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1 ECONOMIA CONSTITUCIONAL, FUNÇÕES E FALHAS DE GOVERNO: DIREITOS DE PROPRIEDADE, ARRANJOS CONTRATUAIS E CUSTOS DE TRANSAÇÃO CONSTITUTIONAL ECONOMICS, FUNCTIONS AND FAILURE OF THE GOVERNMENT, PROPERTY RIGHTS, CONTRACTS AND TRANSACTION COST Ana Carolina Corrêa da Costa Leister EESP – FGV RESUMO: Este artigo reconstrói a Teoria da Economia Constitucional de James Buchanan definindo o Estado em termos de sua natureza, estrutura e funções. Primeiramente identifica as condições que justificam a emergência do Estado e que são explicitadas em seu contrato constitucional, fundamentado dentro de um enquadre estritamente individualista. Em segundo lugar, são identificadas e caracterizadas as duas estruturas de poder e suas funções típicas segundo imputado pela Teoria da Economia Constitucional. Em suas análises, Buchanan reconstrói e diagnostica um dos mais importantes problemas decorrente da operação da máquina pública – sua tendência natural à expansão para além dos limites ótimos especificados pelo critério paretiano quando aplicado ao nível constitucional. No intuito de minimizar a ineficiência (custo de oportunidade) daí engendrada, o teórico propõe algumas estratégias que visam redimensionar o Estado, trazendo-o para mais próximo de seu tamanho ótimo, particularmente reformas nas instituições e desregulamentação/ desburocratização, soluções as quais identificamos aqui como dando ensejo para fundamentar uma particular teoria tributária como desdobramento da Teoria da Economia Constitucional. PALAVRAS-CHAVE: expansão estatal – insegurança jurídica – propriedade privada – contratos privados e contrato constitucional – reformas institucionais. ABSTRACT: This paper reconstructs the Theory of the Constitutional Economy of James Buchanan defining the State in terms of its structure and functions. First it identifies the conditions that justify the emergency of the State and that they are explicitated in its constitutional contract, framed in an individualist structure. Second, they are identified and characterized the two structures of power and its typical functions second imputed by the Theory of the Constitutional Economy. In its analyses, Buchanan reconstructs and diagnostic one of the most important problems current of the operation of the public machine - its natural trend to the expansion beyond the optimal limits specified by the paretian criterion when applied to the constitutional level. In intention to minimize the inefficiency (opportunity cost) from there produced, the theoretician considers some strategies that they aim at to redesign the State, bringing it for next to its optimal size, particularly reforms in the institutions and deregulation/ desburocratization, solutions which we identify here as to base a particular theory tax as unfolding of the Theory of the Constitutional Economy. KEY-WORDS: state expansion - legal insecurity - private property - private contracts and constitutional contract - institutional reforms. ‘Num ambiente em que leis não são cumpridas, as pessoas e as empresas se 2 retraem e fazem menos negócios, pois têm medo de perder dinheiro’ (Stefan Matzinger/ McKinsey). SUMÁRIO: I. Introdução, II. Métodos Contratualista e Econômico, III. As funções do Estado: O Estado Produtor e o Estado Protetor, IV. Problemas da Operação do Estado Produtor, V. O Estado Protetor, VI. Encaminhamento do Problema: a reforma institucional como solução, VII. Considerações Finais. SUMMARY: I. Introduction, II. Contractarianist and Economics Methods, III. The functions of the State: the Productive and the Protective State, IV. Problems of the Operation of the Productive State, V. The Protective State, VI. Solutions of the Problem: the institucional reform as solution, VII. Conclusions I. INTRODUÇÃO Buchanan, em dois de seus trabalhos mais significativos, The Calculus of Consent ([1962] 1971) e The Limits of Liberty (1975), o primeiro em co-autoria com Gordon Tullock, procede à definição e detalhamento da estrutura e funções do Estado. Nossa proposta aqui é: (i) identificar os componentes da estrutura de poder de sua teoria; (ii) caracterizar seus mecanismos de funcionamentos; (iii) apresentar as falhas que decorrem naturalmente de sua operação; (iv) acorrer com soluções para seu tratamento ou minimização segundo pugnadas pelo teórico. A preocupação central de Buchanan é relativa à expansão estatal para além de seu tamanho ótimo tal como admitido pelo critério de eficiência paretiano aplicado ao nível do contrato constitucional1. Essa expansão, como demonstrado por Buchanan nessas obras, é descrita como uma tendência natural decorrente da operação da máquina pública, podendo ser caracterizada como uma falha estatal, em paralelo com as falhas de mercado. Na tentativa de tratar dessa problemática, Buchanan propõe a introdução de mecanismos institucionais capazes de redimensionar o Estado, minimizando essa tendência de inchaço para além do tamanho ótimo paretiano que é estabelecido contingencialmente no contrato constitucional a partir do conjunto das preferências individuais. O projeto deste artigo é caracterizar as duas funções estatais propostas por Buchanan adotando como procedimento a reconstrução racional abreviada da estrutura geral de sua Teoria de Estado, particularmente aquela apresentada pelo teórico nas duas obras supracitadas, notadamente no The Limits of Liberty. Para tanto, cabe especificar que sua Teoria do Estado faz uso de duas metodologias: (i) uma contratualista, que caracteriza o procedimento para a determinação dos direitos de propriedade das partes contratantes a partir de uma distribuição natural de direitos sobre os recursos (dotação inicial), de cunho estritamente individualista; (ii) uma econômica, no caso uma metodologia de custo-benefício, para desenhar e redesenhar instituições políticas. II. MÉTODOS CONTRATUALISTA E ECONÔMICO A metodologia contratualista clássica e moderna pode ser caracterizada como um experimento mental que visa encontrar os fundamentos das instituições políticas (Chiappin e Leister, 2007; Leister e Chiappin, 2007). Nela, o indivíduo figura como este fundamento. Modernamente, essa abordagem tem sido nomeada, tanto na política quanto na economia, individualismo metodológico que assume, para as ciências sociais, a função que tem o reducionismo fisicalista para as ciências naturais. Na teoria de Buchanan, mais do que metodológico, seu individualismo é normativo, quer dizer, o indivíduo é admitido não apenas 3 como o fundamento para se acessar instituições jurídico-políticas que venham a satisfazer seus interesses, mas também é o indivíduo o valor último a ser preservado por essas instituições. Esta abordagem diferencia-se, pois, do utilitarismo e da economia do bem-estar social, para quem o indivíduo figura como causa eficiente, porém não como causa final (Leister, 2005). Trata-se do reconhecimento do indivíduo como fim, tal como pressuposto por toda a ampla gama de teorias liberais, cuja origem remonta ao contratualismo do século XVII e é completada em seu escopo, ainda nos clássicos, no reino dos fins kantiano. Por força de seu individualismo normativo e metodológico, um modelo de indivíduo é aquilo que primeiramente é requerido em sua Teoria do Estado. O modelo adotado da parte de Buchanan é minimalista, pois nele assume-se que o indivíduo pode ser caracterizado em termos de algumas (poucas) propriedades básicas. A primeira delas é sua racionalidade, definida a maneira cartesiana como racionalidade instrumental, ou, como nos modelos econômicos, quer como capacidade de adequação meios e fins, quer mais formalmente como uma certa estrutura lógica imposta às suas preferências e crenças e um critério de escolha. Uma segunda propriedade imputada ao indivíduo, esta acerca de suas preferências: assume-se neste modelo a tese do homo oeconomicus, que o indivíduo é auto-interessado, que ao avaliar estados sociaisalternativos, considera unicamente sua posição social nesses estados, sem atentar para as posições ocupadas pelos demais indivíduos. Assim, por exemplo, não atribui qualquer peso para o fato de se um estado social é mais ou menos desigual em termos das posições assumidas nele pelos demais indivíduos desde que, em termos absolutos, ele se encontre em melhor posição social relativamente aos demais estados sociais2. Seu critério é, pois, de eficiência ou otimização local, sem atentar nem para a eficiência/otimização agregada nem para as possíveis distribuições relativas dos recursos nesses estados sociais. Ainda, no modelo de indivíduo buchaniano não há qualquer asserção que o caracterize como avesso a risco, ainda que à semelhança de Rawls, construa sua própria posição original, chamada por ele posição de incerteza. Em termos mais técnicos, sua função utilidade para risco é linearmente monotônica. Com relação aos demais indivíduos, ele se diferencia (se individualiza) em termos de duas funções: (i) uma função utilidade, que reflete suas preferências; (ii) uma função produção, que incorpora suas habilidades e capacidade produtiva. Por conta dessas duas funções que os individualizam, é suposto, diversamente da maioria das teorias contratualistas clássicas que adotam a doutrina jusnaturalista, que esses indivíduos não são iguais entre si (aqui nem quanto às suas preferências, nem mesmo quanto às suas capacidades). Finalmente, ao colocar esses indivíduos em interação no estágio pré- constitucional, correlato ao Estado de Natureza dos contratualistas clássicos, e à Posição Original do contratualismo moderno rawlsiano, assume-se que eles são livres, a despeito de não serem iguais. No que tange ao estágio pré-constitucional buchaniano, sua função é determinar a origem do direito de propriedade para além de outros direitos que a ele se reduziriam (a maneira lockeana). Para compreender a perspectiva do teórico, cabe aqui uma comparação de seu estágio pré-constitucional com o Estado de Natureza hobbesiano. Em Hobbes, a guerra e a impossibilidade de se alcançar um equilíbrio ainda no Estado de Natureza decorre de sua asserção acerca da igualdade dos indivíduos com relação às suas capacidades (no que tange às preferências dos indivíduos, em Hobbes ela também divergem, como em Buchanan, daí não ser suposta nenhuma idéia de Bem e Mal objetivos). Sendo admitidos iguais, nenhuma ordem pode naturalmente se impor, pois o indivíduo mais forte e dominante hoje pode ser vencido amanhã por um indivíduo menos forte, mas, mais inteligente. Assim, em Hobbes, as diferenças individuais se anulam e, considerados no agregado, os indivíduos são iguais entre si. Por conseguinte, nenhum equilíbrio é admitido neste estado, posto que, sendo iguais os indivíduos, nenhuma ordem prevalece sobre as demais, não havendo qualquer possibilidade de um estado social dominar o outro no Estado de Natureza hobbesiano3. No estágio pré- 4 constitucional de Buchanan, diversamente, tendo sido assumido que os indivíduos são desiguais no que tange às suas capacidades, um equilíbrio (quasi-equilíbrio) sempre pode ser alcançado, pois o(s) indivíduo(s) mais apto(s) pode(m) se impor naturalmente sobre os demais, engendrando uma ordem social ou equilíbrio4. Se no estágio pré-constitucional subsiste um equilíbrio, onde então, reside o problema o qual o contrato social (em Buchanan contrato constitucional) deve buscar sanar ou minimizar? A resposta a esta questão é obtida da caracterização do equilíbrio, no estágio pré- constitucional, como ineficiente. E pode ser descrito como ineficiente porque, ainda que uma distribuição natural de direitos sobre os recursos, em certo sentido direitos de propriedade naturais (novamente à maneira lockeana), possa emergir ou ser implicada logicamente da desigualdade imputada aos indivíduos, principalmente da desigualdade em termos de suas capacidades (função produção individual), mas também em termos de suas preferências, se frugais ou sofisticadas, subsiste a possibilidade de que eles ensejem modificar essa distribuição tomando para si recursos uns dos outros5. Como os indivíduos dispõem de capacidades diferentes, se ao menos alguns deles se mostrarem mais eficientes no furto de recursos produzidos por terceiros que na produção própria de recursos, a distribuição natural dos recursos pode se mostrar bastante instável, pois esses indivíduos encontrarão mais incentivos em furtar que em produzir6. Por força deste argumento, o estágio pré- constitucional buchaniano é melhor caracterizado como um estado social de quasi-equilíbrio, visto subsistirem ineficiências. Nele subsiste um alto grau de insegurança jurídica com respeito aos direitos de propriedade, o que deve se refletir em altos custos de transação. Além da insegurança, no Estado de Natureza buchaniano, seu estágio pré-constitucional, a distribuição natural de direitos é um quasi-equilíbrio; não chega a ser descrito como um equilíbrio, porque é, ainda, ineficiente, visto que os indivíduos consomem uma parcela de seus recursos, incluindo seus esforços, para proteger sua produção em vez de investir na produção. E tal se dá porque não existe direitos de propriedade bem definidos. Dessas asserções, pode-se supor subsistirem duas espécies de custos: (i) os custos ou recursos que o indivíduo consome na proteção de sua propriedade e que poderiam ser investidos alternativamente no aumento da produção7; (ii) os custos de transação, custos envolvidos nas trocas de direitos sob contratos privados, dada uma dotação inicial qualquer, em função da insegurança jurídica que subjaz no estágio pré-constitucional (i.e., na ausência do Estado), de modo que subsiste uma incerteza muito grande com relação ao cumprimento desses contratos. (Ou seja, embora preceda e funcione independentemente da instituição política, o mercado, sem o Estado, opera de modo ineficiente por força dos custos derivados de direitos de propriedade mal definidos.) E todos esses custos decorrem de um estado social no qual direitos de propriedades não estão, ainda, reconhecidos intersubjetivamente e objetivados em um sistema jurídico que os legitime e proteja-os8. Embora um truísmo, convém explicitar ainda, que, nesse estado social de quasi- equilíbrio, a distribuição natural de recursos pode ser suposta desigual9. Contudo, a respeito da desigualdade muito pouco tem a dizer o projeto liberal de Buchanan, mais preocupado está em forjar uma proposta de imputação bem definida de direitos de propriedade, leia-se uma imputação reconhecida objetivamente, posto que acordada por todos os indivíduos, minimizando a insegurança jurídica e os conflitos que caracterizam o estágio pré- constitucional10. Na perspectiva buchaniana apresentada no The Limits of Liberty, o contrato social, designado por ele contrato constitucional, elaborado no estágio constitucional, pode ser definido como um procedimento para a instituição objetiva de direitos de propriedade. Por instituição objetiva leia-se aquela na qual direitos são reconhecidos intersubjetivamente, o reconhecimento forjado a partir do acordo engendrado no estágio constitucional, o contrato constitucional, por indivíduos racionais (pressuposto) e livres (condição). Por meio desse contrato constitucional, o direito de propriedade reconhecido a um indivíduo engendra um 5 dever da parte dos demais de reconhecê-lo e respeitá-lo. Mas, além da instituição de uma certa dotação inicial, i.e., uma distribuição qualquer de direitos de propriedade, desde que aceita por todos, o estágio constitucional pode, para garantir essa aceitação multilateral dos indivíduos ao acordo firmado no estágio constitucional, admitir alguma transferência de recursos relativa aquela subjacente no estágio pré-constitucional. Na distribuição natural que decorre do estágio pré-constitucional, cada indivíduo tem direito aquilo que produz, seja direta, seja indiretamente, a seguir se explica. Buchanan supõe dois perfis deindivíduos (suposição em consonância com sua asserção acerca da desigualdade dos indivíduos) para explicar essa transferência de recursos: (i) indivíduos produtores, mais hábeis na produção direta de recursos; (ii) indivíduos salteadores, mais aptos na produção indireta, i.e., na obtenção de recursos via a violação da propriedade alheia (relativamente à sua habilidade na produção direta de recursos). A distribuição natural de recursos é um quasi- equilíbrio obtido da interação entre essas duas classes de indivíduos. Quasi-equilíbrio porque, como vimos, subsistem ineficiências relativas à má definição de direitos de propriedade (custos de transação e insegurança jurídica). Admitindo-se, então, que um movimento paretiano relativo ao estágio pré-constitucional de quasi-equilíbrio pode ser obtido via um acordo entre as partes definindo objetivamente direitos de propriedade, uma condição deve ser satisfeita, qual seja ela: a condição de que esses indivíduos aufiram ganhos mútuos, que é o mesmo que dizer que o contrato deva implicar em um movimento paretiano. Da parte dos indivíduos produtores, o ganho é evidente: a segurança jurídica que uma estrutura bem definida de direitos de propriedade engendra, possibilitando a esses indivíduos economizar esforços para proteger a propriedade de sua produção. Mas qual é o ganho envolvido em um tal contrato para aqueles indivíduos que se beneficiam muito mais da violação da produção alheia que da produção direta de bens? É para que esses indivíduos, os salteadores, também possam aceitar o acordo ou contrato social, que alguma transferência de recursos deve ser admitida no contrato social produzido no estágio constitucional. Por conseguinte, o contrato constitucional é implementado por meio tanto de ações alocativas, pois é, ele mesmo, um melhoramento paretiano relativamente ao estágio pré-constitucional, quanto de ações redistributivas, posto envolver uma transferência de recursos dos produtores para os salteadores com vistas a garantir o entendimento entre as partes. III. AS FUNÇÕES DO ESTADO: O ESTADO PRODUTOR E O ESTADO PROTETOR Delineada no estágio constitucional uma estrutura bem definida de direitos de propriedade, legitimados e garantidos objetivamente no contrato constitucional por meio da instituição do poder político protetivo desses direitos, ganhos mútuos marginais podem ser, ainda, auferidos. Estes o serão por meio da realocação de direitos via trocas de mercado angariados sob arranjos contratuais voluntários e descentralizados que incluem todo o portfólio dos contratos privados típicos e atípicos admitidos pelo direito civil, consumerista e empresarial. Ou seja, minimizados os custos de transação e a insegurança jurídica referentes à má definição de direitos de propriedade subjacentes ao estágio pré-constitucional, a realocação desses direitos viabilizando ganhos mútuos incrementais toma lugar e é potencializada via economia de mercado, agora sob uma estrutura institucional mais hígida. Reconstruímos até presentemente o enquadre básico formulado por Buchanan em sua obra The Limits of Liberty no sentido de apresentar o contrato constitucional como um movimento Pareto-superior. Comenta-se agora acerca das duas funções atribuídas ao Estado e que são, também, definidas neste contrato (contrato constitucional). Segundo Buchanan, são essas funções: (i) a intervenção direta do Estado na economia por meio da produção estatal de bens públicos puros e não puros; (ii) a proteção dos direitos de propriedade e a garantia do pacta 6 sunt servanda no direito privado nos arranjos contratuais que se seguem ao pacto constitucional. A primeira função é desempenhada pelo Estado Produtor, que corresponderia aos nossos poderes executivo e legislativo (como instâncias de tomada de decisão), bem como pelas entidades da administração pública indireta com personalidade jurídica de direito público e privado (implementadoras). A última, ao Estado Protetor, equivalente ao poder judiciário. Enquanto o desempenho da primeira função é tratado em maior extensão na obra The Calculus of Consent, o da segunda é abordado com minúcia na obra The Limits of Liberty. Nos dois casos, o funcionamento da máquina pública tenderá à expansão estatal como será averiguado desta análise. A expansão do Estado Produtor é abordada em sua teoria dos bens públicos (ainda que este venha a produzir, igualmente, bens públicos não puros, os chamados bens de clube11). A do Estado Protetor, em sua teoria da lei. Antes de caracterizar com mais detalhes essas duas funções, cabe introduzir algumas advertências. A primeira delas é a identificação do Estado Mínimo ao Estado Protetor, aquele cuja função primordial é a proteção dos direitos de propriedade definidos e realocados em arranjos contratuais. Caso apenas a função protetora do Estado fosse admitida por Buchanan, este poderia ser definido como um ultraliberal adepto do Estado Mínimo como muitos incautos o têm classificado. Como o teórico prevê, ainda, uma outra função estatal, a função produtora, sua abordagem acerca das dimensões estatais suplanta aquela prevista pelo Estado Mínimo, como o é a Teoria do Estado pugnada por, exempli gratia, Nozick ([1974] 1991). Ou seja, a concepção de Estado buchaniana prevê e justifica um Estado com dimensões mais avantajadas que aquelas de Nozick. Mais especiosamente: em Buchanan, o tamanho do Estado não é determinado a priori, como um parti pris, ao contrário, sua dimensão é definida de modo contingente a partir de sua concepção de indivíduo, que aplica às suas decisões relativas ao Estado uma metodologia econômica de custos (a metodologia de custo-benefício é aplicada em um segundo momento, uma vez definido no contrato constitucional as dimensões do Estado12). Assim, defende-se aqui a tese que a Teoria do Estado buchaniana não é uma teoria do Estado Mínimo (e embora seja ele um liberal, não o é ultraliberal). Uma segunda advertência, esta relativa ao Estado Produtor: a teoria dos bens públicos de Buchanan segue e é justificada sobre aquela de Olson ([1965] 1999), que aponta para uma suboferta de bens públicos (uma oferta a um nível subótimo no sentido paretiano) via economia de mercado. É cediço que essa falha de mercado resulta do comportamento de free-rider da parte de alguns, que, visando auferir os benefícios da oferta do bem público, e uma vez que o bem não dispõe de mecanismo de exclusão, abstêm-se de arcar com os custos de financiá-lo. Daí que a oferta do bem tenderá a ser feita a um nível inferior à sua demanda via economia de mercado. Para uma oferta ótima de bens públicos justifica-se, para além dos motivos que levam à instituição do Estado protetor, a função produtora do Estado. Nada obstante, como veremos, a função produtora do Estado abre ensanchas para que o Estado venha a ofertar bens não puramente públicos, e isto por força dos grupos de pressão que se formam visando capturar para si parte dos recursos mantidos em mãos do Estado. Ao comportamento desses grupos a economia tem nomeado comportamento de rent-seeking. Cum grano salis, a oferta de bens não puramente públicos, em longa manus do poder público não se caracteriza, de per se, uma arbitrariedade. Ela bem pode ser uma tentativa de Estados federativo simularem a competição de mercado (e sua conseqüente eficiência) entre as unidades federadas quanto à oferta de bens públicos não puros. A pletora de projetos que obtém o beneplácito do poder político, uma vez produzidos da parte desses grupos, quando gizam as fronteiras definidas no contrato constitucional, i.e., quando permitem carrear ganhos marginais sobre o status quo, justificam-se plenamente, ainda que os ganhos não sejam mútuos aqui. A contrário sensu, projetos ineficientes, cujos benefícios marginais não superam os custos relativamente a um status quo, estes sim, constituem em expediente que vilipendia a constituição, como veremos a seu tempo nesse artigo. 7 Feitas estas ressalvas, proceder-se-áà caracterização do Estado Produtor e do Estado Protetor segundo suas funções. O Estado Produtor, representado pelos poderes executivo e legislativo, implica em uma função deliberativa ou decisória, função esta definida por Buchanan como propriamente política. O Estado Protetor, representado pelo poder judiciário, em contrapartida, envolve uma função mais puramente mecânica ou técnica, antes que política. Assim sendo, definindo-se esses poderes em termos de conjunto de regras formais que orientam a ação, o Estado Produtor pode ser caracterizado em termos apenas de regras de decisão coletiva procedimentais, quer dizer, regras que dirigem o processo de tomada de decisão (aqui política) sem, contudo, definir a priori o seu resultado. São exemplos dessas regras as maiorias simples e qualificadas. Em sentido oposto, o Estado Protetor incorpora regras substantivas, de cumprimento automático, e que determina o resultado (aqui a decisão é jurídica) da ação previamente13. Ilustra este último caso, as regras codificadas que compõem o ordenamento jurídico de um Estado. Ainda, relativo à atividade desempenhada pelo Estado Produtor, esta é caracterizada por se constituir em um jogo de soma positiva, seu objetivo sendo a alocação eficiente, quer dizer, a definição de um nível ótimo de oferta de bens públicos, para além de bens de clube, quando sua oferta pelo setor público é mais eficiente que pelo setor privado (v.g., quando é um bem público para uma determinada unidade federada). A atividade desempenhada pelo Estado Protetor, de outra via, pode ser definida como um jogo de soma zero, posto ser seu objetivo a solução de conflitos por meio da distribuição de sentenças proporcionais às transgressões a elas relacionadas14. Por tratar-se essencialmente de um mecanismo de punição, assume-se que no curto prazo ninguém ganha com a punição. Seus ganhos são obtidos no longo prazo, em função da possibilidade da distribuição das penas criar incentivos para evitar novas violações e garantir a ordem social, gerando expectativas estáveis e minimizando incertezas. No curto prazo, contudo, esta atividade é caracterizada como um jogo de soma zero, pois a punição é sempre um custo extra, visto que a violação já ocorreu. Subsiste ainda uma outra diferença entre os Estados Produtor e Protetor: enquanto o primeiro se caracteriza por ser uma instituição endógena à sociedade, uma vez ser exercida por representantes políticos designados aos mandatos de governo por meio de eleições democráticas, o último é constituído por uma instituição exógena à sociedade, sendo exercida pelos burocratas designados aos cargos públicos através de concursos capazes de avaliar sua competência técnica e auferidos a postos superiores por meio de planos de carreira igualmente capazes de aferir essa competência, sendo, pois, de cunho meritocrático, antes que democrático. Inobstante, a despeito de colocar-se fora do controle direto da sociedade, possibilitando que decisões contrárias às preferências daquela possam vir a ser tomadas, convém lembrar que a função protetora do Estado tem caráter muito mais técnico que político. (Verdade seja dita que a tese segundo a qual o juiz é a boca da lei há muito foi abandonada. Leia-se, no entanto, que a abordagem buchaniana pretende aqui antes apoiar o modelo da civil law, que confere menos poderes legislativos ao juiz, que aquele da common law, que a ele atribui maior poder de interpretar as leis formatando-as a seu alvedrio. Por outras palavras, sua teoria da lei é um libelo de um liberal norte-americano ao modelo de direito positivado, contrapondo-se, aqui à abordagem da Law & Economics de Posner (2007), esta sim, libelo à common law, ao sustentá-la como modelo mais apto a produzir riqueza para um país relativamente à civil law.). Tendo caracterizado esses dois Estados, Produtor e Protetor, reconstruo a seguir a análise buchaniana relativa ao funcionamento de cada um deles e aos problemas decorrentes de sua operação. Principio pelo Estado Produtor. IV. PROBLEMAS DA OPERAÇÃO DO ESTADO PRODUTOR 8 O Estado Produtor tem por função a produção e oferta de bens públicos puros e não puros (ut supra dixit, bens cuja oferta beneficia apenas parcela da população, ou ainda, bens públicos para parte específica da população15). Essa atividade, nada obstante, depende de impor tributos sobre a população no intuito de financiar os custos da produção desses bens. Sendo assim, o Estado Produtor promove, tanto quanto as operações de mercado, uma redistribuição de direitos. Neste caso, a redistribuição pode ser: (i) direta, se envolve a redistribuição de renda pura e simplesmente, quer dizer, a transferência compensatória de recursos (caso, exempli gratia, do programa bolsa-família, Lei Nº 10.836/04); (ii) indireta, sob a forma, principalmente, de tributação e da oferta de bens públicos, que possibilita a redistribuição de renda por meio da democratização das oportunidades (aqui, v.g., a oferta obrigatória e gratuita pelo Estado de educação básica universal, art. 208, I, CF). Cabe ressaltar que esta redistribuição é justificada, inclusive, da parte daqueles indivíduos em melhor posição social, posto que a extrema desigualdade tenderá a engendrar maior instabilidade da ordem social, e aqueles localizados nas posições sociais superiores teriam muito mais a perder dessa instabilidade16. O problema, não é, então, a transferência de recursos promovida pelo Estado Produtor, que é admitida e justificada na concepção de Estado buchaniana. O problema reside na transferência arbitrária de direitos que violam os termos constitucionais. Para entender quando ocorre esta violação, cabe lembrar que o estágio constitucional é caracterizado como um jogo de soma positiva no qual todas as partes contratantes auferem ganhos dado um continum de decisão. Deste modo, ainda que uma específica decisão aprovada politicamente incorra em mais custos que benefícios para um determinado subgrupo de pessoas da sociedade, se no conjunto das decisões políticas esse subgrupo aufira mais benefícios que prejuízos da ação do governo, a decisão pode ser justificada. Mas o será apenas quando, dada aquela específica decisão, seus benefícios totais forem maiores que os custos totais em uma avaliação feita por cada indivíduo dessa sociedade17. Consideremos, então, os quatro modelos de estruturas tributárias que financiam a oferta de bens públicos puros e não puros pelo Estado no intuito de caracterizar o problema engendrado desta função do Estado, a produtora. BENS PÚBLICOS PUROS (I) Primeiro Modelo de Estrutura de Tributação O primeiro modelo de tributação inclui, de um lado, tributação generalizada sobre a população visando financiar um bem público, i.e., cujo benefício está disponível para toda a sociedade. Em regra, dir-se-ia aqui tratar de serviços públicos prestados uti universi, i.e., prestados indistintamente para toda a população (Carrazza, 1998, p. 327). Tendo por base este modelo de estrutura tributária apresentado por Buchanan na Economia Constitucional, a espécie tributária mais adequada para financiar este bem é o imposto, cujo fato gerador é uma atividade ou o patrimônio do particular (in casu, imposto de renda e imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana) que não depende da atuação estatal, constituindo-se, pois, em arrecadação não afetada a fim específico, visando, antes, financiar despesas públicas universais, i.e., atividades próprias do governo, como o são os bens públicos (incluindo-se aí uma série de atividades desempenhadas pelo Estado Protetor). (II) Segundo Modelo de Estrutura de Tributação Um segundo modelo de estrutura tributária inclui ainda o financiamento da produção de bens públicos (benefícios gerais ou serviços públicos prestados uti universi, como no modelo acima mencionado) pelo Estado, mas, neste caso, a tributação é diferencial, i.e., os custos são distribuídos desigualmente entre grupos da população, no limite todosos custos seriam impostos sobre uma minoria, estrutura tributária deveras discriminatória, segundo 9 Buchanan. Aqui a espécie tributária adotada também pode ser o imposto, mas este incorporaria uma série de isenções (exempli gratia, isenções ao pagamento de IPTU, IPVA, IPI, IR) e imunidades tributárias para grupos da sociedade (in casu, imunidades tributárias para templos de qualquer culto, partidos políticos e entidades sindicais dos trabalhadores, nos termos do art. 150, IV, letras ‘b’ e ‘c’ da CF). BENS PÚBLICOS NÃO PUROS (III) Terceiro Modelo de Estrutura de Tributação No terceiro modelo, são ofertados bens públicos não puros (bens divisíveis), posto que seus benefícios alcançam grupos específicos da sociedade. Segundo Carrazza, são os serviços públicos específicos ou singulares, posto que: ‘Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada’ (Carrazza, 1998, p. 327). Em contrapartida, nesse modelo a tributação é geral, portanto, o bem é financiado por imposto. Inobstante, contribuições sociais poderiam servir ao propósito de financiar gastos específicos e não próprios do governo (bens públicos não puros), caso da assistência social, um dos tripés da securidade social no Brasil. Nesse particular, o caso da assistência social é paradigmático porque a assistência, de um lado, não é destinada a toda a população, mas a grupos de risco, nos termos de nossa Constituição Federal18, ainda que a sociedade como um todo custeie a assistência prestada a grupos específicos19. Seu caráter é, pois, solidário20. (IV) Quarto Modelo de Estrutura de Tributação O último modelo é diferencial nos dois sentidos, i.e., tanto o benefício é diferencial (o bem é divisível), a oferta de um bem para grupos especiais, quanto a tributação é heterogênea. As espécies tributárias aptas a custear esse tipo de benefício, uma vez sendo ele divisível, são as taxas e as contribuições de melhoria, ainda que essas últimas disponham antes de caráter compensatório que de custeamento da obra. Segundo Buchanan, somente o primeiro modelo se caracteriza como uma legislação não-discriminatória, uma vez que seus benefícios e custos são gerais sobre a sociedade. Todos os demais, são interpretados como legislações discriminatórias, quer da perspectiva de benefícios (terceiro modelo de estrutura tributária), quer daquela da tributação (segundo modelo de estrutura tributária), ou ambas (quarto modelo de estrutura tributária). Não que essas legislações não possam ser justificadas. De fato, podem sê-lo, e Buchanan assim o faz, em função da extrema especialização da sociedade moderna, que incorpora a diversidade de grupos como uma de suas características essenciais. E esses grupos, por sua vez, sustentam interesses diversificados. Portanto, a oferta de bens públicos não puros para além dos bens públicos puros, é admitida por Buchanan. Mas bens públicos não puros, ou em alguma medida, bens privados, não seriam mais eficientemente ofertados pelo mercado? A decisão quanto à sua oferta pelo Estado ou pelo mercado recai na mão do indivíduo, que escolhe se prefere sua oferta por uma ou outra instituição. Esta perspectiva segue o modelo espacial do voto derivado da teoria econômica da democracia de Downs ([1957] 1999), que reduz as preferências dos indivíduos sobre a política a um espectro ideológico unidimensional esquerda-direita. Por preferências à esquerda entende-se o indivíduo que gostaria de ter mais bens ofertados pelo Estado, preferências à direita no espectro ideológico têm indivíduos que querem mais bens ofertados pelo mercado. Desta feita, a questão quanto a se um bem deve ser ofertado pelo Estado ou mercado é decidida democraticamente. 10 O problema encontrado por Buchanan reside no fato de que hodiernamente o Estado vem auferindo para si parcela cada vez mais substancial do PIB, e, desta forma, termina por criar incentivos para a formação de grupos que, agindo politicamente, procuram capturar para si parcela desses recursos na mão do Estado, ainda em detrimento do restante da sociedade. Trata-se aqui do comportamento de rent-seeking da parte de grupos de pressão que, ao atuarem politicamente pressionam o legislativo para que este aprove projetos ineficientes sob uma perspectiva agregada, mas que os beneficie diretamente, i.e., projetos cujos benefícios totais não são compensados pelos custos totais (BT < CT), mas cujos benefícios para aquele grupo superem os seus custos. Mas como é possível sua aprovação sendo esses projetos ineficientes? Como comentado anteriormente, as decisões políticas são auferidas por meio de regras de tomada de decisão. Sob a unanimidade, apenas decisões que satisfaçam tanto o critério do benefício agregado quanto do benefício para cada indivíduo serão aprovadas. Inobstante, a unanimidade implica em custos com barganhas, daí serem utilizadas regras de tomada de decisão coletiva menos inclusivas. A mais popular dessas regras adotada na aprovação de legislações na democracia é a regra da maioria simples para além das variantes qualificadas do princípio majoritário. Sendo assim, qualquer projeto cujos benefícios, para uma maioria, supere os custos, BM > CM, ainda que os custos totais sejam superiores aos benefícios totais, BT < CT, é sancionado pela regra da maioria simples, ainda que sejam ineficientes do ponto de vista de uma metodologia custo-benefício agregado. Supondo, de um lado, que a constituição e a emergência do Estado implicam em ganhos mútuos, portanto, que todos os indivíduos devem ganhar no jogo político, mas, de outro lado, que este ganho em termos da aprovação de projetos legislativos deve ser avaliado no longo prazo, sustenta-se que o indivíduo pode aceitar perder em algumas decisões para ganhar em outras (e este é o caso quando se adota qualquer um dos três modelos de tributação discriminatória), desde que no jogo político considerado no longo prazo, ele aufira mais ganhos do que perdas. Aqui o princípio tributário do benefício é atenuado, posto que ele comporta todo o continum de decisões políticas avaliado por um indivíduo. Se a aprovação de projetos ineficientes do ponto de vista de uma análise custo-benefícios for recorrente, e ela o é sob a operação da regra da maioria simples livre de restrições institucionais, este critério não pode ser satisfeito. Tem-se, neste caso, a violação constitucional obtida do desempenho da função produtora do Estado: cada indivíduo age racionalmente, mas todos perdem no jogo político, pois este se mostra ineficiente, ou, por outras palavras, o resultado é um subótimo social. E, uma vez que a rede de custos imputada por meio de legislações discriminatórias tende a ser difusa, o indivíduo dispõe, ainda, de incentivo extra para que venha a adotar o comportamento de rent-seeking visando obter benefício privado às custas do Estado. Sob a operação da maioria simples, a oferta de bens (mais) privados tenderá a ser elevada para um nível superior ao nível ótimo de oferta desse tipo de bem, podendo vir a prejudicar, inclusive, o fornecimento de bens (mais) públicos. Como conseqüência temos a expansão estatal e a ineficiência dos gastos sociais. Para o caso da democracia representativa, supondo que os parlamentares representam jurisdições diferentes, e que são racionais no sentido de buscar se manter no poder, criar-se-á um incentivo para que eles entrem em conluio no sentido de aprovar um amplo conjunto de projetos ineficientes sob a perspectiva nacional, mas que privilegiam seus distritos específicos e garantam votos para sua reeleição. Esse conjunto de processos ineficientes poderia satisfazer a condição BM > CM, Porém não a condição BT < CT, Caso de conluios entre políticos como esse têm sido designados na terminologia anglo-saxã como porkbarrel legislation. Sendo assim, a violação constitucional a qual Buchanan se refere, e que é engendrada da operação do Estado Produtor, é a expropriação fiscal, quando são retirados recursos do setor privado para realizar investimentos ineficientes no setor público. (Para que sejam eficientes, deve-se considerar a perspectiva individual. Para um mesmo indivíduo, se no continum das decisões 11 políticas ele aufere mais benefícios que custos, e se é assim para cada indivíduo, então o conjunto das decisões políticas é eficiente. Caso contrário, se para alguns indivíduos, dado o continum das decisões políticas os custos forem maiores que os benefícios, o portfólio dessas decisões é considerado, na perspectiva da Economia Constitucional, como ineficiente, visto que a análise aqui é tanto do ponto de vista da eficiência global (BT > CT) quanto local (Bi > Ci).) Assumindo que legislações não-discriminatórias dificilmente são o caso, dada a complexidade e especialização da sociedade moderna, e ainda, em função dos incentivos para a formação de grupos de pressão agindo no sentido de capturar a máquina pública com o fim de auferir benefícios diferenciais, algumas soluções são aventadas pelo teórico: (i) apostar ou no primeiro modelo de estrutura tributária quando possível, que é não discriminatório, ou no terceiro modelo, aquele no qual são ofertados bens públicos não puros financiados por tributação geral, visto ser este menos discriminatório ao não concentrar sobre uma minoria os custos das decisões políticas, com relação ao segundo e quarto modelos21; (ii) especificar o modelo de tributação a ser adotado pelo Estado Produtor no fornecimento de bens ainda no nível constitucional, definindo-o como uma regra a priori do jogo político, quer dizer, não sujeita à escolha pós-constitucional evitando discriminar grupos da sociedade22; (iii) especificar, na constituição, um conjunto de regras que estabeleçam de antemão restrições aos gastos públicos, no nosso caso, por exemplo como Lei Complementar, a Lei da Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar N° 101/2000 (mesmo a juridicionalização do orçamento público via Lei de Diretrizes Orçamentárias, Plano Plurianual, etc., serviria para conter os gastos públicos), e com isto forçando a tomada de decisão majoritária operar restrita às regras (mas também aos direitos individuais) definidas no contrato constitucional; (iv) operar sob regras envolvendo maiorias qualificadas vinculando a oferta de benefício à estrutura tributária, ou por outros termos, tornar alocação e distribuição de recursos interdependentes e garantir a operação de um mercado de votos (logrolling) capaz de proporcionar compensações para os minoritários quando as decisões políticas são eficientes no agregado mas discriminatórias no sentido de concentrar benefícios sobre grupos específicos. Essas alternativas podem ser reduzidas a duas categorias de soluções: (i) introdução de mecanismos institucionais exógenos, ou seja, barreiras constitucionais que definem as regras do jogo antecipadamente, verbi gratia, as leis de controle dos gastos públicos; (ii) introdução de mecanismos institucionais endógenos, por exemplo, a permissão para operar o mercado de votos uma vez definidas as regras visando compensar minorias. Os primeiros mecanismos caracterizam-se por ser menos democráticos ou de menor capacidade adaptativa porque operam excluindo a priori algumas das alternativas disponíveis no conjunto oportunidade aberto às decisões políticas democráticas. O último, mecanismos endógenos, tem caráter mais adaptativo às contingências de cada uma das decisões e possibilita capturar a intensidade da preferência dos votantes dado um continum de questões a serem decididas via mercado de votos. Esta última forma de mecanismo, mecanismos endógenos, figura sendo mais democráticos posto não excluir a priori alternativas do conjunto oportunidade, permitindo compensações entre as partes sobre todo o setting decisório político. Finalmente, convém admoestar o leitor, que mecanismos institucionais exógenos operam melhor sob settings decisórios envolvendo um campo de decisões potencialmente deficitárias, i.e., cujos custos agregados superam seus benefícios agregados, ao passo que os mecanismos institucionais endógenos são mais eficientes no tratamento de decisões envolvendo superávit, quando benefícios agregados superam custos agregados, mas os custos recaem discriminatoriamente sobre determinados grupos da sociedade, ou os benefícios sobre particulares grupos desta. Na obra The Calculus of Consent, Buchanan e Tullock adotam, como norma (leia-se, idealmente) para resolver problemas de desperdício e expansão da máquina pública, a regra 12 da unanimidade para a tomada de decisão política, dado o status quo. Sob tal regra, justificam eles, apenas projetos eficientes devem ser aprovados, posto que, sendo as decisões tomadas por indivíduos livres, racionais e auto-interessados, e dispondo cada indivíduo de poder de veto ou monopólio sobre seu voto, somente se satisfeita a condição: Bi > Ci, quer dizer, apenas quando sua aprovação implicar em ganhos mútuos para todas as partes envolvidas o projeto será aprovado. Mas, se Bi > Ci é satisfeita, então, logicamente segue-se que a condição BT > CT é igualmente satisfeita. Mas esta é justamente a condição que determina a eficiência do projeto. Portanto, sob a unanimidade são aprovados somente projetos eficientes no sentido paretiano, quer dizer, nos quais cada uma das partes tem sua posição social melhorada com relação ao status quo (Bi > Ci). Inobstante é trivial afirmar que apenas uma subsérie muito reduzida de projetos legislativos se encaixaria nesta categoria. Seriam aprovados, assim, projetos em que a estrutura assemelhar-se-ia à seguinte matriz de payoffs: Matriz A Indivíduo Ganho da Decisão* a + 1 b + 2 c + 1 *Relativamente ao status quo. Todavia, projetos com uma matriz como a da espécie abaixo, a despeito de superavitárias, não seriam aprovadas sob unanimidade por força de cada indivíduo ter o direito de vetar a decisão: Matriz B Indivíduo Ganho da Decisão* a + 1 b + 2 c – 1 *Relativamente ao status quo. Na estrutura de ganhos da matriz B de payoffs, apesar da aprovação do projeto proporcionar um benefício de $ 2 (duas unidades monetárias) relativamente ao status quo, o projeto não seria aprovado sob unanimidade, salvo se um mercado de votos puder ser implementado, permitindo compensar c por sua perda. Nesse caso os custos com barganha não devem ser altos, visto que poucos indivíduos estão envolvidos na decisão. Em mercados de voto de grandes proporções, o custo engendrado do processo de barganha (construção da decisão) tenderá a subir rapidamente, impondo óbices nada fáceis de serem vencidos, ainda que, teoricamente, a aprovação da decisão possa ser alcançada mesmo quando muitas partes estão envolvidas na decisão (posto que com as compensações toda decisão superavitária satisfaria a condição Bi > Ci, fundamental para fazer passar qualquer projeto sob unanimidade, supondo indivíduos racionais e auto-interessados). Assim, considerando a matriz B, adotando-se a unanimidade apenas se admitida a operação de um mercado envolvendo o pagamento de compensações para os perdedores decisões superavitárias seriam aprovadas, pois somente projetos eficientes criariam incentivo para que os vencedores dispusessem de excedente de recursos para pagar essas compensações. Por conseguinte, do ponto de vista do resultado auferido, a unanimidade simula, para as 13 decisões políticas, a operação do mercado de concorrência perfeita, visto que o critério de eficiência paretiano envolvendo ganhos mútuos seria satisfeito. Todavia, a unanimidade pode se mostrar ineficiente do ponto de vista do processo decisório (e não do resultado da decisão), pois dispondo o indivíduo de monopólio sobre seu voto, esta regra cria um incentivo para a adoção de comportamento estratégicoda parte de cada indivíduo, que ocultaria sua preferência efetiva com relação ao projeto no intuito de auferir para si todo o benefício a ser obtido de sua aprovação23. Os custos trazidos pelo comportamento estratégico decorrentes do tempo e recursos consumidos na barganha que se instalaria sob tal regra justificam a adoção de regras menos inclusivas que a unanimidade (em particular as regras majoritárias), regras estas que minimizam os custos procedimentais, quer dizer, aqueles despendidos no processo de barganha. Se o problema do monopólio do voto sob unanimidade é minimizado introduzindo competição a este mercado de votos por meio da adoção de regras menos inclusivas24, visto que essas regras criam incentivos para que as partes a serem beneficiadas com a decisão revelem sua preferência rapidamente, tais regram, por outro lado, engendram um novo problema: sob a perspectiva do resultado auferido, regras majoritárias são ineficientes, pois permitem aprovar projetos cujos custos totais superam os benefícios totais. E como considerando anteriormente, desde que os benefícios sejam maiores que os custos para uma maioria, o projeto será aprovado por meio da regra majoritária, ainda que se mostre ineficiente do ponto de vista de uma análise custo-benefício mais abrangente ou agregada, como na matriz C de payoffs abaixo representada: Matriz C Indivíduo Ganho da Decisão* a + 1 b + 2 c – 4 *Relativamente ao status quo. Conclui-se desta análise que, sob a perspectiva do resultado, a unanimidade simula a operação de mercado de competição perfeita, capaz de auferir uma alocação Pareto eficiente. Sem embargo, do ponto de vista do processo, são as regras menos inclusivas aquelas que introduzem maior eficiência ao processo de tomada de decisão coletiva, posto eliminarem o monopólio de cada indivíduo sobre seu voto, cada um dos quais necessário para aprovar o projeto por meio da introdução da competição no mercado de votos. Assim, sob uma maioria simples, caso um dos indivíduos venha a adotar comportamento estratégico, seu apoio poderá ser substituído pelo de outro indivíduo, visto que qualquer maioria formada, não importando quem sejam seus membros, permite a aprovação da decisão que, apesar disso, poderá ser ineficiente sob a perspectiva de seu resultado, caso representado pela matriz C de payoffs. Dado este diagnóstico, o objetivo dos dois teóricos, Buchanan e Tullock, é desenhar instituições no sentido de que, sob regras majoritárias, regras eficientes em termos da minimização de custos envolvidos no processo decisório, mas não eficientes no que tange ao resultado, estabeleçam um enquadre que force tais regras a operar como a unanimidade do ponto de vista dos resultados auferidos por esta última, i.e., forçando as regras majoritárias a selecionar apenas resultados ótimos no sentido de uma análise custo-benefício agregada, ainda que não satisfaça a condição de eficiência individual Bi > Ci. Resumidamente, esta é a proposta formulada por Buchanan e Tullock na obra The Calculus of Consent no intuito de evitar o inchaço inoportuno da máquina pública (no sentido de capturar recursos que seriam mais eficientemente geridos pelo setor privado segundo as preferências individuais, e 14 representando, assim, um custo de oportunidade) para a qual tende a operação natural do Estado Produtor. V. O ESTADO PROTETOR No que tange ao Estado Protetor que exercita a função jurisdicional, este é tratado em maior extensão na obra The Limits of Liberty, de Buchanan. Aí o teórico formula sua teoria da lei e incorpora à solução anterior o papel de fiscalização desempenhado pelo Estado Protetor (poder judiciário) sobre o Produtor (poderes executivo e legislativo), o primeiro buscando avaliar se as decisões do último não ferem a Constituição25. Caso o façam, o Estado Protetor é chamado a intervir e evitar a expansão que esta violação da parte do Estado Produtor engendra. Assim, o Estado Protetor funciona como limite ao Estado Produtor. Mas quais são as barreiras institucionais que limitam o Estado Protetor? Para introduzir essa discussão cabe identificar como sendo função exclusiva do Estado Protetor garantir o cumprimento dos contratos, tanto do contrato constitucional obtido por decisão centralizada que inclui toda a sociedade, quanto de outros contratos voluntários envolvendo decisões descentralizadas (contratos privados). Por outro lado, fica proibido o Estado Protetor de interferir nos termos desses contratos sob a perspectiva da abordagem da Economia Constitucional. Daí que a principal propriedade requerida no desempenho dessa função é a neutralidade, que depende, por sua vez, da aplicação mecânica das regras acordadas nos contratos. Nesse sentido, qualquer tentativa do Estado Protetor de intervir sobre seus termos, assumindo um papel legislativo que não lhe foi imputado como função, figura sendo uma expansão para além de seus limites definidos na Constituição26. Esta expansão indevida ocorreria, com base na abordagem buchaniana, no caso da tendência hodierna à jurisdicionalização das políticas públicas, tarefa que deveria ser desempenhada pelos poderes propriamente políticos, executivo e legislativo, mas que, não raro, é desempenhada pelo judiciário quando interfere no desempenho das atividades daqueles poderes. No âmbito dos contratos privados, essa ingerência ocorre por meio da incorporação de termos abertos e indefinidos no direito privado, exempli gratia, as noções de função social da propriedade privada e dos contratos. Nessas circunstâncias, salvo se sua operacionalidade estiver bem estabelecida, o que não se constitui o caso, tais termos não poderiam ser adotados no intuito de alterar os termos dos contratos. Diversa seria a interpretação da Economia Constitucional relativamente à proteção conferida ao hipossuficiente pelo Código de Defesa do Consumidor, que estabelece regras objetivas de implementação dos termos do contrato. (Convém ressaltar que, segundo a Economia Constitucional buchaniana, caberia ao judiciário, no que tange aos direitos privados, garantir a segurança jurídica que reduziria custos de transação por meio da eliminação de incertezas, cabendo a promoção da justiça social ser realizada pelos poderes propriamente políticos, tanto por meio da implementação de políticas públicas mas também na forma de desenhar a estrutura de financiamento destas.) Desta forma, uma tal interferência do Estado Protetor sobre os contratos privados engendraria a produção de incertezas que obscureceriam a estrutura de direitos criando custos extras (custos de transação) à formação de novos contratos. Ou seja, o resultado da expansão estatal produzida da parte do Estado Protetor é criar entraves para que novos arranjos contratuais voluntários venham a ser forjados, tornando-os muito mais difíceis e onerosos. Em retrospectiva, se as partes contratantes concordam em relação a uma certa alocação de direitos no contrato constitucional, e se as trocas entre esses direitos podem ser implementadas por meio de novos arranjos contratuais voluntários descentralizados, então, o inadimplemento relativo a esses contratos requer do Estado Protetor tão somente sua atuação no sentido de fazer cumprir os termos ali estabelecidos, punindo os inadimplentes e garantindo um ambiente saudável e seguro para que novos contratos venham a ser 15 implementados. Por outras palavras, requer do Estado Protetor apenas a administração automática da lei e dos contratos (lei entre as partes), sem qualquer interferência sobre eles27. Nessa perspectiva a lei não pode ser definida como o melhor resultado em termos de um tradeoff entre os interesses das partes, mas é identificada àquilo que foi especificado nesses arranjos, quaisquer que tenham sido os termos ali acordados, desde que não violem as restrições supremas aduzidas na Constituição. E esta definição é justificada em razão do modelo de indivíduo pugnado pela Economia Constitucional, quesustenta: (i) a racionalidade imputada às partes contratantes, (ii) o fato de serem elas os melhores conhecedores de suas preferências, e (iii) de serem livres para participar de quaisquer arranjos contratuais que lhes interessar. Assim, se se admite que cada um é livre e sabe o que é melhor para si, o Estado ultrapassa seus limites, em termos daquilo que lhe foi imputado como sendo sua função no contrato constitucional celebrado por esses indivíduos, ao adotar uma atitude tutelar ou paternalista no sentido de interferir (e modificar) os termos desses contratos. Desta forma, a proposta buchaniana arroga em favor da sacralização do pacta sunt servanda nos arranjos contratuais voluntários forjados por indivíduos livres e racionais. Se a conseqüência do exercício do poder produtor da parte do Estado é a expansão fiscal que avança sobre os direitos de propriedade, igualmente aqui, da expansão legal engendrada da operação do Estado Protetor, investe-se contra os contratos, neste caso, ao tentar redefinir e alterar legalmente seus termos. Segue-se, como pode ser averiguado desta análise, que a principal preocupação da abordagem buchaniana é aquela relativa às falhas estatais, sendo suas soluções a expressão da tentativa de preservar a propriedade e os contratos privados (para além do contrato constitucional) da expansão estatal fiscal e legal, tendências naturais do exercício das funções produtora e protetora da máquina pública. Porque sua função se resume à garantia dos termos estabelecidos em arranjos contratuais tomados voluntariamente pelos indivíduos é que o Estado Protetor pode ser caracterizado como um poder que opera de modo totalmente independente do Estado Produtor, inclusive, como afirmado supra, operando como uma agência que fiscaliza a operação deste último, evitando que este venha a se sobrepor aos termos definidos no contrato constitucional. Por outras palavras, o Estado Protetor deve agir no sentido de evitar que o Estado Produtor aja inconstitucionalmente. Nesse caso, é sua tarefa: (i) avaliar as decisões sancionadas por este último como constitucionais ou inconstitucionais; (ii) garantir que aquelas julgadas constitucionais sejam implementadas; (iii) retirar do ordenamento as decisões (legislação) avaliada como inconstitucional. Caracterizada, pois, a função protetora do Estado, retomamos a pergunta aventada anteriormente: se o Estado Protetor funciona como um limite aos abusos promovidos pela função produtora, que mecanismo institucional opera como restrição às violações incorridas da parte do primeiro? Colocado o problema mais pormenorizadamente: enquanto o Estado Protetor funciona como um limite aos abusos engendrados da parte do Estado Produtor, abusos estes definidos particularmente como sua capacidade de derrogar direitos de propriedade por meio da expansão fiscal, não existe, em contrapartida, limite institucional ou poder político que contenha as transgressões promovidas pelo Estado Protetor, problema este ainda agravado pelo fato: (i) de que é o Estado Protetor que detém o monopólio das decisões coercitivas (constituindo-se em última ratio28); (ii) dessa função ser exógena à sociedade, uma vez que exercida por burocratas, antes que representantes políticos, que não respondem direta, mas apenas indiretamente, à população. VI. ENCAMINHAMENTO DO PROBLEMA: A REFORMA INSTITUCIONAL COMO SOLUÇÃO Da demonstração de que ambos, Estado Produtor e Estado Protetor, tendem naturalmente à expansão estatal decorrente de sua operação, quer-se significar que subsistem 16 incentivos para que tanto políticos quanto burocratas, agindo como agentes racionais e auto- interessados, promovam essa expansão. No caso da função produtora, a expansão é impulsionada por ambos, a regra da maioria que derroga direitos avançando sobre a propriedade privada, e ainda, a formação dos grupos de pressão que adotam o comportamento de rent-seeking, racional da parte destes. Quanto à função protetora, a tentativa do judiciário extrapolar os desígnios constitucionais para ele imputados, aumentando arbitrariamente seu poder e interferindo e modificando os termos dos arranjos contratuais privados, para além da jurisdicionalização das políticas públicas, função esta que, pela Constituição, deve ser exercida pelo executivo e legislativo, figura sendo perigo ainda maior, principalmente se se considera que nenhum mecanismo institucional é disponibilizado no sentido de garantir a contenção do Estado Protetor às suas funções. Ou seja, neste segundo caso depender-se-ia, em muito maior extensão, da moral dos executores da lei, portanto, de limites subjetivos ou de foro interno, a não ser que sejam introduzidos mecanismos institucionais capazes de tornar desnecessária essa requisição moral relativa de seus executores, a qual, sabe-se, muito dificilmente pode ser garantida. O resultado final da análise buchaniana indica que a expansão estatal gera, como conseqüência última, um mal público, definido em oposição ao bem público como as conseqüências das ações estatais expansionistas, sentidas como custos que devem recair sobre todos os indivíduos da sociedade. Esses custos são, principalmente, incertezas sobre direitos de propriedade e dos contratos decorrentes, respectivamente, da expansão fiscal e legal dos Estados Produtor e Protetor. Custos de transação deste modo engrandecidos, quer dizer, por força das falhas estatais, tenderão a engendrar a estagnação econômica. E, ainda mais, por não ter respeitados seus direitos, os indivíduos dessa sociedade passarão a considerar e, também, a adotar, reproduzindo a ação estatal, alternativas inconstitucionais em suas decisões29. Segundo pugna Buchanan, desse contexto para um estado social no qual as leis não mais são respeitadas é ato contínuo. A solução arrolada pelo teórico para a expansão estatal via Estado Produtor e a conseqüente violação dos direitos de propriedade pela expropriação fiscal passa pela redefinição desses direitos. Aplicando a problemática da Tragédia dos Comuns às reformas institucionais, o problema engendrado dessa expansão é aquele envolvendo privatização incompleta, quer dizer, má definição dos direitos de propriedade devido à insegurança jurídica ocasionada pela excessiva interferência estatal. A solução introduzida pela problemática da Tragédia é completar a privatização, significando, neste caso, redefinir direitos de propriedades, tornando sua extensão e limites mais claros e facilitando a oportunidade para que os indivíduos venham a celebrar arranjos contratuais voluntários sob menores custos de transação, justamente porque as incertezas e a insegurança jurídica relativas a esses direitos de propriedade foram minimizadas. E, ao minimizá-las é instituído um ambiente de maior estabilidade, pois os indivíduos dispõem de maior acesso à informação, ou, por outras palavras, um acesso à informação sob menor custo, para que possam tomar suas decisões relativas à sua participação em novos contratos. Além da redefinição visando tornar inequívocos os direitos de propriedade, ou a dotação inicial dos indivíduos, a reforma institucional promovida no intuito de sanar problemas de expansão estatal deve buscar pela desregulamentação e desburocratização em prol de um aumento, para os indivíduos, de seu grau de liberdade (leia-se flexibilidade), viabilizando a formação de arranjos contratuais mais criativos. De sorte que, se a regulação/burocratização introduz restrições sobre o conjunto oportunidade, aqui o portfólio de contratos, disponibilizado aos indivíduos no que tange à sua possibilidade de realocar direitos (por meio desses contratos), a desregulamentação/desburocratização atuaria em sentido inverso, i.e., permitindo o aumento das alternativas contratuais disponíveis para que os indivíduos venham a transacionar direitos, incluindo-se direitos de propriedade30. Formas de se aumentar o portfólio de contratos seriam, exempli gratia, a redução do número de cláusulas cogentes,aumentando a 17 possibilidade das partes criarem cláusulas segundo seus interesses, a admissibilidade de maior combinação de contratos, formando novos contratos atípicos, aumentando, assim, a diferenciação dos arranjos contratuais e permitindo melhor atendimento das preferências individuais. Por esta razão, reformas institucionais reduzindo custos de transação devem ser defendidas para tantos setores quanto a metodologia de custos-benefícios indicar ser eficiente, mantendo-se regulados apenas setores sensíveis, caso do sistema financeiro mais volátil e menos calcados em ativos com fundamento na economia real31. Um terceiro componente dessa reforma é relativo à construção e seleção de mecanismos institucionais capazes de evitar ou minimizar a expansão promovida da operação estatal, tal como já apresentado na seção prévia para o caso do Estado Produtor. O desenho e a seleção de instituições, nessa perspectiva, deve privilegiar estruturas capazes de respeitar a dimensão ótima do Estado no sentido paretiano, ou seja, sob o parâmetro do contrato constitucional, qual seja, aquela que possibilite ganhos para todas as partes envolvidas no contrato constitucional, se possível de maneira automática. Quanto mais automática, ou quanto menos requerer em termos de fiscalização, menores são os custos oriundos da operação dessas instituições, o que, ainda, deve favorecer a obtenção de uma maior estabilidade às operações de mercado. Do tratamento imputado por Buchanan aos males públicos, qual seja, da reforma institucional pugnada por ele, não devemos ser levados a concluir que estamos trabalhando com um teórico que preza reformas institucionais revolucionárias. A contrário sensu, a perspectiva de Buchanan é, antes de tudo, conservadora, uma vez que, ainda no caso dessas reformas, o status quo tende a ser sobrepesado com relação às possibilidades de mudança. Um tal caso é sua exigência de que a aprovação de alterações no contrato constitucional sejam feitas sob regras de maioria qualificadas, antes que por meio da regra de maioria simples. Por conseguinte, sua defesa é de uma Constituição positivada e rígida, que garantiria sua estabilidade, antes que um modelo constitucional flexível, porém instável. Apenas para ficar neste caso, regras majoritárias mais inclusivas, maiorias qualificadas, a unanimidade no limite, tendem a atribuir um maior peso ao status quo, uma vez que os custos procedimentais, quer dizer, os custos para formar uma coalizão, advenientes dessas regras são tão altos que funcionam como um obstáculo concreto à possibilidade de mudança. A justificativa para imputar um maior peso ao status quo é relativo ao capital público que ele, status quo, disponibiliza no sentido de garantir maior estabilidade à interação humana, estabilidade esta que pode ser derrogada por meio de reformas precipitadas e de ampla extensão. A reforma é, assim, ditada apenas para os casos em que a estabilidade está de tal modo deteriorada, que a reforma dificilmente poderia agravar o quadro social, e procurando sempre ser empreendidos incrementalmente sobre as instituições. Ao resultado da reforma institucional proposta por Buchanan, este designa anarquia ordenada, um meio termo entre, de um lado, a anarquia pura, na qual os indivíduos reconhecem e respeitam mutuamente seus direitos, seja porque personificam o agente iluminado kantiano, seja porque aderem naturalmente às regras informais que regulam sua interação (normas culturais), e, de outro lado, o Leviatã, em que todo o campo da interação humana é regulado pelo Estado, tornando vazio o espaço para as trocas voluntárias por meio de arranjos contratuais, pois a interação permanece totalmente engessada pelo poder estatal absoluto. Na anarquia ordenada, sustenta-se a definição de certa estrutura ou distribuição de direitos de propriedade bem definidos a partir da qual os indivíduos podem implementar trocas realocando direitos por meio de arranjos contratuais voluntários sem maiores intervenções estatais, salvo aquela necessária para fazer com que as partes possam adimplir os contratos celebrados. Ao abordar a anarquia ordenada como um plano de ação para o âmbito da economia, e afirmando que é Adam Smith que a operacionaliza, Buchanan a identifica a um princípio de ordenação econômica, o laissez-faire, que possibilita a redução do âmbito de intervenção estatal na economia. Em paralelo a esta definição, a anarquia ordenada como 18 plano de ordenação para o âmbito da política deve levar à minimização do Estado, reduzindo a parcela da riqueza nacional que ele detém, e, desta forma, reduzindo os incentivos para a formação e atuação dos grupos de pressão e do comportamento de rent-seeking. Ressalte-se, inobstante, que a anarquia ordenada não significa nem a defesa do Estado Mínimo (ou da ausência de Estado como em uma anarquia pura), nem o Estado Absoluto ou tutelar, mas um Estado de dimensões intermediárias a esses pólos, seu tamanho definido por um acordo entre os indivíduos e positivado no contrato constitucional. Finalmente, conclui-se que o tamanho específico do Estado, na perspectiva buchaniana, não é definido a priori, mas de modo contingente à sua metodologia econômica. Conclusão semelhante chegou Downs ([1957] 1999) por meio de seu teorema do median voter. VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificamos que na obra The Limits of Liberty Buchanan pretendeu fazer uso de uma metodologia de custo-benefício, ao passo que no The Calculus of Consent, o teórico adotou uma metodologia de custos. Consideramos que a metodologia de custos foi deliberadamente escolhida porque no The Calculus o teórico pretendeu propor o projeto ou construção do Estado, a metodologia de custos sendo adotada no sentido de, ao setorializar todo o campo de atividade humana, imputar a melhor estrutura de organização para regê-la, se a puramente privada, a voluntária privada ou a estatal. Assim sendo, sob esta metodologia, que foca apenas nos custos e na decisão quanto às dimensões do Estado no contrato constitucional, verifica-se uma posição defensiva, típica de seu posicionamento mais liberal, que mantém maior desconfiança relativamente ao Estado. Na obra The Limits of Liberty, a aplicação da metodologia de custo-benefício é posterior à definição do contrato constitucional, quando as atividades coletivizadas (geridas pelo setor público) foram já definidas, i.e., quando o Estado se encontra constituído e operando. Ali seu propósito é analisar as conseqüências da expansão estatal e propor soluções que permitam trazer (ou manter) o Estado sob os lindes constitucionais para ele imputado pelos indivíduos. Tendo já definidas as dimensões do Estado no contrato constitucional desenhado sob a metodologia de custos, i.e., uma vez definido seu parâmetro, a adoção da metodologia com foco nos custos torna-se dispensável, podendo propor, o teórico, uma abordagem mais positiva, focada agora em uma metodologia de custo-benefício. NOTAS 1. Por meio do critério de eficiência paretiano aplicado ao nível constitucional avalia-se não a eficiência de cada um dos resultados das decisões políticas dadas as instituições, mas a qualidade das instituições (regras do jogo) em termos do contínum de resultados que elas proporcionam no longo prazo. 2. Assim, se o indivíduo não é suposto altruísta, por outro lado, não se supõe ser ele nessa abordagem, um invejoso, ou mais operacionalmente, não é o indivíduo um maximizador de payoff relativo, mas antes avalia apenas seu payoff absoluto nos diferentes estados sociais. 3. Cada estado social possível no Estado de Natureza hobbesiano é dominado por ao menos outro estado social, ou seja, cada estado social é uma alternativa não-dominante dado ao menos um outro estado social. 4. A razão do pressuposto da desigualdade natural em Buchanan não engendrar a dominação (quiçá a escravidão dos fracos pelos fortes) permanece em aberto em sua teoria e é motivo para críticas, por exemplo, Barry (1992).Poderíamos pensar que essa desigualdade não é suposta ser tão grande a ponto de engendrar tão desastrosas conseqüências. Ou ainda, que 19 a liberdade figura como condição da teoria, não como um pressuposto seu. De todo modo, na Teoria do Estado buchaniana prevalece a noção de que a política é um meio para permitir o acesso aos recursos, não um fim em si mesmo, a busca de poder. Assim caracterizada, pode ser interpretada como um jogo de soma positiva, antes que como jogo de soma zero. 5. Embora adote o termo direito para referir à distribuição natural que subjaz ao estágio pré- constitucional, essa terminologia é incorretamente aplicada a esse estágio, uma vez que direito propriamente dito é definido apenas no estágio do contrato constitucional quando estes são positivados. 6. Mesmo argumento é defendido por Cooter e Ullen (2010) na justificação da emergência do Estado para positivar e proteger direitos de propriedade. 7. Esses são custos alocativos, i.e., custos decorrentes da própria atividade produtiva, supondo direitos de propriedade mal definidos. Além do consumo de recursos para a proteção dos direitos de propriedade, os custos envolvidos na atividade produtiva nessas circunstâncias tendem a criar incentivos para que os indivíduos deixem de produzir ou produzam menos. 8. Ou, por outras palavras, o equilíbrio existe, mas é, ainda, instável. É como se subsistissem alguns estados sociais dominantes com relação a outros estados, que seriam dominados, mas se dentro do subconjunto dos estados dominantes, todos eles fossem, entre si, não dominantes. (Em Hobbes, nenhum subconjunto de estados sociais dominantes pode ser admitido, quer dizer, todos os estados sociais são não-dominados.) 9. E essa desigualdade deve prevalecer, também, no Estado Civil, que reflete o poder de barganha diferencial dos indivíduos decorrente da posição inicial que ele assume no estágio pré-constitucional, i.e., de sua posição relativa em termos da distribuição natural dos recursos. Contudo, essa desigualdade tenderá a ser minimizada em alguma medida no Estado Civil, como será visto adiante. 10. Assim, na ausência do Estado subsistem inconvenientes na distribuição natural de recursos. Esses inconvenientes são, para Buchanan, principalmente, uma má definição dos direitos de propriedade, sendo este um problema de falha de mercado, supondo que no estágio pré-constitucional opera o mercado, mas não, ainda, o Estado. 11. Bens públicos são definidos pelas duas propriedades: (i) não-rivalidade, o consumo do bem por um cidadão não exclui outros cidadãos de consumirem o mesmo bem (desconsiderando-se a possibilidade de congestionamento); (ii) não-excludência, não se pode excluir nenhum cidadão de seu consumo. Bens de clube (ou bens públicos não puros), por outro lado, são não-rivais, como os bens públicos puros, porém, são excludentes, i.e., alguns cidadãos podem ser excluídos de seu consumo. Bens desta segunda espécie, segundo a Escolha Pública, são mais bem servidos nos Estados federativos em que boa parte da oferta de bens pelo Estado é fornecida pelas unidades federadas, antes que pelo poder central. Neste caso, cidadãos de outras unidades federadas, para usufruírem dos bens de uma determinada unidade, deveriam ali fixar residência pagando seus tributos naquela unidade para poderem usufruir desses bens. Como bens públicos puros são raros, o Estado produtor tenderá a produzir muito mais bens de clube, que atenderiam grupos populacionais específicos, que bens públicos puros. 12. Vale dizer que a adoção de uma metodologia de custos no estágio constitucional não é, de todo, neutra. Ao contrário, o foco nos custos decorre de uma postura de desconfiança da parte dos liberais relativamente ao Estado. Com base nesta metodologia (custos), antes que no método de custos-benefícios, muito menos atividades tenderão a ser coletivizadas, i.e., a serem geridas pelo setor público, antes que pelo setor privado. É na metodologia, pois, que reside o liberalismo buchaniano. 20 13. Nesse particular, figura como exemplo clássico o princípio do direito penal que sustenta nulla poena, nullum crimen sine lege. 14. Cumpre notar que sendo o funcionamento da economia de mercado calcado no sistema de incentivos, sempre que houver mais benefício com a violação das regras do jogo relativamente aos seus custos (a punição prevista para uma tal violação), o agente racional tenderá a burlar tais regras, salvo se ele for avesso a risco (pressuposto não formulado na teoria buchaniana). Somente quando o benefício dessa violação for suplantado pelo custo que esses agentes tenderão a respeitar as regras. A esse respeito Buchanan comenta que a forma como cada indivíduo avalia esses custos e benefícios é subjetiva, mas que criar leis para cada caso tornar-se-ia inviável. De sorte que a previsão das punições relativamente às vantagens obtidas ilicitamente deve ser feitas no nível constitucional, i.e., previamente às violações. A seguir apresentamos as razões de Buchanan. Segundo o teórico, uma vez que diferentes violadores potenciais tem níveis diversos de sensibilidade quanto às punições, mais eficaz seria definir a pena segundo a sensibilidade do violador. Ou seja, o violador menos sensível à punição (exempli gratia, um sociopata) seria mais severamente punido face ao violador mais sensível (aquele que viola as leis em estado de necessidade, por exemplo), cuja pena seria atenuada. Buchanan sustenta que apesar da eficiência que este sistema adaptativo poderia produzir, tal instituição é viável apenas por um soberano hobbesiano onipotente (aliás, aqui a pena seria dada apenas posteriormente ao crime, ferindo o princípio do direito penal supra mencionado). Na falta deste, deve-se assumir, como o teórico faz, que as punições sejam idênticas para dois indivíduos que violam a mesma lei, posto que a punição é escolhida com base em uma avaliação ex ante, i.e., no nível constitucional, e na sua possibilidade de evitar violações, e não com base em um cálculo ex post, segundo a sensibilidade do violador. (Ou seja, quanto à questão da seleção das instituições de punição, a avaliação do teórico pende para o lado dos benefícios de longo prazo obtidos na escolha, i.e., na possibilidade de evitar violações, e menos na eficiência do resultado final em um particular caso. Isto significa que seu cálculo para escolher instituições de punição é, pois: (i) um cálculo de valor esperado; (ii) um cálculo em termos de ganhos, evitar violações futuras, antes que de custos, relativo ao cumprimento da punição. 15. Entende Buchanan que entre bens públicos e privados subsiste um continum. Um bem público puro, comumente designado como aquele que satisfaz os critérios da não- rivalidade e não-excludência, é compreendido por Buchanan como aquele para o qual o benefício é maior do que seu custeio para cada indivíduo da sociedade. Um bem público não puro é aquele para o qual o benefício é maior que o seu custeio para parcela da população, mas que o custo supera os benefícios para outra parcela. Quanto maior o contingente de indivíduos privilegiados com a oferta do bem, mais ‘público’ ele seria nesse sentido. 16. Daí decorre, exempli gratia., a argumentação em favor do princípio tributário do benefício, segundo o qual cada um deve contribuir segundo os ganho que obteve no Estado Civil relativamente a um estado social ausente o governo, i.e., um Estado de Natureza (Murphy e Nagel [2002] 2005). Comentam, nessa obra, Murphy e Nagel aplicando esse princípio ao imposto de renda: ‘Se a base cabível para a avaliação dos benefícios é esse nível de bem-estar muito baixo, mais ou menos igual para todos, que as pessoas teriam se o governo não existisse, podemos então usar o nível atual de bem-estar das pessoas, dada a existência do governo, como medida aproximada dos benefícios que este lhes confere. E se a renda (definida de algum modo) fosse uma medida aceitável do bem-estar das pessoas, deduziríamos
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