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Tópico 06Farmacologia Clínica ll Anestésicos locais Iniciar leitura SUMÁRIO • Roteiro • Ativação • Lição • Conclusão • Referências Roteiro Prezado aluno, Neste tópico, você irá estudar sobre os anestésicos locais. Incialmente, faremos uma breve abordagem geral sobre o tema do nosso tópico e posteriormente iremos discutir detalhadamente as opções farmacológicas desta, que é uma classe de medicamentos amplamente empregada como agentes para a anestesia e a analgesia durante período operatório e o pós- operatório. A Ativação proposta fará provocações para que você utilize seus conhecimentos prévios na tomada de decisão sobre a escolha medicamentosa mais adequados para cada aplicação. Aproveite todo o conteúdo disponível para estudar e que faça os exercícios de fixação e os flash cards, para consolidar a compreensão do que estudou. Aprofunde-se mais sobre o assunto, pesquisando as indicações da referência bibliografia extra, além de assistir aos vídeos complementares indicado na lição! Bons estudos! Ativação Sem dúvida, a anestesia, tanto local como geral, é considerado um dos maiores descobrimentos para a medicina. Ela possibilita que o paciente possa suportar pequenas e até mesmo grandes cirurgias sem sentir qualquer tipo desconforto ou dor durante um procedimento cirúrgico https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-1 https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-1 https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-2 https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-3 https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-4 https://ceadsaladeaula.uvv.br/conteudo.php?aula=anestesicos-locais&dcp=farmacologia-clinica-ll&topic=6#section-5 (KATZUNG et al., 2017). A palavra anestesia é de origem grega e significa ausência de sensações. A anestesia pode ser alcançada com uma série de medicamentos e pode alterar os sentidos da consciência como os anestésicos gerais, ou apenas bloquear temporariamente a condução nervosa com perda das sensações sem alterar a consciência como os anestésicos locais (BRUNTON et al., 2019). Portanto o que define a extensão e o grau de anestesia produzida no paciente é o tipo de substância química que é aplicada ou administrada. Neste tópico, vamos discutir sobre um grupo de drogas bem específicas, que é direcionado à anestesia local, aplicado localmente nas proximidades do corte cirúrgico ou na incisão, geralmente para pequenas e simples cirurgias ou para promover a anestesia regional, aquela que bloqueia os nervos em um só membro ou em partes diferentes (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). Para começar, vamos ver o vídeo abaixo, sobre os anestésicos locais. Este vídeo descreve concisamente os usos, os mecanismos, as classes, as formas de dosagem e os efeitos colaterais dos anestésicos locais. Lição Olá! Vamos iniciar nosso estudo sobre os anestésicos locais e, primeiramente, vamos saber o que são essas drogas. 3.1 INTRODUÇÃO Os anestésicos locais podem ser definidos como fárrnacos ou drogas que tém a capacidade de bloquear temporariamente a condução nervosa local, em uma parte ou região específica do corpo, promovendo a perda das sensações sem que haja perda da consciência. Aliás, a reversibilidade de seu efeito é a principal característica dos anestésicos locais e que os diferencia dos agentes neurolíticos, como fenol e álcool (BRUNTON et al., 2019: KATZUNG et al., 2017). Além do bloqueio da condução nervosa com perda das sensações, essas drogas também produzem a supressão das funções autonômicas e sensitivas motoras. Nessa ordem, elas são capazes de comprometer as fibras periféricas autonômicas, seguida das fibras responsáveis pela sensibilidade térmica, dolorosa e tátil, a seguir as responsáveis pelas relações de pressão e vibração e por último aquelas responsáveis pela proprioceptivas e motoras. Importante destacar que a recuperação dessas funções acontece exatamente na ordem inversa (BRUNTON et ai., 2019: GOLAN et al.. 2014; KATZUNG et al., 2017). Olá! Para saber de onde surgiram os anestésicos locais, vamos fazer uma breve revisão histórica sobre o tema. O primeiro anestésico descoberto no final do século XIX foi atribuído aos efeitos das folhas do arbusto coca (Erythroxylon coca) e, posteriormente, atribuído a substância cocaína. O primeiro relato de uso de um anestésico local na literatura ocorreu em 1884 quando Carl Koller publicou sobre o uso da cocaína para dessensibilizar a córnea, facilitando procedimentos oftálmicos. Nos anos seguintes, o uso de cocaína expandiu-se rapidamente para uso médico e recreativo. Os efeitos tóxicos da cocaína rapidamente se tornaram evidentes, e a busca por um anestésico local menos tóxico começou. Em 1904, a procaína foi patenteada por Einhorn, seguida pela tetracaína. Ambos os medicamentos têm utilidade clínica limitada e estão associados à toxicidade. Em 1948, a síntese de lidocaína trouxe um anestésico local mais estável e menos tóxico. Desde aquela época, o uso de lidocaína para anestesia local e como infusão intravenosa tornou-se um meio popular de fornecer analgesia. Nos anos seguintes, anestésicos locais adicionais foram sintetizados, todos com características variáveis, proporcionando diferenças no tempo de início, duração da ação e toxicidade (BRUNTON et al., 2019). Agora, vamos ver um pouco sobre a química dos anestésicos locais. Os anestésicos locais são considerados bases fracas com um pKa (constante de dissociação) geralmente entre 7,5 e 9,5. Os anestésicos locais são sais solúveis em água de alcaloides solúveis em lipídios. A estrutura dos anestésicos locais consiste em três componentes, domínios químicos estruturais denominados: um grupo aromático lipofílico, uma cadeia intermediária e um grupo amina hidrofílica. A cadeia intermediária, por sua vez, é quem classifica os anestésicos locais em anestésicos locais do tipo éster ou anestésicos locais do tipo amida (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). Estrutura dos anestésicos locais tipo éster (A) e amida (B). Cada anestésico contém um grupo aromático, uma ligação intermediária (éster ou amida) e uma amina terciária. Resumidamente, quatro propriedades físico- químicas principais determinam a atividade dos agentes anestésicos locais: peso molecular (PM), pKa, lipossolubilidade e grau de ligação às proteínas. O PM dos anestésicos locais está compreendido entre 220 e 288 Da, e está inversamente relacionado à capacidade de o anestésico local se difundir através dos tecidos. Desse modo, mudanças no PM podem ser conferidas pela adição de diferenças substituições no grupo aromático e amina terciária. Estas alterações no PM geralmente também estão associadas a alterações no pKa e na solubilidade lipídica. Como são considerados bases fracas, os anestésicos locais se dissociam em moléculas ionizadas e não ionizadas dentro do corpo de acordo com seu pKa e pH do meio. Neste sentido, é importante destacar que o local de ação, o receptor do anestésico local, está localizado no interior da célula, na região intracelular, assim, a droga deve se difundir para o espaço intracelular do neurônio alvo para exercer seu efeito biológico. É a forma não ionizada do fármaco que tem essa propriedade de atravessar facilmente a membrana celular e, uma vez dentro da célula, um novo equilíbrio é estabelecido e a forma ionizada (ativa) do fármaco pode exercer seu efeito no sítio de ação. Assim,em geral, os anestésicos com baixo pKa terão início de ação rápido devido ao menor grau de ionização em pH fisiológico e agentes com alto pKa terão início de ação mais lento devido ao maior grau de ionização em pH fisiológico (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). A estrutura do grupo aromático é a região determinante pela hidrossolubilidade do anestésico local. O grau de solubilidade é extremamente importante porque determina a potência e a duração da ação do agente. Agentes com baixa solubilidade lipídica apresentam baixa potência e menor duração de ação. Agentes com alta solubilidade lipídica tendem a ser mais potentes e proporcionam uma duração de ação mais longa. A lipossolubilidade também afeta o início da ação, pois os agentes altamente lipossolúveis têm maior probabilidade de serem sequestrados na mielina, retardando a chegada do agente à membrana neuronal e prolongando o início da ação (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). Por fim, o grau de ligação às proteínas determina a fração livre da droga disponível para se ligar aos receptores alvo e causar um efeito. Em geral, os agentes com alta ligação às proteínas estão associados a uma maior duração de ação (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). OK! Agora que já conhecem a química dos anestésicos locais, vamos entender como os eles agem? Os agentes anestésicos locais atuam bloqueando a transmissão dos impulsos por meio do bloqueio dos canais de sódio voltagem dependente nas membranas neuronais. Os canais de sódio voltagem dependentes existem em três estados principais de conformação: aberto, fechado e inativo. Durante o repouso, o canal fica no estado fechado e, quando ocorre a despolarização, o canal de sódio se abre e posteriormente entra no estado inativo, facilitando a repolarização da membrana da célula nervosa e condução do estímulo. Na presença do anestésico local, ligado ao canal iônico na região intracelular, os estados inativos do canal de sódio são favorecidos, inibindo a movimentação dos potenciais de ação ao longo das fibras nervosas afetadas. Portanto, quando um anestésico local está presente na célula, os estados aberto e inativo do canal de sódio fornecem as condições mais favoráveis para a ligação do anestésico local. Isso significa que a estimulação das fibras nervosas facilita o início do efeito anestésico local. Esse fenômeno é chamado de bloqueio dependente da frequência (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). Mecanismo de ação dos anestésicos locais (AL) interagindo com as diferentes conformações (estados) do canal de sódio. NA CLÍNICA Os anestésicos locais são bases fracas e, quando em solução, apresentam-se na forma ionizada (hidrossolúvel) ou não ionizada (lipossolúvel) a depender do pH do meio. Dessa forma, quando um anestésico local for injetado em um tecido inflamado (pH ácido, em torno de 5), haverá uma maior proporção do fármaco na forma ionizada. Assim, devido à grande dificuldade de atravessar a membrana das células nervosas para atingir o local de ação, a eficácia do fármaco em tal ambiente pode ser significativamente reduzida ou até mesmo nula. Vamos estudar algumas propriedades farmacocinéticas importantes dos anestésicos locais. A absorção de anestésicos locais no local da administração é determinada basicamente pela lipossolubilidade, vascularização do local da injeção e pela presença ou ausência de um vasoconstritor (epinefrina) incorporado à solução de anestésico local. As drogas com maior lipossolubilidade serão menos rapidamente absorvidos com uma concentração plasmática máxima mais baixa (Cmax) e tempo mais longo para Cmax (Tmax). O oposto é observado quando a droga é depositada em áreas altamente vasculares, com Cmax mais alto e Tmax mais curto associado à proximidade dos vasos (BRUNTON et al., 2019). A associação de um vasoconstritor diminui a absorção sistêmica do anestésico local, aumentando assim o tempo de permanência no local da injeção. No entanto, deve-se ter cuidado ao incorporar um agente vasoconstritor, em função do tempo de ação, pois poderá ocorrer lesão isquêmica no local, especialmente em extremidades do corpo. Outros fatores que podem influenciar positivamente a Cmax alcançada incluem o uso de uma dose maior, o débito cardíaco do paciente e a vasodilatação na região associada ao bloqueio do nervo (KATZUNG et al., 2017). Anestésicos locais com alta ligação de proteínas ao ácido alfa-1 glicoproteína têm uma duração de ação mais longa e menor biodisponibilidade. Hipóxia, hipercarbia e acidemia, todas diminuem a ligação às proteínas e aumentam o risco de toxicidade. Crianças menores de seis meses têm menor capacidade de ligação às proteínas. O volume de distribuição dos anestésicos locais depende principalmente da estrutura do agente. Os anestésicos locais com grupamento amida são amplamente distribuídas, enquanto os do tipo éster de metabolização rápida têm um volume de distribuição muito menor. A captação pulmonar de primeira passagem do tipo amida pode diminuir significativamente a concentração plasmática da droga após administração, especialmente em agentes com alta solubilidade lipídica e baixo pKa (KATZUNG et al., 2017). Os anestésicos locais do tipo éster e amida diferem quanto ao seu metabolismo, bem como quanto ao seu potencial alérgico. Os do tipo éster são hidrolisados rapidamente no plasma por pseudocolinesterases formando o metabólito ácido para-aminobenzóico (PABA), que pode causar reações alérgicas. A meia-vida plasmática varia de menos de 1 minuto (cloroprocaína) a 8 minutos (tetracaína). A cocaína, ao contrário de outros ésteres, sofre hidrólise hepática seguida de excreção renal. No fígado, os anestésicos locais tipo amida são metabolizados principalmente pelas enzimas do citocromo P450. Eles sofrem hidroxilação aromática, hidrólise de amida e/ou N- desalquilação. Nos anestésicos locais do tipo amida, o metabolismo é muito mais lento do que a hidrólise plasmática e, portanto, os anestésicos locais do tipo amida são mais propensos ao acúmulo na presença de disfunção hepática ou fluxo sanguíneo hepático reduzido. As amidas têm um potencial alérgico muito baixo e uma reação observada pode ser causada por um aditivo como o agente estabilizador metilparabeno. Além disso, a resposta a adjuvantes vasoconstritores pode ser confundida com alergia (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). Os valores de depuração e meio-tempo de eliminação para anestésicos locais de amida representam principalmente o metabolismo hepático porque a excreção renal do fármaco inalterado é mínima. O acúmulo de metabólitos pode ocorrer na insuficiência renal. A lidocaína tem uma alta taxa de extração hepática: a depuração depende do fluxo sanguíneo hepático e é relativamente inalterada por mudanças na atividade das enzimas hepáticas. Devido à eficiência da droga em se dissociar das proteínas plasmáticas, entrar no hepatócito e se submeter ao metabolismo, a etapa limitante da taxa é a perfusão hepática. Isso é importante em doenças críticas, particularmente em estados de baixo débito cardíaco e fluxo sanguíneo hepático reduzido (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). REFLITA Os anestésicos locais do tipo amida são metabolizados principalmente pelas enzimas do citocromo P450 no fígado e eliminados pelos rins. Por outro lado, os anestésicos do tipo éster têm rápida metabolização, sendo degradados pelas colinesterases no plasma e no fígado. Dessa forma, dependendo da sua classificação em anestésicos do tipo amida ou éster, teremos tempos de meia diferenciado. Reflita e lembre-se disso! NA CLÍNICA Os anestésicos locais podem serassociados a um vasoconstritor, pois isso diminui a absorção sistêmica do anestésico local, possibilitando um maior tempo de ação no local da injeção. Dessa forma, a associação de vasoconstritores pode prolongar ou intensificar a ação dos anestésicos locais. Vamos estudar os principais efeitos adversos aos anestésicos locais. Os anestésicos locais, em geral, podem causar toxicidade local e sistêmica de acordo com a dose aplicada e o grau de absorção. Entre os principais efeitos adversos que a administração de anestésicos locais pode causar destacam-se a neurotoxicidade e a cardiotoxicidade, à medida que os níveis plasmáticos aumentam. A neurotoxicidade resulta da ação de anestésicos locais bloqueando as vias inibitórias dentro do cérebro, o que leva à atividade excitatória sem oposição com sinais clínicos, como espasmos e convulsões. Conforme os níveis plasmáticos continuam a aumentar, efeitos cardiotóxicos ocorrerão, devido ao bloqueio dos canais de sódio, resultando em uma diminuição no aumento da fase 0 do potencial de ação cardíaco. Em geral, a toxicidade sistêmica é mais provável de ocorrer com agentes com alta lipossolubilidade (isto é, bupivacaína, etidocaína, tetracaína). Além disso, os enantiômeros S são menos tóxicos do que os enantiômeros R, tornando a levobupivacaína e a ropivacaína mais seguras do que suas contrapartes dextrorotárias (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). Um monitoramento cuidadoso do estado cardiovascular do paciente deve ser realizado, a fim de descartar toxicidade cardíaca com risco de vida. Caso seja encontrada depressão cardiovascular, o uso criterioso de suporte de fluidos e inotrópicos pode ser suficiente para restaurar os parâmetros cardiovasculares normais. As arritmias cardíacas não devem ser tratadas com administração adicional de bloqueadores dos canais de sódio. Como alternativa, a amiodarona é recomendada para o tratamento de arritmias ventriculares associadas à sobredosagem de anestésico local. Se ocorrer parada cardíaca ou arritmia ventricular maligna, a ressuscitação cardiopulmonar deve ser iniciada imediatamente. A vasopressina e os bloqueadores dos canais de cálcio devem ser evitados (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). A toxicidade local causada pelos anestésicos locais nos nervos (e outros tecidos) é dependente do tempo, da concentração e das características de cada droga. A neurotoxicidade local pode resultar de lesão direta nas células nervosas quando os anestésicos locais são aplicados. A condrotoxicidade é uma sequela comum da injeção de anestésicos locais em espaços comuns; portanto, a administração intra-articular é desencorajada. A miotoxicidade também foi relatada após a administração de anestésicos locais no músculo esquelético (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). Os anestésicos locais também têm o potencial de causar dano oxidativo à hemoglobina, resultando na formação de metemoglobina. Benzocaína e prilocaína são os agentes mais comumente associados ao desenvolvimento de metemoglobinemia. Reações alérgicas também são associadas aos anestésicos locais. O metabolismo da maioria dos ésteres resulta na produção de ácido para-aminobenzóico (PABA), o qual pode desencadear processos alérgicos (BRUNTON et al., 2019; KATZUNG et al., 2017). Agora, vamos estudar as principais classes farmacológicas e os seus principiais representantes. 3.2 CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS 3.2.1 Anestésicos local do tipo éster Os anestésicos locais do tipo éster incluem cocaína, benzocaína, procaína, clorprocaína, tetracaína e propoxicaína. 3.2.1.1 Cocaína A cocaína é um éster de ácido benzoico, único anestésico local de origem natural encontrado nas folhas de Erythroxylon coca. Na prática clínica, o principal uso terapêutico da cocaína é descrito como anestésico oftalmológico tópico. A cocaína possui acentuada ação vasoconstritora, e ação inibitória da captação de catecolaminas nas terminações sinápticas do sistema nervoso periférico e sistema nervoso central. Esse efeito é responsável pelo potencial cardiotóxico pronunciado da cocaína e da “excitação” produzida aos usuários. A cardiotoxicidade e a euforia limitam o valor da cocaína como anestésico local (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.1.2 Procaína A procaína é um agente anestésico indicado para produção de anestesia local ou regional, principalmente para cirurgia oral. A procaína (como a cocaína) tem a vantagem de contrair os vasos sanguíneos, o que reduz o sangramento, ao contrário de outros anestésicos locais como a lidocaína. A procaína é um anestésico do tipo éster cuja ação começa dentro de 5 minutos e sua duração é curta (30-60 min). A dose máxima para adultos é de 10 mg/kg/dose (350-500 mg) sem epinefrina e 14 mg/kg/dose (600 mg) com ela. Igual a outros anestésicos desta categoria, seu metabolismo é plasmático pelas enzimas pseudocolinesterases, por meio de hidrólise em ácido para-aminobenzóico (PABA), que é então excretado pelos rins na urina (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.1.3 Tetracaína Tetracaína é um anestésico local à base de éster de ação longa e altamente potente, sendo utilizada principalmente na anestesia espinal e tópica. Pode ainda ser empregada como creme e adesivo para induzir analgesia local na pele durante pequenos procedimentos médicos. Seu tempo de ação é atribuído a sua elevada hidrofobicidade (presença de um grupo butila ligado ao anel aromático), possibilitando maior permanência do fármaco no tecido que circunda um nervo. A hidrofobicidade da tetracaína também promove uma interação prolongada com o seu sítio de ligação no canal de sódio, determinando uma maior potência do que a da lidocaína e procaína. Seu metabolismo efetivo é lento, apesar do potencial de rápida hidrólise pelas esterases, visto que é liberada apenas gradualmente dos tecidos para a corrente sanguínea. Os efeitos adversos mais comuns com o creme são reações localizadas, como eritema, edema e despigmentação da pele. Os eventos adversos sistêmicos são incomuns, ocorrendo a uma taxa deresistência periférica total e pressão arterial média. Com o bloqueio neural central, essas alterações podem ser atribuídas ao bloqueio das fibras autonômicas, a um efeito depressor direto do agente anestésico local em vários componentes do sistema cardiovascular e/ou à ação estimuladora do receptor beta-adrenérgico da epinefrina, quando presente. Em particular, tais efeitos cardíacos estão provavelmente associados ao efeito principal que a lidocaína provoca quando se liga e bloqueia os canais de sódio, inibindo os fluxos iônicos necessários para a iniciação e condução dos impulsos de potencial de ação elétrica necessários para facilitar a contração muscular. Posteriormente, em miócitos cardíacos, a lidocaína pode potencialmente bloquear ou retardar o aumento dos potenciais de ação cardíaca e suas contrações de miócitos cardíacos associadas, resultando em possíveis efeitos como hipotensão, bradicardia, depressão miocárdica, arritmias cardíacas e talvez parada cardíaca ou colapso circulatório. Além disso, a lidocaína tem uma constante de dissociação (pKa) de 7,7 e é considerada uma base fraca. Como resultado, cerca de 25% das moléculas de lidocaína estarão não ionizadas e disponíveis no pH fisiológico de 7,4 para translocar dentro das células nervosas, o que significa que a lidocaína desencadeia um início de ação mais rapidamente do que outros anestésicos locais que têm valores de pKa mais altos. Esse rápido início de ação é demonstrado em cerca de um minuto após a injeção intravenosa e quinze minutos após a injeção intramuscular. A lidocaína administrada subsequentemente se espalha rapidamente pelos tecidos circundantes, e o efeito anestésico dura aproximadamente 10 a 20 minutos, quando administrada por via intravenosa, e cerca de 60 a 90 minutos, após a injeção intramuscular. No entanto, parece que a eficácia da lidocaína pode ser minimizada na presença de inflamação. Esse efeito pode ser devido à acidose diminuindo a quantidade de moléculas de lidocaína não ionizada, uma redução mais rápida na concentração de lidocaína como resultado do aumento do fluxo sanguíneo ou, potencialmente, também devido ao aumento da produção de mediadores inflamatórios como peroxinitrito que induzem ações diretas sobre o sódio canais (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.2.2 Bupivacaína A bupivacaína também é um anestésico do grupo amida amplamente utilizado. Em comparação com outros anestésicos locais, tem uma longa duração de ação. O início da ação é mais lento do que o da lidocaína (5 a 8 minutos) e sua duração é mais longa do que a da lidocaína (2 a 4 horas). Sua segurança para a população pediátrica permanece mal estabelecida. A dose máxima em adultos é de 2 mg/kg/dose (175 mg em dose única) ou 400 mg/24 h sem adrenalina – quando usada adrenalina, é possível usar doses de até 225 mg. A bupivacaína é frequentemente administrada por injeção espinhal antes da artroplastia total do quadril. Seu uso é benéfico para procedimentos prolongados sendo indicada principalmente para a produção de anestesia ou analgesia local ou regional para cirurgia, para procedimentos de cirurgia oral, para procedimentos diagnósticos e terapêuticos e para procedimentos obstétricos. Tem sido amplamente utilizada em baixas concentrações para anestesia no trabalho de parto e no pós-operatório, visto que proporciona 2-3 horas de alívio da dor sem o bloqueio motor imobilizante. A bupivacaína é metabolizada no fígado, onde sofre N- desalquilação por enzimas do citocromo P450. A bupivacaína tem potencial cardiotóxico; sendo considerada um dos anestésicos locais mais tóxico para o coração quando administrado em grandes doses. Portanto, é necessário ter cuidado com os pacientes que usam bloqueadores-β ou digoxina (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.2.3 Articaína A articaína é um anestésico com ligação amida que foi aprovado para uso clínico nos Estados Unidos no ano 2000. Assim como a prilocaína, ao contrário dos demais anestésicos locais que possuem um grupo amina terciário, essas drogas têm um grupo amina secundário. A articaína também é estruturalmente singular, visto que contém um grupo éster ligado a um anel tiofeno. A presença do grupamento éster torna a articiaina susceptível a metabolização no plasma pelas colinesterases, assim como no fígado. O seu rápido metabolismo no plasma pode minimizar a toxicidade potencial da articaína (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). A articaína apresenta início de ação rápida (2 a 4 minutos) e duração semelhante à de lidocaína (30- 120 minutos). Sua dose máxima é de 7 mg/kg/dose (350 mg) sem epinefrina e 500 mg com epinefrina. A dose máxima recomendada para crianças com mais de quatro anos é de 7 mg/kg/dose. A articaína é comumente usada para controle da dor durante pequenas cirurgias ou procedimentos invasivos, como biópsias, pequenas excisões ou trabalho dentário. O uso da articaína não foi associado a elevações das enzimas séricas, mas, quando administrada como infusão constante ou injeções repetidas, foi ocasionalmente mencionada como possível causa de lesão hepática clinicamente aparente (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.2.4 Prilocaina A prilocaína é usado como anestésico local frequentemente em odontologia. Sua ação tem início entre 5 e 6 minutos. Sua duração é intermediária, que varia de 30 a 120 minutos. Seu máximo permitido a dose é 5,7 – 8,5 mg/kg/dose (máximo de 400 mg) sem epinefrina e 600 mg com o vasoconstritor. Seu metabolismo é hepático e renal. Se as doses forem superiores a 8 mg/kg, pode haver risco de metemoglobinemia, devido ao seu metabólito ortotoluidina (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.2.2.5 Ropivacaína A ropivacaína é um anestésico usado em anestesia obstétrica e anestesia regional para cirurgia e que apresenta lentidão no seu início de ação (1 a 5 minutos) e longa duração (2 a 6 horas). O permitido a dose máxima é de 2,9 mg/kg/dose sem adição de adrenalina (máximo: 200 mg). Sua segurança em crianças não está definida. Semelhante ao outro grupo de anestésicos, a ropivacaína é metabolizada pelo fígado (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3 APLICAÇÕES CLÍNICAS 3.3.1 Cremes A administração tópica dos anestésicos locais por meio de cremes é particularmente útil na população pediátrica. Os anestésicos locais mais comumente usados e dispensados são a lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5% dispensados em associação formando uma mistura eutética e pela tetracaína 4%. Eles devem ser aplicados cerca de 1 hora antes do procedimento e produzem um efeito anestésico superficial por até 2 e 4 horas, respectivamente (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.2 Aplicação oftálmica A anestesia tópica é o principal método para facilitar a cirurgia de catarata. Oxibuprocaína 0,4%, proxi-metacaína 0,5%, tetracaína 0,5% ou lidocaína 3,5% podem ser administradas na forma líquida em gotas ou em gel pelo menos 5 a 10 minutos antes do procedimento cirúrgico. A anestesia tópica irá bloquear os ramos oftálmicos nervosos geminais, fornecendo uma anestésica da região da córnea e conjuntival (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.3 Adesivos Os adesivos tópicos têm um papel importante na gestão dor. Embora não esteja atualmente licenciado para o uso fora da neuralgia herpética, evidências crescentes apoiam a uso de adesivos de lidocaína em outras áreas de dor crônica, incluindo síndrome complexa de dor regional. Lidocaína 25 mg e prilocaína 25 mg são os principais anestésicos locais disponíveis nesta forma deapresentação. Geralmente, são empregados em associação para pequenos procedimentos cirúrgicos de lesões localizadas ou para inserção de agulha. É importante lembrar que esse tipo de anestesia tópica é recomendado apenas em pele intacta (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.4 Infiltração local A infiltração subcutânea de anestésicos locais é comumente usada para auxiliar na clínica procedimentos e pequenas cirurgias. Infiltração contínua de anestésicos locais via cateteres é uma forma cada vez mais comum de fornecer analgesia em cirurgias adequadas. Esses sistemas têm o benefício de permitir analgesia contínua, ajudando a reduzir as necessidades de opioides. Os anestésicos locais podem ser administrados por via intradérmica ou subcutânea. Essa técnica produz entorpecimento muito mais rapidamente do que a anestesia tópica, visto que o agente não precisa atravessar a epiderme. Por outro lado, a injeção costuma ser dolorosa, provocando ardência no local devido ao pH ácido da solução na qual o fármaco é mantido para ele esteja em uma forma solúvel ionizada. Os anestésicos locais utilizados com mais frequência para anestesia infiltrativa são a lidocaína, a procaína e a bupivacaína (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.5 Intratecal Anestésico local administrado por via intratecal é adequado para cirurgias abaixo do umbigo. A solução anestésica local é aplicada no canal espinhal para acessar o líquido cefalorraquidiano para fornecer um bloqueio sensorial e motor. Doses mais baixas de anestésicos locais em comparação com a forma epidural são necessários para dar um bloqueio sensorial denso. Prilocaína e bupivacaina são os agentes intratecais mais comumente usados. Tanto a prilocaína quanto a bupivacaína têm tempos de início rápido de menos de 5 minutos com uma altura de bloqueio sensorial que se torna estável 10-15 minutos após a administração. A duração da anestesia é estimada em 1 a 1,5 horas para prilocaína e de 2 a 4 horas com bupivacaína, dependendo no sítio cirúrgico e no nível do bloqueio (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.6 Epidural As indicações para a administração de anestésico local peridural são generalizadas. A anestesia peridural pode ser administrada por bolus ou infusão contínua por meio de um cateter peridural. Os cateteres podem ser colocados em vários níveis vertebrais para fornecer anestesia segmentar e analgesia. Lidocaína, bupivacaína, levobupivacaína e ropivacaína são comumente administradas por via epidural. Volumes de bolus típicos de 10 e 15 ml de bupivacaína a 0,5% é comumente usada em peridural lombar espaço, que é reduzido se administrado na região torácica ou cervical região. As taxas de infusão diferem dependendo do local da epidural, local da cirurgia e concentrações de drogas administradas, mas geralmente variam entre 8 e 15 ml/h em adultos. Misturas típicas para infusões contínuas incluem 0,125% de bupivacaína ou 0,1% bupivacaína com ou sem fentanil 2 mg/ml (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). 3.3.7 Caudal O espaço caudal é a continuação do espaço epidural no sacro. Em adultos, a propagação da solução na região caudal o espaço é variável, devido à densa gordura epidural nesta região em comparação com as crianças. Como tal, os blocos caudais são mais comumente usados na prática pediátrica. Este regime usa bupivacaína a 0,25% com volumes variáveis dependendo do nível de anestesia desejado. Normalmente citado os volumes são de 0,5 ml/kg para atingir o bloqueio sacral, 1,0 ml/kg para lombar e 1,5 ml/kg para bloqueio torácico. É importante que a dose máxima do anestésico local seja precisamente calculada e não excedida. A duração da analgesia varia de aproximadamente 4 a 8 horas (BRUNTON et al., 2019; GOLAN et al., 2014; KATZUNG et al., 2017). Conclusão Os anestésicos locais compreendem um grupo único e específico de fármacos considerados de vital importância para a prática da medicina e cirúrgica, uma vez que são capazes de produzir um bloqueio local ou regional da sensação da dor. Seus efeitos clínicos envolvem o bloqueio dos neurônios de dor, denominados nociceptores e todos os anestésicos locais têm como alvo o canal de Na+ controlado por voltagem no lado citoplasmático da membrana. Todos os anestésicos locais possuem e domínios funcionais: um grupo aromático, um gurpo amina ionizável e uma cadeia intermediária do tipo éster ou amida que une esses dois grupamentos. Essa estrutura é comum a quase todos os anestésicos locais e contribui para sua hidrossolubililidade, lipissolubilidade, potência, tempo de início do efeito e toxicidade. O anel aromático e seus substituintes conferem as características de hidrofobicidade, já o grupamento amina influencia principalmente o grau de ionização (pKa) dos anestésicos determinando a potência e a velocidade e tempo de ação dos anestésicos, respectivamente. Os anestésicos locais com valores de pKa de 8-10 (bases fracas) são considerados os mais efetivas como anestésicos locais. A forma neutra pode atravessar as membranas, alcançando os canais de sódio no lado citoplasmáticos, enquanto a forma ionizada da droga está disponível para ligar-se com alta afinidade ao sítio-alvo. Além da inibição dos canais de sódio nas fibras nervosas, os anestésicos locais atuam em diferentes receptores em nosso organismo, produzindo outros efeitos. Alguns desses efeitos auxiliares representam uma promessa terapêutica e podem levar potencialmente a outras indicações, como a cicatrização de feridas, a trombose, a lesão cerebral induzida por hipoxia/isquemia e a hiperativida de brônquica. Outros efeitos observados, e que ainda carecem de mais estudos, indicam seu uso no manejo da dor crônica e neuropática, como aquela observada em pacientes com neuropatia diabética, neuralgia pós-herpética, queimaduras, câncer e acidente vascular cerebral. Apesar de serem considerados fármacos seguros, os anestésicos locais podem ter muitos efeitos tóxicos potenciais, incluindo efeitos sobre os tecidos locais, a vasculatura periférica, o coração e o sistema nervoso central. É também possível a ocorrência de reações de hipersensibilidade. Portanto, o conhecimento do local e as características químicas e farmacológicas do anestésico é essencial para o uso seguro de esses agentes. LEITURA OBRIGATÓRIA Anestésicos locais. In: BRUNTON, L.; HILAL- DANDAN, R.; KNOLLMAN, B. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019. Referências BRUNTON, L.; HILAL-DANDAN, R.; KNOLLMAN, B. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019. KATZUNG, B. G. (Org.). Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. GOLAN, D.E., TASHJIAN, A.H., ARMSTRONG, E.J., ARMSTRONG, A.W. (Org.). Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 3. edição. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2014. Parabéns, esta aula foi concluída! O que achou do conteúdo estudado? Péssimo Ruim Normal Bom Excelente Mínimo de caracteres: 0/150