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Responsabilidade do Estado 1 6 RESPONSABILIDADE DO ESTADO RESPONSABILIDADE DO ESTADO O Estado responde pelos prejuízos patrimoniais causados pelos agentes públicos a particulares, em decorrência do exercício da função administrativa. Trata-se de responsabilidade civil (em vista da natureza patrimonial dos prejuízos ensejadores da reparação) e extracontratual (danos decorrentes de relação jurídica de sujeição geral). Assim quando o agente público atua, considera-se que o Estado agiu. DICA: essa noção de imputação é reforçada também pelo princípio da impessoalidade, que assevera ser a função administrativa exercida por agentes públicos “sem rosto”, por conta da direta atribuição à Administração Pública das condutas por eles praticadas. EVOLUÇÃO HISTÓRICA TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA Também chamada de teoria feudal, rega- lista ou regaliana, a teoria da irresponsa- bilidade do Estado era própria dos Esta- dos Absolutistas, nos quais a vontade do Rei tinha força de lei. Os governantes eram considerados “representantes de Deus na terra”, escolhidos e investidos diretamente pela própria divindade. Por isso, eventuais prejuízos causados pelo Estado deveriam ser atribuídos à provi- dência divina. Exige a comprovação de culpa ou dolo. (ato + dano + nexo causal) Também chamada de teoria da respon- sabilidade sem culpa ou publicista, traz como fundamento do dever de indenizar o RISCO administrativo, conforme o art. 927, parágrafo único, CC. RESPONSABILIDADE NA CF/88: art. 37, § 6º, CF – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. AS CINCO TEORIAS DECORRENTES DO ART. 37, § 6º, DA CF a) teoria da responsabilidade objetiva do Estado: na referência aos termos “agentes”, “danos” e “causarem” residem os três requisitos da teoria objetiva que fundamenta a responsabilidade estatal, respectivamente: ato, dano e nexo causal; b) teoria da imputação volitiva de Otto Gierke: ao dizer que as pessoas jurídicas responderão pelos danos que seus agentes “nessa qualidade” causarem a terceiros, o dispositivo adota expressamente a teoria de Gierke; c) teoria do risco administrativo: a Constituição de 1988 optou pela adoção de uma variante moderada da responsabilidade estatal, a teoria do risco administrativo. Tal teoria reconhece excludentes do dever de indenizar, como culpa exclusiva da vítima, força maior e culpa de terceiros; d) teoria da responsabilidade subjetiva do agente: a responsabilidade pessoal do agente público, apurada na ação regressiva, pressupõe a comprovação de culpa ou dolo, sendo por isso subjetiva e não objetiva; e) teoria da ação regressiva como dupla garantia: surgida no âmbito da jurisprudência do STF (RE 327.904/SP), tal teoria afirma que a ação regressiva (Estado × agente) representa garantia em favor: 1) do particular: possibilitando--lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público; 2) do próprio agente público: que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. O STF não admite que o agente seja diretamente acionado pela vítima (vide item 6.12). A Constituição Federal adotou como regra: TEORIA OBJETIVA na modalidade RISCO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTOS DO DEVER DE INDENIZAR • ATO LESIVO LÍCITO: igual repartição dos encargos sociais, ideia derivada do princípio da ISONOMIA. • ATO LESIVO ILÍCITO: princípio da legalidade 2 Manual de Direito Tributário2 Manual de Direito Administrativo EXCLUDENTES DO DEVER DE INDENIZAR A responsabilidade objetiva se desdobra em duas teorias: teoria do risco integral e teoria do risco administrativo. A teoria do risco integral é uma variação radical da responsabilidade objetiva, que sustenta ser devida a indenização sempre que o Estado causar prejuízo a particulares, sem qualquer excludente. No Brasil é adotada apenas em raras situações excepcionais, como por exemplo, em casos de atentados terroristas em aeronaves, seguro DPVAT e acidentes de trabalho nas relações de emprego público. DICA: no caso de dano nuclear, apesar de alguns administrativistas sustentarem a aplicação da teoria do risco integral, consi- derando a Lei n. 6.453/77, que prevê diversas excludentes, impõe-se a conclusão de que a reparação por prejuízos nucleares, na verdade, sujeita-se à teoria do risco administrativo. A teoria do risco administrativo, por sua vez, é adotada como regra no Brasil e admite três hipóteses que excluem o dever de indenizar: culpa exclusiva da vítima (prejuízo causado pela ação deliberada do próprio prejudicado), força maior (acontecimen- to involuntário, imprevisível e incontrolável que rompe o nexo causal) e culpa de terceiros (quando o prejuízo é atribuído a pessoa estranha aos quadros da Administração Pública). RISCO INTEGRAL RISCO ADMINISTRATIVO • Variante radical da teoria objetiva. • Corrente mais vantajosa para a vítima. • Não reconhece excludentes. • Adotada em casos raros, como acidentes de trabalho, seguro obrigatório (DPVAT) e atentados em aeronave. • Variante moderada da teoria objetiva. • Corrente menos vantajosa para a vítima. • Possui três excludentes: culpa exclusiva da vítima, força maior e fato de terceiro. • Adotada como regra geral no Direito brasileiro. CARACTERÍSTICAS DO DANO INDENIZÁVEL • DANO ANORMAL: ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. • DANO ESPECÍFICO: alcança a vítima de forma diferenciada. DICA: para a configuração da responsabilidade estatal é irrelevante a licitude ou ilicitude do ato lesivo, bastando que haja um prejuízo anormal e específico decorrente de ação ou omissão do agente público. DANOS POR OMISSÃO A doutrina tradicional sempre entendeu pela aplicação da teoria objetiva, mas há vários anos Celso Antônio Bandeira de Mello vem sustentando que os danos por omissão submetem-se à teoria subjetiva. A posição majoritária do STJ é no sentido de que a responsabilidade seria subjetiva (REsp 1.345.620/RS). Já para o STF a responsabilidade seria objetiva, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público (ARE 897.890 e RE 677.283). Em linhas gerais, sustenta-se que o Estado só pode ser condenado a ressarcir prejuízos atribuídos à sua omissão quando a le- gislação considera obrigatória a prática da conduta omitida. É a chamada “omissão específica”. RESERVA DO POSSÍVEL A jurisprudência do STF admite sua utilização excepcional, desde que haja um justo motivo, objetivamente comprovável, caben- do ao Estado demonstrar que não teve como concretizar a pretensão solicitada. RELAÇÕES DE CUSTÓDIA A responsabilidade do Estado é mais acentuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros. DICA 1: quanto à questão de suicídio do preso dentro da cadeia, situação antes considerada como culpa exclusiva da vítima – o que afastava a responsabilidade –, hoje, de acordo com o STF e com o STJ, enseja responsabilidade objetiva do Estado, em razão de violação do dever estatal de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia (STF: ARE 700.927). DICA 2: ATENÇÃO! Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constitui- ção Federal, o Estado é responsável pela morte do detento” (RE 841.526/RS – 3-3-2016, repercussão geral). AÇÃO INDENIZATÓRIA Proposta pela vítima contra a pessoa jurídica à qual o agente público causador do dano pertence. Após o julgamento do RE 327.904/SP, o STF passou a rejeitar a propositura de ação per saltum diretamente contra o agente público. • PRAZO PRESCRICIONAL:de acordo com o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC, o prazo prescricional para a propositura de ação indenizatória é de três anos contados da ocorrência do evento danoso. No mesmo sentido vinha se manifestando o STJ (REsp 698.195/DF). Entretanto, em radical mudança de orientação, o STJ passou a sustentar (desde 23-5-2012) a aplicação do prazo de 5 anos para ações indenizatórias propostas contra o Estado, previsto no Decreto n. 20.910/32, ao argumento de que, sendo o Código Civil uma lei de direito privado, não poderia ser aplicada a relações jurídicas de direito público (AGRG/EREsp 1.200.764/AC). Responsabilidade do Estado 3Responsabilidade do Estado 3 AÇÃO REGRESSIVA É a ação proposta pelo Estado contra o agente público causador do dano, nos casos de culpa ou dolo (art. 37, § 6º, CF), tendo como finalidade apurar a reponsabilidade pessoal do agente público. A ação regressiva possui quatro requisitos para propositura: a) já ter sido o Estado condenado na ação indenizatória proposta pela vítima; b) decisão condenatória transitada em julgado; c) comprovação de culpa ou dolo do agente; d) ausência de denunciação da lide na ação indenizatória. RESPONSABILIDADE DOS CONCESSIONÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS A responsabilidade é direta (responsabilidade primária do concessionário e subsidiária do Estado) e objetiva (o pagamento da indenização não depende da comprovação de culpa ou dolo). RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS, REGULAMENTARES E JURISDICIONAIS • LEGISLATIVOS: a responsabilidade estatal por danos causados por leis inconstitucionais foi admitida pelo STF (RE 153.464) desde que a vítima demonstre especial e anormal prejuízo decorrente da norma inválida, bem como desde que haja decla- ração formal de inconstitucionalidade da lei pelo próprio STF. • REGULAMENTARES: raciocínio similar pode ser aplicado aos atos regulamentares e normativos expedidos pelo Poder Executivo, quando eivados de vício de ilegalidade ou se forem declarados inconstitucionais pelas autoridades competentes. Quanto às leis de efeitos concretos (que possuem destinatário determinado), a responsabilidade estatal independe de de- claração de inconstitucionalidade. • JURISDICIONAIS: atos tipicamente jurisdicionais em princípio não produzem direito à indenização RESPONSABILIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES • Em 27-2-2019 o STF reafirmou que: “O Estado responde objetivamente pelos atos dos tabeliães registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”.