2 c) ( ) 2 – 1 – 2 – 1 d) ( ) 2 – 1 – 1 – 2 Atividade 2 Feuerstein denomina de “Experiência de Aprendizagem Mediada” a relação entre me diador (professor) e mediado (aluno), quando esta envolve alguns critérios específicos. Baseados no estudo dos critérios descritos no Capítulo 3,“Da teoria da mediação à prática da intervenção pedagógica”, numere a primeira coluna de acordo com a segunda. ( 1 ) Intencionalidade e reciprocidade ( 2 ) Transparência ( 3 ) Significação ( 4 ) Sentimento de competência ( ) Situação em que o educador deixa clara a “intencionalidade” da sua ação como facilitador do conhecimento, seja por meio dos gestos, intensidade da voz ou das palavras proferidas (sua postura), conseguindo provocar a “reciprocidade” do aluno para a receptividade para aprendizado. ( ) Situação em que é a relação permeada na ação carregada de significado, valores e atitudes. ( ) Situação em que não só é respeitada a experiência e a capacidade criança, como também fornece pistas para que ela encontre êxito na tarefa, aumentando sua autoestima, sua autoconfiança e melhorando a motivação para a aprendizagem. 134 UNIUBE ( ) Situação em que o educador fornece subsídios para a percepção (conscientização) de que a interação fornecida naquele momento vai além dos fatos e das ações momentâneos, pois “transcendem” o momento presente, ou seja, o aprendizado de hoje é subsídio para o de amanhã, de forma dinâmica e dialética. a) ( ) 1 – 4 – 3 – 2 b) ( ) 1 – 4 – 2 – 3 c) ( ) 2 – 4 – 1 – 3 d) ( ) 1 – 3 – 4 – 2 Atividade 3 Leia a citação a seguir refletindo sobre ela. A MCE procura, objetivamente, descrever capacidade única, peculiar, singular e plural de os seres humanos mudarem ou modificaram a estrutura do seu funcionamento cognitivo, visando à adaptação às exigências, constantes e mutáveis das situações que caracteriza o mundo exterior envolvente [...]. A Modificabilidade Cognitiva deve ser definida como estrutural, e não esporádica ou acidental, ou seja, encerra uma mudança de uma parte, mas que afeta um todo funcional da cognição. Trata-se de uma transformação do processo cognitivo em si próprio, no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza autorreguladora (FONSECA, 1995, p. 85). Elabore um comentário crítico sobre ele, baseando-se nos estudos realizados ao longo deste capítulo. Atividade 4 Ao examinar os pressupostos teóricos de Wallon, percebemos sua grande contribuição para o contexto educacional, pois seus estudos foram relevantes para uma nova forma de se perceber o ser humano, como uma pessoa integral, global. As citações a seguir fazem parte de algumas das características da teoria walloniana, exceto: UNIUBE 135 ( ) o autor considera que a criança tem necessidade do movi- mento como forma de exteriorizar suas sensações, sentimen- tos e sua capacidade intelectual. ( ) Um aspecto importante que sua teoria destaca é que “as fun- ções psíquicas podem prosseguir num permanente processo de especialização e sofisticação, mesmo que do ponto de vis- ta estritamente orgânico já tenha atingido a maturação” (GAL- VÃO, 2003, p. 41). ( ) o autor dedicou-se, principalmente, em compreender o de- senvolvimento dos pro cessos mentais superiores ou funções psicológicas superiores, que seria a capaci dade que o ser humano possui de tomar decisões diante de uma informação nova. ( ) o autor considera que é impossível dissociar os fatores orgâ- nico, biológico, dos fatores sociais no desenvolvimento do ser humano, destaca que o ser humano é uma pessoa completa: evidencia que há uma interdependência entre os fatores afe- tivo, cognitivo e motor. Atividade 5 VII − Organizarás e ligarás as aprendizagens umas às outras. O professor deverá organizar seu planejamento contemplando a interdisciplinaridade, a contextualização e a diversificação da sua prática pedagógica, de modo que atenda às necessidades dos alunos. Para confirmar a internalização do processo da aprendizagem, o professor deverá observar se o aluno está colocando em prática o que foi aprendido, por meio da aplicação dos conhecimentos adquiridos nas novas aprendizagens. A partir da interpretação do texto acima, assinale a opção correta com respeito à internalização do processo da aprendizagem. a) ( ) A interpretação dos símbolos visuais ocorre por especula- ção, e a aquisição do domínio da linguagem escrita se dá pela sistematização que se ensina à criança. 136 UNIUBE b) ( ) os erros e desvios na norma escrita da língua retardam o domínio do código linguístico, mas a decodificação dos símbolos visuais constitui um processo de amadurecimen- to da escrita. c) ( ) A criança compreende o significado da linguagem oral já nas primeiras palavras que pronuncia, ao passo que a in- ternalização da linguagem escrita se dará apenas no início de sua vida escolar. d) ( ) Tanto o domínio da linguagem oral quanto da escrita de- corre da inserção do sujeito em um mundo simbólico e pela interação social entre eles. Referências ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Henri Wallon: Psicologia e educação. 6. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. BEYER, Hugo Otto. O método Reuven Feuerstein: uma abordagem para o atendimento psicopedagógico de indivíduos com dificuldades de aprendizagem, portadores ou não de necessidade educativas especiais. In: Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 4, 1996. Disponível em: <http://www.abpee.net/ homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista4numero1pdf/r4_art07 .pdf>. Acesso em: 18 jul. 2011. BOQUETO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CDCP − Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Paraná. Disponível em: <http:// www.cdcp.com.br/ reuven_feuerstein.php>. Acesso em: 11 de abr. 2011. DANTAS, Heloysa; LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta kohl. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. FONSECA, Vitor da. Educação especial. Programa de Estimulação Precoce. Uma introdução às ideias de Feuerstein. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 12. ed. Petrópolis: Vozes: 2003. UNIUBE 137 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: objetiva, 2009. LOPES, Maria da Glória. Jogos na educação: criar, fazer jogar. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. MASETTO, Marcos. Didática: a aula como centro. 4. ed. São Paulo: FTD, 1997. OLIVEIRA, Marta. kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Editora Scipione, 1997. POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Trad.: Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. TURRA, N. C. Reuven Feuerstein. Experiência de aprendizagem mediada: um salto para a modificabilidade cognitiva estrutural. Revista Educere et Educare, Unioeste v. 2, n. 4, p. 297-310, jul./ dez. 2007. Disponível em: <e-revista.unioeste. br /index.php/educereeteducare/article/.../1358>. Acesso em: 31 mar. 2010. VYGOTSKY, L. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone/Edusp, 1988. Desenvolvimento social e lógico-matemático da criança Parte II Fernanda Sousa Freitas Introdução Os jogos e o conhecimento lógico-matemático: caminho para o desenvolvimento e resolução de problema Capítulo 4 No decorrer da leitura deste capítulo, convidamos você a repensar a importância do uso de jogos para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os jogos se constituem em estratégias interessantes para a resolução de problemas do cotidiano, por isso o uso deles e de materiais concretos por meio de atividades lúdicas precisa ser compreendido por todos os educadores. Logo, proporcionar aos educandos momentos significativos mostrando-lhes esta vivência por meio da lógica matemática, do raciocínio, das músicas e do uso do concreto é imprescindível. Esperamos que ao final deste estudo, com os conhecimentos adquiridos, você possa planejar suas aulas de forma a agregar esses conhecimentos, acompanhar seus alunos de forma sistemática e construir o processo de formaçãodo raciocínio lógico-matemático, proporcionando-lhes condições necessárias para uma real aprendizagem. Nesta perspectiva, sugerimos nesse momento que você cante a música Escravos de Jó. Essa música faz parte do folclore brasileiro. Caso ainda não a conheça, peça para um colega ou amigo cantar com você. Leia a letra que está a seguir, brinque, experimente o resultado da brincadeira, perceba que por meio da música, de uma brincadeira simples, é possível despertar a motivação, compreender o sentido da socialização, do trabalhoem equipe, da atenção, do ritmo, da coordenação motora, entre outros aspectos. 142 UNIUBE Para brincar, os participantes devem estar sentados em forma de círculo. Cada um deve ter na mão uma tampinha ou pedrinha. Seguindo o ritmo da canção, todos devem pegar o objeto que está à sua frente e com a mão direita colocá-lo diante do vizinho da direita. Todos repetem este movimento durante a canção até que as tampinhas deem uma volta completa pelo círculo. Mas, atenção, quando todos cantarem a frase “fazem zigue, zigue, zá”, devem fazer o mesmo movimento com o braço, ou seja, colocar o objeto na frente do vizinho da direita, voltar com o objeto para frente de si, tudo no ritmo da canção e sem soltar o objeto da mão. Escravos de Jó 1 1 Jogavam o caxangá 1 1 Tira, põe 1 1 Deixa o Zambelê ficar 1 1 1 Guerreiros com guerreiros 1 1 Fazem zigue, zigue, zá. 2 3 Observe a legenda: 1 - Colocar a tampinha à frete do vizinho da direita. 2 - Não passar a tampinha. 3 - Batê-la na mesa. Fonte: Domínio público. UNIUBE 143 Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • determinar a importância dos jogos na formação do indivíduo; • estabelecer relação entre o desenvolvimento do raciocínio lógico -matemático e a utilização dos jogos como estratégia de aprendizagem; • identificar o uso dos jogos como mais um recurso educacional; • distinguir os diferentes tipos de jogos que podem ser indicados para a Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental. 4.1 Vamos refletir sobre o ensino da matemática? 4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico-matemático 4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e o uso do material concreto 4.4 Há muito tempo o homem já jogava Objetivos Esquema O estudo deste capítulo será desenvolvido em três momentos, ou seja, concei tuar conhecimento lógico-matemático e estabelecer sua relação com os jogos; determinar a importância do uso dos jogos como estratégia na resolução de problemas cotidianos e na formação do indivíduo; e ainda, distinguir os vários tipos de jogos indicados para a Educação Infantil e para os primeiros anos do Ensino Fundamental. Convidamos você a dar continuidade aos desafios que as situações lúdicas proporcionam referentes ao funcionamento do pensamento, observando que eles nos levam a alcançar níveis de desempenho das ações que vão muito além da simples diversão. Que as brincadeiras também auxiliam na formação da personalidade, uma vez que por meio delas a criança fará amigos e apren derá a conviver respeitando o direito dos outros e as normas estabelecidas pelo grupo. 144 UNIUBE 4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento do raciocínio 4.6 Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem 4.7 Relação entre lúdico e jogos 4.7.1 Jogando com as crianças na Educação Infantil 4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fun damental 4.8 Um jeito diferente de ver a matemática Vamos refletir sobre o ensino da matemática?4.1 Durante muito tempo a matemática foi ensinada nas escolas como uma disciplina isolada de todo um contexto social. Os professores preocupavam-se em ensinar os conceitos básicos, as quatro operações, por exemplo, sem se preocupar com sua aplicabilidade no dia a dia. Você já parou para pensar em quantas situações do seu cotidiano você utiliza dos seus conhecimentos lógico-matemáticos? Pense em tudo o que você faz desde o momento em que acorda até a hora em vai se deitar o quanto a matemática está presente na sua vida. O contato com o concreto e a mediação do professor são fatores essenciais para a construção de um ser pensante, motivador e conhecedor. PARADA PARA REFLEXÃO As noções matemáticas são construídas pelas crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com o meio. Esses conhecimentos são adquiridos e aprimorados no convívio com outras pessoas e com o contato com materiais concretos. A relação entre as práticas educacionais coerentes e o cotidiano permite a formação de um indivíduo que não só conhece, mas sim que pratica e entende a realidade vivida por ele. UNIUBE 145 Se o aluno precisa atravessar a rua em uma esquina e ir até um prédio no meio do quarteirão, tem pelo menos duas opções: a primeira, é fazer o caminho mais rápido cruzando a rua em diagonal – o que não é seguro e o obriga a ver se vêm vindo carros e ter uma noção da velocidade deles; a segunda, é atravessar na faixa de segurança, que talvez seja o caminho mais longo porém seguro. EXEMPLIFICANDO! Se quisermos educar crianças e jovens que se saiam bem não só nas tarefas esco lares como também nas do dia a dia, é importante exercitá- los a pensar. As crianças que não são estimuladas a raciocinar diante de situações-problema, costumam, an tes mesmo de tentar resolvê- -los, perguntar: esse problema é de mais ou de menos? Na tentativa de obter da professora ou do professor se ele deve somar ou subtrair, não se preocupam com “o pensar” como parte da situação que lhe é apresentada. Já quando é estimulada, o “arme e efetue” vira pensamento crítico, raciocínio ágil, participação e opinião. Veja a seguir o que o PCN aborda sobre o aluno e o saber matemático: As necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência essencialmente prática, que permite reconhecer problemas, buscar e selecionar informações, tomar decisões e, por tanto, desenvolver uma ampla capacidade para lidar com a atividade matemática. Quando essa capacidade é potencializada pela escola, a aprendizagem apresenta melhor resultado. No entanto, apesar dessa evidência, tem-se buscado, sem sucesso, uma aprendizagem em Matemática pelo caminho da reprodução de procedimentos e da acumulação de informações; nem mesmo a ex ploração de materiais didáticos tem contribuído para uma aprendiza gem mais eficaz, por ser realizada em contextos pouco significativos e de forma muitas vezes artificial. É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos, reco nhecendo que resolvem problemas, mesmo que razoavelmente complexos, lançando mão de seus conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer relações entre o já conhecido e o novo (BRASIL, 1997, p. 30). 146 UNIUBE Assim, o PCN de Matemática nos esclarece a respeito da importância de tais atividades para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático dos alunos. Observe esse “adivinha”, a seguir: Você dirige um ônibus com dezoito passageiros. Larga os dezoito e pega mais doze e os leva até Vitória, chegando às 8h30 do dia seguinte. Qual é o nome do motorista? EXEMPLIFICANDO! Você já observou que algumas pessoas ao começarem a fazer contas se esquecem de ler atentamente o problema em questão? Afinal, qual é a pergunta do problema? Comentário: o nome do motorista é o seu nome, porque a pergunta começa com “você”. O exemplo citado acima também se aplica a muitas outras situações, não só na ma temática, mas em outras disciplinas também. Não raro nos deparamos com situações em que o aluno explica algo a partir de uma pergunta do professor, mas não atinge o ponto principal da pergunta, se perdendo nas próprias explicações. 4.2 O homem e a aprendizagem do conhecimento lógico- matemático Em muitas situações cotidianas, determinadas pessoas não conseguem ter um bom desempenho, como, por exemplo, interpretar um gráfico, localizar um endereço, cumprir uma atividade comprazo exato para terminar, dentre outros. Será que se tivessem sido mais bem preparadas, atualmente, teriam essas dificuldades? UNIUBE 147 Ensinar Matemática não é apenas resolver cálculos frios, mas envolver o aluno emo cionalmente para que este saiba operar situações cotidianas. Sugerimos que seja ensinado aos discentes a partir da prática do concreto e do lúdico e que seja ”deixado de lado” a forma técnica e abstrata. Isso permite o envolvimento mental e o desenvolvimento da aprendizagem; a aquisição de confiança no seu próprio poder de raciocinar e ser capaz de analisar e resolver situações-problema. Nessa perspectiva, é essencial que a Matemática desempenhe seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na rapidez do raciocínio. Segundo os PCNs de Matemática, [...] o fato de o aluno ser estimulado a questionar sua própria resposta, a questionar o problema, a transformar um dado problema numa fonte de novos problemas, evidencia uma concepção de aprendizagem não só pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL, 1997, p. 45). Outro ponto que deve ser enfocado é que, quanto mais o docente faz uso de atividades lúdicas com a criança, mais ela é capaz de relacionar fatos, ideias e tirar conclusões. Percebemos que as crianças que tiveram oportunidade de praticar relações co merciais (compras, pagamentos, trocas) costumam ser mais capazes de resolver problemas matemáticos envolvendo esses assuntos do que as crianças que não tiveram tais experiências. É justamente esta última ideia que tem motivado os educadores a buscarem meios de fazer a criança explorar o mundo à sua volta. Logo a seguir, uma sugestão de atividade a ser realizada com os alunos. Na montagem de um minimercado, podemos ensiná-los, por exemplo, a voltar troco, a verificar prazo de validade dos produtos, a ensinar a preencher cheque, entre várias outras formas lúdicas de explorar tal atividade (Figura 1). 148 UNIUBE Figura 1: Atividade − montagem de um minimercado em sala de aula. A matemática está presente em tudo e a criança pode explorar o mundo à sua volta, porque as noções matemáticas aparecem com clareza nas situações do cotidiano. Grande parte delas representadas por objetos e atividades concretas, tais como mú sicas, reportagens, contos, poesia, textos contextualizados, jogos que necessitem de raciocínio lógico- -matemático para serem resolvidos, facilitando, assim, a exploração pela criança e um conhecimento mais significativo. Mas o que é conhecimento lógico-matemático? Segundo Borges (2003, p. 57): Quando falamos em conhecimento lógico-matemático, estamos nos refe rindo a uma ação do sujeito e a uma abstração reflexiva que permite a ele tomar consciência das relações que estabelece tanto com os objetos quanto com os eventos do seu cotidiano. O conhecimento lógico-matemático define -se como uma invenção. Abstração Ato ou efeito de abstrair; devaneio; fantasia. Reflexiva O que reflete; ponderada. UNIUBE 149 De fato, o conhecimento matemático não se consolida como um rol de ideias prontas a serem memorizadas. Vai muito além disso. É um processo significativo de ensino de tentativas de uma real aprendizagem. 4.3 A relação entre as fases do desenvolvimento humano e o uso do material concreto O desenvolvimento da inteligência de acordo com o caráter integrativo e que pode ser considerado a idade de forma aproximada, podem ser classificados, de acordo com Piaget, em: • Estágio sensório-motor: vai do nascimento aos dois anos, aproximadamente. • Estágio pré-operatório: de dois aos sete anos, aproximadamente. • Estágio operatório concreto: de sete aos doze anos, aproximadamente. • Estágio operatório formal: de doze anos em diante. Estágio sensório-motor: nessa fase, que vai de zero a dois anos, logo após os primeiros meses de vida, podemos observar que a criança já é capaz de distinguir os objetos externos do próprio corpo. No ponto de vista do desenvolvimento, irá ocorrer a organização psicológica básica em todos os seus aspectos (perceptivo, motor, intelectual, afetivo e social). Do ponto de vista do autoconhecimento, o bebê irá explorar seu próprio corpo, conhecer seus vários componentes e sentir emoções e sensações. Nesse estágio, a presença do adulto é fundamental, pois como uma criança poderá olhar e seguir um objeto sem ninguém para sustentá-la ou acompanhá-la? RELEMBRANDO Por que, no estágio sensório-motor, é necessária a presença de um adulto? Por vários motivos, mas vamos nos deter agora na questão do desenvolvimento cognitivo da criança. O adulto perto de uma criança 150 UNIUBE realiza um papel de fundamental importân cia, principalmente quando esse adulto interage afetivamente, sabe observar e propor atividades que agradem às crianças. Isso faz despertar o interesse pela aprendizagem, além de trabalhar as emoções e os sentimentos delas. Como a criança poderá imitar sons se não encontrar ninguém para pronunciá-los? E se ela própria emitir sons casualmente, como dar continuidade à comunicação? Estágio pré-operatório: segundo Piaget, ele ocorre aproximadamente entre dois e sete anos de idade. Depois de realizar diversas provas, que demonstraram empiricamente, ausência do pensamento conceitual e das noções de conservação e de invariância na criança. Neste estágio, há forte tendência ao imediatismo e egocentrismo. Ressaltamos também que a criança não tem noção da conservação. RELEMBRANDO Empiricamente: baseado em experiências. Egocentrismo: referente ao próprio eu. Imediatismo: sistema de atuar para a vantagem imediata. EXPLICANDO MELHOR Enquanto a criança ainda se encontra na fase pré-operatória, dificilmente realiza operações reversíveis. Piaget realizou várias provas ao longo de suas pesquisas no sentido de com preender e comprovar isso. Observou, por exemplo, que ao colocarmos um líquido em um recipiente transparente e colo carmos o mesmo tanto de líquido em outro recipiente, também transparente, mas de formato bem diferente do primeiro, ela não perceberá a operação de reversibilidade. Reversibilidade A reversibilidade seria a capacidade de voltar, de retorno ao ponto de partida. UNIUBE 151 Ao perguntarmos para uma criança nessa fase se há o mesmo tanto de líquido nos dois recipientes, ela pensará que há mais líquido em um do que no outro recipiente, mesmo que façamos a operação na frente na criança. EXEMPLIFICANDO! Estágio operatório concreto: nessa fase, a criança tem noção de conservação e o pensamento é descentralizado e reversível. Ela é capaz de classificar a partir de várias características, seriar, utilizar mentalmente os números e entender a conservação de quantidades, peso e volume. O julgamento é conceitual e a inteligência da criança manifesta progressos notáveis, porém com limitações. RELEMBRANDO Segundo o exemplo piagetiano, se despejarmos água de dois copos em outros, de formatos diferentes, para que a criança diga se as quantidades continuam iguais ou não, a resposta é afirmativa, uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz de “refazer” a ação, demonstrando, assim, a reversibilidade do pensamento. EXEMPLIFICANDO! Para Borges (2003), a construção da inteligência operatória ocorre por meio do contato com os objetos. Sendo assim, é imprescindível que oportunizemos esse contato para as crianças se desenvolverem plenamente. Estágio operatório formal: nesse estágio, a criança é capaz de abstrair. Ela não se prende mais ao que visualiza imediatamente, aos objetos concretos à sua volta, mas busca uma lógica para solucionar as questões que lhe são apresentadas. RELEMBRANDO 152 UNIUBE Se dissermos para uma criança nesse estágio que “de grão em grão, a galinha enche o papo”, ela trabalhará com a lógica da ideia, ou seja, a metáfora e não com a imagem de uma galinha comendo grãos. EXEMPLIFICANDO! Piaget se preocupoumais com a psicogênese, ou seja, com os mecanismos responsá veis por fazer com que o indivíduo evolua de um estado de menor conhecimento para um de maior conhecimento. Em contrapartida, Vygotsky buscou saber como as funções psicológicas naturais ou primárias constituíam-se em funções psicológicas superiores, a partir da utilização das ferramentas culturais adquiridas pela aprendizagem. Segundo Bruner (1978, p. 36), “o mais importante no ensino de conceitos básicos é ajudar a criança a passar progressivamente do pensamento concreto à utilização de modos de pensamento mais adequados”. Nessa perspectiva, é essencial que seja desempenhado o real papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na agilidade do raciocínio. Para o alcance desses objetivos, é fundamental a interação entre a criança e o meio. Observamos, então, que há diferenças entre o estágio pré-operatório (dois a sete anos, aproximadamente) e o estágio operatório (sete a doze anos, aproximadamente). No estágio pré-operatório ocorre a ausência da conservação e o pensamento é centralizado e irreversível; enquanto no estágio operatório concreto e operatório formal há presença da noção de conservação e o pensamento, aos poucos, vai se descentralizando e tornando-se reversível. Segundo Piaget, a criança utiliza uma lógica diferente em cada etapa de sua vida. os estágios do desenvolvimento da criança aparecem em uma ordem necessária. Esses estágios não podem ser interrompidos, pois um estágio prepara o outro e é construído sobre o anterior. As idades em que eles aparecem são relativas, pois o desenvolvimento de cada um depende da interação do sujeito com seu meio. SINTETIZANDO... UNIUBE 153 Há muito tempo o homem já jogava4.4 Foi registrado por alguns pesquisadores que o primeiro jogo foi inventado por Adão. Dizem que Adão juntava as pedras e separava as mesmas por cores. Logo, observava os pássaros que voavam e separava uma pedra para cada cor que via nas belas aves. O processo sempre recomeçava. No início era só ele, mas ele quis uma companhia, fez um tabuleiro e seu pedido foi atendido. Um de costas para o outro, cada qual co brindo visualmente um lado e anotando as cores. Nesse momento o mundo dos jogos sofreu o primeiro impacto negativo, visto que Eva, a companheira de Adão, logo enjoou daquele jogo. Desde então, os problemas relacionados aos jogos surgiram e ainda hoje eles são considerados a base de sofrimento. Durante muito tempo o ato de jogar foi praticado secretamente apenas pelas castas mais baixas da humanidade. De acordo com Almeida (1998), desde os tempos remotos os jogos eram utilizados como forma de motivar os alunos. Para ele, os humanistas começaram a perceber o valor educativo dos jogos e, assim, os colocaram em prática nos colégios jesuítas. Na Grécia Antiga, Platão já afirmava que os primeiros anos de uma criança devem ser ocupados com jogos educativos numa prática matemática lúdica. Na sua obra, o autor também comenta que os jogos sempre constituíram uma forma de atividade inerente ao ser humano e que entre os primitivos, por exemplo, a atividade de dança, pesca e lutas era tida como de sobrevivência, ultrapassando muitas vezes o caráter restrito do divertimento e prazer natural. Após essas reflexões, podemos perceber o quanto o assunto “jogo associado à apren dizagem” já vem sendo caracterizado como uma atividade de suma importância para todos nós, no que tange ao desenvolvimento de nossas capacidades e habilidades. Casta Camada social hereditária em que os indivíduos são da mesma raça e se casam entre si. 154 UNIUBE Uma crítica feita por Miranda (2001, p. 23) nos faz um alerta. O autor comenta que no transcurso da nossa história da educação muitos autores não defendem a união entre aprendizagem e prazer. Ele explica que “[...] a brincadeira é boa porque é natureza pura representada pela criança. Tornar a brincadeira um suporte pedagógico é seguir a natureza”. É importante ressaltarmos que as brincadeiras sofrem modificações ao longo da his tória, e que, para cada tempo histórico, há uma hierarquia de valores que orientam o conjunto das experiências que alguém apreende pela própria vivência. Tais experiências se refletem nas concepções de criança e de seu brincar. No entanto, não podemos nos esquecer de que toda a criança brinca independentemente de sua condição social, cultural ou tempo histórico, e que a brincadeira ultrapassa as fronteiras da imaginação e inibe quaisquer preconceitos. 4.5 O conhecimento lógico-matemático e o desenvolvimento do raciocínio Para estimular o raciocínio lógico-matemático do aluno, podemos contar histórias e fazer perguntas para que se possa promover um levantamento de respostas diferentes. Logo em seguida, percebemos que a resposta é simples, mas podem surgir dúvidas na hora de esclarecer a questão. Porém, para melhor compreensão, o uso da lógica é imprescindível. Leia atentamente o desafio matemático e procure responder à pergunta a seguir. Uma mulher entrou em uma loja e comprou um par de sandálias por R$ 60,00 e entregou uma nota de R$ 100,00 para pagar. Naquele momento, o comerciante não tinha o troco e pediu que um de seus ajudantes fosse trocar a nota numa sorveteria que ficava próxima. Recebido o dinheiro, deu à freguesa o troco e o par de sandálias que havia sido comprado. Momentos depois, entra na loja de sapatos o dono da sorveteria exigindo a devolução do seu dinheiro dizendo que a nota era falsa. O comerciante viu-se obrigado a devolver a nota de R$ 100,00 que havia recebido. Surge, afinal, uma dúvida: Qual foi o prejuízo que o comerciante teve nesse complicado negócio? EXEMPLIFICANDO! UNIUBE 155 O prejuízo do comerciante foi de R$ 40,00 e um par de sandálias. A resposta é fácil, mas muita gente fica em dúvida, sem saber a resposta correta. Porém, a partir do momento que se usar a lógica, ficará mais hábil e prático. SAIBA MAIS Sabemos que existe diferença entre “brincar por brincar” e brincar quando se tem um objetivo a ser atingido. Em uma linguagem simples e coloquial, Dinello (2007) fala sobre a Expressão Lúdica na educação no período infantil, colocando-a como função educativa. Ele nos convida a não interpretar o jogo como apenas uma brincadeira, sem ter objetivos a serem atin gidos, mas sim como algo planejado com fins determinados. Por que existe uma diferença entre a brincadeira como conduta livre e a brincadeira como conduta lúdica? PARADA PARA REFLEXÃO Sabemos que o conhecimento lógico-matemático vai se desenvolvendo aos poucos e que os jogos estão diretamente ligados a esse desenvolvimento do conhecimento. Segundo os PCNs de Matemática (BRASIL, 1997, p. 48), por meio de jogos, as crianças não apenas vivenciam situações que se repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar por analogia, assim, os significados das coisas passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e a dar explicações. Além disso, passam a compreender e a utilizar convenções e regras que serão empre gadas no processo de ensino e aprendizagem. Essa compreensão favorece sua inte gração num mundo social bastante complexo e proporciona as primeiras aproximações com futuras teorizações. Veja um exemplo a seguir da estrofe retirada do poema “Dia de feira”, de Veneza (2003). Analogia Ponto de semelhança entre coisas diferentes; semelhança. 156 UNIUBE Dia de feira “[...] O vendedor é honesto O freguês fica tranquilo para cada mil gramas eu cobro apenas um quilo” O autor usa uma linguagem comum, como a usada pelos feirantes, em um movimen tado dia de feira. Nesse sentido, pegue um jornal de supermercado e registre suas descobertas encontradas nele que retrate comparações do tipo “mil gramas é equivalente a um quilo”. Registre, entre outras observações, a comparação entre peso e preçode um determinado produto. AGORA É A SUA VEZ Ao observar um jornal de supermercado, podemos comparar produtos de meio quilo, o qual equivale a 500 gramas; outros produtos com 250 gramas, enfim, podemos ainda observar as unidades que apresentarão medida de capacidade e podemos ainda ana lisar as mercadorias e seus respectivos preços. Ana Teberosky e Beatriz Cardoso enfatizam que é através da narração de contos que as crianças começam a entender a narração e a memorizar os começos e os fins das histórias. É por esse motivo que elas sugerem que os contos sejam narrados sempre da mesma maneira. Tais aspectos ajudam as crianças a serem capazes de narrar por si só as histórias e, mais para frente, facilitam-lhes a escrita (TEBEROSKY; CARDOSO, 2000, p. 84-85). O trabalho com histórias não precisa se resumir à leitura e à interpretação. As crianças são capazes de criar suas próprias histórias ou mudá-las de acordo com o enfoque feito pelo orientador. Por exemplo, ao contar a história de Os três porquinhos, pode-se falar que encontrou outros sete porquinhos e então quantos ficaram? EXEMPLIFICANDO! UNIUBE 157 Agindo assim, estaremos propondo desafios para os alunos, indo além da história contada, recriando outras situações. Para Piaget, a criança constrói sua inteligência e seu conhecimento enquanto interage com pessoas e objetos. Quando nasce, a criança traz consigo a capacidade de ser inteligente, mas essa inteligência será construída na ação da criança sobre o mundo e do mundo sobre a criança (REIS, 2004, p. 17). Acreditamos que o educando possa ter sua capacidade estimulada ou tolhida. Isso depende de o educador transmitir a seus alunos confiança para que eles se expres sem verdadeiramente e que as atividades aplicadas sejam de acordo com a idade e a maturidade deles. Esta concepção propicia ao educador uma prática com recursos variados: dos mais simples aos mais elaborados; recursos estes que levam a criança a trabalhar com diversas técnicas e materiais, ampliando o desenvolvimento da capacidade de pensar, compreender e produzir conhecimento. Existem infinitas atividades que demonstram a relação entre raciocínio lógico e per cepção espacial. Uma delas, sugerida aqui, é trabalhar com colagem de materiais. A criança terá que se organizar mental e espacialmente, imaginando o que fará, de acordo com os materiais disponíveis e o tamanho do papel. Nesse tipo de situação, podemos perceber que a criança, ao executar seu trabalho, é capaz de comparar o resultado idealizado com seu real desempenho durante a realização da atividade. Ela é capaz de perceber se vai precisar de uma quantidade maior de material, de replanejar o projeto ou mesmo alterar toda a ideia original. Em alguns casos, a criança não terá nenhum planejamento prévio e terá noção do efeito só após o término da atividade. Observe a sugestão de atividade a seguir, proposta por Reis (2004). Considere que assim como a história de Os três porquinhos poderá sofrer variações desafiadoras, as atividades propostas também poderão ser modificadas, conforme a necessidade dos alunos. Quando propomos para uma criança a separação de materiais para a colagem em caixas ou potes, estamos propondo um trabalho com critérios de classificação, auxiliando-a a desenvolver o raciocínio lógico-matemático. A criança também estará trabalhando a percepção das formas e cores, ao colar e criar a partir de formas geométricas ou do Tangram. Formas geométricas 158 UNIUBE e cores são trabalhadas com o Tangram (também chamado de quebra- cabeça chinês). A criança tem em mãos o desafio de criar com formas geométricas que permitem seu encaixe, compondo inúmeras figuras. As cores de cada peça podem ser determinadas pela própria criança. O Tangram é um quebra -cabeça formado por sete peças de formas geométricas bem conhecidas (veja a Figura 2). São cinco triângulos, um quadrado e um paralelogramo. Sua idade e seu inventor são desconhecidos. Os materiais que serão utilizados para a atividade são: • Tangram • Folha sulfite • Giz de cera • Tesoura • Cola Como realizar a atividade: Copiar um Tangram (veja a Figura 3) para cada criança. Você pode riscar a figura e depois tirar cópia. Peça às crianças que pintem as diversas partes do Tangram como preferirem, usando o giz de cera ou lápis de cor. Depois de pintar, recortar todas as peças. Caso as crianças ainda não trabalhem com a tesoura, o professor poderá cortar as peças (veja as Figuras 2 e 3). Logo em seguida, peça a elas que imaginem o que podem formar com as peças, que experimentem vários “arranjos” para, depois, colá-las em uma folha ou cartolina. Peça a elas que completem a colagem com desenho livre. Organize uma roda de conversa com todos os alunos para que os trabalhos sejam socializados. Você também poderá montar uma exposição ou mural com eles. Figura 2: Tangram. UNIUBE 159 Figura 3: Tangram − modelo básico. Essa atividade também poderá ser realizada em grupos e a partir de um tema proposto em sala de aula. Personagens e objetos também poderão ser formados a partir das peças do Tangran. Com a demonstração de algumas figuras geométricas, você pode associá-las ao cotidiano, permitindo assim que sejam mais bem reconhecidas pelas crianças. A casquinha do sorvete e o chapeuzinho de aniversário apresentam o formato de cone; já a lata de extrato de tomate se assemelha ao cilindro; a roda de um carro pode ser associada ao círculo e o dado é também um cubo. A partir do trabalho com figuras geométrica planas, poderemos trabalhar a construção de sólidos geométricos com as crianças (veja a Figura 4). EXEMPLIFICANDO! Figura 4: Dado fabricado a partir do cubo. Outra sugestão é fazer a planificação das figuras geométricas, pois essa atividade estimula a noção de espaço, a medida, a lateralidade, a coordenação motora, entre outras. Assim, a criança irá aprender com 160 UNIUBE mais prazer e alegria. Além disso, estaremos proporcionando para ela o desenvolvimento de outras habilidades que a confecção dos materiais oferece. Os jogos como estratégia no ensino-aprendizagem4.6 Os jogos desempenham uma função imprescindível no contexto educacional. o aluno, ao brincar, apropria-se de um instrumento de aprendizagem e desenvolve os aspectos emocional, afetivo e cognitivo. Ao jogar, a criança fixa conteúdos já estudados, estimula o pensamento criativo e fa vorece a aquisição do conhecimento, de tal forma que perpassam o desenvolvimento do educando. Como aprender é construir significados e atribuir sentidos, as ações representam mo mentos importantes do conhecer na medida em que a criança realiza uma intenção. Entretanto, é fundamental o estabelecimento de algumas limitações para a realização dos jogos. Cabe a nós, como educadores, sermos cautelosos quanto à utilização do lúdico e dos jogos com nossas crianças. Uma das formas de facilitar o trabalho é organizar situações de aprendizagem nas quais os materiais pedagógicos cumprem um papel de autoins trução, quase como um fim em si mesmo. Segundo Piaget (1994), o jogo assume a característica de promotor da aprendizagem da criança. Ao ser colocada diante de situações de brincadeira, a criança compreende a estrutura lógica do jogo e, consequentemente, a estrutura matemática presente neles. Para Piaget, o professor seria uma peça importante do ensino, devendo estar sempre atento para potencializar todas as situações da sala de aula, não recear problemas difíceis, não temer a perda de tempo e incentivar os alunos a pensarem e relacionarem objetos. Dentro da reflexão construtivista, a aprendizagem é a alavanca do desenvolvimento. Piaget foi um marco importante no estudo do conhecimento lógico- matemático, defen dendo que esse conhecimento estaria na origem de todo o desenvolvimento cognitivo do sujeito, contribuindo muito com suaspesquisas. UNIUBE 161 Vale ressaltar que Jean Piaget cita, em diversas de suas obras, fatos e experiências lúdicas aplicados em crianças e deixa transparecer, claramente, seu entusiasmo por esse processo. Para ele, os jogos não são apenas uma forma de desafogo ou entreteni mento para gastar energia das crianças, mas o meio que enriquece o desenvolvimento intelectual. Segundo Piaget (1994 apud ALMEIDA, 1998), os jogos tornam-se mais significativos à medida que a criança se desenvolve. Os jogos são trabalhados, na maioria das vezes, levando-se em conta qual habilidade se quer desenvolver e/ou o desenvolvimento cognitivo. Podemos separá-los em: Jogos de exercícios ou funcionais: são aqueles sugeridos para o estágio sensório-motor (0 a 2 anos), pois são os primeiros a aparecer no desenvolvimento infantil, ou seja, aqueles que a criança executa com seu próprio corpo, mexendo as mãos, as pernas, balançando o corpo ou a cabeça, aproximando objetos à boca, passando objetos de uma mão para outra. Para tal, ela conquista através da percepção e dos movimentos todo o universo que a cerca. Um exemplo é quando a criança começa a engatinhar. Jogos de fixação ou jogos simbólicos: são sugeridos para o estágio pré-operatório (2 a 7 anos), em que a criança brinca de faz de conta. Implica a representação de um objeto ausente, um objeto imaginado, uma representação fictícia de painéis e/ou cenas. Temos ainda os jogos de construção, quando a criança explora uma determinada situação ou objeto, refazendo inúmeras vezes o percurso: monta e desmonta, combina objetos entre si. Nessa fase, o mais importante que acontece é o aparecimento da linguagem, que irá acarretar modificações nos aspectos intelectual, afetivo e social da criança. Como exemplo, podemos lembrar os jogos de treinamento. Jogo simbólico não é um esforço de submissão do sujeito ao real, mas, ao contrário, uma assimilação deformada da realidade do eu (PIAGET, 1971, p. 29). RELEMBRANDO 162 UNIUBE Jogos de regras: são sugeridos para o estágio operatório (após os sete anos), em que a regra resulta da organização coletiva das atividades lúdicas e é uma regularidade construída e seguida pelo grupo social. Inclui elementos sensório-motor associados à competição entre os indivíduos. Nessa categoria de jogo, as regras podem ser repassadas ou podem ser estabelecidas por acordo entre os participantes no momento em que jogam. Aqui nesse estágio, constatamos que as funções psicológicas, especificamente humanas, originam-se nas relações de indivíduo e seu contexto mental, social e cultural. Como exemplo temos os jogos de tabuleiro, memória, dominó, entre outros jogos estratégicos e virtuais que promovem o desenvolvimento do raciocínio e da lógica do jogador. Sabemos que o computador deve ser utilizado como uma ferramenta educacional que complementa e aperfeiçoa a qualidade do ensino e aprimora as habilidades do aluno. Estamos vivendo em uma época de muita tecnologia em que cresce o número de informações disponíveis. Segundo Veiga (2001), entender o binômio “computador e educação” é perceber que o computador se tornou um instrumento, uma poderosa ferramenta para a aprendizagem intelectual e cognitiva, levando o indivíduo ao desabrochar das suas potencialidades, criatividade e inventividade. Se levarmos em consideração o fato de a tecnologia estar cada dia mais presente no cotidiano de adultos e crianças, então, por que não aproveitar o computador também para criar? PARADA PARA REFLEXÃO Reis (2004) sugere atividades que podem ser realizadas no computador por crianças de dois a seis anos de idade. Segundo a autora, o ideal para esse tipo de atividade, para que surta o efeito desejado, é que os alunos já tenham familiaridade com o manejo do computador. Devemos verificar primeiramente se as máquinas que serão utilizadas possuem programas que possibilitam a realização de desenhos, inserção de figuras, como o Paint, entre muitos outros programas bem interessantes e que podem ser adquiridos gratuitamente por meio de sites na internet. UNIUBE 163 Poderemos pedir então que as crianças desenhem, insiram figuras, modifiquem-nas e, quando o trabalho estiver pronto, é só imprimi-lo. Após imprimir, podemos pedir que complementem os desenhos com colagens, sucata, entre outros materiais; podem recor tar pintar, colar em outra folha. Mas se não quisermos imprimir, podemos preparar uma apresentação em PowerPoint para que toda a turma veja os trabalhos uns dos outros. Ressaltamos que a criança apresenta características próprias de sua idade, embora sofra várias influências do processo humano. Os jogos educativos são produtivos aos professores e aos alunos, pois ajudam na aprendizagem dos conteúdos matemáticos, entre outros conteúdos também. Sua utilização auxilia no desenvolvimento da capacidade de pensar, refletir e compreender conceitos com maior precisão, de uma forma mais real e apropriada do conhecimento envolvido. SINTETIZANDO... Para Borges (2003), resolver problemas e fazer contas são dois desafios diferentes, pois desconhecer a técnica de se fazer cálculos escritos não significa, em absoluto, não saber raciocinar e, muito menos, que não se consiga encontrar estratégias para resolver problemas. De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997, p. 33), um problema matemático pode não ter a disponibilidade de solução logo no início; no entanto, é possível construí-lo. Resolver um problema pressupõe que o aluno: “elabore um ou vários procedimentos de resolução (por exemplo, realizar simulações, fazer tentativas, formular hipóteses); compare seus resultados com os de outros alunos; valide seus procedimentos”. O uso dos jogos como estratégia no ensino-aprendizagem permite que os alunos te nham situações desafiadoras para resolver problemas e permite, ainda, trabalhar para elaborar estratégias de resolução. Podemos observar a diversidade de comportamento das crianças para construir meios para a vitória, como também as reações diante da derrota. Toda derrota no jogo gera revolta, porém é nessa situação que o professor deve intervir pacientemente e dar apenas sugestões verbais sem fazer julgamentos. É necessário que o professor ajude o aluno derrotado 164 UNIUBE a superar o sentimento de frustração e que este aprenda a construir estratégias para uma próxima vitória. Podemos tomar como exemplo o jogo de boliche. Uma das atividades que se pode trabalhar com esse tipo de jogo é a tabuada. Seguem abaixo algumas considerações sobre o jogo, segundo Reis (2004): Podemos confeccionar o jogo com as crianças. Para tanto, necessitaremos dos se guintes materiais: • 8 garrafas plásticas de refrigerante (pet) ou água mineral; • 2 meias de náilon já gastas; • Linha e agulha; • Barbante; • Jornal; • Papel, caneta hidrocor; • Fita adesiva. Para confeccionar a bola, amasse o jornal e coloque-o até metade da meia, apertando bem para que forme uma bola. Amarre a meia na metade com o barbante e vire a parte que sobrou por cima da bola. O professor terá que costurar a ponta da meia. Para confeccionar as garrafas, basta numerá-las, colando em cada uma números escri tos de um a oito. Os números podem ser feitos de papel, EVA, cartolina ou outro material. O jogo consiste em derrubar as garrafas jogando a bola. Ao longo do jogo, os pontos devem ser registrados em um quadro ou caderno. Podemos também aproveitar a bola confeccionada para o boliche para jogar com os alunos “bola ao cesto”. Basta pegarmos um balde, riscar no chão um limite de distân cia para as crianças se posicionarem e definir quantas jogadas (chances) cada aluno terá para acertar a bola dentro do balde. os pontos também podem ser marcados e somados no final. As garrafas do boliche também podem ser utilizadas para o tradicional “jogo de argolas” (veja a Figura 5). UNIUBE 165 Figura 5: Jogo de argolas confeccionado com sucata. O aluno joga uma argola de cada vez e realizaa operação matemática com os números sorteados. A operação matemática a ser feita acontece com a sugestão e intervenção do professor. Grando (1995), citado em Passos (2006), afirma que a utilização dos jogos implica vantagens e desvantagens que devem ser refletidas e assumidas pelos professores. As vantagens são: fixação de conceitos já aprendidos de uma forma motivadora para o aluno; introdução e desenvolvimento de conceitos de difícil compreensão; desenvolvi mento de estratégias de resolução de problemas (desafio dos jogos); aprender a tomar decisões e saber avaliá-las; significação para conceitos aparentemente incompreensí- veis; propicia o relacionamento das diferentes disciplinas; o jogo requer a participação ativa do aluno na construção do seu próprio conhecimento; favorece a socialização entre os alunos e a conscientização do trabalho em equipe. A utilização dos jogos é um fator de motivação para os alunos; entre outras coisas, o jogo favorece o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico, da participação, da competição “sadia”, da observação, das várias formas de uso da linguagem e do resgate do prazer de aprender. Como desvantagens, ele cita: quando os jogos são mal utilizados, existe o perigo de dar ao jogo um caráter puramente aleatório, tornando-se um “apêndice” em sala de aula. Os alunos jogam e se sentem motivados apenas pelo jogo sem saber por que jogam; o tempo gasto em atividades de jogo em sala de aula é maior e, se o professor não estiver preparado, pode existir um sacrifício de outros conteúdos pela falta de tempo; as falsas concepções de que se devem ensinar os conceitos através de jogos. Então as aulas se transformam em verdadeiros cassinos, também 166 UNIUBE sem sentido algum para o aluno; a perda da “ludicidade” do jogo pela interferência constante do professor, destruindo a essência do jogo; coerção do professor, exigindo que o aluno jogue, mesmo que ele não queira, destrói a voluntariedade pertencente à natureza do jogo. Observamos o fato de que o jogo somente despertará habilidades se, ao ser construído e aplicado pelo professor, for também planejado para não se tornar um “jogo por jogo”. Os jogos e brincadeiras vêm assumindo um papel cada vez mais essencial no contexto educacional. Sabemos que cabe a nós, como educadores, sermos cautelosos quanto à utilização do lúdico com nossas crianças. Relação entre lúdico e jogos4.7 O jogo é uma prática que auxilia o desenvolvimento infantil, constrói e potencializa o conhecimento. Ludicidade e jogo são a combinação ideal, pois por meio dessa parceria é dada à criança a possibilidade de uma participação ativa e natural, em que a natureza lúdica e prazerosa, inerente a diferentes tipos de jogos, tem servido de argumento para fortalecer essa concepção. Através do uso de jogos e atividades lúdicas, podemos ter mais compreensão, assimi lação e fixação dos conteúdos pedagógicos. Seu uso permite ainda o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, da autonomia e da observância às regras, além de estimular a competitividade construtiva e a criatividade. Para isso, é necessário que o docente tenha conhecimento da importância da escolha de estratégias e do jogo mais adequado para sua turma, considerando a idade e as características delas. Somente assim pode explorar situações-problemas geradas pela própria característica dos jogos e do uso do material concreto; fazer um trabalho de socialização beneficiando os discentes cognitivamente. UNIUBE 167 A fita métrica torna-se um excelente material didático para auxiliar no desenvolvimento lógico-matemático das crianças. o aluno poderá construir sua fita e a própria confecção dela já se torna um excelente exercício (Figura 6). Basta riscar em um papel, utilizando uma régua, as tiras para a montagem da fita com as marcações dos centímetros. Depois disso, o aluno recorta as tiras colando-as, formando, assim, a fita. De posse dela, ele poderá medir vários objetos em sala de aula, como sua carteira, a altura da cadeira, a largura da porta da sala, entre outros materiais. EXEMPLIFICANDO! Figura 6: Fita métrica feita de papel. Segundo Bruner (1978), o mais importante no ensino de conceitos básicos é ajudar a criança a passar progressivamente do pensamento concreto à utilização de modos de pensamento mais adequados. Para Danyluk (1998), o processo da aquisição da escrita em Matemática é altamente complexo, abrangendo a compreensão, a interpretação e a comunicação de idealidades matemáticas. Nessa perspectiva, ressaltamos que a Matemática pode ser ensinada através de contos, poesias, músicas, brincadeiras, cantigas de roda, enfim, algo que motive os alunos. Entre outras relações entre ludicidade e jogos, podemos destacar que ambos favorecem o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico, propicia a construção do trabalho em equipe e requer participação ativa do aluno na construção do seu próprio conhecimento. Para demonstrar a relação entre o lúdico e jogos, Borges (2003) sugere também uma série de atividades em que o professor poderá trabalhar a noção de quantidade, fazendo o uso da música, de forma alegre e prazerosa para o aluno. Observe os exemplos a seguir: 168 UNIUBE Um elefante incomoda muita gente/ Dois elefantes incomodam muito mais... O meu chapéu tem três pontas/ Tem três pontas o meu chapéu... Coelhinho da páscoa/ Que trazes pra mim/ Um ovo, dois ovos/ Três ovos assim... Com essas cantigas folclóricas podemos realizar com as crianças uma série de brinca deiras que auxiliam no desenvolvimento de habilidades psicomotoras. Como pode um peixe vivo viver fora da água fria... Escravos de Jó jogavam caxangá... Eu entrei na roda. Ai, eu não sei como se dança... Existem cantigas que exploram a contagem. Observe o exemplo e veja se você já escutou alguém cantarolá-las: A galinha do vizinho/ Bota ovo amarelinho/ Bota um, bota dois/ Bota três, bota mil... Um, dois/ Feijão com arroz/ Três, quatro/ Feijão no prato... Jogos como amarelinha, peteca, pular corda, Maria Viola, entre outros, dão a oportuni dade de trabalharmos com as crianças diversas habilidades ao mesmo tempo. Maria Viola Uma criança, de costas para o grupo, joga uma bola pequena, que deverá ser pega e escondida, com as mãos para trás, ao que todos dizem: Maria Viola, com quem está a bola? Ela deverá adivinhar. Acertando, joga novamente. Errando, será a “Maria Viola” quem estiver com a bola. EXEMPLIFICANDO! Resgatar brincadeiras e jogos presentes em nossa cultura pode se tornar uma tarefa prazerosa junto às crianças. Além disso, auxiliamos para que essa memória cultural não se perca no tempo. UNIUBE 169 4.7.1 Jogando com as crianças na educação infantil Prazer e alegria não podem se dissociar. O desenvolvimento da criança se dá a partir de atividades lúdicas, pois os jogos funcionam como uma forma de equilíbrio entre a criança e o mundo. Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde represen- tar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória e a imaginação. Amadurecem também algumas capa cidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais (BRASIL, 1998, p. 22). A brincadeira sempre esteve presente na vida do homem, dos mais remotos tempos até os dias de hoje, porque a brincadeira nada mais é do que o ato de brincar com um brinquedo ou mesmo um jogo. No início a criança brinca apenas com o objetivo de se comunicar e desenvolver sua imaginação. À medida que ela amadurece, a brincadeira passa a ser um objeto de socialização dela com o meio. Em seu livro A criança em idade pré-escolar,Borges (2003, p. 39) cita o RCNEI (BRASIL, 1998), que propõe um trabalho que leve em consideração a importância da expressão em diferentes linguagens e também sobre o aprender brincando em situações diversificadas, salientando a importância do referencial como fonte de consulta para nortear o trabalho do professor. Muitas brincadeiras estão intimamente relacionadas ao desenvolvimento neuropsicomotor. 170 UNIUBE 1. Relaxamento e estimulação das sensações musculares, táteis e articu- latórias a) Imitar animais b) Brincar de estátua c) Passar anel d) Cabra-cega 2. Atividades de coordenação motora geral, equilíbrio, coordenação espaço- temporal coordenação visomotora, lateri- dade, estimulação sensorial. a) Pular corda b) Dança da cadeira c) Corrida do ovo ou da batata d) Corrida do copo d'água e) Corrida do saco f) Encher garrafas g) Queimada 3. Atividades neuropsicomotoras complexas envolvendo todas as áreas do desenvolvimento. a) Pique-esconde b) Amarelinha c) Cabo de guerra d) Peteca, basquete, fazer e soltar pipas EXEMPLIFICANDO! Segundo Borges (2003, p. 93), na Educação Infantil, “nas relações lógico- -matemáticas como os objetos, os conceitos temporais e a nomenclatura que os acompanha, deverão estar apoiados nas ações concretas e vivenciados pela criança”. Pense em uma atividade lúdica que propicie a vivência da relação temporal e que poderá ser realizada com crianças da Educação Infantil. Registre em seu caderno, troque ideias com seus colegas de turma. AGORA É A SUA VEZ Sugerimos reproduzir sequências criadas com materiais concretos, observando os conceitos de primeiro, segundo e último; criar um quadro com os dias da semana, com espaço suficiente para registro de fatos marcantes, entre outras possibilidades. UNIUBE 171 Existe um material concreto muito utilizado nas escolas conhecido como blocos lógi cos (veja na Figura 7). Esse material pode ser encontrado nas versões em madeira ou material emborrachado. Ele consiste em um conjunto de 48 figuras geométricas com quatro formas (círculo, quadrado, triângulo e retângulo), dois tamanhos (grande e pe queno) e duas espessuras (fino e grosso), nas cores: vermelho, amarelo e azul. Sua função é dar às crianças a chance de realizar as primeiras operações lógicas, como correspondência e classificação de conceitos que, para nós, adultos, são automáticos quando pensamos nos números. Diversas atividades podem ser planejadas para as séries iniciais, a fim de desenvolver as habilidades de comparação e classificação, que são dois processos mentais básicos na aprendizagem de matemática. Figura 7: Blocos lógicos 4.7.2 Jogando com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental Não podemos esquecer dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Para Borges (2003), o número, como um conhecimento lógico-matemático, precisa ser compreen dido pela criança e, nesse sentido, os jogos se constituem em uma excelente estraté gia. Muitas práticas educativas tendem a confundir a ideia de número (conhecimento lógico-matemático) com a ideia de numeral (conhecimento social) e os jogos auxiliam as crianças nessa diferenciação. Entre várias possibilidades, a autora sugere o dominó, o baralho, a utilização da música marcando quantidade e também as brincadeiras com jogos folclóricos, que explorem a contagem, entre outros. Em relação ao conceito número-numeral, podemos aplicar todos os jogos de regras que levem a criança a contar em sequência; observá-la e saber 172 UNIUBE consultar a série numérica escrita, tais como régua, fita métrica, calendário, entre outros. Comparar e produzir escritas numéricas a partir da constatação delas em revistas, embalagens, telefones, numeração das casas, placas de carro, relógios, calendário, folhetos de propaganda, resolver problemas em que apareçam noções de agrupamento e subtração e ensinar a tabuada usando músicas. De acordo com os PCNs de Matemática, “um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer” (BRASIL, 1997, p. 49). Logo, é necessário que os jogos aconteçam de forma organizada dentro do âmbito escolar. Sabemos que os profissionais encontram dificuldades em integrar jogos nos conteúdos programáticos e que não seguem uma linha teórica específica, visto que utilizam como referencial seu trabalho diário. Outra questão é o procedimento metodológico, pois cada professor adota um tipo de procedimento para acompanhar o desenvolvimento de suas atividades. Conceber o jogo como atividade apenas de prazer e diversão, negando seu caráter educativo, é uma concepção ingênua e sem fundamento. Agora, se o jogo representa uma situação-problema a ser resolvida pela criança e a solução deve ser construída por ela mesma, não faz sentido brincar por brincar, sem adquirir conhecimento. Os jogos trabalham a socialização, a cooperação e a percepção da necessidade de estabelecer e seguir regras. Jogando, a criança de senvolve estratégias, antecipa fatos e trabalha o raciocínio. A grande maioria dos jogos e brincadeiras trabalha com conceitos matemáticos: longe/perto, muito/pouco, dentro/fora, sequência numérica, noção de espaço e quantidade, portanto, eles podem (e devem) ser usados com essa finalidade também. Ao fazer times para uma brincadeira, problematize a situação: pergunte às crianças como será dividida a classe, quantas crianças farão parte de cada time, quanto material será necessário, quantos pontos cada membro da equipe fez e quantos pontos foram feitos no total, quem fez mais e menos pon tos. É importante não estimular a competitividade entre as crianças, lembrando que o importante é brincar (REIS, 2004, p. 29). Genuíno Autêntico; real; legítimo. UNIUBE 173 A seguir sugerimos algumas ideias e práticas que podem ser realizadas com crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Material dourado de Montessori: é destinado a atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração decimal-posicional e dos métodos para efetuar as operações fundamentais. Com o Material dourado (veja Figuras 10 e 11), as relações numéricas abstratas passam a ter uma imagem concreta, facilitando a compreensão. Ele faz parte de um conjunto de materiais idealizados pela médica e educadora italiana Maria Montessori. É constituído por cubinhos, barras, placas e “cubão”. O cubão representa o milhar, ou seja, mil unidades. A placa representa a centena, ou seja, cem unidades. A barra representa a dezena, ou seja, dez unidades. O cubinho representa uma unidade (veja Figura 8). Figura 8: Material dourado. Podemos mostrar aos alunos que se pegarmos dez cubinhos, ou seja, dez unidades, teremos uma barra (veja a Figura 9). Figura 9: Material dourado. Agora, podemos perceber que dez barras com dez unidades cada correspondem a uma placa com cem unidades (veja a Figura 10). 174 UNIUBE Figura 10: Material dourado. E, finalmente, com dez placas com cem unidades cada uma, podemos representar o “cubão” com mil unidades (veja a Figura 11). Figura 11: Material dourado. Segundo kishimoto (2005, p. 84), devemos levar em consideração que “o importante é entender e levar em consideração o que cada jogo ou brincadeira pode ensinar. os estudos apontam que todo tipo de regra, em qualquer brincadeira, jogo ou até mesmo esportes, ajuda na maturação do raciocínio e do pensamento lógico”. Com o Material dourado, podemos realizar diversas atividades lúdicas com as crianças; fazer uma roda e propor desafios, reuni-las em grupose com a utilização de dados. Podemos propor jogos diferentes, entre muitas outras possibilidades. UNIUBE 175 Um jeito diferente de ver a matemática4.8 É necessário compreender o significado da Matemática na nossa vida porque ela está presente a todo momento. Voltar um troco, calcular o aumento de salário ou até mesmo entender questões relacionadas ao país, tais como inflação e mudanças no sistema monetário, poderão ser mais bem entendidas quando aprendemos a desenvolver as habilidades nos conteúdos matemáticos. Reflita como a Matemática está presente no seu cotidiano e peça para seu aluno ve rificar ao seu redor que em inúmeras situações poderá vivenciá-la (Figuras 12 a 15). Figura 12: padrão de apartamento. Figura 13: Placa do veículo. Figura 14: Numeração de residências. Figura 15: Numeração de telefone Esses exemplos são apenas uma mostra da diversidade possível de se vivenciar no cotidiano de qualquer criança. Outros exemplos interessantes são o preço contido nas embalagens, as quantidades expressas nessas mesmas embalagens, os diferentes portadores de textos de sinalização, as placas indicativas e muitos outros elementos que permeiam as experiências de todos nós. 176 UNIUBE Assim, podemos também pensar outras maneiras de apresentar ao nosso aluno con ceitos matemáticos. Vejamos o exemplo das olimpíadas. A participação em olimpíadas e feiras de conhecimentos é imprescindível na prática pedagógica, pois propicia o contato do aluno com a realidade cotidiana, favorecendo assim o conhecimento integrado com diversas áreas. Ao participar de feiras culturais, o aluno tende a se envolver ao máximo. Sua dedicação envolve os aspectos físico, cultural, intelectual e emocional, criando um fator motivador bastante interessante para o processo de aprendizagem matemática. Essa é uma forma interessante de trabalho, pois nesses eventos eles se sentem mo tivados, participantes de todo o processo de realização da atividade. Devemos deixar os alunos demonstrarem suas habilidades e seus conhecimentos, auxiliando-os no desenvolvimento da sua capacidade criadora e também da construção de uma autoi magem positiva. O contato com materiais concretos é um fator essencial para o aprendizado, para que o aluno perceba o quanto a Matemática faz parte de nossas vidas. Por meio de maquetes, eles podem construir e ter noção de espaço e medidas, além de aprender a calcular facilmente o perímetro e a área de figuras planas e assim compreender mais facilmente esses conceitos. Outros materiais descartáveis devem fazer parte de nossas aulas, tais como: caixas, garrafas, latas, entre outros. Com o uso de materiais concretos fica mais fácil trabalhar com medidas de proporção e semelhança de objetos em um estágio mais avançado. Alguns materiais podem ser fabricados pelo próprio professor ou mesmo pelo aluno. Podem ser de madeira, papelão ou outro material que dê o efeito desejado. Aqui estão alguns recursos que podem ser utilizados para aplicação de conceitos ma temáticos. Podemos trabalhar com o conceito de fração com blocos de madeira (veja a Figura 16). UNIUBE 177 Figura 16: Blocos de madeira. Podemos trabalhar com os sólidos geométricos, mostrando o que é face, arestas, ân gulo, entre outros aspectos, com caixas de papelão (veja a Figura 17). Figura 17: Paralelepípedo ou bloco retangular. A interdisciplinaridade permite uma ligação entre o fazer e o compreender. Por meio dela podemos trabalhar noções de lateralidade e espaço, ordem crescente e decrescente e medidas comparativas. A educação tradicional privilegiava fórmulas para se decorar os conteúdos em detrimento de práticas de desenvolvimento do raciocínio, assim as cópias e o “siga o modelo” eram estratégias metodológicas usuais. Atualmente, há um “novo olhar para o ensino de matemática”, e dessa maneira conseguimos despertar o interesse dos nossos alunos com interessantes atividades aplicadas em sala de aula. Uma das formas relevantes para tal objetivo é trabalhar com problemas matemáticos contextualizados. 178 UNIUBE Veja a seguir um exemplo: Como é possível um pai, cujo peso é de 90 kg e seus filhos de 30 e 50 kg, respectiva mente, atravessarem um rio, usando um barco se este suporta no máximo 90 kg? Comentário: Primeiro vão os dois filhos juntos, 30 e 50 kg; fica uma criança e volta a outra, ficando do outro lado aguardando; vai o pai e atravessa; volta um filho e busca seu irmão, ficando todos do outro lado e atingindo o objetivo de ter todos atra vessado o rio sem que o barco tenha se afundado, pois não houve sobrecarga de peso. Sugerimos, ainda, para um trabalho diversificado e lúdico, o desenvolvimento de alguns jogos, como veremos a seguir. Caixa mágica O desafio consiste em abri-la e, para tal, o aluno deverá desco brir, por meio de ensaios, em qual local deverá empurrar uma das laterais, para que ela se abra. Esse jogo é indicado para o trabalho com crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental (Figura 18). Por meio dessa atividade, a criança manipula o objeto, per cebendo as diferentes faces, ângulos, arestas, vértices e reentrâncias dela. Figura 18: Caixa mágica. Dominó da multiplicação O dominó é um jogo que propicia a percepção do uso concreto da tabuada, de maneira divertida (Figura 19). É ainda um momento precioso de socialização com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Face Elemento de uma forma espacial. Ângulo Figura formada por duas semirretas de mesma origem. Aresta Segmento de reta comum a duas faces em sólido geométrico. Vértice Ponto comum de lados e de arestas. UNIUBE 179 Há também diversas cantigas que podem ser usadas na aprendizagem da tabuada, propiciando a diversidade de estratégias para o ensino. Figura 19: Dominó da multiplicação. Boliche das operações matemáticas Construído a partir de materiais reciclados e de sucata, o boliche das operações mate máticas é muito interessante no dia a dia escolar e as crianças podem colaborar na sua confecção, proporcionando também outras aprendizagens, como cooperação, regras e divisão do trabalho em grupo (Figura 20). Figura 20: Boliche das operações matemáticas. O professor pode diversificar o boliche com as quatro operações matemáticas com diferentes graduações de dificuldades, de acordo com a idade e a aprendizagem de seus alunos. 180 UNIUBE Dominó das figuras geométricas Figura 21: Dominó das figuras geométricas. Nesse dominó, o intuito é identificar as figuras geométricas e associá-las a outras formas que se apresentem, de maneira lúdica. Conclusão4.9 A utilização de material concreto, a resolução de problemas de forma contextualizada e a aplicação de jogos em sala de aula oportunizam a cooperação mútua e a participação do professor e alunos à busca incessante de elucidar o problema proposto. Essas estratégias metodológicas para o ensino da Matemática auxiliam na assimilação e na fixação dos conceitos e conteúdos mais significativos para os alunos. Porém, é importante que o professor prepare suas aulas, pois um bom planejamento é fator determinante para uma real aprendizagem. Para Miranda (2001, p. 23): Prazer e alegria não se dissociam jamais. O “brincar” é incontesta velmente uma fonte inesgotável desses dois elementos. O jogo, o brinquedo e a brincadeira sempre estiveram presentes na vida do homem, dos mais remotos tempos até os dias de hoje, nas mais variadas manifestações(bélicas, filosóficas, educacionais). O jogo pressupõe uma regra, o brinquedo é o objeto manipulável UNIUBE 181 e a brinca deira nada mais é que o ato de brincar com o brinquedo ou mesmo com o jogo. Jogar também é brincar com o jogo. O jogo pode existir por meio do brinquedo, se os brincantes lhe impuserem regras. Percebe-se, pois que jogo, brinquedo e brincadeira têm conceitos distintos, todavia estão imbricados; e o lúdico abarca todos eles. O lúdico propicia uma situação favorável ao interesse pela matemática e, consequente mente, sua aprendizagem, desde a Educação Infantil, trilhando um importante caminho para os anos iniciais do Ensino Fundamental. É importante ressaltar que quando fazemos uso de atividades lúdicas com a criança, ela demonstra suas necessidades e interesses espontaneamente e desenvolve o raciocínio dedutivo lógico de forma natural e prazerosa. Acreditamos que os estudos e as experiências apresentados neste capítulo contribuem para uma prática diferenciada, despertando em nossas crianças um novo olhar sobre a Matemática. Resumo Neste capítulo você foi convidado a repensar a importância do uso de jogos e atividades lúdicas para a construção do processo de formação do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Dividimos o estudo em três partes distintas, para facilitar a compreensão da proposta apresentada. Inicialmente abordamos a conceituação do conhecimento lógico-mate mático e sua relação com os jogos, em seguida, discutimos a importância do uso dos jogos como estratégia na resolução de problemas cotidianos e na formação do indiví duo. Finalizando este nosso estudo, trouxemos uma reflexão sobre a distinção entre os vários tipos de jogos indicados para a Educação Infantil e para os primeiros anos do Ensino Fundamental. Ao explorar o contexto em que ocorre a relação entre o conhecimento lógico-matemático e os jogos, pudemos compreender que ambos não 182 UNIUBE se dissociam, pois por meio dos jogos e das atividades lúdicas ocorre o caminho perfeito para a construção do processo de formação do raciocínio lógico-matemático. E assim buscamos consolidar a importância do uso dos jogos como estratégia meto dológica, para a resolução dos problemas cotidianos e da formação do indivíduo, nos aspectos: cognitivo, motor, social e cultural, tendo como ponto de apoio a utilização de materiais concretos no desenvolvimento de atividades lúdicas. Finalmente, vamos apresentar e discutir diferentes sugestões de jogos e brincadeiras, que podem ser construídos pelo professor, com a colaboração de seus alunos, pro curando indicar sua utilização de acordo com a fase de desenvolvimento da criança. Esperamos que seu estudo seja lúdico e prazeroso e que você compreenda a relação entre o desenvolvimento do raciocínio lógico- -matemático e a utilização dos jogos e das brincadeiras, como prática pedagógica possível e desejável. Atividades Atividade 1 Ter raciocínio ágil é importante. Segundo Bruner (1978, p.12), [...] o pensamento intuitivo e o treinamento dos palpites é algo des prezado e essencial do pensamento produtivo, não apenas nas dis ciplinas acadêmicas formais, como na vida cotidiana [...]. Ele afirma que as adivinhações e tentativas contribuem para um pensamento rápido em qualquer que seja o campo. A adivinhação sagaz, a hipótese fértil, o salto arrojado para uma conclusão tentativa − essa é a moeda mais valiosa do pensador em ação. Nesse sentido, poderá a criança em idade escolar conquistar esse dom? Comente essa frase. UNIUBE 183 Atividade 2 Ao longo da leitura deste capítulo, você estudou a respeito da importância do uso dos jogos como estratégia para o desenvolvimento do raciocínio no contexto educacional. Leia com atenção as afirmativas que se seguem. Escreva, nos parênteses ao lado de cada afirmativa, “V”, se for verdadeira, e “F”, se for falsa. I - ( ) Favorece o desenvolvimento da criatividade e do senso crítico. II - ( ) Dificulta o trabalho em equipe. III - ( ) Propicia o relacionamento das diferentes disciplinas. IV - ( ) Ajuda as aulas a se transformarem em verdadeiros cassinos. VI - ( ) Motiva os alunos e desenvolve estratégias para a resolução de problemas. A sequência correta está contida em: a) ( ) V, F, F, F, V b) ( ) V, F, V, F, V c) ( ) F, V, V, F, V d) ( ) F, V, F, V, F e) ( ) V, V, F, V, F Atividade 3 Você estudou sobre o uso da lógica no cotidiano. De acordo com a definição dos PCNs de Matemática, vimos que: [...] o fato de o aluno ser estimulado a questionar sua própria resposta, a questionar o problema, a transformar um dado problema numa fonte de novos problemas, evidencia uma concepção de aprendizagem não só pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL, 1997, p. 45). Nesse sentido, reflita a respeito de quantas situações do dia a dia não conseguimos desempenhar com agilidade porque não desenvolvemos habilidade de raciocinar. Escreva um pequeno texto com suas reflexões sobre isso. 184 UNIUBE Atividade 4 Leia o trecho extraído do PCN de Matemática: O fato de o aluno ser estimulado a questionar sua própria resposta, a questionar o problema, a transformar um dado problema numa fonte de novos problemas, evidencia uma concepção de aprendizagem não só pela mera reprodução de conhecimentos, mas pela via da ação refletida que constrói conhecimentos (BRASIL, 1997, p. 45). Nesta perspectiva, qual é o procedimento sugerido para ser usado com o aluno da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental, a fim de auxiliá-lo na construção do seu próprio conhecimento? Atividade 5 Para estimular o raciocínio lógico-matemático do aluno, podemos contar histórias e fazer perguntas para que se possa promover um levantamento de respostas diferentes. Logo em seguida, percebemos que a resposta é simples, mas podem surgir dúvidas na hora de esclarecer a questão. Podemos também expor uma poesia, por exemplo, e a seguir sugerir que o aluno a reescreva usando termos matemáticos. Seja criativo e aponte uma sugestão. Escolha uma poesia que você conhece ou pes quise, enfim, registre-a, mudando o poema, usando termos matemáticos. Referências ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica; prazer de estudar. Técnicas e jogos pedagógicos. Rio de Janeiro: Loyola, 1998. ANTUNES, Celso. O jogo e a educação infantil. Petrópolis: Vozes, 2003. BORGES, Teresa Maria Machado. A criança em Idade pré-escolar: desenvolvimento e educação. Rio de Janeiro: Editora Vitória, ed. rev. e atual. 2003. UNIUBE 185 BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais, 1ª a 4ª séries: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo, volumes 2 e 3. Brasília, 1998. BRUNER, J. S. o. O processo da educação. São Paulo: Nacional, 1978. BORIN, Júlia. Jogos e resolução de problemas: uma estratégia para as aulas de Matemática. 6. ed. São Paulo: IME/USP, 1996. D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria e prática. Campinas: Papirus, 1996. DANYLUK, Ocsana. Alfabetização Matemática. Revista Galileu, p. 84, abr. 1998. DINELLO, Raimundo Angel. Expressão ludocriativa. Uberaba: Universidade de Uberaba, 2007. GRANDO, R. C. A. O jogo e suas possibilidades metodológicas no processo ensino-aprendizagem da matemática. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Campinas: Unicamp, 1995. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Revista Galileu, p. 84, abr. 2005. LIMA, Adriana Flávia S. de oliveira. Pré-escola e alfabetização: uma proposta baseada em P. Freire e J. Piaget. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. MIRANDA, Simão de. Do fascínio do jogo à alegria do aprender nas séries iniciais. Campinas: Papirus, 2001.PASSOS, Hidelbrando R. de Deus. A ludicidade no ensino da matemática. Faculdades Integradas IESGO. 2006. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança, imitação, jogo, sonho, imagem e representação de jogo. São Paulo: Sohar, 1971. 186 UNIUBE REIS, Sílvia Marina Guedes dos. 150 ideias para o trabalho criativo com crianças de 2 a 6 anos. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004. TEBEROSKY, Ana; CARDOSO, Beatriz (orgs.). Reflexões sobre o ensino da leitura e da escrita. Petrópolis: Vozes, 2000. VEIGA, M. S (2001). Computador e Educação: uma ótima combinação. In: Bello, JLP. Pedagogia em Foco. Petrópolis. Disponível em: <http://www.ped agogiaemfoco.com.br>. VENEZA, Maurício. Dia de feira. São Paulo: Saraiva, 2003. Denise Cristina Ferreira Gomes Introdução Alfabetização matemática ICapítulo 5 Este capítulo perfaz um rápido percurso por alguns tópicos essenciais para a compreensão do que venha a ser alfabetização matemática. Em um primeiro momento, estudaremos a relação entre alfabetização e alfabetização matemática, envolvendo alguns questionamentos: o que é estar alfabetizado? E estar matematicamente alfabetizado? Você terá a oportunidade de perceber o quão abrangente é a alfabetização matemática. Para isso, precisamos conhecer um pouco da própria matemática, a filosofia, a lógica, o raciocínio lógico-matemático e, principalmente, como seu conhecimento se processa. E ainda a contribuição dos estudos de Piaget, de Vygotsky e de Vergnaud, para a compreensão do número em seus vários aspectos. A partir daí, o enfoque passa a ser o número, mais precisamente a construção do conceito de número. Como se dá essa construção? Como desenvolvê-la em sala de aula? Em qual fase da vida escolar começa essa formação? Qual é a contribuição desse conhecimento para a formação de um indivíduo autônomo? Longe de pretender escrever um manual, buscamos, com uma linguagem simples, desmistificar – ao menos um pouco, a matemática da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tentando contribuir para que você construa com seus alunos uma Matemática mais prazerosa e significativa. 188 UNIUBE Após o estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • compreender a importância do estudo da matemática na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental; • compreender como a criança constrói o pensamento lógico- -matemático; • proporcionar a compreensão dos processos que levam ao desenvolvimento do raciocínio; • compreender o conceito de número; • reconhecer a importância desse conceito; • compreender como se processa a formação do conceito de número; • compreender a importância do “fazer” para a criança na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental; • criar um ambiente que permita uma postura investigativa do aluno, favorecendo a possibilidade de desenvolver sua autonomia; • reconhecer situações matemáticas no dia a dia que possam ser ex ploradas na aprendizagem; • compreender quais conteúdos matemáticos pertinentes ao número são relevantes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do desenvolvimento infantil 5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conheci mento 5.2 A construção do conceito de número 5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e algarismo 5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico - -matemáticas Objetivos Esquema UNIUBE 189 5.2.3 Representações sobre quantidades: contagem 5.2.4 Representações sobre sistemas: leitura e escrita de numerais 5.3 A alfabetização matemática e o desenvolvimento da autonomia inte lectual, afetiva, social e motora da criança 5.4 Conclusão 5.1 Alfabetização matemática: um estudo em prol do desenvolvimento infantil Para iniciarmos nossa reflexão, convido-o a pensar e a responder as seguintes ques tões: o que será que quer dizer alfabetização? E alfabetização matemática? Podemos estabelecer alguma relação entre as duas? O conceito de alfabetização é um conceito social, e, como tal, muda com o tempo e o desenvolvimento das sociedades. Assim, o que é válido para uma determinada época ou grupo pode não ter a mesma aceitação em outros tempos e espaços. A Unesco (organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) ressalta que para se sobreviver no mundo globalizado de hoje, é necessário a todos aprender novas formas de letramento e desenvolver a habilidade para localizar, avaliar e usar efetivamente as informações que se encontram disponíveis de várias formas: Uma pessoa é funcionalmente alfabetizada quando ela adquiriu o conhecimento e habilidades em leitura e escrita que a capacitam a engajar-se efetivamente em todas as atividades nas quais a alfabe tização é normalmente suposta em sua cultura ou grupo (UNESCO, 1990-2009). O mesmo podemos dizer quanto à matemática. Ser numeralizado significa mais que conhecer e operar números, é preciso ser capaz de pensar, discutir e agir criticamente sobre eles (ao analisar um gráfico, por 190 UNIUBE exemplo), sobre as representações geométricas e suas convenções (como instrumentos e unidades de medidas), adotadas em sua cultura. Enfim, é preciso ser capaz de interagir ativamente com seu grupo, na forma por ele estabelecida, do que é matemática, por exemplo: • Se você é um índio, precisa saber lidar com a matemática que sua tribo utiliza. • Se você mora em uma aldeia de pescadores, no Nordeste brasileiro, e ao mesmo tempo convive com pessoas que residem em outras localidades, precisará lidar com a matemática utilizada em sua aldeia e também com a matemática utilizada pelas outras pessoas. Como ciência, a Matemática é universal. Contudo, a partir do instante em que ela transforma e é transformada pela sociedade na qual é utilizada, ela passa a ser Etno matemática. A etnomatemática é a “matemática do povo”, traduzida por artesanatos, brincadeiras, jogos, modos particulares de pensar matemática etc. Caso queira saber mais sobre a etnomatemática, sugerimos que leia o texto “o programa etnomatemática: história, metodologia e pedagogia”. Esse artigo esclarece acerca da matemática que precisamos estudar hoje. Para lê-lo, acesse o site a seguir. Trata-se do site oficial de Ubiratan D’Ambrósio, que é um renomado pesquisador brasileiro, estudioso na área da educação matemática, idealizador do termo etnomatemática. Lá, você terá à disposição vários artigos referentes à educação e educação matemática. <http://vello.sites.uol.com.br/ubi.htm> PESQUISANDO NA WEB No Brasil, por fatores diversos, entre eles a relativa facilidade de contato proporcionada pelos meios de comunicação, existe, de modo geral, a UNIUBE 191 interação entre as diversas culturas, favorecendo uma matemática que é ao mesmo tempo local e universal. E é a esta matemática universal que nos dedicaremos neste capítulo. Você fica com a responsabilidade de, ao trabalhar com seus alunos, identificar, buscar na realidade em que estão inseridos, a Etnomatemática, isto é, a “matemática do povo”, traduzida por artesanatos, brincadeiras, jogos e modos particulares de pensar. Podemos afirmar então que estar alfabetizado matematicamente é tornar-se capaz de pensar e agir com conceitos matemáticos. Para tal, é necessário: “conhecer os sistemas matemáticos de representação que servirão de ferramentas”. (NUNES; BRYANT, 1997, p. 31). Essas ferramentas são os conceitos e procedimentos matemáticos. Muitos deles você certamente utiliza: algarismos, numerais, somar, subtrair, multiplicar, dividir, medir, pagar, receber, a ideia de fração, de número, entre outros. Prosseguindo nesse raciocínio, Nunes e Bryant (1997, p. 31) acrescentam que: estes sistemas devem estar relacionados às situações nas quais possam ser usados para que possamos entender a lógica (as invariantes) dessas situaçõese possamos ser capa zes de escolher as ferramentas apropriadas da matemática: calcular quanto de piso é necessário comprar para colocar no chão de um banheiro, ler sua conta de água para saber quantos metros cúbicos gastou ou a conta de energia para saber seu consumo em watts, entre outros exemplos. “Deste modo, não é suficiente aprender procedimen tos; é necessário transformar esses procedimentos em ferramentas de pensamento” (NUNES; BRYANT, 1997, p. 31). 5.1.1 Raciocínio lógico-matemático e construção do conhecimento Você deve ter percebido que a alfabetização matemática, assim como a aprendizagem da leitura e escrita, é um processo lento e gradual. Com o contato contínuo, vamos nos aprimorando na arte de ler, escrever e fazer matemática. De um modo geral, ao serem perguntadas por que a matemática faz parte do currículo escolar, as pessoas respondem “que a matemática desenvolve o raciocínio lógico”. 192 UNIUBE Porém, se perguntamos o que isso quer dizer, a maioria não sabe responder. Na ver dade, o próprio conceito de Matemática não é claro para todos. Muitos de nós, alunos e professores, ainda ficamos engasgados ao definir Matemática. O que seria, então, Matemática? E raciocínio lógico? A expressão raciocínio lógico-matemático é formada por três palavras: raciocínio, lógica e Matemática, que, de tão significativas, não perderam elementos ao serem reorgani zadas em nova composição. O raciocínio é um processo de pensamento através do qual se pode justificar algo: se determinado fato causa admiração, procuramos explicá-lo; se receamos um acontecimento, procuramos inferir as suas consequências; se existem dúvidas quanto à determinada observação, procuramos verificar; se existem dúvidas quanto a uma equivalência, procuramos demonstrar a validade dessa observação. Todas estas formas de raciocínio (explicação, inferência, verificação e demonstração) são formas de estabelecer relações de consequência entre juízos (O RACIOCÍNIO, 2011). Quanto à lógica, seria demasiada pretensão afirmar que esse ramo da filosofia alia-se apenas à Matemática. A lógica pode ser considerada como a ciência do pensamento correto. Desse modo, a geografia, a biologia, a física e todas as demais ciências se utilizam da lógica a fim de estruturar seus conhecimentos. A Lógica está constantemente presente em nosso cotidiano. Quando algo nos parece evidente dizemos: É lógico!!! É lógico que o trabalhador irá receber seu salário! É lógico que ele é meu irmão: somos filhos dos mesmos pais! Pois bem, “a Lógica trata das formas de argumentação, das maneiras de encadear nosso raciocínio para justificar, a partir de fatos básicos, nossas UNIUBE 193 conclusões. A Ló gica se preocupa com o que se pode ou não concluir a partir de certas informações” (MACHADO, 1994, p. 15). Se não tivesse perdido o emprego, teria pago o aluguel. Se chover, não precisaremos regar a horta. Se não tivesse caído e quebrado o pé, jogaria até a final do cam peonato. Não chegou no horário porque o ônibus se atrasou. Há algum tempo, um professor, ao exemplificar lógica em nossa sala de aula, lançou mão de um exemplo famoso e interessante. Ele disse: eu caibo dentro do meu sobretudo; meu sobretudo cabe dentro de minha mala; logicamente eu caibo dentro de minha mala! A risada foi geral; como poderia um homem daquele tamanho caber em uma mala? Só se fosse uma mala gigante. A mensagem era: Cuidado, nem todo argumento lógico corresponde ao real e verdadeiro. A lógica não se preocupa com a verdade ou falsidade de uma proposição; ela se preo cupa com as formas de apresentar esta proposição como consequência de outras. Por isso, as ciências que se utilizam amplamente de lógica cuidam para provar que seus argumentos são verdadeiros. Evidentemente que é muito forte e clara a relação entre Matemática e Lógica. Se x + 3 = 8, então x = 5. Se uma circunferência possui 360º, uma semicircunferência possui 180º. Sobre isso, Machado (1994, p. 15) registra que “estudar Matemática pode ser um per manente exercício de Lógica. Em Matemática, cada afirmação que fazemos, por mais complicada que pareça, pode sempre ser justificada a partir de outras mais simples, encadeadas adequadamente”. Com relação à Matemática, existe uma dualidade que deve ser levada em conta: 194 UNIUBE • Primeiro, como ciência altamente aplicada nas ciências de modo geral, em fatos cotidianos, até mesmo corriqueiros, sem o menosprezo que a palavra possa indicar. • Segundo, uma matemática por ela mesma, desenvolvida por estudiosos que a ela se dedicam pelo simples prazer e, muitas vezes, necessidade científica de descobrir relações, regularidades, explicações que só futuramente terão aplicações na vida prática. Esta matemática que pesquisa, investiga, conjectura, prova logicamente, faz parte do pensamento científico, da busca pelo saber. Pensada dessa forma, a matemática perde seu caráter definitivo e imutável e passa a ser vista como uma ciência em construção, já que entender e manejar a realidade implica interação e intervenção com os fatos do momento. Ambas são essencialmente Matemática e deveriam fazer parte do cotidiano das escolas. Comprando um sapato, por exemplo, estamos utilizando várias ideias e procedimentos matemáticos: ao pedir um par de sapatos de determinado número, precisamos da noção de par, da noção e da representação de um número através de um numeral (escrito com algarismos), da comparação e ideia de medida (o meu número é 38 porque cor responde a um modelo pré-estabelecido que corresponde ao número 38), para pagar recorro a um algoritmo (soma ou subtração) para saber se meu dinheiro é suficiente e assim por diante. Do mesmo modo, o cientista que investiga, busca regularidades, explica a realidade, também faz Matemática e utiliza-se da Lógica. Você já ouviu falar de fractais? Esse é um exemplo da matemática como ciência. A partir de um trabalho científico foi possível explicar fatos antes inexplicáveis. Fractais são formas geométricas que possuem uma propriedade especial na qual o todo está representado em cada parte. Por exemplo, em uma couve-flor, em que cada parte se parece com o todo. SAIBA MAIS UNIUBE 195 Comparando os “dois modos” de se pensar a matemática, é possível perceber diferen ças nítidas e, ao mesmo tempo, muita similaridade, envolvendo lógica e matemática: Ao comprar um sapato utilizamos técnicas matemáticas, como a soma ou a subtração para saber se o dinheiro seria suficiente para pagá-lo. o que “aparentemente” não im plica processo lógico. Contudo, escolher a operação adequada para efetuar o cálculo é por si só uma atividade lógica. Em contrapartida, ao estudar as regularidades no caos (no estudo com fractais), o ma temático aparentemente usou apenas de lógica. Entretanto, para chegar às conclusões, recorreu a técnicas computacionais que nada mais são que ferramentas matemáticas. A relação entre Lógica e Matemática foi estudada por lógicos e matemáticos por um longo tempo. Porém, um cientista que nunca atuou como matemático foi o primeiro a atrair a atenção do mundo para a possibilidade de que a lógica básica necessária para a matemática poderia causar considerável dificuldade para as crianças: Jean Piaget. Piaget distinguiu três tipos de conhecimento considerando suas fontes básicas e seu modo de estruturação: conhecimento físico, conhecimento lógico-matemático e conhe cimento social (convencional). • Podemos entender o conhecimento físico como o reconhecimento dos objetos e suas propriedades físicas, como cor, material de confecção etc. Assim, ao dizermos que duas bolas são de plástico, estamos lidando com o conhecimento físico. • Porém, se dizemos que uma bola é amarela e a outra é verde, é porque notamos uma diferença entre elas. Esta diferença é um exemplo de conhecimento lógico -matemático. A diferença não está em uma bola ou em outra, antes é uma relação estabelecida por quem olha as bolas e comparaas duas. Se a pessoa não estabe- lecesse esta comparação, a diferença não existiria. Poderíamos dizer que as bolas são iguais: são de plástico, possuem mesmo tamanho; ou então, que as bolas são diferentes: uma é amarela e a outra é verde. Quando uma criança compara, por exemplo, a quantidade de doces que ela e a irmã ganharam: “eu ganhei três 196 UNIUBE doces e minha irmã ganhou cinco doces”, então, ela ganhou dois doces a mais que eu; a criança está executando um pensamento lógico-matemático, já que estabeleceu uma relação entre as quantidades de doces. • O conhecimento social é aquele adquirido no convívio com a sociedade. Assim, quando uma criança aprende que devemos cumprimentar as pessoas ao encontrá-las, está adquirindo um conhecimento social. Pensando na Matemática, um sistema de numeração como o nosso é antes de tudo um conhecimento social, já que existiram e ainda existem vários sistemas de numeração: indo-arábico, romano, maia etc. (KAMII, 1996). Piaget revolucionou o entendimento a respeito de como funciona a inteligência. Para ele, a inteligência é uma atividade organizadora, pois diz respeito à construção pro gressiva de relações, a partir das quais os objetos podem adquirir significações, podem ser compreendidos. Compreender, para Piaget, é construir estruturas de assimilação e como estamos sem pre em contato com novas situações, estamos sempre em processos de assimilação e acomodação. Nesse sentido, Seber (1991, p. 18) registra que “a assimilação é um processo de integração de elementos novos a esquemas já construídos. Toda assimilação se faz acompanhar de diferenciação, ou seja, os esquemas se modificam (se acomodam) para poder assimilar as várias situações que se apresentam”. Uma criança que conheça apenas uma determinada raça de cachorro, um labrador, por exemplo, já tem um esquema mental “qualificando cachorro”: é um animal, possui quatro patas, late, morde... (a qualificação será fiel à experiência, ao contato que a criança vivenciou a respeito do animal). Para ela, labrador é sinônimo de cachorro, como se houvesse apenas cachorros daquela raça. Ao se deparar com um pequinês vai tentar assimilá-lo a um esquema que não corresponde totalmente ao conhecido. EXEMPLIFICANDO! UNIUBE 197 Ocorre, então: • uma desacomodação (aquele animal não se parece com o que ela conhece de cachorro); • que provoca uma assimilação em seus conhecimentos (pequinês também é cachorro: é um animal, possui quatro patas, late, morde...); • e logo em seguida, uma nova acomodação (labrador e pequinês são cachorros). Até ela encontrar uma nova raça de cachorro e ampliar seus conhecimentos; • o que pode levar a uma abstração: se o labrador e o pequinês são cachorros (são animais, possuem quatro patas, latem, mordem...), então, todo “bicho” que se enquadra nesta “classificação” é um cachorro. A esse respeito, Becker (2001, p. 38) enuncia: essas estruturas de assimilação constroem-se por abstração. “Abstração é agir sobre as coisas e retirar daí algo ou, ainda, agir sobre as próprias ações e retirar dessas ações, nas suas características materiais, observáveis, alguma coisa.” Para Becker está, neste fato, “a explicação da origem da lógica e da matemática, que fundamenta todo trabalho humano, no plano do senso comum ou no da ciência: a ca pacidade de retirar, por abstração reflexionante, as qualidades da coordenação de suas ações” (2001, p. 38). É o que, segundo ele, diferencia a espécie humana das outras. A abstração, na teoria de Piaget, está relacionada ao tipo de conhecimento: físico, lógico-matemático, social. Para a abstração das propriedades a partir dos objetos (conhecimento físico e social), Piaget usou o termo abstração empírica ou simples. Na abstração empírica, tudo o que a criança faz é focalizar certa propriedade do objeto e ignorar as outras. Por exemplo, quando a criança abstrai a cor de um objeto, simplesmente ignora as outras propriedades tais como o peso e o material de que o objeto é feito (KAMII, 1996, p. 17). 198 UNIUBE Ao tratar do conhecimento lógico-matemático, Piaget usou o termo abstração reflexiva, que envolve a construção de relações entre objetos. Relações estas que não existem no meio externo. A relação entre os objetos é o resultado de um trabalho mental. Para Kamii, (1996, p. 17): “o termo abstração construtiva poderia ser mais fácil de entender do que abstração reflexiva, para indicar que esta abstração é uma construção feita pela mente, ao invés de representar apenas o enfoque sobre algo já existente nos objetos”. Ainda conforme kamii (1996), após ter feito a distinção entre a abstração reflexiva e a empírica, Piaget afirmou que os tipos de abstração dependem um do outro. Por exemplo, a criança não poderia construir a relação diferente se não pudesse observar propriedades de diferenças entre os objetos. Por outro lado, a construção do conhecimento físico exige um sistema de referência lógico-matemático para que se associem novas observações com um conhecimento já existente. Para perceber que certo peixe é vermelho, por exemplo, a criança necessita possuir um esquema classificatório para distinguir o vermelho de todas as outras cores. Ela também precisa de um esquema classificatório para distinguir peixe de todos os outros objetos que já conhece (Kamii, 1996, p. 18). A importância desta distinção está na compreensão do modo como a criança aprende. IMPORTANTE! Para Piaget, essa diferenciação é fundamental para aqueles que se dispõem a auxiliar a criança na aprendizagem da Matemática. Um conceito social, por exemplo, as palavras um, dois, três, quatro – cada idioma tem um conjunto de palavras que serve para contar – pode ser ensinado às crianças, isto é, necessita da intervenção de outra pessoa. Nesse caso, as crianças se utilizam de abstração empírica. UNIUBE 199 O conhecimento lógico-matemático requer a abstração reflexiva, ou seja, a criança precisa estabelecer relações. Podemos ensiná-las a darem a resposta correta para 4+3, por exemplo, mas não será possível ensiná- -las diretamente as relações que implicam essa adição. Essas relações precisam ser construídas internamente, mentalmente, pelas crianças. Foi com base na teoria de Piaget, nessa construção interna que a criança faz para adquirir o conhecimento lógico-matemático, que surgiu o termo s=construtivismo. Fazer matemática com as crianças requer que saibamos exatamente que tipo de conhecimento está em jogo ao trabalharmos determinado conceito. Se estivermos “ensinando” sistemas de numeração – conhecimento social – adotamos procedimentos que permitam às crianças essa aprendizagem. Elas necessitarão reconhecer classes e ordens; unidades, dezenas e centenas; nomenclatura própria dos sistemas de numeração como milhares, milhões, bilhões etc. SINTETIZANDO... Entretanto, para compreender a lógica existente em um sistema de numeração posicio nal como o nosso, no qual o algarismo assume um valor relativo conforme a posição que ocupa, seu princípio aditivo, as transformações entre unidades, dezenas e centenas, será necessário oportunizar às crianças situações nas quais elas possam utilizar-se da abstração reflexiva, internalizar, estabelecer relações, construir esse conhecimento. Desse modo, não encontrarão dificuldades em, por exemplo, subtrair “pedindo empres tado ao vizinho” quando a ordem na qual estiver operando não possuir a quantidade necessária para subtrair. Obviamente, as teorias de Piaget foram e ainda são muito estudas, discutidas e, se existe consenso, senão unanimidades quanto à necessidade de as crianças captarem determinados princípios lógicos a fim de entender Matemática. No entanto, também existem divergências a serem ressaltadas. Uma delas diz respeito ao tempo em que a criança precisa para vencer um estágio e alcançar o estágio seguinte de desenvolvimento. Piaget 200 UNIUBE considerava que as crianças mais novas precisam de mais tempo paracaptar alguns aspectos da lógica. “Então, de acordo com Piaget, os professores frequentemente tentam ensinar às crianças conceitos matemáticos para os quais elas estão totalmente despreparadas” (NUNES; BRYANT, 1997, p. 21). Outra divergência é levantada por aqueles que estabelecem um paralelo entre as teorias de Piaget e as do bielo-russo Lev Vygotsky (que estudaremos a seguir). Segundo eles, Piaget, ao contrário de Vygotsky, não considerou a influência ativa do meio social – cultural – nos processos cognitivos das crianças. Discussões à parte, Vygotsky conquistou espaço, ao elaborar, com contribuição de Alexander Luria, a teoria sociocultural da inteligência. A denominação sociocultural deve-se à importância atribuída por Vygotsky às relações sociais no desenvolvimento intelectual. Para Vygotsky, a formação do conhecimento se dá no contato entre o sujeito e a so ciedade ao seu redor, ou seja, o homem modifica o ambiente e ao mesmo tempo é modificado por ele. Sob este ponto de vista, o processo ensino-aprendizagem também se constitui de interações que ocorrem nos diversos contextos sociais. Você percebe alguma relação do pensamento vygotskyano com a Matemática? IMPORTANTE! Vygotsky se dedicou a tentar explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem, não no interior do cérebro ou da alma, mas sim nas suas condições externas de vida, na sua vida social, no seu trabalho, nas formas histórico-sociais de existência (MOYSÉS, 2007). Os principais marcos teóricos dos estudos de Vygotsky: • Mediação: para ele, a educação não pode criar um grau maior de inteligência do que aquele que foi determinado pelo potencial genético. UNIUBE 201 Ao longo da história, a hu manidade desenvolveu inúmeros instrumentos que amplificam nossa capacidade de perceber, agir e resolver problemas. Se nossa capacidade visual não nos permite ver uma bactéria, por exemplo, podemos ver coisas muito menores com o auxílio de um microscópio. Como não temos asas, voamos de avião. Se não soubermos efetuar uma operação complexa, a calculadora ou o computador pode resolvê-la por nós. Dentro desta visão, é por meio da educação que aprendemos a utilizar os instrumentos culturalmente desenvolvidos que amplificam as nossas capacidades. Muitos desses instrumentos são objetos simbólicos, isto é, são sistemas de sinais com significados determinados culturalmente, como a linguagem e os sistemas de numeração, por exemplo (NUNES et al., 2002). • Processo de internalização: baseando-se principalmente no processo de aquisição da linguagem, seus experimentos evidenciaram que a criança é um ser social desde seu nascimento. Segundo ele, a linguagem expressa pela fala traz uma marca histórico -cultural. São as pessoas que cercam a criança e que interpretam seus balbucios, seus movimentos e suas expressões e que atribuem a cada um deles um significado. Assim, por exemplo, o esforço que a criança faz para tentar agarrar algum objeto fora do seu alcance é interpretado como um desejo de tê-lo. Ou seja, aquela mão agitada no ar, estendida na direção do objeto é interpretada pelo outro como sendo um gesto de apontar. É o outro que, interpretando o seu desejo, lhe atribui um significado, significado que ainda não é seu. Só mais tarde, quando ela puder perceber a relação entre a situação objetiva como um todo e o seu movimento, é que de fato começa a compreendê-lo como um gesto de apontar. A partir daí, irá incorporá- lo ao seu repertório de ações. [...] A sua internalização nasceu da interação social (MOYSÉS, 2007, p. 28). • Zona de desenvolvimento proximal: podemos entender por zona de desenvolvimento proximal – um dos pontos-chaves das ideias de Vygotsky – que se trata de uma zona cognitiva em que os estudantes ainda conseguem trabalhar (resolver problemas, por exemplo), se contarem com auxílio, mas ainda não são capazes 202 UNIUBE de fazê-lo sozinhos. Para Vygotsky, o professor deve trabalhar na zona de desenvolvimento proximal, de modo que o aluno possa, com seu desenvolvimento, avançar e conseguir trabalhar sozinho, quando antes necessitava de auxílio. O professor necessita constantemente equilibrar os conhecimentos que o aluno já adquiriu com aqueles que ele ainda não internalizou de modo a sempre promover zonas de desenvolvimento proximal. • Significado e sentido: concordando com o pensamento de Vygotsky, muitos autores defendem que a aprendizagem de conceitos deveria ter suas origens nas práticas sociais. Decorre daí uma ideia que vem se solidificando nos últimos anos: a da preocupação com a contextualização do ensino. Moysés (2007, p. 65-67) relata um confronto entre a forma com que mestres de obras e estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental realizam cálculos de proporções: Como se sabe, a proporcionalidade exige o estabelecimento de relações. Isso significa dizer que se baseia na abstração, ou seja, não há uma forma “concreta” para realizá-la. Nesse experimento, foram mostradas aos sujeitos quatro plantas de interiores, cada uma desenhada em uma escala diferente, sem explicitar, no entanto, qual escala estava sendo utilizada. A primeira tarefa que lhes foi solicitada consistia em, dada uma medida na planta, em uma determinada escala, e outra medida cor respondente à parede real, descobrir qual era a escala utilizada. A segunda tarefa consistia em medir uma parede no desenho e, com base na escala usada, determinar a sua medida real, na construção. Os resultados mostraram que os mestres de obras efetuam cálculos envolvendo proporção com uma exatidão e sensatez não encontradas nos estudantes. Estes últimos [...] não só mostraram incapacidade para fazer uso sistemático do algoritmo da proporção aprendido naquele ano na escola, como tam bém careceram de espírito crítico para perceber a falta de “sensatez” nas respostas dadas. Por exemplo, concluir que uma parede deveria ter 3 metros e 753 cm (MOYSÉS, 2007, p. 66). UNIUBE 203 As autoras da pesquisa concluíram que os estudantes aprenderiam mais se fossem levados a lidar com situações dessa natureza, que um trabalho constante nesses moldes tornaria a lógica do algoritmo mais clara para o estudante (MOYSÉS, 2007). Contudo, Moysés (2007, p. 67) ressalta: Chamo a atenção para o fato de que não estou descartando, em momento algum, o valor da aprendizagem sistematizada do algoritmo. Sendo um processo generalizado e abstrato, sua aprendizagem pode se dar no particular e em situação plena de sentido. Assim apren dida, a noção de proporcionalidade deverá servir para a vida e não simplesmente para se resolver os problemas propostos pela escola. • Formação de conceitos: a formação de conceitos pode ser vista como uma con sequência das pesquisas sobre o processo de internalização desenvolvidas por Vygotsky e seus colaboradores. Segundo Rosa (2006, p. 43-44), referindo-se a Vygotsky, o processo de formação de conceitos “se desenvolve em condições idênticas na criança, no adolescente e no adulto” e que: [...] o desenvolvimento dos processos que finalmente culminam na formação de conceitos começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais, que numa combinação específica, constituem a base psicológica do processo de formação de conceitos, amadure cem configuram-se e se desenvolvem somente na puberdade (ROSA, 2006, p. 43 apud VYGOTSKY, 2000, p. 167). A força motriz que desencadeia todo o processo de desenvolvimento, acionando mecanismos de amadurecimento do comportamento, não está dentro, mas fora do adolescente. Cabe ao meio social criar problemas correspondentes, apresentar novas exigências, motivar e estimular com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto. Caso isso não ocorra, “o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com um extremo atraso” (VYGOTSKY, 2000, p. 171 apud ROSA, 2006, p. 44). 204 UNIUBE A teoriapropõe a existência de dois tipos de conceitos: espontâneos e científicos. Os conhecimentos espontâneos são considerados como aqueles que a criança aprende no dia a dia, através da participação nas atividades cotidianas, no contato com objetos, fatos, fenômenos etc. o conhecimento científico está embasado em sistemas culturais que são transmitidos através da escolaridade formal. Por trás de qualquer conceito científico existe sempre um sistema hierarquizado do qual ele faz parte. A principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o aluno a construir esse tipo de conceito é a de levá-lo a estabelecer um enlace indireto com o objeto por meio das abstrações em torno das suas propriedades e da compreensão das relações que ele mantém com um conhecimento mais amplo. Ao contrário do espontâneo, o conceito científico só se elabora inten cionalmente, isto é, pressupõe uma relação consciente e consentida entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Dirigida pelo uso da palavra, a formação de conceito científico é uma operação mental que exige que se centre ativamente a atenção sobre o assunto, dele abstraindo os aspectos que são fundamentais e inibindo os secundá rios, e que se chegue a generalizações mais amplas mediante uma síntese (VYGOTSKY, 1987, p. 70 apud MOYSÉS, 2007, p. 35-36). Apesar das divergências entre as teorias de Piaget e Vygotsky, existem estudiosos que defendem ser possível unir as duas, nas ideias que convergem e se complementam. Em palestra proferida na III Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto, que aconteceu em Brasília, em dezembro de 2002, Vergnaud comentou: Piaget e Vygotsky nasceram no mesmo ano, em 1896, mas Vygotsky morreu com 37 anos de idade e Piaget com 84. É interessante res saltar que muito da teoria de Vygotsky foi construído a partir de sua leitura de Piaget, seja comentando ou criticando, enquanto Piaget só conheceu os trabalhos de Vygotsky alguns anos após a morte deste. [...] Piaget admite, num posfácio escrito para edição inglesa de Pen samento e Linguagem (1962), o quanto são bem fundamentadas algumas das críticas de Vygotsky. É claro que ele se defende de algumas coisas, mas admite que houve má formulação de sua UNIUBE 205 parte em relação a alguns conceitos criticados por Vygotsky. É interessante mencionar uma ideia desenvolvida por Piaget, num livro, traduzido em português, pouco lido aqui e também na França, sobre a formação do símbolo. Nesse livro Piaget se aproxima muito de Vygotsky. Ele propõe a internalização de uma representação sobre a forma de uma simulação mental e evoca a imitação. Seja como for, Piaget usou o termo interiorização e Vygotsky, o de internalização. São ideias próximas. “Contudo, é preciso ressaltar que, no caso de Piaget, ele vai estender isso não somente à linguagem, mas também, ao gesto (GROSSI, 2003, p. 24-5). Vergnaud reconhece a importância da teoria de Piaget, destacando as ideias de adapta ção, desequilibração e reequilibração como fundamentais para a aprendizagem da Matemática. Mas acredita que o ponto-chave colocado por Piaget foi o conceito de esquema. Gerard Vergnaud, psicólogo francês, 69 anos, diretor de pesquisa do Centre National de la Recherce Scientifique, em Paris, referência atual em educação matemática, criador da Teoria dos Campos Conceituais, é um defensor dessa interação. SAIBA MAIS Reconhece, ao mesmo tempo, que sua Teoria dos Campos Conceituais foi desenvolvida também a partir dos trabalhos de Vygotsky. o que pode ser percebido, por exemplo, na importância atribuída à interação social, à linguagem e à simbolização no progressivo domínio de um campo conceitual pelos alunos. Para o professor, a tarefa mais difícil é a de prover oportunidades aos alunos para que desenvolvam seus esquemas na zona de desenvolvimento proximal. Vergnaud toma como premissa que o conhecimento está organizado em campos conceituais cujo domínio, por parte do sujeito, ocorre ao longo de um largo período de tempo, através de experiência, matu ridade e aprendizagem. Campo conceitual é, para ele, um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns aos outros 206 UNIUBE e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição. o domínio de um campo conceitual não ocorre em alguns meses, nem mesmo em alguns anos. Ao contrário, novos problemas e novas propriedades devem ser estudados ao longo de vários anos se quisermos que os alunos progressivamente os dominem. De nada serve tentar contornar as dificuldades conceituais; elas são superadas na medida em que são encontradas e enfrentadas, mas isso não ocorre de um só golpe (BRASIL, 2002). Ocorre, assim, uma integração de toda a Matemática escolar, já que um conceito, como o de número, por exemplo, não se esgota na Educação Infantil nem tampouco nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Você se lembra dos números inteiros ou negativos, estudados normalmente no sétimo ano? E os números irracionais, que na maioria das vezes aparecem no oitavo ano? E os números reais, no nono ano? Se você cursou o Ensino Médio deve ter estado em contato também com os números complexos. A amplitude da formação de um conceito, se está explícito na teoria de Vygotsky, cor roborado por Vergnaud, não está claro, à primeira vista, em Piaget. Porém, em depoimento pessoal, Kamii (1996, p. 43-44) contrapõe essa visão: A importância de criar e coordenar todas as espécies de relações ficou clara quando, pessoalmente, reconstruí a teoria de Piaget como um todo [...]. Suas pesquisas sobre espaço [...], tempo [...], causalidade [...], quantidades físicas [...], número [...], lógica [...], imagens mentais [...], desenvolvimento moral [...], animismo e artificialismo [...], etc., pareciam-me, a princípio, tratar de cada campo independentemente dos outros. Muitos anos depois compreendi que, na verdade, as ope rações concretas desenvolvem-se em muitas áreas simultaneamente, e que Piaget e seus colaboradores publicaram um livro após o outro sobre diferentes assuntos, só que não puderam estudá-los todos ao mesmo tempo. Quando finalmente compreendi UNIUBE 207 a indissociabilidade desse desenvolvimento, ficou claro que o objetivo mais importante para os educadores seria o de colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações. Tanto em Piaget como em Vygotsky e Vergnaud, apesar das diferentes metodologias, encontramos a ideia de que a conceitualização implica ação e reflexão sobre a própria atividade, com ênfase na relação entre as propriedades do objeto e as propriedades da ação. É a ideia de que devemos saber fazer e ao mesmo tempo compreender o que fizemos. E aprender a fazer com compreensão, entendimento, autonomia sobre o que se faz, deve ser finalidade não apenas da Matemática, mas de todas as áreas do saber. A construção do conceito de número 5.2 o que é número? A construção da noção do número atrela-se à própria produção da cultura humana. O número aparece como uma ferramenta produzida pela mente humana, como instrumento de facilitação da exploração da natureza de forma racional. É, então, o resultado de uma lenta construção na busca pela representação de quantidades, da necessidade de medidas, na medida do tempo, enfim, na busca de representações que permitam a manipulação da realidade à sua volta. O pastor, ao guardar uma pedrinha para cada ovelha que estava no campo, conse guia um controle sobre quantas ovelhas possuía. Ao substituir a pedrinha por traços em ossos, ou desenhos nas cavernas, utilizava uma representação “melhor” que as pedras já que o osso podia ser transportado com ele sem “pesar” muito e a caverna estava invariavelmente no mesmo lugar. Outras representações vieram após essa, em diferentes culturas. Portanto, a formalização das operações matemáticas, tal como se tem hoje, é o produto de um longoprocesso de sistematização, “no qual a própria construção das estruturas da inteligência, permitiu a passagem do plano das ações de agrupar, repartir, diminuir, comparar, para o da interiorização simbolizada dessas operações” (BORGES, 2003, p. 75). 208 UNIUBE Considerando o exposto, o ensino da Matemática, desde a Educa- ção Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, deve revelar à criança esse caráter de historicidade na construção do conheci- mento matemático. Deixar transparecer o quanto a matemática é uma forma de revelação de todo o potencial da inteligência huma- na, e que, a partir de situações bem práticas e concretas, ela, a criança, também poderá construir seu próprio conhecimento. Cotidianamente verificamos a presença dos números em diferentes contextos: • Número localizador: aparece em situações que auxiliam a localização – endereços, latitude, longitude. • Número identificador: telefones, datas, senhas, códigos, placas de automóveis, do cumentos, inscrições de concursos. • Número ordenador (aspecto ordinal): é o que indica ordem – primeiro, segundo, terceiro etc., está presente nas competições, indicando a posição obtida numa competição. • Número quantificador (aspecto cardinal): indica velocidade, remuneração, tempo, quantidades. • Número (cálculo) como resultado de operações. • Número (medida) como resultado de mensuração. 5.2.1 A construção do conceito de número: número, numeral e algarismo A formação do conceito de número, pela criança, é um processo longo e complexo, ao contrário do que se pensava até há pouco tempo, quando o ensino de números privilegiava o reconhecimento dos numerais. Aqui vale uma pausa para diferenciarmos número, numeral e algarismo. Ainda que na língua falada os utilizemos indistintamente, convém compreender a finalidade de cada um. O número corresponde a uma ideia mental complexa, cujo campo conceitual envolve, segundo Lorenzato (2006), inúmeras variáveis, tais UNIUBE 209 como: correspondência um a um, cardinalidade de um conjunto de quantidade, ordinalidade na contagem, contagem por agrupamento, composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de símbolos numéricos, reconhecimento de símbolos operacionais, representação numérica, per cepção de semelhanças, percepção de diferenças, percepção de inclusão, percepção de invariância. Por se tratar de um campo conceitual, envolve muitos conceitos que exigem abstração. Para tal, é necessário se utilizar, segundo Piaget, do raciocínio lógico-matemático. O numeral é a representação falada, escrita ou indigitada de um número. É um co nhecimento social. Cada cultura representa a seu modo, com sua língua específica, o número. Assim, temos, em português: um, dois, três etc. O algarismo é um símbolo matemático, do sistema de numeração indo-arábico, utili zado na escrita de numerais. São eles: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. Com esses símbolos, é possível escrever qualquer numeral que se queira, por exemplo, o ano em que estamos: 2012. É um conhecimento social. Para entender melhor, imagine as seguintes situações: • Um cidadão inglês possui sete animais. • Um cidadão brasileiro também possui sete animais. Ambos possuem o mesmo número de animais: sete. Contudo, o inglês diria que possui seven animals ou utilizaria o algarismo 7 – do sistema de numeração indo-arábico – para escrever o numeral “7”. O brasileiro, por sua vez, diria que possui “sete animais” ou também utilizaria o algarismo 7 – do sistema de numeração indo-arábico – para escrever o numeral “7”. O numeral – um conceito social – mudou conforme a língua e o sistema de numeração utilizados no país de origem do proprietário dos animais. 210 UNIUBE Se estivéssemos nos referindo a um romano de alguns séculos atrás, ele poderia dizer “sette animali” ou utilizar os símbolos V e I – do sistema de numeração romano – para escrever o numeral “VII”. Os algarismos mudam conforme o sistema de numeração utilizado. Em suma, o número é sempre o mesmo, em qualquer local do mundo. Trata-se de um conhecimento lógico-matemático. O que muda são as formas de representá-lo: são conhecimentos sociais. De acordo com a Teoria dos Campos Conceituais proposta por Vergnaud, quando a criança aprende a contar, também aprende números, quantidades e representações simbólicas para essas ideias. Há três coisas diferentes a considerar: a) represen- tações sobre números (estruturas lógico-matemáticas), b) representações sobre quan tidades (contagem) e c) representações sobre sistemas (leitura e escrita de numerais). 5.2.2 Representações sobre números: estruturas lógico-matemáticas Para Piaget, o número organiza-se, etapa por etapa, na estreita solidariedade com a elaboração gradual dos sistemas de inclusões (hierarquia de classes lógicas) e de ordem (séries qualitativas), constituindo-se assim a série dos números, como síntese operatória da classificação e da seriação. (KAMII, 1996; BORGES, 2003). Esse conceito de número implica, segundo Borges (2003, p. 76), algumas inferências pedagógicas: • Sendo o número o representante de uma classe (de quantidades) e, ao mesmo tempo, de uma série (ordenação numérica), “a sua construção enquanto conceito no pensamento da criança, só será possível, juntamente com a conquista cogni- tiva da classificação e seriação operatórias, que lhes servirão de infraestrutura”. • Paralelamente, o progresso na construção do conceito de nú mero implica compreender que o mesmo é sempre o resultado de conjuntos que se equivalem termo a termo. Isto é, “um a um”, como ovelhas e pedrinhas. UNIUBE 211 • Consequentemente, a constância do número (por exemplo, a no ção de que uma árvore é quantitati- vamente igual a uma pequena moeda) só passará a ser reconhecida pela inteligência, após a cons- trução da estrutura lógico-matemática de conser- vação, garantida pela reversibilidade do pensa- mento lógico. Reconhecendo que a construção do número é um processo que envolve o raciocínio lógico-matemático e, portanto, a abstração reflexiva, não é possível “ensinar” número a uma criança. Cabe ao professor a tarefa de proporcionar atividades nas quais a criança tenha a oportunidade de conquistar esse conhecimento. os princípios lógicos descritos acima – correspondência termo a termo, classificação, inclusão, seriação e con servação são imprescindíveis nessa conquista. Quanto à ordem de encadeamento, isto é, de apresentação das atividades formadoras dos princípios lógicos às crianças, Lorenzato (2002, p. 89), enfatiza: O sucesso do processo ensino-aprendizagem decorre, em grande me dida, da maneira como o professor organiza as atividades, seguindo o ritmo do grupo e de cada criança, pois elas não aprendem linearmente, isto é, primeiro correspondem, depois comparam, em seguida classi ficam e assim por diante. Na vivência de cada criança, essas ideias vão sendo percebidas e incluídas no seu conhecimento, como se ela estivesse diante de vários alimentos e, experimentando um pouco de cada um, repetisse mais de algum e menos do outro, sem qualquer ordem ou critério. Portanto, não existe uma ordem ideal para a reali zação das atividades em sala de aula a ser recomendada a todos os professores, pois cada professor está numa realidade diferente. [...] Sugerimos ao professor escolher as atividades que melhor se adap tem aos seus alunos, levando em consideração o que indicam as pesquisas em educação e a experiência de magistério, isto é, iniciar o processo de ensino-aprendizagem pelo concreto com vistas ao abstrato. Para tanto, num primeiro momento devem-se realizar ati vidades com o corpo e/ou objetos, depois com imagens (desenhos, figuras) e, finalmente, com símbolos. 212 UNIUBE 5.2.2.1 Princípios lógicos: correspondência termo a termo Correspondência: Desde pequena a criança constrói noções de correspondência – em cada pé se coloca um sapato, em cada garrafa uma tampa. Na escola cada criança tem seu uniforme,sua pasta etc. Além dessa correspondência, um a um ou termo a termo, a criança também constrói a correspondência um a muitos, quando relaciona um(a) professor(a) a vários alunos, um brinquedo, no parque ou na praça, a várias crianças, um ônibus transporta várias pessoas etc. Essa correspondência é um processo fundamental para a construção do conceito de número e para a aritmética (parte da Matemática que estuda números e operações) de um modo geral. Assim, a correspondência será fundamental para a compreensão de que dez unidades correspondem a uma dezena, uma dúzia corresponde a doze unidades, 1 quilômetro equivale a 1000 metros etc. Lorenzato (2006, p. 91) sugere que a correspondência deve ser abordada em quatro etapas: a) A primeira delas favorece a percepção visual direta, de elemento para elemento. observe as Figuras 1 a 4. Figura 1: Cadeados, chaves, facas e garfos. Fonte: Acervo EAD – Uniube. UNIUBE 213 b) Em seguida, trabalha-se a percepção visual indireta: apesar de ser possível visual mente a correspondência elemento para elemento, ela não ocorre prontamente. Figura 2: Maçãs e bananas. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 3: Flores e luas. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 4: Lápis e quadrados. Fonte: Acervo EAD – Uniube. c) Em um próximo momento, incentivar a correspondência de um elemento de um conjunto com elementos de outro conjunto e vice-versa. Exemplo: em um grupo de quatro crianças ciclistas, fazer corresponder a cada uma de las, uma bicicleta, um par de joelheiras, um par de cotoveleiras e um capacete (Figura 5). Figura 5: Crianças, bicicletas, capacetes, joelheiras e cotoveleiras. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 214 UNIUBE d) Por último, a associação de objetos correlatos, ou seja, associação de uma mesma ideia em dois objetos diferentes Exemplos: um cartão com desenhos de uma galinha, uma mão, um mágico e outro cartão com desenhos de um ovo, uma luva, uma cartola com coelho (Figuras 6 e 7). Figura 6: Cartão contendo o desenho de uma mão, uma galinha e um mágico Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 7: Cartão contendo o desenho de um ovo, cartola com coelho e uma luva. Fonte: Acervo EAD – Uniube. UNIUBE 215 Muitas outras atividades contribuem para a construção da noção de correspondência: • Na contação de histórias: após narrar o texto, em uma interpretação coletiva ou individual, dependendo da turma ou da ocasião, o(a) professor(a) aproveita para promover situações em que a correspondência seja necessária. Por exemplo, na história Os três porquinhos, a professora ou professor pode solicitar às crianças que façam corresponder (por meio de gravuras, desenhos, colagens) a cada porquinho seu nome e sua respectiva casa – qual é o Cícero? Qual é a casa dele? A de palha? A de madeira? A de tijolos? • A própria dinâmica da sala de aula auxilia no desenvolvimento da autonomia e também da noção de correspondência: cada criança com seu material, sua carteira. Para os menores, de dois a cinco anos que ainda estão na Educação Infantil, solicitar, em vez de entregar, que cada aluno pegue sua lancheira, na hora de sair para o lanche. • Em dias de festa, com alunos maiores, solicitar que um deles providencie e distribua copos em quantidade suficiente para todos (resista à tentação de informar quantos copos serão necessários). • As brincadeiras, como a dança das cadeiras, normalmente feita do seguinte modo: as cadeiras, em número de uma a menos do que o número de crianças, são arru madas em uma fila, espaldar contra espaldar. Quando a música começa, todas as crianças andam em volta das cadeiras e, quando ela para, todos correm para sentar numa cadeira. Aquela que não conseguir sentar-se sai do jogo. Cada vez que uma das crianças sai retira-se uma cadeira. o participante que sentar na última cadeira é o vencedor. • O uso de jogos diversificados, de acordo com o nível de compreensão que as crianças já possuem, também são facilitadores da aprendizagem. • As fotografias: Colocar uma fotografia de cada criança, todas misturadas no chão. Pedir a uma criança que encontre a sua e mostre-a ao grupo, que deverá dizer se realmente aquela foto é daquela criança. A brincadeira termina quando todos encontrarem sua foto em meio às demais. 216 UNIUBE • Jogo da memória com mães e filhos: mãe ursa/ursinho, galinha/ pintinho etc. • Jogos diversos nos quais as diferenças de tamanho sejam perceptíveis, mas que ainda assim se estabeleça relação termo a termo. Como um jogo do mico, em que as figuras sejam de animais e formem pares: mamíferos (rato e elefante), aves (avestruz e beija-flor), répteis (lagartixa e jacaré), invertebrados (pulga e gafanhoto) etc. Nesse caso, mesmo estando clara a necessidade da estrutura de classificação, pretende-se que a criança perceba que apesar de um elefante ser muito maior que um rato, ambos representam apenas um elemento de seu grupo – isto é, existe uma correspondência um a um. • Dominó de numerais: a cada numeral corresponde uma quantidade. É o dominó clássico. • Dominó de opostos: confeccionar como no dominó de numerais, substituindo-os por figuras que representam opostos: quente/frio, noite/dia, sujo/limpo, arrumado / bagunçado etc. 5.2.2.2 Princípios lógicos: classificação Classificação: Classificar significa agrupar, reunir, separar os objetos ou elementos a partir de uma ou mais semelhanças percebidas. A classificação requer comparação, isto é, a análise de semelhanças e diferenças entre dois ou mais elementos. Assim, ao comparar elementos de um grupo, a criança cria elos que unem os semelhan tes, o que lhe permite criar uma classe. Por isso, consegue, comparando seus colegas de turma, classificá-los em meninos e meninas. A estrutura de classificação é que permite à criança “organizar” o mundo à sua volta, relacionando elementos, objetos e eventos que, caso contrário, estariam soltos, des conexos. Ao perceber que o caderno, o lápis, a borracha, o livro são objetos utilizados na escola ela os categoriza, classifica em materiais escolares. Um aluno que esteja estudando os continentes, por exemplo, a Oceania, UNIUBE 217 precisa identificar os países (elementos) que o formam e quais características, semelhanças existem entre eles que permitiram serem classificados em países pertencentes àquele continente. Caso não construam essa relação, correm o risco de, confiando apenas na memória, incluir a Itália na Oceania. A atividade classificatória pode ocorrer tanto no ambiente escolar quanto fora dele. Em se tratando do ambiente escolar, é preciso ficar claro que o estímulo do(a) professor(a) não “significa predeterminar critérios de classificação do tipo separe estes blocos em grandes e pequenos. Acredita- -se que, neste caso, o professor realizou uma atividade lógico-matemática e a criança apenas executou uma ordem” (BORGES, 2003, p. 62). As atividades voltadas para a classificação deverão, segundo Piaget e Inhelder (1975, apud SEBER, 1991, p. 60), ser idealizadas de modo a permitir que a criança: 1. Estabeleça comparações, por meio de análise de semelhanças e diferenças. Dentre um grupo de objetos, mostrar um à criança e solicitar que ela encontre outro semelhante e, ainda, que justifique por que o considerou semelhante. 2. Agrupe objetos, de acordo com critérios por ela mesma estabelecidos. Quais elementos de um determinado grupo de objetos (entre tampinhas, caixinhas, latinhas etc.) podem ser colocados juntos? Por quê? 3. Classifique mais de uma vez o mesmo material, utilizando critérios diferentes. A necessidade de buscar novos critérios de classificação ajuda a criança a perceber outras características de semelhanças/diferenças. Vários materiais podem ser utilizados com este objetivo: sucata, blocos lógicos, brin quedos disponíveis na sala etc. (Figuras 8 e 9). 218 UNIUBE Figura 9: Conjunto de vegetais I. Fonte: Acervo EAD – Uniube.Agrupamento por cores (Figuras 10 a 12): Figura 10: Conjunto de vegetais II. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 8: Blocos Lógicos. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 11: Conjunto de vegetais III. Fonte: Acervo EAD – Uniube. UNIUBE 219 Figura 12: Conjunto de vegetais IV. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Agrupamento por outro critério (Figuras 13 a 15): Figura 15: Conjunto de legumes. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 4. Relate os critérios adotados para a formação de novos grupos. Ao relatar o que pensou para realizar os agrupamentos, a criança obrigatoriamente analisa as ações que executou, sendo induzida a pensar sobre elas. 5. Descubra critérios de formação de grupos realizados por outra criança. Nesse caso, a criança deverá analisar o grupo formado por outra pessoa e descobrir quais critérios foram adotados para formá-lo. Identificar e relatar o critério adotado por outra pessoa representa uma dificuldade a mais, já que fazer é mais fácil que entender o que o outro fez. Figura 14: Conjunto de plantas. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Figura 13: Conjunto de frutas. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 220 UNIUBE 6. Perceba em um grupo já classificado (de feijões, por exemplo) a presença de um objeto que não faz parte deste grupo (uma semente de milho). Para incluí-lo, providencie nova classificação (são sementes). Questionamentos sobre os critérios adotados, ajudando a criança a pensar sobre suas ações, são sempre enriquecedores. 7. Identifique as várias possibilidades de formação de subgrupos, a partir de um único grupo. Por exemplo, ao classificar os blocos lógicos ela percebe que pode agrupar por cores, tamanho, espessura (grosso, fino), formato (quadrado, triângulo, círculo), material de confecção (madeira, plástico), até esgotar todas as possibilidades. 8. Identifique a possibilidade de realizar subgrupos, enumerando-os, sem, contudo, separar concretamente os objetos. Observando o grupo a seguir (Figura 16), a criança consegue perceber de quantos e de quais modos pode reorganizá-los. Figura 16: Iogurte (potes grandes e pequenos). Fonte: Acervo EAD – Uniube. 9. Nomeie os grupos formados utilizando símbolos. Ao associar um símbolo com o grupo formado, a criança estabelece um elo entre o real e o simbólico, o que lhe permitirá mais tarde relacionar determinada quantidade de elementos a um numeral (Figura 17). UNIUBE 221 Figura 17: Buquês de flores. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 10. Selecione adequadamente elementos que completam uma sequência (Figura 18). Qual elemento podemos colocar no espaço vazio? Por quê? Figura 18: Frutas. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 11. Estabeleça relação entre todos/alguns: desenvolvendo a noção de inclusão. Por exemplo: frutas. Classificar as frutas em grupos: laranjas, limões, maçãs, bananas. Todos os elementos do grupo são frutas, alguns são laranjas. Kamii (1996, p. 21-23) ressalta a importância da noção de inclusão: Um adulto entrega a uma criança seis cachorros em miniatura e dois gatos do mesmo tamanho. Certifica-se de que a criança entendeu as relações existentes: todos os gatos, todos os cachorros e todos os animais, isto é, ela compreendeu que se trata de gatos, cachorros e animais. Em seguida faz o questionamento em que a inclusão de classes é fundamental: “Existe mais cachorros ou mais animais?” As crianças que ainda não construíram a estrutura de inclusão “ouvem” a seguinte pergunta: “Existe mais cachorros ou mais gatos?”. 222 UNIUBE As crianças ouvem uma pergunta diferente da que foi feita porque, uma vez que elas “separaram”, “classificaram” mentalmente o todo (animais) em duas partes (gatos e cachorros), a única coisa sobre as quais podem pensar são as duas partes. “Para elas, naquele momento, o todo não existe mais. Elas conseguem pensar sobre o todo, mas não quando estão pensando sobre as partes. Para comparar o todo com uma parte, a criança tem que realizar duas operações mentais ao mesmo tempo – cortar o todo em duas partes e recolocar as partes juntas formando um todo”. Para que possa realizar esta operação, Kamii (1996, p. 23) diz ser necessário que o pensamento da criança se torne flexível o bastante para ser reversível. A reversibilidade se refere à habilidade de realizar mentalmente ações opostas simultaneamente – neste caso, cortar o todo em duas partes e reunir as partes num todo. Na ação física, material, não é possível fazer duas coisas opostas simultaneamente. Contudo, em nossas cabeças, isso é possível quando o pensamento se tornou bastante móvel para ser reversível. Somente quando as partes puderem ser reunidas em sua mente é que a criança poderá “ver” que há mais animais que cachorros. É por isso que Piaget explica a obtenção da estrutura hierárquica da inclusão de classes pela mobilidade crescente do pensamento da criança. Por essa razão é tão importante que as crianças possam colocar todos os tipos de conteúdos (objetos, eventos e ações) dentro de todos os tipos de relações. Durante a construção do conceito de número as crianças também precisarão da in clusão, pois, num primeiro momento, elas concebem o cinco completamente distinto e independente do quatro, mas, para ampliar sua compreensão, elas precisarão perceber que não existe a quantidade cinco sem a quatro; assim o quatro está incluído no cinco. Atividades que promovem a formação da estrutura de classificação Muitas são as opções de atividades e recursos que podem ser utilizados em classifi cação: UNIUBE 223 • Atividades cujo foco seja as próprias crianças: organizar filas, grupos de meninos e meninas, alunos que usam óculos e alunos que não usam (se houver discriminação, é um bom momento para trabalhar valores humanos); • As aulas de artes também podem ser ricas em classificação: mosaicos com sementes, com pedrinhas, folhas etc. • O estudo de Ciências com suas classificações: seres vivos/não vivos, vertebrados/ invertebrados, mamíferos/aves/répteis/anfíbios, cadeia alimentar, animais selvagens/ domésticos etc. • Em História e Geografia também utilizamos classificação, como a casa, a rua, o bairro, a cidade, o estado, o país, o continente, o planeta. • Montar coleções: botões, chaveiros, cartas de jogos infantis etc. • A organização e o cotidiano da sala de aula: “Vamos organizar a sala?” “É possível reorganizar as carteiras? Como podemos fazer?” • O uso de sucatas: toquinhos de madeira, peças plásticas, tampinhas, latinhas com cores variadas, embalagens diversas. • Brinquedos industrializados. Jogos de encaixe e empilhamento. • Blocos lógicos, Barrinhas de Cuisinare, materiais confeccionados com papel-cartão, cartolina etc. 5.2.2.3 Princípios lógicos: seriação Seriação: Lidamos cotidianamente com a ideia de seriação. Ela está presente na rotina diária das pessoas (levantar, tomar café, ir trabalhar, almoçar, retornar ao trabalho, jantar, descansar, dormir) e em muitas outras atividades que exijam certa ordem para serem vivenciadas (ordem no sentido de organização): calendário, dirigir um carro, dicionário, acessar a internet, calçar os sapatos etc. Além do processo de seriação ser fundamental à formação do conceito de número, ele presta-se também para a introdução de vocábulos específicos, tais como: primeiro, segundo, terceiro..., último, meio, antes, depois, frente, atrás, direito, esquerdo, alto, baixo etc. observe que toda palavra é um exemplo de seriação. As atividades de seriação possibilitarão a construção de séries, isto é, conduzirão a criança a aprender a ordenar conjuntos de objetos. 224 UNIUBE A estrutura de seriação também depende da abstração reflexiva, é, portanto, uma construção interna da criança. Assim sendo, o professor não deve raciocinar pela criança e mostrar a ela o que fazer. É preciso que ela pense o que é necessário fazer. Segundo Piaget (SEBER, 1991, p. 60 apud PIAGET; INHELDER, 1975), as atividades que permitem a construção da ideia de seriação são: construiruma série, estabelecer correspondência serial, desenhar as séries, nomear os elementos da série e dizer como foi construída, estimular o uso de termos que envolvem relações, quantificação aplicada à série, construção conjunta de várias séries. Vejamos um pouco de cada uma delas. 1. Construir uma série. A princípio, criar situações em que a criança se veja inserida em uma sequência: uma fila indiana, uma fila com criança de pé, outra agachada, uma de pé, outra agachada... Depois, ainda com material concreto (Figura 19): Figura 19: Blocos lógicos. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Em um próximo passo, utilize materiais que permitam uma graduação, como as Bar rinhas de Cuisenaire. Peça às crianças que as organize de modos diferentes (Figura 20): Figura 20: Barrinhas de Cuisenaire. Fonte: Acervo EAD – Uniube. UNIUBE 225 2. Correspondência serial. Quando as crianças já conseguirem ordenar objetos, peça que façam a seriação de um conjunto, colocando em correspondência elementos de outro grupo (Figura 21). A estrutura de correspondência é que posteriormente permitirá à criança associar os elementos de uma série aos numerais: um, dois, três, quatro... Figura 21: Corações. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 3. Desenhar as séries. Ao desenhar as séries, a criança está abstraindo, isto é, relacionando o concreto (como as Barrinhas de Cuisenaire) ao abstrato (o desenho). 4. Nomear os elementos de uma série. É o que fazemos quando alguém nos pergunta: Quais são os números primos? o nome da série “números primos” nos remete aos elementos: 2, 3, 5, 7, 11, 13... Quanto a dizer como foi construída, remete à lei de formação. A lei de formação de uma série será muito requisitada no estudo de funções, principalmente na segunda fase do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. A sequência de Fibonacci, uma sequência famosa, é formada pela soma dos dois ele mentos anteriores. Então, a começar de 1, temos: 1, 1, 2, 3, 5, 7, 12,19... Assim, mesmo que aparentemente não faça muito sentido dar nome a uma série e dizer como ela foi construída. Esse processo auxilia na aquisição de uma importante estrutura. 5. Estimular o uso de termos que envolvem relações. 226 UNIUBE Estabelecer relações de ordem: maior, menor, menos, mais etc. Construída uma sequência de Barrinhas de Cuisenaire, por exemplo, retirar um ele mento e pedir à criança que encontre um elemento maior que ele ou menor e assim por diante. 6. Quantificação aplicada à série. Ainda com as Barrinhas, escolher um elemento e perguntar: Quantas temos depois desta? E antes? Pedir à criança para montar uma escada, utilizando as réguas de papel. Escolha uma delas, se preferir conte uma história: Um bicho estava subindo a escada e parou aqui. Quantos degraus você acha que ele subiu? Quantos ainda faltam para ele chegar até o final da escada? 7. Construção conjunta de várias séries. Seriação múltipla é uma atividade que requer a preparação de ma terial especial confeccionado em papel-cartão. Trata-se de séries com tamanhos e tonalidades diferentes; cada tonalidade em todos os tamanhos e cada tamanho em todas as tonalidades. Esse tipo de material tanto pode ser ordenado de acordo com os dife rentes tamanhos (e todas as peças da mesma cor) ou, então, de acordo com as tonalidades, cada vez mais acentuadas (e todas as peças do mesmo tamanho). Cada tamanho pode ter seis ou sete tonalidades e cada tonalidade, seis ou sete tamanhos. As diferenças entre tamanhos, tonalidades e quantidade de objetos podem variar desde as mais gros seiras até as mais sensíveis. Cada grupo recebe um jogo. Pede-se a arrumação de todos os elementos, da melhor maneira possível. Os elementos devem ficar bem arrumados e juntos, um ao lado do outro. O grupo deve justificar o arranjo (SEBER, 1991, p. 128-130) (Figura 22). UNIUBE 227 Figura 22: Barrinhas de Cuisenaire (outros arranjos). Fonte: Acervo EAD – Uniube. Atividades que promovam a seriação As aulas de Educação Física podem fornecer momentos preciosos de atividades ma temáticas (Figura 23): • organizar filas pela altura das crianças: da maior para a menor, da menor para a maior; • o pulo mais longo; • o salto mais alto; • quem corre mais rápido; • pula mais corda; • erra menos arremessos na cesta de basquete etc.; • na lateralidade percepção espacial: direita/esquerda, atrás/à frente, Na enumeração de fatos de uma história. Figura 23: Tirinha matemática. Fonte: Acervo EAD – Uniube. 228 UNIUBE Observe que existe mais de uma possibilidade para “montar” a história. Nas observações e relatos de experiências: • a transformação do girino em sapo: 1 o dia, 2 o dia, 3 o dia... • a lagarta que vira borboleta; • as fases da lua; • as aulas de Inglês, Espanhol ou outras, também podem contribuir ao trabalhar os dias da semana, a sequência numérica, os meses do ano etc; • questionamentos diversos, como: “Há mais meninas ou meninos?”, “Há mais me ninas ou crianças?”; • blocos lógicos, Barrinhas de Cuisinare, materiais confeccionados com papel-cartão, cartolina etc. 5.2.2.4 Princípios lógicos: conservação Conservação: Entender conservação é saber que o número de um conjunto de obje tos pode apenas ser mudado por adição ou subtração: todas as outras mudanças são irrelevantes. Diante de dois conjuntos de doces (Figura 24), cada um com seis, sendo um deles apresentado em fila, um doce encostado no outro, e o outro também em fila, mas com espaço maior entre os doces, as crianças que ainda não conservam, dizem que a se gunda fila tem mais doces que a primeira. Figura 24: Brigadeiros. Fonte: Acervo EAD – Uniube. UNIUBE 229 Caso as duas filas sejam do mesmo tamanho, porém formadas por diferentes quantidades de doces, o mais provável é que considerem as filas com o mesmo número de doces (Figura 25). Figura 20: Brigadeiros. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Então, a criança ainda não se apropriou da conservação, não sabe o que a palavra “seis” realmente significa. Ela é capaz de contar bem no sentido de que os números certos são produzidos na ordem certa, mas a criança não entenderá o significado desses números até que tenha compreendido a conservação. As crianças devem compreender conservação a fim de saber o que estão fazendo quando contam. As crianças que não captaram a conservação não terão qualquer noção de número cardinal. Estarão repetindo mecanicamente, por “decoreba”, as palavras que identificam os números. Além disso, existe uma forte relação entre conservação e as operações de adição e subtração (campo aditivo). Apesar da fácil associação ao número, o conceito de conservação não se restringe à aritmética, na geometria e nas medidas ele também se mostra importante: diante de dois pedaços de barbante de mesmo comprimento, sendo um colocado em linha reta e outro em linha curva, geralmente as crianças que ainda não assimilaram a conservação acreditam que um deles é maior que o outro. Com efeito, a noção da conservação da quantidade da matéria, que chamaremos de conservação da substância e que se encontra no ponto de partida da quantificação das qualidades físicas (peso, volume etc.), pode ser considerada ao mesmo tempo como o ponto de chegada da matematização elementar que engendra o número (PIAGET; INHELDER, 1975, p. 36 apud SOUSA, 2005, p. 2) 230 UNIUBE O processo de conservação só é dominado quando as crianças conseguem discernir as modificações que influem nas propriedades dos objetos, daquelas que não influem em suas propriedades, isto é, atuam somente nas aparências deles. Um quadrado girado em 90º não deixa de ser um quadrado. Neste caso, a criança precisa também do conceito de inclusão: um quadrado também é um losango, em qualquer posição que esteja (Figura 26). Figura 26: Quadrados. Fonte: Acervo EAD – Uniube. Losango: quadrilátero com todos os lados iguais. Quadrado: quadrilátero com todos os lados iguais e quatro