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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Movimentos Religiosos Contemporâneos Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. André Carvalho de Oliveira Revisão Textual: Prof.ª Me. Natalia Conti Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Metodologia e Desenvolvimento do Conceito Religioso. Fonte: Getty Im ages Objetivos • Compreender as origens e o desenvolvimento dos movimentos contemporâneos na com- plexidade religiosa brasileira em contraste com a religião tradicional. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos Contextualização No Brasil, até poucos anos atrás, a religião era uma questão de herança e não de escolha. Passamos por uma transição muito significativa, onde a tradição religiosa his- tórica acabou sendo confrontada pelos movimentos religiosos contemporâneos que pro- metem, sobretudo, uma redefinição de experiências religiosas. Assista o documentário sobre experiência e vivência Religiosa no link a seguir: https://youtu.be/7mYT3YmKb-Q. Nessa unidade estudaremos esses e outros fatos históricos que demonstram o impac- to na identidade religiosa brasileira. Observaremos a metodologia, bem como o desen- volvimento desses movimentos em nossos dias. 6 7 Metodologia e Desenvolvimento do Conceito Religioso Religião é um fenômeno universal que está presente em todas as culturas, em menor ou maior proporção. Todo grupo social apresenta manifestações que buscam uma ex- periência religiosa, evidenciando uma abertura para se relacionar com o transcendente. Religião se refere a um conjunto de fatores culturais e crenças, que estabelece boa parte da cosmovisão dos indivíduos, concedendo-lhes uma leitura apurada do sentido da vida, de sua espiritualidade e até mesmo de seus próprios valores morais. Consequente- mente, os valores religiosos adquiridos nos ajudam a enxergar a realidade ao nosso redor formando nossa conduta. Na academia, duas cosmovisões surgem com a perspectiva de confrontar essa visão. O agnosticismo, visão que afirma que não se pode compreender a realidade última, e o ateísmo, visão que nega a existência de um Ser transcendente e imanente, ficando apenas o universo para ser observado como única realidade existente. Quando se afirma que ‘Deus’ é fruto de uma mente primitiva, que desconhece a ciência e apenas busca encontrar resposta para os fenômenos inexplicáveis por meio da religião, acaba sendo uma referência pejorativa a aqueles que veem a religião como conceito universal, uma vez que nem mesmo a ciência conseguiu comprovar que Deus não existe. A crença em um Deus faz parte da racionalidade humana, bem como fundamenta a base de nosso desenvolvimento. O fato de possuirmos necessidades transcendentais, evidenciado pela busca de respostas para as maiores das inquietações existenciais, aca- ba revelando que possuímos necessidades universais do ponto de vista físico e espiritual, e tendo em vista nossa finitude e constantes questionamentos, seguimos perguntando se é possível desfrutar de vida após a morte? Caso a resposta seja sim, como poderemos obter essa vida? Inevitavelmente é a religião que tem se debruçado sobre essas inquietações para oferecer respostas ao coração humano por meio das experiências com o transcendente. A crença em um único Deus, transcendente e imanente em sua natureza intrínseca (Teísmo), ou num deus sem qualquer tipo de imanência (Deísmo) ou mesmo em deuses, afirmando a existência de muitos seres (Politeísmo), finitos ou infinitos, faz parte do fe- nômeno religioso observável quando se busca solucionar as necessidade espirituais do ser humano. Sabemos que analisar e compreender um fenômeno religioso em nossa cultura talvez seja a tarefa mais complexa que podemos nos debruçar, uma vez que as pessoas pen- sam de maneira divergente, se agrupam de formas diferentes e experimentam diferentes fenômenos religiosos. Os teólogos cristãos buscam cooperar para que a Bíblia – Palavra de Deus e fonte material do estudo da teologia, se torne uma mensagem menos comple- xa para as pessoas que possuem diferentes pressupostos de cultura e vida. 7 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos No mundo, existem doze grandes religiões. Cerca de 20.000 movimentos religiosos saíram ou foram influenciadas por essas grandes religiões. Uma parte muito significativa desses movimentos estão inseridos no Brasil e desfrutam de um grande e significativo crescimen- to. Em solo brasileiro, a religião cristã, que surgiu em Israel no I século de nossa era, é representada majoritariamente pelo Catolicismo Romano. Figura 1 Fonte: Getty Images É importante refletir, concernente a academia, que apesar de algumas religiões pos- suírem dogmas que inegavelmente criam dificuldades para a busca e evolução das verda- des científicas, é fato que nem todas são contrárias a busca do conhecimento natural e científico, como é o caso da religião cristã. Na realidade isso não deveria ser espantoso, pois quando observamos a contribuição que muitos cristãos confessos proporcionaram para a ciência moderna fica claro que as possíveis incompatibilidades entre a verda- deira ciência e a religião cristã são dirimidas. Como afirmou o físico Albert Einstein: “A ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é cega” (Science, Philoso- phyand Religion: A Symposium, 1941).1 É importante ressaltar que no mundo ocidental o próprio significado da palavra ‘religião’ (do latim “religare”) demonstra a finalidade última para qual se propõe, que é religar ou atar o que foi quebrado ou rompido, evocando assim, a restauração do relacionamento entre o Criador e o homem, que foi rompido pela desobediência dos primeiros seres criados (Adão e Eva), conforme a narrativa bíblica nos informa. Por- tanto, os fatores religiosos estruturadores da cosmovisão dos seres humanos são uma tentativa que visa sobretudo reatar o relacionamento e união com aquele a quem se está prestando culto religioso. 1. BATISTA, Paulo Sérgio. Manual de respostas Bíblicas, um guia prático de defesa da fé crista. 2ª edição am- pliada. Edições Kairós, São Paulo. P. 347 8 9 Precisa-se considerar que as religiões não teístas tentam ampliar a discussão des- te assunto propondo um diálogo não apenas da perspectiva vertical, mas também da horizontal, onde o termo ‘religare’ não seja um absoluto entre o homem e o Ser transcendente, mas também entre o ser humano e o mundo cósmico, mais especificamente o mundo ecológico. Além da matéria espiritual, a religião também criou mecanismos para se relacionar e avaliar questões de ordem familiar, ética, educacional, política e trabalhista. Em sentido amplo, o cultivo de hábitos, interesses, língua e vida artística de uma nação, bem como sua realidade social, valores, crenças e costumes, passou pelo crivo da religião ou foi for- temente influenciado e impactado por ela nos últimos séculos, mesmo considerando-seo secularismo que busca negar a ela o espaço público. Os movimentos religiosos no contexto de pós-modernidade e globalização Observa-se que as grandes religiões influenciam culturas. O cristianismo sendo a maior religião do mundo deixou marcas profundas em diversos países. Seu impacto em introduzir a noção de que a humanidade era fundamentalmente idêntica em valor e dig- nidades e expandiu, implementando e proporcionando ajustes no sistema educacional, ético e competitivo. Quando olhamos para história do mundo, fica nítido o impacto do cristianismo na ciência e medicina, legislação e desenvolvimento social de muitas culturas, entre elas podemos destacar Holanda, Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil, país majoritariamente cristão, por ter o maior número de católicos do mundo, cresce outro braço do cristianismo conhecido como protestantes e evangélicos. Este grupo, oriundo da reforma protestante, foi estimado pelo IBGE em 2010, com 42 milhões de seguidores, representados pelas igrejas históricas e denominações pentecos- tais e neopentecostais. A Igreja Católica, termo que aponta para sua universalidade e extensão, nasceu em Jerusalém como uma pequena comunidade de seguidores de Jesus Cristo no dia da festa judaica de Pentecostes, por volta do ano 33 d.C., conforme relatado em Atos dos Apóstolos no capítulo 2. Os apóstolos de Cristo, em ato contínuo, são comissionados por Jesus Cristo para continuar o ministério da proclamação do Evangelho a todos os povos, línguas e nações. Assim, apesar das muitas dificuldades iniciais, os apóstolos estabeleceram a base doutrinária da igreja cristã, pavimentando dessa a forma a direção que ela assumiria na história. Por volta do ano 313 d.C., no contexto do domínio do Império Romano, por meio do imperador Constantino, há o acolhimento da fé cristã como religião autorizada (religio licita) no Império e isso traz profundas implicações para a igreja cristã e história mundial. O imperador se tornou muito simpático ao cristianismo e elevou a igreja cristã a uma po- sição privilegiada, isentando-a de impostos, sustentando os clérigos e construindo novas igrejas. Precisamos notar que não houve alterações repentinas na estrutura, culto e for- 9 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos ma de relacionamento com o povo nas igrejas. As crenças permaneceram as mesmas, assim como os bispos e a devoção. Com Constantino as diretivas: uma só lei, uma só moeda, uma só cidadania e uma só religião, impulsionaram o crescimento e expansão da igreja cristã deixando-a irreconhecível. Apesar de rapidamente a hostilidade do governo romano ter sido atenuada e os ci- dadãos cristãos passarem a desfrutar de uma liberdade nunca antes experimentada, não demorou muito e os ensinos dos apóstolos, ministrado pelos padres apologistas nesta época, começaram a ser esquecidos na igreja. Se por um lado existia liberdade e favo- recimento, por outro existia a simpatia dos imperadores aos arianos e aos movimentos religiosos romanos, que misturavam lealdade ao Estado e adoração de múltiplos deuses. Não demorou muito e aos poucos começaram uma série de mudanças proporcionando um efeito cumulativo de eventos que mancharam a imagem pública do cristianismo. Inevitavelmente isso foi o estopim para sufocar a pureza e doutrina que a igreja zelava e, como consequência, ainda era preciso lidar com líderes ambiciosos que despontavam no seio da igreja, o que colocou a tradição dos apóstolos em rota de colisão com estes líderes e consequentemente com o Império. Nos anos seguintes, a igreja precisou lidar com uma série de questões que séculos mais tarde convergiriam na reforma protestante, em 31 de outubro de 1517. A reforma protestante foi o movimento que fez opo- sição ao secularismo do clero, propondo a valorização da Bíblia como autoridade única (Sola Scriptura) e, por conseguinte, a valorização da pregação, a salvação unicamente pela graça por meio da fé (Sola Gratia) e a singularidade de Cristo como o cabeça da igreja (Solus Christus) e não o Papa. John Wycliffe, Jan Huss e Gerô- nimo Savonarola pavimentaram o caminho para a che- gada de Martinho Lutero e mais tarde João Calvino, que combateram duramente os desvios da Igreja Católica Romana no período medieval. Figura 2 Fonte: Getty Images Com a chegada da reforma protestante, um novo modelo de igreja é consolidado. Cristo, verbo divino, é o motivo pelo qual as Escrituras foram escritas e devem ser proclamadas, logo a igreja cristã deve interpretar a Bíblia a partir de Cristo e sua cruz (teologia crucis), pois ele é a chave hermenêutica. Os reformadores passam a apresentar a fé viva por meio da Palavra de Deus como crivo de qualquer experiência religiosa. De acordo com Refleir: A grande inovação da Reforma Protestante foi tornar a Bíblia o cen- tro da pregação. Os discursos éticos e litúrgicos foram substituídos pela pregação evangélica das grandes verdades bíblicas, versículo por versículo. Martinho Lutero e João Calvino expuseram quase todos os livros da Bíblia em forma de comentários que, ainda hoje, possuem vasta aceitação acadêmica e espiritual. Os líderes da Reforma Protes- tante deram à pregação um novo conteúdo (a graça divina em Jesus 10 11 Cristo), um novo fundamento (a Bíblia Sagrada) e um novo alvo (a fé viva)2 No início do século XVIII, o liberalismo teológico (devido sua cosmovisão empirista e racionalista) estabeleceu uma perspectiva de suspeita para com a Bíblia e produziu, por- tanto, a relativização das Escrituras. Sua ênfase era promover uma religião sem verdade transcendente absoluta, trazendo assim uma crítica ácida aos credos e à confessionalida- de cristã. Agora toda a fé deveria ser avaliada e remodelada pela razão natural, a partir da perspectiva humanista (antropocêntrica), sem limites doutrinários que delimitassem a filiação humana diante de Deus e a afirmação da paternidade universal de Deus para com os homens. O amor seria o paradigma das práticas do cristianismo liberal, o sen- timento humano a bússola da relação Deus versus homem e a razão o caminho pelo qual a Bíblia seria purificada dos mitos nela contidos. A suficiência das Escrituras e sua autoridade passou a dar lugar a conceitos filosóficos. A confiança no progresso e na razão que fora construída pelo iluminismo agora é absorvida como desafio à tradição e à autoridade, evidenciando o amplo incentivo à liberdade de pensamento e mostrando nitidamente o humanismo latente. No século XIX, deparamo-nos com uma mudança profunda na sociedade. É o século da grande esperança no progresso e nas máquinas. O século do materialismo e do material e consequentemente o século que declara a morte de Deus, pois como Nietzsche afirma “Deus está morto”. Ele pinta esse espírito da época (zeitgeist) em Assim falou Zaratustra: Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais podero- so, sucumbiu em sangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A gran- diosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história até hoje!3 Somando-se a essa realidade, a crença no progresso é questionada por outros pensa- dores e o sentimento de erosão existencial, de corrosão dos valores éticos, de escândalo diante das opressões sociais, causadas pela revolução industrial e pelo crescimento po- pulacional irracional (em plena era da razão) nas grandes cidades que emergem no ho- rizonte ocidental desponta sem precedentes. Portanto, esse é um século de paradoxos. As mudanças observadas na sociedade vão desde as artes, os conceitoscientíficos até a nova ordem econômica na produção de bens de consumo. Os grandes eventos histó- ricos desencadeados desde o humanismo renascentista, séculos antes, causaram uma marca indelével no ocidente e os resultados e contradições internas dessas mudanças de ordem ontológica, epistêmica e deontológica se fizeram amplamente presentes. 2. REFLEIR, Hans Ulrich. Pregação ao alcance de todos. São Paulo. Edições Vida Nova 2003. P. 14. 3. NIETZCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo. Companhia das Letras, 2001, Livro III Aforismo 125. 11 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos Em contrapartida, o final do século XX foi marcado pela decadência do liberalismo clássico no esteio do surgimento da teologia neo-ortodoxa. O teólogo suíço Karl Barth, ao testemunhar a atitude escandalosa de muitos teólogos alemães (dentre os quais, muitos de- les, antigos professores seus na universidade) ao apoiarem a política nacionalista e expan- sionista alemã, decidiu romper com o liberalismo clássico, por perceber que o mesmo não estava hermético às injustiças e incoerências. Muitos dos catedráticos, outrora luminares em suas universidades, não viam incoerência em amalgamar o cristianismo liberal clássi- co com a ideologia supremacista alemã e apoiar politicamente homens como Otto Von Bismarck, Wilhelm II e por fim Adolf Hitler e o partido Nazista, que desenvolveram políti- cas eugênicas que categorizavam etnias como sub humanas afim de exterminá-las da face da terra e serem superiores ao bem e o mal, um super homem ou além homem proposto por Nietzsche. Essa incoerência irreconciliável no coração de Barth o impulsionou a rom- per com a esperança Liberal e fazer franca oposição a sua agenda. Em 1919, Karl Barth escreve sua obra A Carta aos Romanos, na qual ele inicia essa ruptura com a teologia liberal e o que seria conhecido como a teologia dialética ou neo- -ortodoxia. A neo-ortodoxia traz em seu escopo acrítica ao racionalismo exacerbado no liberalismo, de matriz epistêmica racionalista e empirista, e propõe que o encontro homem x transcendente ocorre na relação dialética, no paradoxo finito e infinito, na relação da criatura contingente com a transcendência, sendo a intersecção destes entes o encontro existencial (não racional). A neo-ortodoxia rejeita a epistemologia otimista do liberalismo e é fortemente in- fluenciada pelo existencialismo. Certamente o existencialismo faz coro às perspectivas de suspeita para com o projeto de progresso humano contínuo (positivismo) e a crença na ciência como elemento de transcendência humana (cientificismo). No século XIX, o romantismo e o niilismo, proposto por Nietzsche, e o existencia- lismo foram movimentos de crítica à crença irrestrita na razão e suficiência humana. Assim, nota-se que no ocidente a ânsia existencial humana pelo transcendente não foi obliterada, como pontua Campos: No Ocidente, vivia-se com intensidade, o fenômeno de seculariza- ção. Pensava-se que rapidamente seria eliminado do ser humano o sentimento religioso e as necessidades místicas. Consequentemente esperava-se que o relativismo iria dissolver todas as certezas, deixando para a ciência a oportunidade de moldar a experiência de vida das pessoas. Porém, a reação mística não se fez por esperar e imediata- mente começaram a brotar, por todos os lados, processos de ressacra- lização do mundo, gerando no campo religioso um pluralismo como antes nunca visto. Assim, os NMR passaram a disputar clientela com religiões historicamente estabelecidas, empregando para isso, muitas vezes, esquemas de marketing. Novos temas para debate surgiram, tais como: a fragmentação do universo religioso, o avanço das religi- ões não-cristãs, a incapacidade das religiões ocidentais instituciona- lizadas em responder aos novos desafios culturais então propostos, e a perda do monopólio do campo religioso por parte de católicos e protestantes históricos.4 4. CAMPOS, Leonildo S. Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva da Teologia de P. Tillich. Revista Eletrônica Correlatio n. 3 – Abril de 2003 p. 29,30. 12 13 Com a superação da teologia liberal, em parte pela crítica neo-ortodoxa e também devido a mudança de paradigma filosófico no ocidente (abandono do racionalismo e ascensão de cosmovisões dialéticas, tais como o socialismo, existencialismo e filosofias das minorias), a religiosidade no ocidente penderia para o intimismo, subjetivismo, emo- cionalismo, irracionalismo, relativismo e sensitivismo. A perspectiva dialética enfatizou a experiência subjetiva com Deus como um encontro pessoal com o transcendente. Essa seria uma tônica que futuramente estaria presente na espiritualidade pós-moderna. A ressignificação desse religare que a teologias radicais do século XX propuseram, com a teologia negra, feminista, da libertação e futuramente inclusiva, em relação a salvação oferecida por Deus, como prioritariamente uma libertação da opressão – contra qual essas minorias se levantaram, demonstra o aspecto subjetivista e engajador que a religião de- monstrou na religiosidade no século XX. Igualmente, as propostas secularizantes, como na teologia da morte de Deus e na espiritualidade de comunidades cristãs emergentes – na qual a cultura tem papel preponderante na construção teológica, demonstram o sensiti- vismo em relação a cultura pós-moderna. Elas buscavam tratar as contradições sociais e existenciais buscando resposta na cultura secular. A perspectiva inter-religioso e ecumênica dos movimentos contemporâneos Em 2013, na cidade de Porto Alegre realizou-se a XVII Jornada sobre Alternativas Religiosas na América Latina, congresso que reuniu dezenas de estudiosos para discutir e explorar abordagens religiosas existentes no Brasil e em países como Argentina, Uru- guai e Chile, e a relevância das relações e fluxos existentes entre elas. É fato que o debate atual sobre globalização, demanda uma complexidade muito significativa quando o assunto é religião. Migração, acesso a culturas distintas e circula- ção irrestrita do livre comércio tem testado a capacidade de permanência das religiões históricas. No Brasil, a exigência por adaptação dos grupos tradicionais está sendo ob- servada minuciosamente por aqueles que se esforçam para permanecer relevantes na pós-modernidade. É fato que nosso povo é composto por imigrantes de diversas partes do mundo e essa miríade de povos e grupos contribuíram com suas culturas e visões de mundo quando o assunto é religião. Neste cenário, novos movimentos religiosos aparecem, visando proporcionar um novo significado de vida que leve o homem contemporâneo para mais perto de uma divindade sem exigir o tradicionalismo e a formalidade das religiões históricas. Em um mundo inseguro, os movimentos religiosos tentam responder as perguntas básicas do homem que desvenda o sentido da vida. A pergunta que se levanta diante desta realidade é: como a base cristã, recebida pela colonização portuguesa, interage com tantas formas de crenças opostas e contraditórias entre si? É necessário refletir que o simples fato de alguém participar de determinado grupo religioso não o coloca em posição de salvação diante do criador, então é razoável 13 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos pensar que os muitos movimentos existentes não estão respondendo corretamente os anseios do homem contemporâneo. As religiões declaram cosmovisões e princípios absolutos, elas não são em seu cerne relativistas. Fique atento para não confundir tolerância religiosa com pluralismo religioso relativista. Uma sociedade plural advoga a plena liberdade de credo a todas religiões, contanto que essas não firam o ordenamento jurídico penal e civil dessa sociedade secu- lar. Uma sociedade antirreligiosa suprime as expressões religiosas, visando estabelecer um secularismo radical ou um tipo de Estado ateu. Não é presunção o fato de alguém considerar determinada crença como a única forma de religião aceita porDeus. Afirmar a inexistência de uma verdade absoluta, em suma, é uma afirmação de verdade absoluta. Este tipo de argumentação é inconsistente e auto refutante para uma cultura secular. As sociedades democráticas modernas têm contribuído para o processo civilizatório ocidental por meio de uma postura plural até mesmo em Estados confessionais euro- peus e não uma antirreligiosidade agressiva, isso porque a religião é elemento formativo e civilizatório, ela forma a cultura e os valores éticos daquela sociedade, portanto, o se- cularismo radical acaba por tolher um elemento social aglutinador imprescindível. As experiências histórias antirreligiosas no ocidente são testemunhos claros de que a busca pelo transcendente é parte constitutiva dos seres humanos e, por conseguinte, está pre- sente em sua expressão comunitária, a sociedade civil. Migração Urbana no contexto religioso! Em nosso país, a migração urbana, pode influenciar a busca por uma religião mais viva e dinâmica! Um século atrás, apenas 15% das pessoas viviam em cidades, hoje os números estimam 60%. A busca por melhores condições de vida, fez o homem deixar o campo para ocupar postos na indústria, no setor terciário e buscar uma profissionalização melhor. Se conside- rarmos que os últimos 20 anos apresentaram os maiores índices de migração, compreen- deremos melhor a realidade da diversidade religiosa e como os indivíduos tem buscado por uma espiritualidade dinâmica. Na cidade, o homem do campo se deparou com uma grande diversidade cultural, étnica, ética entre outras, que acabaram redesenhando suas práxis religiosa. Eis a gênese do pluralismo e sincretismo religioso. Ao abordamos a natureza das religiões e dos novos movimentos religiosos (NMRs) existentes, precisamos tanto compreender as cosmovisões que formam a base e sustentam toda estrutura religiosa, como também precisamos observar a relação entre religião e os novos movimentos. A igreja Católica Romana, tem promovido e sustentado o diálogo ecumênico com as demais confissões cristãs nos últimos anos – ecumenis- mo, como também, pós Vaticano II, tem busca- do promover e aprofundar o diálogo com outras religiões – diálogo inter-religioso. A proposta Figura 3 Fonte: Getty Images 14 15 ecumênica fundamenta-se numa unidade a partir do que ela tem de comum entre as confissões e isso tem atraído as diversas tradições cristãs no Brasil e no mundo, gerando, assim, debates e avaliações. Por outro lado, a iniciativa do diálogo inter-religioso das mais diferentes religiões do mundo busca evitar as guerras com motivação religiosa. Busca-se firmar um compro- misso de relacionamento mútuo entre as religiões e uma unidade na garantia dos direitos humanos, combate à pobreza, violência, guerra e preservação do meio ambiente. Po- rém, o que se observa é que existe conjuntamente uma subjetivação das religiões e dos movimentos religiosos, numa deterioração da percepção epistêmica absolutista (aceita- ção de verdade absoluta), ou seja, essa perspectiva evidencia que os diversos ensinamen- tos e práticas religiosas, independente da matriz, são caminhos autênticos ao criador, já que todas as religiões do mundo compartilham dos mesmos valores essenciais, como o amor, a compaixão, a igualdade dentre outros. Se prega, que a pluralidade é o caminho de manutenção de convívio e a unidade destes movimentos. O impacto dos movimentos na identidade religiosa tradicional Nos últimos anos tem ocorrido uma grande mudança no perfil religioso no Brasil. Sendo o maior país católico romano do mundo, o catolicismo romano brasileiro tem presenciado um enorme decréscimo em número de fiéis. Com a perda da hegemo- nia, surgiram e cresceram os novos movimentos religiosos (NMR ś), tanto de tradição cristã como de origem não cristã. Na América Latina diversos movimentos religiosos expandiram rapidamente conquistando pessoas das mais variáveis classes e regiões. É importante notar que os evangélicos e protestantes, (nomenclatura dos grupos não católico-romanos) oriundos da reforma, tem sido um desafio, pois estão crescendo de forma significativa neste cenário, desfrutando de um avanço massivo nas últimas déca- das em diversas frentes. A reforma protestante, que se iniciou no século XIV contra os desvios doutrinários da igreja católica romana, chegou ao Brasil com a vinda de missionários no final do século XIX e vem desfrutando de um crescimento expressivo nas últimas décadas. Tudo indica que estamos na contramão do que aconteceu na Europa, onde a religião perdeu seu espaço na sociedade, com o processo de secularização. Se lá, ela deixou de ser importante para vida da sociedade, aqui, os números observados pelo IBGE no último censo (2010) nos mostram que a religião está influenciando e promovendo uma grande diversidade e uma maior pluralidade em nossa sociedade. Avaliando a evolução das religiões desde 1872, o censo percebe que as mudanças começaram em 1991, quando passou a ser registrado mudanças expressivas na com- posição religiosa da população Brasileira. O catolicismo romano que em 1970 detinha 91,8% da população, hoje conta com 64,6%, enquanto evangélicos que no mesmo período contavam com menos de 5% da população, chegaram em 2010 com 22%. O IBGE também pontuou a situação dos espíritas 2,8%, umbanda e candomblé 0,3% e sem religião 8%. 15 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos Fica claro que os Novos Movimentos Religiosos despontam em nossa cultura como uma esperança de reencantamento diante da situação de rompimento à tradição cristã. Essa engrenagem massiva, tem buscado na devoção a motivação necessária para a vida e seus anseios e o desdobramento é uma multiplicação de diversas formas de relaciona- mento com o transcendente. 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos CENSO RELIGIOSO 29-06-2012 Band TV Goiânia https://youtu.be/IeDiZZ8MGwA Religare – Conhecimento e Religião sobre religiosidade, fé e religião, Bloco 2 https://youtu.be/tKBr8vlXkFA Leitura Por uma outra visão da história: As ideias de Niall Ferguson em “Civilização” http://bit.ly/2wbaLWR Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva da Teologia de Paul Tillich http://bit.ly/2HslJxB 17 UNIDADE Introdução ao Estudo dos Movimentos Religiosos Referências BATISTA, Paulo Sergio. Manual de resposta Bíblicas. São Paulo, Kayros, 2006. BRAY, Gerald. Igreja, um relato teológico e histórico. São Paulo, Shedd Publicações, 2017. CAMPOS, Leonildo S. Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva da Teologia de P. Tillich. Revista Eletrônica Correlatio n. 3 – Abril de 2003. KELLER, Timothy. Deus na era secular. São Paulo, Vida Nova, 2018. MCGRATH, Alister. Apologética cristã no século XXI, ciência e arte com integridade. São Paulo, Editora Vida, 2012. NIETZCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo, Companhia das Letras, 2001. RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo, Preleções sobre o Símbolo Apostólico. São Paulo, Herder, 1970. REIFLER, Hans Ulrich. Pregação ao alcance de todos. São Paulo, Edições Vida Nova, 2003. REVISTA Ciências da Religião. São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2005, nº 3. SILVA, Cácio. Fenomenologia da Religião. São Paulo, Edições Vida Nova, 2014. VEITH JR, Gene Edward. Tempos pós-modernos. Uma avaliação cristã do pensamento e da cultura da nossa época. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1994. 18