Prévia do material em texto
1 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Professor(a): Michele Cia Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele cia Unidade 1 Política Criminal: Conceitos e Cenários Aula 3 – Contextos Históricos da Política Criminal objetivo da aula Conhecer os contornos históricos mais relevantes da política criminal. apresentação Nesta aula vamos apresentar os contextos históricos mais relevantes e marcantes para a política criminal. Começaremos apresentando os principais precursores da política-criminal. Analisaremos mais detidamente o pensamento de Franz von Liszt que, se não foi o primeiro a usar a expressão política criminal, certamente foi quem a estruturou de maneira sistemática. Conheceremos as linhas gerais de seu Programa de Margurbo, um importante marco histórico da política criminal. Ao final desta unidade, você conhecerá um pouco do desenvolvimento atual da política criminal, incluindo renomados pensadores que tem dado a ela ênfases bem diferentes. Vamos juntos nesta jornada pela história da política criminal? 1. Origem e Desenvolvimento da Política Criminal Não se sabe ao certo quem inventou ou usou pela primeira vez a palavra política criminal, embora muitos atribuam ou a Feuerbach este feito, ou a von Liszt. A verdade é que não se pode precisar com certeza a origem da palavra. Outro dado muito importante, caro(a) aluno(a), é que antes de se cunhar a expressão política criminal, muitos falavam em política do direito criminal, para sinalizar conteúdos muitos próximos (SALDAÑA, 1914 apud LANGLE, 1927, p. 27). Entre os precursores da política criminal merecem destaque: Cesare Beccaria, Domenico Romagnosi, Gaetano Filangieri, Boneville de Marsangy e Jeremy Bentham. Estes autores também tiveram importantes contribuições em outras ciências criminais, além da política criminal (LANGLE, 1927, p. 33). Livro Eletrônico https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ 2 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia Chamamos sua atenção para um dado histórico muito importante! A política criminal teve seu desenvolvimento muito marcado pelos pensadores alemães: [...] Alemanha recolheu o tesouro de conhecimentos já acumulados e, dentro de um novo molde, sistematizou-os. Ao fim do século XVIII e começo do XIX, os trabalhos de Kleinsrod, Feuerbach, Henke, Richter, Mittermaier e Holtzendorff imprimiram grande desenvolvimento à Política cri- minal, que apareceu como “ciência da legislação”; saber legislativo do Estado; ciência política de legislar; o que depois se chamou “política de legislar” (LANGLE, 1927, p. 33, tradução nossa). a importância dos pensadores alemães é tão significativa que a expressão política criminal na língua alemã também ficou famosa: “Kriminalpolitik”. se você ficou curioso pela pronúncia desta palavra, clique no link a seguir e escute o áudio: https://translate.google.com.br/?hl=pt-Br&sl=de&tl=pt&text=Kriminalpolitik &op=translate. Feitas essas considerações, estimado(a) aluno(a), é fundamental lhe contar que a maioria dos pensadores entende que foi Franz von Liszt quem usou a palavra em um sentido completamente novo – e próximo do que entendemos hoje – pela primeira vez, inspirado pela crise da ciência penal de sua época. Por isto a importância deste pensador para o estudo da política criminal! (LANGLE, 1927, p. 28, 34). Seja como for, é importante você notar que a política criminal é relativamente nova, em termos históricos. Na sequência, vamos estudar o Programa de Marburgo, proposto por von Liszt, e que é um célebre marco histórico da política criminal. 2. Programa de Marburgo Franz von Liszt obteve grande fama internacional quando, em sua aula inaugural na Faculdade de Direito da Universidade de Marburgo, em 1882, apresentou uma doutrina completamente nova, remodelando significativamente o sistema de sanções do direito penal alemão. Para ele: [...] a concreticidade e a realidade da criminalidade é fundamental. Tanto a pré-disposição in- dividual antropológica, em escala menor, quanto o meio ambiente, em escala bem maior, são fatores indispensáveis para o surgimento da criminalidade. [...] Segundo Liszt, o direito penal deve sempre orientar-se segundo o fim, o objetivo a que se destina. O direito penal deve O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://translate.google.com.br/?hl=pt-BR&sl=de&tl=pt&text=Kriminalpolitik&op=translate https://translate.google.com.br/?hl=pt-BR&sl=de&tl=pt&text=Kriminalpolitik&op=translate 3 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia apresentar uma utilidade, um efeito útil, que seja capaz de ser registrado e ser captado na es- tatística criminal (ASHTON, 1996, p. 244-245, grifo nosso). Note, estimado(a) aluno(a), que von Liszt propõe uma abordagem nova para o direito penal, que deve passar a ser fortemente orientado a alcançar as suas finalidades. Em outras palavras, o direito penal não pode ser um fim em si mesmo! É dada, a partir deste momento, ênfase à ideia de fim, de finalidade, de objetivo, de teleologia. Com esta abordagem, von Liszt demonstrou todos os problemas do sistema penal alemão da época e formulou um programa para a reforma do sistema, conhecido como Programa de Marburgo. Este programa considerava a política criminal como parte orgânica da política social e era dirigido, seguindo o exemplo das ciências naturais, por métodos de pesquisa causal e empírica. Na visão de von Liszt, o combate à criminalidade deveria começar nas próprias raízes do delito. Além disso, ele defendia a ideia de que a pena justa é a pena necessária. Para von Liszt o direito penal tinha a tarefa de dar uma mensagem forte para amedrontar o delinquente ocasional (aquele que não necessita de ressocialização). Também deveria ser capaz de ressocializar o delinquente semi-habitual (aquele que pode ser reeducado), durante a execução da pena. Deveria, além disso, ser capaz de neutralizar o criminoso habitual (aquele que não pode ser reeducado), através da imposição de medidas de servidão penal por tempo indeterminado. Note, estimado(a) aluno(a), que von Liszt propõe que a pena seja uma estratégia racional dirigida a suas finalidades, ao invés de ser mera vingança. Por isso ela devia variar de acordo com os diferentes perfis de criminosos. Sua concepção penológica também postulava que as penas de curta duração eram maléficas, porque acabam estimulando a delinquência, ao invés de preveni-la (ASHTON, 1996, p. 245). Nas palavras de Amaral (2007, p. 206), von Liszt era: [...] um grande arquiteto da política criminal. Foi o primeiro a desenvolver sistematicamente a importância do enfoque político-criminal em relação com o direito penal. Ele também assinalou a indissolubilidade de objeto entre uma e outra disciplina, deixando como testemunho o seu conhecido Programa de Marburgo. Isso não significou para ele misturar as duas disciplinas. Ao contrário, à política criminal correspondia uma constante revisão crítica do direito penal vigente [...]. Espero ter ficado claro para você, nobre estudante, a importância e o protagonismo de von Liszt para a política criminal. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ 4 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia 3. Desenvolvimento da Política criminal na atualidadeMuitos autores continuam desenvolvendo a política criminal na atualidade e iremos apresentar a você alguns dos muitos nomes importantes, já que seria impossível listar todos! Antes de qualquer coisa, é importante notar que, apesar de von Liszt ter posicionado a política criminal em lugar privilegiado no debate sobre o fenômeno criminal, ele acabou deixando-a restrita à função de servir como um parâmetro crítico para o legislador. Em outras palavras, a política criminal acabou sendo entendida apenas como um instrumento de colaboração com a reforma da legislação penal. A dogmática penal continuou, portanto, sendo hierarquicamente superior à política criminal no pensamento de von Liszt (FIGUEIREDO, 2008, p. 33). É exatamente este ponto crítico que a maioria dos autores da atualidade querem superar, dando contornos mais específicos e mais autônomos à política criminal. Claro que ela sempre se relacionará com o direito penal, mas a forma deste relacionamento pode ser diferente do que propôs von Liszt. E, além disso, a política criminal deve estruturar estratégias em diversos outros âmbitos, para além do direito penal, para que consiga combater o crime de forma eficaz. Outra informação fundamental, é que certamente a política criminal ganhou novo estatuto e novas características no Estado Democrático de Direito contemporâneo (DIAS, 1999, p. 33), o que contribuiu para que ela passasse a ser determinante no estabelecimento das políticas públicas criminais. Dito isto, vamos a alguns pensadores contemporâneos que deixaram sua marca no desenvolvimento da política criminal: • Claus Roxin confere um protagonismo muito grande à política criminal e, partindo desse pressuposto, formulou a teoria chamada Sistema Penal Teleológico-racional ou Funcionalista. Em linhas gerais, Roxin defende que a construção de todo o siste- ma penal deve ser orientada exclusivamente para os fins do Direito Penal no Estado Democrático de Direito. Estes fins, estão estabelecidos na Constituição Federal, e se revelam através da proteção de bens jurídicos essenciais. Para este autor, o problema jurídico apenas pode ser resolvido através de considerações axiológicas, que estejam relacionadas à eficácia e à legitimidade de atuação do Direito Penal (GRECO apud BI- CUDO, 2015, p. 18). O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ 5 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia • Günther Jakobs, em seu funcionalismo sistêmico, entende que a finalidade do direito penal é a manutenção e a confirmação da vigência da norma. Em outras palavras, o que importa realmente é a estabilização do conteúdo da norma, e não a proteção de bens jurídicos. A partir desta premissa é que a política criminal deve ser pensada. Uma de suas proposições político-criminais é o Direito Penal do Inimigo, que diferencia o tratamento a ser dado aos cidadãos (aqueles que, mesmo praticando crimes, não rompem com os valores da sociedade) e aos inimigos (aqueles que praticam crimes por não comungar com os valores sociais) (PRADO, 2018; TANGERINO; OLIVE, 2018). • Eugênio Raúl Zaffaroni (1991) estrutura seu pensamento político-criminal partindo da exposição da deslegitimação do sistema penal na América Latina e propondo “pautas gerais para um exercício de poder legitimante diante de um fato de poder deslegiti- mado”. Em outras palavras, Zaffaroni propõe estratégias racionais para manejar de maneira minimamente legítima o direito penal, diante da impossibilidade de aboli-lo completamente. Esta teoria, por ele chamada de Realismo Jurídico-Penal Marginal, é uma espécie de “redução de danos” do sistema penal. Para o que nos interessa neste momento, a diferença do pensamento de Zaffaroni é que ele entende o sistema penal como um fenômeno social não racional. Feito este breve panorama do pensamento de alguns dos destacados pensadores no âmbito da política criminal, quero lhe informar, que existem algumas divergências a respeito do estatuto científico da política criminal. Há um debate em torno da existência (ou não) de total autonomia da política criminal com relação às outras ciências. Nesta discussão, Amaral (2007, p. 207) parece correto ao se posicionar no sentido de que a política criminal é uma verdadeira ciência. Desde Platão e sua oposição à erudição dos sofistas, não se concebe mais a política como uma não ciência. Não é diferente com a política criminal. Von liszt criou a política criminal como disciplina científica, definindo-a como o conjunto de critérios determinantes para uma “luta eficaz” contra o delito (aMaral, 2007, p. 207). O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ 6 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia Seja como for, os autores contemporâneos continuam desenvolvendo a política criminal, para que ela possa ser um dia efetivamente um instrumento eficaz contra os fenômenos criminais, nas sociedades em que se aplica. considerações finais da aula Que bom continuar tendo sua companhia! Durante esta aula você estudou a origem e o desenvolvimento da Política Criminal, conheceu a importância de Franz von Liszt e seu Programa de Marburgo, e analisou alguns aspectos importantes do desenvolvimento da política criminal na atualidade. Espero que você tenha notado que a política criminal é uma ciência recente e muito vívida, e que os autores contemporâneos podem ter visões muito diferentes a respeito dela! Espero que tenha percebido também que, apesar de contemporaneamente se reconhecer que a política criminal não pode ficar ligada apenas ao direito penal, ainda há uma dificuldade muito grande em se operacionalizar a política criminal em outras áreas! Certamente este é um desafio do nosso tempo! Materiais complementares Teoria e Aplicação da Pena 2014, Enio Luiz Rossetto. São Paulo: Atlas. Leia o tópico “2.2.2.1.2. Prevenção especial de Franz Von Liszt”, das páginas 60 a 61. Este trecho retomará alguns conceitos e reflexões que trouxemos para você, estima- do(a) aluno(a), e mostrará como o pensamento de von Liszt se relaciona com as teorias da pena. Se você quiser entender o contexto de maneira mais ampla, e conhecer as outras teorias da pena, leia o trecho compreendido entre as páginas 45 e 81. Ótima leitura! Referências AMARAL, Claudio do Prado. Bases teóricas da ciência penal contemporânea: dogmáti- ca, missão do direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo: IBCCRIM, 2007. ASHTON, Peter Walter. As principais teorias de direito penal, seus proponentes e seu desenvolvimento na Alemanha. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ 7 de 7faculdade.grancursosonline.com.br Unidade 1 | Aula 3 Professor(a): Michele Cia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 12, p. 237-246, 1996. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2023. BICUDO, Tatiana V. Por que punir? Teoria geral da pena. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Disponível em: .Aces- so em: 8 dez. 2022. FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. Crimes ambientais à luz do conceito de bem jurídico- -penal: (des)criminalização, redação típica e (in)ofensividade. São Paulo: IBCCRIM, 2008. LANGLE, Emílio. La teoria de la política criminal. Madrid: Reus, 1927. LUZ, Yuri Corrêa da. Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os fun- damentos do direito penal contemporâneo. São Paulo: IBCCRIM, 2013. PRADO, Rodrigo Murad do. O funcionalismo sistêmico de Günther Jakobs. 2018. Disponí- vel em: . Acesso em: 5 mar. 2023. ROSSETTO, Enio L. Teoria e aplicação da pena. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2014. Dispo- nível em: . Acesso em: 28 nov. 2022. TANGERINO, Davi de Paiva Costa; OLIVE, Henrique. Sobre uma política criminal baseada na teoria do direito penal do inimigo. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 39, p. 226-238, 2018. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2023. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sis- tema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para FLAVIO - 04061431374, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://faculdade.grancursosonline.com.br/ https://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/article/view/69184/39073 https://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/article/view/69184/39073 https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502616721/ https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/657547435/o-funcionalismo-sistemico-de-gunther-jakobs https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/657547435/o-funcionalismo-sistemico-de-gunther-jakobs https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522492657/ https://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/issue/view/3634 https://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/article/view/84336/51602 https://seer.ufrgs.br/index.php/revfacdir/article/view/84336/51602 Aula 1 – Conceito e Objeto da Política Criminal Aula 2 – Política Criminal, Criminologia e Direito Penal Aula 3 – Contextos Históricos da Política Criminal Aula 4 – Política Criminal como Política Pública Aula 5 – Cenários da Política Criminal