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Introduçã� d� Direit� Internaciona� Públic� ● Reconhecer a sociedade internacional, o papel do Direito Internacional Público no funcionamento dessa sociedade, suas origens e a evolução histórica do Direito Internacional Público A sociedade internacional e o sistema normativo internacional Se o Direito Internacional se define como aquele aplicável à sociedade internacional, é importante compreender esse conceito. Parte-se do reconhecimento de que as relações internacionais são definidas pela existência de Estados – comunidades políticas independentes, com governo próprio e afirmação de soberania sobre um território e um grupo de pessoas. Essa é também uma construção histórica. A medida que determinará a efetiva existência de um sistema é, portanto, a intensidade da interação entre os Estados, não necessariamente a sua qualidade. Essa interação pode, inclusive, ser direta ou indireta, assumir a forma de conflito ou de cooperação, abranger uma ampla gama de atividades (políticas, econômicas, culturais, sociais etc.) ou apenas uma delas. Basta que haja interação. A existência de uma sociedade internacional ou de uma sociedade de Estados pressupõe características adicionais que não estarão presentes, necessariamente, em todos os sistemas internacionais. De acordo com Bull, “existe uma ‘sociedade de estados’ quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns”. Atribui papel central, portanto, ao Direito Internacional como manifestação dos esforços de cooperação e regulação nas interações entre os Estados. O sistema normativo internacional se consubstancia por uma ampla rede de normas e princípios jurídicos que desempenham um papel na realização dos diversos objetivos compartilhados da sociedade internacional. Entre esses objetivos, destacam-se a preservação do próprio sistema e da sociedade de Estados, a manutenção da independência dos Estados individuais, a manutenção da paz e a limitação da violência. Conceito, objeto e fundamento do Direito Internacional Público O Direito Internacional Público pode ser conceituado, de acordo com Valério Mazzuoli (2010, p. 55), da seguinte forma: (...) conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a condução da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e, também, pelos indivíduos), visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais. Esse é um conceito que abarca os sujeitos intervenientes, as matérias reguladas e as fontes normativas consideradas, não se restringindo a um ou a outro critério. É importante distinguir o Direito Interno do Direito Internacional: ● Direito internacional : Refere-se ao conjunto de normas jurídicas não pertencentes a uma ordem interna, regulando e regendo as relações entre os Estados e o complexo das atividades envolvendo organizações internacionais e indivíduos. ● Direito humano : Consubstancia-se no conjunto de normas em vigor em dado Estado. Ao longo do último século, principalmente, notou-se uma progressiva expansão do âmbito de alcance do Direito Internacional. O seu objeto se expandiu, portanto, para incluir questões e temáticas não originalmente afetas à sua abrangência. Deixou de tratar apenas de questões de guerra e paz e comércio, passando a adentrar arenas como meio ambiente, direitos humanos, saúde, meios de comunicação e transporte, questões monetárias e financeiras, terrorismo, crime organizado, entre tantas outras. Conforme as relações internacionais se tornaram mais complexas (tanto em termos temáticos, quanto em relação aos atores envolvidos), também mais diversas se tornaram as normas de Direito Internacional. Isso, naturalmente, se deu em um processo de tensão com aquilo que era entendido como uma esfera exclusivamente doméstica de atuação e competência do Estado. Determinar o fundamento do Direito Internacional Público equivale a identificar os motivos que justificam e dão causa à sua legitimidade e obrigatoriedade. É um esforço que pretende identificar quais as origens, os fatores (fatos, valores) de onde emanam a imposição de respeito de suas normas e seus princípios. Basicamente, questiona-se por que o Direito Internacional Público se impõe aos Estados, entidades soberanas. Diversas doutrinas oferecem respostas divergentes para este conjunto de questões fundamentais. Vejamos: ● Doutrina voluntarista : Atribui a obrigatoriedade do Direito Internacional Público ao consentimento, à vontade comum dos Estados, expressa tácita ou explicitamente. O fundamento do Direito Internacional Público seria, essencialmente, o consentimento. Povos, ao realizar o princípio da autodeterminação, que se organizam sob a forma de Estados e ingressam em uma comunidade internacional sem estrutura centralizada, subordinam-se apenas ao Direito que livremente reconheceram ou construíram. ● Doutrina objetivista : Prevê a existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento jurídico, os quais teriam prevalência sobre as vontades e os interesses dos Estados. Atribui, principalmente, ao direito natural as raízes da obrigatoriedade de normas que poderiam ser extraídas, a partir da razão humana, do que é observado como a ordem natural (e moral). ● Doutrina objetivista temperada : Reconhece que o Direito Internacional se baseia em princípios jurídicos alçados a um patamar superior ao da vontade dos Estados, mas sem que esta seja deixada completamente de lado. Uma regra objetiva fundamental, fundada no consentimento perceptivo, que justifica a existência e a validade do Direito Internacional é a pacta sunt servanda, que impõe aos Estados o dever de cumprir com as obrigações aceitas livremente no exercício de sua soberania. Teria como razão de ser a sua própria indispensabilidade para a conservação da sociedade internacional e, como finalidade, a proteção do bem comum pela promoção da harmonia e das boas relações entre os povos. Essa regra foi, inclusive, posteriormente positivada na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Prevê o art. 26 que “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Origem e evolução histórica do Direito Internacional Público Um ponto de esclarecimento necessário e anterior à discussão sobre a história do Direito Internacional é sobre o condicionamento da sua existência à presença de Estados. É importante reconhecer que manifestações do Direito Internacional – entendido como um “direito intersocial” ou “intergrupal” – já se faziam presentes antes mesmo dos Estados Modernos surgirem na Europa Ocidental a partir do século XVI. E essas manifestações oferecem indícios de práticas e costumes que ganhariam força e expressão propriamente jurídica com o surgimento desses Estados. Mesmo entre os impérios da Antiguidade – Egito, Babilônia, Assíria, Pérsia – já era possível identificar a presença de alguns institutos que seriam reconhecidos posteriormente como partes integrantes e fundamentais do Direito Internacional. Apesar de a guerra e a violência representarem condições permanentes que desafiavam o estabelecimento de relações pacíficas (e reguladas), criavam também condições para que determinados instrumentos fossem instituídos. Compromissos “internacionais” eram firmados por meio do mecanismo de tratados, lidando com questões como alianças ofensivas e defensivas, delimitações territoriais e acordos de paz. Acordos comerciais também eram comuns. Esses tratados se fundamentavam, em alguma medida, na base da igualdade entre as partes. A regra da pacta sunt servanda – a obrigatoriedade de se cumprir o acordado – era acompanhada (e reforçada) por juramentos religiosos. Também nesse período já era possível identificar umase dois objetos têm a mesma série de predicados, é plausível imaginar, todas as coisas consideradas, que se um deles apresentar um predicado a mais, o outro terá também. No Direito, a analogia também é um recurso da prática judicial que visa encontrar soluções para casos que não possuem regras ou princípios claros de solução. Ao utilizar este recurso, a autoridade passa a justificar sua decisão comparando o caso X em suas mãos com o caso Y anteriormente decidido. De tal modo que demonstra que podem possuir os mesmos fatos, mesma causa de pedir e mesmos pedidos, sendo, portanto, em muitos aspectos semelhantes, conduzindo a uma decisão. O raciocínio por analogia está na base da teoria dos precedentes de diversos ordenamentos jurídicos. Seria a analogia uma fonte do Direito Internacional Público? A resposta é: NÃO. A doutrina internacionalista observa, segundo Rezek (2018), que a analogia não é um recurso utilizado de forma nominal pelo sistema jurídico internacional. Em primeiro lugar, por conta da falta de sua remissão no art. 38 do ECIJ. Em segundo lugar, porque, considerando a soberania como elemento fundante da Sociedade Internacional, não haveria como ter decisões análogas influenciando umas às outras. Por último, a analogia poderia pôr em risco a devida proteção dos Direitos Humanos, de acordo com Mazzuoli (2020). Francisco Rezek (2018), no entanto, lembra que o raciocínio por analogia foi bastante utilizado para estabelecer as competências de organismos internacionais, sobretudo diante da temática das prerrogativas funcionais de seus agentes, a exemplo do Caso Bernadotte, que você pode conferir no Explore +. Equidade A equidade aparece no art. 38, 2, do ECIJ, quando a sua redação abre a possibilidade para CIJ “decidir uma questão ex aeque et bono, se as partes com isto concordarem”. A equidade surge quando as partes decidem, confiando no julgador, entregar a solução do caso. Isso pode ocorrer porque a regra existente não atende às suas expectativas de justiça ou porque não existe uma regra disponível sobre o caso. Diferentemente da analogia, recurso compensatório de integração, no qual inexiste uma norma para decidir, a equidade pode ser utilizada para o caso de a norma existir, mas não ser considerada justa para as partes em litígio. Por isso, a equidade se liga à justiça, pois visa dar respostas às pretensões satisfativas das partes. Podemos, portanto, inferir que a equidade surge quando, diante de um caso: (i) O sistema jurídico internacional não tenha determinado de forma suficiente a norma aplicável ao caso; (ii) Quando a norma aplicável ao caso não é considerada satisfativa pelas partes, portanto, injusta, demandando do julgador uma nova solução. Por isso, a equidade não é um recurso acessível em primeira ordem pelas partes – pelo contrário. Em primeiro lugar, ela tem um caráter supletivo, ou seja, surge quando não há solução explicitamente determinada para o caso. Em segundo lugar, ela não pode ser utilizada mediante a livre convicção do julgador, mas, de forma explícita, as partes precisam concordar explicitamente com a sua utilização. Em razão disso, a redação do art. 38, 2, do ECIJ diz frontalmente “se as partes concordarem”. Ao autorizar a CIJ a utilizar a equidade, por inferência, segue-se que esta não poderá utilizar o Direito Positivo, formal, par dar solução ao caso. Não faz sentido demandar a equidade perante a CIJ para que esta decida com base nas normas positivas vigentes do ordenamento jurídico internacional. Por isso, a equidade abre uma janela de suspensão do ordenamento, para que um novo caso seja decidido pelas ponderações justas dos magistrados. Por conseguinte, conforme já visto aqui, a decisão será normativamente vinculante às partes que assim resolverem adotar a equidade, não se estendendo a casos futuros. Outras aplicações da equidade são citadas pela doutrina internacionalista, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a disputa entre Líbia e Tunísia pela plataforma continental (MAZZUOLI, 2020); em questões envolvendo a sucessão de Estados, responsabilidade internacional, utilização de águas internacionais, arbitragem internacional, Declaração de Bruxelas de 1874 (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2019); Caso Haya de La Torre em que se poderia ter sido utilizada a equidade como forma mais assertiva de solução (REZEK, 2018). ● Atos unilaterais dos Estados Os Estados são os mais significativos sujeitos de Direito Internacional Público. Em muitos dos seus atos, tais como suas declarações, manifestações e seus comportamentos, são produzidos efeitos jurídicos que trazem impactos e consequências sobre a Sociedade Internacional. Neste sentido, tais atos são considerados fonte do Direito Internacional Público, posto que são “expressão de vontade dos sujeitos do Direito das Gentes, tendente a criar efeitos jurídicos” (MAZUOLLI, 2020, p. 181). Para determinar sua juridicidade como fonte do Direito Internacional Público, precisamos identificar algumas características indispensáveis. Por isso, a doutrina internacionalista de Mazzuoli (2020) considera que as resoluções unilaterais procedem de forma semelhante ao princípio geral do Direito pacta sunt servanda, com a diferença que não há um pacto bilateral, mas um ato unilateral que vincula, que é reconhecido, portanto, um pacta sunt servanda. Se tais atos tiverem vícios em sua forma e validade no ordenamento jurídico interno, não poderão produzir os devidos efeitos, aponta o autor. Vejamos o quadro a seguir: Decisões dos organismos internacionais Por decisões dos organismos internacionais, entendemos as resoluções, manifestações de vontade, comportamento, declarações etc. que visam produzir efeitos jurídicos no ordenamento e nas Sociedades Internacionais. Assim como as resoluções unilaterais dos Estados, as decisões unilaterais dos organismos internacionais não estão previstas no art. 38 do ECIJ. Mazzuoli (2020) sustenta a hipótese de que a omissão de um dispositivo que referenciasse tal fonte se dá por conta de razões históricas e cronológicas. Uma vez que o ECIJ foi editado em 1920, a Sociedade Internacional ainda não tinha experimentado o surgimento da administração pública global vivenciada no pós-Guerra. A juridicidade das decisões unilaterais dos organismos internacionais está, primeiramente, revestida de institucionalidade. Isso porque os organismos internacionais são pessoas jurídicas de Direito Público Externo, constituídas mediante tratado, no qual os Estados constituintes participam indiretamente. Assim como os atos dos Estados, devem ser internacionais para que sejam reconhecidas pelo Direito Internacional Público. Como exemplo de ato unilateral vinculante, temos as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as Recomendações da Organização Internacional do Trabalho. Como exemplo de decisões unilaterais não vinculantes, temos as declarações e recomendações da Assembleia Geral das Nações Unidas. Estas, como Accioly, Silva e Casella (2019) nos ensinam, representam um ponto de destaque na temática das resoluções unilaterais dos Organismos Internacionais. Mas, afinal, por que as decisões da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU) não são vinculantes? No início da criação da Organização das Nações Unidas, a ideia original era transformar a AGNU em órgão legislativo global. Tal pretensão, porém, não conseguiu ser executada. De um ponto de vista formal e jurídico, as declarações da AGNU não têm caráter de norma jurídica vinculante reconhecida pelo Direito Internacional Público quando prolatadas. Talvez o caso mais importante a ser considerado é o da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Como declaração da AGNU, esta não tem força vinculante apenas e tão somente pela sua edição institucional. Todavia, como podemos compreender das lições de Accioly, Silva e Casella (2019), uma declaração pode gerar conformidade no comportamento dos atores internacionais, passando de forma consistentea compor tanto o uso desiderata (habitual) quanto a opinio juris (reconhecimento de que tal declaração gera obrigações). Assim, a declaração passa a ser considerada como parte do Direito Internacional pela via dos costumes. Obrigações erga omnes A expressão latina erga omnes significa: 'Que tem efeito sobre todos'. No âmbito do Direito Internacional Público, obrigações erga omnes são aquelas em que os Estados estão vinculados independentemente de sua aceitação ou vontade, tampouco são passíveis de objeção. Tais obrigações atingem universalmente e sem exceções os atores da Sociedade Internacional. As normas provenientes do Direito Costumeiro Internacional integram as obrigações erga omnes, segundo Malcolm Shaw (2017). Aqui, restam destacados os efeitos dos costumes sobre o conjunto dos atores internacionais, independentemente do voluntarismo estatal. Por conseguinte, as obrigações provenientes dos tratados internacionais não comportam as obrigações erga omnes, uma vez que o consentimento dos Estados, necessário à constituição do tratado, não pode impactar a vontade de outros Estados, conforme explica Mazzuoli (2020). Significativo é o Caso Barcelona Traction, de 1970, no qual a Bélgica resolveu processar a Espanha demandando reparação, com base na quebra da lei internacional, por conta da desapropriação da empresa Companhia de Carga, Luz e Eletricidade de Barcelona. Essa empresa, embora canadense, possuía sócios acionistas belgas. O relevante para nossa discussão aqui foi a análise da terceira objeção preliminar, a saber: o direito da Bélgica de exercer proteção diplomática aos acionistas belgas da empresa que é, em sua personalidade jurídica, canadense. Nessa objeção, foi alegada que as medidas de desapropriação não foram tomadas contra os cidadãos nacionais belgas, mas, sim, contra a companhia considerada em si. A seguir, segue a manifestação da Corte Internacional de Justiça: Nesse julgamento, restou consolidado que as obrigações erga omnes constituem fonte de Direito Internacional Público. Nas lições de Mazzuoli (2020), ao explicar a posição dos juristas sobre as obrigações erga omnes, há um consenso de que estas constituem os valores fundamentais da Sociedade Internacional. Um núcleo duro de regras quase-naturais para o comportamento dos Estados, organismos internacionais e indivíduos no âmbito global. As obrigações erga omnes constituem a centralidade normativa internacional que atinge a todos os atores, sem distinção, para que os elementos básicos de uma convivência justa e harmoniosa possam ser mantidos. Podemos, então, entender que as obrigações erga omnes são formadas pelos costumes internacionais e pelos princípios fundantes da ordem pública internacional. Jus cogens Jus cogens, ou Direito Cogente, refere-se às normas imperativas de Direito Internacional que não são passíveis de serem revogadas por outras normas, a não ser por outra norma de Direito Cogente. Portanto, são imperativas e inderrogáveis, possuindo um status hierárquico superior (SHAW, 2017; MAZZUOLI, 2020). As normas imperativas de Direito Internacional possuem um status hierárquico superior às demais normas, não sendo, portanto, sujeitas ao voluntarismo dos Estados soberanos. A Convenção de Viena de 1969, em seu art. 53, trata das normas de jus cogens, devendo ser consultada. Como é possível inferir, uma norma de jus cogens deve ser aceita e reconhecida pela comunidade internacional como um todo. A doutrina internacionalista de Accioly (2019) nos ensina que foi Francisco de Vitória que trouxe o conceito de jus cogens do Direito Romano para o Direito Internacional, passando sua análise por diversos outros publicistas. Mazzuoli (2020) explica que a retomada da discussão em torno do Direito Cogente foi proporcionada em meio à Guerra Fria. O eixo socialista de países emergentes entendeu por argumentar a favor de que um conjunto de normas costumeiras fundamentais formasse um corpo normativo que não poderia ser violado na Sociedade Internacional. Com os processos de liberação pós-colonial, tornou-se muito importante afirmar a autodeterminação dos povos e as liberdades e garantias fundamentais na forma dos Direitos Humanos. Analisemos a juridicidade das normas imperativas: A primeira característica do jus cogens é que suas determinações são obrigatórias independentemente da vontade dos Estados. Não é necessário o assentimento destes para que sua força vinculante seja reconhecida pela comunidade internacional. Por consequência, uma vez que sua força vinculante não deriva da vontade dos Estados, uma norma de jus cogens não pode ser alterada pela vontade destes. Portanto, ela é inderrogável pela vontade estatal. Apenas uma nova norma de jus cogens pode alterar uma norma anterior. Dada a sua hierarquia superior, as normas de jus cogens estão no topo da pirâmide normativa internacional. Explicitadas essas duas características, cumpre vermos exemplos de normas de jus cogens. Soft Law São normas de Direito Internacional Público que não possuem caráter vinculante ou coercitivo, mas que exercem uma força de estímulo ou não sobre o comportamento dos atores internacionais. Na lição de Mazzuoli (2020), as normas de soft law carecem de uma juridicidade evidente e inconteste. As causas dessa “plasticidade jurídica” (soft) podem ser atribuídas ao fato de não ser manifesta a vontade das partes em criar obrigações jurídicas que vinculem o comportamento dos atores, ao mesmo tempo em que as partes reconhecem o caráter diretivo e orientador de determinado texto, acordo, pacto etc. Por isso, Mazzuoli (2020) fala em “zona cinzenta” e “margens de apreciação”. A primeira característica se dá por falta de manifesta determinação de criação de obrigação jurídica. Já a segunda, por conta das possibilidades de os atores avaliarem se pretendem ou não cumprir as orientações diretivas. Desta feita, as normas de soft law seriam maleáveis, plásticas, adaptáveis etc. Sujeit� d� Direit� Internaciona� Públic� ● Compreender a personalidade jurídica internacional e os elementos formadores do Estado Personalidade jurídica internacional O que é personalidade jurídica internacional? O conceito consta na jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais especificamente no Parecer Consultivo de 1949, proferido no ilustre caso Bernadotte. Primeiro, cabe frisar que é possível levar à CIJ tanto casos contenciosos quanto consultivos. No caso Bernadotte, a CIJ entendeu que a Organização das Nações Unidas (ONU) teria personalidade jurídica própria para tutelar direitos de seus funcionários. Para chegar a tal conclusão, a CIJ precisou responder a uma pergunta precedente: A ONU tem personalidade jurídica internacional? A ausência de posicionamento expresso sobre o tema provocava questionamentos se tais entidades seriam sujeitos de Direito Internacional. Diante disso, a Assembleia Geral da ONU acionou a CIJ para dirimir a questão. O caso concreto envolvia um diplomata sueco – Conde Bernadotte, por isso o nome do precedente. Em 1948, a ONU envia, a seu serviço, o diplomata sueco Conde Bernadotte como seu mediador na Palestina. Ele foi assassinado no exercício de suas funções. Diante disso, a ONU, em defesa de seu funcionário, para buscar a reparação devida, precisava ter claramente o limite de sua personalidade internacional. O parecer da CIJ resolve a discussão ao reconhecer a personalidade jurídica da ONU, na qualidade de organização internacional, ao entender que esta não poderia cumprir suas finalidades e sua missão caso fosse desprovida de personalidade jurídica. Com relação aos Estados, são considerados pessoas jurídicas internacionais por excelência, pois representam a coletividade no plano jurídico internacional. No referido parecer que constitui a decisão da CIJ, conceitua-se a personalidade jurídica internacional a partir de quem pode exercê-la. Para a CIJ, quem detém personalidade jurídica internacional: É a entidade que tem capacidade de ser titular de direitose deveres internacionais, e a capacidade de fazer prevalecer estes direitos por meio de reclamação internacional. Em Direito Internacional, a personalidade é um reflexo da capacidade de Direito acrescida da capacidade de fato. A definição anterior demonstra exatamente esta ideia: é a capacidade de ser titular de direitos e deveres (ser titular de direitos) e a capacidade de exercer esses mesmos direitos por meio de reclamação internacional. O conceito de personalidade jurídica é dinâmico e tem caráter histórico: os sujeitos de direito não são sempre os mesmos e podem variar a depender do contexto considerado. Estado: formação, extinção e sucessão A principal entidade dotada de personalidade jurídica internacional é o Estado. É comum também ser utilizada a expressão “coletividades estatais” porque existem casos em que todos os elementos estão presentes, mas as entidades não são necessariamente Estados. Tradicionalmente, entende-se que os elementos necessários para a constituição de um Estado são: ● Território ● Povo ● Governo Algumas vezes se inclui um quarto elemento, a soberania, que aparece como um grau de governo. O conceito de Estado envolve os seguintes elementos: ● é um ente jurídico, dotado de personalidade jurídica internacional; ● é formado por indivíduos organizados em determinado território; ● está sob autoridade de um governo independente; ● sua finalidade de atuação é tutelar aqueles que o habitam. O conceito, na prática, comporta exceções. Existem casos peculiares: ● Taiwan : Taiwan, por exemplo, detém todos os elementos — território, povo e governo —, porém não é reconhecida internacionalmente como um Estado. À época da fuga de Mao Tse Tung para Taiwan, esta se declarava a verdadeira representante da China. Tanto foi assim que, por muito tempo, Taiwan representava a China no Conselho de Segurança da ONU. Posteriormente, com o reconhecimento dos Estados Unidos da América (EUA) de que a China continental seria a verdadeira representante da China, Taiwan passou a se autoafirmar um Estado independente. Ficou estabelecido que os acordos que os EUA estabelecem com Taiwan serão contratos, mas serão assemelhados a tratados, por uma legislação de Direito interno. Por meio de legislação interna, EUA e Taiwan conseguiram assemelhar as suas relações às relações internacionais, mas isso não é normatizado pelo Direito Internacional e, portanto, não está inserido no seu âmbito. Porém, Taiwan não possui tal reconhecimento por parte dos outros Estados. ● Palestina : Outro exemplo é a “Autoridade Palestina”. Tem povo, território e governo, inclusive tem direito de voto na assembleia geral da ONU, mas não é um Estado. Elementos do Estado Basicamente, podemos distinguir três elementos do Estado: ● Território: Trata-se do âmbito de validade espacial do exercício da soberania. As fronteiras são delimitadas pelo Direito Internacional, notadamente por meio de tratados internacionais. É também o elemento material do conceito, sendo a base física do Estado, em que ele exerce a sua soberania. ● Povo : Trata-se dos nacionais de um país. O Estado, no entanto, não possui ampla liberdade para conceder nacionalidade a quem desejar, tendo em vista que o Direito Internacional apresenta duas limitações: uso de critérios jus solis e/ou jus sanguinis; e necessidade de vínculo efetivo entre a pessoa e o Estado. Definição importante é a do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Francisco Rezek, que vai tratar do povo como a dimensão pessoal do Estado, lembrando que povo e população não são conceitos sinônimos. ● Governo : É o conjunto de pessoas encarregadas de conceder eficácia ao ordenamento jurídico nacional. Trata-se das pessoas que conferem eficácia ao ordenamento jurídico interno. É quem é “capaz de decidir de modo definitivo dentro do território estatal, não admitindo a ingerência de nenhuma outra autoridade exterior”. O exercício do governo pelo Estado tem dois planos: ● Nacional : O governo do plano interno é a administração e gestão do país, traduzido na figura do Poder Executivo. ● Internacional : O Estado é quem representa o país perante outros Estados, participando das relações internacionais e conduzindo a política externa. Existe uma controvérsia acerca da inserção da soberania como elemento do Estado. Na definição de Jean Bodin, a soberania é entendida como o poder supremo, inalienável, perpétuo e indivisível que não reconhece qualquer outro superior a ele. Tal entendimento encontra-se superado, de modo que o conceito de soberania, perante o Direito Internacional da atualidade, é a não subordinação ao Direito interno de outro Estado (não significa a não subordinação ao Direito Internacional). Personalidade jurídica do Estado A personalidade jurídica internacional do Estado é: ● Originária : Porque não é necessário nenhum ato jurídico para afirmar a existência do Estado. ● Plena : Pois não se submete a quaisquer limitações, salvo as impostas pelo Direito Internacional. Por sua vez, a personalidade jurídica plena se exprime em três direitos: ● Jus tractum : Direito de celebrar tratados. ● Jus legationem : Direito de enviar e receber representação diplomática. ● Jus ad bellum : Direito de fazer guerra. Além do Estado, as entidades interestatais possuem também personalidade jurídica internacional, que, no entanto, tem algumas peculiaridades em relação aos Estados. A personalidade jurídica internacional das entidades interestatais é: ● derivada, pois depende da reunião de Estados para que sejam criadas; e ● restrita, porque não possuem (ou possuem de forma restrita) os direitos jus tractum, jus legationem e jus ad bellum. Como regra, empresas e organizações não governamentais não possuem personalidade jurídica internacional, mas existem casos excepcionais: ● Itaipu Binacional : Como foi criada por um ato jurídico de Direito Internacional (in casu, Tratado de Itaipu de 1973), é uma coletividade interestatal que tem personalidade internacional, podendo celebrar tratados de cessão de energia elétrica com o Brasil e com o Paraguai. ● Cruz Vermelha : Também criada por um ato jurídico internacional, manifesta sua personalidade como observadora geral da ONU, com direito a voz (e não voto) nas reuniões, e como fiscalizadora das Convenções de Genebra, que versam sobre direito humanitário. ● Santa Sé : Criada pelo Acordo de Latrão, celebrado entre Igreja Católica e o Estado da Itália, sua personalidade jurídica internacional se manifesta pelo jus tractum e jus legationem irrestritos, mas não conta com o jus ad bellum. ● Ordem dos Cavaleiros de Malta : O Grão-Mestre da ordem detém imunidade de jurisdição no mesmo formato dos diplomatas, bem como o jus legationem. O jus tractum da Ordem é limitado aos acordos de sede que realizam com os Estados, para pactuar o recebimento e a organização da Ordem no Estado. Discute-se se o indivíduo deve ser considerado um sujeito de Direito Internacional: ● Para internacionalistas do século XVII, a dificuldade era tratar um Estado como sujeito do Direito Internacional, discussão esta que não atingia o indivíduo, o qual era pacificamente tratado como sujeito de Direito Internacional. ● Por outro lado, os internacionalistas do século XIX entendiam, sem divergências, que o Estado é um sujeito do Direito Internacional, mas possuem dificuldade para afirmar que assim também são os indivíduos. A discussão relaciona-se ao fato de que os indivíduos não podem celebrar tratados, mas podem recorrer diretamente a algumas cortes internacionais ou, até mesmo, serem julgados por tribunais internacionais. ● Identificar as formas de reconhecimento de Estados e de governo Reconhecimento de Estado e de governo Assim como o Direito interno de cada Estado define quem são os seus sujeitos e o respectivo início de sua personalidade por meio de leis, que possuem efeito erga omnes, o Direito Internacional deve regular a partir de que momento ocorre o reconhecimento de uma coletividade como Estado.Nesse sentido, não existe uma grande autoridade internacional central com a atribuição de reconhecer Estados com efeitos erga omnes. Dessa maneira, o reconhecimento dos Estados no Direito Internacional produz apenas efeitos interpartes – parte que reconhece e parte reconhecida. Até o século XIX, entendia-se que o reconhecimento de um Estado tinha natureza jurídica constitutiva, ainda que somente produzisse efeitos interpartes. Tal posicionamento, no entanto, derivava do colonialismo, permitindo que o instituto do reconhecimento fosse utilizado com excessiva manipulação política. Atualmente, o reconhecimento de um Estado possui natureza jurídica meramente declaratória, conforme dispõe a Convenção de Montevidéu, de 1933. A ideia de reconhecimento como ato declaratório tem fundamento no princípio da efetividade do Direito Internacional: se, na realidade fática, determinada coletividade tem povo, território e governo independente, trata-se de um Estado de fato e, por conseguinte, é um Estado de Direito. São formas de reconhecimento de um Estado: ● Expresso : Por meio de ato jurídico internacional que expressamente reconhece determinada coletividade como Estado. ● Tácito : Por meio de ato não formalmente expresso reconhecendo determinada coletividade como Estado. Por exemplo, a forma como o Reino Unido reconheceu o Brasil, que ocorreu por meio do Tratado de Comércio de Navegação e Amizade em 1810; ● Unilateral : Por meio de ato unilateral do Estado que reconhece. ● Bilateral : Por meio de tratado entre o Estado que reconhece e o Estado reconhecido. A mesma sistemática do reconhecimento de Estado pode ser aplicada ao instituto do reconhecimento de governo, que, no entanto, possui certas peculiaridades. O reconhecimento de governo é utilizado apenas quando há transições revolucionárias da ordem constitucional do país. O título de reconhecimento de governo tem a sua importância no fato de que o governo é formado pelo conjunto de pessoas que pode estabelecer relações jurídicas internacionais em nome do Estado, chamados de plenipotenciários. Assim como o reconhecimento de Estado, o reconhecimento de governo pode ser utilizado como meio de manipulação política. Para torná-lo um instituto menos aberto a eventuais manipulações políticas, foram criadas algumas doutrinas com o objetivo de estabelecer critérios objetivos para o reconhecimento de governos. A maioria delas, na verdade, acabou falhando. Apenas duas tiveram maior sucesso, ainda que parcial: ● Doutrina tobar : Criada por Carlos Tobar, Ministro das Relações Exteriores do Equador em 1907, tem como fundamento o Princípio da Busca da Paz. Segundo ele, todo e qualquer governo que tenha usado da força para tomar o poder seria ilegítimo, mesmo que fosse ideologicamente alinhado com o Equador. ● Doutrina estrada : Oriunda de Genaro Estrada, Ministro das Relações Exteriores do México em 1930, entende que o reconhecimento de governo é um instituto imperialista. Com fundamento no Princípio da Não Intervenção, a doutrina Estrada define que todo e qualquer governo deve ser reconhecido, ainda que tacitamente. Sucessão de Estados Quando um Estado deixa de existir (i.e., a personalidade jurídica internacional), as obrigações que ele criou não se extinguem, mas sim passam para os Estados sucessores. Trata-se do princípio da continuidade. Para que um Estado deixe de existir, é necessária alguma mudança drástica em algum de seus elementos: governo, território e povo, em especial estes dois últimos. A análise de que um Estado deixou de existir e deu origem a outro passa pelo princípio da efetividade, ou seja, a verificação se outras autoridades passam a exercer de modo efetivo os atributos da soberania em determinado lugar. A sucessão é uma matéria fruto de costume preexistente e, por isso, não há um nome específico para suas formas. No entanto, podem ser identificadas as seguintes formas: ● Fusão : Ocorre quando dois Estados se juntam para formar um terceiro. Por exemplo, a unificação alemã de 1870. ● Incorporação : Ocorre quando um Estado incorpora outro, este deixa de existir e aquele se torna um Estado maior ainda. Por exemplo, a reunificação alemã de 1989. ● Secessão,divisão ou cisão : Ocorre quando um Estado deixa de existir e, em seu lugar, surgem vários outros. Por exemplo, o fim da URSS. ● Desmembram : Ocorre quando um Estado grande, por um processo qualquer de revolta interna, permanece, mas dele surgem outros Estados. Na sucessão, transfere-se o domínio eminente e as propriedades do bem público, enquanto naquela há apenas a transferência territorial, ou seja, do domínio eminente. Conforme Rezek, na transferência territorial: “temos uma situação em que nenhuma soberania surge ou desaparece. Os Estados preexistentes subsistem com suas identidades. Apenas uma área territorial integrante de um deles transfere-se para outro. Muda, pois, tão só a soberania incidente sobre essa parcela de território”. Em caso de ausência de regras para a sucessão em tratados, o Direito Internacional costumeiro regerá a sucessão. Existem dois tipos de sucessão: ● Em matéria de tratados ● Em matéria de bens e dívidas Em matéria de tratados Nesse caso, as regras decorrem exclusivamente do Direito Internacional geral (Estados não podem definir quem fica obrigado a qual tratado). ● Caso de fusão e incorporação : O Estado sucessor é membro de todos os tratados que os Estados anteriores faziam parte. Somam-se todos os tratados, inclusive aqueles que possuem obrigações incompatíveis entre si. ● Caso da secessão e do desmembramento : A regra é que os Estados sucessores serão membros de todos os tratados que o Estado anterior fazia parte. Em matéria de bens e dívidas Nesse caso, as regras são oriundas de tratado e, na sua ausência, caberá ao Direito Internacional costumeiro regular as situações. ● Fusão e incorporação : Somam-se todos os bens e dívidas do Estado antecessor. ● Casos de secessão e desmembramento : Deve haver uma repartição ponderada dos bens e das dívidas de acordo com o critério da destinação da dívida. Imunidades Imunidade de jurisdição Imunidade de jurisdição é a isenção, por força de normas internacionais, originalmente costumeiras e principiológicas ultimamente convencionais, da jurisdição penal, civil e administrativa do Estado Nacional. Existe, portanto, uma norma de Direito Internacional que exclui a jurisdição nacional. A imunidade de jurisdição é uma decorrência da soberania. Sobre o tema, vige o princípio par in parem non habet imperium/jurisdictionis (o par entre seus pares não exerce império/jurisdição). Originalmente, tal brocardo utilizava a denominação imperium, porém jurisdictionis é considerada uma versão mais moderna. Esse princípio é uma decorrência direta da ideia de soberania. Assim, o diplomata possui imunidade de jurisdição porque ele é um funcionário público brasileiro que está no estrangeiro. Dessa maneira, quando esse diplomata realiza um ato oficial, este ato oficial também não pode ser apreciado pelo Judiciário norte-americano. Aprofundando o tema, o termo “imunidade” pode estar se referindo à imunidade de Estado ou à imunidade de pessoas (diplomatas e cônsules, especificamente): ● Ratione materiae : Imunidade em razão da matéria ou imunidade. ● Ratione personae : Imunidade em razão da pessoa ou imunidade. De todo modo, é o Estado que é imune — seus atos são imunes. Distinguem-se, apenas para efeitos didáticos, as imunidades em razão da matéria do ato e as imunidades em razão da pessoa. O brocardo par in parem non habet imperium tem uma limitação, que é a chamada doutrina dos atos de Estado, oriunda do Direito norte-americano. A ideia é que um Estado é capaz de promover dois tipos de atos: ● atos de jure imperii : (atos de império) ● atos de jure gestiones : (atos de gestão) Os atos de império decorrem do exercício do direito da soberania estatal. Portanto, a imunidade de jurisdição só poderia ser relativizada se o próprio Estado permitisse.Um ato de guerra é, por exemplo, um ato de império. Quanto à ação militar no contexto de uma guerra, há julgados no sentido de que ela constitui ato típico de império que confere ao Estado estrangeiro imunidade à jurisdição brasileira, para responder à ação de indenização por danos morais e materiais. Ainda, como segundo princípio importante para a matéria, o princípio da reciprocidade foi fundamental para a criação das imunidades na forma como conhecidas atualmente. A sua ideia é que o país A trate os representantes do país B da mesma forma que este trata os representantes do país A. Terceiro princípio, e novamente com a limitação par in parem non, é o primado do direito local. A imunidade não significa extraterritorialidade, ou seja, o direito vigente no território é o do próprio Estado. Sendo assim, a embaixada do país estrangeiro e seus representantes são imunes, mas aplica-se o direito local a todo e qualquer contrato celebrado por eles no território. A reclamação trabalhista é uma decorrência direta do primado do direito local. Em decorrência de um costume internacional, passou-se a não mais se conceder imunidade em matéria trabalhista pelo fato de ser uma relação entre desiguais: uma parte está buscando uma prestação de natureza alimentar, enquanto a outra parte é uma embaixada, ou seja, representante de um país estrangeiro. Quanto à imunidade de execução, a regra é que não se pode penhorar bens afetos à oficialidade. Por exemplo, se o Estado estrangeiro possuir bens não afetos à oficialidade, como seria o caso de um prédio comercial que utiliza para locação, é possível haver a penhora. Relembre-se que A imunidade de jurisdição é a isenção da jurisdição nacional sobre agente de direito público externo e não se confunde com extraterritorialidade, que é a aplicação da jurisdição nacional em território estrangeiro. As hipóteses taxativas de extraterritorialidade no Direito Internacional são: ● Cessão administrativa : Trata-se da cessão de território sem transferência de soberania. Não existe transferência de soberania, pois a cessão é provisória. Um dia será revertida ao Estado que cedeu (ainda que não tenha prazo fixado), como é o caso de Hong Kong. ● Ocupação militar : Desde 1928, com o Pacto de Paris (ou Pacto Brien), a guerra foi proibida no Direito Internacional, e não se aceita mais transferência de território pela conquista militar. Então, quando há uma ocupação militar, essa ocupação também deverá ser provisória. ● Servidão internacional : São os casos em que um Estado exerce prerrogativas soberanas sobre o território de outro Estado, como é o caso da Áustria, que faz o papel de polícia marítima de Montenegro. ● Protetorado : No protetorado, existe um Estado protetor e um Estado protegido. A ideia é que o Estado protegido possui uma espécie de limitação da sua capacidade e precisa de outro Estado para conduzi-lo. É um sistema mais leve de pacto colonial. Nele, o Estado protetor não exerce todas as prerrogativas da metrópole, sendo responsável apenas pela: ○ representação internacional do Estado protegido; ○ administração financeira do Estado protegido; ○ segurança do Estado protegido; e ○ administração da justiça para estrangeiros dentro do Estado protegido. ○ O Estado protegido, portanto, tem as suas leis, seu sistema judiciário próprio para seu povo. Contudo, no momento em que houver um conflito envolvendo estrangeiro, não serão mais as leis nem o aparato Judiciário do Estado protegido que entrarão em ação, mas sim as leis do Estado protetor. ● Mandato/tutela : Envolve a figura da metrópole e da colônia. Imunidades diplomáticas A imunidade, em razão da pessoa do diplomata, é extensiva, em primeiro lugar, à família do diplomata, abrangendo todos os que vivem sob a dependência econômica dele. Quando o diplomata chega ao país, vai à chancelaria e presta informações sobre si mesmo, sua identidade e a de seus familiares. Tais familiares, ainda que recebam salário eventualmente por realizarem algum serviço à família do diplomata (caso de doméstica que viajou para continuar seus serviços ao diplomata), estão cobertos pela imunidade. Ainda, mala diplomática, correio, arquivos e quaisquer outros documentos são invioláveis onde quer que se encontrem. Nesse sentido, as imunidades diplomáticas abrangem: ● Imunidades penais : Convenção de Viena de Relações Diplomáticas, de 1961, que foi promulgada no Brasil pelo Decreto 56.435, de 8 de junho de 1965 — “Artigo 31: 1. O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado (...)”. A imunidade penal é absoluta, sem exceções. A rigor, o diplomata não pode sequer ser tocado pelo guarda, devido ao art. 29 do Decreto nº 56.435/1965. ● Imunidades civis : Nas imunidades civis, o diplomata não tem tamanha extensão. Em regra, terá ampla imunidade civil, salvo algumas exceções. Além das situações excepcionadas mencionadas anteriormente para as imunidades civis, há a exceção de imunidade em relações trabalhistas que, apesar de não prevista expressamente na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, é fruto de um costume internacional. ● Imunidades tributárias : A relação tributária é caracterizada pela sujeição, de modo que, como regra, a imunidade tributária do diplomata é bastante ampla. Sobre a matéria, cabe a análise do art. 34 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas: Artigo 34. O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as exceções seguintes: a) os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços; b) os impostos e taxas sôbre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditado, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditante e para os fins da missão; c) os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39; d) os impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditado e os impostos sobre o capital referentes a investimentos em emprêsas comerciais no Estado acreditado; e) os impostos e taxas que incidem sôbre a remuneração relativa a serviços específicos; f) os direitos de registro, de hipoteca, custas judiciais e impôsto de selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23. Imunidades consulares Da mesma forma que as imunidades diplomáticas, as imunidades consulares são um instituto composto pela imunidade de jurisdição, imunidade de execução (ou de inviolabilidade) e por certas prerrogativas. O cônsul possui menos imunidades que o diplomata. Como regra, sua imunidade abrange apenas atos do ofício do consulado. Isso porque o cônsul tem uma função relativamente menos importante do que a do diplomata: ● Diplomata : Leva adiante a política internacional do país. ● Consul : Atua com o objetivo de zelar pelos interesses dos seus nacionais no Estado estrangeiro. O cônsul não tem direito à sua própria imunidade. Trata-se de uma prerrogativa do Estado, cabendo a renúncia apenas pelo chefe da missão diplomática. Ainda, a imunidade do cônsul não se estende à família e, apesar de a repartição consular ser inviolável, a sua residência pessoal não é. As imunidades consulares abrangem: ● Imunidades penais : Sobre o tema, aplica-se o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, que foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 61.078, de 26 de Julho de 1967: Artigo 41. Inviolabilidade pessoal dos funcionários consulares. 1. Os funcionários consulares não poderão ser detidos ou presos preventivamente, exceto em caso de crime grave e em decorrência de decisão de autoridade, judiciária competente. O dispositivo trata tanto da imunidade de jurisdição quanto da inviolabilidade. Nos dois casos, o cônsul somente é imune a crimes que não sejam considerados graves, portanto, pode ser preso, inclusive de forma cautelar, quanto à prática de crimes graves. A Convençãonão fez qualquer definição sobre o conceito de crime grave, ou seja, é uma norma internacional em branco, e a sua definição cabe ao Direito interno de cada Estado. No Brasil, não há uma definição legal ou sumulada de crimes graves, então se aplica a jurisprudência do STF, que utilizou algumas definições para crime grave. A grande crítica é que o Brasil utilizou uma definição de Direito Processual para interpretar o Direito Material, gerando distorções em relação ao princípio da reciprocidade, uma vez que, por exemplo, Israel possui uma definição em lei — crimes graves são aqueles contra a vida. Nesse sentido, o Brasil interpretou uma norma de Direito Internacional com base em seu Direito interno, o que é considerado um erro em termos de interpretação do Direito Internacional. O art. 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (Decreto nº 7.030/2009) prevê que os critérios de interpretação a serem utilizados são o literal, o contextual e o teleológico. De todo modo, a regra é que um cônsul, se cometer crime cuja pena máxima em abstrato é de mais de dois anos, pode ser processado, condenado e até mesmo preso. O único tipo de prisão cautelar — antes do trânsito em julgado — que se aplica ao cônsul é a prisão preventiva, pois ele somente pode ser preso por meio de mandado judicial. Sendo assim, não se aplica a prisão temporária nem a prisão em flagrante. ● Imunidades civis : No que se refere às imunidades civis, o cônsul possui menor proteção do que os diplomatas. Não se aplica a imunidade para contratos realizados fora do ofício do cônsul nem para ação de danos causados por acidente de veículo, navio ou transporte, na forma do art. 43 da Convenção de Viena das Relações Consulares: Artigo 43. Imunidade de jurisdição. 1. Os funcionários consulares e os empregados consulares não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado receptor pelos atos realizados no exercício das funções consulares. 2. As disposições do parágrafo 1º do presente artigo não se aplicarão, entretanto, no caso de ação civil: a) que resulte de contrato que o funcionário ou empregado consular não tiver realizado implícita ou explicitamente como agente do Estado que envia; ou b) que seja proposta por terceiro como consequência de danos causados por acidente de veículo, navio ou aeronave, ocorrido no Estado receptor. ● Imunidades tributárias : O cônsul tem as mesmas imunidades tributárias que os diplomatas, ou seja, não está submetido ao poder do Estado estrangeiro tanto quanto o diplomata. O cônsul possui, ainda, determinadas prerrogativas. Nesse sentido, detém três grandes grupos de liberdade: ● Liberdade de movimento : Encontra previsão no art. 34 da Convenção de Viena das Relações Consulares. O cônsul somente pode ter a sua liberdade de movimento restringida se houver lei de segurança nacional sobre o assunto. Nesse sentido, não pode ter seu acesso limitado para trânsito em repartições públicas, a não ser que haja lei de segurança nacional estipulando a restrição. ● Liberdade de comunicação : Encontra previsão no art. 35 a 38 da Convenção de Viena das Relações Consulares. Tal liberdade se desdobra em dois direitos: direito do cônsul de falar com os seus nacionais e o direito dos nacionais de serem assistidos pelo cônsul. ● Liberdade de comunicação com as autoridades do estado que o enviou : Os cônsules honorários, que não são cônsules de carreira, são aqueles designados para determinada localidade, que, em regra, possui menor contingente de pessoas, para atuar na defesa dos direitos e na assistência, emergencial ou não, aos nacionais do Estado que o enviou. O cônsul honorário não precisa ser nacional do país que o enviou, por exemplo, o cônsul da França em Santa Catarina é brasileiro. Nesse caso, o cônsul terá apenas as imunidades tributárias dos cônsules de carreira. ● Reconhecer os elementos da Responsabilidade Internacional do Estado Responsabilidade internacional As regras de responsabilidade internacional são mais sofisticadas do que as regras de responsabilidade civil. Trata-se de matéria inteiramente costumeira. Até existem alguns sistemas codificados de responsabilidade, mas apenas para áreas temáticas específicas, por meio de tratados. A responsabilidade internacional do Estado é completamente independente da responsabilidade civil. Desde 1950, a Comissão de Direito Internacional (CDI) da Assembleia Geral da ONU trabalha em um projeto de tratado sobre a responsabilidade internacional dos Estados. Para tanto, utiliza diversos costumes do Direito Internacional e sistematiza-os, transformando-os em texto único. Trata-se de um projeto, não está em vigor, mas é um bom reflexo para a compreensão dos costumes relacionados à matéria da responsabilidade internacional do Estado. Segundo o art. 2º do Projeto: Art. 2º Elementos de um ato internacionalmente ilícito do Estado Há um ato internacionalmente ilícito do Estado quando a conduta, consistindo em uma ação ou omissão: a) é atribuível ao Estado consoante o Direito Internacional; e b) constitui uma violação de uma obrigação internacional do Estado. (Projeto da ONU sobre Responsabilidade Internacional dos Estados) “Atribuível” significa a atributividade ou o nexo de imputação, que é o primeiro elemento da responsabilidade civil, enquanto o segundo elemento é o ato ilícito. O dano não é considerado um elemento caracterizador da responsabilidade, mas apenas uma consequência. Isso porque, em diversas oportunidades, não é possível medi-lo ou predeterminá-lo, como no caso de danos ambientais. ● Ato ilícito : Entende-se ato ilícito como uma violação de uma norma de Direito Internacional (e não de Direito interno). Outra observação importante é que existe uma distinção entre crime e delito internacional, ainda que tal distinção tenha perdido sentido na atualidade: ○ Crime internacional seria todo ato ilícito cometido pelo Estado; ○ Delito internacional seria todo ato ilícito cometido por um particular nos casos clássicos de responsabilização internacional do indivíduo. Tal divisão perdeu sua valia diante da ideia de crime internacional, que são crimes no sentido penal do termo, atraindo a responsabilização internacional do indivíduo. ● Imputabilidade : Trata-se da relação entre a conduta delituosa e a pessoa que é responsável por ela. Não vai ser necessariamente quem fez aquela conduta. ● Imputabilidade direta : Uma ação de qualquer agente público, no exercício da sua profissão, acarreta a responsabilidade internacional do Estado. Trata-se do caso em que o próprio Estado comete o ato ilícito — e não um terceiro —, sendo um caso de imputabilidade direta. O Legislativo comete ato ilícito internacional toda vez que produz lei contrária a uma norma internacional. No mesmo sentido, o Judiciário comete ato ilícito internacional quando pratica a denegação de justiça, ou seja, dificulta a produção de provas, demora desarrazoadamente no julgamento. Como regra geral, a ação de particulares não acarreta responsabilidade internacional para o seu Estado. No entanto, existem algumas exceções que, mesmo praticadas por particulares, acarretam a responsabilidade internacional por imputação direta: ● Funcionário de fato : Em determinada situação, o particular assume o exercício de uma função pública. ● Movimento insurrecional : Caso em que os particulares estão lutando contra o governo estabelecido. Este entende que os particulares estão cometendo crimes tipificados no Direito interno, enquanto os particulares entendem que eventual prática de crime é o único meio para derrubar o governo. Se o movimento insurrecional tomar o governo e houver praticado atos ilícitos do ponto de vista do Direito Internacional, pode haver responsabilidade internacional do Estado. Se o movimento insurrecional perde força e não consegue tomar o poder, sua eventual responsabilização será pelo Direito interno. ● Ação de particular contra pessoa internacionalmente protegida : É o casode um crime de sequestro de diplomata americano no Brasil. O criminoso será responsabilizado pelo direito interno, e o Brasil será responsabilizado do ponto de vista do Direito Internacional. Isso porque, no caso, o Brasil tem o dever de garantir a segurança do diplomata e foi negligente no cumprimento de seu dever. ● Imputabilidade indireta : Ocorre quando um indivíduo comete um ato internacionalmente ilícito e um terceiro Estado é responsabilizado pela conduta. A responsabilidade por imputabilidade indireta não pode ser presumida, deve estar expressa em norma internacional. Pode ocorrer nos casos de tutela, comodato, protetorados, regime de associação entre Estados. Existem três formas de reparação: ● Restituição : Com previsão no art. 35 do Projeto da ONU sobre Responsabilidade Internacional dos Estados. Toda vez que a restituição for impossível ou insuficiente, é possível requerer a indenização. ● Indenização : É estabelecida no art. 36.2: “a indenização deverá cobrir qualquer dano suscetível de mensuração financeira, requerendo lucros cessantes na medida da sua comprovação”. A natureza jurídica da responsabilidade internacional não é punitiva, mas sim restauradora. Por conta disso, não existe indenização por danos indiretos no Direito Internacional, mas somente pelos danos diretos, bem como eventuais lucros cessantes. ● Satisfação : Trata-se de reparação de índole moral: “o Estado responsável por um ato internacionalmente ilícito tem a obrigação de dar a satisfação pelo prejuízo causado por aquele ato, desde que ele não possa ser reparado pela restituição, ou pela indenização” (art. 37.1, Projeto da ONU sobre Responsabilidade Internacional dos Estados). “A satisfação pode constituir em um reconhecimento da violação, uma expressão de arrependimento, uma desculpa formal ou outra modalidade apropriada” (art. 37.2). Trata-se, portanto, de um pedido diplomático de desculpa. ● Excludentes de ilicitude : São aspectos que podem excluir a ilicitude de um ato estatal: consentimento; legítima defesa; contramedidas; força maior e perigo extremo; dever de cumprimento de jus cogens. Veja cada um deles: ○ a) Consentimento : Possui como exemplo clássico a França de Vichy. Nesse caso, a França foi invadida pela Alemanha, e uma parte do território francês ficou com a Alemanha e a outra parte com o governo francês de Vichy. O Estado francês, vítima no caso, concordou com a divisão, ainda que possa ser considerado um consentimento viciado. ○ b) Legítima defesa : Diante de uma injusta agressão, o Estado busca repelir por meio de agressão. No Direito Internacional, para haver legítima defesa de terceiro, chamada de legítima defesa coletiva, não se pode presumir nenhum ato, deve haver um liame entre os Estados, que será um tratado, como é o caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). ○ c) Contramedidas : Não há, no Direito Internacional, um órgão central que aplique as sanções. Os Estados, quando lesados, oportunizam ao Estado violador restituir, indenizar ou satisfazer aquele dano. Caso não seja o caso, podem aplicar sanções, sobretudo pecuniárias, que são consideradas contramedidas. Devem ser contramedidas proporcionais, limitadas no tempo enquanto durar a violação. ○ d) Força maior e perigo extremo : No Direito Internacional, não se distinguem caso fortuito e força maior. Nos termos da minuta de projeto da ONU, será excluída a ilicitude de um ato estatal em desacordo com uma obrigação internacional se o autor do ato em questão não dispõe de nenhum outro modo razoável, em uma situação de perigo extremo, de salvar a vida do autor ou vidas de outras pessoas confiadas aos seus cuidados (art. 24, § 1º). ○ e) Dever de cumprimento de jus cogens : Quando o ato internacionalmente ilícito é uma violação de jus cogens, existem consequências especiais: ■ (i) há o dever de encerrar a violação, que, na verdade, é comum a todas as violações; ■ (ii) há o dever de não reconhecer como lícita nenhuma situação decorrente da violação de jus cogens; ■ (iii) há uma pluralidade de legitimados para arguir a violação. Em outras situações, apenas o Estado ofendido detém legitimidade para invocar a violação, podendo iniciar procedimento perante cortes internacionais. No caso de violação de jus cogens, a comunidade internacional como um todo é considerada legitimada. Vale mencionar a proteção diplomática, que é um instituto distinto da responsabilidade internacional, mas, ainda assim, muito próximos. A proteção diplomática tem por objetivo proteger os nacionais do Estado que estão no estrangeiro e sofrem com duvidosas restrições judiciais de direito interno do Estado estrangeiro. Nesse caso, o Estado do nacional pode conceder o endosso, ou seja, a proteção diplomática, de modo que a discussão migra do direito interno para o direito internacional, para ser julgada por cortes internacionais. Tal instituto foi desenhado, sobretudo, para presos políticos. Existem dois requisitos para a concessão do endosso: ○ O particular deve ser nacional do Estado para o qual requer a proteção diplomática; e ○ os recursos internos no Estado estrangeiro devem estar esgotados. Domínio aéreo O espaço aéreo é dividido em dois regimes jurídicos: ● Espaço aéreo atmosférico ● Espaço aéreo extra-atmosférico, não atmosférico ou cósmico A distinção entre espaço aéreo atmosférico e não atmosférico é bastante imprecisa. Basicamente, a distinção entre os espaços aéreos é verificada a partir do veículo que ali trafega. Se for um avião ou helicóptero, trata-se de espaço aéreo atmosférico. Se for um satélite, espaçonave ou mesmo um balão atmosférico, trata-se do espaço aéreo cósmico. O interessante é que, em voos intercontinentais, o avião pode estar acima do balão atmosférico e, no entanto, será regido pelo espaço aéreo atmosférico, ao passo que o balão será regido pelo espaço aéreo cósmico. O espaço aéreo atmosférico se divide em: ● Espaço aéreo soberano : Espaço aéreo acima do território terrestre e marítimo dos Estados. Nenhuma aeronave, salvo as autorizadas pelo Estado, podem trafegar no espaço aéreo soberano. Inclusive, não há direito de passagem inofensiva no espaço aéreo soberano. ● Espaço aéreo soberano : Espaço aéreo acima do território terrestre e marítimo dos Estados. Nenhuma aeronave, salvo as autorizadas pelo Estado, podem trafegar no espaço aéreo soberano. Inclusive, não há direito de passagem inofensiva no espaço aéreo soberano. Se não houver nenhuma norma jurídica regulando a situação e uma aeronave violar o espaço aéreo de um Estado, a regra geral é o abate. As três convenções de Chicago de 1944 suavizam o direito de abate, ou seja, reduzem as suas possibilidades. Tais convenções criaram o regime de navegação da aviação civil e estipularam o sistema das cinco liberdades, justamente, com o objetivo de restringir as possibilidades de abate. somente é possível ter a liberdade subsequente se possuir a liberdade antecedente: só pode ter a segunda liberdade se detiver a primeira, e assim sucessivamente. Portanto, aquele que possui a quinta liberdade possui todas as demais antecedentes. As duas primeiras liberdades são de natureza técnica, e as três últimas liberdades são comerciais: ● 1. Liberdade de sobrevoo : Possível obter simplesmente sendo um membro das Convenções de Chicago de 1944. Por meio dessa liberdade, os países permitem o sobrevoo de aeronaves estrangeiras sobre o seu território soberano desde que respeitadas duas condicionantes: a) obedecer a determinadas rotas pré-fixadas; e b) impossibilidade de sobrevoar determinadas áreas que são restritas por razões de segurança nacional. Em 1984, foi assinado o Protocolo de Montreal. Todos os Estados que forem membros da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) e do Protocolo de Montreal de 1984 devem seguir a orientação de que, se uma aeronave se afastar das rotas ou se inadvertidamente entrar em espaço aéreo restrito, ela não será derrubada, mas terá o seu pouso forçado por meiode comunicação de rádio. No caso de ausência de resposta, será possível o abate; ● 2. Liberdade de escala técnica : Todos os países membros da OACI podem, se assim quiserem, emitir uma declaração unilateral dizendo que aceitam a liberdade de escala técnica. Tal liberdade permite que, se uma aeronave tiver qualquer problema (como falta de combustível), ela poderá pousar nos países que fizeram essa declaração. No entanto, nenhuma pessoa pode entrar ou sair do avião, a não ser por autorização expressa da autoridade do país; ● 3. Liberdade de desembarque de passageiros e bens oriundos do Estado patrial; ● 4. Liberdade de embarque de passageiros e bens destinados ao Estado patrial; ● 5. Embarque e desembarque de passageiros e bens dentro de uma convenção de tráfego uma convenção de tráfego é um tratado multilateral celebrado entre todos os países que possuem tratados bilaterais entre si. Por exemplo, o Brasil possui tratados bilaterais com a França, a Alemanha e o Marrocos para permitir a terceira e quarta liberdades. Tais países possuem, respectivamente, tratados entre si também para a terceira e quarta liberdades. Nesse caso, os Estados poderão celebrar uma convenção de tráfego. ● Analisar o sistema internacional de proteção dos direitos humanos Sistema internacional de proteção aos direitos humanos O sistema internacional de proteção aos direitos humanos é composto por dois subsistemas e cada subsistema possui diversos institutos. Os subsistemas são o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH). O DIDH tem origem em 1945 com a Carta da ONU e com a Declaração Universal de Direitos Humanos. O DIH é mais antigo, originado em 1864, com a criação da Cruz Vermelha. Existem três correntes sobre como se estabelece a relação entre os dois sistemas: ● Primeira tese : Defendida principalmente por militantes do DIH, entende que os dois ramos devem ser distintos e devem ter o mínimo de relações possível, justamente para garantir a maior autonomia do DIH — o DIH é considerado mais eficaz e não pode ser contaminado pelos modos de solução de controvérsia do DIDH ● Segunda tese : Entende que os dois ramos são dependentes, pois ambos devem ser para proteção de direitos humanos, além de defender que direitos humanos em tempos de guerra e em tempos de paz possuem o mesmo tratamento. ● Terceira tese : Do professor Celso de Albuquerque Melo, defende o integracionismo, ou seja, que os dois ramos têm de se relacionar, porque ambos estão versando sobre direitos humanos, mas é bom salvaguardar a autonomia de um e de outro em alguns aspectos. Atos processuais do Direito Internacional e Proteção dos Direitos Humanos O Direito Internacional dos Direitos Humanos se origina depois da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Tal declaração foi emblemática, pois é uma declaração da Assembleia Geral da ONU e, portanto, soft law, mas é uma soft law que tem um valor histórico alto, tanto que Norberto Bobbio, no livro a Era dos Direitos, afirmou que havia se tornado hard law. Há uma ligação direta entre as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e a reação que se fez em relação à matéria de direitos humanos (PIOVESAN, 2019). A origem desse fenômeno é jusnaturalista, pois o Direito positivo alemão autorizou o holocausto. A declaração de direitos humanos possui uma estrutura pré-definida. Inicia-se sempre com uma cláusula de não discriminação ou um non discrimini. Em seguida, são elencados os direitos humanos de primeira geração. A formulação clássica de que “são os direitos que exigem uma abstenção do Estado” pode induzir ao erro, pois, mesmo os direitos negativos podem exigir uma prestação e não uma simples abstenção do Estado. Por exemplo, o direito à vida, que é um direito negativo de primeira geração, propõe que o Estado não pode matar seus súditos, mas deve também prover segurança. Portanto, direitos de primeira geração não são totalmente absenteístas. Desse modo, para realizá-los, não há um esforço financeiro tão grande como nos direitos de segunda geração, mas eles também não são absenteístas. Os direitos de primeira geração têm como foco o homem em abstrato, enquanto os direitos de segunda geração analisam o homem em concreto. Os direitos de terceira geração, chamados direitos difusos e coletivos no direito interno, são titularizados pelas gerações futuras, ou seja, seu titular é totalmente abstrato. ● 1948 : No próprio ano de 1948, surge o primeiro tratado, norma de hard law, de direitos humanos. Trata-se da convenção para a repressão do crime de genocídio, tratando o crime de genocídio como sujeito à jurisdição universal, ou seja, qualquer país pode ter competência para, em querendo, processar e julgar um genocídio ocorrido em qualquer lugar do mundo e contra qualquer povo. ● 1951 : Em 1951, surge a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados. Posteriormente, foi criado o Protocolo do Estatuto dos Refugiados e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), com o objetivo de solucionar o apartheid, que ocorria na África do Sul e na Namíbia. O apartheid é um crime de jus cogens, sendo considerado mais grave que o racismo. O apartheid é uma política oficial do governo de segregação, enquanto o racismo é um crime que pode ser cometido por qualquer ser humano, independente de aparato estatal. ● 1966 : No ano de 1966, surge o Pacto Internacional sobre Direito e Dever Político, bem como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Pouco tempo depois, surgem as convenções regionais de direitos humanos. ● 1979 : Em 1979, surge a Convenção de Eliminação de Discriminação contra a Mulher ● 1984 : No ano de 1984, foi criada a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes. Em 1989, surge a Convenção sobre os Direitos da Criança. ● 2003 e 2007 : Nos anos de 2003 e 2007, respectivamente, foram criadas a Convenção de Mérida: Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Todas essas convenções formam o Sistema Internacional de Direitos Humanos. Trata-se de um sistema, pois é uma lógica: inicialmente, houve uma declaração universal — declaração interpretativa da Carta da ONU, com força convencional mesmo sendo soft law. ● Depois de 2007 : Posteriormente, surgiram convenções mais prementes, como as que combatem o genocídio e o apartheid. Em seguida, foram criadas as convenções universais propriamente ditas, sobre todos os direitos humanos – civis, políticos, sociais e econômicos. As características dos direitos humanos são as seguintes: ● Universalidade ● Unidade ● Eficácia erga omnes ● Irretroatividade ● Princípio pro homine Tal concepção ocidental e moderna de direitos humanos é universalizável, mas não universal, ou seja, pode ser estendida para todas as culturas, mas tem seu nascimento atrelado a pressupostos culturais específicos do ocidente. Por isso, outras culturas aderem aos direitos humanos, porém tomando como base outros pressupostos. Por fim, vale ressaltar que Direitos Humanos é uma matéria que perpassa outros ramos do Direito. Então, há, por exemplo, direitos humanos em tratados de comércio e tributação. Por tal razão, é dificultoso tentar criar artificialmente um ramo de Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois é estudado por diversas outras disciplinas. Sistema de proteção internacional ao estrangeiro O direito costumeiro impõe a um Estado estrangeiro dois sistemas de possibilidades: ● o primeiro é a garantia de standards mínimos de proteção ao estrangeiro; e ● o segundo é a edição de lei nacional no Estado para equiparar o estrangeiro ao nacional, que é, inclusive, o sistema adotado no Brasil — existe uma isonomia de tratamento entre os direitos dos nacionais e dos estrangeiros, salvo algumas exceções relacionadas a condições específicas da nacionalidade. Deum modo geral, uma violação a um estrangeiro que não seja pessoa internacionalmente protegida não gera responsabilidade internacional para o Estado. A eventual violação a um estrangeiro será resolvida de acordo com o Direito interno. Existe uma discussão se a obrigação do esgotamento dos recursos internos seria um elemento da própria ideia de responsabilização internacional em matéria de direitos humanos e, portanto, teria natureza substantiva, ou se seria uma questão meramente processual. As fontes regionais dos direitos humanos têm entendido que o esgotamento dos recursos internos é uma pré-exigência meramente processual, e não substantiva. A Corte Interamericana de Diretos Humanos, por exemplo, tem jurisprudência consolidada nesse assunto. A ideia, para o sistema interamericano, é que devem ser esgotados os recursos internos, se eles existirem, evidentemente, e se eles forem justos. A Comissão de Direitos Humanos passou a receber dois gêneros de petições individuais relacionadas a violações de direitos humanos, como se explica a seguir. ● O Conselho Econômico Social (ECOSOC) editou a Resolução nº 1.235/1967, que condenou veementemente as violações de discriminação racional, como o apartheid. Com base nessa resolução, os Estados começaram a apresentar petições que denunciavam o apartheid. Instaurava-se, no entanto, apenas um processo de apuração. O procedimento da Resolução nº 1.235/1967 não era confidencial. ● O ECOSOC editou também a Resolução nº 1.503/1970, um mecanismo permanente e confidencial de recebimento de queixas. Nesse caso, a Comissão de Direitos Humanos começou a receber petições de particulares, que denunciavam alguma violação a direitos humanos, sem qualquer objetivo de reparação, mas buscando a constatação de violação maciça e continuada desses direitos. Não era um sistema de solução de controvérsia, mas sim de monitoramento e apuração. Em 2006, a Comissão de Direitos Humanos foi transformada no Conselho de Direitos Humanos. A antiga comissão era composta por 53 membros eleitos no ECOSOC para um mandato de quatro anos, permitindo a reeleição. Na prática, os países que mais violavam direitos humanos controlavam a Comissão. Com a criação do Conselho, passou a ser formada por 47 de membros, sendo vedada a reeleição. O Conselho de Direitos Humanos instituiu um sistema de relatórios periódicos público. Na análise dos protocolos, o Conselho pode requisitar novas informações, inclusive para outros organismos internacionais. Além do novo sistema de relatórios periódicos, manteve-se tanto o sistema da Resolução nº 1.235/1967 quanto o da Resolução nº 1.503/1970. Ao todo, oito convenções instituíram o sistema de relatórios periódicos, a ser realizado pelo Conselho de Direitos Humanos, a saber: ● A Convenção contra toda Forma de Discriminação Racial ● O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ● O Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais ● A Convenção contra o Apartheid ● A Convenção contra o Apartheid nos Desportos ● A Convenção contra a Discriminação contra a Mulher ● A Convenção contra a Tortura ● A Convenção de Direitos da Criança Tais tratados criaram comitês no Conselho de Direitos Humanos. Cada um deles é formado por 18 especialistas do assunto, eleitos para mandatos de quatro anos. São especialistas independentes de seus Estados e contam com diversas garantias, como de inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para garantir a independência. O comitê elabora um parecer inicial e requisita novas informações, inclusive de outros organismos internacionais. Especificamente para a Convenção contra a Discriminação Racial, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Convenção para Repressão da Tortura, existe um mecanismo especial, chamado quasi-judicial, que funciona de duas maneiras: ● petição de Estados contra outros Estados perante um dos três comitês para as convenções referidas. Desenvolve-se um processo de conciliação; ● petição de indivíduos contra Estados, desenvolvendo um processo de conciliação em segredo. Para o uso de tal sistema, o Estado deve ser membro do referido pacto e deve ter editado uma declaração unilateral aceitando a possibilidade de ser acionado por uma petição individual. Sistemas regionais de direitos humanos Há os sistemas europeu, o norte-americano e o africano. O sistema europeu e o sistema norte-americano surgiram na mesma época, sendo que o sistema africano possui algumas peculiaridades em relação aos outros dois. Todos eles foram pensados para ter uma estrutura idêntica: ● Uma comissão de inquérito ● Uma comissão de conciliação ● Uma comissão de monitoramento Portanto, os sistemas teriam comissões para o recebimento de relatórios periódicos dos Estados, podendo produzir pareceres a serem levados para outras instâncias do sistema, a fim de apurar eventual dolo do Estado. Ainda, as comissões realizariam um filtro para os litígios a serem levados à Corte envolvendo indivíduos — Estados poderiam levar seus casos diretamente para a Corte Regional. ● Sistema norte-americano : O sistema norte-americano também tem duas instâncias de proteção de direitos humanos. A carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) não só estipula a obrigatoriedade de defesa dos direitos humanos, como também cria a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, a Comissão não foi criada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que surgiu posteriormente à Corte. A instauração de processo perante a Comissão é simples, podendo ser por meio de petição individual ou, até mesmo, por telefonema. A Comissão, além de analisar os requisitos de admissibilidade do caso para julgamento eventualmente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, possui um sistema quase judicial, ou seja, buscará solucionar a lide antes de levar à Corte. O Estado pode litigar diretamente na Corte Interamericana, mas não os indivíduos, que se submetem às seguintes condições de admissibilidades : ○ necessidade de esgotamento dos recursos internos. Tal requisito tem natureza processual, portanto, não é analisado de forma rígida. Analisa-se se os recursos internos são considerados justos; ○ necessidade de exame de admissibilidade temporal, verificando (i) se o ato do Estado prescreveu, (ii) se foi realizado após o Estado aderir à comissão, (iii) se a matéria é passível de julgamento pela Corte e (iv) se há litispendência internacional ou coisa julgada. Contrat�, Comérci� � Guerr� d� Direit� Internaciona� ● Compreender os aspectos jurídicos do comércio internacional, suas peculiaridades e pontos em comum com o Direito dos Contratos Síntese histórica do comércio internacional Para entendermos o comércio internacional na atualidade e a maneira pela qual é regulado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), precisamos compreender alguns aspectos relativos à sua origem. Inicialmente, destacamos que as primeiras formas de organização do comércio remontam ao século XVI, período historicamente conhecido como mercantilismo, que durou até o século XVIII. Durante o mercantilismo – que coincide com a primeira etapa do capitalismo e da globalização, em superação ao período feudal –, as relações comerciais eram motivadas pela acumulação de riqueza. Um grande filósofo do período mercantilista foi Adam Smith que, em 1776, publicou a obra A riqueza das nações. Ele explicou o sistema mercantil (baseado na acumulação de riquezas mediante trocas comerciais – quando surgiu o interesse pelo consumo de bens produzidos por outros países) e as medidas intervencionistas tomadas para o equilíbrio da balança comercial como as primeiras políticas de elevação de tarifas de produtos importados. Contudo, essas políticas mostraram-se ineficazes, o que motivou ainda mais a busca de certos países europeus por mais acumulação de riquezas baseadas em metais preciosos. Isso levou às grandes navegações, em que muitos desses países exploravam suas colônias já formadas – normalmente localizadas emoutros continentes – mediante violência e saques. Um grande documento elaborado neste período foi a Lex Mercatoria, que criou as bases para a arbitragem internacional, uma vez que tinha o objetivo de solucionar os conflitos decorrentes das primeiras relações comerciais internacionais – além de regular as transações. Por ter que lidar com vários países, não pôde se vincular às regras de nenhum território específico. Segundo Bijos, Oliveira e Barbosa, a Lex Mercatoria medieval surge num momento em que não havia organização estatal responsável pela estruturação, controle e intervenção no comércio internacional, apesar de seu evidente interesse público e social. Tinha um caráter transnacional, pelos usos e costumes no comércio, pela utilização de tribunais arbitrais do comércio, pela informalidade e rapidez e, sobretudo, pela consideração da boa-fé na atividade comercial. Outro documento importante, lançado ainda no período mercantilista e considerado o primeiro tratado comercial internacional, foi o Tratado de Methuen (1703), mais conhecido como Tratado de Panos e Vinhos. Foi firmado entre Inglaterra e Portugal, envolvendo a lã inglesa e os vinhos portugueses; a Inglaterra escolheu estreitar suas relações comerciais com Portugal, em detrimento da França, com o objetivo de obter melhor desempenho em relação àquele país e a conquista do ouro brasileiro. Considerando que, por meio do Tratado de Methuen, as relações comerciais com a França foram deixadas em segundo plano, iniciou-se, no âmbito internacional, a discussão que deu origem, no século XVII, a uma importante cláusula no comércio internacional, utilizada até os dias atuais: cláusula da nação mais favorecida (NMF), trazendo à tona a discussão sobre o tratamento desigual de um país em detrimento de outros na concessão de um benefício – normalmente de ordem tributária quanto às importações. Segundo Mesquita, essa cláusula trouxe algumas mudanças significativas nas relações comerciais internacionais. Podemos citar algumas: ● Se um país der preferência a outro – como a Inglaterra fez com Portugal no Tratado de Methuen –, essa preferência e todos os benefícios e privilégios decorrentes dela deverão ser estendidos a outros países. ● Pode ser uma cláusula incondicional, quando não depender de concessões recíprocas ou de uma delimitação temporal; ou condicional, quando os benefícios futuros demandarem contrapartidas por parte do país que os receberá. Nos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial e o início do liberalismo econômico, o mercantilismo deu lugar ao livre comércio e, consequentemente, ao fortalecimento do capitalismo. Além de novas formas de acumulação de riqueza, o capital e a propriedade privada passaram a ser o foco . Precisamente em 1860, o Tratado Cobden-Chevalier foi firmado entre a Inglaterra e a França, no qual a Inglaterra beneficiava a França com reduções e isenções tarifárias. Em troca, a França eliminou inúmeras proibições no tocante às relações comerciais entre os dois países e também reduziu as tarifas incidentes sobre os produtos ingleses. Diante do Tratado Cobden-Chevalier e do receio de perderem vantagens tarifárias, muitos países procuraram a França para a realização de acordos, suscitando a cláusula da nação mais favorecida (NMF). Depois desses acordos, temos um novo momento na história do comércio internacional e na economia, com a redução de diversas restrições e barreiras. Esta fase de aquecimento econômico durou até 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Dez anos depois, em 1939, a Segunda Guerra Mundial se iniciou, ocasionando novamente um período intenso de crises econômicas, políticas e humanitárias ao redor do globo, que se somou à crise do petróleo na década de 1970 e à crise da dívida externa aproximadamente no mesmo período, afetando especialmente os países da América Latina. Nas décadas de 1970 e 1980, passamos para a etapa da globalização, que se aperfeiçoou na atualidade: a financeirização do capitalismo, iniciada com a implementação de políticas neoliberais nos governos de: ● Ronald Reagan (Estados Unidos) ● Margaret Thatcher (Inglaterra) A partir da década de 1990, com a liberação da internet mundialmente para fins comerciais, iniciou-se, concomitantemente ao capitalismo financeiro e à nova fase da globalização, uma faceta inovadora do capitalismo, marcada por intensas transformações tecnológicas e informacionais, por novos contratos internacionais, novas configurações das relações comerciais internacionais e novos desafios à agenda comercial global. É nesse último cenário que se insere a intensificação das relações comerciais internacionais e o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) como reguladora dessas atividades, bem como solucionadora das controvérsias entre os países, conforme veremos adiante. Contratos internacionais e aspectos jurídicos do comércio internacional Uma vez que entendemos um pouco da história do comércio internacional, importante verificarmos agora alguns aspectos jurídicos referentes a estas relações – antes de passarmos para um estudo mais aprofundado acerca da Organização Mundial do Comércio (OMC) —, aproximando-nos do estudo do Direito do Comércio Internacional. Quanto às fontes do comércio internacional, podemos mencionar os tratados e as convenções internacionais, os usos e costumes internacionais, as normas positivadas, a doutrina, a jurisprudência, os princípios gerais, entre outros. Outra forma de compreendermos os aspectos jurídicos do comércio internacional diz respeito à materialização das relações comerciais internacionais, notadamente pela via dos contratos internacionais, que possuem como princípios fundamentais o da autonomia da vontade e boa-fé entre as partes. Tais princípios também são extremamente valorizados na prática do comércio internacional que, somados à autorregulação, buscam a valorização da vontade das partes contratantes e a flexibilidade no tocante à criação e à aplicação dos instrumentos jurídicos. Os contratos internacionais se tornaram parte importante do cotidiano das transações comerciais internacionais. Normalmente, operam-se na forma de contratos de compra e venda de importação e exportação. No intuito de promover maior estabilidade às relações comerciais internacionais, especialmente os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, em 1988 passou a viger a Convenção de Viena de 1980 – ratificada por mais de 80 países – , que dispõe sobre os direitos e deveres das partes, bem como sobre o formato dos contratos, como a redação das cláusulas e a ampliação das informações necessárias. No Brasil, a Convenção de Viena foi promulgada pelo Decreto n. 8.327/2014. De modo semelhante ao Código Civil e ao Código de Defesa do Consumidor no Brasil, a Convenção de Viena de 1980 também possui disposições sobre as possibilidades de exigir o pagamento, rescindir o contrato ou pedir indenização por perdas e danos, na hipótese de o comprador não cumprir com as suas obrigações. Além disso, dispõe sobre o que deve ser feito na hipótese de ocorrência de eventos imprevisíveis, como o caso fortuito e a força maior. Por fim, um ponto muito importante dos contratos internacionais se refere aos Incoterms – abreviatura para International Commercial Terms (Termos Comerciais Internacionais). Foram criados em 1936, vinculados à Câmara de Comércio Internacional (CCI), com o objetivo de garantir estabilidade e segurança jurídica aos termos especificamente dos contratos de compra e venda de mercadorias internacionais. Organização Mundial do Comércio (OMC) Antes de tratarmos da estrutura propriamente dita da Organização Mundial do Comércio, vamos primeiro entender o surgimento da OMC e o conceito de comércio internacional. Nas décadas que sucederam a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, as relações comerciais internacionais estavam enfraquecidas em razão da forte crise econômica que se instaurou mundialmente, motivo pelo qual houve um fortalecimentorede de relações diplomáticas compostas por enviados dos reis e imperadores, os quais gozavam de determinados privilégios e prerrogativas. Na Grécia Antiga, as relações “internacionais” davam-se com base em outra unidade constitutiva: as cidades-Estado. Além dos tratados comerciais e aqueles em volta da guerra e do conflito – alianças militares e tratados de paz –, nota-se o surgimento dos primeiros indícios de um direito de guerra baseado em condições humanitárias. A arbitragem emerge com uma importante inovação, sendo colocada em prática de modo recorrente para (tentar) dirimir conflitos. Mesmo no âmbito de “organizações internacionais”, alguns indícios são relevantes, como as anfictionias, agrupamentos de cidades para administrar templos religiosos, e as symmachias, organizações de defesa coletiva. Já no Império Romano, vale mencionar o surgimento do jus gentium ou Direito das gentes, que se aplica às relações entre romanos e não romanos. Ainda que essencialmente privado, já inaugura a compreensão de um Direito comum da humanidade, aplicável a todos e baseado em princípios da razão universal. No contexto da Idade Média, a confusão e a insegurança dos conflitos internos predominaram por grande parte do continente europeu. As relações de suserania e vassalagem impõem uma lógica de subordinação e não de coordenação, como o Direito Internacional pressupõe. Há, ainda, a figura do papa, com sua pretensão de domínio universal sobre todos os monarcas e nobres. Movimentos importantes no final da Idade Média, a partir do século XV, contribuem para transformar esse cenário: ● As grandes navegações; ● O início do processo de colonização; ● A reforma protestante. Com a Reforma Protestante, o questionamento da autoridade papal abre espaço para que os monarcas centralizem o poder e passem a exercer a plenitude das funções estatais sobre um território claramente constituído. Os Tratados de Vestfália (1648), que colocam fim à Guerra dos Trinta Anos, representam um marco para a nova ordem interestatal europeia. Reconhecem, afinal, a soberania e a igualdade entre os Estados que estavam em processo de formação. Nos séculos que se seguem, nota-se, na Europa Ocidental, um processo de concentração dos poderes nas mãos dos monarcas, que se tornam soberanos absolutos. Os processos de formação e unificação dos Estados naquela região se estendem até o final do século XIX, com a unificação da Itália e da Alemanha. A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais tiveram impacto profundo sobre o desenvolvimento do Direito Internacional Público, impulsionando os Direitos Humanos e a construção de um sistema de segurança coletiva destinado a prevenir novos conflitos globais. ● Identificar a relação entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno a partir das principais correntes teóricas sobre o tema – o monismo e o dualismo Relações internacionais, soberania e autodeterminação dos Estados As relações internacionais – e o próprio sistema internacional – são marcados pela horizontalidade, já que deles participam mais de 190 Estados independentes e teoricamente iguais, sem reconhecer nenhuma autoridade superior à sua. Enquanto nos sistemas domésticos a estrutura jurídica é hierárquica, no plano internacional são os próprios Estados que criam as regras que deverão (ou não) obedecer, afinal, são todos dotados de soberania. Existem diversas correntes teóricas com explicações próprias e conceitos-chave para as relações internacionais: realismo, liberalismo, marxismo, construtivismo, feminismo, pós-modernismo, pós-colonialismo, entre outras. Vem da perspectiva realista o conceito de anarquia, central para a definição das relações internacionais. Nessa perspectiva, anarquia não se refere propriamente ao caos, mas “à ausência de uma autoridade suprema, legítima e indiscutível que possa ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e castigar quem não as obedece”. Nas relações internacionais, coexistem múltiplos soberanos que não podem abrir mão do uso legítimo da força em favor de um terceiro. O chamado monopólio do uso da força, que existe no sistema doméstico, nem se vislumbra no cenário internacional. De fato, é a multiplicidade de unidades – Estados – com possibilidade (e disponibilidade) de usar da força para resolver controvérsias e conflitos que gera a necessidade de regras mínimas de convívio. Vejamos dois tipos de soberania, cientes de que ambos existem no plano normativo e no plano factual : ● Soberania interna : Corresponde à supremacia que os Estados têm em relação ao seu território e à sua população. ● Soberania externa : Diz respeito à independência em relação a autoridades externas. O princípio da autodeterminação dos povos remonta, em seu entendimento político e histórico, ao século XIX, mas ganha força e relevância jurídica principalmente a partir do fim da Primeira Guerra Mundial. Perpassam, naquele momento, os 14 Pontos de Wilson, apresentados pelo então presidente norte-americano, Woodrow Wilson, como as bases para um sistema de paz duradouro. Apesar de não ser incorporado diretamente na Carta da Liga das Nações, ele foi empregado para abordar uma série de questões relativas a minorias que haviam surgido com o desmantelamento dos impérios multiétnicos do século XIX – o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano. Naquele momento histórico, contudo, o princípio representava mais uma sinalização de intenções e não autorizava, propriamente, que minorias ou grupos étnicos se separassem de um Estado soberano ou que povos coloniais buscassem a independência. Havia, de modo geral, uma disputa sobre a interpretação desse dispositivo e seu alcance, opondo países ocidentais que ainda detinham colônias e países latino-americanos, africanos e asiáticos, principalmente, que já haviam obtido sua independência, aos quais se somavam os países socialistas. A evolução do entendimento daquilo que seria visto como princípio da autodeterminação dos povos pode ser rastreada nas resoluções da Assembleia Geral da ONU (AGNU) – fórum no qual as principais discussões sobre o tema foram realizadas. Entre elas, destaca-se a Resolução 1514, de 1960, intitulada Declaração sobre a concessão da independência aos Países e Povos coloniais, por meio da qual se reiterou o direito à autodeterminação e se proclamou a necessidade de pôr fim ao colonialismo. O princípio da autodeterminação dos povos desdobra-se em dois aspectos: ● Aspectos externos : Refere-se à independência em relação ao domínio de Estados ou autoridades não legitimamente reconhecidos como representativos daquele povo. ● Aspectos internos : Diz respeito ao direito de um povo de determinar seu próprio regime econômico e político. Como resultado do fortalecimento deste princípio, entende-se que houve, também, uma flexibilização dos requisitos para o reconhecimento de Estados. Existem diversos requisitos formais para o reconhecimento de um novo Estado, o qual deve possuir: ● Território bem definido; ● População permanente; ● Governo ou capacidade de exercício efetivo de autoridade sob aquela população naquele território. Na prática, diversos Estados foram reconhecidos por representarem a culminação de esforços para garantir a independência de certos povos, ainda que fosse limitado o controle efetivo da autoridade política emergente sobre aquele território. Nesse sentido, a Declaração 1514 da AGNU explicita que “a falta de preparação no domínio político, social ou educativo não deve jamais servir de pretexto para atrasar a independência”. Dualismo Em resumo, a teoria dualista propõe que o Direito Interno e o Direito Internacional são sistemas jurídicos distintos que, apesar de algum contato, não se sobrepõem jamais. Como regulam relações diferentes, é impossível que haja conflito entre suas fontes. De acordo com Carl Triepel, um dos principais expoentes do dualismo, a distinção principal entre o Direito Interno e o Direito Internacional Público refere-se às relações sociais que eles regem. Vejamos:das políticas protecionistas – principalmente nos países europeus –, no intuito de lidar com a crise em âmbito interno, a instabilidade econômico-política e as ameaças à segurança nacional. Tais políticas protecionistas representaram maior controle dos governos sobre as relações comerciais e, consequentemente, pouca autonomia para os agentes envolvidos nas operações. Assim, surgiu a necessidade da criação de uma organização internacional que pudesse regular as relações comerciais em âmbito internacional (incluindo os acordos já firmados), bem como auxiliar na expansão dos negócios entre os países, no aumento da qualidade de vida da população mundial e na ampliação do consumo de bens, entre outros objetivos. Inicialmente, a discussão girou em torno da criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC), que foi alvo de propostas e discussões desde 1943. O lançamento do projeto ocorreu, porém, somente em 1948, em Havana (Cuba), em um documento que ficou conhecido como Carta de Havana. Vejamos uma síntese dessa discussão: ● Estados unidos: Apresentaram diversos entraves à aprovação da OIC por acreditar que a criação de um organismo internacional geraria mais obstáculos às relações comerciais. ● Alguns países europeus: Projetavam na OIC a esperança de regulações seguras para o comércio internacional. Diante desse impasse, em 1947, em Genebra (Suíça), foi aprovado um documento provisório – enquanto não se criava a organização internacional propriamente dita – conhecido como General Agreement on Tarifs and Trade (GATT), que pode ser traduzido como “Acordo Geral de Tarifas e Comércio”. Esse acordo, que teve inspiração nos projetos anteriormente apresentados para a criação da OIC e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1948, estabeleceu algumas cláusulas que buscaram minimizar as políticas protecionistas, isto é, de proteção do mercado interno, ampliando as possibilidades de concessões e acordos internacionais. Entre as cláusulas, estavam as tentativas de igualar o tratamento conferido aos países: ● Um determinado benefício tarifário concedido a um país – especialmente quanto aos produtos importados – deveria atender também os demais, em cumprimento à tradicional cláusula da nação mais favorecida (NMF). ● Cláusula do tratamento nacional – na qual os produtos importados deveriam receber o mesmo tratamento daqueles produzidos internamente – com algumas exceções pontuais, se fosse para proteger o mercado doméstico. ● Disposição sobre políticas tarifárias previsíveis, predeterminadas e amplamente publicizadas, o que possibilitava uma melhor aplicabilidade pelos países acordantes. O GATT também trouxe inúmeras exceções às regras e aos princípios gerais, principalmente quanto ao comércio de bens (inicialmente, sua matéria principal), à agricultura e à indústria têxtil, que provocaram dúvidas interpretativas e controvérsias difíceis de serem resolvidas, porque ainda não haviam sido convencionadas formas mais eficientes de solução de conflitos. Durante seu funcionamento fático, o GATT proporcionou a realização de algumas rodadas de negociações tarifárias sobre produtos importados entre os países. A última grande rodada ocorreu no Uruguai em 1986, conhecida como Rodada Uruguai. Essa rodada foi importante para o reforço à liberalização comercial no âmbito internacional – especialmente quanto à circulação de bens –, assim como para a proteção à propriedade intelectual – conforme o acordo TRIPS – e o comércio de serviços. Paralelamente, o GATT apresentava preocupações de ordem formal e institucional, dado o seu caráter provisório e não oficial. As propostas que trazia para a solução de disputas e controvérsias entre os países não eram eficientes. Essas discussões foram levando, aos poucos, às tentativas de reformulação do GATT, para, enfim, ser construída uma organização oficial, conforme o plano inicial de criação da “Organização Internacional do Comércio”. ● Acordo Blair House:Em 1992, foi firmado, entre os EUA e a União Europeia, o Acordo Blair House, que trouxe diversas disposições sobre negociações tarifárias. No ano seguinte, outras questões foram solucionadas a partir desse acordo e apresentadas em forma de um projeto, responsável por criar as bases para a fundação da Organização Mundial do Comércio – conhecido como “Projeto Dunkel”. ● Acordo de Marraqueche: A partir do “Projeto Dunkel”, em 1994, foi estabelecido o Acordo de Marraqueche, que fundou, efetivamente, a OMC. Em 1º de janeiro de 1995, a Organização Mundial do Comércio começou a funcionar em Genebra, na Suíça. Principais atividades desempenhadas pela OMC A OMC é uma organização internacional responsável por regular as operações comerciais internacionais. Aplica os instrumentos jurídicos, administra os acordos realizados entre os países-membros, controla o papel dos mesmos e propõe-se a solucionar as controvérsias existentes entre eles. Dessa forma, a própria definição da OMC já dispõe algumas das suas atividades principais, quais sejam: ● A administração dos acordos realizados entre os membros; ● A solução das controvérsias entre seus membros; ● A revisão das políticas comerciais formuladas no âmbito interno dos países-membros; ● O combate às práticas anticoncorrenciais. Composição da OMC A OMC está sediada em Genebra, na Suíça, e é formada pelos seguintes órgãos: ● Conferência Ministerial : Está no topo da estrutura da OMC, na qual todos os Estados-membros se fazem presentes por meio de representantes. As reuniões ordinárias costumam ocorrer a cada dois anos. ● Conselho Geral : Atua no cotidiano da Organização, fazendo as vezes da Conferência Ministerial, no ínterim entre os seus encontros, por meio dos representantes de cada país-membro. Possui as atribuições de: solucionar as controvérsias e revisar as políticas comerciais. ● Conselho para o Comércio de Bens, Conselho para o Comércio de Serviços e Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS) : São subordinados ao Conselho Geral e supervisionam os acordos realizados entre os Estados-membros, conforme os seus respectivos assuntos. ● Comitês : São cerca de 40, incluindo Comitês, Subcomitês e Grupos de Trabalho. Cada um atua em um campo específico, a exemplo do Comitê de Comércio e Desenvolvimento, Comitê de Restrições por Balanço de Pagamentos e Comitê de Assuntos Orçamentários, Financeiros e Administrativos. ● Secretariado : É responsável pelos relatórios que preparam a realização das revisões das práticas comerciais dos membros em âmbito interno. O secretariado é comandado por um diretor-geral. Mecanismos de resolução de disputas na OMC Ao longo da história da OMC, desde a sua fundação, em 1995, já foram submetidas centenas de disputas envolvendo as relações comerciais internacionais. Neste particular, destacamos o importante papel do: ● Órgão de Solução de Controvérsias : (que possui representantes de todos os Estados-membros) ● Conselho geral : (para preservar as relações entre os países ao longo de suas transações comerciais) Essas instâncias estimulam a resolução de disputas por meio de acordos, sempre que possível, bem como fortalecem o aspecto multilateral das negociações. Assim, a OMC melhorou profundamente este aspecto em relação ao que era previsto no GATT e suas rodadas. O Órgão de Solução de Controvérsias cumpre três etapas durante o processo de solução dos desacordos: ● Estabelecimento dos painéis, etapa na qual uma disputa será encaminhada ao Órgão para julgamento ● Aprovação dos relatórios, quando os relatórios referentes à decisão judicial serão elaborados e aprovados, a fim de fiscalizar seu cumprimento. ● Retaliação, espécie de sanção ao descumprimento da decisão por uma das partes que estavam vinculadas. O Brasil atuou como demandante em alguns casos muito conhecidos perante o referido Órgão de Solução de Controvérsias da OMC: ● Gasolina importada dos EUA: a disputa envolvia a importação de gasolina em relaçãoà gasolina comercializada nacionalmente, o que foi questionado pelo Brasil. ● Frango e carne bovina importados da Indonésia: em 2015 e 2016, respectivamente, o Brasil questionou a OMC acerca das barreiras comerciais por parte da Indonésia em relação à importação do frango indonésio e à exportação da carne bovina brasileira. ● Reconhecer a Arbitragem Internacional como mecanismo de soluções às disputas no âmbito do comércio internacional Princípios da Arbitragem Internacional O objetivo deste módulo é compreendermos em que medida a Arbitragem Internacional oferece soluções adequadas às disputas no âmbito do comércio internacional, bem como os seus princípios e formas de ocorrência na prática, destacando a Lei de Arbitragem Brasileira (Lei n. 9.307/1996). Algumas particularidades da Arbitragem a tornam muitas vezes mais interessante que a via judicial para a solução dos conflitos relativos aos contratos internacionais. Essas características lhe são tão inerentes que se transformaram em valores ou princípios – alguns em comum com o Direito dos Contratos, a exemplo da autonomia da vontade. Destacamos aqui os princípios da Arbitragem no comércio internacional. Compreendendo esses aspectos, é possível entender as finalidades, vantagens e desvantagens da Arbitragem em comparação com a via judicial. ● Autonomia da vontade : As partes em conflito possuem ampla autonomia para decidir como a questão conflituosa poderá ser resolvida, incluindo os prazos, os procedimentos e até mesmo a autoridade julgadora. ● Celeridade : O procedimento arbitral costuma ser mais rápido, principalmente se comparado à morosidade que muitas vezes se observa na via judicial. Conforme explicamos, os prazos para os atos e para a sentença podem ser acordados pelas partes antecipadamente. Segundo o Art. 23 da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996), se o prazo para a sentença arbitral não for fixado pelas partes, aplica-se o prazo legal de, no máximo, 6 meses; o próprio Artigo dispõe sobre a contagem desse prazo. Além disso, para prestigiar a celeridade, é importante tornar o procedimento arbitral o mais simples possível, sem tumultuá-lo com atos desnecessários e repetitivos, por exemplo. ● Não surpresa : Este princípio também possui aplicabilidade no processo civil comum – conforme os Artigos 7º, 9º e 10 do Código de Processo Civil. Está diretamente relacionado ao princípio do contraditório e informa que o julgador não pode decidir sem antes ouvir a manifestação das partes envolvidas ou interessadas no processo, evitando, assim, de serem surpreendidas com decisões sobre uma ação da qual não tinham conhecimento – ou, nesse caso, um procedimento arbitral. O princípio da não surpresa foi uma grande herança do Código de Processo Civil ao procedimento arbitral. ● Cordialidade : As partes devem apresentar condutas éticas e de mútuo respeito, principalmente devido à ampla autonomia que possuem para decidir sobre o procedimento arbitral. Dessa forma, um comportamento adversarial não é bem-vindo, dando-se lugar às boas práticas de educação e colaboração. Quanto mais harmônica for a relação entre as partes, mais facilmente entrarão em um consenso, tanto no decorrer da Arbitragem quanto em relação ao conflito em si. ● Confidencialidade : Em geral, a Arbitragem ocorre de maneira sigilosa, evitando-se que sejam publicizados aspectos confidenciais envolvendo a disputa, como segredos industriais e outras informações relativas à propriedade intelectual, direitos autorais e patentes, por exemplo. Vazamentos de informações podem comprometer o andamento dos negócios das partes envolvidas – nesses exemplos, pessoas jurídicas de direito privado. ● Flexibilidade : Normalmente, a Arbitragem possui maior flexibilidade procedimental se comparada ao processo judicial comum. Atos burocráticos como a remessa do processo a outros setores, por exemplo, são dispensados na Arbitragem. ● Composição de um procedimento arbitral : As partes envolvidas: no comércio internacional, pessoas jurídicas de direito público ou privado; Os advogados: representantes legais das partes; Os árbitros: autoridades julgadoras. Espécies de Arbitragem Internacional Importante compreendermos que existem algumas espécies de Arbitragem Internacional, cada uma com suas respectivas finalidades: ● Arbitragem Internacional Pública : É realizada quando a disputa envolve duas ou mais pessoas jurídicas de direito público, com base nas regras do Direito Internacional Público. Materializa-se na forma de um tratado internacional, notadamente o compromisso arbitral, que deve apresentar a especificação da disputa, os instrumentos normativos incidentes, os prazos para a prática dos atos, o árbitro escolhido, entre outras cláusulas. ● Arbitragem Internacional Privada : Ocorre quando a disputa envolve duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, de modo geral ligadas a relações comerciais internacionais. As Arbitragens inseridas nesta categoria podem estar relacionadas com as regras internas do país, os princípios da Arbitragem Internacional, os usos e os costumes. Como veremos adiante, uma sentença arbitral produzida em outro país, para produzir efeitos no Brasil, deve ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Arbitragem no Brasil Normalmente, a Arbitragem se materializa em um documento conhecido como Convenção de Arbitragem, no qual as partes entram em um acordo sobre as condições gerais da Arbitragem a ser eventualmente realizada, caso participem de um conflito futuro ou estejam iniciando um no momento. No Brasil, a Lei da Arbitragem dividiu a Convenção de Arbitragem em duas possibilidades. Uma delas deve ser escolhida para formar a estrutura da Arbitragem: a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral, conforme os Arts. 3º, 4º e 9º da Lei Brasileira de Arbitragem, como veremos adiante. ● Cláusula compromissória : Refere-se ao compromisso previamente assumido entre as partes de que, qualquer conflito que surja no decorrer de um determinado contrato internacional, elas se submeterão ao procedimento arbitral para solucioná-lo. Isto é, a opção pela Arbitragem fica registrada antes mesmo da ocorrência do conflito. Normalmente a cláusula compromissória vem disposta ao final do contrato, conforme previsão do Art. 4º, §1º da Lei de Arbitragem. ● Compromisso arbitral : Costuma ser firmado diante de um conflito concreto, também prevendo condições específicas, como as partes e o órgão julgador. Além disso, a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996) traz em seu art. 1º que os direitos sujeitos à Arbitragem são os direitos patrimoniais disponíveis, isto é, podem ser objeto de acordo, uma vez que não se tratam de questões envolvendo a vida, a liberdade ou a dignidade humana, por exemplo. Esta Lei também prevê em seu art. 34 a possibilidade de reconhecimento ou execução, no Brasil, de uma sentença arbitral estrangeira – isto é, aquela que foi produzida em outro país –, desde que homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o art. 35, além de ter que estar alinhada com os tratados e a principiologia do Direito do Comércio Internacional (CAPARROZ, 2018). A necessidade de homologação da sentença arbitral estrangeira pelo STJ foi trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, que regulamenta esse procedimento nos arts. 960 e ss. De acordo com o Artigo 39, inciso I da Lei de Arbitragem, se “o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem” (BRASIL, 1996), conforme as disposições do ordenamento jurídico brasileiro sobre o assunto, incluindo essa mesma lei, então uma sentença arbitral desse tipo não poderia ser homologada. Ainda sobre o compromisso arbitral, ressaltamos o Decreto n. 4.311/2002, que ratificou, no território nacional, a Convenção de Nova York – além dos outros mais de 150 países que fizeram o mesmo –, que trata, por sua vez, do reconhecimento e da execução das sentenças arbitrais estrangeiras. Segundo DOLINGER e TIBURCIO (2020), esta Convenção,por ser mais específica que a Lei da Arbitragem, afasta a aplicação dos arts. 38 e 39 desta Lei. Por fim, além dos pontos já comentados na Lei da Arbitragem, outras disposições importantes dizem respeito à escolha e às atribuições do árbitro, as etapas do procedimento arbitral, a sentença arbitral e até a possibilidade de recorrer ao Judiciário para o pedido de tutela de urgência e medida cautelar. Sistema de resolução de disputas da Arbitragem Comercial Internacional No âmbito da Arbitragem Internacional, um conflito ou disputa pode ser observado quando ocorre uma discordância quanto às cláusulas e condições de uma determinada relação comercial. Neste caso, conforme já vimos anteriormente, quando se tratar de um conflito envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, estará sujeito à solução pela Arbitragem. A Arbitragem Comercial Internacional pode ocorrer de várias formas, de modo que conseguimos visualizar uma espécie de sistema, com vários órgãos e atividades próprias, visando a solução das disputas internacionais. A seguir, veremos alguns deles: ● A primeira organização a ser destacada é a própria Organização Mundial do Comércio (OMC), que já estudamos anteriormente. Entre os seus órgãos integrantes está o Órgão de Solução de Controvérsias, formado pelo Conselho Geral. Como o sistema de decisões da OMC pressupõe um constante consenso, seja para a aprovação ou rejeição de documentos, relatórios, painéis etc., na hipótese de não haver consenso, aciona-se este Órgão. ● A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral) tem papel fundamental em relação à Arbitragem Internacional, uma vez que disponibiliza, como modelo, alguns instrumentos normativos para aplicação no âmbito das relações comerciais internacionais, como a “Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional”, de 1985, que trouxe algumas disposições importantes, como os princípios da Arbitragem, as etapas do procedimento arbitral, a sentença arbitral, o local de aplicação, recursos e execuções, entre outros. Essas leis-modelo incentivam os Estados a aprovarem as suas próprias Leis de Arbitragem – destacando que o Brasil possui a sua desde 1996. ● Há também a Câmara de Comércio Internacional (CCI), uma das organizações mais conhecidas internacionalmente, cuja finalidade geral é auxiliar na regulação das relações comerciais internacionais. Dentro dela está a Corte Internacional de Arbitragem, fundada em 1923, que busca a solução das disputas que lhes são submetidas (BASSO, 2020). A Corte possui ampla relevância, na medida em que auxiliou a confecção da Convenção de Nova York, de que tratamos anteriormente. ● Identificar os elementos do Direito Internacional que tratam da guerra O que é guerra Identificaremos os motivos que desencadeiam as guerras em sua acepção tradicional de conflito armado, bem como reconheceremos que, na atualidade, há novos motivos e novas formas de ocorrência de guerras e conflitos internacionais, considerando o cenário de inovações tecnológicas e científicas. Também vamos discutir as possíveis consequências das guerras para compreendermos este fenômeno – que também é político – sob a ótica do Direito Internacional Público. Início e término da guerra Na prática, nem sempre a declaração de guerra é cumprida, pois muitas vezes a guerra se inicia com a prática direta de atos materiais de hostilidade, como invasões, ataques, violência, tanto às Forças Armadas quanto ao território em si. Quanto à competência, quem pode declarar guerra? No Brasil, é a União, mais especificamente o Presidente da República – desde que autorizado ou referendado pelo Congresso Nacional, conforme se extrai dos Artigos 21, II, e 84, XIX, da Constituição Federal. De modo geral, após a realização da declaração de guerra, iniciam-se as práticas hostis entre os Estados envolvidos. Anteriormente, eram comuns ataques e conflitos armados e violentos em espaços aéreos, marítimos e terrestres, com a utilização das Forças Armadas, visando a concessão de determinadas vontades de um dos Estados. Contudo, Mazzuoli (2020) identifica uma mudança significativa para as novas formas de guerra, que envolvem as inovações científicas e tecnológicas. Elas não necessariamente envolvem locais específicos, mas sim amplos espectros do globo e até mesmo o âmbito espacial. Sob a ótica do Direito Internacional Público, o instrumento formal de encerramento de uma guerra é o Tratado de Paz firmado entre os Estados beligerantes. O pontapé inicial para o fim da guerra é o chamado armistício, que consiste em uma suspensão consensual e temporária do conflito armado, objetivando, em última instância, o restabelecimento da paz. O Tratado de Paz provoca alguns efeitos importantes, segundo Mazzuoli (2020): ● O encerramento do conflito armado e os respectivos atos de hostilidade. ● O retorno ao status quo ante, isto é, o retorno à situação anterior à guerra — embora se saiba que, dependendo da força e da violência empregadas na luta armada, esse retorno se torne difícil ou impossível. ● O fim da condição de prisioneiros de guerra. ● O restabelecimento das relações, acordos diplomáticos e tratados internacionais que haviam sido rompidos com a Declaração de Guerra. Contudo, historicamente, a guerra costuma encerrar com a vitória de um Estado ou de um grupo de Estados, demarcada pela conquista dos objetivos que levaram ao seu início, sejam eles políticos, econômicos, territoriais etc. Princípios internacionais da guerra Princípio da proibição da guerra ou da proibição do uso da força No passado a guerra era considerada uma forma comum de defesa: ● Primeiro individual ● Depois coletiva ● Por fim, estatal Entretanto, com o tempo, a guerra passou a ser considerada, pelas Nações Unidas, como uma forma violenta e ilícita de os Estados conflitarem entre si. É assim que o Direito Internacional Público compreende a guerra atualmente, considerando os conflitos violentos o último recurso de um Estado, uma vez que se passou a dar preferência às soluções pacíficas diante de controvérsias internacionais. Logo após a Primeira Guerra Mundial, consagrou-se no âmbito internacional o princípio da proibição da guerra ou do uso da força, por meio dos seguintes instrumentos internacionais: ● Pacto da Liga das Nações, de 1919. ● Tratado de Renúncia à Guerra (Pacto Briand-Kellog), de 1928. ● Carta das Nações Unidas, de 1945, que sobreveio ao final da Segunda Guerra Mundial, reafirmando a proibição da guerra que havia sido sagrada nos documentos anteriores — embora não com estas palavras. O entendimento dominante passou a ser o de se evitar a guerra como solução dos conflitos internacionais, exceto em situações de legítima defesa, como a reação a ataques armados e a proteção da segurança no ambiente internacional. E, mais recentemente, a partir do princípio da responsabilidade de proteger e da possibilidade de intervenção humanitária, desde que autorizada pelo Conselho de Segurança, conforme vamos abordar no tópico seguinte. Além disso, a Carta das Nações Unidas classifica a força em diferentes aspectos, tais como: ● Retorsão : Refere-se a uma espécie de retaliação de um Estado em relação ao outro, a exemplo do rompimento das relações e acordos de diplomacia, bem como restrições de ordem econômica. É considerado um meio legal, tendo em vista que é pacífico e não implica a utilização da força militar, necessariamente. ● Represália : Refere-se aos atos que, quando realizados fora de um contexto de legítima defesa, tornam-se ilegais, na medida em representam uma espécie de resposta a um Estado que já havia praticado atos ilegais anteriormente – não armados –, ainda mais quando a resposta ocorre por meio da utilização da força militar. Como exemplo de represálias, podemos citar o caso da disputa Naulilaa, conflito entre Portugal e Alemanha. ● Legítima defesa: Pressupõe a existência de um ataque armado de um Estado em relação a outro – devidamente comprovado –, demodo que o Estado atacado pode utilizar a força militar para se defender, sem que isso incorra na violação ao princípio da proibição da guerra ou do uso da força. Podemos citar como análises importantes do direito à legítima defesa o Caso Nicarágua – Corte Internacional de Justiça. Para ilustrar o entendimento da proibição dos conflitos internacionais violentos como um ato ilícito e a busca de solução por meios pacíficos, transcrevemos o Artigo 2, itens 3 e 4, do instrumento mais recente da Carta das Nações Unidas: Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: [...] 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. Embora o entendimento atual seja o de evitar conflitos armados, existem algumas leis ou fontes das leis de guerra responsáveis por orientar conflitos, a depender da forma de sua realização: se conflito marítimo, aéreo, terrestre etc. Entre outras fontes, veremos três delas: ● Declaração de Paris : dispõe sobre a guerra. ● Convenção de Genebra : prevê a cura dos feridos de guerras. ● Convenção de Haia : A convenção de haia de 1889 dispõe sobre a regulamentação das guerras terrestres; e a de 1907 dispõe sobre o fim das hostilidades, tanto em guerras terrestres quanto marítimas e demais questões relacionadas. Em suma, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a reafirmação tácita do princípio da proibição da guerra, esta passou a ser vista como um ilícito internacional, e o uso da força considerado uma exceção a este princípio, cuja permissão para utilização reside na hipótese de legítima defesa ou determinação do Conselho de Segurança da ONU em casos de intervenção humanitária e/ou o cumprimento ao princípio da responsabilidade de proteger. Portanto, as principais decisões relativas à ameaça à paz ficam a cargo deste Conselho. Por fim, um princípio correlato a este é o da Proibição da Intervenção Externa aos Assuntos Internos, disposto no Artigo 2 (7) da referida Carta das Nações Unidas. Princípio da responsabilidade de proteger Este princípio se refere à proteção dos Estados entre si e em relação às suas populações, no intuito de evitar ou minimizar os impactos desastrosos decorrentes de conflitos armados, entre eles: genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, limpeza étnica etc. Nesse sentido, a soberania do Estado se refere também à proteção da sua própria população em relação a estes conflitos. Nos países que demonstrarem estar atravessando períodos de grave crise humanitária, com a ocorrência de conflitos armados, o ideal é que a comunidade internacional os solucione a partir de meios pacíficos, considerando o princípio da proibição da guerra ou do uso da força explicado no tópico anterior. Contudo, se não for possível impedir a catástrofe pela pacificidade, abre-se a possibilidade de intervenções com o uso da força militar – condicionada à autorização do Conselho de Segurança da ONU. A responsabilidade de proteger reforça o compromisso com a proteção internacional dos Direitos Humanos, conforme preconizado pelas Organização das Nações Unidas e, ao contrário do que muitas pessoas possam imaginar, não afasta a soberania dos Estados. Ao contrário, reforça essa soberania e traz um caráter compartilhado entre os entes internacionais de zelar pelas populações internas e mundiais. Tal responsabilidade foi objeto de discussão em 2005, em uma reunião com os Estados-membros pertencentes à Cúpula Mundial da ONU, na qual assumiram um compromisso que reforçou a Carta das Nações Unidas, incluindo uma série de ações a serem praticadas pelos Estados para prevenir e punir atos conflituosos. Destacam-se os Artigos 138, 139 e 140 deste compromisso, que foi organizado em forma de um Documento Final da Cúpula Mundial ocorrida em 2005. A intervenção humanitária tem estrita relação com o princípio da responsabilidade de proteger, uma vez que diz respeito, em linhas gerais, à possibilidade de intervenções externas de um Estado em relação a outro, mediante a autorização do Conselho de Segurança da ONU, com a permissão para o uso da força, notadamente das Forças Armadas. O uso da força aparece como último recurso, dando-se preferência para os meios pacíficos para impedir a consumação de grandes catástrofes, uma vez que o Estado que sofre a intervenção não cumpriu a responsabilidade de proteger a sua própria população . Legítima defesa Quando tratamos do princípio da proibição da guerra ou da proibição do uso da força, dissemos que uma das exceções a este princípio são as situações de legítima defesa. Segundo Mazzuoli (2020), a legítima defesa é considerada em duas hipóteses: A legítima defesa não é livre e irrestrita, devendo cumprir certas condições e requisitos, inclusive quanto à intensidade – não podendo ser desmedida –, em respeito ao princípio da proibição da guerra e à ideia de que a força, a violência e os conflitos armados devem ser o último recurso. Direit� Internaciona� Privad� ● Identificar o propósito e o mecanismo de funcionamento do Direito Internacional Privado Incidência e aplicação do Direito Internacional Privado Fatos jurídicos O direito se preocupa em regular todos os fatos (acontecimentos, eventos) que impulsionem a criação de uma relação jurídica, ou seja, que produzam efeitos em seu campo (o do direito). Esses fatos podem decorrer da ação da: ● Natureza : Neste caso, os fatos podem ser ordinários (nascimentos, mortes etc.) ou extraordinários (terremotos, tsunamis etc.) de acordo com sua previsibilidade. ● Vontade humana : Chamados de voluntários, os fatos decorrentes da vontade humana podem dar origem a atos jurídicos lícitos ou ilícitos conforme sejam admitidos (ou não) no ordenamento, como casamento, assinatura de contrato e constituição de uma empresa. Qualquer que seja a sua classificação (naturais ou voluntários, ordinários ou extraordinários, lícitos ou ilícitos), os fatos jurídicos que possuem vínculos com mais de um ordenamento são denominados fatos transnacionais e correspondem ao campo de aplicação do Direito Internacional Privado. É possível identificá-los pela presença de elementos de estraneidade, ou seja, de pontos fáticos ou jurídicos de contato com dois ou mais ordenamentos. O objetivo do Direito Internacional Privado é justamente traçar o caminho por meio do qual as controvérsias decorrentes desses fatos transnacionais poderão ser resolvidas. Os sujeitos de Direito Internacional Privado A personalidade jurídica corresponde à atribuição de direitos e deveres a determinado sujeito a quem o ordenamento reconheça como destinatário de suas normas. Um sujeito de direito é, assim, titular de direitos e obrigações. As ordens jurídicas nacionais têm por sujeitos primários os indivíduos que nascem e se desenvolvem a partir deles e para eles. As pessoas jurídicas (sociedades simples e empresárias, associações e fundações), por outro lado, são sujeitos secundários. Sua criação é determinada por razões de conveniência social: elas são reconhecidas como existentes – na ordem jurídica em que foram criadas e nas demais ordens do tipo em que atuam – apenas para que a vida econômica e social seja facilitada. O Direito Internacional Privado, inserido que está na ordem jurídica nacional, tem por sujeitos as pessoas naturais ou jurídicas. Disso ele difere do Direito Internacional Público, cujos sujeitos são os Estados e as organizações internacionais – e, mais recentemente, embora não sem controvérsia, os próprios indivíduos, aponta Cançado Trindade. A matéria de Direito Internacional Privado Como vimos na introduçãodeste tema, cada Estado tem, em seu ordenamento jurídico, um conjunto de regras voltado à solução de questões transnacionais denominado Direito Internacional Privado. Esse ramo do Direito procura essencialmente determinar em que circunstâncias: ● A autoridade judiciária brasileira tem jurisdição para conhecer um caso multiconectado. ● O Direito estrangeiro é aplicável em território nacional. Atos e decisões estrangeiras podem ser executados em território nacional. Santos (1998, p. 140) destaca que a escola francesa de Direito Internacional Privado, que encontra alguma acolhida no Brasil, costuma acrescentar a esse rol a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro. Listaremos a seguir as matérias inseridas na disciplina do Direito Internacional Privado: ● Conflitos de jurisdições ● Imunidade de jurisdição e de execução ● Conflitos de leis no espaço ● Aplicação de normas ● Prova e interpretação do direito estrangeiro ● Cooperação jurídica internacional ● Nacionalidade ● Condição jurídica do estrangeiro A norma: o método conflitual clássico do Direito Internacional Privado Parte significativa das normas de Direito Internacional Privado corresponde ao método conflitual, cujo propósito é a resolução dos conflitos de leis no espaço. Em outras palavras, esse método pretende resolver a seguinte questão: qual lei deve ser aplicada a um caso conectado a mais de um ordenamento jurídico. As regras de conexão podem ser classificadas de acordo com sua: fonte Dada a tradição civilista de nosso ordenamento, a fonte é exclusivamente legislativa, seja ela: ● Interna: Criada pelo Poder Legislativo do Estado. ● Internacional: Erigida em coordenação com outros Estados ou no âmbito de organizações internacionais e fixada em tratados. Natureza As regras de conexão são indiretas, já que não contêm, elas próprias, a solução do caso, limitando-se a indicar o Direito (interno ou estrangeiro) a ele aplicável (que então dará a solução). Elas funcionam como um vetor indicativo da solução, permanecendo sempre as mesmas, embora a solução por elas apontada possa variar conforme o elemento de conexão aponte para um ou outro ordenamento. No Brasil, vale a lei do país (onde domiciliada a pessoa) que determine as regras sobre: ● Começo e fim da personalidade ● Nome ● Capacidade ● Direitos de família A regra de conexão (domicílio) será sempre a mesma, mas, conforme a pessoa mude de domicílio (o elemento de conexão em jogo), a lei aplicável também será alterada. Mas resta uma dúvida: e se a lei da Itália apontar outra legislação como sendo aplicável às questões relativas à personalidade, ao nome, à capacidade e aos direitos de família? Uma solução seria o reenvio, instrumento admitido em alguns ordenamentos e rejeitado em outros. O método conflitual clássico tem sido alvo de duras críticas nas últimas décadas em razão de sua suposta indiferença com o resultado concreto do caso. Por conta disso, vem se consolidando a tendência de abandonar essa imagem neutra das normas de Direito Internacional Privado em favor de um comprometimento com a realização dos direitos humanos e com o respeito aos valores consagrados na Constituição Federal. Jurisdição: exclusividade, concorrência e litispendência Ao lado da legislação e da administração, a jurisdição corresponde a uma função fundamental do Estado. Reflexo do seu poder soberano, o reconhecimento da existência de outros Estados também dotados de jurisdição leva à necessidade de uma delimitação das causas julgáveis que sejam do interesse de cada um. Não interessa ao Estado, porém, estender tão ilimitadamente o alcance espacial de sua jurisdição. Além de sobrecarregar inutilmente seus órgãos judicantes, ainda se arriscaria a entrar em conflito com as jurisdições de outros Estados, sem a possibilidade de tornar efetivas as decisões de seus magistrados. Cabe a cada Estado determinar sua atuação jurisdicional. Como se pode imaginar, há inúmeros casos que, justamente em função de seus pontos de contato com mais de um Estado, suscitam o interesse e a atuação de múltiplos poderes jurisdicionais. Isso é chamado de conflito de jurisdições. O Direito Internacional Privado tem no princípio da efetividade um dos principais balizadores do conflito de jurisdições. Com efeito, há uma preocupação quase unânime de se evitar a adoção de critérios amplos ou de interpretações extensivas que levem ao exercício ilimitado de jurisdição. por que? Não sobrecarregar o Poder Judiciário com decisões cuja execução posterior não esteja garantida, já que elas dizem respeito a pessoas ou bens fora do alcance do Estado. Os limites da jurisdição brasileira estão expressos essencialmente nos artigos 21 a 25 do Código de Processo Civil (CPC). Os artigos 21 e 22 elencam situações nas quais é conveniente ao Judiciário brasileiro atuar e em que sua decisão seria dotada de efetividade. Admite-se, no entanto, a atuação de jurisdição estrangeira por se considerar que ela também teria interesse e estaria em condições de assegurar a eficácia de suas decisões. Trata-se da competência internacional concorrente. Já o artigo 23 do CPC trata das hipóteses nas quais é conveniente ao Judiciário brasileiro atuar e em que sua decisão seria dotada de efetividade, não podendo ser aceita a atuação de outra jurisdição”. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; III - em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. Entende-se que os vínculos com o Brasil são especialmente fortes; assim, sequer é considerada a posição das autoridades judiciárias estrangeiras a respeito. O nome disso é competência internacional exclusiva. No caso específico de disputas relacionadas a contratos internacionais, o atual CPC dispôs no artigo 25 que a autoridade judiciária brasileira deve se abster de processar e julgar a ação quando as partes tenham estabelecido um pacto para submeter sua controvérsia à autoridade estrangeira, havendo a exclusão de qualquer outra. Esse tipo de cláusula é conhecido como cláusula de eleição de foro, estando muito presente na prática comercial internacional. Independentemente dessas regras, é preciso saber que as autoridades judiciárias só atuam quando provocadas por qualquer uma das partes em uma disputa. É possível, assim, que uma parte decida acionar determinada autoridade ao mesmo tempo que a outra recorra a uma autoridade diferente. Trata-se, em suma, de um caso de litispendência. No Brasil, a regra prevista no artigo 24 do CPC é que a pendência de um processo em outro Estado não impede que a justiça nacional também conheça essa controvérsia: A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil. Pouco importa qual processo teve início ou terminou primeiramente. Se uma decisão proferida no Brasil transitar em julgado antes que o STJ defira o pedido de homologação de sentença estrangeira, a proferida no exterior jamais produzirá efeitos em nosso território. Por outro lado, se a ação de homologação da decisão estrangeira transitar em julgado antes da ação brasileira, a proveniente do exterior será reconhecida e produzirápor apresentar as linhas mestras de funcionamento do sistema jurídico brasileiro. Ela se preocupa basicamente em resolver conflitos de leis no tempo e no espaço. Seus dispositivos podem ser agrupados em dois grandes grupos: ● Direito intertemporal : Normas que definem a partir de quando as leis entram em vigor e como elas incidem sobre situações constituídas prévia, concomitante ou posteriormente à sua entrada. ● Regras de conexão : Normas que apontam as leis aplicáveis às situações que possuam vínculos com mais de um ordenamento jurídico. Inseridas no campo do Direito Internacional Privado. No que concerne ao Direito Internacional Privado, portanto, a LINDB regula um dos temas da disciplina (o tema do conflito de leis). Já os temas da jurisdição e da cooperação jurídica internacional estão previstos no CPC. A principal inovação trazida pela LINDB foi a substituição do elemento de conexão da nacionalidade pelo de conexão do domicílio para reger o estatuto pessoal dos indivíduos, isto é, para determinar a lei aplicável a questões sobre nome, capacidade e direito de família. A alteração colocou o Brasil em linha com os demais países das Américas que são destinatários de um intenso fluxo de mão de obra migrante. Como podemos imaginar, o antigo elemento da nacionalidade levava à maior aplicação do direito estrangeiro, o que, segundo Ramos (2018, p. 361), interessava às ambições nacionalistas do Governo Vargas de que se privilegiasse a lei territorial, ou seja, a brasileira. ● Localizar a aplicação, a prova e a interpretação do direito estrangeiro no Brasil A aplicação da lei estrangeira no Brasil Soberania, ordem pública e bons costumes O artigo 17 da LINDB (2010) prevê, contudo, que “leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Esse comando é similar ao constante no artigo 963, VI, do CPC, segundo o qual constitui um requisito indispensável à homologação da decisão estrangeira que ela não ofenda à nossa ordem pública. Embora a LINDB se refira a três rubricas aparentemente autônomas (a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes) que teriam o condão de obstar a aplicação da lei estrangeira, a doutrina é pacífica neste caso: o reconhecimento da possibilidade de se unir as três sob a alcunha única de ordem pública. Analisaremos agora o que ocorre na ofensa à: ● Soberania nacional : A ofensa é clara na hipótese de se pretender reconhecer, no Brasil, uma sentença estrangeira que verse sobre uma das hipóteses de competência exclusiva – estudadas anteriormente – da autoridade judiciária nacional. ● Ordem pública : Ela tem contornos mais subjetivos, já que a ordem pública, na hipótese de se aferir a compatibilização da lei estrangeira, corresponde ao conjunto de princípios tidos como fundamentais e inderrogáveis do ordenamento jurídico brasileiro. Nacionalidade, registros consulares e critérios para a determinação da nacionalidade brasileira A nacionalidade corresponde ao vínculo jurídico que une um indivíduo ao Estado e do qual resultam direitos e obrigações. Nacionais são aqueles que a adquiriram de determinado Estado de acordo com as suas leis internas, ao passo que, por exclusão, estrangeiros são os não nacionais. A nacionalidade, segundo Vargas (2006, p. 290), é “o ponto de partida da cidadania”, haja vista que os direitos políticos e a proteção diplomática não são geralmente estendidos a estrangeiros. Os efeitos da nacionalidade se irradiam para o plano internacional, impondo-se a todos os Estados o dever de reconhecer a que seja conferida a um indivíduo, completam Battifol e Lagarde. O reconhecimento e o respeito às nacionalidades estrangeiras dependem do seguinte fator: que as legislações por meio das quais os Estados determinam seus nacionais sejam compatíveis com as convenções internacionais, o costume e os princípios gerais de direito reconhecidos em matéria de nacionalidade. A nacionalidade é usualmente classificada em originária e derivada, pois o pertencimento do indivíduo ao Estado decorre naturalmente de seu nascimento ou lhe é atribuído em momento posterior. Em linhas gerais, a nacionalidade originária pode ter por fundamento o local de nascimento (ius soli) ou a filiação (ius sanguinis). Já a derivada, também conhecida como naturalização, decorre da manifestação de vontade do indivíduo em pertencer ao Estado, o que pode implicar a perda de sua nacionalidade originária. Cabe a cada Estado determinar os termos e as condições para que os indivíduos sejam reconhecidos como seus nacionais tanto em caráter originário quanto pela via derivada da naturalização. Os dois itens a serem determinados costumam constar de suas constituições. No Brasil, adota-se o critério do ius soli como regra geral de determinação da nacionalidade brasileira: todos aqueles nascidos no país, independentemente de sua filiação, são reputados nacionais brasileiros. No entanto, o ius sanguinis pode ser aplicado subsidiariamente, assegurando-se a nacionalidade brasileira a filhos de nacionais que tenham nascido no exterior desde que sejam preenchidos determinados requisitos – alvos, aliás, de alteração ao longo dos anos. Originalmente, essa extensão dependia de que o nascimento ocorrido no exterior fosse registrado no consulado competente. Na falta de registro, era necessário que o indivíduo ativamente optasse por adquirir a nacionalidade brasileira, exigindo-se, para tal, que fixasse residência no território nacional antes de atingir a maioridade. Em 1994, a Emenda Constitucional n. 3 suprimiu a aquisição de nacionalidade pelo registro consular que constava da redação original do artigo 12, “c”, da Constituição Federal, causando uma grande comoção na comunidade brasileira residente no exterior. Essa emenda (1994) também deixou de condicionar o exercício da opção pela nacionalidade à residência no país antes de a maioridade ser atingida. Com isso, passaram a ser considerados brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”. Posteriormente, em 2007, a Emenda Constitucional n. 54 voltou a prever a aquisição da nacionalidade por meio do registro consular. Em contrapartida, a aquisição por aqueles que não tiverem registro consular permaneceu vinculada à residência no território nacional (sem que fosse necessário fixá-la antes da maioridade) e ao exercício da opção. Em sua atual redação, o artigo 12, I, “c”, da Constituição Federal (1988) considera brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”. Cabe destacar que o nascimento ocorrido no exterior pode ser levado a conhecimento da repartição consular competente a qualquer tempo. A opção da nacionalidade brasileira por aqueles que não dispõem de registro consular pode ser exercida a qualquer tempo, sendo condicionada apenas à residência no território nacional. O registro do nascimento ocorrido no exterior funciona como se o indivíduo houvesse nascido no Brasil e tivesse seu nascimento registrado em cartório local, não se sujeitando ao exercício de opção e tampouco à fixação de residência em território nacional. Afinal, conforme prescreve a Convenção de Viena sobre as relações consulares (promulgada no Brasil graças ao Decreto n. 61.078/1967), os agentes consulares têm qualidade de notário e oficial de registro civil. Uma vez registrado o nascimento ocorrido no exterior na repartição consular, a Lei n. 6.015/1973 exige, para a produção de seus efeitos no Brasil, que a certidão emitida pelo consulado seja então transcrita no registro civilde pessoas naturais (artigo 32). Nessa hipótese de registro em repartição consular, dispensa-se a opção pela nacionalidade. Contudo, se o nascimento ocorrido no exterior não for registrado em repartição consular, entrará em cena a opção pela nacionalidade brasileira. Caso a certidão de nascimento estrangeira tenha sido transcrita diretamente em cartório no Brasil (o que não é um pré-requisito para o exercício da opção), isso terá por efeito declarar o indivíduo brasileiro nato, mas sob condição suspensiva. Em linha com a atual redação do artigo 12 da Constituição Federal, o artigo 63 da Lei de Migração, promulgada em 2017, estabelece que “o filho de pai ou de mãe brasileiro nascido no exterior e que não tenha sido registrado em repartição consular poderá, a qualquer tempo, promover ação de opção de nacionalidade”. Coube ao Decreto n. 9.199/2017 regulamentar a Lei de Migração e, com ela, o exercício da opção pela nacionalidade brasileira. As principais características da opção por essa nacionalidade são as seguintes: ● Só pode ser exercida por quem tem o direito à nacionalidade, não sendo possível aos pais a exercerem por seus filhos (razão pela qual é preciso aguardar a maioridade). ● É exercida por meio de um processo judicial proposto perante a justiça federal a qualquer tempo depois da maioridade. ● É declaratória e não constitutiva do direito à nacionalidade (razão pela qual se fala que a opção confirma a nacionalidade). No interregno entre a maioridade e o exercício da opção pela nacionalidade, o indivíduo nascido no estrangeiro fica com a sua condição de brasileiro nato suspensa para todos os efeitos até que seja proferida sentença homologatória pela Justiça Federal, dispõe o artigo 215, §2º, do Decreto n. 9.199/2017. A questão da irretroatividade das leis no Brasil e demais conceitos Irretroatividade das leis Por mais artificial que possa parecer, a publicação é justamente a ferramenta de que dispõe o Estado para garantir que todos a conheçam. Salvo se já constar da lei um prazo de vigência específico, presume-se sua validade até que outra, modificando-a ou revogando-a, venha a ser promulgada. A lei posterior revoga a anterior quando: ● Expressamente o declara. ● É com ela incompatível. ● Regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Por outro lado, se uma lei vier a estabelecer disposições gerais ou especiais além daquelas já existentes em outra, não são consideradas a remoção e a revogação da anterior. Ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido A lei anterior, até perder sua eficácia, regulava todos os fatos jurídicos. Sob o seu império nasceram direitos, criaram-se obrigações e regularam-se situações jurídicas. Alguns desses direitos, obrigações e situações se exaurem ainda no curso da lei que os criou. Outros, no entanto, perduram e adentram o império da nova. Eis que surge a questão: O artigo 6º da LINDB prescreve que se mantêm inatingidos pela entrada em vigor de nova lei: ● Ato jurídico perfeito ● Direito adquirido ● Coisa julgada Mas o que eles são? A própria lei dá a resposta: [...] reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou”; “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Os três constituem, portanto, os direitos já incorporados ao patrimônio do seu titular, restando pendente apenas o seu exercício. Eles não se confundem com a mera expectativa de direito: “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”, frisa a LINDB (2010). É importante ter em mente que as situações legalmente constituídas de acordo com o direito estrangeiro serão reconhecidas internamente – a menos que elas ofendam a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. Cláusula pétrea Cláusulas pétreas são disposições de nossa Constituição Federal insuscetíveis de alteração. Nenhuma lei pode alterá-las, assim como a própria Constituição em si não pode ser modificada com o intuito de suprimi-las. Elas estão previstas no artigo 60, §4º, da Constituição Federal (1988): “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. Aplicação da lei estrangeira no Brasil Como pontuamos, as regras de conexão previstas na LINDB têm por finalidade apontar a lei aplicável a determinado fato transnacional. A primeira pergunta com que nos deparamos é a seguinte: se a regra de conexão incidente em determinada hipótese apontasse a lei estrangeira, essa lei deveria ser encarada como um fato (precisando ser invocado pelas partes a fim de que o juiz possa se pronunciar a respeito) ou um direito (que ele tem a obrigação de conhecer)? Essa pergunta foi objeto de um grande debate doutrinário no Brasil e no exterior. O artigo 376 do CPC inclusive se refere à lei estrangeira ao lado das leis municipal, estadual e costumeira. Sua aplicação é feita de ofício, ou seja, a despeito de invocação pelas partes e a qualquer tempo. O Código Bustamante oferece alguns mecanismos de prova do direito estrangeiro: ● Certidão legalizada de dois advogados atuantes no Estado cuja legislação se pretende aplicar. ● Informação prestada pelo Estado estrangeiro por meio da via diplomática. Ao aplicar a lei estrangeira, o juízo nacional precisa respeitar a interpretação jurisprudencial e doutrinária que dela se faz no seu Estado de origem. ● Distinguir os métodos de solução de controvérsias alternativos à jurisdição estatal e seu relacionamento com o Direito Internacional Privado Arbitragem internacional A arbitragem é um meio de solução de controvérsias alternativo à via judicial. Seu fundamento é o princípio da autonomia da vontade: as partes estabelecem livremente um pacto a fim de, em substituição ao Poder Judiciário, submeter suas disputas ao crivo de uma pessoa privada ou de painel composto por pessoas privadas. A liberdade conferida às partes é entendida de maneira bastante ampla. Esse entendimento passa por: ● Escolha do foro ● Regras procedimentais ● Lei material aplicável ● Árbitros Todas as opções das partes em relação à arbitragem respiram discricionariedade e autonomia. Tendo a escolhido, contudo, as partes a ela se vinculam. O instituto da arbitragem encontrou especial acolhida no comércio internacional, já que parceiros comerciais de diferentes nacionalidades relutavam em se submeter ao Poder Judiciário alheio. A arbitragem despontou, desse modo, como uma solução mais neutra. Após a Proclamação da República, ela recebeu um endereçamento no CPC de 1939 e, depois, no de 1973, mas só veio a ganhar credibilidade e expressão com a promulgação da Lei n. 9.307/1996. Pela dinâmica dos antigos Códigos de Processo Civil, a decisão proferida pela entidade privada tinha necessariamente de ser confirmada pelo Poder Judiciário, o que tornava o recurso ao procedimento sem sentido. De que adiantava escolher a arbitragem se, ao final, a questão teria de ser forçosamente submetida ao Poder Judiciário? A Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) alterou essa dinâmica, simplificando o procedimento: não seria mais necessário submeter a sentença arbitral à sua chancela. Apesar de bem-vinda tal mudança do ponto de vista prático, a Lei de Arbitragem teve sua constitucionalidade questionada justamente por conta dessa alteração. O motivo para tal era a garantia de acesso à justiça prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A Lei de Arbitragem se aplica à resolução de litígios de natureza patrimonial disponível, diferenciando as arbitragens nacionais das internacionais de acordo com o local em que sua decisão éproferida: a estrangeira, em suma, é aquela cuja sentença tenha sido proferida fora do território brasileiro. Usualmente, divide-se a arbitragem internacional em três tipos: ● Arbitragem internacional de direito internacional público: Tem como partes os próprios Estados. ● Arbitragem de investimentos: É feita entre Estados e investidores estrangeiros. ● Arbitragem comercial internacional: Ela é definida por exclusão. As arbitragens que não se enquadrarem nos dois tipos anteriores serão reputadas arbitragens comerciais internacionais. Homologação de sentença estrangeira no Brasil O artigo 961 do CPC prescreve que qualquer decisão proferida por autoridade judiciária estrangeira precisa ser reconhecida pelo STJ para que possa ser recepcionada em nosso ordenamento jurídico e produzir efeitos, constituindo, desse modo, um título executivo judicial. O processo por meio do qual as decisões estrangeiras são recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro é chamado de homologação. No artigo 105, I, a Constituição Federal atribui ao STJ a competência originária para homologar sentenças estrangeiras. O processo de homologação envolve o que se entende por juízo de delibação: o STJ não avalia o mérito, limitando-se a verificar o preenchimento dos requisitos necessários para que a decisão estrangeira possa ser recepcionada. São examinadas apenas as formalidades da sentença à luz de: ● Princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa ● Legalidade dos atos processuais ● Respeito aos direitos humanos ● Adequação aos bons costumes e à ordem pública Consequentemente, a contestação do pedido de homologação é limitada a questões formais previstas no artigo 963 do CPC. Trata-se da contenciosidade limitada. Listaremos os requisitos para que a decisão estrangeira possa ser homologada pelo STJ: ● Ser proferida por autoridade competente. ● Ser precedida de citação regular, ainda que verificada à revelia. ● Ser eficaz no país em que proferida. ● Não ofender a coisa julgada brasileira. ● Estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado. ● Não conter manifesta ofensa à ordem pública. O artigo 961, §1º, do CPC autoriza a homologação de decisões proferidas por autoridades não judiciárias, ainda que elas, aos olhos da lei brasileira, exerçam função jurisdicional. Uma decisão proferida por uma autoridade estrangeira que não seja integrante do Poder Judiciário poderá ser reconhecida no Brasil desde que ela exerça no exterior uma função que, em nosso país, assuma uma natureza jurisdicional. Por exemplo: divórcios decretados por autoridades administrativas estrangeiras. As sentenças arbitrais estrangeiras são igualmente passíveis de homologação. Os árbitros, embora não integrem o Poder Judiciário de um Estado, claramente exercem uma atividade jurisdicional. Além do CPC, incide sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras este regramento específico: a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (mais conhecida como Convenção de Nova York). A Convenção de Nova York foi ratificada por mais de 160 Estados, corporificando um direito uniforme em matéria de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, ressaltam Dolinger e Tiburcio (2020, p. 642). O Brasil a ratificou e a internalizou por meio do Decreto n. 4.311/2002. Em nosso país, ela se aplica para o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras provenientes de qualquer Estado signatário da convenção. Métodos não adversariais de solução de controvérsias: mediação e conciliação Diferentemente da via judicial e da arbitral, a mediação e a conciliação despontam como métodos não adversariais de solução de controvérsias ou – para usar a terminologia do CPC – de solução consensual de conflitos. Ambas configuram, afinal, métodos de autocomposição. As próprias partes resolvem a controvérsia – ainda que com o auxílio de uma figura intermediária (o mediador ou conciliador) para manejar as técnicas negociais. A mediação e a conciliação visam a um acordo. É a vontade das partes que deve emergir do processo, e não uma sentença vinculante, o que ocorre nas vias judicial e arbitral. Assim como a arbitragem, ambas têm fundamento no princípio da autonomia da vontade. Elas ainda são informadas ainda pelos princípios da: ● Independência ● Imparcialidade ● Confidencialidade ● Oralidade ● Informalidade ● Decisão informada A mediação e a conciliação não dispõem, contudo, de qualquer força impositiva. Elas só se sustentarão enquanto as partes concordarem em se submeter a esse procedimento. Além disso, o acordo obtido ao final precisa ser homologado em juízo para se tornar um título dotado de força executiva. Process� Civi� Internaciona� � � Direit� d� Famíli� n� Direit� Internaciona� Privad� ● Listar as etapas necessárias para aplicação da norma estrangeira no processo Aplicação do Direito Internacional pelo juízo nacional É cediço que, diante de um conflito que apresente um “elemento de estraneidade”, ou seja, que atraia a possível aplicação de uma legislação estrangeira, o juiz deverá resolver esse conflito de leis no espaço antes de aplicar substancialmente a norma. Leia-se como conflito de leis qualquer relação humana relacionada a duas ou mais ordens jurídicas cujas normas não coincidam. Assim, quando uma relação jurídica de direito privado possui conexão internacional, o juiz determina, em primeiro lugar, o direito aplicável para poder, em seguida, decidir a lide sub judice materialmente. Dessa forma, analisaremos a seguir duas etapas: ● Como o juiz qualifica o fato, ou seja, como o fato se encaixa em uma categoria jurídica existente para tornar possível a determinação do direito aplicável. ● Uma vez determinado o direito aplicável, algumas situações que impedirão a aplicação do Direito estrangeiro, como a ordem pública e as normas imperativas. Qualificação prévia O Direito Internacional Privado estabelece nas diversas situações de conexão se a legislação a ser aplicada em determinada relação jurídica é a legislação nacional ou a estrangeira, designada pelas normas do Direito internacional privado da lex fori. Antes de chegar à aplicação substancial da norma, o juiz segue uma metodologia que se orienta da seguinte forma: ● Qualificação da relação jurídica ● Determinação do elemento de conexão ● Determinação da lei aplicável e sua efetiva aplicação ao caso concreto É impossível determinar o direito aplicável a uma relação jurídica de Direito Privado com conexão internacional apenas mediante o elemento de conexão de uma norma indicativa ou indireta. É necessário relacionar o elemento de conexão sempre ao objeto de conexão adequado da norma indicativa ou indireta. A qualificação atinge a norma indicativa ou indireta do Direito Internacional Privado, afetando apenas o seu objeto de conexão, nunca o seu elemento de conexão. Assim, além de qualificar, é necessário que se saiba qual qualificação deverá prevalecer em caso de conflito. Três teorias são defendidas na doutrina: ● Qualificação pela lex fori; ● Qualificação pela lex causae, isto é, pelo direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional; ● Qualificação por referência a conceitos autônomos e universais. No Brasil, o entendimento é de que, como regra geral, adota-se o critério da lex fori para a realização da qualificação, comportando duas exceções: ● Em matéria de bens (lei da situação, art. 8º, caput da LINDB). ● Para a qualificação das obrigações, a lei do país em que se constituírem (art. 9º, caput da LINDB). Ou seja, nesses casos específicos, a norma brasileira adotou expressamente a qualificação pela lex causae, quando, então, o juiz nacional será obrigado a proceder dessa forma. Reenvio Nas linhas iniciais, falamos que o juiz, diante de um caso com “elemento de estraneidade”, determina, em primeiro lugar, o direito aplicável para poder decidir a lide subjudice materialmente em seguida. A Lei de Introdução ao Código Civil traz as regras de conflito que, por meio de um elemento de conexão, apontam uma lei potencialmente aplicável à relação jurídica internacional. O elemento de conexão é o núcleo da regra de conflito. Diz-se, portanto, que as normas de Direito Internacional Privado são normas indiretas, ou seja, normas que, por meio de um elemento de conexão, indicam qual será a lei material aplicável. Ocorre que, por muitas das vezes, as normas indicativas ou indiretas de Direito Privado nacionais e estrangeiras podem entrar em conflito entre si (positivo ou negativo). Vejamos: ● Conflito espacial positivo : Ocorre quando cada um dos ordenamentos em causa indica a sua própria norma para reger a questão jurídica com conexão internacional. ● Conflito espacial negativo : Ocorre quando cada um dos ordenamentos em causa exclui a aplicação de suas normas internas para a resolução da questão jurídica com conexão internacional, o chamando reenvio. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro proíbe expressamente o reenvio: Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. Assim, não obstante todos os esforços doutrinários e jurisprudenciais no sentido de se admitir o reenvio no Direito Internacional brasileiro, a norma brasileira em vigor não autorizou a prática. Pela regra, ficaram igualmente proibidos os reenvios, de primeiro ou segundo grau, sem qualquer exceção. Na doutrina, escreveu-se muito a favor e contra o reenvio. Vejamos: ● Contra o reenvio : A doutrina favorável à proibição entende que tal vedação coaduna-se com uma preocupação técnica de evitar que o juiz nacional, ao aplicar a lei estrangeira, busque outras normas que não aquelas de direito material indicadas pelas normas de conflito de leis no espaço. Oscar Tenório expõe seu entendimento: As regras sobre conflitos de leis têm uma função primária, mas não exclusiva: adota-as cada Estado para escolher a lei a aplicar. Constitui desvirtuamento dessa função sustentar que as normas de direito internacional privado existem também como dispositivos a serem admitidos pelo juízo estrangeiro nos casos de referência à lei de outra soberania. ● A favor do reenvio : Já outra parcela da doutrina e da jurisprudência brasileiras sempre se manifestou a favor de sua aceitação. A verdade é que, o Direito brasileiro, ao rejeitar o reenvio e possuir normas bilaterais rígidas, revela-se insuficiente para tratar as questões internacionais que se apresentem diante do ordenamento jurídico brasileiro. Ordem Pública Sobre a ordem pública, podemos dizer que ela é: ● Um conceito relativo com variações no tempo e no espaço. Embora não haja consenso sobre o conceito, cremos que podemos defini-la de modo genérico como sendo um mecanismo por meio do qual se visa a preservar alguns valores fundamentais de uma sociedade. ● Um conceito aberto que, necessariamente, precisa ser concretizado pelo juiz, quando este julgar uma causa de direito privado com conexão internacional, à qual seja aplicável o direito estrangeiro, conforme as normas do Direito Internacional privado da lex fori. No Direito Internacional Privado brasileiro, a reserva da ordem pública está expressa na Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, conforme redação dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, que dispõe: “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. De forma prática, ao julgar uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, se for aplicável o direito estrangeiro, o juiz assim não o fará, embora sendo o direito aplicável, se este violar, in casu, a ordem pública. Estaremos, então, diante de uma exceção da aplicação da lei estrangeira, assunto que trataremos a seguir. Exceções ou reservas à aplicação do direito estrangeiro A lex fori estabelece alguns motivos excepcionais que poderão afastar, pelo julgador, a aplicação direta ou indireta do direito estrangeiro. Esses motivos rompem com a ordem jurídica estrangeira, ficando o juiz autorizado aplicar apenas e tão somente a legislação local. Trata-se de motivos ligados à salvaguarda dos interesses fundamentais do Estado do foro e de seus cidadãos. Os limites à aplicação do direito estrangeiro existem para impedir que os juízes apliquem de olhos fechados uma norma estrangeira, apenas por ter sido indicada pelas regras da lex fori, sem analisarem se tal norma viola os princípios norteadores do sistema jurídico, a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. Ordem pública O primeiro e mais conhecido óbice à aplicação da lei estrangeira ocorre quando esta viola a ordem pública. Como vimos, o conceito de ordem pública é relativo, instável, com variações no tempo e no espaço. Observemos dois exemplos disso a seguir: ● Aquilo que no passado poderia ofender a ordem pública nacional, como por exemplo, o casamento de pessoas do mesmo sexo realizado no estrangeiro, deixa de causar ofensa a partir do advento de uma nova Constituição ou do reconhecimento da questão em causa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). ● Da mesma forma, o divórcio, que atualmente está de acordo com a moral básica pátria, não esteve até pouco mais de trinta anos atrás. Sendo assim, a violação da ordem pública deverá ser analisada no momento do julgamento da causa, ao tempo do processo, e não ao tempo dos fatos, tendo em vista que “não seria possível afastar a competência de lei estrangeira com fundamento em uma noção de ordem pública que não mais existe no foro ao tempo do litígio”. Normas imperativas Outra exceção na aplicação da lei estrangeira são as normas de aplicação imediata (ou imperativas), também conhecidas pela expressão francesa lois de police. O art. 166, VI, do Código Civil de 2002 concretiza essas normas como limites à validade dos negócios jurídicos ao afirmar ser “nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa”. Apesar da semelhança, as normas imperativas não se confundem com a exceção de ordem pública. Isso porque incidem imediatamente, ou seja, tais normas operam antes de qualquer indagação sobre qual norma será aplicada ao caso concreto. O juiz do foro não chega nem a utilizar o método conflitual, enquanto a exceção de ordem pública só é aplicada depois de ter o juiz nacional encontrado a norma estrangeira indicada pelo Direito Internacional da lex fori, quando então rechaça a aplicação da lei estranha “descoberta” pelo método conflitual. Direitos Fundamentais e Humanos Ainda sobre as exceções da aplicação da lei estrangeira, podemos falar sobre os Direitos Fundamentais e Humanos. É dever do juiz respeitar os direitos fundamentais (consagrados na Constituição) e os direitos humanos (previstos nos tratados internacionais respectivos de que o Estado é parte) das pessoas envolvidas nas questões com conexão internacional. Ademais, ambos esses direitos (fundamentais e humanos) têm primazia hierárquica na ordem jurídica doméstica, impedindo a validade (e a consequente eficácia) das normas nacionais e estrangeiras com eles incompatíveis. Controle de constitucionalidade e convencionalidade da lei estrangeira A Constituição e os tratados internacionais são balizas para a construção de um Direito infraconstitucional harmonioso e coerente. Assim, as normas jurídicas devem guardar conformidade tanto com a ordem constitucional como com a internacional. O controle de convencionalidade e o controle de constitucionalidade são fenômenos jurídicos semelhantes, entretanto, com parâmetros distintos. Vejamos: ● Controle de convencionalidade : Cuida de analisar o ato jurídico e sua compatibilidade diante de tratados internacionais. São chamados de controle de convencionalidade os casos● Direito interno : É aquele estabelecido dentro de uma comunidade política nacional – incluindo Direito estatal positivo, Direito costumeiro e Direito privado. ● Direito internacional : Regula as relações entre os Estados, e apenas entre os Estados iguais. As relações entre os Estados e suas subdivisões políticas não estariam incluídas. Tampouco as relações com os indivíduos, que não estariam sujeitos ao Direito Internacional. É, portanto, pela razão de que regula diferentes relações (apenas entre os Estados), que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno. As fontes do Direito Internacional não poderão jamais substituir as do Direito Interno, que devem agir por elas próprias. Um tratado internacional não é meio de criação do Direito Interno; no máximo constitui convite para que os legisladores domésticos criem seu Direito, como um ato particular de vontade do Estado. Não se pode dizer, por exemplo, que a publicação do texto de um tratado gera obrigações para os sujeitos do Direito Doméstico – pode ser, no máximo, que a publicação constitua forma de manifestação da vontade estatal e, assim, gere essas obrigações. Uma fonte de Direito Internacional não poderá, jamais, criar regras de Direito Interno, da mesma forma que uma regra de Direito Interno não poderá criar Direito Internacional. As comunicações entre as duas ordens só poderiam se realizar por meio de processos próprios a cada ordem jurídica e pela transformação da norma internacional em norma interna, ou vice-versa. Ou seja, um tratado não seria recebido pelo ordenamento interno, a não ser que passasse pelo processo de introdução formal que, ao seu fim, o “transformaria” em norma interna. A fonte do Direito Interno pode ser obrigada ou autorizada pelo Direito Internacional a criar (ou não) o direito. É a imposição de um dever internacional ao Estado. Para concretizar essa tarefa, o Direito Internacional precisa recorrer ao Direito Interno – afinal, só assim poderá realizar aquela obrigação na vida interna do Estado. Em um cenário de dualismo puro, o processo de produção da norma de Direito Interno, ainda que prevista ou autorizada pelo Direito Internacional, começará do zero, assim como a produção de qualquer outra norma fora da influência do Direito Internacional. Trata-se de um processo legislativo completamente independente. Na prática, para o dualismo puro, o que se exige para a efetiva recepção da norma de Direito Internacional no plano doméstico – entendida como uma norma separada, diferente e independente – é o seguinte processo: ● A norma internacional (ex.: um tratado), para que vincule o Estado no plano internacional, deve passar pelo processo de ratificação que, na maioria dos casos, exige uma manifestação positiva do Congresso Nacional, anterior ao depósito do instrumento de ratificação. ● Um novo processo legislativo se desencadeia para que a norma doméstica, com as devidas adaptações, seja discutida, deliberada e aprovada pelo Congresso (e pelo chefe do poder Executivo) e entre em vigor no plano doméstico. O dualismo moderado reconhece a necessidade de um ato formal de internalização, mas não, necessariamente, a “repetição” dos processos legislativos. Assim, no plano doméstico brasileiro, que adota esta corrente, exige-se a promulgação interna do tratado, por meio de um decreto presidencial executivo, que deve ser publicado ao final do processo de ratificação, para que aquela norma internacional adquira vigência plena no ordenamento doméstico. Esta promulgação (interna) ocorre em paralelo ao processo externo, em que os instrumentos de ratificação são depositados ou trocados, de acordo com a previsão do tratado em específico. Monismo Em resumo, a teoria monista sustenta que o Direito Internacional tem aplicação direta na ordem jurídica dos Estados, sem depender de qualquer processo de transformação ou incorporação das normas internacionais. O Direito Internacional e o Direito Interno seriam dois ramos dentro de um mesmo sistema jurídico. Hans Kelsen, um dos principais defensores do monismo, postula a unidade do sistema normativo porque seria impossível reconhecer o caráter obrigatório a dois sistemas jurídicos realmente diferentes (que decorram de duas fontes diferentes). Efetivamente, opera-se apenas com um sistema de normas – assim, não existiriam conflitos insolúveis entre normas e obrigações. Todos os conflitos aparentes poderiam ser resolvidos pelos seguintes critérios: ● critério cronológico : Uma lei posterior derroga uma lei anterior. ● critério hierárquico : Quando uma norma não respeitar sua norma superior, formal ou materialmente, ela será considerada nula. Existiriam duas formas de relacionamento entre sistemas normativos: a coordenação e a subordinação. Kelsen critica o dualismo porque este implicaria uma negação da natureza jurídica do Direito Internacional, afinal, seria impossível o reconhecimento mútuo da natureza obrigatória das regras de dois sistemas distintos. Assim, o Direito Internacional seria apenas uma forma de moral ou uma manifestação do direito natural. Na sua construção lógica, uma regra não pode ser considerada jurídica se não tiver como fonte de validade outra norma jurídica. Kelsen também critica a ideia de que não haveria conflitos porque os Direitos Interno e Internacional se ocupariam de objetos diferentes. A realidade é que sempre o objeto corresponderá às relações entre indivíduos, com a determinação de obrigações e direitos. Mesmo as relações entre Estados e entre Estado e indivíduos são, no fundo, relações entre indivíduos – indivíduos cujas obrigações ou direitos são imputados, por qualquer razão, ao Estado. O fato de que a conduta pode ou não ser imputada ao Estado não muda em nada a natureza da relação jurídica – são relações estabelecidas pelo direito entre atos individuais. As normas de Direito Internacional regulariam, portanto, diretamente as relações jurídicas entre os indivíduos. Nesse contexto de aplicação direta, seria inútil e até contraditório estabelecer mecanismos e processos, no Direito Doméstico, para que as normas internacionais se tornassem aplicáveis. Não haveria, portanto, processo de recepção formal para que as normas internacionais adentrassem o ordenamento doméstico. Importante norma internacional endossa o entendimento monista: o art. 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados prevê que “uma parte não pode invocar as disposições de seu Direito Interno para justificar o inadimplemento de um tratado.” Situações de conflitos são possíveis nesse contexto de um sistema jurídico único comportando normas internas e internacionais e, para tais conflitos, soluções são oferecidas por três correntes: ● Internacionalista ou radical : Propõe a supremacia do Direito Internacional sobre o Direito Interno. Nesse contexto, recorrendo à imagem da pirâmide, a própria Constituição estaria sujeita e buscaria sua legitimidade no Direito Internacional, sendo a norma fundamental pacta sunt servanda o ápice daquela pirâmide de normas. O Direito Interno, portanto, deriva do Direito Internacional e deverá ceder, em caso de conflito, em favor da ordem internacional. ● Moderada : Equipara hierarquicamente o Direito Interno e o Internacional, sujeitando a resolução dos conflitos ao critério cronológico (lex posterior derogat priori). Não haveria primazia de uma ordem jurídica sobre a outra, mas sim concorrência. ● Nacionalista : Defende a primazia do Direito Nacional de cada Estado soberano, sendo a adoção dos preceitos do Direito Internacional uma faculdade discricionária. A Constituição teria primazia e o Direito Internacional só é internamente obrigatório na medida em que e porque o Direito Interno o reconhece como vinculante. ● Definir os fundamentos do Direito Internacional Público a partir das principais correntes teóricas sobre o tema – o voluntarismo e o objetivismo – e dos ensinamentos de alguns dos principais autores da disciplina Voluntarismo e objetivismo no Direitode (in)compatibilidade legislativa com os tratados de direitos humanos (formalmente constitucionais ou não) em vigor no país. ● Controle de constitucionalidade : Cuida de verificar a compatibilidade de acordo com a Constituição Federal. Deve-se chamar de controle de constitucionalidade apenas o estrito caso de (in)compatibilidade vertical das leis com a Constituição. ● Identificar as questões processuais envolvendo o Direito Internacional Privado Processo Civil Internacional Como já vimos, jurisdição é poder; competência é a capacidade de exercer poder outorgada pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. O direito fundamental ao juiz natural implica juiz imparcial e investido de competência absoluta (art. 5º, XXXVII e LIII da CF), razão pela qual não há processo justo diante de juiz absolutamente incompetente. Sendo assim, a competência absoluta torna-se um requisito de validade do processo e, por conseguinte, uma decisão proferida por órgão jurisdicional absolutamente incompetente é passível de ação rescisória. Competência internacional Quando uma relação jurídica de direito privado possui conexão internacional, o juiz determina, em primeiro lugar, o Direito aplicável, para poder, em seguida, decidir a lide sub judice materialmente. Ocorre que, antes de se iniciar todas essas etapas, cabe lembrar que a Justiça brasileira deve, antes de qualquer análise do teor e da aplicação da norma estrangeira, ser competente para resolver a demanda. Disso se conclui que a competência internacional do juiz doméstico é um pressuposto de aplicabilidade do DIPr no Estado, sem o que se torna inútil investigar a regra de conflito e localizar o direito aplicável. No Código de Processo Civil de 2015: ● Artigos 21 a 25 : Estabelecem os limites da jurisdição nacional (regras). ● Artigos 21 e 22 : Enumeram as hipóteses de competência concorrente (relativa, cumulativa) da Justiça brasileira, aquelas que admitem possa a questão ser também julgada pela Justiça estrangeira. ● Artigo 23 : Enumera as hipóteses de competência exclusiva (absoluta, não cumulativa) do Judiciário pátrio, que excluem a possibilidade de atribuição de efeitos a qualquer decisão de tribunal estrangeiro sobre a mesma lide. Se a competência internacional é concorrente, pode haver homologação da decisão estrangeira no Brasil pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a fim de obter-se eficácia e efeitos na ordem jurídica interna. Ademais, não é demasiado afirmar que os requisitos para a dita homologação são (art. 963, CPC): ● Haver sido a decisão proferida por autoridade competente. ● Terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia. ● Ser eficaz a decisão no país em que proferida. ● Não ofender a coisa julgada brasileira. ● Estar traduzida por tradução oficial, salvo dispensa em tratado. ● Não ofender a ordem pública. Dado que não serão homologadas no Brasil decisões que ofendam a soberania ou a ordem pública (art. 963, IV e VI, CPC e art. 6, Resolução 09, de 2005, STJ), em sendo o caso, cabe à Justiça Federal concretizar as decisões estrangeiras depois de homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 109, X, CF). Por outro lado, se a competência é exclusiva, a eventual decisão estrangeira é ineficaz perante a nossa ordem jurídica. Litispendência internacional e cláusula de eleição de foro estrangeiro Paralelamente à competência internacional, os ordenamentos jurídicos admitem, por vezes, que as partes — em virtude da autonomia da vontade — possam derrogar ou prorrogar a competência de autoridades judiciárias. A eleição de foro mostra-se, dessa maneira, igualmente relevante como causa modificativa da competência internacional para o processo civil internacional. O art. 25, caput, do CPC/2015, prevê uma hipótese em que não competirá à autoridade judiciária brasileira o processamento e julgamento da ação, qual seja: quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação (sob pena de preclusão). Nesse caso, mesmo tendo a Justiça brasileira competência (concorrente) para o julgamento da causa, há de ser afastada em razão da autonomia da vontade das partes. Isso, no entanto, não significa afirmar que o juiz nacional não poderá analisar uma possível abusividade da cláusula de eleição de foro internacional. Dito doutra forma: o magistrado poderá não aplicar a dita cláusula, caso entenda ser abusiva. Decerto, pois, se é do interesse do réu fazer valer a cláusula de eleição de foro, invocando-a em sua contestação (art. 25, CPC), poderá o autor, no prazo para a réplica, invocar também essa abusividade, sob pena de preclusão (art. 63, § 4, CPC). Findo o prazo da réplica, sem manifestação do autor, a questão da abusividade fica superada, não podendo mais o juiz ter conhecimento da questão, de ofício ou por provocação, devendo extinguir o processo, para que a causa tramite perante a jurisdição eleita pelas partes. Importante ressalvar que, em se tratando das matérias enumeradas no art.23, CPC, a eventual cláusula de eleição de foro em contrato internacional não é reconhecida para a jurisdição brasileira, não afastando a competência nacional para conhecer das seguintes causas (art.25, §1, CPC): Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; III - em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. Em relação à litispendência, dispõe o art. 24, caput, do CPC/2015, que a “ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil”, complementando seu parágrafo único que “a pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil”. Havendo tratados a determinar regra diversa sobre competência, é evidente que suas disposições terão prevalência às leis internas (CPC, LINDB e demais normas domésticas). Cooperação internacional O Código de Processo Civil reservou o Capítulo II, Título II, do Livro II (“Da função jurisdicional”) da Parte Geral à Cooperação Internacional, assim como regulou, de modo mais minucioso do que o CPC de 1973, o Processo de Homologação de Sentença Estrangeira no Capítulo VI, Título I, do Livro III (“Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”). O art. 26, caput e §1º, dispõe que a Cooperação Jurídica Internacional será regida por tratado do qual o Brasil faça parte ou, em sua ausência, com base na reciprocidade. Cabe aos tratados internacionais disciplinar a cooperação internacional, não sendo atribuição do Judiciário analisar a conveniência da extensão oferecida a essa cooperação. ● Relacionar o Direito Internacional Privado com o Direito de Família Direito de Família no Direito Internacional Privado É por demais consabido que, no DIPr, segundo dispõe o caput do art. 7º da LINDB, são aplicadas as regras atinentes ao Direito da Família segundo o critério da lei do domicílio da pessoa. Todavia, havendo previsão contrária na norma convencional, esta se sobrepõe à norma processual nacional, dado haver a prevalência da norma convencional (normas oriundas de convenções que o Brasil faz parte) sobre as normas processuais internas, podendo-se afirmar que há uma supremacia da norma internacional sobrea nacional, determinada pela própria norma processual interna (art. 13 do CPC). Desse modo, analisaremos o entrelaçamento entre as normas do casamento e o DIPr, o que significa dizer, mais detidamente, que estudaremos: ● A aplicação do DIPr na celebração e no fim dos casamentos de estrangeiros domiciliados no Brasil e de brasileiros domiciliados no exterior, nomeadamente os requisitos de validade desses casamentos. ● A adoção internacional e o deslocamento ilícito de menor no cenário internacional. Celebração e fim de casamento de estrangeiros no Brasil Sem dúvidas, dentre os diversos equívocos havidos na aplicação do DIPr, tratar das normas do casamento realizado no Brasil é o menor de seus problemas. Isso porque o §1º do art. 7º da LINDB clareia-nos — sem qualquer aporia — que, sendo o casamento realizado no Estado brasileiro, as normas nacionais relativas ao casamento (contidas no Código Civil a partir do art. 1.511ss) deverão ser seguidas para a celebração de casamento de nacionais ou estrangeiros, domiciliados ou não no Brasil. Vejamos a seguir: ● Ensina-nos Maria Helena Diniz, diante do regramento exarado pela regra do locus regit actum, todos que se casam no Brasil devem respeitar as normas estabelecidas pela legislação brasileira, ou seja, deverão fazer prova de que não há impedimentos para as núpcias e de que estão em condições de contraí-las, tudo para o fim de evitar a realização de casamentos com afronta às leis locais. ● Do mesmo modo, chegado o fim do casamento, os cônjuges casados e com domicílio aqui no Brasil (nacionais ou estrangeiros) serão submetidos ao judiciário brasileiro para dirimir seu litígio de divórcio, salvo se houver cláusula de eleição de foro — com o assentimento de ambos — a submeter o divórcio a outro país estrangeiro. Ademais, ainda há a hipótese de casais domiciliados no Brasil, embora casados no exterior, eleger a competência da Justiça Civil brasileira, face à regra domiciliar prevista no art. 7º da LINDB. Celebração e fim de casamento de brasileiros no estrangeiro Balladore Pallieri (1974, p. 189-192) diz-nos que, pela lex loci celebrationis, o regramento previsto para a celebração e validade do casamento será previsto no domicílio onde fora realizado a celebração, pelo que os casamentos de brasileiros realizados no exterior terão que seguir as normas da lei local, independentemente da nacionalidade dos nubentes, inclusive se a lei local do país estrangeiro contiver menos exigências legais para os matrimônios do que a lei brasileira. Respeitada a lei de casamento do país da celebração, este será plenamente válido no Brasil, seja qual for a modalidade de sua celebração, observando, contudo, a determinação contida no art. 1.544 do CC, que veremos a seguir nos casamentos consulares, quando do regresso de um dos cônjuges ao Brasil. Destaca-se, ainda, a possibilidade de haver o casamento consular, quer seja na hipótese de brasileiros no exterior, quer seja no caso de estrangeiros no Brasil, quando os nacionais se casam perante as autoridades consulares de seus respectivos países. Pois, ao abrigo do art. 5º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1963, em vigor no Brasil desde 10 de junho de 1967 por força do Decreto nº 61.087 do mesmo ano, dispõe, em sua alínea f, que as funções consulares consistem em: “agir na qualidade de notário e oficial de registro civil, exercer funções similares, assim como outras de caráter administrativo, sempre que não contrariem as leis e regulamentos do Estado receptor”. Notabilize-se que a mais-valia dessa previsão concerne à conservação das tradições casamentarias de cada país, face a impor-se uma exceção à lex loci celebrationis, isto é, a esses casamentos aplica-se a lei do Estado dos nubentes (lei de suas nacionalidades). Pois bem, quanto aos brasileiros no exterior, além de celebrar o casamento, as autoridades consulares também: (...) poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. Eduardo Espínola, por meio de uma interpretação da redação dos arts. 7º e 18 da LINDB, assevera que para haver um casamento consular de brasileiros no exterior ambos necessitam ter nacionalidade brasileira, e não apenas um nubente, isso porque o §2º do art. 7º determina que o casamento só poderá ocorrer “perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”, bem como o art. 18, confirma esta lógica do sistema da LINDB, ao afirmar “tratando-se de brasileiros”. Agora vejamos sobre os dois tipos de matrimônio dos quais falamos: ● Brasileiros em terras estrangeiras : Uma vez efetivando-se o matrimônio em terras estrangeiras, caso um dos cônjuges regresse ao Brasil, é necessário observar o comando contido no art. 1544 do CC, a saber: "O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir". (Código Civil, art. 1544) ● Estrangeiros no Brasil : Quanto aos estrangeiros no Brasil, por lógica-consequencial interpretativa da Convenção, se é permitido aos brasileiros casarem-se perante as autoridades consulares brasileiras, é também permitido aos estrangeiros celebrarem casamentos consulares em seus respectivos consulados. Pois é o que consta no §2º do art. 7º da LINDB, a ver: “o casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”. Ou seja, a lei que regerá o casamento (capacidade, regime de bens, impedimentos etc.) será a do país dos cônjuges e não a norma brasileira. A prestação internacional de alimentos O Protocolo da Haia de 23 de novembro de 2007 sobre a lei aplicável às obrigações alimentares, traz disposições acerca da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e execução das decisões e da cooperação em matéria de obrigações alimentares, de modo a regular regras próprias aplicáveis em matéria de alimentos nas relações plurilocalizadas. A seguir, faremos uma breve análise do regulamento e das novas soluções que dele resultam para a disciplina das obrigações de alimentos nas relações plurilocalizadas nos Estados-partes da Conferência da Haia (CH) que se encontram vinculados àquele instrumento. A norma convencional internacional tem como objetivo fulcral a proteção do credor de alimentos, “parte mais fraca nesta relação”, ao colocar diversos foros à sua disposição, os quais o credor poderá utilizar para fazer valer, contra o devedor, a sua pretensão, em um procedimento rápido e acessível para salvaguardar o “superior interesse da criança”. Vejamos: Desejando melhorar a cooperação entre os Estados para a cobrança internacional de alimentos para crianças e outros membros da família; conscientes da necessidade de dispor de procedimentos que produzam resultados e que sejam acessíveis, rápidos, eficientes, econômicos, adaptáveis a diversas situações e justos. Desejando aproveitar os aspectos mais úteis das Convenções da Haia vigentes, assim como de outros instrumentos internacionais, particularmente a Convenção das Nações Unidas sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 20 de junho de 1956; pretendendo beneficiar-se dos avanços tecnológicos e criar um sistema flexível e adaptável às novas necessidades e às oportunidades oferecidas pelos avanços tecnológicos. Ou seja, será observado, designadamente, se o país em questão aderiu à CH, pois a prestação internacional de alimentosé efetivada no âmbito desse tratado, por meio de um sistema eficiente de cooperação entre os países e da possibilidade de diligências para ações que já estejam em andamento, do envio de pedidos novos de obtenção de decisões de alimentos, bem como da modificação de decisões ou do seu reconhecimento e execução. Cabe, por isso, e antes de mais, delinear o âmbito de aplicação da CH para sabermos se ela se aplica a um eventual pedido de alimentos quando as partes residirem em Estados diversos. O art. 2º nos responde quanto ao âmbito de aplicação da CH, pois diz os tipos de alimentos que são abrangidos pela Convenção, assim como possibilita o Estado-parte limitar a aplicação da CH, o que é denominado direito de estender ou limitar a aplicação da Convenção. Uma vez traçado o âmbito de aplicação, para sabermos se a CH terá lugar num caso concreto, apontaremos dois conceitos que se entrelaçam: Seguindo as regras de competências gerais das normas convencionais, para que um pedido seja aceito noutro Estado, é necessário que o demandante resida em um Estado-parte da Convenção. Desse modo, se o devedor de alimentos não residir em um Estado contratante, ou, no caso de um demandado, que é um devedor, não possuir ativos ou renda em um Estado contratante, o demandante não poderá usar a Convenção. Por outro lado, de acordo com a ideologia da CH (sendo o credor a parte mais fraca), ainda que o demandante credor não tenha domicílio em algum Estado-parte, porém o devedor de alimentos resida ou possua ativos em um Estado contratante, o demandante poderá fazer um pedido direto a uma autoridade competente no Estado do demandado para obter assistência. À vista disso, resta-nos responder à seguinte questão: quais pedidos poderão ser realizados ao abrigo da CH? Veja os principais dispostos no art. 10 da CH: ● Pedido de execução : Nada mais é do que o requerente solicitar a execução de um dever de prestação de alimentos que obteve no Estado requerido. ● Pedido de reconhecimento ou de reconhecimento e execução : Refere-se à situação de o credor já ter seu direito aos alimentos do devedor reconhecido em seu Estado-parte de domicílio e desejar a execução da decisão no Estado-parte do devedor. É de se ressaltar, ainda, que o demandante não precisará solicitar uma nova decisão do Estado requerido, mas sim o reconhecimento da decisão e sua execução. ● Pedido de estabelecimento de uma decisão de prestação de alimentos : ● Pedido de modificação : Já há uma decisão de alimentos em um Estado-parte, todavia o demandante quer alterar esta decisão em função de o demandado residir em outro Estado contratante. Evidentemente, tudo o que falamos até aqui terá efetividade por meio da Autoridade Central de cada Estado-parte, ou seja, do órgão de cada Estado responsável por transmitir e receber tais pedidos, iniciar ou facilitar o início de procedimentos relativos a esses pedidos, tais como: ajudar a localizar o devedor ou o credor; facilitar a cobrança e a rápida transferência dos pagamentos de alimentos; dentre outras medidas dispostas no art. 6º da CH. Adoção internacional A adoção internacional envolve diversas legislações (nacionais e internacionais) no atendimento de sua finalidade precípua (caridade, amor, família etc.). Pensando nisso, deve ser realizada da maneira segura e responsável, de modo a impedir qualquer outro interesse disfarçado (poder, egoísmo, dinheiro, falsidades e tráfico internacional de menores), que não seja unicamente o interesse superior da criança. Sendo assim, a adoção internacional conta com o seguinte arcabouço jurídico-legislativo: ● A lei de introdução ao código civil; ● O próprio código civil vigente; ● A convenção de Haia relativa à proteção das crianças e a cooperação em matéria de adoção internacional; ● A convenção interamericana convenção interamericana sobre conflitos de leis em matéria de adoção de menores; ● O código bustamante; ● O estatuto da criança e do adolescente; De forma simplificada, abordaremos também o ECA, a LINDB e a CH, que são legislações bastante usuais. Os procedimentos a serem observados pelos pretendentes (adotantes) dependerão da residência do adotado e do(s) adotante(s) se localizarem em diferentes países, como assim dispõe o art. 2º da Convenção de Haia, promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21 junho de 1999. No contexto de adoção, é possível ter adotantes de nacionalidade brasileira e adotado de nacionalidade brasileira e, ainda assim, trata-se de uma adoção internacional. A princípio, conforme o art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lex domicili regula a adoção, “a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. Comunicando-se com a legislação nacional, a CH estabeleceu como elemento de conexão pessoal para adotante e adotando a lei da residência habitual, em seus respectivos países, o que significa utilizar lei aplicável às condições e aos requisitos a serem atendidos para a adoção internacional, ou seja, que estabeleça vínculo de filiação. Os arts. 4º e 5º dispõem quais são os requisitos que deverão ser cumpridos pelas autoridades competentes do Estado de origem e pelo Estado de acolhida, para que haja, portanto, a adoção internacional. Por exemplo, são as autoridades competentes do Estado de origem do adotando que: ● Determinam que o menor até dezoito anos é adotável, depois de verificar a impossibilidade da adoção em seu próprio estado; ● Asseguram uma adoção em seu próprio estado; ● Asseguram uma adoção internacional, atendidas as exigências quanto ao consentimento da criança e, conforme o caso, sua oitiva, ao bem-estar do adotado. Quanto aos requisitos dos adotantes, cabe às autoridades do Estado de acolhida do menor assegurar a possibilidade da adoção e a autorização da criança para entrar e residir permanentemente no Estado de acolhida. Além disso, é preciso também cumprir com o disposto nos arts. 42 e 52 do ECA, os quais delineiam uma série de pressupostos e impedimentos à adoção nacional e internacional. Corroborando com o direito pátrio brasileiro, a CH não atribui a nacionalidade aos adotados, pois a soberania dos Estados determina a quem e como atribui-se a nacionalidade, mas reconhece que: “a criança gozará, no Estado de acolhida e em qualquer outro Estado contratante no qual se reconheça a adoção, de direitos equivalentes aos que resultem de uma adoção que produza tal efeito em cada um desses Estados” (Convenção de Haia, art. 26, §2º). Não obstante ao facto de não haver uma naturalização da criança, ao chegar ao Brasil, a criança adotada por brasileiros residentes aqui não estará desemparada quanto aos trâmites imigratórios, pois, conforme o art. 52-C do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), será expedido um Certificado de Naturalização Provisório. Vejamos o que dispõe o normativo legal mencionado: Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório. Por fim, mas não menos importante, destaca-se que que os arts. 37 e 38 da Convenção versam, respectivamente, sobre os casos de aplicação da CH nos Estados com sistemas jurídicos plurilegislativos interpessoais e interterritoriais. O sequestro internacional de menores e a Convenção sobre os aspectos civis do sequestro internacional de menores No contexto do fenômeno da globalização, difundindo relações comerciais, movimentos migratórios, bens e serviços, nomeadamente intensificou-se a internacionalização das relações sociais. Mais detidamente, houve uma internacionalização das relações familiares. Além disso, à medida que aumentaramcasamentos e uniões transfronteiriças (entre pessoas de nacionalidades diferentes), as rupturas de uniões e casamentos internacionais também se elevaram. Com isso, surge um problema: a deslocação ilícita de menor. Por muitas vezes, fracassado o casamento, um progenitor decide regressar para o seu Estado de origem, levando seus filhos consigo sem o consentimento do outro, fenômeno conhecido como sottrazione internazionale di minore — subtração internacional de menor. Sobre isso, a jurista Tascón destaca a importância de se ter cuidado ao denominar o fenômeno deslocamento ilícito do menor, a fim de evitar “uma possível confusão entre esse fenômeno e uma realidade bem distinta, como é o caso de prisões ilegais e sequestros, caracterizados pela privação da liberdade de circulação (ir e vir) de uma pessoa; resultando, conseguintemente, estranho que se utilize como sinônimo de subtração parental de menores o termo sequestro” (tradução do autor). Para que não haja confusões terminológicas, adotaremos como expressão do fenômeno “deslocação e retenção ilícita de menor”, limitando a questão apenas aos aspectos processuais desse fenômeno. Entretanto também poderemos usar as expressões: ● Subtração ilegal de menor ● Deslocamento ilícito de menor EXEMPLO: Considere um casal em que a mãe é brasileira e o pai é espanhol. O filho do casal nasceu na Espanha, onde viveu até seus 8 anos. A mãe, com a autorização do pai do menor, programa uma viagem de quinze dias e vai ao Brasil para visitar seus familiares. Passados 15 dias, no entanto, a mãe – alegando problemas no casamento – decide não voltar para a Espanha. A deslocação ilícita do menor pode ocorrer em três cenários diferentes: 1. Durante o casamento – quando há convivência entre os cônjuges e, portanto, a guarda é normalmente exercida por ambos. 2. Antes da formalização do divórcio e da determinação da guarda – quando o casal já se encontra separado e um deles decide, unilateralmente, deixar o país de residência com os filhos e sem o consentimento, ou mesmo o conhecimento, do outro. 3. Após a determinação da guarda – quando o genitor preterido resolve subtrair a criança e levá-la para junto de si, afastando-o do guardião legal. Diante da necessidade de o ordenamento jurídico dar respostas adequadas à evolução dos conflitos nessa sociedade internacionalizada, a processualística do Direito Internacional provado da Família desenhou mecanismos processuais disponíveis na Convenção de Haia de 1980, de modo a promover a segurança jurídica do menor no plano internacional. Tais mecanismos definem a competência principal para proferir a decisão de guarda em um conflito transfronteiriço. Tendo como base estruturante a cooperação jurídica internacional, a norma convencional delineia um procedimento expedido para o retorno do menor ao seu país de residência habitual. Vamos refletir: Se consideramos a Convenção de Haia de 1980, quando ocorre uma deslocação ilícita? Para começar, é necessário destacar que, como é sabido, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe que as escolhas que definem a criação de quaisquer crianças são atributos dos pais, a quem cabe, em paridade, o exercício do poder familiar em relação aos filhos, conforme o art. 226, § 7º, da CFRB de 1988. Logo, como aponta PATAUT, podemos deduzir da redação do artigo citado: Resumindo Verifica-se a deslocação ilícita quando há a violação da vida familiar por parte de um dos progenitores, ou seja, diz respeito ao momento no qual a criança é transferida ilegalmente de sua residência habitual, situada em um dos Estados contratantes, para outro Estado contratante, quebrando a guarda anteriormente exercida ou, então, impedindo o direito de visita, violando-se, portanto, o direito de guarda (art. 3º da CH de 1980). Portanto, qual é a finalidade precípua da CH? A pedra angular desta norma convencional é a proteção e promoção do superior interesse do menor, consubstanciado no retorno imediato do menor ao país de residência habitual, por meio de um procedimento de cognição sumária, não havendo qualquer apreciação de mérito sobre o exercício das responsabilidades parentais ou sua alteração, mas, tão somente, avaliar se o deslocamento é ilícito e, se sim, determinar o regresso imediato ao Estado de origem. Para tanto, parte-se da premissa de que o deslocamento ilícito de uma criança a um outro país desconhecido é para ela demasiadamente prejudicial (traumático) pelos seguintes motivos: ● Privação precoce do seu ambiente familiar e social “afetar diretamente o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional, social e moral do menor” ● Violação do princípio ex injuria non oritur ius, isto é, não convalida um ato ilícito (deslocação do menor em violação do poder de guarda) em lícito (deixar com que o progenitor fique no país que fora ao deslocar o filho ilicitamente), de maneira a garantir o direito de visita àquele que teve sua convivência prejudicada por decisão judicial, direito expresso desde o seu preâmbulo. Ou seja, tendo como premissa o “superior interesse da criança”, pressupõe-se que o seu retorno imediato corresponde objetivamente para seu melhor interesse e, consequentemente, impõe-se urgência na tramitação da ordem de regresso no país de refúgio devido à rápida evolução de maturidade dos menores e ao risco de adaptação ao novo meio. Skoler (1998, p. 564) critica de maneira veemente a exceção trazida pelo art. 13 da Convenção. Por isso, escreve que há uma necessidade de “interpretação restrita do artigo”, de modo a compatibilizar com a finalidade desta norma jurídica: a devolução da criança para a jurisdição de onde foi retirada. Além disso, levando em consideração a “cultura do juiz que decide o variado naipe de fórmulas visando ao enquadramento nas exceções formuladas no referido dispositivo da Convenção”, poderá haver muitos obstáculos ao retorno do menor. Apesar desse posicionamento doutrinário – e da jurisprudência de outros países –, a jurisprudência brasileira faz da exceção a regra, isto é, geralmente recusa a entrega da criança abduzida pela mãe. A argumentação baseia-se na adaptação do menor trazido para o Brasil, ao passo que defende que a família brasileira é considerada o melhor ambiente para o desenvolvimento da criança, em vez de apenas afirmar a necessidade de manter a criança com a mãe. A essa fundamentação, soma-se a alegação de que se deve evitar uma "nova ruptura" dos laços afetivos importantes para o menor, pois isso poderia acarretar danos psicológicos irreparáveis. Nesse sentido, tem-se a decisão em Recurso Especial 1.239.777/STJ/PE (2010/0180753-9).Internacional A discussão sobre a fundamentação do Direito Internacional Público é um esforço para determinar os fatos que atribuem a natureza obrigatória, no senso jurídico, às normas e aos princípios do Direito Internacional. A doutrina voluntarista tem uma base positivista e extrai a obrigatoriedade do Direito Internacional do consentimento ou da vontade comum dos Estados. O Direito Internacional Público seria obrigatório porque os Estados, expressa ou tacitamente, assim o desejam e querem. Como afirma Mazzuoli (2010, p. 90), “o seu fundamento encontra suporte na vontade coletiva dos Estados ou no consentimento mútuo destes, sem qualquer predomínio da vontade individual de qualquer Estado sobre os outros”. No plano do Direito Internacional, essa corrente teórica enfrenta o desafio de explicar se o Estado soberano se vincula apenas à sua própria vontade. Surgem teorias para explicar este dilema. Vejamos duas delas: ● Autolimitação do Estado : Teoria de Georg Jellinek, a qual propõe a origem do Direito Internacional na disposição dos Estados de se autolimitar na relação com outros Estados, fazendo isso em seu próprio interesse para atender às necessidades da sociedade internacional da qual é membro (por exemplo, impedir conflitos e promover a cooperação). ● Vontade comum : Teoria de Heinrich Triepel, a qual funda o Direito Internacional Público não na vontade individual dos Estados, mas na vontade comum, resultado da fusão de vontades dos membros da sociedade internacional. Já a doutrina objetivista afirma o seguinte: (...) a obrigatoriedade do Direito Internacional advém da existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento jurídico estatal, uma vez que a sobrevivência da sociedade internacional depende de valores superiores que devem ter prevalência sobre as vontades e os interesses domésticos dos Estados. Buscar a obrigatoriedade do Direito Internacional fora da vontade dos Estados leva a um esforço de análise que envolve outras disciplinas não jurídicas, como a Sociologia e a História, desembocando, também, no direito natural. Aqueles que se atêm ao direito natural dão primazia a valores morais, extraídos da ordem natural, utilizando conceitos mais ou menos vagos, como, por exemplo: ● Conceitos mais vagos : Justiça e ética ● Conceitos menos vagos : Obrigação de respeitar os compromissos assumidos e reparar danos injustamente causados Os defensores do positivismo sociológico explicam a obrigatoriedade do Direito Internacional em função das necessidades sociais, a partir das quais surgem normas que se tornam jurídicas pela sua aceitação coletiva, o que poderia ser transposto para o plano internacional. Princípios do Direito Internacional Público e jus cogens Os princípios gerais de Direito são reconhecidos como uma das fontes do Direito Internacional Público pelo próprio Estatuto da Corte Internacional de Justiça que oferece uma lista balizada de fontes em seu artigo 38. A sua importância repousa na necessidade de se preencher eventuais lacunas que poderiam impedir a resolução de controvérsias – é a chamada proibição do non liquet. ● Uns afirmam tratar-se de postulados do direito natural que estariam por trás do sistema de Direito Internacional e constituiriam o critério de validade das normas positivas. ● Outros, principalmente os positivistas, tratam dos princípios como reiterações, subitens do direito costumeiro e dos tratados, sem trazer, por si, inovações significativas. De modo geral, se reconhece que os “princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” são fontes autônomas do Direito Internacional, mas com alcance limitado, como é reconhecido pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça. Nessa jurisprudência é possível identificar alguns princípios já explicitados: ● O dever de reparação em resposta a um ato contrário ao Direito Internacional. ● O respeito à coisa julgada. ● O princípio da preclusão. ● O respeito aos direitos adquiridos. ● O princípio da boa-fé. O conceito de jus cogens baseia-se na ideia de que existem valores fundamentais e superiores dentro do sistema normativo internacional, os quais não poderiam ser afastados, substituídos ou eliminados a partir de manifestações volitivas por parte dos Estados que o compõem. Encontra-se explicitado no art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. A constituição de uma norma desse tipo se dá em dois estágios: ● A proposição se firma como uma norma de Direito Internacional geral. ● Ganha aceitação como uma norma imperativa pelos membros da sociedade internacional. A aceitação universal é fundamental para que esta norma jurídica alcance o estágio de constituição de uma norma jus cogens. Nesse processo de formação e constituição de novas normas de jus cogens, a Convenção de Viena de Direito dos Tratados prevê o que acontecerá com normas anteriores que, porventura, não se coadunem com os seus preceitos – prevê o art. 64: Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se. Natureza do Direito Internacional: Carl Schmitt, Hans Kelsen, Herbert Hart e Ronald Dworkin Carl Schmitt localizou o fundamento do Direito Internacional na necessidade de se ordenar o espaço. De forma geral, o Direito tem uma relação direta com o espaço, determinando como ele é distribuído e como seus recursos são aproveitados. Não é diferente com todas as ordens internacionais na história. A origem do Direito Internacional estaria justamente nas divisões territoriais que delimitam o espaço e diferenciam o interior do exterior, o eu do outro. Durante séculos, até a Primeira Guerra Mundial, uma ordenação centralizada na Europa Ocidental (que dominava o restante do globo), na soberania absoluta e na premência dos Estados territoriais havia vigorado. A partir de 1914, esta ordenação teria caído por terra. No entanto, deu origem à necessidade de novos modelos de organização. A formulação do universalismo humanista da Liga das Nações seria incapaz de oferecer essa ordenação, pois se encontrava entre os dois extremos: não havia constituído um Estado mundial capaz de pôr fim às divisões territoriais, tampouco construiu uma ordem baseada nos Estados soberanos, já que se mostrava por demais idealista. Com um realismo particular, Schmitt propôs, assim, uma nova divisão espacial que reconhecesse a hegemonia de determinadas potências sobre regiões do globo. A doutrina Monroe é um exemplo disso. O Direito Internacional deveria funcionar para sustentar determinado status quo territorial. Nesse sentido, “a força jurídica da ordem internacional da modernidade emerge da terra, de uma determinada ordenação que se sente comum e que se entende ser bom conservar”. O sentimento de pertencimento a um espaço comum – ordenado de uma forma particular – obriga o Estado, até porque este está convencido da conveniência de se manter aquela ordenação. Ao desenvolver a chamada teoria pura do Direito, Hans Kelsen pretendia despojá-lo de todas as considerações e elementos externos, como a questão da justiça, da política, da Sociologia e da História. Pretendia, assim, definir o Direito unicamente em função de seus elementos internos, como uma ciência normativa, feita de normas que determinam padrões de comportamento. Cada norma depende, para sua validade, de uma norma anterior, de modo que o processo continua até que se alcance a chamada norma fundamental de todo o sistema, que alicerça o sistema jurídico, dandoo caráter jurídico às normas que dela dependem. No plano lógico da busca por uma norma fundamental, no Direito Internacional, esse esforço recai sobre o costume como fonte do Direito e, mais especificamente, sobre a norma costumeira pacta sunt servanda, a qual prescreve que os compromissos assumidos devem ser cumpridos de boa-fé. Sobre esta norma, todo o restante do ordenamento jurídico internacional se assentaria. Herbert Hart retoma o positivismo, mas oferece um quadro mais sociológico. Afinal, ele compreende o Direito como um sistema de normas baseado na interação entre normas primárias e secundárias: ● Normas Primárias : Detalham padrões de conduta. ● Normas secundárias : Oferecem os meios pelos quais esses padrões podem ser identificados e desenvolvidos (e alterados). As sociedades primitivas possuíam, de acordo com essa lógica, somente normas primárias, o que geraria incerteza, ineficiência e estagnação. A sofisticação da sociedade levaria ao desenvolvimento de normas secundárias, de modo a identificar a autoridade responsável por ditar as normas de conduta e o processo por meio do qual estas se adaptariam às circunstâncias da vida, de modo ordeiro e previsível. O ordenamento jurídico internacional constituiria um exemplo de sociedade primitiva no qual, considerando a ausência de um poder legislativo centralizado, de um conjunto de tribunais com jurisdição compulsória e de meios organizados para a imposição das leis, só existiriam normas primárias. Não haveria, ainda, norma fundamental ou de reconhecimento que servisse de parâmetro de validade para todas as outras normas. Em conclusão, Hart postula que as “regras do Direito Internacional não constituem ainda um ‘sistema’, mas configuram tão-somente um ‘conjunto de normas’”. Ronald Dworkin não aceita o consentimento autolimitante dos Estados como a base do Direito Internacional, preferindo um retorno à concepção parcialmente moral da disciplina. No entendimento de Dworkin, os Estados teriam uma obrigação geral de ampliar sua própria legitimidade política. Como o Direito Internacional é parte do sistema coercivo que os Estados impõem aos seus cidadãos, esse dever inclui ampliar a legitimidade da ordem legal internacional. Isso poderia ser feito por um esforço para minimizar as deficiências e os riscos que a soberania sem restrições produz. Mais especificamente, os Estados devem proteger os Direitos Humanos, garantir a assistência da comunidade internacional em caso de invasões ou ameaças externas contra a independência de um Estado, promover a cooperação internacional e promover a participação política das pessoas em seus próprios governos. O dever de minimizar as imperfeições do sistema estatal baseado na soberania é um princípio estrutural do Direito Internacional, assim com o princípio da saliência, de acordo com o qual o Estado tem o dever de aderir a normas consensuais que emerjam, caso elas contribuam com aqueles objetivos acima referidos. Afinal, isso promoverá a legitimidade da ordem legal internacional. Fonte� d� Direit� Internaciona� Públic� ● Identificar as fontes do Direito Fontes do Direito As investigações sobre a origem dos objetos, as curiosidades acerca do mundo natural à nossa volta, assim como as inquietações sobre as questões e problemas sociais nos conduzem a uma indagação ontológica básica: Qual é a origem de X? Há uma relação de causalidade entre antecedente e consequente: ● X é a causa de Y; ● Z é a causa de X; ● A é a causa de Z. Regressivamente, isso nos leva a indagar sobre o nascimento de Z, sobre a forma como surge, como brota, como emerge. Também o Direito, como prática social, normatividade institucional formal e sistema coercitivo de determinação da conduta possui as suas fontes ou, pelo menos, as suas investigações acerca de suas origens. Quando tratamos da temática das fontes do Direito, perguntamos: por meio de quais processos sociais, formais, materiais, institucionais ou espontâneos é possível dar origem a uma prática social, norma ou institucionalidade a qual reconhecemos como portadora de juridicidade? Tratar das fontes do Direito é tratar da forma pela qual é possível dar origem ao Direito. Neste módulo, especificamente, iremos identificar e reconhecer as fontes do Direito Internacional, bem como as suas definições, regras e especificidades. Mediante este aprendizado, será possível compreender por que determinada norma de Direito Internacional foi aplicada ou não diante de um caso concreto. O que é uma fonte do Direito? O primeiro passo a ser dado consiste em retomarmos as definições de fontes do Direito estabelecidas pelas lições da dogmática jurídica em seus manuais e cursos de Introdução ao Estudo do Direito. Maria Helena Diniz (2017) e Dimitri Dimoulis (2011) iniciam suas exposições lembrando a definição etimológica da palavra “fonte”, possível de ser encontrada nos dicionários da língua portuguesa, segundo os quais a fonte decorre do latim fons, fontis, isto é, de onde a água brota, surge. Alysson Mascaro (2013), por sua vez, explica que a investigação acerca das fontes do Direito constitui-se um fenômeno da modernidade capitalista, na medida em que o Estado nacional, em sua institucionalidade formal, passa a deter o monopólio da produção do Direito. Dessa forma, o controle da juridicidade das normas estaria ligado ao controle das fontes por parte do Estado. Nesse aspecto, o grande filósofo e jurista Miguel Reale (2002) define as fontes de Direito como: (...) os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O Direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta, como ordenação vigente e eficaz, através de certas formas, (...) ou estruturas normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial. Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2018) destaca os problemas e as ambiguidades da temática das fontes, uma vez que a analogia com a fonte de onde emana, bem como a sua etimologia, conduzem o: ● Olhar sociológico : Perspectiva em que se visualizam as normas jurídicas para saber sobre suas origens nos fenômenos políticos, sociais, históricos, morais, psicológicos etc. ● Olhar analítico : Perspectiva em que se investigam os critérios formais e jurídicos dos processos de produção e validação das normas jurídicas. Maria Helena Diniz (2017), jurista brasileira, entende que as fontes materiais ou reais apontam: "(...) a origem do Direito, configurando a sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores sociológicos, históricos, políticos etc., que produzem o Direito, condicionam seu desenvolvimento e determinam o conteúdo das normas." As fontes formais lhes dão: (...) forma, fazendo referência aos modos de manifestação das normas jurídicas, demonstrando quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o Direito, ao indicar os documentos que revelam o Direito vigente, possibilitando a sua aplicação aos casos concretos. Assim, podemos afirmar que existem duas categorias de fontes do Direito: ● Fontes formais : São os processos que formulam as normas jurídicas consideradas válidas pelos usuários/praticantes do Direito. ● Fontes materiais : São os processos concretos históricos, éticos, sociais, antropológicos e psicológicos que dão origem às normas jurídicas. Uma segunda classificação pode ser encontrada em Dimoulis (2011), segundo o qual podemos dividir as fontes formais do Direito em escritas e não escritas. As primeiras (fontes escritas) contêm a Lei – em sentido amplo e estrito –, as decisões dos tribunais, os Tratados Internacionais etc. Como fonte não formal, mas contribuição escrita para a compreensão do Direito, há a doutrina, a saber: as interpretações e explicações dos juristas e cientistas do Direito que acabam por colaborar com a melhor aplicação do Direito, emboranão tenham força formal ou coercitiva. No cotidiano jurídico, o apelo à autoridade da doutrina é comum, mas, dada a sua ausência de coercibilidade, não podemos afirmar que ela é uma fonte do Direito. A doutrina não cria Direito, apenas o interpreta. No que tange às fontes não escritas, o interessante é notar que elas também são não estatais em sua origem. Veja as três: ● Costume : É diferente de um hábito social na medida em que se torna uma prática reiterada, consistente, persistente e reconhecida pela sociedade como direito, dando ensejo às sanções de ordem jurídica. Por isso, os costumes jurídicos surgem de forma espontânea. Como ensina Dimoulis, para que possam adquirir juridicidade, dois elementos são fundamentais: ● Elemento objetivo : Os costumes devem ser estruturados em práticas reiteradas, persistentes, consistentes, longas ou duradouras, demonstrando assim usus ou diuturnitas dentro de uma sociedade. Quando isto é evidenciado, estamos diante da demonstração do elemento. ● Elemento subjetivo : Os membros da sociedade precisam reconhecer aquele costume como juridicamente vinculante e necessário, ou seja, como coercitivamente obrigatório (opinio iuris vel necessitatis). Quando isto é evidenciado – o que é difícil, pois, como auferir o reconhecimento das partes de que um costume jurídico não é mera convenção social? –, estamos diante da demonstração do elemento. ● Princípios gerais do direito : A segunda fonte de Direito não escrita – embora alguns ordenamentos já tenham alguns exemplos positivados. No ordenamento jurídico brasileiro, como nos ensina Dimoulis (2011), o art. 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro adota os princípios gerais como fonte subsidiária para preencher lacunas existentes nas normas escritas. Os princípios gerais do Direito são : ● Abstratos; ● Genéricos. Assim, o conteúdo semântico desses princípios demanda interpretação e preenchimento de sentido por parte dos intérpretes. Por isso, a utilização deles dá ensejo à discussão acerca da discricionariedade dos juízes e da justificação da decisão judicial. A filosofia analítica do Direito e as teorias da argumentação jurídica tentam contribuir para que a compreensão dos princípios gerais do Direito seja melhorada e expandida. ● Poder negocial : Ou a vontade dos particulares como sendo fonte do Direito, desde que atendidos os requisitos de ordem pública. Isso permite, inclusive, o apoio do Estado quando tais vontades, expressas em acordos ou contratos, forem descumpridas. Miguel Reale (2002) trata do poder negocial, lecionando que, nos mais diversos países, com as mais diferentes ordens econômico-sociais – seja capitalista, socialista, dentre outras –, é possível verificar a autonomia da vontade como fonte de normatividade jurídica. Dessa forma, pontua: Reconhece-se, em última análise, como uma conquista impostergável da civilização o que, técnica e tradicionalmente, denomina-se autonomia da vontade, isto é, o poder que tem cada homem de ser, de agir e de omitir-se nos limites das leis em vigor, tendo por fim alcançar algo de seu interesse e que, situado no âmbito da relação jurídica, denomina-se bem jurídico. Pode este ser, quanto ao conteúdo, de natureza econômica, estética, religiosa, de comodidade social, de recreação etc., pois o Direito é sincrônico com todas as formas de vida social. ● Reconhecer as fontes primárias e os meios auxiliares do Direito Internacional Noções preliminares Determinar as fontes do Direito Internacional Público é de suma importância não apenas para a dogmática internacionalista, mas, sobretudo, para a normatização da Sociedade Internacional. Identificar essas fontes permitirá entender quais são as normas jurídicas aplicáveis aos Estados, organismos internacionais e indivíduos. No entanto, Mazzuoli (2020) chama atenção para o fato de que a atual ordem internacional descentralizada traz um grande desafio para a identificação das fontes do Direito Internacional. A dogmática internacionalista divide as fontes do Direito Internacional Público em: ● Fontes materiais : As fontes materiais do Direito Internacional Público correspondem aos processos políticos, sociais, econômicos, morais, ecológicos e comerciais que os membros da Sociedade Internacional possuem no momento que as estruturas de poder passam a editar e formalizar o Direito. Valério Mazzuoli (2020) traça o paralelo, de forma didática, para nos ensinar que, no âmbito interno, as fontes materiais advêm das necessidades sociais dos indivíduos. No âmbito das relações internacionais, as fontes materiais têm origem nas necessidades dos Estados e organismos internacionais quando estão em interação. ● Fontes formais : As fontes formais do Direito Internacional Público dizem respeito, também, aos processos de criação de normas jurídicas reconhecidas pelos atores internacionais. Ou seja, aos processos que são capazes de criar normas jurídicas que conformam o comportamento dos Estados e dos organismos internacionais. O problema está no fato de que os Estados são soberanos, muitas vezes se submetendo única e exclusivamente à sua vontade – o chamado voluntarismo. Há, ainda, uma dificuldade imensa de interpretar as práticas dos Estados como jurídicas, identificando, assim, quais são as normas que regulamentam suas interações. Não obstante o desafio, podemos afirmar que há um caminho, sim, para identificar as normas do Direito Internacional Público. Esse caminho começa pelo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Analisaremos o referido dispositivo, pois ele nos fornece uma classificação considerada adequada pela dogmática internacionalista, qual seja: ● Fontes primárias : São aquelas que constituem as fontes de onde emana a normatividade jurídica internacional. ● Meios auxiliares : São um conjunto de métodos e elementos interpretativos autorizados capazes de dar concretude à compreensão das normas de Direito Internacional Público. Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça As fontes formais do Direito Internacional Público estão previstas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ). Dada a sua importância, cabe a sua citação direta: Art. 38: A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o Direito; c. Os princípios gerais de Direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. Sob ressalva da disposição do artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de Direito. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem. Recordemos, então, a classificação entre fontes primárias e meios auxiliares. Da leitura do art. 38 da ECIJ, podemos perceber que: Além das fontes primárias informadas pelo art. 38 da ECIJ, temos também as normas imperativas de Direito Internacional ou jus cogens, os atos unilaterais dos Estados, as decisões das organizações internacionais e as normas de soft law. Por isso, o rol não é considerado taxativo. Outro aspecto relevante é a ausência de hierarquia entre as fontes. Embora, como destaca a dogmática internacionalista, tratados internacionais tendam a ser mais utilizados para a resolução de conflitos, não se pode afirmar que estes sempre prevalecerão diante de outras fontes. Para o internacionalista Valério Mazzuoli (2020), ao art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça faltou uma redação mais precisa, como a do art. 21 do Estatuto de Roma. Este último constituiu o Tribunal Penal Internacional, que trouxe uma redação mais qualificada ao tratar das fontes que se pode aplicar em um caso concreto. Podemosresumir, seguindo a classificação de Valério Mazzuoli (2020), que: Tratados internacionais Os tratados internacionais são os instrumentos mais utilizados na modernidade, desde a formação dos Estados nacionais até o presente momento, pois a sua multipolaridade expressa a vontade dos Estados e estabelece normas jurídicas entre eles. A definição do tratado é encontrada na Convenção de Viena de 1969, que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 7.030/2008, que traz em seu art. 2, item 1, alínea a, o seguinte: 'Tratado' significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica [...]. Os tratados internacionais são, por excelência, o instrumento jurídico formal que estabelece a maior segurança jurídica para os Estados e organismos internacionais que deles fazem parte. Segundo Malcolm Shaw (2017), os tratados retiram sua força jurídica de um princípio costumeiro do Direito Internacional, qual seja: pacta sunt servanda, segundo o qual os acordos celebrados pelos Estados soberanos, quando respeitadas as condições de livre exercício da autonomia de suas vontades, são vinculantes. Antes de analisarmos os tratados como fontes do Direito Internacional Público, cabe fazer uma análise explicitando seus principais tipos, suas condições de existência e sua validade. Tipos de tratados internacionais Na perspectiva dos interesses jurídicos envolvidos, os tratados podem ser divididos em duas espécies: ● tratados lei :Criam normas gerais a todos os Estados, como, por exemplo, a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961, a Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963 e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, conforme explica Mazzuoli (2020). ● tratados contratos : De acordo com Accioly, Silva e Casella (2019), dizem respeito apenas às partes interessadas em versar sobre negócios específicos, como, por exemplo, os acordos comerciais do Mercosul, como o ACE 02, entre Brasil e Uruguai, e o ACE 14, entre Brasil e Argentina. Quanto às partes signatárias, podem ser : Por fim, Accioly, Silva e Casella (2019) nos informam que a natureza jurídica dos tratados internacionais leva à seguinte divisão: (i) tratado de Direito Dispositivo, que representa aquele tratado cujo conteúdo pode ser derrogado por meio de um tratado posterior; e (ii) tratado de Direito Cogente (jus cogens), que não pode sofrer derrogação por tratado posterior, exceto por um de mesma natureza – na prática, esse segundo tratado possui mais força. Validade dos tratados internacionais As condições de validade de um tratado internacional, segundo Accioly, Silva e Casella (2019), são semelhantes às de um negócio jurídico: ● Capacidade das partes : As partes são os próprios Estados, que possuem capacidade para se tornarem signatários dos tratados internacionais, conforme o art. 6 da Convenção de Viena.7 ● Agentes habilitados : As partes passam a ser consideradas agentes habilitados a partir do momento em que apresentam um documento em que constam os plenos poderes para representação dos Estados Partes. ● Consentimento entre as partes : O consentimento entre as partes também é condição essencial para a realização do tratado. Torna-se mais fácil obter um consentimento quando se trata de um tratado bilateral. Um tratado multilateral requer a concordância de, pelo menos, 2/3 dos Estados votantes presentes na sessão de aprovação dele, salvo a opção de adoção de outra forma de votação. Segundo a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, existem várias formas de demonstrar o consentimento, a exemplo da própria assinatura do tratado. ● Objeto lícito e possível : O objeto de um tratado internacional não pode se revelar como impossível de ser realizado, bem como não pode se revelar ilegal ou violador dos aspectos morais e costumeiros do Direito Internacional, pontuam Accioly, Silva e Casella (2019). Todas com previsão na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, firmada em 1969. Regra de incorporação dos tratados internacionais A Convenção de Viena de 1969 estabelece a forma pela qual eles podem ser construídos, e os ordenamentos jurídicos nacionais estabelecem a maneira pela qual eles são introduzidos nas suas respectivas hierarquias de normas. A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados é organizada pelas disposições constitucionais dos Estados acerca do tema. De acordo com Valério Mazzuoli (2020), existem pelo menos três formas de regulamentar a incorporação dos tratados internacionais no âmbito do Direito Interno dos Estados: Em nossa República Federativa, na forma do nosso Direito Constitucional vigente, estamos classificados no grupo de Constituições omissas, mas possuímos uma exceção, que é a incorporação dos tratados internacionais de Direitos Humanos. Dessa forma, o processo de incorporação de tratados passa pela negociação, assinatura, aprovação do Congresso Nacional (art. 49, I, da CF/88), ratificação do presidente da República, promulgação e publicação. Impera no Brasil a teoria da junção das vontades, segundo a qual um tratado internacional, para ser incorporado, demanda a participação dos Poderes Executivo e Legislativo, constituindo, portanto, a incorporação de tratados internacionais que, conforme determina o STF, é ato subjetivamente complexo. Em nosso ordenamento, os tratados internacionais podem ocupar três posições, dependendo da forma pela qual foram aprovados e da matéria que versam: ● (i) “Tratados internacionais de Direitos Humanos aprovados na forma do §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, com aprovação de 3/5 em duas votações, em dois turnos, nas casas do Congresso Nacional, têm o status de Emendas Constitucionais; ● (ii) Tratados internacionais de Direitos Humanos não aprovados com o quorum de 3/5 têm o status de supralegalidade, isto é, estão acima de todas as leis, mas abaixo da Constituição Federal de 1988; ● (iii) Tratados internacionais que versam sobre as demais matérias, quando incorporados, têm o status de norma infraconstitucional, revogando, assim, as normas anteriores sobre a mesma matéria." A forma pelo qual os tratados internacionais geram obrigações aos Estados signatários em seus ordenamentos jurídicos internos depende das regras estabelecidas pelas Constituições nacionais. No Brasil, a obrigação jurídica interna nasce apenas após a promulgação e publicação do tratado. Mas a obrigação internacional, por sua vez, já está estabelecida desde a ratificação do tratado. Cabe destacarmos que a delimitação do grau hierárquico no âmbito infraconstitucional é discutida pela doutrina internacionalista. O entendimento primário é o de que os tratados internacionais de matérias ordinárias – isto é, que não versam sobre Direitos Humanos – possuem status de leis ordinárias, conforme explicita a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada desde 1977, conforme o RE 80.004/SE, citada por Mazzuoli (2020). Todavia, para Marcelo Varella (2019), não se pode, de plano, entender os tratados internacionais como leis ordinárias, isto é, revogáveis ordinariamente quando da edição de norma posterior. Para o doutrinador, a análise da natureza infraconstitucional de um tratado internacional ordinário depende da matéria que trata. Este poderá ter natureza de Lei Complementar, por exemplo, quando tratar de matéria tributária, ou natureza de Lei Ordinária, quando tratar de outros temas típicos do referido corpo normativo. Dessa forma, se for editada uma norma interna posterior ao tratado internacional, o que fazer? ● Marcelo Varella (2019) nos ensina que o primeiro passo é saber se a norma interna expressamente afirma a não aplicabilidade do tratado. Tem de ser forma expressa e sem margem para dúvidas. No entanto, quando uma norma interna ataca a mesma matériaque um tratado internacional, ela não revoga esse tratado que ainda faz lei entre as partes na arena internacional. Na esteira da lição de Gilmar Mendes, o que ocorre, diz Marcelo Varella (2019), é a suspensão da eficácia do tratado. Portanto, ocorrerá que, para as relações internacionais, será válido o tratado; para as relações internas, será válida a norma jurídica interna. Dois são os argumentos para a manutenção do tratado internacional: (i) Ele é norma específica que trata de matéria especializada no âmbito das relações internacionais – aqui, o argumento é análogo ao metaprincípio lei especial prevalece sobre lei geral; (ii) Por outro lado, há o argumento de que a obrigação internacional assumida pelo Estado, que ratificou o tratado, não pode ser desfeita por uma norma unilateral de produção interna, sendo necessária, portanto, a denúncia do tratado para que suas obrigações deixem de ter validade, seguindo, assim, a normatividade internacional. Ponto de inflexão é realizado por Valério Mazzuoli (2020), que advoga a tese de que não existe diferença normativa entre os tratados internacionais de Direitos Humanos, sejam eles aprovados ou não pelo quorum qualificado de 3/5 previstos no §3º, art. 5, da CF/88. Segundo o autor, o STF deu ensejo a uma violação ao princípio da isonomia ao tratar de forma distinta e desigual dois corpos normativos que deveriam possuir o mesmo status. Para Mazzuoli (2020), os tratados internacionais de Direitos Humanos, independentemente do quorum qualificado, deveriam ter status constitucional. Além de defender a elevação dos tratados de Direitos Humanos não aprovados na forma do §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 para o topo da pirâmide, o autor defende que os tratados internacionais ordinários devem ser considerados supralegais, assim, também, elevando-os um nível a mais do que compreende o Supremo Tribunal Federal. Apesar dos argumentos de Valério Mazzuoli (2020) serem bastante persuasivos, ao sentido de defender uma ampliação dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – instância máxima de interpretação do Direito Pátrio – não corrobora com a sua tese. Parece-nos que o STF está muito mais próximo do que argumenta Marcelo Varella (2019), no sentido de que o tratamento dos tratados internacionais ordinários, diante da sua relação com as normas internas, merece detida atenção em função do caso e da matéria que regula. Varella (2019) nos explica que o Supremo entende que haveria uma duplicidade de tratamento normativo diante de tratados internacionais ordinários que teriam sua regulamentação expressada “atacada”, sustada, por lei posterior. Haveria, portanto, a suspensão da eficácia do tratado no âmbito interno, contudo, com a sua manutenção no âmbito externo. Em suma, uma lei posterior não pode revogar um tratado, uma vez que a obrigação internacional só pode ser desconstituída por ocasião da denúncia, conforme prevê a Convenção de Viena de 1969. Essa tese parece ser mais coerente com o monismo moderado adotado pelo ordenamento brasileiro e com a Supremacia Constitucional defendida pelo STF. Costumes internacionais Considerada a fonte mais antiga, de acordo com Mazzuoli (2020), os costumes constituem uma fonte para o Direito Internacional que pode ser retomada como até mesmo anterior ao próprio Sistema de Potências, estabelecido em Vestfália em 1648. Como a doutrina de Mazzuoli (2020) nos ensina, mesmo com a ampla utilização dos tratados pelos Estados nacionais modernos, os costumes ainda exercem um papel significativo na normatividade internacional, pois muitos tratados carecem de uma adesão universal ou massiva por parte dos Estados que compõem a Sociedade Internacional. Nesse aspecto, uma característica interessante é destacada pelo autor: quando um costume é positivado num tratado internacional, este mantém sua força vinculante tanto sobre os Estados que fazem parte deste tratado quanto sobre os Estados que não fazem parte. Mas como identificar uma prática dos atores internacionais (Estados e organismos internacionais) como constituindo um costume internacional? Semelhantemente ao que vimos no primeiro tópico deste módulo, uma prática internacional, para ser reconhecida como um costume, precisa de pelo menos dois elementos: ● elemento objetivo :A saber, uma prática geral (inveterata consuetudo), que demanda ser reiterada, persistente, duradoura e contínua. São importantes algumas observações. O art. 38, b, do ECIJ fala em “prova de uma prática geral”. Essa prova está ligada aos precedentes internacionais aplicados pelos Estados e tribunais internacionais, que deve ser reiterada e consistente, aceita pelos Estados ou organismos internacionais, de forma expressa ou tácita. Os atos praticados podem ser comissivos ou omissivos e não precisam ser necessariamente idênticos, mas apenas ter relação do ponto de vista do Direito Material ou dos Fatos. Tais atos podem ser tanto dos Estados, por meio de seus representantes, quanto dos organismos internacionais. Em ambos os casos, devem respeitar a ordem pública. Por último, não existem critérios capazes de exaurir a cognição em torno da identificação de uma prática como costume internacional. ● elemento subjetivo : Prática que deve ser aceita como um direito pelos atores internacionais. Esses elementos estão presentes no art. 38, b, do ECIJ. Também chamado de psicológico, pois, conforme leciona Mazzuoli (2020), é necessária a convicção de que aquela prática é jurídica. Aqui, retomando o art. 38, b, do ECIJ, estamos diante da prática que é “aceita como direito” pelas partes. Esse elemento recebe o nome de opinio iuris, à semelhança do que vimos anteriormente quando tratamos sobre os costumes. A questão está em identificar quando os Estados passam a aceitar uma prática como sendo juridicamente determinante no cenário internacional. Também aqui não há um rol exaustivo em que se pode listar quais evidências demonstrariam a confirmação por parte dos Estados de que aquela prática é jurídica. Alguns exemplos são trazidos pela dogmática jurídica internacionalista, tais como: Ratificações de tratados. Práticas diplomáticas. Decisões reiteradas de tribunais. Manifestações unilaterais de autoridades governamentais. Por último, podemos concordar com a vasta maioria da doutrina que, sem o elemento subjetivo, é impossível caracterizar o costume como sendo juridicamente válido. Processos de surgimento dos costumes Aprendemos sobre os elementos necessários para a caracterização do costume como fonte do Direito Internacional. Podemos ver, então, quais são os processos em que estes surgem, bem como o alcance que podem ter sobre os Estados. Dois são os processos de surgimento dos costumes: ● Clássico : É considerado um processo espontâneo em que, diante de um caso ainda não regulado pelo Direito, é aplicado um princípio geral do Direito que atenda às expectativas de justiça das partes, passando a ter impacto sobre a compreensão dos atores internacionais que, diante de casos semelhantes, passarão a adotar a mesma solução de forma reiterada, consistente e reconhecida como juridicamente válida. ● Contemporâneo : Tem sua origem em processos mais institucionais, pautados nas práticas internacionais, que passam a adotar compreensões comuns mediante resoluções e/ou diretrizes que passam a gerar conformidade por parte dos atores internacionais. Um bom exemplo desse processo contemporâneo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, compreendida como norma costumeira internacional que estabelece a conformidade da intepretação das normas internacionais e nacionais de Direitos Humanos, de acordo com Ramos (2020). O que distingue o processo clássico, segundo Mazzuoli (2020), é o fato de que o processo contemporâneo seria mais consciente por parte da Sociedade Internacional. Extensão dos costumes Quanto à sua extensão, os costumes podem ser: ● Universais ● Regionais ● Locais Ainda assim, sendo internacionais,poderiam regular, respectivamente, todos os Estados, alguns Estados em regiões ou apenas dois Estados determinados. Por isso, é importante notar que para a existência de um costume internacional não é necessário que haja uma conformidade universal. Um exemplo de Direito Costumeiro Internacional Local pode ser visto no caso Direito de Passagem (1960) entre Portugal e Índia. Portugal era detentor de possessões territoriais na Índia, por meio de dois enclaves, a saber, Dadra e Nagar-Aveli. Portugal tinha o direito de passagem, ou seja, podia transitar em território nacional indiano para chegar a suas possessões. Em 1954, ao contrário do costume previamente estabelecido, a Índia passou a proibir a passagem de Portugal por meio de seus territórios. A questão foi levada à Corte Internacional de Justiça em 1955, por meio do seguinte pleito: O interessante é que a Índia questionou o referido direito de Portugal, alegando, dentre outras razões, que a prática entre os dois países não era suficientemente duradoura para estabelecer um costume local. A Corte Internacional de Justiça desconsiderou essa alegação da Índia, uma vez que a prática entre os dois países já tinha 125 anos, devendo prevalecer sobre outras regras. Princípios gerais do Direito O art. 38 do ECIJ estabelece que os princípios gerais do Direito também constituem uma fonte do Direito Internacional Público. O primeiro ponto a se destacar, segundo Accioly, Silva e Casella (2019) e Mazzuoli (2020), é a redação do dispositivo que faz uma referência anacrônica e criticável aos princípios gerais do Direito das “nações civilizadas”. Nesse aspecto, afirmar a existência de “nações civilizadas” é retomar um horizonte de significado imperialista e colonizador. Retoma o Sistema de Potências europeu e a sua afirmação sobre o mundo “não civilizado”. Afastada a semântica negativa da expressão, podemos entender que o ECIJ está se referindo aos princípios gerais do Direito reconhecidos nos mais diversos ordenamentos jurídicos, independentemente do sistema econômico a que pertencem os Estados, de sua positivação nos tratados ou nos costumes ou do sistema jurídico a que pertencem – se romano-germânico ou anglo-fônico, por exemplo. Nesse aspecto, Mazzuoli (2020) afirma que este é o caso de utilização de normas internas que iriam de baixo para cima, do ordenamento jurídico interno para o internacional. Por sua vez, os princípios gerais do Direito Internacional, quando aplicados nos ordenamentos nacionais, iriam de cima para baixo. Tais distinções sobre a vetorialidade da norma são importantes para a correta aplicação das normas jurídicas. A distinção sobre a origem do princípio geral tem consequências jurídicas. Um princípio geral do Direito pertence ao Direito Internacional Público, portanto, a sua aplicação é imediata, não demandando a demonstração da sua juridicidade na Sociedade Internacional, uma vez que já é reconhecido por esta enquanto tal. Por sua vez, um princípio geral de Direito demanda um processo de justificação que precisa passar por um: ● Teste de generalização : É preciso investigar se determinado princípio é de fato reconhecido por uma maioria considerável de ordenamentos jurídicos – o que é difícil de determinar. ● Teste de adequação : Não basta apenas identificar que determinado princípio é encontrado numa maioria considerável de ordenamentos jurídicos, é necessário saber se sua transposição ao ordenamento internacional é adequada, se sua juridicidade tem aplicabilidade na Sociedade Internacional. Sobre o teste de generalização, não é exigível que a totalidade dos ordenamentos jurídicos reconheça determinado princípio de Direito, mas que uma maioria considerável o possua de forma que possa ter impacto sobre os diversos Estados. Um terceiro aspecto é o caráter supletivo dos princípios gerais de Direito. Isso porque estes acabam por ser articulados diante da necessidade de um caso concreto que demanda a aplicação deste princípio, de modo a preencher uma lacuna ou um espaço em aberto no ordenamento jurídico internacional. O Caso da Fábrica de Chorzow foi significativo porque estabeleceu a responsabilidade dos Estados pelo descumprimento das suas obrigações. Mais interessante ainda foi que reconheceu que toda quebra de um acordo de vontades gera o dever de reparar, sustentando que o dever de reparar por violações de obrigações é um princípio geral do Direito Internacional e dos Direitos Nacionais em diversos ordenamentos jurídicos. Além do dever de reparação, a decisão reconheceu que uma parte não pode alegar a exceção do contrato não cumprido, quando, por responsabilidade dela, a outra parte não cumpriu a obrigação. Assim, a CIJ estabeleceu que: O princípio essencial contido na noção de atos ilícitos – um princípio que parece ter sido estabelecido pela prática internacional e, em particular, pelas decisões dos tribunais arbitrais – é que a reparação deve, na medida em que seja possível, dirimir todas as consequências do ato ilícito e reestabelecer a situação que teria existido, em todas as probabilidades, se o ato não tivesse sido cometido. Meios auxiliares O próximo passo no estudo das fontes do Direito Internacional são os meios auxiliares que servem na compreensão e interpretação desse Direito, previstos na alínea d do art. 38 da CIJ: “As decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações.” São considerados meios auxiliares porque não são fontes do Direito, mas, sim, instrumentos para a necessária cognição e compreensão das fontes do Direito Internacional Público. Assim, as decisões judiciárias visam dar sentido a eventuais indeterminações passíveis de ocorrer com os tratados internacionais, costumes ou princípios gerais. Importante observar que o texto da alínea d fala em “decisões judiciárias”, dessa maneira, podem ser consideradas: decisões da Corte Internacional de Justiça, dos Tribunais Internacionais Privados, Arbitrais, das Organizações Internacionais. Ainda sobre as decisões judiciárias, resta indagar se há um sistema internacional de precedentes, ou seja, se as decisões da Corte Internacional de Justiça e demais Tribunais Internacionais teriam força vinculante sobre as novas decisões. Para Accioly, Silva e Casella (2019), não se pode falar em precedentes porque as decisões da Corte Internacional de Justiça careceriam de normatividade, embora retomar decisões passadas, seus critérios, fatos, regras, princípios e suas formas de raciocínio seja válido na busca pela determinação do Direito no caso concreto. Temos de entender que é muito mais o caso de efetuar um trabalho de argumentação sobre o Direito posto do que inovar na ordem jurídica internacional. Por último, as decisões dos tribunais internacionais só atingem as partes litigantes que aceitaram a elas se submeter. A “doutrina dos publicistas” consiste na opinião abalizada de grandes juristas da área do Direito Público e do Estado. No início do Direito Internacional, ainda nos empreendimentos ultramarinos ibéricos e no nascente comércio mundial, as obras de alguns juristas, como: ● Francisco de Vitória (1480-1546) ● ● Francisco Suarez (1548-1617) ● ● Alberico Gentili (1552-1608) ● ● Richard Zouch (1590-1660) ● ● Hugo Grócio (1583-1645) Foram fundamentais para a compreensão do Direito Internacional Público. Atualmente, conforme destacam Accioly, Silva e Casella (2019), a doutrina dos publicistas não encontra mais um lugar de destaque, como a opção da Corte Internacional de Justiça de não a utilizar tem demonstrado. A doutrina dos publicistas está presente, muito mais, nos consultores e advogados que militam junto às cortes internacionais. Analogia A analogia é um raciocínio no qual as conclusões decorrem de premissas que associam como semelhantes determinadas propriedades dos objetos. Assim, se X é análogo a Y, significa dizer que se X tem a propriedade P¹, P² e Y têm as mesmas propriedades, logo, se X tiver P³, Y também o terá. Dito de outra maneira,casamentos e uniões transfronteiriças (entre pessoas de nacionalidades diferentes), as rupturas de uniões e casamentos internacionais também se elevaram. Com isso, surge um problema: a deslocação ilícita de menor. Por muitas vezes, fracassado o casamento, um progenitor decide regressar para o seu Estado de origem, levando seus filhos consigo sem o consentimento do outro, fenômeno conhecido como sottrazione internazionale di minore — subtração internacional de menor. Sobre isso, a jurista Tascón destaca a importância de se ter cuidado ao denominar o fenômeno deslocamento ilícito do menor, a fim de evitar “uma possível confusão entre esse fenômeno e uma realidade bem distinta, como é o caso de prisões ilegais e sequestros, caracterizados pela privação da liberdade de circulação (ir e vir) de uma pessoa; resultando, conseguintemente, estranho que se utilize como sinônimo de subtração parental de menores o termo sequestro” (tradução do autor). Para que não haja confusões terminológicas, adotaremos como expressão do fenômeno “deslocação e retenção ilícita de menor”, limitando a questão apenas aos aspectos processuais desse fenômeno. Entretanto também poderemos usar as expressões: ● Subtração ilegal de menor ● Deslocamento ilícito de menor EXEMPLO: Considere um casal em que a mãe é brasileira e o pai é espanhol. O filho do casal nasceu na Espanha, onde viveu até seus 8 anos. A mãe, com a autorização do pai do menor, programa uma viagem de quinze dias e vai ao Brasil para visitar seus familiares. Passados 15 dias, no entanto, a mãe – alegando problemas no casamento – decide não voltar para a Espanha. A deslocação ilícita do menor pode ocorrer em três cenários diferentes: 1. Durante o casamento – quando há convivência entre os cônjuges e, portanto, a guarda é normalmente exercida por ambos. 2. Antes da formalização do divórcio e da determinação da guarda – quando o casal já se encontra separado e um deles decide, unilateralmente, deixar o país de residência com os filhos e sem o consentimento, ou mesmo o conhecimento, do outro. 3. Após a determinação da guarda – quando o genitor preterido resolve subtrair a criança e levá-la para junto de si, afastando-o do guardião legal. Diante da necessidade de o ordenamento jurídico dar respostas adequadas à evolução dos conflitos nessa sociedade internacionalizada, a processualística do Direito Internacional provado da Família desenhou mecanismos processuais disponíveis na Convenção de Haia de 1980, de modo a promover a segurança jurídica do menor no plano internacional. Tais mecanismos definem a competência principal para proferir a decisão de guarda em um conflito transfronteiriço. Tendo como base estruturante a cooperação jurídica internacional, a norma convencional delineia um procedimento expedido para o retorno do menor ao seu país de residência habitual. Vamos refletir: Se consideramos a Convenção de Haia de 1980, quando ocorre uma deslocação ilícita? Para começar, é necessário destacar que, como é sabido, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe que as escolhas que definem a criação de quaisquer crianças são atributos dos pais, a quem cabe, em paridade, o exercício do poder familiar em relação aos filhos, conforme o art. 226, § 7º, da CFRB de 1988. Logo, como aponta PATAUT, podemos deduzir da redação do artigo citado: Resumindo Verifica-se a deslocação ilícita quando há a violação da vida familiar por parte de um dos progenitores, ou seja, diz respeito ao momento no qual a criança é transferida ilegalmente de sua residência habitual, situada em um dos Estados contratantes, para outro Estado contratante, quebrando a guarda anteriormente exercida ou, então, impedindo o direito de visita, violando-se, portanto, o direito de guarda (art. 3º da CH de 1980). Portanto, qual é a finalidade precípua da CH? A pedra angular desta norma convencional é a proteção e promoção do superior interesse do menor, consubstanciado no retorno imediato do menor ao país de residência habitual, por meio de um procedimento de cognição sumária, não havendo qualquer apreciação de mérito sobre o exercício das responsabilidades parentais ou sua alteração, mas, tão somente, avaliar se o deslocamento é ilícito e, se sim, determinar o regresso imediato ao Estado de origem. Para tanto, parte-se da premissa de que o deslocamento ilícito de uma criança a um outro país desconhecido é para ela demasiadamente prejudicial (traumático) pelos seguintes motivos: ● Privação precoce do seu ambiente familiar e social “afetar diretamente o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional, social e moral do menor” ● Violação do princípio ex injuria non oritur ius, isto é, não convalida um ato ilícito (deslocação do menor em violação do poder de guarda) em lícito (deixar com que o progenitor fique no país que fora ao deslocar o filho ilicitamente), de maneira a garantir o direito de visita àquele que teve sua convivência prejudicada por decisão judicial, direito expresso desde o seu preâmbulo. Ou seja, tendo como premissa o “superior interesse da criança”, pressupõe-se que o seu retorno imediato corresponde objetivamente para seu melhor interesse e, consequentemente, impõe-se urgência na tramitação da ordem de regresso no país de refúgio devido à rápida evolução de maturidade dos menores e ao risco de adaptação ao novo meio. Skoler (1998, p. 564) critica de maneira veemente a exceção trazida pelo art. 13 da Convenção. Por isso, escreve que há uma necessidade de “interpretação restrita do artigo”, de modo a compatibilizar com a finalidade desta norma jurídica: a devolução da criança para a jurisdição de onde foi retirada. Além disso, levando em consideração a “cultura do juiz que decide o variado naipe de fórmulas visando ao enquadramento nas exceções formuladas no referido dispositivo da Convenção”, poderá haver muitos obstáculos ao retorno do menor. Apesar desse posicionamento doutrinário – e da jurisprudência de outros países –, a jurisprudência brasileira faz da exceção a regra, isto é, geralmente recusa a entrega da criança abduzida pela mãe. A argumentação baseia-se na adaptação do menor trazido para o Brasil, ao passo que defende que a família brasileira é considerada o melhor ambiente para o desenvolvimento da criança, em vez de apenas afirmar a necessidade de manter a criança com a mãe. A essa fundamentação, soma-se a alegação de que se deve evitar uma "nova ruptura" dos laços afetivos importantes para o menor, pois isso poderia acarretar danos psicológicos irreparáveis. Nesse sentido, tem-se a decisão em Recurso Especial 1.239.777/STJ/PE (2010/0180753-9).