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11 0 SHADOW BANKING SYSTEM NO “ P Ó S - C R I S E ” M A R Y S E F ARH I D A N I E L A M A G A L H Ã E S P R A T E S 1 . I NT R O D U Ç Ã O Os sucessivos estágios de evolução do sistema bancário foram consequên cia da interação entre a dinâmica concorrencial dos bancos e as mudanças no ambiente macroeconômico, regulatório e institucional, que são o seu lócus de atuação. Na condição de agentes capitalistas movidos pela lógica de valoriza ção de riqueza, os bancos reagem de forma ativa a essas mudanças, mediante a introdução de inovações financeiras, provocando alterações nesse ambiente que tornam, na maioria das vezes, a regulação vigente obsoleta, exigindo aper feiçoamentos no marco regulatório. Esse processo interativo e dialético entre os bancos e as autoridades reguladoras culminou, na segunda metade dos anos 1980, na maioria dos países avançados (com destaque para os Estados Unidos), numa nova forma de organização das operações bancárias, viabilizada pelo pro cesso de securitização das dívidas. No início do século XXI, esse modelo, denominado “originar e distribuir” (títulos lastreados nos créditos concedidos), e, com isso, a natureza da ativi dade bancária, sofreu uma mudança quantitativa e qualitativa em função do acirramento do processo de arbitragem regulatória num ambiente de taxas de juros historicamente baixas e afrouxamento dos controles sobre as instituições e mercados financeiros. Essa mudança ocorreu quando os bancos comerciais (ou universais com carteira comercial) desenvolveram e passaram a negociar, em grandes volumes, nos opacos e desregulamentados mercados de balcão, duas inovações financeiras — os “produtos estruturados” e os derivativos de crédi to. Estas inovações financeiras possibilitaram aos bancos expandir fortemente a retirada dos riscos de crédito de seus balanços com o objetivo de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelos 92 SISTEMA FINANCEIRO E POLlTICA ECONÔMICA EM UMA ERA DE INSTABILIDADE Acordos de Basileia. Essa metamorfose, todavia, só pôde ser realizada em volu mes elevadíssimos porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte das operações, ou seja, assumir os riscos de crédito contra um retorno que, à época, parecia elevado. Esses agentes fazem parte do chamado Sistema Bancá rio na So/nbra — SBS (em inglês, Shadow Banking System). Dessa forma, desenvolveu-se uma interpenetração de modo quase inex- trincável, entre os balanços dos dois sistemas - regulado e “na sombra” —, que ocorreu tendo como pano de fundo as complexas relações nos mercados de balcão em que as instituições tornaram-se contrapartes umas das outras. Essa interpenetração replicou, multiplicou e redistribuiu, globalmente, os riscos pre sentes no sistema, bem como os prejuízos deles decorrentes, para uma gran de variedade de instituições financeiras, sendo responsável pela transformação de uma crise de crédito clássica (na qual a somatória dos prejuízos potenciais, correspondente aos empréstimos concedidos com baixo nível de garantias, é conhecida) em uma crise financeira sistêmica em âmbito global em 2008. Assim, a crise evidenciou diversos aspectos da arquitetura financeira inter nacional, que estavam, até então, envoltos em sombra. O dimensionamento do SBS no contexto atual (“pós-crise”) revela-se, contudo, uma tarefa complexa. Na discussão mais recente sobre o SBS, se contrapõem diversas definições. As divergências surgem no que diz respeito à composição de seus agentes e, por conseguinte, à sua amplitude. Longe de ser apenas uma questão semântica, essa discussão resulta em distintas visões sobre a evolução e a configuração atual da arquitetura financeira internacional, implicando, assim, diagnósticos diferentes sobre o conteúdo e o escopo das reformas da supervisão e regulação destinadas a evitar que uma crise semelhante ecloda. O objetivo da próxima seção é apresen tar essas distintas definições. Na última seção, a título de considerações finais, seguem-se algumas reflexões sobre os desafios para a supervisão e regulação financeiras. 2 . A S D IS T IN T A S D E FIN IÇ Õ E S DO S IS T E M A B A N C Á R IO N A S O M B R A O termo “sistema bancário na sombra” foi empregado pela primeira vez em 2007 por Paul McCulley, diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco. Com o desenvolvimento do modelo de “originar e distribuir”, os bancos tornaram-se capazes de estender, praticamente sem limites, suas ati vidades de crédito, ao desempenharem, de forma crescente, o papel de inter- mediadores de recursos em troca de comissões. Mas, como mencionado, isso só pôde ser realizado porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte das operações de crédito dos bancos. Esses agentes envolvidos ém emprésti mos alavancados não têm acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações ilc redesconto dos bancos centrais nem, tampouco, estão sujeitos às normas prudenciais dos Acordos de Basileia. Nessa definição, enquadram-se os grandes bancos de investimentos inde pendentes, os hedge funds, os fundos de investimentos, os fundos de private equity, os diferentes veículos especiais de investimento, os fundos de pensão e as seguradoras. Nos EUA, ainda se somam os bancos regionais especializados em crédito hipotecário (que não têm acesso ao redesconto) e as agências quase- públicas (Fannie Mae e Freddie Mac), criadas com o propósito de prover liqui dez ao mercado imobiliário americano. Já diversas outras pesquisas seguem a definição dada por economistas do Federal Reserve (Fed) (Pozsar et al., 2010), que incluem, além dos agentes apontados por McCulley, o conjunto de agentes que proveem financiamento às aquisições de ativos lastreados em crédito pelos membros do SBS. Essa categoria de agentes abrange todos aqueles que dispõem de liquidez, como fundos de curtíssimo prazo, fundos de pensão, gestores de ativos etc. Assim, por exemplo, os fundos de curto prazo estão incluídos no SBS porque ad quirem títulos emitidos por agentes que pertencem a esse sistema, mesmo que esses títulos só representem uma pequena parcela de seus ativos. Nessa definição, esses agentes estão interligados numa longa e complexa cadeia que constitui o SBS e cuja função é a intermediação dos créditos por via de complexos instrumentos de securitização, valendo-se dos recursos providos pelos agentes de mercado que dispõem de liquidez. Nos trabalhos mais recentes, a abrangência da definição leva esses mesmos economistas do Fed (Pozsar, 2012) a propor que o SBS passe a ser denominado “sistema financeiro baseado em mercados de capitais (em inglês, “market-based financial system). Discutir o fenômeno recente do surgimento do SBS para desembocar nessa definição é um caminho longo, tortuoso e, em larga medida, redundante. A especificidade do SBS deixa de existir e se dilui num termo ex tremamente amplo, cujo uso é muito anterior ao aparecimento deste na virada do século XXI. Com efeito, na teoria econômica heterodoxa, essa noção de “sistema financeiro baseado em mercados de capitais” é amplamente difundida, sendo utilizada há décadas para caracterizar o sistema financeiro anglo-saxão. Após a ruptura dos acordos de Bretton Woods e a globalização financeira, esse tipo de sistema impôs-se internacionalmente. Na perspectiva aqui adotada, somente fazem parte do SBS os agentes que apresentam uma postura ativa na busca por desempenhar um papel semelhante ao dos bancos comerciais, captando recursos no curto prazo, operando alta mente alavancados e investindo em ativos de longo prazo e ilíquidos, ou seja, descasando prazos e carregando risco de crédito. Assim, considera-se a defini ção de McCulley mais apropriada e rigorosa. O S h a d o w B a n k in g S ys ie m nu f w g - u n » — A amplitude da definição condiciona o dimensionamento do SBS. Na sua acepção mais abrangente, incluindo praticamente todos os agentes dos mer cados de capitais (envolvendo, assim,os que não tiveram ou não têm seus ba lanços interpenetrados com os balanços dos bancos), os dados dos economis tas do Fed apontam que, nos Estados Unidos, o SBS apresentava passivos de US$20 trilhões em meados de 2007, que se reduziram para US$16 trilhões em 2010. Entretanto, esses mesmos dados assinalam que, apesar disso, o passivo do SBS continuou a apresentar volumes mais elevados que os do sistema bancário regulado, que, no mesmo período, passaram de US$13 trilhões para US$14 trilhões. Esse encolhimento decorreu de dois processos desencadeados pela crise. Por um lado, ela encarregou-se de reduzir o grau de alavancagem tanto dos bancos quanto do SBS, expressa na contração de seus passivos. Por outro lado, essa mesma crise promoveu uma verdadeira “corrida bancária” contra o SBS, uma “corrida bancária contra não bancos”, que resultou em seu desmanche parcial. Sem dispor de reservas de capital, com ativos cuja liquidez desapareceu des de a eclosão da crise em meados de 2007 — fazendo com que seu preço deixasse de ter cotação - e confrontados ao expressivo encolhimento de sua fonte de funding, os grandes bancos de investimentos americanos simplesmente deixa ram de existir, devido à falência (Lehman Brothers), aquisição por conglome rados bancários (Bear Stearns e Merrill Lynch) ou transformação em bancos comerciais (Goldman Sachs e Morgan Stanley). As instituições especializadas em crédito hipotecário sofreram fortes abalos tanto nos EU A como na Eu ropa, com diversas falências, nacionalizações ou aquisição por conglomerados bancários. Enquanto isso, os fundos de alto risco (hedge funds) tiveram perdas estimadas em US$2 trilhões e muitos fecharam as portas. Finalmente, as segu radoras, que tinham assumido posições relevantes no SBS, divulgaram enormes prejuízos financeiros; algumas de porte médio faliram, enquanto outras tiveram de ser socorridas pelas autoridades monetárias e passaram a impor limites a suas posições alavancadas. Apesar de colossais prejuízos, o sistema bancário propriamente dito regis trou uma queda menos acentuada de seus passivos em relação à sofrida pelo SBS devido à transformação dos dois maiores bancos de investimentos em bancos comerciais, ao aumento da concentração suscitada por suas aquisições de instituições não bancárias em situação periclitante e aos empréstimos da autoridade monetária. Dado o tamanho do desmanche sofrido pelo SBS e a paralisação quase total, até hoje, dos mercados de securities lastreadas em crédito, a redução de 20% de seus passivos parece indicar, sobretudo, o impacto no agregado do fato de que foram incluídos, no cálculo dos economistas do Fed, os passivos tanto dos _ _______ u ^ c n u m i g a em u m a e r a d e i n s t a b i l i d a d e O Shadow Banking System no “pôs-crise' »5 agentes atuantes no SBS quanto daqueles que, por dispor de liquidez, os finan ciam. Calculados dessa forma, os passivos do SBS no período “pós-crise” per manecem muito elevados e deveriam suscitar grandes inquietações, por indicar uma nova ameaça sistêmica potencial decorrente do tamanho das posições, do grau de alavancagem e do volume de riscos que teriam passado a carregar após a crise. Entretanto, se retirarmos do agregado as instituições financeiras não bancárias que não desempenham papel ativo na retirada de riscos de crédito dos balanços bancários, limitando-se a provê-los de liquidez, o dimensionamento do SBS no atual período “pós-crise” deve se reduzir consideravelmente. 3. C O N S ID E R A Ç Õ E S FIN A IS O contexto atual nos EU A se caracteriza por uma volta ao crescimento do volume de crédito ao consumidor desde o final de 2010, embora o crédito hipo tecário, de mais longo prazo, só muito recentemente tenha se estabilizado após quedas acentuadas. Esse movimento no crédito ocorreu, em particular, após a autoridade monetária ter, do final de 2010 a junho de 2011, utilizado mais um instrumento não convencional de política monetária, injetando US$600 bilhões na economia pela aquisição de títulos públicos de longo prazo. Nessas condições, as atenções deveriam voltar a se focalizar no SBS. E im perativo impedir que os balanços de seus integrantes voltem a se interligar em dimensões significativas com os do sistema bancário regulado. As condições propícias a essa nova interpenetração são possíveis graças à anunciada manu tenção, por um tempo relativamente longo, dos juros baixos nos títulos públi cos considerados sem risco, que, como no início do século XXI, deve levar os agentes à busca de ativos mais arriscados, por isso, mais rentáveis, assim que a economia der sinais convincentes de recuperação. O cerceamento de novo acúmulo de fragilidades financeiras só pode ser feito mediante medidas prudenciais. Para que essas medidas cumpram esse ob jetivo de forma eficiente, deverão se concentrar nos agentes ativos, ou seja, nos bancos e nas instituições não bancárias que podem voltar a se transformar nas contrapartes das operações destinadas a retirar riscos de crédito dos balanços. R EF ER Ê N C IA S POZSAR, Z., ADRIAN, T., ASHCRAFT, A. e BOESKY, H. “Shadow Banking, Federai Reserve Bank of New York Staff Report”, n. 458, julho de 2010. POZSAR, Z. “Institutional Cash Pools and the Triffin Dilemma of the U.S. Banking System”, IM F Working Paper, WP/11/190, FMI, agosto de 2011. Disponível em <http://www.imf. org/external/pubs/ft/wp/2011/wpl 1190.pdf>
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