Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
Conteudista: Prof.ª M.ª Patricia Freitas Revisão Textual: Esp. Camila Colombo dos Santos Objetivo da Unidade: Fomentar o debate em torno das expressões literárias na Irlanda, abrangendo questões sobre o direito à literatura em um espaço-nação historicamente marcado por embates culturais. ˨ Material Teórico ˨ Material Complementar ˨ Referências Incursões pela Literatura Irlandesa Lutas Populares e o Movimento Nacionalista (1891- 1918) A história da Irlanda é marcada por inúmeros conflitos de ordem geopolítica e movimentos populares, alguns deles, inclusive, persistem até hoje. Não à toa, sua produção literária encampa autores mundialmente consagrados por se debruçar sobre temáticas sociais do país e questionar os limites da representação estética de questões políticas e ideológicas. De certa forma, a grande cicatriz na história do país, com reverberações em sua literatura, associa-se ao domínio inglês sobre a região, a ponto de ser possível afirmar que a política colonialista, cujos rastros podem ser localizados desde o século XII, afetou, de maneira indelével, a construção identitária dos povos irlandeses. Antes dividida em cinco reinos, o processo de dominação colonial do país remonta ao reinado de Henrique II na Inglaterra, primeiro rei inglês a chegar na Irlanda e conquistar cerca de 80% do território, centralizando seu poder nas regiões de Dublin e Waterford. Sob o pretexto de unificar a Igreja Católica e apoiado pelo Papa Adriano IV, Henrique II obtém tamanho controle do local a ponto de nomear seu filho mais novo, John, como Dominus Hiberniae (Senhor da Irlanda). Tal fato abriu caminho para que a economia irlandesa passasse diretamente às mãos da Coroa Britânica no momento em que John assumiu o trono inglês após a morte de seu irmão, Richard I, em 1199. Ao longo do tempo, o estabelecimento do poderio inglês na Irlanda mudou a configuração geográfica, social, cultural e política do país. De acordo com McDowell (1967) e Edwards (2005), a presença inglesa empurrou a população nativa a áreas periféricas, incidiu diretamente no aumento das desigualdades sociais, levando a quadros de extrema miséria entre os nativos, 1 / 3 ˨ Material Teórico coibiu manifestações culturais da população local, além de transformar o regime político da Irlanda, composto por reinos, em mais uma ramificação do império inglês. Figura 1 – Diversos reinos da Irlanda em 1904 Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Mapa da Irlanda em 1904. A ilustração apresenta fundo azul, representando os mares que banham o país. Há treze reinos discriminados na ilustração nas cores marrom, verde-escuro, verde-claro, azul-claro, bege, laranja e roxo: Wexford, Leinster e Dubh Linn (Leste); Southern Ui Neill e Breifne (Centro); Oriel, Northern Ui Neill e Ulidia (Norte); Connaught (Oeste); Waterford, Limerick, Munster e Cork (Sul). Fim da descrição. Figura 2 – Mapa da Irlanda no ano de 1300, ressaltando a divisão do território entre os irlandeses e os anglo- normandos Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Mapa da Irlanda no ano de 1300, evidenciando a divisão da região entre territórios irlandeses e territórios normandos com as cores verde e branca. Segundo a ilustração, parte majoritária do norte e sudoeste da Irlanda estava sob domínio dos irlandeses, enquanto a região central pertencia quase exclusivamente aos normandos. Fim da descrição. Protestos e outras reações populares a esse panorama não tardaram a acontecer, insuflados sobretudo pelo nacionalismo gaélico, bem como pelo reconhecimento da tradição cultural e linguística do país. Em meados do século XVII, eclodiu uma importante rebelião da população nativa contra a medida adotada pela rainha Isabel I e por seu sucessor, Carlos I, de expulsar os fazendeiros irlandeses de suas terras e substituí-los por colonos escoceses e ingleses. Esse conflito, que ceifou mais de nove mil vidas, fortaleceu o estabelecimento de laços identitários que congregavam a população irlandesa e a contrapunha aos ingleses, tendo por base a distinção religiosa entre católicos (irlandeses) e protestantes (ingleses). Nesse mesmo século, é formado o Protestant Ascendancy, grupo constituído por uma minoria irlandesa de senhores de terra e membros do clero protestante, que atuou até o século XIX de modo a pressionar o Parlamento inglês a tomar medidas mais rígidas de controle religioso e político contra os nativos da Irlanda, entre elas as chamadas Leis Penais. Com a instauração dessa série de leis, os católicos – que representavam 90% da população irlandesa da época – foram proibidos de ingressar no exército, exercer uma profissão formalizada, possuir armas, ingressar no curso de Medicina ou Direito, escrever ou falar em gaélico, tampouco cantar canções populares. Ademais, a atuação de bispos da Igreja Católica foi banida e escolas católicas, fechadas. Em meio a tamanha rede de opressão de todas as ordens, a maioria populacional católica passou a se concentrar em não mais do que 10% do território do país, em condições de vida extremamente precárias. Saiba Mais O escritor anglo-irlandês Jonathan Swift deteve-se sobre as condições lamentáveis de vida dos católicos irlandeses após a instauração das Leis Penais. Em ensaio publicado anonimamente em 1729, intitulado Uma simples proposta, o autor comenta sobre a realidade social de Dublin da época: - SWIFT, 1929, p. 1, tradução nossa “Trata-se de algo triste àqueles que caminham nas ruas desta grande cidade ou viajam por este país ver as ruas, as estradas e as portas dos comércios cheias de mulheres mendigando, seguidas por três, quatro ou seis crianças, todas maltrapilhas, interpelando todos que passam por uma esmola. Essas mães, em vez de trabalharem para viver honestamente, são forçadas a empregar todo seu tempo em vagar pelas ruas e implorar pelo sustento de seus filhos indefesos que, ao crescer, poderão se tornar ladrões por falta de trabalho, sair de seu querido país natal, lutar pelo rei ou vender a si mesmos em Barbados.” Figura 3 – Retrato de Jonathan Swift, por Charles Jervas Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Retrato a óleo de Jonathan Swift, por Charles Jervas. Na obra, o rosto do autor irlandês sobrepõe-se a um fundo escuro. Os cabelos de Swift são louros, estão repartidos ao meio e com leves ondas que chegam até seus ombros. O retratado está de perfil, tem olhos escuros e sobrancelhas grossas e castanhas. Ele traja um lenço branco ao redor do pescoço. Fim da descrição. Para Boyce (2004), esse quadro de salutar opressão social produziu um sentimento de solidariedade entre os católicos, unidos pela política colonial de usurpação de terras, perseguição política e tentativas sistemáticas de apagamento das tradições linguístico-culturais. Os movimentos nacionalistas, com isso, passam a ser, a um só tempo, um arcabouço de ideias contra-hegemônicas e uma prática de resistência ao panorama vigente. Um exemplo disso são os protestos em defesa do Home Rule (autogoverno) logo após a criação dos Union Acts (Atos de União) em 1801, quando a Irlanda é anexada ao Reino da Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), formando, assim, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Ainda no século XIX, ocorre a Grande Fome, um dos maiores abalos econômicos e demográficos na história do país, acarretado pelo alastramento de pragas nas plantações de batatas em áreas rurais da Irlanda entre 1845-1848. Nesse período, mais de 800 mil irlandeses morreram de inanição e outras doenças ligadas à desnutrição, além de ter havido uma expressiva emigração de cerca de 1 milhão de cidadãos. Essa tragédia produziu impacto também na própria distribuição da economia do país: o Norte, mais industrializado e cuja população era majoritariamente protestante, sofreu menos abalos; o Sul, por sua vez, dependente da economia rural e marcado pela centralização de grupos nacionalistas, viu-se tomado pela miséria, pela fome, pela diáspora, pelas mortes e pelos protestos de movimentos populares. Os pequenos proprietários de terra que ainda habitavam o sul do país unem-se ainda mais com vistas a fortalecer a defesa de um governo irlandês independente e se colocar contra a política colonial vigente de expropriação de terras, urbanização e supremacia protestante. Imagem Ilustração inglesa Strangling the Monster (Estrangulando o monstro), veiculada na revista inglesa Punch, em 5 de fevereiro de 1881, com a Clique no botão para visualizar. ACESSE A pesquisadora Jaqueline Arantes (2021, p. 51, 54) chega a afirmar que a Grande Fome marca finalidade de demonizar e deslegitimar aos leitores da Inglaterra os movimentos de pequenos proprietários de terra do sul da Irlanda que pertenciam à organização política Irish National Land League (Liga Nacional da Irlanda pela Terra). “O início de um período de resistência e de resgate da identidade do povo irlandês, presente principalmente nos movimentos literários que vieram a surgir no final do século XIX […] Inicia-se também nesse período um nacionalismo literário pós- fome. Com intuito de superar a dicotomia protestante-católica, motivados pelo sentimento anti-inglês, surgem grupos nacionalistas com a proposta de usar a literatura e os jornais a seu favor, já que durante os séculos XIX e XX era comum a leitura de romances vitorianos na Irlanda, por meio dos quais a literatura inglesa propagava um discurso que funcionava como um mecanismo do colonialismo cultural.” https://bit.ly/3kDdUvv Devido a esse compromisso social com a história e a tradição cultural irlandesas, os escritores nacionalistas da época são conhecidos pela historiografia literária como parte fundamental do Irish Literary Revival (Renascimento Literário Irlandês). A cultura passa a ser vista como uma ramificação da luta pelo direito à autonomia político- religiosa dos povos irlandeses e aos direitos sociais sobretudo da maioria católica, reprimida pelo poder institucional. O combate simbólico travado por escritores e meios de comunicação – o jornal semanal The Nation, Gaelic League (Liga Gaélica), Ibero-Celtic Society (Sociedade Ibero- Celta), Ossianic Society (Sociedade Ossiânica) e Phoenix Literary Society (Sociedade Literária Fênix) – ecoa essa perspectiva de ataque frontal aos ditames imperialistas a partir da produção e da publicação de poemas emulando formas literárias populares, canções e outras manifestações artísticas, de modo a inaugurar um projeto cultural cuja base seria uma atitude não contemplativa e insubordinada aos bens culturais ingleses. Segundo Rafael Vieira (2015, p. 55), esses agrupamentos buscavam “criar no país um sentimento que pudesse ser despertado pelo povo: o orgulho pela nação”. Esse orgulho despontou de forma inédita no final do século XIX e início do XX, com a disseminação de escritos de cunho político em jornais dirigidos por simpatizantes dos movimentos nacionalistas. Ao todo, entre os anos de 1853 e 1913, existiam exatamente 230 veículos de imprensa impressa que advogavam pelo autogoverno irlandês. O papel fundamental das artes nesse processo pode ser dimensionado pela sua própria capacidade de colaborar ativamente com a construção de uma identidade coletiva, ao engendrar, questionar ou reforçar costumes, linguagens, narrativas, mitos e práticas que, por sua vez, forjam nos indivíduos um sentido de pertencimento a um determinado tempo histórico e a uma nação. É nessa articulação entre história, memória e identidade que um grupo de artistas formado por William Butler Yeats, Lady Gregory, George Moore e Edward Martyn lança o Irish Dramatic Literary Theatre (Teatro Literário Dramático Irlandês) em 1899, um teatro que ambicionava produzir obras efetivamente irlandesas, isto é, obras pautadas na recuperação de mitos, sons e linguagem gaélicas, capazes de operar nos espectadores uma reflexão crítica sobre a história da Irlanda, tão marcada por autoritarismos, perseguições e apagamentos culturais. A pauta desses artistas e sua reivindicação por liberdade nas décadas que se seguem é desdobrada nas ruas, com consequências fatais inclusive para colegas e amigos de W. B. Yeats. Entre a segunda-feira e o sábado da Páscoa de 1916, ocorreu um dos eventos mais marcantes do embate entre irlandeses e ingleses no século XX, eternizado na história do país como Easter Rising (Levante de Páscoa). Uma insurreição armada composta de membros da Irish Republican Brotherhood (Irmandade Republicana Irlandesa) ocupa prédios institucionais em Dublin e proclamam o início de um governo republicano. A revolta é dispersada violentamente pelo exército britânico e, no mês seguinte, dezesseis líderes do levante são executados. Vídeo Sunday Bloody Sunday A canção Sunday, Bloody Sunday, do grupo irlandês de rock music, U2, é inspirada em dois eventos da história da Irlanda: no Easter Rising, de 1916, e no conflito sanguinário entre a polícia britânica e os jovens pacíficos que protestavam a favor dos direitos civis na cidade de Derry, na Irlanda do Norte, em janeiro de 1972. Sunday Bloody Sunday (Live From Red Rocks Amphitheatre, Color… https://www.youtube.com/watch?v=EM4vblG6BVQ Alguns anos depois, entre 1918 e 1919, o partido nacionalista Sinn Féin (Nós mesmos) vence as eleições gerais e declara o início do Estado Republicano da Irlanda, com o apoio do Irish Republican Army (Exército Republicano Irlandês – IRA). Após inúmeros conflitos com o Royal Constabulary Army (Polícia Real), o Tratado Anglo-Irlandês é assinado em 6 de dezembro de 1921, reconhecendo a independência da parte sul da Irlanda. Vídeo Ventos da Liberdade O filme de 2006 , dirigido pelo cineasta inglês Ken Loach, utiliza um enredo ficcional a fim de reconstituir alguns eventos da resistência armada irlandesa à ocupação inglesa nas primeiras décadas do século XX. Ventos da Liberdade | Trailer Legendado https://www.youtube.com/watch?v=dRl1BMBpQD8 Figura 4 – Cartaz do filme The wind that shakes the barley Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Cartaz do filme The wind that shakes the barley. Há algumas árvores ao fundo. À frente, há o registro de dois homens brancos e jovens em plano médio. Os dois têm os cabelos curtos e castanhos, olhos claros e vestem jaquetas. Um deles segura uma espingarda preta. Abaixo de suas imagens, há a inscrição do título do filme em letras grandes e brancas. No plano inferior, há outro registro fotográfico, de menor dimensão, em que oito homens caminham em uma paisagem montanhosa e nublada. Fim da descrição. O território norte do país permaneceu sob domínio da Grã-Bretanha, fator que gerou significativos impactos para a geopolítica europeia na segunda metade do século XX. Os embates entre paramilitares protestantes, associados ao unionismo do UVF e do UDA, e os católicos do IRA e INLA engendraram uma guerra civil entre os anos 1960 e 2000, chamada pelos historiadores de Troubles. Glossário UVF: Ulster Volunteer Force (Força Voluntária de Ulster), grupo paramilitar não separatista; UDA: Ulster Defense Association (Associação em Defesa de Ulster), grupo paramilitar unionista; IRA: Irish Republican Army (Exército Republicano da Irlanda), grupo paramilitar socialista e separatista; INLA: Irish National Liberation Army (Exército de Libertação Nacional da Irlanda), grupo paramilitar separatista e anticapitalista; Até os dias atuais, a Irlanda do Norte vive certa instabilidade social entre católicos e protestantes. As cicatrizes de anos de violência institucional e insurreições populares não deixam de estar impressas em cada rua, palco, página e canção irlandesas, reverberando toda uma história viva, pulsante e ainda em processo de construção. Figura 5 – Registro da repressão policial no conflito conhecido como Bloody Sunday (Domingo Sangrento) em que jovens não armados protestavam a favor dos direitos civis em janeiro de 1972. Catorze pessoas foram mortas, entre elas sete adolescentes Fonte: lesenfantsterribles.org #ParaTodosVerem: Registro fotográfico em preto e branco da repressão policial ao protesto em Derry, Irlanda do Norte, em 1972. Nele, dezenas de homens Unionism: vertente política inspirada nos Union Acts de 1801, em defesa da aliança política e religiosa do Reino Unido com a Irlanda. Seus membros eram majoritariamente protestantes. caminham em fila ao lado de um muro branco com as mãos cruzadas atrás da nuca. À direita, há vários policiais munidos de fuzis. Fim da descrição. Figura 6 – Registro da marcha ocorrida em 2007 em memória dos quatorze jovens mortos no conflito com a polícia britânica em 1972, na cidade de Derry, Irlanda do Norte Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Registro fotográfico da marcha em homenagem às quatorze vítimas da ação policial no protesto de Derry. No primeiro plano, há dezenas de pessoas concentradas na cidade, algumas segurando cartazes verdes. À frente deles, encontra-se um muro branco, com a seguinte inscrição em letras pretas: You are now entering Free Derry. À direita, há duas casas geminadas de cor bege-claro. À direita, encontra-se uma rodovia. Fim da descrição. Figura 7 – Registro da capa do Derry Journal de 2022, em que há uma homenagem aos mortos no conflito ocorrido em 1972, em Derry, Irlanda do Norte Fonte: Reprodução #ParaTodosVerem: Foto da capa em preto e branco do Derry Journal de 2022. No plano superior, há o nome do jornal em letras góticas grandes e na cor preta, sobre o subtítulo 50th anniversaty commemorative edition, escrito em letras menores e brancas. Abaixo dele, há uma foto da tragédia de 1972, com dois homens brancos ao centro. Um deles está caído ao chão, provavelmente ferido ou morto. Debruçado sobre ele, há outro homem. No plano inferior, sobre um fundo preto, há a inscrição em letras grandes e brancas, Never forget. Abaixo dele, a data “30.01.1972”, escrita em letras menores e brancas. Fim da descrição. O Renascimento Literário Irlandês e a Fundação do Teatro Literário Irlandês (1899) O Renascimento Literário na Irlanda compreende um movimento cultural irlandês localizado pela crítica especializada entre os séculos XIX e XX, quando a maioria dos escritores e artistas em geral defendia uma postura ética e nacionalista como pilar para uma nova arte, de cor local e sintonizada com os problemas sociais e políticos enfrentados pela população do país. O movimento buscou se distanciar da concepção colonialista de que a Irlanda seria um desdobramento cultural da Inglaterra e de que restava aos artistas irlandeses somente emular obras inglesas ou buscar o aperfeiçoamento a partir dos padrões estéticos impostos de fora. William Butler Yeats (1865-1939), Lady Gregory (1852-1932), George Russel (1867-1935) e John Synge (1871-1909) encabeçam um projeto de lançar as bases para a construção de uma arte nacional e autoconsciente de sua função social. O estabelecimento desse grupo de autores fortaleceu ainda mais o sentido de identidade coletiva e nacional entre os povos irlandeses, assim como ajudou a disseminar o sentimento de que era urgente se apropriar de uma tradição cultural local, que dialogava muito mais com as vidas dos cidadãos irlandeses do que a mera sobreposição mecânica de obras e vertentes estéticas inglesas. A pesquisadora Elisa Abrantes ressalta que o movimento “era necessário para se estabelecer diferenças entre a Irlanda e a Inglaterra e justificar a independência daquela em relação a esta, em um momento em que os modos irlandeses estavam esquecidos e o idioma gaélico praticamente extinto” (2018, p. 60). As principais obras do Renascimento Literário são Beside the fire, uma coletânea de mitos folclóricos irlandeses publicada em 1890 por Douglas Hyde; The celtic twilight, um conjunto de ensaios escritos por W. B. Yeats e lançado em 1893; a adaptação dramatúrgica pela Gaelic League (Liga Gaélica) e encenação nos palcos de Dublin de The Last Feast of the Fianna, inspirada no mito de Oisin; e Cathleen Ni Houlihan, peça de teatro escrita por Yeats e Lady Gregory, que trata dos protestos nacionalistas do fim do século XVIII, encenada em 1902. Douglas Hyde foi um dos irlandeses mais influentes do século XX. Escritor, político e linguista, Hyde atuou como mentor de W. B. Yeats e, em 1893, fundou a Gaelic League (Liga Gaélica), organização social e cultural em prol da promoção da língua gaélica dentro e fora do território irlandês, cujo trabalho permanece ativo até os dias atuais. Além disso, Hyde foi eleito presidente da Irlanda em 1938. Figura 8 – Retrato de Douglas Hyde Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Retrato em preto e branco de Douglas Hyde. Ele tem cabelos escuros penteados para trás, sobrancelhas escuras e grossas, olhos claros e um volumoso bigode escuro. Veste uma camisa branca, com o colarinho levantado, e um paletó preto. Mais especificamente no terreno teatral, Yeats e Lady Gregory publicam o texto-manifesto Manifest for the Literary Theatre (Manifesto pelo Teatro Literário) em 1897, declarando o anseio do grupo em promover a dramaturgia irlandesa e conectar os enredos das obras ao público do país. Nas palavras dos artistas, a proposta era: - GREGORY, 1982, p. 6 “Encenar na primavera de cada ano, em Dublin, algumas peças celtas e irlandesas escritas de maneira ambiciosa, independente do grau de excelência que possuam. Será, então, construída uma escola irlandesa e celta de dramaturgia. Esperamos encontrar na Irlanda uma plateia criativa e legítima, de ouvidos aguçados e crente de que nosso desejo de levar aos palcos as emoções e reflexões sobre a Irlanda nos permitirá uma maior liberdade de experimentar materiais não encontrados nos teatros da Inglaterra, sem os quais nenhum movimento artístico ou literário da Irlanda terá sucesso.” Em 1899, a dupla de artistas junta-se a Edward Martyn e funda o Irish Literary Theatre (Teatro Literário Irlandês), proposta de renovação cênica concretizada a partir da reabertura de um espaço-chave da cultura irlandesa: o Abbey Theatre, em Dublin. Com quase seiscentos assentos, o Abbey, em pouco tempo, se consagra como palco da máxima expressão da nova arte dramática irlandesa, obtendo grande sucesso de público e de crítica. Também conhecido por National Theatre of Ireland (Teatro Nacional da Irlanda), o Abbey é atualmente subsidiado por verbas estatais e é considerado um dos maiores patrimônios culturais da Irlanda. Retrato da entrada do Abbey Theatre em seu endereço atual, na 26 Lower Abbey Street, em Dublin. No início do século XX, o Abbey abrigou dramaturgos que marcaram, de maneira indelével, a história do teatro irlandês, como Yeats, Lady Gregory, John Millington Synge e Sean O’Casey. Figura 9 – Registro fotográfico da fachada do Abbey Theatre, em Dublin Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Registro fotográfico da fachada do Abbey Theatre, em Dublin, Irlanda. Há dois andares com três grandes pilastras entre as faces externas da construção. A porta principal é de vidro e permite ver parcialmente a área interna do teatro, bem como alguns de seus frequentadores. Acima, há quatro janelas de vidro que também fornecem visão da parte interna do edifício. Entre o térreo e o primeiro piso, em letras grandes com luzes azuis, encontra-se inscrito o nome do teatro. Fim da descrição. William Butler Yeats (1865-1939) Yeats é considerado pela historiografia literária um dos principais nomes da literatura irlandesa do século XX. A despeito de ter pertencido a uma família protestante com certa influência social na época, Yeats encontrou, no campo literário, um meio de expressar seu apoio à causa nacionalista e aos povos nativos da Irlanda, principalmente àqueles perseguidos pelos ditames da Inglaterra. Mesmo tendo obtido sua formação escolar e passado grande parte de sua vida adulta em Londres, o escritor fomentou uma literatura, sobretudo no campo da poesia e da dramaturgia, debruçada na cultura popular e local de seu país natal, baseando-se no folclore irlandês: “Quando eu comecei a escrever, meus assuntos variavam conforme as minhas leituras, preferindo os quaisquer países para os quais o Arcadismo me levava, mas neste momento estou convencido de que eu nunca devo procurar o cenário de um poema em qualquer outro lugar além do meu país, e acredito que devo manter essa convicção até o fim.” Yeats escreveu poemas, peças, romances e contos, todos ambientados em solo irlandês, além de publicar críticas de livros e ensaios cuja preocupação de fundo pautava-se na situação política da Irlanda. Seus poemas foram inicialmente publicados em 1885, no jornal de tendência separatista Dublin University Review, na mesma época em que o escritor estreitou laços de amizade com o militante nacionalista e ex-exilado político John O’Leary. De acordo com a correspondência trocada entre os dois, Leary foi um dos que encorajou Yeats a escrever poemas inspirados em lendas e baladas do folclore irlandês. Aos olhos da crítica, o relacionamento amoroso de Yeats com a feminista e ativista política Maud Gonne também parece ter influenciado sua produção poética. Kathleen Donnelly (2011, p. 1) afirma que, após os protestos nacionalistas de 1875, na época em que Yeats e Lady Gregory trabalharam juntos no Irish Literary Theatre, “Gregory incentivou o escritor a participar de debates estéticos, ao passo que Gonne o levou a debater a política local”. Será a Gonne que Yeats dedicará as peças The Countess Kathleen (1892) e Cathleen Ni Houlihan (1902). Maud Gonne é um dos nomes femininos mais importantes na história da luta pela independência na Irlanda. Nascida na Inglaterra, Gonne identificava-se com a causa irlandesa, associando sua militância política junto aos nacionalistas com o movimento sufragista. As campanhas de Gonne a favor do autogoverno irlandês se estenderam à Escócia, à Inglaterra e ao País de Gales, ganhando grande repercussão. Atualmente, há uma foto em tamanho real de Gonne na Praça Parnell, em Dublin, em sua homenagem. - YEATS, 2011, p. 51 Figura 10 – Retrato de Maud Gonne Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Retrato fotográfico em preto e branco de Maud Gonne. Ao fundo, há uma paisagem nublada. A retratada traja um alto chapéu na cor preta, um paletó com gola, cinto e saia pretos. Gonne tem os cabelos pretos e presos, olhos escuros e sua mão esquerda está apoiada na cintura. Fim da descrição. Cathleen Ni Houlihan, escrita por Yeats e Gregory, é ambientada em um chalé de camponeses, localizado perto de Killala, na véspera de casamento de Michael Gillane com Delia. Na cena de abertura, a família do noivo está conversando sobre o dote de Delia, quando Michael entra em cena e afirma ter agendado a cerimônia para o dia seguinte, entregando a soma do dote para a família. Logo depois, Cathleen, uma velha mulher misteriosa, aparece à porta para fazer um chamado às personagens. Ela canta sobre o roubo de seus quatro verdes campos, numa clara alusão às quatro províncias da Irlanda (Ulster, Munster, Leinster e Connacht), e louva os patriotas que morreram pela causa nacional. O canto de Cathleen vai além e exorta as personagens a fazerem o mesmo, isto é, a segui-la a fim de defender as terras da Irlanda e expulsar os invasores. A personagem é explícita quanto ao sacrifício necessário dos “verdadeiros filhos de Éire” (GREGORY; YEATS, 1982, p. 4, tradução nossa) e à urgência de um embate armado: “Eles que têm rostos corados, serão empalidecidos por causa minha, e por tudo isso, ficarão felizes com a recompensa” (GREGORY; YEATS, 1982, p. 21, tradução nossa). Após essa entrada lírica de Cathleen, Delia e a família Gillane assistem, passivos, à partida de Michael, que abandona os planos de casamento e a vida no campo para seguir a velha mulher misteriosa. Ao saírem de cena, o filho chega ao chalé e afirma ter visto seu irmão caminhar ao lado de uma jovem moça, cujo andar se assemelhava ao de uma rainha. A velha mulher havia finalmente se convertido em líder soberana. A caracterização da protagonista pertence à esfera da alegoria: Cathleen se apresenta como símbolo da Irlanda, tornando-se uma bela rainha a partir do apoio e do sacrifício de jovens camponeses que, por sua vez, deveriam priorizar o compromisso social e político sobre quaisquer interesses familiares e/ou amorosos. Essa atmosfera, que pode ser compreendida em sua dimensão apologética à luta armada, encontra um eco produtivo no poema Easter 1916, publicado por Yeats em 1921. Ao lidar com os eventos do Levante de Páscoa de 1916, o eu lírico trabalha com a contradição entre a banalidade de uma vida alienada dos problemas sociais (“palavras corteses e banais”), o sentimento de luto pela morte dos mártires do Levante (“tudo mudou, mudou em toda dimensão”) e a esperança que o protesto inspirou nos irlandeses (“uma terrível beleza nasceu”): - YEATS, 1992, 1-16. Tradução de Paulo Vizioli “Eu encontrei-os no crepúsculo da tarde; Vinham, no rosto a animação, De escrivaninha ou de balcão, Entre as casas cinzas, do século dezoito. Passei saudando-os de cabeça, ou bem Com palavras corteses e banais; Ou demorei-me um pouco e disse Coisas corteses e triviais; E pensei antes de ir, Numa história escarninha ou numa zombaria Com que pudesse um companheiro divertir No clube, em torno da lareira, Mas certo de que eles e eu Vivíamos onde se usavam trajes de bufão: Tudo mudou, mudou em toda dimensão: Uma terrível beleza nasceu.” A disposição ao combate político, portanto, representaria o início de uma nova identidade coletiva ao povo irlandês, assim como a luta cultural impulsionada por Yeats e seus colegas. O sucesso de seu empreendimento na literatura e nos palcos do país contribuiu para que o escritor ocupasse a cadeira de presidente do Abbey Theatre até 1915. Nesse tempo, Yeats escreveu dez peças de teatro e outras dezenas de poemas paradigmáticos para a literatura moderna em língua inglesa. Em 1922, após a guerra pela independência, Yeats é nomeado membro do Senado da Irlanda, tendo cumprido essa função de figura política por seis anos. Além disso, o escritor foi agraciado por um Prêmio Nobel de Literatura em 1923. De acordo com o poeta, crítico literário e intelectual irlandês Seamus Deane (1985), o trabalho de Yeats não pode ser lido de outra forma, senão como algo revolucionário, posto que utiliza as tradições culturais da Irlanda numa atitude não complacente com os lugares de poder, seja ele político ou estético. Brian Friel e a Representação dos Discursos de Poder no Palco Irlandês Brian Friel (1929-2015) foi um dramaturgo, contista e fundador do grupo de teatro irlandês Field Day Theatre Company. Nasceu na cidade de Knockmoyle, na Irlanda do Norte, mas sua família se muda para Derry logo que o autor completa 10 anos de idade. Após se graduar na St. Patrick College, Maynooth, e obter o certificado de licenciatura na St. Joseph’s Training College, Friel exerce o cargo de professor de Matemática em escolas de Ensino Básico em Derry, função que abandona no início da década de 1960 a fim de exercer seu ofício de escritor em tempo integral. Suas peças de teatro, produções que o consagraram como um dos grandes autores da literatura contemporânea, examinam de perto as diversas camadas de significação presentes na identidade nacional irlandesa ao longo da segunda metade do século XX. Lançando mão de expedientes estéticos já trabalhados por Yeats, como o uso de personagens alegóricas e de uma forte musicalidade, a dramaturgia de Friel procura escavar criticamente as questões sociais da Irlanda do Norte verificando como esses assuntos se desdobraram desde o período turbulento da Independência até a atualidade e como eles atravessam a vida das personagens. Muito mais do que simples pano de fundo, a política no teatro de Friel é elemento que fundamenta os princípios de sociabilidade e de classe na Irlanda do Norte, orientando as relações de trabalho, os laços afetivos e a construção de subjetividades. Figura 11 – Retrato de Brian Friel Fonte: Reprodução #ParaTodosVerem: Retrato de rosto de Brian Friel. O autor está de frente, tem os cabelos grisalhos penteados para trás e possui olhos castanhos. Veste uma camisa azul, gravata de tom escuro e um paletó esverdeado. Não à toa, seu teatro é amplamente reconhecido pela potência de mapear os conflitos associados à ideia de lar, país natal, pertencimento, identidade coletiva e memória coletiva – assunto que interessa não só aos irlandeses, mas a todos aqueles preocupados em compreender os modos pelos quais as configurações geopolíticas e as estruturas de dominação social dimensionam e restringem nossa visão de mundo. Ao todo, Friel escreveu 34 peças de teatro, dentre as quais oito permanecem inéditas em língua inglesa, seis adaptações de Tchekhov e Turgeniev e uma adaptação de Henrik Ibsen. Catorze de seus textos autorais se passam na cidade fictícia de Bellybag, forma inglesa da expressão gaélica “Baile Beag”, cujo significado é “cidadezinha”. Esse artifício composicional revela muito da potência do autor: entre a Irlanda e a Inglaterra ou entre a língua gaélica e o inglês havia uma nação-fantasma, de fronteiras indefinidas, com uma história marcada por silenciamentos impostos pela política colonial, bem como por assassinatos e torturas infligidas pelo Estado. Friel parece interpelar o espectador a respeito do papel que a Irlanda do Norte representava para o Reino Unido. Seria ela uma espécie de quintal ou cidadezinha, com uma geografia que já denuncia sua posição hierárquica dentro do que chamamos de Grã-Bretanha? Mas quais seriam as fronteiras da Irlanda e a identidade irlandesa após a Independência, quando houve a separação entre Estado Livre Irlandês e Irlanda do Norte? Ao se debruçar sobre tais questões, Friel produz uma dramaturgia de tom moderno, composta por inúmeros solilóquios e monólogos, em que os personagens se movem em direção ao abismo de suas próprias expectativas de futuro. Chamado de “Tchekhov irlandês”, o autor explora o isolamento das personagens e a impossibilidade do diálogo e de ação coletiva dentro uma sociedade fragmentada e socialmente desigual, marcada pela memória do terror institucional e da submissão compulsória dos povos nativos. Nos anos 1980, Friel ganhou uma expressiva notoriedade no campo teatral e político, devido ao sucesso de sua produção e ao apoio declarado ao Partido Nacionalista. O dramaturgo foi membro do American Academy of Arts and Letters, do British Royal Society of Literature e da Irish Academy of Letters. Tal como Yeats, foi nomeado para ocupar uma posição no Senado da Irlanda, em 1987. Além disso, Dançando em Lúnassa recebeu os prêmios Tony, Laurence Olivier e New York Drama Circle de melhor peça teatral. No Brasil, uma parcela do trabalho de Friel foi traduzida por Domingos Nunez, tradutor literário e diretor teatral da Cia Ludens. O grupo trouxe, pela primeira vez aos palcos brasileiros, as peças O fantástico reparador de feridas, Dançando em Lúnassa, Filadélfia, lá vou eu e Performances – obras que foram recentemente publicadas em português. Um ponto de convergência na crítica sobre o conjunto da dramaturgia de Friel é que há dois momentos de sua produção: o primeiro, cujas obras foram escritas entre 1960 e 1990, traz para o primeiro plano a crise política na Irlanda do Norte; e o segundo, a partir de 1990, focado mais em aprofundar a caracterização psicológica das personagens. A despeito disso, Domingos Nunez verifica que as peças do chamado “segundo momento” do trabalho de Friel, ainda que dotadas de uma forte temática psicológica, “relacionam-se intrinsecamente com a evolução da história política e social da Irlanda” (NUNEZ, 2013, p. 7). Glossário Monólogo e solilóquio: alguns teóricos distinguem os dois termos, ressaltando que o monólogo ocorre quando as falas da personagem são dirigidas exclusivamente ao público, sem a presença do diálogo interpessoal. Já o solilóquio também expressa a fala solitária de uma personagem, mas, em vez de dirigir-se ao público, a personagem fala consigo mesma, numa espécie de meditação exposta ao público. É nessa esteira que se move o teatro de Friel, ou seja, reconhecendo a porosidade e as brechas existentes no limiar entre público e privado, história e subjetividade, memória social e identidade. Figura 12 – Pôster da montagem de Faith Healer, de Brian Friel, no Royal Court Theatre em 1981 Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Pôster da montagem de Faith Healer, de Brian Friel, no Royal Court Theatre, em 1981. No plano superior da imagem, sobre um fundo marrom, há a inscrição em letras brancas “Royal Court Theatre”. Abaixo dela, em letras grandes e na cor preta, há os nomes dos atores “Patrick Magee, Helen Mirren e Stephen Lewis”. Ao centro, há a ilustração de um homem com cabelos pretos e curtos, sobrancelhas pretas e grossas, olhos castanhos e expressão séria. O homem veste uma camisa branca, gravata cinza e paletó preto. No plano inferior, há a inscrição do título da peça em letras grandes e brancas, seguida do nome do autor em letras menores e brancas. Fim da descrição. O filme Dancing at Lughnasa, de 1998, é uma adaptação para o cinema da peça homônima de Brian Friel. O longa-metragem tem a direção de Pat O’Connor e ganhou o Irish Film and Television Award na categoria de melhor ator, além de ter sido indicado para outras seis premiações. Figura 13 – Pôster do filme Dancing at Lughnasa, 1998 Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Pôster do filme Dancing at Lughnasa, de 1998. No plano superior, sobre a imagem de um céu azul com poucas nuvens, há o retrato de perfil de uma mulher branca, de cabelos loiros e curtos e olhos claros, usando uma boina preta. À direita, há os nomes dos atores em letras pequenas e vermelhas. Ao centro, encontra-se o título do filme em letras grandes e vermelhas. No plano inferior, há uma paisagem campestre ao fundo, com montes e árvores. Em frente a ela, estão cinco mulheres em círculo, de mãos dadas. Fim da descrição. Figura 14 – Registro da encenação de Translations, em Minsk, em 1980 Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Registro da encenação de Translations, em Minsk, em 1980. Ao fundo, há o cenário da peça, com as construções em pedra de Baile Beag. Quatro atores mantêm-se ao fundo, vestindo armaduras e de frente ao público. Em primeiro plano, nove atores posicionam-se lado a lado, de mãos dados, em posição de agradecimento final. Fim da descrição. Figura 15 – Registro da estátua construída em homenagem a Brian Friel (à esquerda) na cidade de Dublin, em 1994 Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Registro da estátua de tamanho natural construída em homenagem a Brian Friel em Dublin, em 1994. Ao fundo, vê-se a janela da Warrington House e parte de sua fachada. Mais à frente, encontram-se as duas estátuas de bronze. À direita, há a reprodução do dramaturgo e escritor irlandês John B. Keane, que está de perfil e com os braços flexionados. À esquerda, há a estátua de Brian Friel, que tem os braços cruzados. As obras são circundadas por uma cerca de proteção. Fim da descrição. A Poesia de Seamus Heaney: entre Arte e Ética Seamus Heaney foi poeta, tradutor e dramaturgo irlandês. Filho de um pecuarista e de uma herdeira da indústria têxtil, Heaney nasceu em Tamniaran, Irlanda do Norte, e desde cedo, teve contato com a tensão entre o lado rural e o industrial do país. Ele completa seus estudos em Literatura Inglesa na renomada Queen’s University, em Belfast, onde inicia sua trajetória como professor conferencista e encontra inspiração para seguir a carreira de escritor. Ao encontrar uma cópia da obra Lupercal, coletânea de poemas do autor inglês Ted Hughes, Heaney subitamente “percebe que o objeto da poesia contemporânea era o material de sua própria vida” (HEANEY, 2007, n. p). Em 1963, Heaney junta-se ao grupo de poetas de Belfast, liderado por Philip Hobsbaum, e, a partir daí, suas trajetórias acadêmica e poética despontam. Atuou como professor da Universidade da California e de Harvard, nos Estados Unidos; em Carysfort, na cidade de Dublin, na Irlanda; e em Oxford, na Inglaterra. Seus escritos também são produzidos em escala expressiva: foram doze volumes de poesia publicados em vida; cinco coletâneas de poemas; duas peças de teatro; quatro volumes de produções em prosa, entre ensaios e palestras; e oito traduções literárias. Em 1995, Seamus Heaney ganha o Prêmio Nobel de Literatura, fato que opera uma grande mudança na circulação mundial de sua obra. No Brasil, a primeira editora a publicar os poemas do autor traduzidos em língua portuguesa é a Companhia das Letras, que, em 1998, lança uma antologia com mais de 150 poemas vertidos para o português por José Antonio Arantes. Figura 16 – Seamus Heaney, 2009 Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Retrato fotográfico de meio plano de Seamus Heaney. O autor encontra-se sobre um fundo preto, sentado a uma mesa e segurando um copo de água. Heaney tem os cabelos brancos e curtos, veste uma camisa e gravata azuis e um paletó cinza. À direita, sobre a mesa, há uma jarra com água. Fim da descrição. Em 2003, é inaugurado, na Queen’s University, o Seamus Heaney Centre for Poetry, local que abriga um arquivo completo da obra de Heaney, incluindo materiais de entrevistas e depoimentos transmitidos na televisão e no rádio. Também em 2003, o poeta faz uma doação de grande parte de seu acervo pessoal para a Emory University, que continha várias edições raras de autores irlandeses como Yeats, Michael Longley, Paul Muldoon e Ciaran Carson. Heaney é, com frequência, categorizado pela crítica especializada como um poeta que transforma os materiais cotidianos na vida irlandesa em conteúdo de extrema densidade política, evidenciando uma poética norteada, sobretudo, por princípios éticos. Na obra Station Island, dedicada a Brian Friel e publicada em 1984, Heaney centraliza sua composição poética em torno desse espaço simbólico de Station Island ou, como também chamado pelos irlandeses, o Purgatório de São Patrício, no condado de Donegal, Irlanda do Norte. Conhecido pela população local como um lugar de peregrinação de cristãos, esse espaço protagônico funciona na obra de Heaney a partir de seu caráter metafórico, isto é, ligado ao próprio fazer poético. Em Station Island, o exercício da escrita coaduna-se à peregrinação, posto que a poesia também exige sacrifícios por parte do poeta, esperança no porvir e uma fé inelutável no indivíduo. Na seção IX do poema, o eu lírico funde-se a Francis Hughes, personagem política da história da Irlanda. Hughes era membro do Exército Republicano da Irlanda (IRA), havia sido preso por agitação após participar dos Troubles na Irlanda do Norte e ficou conhecido por impulsionar uma greve de fome dentro do presídio, a fim de provar que os jovens encarcerados na época dos protestos eram, na verdade, prisioneiros políticos e que, portanto, a sentença de prisão era incompatível com o regime democrático supostamente defendido pela Grã-Bretanha. Figura 17 – Retrato de Francis Hughes Fonte: Wikimedia Commons #ParaTodosVerem: Retrato fotográfico em preto e branco de Francis Hughes. Hughes sorri, apoiado sobre uma almofada floral e traja uma camisa branca estampada. Tem os cabelos escuros e muito curtos, sobrancelhas grossas e castanhas, olhos escuros e bigode também castanho. Fim da descrição. Ao ecoar a voz e o sacrifício de Hughes em prol do compromisso político e social com a Irlanda, o eu lírico constrói um ponto de conflito identitário ao friccionar a função do poeta à militância política: A voz revolucionária de Hughes, expressa nos dois primeiros versos, longe de estar diametralmente distante do ofício do poeta – aparentemente passivo, obediente e socialmente alienado (biddable e unforthcoming) –, injeta a dimensão social e ética na escrita literária. Se Francis Hughes sentiu-se impelido à anulação individual, preferindo a morte por inanição ao conformismo social, o poeta também precisou reiteradamente ceder sua própria identidade por meio de uma composição ética, erigida a partir do reconhecimento do poder individual de - HEANEY, 1984, p. 72 “My brain dried like spread turf, my stomach Shrank to a cinder and tightened and cracked Often I was dogs on my own track Of blood on wet grass that I could have licked. Under the prison blanket, an ambush (...) My softly awash and blanching self-disgust. And I cried among night waters, 'I repent My unweaned life that kept me competent To sleepwalk with connivance and mistrust.’ (…) I hate how quick I was to know my place I hate where I was born, hate everything That made me biddable and unforthcoming” agência política. É assim que a poesia de Seamus Heaney interpela os leitores, como indivíduos históricos que detêm o poder de transformar a história. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Dançando em Lúnassa FRIEL, B. Dançando em Lúnassa. São Paulo: Editora Hedra, 2013. Poemas HEANEY, S. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Vídeo Associação Brasileira de Estudos Irlandeses da Universidade de São Paulo (ABEI) Clique no botão para conferir o canal indicado. 2 / 3 ˨ Material Complementar ASSISTA Leitura History and Myth in Yeats’s ‘Easter 1916’ Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE https://www.youtube.com/channel/UCvpyI3DT7zkMy4RaKJGh2wA https://academic.oup.com/eic/article-abstract/XXI/3/248/501833?redirectedFrom=PDF ARANTES, J. P. O papel do teatro irlandês na construção de um país independente: um olhar político e histórico sobre a peça “The Countess Cathleen”, de W. B. Yeats. 2021. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Mestrado em Letras, Universidade Federal de São João del Rei, São João Del Rei, MG, 2021. Disponível em: . Acesso em: 26/08/2022. BOYCE, G. Nationalism in Ireland. [S. l.]: Routledge, 2004. DEANE, S. Celtic revivals: essays in modern irish literature. London: Faber & Faber, 1985. DONNELLY, K. D. W. B. Yeats and Maud Gonne. SuchFriends Blog, c2022. Disponível em: . Acesso em: 12/08/2022. EDWARDS, T. M., “Early Irish law”. In: A new history of Ireland, vol. 1: Prehistoric and early Ireland, Oxford: Oxford University Press, 2005. GREGORY, L. Our Irish Theatre: A Chapter in Autobiography. New York: G. Putnam's Sons, 1913. HEANEY, S. Faces of the week. BBC News, 19/01/2007. HEANEY, S. Station Island. London: Faber and Faber, 1984. 3 / 3 ˨ Referências MCDOWELL, R.B. The Protestant Nation (1775-1800). In: MOODY, T. W.; MARTIN, F. X. (orgs.). The Course Of Irish History, 1994. Dublin: Mercier Press, 1967. NUNEZ, D. Apresentação. In: FRIEL, B. Dançando em Lúnassa. São Paulo: Editora Hedra, 2013. SWIFT, J. A modest proposal. Estados Unidos: Project Gutenberg, 1929. Disponível em: . Acesso em: 19/08/2022. VIEIRA, B. R. de L. O folclórico e o político no teatro de Yeats: estética romântica e nacionalismo em “The Countess Cathleen”. 2015. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Mestrado em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015. Disponível em: . Acesso em: 19/08/2022. YEATS, W. B. Collected plays. London: Papermac, 1982. YEATS, W. B. Fairy and folk tales of the irish peasantry. London: Dover Press, 2011. YEATS, W. B. Poemas. Org., introd. e trad. de Paulo Vizioli. São Paulo: Schwarcz, 1992.