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1 A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM HERDEIRO INCAPAZ Alinne de Angelo Canabrava1 Jéferson Araújo Sodré2 RESUMO O presente artigo visa analisar a possibilidade de realização de inventário por escritura pública quando houver herdeiro interessado incapaz, eis que, atualmente, esta possibilidade é vedada pelo Código de Processo Civil. Pretende-se analisar as modalidades de inventário atualmente previstas em nosso ordenamento jurídico. Ainda será analisada alguns casos em que houve a autorização para realização de inventário extrajudicial com a presença de incapaz. Por último será analisado o Projeto de Lei nº 606/2022 que pretende a alteração do art. 610 do Código de Processo Civil para permitir a realização de inventário por escritura pública, mesmo quando houver herdeiro incapaz, e o como será realizado este procedimento. Para tanto, será utilizado estudo de doutrinas, legislação, dados fornecidos por veículos de informação. Palavras-chave: Inventário. Herdeiros incapazes. Desjudialização. Celeridade. Lei nº 11.441/2007 ABSTRACT This article aims to analyze the possibility of carrying out an inventory by public deed when there is an incapable interested heir, as this possibility is currently prohibited by the Civil Procedure Code. The aim is to analyze the inventory modalities currently provided for in our legal system. Some cases will still be analyzed in which there was authorization to carry out an extrajudicial inventory with the presence of an incapacitated person. Finally, Bill No. 606/2022 will be analyzed, which seeks to change art. 610 of the Code of Civil Procedure to allow inventory to be carried out by public deed, even when there is an incapable heir, and how this procedure will be carried out. To this end, studies of doctrines, legislation and data provided by information vehicles will be used. Keywords: Inventory. Incapable heirs. Dejudicialization. Celerity. Lei nº 11.441/2007 1 2 Mestre em Administração Pública (UNIR) e Graduado em Direito (UNIR). Assistente em Administração (UNIR) e Orientador do Curso de Especialização em Direito Processual Civil (UNIR). E-mail: jeferson.sodre@unir.br 2 1 INTRODUÇÃO A Lei nº 11.441/2007, introduziu ao ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de realizar inventário e partilha e divórcio consensual por via de escritura pública, realizada em cartórios de registro civil. Esta possibilidade transformou o direito sucessório e de família, já que trouxe muito mais celeridade a tais procedimentos e, consequentemente, maior efetividade ao acesso à justiça, já que os interessados podem se valer da via administrativa para buscar uma solução aos seus impasses, sem a necessidade de buscar o poder judiciário, que se encontra sobrecarregado. Contudo, este caminho não é permitido quando exista a presença de interessados incapazes, por expressa vedação legal. Com isso,os processos que envolvam incapazes devem ser propostos judicialmente, e consequentemente, acabam por demorar muito mais tempo do que o necessário. Diante deste cenário, o objetivo deste artigo é demonstrar que é possível flexibilizar esta vedação, desde que o procedimento observe algumas regras, dentre elas a participação do Ministério Público. Ademais, pretende-se analisar as Portarias editadas por alguns Tribunais de Justiça brasileiro, que já permitem a realização de inventário extrajudicial, mesmo com a presença de incapaz e o Projeto de Lei nº 606/2022 que pretende alterar o Código de Processo Civil e permitir tal possibilidade em todo o território brasileiro. 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O INVENTÁRIO E PARTILHA O Código Civil determina, em seu art. 6º, que a morte cessa a existência da pessoa natural. Coma morte da pessoa natural, a herança é transmitida de plano para seus herdeiros, ante o princípio do saisine. Apura-se então os bens existentes, através do inventário e, posteriormente, estes são divididos entre os partilhados entre os herdeiros. (SGANZERLA, 2023, p. 66) O princípio do saisine está previsto no Código Civil, no art. 1.784, que determina que, “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. 3 De acordo com Tartuce (2017, n.p), o princípio do saisine deve ser tido como a regra fundamental do direito sucessório, onde a transferência dos bens aos herdeiros legítimos e legatários ocorre imediatamente após a morte. Embora os bens sejam transmitidos de forma automática aos herdeiros, neste momento inicial, o que se tem é a totalidade dos bens e direitos, sem a sua exata dimensão ou quantidade, sendo impossível determinar qual bem ficará com qual herdeiro. Isso porque, neste momento inicial, o acervo de bens constitui a figura do espólio, ente sem personalidade jurídica. (DONIZETTI, 2019, p.1318) Para que sejam apurados os bens, é necessária a abertura de inventário. No que tange a sua definição, ensina Caio Mario Pereira da Silva: ...é o processo judicial pelo qual se efetua a descrição dos bens da herança, lavra-se o título de herdeiro, liquida-se o passivo do monte, paga-seo imposto de transmissão mortis causa, e realiza-se a partilha dos bens entre os herdeiros. Concluído, expede-se o “formal de partilha”, com a discriminação dos haveres quecabem no quinhão dos herdeiros, e compõem os pagamentos. Desta forma, embora a transmissão dos bens aos herdeiros seja imediata, é necessária a abertura de processo judicial para que sejam apurados todos os bens, herdeiros e dívidas deixados pelo de cujus, realizar a liquidação das dívidas e o pagamento do imposto de transmissão, para então partilhar os bens entre os sucessores. 2.1 Inventário e partilha judicial O inventário e partilha realizados pela via judicial é regulamentado pelo Código de Processo Civil (CPC), previsto em seu Capítulo VI, nos arts. 610 a658. De plano, o art. 610 restringe a sua utilização para duas hipóteses, ao determinar que proceder-se-á o inventário judicial quando houver herdeiro incapaz ou testamento. O processo de inventário deve ser instaurado no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da morte do de cujus, conforme o art. 611. O citado dispositivo legal, contudo, autoriza ao juiz a prorrogar esse prazo de ofício ou a requerimento das partes. A competência territorial para o processamento do inventário o domicílio do autor, conforme determina o art. 48 do CPC. 4 No que se refere a legitimidade para instaurar o inventário, determina o art. 615 que este deve ser requerido por quem estiver na posse e na administração do espólio. Aberto o inventário, o juiz nomeará o inventariante,seguindo a ordem de preferência prevista no art. 617.Em primeiro lugar, será nomeado o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivessem convivendo com o de cujus ao tempo de sua morte. Na falta destes, será nomeado o herdeiro que estiver na posse ou administração dos bens. Caso nenhum herdeiro esteja na posse, será nomeado qualquer um dos sucessores.Inexistindo herdeiro maior, poderá ser inventariante o herdeiro incapaz, através de seu representante legal. Também poderão ser inventariantes o testamenteiro, o cessionário do herdeiro ou legatário, o inventariante judicial, ou pessoa estranha e idônea quando não houve inventariante judicial. Após prestar compromisso, por determinação do art. 620, o inventariante apresentará, no prazo de 20 dias, contados a partir da data que em que prestou compromisso, as primeiras declarações. Nesta manifestação, deverá apresentar a qualificação do autor da herança, a qualificação dos herdeiros e do cônjuge ou companheiro supérstite, a qualidade dos herdeiros e o grau de parentesco, a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio e as dívidas ativas e passivas do espólio. (Art. 620 incisos I a IV, do CPC) Após a apresentação das primeirasdeclarações, o art. 626 do CPC determina ao juiz que deverão ser citados o cônjuge ou companheiro, os herdeiros e os legatários. Ainda, deverá intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, quando houver herdeiro incapaz ou ausente e o testamenteiro, caso o de cujus tenha deixado testamento. Concluídas as citações, será concedido às partes o prazo comum de 15 (quinze) dias, para que se manifestem sobre as primeiras declarações, momento em que poderão arguir erros, omissões e sonegações de bens, insurgir-se quanto a nomeação do inventariante e contestar sobre a qualidade de quem foi incluído como herdeiro. (Art. 627, incisos I, a III, CPC) 5 Caso haja impugnação e esta seja sobre erros, omissões ou sonegação de bens e esta venha a ser julgada procedente, o juiz determinará a retificação das primeiras declarações, conforme previsto no parágrafo primeiro do art. 627, do CPC. Se acolher impugnação relativa à nomeação do inventariante, o juiz nomeará outro, observando a preferência legal estabelecida no já mencionado art. 617. (Art. 627, § 2º, CPC) Quando se tratar de insurgência quanto a qualidade de herdeiro e esta demandar a produção de provas além das documentais, o juiz remeterá, por força do que dispõe o art. 627, § 3º, às vias ordinárias e suspenderá a entrega do quinhão que couber ao herdeiro admitido. Decorrido o prazo estipulado no caput do art. 627 do CPC, sem impugnação ou quando for decidida a eventual impugnação oposta, o art. 630 do CPC determina ao juiz que este nomeie, caso seja necessário, perito para avaliar os bens do espólio, caso não haja avaliador judicial na comarca. Esta avaliação tem o objetivo de apurar o monte partível e viabilizar à Fazenda Pública a realização do cálculo do imposto causa mortis. Contudo, se todos os herdeiros forem capazes e a Fazenda pública aceitar o valor informado nas primeiras declarações, é possível dispensar esta avaliação. (DONIZETTI, 2019, p.1333) Nos casos em que for realizada a avaliação, quando este for acostado ao processo, as partes serão intimadas para se manifestarem quanto ao valor da avaliação, no prazo de 15 (quinze) dias. (Art. 635, CPC) Caso haja impugnação, relativa ao valor atribuído pelo perito, cabe ao juiz decidir de plano, utilizando as informações existentes nos autos, conforme autoriza o art. 635, § 1º do CPC. O parágrafo 2º do art. 635, determina, por sua vez, que se acolhida a impugnação, determinará o juiz que o perito retifique sua avaliação. Em continuidade, o art. 636 dispõe que, nos casos em que for aceito ou laudo, ou tendo sido resolvidas as impugnações arguidas a seu respeito, será lavrado o termo de últimas declarações. A petição de últimas declarações encerra a fase de inventário dos bens do espólio e por isso, esta deve indicar seus bens com exatidão. Porisso é facultado ao inventariante a possibilidade de emendar, aditar ou completar as primeiras declarações.(DONIZETTI, 2019, p.1333) 6 Após o inventariante apresentar as últimas declarações, as outras partes serão ouvidas no prazo comum de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o art. 637. Havendo alguma insurgência dos demais herdeiros, cabe ao juiz decidir de plano a respeito. (DONIZETTI, 2019, p.1333) Findo prazo do art. 637, sem manifestação dos herdeiros, ou tendo decidido o juiz acerca das impugnações, será realizado o cálculo do imposto.Após a apresentação do cálculo, novamente será aberto prazo, desta vez de 05 dias para que as partes se manifestem acerca deste, conforme previsão do art. 638. Existe ainda o dever de os herdeiros informarem no inventário o (os) bem (ens) que tenham recebido em vida do de cujos, ou seu (s) valor (res). Esta obrigação tem o escopo de igualar os quinhões de cada herdeiro conforme os arts. 2.002 a 2.012 do Código Civil. (BUENO, 2015. p.448) No curso do processo de inventário, podem os credores do de cujus pleitear o pagamento das dívidas, mediante petição acompanhada de prova literal, conforme disposto no art. 642,caput e § 1º do CPC. Esta petição será distribuída por dependência aos autos de inventário. Se todos os herdeiros concordarem com o pedido de pagamento, será deferida a habilitação do credor e determinado, pelo juiz a separação do valor necessário para a sua quitação ou dos bens necessários a satisfação da dívida. Estes bens serão alienados seguindo as formas previstas de expropriação de bens. Cabe ainda a possibilidade de adjudicação, a ser requerida pelo credor e anuída pelos herdeiros. (NEVES, 2017p. 980) Ocorrendo a separação dos bens para pagamento dos herdeiros habilitados, de acordo com art. 647 do CPC, o juiz facultará as partes que formulem o pedido de quinhão. Em seguida o juiz deliberará acerca da partilha e designará os bens que devam integrar o quinhão de cada sucessor. As partes podem, ainda, desde que capazes, realizar por acordo de vontades, a partilha dos bens. Contudo, caso não haja acordo, será realizado o esboço da partilha. Feito tal esboço, as partes poderão se manifestar sobre ela, no prazo de 15 dias. Após a resolução de eventuais questionamentos, será efetivada a partilha. Na sequência será realizado o recolhimento do imposto e deverá ser apresentada a certidão negativa de tributos nos autos. Tendo sido recolhido o imposto, o juiz julgará por sentença o inventário. (BUENO, 2015. p.448) 7 A sentença proferida nos autos de inventário tem natureza constitutiva, eis que altera a situação dos herdeiros e põe fim ao estado de indivisão patrimonial decorrente do falecimento do autor da herança. (BUENO, 2015. p.448;NEVES, 2017, p. 985) Com o trânsito em julgado, cada herdeiro receberá os bens que lhe couberem e um formal de partilha, conforme determina o art. 655 do CPC. Importante mencionar que, as decisões proferidas ao longo do processo de inventário podem ser podem ser objeto de recurso, eis que, no art. 1.015, parágrafo único, do CPC, está contida a possibilidade de se interpor agravo de instrumento das decisões interlocutórias no processo de inventário. Ademais, caso exista herdeiro incapaz, o Ministério Publico será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica, conforme determina o art. 178, II, do CPC. Como se vê, o inventário judicial é um rito essencialmente burocrático, com fases bem definitas e prazos maiores. Ainda conta com a participação da Fazenda Pública ao longo do seu trâmite. Por tais razões o inventário judicial tende a ser moroso, dispendioso e gera desgaste entre os envolvidos. (ÁVILA; MAZZEI, 2021, p.16-17) 2.2 Inventário e Partilha Extrajudiciais A possibilidade realização de inventário extrajudicial passou a ser possível com o advento da Lei Federal nº 11.441 de 2007, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, entre eles, o art. 982, que passou a permitir a realização de inventário e partilha por escritura pública, desde que não houvessetestamento ou interessado incapaz. Posteriormente, como houve dúvidas quanto a aplicação da Lei nº 11.441/2007, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 35 de 24/04/2007. Dentre as regras trazidas pela Resolução nº 35, tem-se no seu art. 1º a possibilidade de livre escolha do tabelião de notas, não sendo necessária a observância das regras de competência do Código de Processo Civil. Assim, diferente do inventário judicial, que deve ser proposto no último domicílio do de cujos, conforme regra prevista no art. 48 do CPC, o inventário extrajudicial poderá ser proposto em qualquer tabelionato do país. 8 O art. 2º da Resolução 35 faculta, ainda, a possibilidade de escolha entre a via judicial ou extrajudicial e permite que os interessados solicitem, a qualquer momento, a suspenção, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência do inventário proposto pela via judicial para a realização de inventário extrajudicial. Ainda que se opte pela via extrajudicial, é obrigatórioque os interessados sejam assistidos por advogado, cujo nome e registro na OAB deverá constar na lavratura da escritura de inventário, conforme determina o art. 8º da Resolução 35. O art. 11 da Resolução nº 35 determina a obrigatoriedade de se nomear interessado para representar o espólio, como poderes de inventariante para cumprir as obrigações ativas ou passivas pendentes, sendo desnecessário seguir a ordem prevista no art. 617 do CPC. No que se refere aos poderes do representante do espólio, o parágrafo 2º do art. 11, informa que este poderá buscar informações bancárias e fiscais, imprescindíveis para a apuração dos bens e levantamento de quantias para o pagamento do imposto e dos emolumentos do inventário. Segundo o art. 21 da Resolução 35, a escritura publica de inventário e partilha conterá a qualificação do de cujus, seu regime de bens caso fosse casado, a existência de pacto antenupcial e seu registro imobiliário, o dia e local do seu falecimento, a data da expedição de certidão de óbito, acrescido das informações do seu registro junto ao cartório de registro civil e a declaração dos herdeiros, sob as penas da Lei, de que o autor da herança não deixou testamento ou outros herdeiros. Para a lavratura da escritura de inventário, por determinação do art. 22 da Resolução 35, devem ser apresentados os seguintes documentos:a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado. Assim como no inventário judicial, o recolhimento dos impostos deve anteceder a lavratura da escritura, conforme previsto no art. 15 da Resolução 35. A respeito do inventário extrajudicial, quando da sua introdução ao ordenamento jurídico, VELOSO (2010, p.103) pontuou que este representou um 9 grande marco no Direito brasileiro, eis que permitiu aos interessados optarem por um procedimento mais curto e célere, sem a necessidade de se buscar a via judicial e, sobretudo com a certeza do momento em que este se inicia e acaba. Isto, para o Autor é fundamental para superar o momento em que a família do de cujus se encontra. Além disso, o inventário extrajudicial desincumbe o Poder Judiciário de questões inerentes a direitos individuais disponível que podem perfeitamente ser objeto de transação por meio de negócio jurídico, deixando apenas as demandas litigiosas para a tutela jurisdicional. (DONIZETTI, 2019,p.1321) 3 POSSIBILIDADE DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM HERDEIRO INCAPAZ COMO MEDIDA DE DESJUDICIALIZAÇÃO Como visto anteriormente, o inventário extrajudicial possui algumas vantagens em relação ao inventário judicial, sobretudo em relação ao tempo de duração, por ser um procedimento menos burocrático. A possiblidade de optar pelo inventário extrajudicial é vedada, entretanto pelo disposto no art. 610, do CPC, quando houver interesse de incapaz ou a existência de testamento. Com esta vedação, existindo herdeiros incapazes, deve ser utilizado o inventário judicial. Paralelo a isso, conforme aponta o Relatório Justiça em Números, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2024, p.15), relativo ao ano de 2023, aponta que, neste ano foram protocolados 35 milhões de novos processos, o que representa o maior número da serie histórica, com aumento de 9,4% em relação ao ano anterior. O Relatório (CNJ, 2024, p.17) apontou, ainda, que o tempo médio de tramitação dos processos pendentes em 31/12/2023, na Justiça Estadual, no 1º Grau, é de 04 anos e 06 meses. Considerando que o processo de inventário judicial tramita na Justiça Estadual, no 1º Grau, este é o seu tempo médio de sua duração. Neste cenário, em julho de 2021, o juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Leme/SPCível, proferiu, nos autos nº1002882-02.2021.8.26.0318, decisão 10 autorizando a assinatura de escritura pública de inventário extrajudicial com herdeiros incapazes. No caso concreto, durante o trâmite de inventário extrajudicial, houve o falecimento de herdeiro que deixou outros herdeiros menores. Diante desta situação, foi solicitado alvará judicial para autorizar a assinatura de escritura pública de inventário. O pedido de autorização foi acompanhado com declaração emitida pelo tabelião responsável, salientando que o plano de partilha e pagamento obedeceu ao disposto no art. 1.829 do Código Civil, e não houve nenhum tipo de pagamento desigual. Assim, foi deferida a autorização judicial, e o inventário extrajudicial pode ser concluído, mesmo havendo menores. Motivado pela decisão proferida pela 3ª Vara Cível da Comarca de Leme/SP, o Juiz de Direito Edinaldo Muniz dos Santos, titular da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões da Comarca de Rio Branco, do Tribunal de Justiça editou a Portaria 5914-12/2021, autorizando e regulamentando a realização de inventário extrajudicial, quando houver herdeiros interessados incapazes. Constituída por dois artigos, a Portaria 5914-12/2021 determinou, em seu art. 1º que os tabelionatos que integrem a competência da Vara de Registros Públicos de Rio Branco podem lavrar escrituras públicas de inventário extrajudicial com herdeiros interessados incapazes, desde que a minuta final, acompanhada da documentação pertinente seja submetida a apreciação daquela Vara, antecedida de manifestação do Ministério Público. O art. 2º, informa que o procedimento será processado na modalidade de pedido de providência, a ser proposto por herdeiro ou pelo próprio cartório responsável pelo inventário extrajudicial, sem a incidência de custas, diante do pagamento dos emolumentos cartorários. Posteriormente, foi apresentado o Projeto de Lei nº 606/2022, de Autoria do Deputado Federal Célio Silveira, do PSDB/GO, que propõe alterar a redação do art. 610 do Código de Processo Civil, para possibilitar a realização de inventário extrajudicial quando houver herdeiros incapazes. O Projeto de Lei propõe que a redação do artigo 610 passe a conter a seguinte redação: Art. 2º O artigo 610 da Lei nº 13.105 de 2015 passa a 11 vigorar com a seguinte alteração: “Art. 610. .............................................................................. ............................................................................................... § 2º No caso da existência de testamento, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras, desde que: I- o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja expressa autorização do juízo competente, e; II- os interessados sejam capazes e concordes. § 3º Ainda que haja interessado menor ou incapaz, o juizpoderá conceder alvará para que o inventário e partilhasejam feitos por escritura pública, após manifestação doMinistério Público, desde que: I- a partilha seja estabelecida de forma igualitária e idealsobre todo o patrimônio herdado; II- os interessados estejam concordes; III-seja apresentada a minuta final da escritura,acompanhada da documentação pertinente, e; IV-caso haja testamento, que, tenha sido previamenteregistrado judicialmente ou haja expressa autorização dojuízo competente. § 4º O procedimento previsto no parágrafo anterior seráprocessado mediante pedido de providência ao juízocompetente, provocado pelos herdeiros interessados oupelo próprio cartório do inventário extrajudicial,isento decustas processuais, mas sem prejuízo do devido pagamentodos emolumentos cartorários. § 5º Na hipótese prevista no parágrafo 3º, a versão final eassinada da escritura de inventário deverá fazer menção expressa ao alvará emitido pelo juízo sucessório, econstituirá documento hábil para qualquer ato de registro,bem como para levantamento de importância depositadaem instituições financeiras. § 6º No caso de inventário e partilha extrajudiciais, otabelião somente lavrará a escritura pública se todas aspartes interessadas estiverem assistidas por advogado oupor defensor público, cuja qualificação e assinaturaconstarão do ato notarial.” O PL 606/2022 guarda semelhança com a Portaria editada pelo TJAC, na medida em que condiciona a lavratura da minuta final, a apreciação prévia do juiz competente e do Ministério Público. Como se vê, o tabelião não atuará, mas sim em conjunto com os membros do Ministério público, até pela obrigatoriedade de sua participação, conforme estabelece o art. 178, II, do CPC. (ARAUJO; TASSIGNY, 2024, p.11) A medida se mostra como mais um passo para a desjudicialização, aplicada no caso em matéria de Sucessões, possibilitando que haja maiores condições de promoção ao acesso à justiça por meio da medida, sem que se descure as garantias dos vulneráveis. Outrossim, o Ministério Público já atua perante as serventias extrajudiciais, nos processos de habilitação para casamento e na fiscalização de fundações instituídas por escritura pública. Deste modo haveria apenas a ampliação da atuação 12 colaborativa destes entes, para concretizar o acesso à justiça material. (ARAUJO; TASSIGNY, 2024, p.11) Assim, a possibilidade de alteração da legislação, é de grande importância, já que permite a pacificação do tema em todo o território nacional, permite aos jurisdicionados a possibilidade de optar pela via extrajudicial, nos casos de inventário, mesmo com a existência de herdeiros incapazes e contribui para desafogar o Judiciário, deixando para este apenas os casos em que exista litígio. 4 CONCLUSÃO Tal como evidenciado, ainda que a utilização do inventário extrajudicial, introduzido pela Lei nº 11.441/2007, se restrinja aos casos em que não exista testamento ou herdeiros incapazes, existe um movimento no sentido de flexibilizar esta vedação. Sabe-se que a intenção do legislador, ao vedar o inventário extrajudicial caso existam herdeiros interessados incapazes, foi a de proteger seus interessesjá que a via judicial guardaria maior formalidade. Contudo, nos casos em que a partilha ocorre de maneira igualitária entre os herdeiros não há que se falar em prejuízos. Ademais, mesmo que o inventário seja realizado perante o cartório de registros, ainda assim haveria a atuação Ministério Público, como fiscal da lei, tal como já ocorre em outros casos, a exemplo dos pedidos de retificação, restauração ou suprimento de assentamentos no Registro Civil das Pessoas Naturais. Também haveria a apreciação prévia do juiz competente, antes da assinatura final da minuta de escritura pública, o que também seria um modo de resguarda os interesses dos incapazes. É certo que a necessidade de previa manifestação do Poder Judiciário pode causar estranheza, já que o objetivo é justamente evitar a via judicial. Contudo, mesmo que haja essa necessidade tanto na Portaria quanto no PL 606/2022, esta atuação seria apenas no sentido de verificar a partilha e os documentos que foram submetidos ao cartório, de modo que a atuação do juiz seria drasticamente reduzida, e ainda assim manteria a celeridade do procedimento. 13 Assim, percebe-se que a alteração proposta é importância eis que a via extrajudicial é extremamente relevante para concretizar o acesso à justiça e deveria contemplar também as pessoas incapazes. REFERÊNCIAS ÁVILA, Raniel Fernandes de; MAZZEI, Rodrigo Reis. Direito sucessório e processo civil: o art. 665 do CPC/15 como um negócio jurídico processual típico no rito do inventário e da partilha. Civilistica.com, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 1–28, 2021. Disponível em: https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/541. Acesso em: 24 jul. 2024. ARAUJO, M. B. R.; TASSIGNY, M. M. 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