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APG 14 – DENGUE E SEUS TIPOS: 1. Analisar a relação do clima com a disseminação da dengue. O aumento da temperatura somado ao desmatamento e à expansão desordenada das áreas urbanas estão associados à migração dos animais para as cidades. As chuvas intensas e a falta de fiscalização dos ambientes urbanos facilitam a formação de criadouros do mosquito. A dengue é considerada uma doença tropical, pois prolifera mais em países tropicais em razão do clima quente e úmido, por isso, nesses países há uma maior necessidade de estudo de prevenção desta epidemia. As condições socioambientais destes países também são favoráveis à proliferação do vetor transmissor da dengue. 2. Entender os tipos de dengue e suas respectivas manifestações clínicas. As febres hemorrágicas de etiologia viral constituem um grupo de doenças agudas febris nas quais hemorragias sobressaem entre as manifestações clínicas. Tais enfermidades ocorrem praticamente em todos os continentes, particularmente nas áreas tropicais da África, das Américas Central e do Sul e do Sudeste Asiático. Os vírus causadores de febres hemorrágicas pertencem a várias famílias e na sua maioria correspondem a arbovírus, que são agentes transmitidos por artrópodes (mosquitos, carrapatos); os mais importantes no Brasil são os flavivírus responsáveis pela dengue e pela febre amarela, os quais causam graves epidemias: o primeiro, em todo o território nacional, e o segundo, particularmente na região da Amazônia legal, embora, nos últimos anos, tenha havido epidemias e epizootias dessa virose nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. A dengue, em suas variantes clássica e grave, é problema global de saúde pública. A dengue é causada por quatro sorotipos do vírus dengue (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4), os quais são antigenicamente relacionados, embora não levem a imunidade protetora cruzada entre eles. Pessoas que vivem em áreas onde circulam os quatro sorotipos podem, durante sua vida, desenvolver quatro infecções diferentes, cada uma causada por um sorotipo. No Brasil, hoje, circulam os quatro sorotipos; o DEN4 entrou no país em 1982, foi em seguida identificado em Manaus e agora praticamente circula em todo o território nacional. Na atualidade, quase todos os municípios do país encontram-se infestados pelo Aedes aegypti, o mosquito transmissor do vírus, ocasionando epidemias periódicas, particularmente nos meses chuvosos (janeiro a abril). Essa situação tornou-se ainda mais crítica após a introdução do sorotipo 3 no ano de 2001. O ressurgimento da dengue nas Américas deve-se a vários fatores: (1) rápida urbanização sem adequado planejamento; (2) crescimento da população; (3) aumento de viagens aéreas internacionais, propiciando transporte de pessoas doentes e mosquitos entre vários centros populacionais; (4) infraestrutura de saúde pública insuficiente na maioria dos países latino-americanos. A transmissão dos vírus da dengue se faz pela picada das fêmeas de mosquitos do gênero Aedes (Stegomya). Aedes aegypti, o principal vetor urbano, é altamente adaptado às habitações humanas, nas quais procria em recipientes peridomiciliares contendo água limpa. O mosquito adquire a infecção ingerindo sangue de hospedeiro virêmico; rapidamente, o vírus invade todos os tecidos do inseto e multiplica-se nas glândulas salivares, das quais é transmitido por ocasião do repasto sanguíneo. São necessárias uma a duas semanas para que a fêmea do inseto se torne infectante para humanos, adquirindo capacidade de transmissão por toda a sua vida. Outras espécies do mosquito, como Aedes albopictus e as espécies do complexo Aedes scutellaris, também podem transmitir a flavivirose. A infecção pelos vírus da dengue causa um espectro de doença que vai desde formas frustras pouco sintomáticas até formas graves, hemorrágicas e fatais. Na dengue clássica, após período de incubação de três a 14 dias, inicia-se um cortejo sintomático caracterizado por: ● Febre. ● Cefaleia. ● Náuseas. ● Vômitos. ● Faringite. ● Dor retro orbital. ● Mialgias (dor muscular). ● Rash cutâneo (manchas avermelhadas pela pele). ● Hiperemia conjuntival (conjuntivite avermelhada). ● Linfonodomegalia (aumento dos gânglios linfáticos). ● Artralgias (dor associada a uma ou mais articulações do corpo que não gera inflamação). Achados laboratoriais incluem: ● Plaquetopenia (número reduzido de plaquetas). ● Leucopenia (baixo nível de glóbulos brancos no sangue, o que pode interferir na capacidade de combater infecções). ● Elevação das aminotransferases hepáticas (aumento enzimas presentes nos hepatócitos e que são liberadas no sangue em consequência de lesão hepática de naturezas). O quadro clínico é autolimitado (sete a 10 dias), sendo a doença raramente fatal. Complicações são incomuns, mas hemorragias, hepatite fulminante, síndrome de Guillain-Barré (doença em que o sistema imunológico ataca os nervos), miocardite (inflamação do miocárdio), glomerulonefrite (inflamação do glomérulo) e meningoencefalite já foram descritas na dengue clássica. O diagnóstico da dengue clássica baseia-se no encontro de anticorpos IgM contra o vírus, por técnicas imunoenzimáticas (MAC-ELISA). A identificação do sorotipo requer isolamento viral em cultura de células do mosquito. Novas tecnologias (PCR, hibridação molecular) vêm sendo utilizadas para diagnóstico. O período febril é acompanhado de viremia, e o rash maculopapular (exantema caracterizado por uma área vermelha e plana na pele com pápulas pequenas e confluentes) se desenvolve entre o segundo e o sexto dias; o mecanismo de aparecimento do rash não é claro, mas infecção viral direta das células endoteliais e deposição de imunocomplexos nos capilares cutâneos têm sido cogitadas para explicá-lo. Antígenos virais são detectados em células mononucleadas da pele, macrófagos pulmonares, hepatócitos, células de Kupffer, baço, coração, linfonodos e medula óssea. A glomerulonefrite encontrada em alguns pacientes deve-se à deposição de imunocomplexos nos glomérulos. Estudos preliminares indicaram que os vírus da dengue não cruzavam a barreira hematoencefálica, sendo as manifestações neurológicas associadas à infecção devidas a edema cerebral, a falência hepática e a anóxia cerebral; nos últimos anos, entretanto, demonstrou-se que os vírus podem ser isolados do liquor de pacientes com encefalopatia pela dengue, indicando que podem causar uma verdadeira encefalite, por envolvimento direto do sistema nervoso central. O vírus pode ser demonstrado por PCR feita no liquor ou diretamente no tecido cerebral. Há também relatos esparsos de focos de desmielinização perivenosa cerebral em pacientes com dengue e manifestações neurológicas. Os vírus da dengue podem infectar células hematopoiéticas na medula óssea, não tendo efeito citopático sobre tais células, embora a proliferação das mesmas na medula se torne bastante lenta. Isso poderia explicar a leucopenia observada na doença; outros estudos sugerem que pode haver destruição celular induzida pelo vírus na medula óssea ou inibição de células progenitoras mieloides. Lesão de hepatócitos parece resultar do efeito citopático do vírus, como ocorre na febre amarela. A dengue grave foi reconhecida na literatura médica como entidade clínica no final do século 19, tendo sido descritas, desde então, inúmeras epidemias. É uma doença primariamente de crianças, embora no Brasil também ocorra em adultos de todas as idades. Clinicamente, caracteriza-se por início súbito com febre e sintomas inespecíficos muito similares aos observados na dengue clássica; entretanto, entre o segundo e o sétimo dia de doença, o estado geral do paciente deteriora-se rapidamente, com sinais de falência circulatória aguda e manifestações hemorrágicas, as quais podem ocorrer em qualquer local do organismo (gastrointestinais, cutâneas, pulmonares, genitais etc.). O quadro clínico corresponde a uma síndrome de aumento da permeabilidade capilar, havendo, em muitosdoentes, acúmulo de líquidos em cavidades (derrame pleural, ascite etc.). Hepatomegalia com elevação das aminotransferases séricas é bastante comum e, além disso, leucopenia, trombocitopenia e hemoconcentração são achados praticamente constantes. Com a hospitalização e a pronta reposição de fluidos, a letalidade é baixa (cerca de 1%), mas, na ausência de terapia adequada, a taxa de letalidade pode atingir cifras bastante elevadas. A patogênese da dengue hemorrágica não está totalmente elucidada. Estão implicadas ação lesiva direta do microrganismo e resposta imunitária exacerbada do hospedeiro contra antígenos virais presentes na superfície das células infectadas. Embora casos de dengue grave tenham sido encontrados em infecções primárias, causadas particularmente pelos vírus DEN2 e DEN3, é provável que a gravidade do quadro clínico da virose não seja determinada exclusivamente pelo tipo viral. Condições preexistentes (p. ex., úlcera péptica gastroduodenal) podem favorecer a ocorrência de sangramento intenso durante a fase aguda. Dengue clássica. Necrose centrolobular e mediozonal. Dengue grave. Hemorragia extensa no parênquima pulmonar. Dengue grave. Focos de hemorragia recente na substância branca encefálica. 3. Compreender as principais alterações na cascata de coagulação por conta da dengue. Hemorragias múltiplas, encontradas na maioria dos casos fatais, envolvem alterações vasculares, plaquetopenia e coagulação intravascular disseminada. As alterações em vasos implicam aumento da permeabilidade vascular, que resulta em perda de plasma e hemácias do compartimento intravascular. A plaquetopenia deve-se a: (1) infecção de megacariócitos pelo vírus, que provoca danos irreversível nessas células; (2) consumo decorrente da coagulação intravascular disseminada; (3) bloqueio da trombopoese medular, que ocorre por diminuição da síntese de trombopoetina, um hormônio estimulador da plaquetogênese produzido no fígado. A coagulação intravascular disseminada resulta da ativação do sistema do complemento; a presença de anafilotoxinas C3 e C5a no pico dessa ativação coincide com o início do choque e das perdas vasculares. Outros distúrbios da coagulação consistem em diminuição do fibrinogênio, deficiência do complexo protrombínico, tempo de tromboplastina parcial prolongado e aumento dos níveis dos produtos de degradação da fibrina. A liberação de grande quantidade do fator ativador de plaquetas por macrófagos com infecção secundária heteróloga pode contribuir para a hemorragia, uma vez que esse fator pode induzir o consumo de plaquetas e aumentar a adesividade destas ao endotélio vascular, agravando a trombocitopenia. Anticorpos IgM no soro que dão reação cruzada com plaquetas têm sido demonstrados; esses autoanticorpos podem levar a lise plaquetária e estar envolvidos na coagulopatia dessa virose. Anticorpos dirigidos contra o antígeno NS1 do vírus podem ter reação cruzada com plaquetas e levar a sua destruição. Durante o período febril, observam-se reduções variáveis da atividade de diferentes fatores de coagulação, como fibrinogênio, fator V, fator VII, fator VIII, fator IX e fator X, além da antitrombina e da D2 -antiplasmina. ● Essas alterações justificam os prolongamentos discretos do tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial ativada. ● São descritas elevações das concentrações dos produtos de degradação do fibrinogênio/fibrina (PDF) e dos dímeros-D. ● Em decorrência dessas alterações da hemostasia, o uso do ácido acetilsalicílico, de anti-inflamatórios não-hormonais e administração de grandes quantidades de expansores de volume (Dextran 40 e Haemacel) são considerados fatores de risco para sangramentos. ● Outros distúrbios da coagulação consistem em diminuição do fibrinogênio, deficiência do complexo protrombínico, tempo de tromboplastina parcial prolongado e aumento dos níveis dos produtos de degradação da fibrina. ● A liberação de grande quantidade de fator ativador de plaquetas por macrófagos com infecção secundária heteróloga pode contribuir para hemorragia, pois esse fator pode induzir o consumo de plaquetas e aumentar a adesividade delas ao endotélio vascular, agravando a trombocitopenia. - O principal impacto na evolução da doença para a febre hemorrágica estaria na atuação do vírus na fosforilação, sobretudo nas quinases – proteínas cuja função é formar um derivado fosfatado a partir de outras proteínas –, o que provoca um desbalanço da coagulação. A alta da fosfotidilcolina é, portanto, um indicador de que vai ocorrer febre hemorrágica. Existe um grande balanço da cascata de coagulação que é alterado pelo vírus a partir de sua atuação sobre várias moléculas intermediárias (lipídios) para que a coagulação não aconteça fosfotidilcolina, o fosfolipídeo mais comum nos tecidos humanos, no desbalanço da cascata de coagulação – processo cujo objetivo é barrar hemorragias a partir de moléculas como plaquetas e fibrinogênio e da formação do coágulo sanguíneo –, resultando na dengue hemorrágica.